reflexos do novo cÓdigo civil no direito processual · direito processual civil é fundamental...

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REFLEXOS DO NOVO CÓDIGO CIVIL NO DIREITO PROCESSUAL Cópia de Reflexos do Novo Cód Civil no D Processual_2.pmd 1/2/2007, 08:48 1

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REFLEXOSDO NOVO CDIGO CIVIL

NO DIREITO PROCESSUAL

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Culturalismo e experinciano Novo Cdigo Civil Judith Martins-Costa

Cdigo Civil de 2002 e o Judicirio: aponta-mentos na aplicao das clusulas gerais Rodrigo Mazzei

A garantia fundamental da proporcionali-dade em sua projeo no Novo Cdigo CivilBrasileiro Willis Santiago Guerra Filho

O Novo Cdigo Civil e o Direito Processual Jos Carlos Barbosa Moreira

Das relaes entre o Cdigo Civile o Direito Processual Civil Alexandre Freitas Cmara

O Novo Cdigo Civil e as regrasheterotpicas de natureza processual Humberto Theodoro Jnior

Aspectos processuais da desconsideraoda personalidade jurdica Fredie Didier Jr.

O Art. 72 do Novo Cdigo Civil e seureflexo na competncia jurisdicional Bruno Freire e Silva

Reconhecimento dos fatos jurdicose Estatuto de Direito Privado Gabriel Pintaude

Distino cientfica entre prescrioe decadncia. Um tributo a obrade Agnelo Amorim Filho Humberto Theodoro Jnior

A prescrio e a sua pronncia de ofcio:qual a extenso da revogaodo art. 194 do Cdigo Civil? Rodrigo Mazzei

Anotaes sobre o ttuloda Prova do Novo Cdigo Civil Jos Carlos Barbosa Moreira

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI Organizadores

La negativa de la partea somertese a una pericia medica(Segn el Nuevo Cdigo Civil brasileo) Jos Carlos Barbosa Moreira

O art. 232 do CC e a smula 301do STJ Presuno legal ou judicialou fico legal? Gisele Santos Fernandes Ges

Evico e denunciao da lideno Novo Cdigo Civil Flvio Luiz Yarshell

Pretenso do ru de manter o contrato commodificao de suas clusulas diante de pe-dido do autor de resoluo por onerosidadeexcessiva Pedido contraposto previsto pelaLei Material (Art. 479, CC) Daniel Amorim Assumpo Neves

A interveno de terceiro em ao diretada vtima contra o segurador e o art. 788 doCdigo Civil Uma proposta de interpretao Daniel Luz Martins de Carvalho Manuela Ghissoni de Carvalho

Aspectos materiais e processuais da respon-sabilidade patrimonial do incapaz William Santos Ferreira

Defesa da posse e aes possessrias Arruda Alvim

Controvrsias constitucionais acerca dousucapio coletivo Pablo Stolze Gagliano

Contributo dinmica da chamada desapro-priao judicial: dilogo entre Constituio,Direito e Processo Glauco Gumerato Ramos

Questes materiais e processuais envolven-do as aes de direito e famlia Flvio Tartuce

Ensaio acerca do impacto do Novo CdigoCivil sobre os processos pendentes Guilherme Rizzo Amaral

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FREDIE DIDIER JR.RODRIGO MAZZEI

Organizadores

ALEXANDRE FREITAS CMARAARRUDA ALVIM

BRUNO FREIRE E SILVADANIEL AMORIM ASSUMPO NEVESDANIEL LUZ MARTINS DE CARVALHO

FLVIO LUIZ YARSHELLFLVIO TARTUCEFREDIE DIDIER JR.GABRIEL PINTAUDE

GISELE SANTOS FERNANDES GESGLAUCO GUMERATO RAMOSGUILHERME RIZZO AMARAL

HUMBERTO THEODORO JNIORJOS CARLOS BARBOSA MOREIRA

JUDITH MARTINS-COSTAMANUELA GHISSONI DE CARVALHO

PABLO STOLZE GAGLIANORODRIGO MAZZEI

WILLIAM SANTOS FERREIRAWILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO

2 edio2007

REFLEXOSDO NOVO CDIGO CIVIL

NO DIREITO PROCESSUAL

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Capa: Carlos Rio Branco BatalhaDiagramao: Mait Coelho

[email protected]

Todos os direitos desta edio reservados Edies JusPODIVM.

Copyright: Edies JusPODIVM terminantemente proibida a reproduo total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo,sem a expressa autorizao do autor e da Edies JusPODIVM. A violao dos direitos autoraiscaracteriza crime descrito na legislao em vigor, sem prejuzo das sanes civis cabveis.

Rua Rodrigues Dria, 163, Jardim ArmaoTelefax.: (71) 3363.5050CEP: 41750-030 Salvador Bahiae-mail: [email protected]

Conselho EditorialDirley da Cunha Jr.Fernanda MarinelaFredie Didier Jr.Gamil Fppel El HirecheJos Marcelo Vigliar

Nestor TvoraPablo Stolze GaglianoRobrio Nunes FilhoRodolfo Pamplona FilhoRodrigo Reis MazzeiRogrio Sanches Cunha

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SUMRIO

NOTA DOS COORDENADORES SEGUNDA EDIO .................. 15APRESENTAO ..................................................................................... 17

Captulo ICULTURALISMO E EXPERINCIANO NOVO CDIGO CIVIL ..................................................................... 21Judith Martins-Costa1. A vocao prospectiva do novo Cdigo: bases culturalistas ................. 252. O Cdigo como razo comunicativa,

ou o modelo da complementaridade intertextual ................................ 313. Concluso ............................................................................................... 37Bibliografia ................................................................................................... 40

Captulo IICDIGO CIVIL DE 2002 E O JUDICIRIO: APONTAMENTOSNA APLICAO DAS CLUSULAS GERAIS ..................................... 43Rodrigo Mazzei1. Do objeto do trabalho ............................................................................. 432. As codificaes de 1916 e 2002: alteraes

que extrapolam os dispositivos .............................................................. 442.1. Novos princpios ............................................................................. 472.2. Da mobilidade e durabilidade como inspirao legislativa ............ 49

3. Clusulas gerais e o Cdigo Civil de 2002 ............................................ 523.1. Conceito e Estruturao .................................................................. 523.2. Clusula geral e os conceitos jurdicos

indeterminados: convergncias e diferenas ................................... 543.3. Sistematizao ................................................................................. 54

4. O Judicirio e as Clusulas gerais .......................................................... 584.1. Da fora da jurisprudncia (precedentes) ....................................... 604.2. Voto de confiana no Judicirio ...................................................... 614.3. Importncia do juiz de primeiro grau .............................................. 66

4.3.1.Do recurso especial e as clusulas gerais .............................. 685. Fechamento ............................................................................................ 73Bibliografia ................................................................................................... 76

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Captulo IIIA GARANTIA FUNDAMENTAL DA PROPORCIONALIDADEEM SUA PROJEO NO NOVO CDIGO CIVIL BRASILEIRO .... 87Willis Santiago Guerra Filho

Captulo IVO NOVO CDIGO CIVIL E O DIREITO PROCESSUAL .................. 105Jos Carlos Barbosa Moreira

Captulo VDAS RELAES ENTRE O CDIGO CIVILE O DIREITO PROCESSUAL CIVIL ..................................................... 123Alexandre Freitas Cmara1. Introduo............................................................................................... 1232. Uma viso pessoal do Cdigo Civil de 2002 ......................................... 1243. Das boas relaes entre o Cdigo Civil e o Direito Processual Civil .... 125

3.1. Dos conceitos do Cdigo Civil aplicveisem sede processual civil .................................................................. 126

3.2. Das normas processuais bem localizadas no Cdigo Civil ............ 1274. Das ms relaes entre o Cdigo Civil e o Direito Processual Civil ..... 130

4.1. Das ms relaes decorrentes da inadequadaincluso de normas processuais no Cdigo Civil ........................... 130

4.2. Das ms relaes decorrentes da inadequada compreenso,pelo Cdigo Civil, de conceitos processuais .................................. 134

5. Concluso ................................................................................................. 138

Captulo VIO NOVO CDIGO CIVIL E AS REGRASHETEROTPICAS DE NATUREZA PROCESSUAL .......................... 139Humberto Theodoro Jnior1. Interferncia da nova lei civil na seara do direito processual civil ........ 1392. Algumas normas do Cdigo Civil que diretamente

estabeleceram regras processuais inovadoras ........................................ 1403. Prescrio e Decadncia: cognoscibilidade ex officio ............................ 1414. Solidariedade ativa e coisa julgada ........................................................ 1435. Chamamento ao processo, do segurado,

em ao direta da vtima contra a seguradora ........................................ 1466. Chamamento da seguradora na ao de responsabilidade

civil manejada apenas contra o segurado ............................................... 1477. Litisconsrcio entre cnjuges nas aes reais imobilirias .................... 1488. Denunciao da lide per saltum ............................................................. 150

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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9. Nomeao autoria na ao reivindicatria contra o detentor .............. 15110. Chamamento ao processo em ao de alimentos ................................... 15311. Regras traadas pelo Cdigo Civil para as arremataes

reguladas pelo Cdigo de Processo Civil ............................................... 15511.1. Evico .......................................................................................... 15511.2. Impedimentos arrematao ......................................................... 15611.3. Hipoteca legal ................................................................................ 157

Captulo VIIASPECTOS PROCESSUAIS DA DESCONSIDERAODA PERSONALIDADE JURDICA ........................................................ 159Fredie Didier Jr.1. Considerao introdutria ...................................................................... 1592. A premissa constitucional da teoria da desconsiderao

da personalidade jurdica: a funo social da propriedade .................... 1593. A teoria da desconsiderao da personalidade jurdica: generalidades ...... 1634. A citao dos scios e o devido processo legal ...................................... 1675. Notas ao Projeto de Lei n. 2.426/2003, que disciplina

o procedimento de aplicao da sano da desconsideraoda personalidade jurdica ........................................................................ 171

6. ntegra do Projeto de Lei n. 2.426/2003. ................................................ 174Bibliografia ................................................................................................... 176

Captulo VIIIO ART. 72 DO NOVO CDIGO CIVIL E SEUREFLEXO NA COMPETNCIA JURISDICIONAL ............................ 179Bruno Freire e Silva1. Reaproximao entre Processo e Direito Material ................................. 1792. Repercusses do Novo Cdigo Civil no Direito Processual .................. 1803. Competncia Jurisdicional ..................................................................... 1814. Domiclio ............................................................................................... 1825. O art. 72 do Novo Cdigo Civil e seu reflexo

na Competncia Jurisdicional ................................................................ 1846. Concluso ............................................................................................... 186Bibliografia ................................................................................................... 186

