5 re vista movimento 2015
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# 5# questes sociais
# ldico
# sincretismo
# valor da arte
# som
# representao
# percepo esttica
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REVISTA MOVIMENTO | dez 2015 dez 2015 | REVISTA MOVIMENTO 2 3
Universidade de So Paulo
Reitor Marco Antonio Zago
Vice-Reitor Vahan Agopyan___
Escola de Comunicaes e Artes
Diretora Margarida Maria Krohling Kunsch
Vice-Diretor Eduardo Henrique Soares Monteiro___
Programa de Ps-Graduao em Meios e Processos Audiovisuais
Coordenador Rubens Machado Jnior
Vice-Coordenador Eduardo Vicente
Conselho EditorialAndra C. Scansani, Carolina Berger, Damyler Cunha, Danilo Barana, Edson Costa, Marina Kerber, Raissa Arajo e Tainah Negreiros
Conselho Cientfico Prof. Dr. Almir Antonio Rosa
Prof. Dr. Cristian Borges
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Prof. Dr. Eduardo Vicente
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Prof. Dr. Henri Gervaiseau
Prof. Dr. Marcos Napolitano
Profa. Dra. Mariana Villaa
Profa. Dra. Marlia Franco
Profa. Dra. Patrcia Moran
Prof. Dr. Ronaldo Entler
Profa. Dra. Rosana Soares
Prof. Dr. Rubens Machado Junior
A Revista Movimento um peridi-co cientfico semestral, organizado pelos alunos do Programa de Ps-graduao em Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP.
ISSN: 2238-8699
___
Todos os artigos assinados so de responsabilidade de seus autores e no refletem necessariamente a opi-nio da revista. A reproduo total ou parcial dos mesmos autorizada, mediante apresentao de crditos.
___
REVISTA MOVIMENTOEscola de Comunicaes e Artes - ECA/USPPrograma de Ps-Graduao em Meios e Processos Audiovisuais - PPGMPA
Av. Prof. Lcio Martins Rodrigues, 443 - Prdio 4Cidade Universitria - ButantCEP 05508-020So Paulo - SP - Brasil
[email protected]/revimovi
Foto de capa:
Frame do video Qi, de Carolina Berger
Projeto editorial e diagramao:Raissa Arajo
Reviso :Andra C. Scansani e Edson Costa
NMERO 5DEZEMBRO 2015
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REVISTA MOVIMENTO | dez 2015 dez 2015 | REVISTA MOVIMENTO 2 3
A Revista Movimento chega sua quin-ta edio dando continuidade ao debate aca-dmico entre os discentes de alguns dos mais relevantes programas de ps-graduao do pas que se dedicam aos estudos das audiovisualida-des. Os artigos aqui selecionados demonstram caminhos das pesquisas contemporneas que investem na complexa construo das espe-cificidades do meio audiovisual e colocam em evidncia a pluralidade de interesses e rumos a serem explorados.
Iniciamos este nmero com Meios e Tempos Mistos: as realidades contidas em WeARin-MoMA, onde Giovanna Casimiro discute o concei-to de realidade a partir da anlise da exposio clandestina WeARinMoMA (2010). A utilizao de aplicativo de Realidade Aumentada para propor novas elaboraes espaciais e temporais no es-pao expositivo a matriz da qual a autora parte para pensar uma mixagem de realidades na pas-sagem da sociedade virtual para a ps-virtual. J em Mise en scne, polifonia e formas de represen-tao no documentrio paraibano A Pedra da Ri-queza, Riccardo Migliore apresenta os contrapon-tos do controle do realizador sobre a maneira de representar, lanando uma reflexo sobre a autorrepresentao dos atores sociais no cine-ma. Outros questionamentos sobre as formas
de retratar o universo que nos cerca podem ser acompanhados em O desigual no telejornal - O cidado comum e suas apropriaes dos mecanis-mos de produo e expresso audiovisuais sob a tica da recirculao miditica. Em seu texto Jho-natan Mata discute a atuao e a incorporao do cidado comum nos telejornais trazendo a reflexo sobre os filtros que a mdia tradicional utiliza para a escolha de vdeos, com foco nas configuraes estticas, representaes e hori-zontes sociais que gravitam em torno do controle das formas de fazer, circular e ver imagens em emissoras.
Em As imagens fotogrficas como moldura cinematogrfica Bettina, Wieth Gonalves prope o dilogo entre o pictrico e o flmico nas obras Os Famosos e os Duendes da Morte (Esmir Filho) e Post Tenebras Lux (Carlos Reygadas) e esboa uma reviso crtica acerca do enquadramento ci-nematogrfico a partir de Bazin, Aumont, Crary, Barthes e Dubois. Na sequncia das abordagens estticas como modo de aproximao e reflexo sobre a obra cinematogrfica, Radael Rezende prope pensar como o filme Transformers, de Michael Bay, mantm correspondncias diretas com elementos neobarrocos. O autor de Optimus Prime e a visualidade neobarroca no filme Trans-formers demonstra a permanncia na contem-
Pluralidade audiovisualConselho Editorial
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poraneidade de traos culturais originalmente manifestos em momentos passados da hist-ria. J O som ao redor - violncia invisvel, medo palpvel prope investigar o trabalho de Kleber Mendona Filho a partir da decomposio ana-ltico-Descritiva de sequncias do filme com o intuito de identificar certos fenmenos sociais, como a violncia urbana, o medo e a sensao de insegurana. Ana Carolina Chagas Maral es-trutura seu pensamento atravs do paralelo en-tre o entendimento de Zygmunt Bauman a res-peito desses fenmenos e o conceito de poder disciplinar descrito por Michel Foucault na obra Vigiar e Punir.
A fantasia o que permeia o artigo Dra-maturgias cinematogrficas ldicas - Os casos Um conto do tempo perdido e O fabuloso destino de Amlie Poulain, de Alexandre Martins Soares. O autor compara filmes realizados em pocas e sistemas sociais distintos dentro dos quais os elementos ldicos so utilizados na conduo de suas narrativas e desenvolvimento do univer-so de suas personagens. Aps lermos De msica a cone: o caminho da trilha sonora atravs da res-significao, de Raquel Vieira Fvaro Petronilho, talvez seja possvel afirmar que quando uma msica j existente passa a ser trilha sonora de uma relevante produo televisiva ou cinema-togrfica e inserida na rotina do espectador - passando a fazer parte de suas experincias e memrias-, a ressignificao a ela atribuda ter o poder de transform-la em mais do que uma msica, mais do que um trilha sonora, mas em um cone. Encerramos a srie de artigos na con-textualizao dos estudos do som no cinema a partir de um painel de sua produo bibliogr-fica com Sound studies no cinema - panorama da produo bibliogrfica dos anos 1970 at o final do sculo XX. Bernardo Marquez Alves prioriza em sua pesquisa as publicaes que desviam-se da centralidade da trilha musical realizadas na Frana, Inglaterra, Estados Unidos, Rssia e Brasil.
Abrindo a seo Poticas, temos Ener-gia vital em formas sem fim, de Carolina Berger,
onde a artista multimdia e performer discute a harmonia e o sincretismo entre corpo e tec-nologia. Atravs da elaborao de uma situao de improviso a autora demonstra como chega potica da interdependncia entre gesto e sono-ridade em um vdeo performance. Finalizamos a edio com alguns textos do livro Angle of Yaw, de Ben Lerner. O escritor norte-americano compe seus versos numa mescla de reflexo filosfica sobre a comercializao do espao pblico e o valor da arte contempornea em sequncias lri-cas de poesia e prosa experimental. A seleo e traduo aqui propostas so de Ellen Maria Mar-tins de Vasconcellos em seu ngulo de Guinada.
Para concluirmos este ano de 2015 com nosso segundo nmero publicado, contamos com uma equipe extremamente comprometida e sem a qual no poderamos alcanar nossos objetivos. Gostaramos de estender nossos agra-decimentos comunidade acadmica dos diver-sos Programas de Ps-Graduao e deixar nos-so convite participao dos novos alunos do Programa em Meios e Processos Audiovisuais. Ao fim desta empreitada desejamos que todos possam desfrutar desta mais nova edio da Re-vista Movimento.
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artigos
Meios e tempos mistos - as realidades contidas em WeARinMoMA| Gioavanna Graziosi Casimiro
Mise en scne, polifonia e formas de representao no filme paraibano A Pedra da Riqueza | Riccardo Migliore
O desigual no telejornal - O cidado comum e suas apropriaes dos mecanismos de pro-duo e expresso audiovisuais sob a tica da recirculao miditica | Jhonatan Mata
As imagens fotogrficas como moldura cinematogrfica - opesestticas de enquadramento em filmes contemporneos| Bettina Wieth Gonalves
Optimus Prime e a visualidade neobarroca no filme Transformers | Radael Rezende Rodrigues Junior
O som ao redor - violncia invisvel, medo palpvel | Ana Carolina Chagas Maral
Dramaturgias cinematogrficas ldicas - Os casos Um conto do tempoperdido e O fabuloso destino de Amlie Poulain | Alexandre Martins Soares
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Energia vital em formas sem fim | Carolina Berger
Angle of Yaw, de Ben Lerner | por Ellen Maria Martins de Vasconcellos
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De msica a cone - o caminho da trilha sonora atravs da ressignificao | Raquel Vieira Fvaro Petronilho
Sound studies no cinema - panorama da produo bibliogrfica dos anos 1970 at o final do sculo XX | Bernardo Marquez Alves
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artigoMeios e Tempos Mistos
Giovanna Graziosi Casimiro
meios e tempos mistos
Giovanna Graziosi Casimiro1
as realidades contidas em WeARinMoMA
Universidade Federal de Santa Maria
Resumo: No campo da arte, a emergncia de realidades acarreta o surgi-mento do Meio Expositivo, em um contexto misto, que ultrapassa o con-ceito de hbrido. A exposio WeARinMoMA (2010) exemplifica modos de utilizao da Realidade Mista, na arte contempornea, fortalecendo as relaes entre arte, cincia e tecnologia em uma nova elaborao espao-temporal. Este artigo, no campo da Histria da Arte Contempornea, pro-pe analisar tal episdio e sua configurao mista como ponto de partida para se pensar a transio do virtual para a ps-virtual, em que a mixagem de realidades, espaos e tempos iminente .Palavras-chave: realidade mista, hibridao, arte e tecnologia, meio expo-sitivo, tempo.
