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Universidade Estadualde Santa Cruz

ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos

Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro

Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa

Diretora do Departamento de Ciências da EducaçãoProfª. Raimunda Alves Moreira Assis

Ministério daEducação

T314 Teoria do conhecimento: Pedagogia : módulo 2, volume 2 - EAD / Elaboração de conteúdo: Josué Cândido da Silva. - [Ilhéus, BA] : EDITUS, [2010]. 131 p. : il.

ISBN: 978-85-7455-197-5

1.Educação-Filosofia.2.Teoriadoconhecimento. 3. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. I. Silva, Josué Cândido da. II. Pedagogia: módulo 2, volume 2.

CDD 370.1

FichaCatalográfica

1ª edição | Fevereiro de 2012 | 462 exemplares - 2ª reimpressãoCopyright by EAD-UAB/UESC

Projeto Gráfico e DiagramaçãoJamile Azevedo de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro

CapaSheylla Tomás Silva

Impressão e acabamentoJM Gráfica e Editora

Todos os direitos reservados à EAD-UAB/UESCObra desenvolvida para os cursos de Educação à Distância da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC (Ilhéus-BA)

Campus Soane Nazaré de Andrade - Rodovia Ilhéus-Itabuna, Km 16 - CEPE 45662-000 - Ilhéus-Bahia.www.nead.uesc.br | [email protected] | (73) 3680.5458

Pedagogia | Módulo 2 | Volume 2 - Teoria do Conhecimento

Coordenação UAB – UESCProfª. Drª. Maridalva de Souza Penteado

Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)Prof. Drª. Maria Elizabete Sauza Couto

Elaboração de ConteúdoProf. Dr. Josué Cândido da Silva

Instrucional DesignProfª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera

Profª. Drª. Gessilene Silveira Kanthack

RevisãoProfª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira

Coordenação de DesignProfª. Msc. Julianna NascimentoTorezani

EAD . UAB|UESC

SumárioUNIDADE I

Conhecimento e sociedade ........................................................................................... 151 INTRODUÇÃO ............................................................................................................172 O QUE É CONHECIMENTO? ..........................................................................................183 CONHECIMENTO E SOCIEDADE ....................................................................................224 IDEOLOGIA E CONHECIMENTO .....................................................................................265 TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA” .......................................................................29 ATIVIDADES .............................................................................................................33 RESUMINDO .............................................................................................................34 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................34

UNIDADE II

Teorias do conhecimento .............................................................................................. 371 INTRODUÇÃO ............................................................................................................392 A VISÃO MÍTICA DO MUNDO ........................................................................................41 ATIVIDADES .............................................................................................................423 ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS MITOS ..............................................................................434 CONHECIMENTO E VALIDADE.......................................................................................445 A VALIDADE DO CONHECIMENTO COMO PROBLEMA FILOSÓFICO .....................................48

5.1 Em busca do fundamento .................................................................................485.2 Ser e não-ser ..................................................................................................525.3 O real e o ideal ................................................................................................535.4 Aristóteles: conhecer através das coisas .............................................................565.5 A questão dos universais ..................................................................................585.6 Nominalismo e realismo ....................................................................................61

ATIVIDADES .............................................................................................................63 RESUMINDO .............................................................................................................64 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................64

UNIDADE III

O conhecimento na era moderna .................................................................................. 691 INTRODUÇÃO ............................................................................................................692 A CIÊNCIA MODERNA E O RACIONALISMO .....................................................................703 INATISMO E EMPIRISMO .............................................................................................734 KANT E AS CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONHECIMENTO .............................................76 ATIVIDADES .............................................................................................................80 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................80

UNIDADE IV

Conhecimento científico ................................................................................................... 831 INTRODUÇÃO ................................................................................................................852 A LÓGICA DA CIÊNCIA ....................................................................................................873 A LÓGICA DA PESQUISA CIENTÍFICA ................................................................................894 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS .........................................................................................915 UM MAPA DAS CIÊNCIAS .................................................................................................956 AS CIÊNCIAS HUMANAS E SEUS CRITÉRIOS DE CIENTIFICIDADE .........................................97 ATIVIDADES ...............................................................................................................104 RESUMINDO ...............................................................................................................104 REFERÊNCIAS .............................................................................................................105

UNIDADE V

A sociedade do conhecimento ........................................................................................ 1091 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................1092 A SOCIEDADE INFORMACIONAL .....................................................................................110

2.1 A exclusão informacional ....................................................................................1132.2 A era informacional não precisa de meros repetidores .............................................114

3 AS NOVAS FORMAS DO APRENDER .................................................................................1163.1 A gestão escolar ................................................................................................1173.2. Salas com menos alunos e escolas menores .........................................................1173.3 Professores capacitados e com tempo para se dedicar a projetos de ensino ...............118

4 ENSINAR COMO SE APRENDE ........................................................................................1184.1 O pensamento de ordem superior ........................................................................1224.2 Habilidades Cognitivas ........................................................................................1264.3 Diálogo e Comunidade de Investigação .................................................................127

ATIVIDADES ...............................................................................................................130 RESUMINDO ...............................................................................................................130 REFERÊNCIAS .............................................................................................................131

APRESENTAÇÃO

Prof. Dr. Josué Cândido da Silva

Graduado em Filosofia pela USP, Mestre em

Sociologia Política pela PUC/São Paulo e Doutor

emFilosofiapelaPUCdeSãoPaulo.Professordo

Departamento de Filosofia e Ciências Humanas

– DFCH/UESC desde 1999 e, atualmente, é

colaborador da página de Educação do UOL na

disciplinadeFilosofia.

O AUTOR

Nossos pais nos contaram que um rei muito poderoso atribuiu aos sábios do reino a missão de compilarem todo conhecimento do mundo em um único livro. Os sábios trabalharam arduamente durante vários anos na realização dessa monumental empreitada. Quando finalmente apresentaram o volumoso resultado dedécadasdepesquisa,oreificouumtantodesapontado,poisesperavauma obra menor de fácil leitura e não um imenso livro com milhares de páginas,gráficosemapas.Pediuentão,oambiciosorei,queossábiosresumissem tudo, o máximo que pudessem. Mais algumas décadas de trabalho se passaram e, orgulhosos, apresentaram os sábios, ao já maduro rei, a obra de algumas centenas de páginas. O rei, já sem o entusiasmo e a energia da juventude, pediu aos sábios que sintetizassem tudo em uma única página, pois o peso dos anos não lhe favorecia mais o estudo. Com mais algumas décadas e muitasdiscussões,enfimchegaramossábiosaumconsensodefinitivoagrupado em uma única página de texto. Porém, o rei já estava velho e moribundo e mal podia ler. Chamou então um dos sábios ao seu leito de morte e indagou, com a voz cansada: – Sábio, poderia resumir todo conhecimento do mundo em uma única palavra? O sábio coçou um pouco a cabeça e disse: – Talvez. Como toda lenda milenar, essa também guarda muitos ensinamentos. No momento, gostaria de destacar apenas um deles: se é certo que a dúvida e a inquietação são motivadoras da pesquisa e do conhecimento, também é verdade que nenhum conhecimento pode eliminar a dúvida e a curiosidade humana por completo. Por isso, poderíamos dizer que a chave do conhecimento não está oculta em nenhum livro, mas nos corações e mentes das pessoas que não se satisfazem com respostas prontas e se dispõem a pensar por si mesmas. Tendo isso em mente, procuramos proporcionar a vocêsalgumas chaves de leitura que permitissem abrir muitas portas para serem visitadas mais tarde. Buscar estas chaves, mais do que reter as informações, poderá tornar a leitura mais produtiva. Os exercícios que se seguem a cada unidade tentam deixar claro quais os aspectos principais dos conteúdos, mas essa é apenas uma maneira de ver as coisas. Procure fazer suas próprias anotações e descobertas com as ferramentas que já aprendeu em outras unidades.

APRESENTAÇÃO

Porfim,buscamostornaradisciplinapróximadasquestõesdaeducação e das novas tecnologias, nem sempre com sucesso. Por vezes, o conhecimento exige de nós um pouco de teoria, de distanciamento daexperiênciaimediata.Issopodenoslevaraoestranhamentoeanossentirmos um pouco perdidos. Caso se sinta assim, lembre-se de que mesmo quando estamos aprendendo coisas práticas como dirigir ou digitar um texto no computador, também temos a mesma sensação. É a maneira da nossa mente dizer que estamos aprendendo; e o aprender é cheio de insegurança: quando esperamos um “sim” ou “não”, ele apenas insinua um “talvez”.

Bons estudos,

Prof. Dr. Josué Cândido da Silva

As teorias do conhecimento e sua relação com

a aprendizagem e a formação de professores

na sociedade tecnológica. O conhecimento e

arevoluçãocientífica.

DISCIPLINA

TEORIA DOCONHECIMENTO

EMENTA

Prof. Dr. Josué Cândido da Silva

AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:

• operar com os conceitos de conhecimento, sociedade, cultura e ideologia;

• estabelecer relações entre tais conceitos, identificando-osemseucotidiano.

OBJETIVOS

CONHECIMENTOE SOCIEDADE

1ªunidade

1 INTRODUÇÃO

Por muito tempo, nutriu-se a imagem do conhecimento como

algo produzido por pessoas excepcionalmente talentosas. Ainda hoje,

pensamosemcientistas,intelectuaiseartistas,comogêniossolitários

afastados do mundo. A televisão e o cinema ajudam a alimentar essa

imagem. Isso tudo tem um propósito muito claro: criar uma barreira

entre as pessoas comuns e o acesso e a partilha do conhecimento. Há

muito tempo, sabe-se que conhecer é poder. Assim, tentam manter

o conhecimento sob o domínio de poucos, como forma de ampliar o

poder. Em sentido inverso, quanto mais pessoas tiverem acesso ao

conhecimento, mais partilhado será o poder e mais democrática será

a sociedade como um todo.

A educação é o instrumento que permite a democratização

da sociedade através da formação de cidadãos críticos e autônomos.

Mas para que isso ocorra de fato, é preciso que você educadora,

vocêeducador,sejaoprimeiroaacreditarnopodertransformadorda

educação. Nós só conseguiremos fazer nossos alunos valorizarem o

saber e cultivá-lo, se em nossas vidas formos modelos de dedicação e

paixão pelo saber. Assim, quebraremos o mito de que o saber é para

poucosouqueéumfeitoesporádicodegêniosbrilhantes.

Nodecorrerdessaunidade,vocêperceberáa íntimarelação

entre conhecimento e sociedade, e como o capitalismo transformou o

conhecimento em um meio de dominação. Que aquilo que um dia foi

partilhado por todos, virou privilégio de alguns.

UNIDADE 1CONHECIMENTO E SOCIEDADE

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Graças à luta e à organização popular, hoje o acesso ao conhecimento tem se

democratizado.Cabeavocêatarefadedarcontinuidadeaesseprocesso,ampliandoseus

conhecimentos. Conhecer não é fácil, pois todos os dias se abrem novas fronteiras do

saber. Por isso, é importante ter um método de aprendizagem e deixar uma parte do dia

exclusivamente dedicada ao estudo. Transformar as dúvidas em perguntas e partilhá-las com

os colegas, tutores e professores. Leia o texto mais de uma vez, quando necessário. Não salte

as partes difíceis esperando que elas se resolvam por si mesmas: não existe mágica! Vença

asdificuldadesaprofundandosobreotema,buscandooutrasfontes,fazendoanotaçõesetc.