Captulo IXRECONHECIMENTO DOS FATOS JURDICOSE ESTATUTO DE DIREITO PRIVADO ................................................. 189Gabriel Pintaude

SUMRIO

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1. Introduo............................................................................................... 1892. Estatuto de direito privado ..................................................................... 1903. Prova como reconhecimento (dos fatos jurdicos) ................................. 1994. Forma e prova: ad solemnitatem, ad substantiam e ad probationem .... 2035. Repercusses pragmticas ...................................................................... 2116. Concluses ............................................................................................. 215

Captulo XDISTINO CIENTFICA ENTRE PRESCRIOE DECADNCIA. UM TRIBUTO OBRADE AGNELO AMORIM FILHO .............................................................. 225Humberto Theodoro Jnior1. Introduo............................................................................................... 2252. A prescrio na teoria de Agnelo Amorim Filho .................................... 2273. A decadncia na teoria de Agnelo Amorim Filho .................................. 2294. A imprescritibilidade de algumas aes (aes perptuas) ................ 2315. Concluses a que chega a tese de Agnelo Amorim Filho ...................... 2326. Prescrio e decadncia no novo Cdigo Civil brasileiro ..................... 2327. A prescrio como extino da pretenso .............................................. 2348. No o direito que prescreve ................................................................. 2369. Direito, pretenso, ao e responsabilidade ........................................... 23910. Ao de direito processual e ao de direito material ............................ 24111. A instituio de um regime prprio para a decadncia

pelo novo Cdigo Civil .......................................................................... 24212. Conexo entre o direito material e o direito processual ......................... 24613. Objeo e exceo em matria de prescrio e decadncia ................... 248

Captulo XIA PRESCRIO E A SUA PRONNCIA DEOFCIO: QUAL A EXTENSO DA REVOGAODO ART. 194 DO CDIGO CIVIL? ........................................................ 251 Rodrigo Mazzei1. Introduo............................................................................................... 2512. A prescrio no Cdigo Civil de 2002 ..................................................... 253

2.1. Critrio diferenciador com a decadncia......................................... 2532.2. Regras processuais sobre a prescrio no corpo

do Cdigo Civil de 2002 ................................................................. 2553. Da real extenso do 5 do art. 219 do Cdigo

de Processo Civil no Cdigo Civil ......................................................... 258

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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4. Compatibilizao entre o art. 219, 5 do Cdigode Processo Civil como art. 191 do Cdigo Civil .................................. 258

5. Prescrio no matria de ordem pblica ............................................ 2596. Efeitos da reforma nos ditames do art. 191 do Cdigo Civil ................. 2627. A reforma e o art. 193 do Cdigo Civil:

da necessidade de contraditrio ............................................................. 2637.1. Da necessidade de intimao do ru (devedor) ........................... 2637.2. Da necessidade de intimao do autor (credor) .......................... 2667.3. Concluses sobre a importncia do contraditrio ........................... 269

8. Prescrio intercorrente versus 5 do art. 219do Cdigo de Processo Civil .................................................................... 271

9. Prescrio aquisitiva, 5 do art. 219 do Cdigode Processo Civil, funo social da propriedadee o pargrafo nico do art. 2.035 do Cdigo Civil ................................. 2729.1. Natureza jurdica da clusula geral do pargrafo nico

do art. 2.035 do Cdigo Civil ......................................................... 2729.2. Do uso (e compreenso) da expresso prescrio aquisitiva .......... 2769.3. Necessidade de observncia ao disposto no art. 220

do Cdigo de Processo Civil ........................................................... 27710. Direito intertemporal .............................................................................. 277Bibliografia ................................................................................................... 278

Captulo XIIANOTAES SOBRE O TTULODA PROVA DO NOVO CDIGO CIVIL ............................................ 283Jos Carlos Barbosa Moreira1. Generalidades ....................................................................................... 2832. mbito de incidncia do art. 212

Carter exemplificativo do elenco legal ................................................. 2853. Referncias presuno no Ttulo Da prova ...................................... 2874. Consideraes sobre a enumerao do art. 212 ..................................... 2905. Inspeo judicial e percia ...................................................................... 2926. As presunes ....................................................................................... 2937. Consideraes finais ............................................................................... 297

Captulo XIIILA NEGATIVA DE LA PARTEA SOMERTESE A UNA PERICIA MEDICA(SEGN EL NUEVO CDIGO CIVIL BRASILEO) .......................... 299Jos Carlos Barbosa Moreiral

SUMRIO

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Captulo XIVO ART. 232 DO CC E A SMULA 301 DO STJ PRESUNO LEGAL OU JUDICIALOU FICO LEGAL? .............................................................................. 307Gisele Santos Fernandes Ges1. Fontes e meios de prova ......................................................................... 3072. Presuno definio e natureza jurdica .............................................. 307

2.1. Tipos de presuno .......................................................................... 3092.2. Presuno e fico ........................................................................... 311

3. Anlise do art. 232 do CC e crtica Smula 301 do STJ ..................... 311Bibliografia ................................................................................................... 315

Captulo XVEVICO E DENUNCIAO DA LIDENO NOVO CDIGO CIVIL ..................................................................... 317Flvio Luiz Yarshell

Captulo XVIPRETENSO DO RU DE MANTER O CONTRATOCOM MODIFICAO DE SUAS CLUSULAS DIANTEDE PEDIDO DO AUTOR DE RESOLUOPOR ONEROSIDADE EXCESSIVA PEDIDO CONTRAPOSTO PREVISTOPELA LEI MATERIAL (ART. 479, CC) .................................................. 323Daniel Amorim Assumpo Neves1. Introduo............................................................................................... 3232. As diferentes formas de o ru fazer pedido

contra o autor e a ao dplice ............................................................... 3243. Contestao e pedido contraposto .......................................................... 3284. Qual a forma processual para se alegar

a matria prevista no art. 479, CC? ........................................................ 3335. Fungibilidade dos meios de contra-ataque

aplicada ao art. 479, CC ......................................................................... 335

Captulo XVIIA INTERVENO DE TERCEIRO EM AO DIRETADA VTIMA CONTRA O SEGURADOR E O ART. 788DO CDIGO CIVIL UMA PROPOSTA DE INTERPRETAO .... 337Daniel Luz Martins de Carvalhoe Manuela Ghissoni de Carvalho

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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1. Consideraes iniciais ............................................................................ 3372. Breves noes sobre seguros obrigatrios de responsabilidade civil .... 339

2.1. O Seguro DPVAT ............................................................................ 3413. A interveno de terceiro do art. 788 do Cdigo Civil

e a posio do segurado interveniente .................................................... 3434. A interveno do terceiro do art. 788 do Cdigo Civil

e os seguros de responsabilidade legalmente obrigatrios .................... 3455. A interveno de terceiro do art. 788 do Cdigo Civil

e o seguro DPVAT .................................................................................. 3476. A interveno de terceiro do art. 788 do Cdigo Civil

e a escolha do procedimento .................................................................. 3507. Concluso ............................................................................................... 352Bibliografia ................................................................................................... 353

Captulo XVIIIASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAISDA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO INCAPAZ ............... 355William Santos Ferreira1. Aspectos materiais da responsabilidade patrimonial do incapaz ........... 3552. Aspectos processuais do art. 928 do Cdigo Civil ................................ 363

2.1. Inimputabilidade: dvida e responsabilidade patrimonial ............... 3632.2. Sentena Condicional? .................................................................... 3682.3. Liquidao por artigos .................................................................... 370

Bibliografia ................................................................................................... 371

Captulo XIXDEFESA DA POSSE E AES POSSESSRIAS ................................. 373Arruda Alvim1. Noes introdutrias .............................................................................. 3732. Natureza jurdica ou aspecto relevante da posse

relativamente ao juzo possessrio ......................................................... 3753. Aes possessrias ................................................................................. 3774. A fungibilidade das aes possessrias .................................................. 3775. A autodefesa possessria ........................................................................ 3786. O direito material e o direito processual esbulho e turbao

O temor de leso posse e o interdito proibitrio .............................. 3807. mbito do juzo possessrio O resultado da ao possessria

Juzo possessrio e dominial Ao reivindicatriae reintegrao de posse ........................................................................... 382

SUMRIO

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8. Significado da posse no juzo possessrio Posse: sua categoriajurdica no juzo possessrio Posse e propriedade .............................. 386

9. Separao entre juzo possessrio e juzo dominial ............................... 38710. Classificao da posse ............................................................................ 39011. As figuras do possuidor direto e indireto no plano do juzo

possessrio A indivisibilidade de determinadas situaese as implicaes processuais (defesa da composse) ............................... 390

12. Posse e deteno ..................................................................................... 39213. O objeto material da posse e as aes possessrias ............................... 39314. As aes clssicas do direito possessrio stricto sensu e as situaes

materiais que a elas diz respeito Hipteses mais comuns ................... 39515. A proteo possessria dos bens mveis................................................ 39816. As finalidades e os resultados das aes possessrias

mbito possvel de cumulao ........................................................... 40217. Carter dplice da ao possessria ....................................................... 40518. Aspectos particulares da legitimao na ao possessria ..................... 40619. O proprietrio e o seu agir no juzo possessrio .................................... 40820. O procedimento possessrio e a medida liminar ................................... 40821. A insurgncia contra a medida liminar ................................................... 41222. Da legitimidade passiva, quando se tratar de casal-ru ......................... 41423. A contestao ao possessria O rito sucessivo ............................. 41524. Natureza jurdica da Sentena nas aes possessrias ........................... 415

Captulo XXCONTROVRSIAS CONSTITUCIONAISACERCA DO USUCAPIO COLETIVO ............................................... 427Pablo Stolze Gagliano

Captulo XXICONTRIBUTO DINMICA DA CHAMADADESAPROPRIAO JUDICIAL: DILOGOENTRE CONSTITUIO, DIREITO E PROCESSO .......................... 433Glauco Gumerato Ramos1. Introduo ................................................................................................. 4332. Posse, propriedade e Constituio ............................................................ 4353. Funo social da posse e da propriedade ................................................. 438