Abstract: In the field of art, the emergence of these realities leads to the onset of Exhibition Medium, in a mixed context that goes beyond the con-cept of hybrid. The WeARinMoMA exposure (2010) exemplifies ways the of the Mixed Reality, in contemporary art, strengthening the relations be-tween art, science and technology and providing a new spatial and tempo-ral development. This article, in the field of History of Contemporary Art, aims to analyze this episode as mixed configuration mode as an starting point between virtual and post-virtual society, where the mix of realities, space and time is imminent.Key words: mixed reality, hybridization, art and technology, exhibition middle time.
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1 Mestranda pelo Programa de Ps-Graduao em Arte Visuais - PPGART/UFSM, sob orientao da Prof. Dr. Nara Cris-tina Santos (PPGART/CAL/UFSM). Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria.
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Introduo
Este texto parte da exposio denominada WeARinMoMA, que ocorreu em 2010,. no Museu
de Arte Moderna de Nova Iorque. A mostra tem caractersticas prprias, que permitem uma anlise
mais profunda de tendncias tecnologias da atualidade. Aspectos sobre o papel da instituio, do
artista e do pblico tambm so fundamentais, no entanto, as discusses apresentadas partem do
conceito de misto, da Realidade Mista e de como ocorre uma passagem da hibridao para a mixa-
gem completa entre os mundos fsico e virtual.
A percepo do tempo e do espao modificada pelos dispositivos interativos, caso do
mobile e dos wearables, que se popularizam, na segunda dcada do sculo XXI, acelerando o tempo.
Paulo Virilio (2012) aponta essa acelerao do tempo. Giselle Beiguelman (2013) afirma a existncia
e uma sociedade que avana do virtual para o ps-virtual, no qual no h dissociao entre fsico e
virtual, afinal, os estmulos se misturam, no cotidiano do usurio. Trata-se da Cultura da Interface,
que Steven Johnson (2001) defende, na qual o homem e o dispositivo se relacionam livremente, de
maneira cada vez mais intuitiva.
Deste modo, surgem muitas realidades, resultantes da mixagem de tempos e espaos va-
riados atravs da tecnologia digital. WeARinMoMA representa estes aspectos, no microcosmo expo-
sitivo, atualizando pontos de vista sobre arte contempornea e tecnologia. A mostra permite avaliar
a hibridao e a mixagem (a partir da tecnologia de Realidade Mista), a perceber o lado positivo e
negativo da condio ps-virtual, e a compreender a existncia de uma possvel Realidade e Tempo
Inconscientes, junto a outros que se desdobram dentro da conscincia coletiva.
O Hbrido e o Misto
A sociedade do sculo XXI est marcada pelo regime de acelerao do tempo afirmado por
Virilio (2012), devido aos avanos computacionais e cientficos. Ele constata que existe uma realidade
aumentada, e acima de tudo, uma acelerao da realidade que, em muitos casos, est embasada
em situaes de imposio e medo, que habitam o inconsciente da sociedade. A compresso tem-
poral, segundo Virilio, um evento que modifica o cotidiano e gera a acelerao da vida comum, a
qual resulta em uma instabilidade e no medo gerado pelo excesso de estmulos frenticos. Com o
surgimento de mquinas cada vez mais inteligentes, redes amplas e eficazes, o homem da ps-vir-
tualidade usufrui de tempo e espao prprios da cibercultura, os quais fragmentam a construo de
uma realidade comum constante, desdobrada em muitas realidades potenciais, em oscilao. Nesse
contexto, a hibridao se torna um termo fundamental para a compreenso do estabelecimento da
sociedade hiperconectada e da cultura contempornea2.
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Giovanna Graziosi Casimiro
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Segundo Santaella (2003) o teatro, a pera, a performance so exemplos de artes hbridas,
pois as linguagens e as tcnicas se misturam, confirmando que, desde o final do sculo XIX, as artes
abandonaram as estruturas de espao e tempo tradicionais. Edmond Couchot (2003) apresenta o ter-
mo hibridao, no contexto da arte, atravs das tecnologias digitais, como uma forma de arte e uma
tendncia esttica, cujo substrato so as tecnologias fundamentadas no clculo computacional. O
termo hbrido deriva do latim hibrida, que significa bastardo, de sangue mestio (posteriormente,
alterado para hybrida, proveniente do grego hybris que significa ultraje, excesso, o que ultrapassa a
medida). Do ponto de vista da biologia, a partir do sculo XIX, o termo empregado para designar o
que composto de elementos de natureza diferentes e resultado do cruzamento de espcies ou g-
neros distintos. Na atualidade, significa principalmente o que provm de duas espcies diferentes,
caracterizando o cruzamento gentico de espcies distintas de plantas ou animais.
O campo da Arte e Tecnologia considerado, por Couchot, uma arte da hibridao, na qual
as formas da imagem e o processo binrio se misturam. Entende-se, neste texto, a hibridao como
a unio de tcnicas e tecnologias, partindo da natureza do computador para produes interativas.
A hibridao se torna muito prxima da materialidade das propostas artsticas digitais, de sua cons-
tituio maqunica e tecnolgica, pois se relaciona com o modo como o dispositivo interage com o
usurio. No entanto, destaca-se uma remodelao alm da tecnicidade das obras interativas e hbri-
das. Percebe-se as distores e mixagens sobre o tempo e o espao, em modos revolucionrios. O
tempo e o espao contemporneos se constroem a partir de prismas completamente diferentes de
outros momentos da histria, pois a experincia se d em um tempo cheio de realidades possveis,
que constituem muitos espaos e modos de percepo entre plano fsico e o virtual. As escolhas de
um usurio sobre um dispositivo mvel, por exemplo, podem lev-lo a diferentes resultados, sobre-
tudo, s sensaes especficas vivenciadas em rede.
Com a onipotncia, oniscincia e onipresena online, a concepo espao-temporal precisa
ser estudada, especialmente, do ponto de vista da arte contempornea, atravs das relaes sen-
sveis geradas nas obras interativas. Sendo assim, a principal diferena percebida entre o hbrido e
o misto reside nos objetos aos quais se referem. Enquanto o hbrido se refere tecnica, tecnologia
ou sistema utilizado em uma aplicao digital (determinando o que do mundo fsico e o que
do mundo virtual, em um mesmo sistema de funcionamento), o misto est ligado existncia de
uma condio indissocivel entre o fsico o virtual, incluindo o tempo, o espao a as realidades. Ele
representa o tempo misto, no qual a ps-virtualidade se estabelece, confirmando a ideia de que a
conexo entre as redes nunca acaba e que o campo virtual uma continuidade do mundo fsico. ___________________________________________________
1 http://www.itaucultural.org.br.
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Giovanna Graziosi Casimiro
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Essa premissa pode ser observada no comportamento dirio dos indivduos, definido pelo regime
de acessos na web, s redes sociais, aos aplicativos. Esse mundo misto, cheio de cruzamentos entre
tempos, espaos e realidades, , fortemente, evidenciado pelo uso da tecnologia mobile, pois ela rev
a condio da presena e do deslocamento do usurio.
Johnson (2001) atesta a existncia de uma negociao na entrada e sada de dados e in-
formaes entre linguagem de mquina e signos das linguagens humanas. Segundo ele, a interfa-
ce computacional agente de dilogo com o usurio, propiciando a interatividade. Henry Jenkins
(2014) apresenta a cultura da conexo, a qual se estabelece pela circulao e pelo fluxo (passagem
da distribuio para a circulao). Segundo Falkheimer e Jansson (2006), a popularizao dos telefo-
nes celulares e de servios de localizao, faz com que a sociedade viva uma realidade de no sense of
place onde o lugar superado pela comunicao massiva e pelo fluxo, gerando uma nova noo de
lugar, presena, espao, tempo e realidade. atravs desse nvel de envolvimento que determinadas
tecnologias se fixam na cultura, promovendo mudanas pontuais na histria, e destacando certos
tipos de interface computacional.
A mobilidade se popularizou principalmente pelo lanamento de handhelds (conhecidos
como palm) e de telefones celulares. Considera-se que a computao mvel comeou em meados
de 1992, com a introduo de um handheld chamado Newton, pela Apple. A tecnologia de geoloca-
lizao viabiliza uma srie de facilidades, e os wearables so uma variao tcnica dos dispositivos
mveis, os quais se adaptam ao corpo, em formas similares aos culos e relgios, at o momento.
Projetos como o Google Glass e Android Wear so desenvolvidos para se unir ao corpo humano, do
modo mais natural possvel. Porm, esse tipo de dispositivo ainda est em processo de aceitao,
e caso se torne comum, potencializar a percepo do mundo misto, pois tecnologias de Realidade
Mista sero comumente utilizadas, desde o campo publicitrio at a medicina, introduzindo inme-
ros objetos virtuais no plano fsico, diria e ininterruptamente.