Diz o ditado popular que o conhecimento não ocupa lugar, mas, infelizmente, com as

pessoas não é assim. Alguns ocupam lugares privilegiados, enquanto a maioria ocupa lugares

inferiores na sociedade. Se o conhecimento for uma ferramenta capaz de tornar a nossa

sociedademaisjustaeigualitária,entãoestánahoradevocêassumiroseulugarnaHistória

como ser que, enquanto ensina, aprende.

2 O QUE É CONHECIMENTO?

Figura 1 - Rã Venenosa-Panamá. Autor: Luis Louro “Olhares.com” <http://br.olhares.com/ra_venenosa_panama_foto138906.html>

Antesdetentardarumadefiniçãodoquesejaconhecimento,

vamosfazerumpequenoexercício.Observeafiguraacima.Oque

vocêvê?Enumeretudooquevocêsabesobreafigura.Agoraescreva

no espaço a seguir qual a informação mais importante contida na

figura.

18 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

Muitobem,sevocêcolocouquesetratadeumarãousapo

cuja característica principal é ser anfíbio. Parabéns! Mas se você

estiverumdiapasseandopelaflorestaeencontrarumdesseslindos

animaizinhos, a informação mais importante que deve saber é que eles

são terrivelmente venenosos. Na natureza, as cores vivas de alguns

animais servem para indicar que são venenosos. Uma informação

importantesevocêforumpredadortentandoincluí-lonoseucardápio.

Masvocêpodeestarseperguntando:comovousaberquevermelho

vivosignifica“perigo,substânciavenenosa”?Emalgunsanimais,essa

informação valiosa é passada de uma geração para outra através do

instinto. Em outras espécies, através do aprendizado. Por exemplo,

um macaquinho pode se lembrar dos gritos de pavor de sua mãe

ao sentir a aproximação de uma cobra, e sentirá medo de cobras

sempre que vir uma. Do mesmo modo, pessoas podem ter medo de

eletricidade sem nunca ter levado um choque na vida, ou medo de

baratas mesmo que nenhuma delas lhe tenha feito mal algum.

Emumaprimeiradefiniçãobastantegeral,podemosdizerque

conhecimento é toda informação organizada que ajuda a garantir

asobrevivênciadaespécie.Sabercomoconseguircomidaeágua;

como curar-se de doenças; resistir às mudanças do ambiente. Tudo

isso é conhecimento.

Voltandoaoexercíciodarã,sevocênãoselecionou“venenosa”

como uma característica importante, isso tem uma razão: a chance

devocêmorrerenvenenadaouenvenenado,porquecomeuumarã

dessas, é muito pequena.

Nós conhecemos aquilo que é importante para nossa vida. Por

exemplo, fazer um cesto de palha pode ser algo vital para alguém

que trabalha na roça, mas ninguém vai perguntar para uma diretora

de uma empresa multinacional se ela sabe fazer cestos de palha.

Na natureza também é assim, estamos cercados por milhares de

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informações, visuais, táteis, olfativas etc., mas só conseguimos

interpretar um pequeno número delas. As formigas constroem uma

trilha olfativa de centenas de metros até o formigueiro, mas nós não

sentimos odor algum quando nos aproximamos da trilha. Isso quer

dizer que não existe informação sozinha, informação é um processo

queenvolvetrêscoisas:

OBJETO – SIGNO – INTERPRETANTE

Objeto – aquilo que é representado pelo signo sob este ou aquele aspecto.Signo – é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.Interpretante–possívelourealqueatribuiumsignificadopara o signo que passa a ser signo para outro interpretante, permanecendo sempre aberto a novas interpretações.

Ampliamos nossos conhecimentos na medida em que somos

capazesdeinterpretarmaisinformações,dedecodificarsignos.Por

exemplo, uma pessoa que não sabe ler não tem acesso a uma série

de informações que se escondem por trás daqueles signos (letras)

que, quando organizados de uma determinada forma, simbolizam

as palavras que, por sua vez, são símbolos de coisas, emoções ou

pensamentos. É como estar vivendo em um país estrangeiro sem

falar a língua dos nativos. Quando ela aprende a ler, um novo mundo

se abre para ela. Mas não aprendemos só lendo informações em livros

ou em revistas. Muito do trabalho dos cientistas é aprender a decifrar

os signos em que está guardado o conhecimento da Natureza.

Abrimos a janela e vemos densas nuvens escuras se formando

no céu, imediatamente corremos para o quintal para tirar a roupa do

varal. Nuvens escuras é sinal de chuva. Mas como a gente sabe disso?

Sabemos porque várias vezes antes de começar a chover, vimos o

céuficardaquelejeito.Seacadavezquefossecomeçarachovero

céu fosse diferente, nunca associaríamos uma coisa com a outra.

Só o que se repete, o que tem regularidade, pode ser previsto.

Quando acontece algo extraordinário, como a passagem de um

cometa,ficamosassombrados,imaginamosqueéumsinaldosdeuses

etc. Se cometas riscassem o céu todo dia, ninguém prestaria atenção

neles, fariam parte do que é “natural”, ou seja, não necessariamente

o que tem explicação, mas o que é previsível, e, portanto, conhecido.

20 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

Conhecemos algo quando sabemos quais as regras segundo

as quais se comporta e somos capazes de prever seu comportamento

futuro, ou, pelo menos, estimar qual o seu comportamento provável.

Por milhares de anos o homem pescou peixes com anzol e, durante

milhares de anos, o peixe sempre caiu no anzol. É porque nós

aprendemos algo sobre o peixe (mas ele não aprendeu sobre nós).

Mas conhecer não é só perceber regularidades, é preciso ser

capaz de compreendê-las ou explicá-las. Por outro lado, o fato de

estarmos acostumados com algum fenômeno não quer dizer que o

conhecemos.Porexemplo,vocêsabeoqueéofogo?

Ora, que pergunta boba, fogo é aquilo que queima, emite luz

ecalorenãotemumaformadefinida.Certo,masofogoématéria?

É gasoso? É líquido? E aí começamos a perceber que, apesar de

tão acostumados com a presença do fogo e de sua fundamental

importância em nossas vidas, sequer sabemos se ele é matéria ou

não e a qual estado da matéria ele pertence. Percebemos então que

sabemos muito sobre o fogo, mas igualmente há muita coisa que

ainda ignoramos, apesar da humanidade ter dominado o fogo há

milhares de anos.

Isso ocorre em todos os campos do conhecimento, na medida

em que se amplia o que é conhecido, expande na mesma proporção

o universo do que desconhecemos.Ocorre que não podemos ficar

esperandopelosavançoscientíficosparanosorientarmosfrenteàs

coisas. Não é por falta de um conhecimento completo e detalhado

que deixamos de dar explicações para os fenômenos. Muitas

pessoas sequer dão crédito para ciência, preferem apelar para os

conhecimentos tradicionais como forma de compreender o mundo.

Sabemos que nuvens escuras são sinal de chuva, mas por

que chove? Por mais que as

pessoas pareçam não pensar

no assunto, elas sempre têm

alguma forma de explicação

para os fenômenos que as

cercam. Chove porque os

deuses querem fecundar a terra

para garantir a sobrevivência

do homem, então pedimos

aos deuses ou santos que

nos mandem chuva quando

há seca, dirá o crente. Chove

quando ocorrem determinadas

condições meteorológicas, dirá Figura 2 - Autor: Marcelo Prates <http://www.portalhd.com.br/cmlink/2.494/espetaculo-no-ceu-7.7690#0>

SAIBA MAIS

O fogo não é nem sólido, nem líquido, nem gas-oso, ele pertence a um quarto estado da maté-ria chamado de plasma. Visite o site do Instituto de Física da UnB e apre-nda mais sobre plasmas: <http://www.fis.unb.br/plasmas/>.

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o cientista. Qual dessas explicações é a verdadeira?

Cada uma delas tem a sua verdade, uma explica um sentido ou

propósito para vida e para o mundo, digamos que é uma resposta que

remeteaumsentidoespiritualdaexistência.Aoutraexplicaacausa do

fenômeno. O que não podemos esperar é que os cientistas nos digam

sobreosentidoúltimodaexistência(algoque,possivelmente,muitos

delestambémprocuram),ouqueummestreespiritualouumfilósofo

compreenda os mistérios do átomo ou da evolução das espécies. Ou

seja, não existem apenas graus de conhecimento (saber menos ou

sabermais),mashátambémdiferentesgênerosdeconhecimento,

quepodemsercausadeconflitoseincompreensõessemprequetais

diferenças não forem respeitadas. Por exemplo, quando a religião

pretendeinvadirosdomíniosdafilosofiaoudaciênciaevice-versa.

Se as diferentes maneiras de conhecer aprenderem a dialogar entre

si,verãoquemuitotêmaaprenderumascomasoutras.

3 CONHECIMENTO E SOCIEDADE

Na história da humanidade muito do conhecimento de vários

povos e culturas se perdeu. Muitas vezes, nossa capacidade de

conhecereaprendercedelugaranossabestialidadeeviolênciaea

sede de destruição torna-se maior que a sede de saber. Mesmo assim,

vários tesouros da humanidade se preservaram para as gerações

futuras. O que seria de nós sem a agricultura, a capacidade de forjar

o metal ou de produzir arte? Apesar de muitas idas e vindas, é nítido o

progresso do nosso conhecimento em relação às gerações passadas.

Isso se deve a dois fatores intimamente ligados: nossa capacidade de

produzir cultura e linguagem. Com elas, as gerações passadas podem

transmitir para as gerações futuras o saber acumulado até então.

A cultura é o que nos torna verdadeiramente humanos na

medida em que humanizamos a natureza, ou seja, tornamos objetos

naturais em objetos culturais, a madeira em arco, do barro um

vaso ou panela etc. Juntamente com a transformação da natureza

pelotrabalho,atribuímosumsignificadoeumsentidoatudooque

produzimos e às formas como nos relacionamos com as coisas e

comasoutraspessoas.ComodiziaofilósofoKarlMarx,todomundo

sente fome, mas existe uma grande diferença entre saciar a fome

rasgando a carne crua com os dentes e comer um bife bem passado

com talheres em uma mesa bem posta. A diferença é justamente o

que marca a nossa cultura, e nossos modos de sentir, agir e pensar.

Como já nascemos dentro de uma cultura, parece que ela nem

22 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

existe. É como o sotaque, nós só o

percebemos nos outros. A cultura

se apresenta para nós como uma

“segunda natureza”, ou seja, nos

sentimos tão à vontade dentro dela

que mal conseguimos diferenciar o

que é individual do que é coletivo

ou social. Será que gostaríamos de

determinado estilo musical se ele

não tocasse na rádio? Teria coragem

de sair na rua com uma roupa que

foi moda nos anos 70? Ofereceria

um churrasco de cachorro para seus

amigos? Pois é. Até que ponto podemos dizer que nossos gostos,

ideias e valores são realmente “nossos” e não produto do convívio

familiar, dos amigos etc.? É claro que cada ser humano é único em

suaexperiênciavital,massomostambémseressociaise,portanto,

imersos em uma cultura e época determinadas.

O espaço para a manifestação da individualidade também

varia de uma cultura para outra. Em culturas em que não há uma

grande complexidade na divisão do trabalho entre as pessoas da

comunidade, o conhecimento tem um caráter muito mais coletivo,

tanto em sua produção quanto em sua apropriação. Em várias tribos

indígenas do Brasil, podemos perceber essa característica. Um índio

sabe quase tanto quanto sua comunidade inteira. Sabe como fazer

uma casa, como caçar, pescar, plantar, preparar os alimentos, tecer,

fazer cestos, produzir remédios etc. Praticamente não existem

conhecimentos “secretos” guardados por um seleto grupo de “sábios”.