3.1. Direito moradia (CR, art. 6, caput) ............................................. 4383.2. Ordem econmica (CR, art. 170, caput, e incs. II e III) .................. 4393.3. Propriedade imobiliria urbana

(CR, art. 182, caput, e 2 e 4; 183, caput) ................................. 439

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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3.4. Propriedade imobiliria rural (CR, art. 186 e incs.; 191, caput) ..... 4393.5. Direito ambiental constitucional (CR, art. 225 e ) ...................... 4403.6. Direito real de propriedade no Cdigo Civil (CC, art. 1.228 e ) ... 4403.7. Concluses parciais ......................................................................... 441

4. Clusulas abertas no Cdigo Civil:aspectos dos 4 e 5 do art. 1.228 ...................................................... 4414.1. Imvel reivindicado ........................................................................ 4424.2. Extensa rea .................................................................................... 4434.3. Considervel nmero de pessoas .................................................... 4434.4. Houverem realizado, em conjunto

ou separadamente, obras e servios ................................................ 4444.5. Interesse social e econmico relevante ........................................... 4454.6. Justa indenizao ............................................................................ 4454.7. Concluses parciais ......................................................................... 446

5. A chamada desapropriao judicial:constitucionalidade e terminologia ........................................................ 446

6. Algumas caractersticas do processo na desapropriao judicial .......... 4476.1. Procedimento na desapropriao judicial ....................................... 4486.2. As partes no processo de desapropriao judicial ........................... 4496.3. O processo de desapropriao judicial sob a tica

do proprietrio reivindicante (autor) ............................................... 4506.3.1. Possibilidade de pedido alternativo ou sucessivo ................. 4506.3.2. Denunciao da lide: do autor reivindicante ao Estado........ 4516.3.3. Captulos da sentena favorveis e desfavorveis ao autor ...... 4526.3.4. Indenizao fixada e a insolvncia dos possuidores ............ 4536.3.5. Possibilidade excepcional da ao autnoma em face

dos possuidores e/ou do Estado pleiteando indenizao,a exemplo da chamada desapropriao indireta ................... 453

6.4. O processo de desapropriao judicialsob a tica dos possuidores (rus) ................................................... 4536.4.1. Litisconsrcio passivo necessrio simples ........................... 4536.4.2. Reconveno ou pedido contraposto visando decretao

da desapropriao judicial e da fixao da indenizao ....... 4546.4.3. Pagamento do preo e registro da sentena .......................... 4556.4.4. Hiptese de no-pagamento da indenizao fixada:

possibilidade de usucapio com base no justo ttulogerado pela sentena ............................................................. 456

6.4.5. Impossibilidade de reconhecimento da desapropriaojudicial em carter autnomo: imprescindibilidadede exerccio de pretenso reivindicatria ............................. 456

SUMRIO

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7. Sugestes para a criao de um procedimento especial ......................... 4578. Concluso ............................................................................................... 458Bibliografia ................................................................................................... 459

Captulo XXIIQUESTES MATERIAIS E PROCESSUAISENVOLVENDO AS AES DE DIREITO DE FAMLIA ................... 463Flvio Tartuce1. Primeiro esboo. A relevncia do tema .................................................. 4632. O foro privilegiado a favor da esposa. Inconstitucionalidade

do art. 100, inc. I, do cdigo de processo civil ...................................... 4673. A possibilidade de converso da medida cautelar

de separao de corpos em divrcio ...................................................... 4704. A ao de reconhecimento e a dissoluo

de unio estvel: questes prticas ......................................................... 4745. Questes processuais da ao investigatria de paternidade ................. 478Bibliografia ................................................................................................... 488

Captulo XXIIIENSAIO ACERCA DO IMPACTO DO NOVO CDIGOCIVIL SOBRE OS PROCESSOS PENDENTES .................................... 491Guilherme Rizzo Amaral1. Introduo............................................................................................... 4912. O binmio direito-processo .................................................................... 4923. Do Direito Intertemporal ........................................................................ 4934. Algumas Inovaes do Novo Cdigo Civil ........................................... 496

4.1. Capacidade civil ............................................................................ 4964.2. A disregard doctrine ..................................................................... 4984.3. O domiclio ................................................................................... 4984.4. Dos negcios jurdicos .................................................................. 4994.5. Dos atos ilcitos ............................................................................. 5014.6. Das obrigaes .............................................................................. 5024.7. Da responsabilidade civil .............................................................. 5044.8. Da prova ........................................................................................ 5054.9. Da prescrio................................................................................. 5084.10. Das aes possessrias .................................................................. 5084.11. O artigo 2.043 do novo cdigo civil ............................................. 509

5. Concluses ............................................................................................. 509

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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NOTA DOS COORDENADORES SEGUNDA EDIO

Antes de tudo, gostaramos de registrar os nossos sinceros agradecimentosaos leitores da primeira edio, esgotada em curto perodo. Sem dvida, o suces-so da edio pretrita comprova a importncia da temtica que envolve a obra.

Para a segunda edio, alm de mantermos todos os textos veiculados inicial-mente, inclumos e trs trabalhos novos: Reconhecimento dos fatos jurdicos eestatuto de Direito Privado, de autoria do gacho Gabriel Pintaude, Questesmateriais e processuais envolvendo as aes de Direito de Famlia, de lavra doprofessor Flvio Tartuce, e, por fim, A prescrio e a sua pronncia de ofcio:qual a extenso da revogao do art. 194 do Cdigo Civil?, de produo acad-mica do capixaba Rodrigo Mazzei.

Com os novos captulos o livro fica ainda mais atual e ratifica a idia deque o estudo do direito material recebe colorido especial quando efetuado comolhos no direito processual (e vice-versa). Parece-nos invivel, no atual estgio,imaginar um Direito estanque, notadamente diante da gama de dispositivos comvisvel ponto de contato entre o direito processual e o direito material. Nadaobstante o grande rol de dispositivos processuais no Cdigo Civil de 2002, exemplomais recente pode ser (novamente) tirado a partir das reformas processuaisimplementadas ao longo do ano de 2006, em que o legislador acabou por deflagrarmudanas normativas cuja recepo demanda anlise do direito material, como o caso da Lei n. 11.280/06 que, ao inserir nova redao ao 5 do art. 219 doCdigo de Processo Civil, revogou o art. 194 do Cdigo Civil de 2002.

A segunda edio, portanto, segue a linha vencedora j adotada pela colet-nea e, com os novos textos, aumenta ainda mais o seu calibre, cobrindo boa partedos assuntos fundamentais na aplicao (processual) do Cdigo Civil de 2002 eo seu dilogo com o Cdigo de Processo Civil.

Os coordenadores.

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APRESENTAO

O Cdigo Civil de 2002 , sem dvida, terreno frtil para novos estudos.Com efeito, a atual codificao no s abriu espao para trabalhos sobre os insti-tutos de direito material, como tambm criou superfcie para outras discusses,notadamente a anlise doutrinria quanto aplicao de suas figuras legais.

No se pode negar que o Direito Processual Civil poder ser um forte aliadopara imprimir eficcia nas regulaes do atual Cdigo Civil, conferindo, pois,efetividade s pretenses legislativas constantes da norma material. O registrodessa assertiva, at de certo modo bvia, faz-se necessrio em razo da corretainterpretao que h de ser feita ao item j da Exposio de Motivos da novacodificao, onde ficou registrada a seguinte pretenso do legislador: Eliminardo Cdigo Civil quaisquer regras de ordem processual, a no ser quando inti-mamente ligadas ao direito material, de tal modo que a supresso delas lhepudesse mutilar o significado.

A dico acima estampada deve ser recepcionada corretamente, pois abso-lutamente invivel imaginar o direito material sem a projeo para a sua realiza-o prtica, sob pena de criao de ordenamento incompleto, pois os beneficia-dos com a norma material, sem a constituio de uma relao processual, nopoderiam proteger-se (eis que vedada a autotutela) se ocorresse a violao dodireito. O sistema jurdico necessita, portanto, no s da previso abstrata dedireitos, mas tambm da proteo efetiva dessa situao. Qual a serventia deum direito garantido pelo legislador, se no h meios para que possa ser reclamado?

Na realidade, o alerta constante no item j da Exposio de Motivos indicaque houve preocupao no sentido de que normas de carter processual no fos-sem indiscriminadamente includas no ventre do Cdigo Civil, eis que possuemo seu devido campo legal. No se negou, portanto, no diploma codificado, aimportncia das normas processuais. Tanto assim que, sem desprezar que oDireito Processual Civil fundamental para os resultados positivos almejados,outra preocupao do legislador civil, tambm constante da Exposio de Moti-vos (item p), foi a de Dar ao Anteprojeto, antes de tudo um sentido operacionaldo que conceitual, procurando configurar os modelos jurdicos luz do princ-pio da realizabilidade (...).

No obstante tal orientao, em determinados pontos, o legislador civil inseriuno corpo do Cdigo Civil, sem justificativa, algumas regras heterotpicas, dis-pondo, ainda que involuntariamente, sobre questes processuais, em desalinho

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trilha lanada no item j da Exposio de Motivos, situao esta que fica eviden-ciada de forma clara em alguns dos estudos da obra.

Mas o objetivo da presente coletnea no se limita identificao dos desvi-os do legislador ao item j da Exposio de Motivos. Na realidade, apesar daimportncia na identificao de normas heterotpicas, a coletnea teve tambm oescopo de demonstrar que o Direito Processual Civil no pode ser visto comoalgoz do direito material, devendo ser encarado, na realidade, como parceiropara a realizao das regras contidas no Cdigo Civil. O Direito Processual temo objetivo de realizar os sonhos do Direito Material; a relao a mesma quese estabelece entre um engenheiro e um arquiteto, ambos imprescindveis aosucesso do empreendimento, mas cada qual com tarefas bastante distintas, em-bora complementares.

Dessa forma, os estudos selecionados para compor a coletnea partem, justa-mente, da concepo de que a regulao do Cdigo Civil de 2002 deve ser apli-cada, de forma efetiva, abordando os textos no apenas a anlise de acerto (ouno) das previses legais da codificao, mas tambm os caminhos e obstculosque sero enfrentados na tutela jurdica do direito protegido pelo diploma.