A concepo do misto, aqui proposta, est diretamente ligada utilizao da tecnologia
de Realidade Mista, pois ela determina a insero de objetos virtuais sobre o plano fsico. O termo
Realidade Mista ou Realidade Misturada pode ser definido como a somatizao de objetos virtuais
gerados por computador com o ambiente fsico, viabilizando a conexo de espaos fsicos atravs de
objetos e ambientes virtuais. Paul Milgram e Fumio Kishino (1994) definem o conceito de Realidade
Misturada como "qualquer lugar entre os extremos de uma Contnua Virtualidade". Cludio Kirner
(2004) ratifica que a Realidade Mista permite ao usurio, ver, ouvir, sentir e interagir com informa-
es e elementos virtuais inseridos no ambiente fsico, atravs de algum dispositivo tecnolgico. Se-
gundo ele a Realidade Mista vai alm da capacidade da Realidade Virtual de concretizar o imaginrio
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ou simular, pois a Realidade Mista incorpora elementos virtuais ao ambiente fsico. No se trata de
um ambiente puramente virtual, cuja dinmica esquece o mundo fsico do usurio, mas de um am-
biente realista, no qual o usurio no percebe a diferena entre objetos virtuais e fsicos. Trata-se de
uma cena s, sem distino de elementos.
A Realidade Mista engloba categorias: a Realidade Aumentada e Virtualidade Aumentada.
A primeira ocorre quando objetos virtuais so colocados no mundo fsico, atravs de interfaces adap-
tadas para visualizar e manipular objetos virtuais. A segunda ocorre quando elementos fsicos so
inseridos no mundo virtual, por meio de interfaces que transportam o usurio, as quais permitem ver
e manipular elementos fsicos, ali inseridos. Segundo Kirner (2013), o termo Realidade Aumentada
muito confundido com o termo Realidade Mista. No entanto, o primeiro compe o segundo, e cada
qual possui especificidades tcnicas. A Realidade Mista abrange tanto a Realidade Aumentada quan-
to a Virtualidade Aumentada, e como Paul Milgram (1994) delimita, pode ser classificada de acor-
do com seus diversos modos de visualizao: a) realidade aumentada com monitor (no imersiva)
que sobrepe objetos virtuais no mundo fsico; b) realidade aumentada com capacete (HMD) com
viso ptica direta (seethough); c) realidade aumentada com capacete (HMD) com viso de cmera
de vdeo montada no capacete; d) virtualidade aumentada com monitor, sobrepondo objetos reais
obtidos por vdeo ou textura no mundo virtual; e) virtualidade aumentada imersiva ou parcialmente
imersiva, baseada em capacete (HMD) ou telas grandes, sobrepondo objetos reais obtidos por vdeo
ou textura no mundo virtual; d) virtualidade aumentada parcialmente imersiva com interao de
objetos reais, como a mo, no mundo virtual.
Ainda segundo Kirner (2013), um ambiente de Realidade Mista pode operar com a partici-
pao simultnea de vrias pessoas, em processos colaborativos, usando interfaces computacionais
especficas. Essa noo de Realidade Mista colaborativa construda em espaos fsicos e virtuais
compartilhados, cujo acesso ocorre entre vrios usurios em um mesmo local (o usurio visualiza
e interage com os elementos reais e virtuais, atravs de capacete com cmera e rastreadores), ou
remotamente (so gerados ambientes virtuais, em espaos compartilhados com objetos virtuais,
interativos). Especialmente no campo da comunicao, a Realidade Mista pode funcionar como im-
pulsionadora dos processos e assimilaes de conhecimento.
A Realidade Aumentada combina objetos fsicos e virtuais no mundo fsico e os executa in-
terativamente em tempo real. Viabiliza o alinhamento de objetos fsicos e virtuais entre si e, segundo
Azuma (2001), aplica-se a todos os sentidos, incluindo audio, tato, fora e cheiro. Kirner (2013) a
caracteriza atravs dos seguintes pontos: a) uma particularizao de Realidade Mista, quando o
ambiente principal o fsico ou h predominncia do atual; b) o enriquecimento do ambiente fsico
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Giovanna Graziosi Casimiro
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com objetos virtuais, usando algum dispositivo tecnolgico, funcionando em tempo real; c) uma
melhoria do mundo fsico com textos, imagens e objetos virtuais, gerados por computador; d) a
mistura de mundos fsicos e virtuais em algum ponto da realidade/virtualidade contnua que conecta
ambientes fsicos a virtuais (Paul Milgran firma isso em 1994).
So viabilizadas aplicaes no campo do ensino, de treinamento e no campo da arte, en-
quanto obra ou dinmica institucional/expositiva. Para sua execuo necessrio: 1- um objeto
fsico com algum tipo de cdigo/marca ou referncia, possibilitando a interpretao pelo aplicativo,
gerando o objeto virtual. 2- cmera ou dispositivo de captao e transmisso da imagem do objeto
fsico para que o software seja capaz de interpretar o cdigo de referncia. A construo do objeto
virtual ocorre atravs da captura do objeto fsico frente a um dispositivo especfico (cmera), o qual
interpreta e envia as imagens obtidas, em tempo real.
Segundo Beiguelman (2013), o uso cada vez mais comum de etiquetas inteligentes baseadas
em cdigos de barra com grande capacidade de armazenamento de informaes, caso dos QR-Code
(Quick Response Code), indica o gradual processo de coisificao das redes (e nesse ponto, a discus-
so sobre a Internet das Coisas surge mais uma vez). Os QR-Codes so interpretados pela cmera do
celular com programas especficos para a leitura de cdigo. Sua principal funo a expanso de
informaes e dos dados do plano virtual para o plano fsico, atravs da interface interativa.
Para o desenvolvimento de aplicaes de Realidade Aumentada so combinados softwa-
res a equipamentos como cmeras digitais, smartphones, GPS. H pesquisas que indicam, que no
futuro, ser possvel expandir o monitor dos monitores para o ambiente fsico, como em janelas ou
superfcies onde os programas sero executveis. De acordo com o campo da computao, o funcio-
namento da Realidade Aumentada dividido em sistemas, classificados pelo display utilizado, o qual
pode variar em ptica Direta, Vdeo ou Monitor e Projeo.
A Virtualidade Aumentada definida, segundo Kirner (2013), como uma particularizao da
Realidade Misturada quando o ambiente principal virtual ou h predominncia do virtual. Baseia-
se no enriquecimento do ambiente virtual com elementos fsicos pr-capturados ou capturados em
tempo real. Ou seja, seu funcionamento tcnico exatamente o oposto ao da Realidade Aumen-
tada. No campo da arte, inmeras obras definidas enquanto Realidade Virtual ou Realidade Au-
mentada so, de fato, Virtualidade Aumentada, na qual possvel inserir objetos fsicos interativos
no ambiente virtual. Essa captura feita atravs de cmeras de vdeo ou sensores, em tempo real.
Sendo assim, o potencial da Virtualidade Aumentada est nas simulaes do mundo fsico, manipu-
ladas em tempo real.
artigoMeios e Tempos Mistos
Giovanna Graziosi Casimiro
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Nesse ponto Kirner (2013) esclarece as especificidades de cada tipo de Realidade:
Realidade Virtual (RV): est, unicamente, no mundo virtual. Transfere o usurio para o
ambiente virtual e prioriza as caractersticas de interatividade do usurio;
Realidade Mista/Misturada (RM): est entre o mundo fsico e o virtual, transitando atra-
vs da interatividade entre as camadas de realidade. Divide -se entre Realidade Aumentada e Virtua-
lidade Aumentada;
Realidade Aumentada (RA): possui um mecanismo para combinar o mundo fsico com
o mundo virtual, no entanto, mantm o senso de presena do usurio no mundo fsico e enfatiza a
qualidade das imagens e a interao do usurio;
Virtualidade Aumentada (VA): possui mecanismo para combinar o mundo virtual com
elementos trazidos do mundo fsico, o que torna a interatividade do usurio um elemento inserido
no ambiente virtual;
Nesse ponto Kirner (2013) esclarece as especificidades de cada tipo de Realidade: Beiguel-
man (2013) entende o sucesso da Realidade Aumentada devido aproximao gerada entre o plano
virtual e percepo humana, ideia confirmada por Pranav Mistry3, que aponta que a integrao de
informaes aos objetos fsicos do cotidiano, contribuem na eliminao do abismo entre o plano
virtual e o plano real, e confirmam a existncia de um plano nico que ainda nos mantm humanos,
porm mais conectados do que nunca. Sendo assim, a Realidade Mista funciona como uma soma
contnua atravs do dispositivo/interface, onde objetos virtuais so adicionais ao ambiente fsico e
vice-versa. As categorias acima trabalham com um sistema interativo em rede local fixa, sem cone-
Figura 01 - (www.devmedia.com.br)
___________________________________________________
3 Disponvel em: http://www.ted.com/talks/pranav_mistry_the_thrilling_potential_of_sixthsense_technology?langua-ge=en. Acesso em: 02/03/2015.
artigoMeios e Tempos Mistos
Giovanna Graziosi Casimiro
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4 GONALVES, 2004: 54.
xo com a nuvem de dados. Com o acesso wi-fi e a internet mvel (3G/4G), a aplicao de Realidade
Mista pode ocorrer via mobile e em reas externas, caso do espao urbano. Surgem aplicativos es-
pecficos como o Aurasma, Layar e Junaio, destinados para a criao de objetos virtuais e implemen-
tao de Realidade e Virtualidade Aumentada, em qualquer local.
Portanto, a afirmao de uma realidade mista constante pertinente, e comprova a ps-
virtualidade (proposta por Beiguelman) e justifica a existncia de inmero tempos, espaos e per-
cepes. No campo da Arte e Tecnologia, artistas tm explorado as potencialidades da tecnologia de
Realidade Mista h vrios anos, no entanto, este texto apresenta um episdio em especial, no qual o
mundo fsico diretamente alterado, gerando consequncias que o modificam, em uma comprova-
o de que o mundo no mais fsico e virtual, e sim, constantemente, misto.
WeARinMoMA: uma reviso das realidades e da percepo.