Na medida em que a sociedade vai dividindo o trabalho entre

homens emulheres, cada gênero passa a dominar conhecimentos

específicos.Enquantooshomenspassamadominarosconhecimentos

sobre a caça, as mulheres dominam a agricultura, a educação dos

filhos e com isso um desenvolvimentomuitomaior da linguagem.

Alguns cientistas chegam a afirmar que isso teria determinado o

fato de as meninas aprenderem a falar mais rápido e melhor que os

meninos.

A divisão do trabalho, entretanto, não parou por aí, ela foi se

tornando cada vez mais complexa, evidenciando que saber é poder.

Separar o conhecimento do comum das pessoas traz mais poder

e riqueza para o grupo que o detém. Nesse caso, podemos dizer

que quanto mais complexa é a sociedade, mais especializado é o

conhecimento. É só reparar em nosso modo de vida para nos darmos

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conta disso. Sequer sabemos como consertar boa parte dos objetos

que utilizamos todos os dias, de uma simples torneira a um aparelho

de TV. Quanto mais nos especializamos, sabemos mais sobre menos

coisas. Como diz o ditado popular: “especialista é aquele que sabe

quase tudo sobre quase nada”.

Por outro lado, seria preciso centenas ou talvez milhares

de anos, para que um único ser humano aprendesse tudo aquilo

que a humanidade sabe. Como não temos tanto tempo disponível,

procuramos nos especializar em um pequeno número de coisas e

sermos bons no que fazemos. Em sociedades complexas, portanto,

existe mais espaço para a individualidade, já que a diferenciação

emváriasprofissõeseramosdeatividadeexigemaiorliberdadede

escolha; indivíduos mais capazes de se adaptar às rápidas mudanças

da sociedade. O problema, portanto, não está na especialização do

conhecimento em si mesma, mas em determinados rumos que ela

tem tomado ao longo da história.

Primeiro, a tendência ao monopólio em detrimento da

democratização do conhecimento. Com o conhecimento aplicado à

produção e a crescente divisão do trabalho, ampliou-se a riqueza

social. Ou seja, começamos a produzir mais do que o estritamente

necessário para nos mantermos vivos. Logo, determinados grupos

começaram a imaginar maneiras de apropriarem-se do excedente

social. Em geral, aqueles cujas funções dentro da divisão social do

trabalhosãomaisdifíceisdequantificar.Porexemplo,quandovocê

contrata um pedreiro para levantar a sua casa, mais ou menos tem

uma ideia de quanto tempo de trabalho o pedreiro (e talvez o seu

ajudante) precisará para levantar a casa e o quanto seria justo

pagar pelo tempo de trabalho do pedreiro em jornadas de oito horas

diárias.Agora,imaginequevocêcontrateumpublicitárioparafazera

campanha de um produto qualquer. Como medir o valor do trabalho

do publicitário? De repente, as horas que ele passou no escritório

pensando em sua propaganda foram inúteis. No fim de semana,

enquanto pescava com os amigos – Eureca! – ele teve a grande ideia

que tornará a sua campanha um sucesso.

Oquevocêfaz?Pagaaeleapenasashorasemqueeleestava

pescando no domingo à tarde?

Esse é o problema: quando se trata de trabalhos ditos

“manuais”, em que o conhecimento já está sedimentado e um grande

número de pessoas é capaz de dominá-lo com pouco treino, temos

uma medida: o tempo, medido em horas de trabalho. Quando se trata

de funções mais “intelectuais”, praticamente não existem medidas.

Nesse caso, se usam medidas abstratas: o religioso dirá que

24 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

não existe nada mais elevado do que a salvação das almas; o general

dirá que tem em suas mãos a segurança da pátria; o cantor dirá...

Enfim, a falta demedidas tornoumais fácil para os trabalhadores

intelectuais a apropriação de uma parte maior no bolo da riqueza

produzida por todos. Ao mesmo tempo, os intelectuais cuidaram para

que o saber que possuem não fosse difundido para não ameaçar seu

poder e status.

Se hoje o domínio da escrita não é mais um mistério, não

significa que o conhecimento está completamente democratizado.

Isso porque o conhecimento está tão enraizado no processo produtivo

que se tornou um diferencial para vencer os concorrentes. Uma

grande empresa de medicamentos investe bilhões em pesquisa

para desenvolver novas drogas. Mesmo que tais remédios sejam

essenciais para salvar a vida de muitas pessoas, a empresa guardará

a sete chaves o segredo de sua fórmula. Em parte, para recuperar os

investimentos que realizou, em parte para ampliar seus lucros, já que

ninguém mais produz aquele medicamento e todos são obrigados a

comprar dela. Ou seja, no capitalismo, o conhecimento se torna uma

forma de ampliar o lucro daqueles que monopolizam o saber.

Mas não é só isso, o conhecimento é também uma ferramenta

importante para o controle social. Em sociedades complexas como

a nossa, não basta saber o que as pessoas fazem. É preciso prever

oqueelasfarãoantesmesmodeagirem.Imaginequevocêédona

ou dono de uma fábrica de bermudas, mas não está só no mercado,

outras empresas estão oferecendo produtos similares ao seu. Está

chegandooverãoevocênãopodesimplesmenteesperaraestação

começar, observar o que todo mundo está usando e aí começar sua

produção. Pois, nesse caso, vai acabar produzindo bermudas para o

inverno,oqueseriaumfiasco!Oquevocêprecisaéantecipar-seaos

concorrentes, lançando a moda e deixar que os outros corram atrás.

Mas como eu sei o que vai ser moda no próximo verão?

Eu não sei, mas posso inventar...

O grande segredo é, portanto, antecipar-se às ações das

pessoas, atuando sobre suas motivações para garantir que ajam

justamente como o planejado. E aqui entramos no segundo aspecto

das sociedades complexas. Nelas não há como ter uma visão geral

sobre tudo o que se passa na sociedade. Os meios de comunicação

social (rádio, TV, jornais, revistas) tornaram-se nossos olhos e ouvidos

para termos acesso à realidade. Tal situação apresenta um risco: que

vejamos e ouçamos apenas o que eles querem. Entre as milhares

de informações e eventos que ocorrem todos os dias, os meios de

comunicação precisam selecionar uma pequena parcela deles para

SAIBA MAIS

O monopólio do saber

No antigo Egito, por exem-plo, os sacerdotes criaram uma escrita que só eles en-tendiam, justamente para afastar a maior parte do povo do poder. Ao contrário do nosso alfabeto com suas atuais 26 letras, o hieróglifo egípcio tinha 6.900 sinais. Se alfabetizar uma criança com apenas 26 letras não é uma tarefa das mais fáceis, imagine quanto tempo al-guém levaria para conhecer todo “alfabeto” egípcio?

Figura 4 - Fonte: http://wikipedia.org ”Egyptian funerary”

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noticiar. Noticiar tudo é simplesmente impossível. Portanto, o meio

de comunicação escolhe o que noticiar baseado no interesse do grupo

social ao qual apoia ou defende.

Não existe meio de comunicação “neutro”, todos são parciais.

Todos eles pretendem atingir suas bases motivacionais, modelar o

seugosto,paraquevocêconsumadeterminadosprodutosatravésda

publicidade, mas também moldando o seu estilo de vida, suas opiniões

políticas etc. Como a maior parte dos meios de comunicação pertence

a empresas privadas, eles retiram seu lucro da venda de espaços para

publicidade em sua programação ou em suas páginas. Nesse caso, a

tendêncianaturaléquetaismeiosdefendamosinteressesdequem

ospaga.Porexemplo,sevocêfosseumprodutordeautomóveiseum

canal de TV dissesse que deveríamos parar de comprar carros para

não contribuirmos com o aquecimento global através da emissão de

carbono,vocêanunciariaosseuscarrosnessecanal?

Como já dissemos, a função principal dos aparatos de

comunicação não é só fazer propaganda de determinados produtos,

mas a que você adote um “estilo de vida” condizente com o que

se espera de bons consumidores: que pensem, ajam e sintam

exatamente aquilo que o sistema espera deles. Que os meios de

comunicação defendam determinados interesses, não tem nada de

errado. O problema é que para ganhar a simpatia do público, ou

por não defenderem interesses muito nobres, boa parte dos meios

de comunicação tende a ocultar seus reais propósitos, ou diz que é

isento e imparcial.

Quando o conhecimento se volta para satisfação de

determinados interesses, ocultos sob a roupagem de estarem a serviço

de todos indistintamente, passa a cumprir a função de ideologia.

4 IDEOLOGIA E CONHECIMENTO

Emseuusocorrente, ideologiaassumeváriassignificações,

por vezes, contraditórias. Algumas pessoas usam o termo ideologia

para se referir à forma de pensar ou ao conjunto de ideias de um

determinado grupo de pessoas ou instituição, por exemplo, quando

diz que concorda ou discorda da “ideologia” de determinado partido

ou movimento. Outros ainda se referem à ideologia como opinião ou

crença sustentada por uma pessoa, algo semelhante à convicção.

Aqui, porém, empregamos o termo ideologia em um sentido

que se tornou clássico a partir da definição do filósofo Karl Marx

(1818-1883). Marx concebe a ideologia como representação falsa da

26 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

realidade, ou seja, algo que aparenta ser verdade, mas que é apenas

uma ilusão para ocultar interesses da classe dominante.

Em sociedades capitalistas como a nossa, a estrutura social

está organizada de modo a favorecer sempre os interesses da classe

dominante. Para impedir que os pobres se revoltem ou que a situação

saia do controle, os ricos difundem determinados valores e ideias que

fazem com que o oprimido pense como o opressor, sendo solidário aos

interesses da classe dominante contra os interesses de sua própria

classe.

Para entender melhor como isso funciona vamos ver algumas

características da ideologia:

1. A ideologia universalizatomandoalgoparticular,apreferência

ou interesse de algum grupo como sendo interesse ou

preferênciadetodos.Porexemplo,quandoosEstadosUnidos

queremjustificarainvasãodealgumpaís,semprefalamnão

em nome dos interesses particulares de seu país, mas dizem

estar lutando em favor do “mundo livre”, da “democracia” ou

combatendo o “terror” ou as “drogas”. Democracia ou liberdade

são valores que precisam de contornos mais concretos para

que possamos saber precisamente do que se está falando.

Precisar tais conceitos acabaria justamente por revelar aquilo

que se pretende ocultar, ou seja, que aquilo que se postula

como universal, na verdade é um interesse particular. Da

mesma forma, ocorre na publicidade, ou no discurso político

em que se pretende criar falsos universalismos, como o de que

todo brasileiro é louco por carro, futebol, cerveja etc. Junto

com tais estereótipos, os heróis como o maior piloto, o craque,

o conquistador... Agora reflita umpouco: a quem interessa

tais visões sobre o brasileiro? O teatrólogo Nelson Rodrigues

dizia que toda unanimidade é burra. Poderíamos acrescentar

quealémdeburraéperigosa,porsuatendênciatotalitáriade

sufocar as vozes destoantes em nome de um falso consenso.

2. A ideologia oculta ao apresentar a sociedade como um todo

harmônico,semconflitodeinteresses.Paraissonosfazcrer

que todos temos direitos iguais e igual acesso às oportunidades,

que as pessoas se tornam ricas ou pobres, graças apenas ao

seu esforço pessoal ou “talento”. Os meios de comunicação

não cansam de falar de pessoas pobres que se tornaram

ricas e famosas, alimentando a ilusão de que basta querer

para trilhar o mesmo caminho, ou que os ricos assim o são

porque lutaram muito para chegar onde estão. Na verdade,

aimensamaioriadosquehojesãoricosvêmsebeneficiando

PARA CONHECER

SAIBA MAIS

Desigualdade no BrasilNo Brasil, apenas 1% da parcela mais rica da po-pulação (1,7 milhão de pessoas) detém uma ren-da equivalente a da par-cela formada pelos 50% mais pobres (86,5 mi-lhões de pessoas).