Fiel a tal concepo, inicia-se a obra com trs estudos panormicos que de-monstram, cada um com sua viso, nova hermenutica atrelada ao atual CdigoCivil. O primeiro trabalho, de lavra da professora Judith Martins-Costa(Culturalismo e Experincia no novo Cdigo Civil), desvenda as diferenasconceituais em confronto codificao passada, especialmente a questo da aber-tura semntica, garantida pela existncia de clusulas gerais. Tambm tratandodas clusulas gerais, Rodrigo Mazzei (Cdigo Civil de 2002 e o Judicirio: apon-tamentos na aplicao das clusulas gerais) aborda a temtica dos conceitosvagos com olhos nos efeitos que a adoo de tal tcnica legislativa cria no siste-ma processual. Em seqncia, colhe-se o estudo de Willis Santiago Guerra Filho(A garantia fundamental da proporcionalidade em sua projeo no novo CdigoCivil brasileiro), apontando a possibilidade (e necessidade) de aplicao do princ-pio da proporcionalidade em pontos nucleares da codificao.

Nos textos dos insignes juristas Jos Carlos Barbosa Moreira (Novo CdigoCivil e o Direito Processual), Alexandre Freitas Cmara (Das relaes entre oCdigo Civil e o Direito Processual Civil) e Humberto Theodoro Jnior (NovoCdigo Civil e as regras heterotpicas de natureza processual), demonstra-seque, em determinados momentos, o legislador no seguiu a bssola constante doitem j da Exposio de Motivos do Cdigo Civil de 2002, adentrando no campodas matrias de cunho eminentemente processual, nem sempre de forma neces-sria ou adequada.

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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Com foco voltado para as novas questes tratadas respectivamente nos arts.50 e 72 do Cdigo Civil, a coletnea traz os estudos de Fredie Didier Jr. (Aspec-tos processuais da desconsiderao da personalidade jurdica), e de Bruno Freiree Silva (Art. 72 do novo Cdigo Civil e seu reflexo na competncia jurisdicio-nal), expondo os autores a projeo processual para a nova regulamentao, que,certamente, ser objeto de embates judiciais.

Colhe-se, em seguida, trabalho de Humberto Theodoro Jnior (Distino ci-entfica entre prescrio e decadncia. Um tributo obra de Agnelo AmorimFilho) que, sem dvida, facilita a compreenso do caminho adotado no cdigoem vigor para o obrigatrio tema da prescrio e decadncia.

Diante das importantes novidades introduzidas sobre prova na atual codifi-cao, especialmente em razo do controvertido art. 232, sobre a temtica apre-sentam-se trs artigos, iniciando-se pelos preciosos estudos de Jos Carlos Bar-bosa Moreira (Anotaes sobre o Ttulo Da Prova do novo Cdigo Civil e Lanegativa de la parte a someterse a una pericia mdica) e terminando com oarremate de Gisele Santos Fernandes Ges (Art. 232 do CC e a Smula 301 doSTJ. Presuno legal ou judicial ou fico legal?), em texto de enfoque inco-mum, mas de importncia invulgar para a dogmtica jurdica.

Questes relevantes como a denunciao da lide e a formulao de pedidocontraposto foram tambm abordadas de forma cuidadosa na obra, consoante sepercebe dos textos de Flvio Luiz Yarshell (Evico e denunciao da lide nonovo Cdigo Civil), Daniel Amorim Assumpo Neves (Pretenso do ru demanter o contrato com modificao de suas clusulas diante do pedido do autorde resoluo por onerosidade excessiva. Pedido contraposto previsto pela leimaterial: art. 479, CC).

Os possveis efeitos processuais do art. 788 do Cdigo Civil foram analisa-dos no artigo de lavra de Daniel Luz Martins de Carvalho e Manuela Ghissoni deCarvalho (A interveno de terceiro em ao direta da vtima contra o seguradore o art. 788 do Cdigo Civil. Uma proposta de interpretao), adotando os auto-res posio sobre questo ainda no devidamente analisada pela doutrina at omomento.

No artigo Aspectos materiais e processuais da responsabilidade patrimonialdo incapaz, William Santos Ferreira cuida das alteraes inseridas pelo legisla-dor na responsabilizao do incapaz, demonstrando o jurista que o novo regra-mento provoca tambm reflexos processuais.

A desafiante questo das aes possessrias, em toda sua extenso, foi o alvode trabalho de Arruda Alvim (Defesa da posse e aes possessrias), sendo a

APRESENTAO

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controvertida figura do art. 1.228, 4 e 5, do Cdigo Civil, tratada pelos estu-dos de Pablo Stolze Gagliano (Controvrsias constitucionais acerca do usucapiocoletivo) e Glauco Gumerato Ramos (Contributo dinmica da chamada desa-propriao judicial: dilogo entre Constituio, Direito e Processo), que no sefurtaram de consignar suas opinies pessoais.

A obra tem desfecho com o artigo de Guilherme Rizzo Amaral (Ensaio acer-ca do impacto do novo Cdigo Civil sobre os processos pendentes), matria quemuito interessa nesse perodo de transio na aplicao das duas codificaes.

Assim, com a mpar arquitetura descrita acima, registramos o nosso agrade-cimento a todos os autores, pois eles possibilitaram no s a concretizao dapresente obra, como tambm a obteno de resultado final com quilate muitoacima do imaginado inicialmente.

Agradecemos, outrossim, Editora JusPODIVM que, em continuidade suaprodutiva atividade, abriu espao para a publicao da coletnea que, como de-monstramos, rene textos importantssimos para o debate da aplicao do atualCdigo Civil.

Por fim, agradecemos a DEUS pela realizao de mais um projeto vencedor.

Outubro, 2005.

Fredie Didier Jr. ([email protected])

Rodrigo Mazzei ([email protected])

FREDIE DIDIER JR. E RODRIGO MAZZEI

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* Este texto conseqncia de palestra proferida no IV Congresso Brasileiro de Filosofia, realizado em Joo Pessoa, em agosto de 2002, cujas notas foram publicadas nos respectivos Anais, Tomo II, Joo Pessoa,2002. Essa verso foi publicada em in Boletim da Faculdade de Direito, da Faculdade de Coimbra, vol. 78,p. 126, Coimbra- Portugal, 2002. Agradeo a leitura e o sempre profcuo dilogo com Cludio Michelon Jr.

1. Professora Adjunta na Faculdade de Direito da UFRGS. Doutora em Direito.2. Acerca do tema escrevemos, juntamente com Gerson BRANCO, em Diretrizes Tericas do novo Cdigo

Civil, So Paulo, Saraiva, 2002.3. A saber, aquele em que a norma jurdica no concebida como simples estrutura lgico-formal, antes

consistindo num modelo tico-funcional que, intrnseca e necessariamente, prev e envolve o momentofuturo de uma ao vetorial e prospectiva concreta. (REALE, Miguel, O Direito como Experincia, SoPaulo, Saraiva, 1999, p. 191).

CAPTULO ICULTURALISMO E EXPERINCIA

NO NOVO CDIGO CIVIL*

Judith Martins-Costa1

Sumrio 1. A vocao prospectiva do novo Cdigo: bases culturalistas. 2. O Cdigo como razo comunica-tiva, ou o modelo da complementaridade intertextual. 3. Concluso. Bibliografia

Toda a pretenso de apresentar a Cincia do Direito independentemente de quais-quer pressupostos filosficos, ou os subentende inadvertidamente, ou se resolvenum equvoco agnosvicismo filosfico que j equivale a uma contraditria tomadade posio especulativa. (Miguel Reale).

Em janeiro de 2003, entrou em vigor o novo Cdigo Civil. Poder-se-ia ques-tionar que importncia tem esse acontecimento para um Congresso de Filosofia,cujo tema central diz com as contribuies luso-brasileiras filosofia. Desde jrespondo a esta plausvel indagao: a importncia do novo Cdigo para os fi-lsofos que esse, em larga medida, concretiza, em bases normativas, a filosofiaque o filsofo, jurista e codificador Miguel Reale assentou com o seu culturalismoem vrias obras e, notadamente, em O Direito como Experincia.

Nenhum cdigo provm do nada, nenhum cdigo opera no vazio. O seu mo-delo sempre expressa uma reflexo e uma tomada de posio diante dos pro-blemas do mundo isto , uma filosofia. As matrizes tericas do novo CdigoCivil tm origem, justamente, no culturalismo de Reale, na sua concepo acercados modelos jurdicos e da concreo2 , no que chama, enfim, de normativismoconcreto3 .Vejamos, inicialmente, a importncia terica dessa compreenso em

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4. A expresso de IRTI, Natalino. Societ Civile, Milo, Giuffr, 1992, p. 16. Assim indica o autor a sntesede unidade e de multiplicidade que concretiza a expresso Estado pluralista, a ciso entre o cidado eo homem, a extraordinria variedade dos grupos sociais, de modo que a transversalidade decompeantigas e rgidas antteses, reconstruindo uma nova fisionomia da sociedade civil.

5. A multiplicidade e a concomitncia dos diferentes papis sociais est ligada, em larga medida, planifica-o, tpica da racionalidade produtiva que caracteriza a nossa sociedade. Os confins do local do trabalhoinvadem o lar, espao privado por excelncia; os meios de comunicao de massa modificam os hbitosdomsticos; a racionalidade produtiva transforma trabalhadores em consumidores, massifica; e automatizae despersonaliza os negcios de troca (vide IRTI, Natalino. Societ Civile, Milo, Giuffr, 1992, pp. 18 e19). A multiplicidade dos papis sociais, a sua confusa concomitncia, acaba por deslocar e confundir aessencial compreenso individual do papel no mundo que cada um de ns desempenha.

nosso tempo, que tem sido definido como o tempo da pluralizao da subjetividadejurdica, constituindo, portanto, o tempo da concreo.

Seja na filosofia, seja na sociologia, seja na teoria jurdica, vrias anlises setm dedicado, recentemente, aos temas da intersubjetividade e da pluralizao dasubjetividade jurdica, que decorrem, como necessria conseqncia, da trans-versalidade que hoje recobre a fisionomia da sociedade civil4 , da fissura domito da igualdade formal que alicerou a Codificao oitocentista, aliada ao re-conhecimento da concreta diferena entre as pessoas e atitude de aceitao dadiferena. Decorre, fundamentalmente, de uma aceitao que no a tolernciapara com o mero fato da diferena (o que estaria subjugado apenas dimenso dafacticidade), constituindo, quanto ao muito, numa indiferena para com a dife-rena, para com a dimenso plural da subjetividade jurdica. Trata-se, diversa-mente, de acolher a diferena qualificadamente: , pois, aceitao normativa,que opera segundo escolhas axiolgicas. Nessa aceitao qualificada, reconhe-cido que a diferena pode resultar da diversidade dos papis sociais desempe-nhados por um mesmo indivduo5 ; admite-se que o diferente pode, s vezes,receber maior tutela, ou uma tutela especfica que atenda sua diferena concre-ta; e a ordem jurdica se mostra atenta s singularidades de cada qual, polarizadapela idia de livre desenvolvimento da personalidade num espao que , oudeve ser, concomitantemente, o espao tutelar do indivduo enquanto tal e comomembro da comunidade, o espao comum no qual podemos nos reconhecercomo pertencentes humanidade.