Frieling (2014) defende a ao questionadora dos artistas em relao s instituies. Segun-
do ele, h um pedido de colaborao aos museus, para que participem formalmente como co-pro-
dutores das obras de arte contemporneas. Tradicionalmente, os museus assumem uma estrutura,
supostamente, neutra na organizao de mostras e acervos. Gonalves (2004) define o padro do
espao apropriado para a arte moderna como aquele que apaga sua funo social, no entanto, na
atualidade, essa neutralidade um equvoco, pois museus e instituies culturais so questionados
quanto a sua relao com os artistas e o pblico. Enquanto o museu tenta manter seu espao expo-
sitivo como lugar neutro, no sculo XXI, a idia de lugar para os artistas contemporneos assume
importncia como linguagem. Nesse aspecto, a arte assume a vocao de explorar a construo do
espao e, como sintaxe bsica da criao artstica, utiliza-se da dimenso espacial.4
O MoMA exemplifica essa tentativa de neutralizao, ao oferecer uma sensao de privaci-
dade, reforada por Gonalves (2014), pois suas salas so pintadas de branco, com mnima interfe-
rncia sobre as obras. A distribuio das peas feita com certo alinhamento altura do olhar do
visitante e simetria. No entanto, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, questionado por um
grupo de artistas, em 2010. WeARinMoMA (outubro de 2010) uma exposio clandestina realizada
no MoMA por dois artistas, Sander Veenhof- Holanda e Mark Skwarek- EUA (participantes do Mani-
fest.AR), que contesta a ao do museu, diante do avano da tecnologia digital:
distncia, via GPS, a dupla de artistas acionou comandos de inform-tica e fez com que dezenas de peas tridimensionais produzidas por eles e por outros 30 artistas convidados surgissem na tela dos celulares e tablets de quem circulava pelo MoMA naquele dia. (...) Em vez de se
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enfurecer com os artistas, a diretoria do museu aplaudiu o atrevimento e incorporou as peas virtuais sua coleo. E, por conta disso, diver-sos museus dos Estados Unidos e da Europa pararam para repensar sua relao com a tecnologia. Desde ento, muitos se debruaram sobre a realidade aumentada e lanaram projetos vanguardistas 5.
A partir de ento, diversas instituies, como o Museu de Histria Natural de Washington, o
Brooklyn Museum de Nova Iorque, o Sukiennice Museum da Cracvia, o Louvre de Paris, passaram a in-
corporar em suas dinmicas espaciais e institucionais tais possibilidades tecnolgicas. O Museum of
London desenvolveu um aplicativo chamado Streetmuseum, que permite acessar, em meio ao espao
urbano, mais de 200 imagens de seu acervo atravs da realidade aumentada.
Para seu funcionamento, utiliza-se a Realidade Aumentada, dispositivos mveis e o apli-
cativo desenvolvido pelo grupo. Atravs da estrutura fsica e das obras permanentes do acervo do
MoMA, visualiza-se a exposio virtual, simultaneamente, s obras consagradas do modernismo.
Trata-se de uma proposta de dissoluo do espao expositivo material e um convite para a institui-
o rever seu padro. A interatividade ocorre via obra e o Meio Expositivo se estabelece no ambiente
institucional, especificamente, pois depende da estrutura fsica do MoMA como desencadeadora da
dinmica interativa de Realidade Aumentada. Surge um ciclo de interatividade entre o pblicoo-
brameio. Ele faz com que a obra visvel por Realidade Aumentada no esteja no espao de modo
permanente, pois se apropria da realidade fsica pela ao do interator. Significa que a existncia da
___________________________________________________
5 Disponvel em: m.oglobo.globo.com/cultura/museus-dos-eua-europa-lancam-projetos-vanguardistas-de-realidade-au-mentada-4961365 > Acesso em: 22/04/2014.
Figura 02: WeARinMoMA (www.sndrv.nl/moma)
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Giovanna Graziosi Casimiro
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6 JENKINS, 2014: 241.7 JENKINS, 2014: 241.
obra diretamente proporcional ao pblico, fato confirmado por Gonalves (2004) ao avaliar que a
exposio um campo aberto para o visitante construir a sua histria. Segundo ela, o espao e o tem-
po so suporte do ato de visitao, que em cada instante de deslocamento gera uma vivncia e seu
esquecimento. As realidades construdas so resultado da interatividade, que engloba os mtodos
de visitao, exposio, os tipos de interfaces e o nvel de sensibilizao das aplicaes. A imerso
e incluso fortalecem as relaes entre pblico, obra e Meio. O carter inclusivo est presente em
WeARinMoMA, cujo acervo exposto no existiria sem o pblico ativo.
Percebe-se como a relao tradicional de poder abalada. Segundo Jenkins (20104), os co-
laboradores so cmplices dos regimes dominantes de poder, ainda que, muitas vezes, usem sua
incorporao para redirecionar energias e recursos. No contexto de WeARinMoMA, os colaboradores
so os artistas, que utilizam a dinmica interativa questionadora, ao mesmo tempo em que forta-
lecem a identidade da instituio. A mostra se torna uma afirmao da natureza experimental do
museu, e o regime dominante de poder revisto atravs do compartilhamento de funes com o
pblico. O resultado a incluso da exposio clandestina no acervo do MoMA, fato que revisa o
padro estrutural diante da possibilidade de obsolescncia.
Esse conjunto de questionamentos evidencia a necessidade de rever modelos museais, o
desejo de incluso dos artistas em grandes acervos e a importncia do pblico na ao institucional.
Trata-se do pressuposto de que a circulao se constitui como uma das foras-chave que do for-
ma6 ao ambiente de mdia e de cultura contemporneos. A exposio clandestina foi um sucesso
devido fora das mdias sociais, ao poder de propagao e compartilhamento de informaes, pois
essa ao parte de uma crena de que, se formos capazes de entender melhor os fatores institucio-
nais e sociais que formataram a natureza da circulao, poderemos nos tornar mais eficazes com a
colocao de mensagens alternativas em circulao7.
Realidades e tempos mistos
Beiguelman faz pensar a contraposio da cultura impressa computacional, e essa mes-
ma relao pode ser feita entre os espaos de exposio analgicos e interativos, no campo da arte.
Ela faz uma crtica construo de um presente, cujas expectativas parecem se concentrar em um
futuro, especialmente envolto no entorpecimento da tecnologia binria. A constante lgica da novi-
dade aponta um regime caracterstico de uma sociedade conectada em rede, a qual transita entre
estgios de espao e tempo. Antes da presena do mundo virtual, o homem trabalhava a partir do
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plano fsico e desenvolvia planos ficcionais de tempo e espao, no mbito mental (imaginao). No
mundo contemporneo, percebe-se camadas de espao e tempo, as quais criam um tempo nico
indissocivel da percepo do passado e das expectativas do futuro. A hiperconexo e a virtuali-
dade trazem experincias extra espaciais e temporais, que despertam uma conscincia humana
diferenciada. WeARinMoMA evidencia uma nova relao entre espao, tempo e interator, no contexto
da arte, pois estabelece uma srie de realidades simultneas, segundo as decises do usurio sobre
o dispositivo interativo.
medida que a tecnologia binria gera interfaces intuitivas e estreita relaes com a sensi-
bilidade, o espao elaborado, diferentemente, do conceito tradicional, pois expande seus limites.
Essa nova relao com o espao age sobre as formas do espao expositivo, e gera padres prprios
de um ambiente conectado. A presena dos dispositivos, no campo da arte, remodela a presena
no espao de exposio, o tempo, a realidade, e a condio da autoria (questo pertinente a outros
perodos da histria da arte, mas que, nessa pesquisa, pensada a partir da produo em arte e tec-
nologia). O espao se torna um condutor de fluxos atravs de interatividade e da mobilidade, pois,
devido ao nvel de envolvimento oferecido pela interface, surgem relaes especficas entre espao,
interator e dispositivo. Cada usurio tem uma determinada vivncia, em potencial, qual desencadeia
espaos, tempos e realidades diferentes. A existncia de realidades latentes em espaos interativos,
torna possvel uma aproximao com a teoria dos mundos paralelos ou dos mltiplos universos do
campo da fsica, na qual existem diferentes verses de um mesmo tempo e espao, os quais so
potncias e surgem divergentes em suas prprias realidades. Trata-se de conceber os mundos po-
tenciais existentes que geram uma teia de realidades possveis, na qual o vnculo construdo entre
tecnologia binria e espao fsico condicionado pela interatividade.
O espao permeado por dados pode ser entendido a partir da troca de conhecimentos en-
tre usurio e computador, que segundo Daniela Kutschat Hanns (2014), gera um ambiente onipre-
sente. Para ela, esse ambiente estimula habilidades cognitivas de criar empatia, de reconhecer e
decifrar relaes, de aprender a compartilhar. Johnson (2001) afirma que a paisagem da informao
representa, simultaneamente, um avano tecnolgico e uma obra de criatividade sem precedentes,
capaz de alterar o modo como as mquinas so utilizadas e, principalmente, imaginadas. Percebe-se
a construo de um presente informacional e de um conceito diferenciado de espao, definido pe-
las regras da computao sobre o mundo fsico que se torna misto, tal qual a Realidade Mista, cuja
dinmica torna visvel e crvel as trocas estabelecidas entre mundo fsico e virtual.
As tecnologias de Realidade Virtual e Mista se popularizam a partir das interfaces mveis,
e devido aos servidores velozes e internet sem fio, a nuvem de dados construda, modificando
artigoMeios e Tempos Mistos
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o espao por fluxos imagticos virtuais, pelo design de interface e pela transformao na natureza
da imagem. A realidade construda paralelamente ao ciberespao e aos ambientes virtuais, e sua
concepo vai alm do mundo fsico, pois se constri por redes globais, atravs de comunidades, em
uma noo de espao e tempo particular. As mltiplas realidades so evidenciadas por meio das
tecnologias de Realidade Virtual e da Realidade Mista.