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u69318.shtml

Figura 4 - Karl Marx (1875) “Wikemedia Commons”

Karl Marx (1818-1883) foi um dosmais influentesfilósofosdo século XIX cujo legado permanece vivo até hoje em diversas áreas do conheci-mento humano, tais como: economia, filosofia, política,sociologia, educação, histó-ria etc. Sua principal obra, O Capital, foi concluída pos-tumamente por seu amigo Friedrich Engels e traduzida para centenas de idiomas. Nela, Marx realiza uma ri-gorosa análise da sociedade capitalista e demonstra que a riqueza da classe dominan-te (burguesia) é resultado da exploração do trabalho do proletariado. Segundo Marx, o capitalismo é um sistema inviável economicamente por destruir as duas fontes de riqueza: o trabalhador e a natureza. A solução seria substituir o sistema capita-lista, cujo objetivo é garan-tir a riqueza da burguesia através da exploração dos trabalhadores e da natureza, por um sistema centrado na satisfação das necessidades das pessoas (alimentação, habitação, educação, saúde e cultura para todos). Por seu caráter social, esse sis-tema ficou conhecido comosocialismo. Até hoje, os ideais socialistas de Marx ainda inspiram movimentos sociais, partidos e organiza-ções dos trabalhadores pelo mundo todo.

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de uma estrutura social de exploração e dominação que tem

se perpetuado durante séculos. Quando grupos empobrecidos

se organizam para reivindicar seus direitos, ou questionar a

injustiça secular a que estão submetidos, aparecem como

“desordeiros” que querem perturbar a “paz social”. Quando

uma categoria social faz greve como último recurso para

conseguir melhores condições de trabalho, são apresentados

como intransigentes que não compreendem a crise pela qual

“todos” estão passando. Se são professores, por exemplo,

é dito que eles não pensamnas pobres crianças que ficam

sem aula e que deveriam buscar formas mais construtivas de

protesto. Quando o governo manda bater nos manifestantes,

a TV diz que houve “confronto com a polícia” que foi “obrigada

a usar a força”. Se um rico comete um crime, se diz que

era um sujeito de “classe média alta”, a palavra “rico” está

definitivamentebanidadovocabuláriotelevisivo.Eporquê?

Porque o contrário de rico é pobre, o que chama a atenção

do espectador para as injustiças sociais, enquanto o contrário

de classe média alta é classe média baixa. Ou seja, no Brasil

todos somos de classe média!

Figura 5 - Fonte: http://caipirinhaseattlense.files.wordpress.com/2009/07/alienado.jpg

3. A ideologia legitima a dominação existente na sociedade,

fazendo-nos pensar que o modelo de sociedade que temos é

o melhor dos possíveis, e tentar construir alternativas a ele

noslevariainevitavelmenteaocaoseàviolência.Nãobasta

que a classe dominante pense e aja segundo seus interesses,

é preciso que os dominados pensem como os dominadores e

ajam sempre de modo a favorecer os interesses dos poderosos.

Quando é denunciado um escândalo de corrupção envolvendo

políticos,existempessoasqueafirmamqueseestivessemno

28 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

lugar deles fariam o mesmo. De certa forma, quem pensa assim

não revelaapenasa sua faltade consciênciapolítica, como

também está legitimando a corrupção que sempre favorece

osmais ricos, pois são eles que têm condições de infringir

maior dano à sociedade ao desviarem o dinheiro público

que poderia criar milhares de oportunidades de emprego,

saúde e educação. Da mesma forma, o sonho de consumir

benssofisticadosoude“subirnavida”,alimentaelegitimaa

exclusão social, e cria os mecanismos de diferenciação social

até mesmo entre os próprios ricos, nunca satisfeitos em já

ter muito mais do que podem usar. Assim, entramos em uma

corrida louca por sempre ter mais, sem parar para pensar que

esta é uma ilusão impossível de ser realizada e cujo efeito

prático é a destruição do planeta. Ou seja, imitar o modo de

pensar dos dominadores, além de não nos propiciar uma vida

melhor, pode nos levar à completa destruição.

A ideologia é, portanto, uma ferramenta poderosa para manter

a dominação de uns poucos sobre a grande maioria oprimida e

marginalizada. Justamente por não exercer uma coerção violenta para

impor os interesses da classe dominante, mas uma dominação sutil,

invisível, que se espalha por todos os poros da sociedade tornando-se

muito difícil de ser percebida e combatida. Muitos sequer a percebem,

ou percebem a si mesmos como propagadores da ideologia dominante.

Masnãoexiste “neutralidade” ideológica: ouvocê faz ideologia ou

contra-ideologia.Assimcomonãoexistearte,ciênciaouinformação

que seja neutra, também não existe professor, artista, jornalista,

padreoupastorquesejaneutro.Oumelhor,afirmarumasuposta

“neutralidade” já é uma tentativa de ocultar que está a serviço da

ideologia dominante. Todo intelectual, mesmo um professor do ensino

fundamental, tem que decidir de que lado está: se está a favor da

transformação social e do ensino crítico ou a favor da conservação

da dominação através de um ensino alienado e alienante. É claro

que se a ideologia está espalhadapor toda sociedade, combatê-la

não é tarefa fácil. Principalmente depois que ela penetrou na própria

estrutura econômica e política da sociedade, como veremos a seguir.

5 TÉCNICA E CIÊNCIA COMO “IDEOLOGIA”

Com o desenvolvimento do capitalismo, a ideologia alastrou-

se também pela esfera política e econômica. As sucessivas crises

Figura 6 - O que é Educação?Fonte: “Planeta Educação”

http://www.planetaeducacao.com.br

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capitalistasdofinaldoséculoXIXedoiníciodoséculoXXensinaram

uma dura lição ao capitalismo: o mercado abandonado a si mesmo

pode destruir o próprio sistema. Ocorre que todos os produtores,

concorrendo entre si para conseguirem uma fatia maior do mercado,

aumentam a produtividade do trabalho agregando mais tecnologia ao

processoprodutivo.Maisprodutividadesignificaproduzirmercadorias

mais baratas, em maior quantidade e melhor qualidade. Como isso

é possível? Veja um exemplo: imagine que você fabrica bolsas

e que elas são costuradas a mão. Com isso, cada bolsa demanda

muitotempodetrabalhoparaficarprontaevocêprecisademuitos

funcionáriosparafazê-las.Entãovocêresolvecomprarmáquinasde

costura industriais.Comelas, asbolsasficamprontasmais rápido

e o acabamento é muito melhor. Cada

funcionário produz muito mais bolsas agora

do que fazia antes e você poderámandar

uma parte deles embora. Com menos

funcionários e mais bolsas, você pode

baixar o preço e mesmo assim aumentar o

seu lucro, porque agora pode vender mais

que antes. Então aumentar a produtividade

graças à tecnologia é ótimo, não é? Temos

cada vez mais produtos melhores e mais

baratos!

Sim. Mas os dois lados da equação não batem: maior

produtividadesignificamenosmão-de-obra.Umagrandecervejaria,

por exemplo, não necessita de mais que uma dúzia de funcionários

para controlar todo processo produtivo. Se todas as empresas vão se

modernizando e as que não se modernizam acabam falindo, temos

menos ocupação da mão-de-obra, isto é, aumento do desemprego.

Então acontece a crise: produtos baratos em grande quantidade, mas

poucos consumidores para comprá-los por causa do desemprego.

Sem vender, as empresas quebram, aumentando o desemprego em

um efeito dominó.

Diante desse problema existem basicamente duas alternativas,

manter os níveis de emprego, reduzindo a jornada de trabalho sem

redução dos salários. Mas isso diminui o lucro dos capitalistas e

capitalismo sem exploração do trabalho, não é capitalismo. A outra

alternativa, que preserva os interesses dos capitalistas, é a de aceitar

a intervenção do Estado para regular as crises econômicas. E foi o

que foi feito na maioria dos países capitalistas a partir da década

de 1930. O Estado passa então a controlar o ritmo da economia

para que não acelere demais ultrapassando a capacidade de compra

Figura 7 - Fonte: http://static.hsw.com.br/gif/capitalism-2.jpg

30 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

dos consumidores. Como ele faz isso? Basicamente, como vemos

diariamente nos jornais, controlando a taxa de juros e investindo

em setores que absorvem muita mão-de-obra. Juros altos, menos

crédito, menos investimentos, economia cresce menos. Quando

a economia está em recessão, faz-se o inverso: diminui-se a taxa

de juros e aumenta-se o crédito. Dessa forma, o Estado cria “crises

programadas” para evitar crises maiores.

Com suas novas funções, o controle do Estado passou a

ser um assunto “sério demais” para depender da deliberação dos

cidadãos. Pois, os cidadãos nem sempre pensam nos interesses das

empresas e dos bancos, mas no deles próprios: que o Estado invista

mais em educação, saúde, segurança etc. Se o Estado gastar segundo

os interesses dos cidadãos sobrará menos “caixa” para suportar os

tempos de crise e para investir nos setores considerados estratégicos.

Os temas políticos tornam-se temas técnicos reservados

a um pequeno grupo de pessoas: os tecnocratas. Como nem

todos compreendem os complexos meandros da administração

macroeconômica, esse assunto é reservado a uns poucos que

controlam os órgãos centrais do governo: o Banco Central, o Ministério

da Economia e do Planejamento, que são muito mais sensíveis às

oscilações da bolsa de valores do que ao voto dos eleitores. As grandes

questões políticas, como o tipo de desenvolvimento econômico que

queremos ou como devem ser distribuídos os gastos públicos e

quem deve pagar por eles, são retiradas de nossa agenda política,

e tornam-se questões meramente técnicas a serem tomadas pelos

tecnocratasdaburocracia estatal.Comoobservaofilósofoalemão

Jurgen Habermas,

[...] a solução de tarefas técnicas não está referida à discussão pública. As discussões públicas poderiam antes problematizar as condições marginais do sistema, dentro das quais as tarefas da atividade estatal se apresentam como técnicas. A nova política de intervencionismo estatal exige, por isso, uma despolitização da massa da população. E, na medida em que há exclusão das questões práticas, ficatambémsemfunçõesaopiniãopúblicapolítica(HABERMAS, 1994, p. 71).

Além disso, as pessoas acabam por se convencer que o progresso

técnico é a melhor forma de garantir um futuro melhor para todos,

semjamaisdiscutirquetipodeprogressoqueremos.Asênfasesnos

discursospolíticosficamemtornodeumououtropormenordentro

de uma estrutura aceita por todos. É claro que crises capitalistas

Tecnocrata: tecnocracia significa, literalmente, governo

dos técnicos; logo, os tecnocratas são os especialistas cuja autoridade se baseia nos conhecimentos teóricos dos mecanismos econômicos. O surgimento dos tecnocratas

está ligado ao crescimento das empresas, o que multiplicou

os cargos de gerência, exigindo maior capacitação

técnica de seus diretores. Isso levou à formação de cursos universitários de economia e administração de empresas, encarregados de atender a demanda das empresas por tecnocratas. Mais tarde, os

métodos de administração de empresas foram levados para

dentro da administração pública.