Alia-se a essa aceitao qualificada das diferenas subjetivas a concreo,que a apreenso compsita da realidade (sempre processus histrico-cultural): apreenso compsita porque conjuga, normativamente, os elementos fticose as diretrizes ideais, tendo em vista, porm, no o plano da abstrao terica,mas o da realidade prtica que o Direito visa a ordenar. , portanto, o olhar axiolgico

JUDITH MARTINS-COSTA

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6. Entre os representantes das vrias acepes dessa Teoria, veja-se, exemplificativamente, SANTOS,Boaventura: La transicin postmoderna: derecho y poltica, in Doxa- Cuadernos de Filosofia del Derecho,v. 6, 1989, pp. 223-263; BALLESTROS, Jess, Razones a Favor de una Postmodernidad Alternativa(respuesta a Javier de Lucas), in Doxa- Cuadernos de Filosofia del Derecho, v. 6, 1989, pp. 301-306;ARNAUD, Andr-Jean, De la globalisation au postmodernisme en droit, em Entre modernit etmondialisation Cinq leons dhistoire de la philosophie du droit et de ltat, Paris, LGDJ, 1998, p. 147 a178 e GHERSI, Carlos Alberto. Metodologias de la Investigacin en Cincias Jurdicas, Buenos Aires,GOWA, 2001.

7. ARNAUD, Andr-Jean. De la globalisation au postmodernisme em droit, em Entre modernit etmondialisation Cinq leons dhistoire de la philosophie du droit et de ltat, Paris, LGDJ, 1998, p. 152.

8. As referncias so s teses de FUKUYAMA e de FOUCAULT, confirmadas por ARNAUD, que explci-to: Passada a moda da filosofia moderna, fala-se do surgimento do ps-modernismo, e, com ele, dedesconstruo, de morte do homem (ARNAUD, Andr-Jean. De la globalisation au postmodernismeem droit, em Entre modernit et mondialisation Cinq leons dhistoire de la philosophie du droit et deltat, Paris, LGDJ, 1998, p. 147 e 148, traduzimos).

9. HABERMAS, Jrgen. O Discurso Filosfico da Modernidade. Lisboa, Dom Quixote, 1998, Prefcio.10. A metfora de SEBRELI, Juan Jos. El Asedio a la Modernidad critica del relativismo cultural, Buenos

Aires, Sudamericana, 1991, ao referir-se Filosofia do Direito, de Hegel, segundo o qual, o esprito dospovos, as naes, os deuses-lares, estavam limitados por sua particularidade e deviam submeter-se ao juzouniversal, ao esprito do mundo, histria universal erigida em um tribunal supremo(p. 25).

11. GRIS, Juan, citado por HABIB, Claude, na Introduction traduo francesa da obra de ARENDT, Hannah,Penser lvnement, Paris, Blin, 1989, p. 15, em traduo livre: Sem o abstrato, como dominar o concre-to?/ E sem o concreto, com o que dominar o abstrato?.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

direcionado para o concreto, para o que singulariza certo comportamento oucerta personalidade em suas particulares circunstncias existenciais.

O emprego dos termos diferena, concreo, pluralizao poderia,equivocadamente, conduzir o nosso pensamento Teoria Ps-Moderna, fundadanos termos epgonos de Derrida, Lyotard, Baudrillard e Foucault (diferena,fragmentao, desconstruo), ligando-o ao que seria o fenmeno da ultra-passagem da modernidade6 . A ps-modernidade, afirma Arnaud, se caracterizapor um desejo de ultrapassagem do paradigma moderno, por uma vontade depragmatismo e de relativismo7 , pelo afastamento, de modo especial, da catego-ria jurdica do sujeito de direito, numa radicalidade irracionalista que, para almde declarar a decadncia do Ocidente, como fez Spengler, chega a decretar ofim da histria e a morte do homem8 . No , contudo, o que acontece como novo Cdigo Civil: no se pense que a aceitao da plural subjetividade jurdi-ca, o olhar para o concreto, signifiquem estejam as categorias abstratasexpurgadas do Ordenamento, e que o projeto da modernidade tenha sido encerra-do. A modernidade um projeto inacabado, como percebeu Habermas com intei-ra lucidez9 . preciso, antes de mais, conciliar os Deuses Lares com o espritodo mundo10 , respondendo ao dilema proposto, admiravelmente, por Juan Gris:Sans labstrait, comment dominer le concret? Et sans le concret, avec quoidominar labstrait11 ?. preciso, em suma, numa atitude fundamentalmente

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12. Porque a filosofia moderna ensinou, fundamentalmente, que temos que pensar por ns mesmos, o que estna base do sapere aude kantiano e de toda a possibilidade de uma atitude crtica, que sempre uma atitudeditada pela razo. Refiro-me, naturalmente, razo dos modernos, que inaugura uma linha: a da razoiluminista, hoje insuficiente (como adiante tentarei explicar), mas no passvel de substituio pela suaanttese, o irracionalismo.

13. ROUANET, Srgio Paulo. As razes do Iluminismo, So Paulo, Companhia das Letras, 7 reimpresso,2000, p. 12.

14. A expresso de ARNAUD, Andr-Jean, De la globalisation au postmodernisme em droit, em Entre modernitet mondialisation Cinq leons dhistoire de la philosophie du droit et de ltat, Paris, LGDJ, 1998, p. 149.

15. Afirma Anthony CARTY, citado por ARNAUD: A Lei, com um L maisculo, a Razo, com um R mais-culo, o Homem, com um H maisculo, formam uma Trindade defunta (ARNAUD, Andr-Jean, De laglobalisation au postmodernisme em droit, em Entre modernit et mondialisation Cinq leons dhistoirede la philosophie du droit et de ltat, Paris, LGDJ, 1998, p. 149, traduzimos e grifamos). Acerca doirracionalismo como marca cultural do ps-modernismo, veja-se, ainda, SEBRELI, Juan Jos. El Asedio ala Modernidad critica del relativismo cultural, Buenos Aires, Sudamericana, 1991, pp. 25 a 42, traandoa genealogia entre os pr-romnticos alemes (notadamente HERDER), que contrapunham o local ao uni-versal, e o irracionalismo filosfico (SPENGLER, FEYRABAND), e poltico que veio, a final, percorren-do os caminhos da filosofia cclica e catastrfica da histria, desembocar no nazismo. Veja-se, ainda, alcida anlise de ROUANET, Srgio Paulo. As razes do Iluminismo, So Paulo, Companhia das Letras, 7reimpresso, 2000.

JUDITH MARTINS-COSTA

moderna12 , aceitar o dilema e equacionar, racionalmente, o desafio: comonormatizar, de modo abstrato e geral, as plurais relaes intersubjetivas na vidacivil? Como orden-las segundo padres de uma substantiva racionalidade, queleve em conta as concretas caractersticas das situaes jurdicas intersubjetivasa serem ordenadas?

No que concerne s relaes civis, equacionar esse desafio a tarefa cometi-da a um Cdigo dotado de uma nova racionalidade: no mais a razo mono-lgica do Iluminismo, no mais a ratio totalitria e fechada, que desconhece aspulses e os desejos do indivduo dissolvido na massa, que escamoteia as subs-tanciais desigualdades econmicas e o jogo de poder que se desenrola na vidacivil, mas uma racionalidade aberta e substantiva, capaz de submeter suajurisdio o reino dos valores e de avaliar a maior ou menor racionalidade dasnormas13 . Registre-se: ainda, e mais do que nunca, uma racionalidade, e no airracionalidade, a vertigem14 que so conjuntamente com o relativismo asguas nas quais navega o ps-modernismo15 .

Operacionalizar as formas de manifestao dessa nova racionalidade a mis-so que hoje incumbe a um Cdigo Civil, que deve ser apto a realizar o equilbrioentre as formas de regulao abstrata e geral tendo em conta o princpio dasegurana jurdica e as formas de regulao casustica e plural, para tanto con-siderando, com um relevo especial, as circunstncias do caso, as singularidadesdo livre desenvolvimento da personalidade, a efetiva desigualdade substancialdas partes contratantes, tendo em conta o princpio da justia substancial. E

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16. REALE, Miguel. De Dignatate Jurisprudentiae, in Horizontes do Direito e da Histria, So Paulo, Sarai-va, 1977, p. 275, chegando mesmo a afirmar no ser adequado, a rigor, sequer falar em norma e situaonormada porque a norma , ao mesmo tempo, o condicionante e o condicionado, o valor e o fato em umasntese dinmica (idem, ibidem).

17. REALE, Miguel. Fundamentos do Direito, So Paulo, Revista dos Tribunais, 3 edio fac-simile da 2edio revista, 1998, p. 305.

18. REALE, Miguel. Fundamentos do Direito, So Paulo, Revista dos Tribunais, 3 edio fac-simile da 2edio revista, 1998, p. 305, nota 26.

19. Examinei o Cdigo sob essa perspectiva in O Direito Civil como um sistema em construo as clusu-las gerais no Projeto do Cdigo Civil Brasileiro, em Revista dos Tribunais, v. 753, So Paulo, jul. 1998.

20. IRTI, Natalino. Let della decodificazione, Milo, Giuffr, 3 edio, 1989.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

justia substancial porque no tem como pressuposto uma noo abstrata desujeito de direito, mas tem como base cultural a idia do Direito como experin-cia normada16 e, como base axiolgica o indivduo situado, a pessoa humanaconsiderada como o valor-fonte de todos os valores17 , tese que Reale desen-volve desde 1940 e qual reputa um papel fundamental em seu pensamento,como fulcro do que denomina de historicismo axiolgico18 .