Segundo Grau (2003), ao longo da histria da arte, percebe-se a construo de vrias rea-
lidades, individual e coletivamente. Alm do campo artstico, na neurobiologia h descobertas que
questionam o que entendido como realidade, pois ela no representa uma verdade absoluta, e
sim, o que possvel ou no observar. Ela est diretamente ligada aos nveis da percepo humana,
segundo a conduta mental e fsica, que limita a conscincia da realidade, pois a existncia de uma
realidade leva a muitas outras.
Percebe-se uma gradao da conscincia das realidades que cercam a sociedade atual,
oscilando entre as Realidades Mistas e as realidades conscientes/inconscientes. Beiguelman (2010)
afirma a cultura hbrida, a qual refora a ideia proposta da Realidade Inconsciente, que engloba
todo o comportamento humano contemporneo (e suas outras realidades). Nela, existe o mundo
virtual e o mundo fsico em constante estado de trocas, no entanto, no h uma conscincia coletiva
dessa condio. Dentro da Realidade Inconsciente existe a Realidade Mista, que torna perceptvel as
Figura 03: Sistema insituinfluxu (acervo prprio)
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constantes trocas entre fsico e virtual. A interatividade e a Realidade Mista, permitem ao interator
acessar sua Realidade Consciente, na qual o mundo fsico est no virtual, e vice-versa. Configura-se
um desdobramento da Realidade Inconsciente sobre a Realidade Mista, e est sobre as Realidades
Virtual e Aumentada.
Consideraes
H uma visvel passagem da hibridao para a mixagem, do ponto de vista da tecnologia
binria, que marca a existncia de desdobramento mais complexos, no campo da arte, os quais ul-
trapassam as questes tcnicas. medida que a tecnologia computacional se torna intuitiva, mvel
e geolocalizada, ela consolida uma srie de novas percepes do tempo, do espao e da realidade.
O resultado o surgimento de aes artsticas que exploram a hibridao de tcnicas interativas e,
sobretudo, a mixagem de realidades potenciais. A tecnologia de Realidade Mista uma aliada na
elaborao de propostas interativas contemporneas, e permite a construo de obras de arte que
exploram o espao urbano, a movimentao do usurio, seu corpo, suas emoes.
A ps-virtualidade vem tona com a percepo de um mundo misto, determinado pelos
fluxos de informaes entre o suposto mundo fsico e o virtual. Atravs de WeArinMoMA, percebe-se
o quanto uma proposta expositiva pode ser inovadora ao utilizar tecnologias computacionais, pois
a mostra tambm questiona o sistema tradicional e a gesto do museu, trazendo discusso a real
diviso de poderes no campo institucional.
Desse modo, os seguintes aspectos so ressaltados para uma reflexo profunda deste texto:
(a) a existncia de um mundo e tempo mistos, condicionados em uma realidade inconsciente, a qual
pode ser reelaborada, conscientemente, medida que a sociedade percebe a constante insero das
redes e dos sistemas interativos; (b) a existncia da hibridao e da mixagem, enquanto termos com-
plementares, porm no equivalentes; (c) a utilizao da Realidade Mista enquanto tcnica crescen-
te em elaboraes artsticas, na ltima dcada; (d) os novos graus de construo de tempo e espao,
que se distorcem em instabilidades, a partir de sistemas interativos, nos quais cada nova deciso do
usurio gera uma mudana espao-temporal.
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artigoMeios e Tempos Mistos
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Giovanna Graziosi Casimiro
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artigoMise en scne no documentrio, polifonia e formas de representao no filme paraibano A pedra da riqueza
Riccardo Migliore
mise en scne, polifonia e formas de representao no filme paraibano a Pedra da riqueza
Riccardo Migliore1
Universidade Federal da Paraba
Resumo: Atravs deste paper apresentamos os resultados da anlise fl-mica de A Pedra da Riqueza (Vladimir Carvalho, 1975), com nfase na pro-blemtica e complexa questo da mise en scne em sua(s) vertente(s) pe-culiar(es) do domnio cinematogrfico documental. A anlise foi efetuada de acordo com o mtodo sugerido por Manuela Penafria (2009). O filme de Carvalho particularmente til para o estudo da mise en scne no do-cumentrio devido s mltiplas esferas de representao e polifonia de "vozes" que conduzem a narrao.Palavras-chave: cinema; documentrio; esttica; mise en scne; represen-tao
Abstract: Through this paper we present the results of the film analysis of A Pedra da Riqueza (Vladimir Carvalho, 1975), emphasizing the complex topic of the mise en scne in the plural modalities peculiar to non-fiction films. The analysis was made according to the method suggested by Man-uela Penafria (2009). Carvalho's film is particularly useful to study the mise en scne in documentary films due to the multiple spheres of representa-tion and the polyphony of "voices" conducing the narration.Key words: cinema; documentary; aestethics; mise en scne; representa-tion
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1 Mestre pelo Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Culturas Miditicas da Universidade Federal da Paraba. Pesquisa sobre cinema, documentrio, mise en scne, representao, fotografia. membro do Grupo de pesquisa em cinema (GECINE) do PPGC/UFPB, coordenado pelo Prof. Dr. Bertrand de Souza Lira, que foi tambm seu orientador durante o mestrado. Alm de pesquisador, Riccardo realizador audiovisual (de oramento zero) e foi parecerista cre-denciado pela SAv/MinC ao longo de cinco anos.
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Da pesquisa prvia, do mtodo, do objeto e da adequao do mesmo visando discusso
sobre mise en scne no documentrio
Neste artigo apresentamos os resultados de nosso estudo inerente encenao no docu-
mentrio de Vladimir Carvalho, no contexto da dissertao de mestrado intitulada Formas de repre-
sentao no cinema: uma reflexo sobre o uso da mise en scne nos filmes documentrios paraibanos (MI-
GLIORE, 2015), trabalho acadmico no qual ponderamos acerca das possibilidades e problemticas
ligadas ao cinema documental e nele, abordamos a aplicao da mise en scne no cinema paraibano,
ao analisarmos cinco filmes, sendo eles: Aruanda (Linduarte Noronha, 1960), A pedra da riqueza
(Vladimir Carvalho, 1975), Imagens do declnio, ou Beba Coca Babe Cola (Bertrand Lira, Torquato Joel,
1981), Passadouro (Torquato Joel, 1999) e Oferenda (Ana Brbara Ramos, 2009). No presente paper,
especificamente, refletimos acerca da encenao documental no filme A pedra da riqueza.
Os critrios de anlise foram ditados pela aplicao, quase que integral, do mtodo introdu-
zido por Manuela Penafria em Anlise de Filmes conceitos e metodologia(s) (PENAFRIA, 2009). A au-
tora orienta a efetuar a anlise considerando a seguinte estrutura: introduo, dinmica da narrativa
(anlise plano-a-plano de pelo menos uma sequncia do filme), eleio de uma cena principal, ponto
de vista, e concluso. Dos parmetros de anlise flmica sugeridos pela autora omitimos a busca por
uma cena principal, devido ao fato da presena e relevncia de uma cena assim chamada no ser
necessariamente uma constante no cinema, entendido em toda sua abrangncia e complexidade.
H filmes nos quais no faz sentido eleger uma cena como a principal: filmes experimentais, algu-
mas modalidades de documentrios, filmes ficcionais no comerciais, filmes realizados em plano-
sequncia, apenas para mencionar algumas categorias.
A escolha deste documentrio de Vladimir Carvalho, sem dvida o mais assduo e produ-
tivo documentarista paraibano de todos os tempos, deve-se adequao do filme no que se refere
ao estudo da mise en scne documental, a que de fato uma aparelhagem (flmica) polissmica,
complexa e composta. Neste sentido, aposta-se na busca de auxlio em noes outras capazes de
render menos obscura a compreenso das encenaes documentais, aqui em sua forma plural devido
multiplicidade de aplicaes desta ferramenta por parte dos realizadores de no-fico. Trata-se
de conceitos complementares, como aquele de representao, sobre os quais a mise en scne est
fundamentada e adquire toda sua consistncia de aparelhagem hbrida. O estudo da representao
um elemento essencial para uma compreenso mais profunda da encenao no mbito do filme
documentrio, na medida em que a representao pr-existe filmagem e independe dela, quer di-
zer, ela onipresente e permeia as relaes sociais (AUMONT, 2008) (GOFFMAN, 1967).
Desta maneira, possvel afirmar que a encenao documental comporta pelo menos trs
artigoMise en scne no documentrio, polifonia e formas de representao no filme paraibano A pedra da riqueza
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artigoMise en scne no documentrio, polifonia e formas de representao no filme paraibano A pedra da riqueza
Riccardo Migliore
nveis: tcnico, estilstico e ideolgico-moral. O nvel tcnico se refere utilizao da linguagem au-
diovisual (por exemplo: os planos, as transies entre cenas ou sequncias, os movimentos de c-
mera etc.); o nvel estilstico conduz inexoravelmente questo da oposio dicotmica entre sig-
nificante e significado, qual se prefere o conceito sinttico de significao (METZ, 1995) j que
atravs do estilo que sobressai o contedo (BORDWELL, 2008), mas vale tambm o contrrio, como
se ver mais adiante; e o nvel ideolgico-moral est associado ao conceito de voz (autoral) e se pode
manifestar tanto de maneira explcita, como o caso do cinema de Ken Loach ou do documentrio
A ilha das flores (Jorge Furtado, 1989), como tambm de maneira implcita, inclusive inconsciente. A
anlise da encenao, a este respeito, representa uma chave de acesso assero e viso de mundo,
poltica inclusive, do realizador.