Para saber mais sobre Jürgen Habermas, visite: http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCrgen_

Habermas

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não são boas para ninguém; a questão é que os projetos alternativos

ao capitalismo sequer são levados em consideração, como se o sistema

capitalista de mercado fosse parte da natureza e, portanto, algo que

não podemos mudar, apenas nos adaptar a ele. Segundo Habermas,

isso torna o poder de legitimação dessa nova forma de ideologia mais

poderosa que suas formas anteriores, pois,

[...]aconsciênciatecnocráticaé,porumlado,‘menosideológica’ do que todas as ideologias precedentes; pois, não tem o poder opaco de uma ofuscação que apenas sugere falsamente a realização de interesses. Por outro lado, a ideologia de fundo um tanto vítrea, hojedominante,quefazdaciênciaumfeitiço,émaisirresistível e de maior alcance do que as ideologias de tipo antigo, já que com a dissimulação das questões não só justifica o interesse parcial de dominação de umadeterminada classe e reprime a necessidade parcial de emancipação por parte de outra classe, mas também afeta o interesse emancipador como tal do gênerohumano (HABERMAS, 1994, p. 80).

Isso a que Habermas se refere, podemos acompanhar, de um

lado, pelo crescente desinteresse do povo em participar da vida política

e na falta de credibilidade dos políticos em geral. De outra parte, através

da homogeneização do discurso político, com a crescente indiferenciação

dospartidospolíticos,quesetornamcadavezmaisagênciasparatratar

dos interesses privados desse ou daquele grupo, ao invés de tratarem

dosgrandestemasqueafetamtodoogênerohumano,comoasquestões

ecológicas, da paz mundial ou da fome.

A ideologia, hoje, ocupa-semuitomais emdesqualificar como

“utópica” ou “romântica” toda proposta que questione os fundamentos

daestruturasocial,doqueemproporalgoparacombatê-la.Ouseja,

basta simplesmente afirmar que não há alternativas, para que nos

curvemos frente ao destino que nos reserva a tecnocracia de um eterno

retorno do mesmo.

Comopodemosver,aciênciaeatécnica,aplicadasaoincremento

da produtividade de nossa civilização tecnológica, acabam por assumir

a função de ideologia de uma maneira tão eficaz quanto as outras

formas de ideologia veiculadas pelos grandes meios de comunicação

demassa.Issonosfazverqueciênciaeconhecimentonãopodemser

vistos ingenuamente como bons em si mesmos. Tampouco devemos ir

aopoloopostoeafirmarquetodaciênciaetecnologiasãoruinsequea

melhor solução seria voltar à vida primitiva em completa comunhão com

a natureza. A questão não é a aceitação ou recusa da tecnologia, mas a

serviço de quem ela deve estar e quais as tecnologias mais apropriadas

32 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

para enfrentarmos cada um dos problemas. Ou seja, a ciência não

pode ser considerada como sendo a totalidade da razão, que se impõe

aos seres humanos como um dogma. O futuro de todo planeta Terra

não pode ser fruto da decisão de um punhado de tecnocratas. É nesse

sentido que a educação pode jogar um papel decisivo na construção de

alternativas à ideologia tecnocrática: uma democracia forte se constrói

com sujeitos críticos e criativos, capazes de pensarem por si mesmos.

Voltaremos a esse tema mais adiante ao tratarmos da relação

entre conhecimento e emancipação. Por enquanto, analisaremos

em maior detalhe as várias formas de se compreender o que é o

conhecimento e algumas de suas variantes históricas, como forma de

superaroreducionismocientificistadasociedadetecnocrática.

Costuma-se dizer que para aprendermos uma coisa nova é

preciso desaprender o modo antigo de pensar. Para desaprender a

ideologiaéprecisopoder identificá-laereconhecersuasformas,para

então abrirmos terreno para construção de novos conhecimentos. Tendo

isso em mente, em nossa próxima unidade, pretendemos apresentar

algumasteoriasdoconhecimentoparaquevocêpossaformarummapa

conceitual para se orientar na construção do seu próprio ponto de vista

sobre o tema. Lembre-se, nenhum texto ou saber é neutro, está sempre

afavordeumaideologiaoucontra-ideologia,cabeavocêidentificarqual

é a minha, para poder posicionar-se criticamente frente a ela. Enquanto

faz isso, estará entendendo melhor a sua.

6 ATIVIDADES

Asquestõesaseguir têmcomoobjetivoajudarafixar tudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.

1. Apartirdotextovocêpoderiadizercomoconhecemosomundo?2. Qual a diferença entre conhecimento e informação?3. Como o conhecimento é produzido e distribuído socialmente?4. VocêpoderiaexplicaroqueentendepelafrasedofilósofoFrancisBaconde

que “saber é poder”?5. Emnossasociedade,vocêachaqueoconhecimentoestáaserviçodequem?

Justifique.6. Qual a função social da ideologia?7. Qual a relação entre informação, realidade e ideologia?8. Comoaciênciaeatécnicapodemfuncionarcomoideologia?9. Existeciêncianeutra?Justifique.

ATIVIDADES

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7 RESUMINDOO conhecimento é a forma de organizar e operar as informações

de modo a garantir a sobrevivência dos seres vivos no planeta.

Todo conhecimento se opera através de signos, ou seja, não existe

conhecimento sem informação, objeto e interpretante. Para que algo

seja cognoscível é preciso que seja algo que se repita de modo a

tornar-se previsível. Em nossas sociedades, o conhecimento tem sido

uma ferramenta importante para o desenvolvimento social e a razão

principal do sucesso de nossa espécie no planeta. A depender do

modelo de organização social, o conhecimento pode ser socializado

coletivamente ou especializado. A especialização do conhecimento

não é um mal em si, mas pode tornar-se fonte de legitimação do

domínio de determinados grupos sociais sobre outros. Nesse caso, o

conhecimento assume funções de ideologia, ocultando sua base social

e histórica.

Nas sociedades capitalistas contemporâneas em que o Estado

assume funções de regulação econômica, a ciência e a técnica

acabam também por assumir funções de ideologia, ao legitimar o

domínio dos tecnocratas na tomada de decisões, em nome da alegada

incompetênciadocidadãocomumdemanifestar-seemtaisassuntos.

Dessa forma, o conhecimento torna-se também uma forma de excluir

a participação do cidadão nos rumos da sociedade.

8 REFERÊNCIAS

CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1991.

HABERMAS, Jurgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa:

Edições 70, 1994.

HINKELAMMERT. Franz. As armas ideológicas da morte. São Paulo:

Paulinas, 1980.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense.

RESUMINDO

REFERÊNCIAS

34 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento e Sociedade Teoria do Conhecimento

Suas anotações

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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:

• compreender as diferenças entre as formas deconhecimentomítico-religioso,filosóficoecientífico;

• entender quais os principais problemas envolvidos na teoria do conhecimento e como, ao longo da história, diferentes soluções foram exploradas para tais problemas.

OBJETIVOS

TEORIAS DO CONHECIMENTO

2ªunidade

UNIDADE 2TEORIAS DO CONHECIMENTO

1 INTRODUÇÃO

Esta unidade apresenta as diferentes teorias sobre o

conhecimento e os diferentes tipos de conhecimento e seus respectivos

critérios de validade.

Na unidade anterior vimos que o conhecimento é algo vital para

nossasobrevivência.Podemosatémesmodizerque“conheceréviver”,

mas, como toda realidade humana, está permeado por interesses

econflitosgerando fenômenoscomoa ideologiaeadivulgaçãode

visões fantasiosas de mundo para garantir os interesses da classe

dominante. Diante dessa realidade, surgem vários questionamentos:

se muito do que é divulgado é falso, como separar o que é falso do

que é verdadeiro? Existe realmente algum conhecimento que possa

estar acima de qualquer suspeita? Será que cada um defende as

opiniões que lhes convém e que, no fundo, cada um tem parte da

verdade, mas ninguém a tem completamente?

Tais questões não são nada novas, elas acompanham a

humanidadehámilharesdeanos.OfilósofoAristótelesdiziaquetemos

um desejo natural de saber. Desde crianças, somos maravilhados

pelo mundo e tudo desperta nossa curiosidade. Com o tempo, vamos

nos acostumando com as coisas e nossa curiosidade diminui, em

alguns casos drasticamente. É que a curiosidade vai se sedimentando

em hábitos e crenças. As coisas vão se tornando “normais”, ou seja,

se não são explicadas pelo menos nos são familiares e, portanto,

previsíveis. Por outro lado, por mais que estejamos acostumados com

o mundo nunca nos satisfazemos apenas em compreender como as

coisas acontecem, nós buscamos um sentido para elas. Como diz

Jung Mo Sung,

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O sentido é o que se sente, o que se segue ou se persegue e o que se compreende. Quando falamos do sentido da vida estamos tratando das duas acepções:direçãoesignificado;istoé,seavidatemumadireção(finalidade)quedevemosseguireseelatemumasignificação(SUNG,2006,p.39).

Não nos satisfazemos em ficar na pele das coisas queremos

entender suas causas, fundamentos, propósitos... E isso não só em

relação aos fatos extraordinários. Na verdade, os fatos extraordinários

despertamumacuriosidademomentânea incapazdefixar-secomo

crença ou hábito de ação. O que nos intriga é saber por que a gente

ficadoente,envelhece,morre...Seexisteumavidaapósamorte,

se o universo existiu sempre ou foi criado e, se foi criado, quem

ou o que o criou? Além dessas questões mais filosóficas, coisas

cotidianas também nos intrigam, por exemplo, para muitos povos

determinadoalimento era tão importante para sobrevivência deles

que não conseguiam parar de pensar em como tinha surgido o milho,

a mandioca, o trigo e podemos encontrar vários mitos que explicam

a origem de cada um desses alimentos. Sem dúvida, mais do que

qualquer alimento, sempre nos intrigou a nossa própria origem.

Desde tempos imemoriais, o homem percebeu-se como um ser

singular na natureza: temos linguagem, fabricamos ferramentas,

nos organizamos em sociedade, sonhamos... Tudo isso afeta a nossa

autocompreensão, a forma como pensamos a nós mesmos: por que

os outros animais não se comportam como nós? Como nos tornamos

seres tão especiais? Seríamos descendentes dos deuses?

Mito: A origem da Via Láctea Zeus, o deus maior da mitologia grega, era muito namorador. Em uma de suas andanças pelaTerra,seapaixonoupelajovemprincesaAlcmena.Umanoite,aproveitandoaausênciadomarido, o aventureiro deus foi visitá-la e se uniu com ela. AdeusaHera,esposadeZeus,quandosedeucontadainfidelidade,seencheudecólera.E foiaindamaiorsua indignaçãoquandosoubequeaprincesaAlcmenatinhaficadográvida. Para castigar Alcmena, Hera prolongou a gestação da jovem princesa. Mas aos 10 meses, sem poder retê-lomais, a princesa Alcmena deu àluz ummenino belo e forte, umsemideus, ao qual chamou de Hércules. Desde que Hércules nasceu, seu pai Zeus o considerou como favorito entre seus muitos filhos.AdeusaHera,dominadapelociúme,enviouduasserpentesparaenvenenarorecém-nascido.Hércules,umbebêmuitorobusto,asestrangulounoberço,antesqueomordessem.Então,omensageirodosdeusesveioparaajudaraprincesaAlcmena,amãedobebêHércules.Eleaalertoudoperigoqueseufilhocorriaequeaúnicamaneiradesalvá-loeratornando-oimortal,colocando-oparamamarnosesplêndidosseiosdagrandedeusaHera. Então, o mensageiro tomou o menino nos braços, levou-o aonde a deusa Hera dormia, o pôs em seu seio para que mamasse o leite da imortalidade. Mas Hércules chupou os bicos dos seios da deusa com tanta força que esta acordou, o retirou bruscamente e o leite de seu seio derramoupelocéuemumjatoimenso,ummagníficoriodeleitebrancoebrilhante.Assimseformou, segundo a lenda grega, a Via Láctea.