O desafio de normatizar as plurais relaes intersubjetivas com base naconcreo, perpassa todo o novo Cdigo Civil, seja atravs de sua linguagem(que alia modelos cerrados e modelos abertos19 ), seja em razo das soluesmetodolgicas que adota, viabilizadoras de uma intertextualidade com outroscorpos normativos. Essa opera por meio de ligaes inter, intra e extra sistemti-cas com os valores do Ordenamento, notadamente aqueles expostos na tbuaaxiolgica dos Direitos Fundamentais. Tal a concepo subjacente ao que te-nho chamado de a Era da Recodificao, em contraponto ao clebre ttulo dadopor Irti, nos anos 70, aos ensaios que detectavam a opo de poltica-jurdica,ento ocorrente, da descodificao20 . uma concepo radicalmente diversa daque orientou o Cdigo de 1916, embasado no positivismo compreendido ao mododas Cincias Naturais.

Tentarei provar esse argumento com algumas consideraes acerca da baseculturalista das solues do novo Cdigo (1), oferecendo, aps, alguns exemplosdas formas de comunicao entre o Cdigo e as demais instncias culturais, oque, ao meu ver, , caracteristicamente, uma opo culturalista (2).

1. A VOCAO PROSPECTIVA DO NOVO CDIGO: BASES CULTU-RALISTAS

Das contribuies brasileiras para a filosofia, o culturalismo a mais rele-vante. Seu campo de atuao privilegiadamente o do Direito, seja em razo de

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21. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 20, grifos do autor.22. Dir, em Fundamentos do Direito: o jurista move-se com certa liberdade na esfera do construdo, mas no

pode deixar de se subordinar ao dado. O dado, porm, pode ser natural, histrico, racional ou ideal.(REALE, Miguel. Fundamentos do Direito, So Paulo, Revista dos Tribunais, 3 edio fac-simile da 2edio revista, 1998, p. 297).

23. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 20.24. REALE, Miguel. Fundamentos do Direito, So Paulo, Revista dos Tribunais, 3 ed., fac-simile da 2 ed.

revista, 1998, p. 291.25. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 21.26. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 22.27. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 22.

JUDITH MARTINS-COSTA

suas filiaes histricas (nas quais avultam Tobias Barreto e a Escola do Reci-fe), seja pela fora do pensamento de Reale, agora consagrado legislativa-mente.

O que caracteriza o culturalismo a adoo da noo de cultura como para-digma central nos domnios das cincias humanas. No se trata, porm, de umaviso estratificada e esttica da cultura: Reale aplica ao mundo da cultura o es-quema da teoria tridimensional, segundo a qual toda experincia histrico-social uma forma resultante da correlao tensional entre fatos e valores21 , para,assim, alcanar os trs direcionamentos fundamentais da sua pesquisa acerca dacultura, a saber: a) uma relativa aos elementos factuais que condicionam a aohumana22 ; b) outra relativa aos valores e fins j adquiridos, ou intencionados aadquirir, dando origem a valorizaes que se objetivam em bens historicamenteconstitudos; e, c) outra pertinente s formas que os bens culturais assumem, nocurso da histria23 . Esses trs direcionamentos no so seccionveis, pois Realerejeita o fragmentarismo reducionista que caracterizou toda a cultura individu-alista burguesa24 , compreendendo a cultura como totalidade e como processo, oque no leva, porm, a eliminar a responsabilidade do homem na ao, mas acompreend-la pela concreo, que sempre, e necessariamente, contextual. Daa sua afirmao de que nenhuma estrutura cultural uma ilha25 , estando nocerne da cultura a interdisciplinariedade, a processualidade, a dialeticidade e aintegralidade, pois a vida cultural no se ordena segundo infra-estruturas esuperestruturas, mas sim segundo momentos de um processo26 , polarizadopela dialtica da complementaridade.

Em face dessa ordenao processual, integral, interdisciplinar e dinmica dacultura, as objetivaes culturais no se verificam sempre da mesma forma27 .Intuio e razo, ordem e desordem, desejo e vontade, acaso e necessidade, con-tinuidades e descontinuidades, esto compostos na cultura. preciso distinguirentre a experincia cultural pr-categorial e a experincia cultural intencional-

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28. Pelo contrrio, afirma, ambas coexistem permanentemente, influenciando-se de maneira recproca(REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 23).

29. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 23.30. REALE, Miguel. O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2 ed., 1997, p. 25, grifos do autor e

nossos.31. Entre outras obras de Reale que tratam do a priori cultural veja-se Paradigmas da Cultura Contempor-

nea, So Paulo, Saraiva, 1996.32. REALE, Miguel. Paradigmas da Cultura Contempornea, So Paulo, Saraiva, 1996, p. 6.33. Assim o nosso Direito e Cultura: entre as veredas da existncia e da histria, em Diretrizes Tericas do

Novo Cdigo Civil, MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson. So Paulo, Saraiva, 2002.34. REALE, Miguel. O Direito como Experincia, So Paulo, Saraiva, 1999, pp. 111 e 112.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

mente ordenada ou predicativa, categorias que, por sua vez, tambm no soestanques28 , mas intercorrelacionadas. Da que, embora na experincia culturalintencionalmente ordenada seja mais pronunciada e efetiva a contribuio racio-nal29 , a cultura se apresenta como um verdadeiro a priori do conhecimento e dasaes humanas. Dir Reale:

Assim sendo, desde o mais elementar ato de percepo, o percebido j surge comoalgo objetivo e transpessoal, de tal modo que jamais lograramos compreender osignificado do homem desvinculado do complexo variegado daquilo que ele exte-rioriza, como projeo e dimenso imediata de sua conscincia intencional. arazo pela qual costumo afirmar que a cultura o sistema aberto das intenciona-lidades objetivadas, de tal sorte que o homem s pode ser integralmente compre-endido levando-se em conta o que ele como indivduo a se e o que ele comoscio, isto , enquanto partcipe consciente ou no do complexo de imagens, sm-bolos, frmulas, leis, instituies etc., ou seja, de todas as formas que, no decursodo tempo, vo assinalando a incessante incidncia de valores sobre o j dado oupositivado na histria.30

A cultura , em suma, o a priori absolutamente no-esttico que define anossa forma de ser, de conhecer, de compreender, de sentir e de regular as nossasrelaes, inclusive juridicamente. Portanto, para conhecer necessrio no ape-nas ter em conta o objeto do conhecimento ou o sujeito cognoscente, mas a cir-cunstancialidade em que o conhecimento se processa31 . Da o a priori cultural,o qual no , todavia, absoluto ou imutvel: toda a cultura histrica, constituin-do, sempre, um processo de realizao de valores32 que se compem, continua-mente, na dimenso do tempo cultural33 .

Nesse universo cultural dinmico, processual, integrativo e interdisciplinar,o Direito , por sua vez, uma espcie de experincia cultural, uma realidadeque resulta da natureza histrica e social do homem, apresentando-se semprecomo sntese ou integrao do ser e do dever-ser, de fatos e de valores, quer emexperincias particulares, quer na experincia global dos ordenamentos objetivadosna histria34. Da que, para o culturalismo, o Direito s compreensvel como

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35. REALE, Miguel. O Direito como Experincia, So Paulo, Saraiva, 1999, p. XXI36. REALE, Miguel. O Direito como Experincia, So Paulo, Saraiva, 1999, p. XXII.37. NOVAES, Adauto. em A lgica Atormentada, em A Crise da Razo. (org.). NOVAES, Adauto. So Paulo,

Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, p. 16.38. NOVAES, Adauto. em A lgica Atormentada, em A Crise da Razo. (org.). NOVAES, Adauto. So Paulo,

Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, pp. 16 e 17.

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bem cultural, consistindo o momento normativo no momento da concreo defatos e valores.

bem verdade que esse momento normativo pode ter incio na experinciada vida social; porm, essa experincia vai continuamente merecendo a atenodo legislador e dos rgos jurisdicionais, sendo integrada pelas escolhasaxiolgicas dos rgos que tm o poder de decidir: assim so recolhidas, eestruturadas em modelos jurdicos, as normas derivadas do poder social, ex-presso nos usos e costumes e na autonomia privada, bem como o poder estatal(poder de legislar e o poder de exercitar a jurisdio). Os usos, a autonomianegocial, a legislao e a jurisdio constituem as quatro fontes que expressam aobjetivao dos modos de sentir, pensar e querer, culturalmente conformados.

Porm, essa objetivao que o ato de tornar algo objetivo, distinto dosujeito criador35 no se esgota num s momento, ela processual e prospectiva:atravs de variados modos de comportamento (o exerccio da autonomia priva-da, no plano negocial; reiterados modos de ser e entender, consolidados nos usose costumes; a repetio de julgados dos Tribunais e as decises do legislador),desenvolve-se a experincia normativa do Direito, que experincia ditada pelacultura, e sob cuja luz devem ser aferidos os contratos, obedecidos os costumes,obedecidas as decises judiciais e cumprida a lei36 .

Mas, esta experincia normativa do Direito sendo cultural e axiolgica(pois a cultura processo de objetivao de valores) no pode ser vista demodo formal, como quis o positivismo formalista: tem que estar atada experi-ncia humana concreta, experincia de uma determinada sociedade, em deter-minado momento de sua histria. Como dir Novaes ainda que sob diversaperspectiva filosfica h sempre a relao da razo com a carne do mundo(expresso de Merleau-Ponty), o que est a significar que, na ordem da razo,devemos perceber que o mundo sensvel e o mundo histrico [so] sempreintermundo37 . Em outras palavras, o acesso ao mundo se d no apenas atravsdo esprito interior, por meio da reflexo, mas tambm atravs do espritodifundido nas relaes histricas e no mundo humano38 : como tambm obser-vou Merleau-Ponty, no h o homem interior, na medida em que a relao do

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39. NOVAES, Adauto. em A lgica Atormentada, em A Crise da Razo. (org.). NOVAES, Adauto, So Paulo,Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, p. 17. A referncia ao prefcio, de MERLEAU-PONTY, Fenomenologia da percepo.

40. As expresses entre aspas esto em REALE, Miguel, O Homem e seus Horizontes, So Paulo, Topbooks, 2ed., 1997, p. 23.

41. REALE, Miguel. Fontes e Modelos no Direito para um novo paradigma hermenutico, So Paulo, Sarai-va, 1994, p. 40.

42. Op. cit. p. 40.43. Op. cit. p. 41.44. Op. cit. p. 41.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

cogito exige de ns experincia39 . Uma experincia, porm, que no apenasvivida, no apenas fato uma experincia significativa.

O formalismo abstrato, no Direito, ignorando essa percepo, uma perver-so, diz Reale, decorrente da ciso entre as estruturas predicativas (experinciacultural intencionalmente ordenada) e a experincia cultural pr-categorial, queconstitui o hmus fecundante da vida comum espontnea40. Por isto o autorrealiza a distino e a correlao entre as fontes e os modelos no Direito.