Da anlise plano-a-plano de uma sequncia do filme
A sequncia escolhida para anlise aquela da exploso da dinamite na minerao, e abre-
se com um plano mdio de conjunto no qual dois trabalhadores cooperam para furar o cho com
o fim de posicionarem a dinamite com o respectivo estopim. A imagem vem a adquirir relevo pela
posio dos homens: o primeiro, enquadrado at linha da cintura em posio inferior, segura uma
espcie de ponteira e o outro, de p, em posio superior, de costas para a cmera, bate na ponteira
com uma marreta segurada com ambas as mos. A cabea do homem em p, prxima da margem
superior direita do quadro, forma uma linha diagonal com o ombro do colega, o qual est situado em
posio aberta, ou seja, em favor de cmera.
Segue um corte no mesmo eixo visual para propor um detalhe da batida da marreta, at que
o homem que segurava a ponteira deix-la no cho para pegar o estopim e enfi-lo no buraco que
acabou de ser criado, o que mostrado num corte sucessivo, sempre em plano-detalhe. A locuo
de Barra Limpa destaca o fato do estopim ter que ser bastante comprido, para que haja tempo para
os trabalhadores correrem, j que a dinamite joga a pedra para longe. O prximo um plano geral da
parte de morro explorada pela extrao de xelita.
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artigoMise en scne no documentrio, polifonia e formas de representao no filme paraibano A pedra da riqueza
Riccardo Migliore
Com o corte a seguir volta-se ao detalhe da mo enfiando o estopim no buraco escavado no
cho, com sua sombra projetada pelo sol na margem inferior do quadro. Na sequncia, h um plano
geral do garimpo, filmado de cima do morro para baixo. Corta-se novamente num plano detalhe, des-
ta vez enfatizando o gesto atravs do qual o p explosivo espalhado dentro do buraco. Mantendo
certa continuidade de movimento com o detalhe, segue o close de um homem de chapu e bigode,
enquanto o outro continua a preparar a exploso. Em seguida, um plano em movimento, no caso, um
zoom out a abrir para um plano geral que s em parte enquadra o garimpo, e em parte a paisagem
sertaneja em profundidade. Nota-se certo dinamismo devido sobreposio de planos distintos.
Novamente, Carvalho corta num plano-detalhe, provocando certo suspense, ao dilatar a
cena da preparao da exploso em termos temporais. Enxergamos os dedos do trabalhador manu-
seando algo como um fsforo enquanto acende o estopim. Temos um plano de reao do mesmo
trabalhador, no close j visto anteriormente, e de novo, o detalhe do estopim, desta vez queimando,
como resulta pela fumaa. Na montagem, o realizador insere inteligentemente um plano detalhe de
uma lagartixa enquanto ela some de cima de uma pedra, o que permite estender a temporalidade
da ao. Note-se que a voz de Barra Limpa est narrando a preparao da exploso at o grito: o
fogo!. neste momento que, na montagem, resolve-se inserir o plano da lagartixa fugindo, como se
tratasse de aes conseqentes.
Em realidade, a imagem serve para aumentar a tenso dramtica. Corta-se, pois, para um
plano de conjunto no qual, em primeiro plano visual encontra-se um trabalhador segurando uma
p, que em decorrncia do grito de alerta jogada fora do quadro (pela margem inferior esquerda).
O homem corre rumo ao fundo (background), cuja perspectiva em profundidade destacada pela
presena de rvores, tanto do lado esquerdo como do direito.
A corrida do homem separada em dois planos, tambm com o intuito de dilatar o tempo
da cena, sendo que nesta juno em movimento aparece o trabalhador de perfil. Ou seja, se no plano
anterior a cmera o enquadrava inicialmente em posio frontal e em seguida ele virava-se de costas
e corria rumo ao segundo plano visual, neste plano a continuao do movimento do homem se d
num sentido esquerda/direita, com o sujeito de perfil.
Este plano, apesar de comear fixo, em realidade uma panormica horizontal que acom-
panha a corrida do homem que, ao sair do quadro (para direita), substitudo por outro trabalhador
o qual vem a se tornar o novo centro de interesse. Tambm, o colega do primeiro trabalhador corre
para direita, e tambm enquadrado de perfil. Ao segui-lo, enquanto o homem muda de direo,
a cmera reencontra o trabalhador que anteriormente tinha sado do quadro. Eles pulam entre os
arbustos que formam a caatinga. Segue um plano-detalhe de uma enxada, usado aqui como pausa
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visual, e em seguida, corta-se num novo plano-detalhe do estopim queimando.
O dinamismo da cena novamente ressaltado pelo contraste detalhe/conjunto, na medida
em que o plano sucessivo um plano geral no qual aparecem mquinas rudimentares, trabalhadores
e pequenas montanhas de terra. Todo mundo corre para se amparar, a maioria sai do quadro para a
margem direita.
O corte seguinte pode ser tido como uma nova juno em movimento, ao se ver um homem
pulando um buraco, tambm de esquerda para direita. Segue um plano mdio no qual dois trabalha-
dores se levantam de suas respectivas posies e se afastam para o segundo plano visual, definido
em termos de perspectiva pela composio do quadro, onde ainda enxerga-se uma rvore no fundo.
Novamente, o detalhe de uma enxada, seguido por outro plano aproximado de uma pedra jogada na
gua marrenta, e atravs da montagem, volta-se ao plano geral do lugar anteriormente descrito, onde
outros trabalhadores tambm correm para se amparar. A sequncia termina com a exploso, sendo
que esta apenas ouvida, fora do quadro, enquanto as imagens mostram o detalhe dos espinhos de
uma planta, entre os quais filtra a luz do sol.
Da pluralidade de vozes, ou da abordagem polifnica
Neste filme, finalizado em 1975, Carvalho utiliza uma abordagem que, pedindo o termo em-
prestado ao domnio antropolgico, podemos chamar de polifnica, a partir do conceito de autoria
etnogrfica (CLIFFORD, 1998). Entende-se que esta pluralidade de vozes tem fortes repercusses no
mbito da encenao. Em que sentido se pode falar aqui em polifonia? A pedra da riqueza retrata a
explorao qual, na dcada de 1970, os garimpeiros eram submetidos no serto da Paraba, quanto
extrao de xelita, minrio utilizado no estrangeiro pela sofisticada indstria nuclear.
Voltando questo da polifonia, v-se que este conceito antropolgico pode ser utilizado
neste contexto na medida em que remete para duas noes fundamentais no mbito da teoria do
documentrio: a primeira est associada voz (NICHOLS, 2005), e a segunda se refere ao problema
da autoria neste domnio cinematogrfico, considerando a assimetria das relaes realizador/perso-
nagem social (FREIRE, 2012). Ambas as noes repercutem na mise en scne propriamente dita, como
tambm, na auto-mise en scne.
No que diz respeito ao encontro documental e antropolgico entre realizador e atores so-
ciais, neste documentrio existe um dplice relacionamento: primeiramente, aquele entre Carvalho
e os garimpeiros do Vale do Sabugi, encontro do qual surgem as imagens, as quais, porm, foram
esquecidas ao longo de cinco anos, isto , por si s, elas no teriam permitido a Carvalho de montar
seu filme, pelo menos, no da maneira escolhida pelo realizador para finalizar esta produo, de
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Riccardo Migliore
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acordo com o resultado aqui analisado. Foi, portanto, o segundo encontro, quer dizer, aquele entre
o realizador de Itabaiana e o ex-garimpeiro Dos Santos (vulgo Barra Limpa), que sugeriu a Carvalho
a estrutura narrativa do filme.
As memrias e as consideraes do ex-minerador que se tornou servidor da UnB iriam per-
mitir aquele grau de subjetivao ou individuao que, comumente, rende mais inteligvel a recepo
de um documentrio por parte do espectador, devido ao princpio de identificao, segundo o qual
humanamente mais fcil se identificar com um sujeito do que com um grupo de pessoas, mesmo
quando o tema da narrao abarca uma pluralidade de indivduos, entre os quais, o personagem (so-
cial) escolhido torna-se um mero representante, ou dito de outra forma, ele vem a ser utilizado como
elo de ligao entre a esfera individual e aquela social (extra-individual).
A este propsito, no artigo A Pedra da riqueza e seus espectadores (OU, 2011)2 se l que o
filme revela uma forte componente reflexiva, a qual veiculada pela participao de Barra Limpa, na
medida em que
O filme materializa e incorpora um espectador incomum, um espectador sentado mesa de montagem. O incio do documentrio j apresenta um outro filme dentro dele, o retngulo iluminado com imagens da mina, numa construo que pode ser considerada como mise-en-abyme. Pode-se afirmar que a Pedra da riqueza , em parte, um documentrio sobre um homem assistindo a um documentrio (OU, 2011, p. 5).
A pesquisadora associa o papel de Barra Limpa quele de um espectador de cinema, imerso
na escurido de uma sala, frente s imagens inerentes minerao paraibana. Ele ao mesmo tempo
espectador, narrador e elemento de ligao entre o filme e o espectador efetivo. Ainda, ele apresenta
um contraponto informal-popular exposio didtica, isto , formal, de Carvalho.
Mirian Ou resume as noes acima com as seguintes palavras
As imagens de Barra Limpa so como um cone da sua condio especta-torial, o corpo da voz over que no se caracterizaria, assim, como uma voz-de-Deus acorprea. a voz de um representante dos trabalhadores, mas representa o corpo e mente de um espectador. a narrao dada ao diretor que indica o seu desejo de acionamento pela mise-en-scne do filme (OU, op. cit., p. 6).
Da relao entre polifonia, ponto de vista e mise en scne
Nossa leitura analtica do filme de Carvalho foi orientada por algumas questes, entre as
quais: Por qual razo, neste documentrio de Vladimir Carvalho, pode-se falar numa perspectiva
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2 http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2011/resumos/R24-0461-1.pdf
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polifnica? De qual tipo de vozes se trata? De que maneira se manifestam no filme? E ainda, como
esta pluralidade de vozes incide na encenao?