Fonte: adaptado de Radialistas apaixonadas e apaixonados: http://www.radialistas.net/portuclip.php?id=1100008. Vocêsabeaorigemdoarco-íris?Esseéummitobembrasileiro,visiteositeedesvendeestemistério:http://www.radialistas.net/portuclip.php?id=1100041

SAIB

A M

AIS

40 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

2 A VISÃO MÍTICA DO MUNDO

Obviamente, apenas fazer perguntas não produz sentido, não

forma hábitos nem crenças para orientar nossas vidas. Também não

é qualquer tipo de explicação que nos satisfaz, ela deve traduzir a

nossaexperiênciapessoalecoletiva,poderservividacotidianamente

naformacomonosvestimos,comemos,trabalhamos,enfim,deveser

capaz de direcionar nossas formas de pensar e agir. Às representações

simbólicas capazes de realizar tudo isso, damos o nome de cosmovisões,

são elas que nos põem no mundo, que nos dizem onde estamos,

de onde viemos e qual é nosso destino. Na história da humanidade,

as primeiras formas de cosmovisões são chamadas de mitos. Mas é

importante destacar que mitos não são coisas de povos “antigos e

ignorantes” como alguns positivistas costumam pensar. Civilizações

altamente tecnológicas também fabricam seus mitos e orientam suas

vidas em torno deles. Não acredita? Veja só este exemplo:

Diverte e instrui considerar o que aconteceria se transmitíssemos toda a estrutura do corpo, do cérebro humano com suas recordações e conexões entrelaçadas, de tal modo que o aparato receptor hipotético pudesse reencarnar tudo em matéria apropriada, capaz de continuar os processos do corpo e da alma e de manter a integridade necessária para esse prolongamento mediante a homeostase (WIENER apud HINKELAMMERT, 1983, p. 64).

Quem diz isso não é nenhum religioso reencarnacionista,

mas Norbert Wiener o fundador da cibernética. Hoje todos nós

falamos em realidade virtual ou ciberespaço, criamos avatares que

conversam e agem em um mundo de fantasia. Mas isso é o máximo

que conseguimos fazer, pois não é possível que nos desprendamos de

nossos corpos sem ocasionalmente morrermos no percurso. Todavia,

muitas pessoas, inclusive cientistas, acreditam ser esta uma ideia

bastante razoável e que, no futuro, o sonho da imortalidade será

finalmenterealizado.

O que nos faz pensar que tais sonhos são razoáveis, enquanto

a crença em anjos, demônios ou espíritos nos parece algo “primitivo”

ou coisas de pessoas de pouca instrução, é que nós só somos capazes

de ver o mito “dos outros”. O nosso mito não é mito, é ciência.

Oumelhor,éaciência transformadaemmito.Hojeemdiase fala

nos “milagres da ciência”, em sua capacidade para resolver todos

os nossos problemas através das novas descobertas. É claro que

as conquistas da ciência, quando bem aplicadas, trazem grandes

Avatar: Em informática, avatar é a representação

gráfica de um utilizador em realidade virtual. De acordo

com a tecnologia, pode variar desde um sofisticado modelo 3D até uma simples imagem. São normalmente pequenos, aproximadamente 100 píxeis

de altura por 100px de largura, para que não ocupem

demasiado espaço na interface, deixando espaço livre para a função principal do site,

programa ou jogo que se está a usar.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Avatar_(realidade_virtual) Acesso em 09

jul. 2009.

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benefícios para humanidade, mas daí a dizer que ela resolverá todos

os nossos problemas ou que nos trará a imortalidade, é transformar a

ciênciaemmito.

Portanto, os mitos, apesar de serem antigos, não são coisas

do passado, já que mesmo os mitos antigos são constantemente

reelaborados acompanhando as mudanças próprias de nossa cultura.

1. Leia o texto abaixo. Após a leitura, responda as questões propostas e discuta as respostas com os colegas.

10 euros semanais para ser congelado com nitrogênio líquidoPublicado em 29/03/2009 por Juan Diego Polo

Dez euros por semana. Este é o preço que estão pagando os britânicos que queiram, e possam, congelar seus corpos no momento da sua morte. Segundo o Daily Mail, o número de cidadãos britânicos que optaram por deixar seus restos com esperança na futura ressurreição, tem aumentado nos últimos anos, principalmente devido aos preços mais baixos. O Cryonics Institute, uma organização privada que armazena órgãos, criou uma modesta taxa de 10 euros por semana, “mais barato do que uma pizza”, diz um futuro congelado. O pacote completo inclui congelamento e manutenção (o corpo está imerso em nitrogênio líquido), até que os avanços científicos permitamregressar à vida algum dia.

Fonte: http://www.fayerwayer.com.br/2009/03/10-euros-semanais-para-ser-congelado-com-nitrogenio-liquido/

2. Agora responda:

a)Sevocêtivessedinheiro,mandariacongelaroseucorpoapósamorte?b)Acreditaquenofuturoaciênciapoderáressuscitaraspessoaséumfatoou

mito?Qualocritérioquevocêusouparasepararoqueéfatodoqueémito?c)Épossívelestabelecerumaseparaçãoclaraentrereligiãoeciência?Explique

o seu ponto de vista?d)Vocêjulgariaqueumapessoaqueesperapelavidaeternarezandonaigrejaé

mais razoável do que uma que economiza dinheiro para congelar o corpo após amorte,ouvice-versa?Seriamambasasatitudesirracionais?Justifique.

3. Após responder as questões confronte-as com as dos colegas no Seminário Integrado.

ATIVIDADES

42 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

3 ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS MITOS

Como vimos acima, os mitos não são coisas do passado ou interpretações “falsas” da realidade. Mesmo povos ditos primitivos sabem distinguir seus mitos verdadeiros dos mitos falsos (contos e lendas que fazem parte de sua cultura, mas que não são fundantes), da mesma forma como para um crente a sua religião é sempre verdadeira em oposição às outras religiões ou seitas. Mitos e religiões não estão destinados a competir com as explicações científicas,ouseremsuperadosporelas.Comodizia o sociólogo Émile Durkheim (1989, p. 493), “a verdadeira função da religião não é nos fazer pensar, enriquecer nosso conhecimento, acrescentar às representações que devemos à ciência, representações de outra origem e deoutro caráter, mas nos fazer agir, nos ajuda a viver”. O que o crente busca na religião ou nos mitos são regras para o agir. É a ação, portanto, o que domina a vida religiosa. É inútil, portanto, tentar desmoralizar a conduta mítica ou religiosa comonãocientífica,dissoamaioriadoscrentestemconsciência.Pois,comopodemosobservarem nossa experiência cotidiana, não são asgrandesverdadescientíficasquemoldamnossaconduta moral e nossa relação com as outras pessoas em sociedade.A influência da ciênciaatinge aspectos pontuais de nossas vidas, por exemplo, podemos evitar alimentos gordurosos, praticar o sexo seguro etc. Mas as questões decisivasnavidadaspessoascomoterfilhos,casar-se, sermos honestos, amorosos ou cruéis eviolentos, isso tudo tempoucodecientífico,mas muito a ver com o que acreditamos, com nossos valores e história pessoal. Mito,religiãoeciêncianãosão,portanto,partes em conflito lutando pelo monopólioda verdade, apenas formas diferentes de compreender e dar sentido às coisas. Somente em casos extremos, quando o dogmatismo obscurece completamente a razão é que surgem

osconflitos.

Para completar nossa exposição, veja o que diz o grandehistoriadorefilósofodas religiõesMirceaEliade (1907–1986) sobre a estrutura dos mitos e a importância do “mito vivo”:

Estas observações preliminares bastam para precisar certas notas características do mito. De uma maneira geral se pode dizer que o mito, tal como é vivido pelas sociedades arcaicas, 1°, constitui a história dos atos dos Seres Sobrenaturais; 2°, que esta História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada (porque é obra dos Seres Sobrenaturais); 3°, que o mito se refere sempreauma‘criação’,contacomoalgochegouà existência ou como um comportamento, umainstituição, uma maneira de trabalhar, foi fundada; é esta a razão de que os mitos constituam os paradigmasdetodoatohumanosignificativo;4°,que ao conhecer o mito, se conhece a ‘origem’das coisas e, por conseguinte, se chega a dominá-las e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento ‘exterior’, ‘abstrato’, mas de umconhecimento que se ‘vive’ ritualmente, seja aonarrar cerimonialmente o mito, seja ao efetuar o ritualparaoqualservede justificação;5°,que,deumamaneiraoudeoutra,se‘vive’omito,nosentido de que se está dominado pela potênciasagrada, que exalta os acontecimentos que se rememoram e se reatualizam.

‘Viver’ os mitos implica, pois, umaexperiência verdadeiramente ‘religiosa’, postoquesedistinguedaexperiênciaordinária,davidacotidiana. A ‘religiosidade’ desta experiência sedeve ao fato de que se reatualizam acontecimentos fabulosos,exaltantes,significativos;seassistedenovo às obras criadoras dos Seres Sobrenaturais; se deixa de existir no mundo de todos os dias e sepenetraemummundotransfigurado,auroral,impregnado da presença dos Seres Sobrenaturais. Não se trata de uma comemoração dos acontecimentos míticos, mas de sua reiteração. As pessoas do mito se fazem presentes, se tornam nossos contemporâneos. Isto implica também que não se vive já em um tempo cronológico, mas no Tempo primordial, o Tempo no qual o acontecimento teve lugar pela primeira vez. Por estarazãosepodefalarde‘tempoforte’domito:éoTempoprodigioso,‘sagrado’,noqualalgonovo, forte e significativo se manifestou plenamente. Reviver aquele tempo, reintegrá-lo o mais amiúde possível, assistir de novo o espetáculo das obras divinas, reencontrar os seres sobrenaturais e voltar a aprender sua lição criadora é o desejo que pode ler-se como em filigrana em todas asreiterações rituais dos mitos. Em suma, os mitos revelamqueomundo,ohomemeavidatêmumaorigem e uma história sobrenatural, e que esta históriaésignificativa,preciosaeexemplar.

(ELIADE, Mircea. A estrutura dos mitos – a importância do “Mito Vivo”. In: Mito, rito, símbolo – lecturas atropológicas. Coletânea organizada pelo Instituto de Antropología Aplicada, Quito, 1994, p. 113-114)

SAIBA MAIS

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4 CONHECIMENTO E VALIDADE

Como dissemos anteriormente, não nos contentamos com

apenas saber como as coisas são, mas também porque são como são.

Obviamentequeamaiorpartedasexplicaçõesdificilmenteconcorda

entre si, gerando o inevitável problema: qual das explicações é a

verdadeira?

Diante dessa questão podemos ter quatro atitudes gerais: o

ceticismo, o dogmatismo, o relativismo e o criticismo. Vejamos cada

uma delas.

1) A atitude céticaafirmaráquenãoépossíveltercertezaabsoluta

sobre coisa alguma e mesmo se existisse uma explicação

verdadeira sobre a realidade, jamais a conheceríamos. E

por que não? Bom, aqui as respostas dos céticos variam um

pouco. Uma delas atribui a razão aos limites de nosso próprio

aparato cognitivo: nossos sentidos são falhos (quantas vezes

pensamos ter ouvido ou visto algo e depois percebemos estar

completamente enganados?); nossa memória nos escapa ao

controle e não temos certeza se podemos lembrar sequer

do que comemos no jantar de ontem; nosso raciocínio, por

vezes, se confunde mesmo em operações simples. Com

uma percepção tão precária da realidade, como podemos

pretender um conhecimento certo e indubitável sobre o que

quer que seja?