Essa distino/correlao a que existe entre retrospectividade e prospecti-vidade, entre estabilidade e processualidade, entre o que ou foi, e o que vem aser. As fontes so estticas, derivando do poder de decidir atribudo lei, juris-dio, ao poder negocial e ao costume. A idia de modelo, diversamente, estligada de projeto, de planificao lgica e de representao lgica e ante-cipada dos resultados a serem alcanados por meio de uma seqncia ordenadade medidas ou prescries41 . Da que os modelos jurdicos,

no so meras criaes da mente, mas sim o resultado da ordenao racional docontedo das normas reveladas ou formalizadas pelas fontes de direito, para aten-der aos caractersticos de validade objetiva autnoma e de atualizao prospectivadessas mesmas normas.42

Em suma: a modelagem da experincia jurdica feita pelo jurista em con-tato direto com as relaes sociais.43 Contudo, diferentemente do socilogo, quedescreve e explica as relaes sociais, o jurista opera mediante normas que noso causais ou motivacionais, mas produzidas segundo o processo correspon-dente a cada tipo de fonte que espelha a soluo exigida por cada campo deinteresses ou valores.44 Assim sendo, a atitude do jurista racional e axiolgica:as fontes e os modelos esto articulados, mas essa articulao no de modonenhum esttica ou seccionada: trata-se de um processo complexo e racional dearticulao entre as normas derivadas das vrias fontes e modelos, o que pode

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45. Esclarece Reale: se o ordenamento jurdico no tem a graduao lgica atribuda Kelsen ao sistema doDireito nacional e internacional, reconhece-se, geralmente, que, em virtude de sua subsuno mesmaordem constitucional, ele se constitui, tudo somado, como unidade coerente e complementar, cujas lacunase contradies mister superar (REALE, Miguel. Fontes e Modelos no Direito para um novo paradigmahermenutico, So Paulo, Saraiva, 1994, p. 41). A unidade , porm, in fieri, e resulta da complementarida-de dos modelos jurdicos que se pem, processualmente, de modo aberto no ordenamento (idem ibidem).

46. Procurei acentuar o peso da modelagem doutrinria entre ns (o que uma caracterstica verdadeiramentenacional) em A Boa-F como Modelo, em MARTINS-COSTA, Judith, e BRANCO, Gerson. DiretrizesTericas do novo Cdigo Civil, So Paulo, Saraiva, 2002, pp. 191-193.

47. REALE, Miguel. O Direito como Experincia, So Paulo, Saraiva, 1999, p. XXIII.48. J na sua obra de 1940 (Fundamentos do Direito), Reale prope uma crtica ao positivismo uma crtica

que o ultrapasse, no se limitando mera negao e enfrenta o problema especfico da experincia jurdica,questionando: Como , em suma, que o jurista parte dos fatos, que so, para atingir a esfera daquilo quedeve ser? Ora, como j havia dito Kant, no podemos encontrar, na simples verificao daquilo que , aindicao do que deva ser, sendo essa uma verdade que no se pode contestar. Prope, em conseqncia,uma teoria do conhecimento que esteja atenta a todos os aspectos da realidade, j que toda a compreensoparcial da experincia determina uma compreenso parcial do real. Esta Teoria do Conhecimento desem-boca na noo de experincia, que um conceito complexo, no-redutvel ao factual, ao dado sensvel, mascomo um conceito que, atendendo dialeticidade e a historicidade do conhecimento, no desconhece ofator preponderante do valor no processo cognoscitivo (estabelecendo a ligao entre fato/valor/norma e aexperincia).

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produzir variadas combinaes, tudo polarizado, porm, pelos valores constitu-cionais45 , ao qual acresce a contribuio entre ns relevantssima46 dos mo-delos hermenuticos, ou doutrinrios, seja na colmatao de lacunas, seja noefetivo desenho dado modelagem prescritiva, ao projeto normativo a reali-zar. Assim sendo, um verdadeiro sistema aberto de retrospectividades e deprospectividades exprime, em diversas e convergentes dimenses, a coexistn-cia, no Direito, da experincia cultural pr-categorial e da experincia culturalpredicativa. Reale diz:

sempre me impressionou o fato de que o povo criador do Direito (Romanos)no foi um escravo da lei, como mandamento do Estado, mas antes um criador defrmulas ordenadoras no bojo da sociedade civil mesma; na medida em que osfatos iam ditando, e a necessidade ia exigindo solues normativas, eram osjurisconsultos que forneciam aos litigantes a frmula iuris que o praetor convertiaem norma iuris atravs de sua deciso47.

Portanto, Reale v o Direito como ordenao racional e processual da expe-rincia humana, segundo certas necessidades, ditadas pelas efetivas relaes so-ciais, e de acordo com determinados valores48 , que se afirmam e confirmam notempo cultural. Por isto, dir:

aos olhos do jurista o Direito se pe prevalecentemente como norma, mas estano pode deixar de ser considerada uma realidade essencialmente histrica: mas asnormas jurdicas no so o mero reflexo do fato, no so o retrato sinttico do

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49. REALE, Miguel. O Direito como Experincia, So Paulo, Saraiva, 1999, p. 201.50. HABERMAS, Jrgen. Concepes da Modernidade um olhar retrospectivo sobre duas tradies, em A

Constelao Ps-Nacional Ensaios Polticos, traduo de Mrcio Seligmann-Silva, So Paulo, LitteraMundi, 2001, p. 168.

51. Op. cit., p. 16852. Como explica BORNHEIM, a origem grega da palavra crise e de seus derivados (crtica, crtico, critrio)

est ligada ao verbo krino, que apresenta os seguintes significados: 1) escolher, separar, distinguir, discerniro verdadeiro do falso; 2) julgar, pronunciar um julgamento; 3) decidir, pronunciar. Na voz mdia, significaescolher, decidir, julgar, explicar, disputar. (BORHEIM, Gerd. Crise da idia de crise, em A Crise da Razo.(org.). NOVAES, Adauto. So Paulo, Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, p. 49). J o termorazo, o latino ratio, logos, em grego, tambm quer dizer julgar, faculdade de pensar pensarque pesar, decidir, como acentua NOVAES, Adauto. em A lgica Atormentada, em A Crise da Razo.(org.). NOVAES, Adauto. So Paulo, Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, p. 11.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

fato: elas envolvem uma tomada de posio opcional e constitutiva por parte dequem as positiva, vista do fato e segundo critrios de valor49 .

Isto , o momento normativo do Direito se vai permanentemente modi-ficando, constituindo um processo que no se esgota num s momento, nemest com os olhos voltados ao passado, ao momento da posio da norma nafonte: ele prospectivo, devendo estar aberto s transformaes nos modos desentir, de pensar, e querer pelos quais a pessoa humana, valor-fonte do Ordena-mento, se afirma, concomitantemente, como indivduo e como membro da co-munidade.

A sua noo do Direito como ordenao da experincia humana segundocertos valores ordenao que se faz de modo prospectivo, dinmico, processuale integrativo perpassa todo o novo Cdigo Civil, e est traduzida na sua estru-tura e na noo de sistema que contm.

Esse , agora, o vis de meu exame, para tentar demonstrar como operam, emdimenso prospectiva, as ligaes intra, extra e intersistemticas que permitema comunicao entre as normas do prprio Cdigo, os fatos da vida social, e osvalores do Ordenamento.

2. O CDIGO COMO RAZO COMUNICATIVA, OU O MODELODA COMPLEMENTARIDADE INTERTEXTUAL

A razo est no centro da atitude moderna, palavra que, desde o sculo V(quando surge no lxico ocidental), possui a conotao de uma descontinuidadeproposital do novo diante do antigo50 , para expressar a conscincia de uma novapoca51 . E est no centro dessa atitude porque h, entre razo e crise, estreitoparentesco etimolgico52 , e porque em nossa poca, como em qualquer outra, s

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53. ROUANET, Srgio Paulo. As razes do Iluminismo, So Paulo, Companhia das Letras, 7 reimpresso,2000, p. 12.

54. Op. cit. p. 12.55. A referncia est em NOVAES, Adauto. A lgica atormentada, em A Crise da Razo. (org.). NOVAES,

Adauto. So Paulo, Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, p. 13.56. A proposio, que de Hannah ARENDT, foi retomada por LEFORT, Claude. O imaginrio da crise, em A

Crise da Razo. (org.). NOVAES, Adauto. So Paulo, Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999,p. 29.

57. ROUANET, Srgio Paulo. As razes do Iluminismo, So Paulo, Companhia das Letras, 7 reimpresso,2000, p. 12.

58. Acerca das insuficincias da razo, entendida como categoria exclusivamente lgico-formal, para o traba-lho do jurista, veja-se HABA, Enrique. Racionalidad y Mtodo para el Derecho: es eso posible? Em Doxa,vols. 7 e 8, pp. 169-247 e 241-269, Alicante, 1990.

59. Citado por NOVAES, Adauto. A lgica atormentada, em A Crise da Razo. (org.). NOVAES, Adauto, SoPaulo, Companhia das Letras, primeira reimpresso, 1999, p. 16.

60. Entre outras obras de Reale que tratam do a priori cultural veja-se Paradigmas da Cultura Contempor-nea, So Paulo, Saraiva, 1996.

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a razo crtica, porque seu meio vital a negao de toda a facticidade53: oirracionalismo, seu oposto, sempre conformista, pois seu modo de funcionarexclui o trabalho do conceito, sem o qual no h como dissolver o existente54.