Quanto primeira questo, v-se que neste filme, o realizador recorre a um sujeito-narra-
dor, o qual se insere no contexto filmado e adquire, portanto, um papel que, adotando um termo
comumente utilizado no cinema ficcional, podemos chamar de diegtico, isto , ele est inserido na
situao retratada (sendo um ex-garimpeiro que, inclusive, trabalhou na mesma mina filmada por
Carvalho em 1970) e, ao mesmo tempo, coloca-se por fora deste contexto, devido migrao e fixa-
o de sua nova residncia em Braslia, assim como o diretor do filme. O ex-garimpeiro se chama Jos
Laurentino dos Santos (Barra Limpa). Assim como foi ressaltado por Mirian Ou no artigo acima men-
cionado, Carvalho e Dos Santos teriam se encontrado em Braslia cinco anos depois que o realizador,
ao atravessar a regio sertaneja do Sabugi paraibano, juntamente com a equipe, para terminar o do-
cumentrio O pas de So Saru (Vladimir Carvalho, 1971), se deparou com um garimpo de extrao
de xelita: Durante dois dias, fizeram imagens dos trabalhadores e do local, que acabaram no sendo
incorporadas no corte final de So Saru. Essas imagens foram transformadas num curta-metragem,
A Pedra da Riqueza, finalizado em 1975 (OU, op. cit., p. 1).
Conforme foi colocado pela autora, que se apoia na biografia de Carvalho, Jos Laurentino
dos Santos (Barra Limpa) aproximou o realizador na UnB, onde o cineasta paraibano lecionava, e o
informou que 14 anos antes trabalhara naquele mesmo garimpo junto com o irmo. A partir deste
encontro deslocado, do ponto de vista geogrfico e temporal, Carvalho resolveu atribuir a Dos Santos
o papel de narrador do filme nunca concludo, sobre extrao de tungstnio (ou xelita) no vale do
Sabugi.
Desta maneira, vemos que h uma contraposio inicial entre a voz do realizador e aquela
do narrador, cuja participao efetiva na extrao do minrio naquele mesmo garimpo que foi filma-
do pelo documentarista, lhe atribui a competncia necessria para retratar o assunto e exp-lo para
o espectador atravs de lembranas.
Do ponto de vista narrativo, estas memrias seriam as nicas vozes presentes no filme, po-
rm conveniente lembrar que entre as duas h uma disparidade bastante consistente em termos
de relao de poder, isto , Carvalho utiliza a voz do ex-garimpeiro, baseada na sua memria biogr-
fica, para construir seu filme e, de certa maneira, sustentar sua prpria voz, mesmo que em termos
antagnicos. Isto por que, como bem realado por Ou, a cartela final do filme contrasta e de certa
forma, evidencia a natureza parcial, limitada e a falha da exposio do ex-minerador, inconsciente,
por exemplo, da real finalidade da extrao, no que diz respeito ao uso do minrio. A cartela final,
como foi devidamente colocado pela autora, contrasta com o tom informal-popular da narrao de
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Dos Santos, embora no haja alguma inteno, por parte de Carvalho, de ludibriar o linguajar e o
conhecimento limitado (em termos de educao formal) do ex-garimpeiro.
Vemos, portanto, que a cartela final representa o pice da modalidade documental expositi-
va, atravs da qual Carvalho pretende explicar, de maneira bastante didtica, qual a efetiva finalidade
da explorao do minrio no serto paraibano, em contraste com a forma rudimentar de extrao por
parte dos garimpeiros, desprovidos de qualquer direito trabalhista, assistncia mdica etc.
Pelo que concerne encenao, contudo, o documentrio apresenta uma terceira voz, devi-
do ao fato que os garimpeiros filmados em 1970 auto-representam os respectivos ofcios cotidianos
no mbito da minerao. Entende-se, neste sentido, que o conceito de voz mistura-se com aquele de
autoria (e co-autoria) e ainda, com aquele de representao e auto-representao. Em suma, a mise
en scne num documentrio como A riqueza da pedra transcende seu sentido limitado marcao de
cena (assim como era entendido por Sergej Ejzenstejn3), ou direo das movimentaes dos atores
enquanto mera coreografia de corpos no espao e alcana maior complexidade, repercutindo na
questo ideolgica e moral, que por sua vez caracteriza a problemtica da autoria.
A mise en scne enquanto mera marcao de cena era a concepo de encenao mais tipi-
camente teatral, a qual foi ao mesmo tempo absorvida e reinventada pelo cinema. No documentrio,
enfim, a mise en scne adquire formas de representao peculiares, que surgem do encontro, ao
mesmo tempo um confronto (representao x auto-representao), entre realizador e atores sociais.
Ou seja, mesmo se fosse possvel para o pesquisador se deslocar at Braslia e entrevistar Vladimir
Carvalho acerca da aplicao deste tipo de encenao (enquanto disposio espacial de elementos
cnicos, seja humanos ou no), esta seria apenas a verso do diretor, o qual parte sempre de uma
posio avantajada em termos de relaes de poder junto aos demais personagens sociais. Significa
que faltaria a verso dos sujeitos filmados, que no mbito desta concepo mais teatral da ence-
nao seria igualmente importante para se alcanar uma compreenso profunda dos mecanismos
que regem a chamada encenao.
V-se, porm, que a complexidade da mise en scne no domnio documental ultrapassa sua
noo ancestral oriunda do teatro para adquirir um sentido mais amplo, proporcionado por toda
uma srie de nuances que vo da auto-representao colocao em situao profilma, abrangen-
do tambm conceitos outros, como aqueles de representao, autoria e voz. a suma destes concei-
tos e ao mesmo tempo, sua aplicao prtica nos filmes, que permite refletir sobre o uso da encena-
o sem a necessidade de interpelar o realizador e os atores sociais. A questo da mera disposio
espacial dos personagens, em A pedra da riqueza por si s no seria suficiente para se aprofundar a
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3 Citado por Aumont (2008).
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anlise da mise en scne, embora haja partes nas quais possvel perceber certo grau (e necessidade)
de dirigir, no sentido de reconstituir momentos da prxis extrativista, como aquele que precede a
exploso de dinamite. E a este respeito vemos que h uma diferena substancial entre a reconstitui-
o documental e a reconstruo ficcional (GAUTHIER, 2011), lembrando, porm, da sutil fronteira
existente entre fico e documentrio e das intersees e influncias mtuas que permeiam estes
grandes regimes cinematogrficos (METZ, 1995).
Considerando o filme pelo vis da representao, pode-se destacar que existem quatro es-
feras de (represent)ao, isto : a maneira como Carvalho, realizador do filme, se pe em relao aos
personagens sociais e temtica da profunda explorao humana (e ambiental) proporcionada pelo
dono do garimpo (que por sinal, no aparece no filme); permanecendo no mbito da representao
(dos personagens) operada pelo realizador, h aquela inerente construo do produto flmico, em
termos de estrutura narrativa e ao mesmo tempo, de estilo utilizado, que como foi apontado pela
pesquisadora Mirian Ou, mantm certo grau de coerncia com obras anteriores de Carvalho, como
A Bolandeira (1969); aquela atravs da qual os personagens sociais se auto-representam, quer dizer,
o jeito como eles se colocam em funo da cmera do documentarista paraibano e enfatizam ou
omitem traos da prpria personalidade individual e social; e ainda, a maneira como Barra Limpa,
narrador no-profissional do filme, e ao mesmo tempo, ator social, expe acerca da prtica do garim-
po atravs de sua experincia, ponto de vista e linguagem pessoal. Poder-se-ia, tambm, comentar
acerca da auto-representao do realizador, j que ele em certo momento aparece na frente da c-
mera, contudo, se trata de uma apario muito breve para ser analisada.
Em realidade, o nvel de representao promovido por Barra Limpa adquire um dplice sen-
tido, enquanto representao (verbal, oral) de algo que ele vivenciou na prpria pele, e ao mesmo
tempo, no deixa de haver certo grau de auto-representao, na medida em que, como foi sugerido
pela pesquisadora Mirian Ou, ele no narrador no estilo mais tipicamente expositivo da voz de
Deus, quer dizer, um narrador onisciente que no aparece nas imagens. Aqui ele narrador, per-
sonagem e ainda, testemunha, pelo fato de ser filmado na frente da moviola, assistindo s imagens
do mesmo garimpo no qual, coincidentemente, tinha trabalhado no passado. As imagens escuras s
quais Ou se refere em seu artigo, ainda, podem ter sido pensadas por Carvalho para isolar o sujeito-
narrador na frente daquilo que, alm de tudo, um reencontro com a prpria terra, da qual migrou
em busca de melhores condies de vida, assim como muitos outros paraibanos.
Concorda-se com Ou quanto funo mediadora deste narrador, que se interpe entre o
realizador e o espectador e ao mesmo tempo, l o filme e nele inscreve seu comentrio, baseado
principalmente em recordaes. E v-se como uma leitura do filme por meio do conceito de repre-
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sentao dialoga com uma leitura baseada no conceito de voz. As trs vozes acima mencionadas, ora
contrapem-se, ora complementam-se, numa estrutura narrativa complexa, baseada na assincronia
da narrao, segundo o conceito de som indireto que como Ou faz questo de relembrar, foi criado
pelo prprio realizador paraibano. Outro elemento de contraponto a presena de uma msica que,
utilizando um termo mais utilizado no mbito da teoria do cinema ficcional, pode ser chamada de
extra-diegtica, ou seja, distante do contexto interiorano do estado nordestino e do mbito scio-
cultural especfico no qual se inserem os personagens sociais deste filme.