Outro argumento empregado pelos céticos é que

mesmo asmentesmais brilhantes, os grandes filósofos da

humanidade, divergem em suas doutrinas sobre as questões

mais elementares. Ora, se os grandes sábios divergem entre

si, não é porque são tolos, mas porque existem questões cujas

respostasestãoalémdacapacidadehumanaderespondê-las.

Portanto, a atitude mais saudável para um cético é afastar-se

dos debates que não levam a parte alguma e tomar uma atitude

de distanciamento em relação a eles. Devemos, igualmente,

nos contentarmos com as verdades provisórias com as quais

lidamos todos os dias: de que o padeiro fará pão amanhã cedo;

que o cajueiro dará frutos a seu tempo etc. Mesmo sabendo

que tais fatos não passam de crenças justificadas e não

certezas absolutas; que algo que frequentemente acontece

poderá não acontecer ou que eu posso estar errado sobre algo

ou alguém. Uma atitude de suspeita frente a tudo e a todos

pode nos ajudar a evitar desapontamentos provenientes de

Figura1-Fonte:http://files.nireblog.com/blo-gs1/comportamentosdiferentes/files/ceticismo.jpg

44 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

umacrençaingênuaesemfundamentosfirmes.Moralmente

falando, um cético não considera que um determinado modo

de agir seja superior a outro e que existem tantas morais

quanto culturas humanas. Nenhuma delas pode reivindicar o

monopólio da verdade, portanto, viva e aja segundo a sua

cultura sem se preocupar em viver ou copiar a cultura dos

outros, pois todas elas valem o mesmo e estão igualmente

distanciadas da verdade que, talvez, sequer existe.

2) A atitude dogmáticaafirmaqueexistemverdadesuniversaise

imutáveis que servem de fundamento para outras verdades. Em

suaorigemnogrego,apalavradogmasignifica“decisão”,com

o passar do tempo tomou a acepção de princípio incontestável,

principalmente por seu uso religioso. As religiões não podem

ficardiscutindoseusfundamentosotempotodo,oqueacaba

dando margem a novas discussões e divisões internas. Por

isso,procuramfixaralgunsprincípios,chamadosdedogmas.

O problema é que, uma vez estabelecido, o dogma tende a

ser imposto aos discordantes, amiúde, de modo violento. O

dogmatismo torna-se, assim, um fundamentalismo intelectual

que confunde a defesa do seu ponto de vista com o combate

e exclusão das opiniões divergentes. Por outro lado, é difícil

estabelecer uma ciência ou teoria sem partir de princípios

indemonstráveis. Pois, se os princípios que fundamentam uma

teoria fossem eles mesmos deduzidos de outros princípios,

então seriam esses últimos os fundamentais e não os primeiros.

Na matemática, tais princípios indemonstráveis são chamados

de axiomas, que são sentenças hipotéticas iniciais das quais

se derivam outras sentenças, permitindo a construção de

sistemas, tais como a geometria euclidiana, por

exemplo. O problema é quando se supõe que

tais hipóteses são verdades inquestionáveis,

o que pode comprometer o processo de

investigação e descoberta nas ciências. Em

vários momentos de nossa história, muitas

ideias inovadoras, na ciência e nas artes,

encontraramumaforteresistênciadosque

se aferravam a velhos dogmas, como se

estes fossem verdades eternas e não meras

hipóteses de trabalho.

3) A atitude relativista aproxima-se da postura cética em sua

Figura 2Fonte: http://4.bp.blogspot.com

“beware-dogma-cross”

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desconfiançaquantoàpossibilidadedeencontrarmosverdades

universais. A diferença é que não se baseia em uma suspeita

generalizada sobre os órgãos dos sentidos, mas em colocar

o ser humano no centro de todo conhecimento. “O homem

é a medida de todas as coisas”, dizia Protágoras. Ou seja,

tudooqueexisteédependentedenossaformadepercebê-

los e de valorá-los. Quando as pessoas falam de maus-tratos

dos animais, obviamente não estão pensando em baratas ou

moscas. Seriam tais insetos menos animais que coelhos ou

gatos? Ocorre que julgamos o mundo segundo o nosso ponto

de vista ou o de nossa cultura. Então, inevitavelmente o que

pensamos está informado pela interpretação que temos sobre

determinado objeto. Por exemplo, você acha que o medo

de cobras é emnós algo natural? Pois não é! Se umbebê

encontrasse uma cobra sua reação provável seria a de brincar

com o animal. Só adquirimos o medo de cobra pela reação das

pessoas a nossa volta quando as veem ou falam sobre elas.

Poroutrolado,osentimentodepudoraoficarmosnusdiante

de outras pessoas, simplesmente não existe em determinadas

culturas, em que andar nu é visto como algo completamente

natural. Portanto, o que é verdade, ou certo para uma

determinada pessoa ou grupo pode não ser para outra. Tudo

é relativo. Tentar impor uma opinião como verdadeira é não

respeitar o pluralismo democrático de diferentes pontos de

vista. O máximo que podemos almejar é estabelecermos

alguns consensos provisórios válidos aqui e agora, mas que

poderão não valer mais amanhã, ou daqui a uma hora. Todo

ponto de vista deve ser respeitado, pois nenhuma opinião é

melhor que outra, apenas diferente.

Diante da impossibilidade de estabelecermos verdades

duradouras, os relativistas preconizam a tolerância e o

pluralismo tanto de opiniões quanto de conduta moral. No

limite, o relativismo coloca em xeque todos os princípios

universais, por exemplo, a ideia de direitos humanos.

Estariam as práticas de culturas ancestrais acima da moderna

Declaração Universal dos Direitos Humanos? Teriam culturas

ancestrais o direito de praticar a mutilação genital feminina

levando,muitasvezes,àmortedasvítimasdetalviolência?

Se reconhecermos que existem determinados direitos que são

universais e estão acima do que pensamos sobre eles, então

temos que admitir forçosamente que nem tudo é relativo.

46 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

4) A atitude críticaprocuraresponderaosdesafioscolocadospelas

posturas anteriores, ou seja, a um só tempo, escapar tanto do

ceticismo quanto do relativismo sem cair em um dogmatismo.

Muitos são os que tentaram realizá-lo, nem sempre com muito

êxito. Basicamente uma atitude crítica admite que embora

não possamos ter certeza absoluta sobre uma série de coisas,

comoafirmamoscéticos,podemosterconhecimentosseguros

sobre os quais é possível construirmos alguns consensos.

Mesmo um cético quando diz que não podemos ter certeza de

coisa alguma, pelo menos está admitindo uma certeza: a de

que não podemos ter certeza. Ou seja, de que há uma certeza

possível.Omesmoseaplicaaorelativismo,seafirmamosque

“tudo é relativo”, pelo menos essa frase não pode ser relativa,

pois, do contrário, haveria algo que não é relativo (a frase

“tudo é relativo”). Além disso, diante da ameaça de um ladrão

armado, nem o cético nem o relativista hesitariam em obedecer

às ameaças do ladrão, colocando em dúvida o ponto de vista

do ladrão ou a existência domesmo. Apesar dos sentidos,

às vezes, nos pregarem algumas peças, a realidade é algo

que independe da nossa vontade. Ignorá-la não é algo que

possa ser posto em questão como um exercício intelectual,

pois se um leão feroz vem em nossa direção, duvidar dele não

vai fazer com que desapareça e isso tampouco é uma mera

questão de ponto de vista.

Por outro lado, existem verdades como as da matemática ou

da lógica cuja validade independe do que possamos pensar sobre

elas, dois mais dois será sempre quatro, pois o número dois não varia

em seu valor, pois é, ele mesmo, uma idealidade.

Issosignificaqueosdogmáticosestãocertosaoafirmaremque

existem verdades eternas e universais? Não exatamente. O erro dos

dogmáticos é o de confundir aquilo que é idealidade com o que é real.

A realidade muda constantemente e, mesmo sem nos darmos conta,

estamos atuando para que tais mudanças continuem ocorrendo.

Afirmar que determinados dogmas valem para sempre é negar a

realidade e suas mudanças. Por exemplo, quando a humanidade

não passava de uns poucos milhões de indivíduos, o mandamento

“crescei-vos e multiplicai-vos” fazia sentido. Atualmente com a

humanidade na casa dos seis bilhões de indivíduos e aproximando-

se rapidamente dos dez bilhões, é preciso repensar tal mandamento

à luz de uma série de questões: haverá comida e água para todos?

Em caso contrário, deveríamos levar o mandamento a sério? O que

47PedagogiaUESC

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deveriam fazer os governos e a sociedade como um todo?

Em uma perspectiva crítica, o mais importante não é preservar

odogma,masgarantirquenossascrençassejamjustificadas.Isto

é, que tenhamos critérios para distinguir o que é válido e o que não

é, o que é eticamente aceitável ou não. Devemos nos ocupar mais

com as regras e critérios de verdade do que com os resultados de

tais processos. Pois, os resultados serão sempre provisórios, já que a

natureza está em processo de constante mudança e evolução, assim

como a sociedade e nós mesmos. Uma atitude crítica será sempre

falibilista, ou seja, sempre admitirá a possibilidade de estarmos

errados e, portanto, de que devemos estar abertos a rever nossos

conceitos e nos autocorrigir.

5 A VALIDADE DO CONHECIMENTO COMO PROBLEMA FILOSÓFICO

Desdeseusprimórdios,afilosofiatemfeitodoconhecimentoum

dos seus problemas centrais. Isso torna possível que acompanhemos

esse longo debate, em suas linhas gerais, no decorrer da história. Assim,

começando pela Antiguidade Clássica, faremos um percurso didático

como se existisse uma continuidade histórica que nos permitisse ir

de um filósofo a outro, como se estivessem eles respondendo ou

dialogando com os que lhe antecederam. É claro que, na realidade,

tanto em termos históricos quanto das problemáticas abordadas não

foi assim que aconteceu, mas quando estamos começando, preferimos

algumas ideias gerais sem contornos muito precisos a explicações

muito complexas e cheias de detalhes. Nesse sentido, achamos que

esta primeira aproximação será um bom começo, mas não esqueça

queésóumcomeçoequevocênãodevecontentar-secomele.

5.1 Em busca do fundamento

Os mitos gregos nunca forneceram explicações muito

convincentes sobre a realidade. Embora os mitos fossem muito ricos e

diversos, as preocupações cosmológicas e metafísicas não ocupavam

um lugar central na religião grega. Como aponta Moses Finley,

[...] a religião grega carecia de dogma e de teologia sistemática; os seus rituais podem ter sido emocionalmente estimulantes, mas as suas explicações resumiam-se ao mito e eram

48 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

insatisfatórias do ponto de vista intelectual. Este vazio da religião (e a correspondente ausência deuma igreja institucionalizada) conferiu à especulação uma invulgar liberdade de manobra: possivelmente, porque havia um vácuo a ser preenchido; negativamente, porque nem as classes dos homens nem os seus guardas terrenos se sentiam ameaçados pelas idéias, por mais ultrajantes que fossem (FINLEY, 1984, p.110).