A razo tem sido rejeitada quando tomada como uma sindoque: palavrarazo parece ter sido colada a etiqueta da razo cartesiana, ou da razo formal,submetida exclusivamente jurisdio da lgica formal, ou da razo instrumen-tal, ocupada com os meios, e no com os fins. Esprito fundante da modernidadeiluminista, Descartes acoplou a idia de razo de unidade, pretendendo revesti-la de um estatuto autnomo: Da mesma forma que o Sol o nico sol queilumina todas as coisas, a razo tambm nica, dir Husserl, citando Descartesem sua famosa Conferncia de Viena55 , do que decorrer, como conseqncia,o totalitarismo da razo nica, monolgica, j que a ideologia totalitria se reduz lgica de uma idia que convence mediante o encadeamento de dedues apartir de uma premissa falsa ou mentirosa56 . Porm, no devemos seguir a peri-gosa trilha da sindoque, tomando a parte pelo todo: agora j no mais se trata deuma subservincia razo iluminista, totalitria e excludente, nem da razo ins-trumental, cuja competncia se esgota no ajustamento de meios a fins57 , nemmesmo de uma razo limitada ao ajustamento s categorias da lgica formal, quese ocupa da forma, mas no da substncia58 . A nossa modernidade requer uma razosensvel, substantiva, processual e comunicativa. Esclareamos essas expresses:

A razo sensvel a que ultrapassa a tradicional ciso entre o sujeito e oobjeto, percebendo o intermundo de Merleau-Ponty59 . o que, em outras pala-vras, apontara Reale, ao situar a relao entre objeto do conhecimento e o sujeitocognoscente na circunstancialidade em que o conhecimento se processa60, isto

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61. ROUANET, Srgio Paulo. As razes do Iluminismo, So Paulo, Companhia das Letras, 7 reimpresso,2000, p. 12.

62. HABERMAS prope, na verdade, a categoria da ao comunicativa e de uma racionalidade comunica-tiva (vide Teoria de la Accin Comunicativa racionalidad de la accin y racionalizacin social, tradu-o de Manoel Jimnez Redondo, Madri, Taurus, 2 edio, 2001, pp. 70 a 136), expresses que, no contextode sua obra, conotam a idia de ser a razo validada consoante o contexto, e na medida em que aceita numprocesso argumentativo, levado a cabo sem deformaes externas ou internas. Em sntese muito apertada,HABERMAS prope operar a razo num meio lingstico que se reflete, como tal, nas relaes entre ohomem e o mundo. A ao humana, concomitantemente situada no mundo objetivo e no mundo subjetivo, uma ao reflexiva, situando-se, ento, a problemtica da racionalidade, como um mecanismo de coor-denao da ao humana. Utilizo a expresso razo comunicativa em outro contexto filosfico porque diverso, na comparao entre HABERMAS e REALE, o papel e a compreenso da cultura, embora aexpresso, por si s, parea-me de grande expressividade para situar a idia do Cdigo como uma ordena-o jurdica flexvel e racional, processual e interdisciplinar, comunicativa, nessas acepes, com asdemais instncias culturais.

63. Veja-se a anlise de ROUANET, Srgio Paulo, As razes do Iluminismo, So Paulo, Companhia das Letras,7 reimpresso, 2000, p. 12 e ss.

64. No se confunda, porm, racionalidade e mtodo, embora, por vezes, os dois termos apaream equvo-cos, como adverte HABA, Enrique. Racionalidad y Mtodo para el Derecho: es eso posible? Em Doxa, vol.7, p. 171 e 172.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

, na experincia no apenas vivida, mas tomada como fonte de extrao de sen-tidos. A razo substantiva aquela capaz de pensar fins e valores61 , a que consi-dera o homem como um projeto sujeito a condicionalismos, por certo, masvoltado concreo de virtudes. E, por fim, a razo processual e comunicativa a que no se fecha sobre si, no axiomtica, mas est aberta ao devir e interaodas instncias culturais.

Por isto que, em contraposio ao irracionalismo que domina a Teoria Ps-Moderna, proponho recepcionando a expresso de Habermas, que alude ra-zo comunicativa62 compreender-se, contemporaneamente, a categoria da ra-zo como denotativa de uma racionalidade atenta aos condicionamentos materiaise psquicos da ao humana, aos entrelaamentos entre saber e poder, postos a nupor Max, Freud, Adorno e Foucault63 , e, portanto, de uma racionalidade elstica,no-axiomtica, e, bem assim, flexvel, que conduza a um mtodo jurdico dota-do das mesmas virtudes64 . Da a idia de uma racionalidade comunicativa. Eda porque os instrumentos que a expressam, juridicamente, devem estar abertos intertextualidade, permitindo a construo de mecanismos de freios e contrape-sos a esses condicionalismos.

Essas conotaes dadas razo, em nossa modernidade, parecem-me ade-quadas para visualizar, do ponto de vista metodolgico, o novo Cdigo Civil,evidenciando o que nele deriva do culturalismo de Reale. A idia de a experin-cia jurdica se ir continuamente formando e completando, em acordo aos dadosculturais prevalecentes dados da comunicabilidade humana est expressa na

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65. Para o exame da estrutura e da linguagem do novo Cdigo, permitimo-nos remeter ao texto O NovoCdigo Civil em busca da tica da situao, em MARTINS-COSTA, Judith. e BRANCO, Gerson.Diretrizes Tericas do novo Cdigo Civil, So Paulo, Saraiva, 2002, pp. 95-130.

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estrutura, na metodologia e na linguagem do novo Cdigo Civil. Esta diversada empregada no Cdigo de Bevilqua que encerrava, ainda, (perfazendo o mo-delo da Codificao oitocentista), a razo totalitria ou monolgica, fundadana pretenso de completude lgica e legislativa que acabou realizando o modeloda incomunicabilidade.

O novo Cdigo, pelo contrrio, atento processualidade da experincia, ins-taura a razo comunicativa ao situar a permanente, mas coordenada, intertex-tualidade entre o seu corpus e outras fontes, jurdicas e extra-jurdicas, produto-ras de normatividade social, conformando, pois, o modelo da complementaridadeintertextual.

Essa comunicao intertextual est fundada em bem determinados princpios o da socialidade, da eticidade e da operabilidade e possibilitada pela cone-xo entre a estrutura (fundada numa Parte Geral que inicia com a invocao no-taxativa dos Direitos da Pessoa, seguida de uma Parte Especial constituda porcinco Livros, todos eles correlacionados Parte Geral) e uma linguagem aberta65 .

A abertura semntica garantida pela existncia de clusulas gerais estrate-gicamente colocadas, permitindo a apreenso de trs ordens de conexo sistem-tica, a saber: a) conexes intra-sistemticas; b) conexes intersistemticas; c)conexes extra-sistemticas.

Tradicionalmente o Cdigo o Cdigo oitocentista, portador da razo tota-litria, excludente de quaisquer frmulas de comunicao entre o jurdico e asdemais instncias sociais comportava to somente conexes intra-sistemticas.Isto significa dizer que as suas normas, quando no vistas como mnadasleibnizianas, interagiam quase que exclusivamente entre si. A comunicao comas demais normas do Ordenamento operava exclusivamente ao modo formal,segundo os cnones da lei no tempo, da lei no espao, e da hierarquia das fonteslegislativas.

A concepo realeana dos modelos jurdicos provoca uma substancial modi-ficao nesse rgido esquema formal. No apenas as normas se estruturam comomodelos, estando abertas para o futuro, como os modelos interagem entre si,numa complexidade ordenada e sinalizada pelo valor a tornar concreto na situa-o a ser resolvida. Tomo como exemplo a modelagem da responsabilidade civil.

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66. O art. 187 contempla casos em que a ilicitude que no provm do resultado de uma violao a direitosalheios, mas de meios empregados, quando o ato afrontar princpios de imensa densidade axiolgica, comoa boa-f; assim, exemplificativamente, o ato que fraudar legtimas expectativas alheias.

67. ALMEIDA COSTA, Mrio Jlio. Direito das Obrigaes. 8 ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 692.

CULTURALISMO E EXPERINCIA NO NOVO CDIGO CIVIL

O modelo anterior, do Cdigo de 1916, concentrava no art. 159 os pressupos-tos e a conseqncia da responsabilidade subjetiva (dever de indenizar). Nosarts. 1.518 a 1.532 estava a definio de algumas espcies.

Agora, na Parte Geral, do-se apenas as condies da ilicitude um dos pres-supostos da responsabilidade civil (arts. 186 e 187) cujo contedo material renovado: a ilicitude no apenas ilegalidade, no est atada exclusivamente conseqncia indenizatria, pressupe uma idia de direito subjetivo comointegrao de liberdades coexistentes, como algo que j nasce conformado nojogo de ponderaes entre os diferentes princpios que se pem como vetoresaxiolgicos fundamentais do ordenamento. Assim, deve ser concretizada a no-o de ilicitude a partir de conceitos semanticamente abertos, como condutacontrria a boa-f, ou ato desviado do fim econmico-social do negcio66 ,desta forma se alargando extraordinariamente o campo semntico da ilicitude vista de determinados valores objeto da tutela do ordenamento jurdico para coi-bir-se o uso inadmissvel de posies jurdicas.

Como se percebe, a diferena do modelo anterior (que conotava automatica-mente a ilicitude civil ao dano e ao dever de indenizar) imensa. Se na ParteGeral esto as condies da ilicitude (arts. 186 e 187), a obrigao de indenizarganhou autonomia (arts. 927 a 943), demonstrando que, embora seja a mais cor-riqueira e relevante conseqncia da ilicitude civil, no , contudo, o seu nicoefeito. Separadamente, tratou-se da indenizao (arts. 944 a 954).

Marquemos o significado da autonomizao da obrigao de indenizar, queencontra paralelo no Cdigo Civil portugus. Como assinala Almeida Costa, emreferncia ao Cdigo Portugus, trata-se de uma importante novidade de ordemsistemtica67 , pois se rene, num nico instituto, os princpios relativos aos efeitosda responsabilidade civil, que so comuns s suas vrias modalidades (contratual,extracontratual, pr-negocial, ps-negocial, subjetiva, objetiva). Essa disciplinaunitria abarca universo extenso, recortando-se, no Ttulo IV, a responsabilidadeque deriva do inadimplemento de obrigao, a qual, todavia, no est afastada,seja ontologicamente, seja na principiologia e em numerosas regras concernentesao regime jurdico do universo geral da responsabilidade por danos.

A esta estrutura inovadora combina-se um novo contedo material. Paraalm do alargado campo da ilicitude, antes apontado, foram incorporados,

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JUDITH MARTINS-COSTA

responsabilidade civil, vrios princpios dotados de elevada carga axiolgica:exemplificativamente, o princpio da eqidade, estabelecido no pargrafo nicodo art. 928, em caso de dano causado por incapaz; o princpio da proporciona-lidade, contido no pargrafo nico do art. 944; o princpio da gravidade da culpaconcorrente da vtima, posto no art. 945, e ainda as regras especiais a certos tiposde dano dos arts. 948 a 954, alm da importantssima clusula geral de responsa-bilidade objetiva pelo risco, a teor do pargrafo nico do art. 927, assentada nanoo de estrutura social.

justamente a, no pargrafo nico