Voltando mise en scne documental aqui empregada, entende-se que A pedra da riqueza
apresenta, em momentos distintos, os trs tipos de encenao introduzidos e teorizados no texto
Mas afinal...o que mesmo documentrio? (RAMOS, 2008). Basicamente, se as filmagens gravadas
por Carvalho e sua equipe em 1970 apontam para uma encenao-locao, na medida em que foram
registradas no local onde surgia o garimpo, h certo grau de encenao-atitude no que se refere
auto-encenao dos personagens sociais, quando no esto sendo dirigidos pelo realizador, como
acontece na j mencionada cena que antecede a exploso, quando todos os garimpeiros correm para
procurar amparo dos estilhaos e fragmentos de pedra, numa reconstituio na qual a ao dilata-
da do ponto de vista de sua extenso temporal.
Mas se for considerada a participao de Barra Limpa, pode-se falar em algo que beira a
fronteira entre encenao-construda e encenao locao, j que a circunstncia da tomada no coin-
cide com a circunstncia do mundo cotidiano ao qual o filme se refere, muito embora no haja uma
reconstruo no molde do documentrio clssico ingls da dcada de 1930. A circunstncia da toma-
da o estdio de montagem da UnB, enquanto a circunstncia do mundo cotidiano (representado
no filme, ao qual o documentrio se refere) o garimpo do Serto paraibano. Quer dizer, o estdio de
montagem encontra-se em Braslia, cidade na qual, cinco anos aps as filmagens do garimpo, Barra
Limpa vem sendo colocado perante as imagens de sua terra natal, que coincidentemente, tambm
aquela do realizador. H portanto, certo grau de heterogeneidade entre os espaos que Ramos
chama de dentro-de-campo e fora-de-campo, o que ressalta a natureza reflexiva do filme conforme
foi destacado por Mirian Ou, na medida em que h um filme dentro do filme, ou um personagem
(ao mesmo tempo narrador em off), filmado enquanto assiste ao material imagtico que com sua voz
(over, e dessincronizada), ele est comentando. Trata-se aqui de metalinguagem.
Carvalho, portanto, faz um uso da mise en scne que pode ser chamada de parcial, enquan-
to os momentos de reconstituio, nos quais mostrada a heterogeneidade acima mencionada,
alternam partes de representao meramente observacionais. Do ponto de vista da mise en scne,
existe certo grau de hibridismo, devido aplicao de encenaes distintas e contrapontos imagti-
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co-sonoros, mas principalmente, este documentrio est fundamentado na contraposio de vozes
distintas (formais e informais), o que confirma a utilizao de uma perspectiva polifnica, como foi
discutido acima.
Havendo polifonia, numa alternncia de diversas vozes, de quem seria a autoria do filme?
Afinal, as colocaes de Barra Limpa so fruto de experincias e recordaes pessoais, pelo que
poder-se-ia sugerir que, num documentrio deste feitio, a autoria deveria ser partilhada entre Car-
valho e Dos Santos (Barra Limpa). Contudo, o uso final do material gravado que refora a autoria
propriamente dita e neste caso, na medida em que o personagem-social/narrador-informal no foi
convidado a opinar e participar ativamente nem das filmagens e nem mesmo da montagem do filme,
ento a autoria deveria ser atribuda apenas ao realizador. Mas a questo da autoria documental
bastante delicada, j que o limiar entre as duas contribuies autorais nem sempre to ntido como
pode parecer aps uma primeira leitura.
A anlise aqui conduzida do filme A pedra da riqueza, sugere se tratar de um documentrio
hbrido e polifnico. Consequentemente, v-se que este hibridismo, no que diz respeito especifica-
mente mise en scne, demonstra que, alm da encenao (enquanto conceito) mudar de significa-
o ao longo da histria (AUMONT, 2008), as prprias categorias ou modalidades de mise en scne
sistematizadas por Ramos (acima) podem vir a coexistir dentre de uma mesma obra no-ficcional.
No caso deste filme, enfim, isso acontece em momentos distintos.
Uma proposta de sistematizao dos aspectos formais e temticos da mise en scne, ou da
nfase em sua polissemia e complexidade conceitual
No mbito deste artigo e com nfase no cinema documentrio, detectamos sete aspectos
da mise en scne, trs inerentes ao aspecto formal do filme e quatro ao contedo. Os elementos
formais so representados respectivamente pela direo coreogrfica dos atores (sociais), pela dire-
o emocional (colocao em situao, no caso do documentrio), e pelo conjunto de intervenes
imagtico-sonoras propriamente ligadas ao estilo do filme. Quanto ao aspecto relativo ao contedo
da mise en scne documental, esta se divide em quatro elementos de anlise: o contedo narrativo
propriamente chamado; o ponto de vista poltico/ideolgico/moral do realizador que canalizado
no filme atravs da encenao; a auto-mise en scne operada pelos personagens sociais e que aponta
para formas de auto-representao; e a eventual auto-mise en scne promovida pelo realizador de
documentrios quando decide se colocar em cena, isto , se tornar um personagem de seu prprio
filme no-ficcional.
Ao aplicarmos esta sistematizao da mise en scne ao filme A Pedra da Riqueza, vemos que,
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pelo que se refere aos aspectos ditos formais (reiterando que os elementos formais e aqueles pe-
culiares do contedo so interativos), e entre eles, a direo coreogrfica, h momentos nos quais
h evidncias de marcao de cena, como quando se prepara a exploso. Como resulta da anlise
plano-a-plano, a ao dilatada em termos temporais, e ocorre certa fragmentao do ponto de vista
(do detalhe do estopim ao plano geral). Neste momento, os atores sociais presumivelmente foram
dirigidos por Vladimir Carvalho, enquanto estavam encenando uma prtica cotidiana na minerao,
quer dizer, o momento em que, aps ter sido acendido o estopim que vai deflagrar a exploso por
meio de dinamite, os demais operrios correm para se amparar. Quanto direo emocional, ou
colocao em situao (assim como ocorre em Aruanda) aqui constatamos ocorrer algo parecido do
notrio e se... la Stanislavski (criao de circunstncias), contudo, neste caso, no se pede a atores
para interpretar uma prtica alheia, e sim, pede-se a operrios da minerao para que interpretem o
papel de si mesmos ao representar uma ao cotidiana. Nisso h tambm graus de profilma. Ou seja,
a colocao em situao aqui estruturada de uma maneira que o ator social atue em funo da c-
mera, de maneira a render a interpretao mais fluida e verossmil. Outra forma de colocao em
situao, dos fortes impactos emocionais, aquela de Barra Limpa, ao qual Carvalho pede para ser
filmado ao assistir e comentar o material bruto do que se tornar o documentrio aqui considerado.
J pelo que concerne conjuntura imagtico-sonora referente ao estilo, v-se com Ou (acima) que
o realizador mantm coerncia com suas obras anteriores, como A Bolandeira (1969), o que refora
a identidade estilstica dos documentrios de Vladimir Carvalho (desta poca, pelo menos). E til
frisar que A pedra da riqueza foi filmado paralelamente ao filme O pas de So Saru (1971).
Passemos, pois aos aspectos inerentes ao contedo: quanto temtica do filme, trata-se
de um documentrio de denncia social inerente condio dos trabalhadores do minrio de xelita
(tungstnio) no serto paraibano, os quais estavam desprovidos de quaisquer direitos trabalhistas,
costumavam morrer por causa das exploses e, sem carteira assinada, as respectivas famlias no
recebiam sequer uma indenizao digna deste nome. Definida a temtica, entende-se, porm, que
A pedra da riqueza tambm apresenta um lado reflexivo, na medida em que, ao pedir a Barra Man-
sa para comentar as imagens da minerao na qual tinha trabalhado anos antes do encontro com
Carvalho, em Braslia, reflete-se sobre o ofcio de se fazer um filme documentrio e, principalmente,
sobre a questo da voz (NICHOLS, 2005); O ponto de vista ideolgico-poltico-moral manifesta-se
a partir da escolha do tema e do contexto a ser representado, sendo que, ao ressaltar as interaes
existentes entre forma e contedo, percebemos o quanto as escolhas formais de Carvalho sustentem
sua posio ideolgica. Neste sentido, o fato do realizador chamar Barra Limpa para comentar o
filme na sala de montagem da UnB, alm das referidas implicaes reflexivas, uma escolha mera-
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mente poltica, visando literalmente dar voz aos personagens do filme, aos trabalhadores do minrio,
aqui representados por este ator social com funo de "narrador. Com relao auto-encenao
dos personagens sociais, A pedra da riqueza um filme bastante emblemtico, na medida em que
detectamos variaes de intensidade e consistncia da direo cinematogrfica, a qual passa de uma
rgida marcao de cena (no molde de Aruanda, lembrando que Vladimir Carvalho foi assistente de
Noronha) na sequncia que antecede a exploso, para momentos de auto-encenao mais explicita.
Ou seja, o grau de controle do realizador sobre a maneira de representar, varia ao longo do filme e,
desta forma, se abrem brechas para a auto-representao dos atores sociais. J, Barra Limpa, no es-
tdio de montagem da UnB, aparenta ter sido deixado bastante vontade quanto sua auto-repre-
sentao e tambm, quanto ao contedo da sua locuo, de fato natural e fluida, enquanto Vladimir
Carvalho, diretor do filme, s aparece uma vez e por um breve instante, sendo que no suficiente
para se analisar a auto-encenao dele enquanto realizador.
Concluindo, pode-se afirmar que a encenao neste documentrio foi cogitada, por parte de
Carvalho, para denunciar uma situao de fato desumana, e ao mesmo tempo, para refletir sobre o
ofcio da produo documental com nfase na questo da polifonia ligada ao conceito do voz, atra-
vs do encontro/contraponto entre a voz de Barra Limpa enquanto narrador do filme (e ao mesmo
tempo testemunha do contexto representado) e a voz autoral do realizador, para alm das auto-re-
presentaes (as quais tambm apontam para uma voz) dos demais personagens sociais.
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