Com explicações tão pouco consistentes era natural que

surgisse na Antiguidade Clássica, na Grécia, uma nova maneira de

propor respostas para as grandes perguntas da humanidade. Essa

nova formaficou conhecida comofilosofia. Conta-se que Pitágoras

foi o primeiro a usá-la; ao ser chamado de sábio, teria dito que era

apenasum“amantedasabedoria”,emgrego,filosofia(filo=amante,

amigo; sofia = sabedoria). Os primeiros filósofos, assim como

Pitágoras, eram antes de tudo sábios: matemáticos, astrônomos,

físicos, biólogos... Esses seriam os termos modernos que poderíamos

usarparatentardefini-los.Masnaquelaépocanãohaviaumaclara

distinção entre os vários campos de conhecimento. O conhecer, o

investigar, era isso que definia os filósofos, muito mais do que a

direção que a investigação tomava.

Preocupavam-se principalmente com o princípio ou fundamento

de tudo. Se vemos o mundo em constante mudança e agitação, seria

possível encontrar um fundamento ou princípio (arqué em grego)

de onde tudo teria surgido?Umdos primeiros filósofos a oferecer

uma resposta a essa pergunta foi Tales de Mileto (cerca de 625-558

a.C.); hoje muito mais conhecido por seus trabalhos em geometria

e matemática e o famoso “teorema de Tales”, com o qual conseguiu

medir a altura de uma pirâmide pela projeção de sua sombra.

Ele inaugurouafilosofiaaoafirmarque“tudoéágua”.Essa

frase pode nos parecer estranha e absurda hoje, mas ela revela duas

característicasimportantesquedistinguemopensarfilosóficotanto

da ciência quanto da religião. Difere da ciência, porque a ciência

estudaebuscarespostasparafenômenosparticulares.Aciênciase

ocupa de questões como se o colesterol faz mal a saúde ou se existem

planetas foradosistemasolar.Masaciêncianãodiznadasobrea

razão das coisas serem do modo como são e não de outra maneira, se

a evolução tem algum propósito ou se existe um sentido para a vida.

Aocontrárioda ciência, afilosofianão lida com fatosparticulares,

mascomogeral,comaquiloqueécomumàexperiênciadetodos

nós;oparticularnãodespertaointeressedosfilósofos,poisnãoestão

atrás do que é fundamento para isso ou aquilo, mas do fundamento

Pitágoras de Samos viveu entre 570 a.C. e 497 a.C., ficou famosopor terdesen-volvido o teorema que leva o seu nome (o teorema de Pitágoras), segundo o qual, em um triângulo retângulo, a soma do quadrado dos ca-tetos é igual ao quadrado da hipotenusa: C2 = A2 + B2

Além de ser o primeiro a usarapalavra“filosofia”, Pi-tágoras é também o primeiro adefiniramatemáticacomoum sistema de pensamento baseado em provas deduti-vas.

Figura 3 e 4 - Pitágoras e Teore-ma de Pitágoras

Fonte: http://pt.wikipedia.org

SAIBA MAIS

Figura 5 - Tales de Mileto.Fonte: http://upload.

wikimedia.org/wikipedia/commons/4/45/Thales.jpg

49PedagogiaUESC

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comumdetodaexperiênciahumana.Enquantoaciênciacaminhaa

passos seguros, indo de um experimento a outro e avançando muito

lentamente,afilosofiabuscadeumsaltoabarcarasíntesedetudoo

queexiste,indicandoparaciênciaquaisseriamashipótesesaseguir.

Afasta-se igualmente da religião por não usar de mitos e

fabulações para fundamentar seus pontos de vista. Assim, Tales falou

da água (de onde surgiu a vida em nosso planeta), um elemento

bastante conhecido de nós todos em sua busca de uma explicação

que fosse racional e não mágica. Afirma-se que Tales também

teria dito que “as coisas estão cheias de deuses”. O que pode ser

interpretado tanto como de uma forma mística, como quando se fala

hoje em dia de uma “energia”, quanto de forma dessacralizada como

se não houvesse uma fronteira que dividisse os limites do profano e

do sagrado. Em ambos os casos, percebemos a mesma intuição de

quetudoéum,dequeháumfundamentosecretoqueunificatodas

as coisas.

Outro componente que afasta definitivamente a filosofia

de qualquer religião é a ausência de dogmas. Dificilmente uma

religião pode sobreviver sem dogmas, legitimados por alguma força

sobrenatural.Afilosofia,porseuturno,temcomobaseunicamente

origorracionalqueasustenta.Porisso,muitoscriticamafilosofia

por nunca chegar a definições certas e indubitáveis, sempre

retomandodiscussõesantigassemencontrarumasoluçãodefinitiva.

Poroutro lado,éesta justamentea riquezadafilosofiaquenunca

impõe dogmaticamente um conhecimento, mas o submete à crítica

democrática como forma de aprimorá-lo e ampliá-lo. Se, por vezes,

nãoconseguimosencontrarumarespostadefinitivanafilosofia,pelo

menos alargamos nossa compreensão sobre os problemas, o que

significasabermelhorondeestamospisando.

Isso pode ser percebido mesmo entre os discípulos de Tales.

Anaximandro considerava que o elemento primordial não poderia ser

ele mesmo algo sujeito à mutação. Ora, a água é mutável, ela pode

congelar ou evaporar, então era necessário encontrar outro elemento

que não estivesse sujeito à mutação. Tal elemento seria o apeíron, que

podesertraduzidopor infinitoouilimitado.SegundoAnaximandro,

esse elemento seria indestrutível e teria gerado todas os outros sem

ter sido, ele mesmo, gerado por nenhum outro.

Anexímenes,tambémdeMileto,consideravaqueoarinfinito

teria sido a origem de tudo por um processo de condensação e

rarefação. Mas como um elemento pode gerar outros? É claro que

vemos as coisas mudando o tempo todo no mundo, o que é um bom

indicativo para pensarmos que isso tem uma causa, uma origem, mas

50 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

não explica o que põe o elemento primordial em movimento para gerar

os outros. Empédocles de Agrigento elaborou uma boa solução para

o problema. Ele achava que tudo era composto por quatro elementos

(fogo, terra, água e ar) em diferentes combinações. Duas forças

seriam as responsáveis pelas combinações dos elementos, a força

de repulsão (ódio) e a de atração (amor). Demócrito de Abdera, por

seu turno, achava que tudo era composto de átomos (do grego, não-

divisível). Se partirmos uma maçã ao meio, veremos que, por mais

afiadaquesejaafaca,nãoconseguimoscortá-lademodoquefique

uma superfície completamente lisa. Isso indica que existem partículas

infinitamentepequenasquenãopodemmaisserdivididasempartes

menores. Estas seriam as menores unidades possíveis de que tudo

o que vemos a nossa volta é formado. Mas como explicar que esse

único elemento, o átomo, possa formar coisas com cores, formas,

sabores e cheiros diferentes? Demócrito acreditava que os átomos

tinham diferentes formas, uns eram redondos, outros triangulares,

outros quadrados etc. Cada forma seria capaz de provocar uma

sensação diferente em nós, por exemplo, átomos redondos poderiam

provocar uma sensação de doce, enquanto pontiagudos teriam um

gosto amargo. O mesmo ocorreria em relação aos outros sentidos,

diferentes átomos provocariam sons mais graves ou agudos, cheiros

perfumados ou desagradáveis, de acordo com a sensação que a

figuradoátomoprovocaaoentraremcontatocomnossosórgãos

dos sentidos.

Ao olharmos as teorias dos primeiros filósofos sobre o

fundamento do universo à luz das descobertas científicas de hoje,

parece que todas elas se aproximaram em algum grau da verdade, ao

pensarem em combinação de elementos, forças de atração e repulsão

etc. O problema é que não havia na época os meios para testar qualquer

das hipóteses, permanecendo no nível puramente especulativo.

Por outro lado, as discussões sobre as

diferentes concepções acerca da origem

e modo de ser do universo permitiram

um grande desenvolvimento intelectual

por se travar em um ambiente livre da

coerção religiosa, sempre preocupada em

preservar os dogmas contra os dissidentes.

Com ela desenvolveu-se a lógica, como

forma de pensamento rigoroso baseado

em asserções garantidas. A filosofia

começava a dar seus primeiros passos

como um pensar que interroga a si mesmo Figura 6 - Moderna concepção do átomoFonte:http://www.algosobre.com.br/fisica/atomo.html

51PedagogiaUESC

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em busca da verdade.

5.2 Ser e não-ser

Em outra linha de investigação, Heráclito e Parmênides

buscaram entender os processos de geração e corrupção na natureza

como um todo.

Para Heráclito (540-470 a.C.), a verdade estava diante de

nossosolhos.Sevemosascoisasmudandoemumfluirconstante

éporqueestaéarealnaturezadascoisas:fluir.Heráclitodizia,por

exemplo, que não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio,

pois as águas já não são as mesmas e tampouco nós permanecemos

idênticosaqueméramosháumdiaouháumahora.Massetudo

muda como podemos conhecer a realidade? Conhecemos algo quando

podemos entender como algo se comporta, se podemos prever como

estará no futuro. Heráclito pensava ter encontrado a lógica secreta

queregeomovimentodetudooqueexiste:adialética.Paraofilósofo

de Éfeso, “o combate é de todas as coisas pai, de todas rei”. As coisas

mudam porque existe uma tensão constante em seu interior entre

forças contrárias que as põe em movimento. Por exemplo, quando

colocamosumavasilhacomáguanofogo,ofundoficamaisquente

que a parte de cima. O quente e o frio se opõem, então a água quente,

mais leve tende a subir, e a fria a fazer o movimento contrário. Depois

de um tempo vemos a água fervendo em um movimento que equilibra

novamente a água, distribuindo o calor. Ou seja, a luta dos contrários

não produz destruição, mas uma nova organização que dará lugar a

outra tensão da qual emergirá outra organização e uma nova tensão

em um processo contínuo. Assim, a tensão é uma força promotora

de harmonia: “o contrário é convergente e dos divergentes nasce a

mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia”. No curso do tempo

as tensões encontram seu ponto de equilíbrio gerando regularidade,

como se houvesse uma lógica disciplinando o caos.

ParmênidesdeEléia(cercade530a460a.C.),porsuavez,

acreditava que seguir pela via sensível era inevitavelmente trilhar

o caminho do erro, por considerar o ser e o não-ser como sendo o

mesmo.Ora,argumentaParmênides,sóoserpodeserpensado,já

que o não-ser não é. Tudo o que pode ser pensado é ser, o não-ser

sequerpodeserpensado,daíParmênidesconcluirquesóoserée

que o não-ser não é. Na mesma linha de raciocínio, conclui que o ser

é eterno, pois o ser não poderia vir do não-ser, tampouco ir do ser

para o não-ser, pois isso seria contraditório, logo o ser só pode ser

imutável. Igualmente, o ser não pode ter partes, pois, nesse caso,

Figura 7 - Heráclito, em detalhe do afresco pintado por Rafael, A Escola

de AtenasFonte: http://pt.wikipedia.org

52 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

haveria algo dele separado, ou seja, o ser teria algo em si que não

seriaidênticoasimesmo,oquenãoéserénão-ser.Ora,osernão

pode ser e não-ser ao mesmo tempo. Novamente somos forçados a

concluir que o ser é uno, indivisível e imutável.

Mas poderíamos alegar que na natureza não existe nada de

eternoeimutável,aoqueParmênidesresponderiaqueaverdadenão

precisa estar em conformidade com os sentidos, pois algo pode ser

verdade independente do que as pessoas pensem a respeito. Por mais

que as pessoas possam discutir sobre algo que viram ou ouviram,

dois mais dois será sempre quatro e isso nunca vai mudar. O que

mudasãoasaparências,oerroestáemtomaraquiloqueéaparente

como sendo a realidade última das coisas. Para nos afastarmos da via

doerro,devemosnosguiarunicamentepelarazãoenãoconfiarem

tudo o que nos informam os sentidos.

5.3 O real e o ideal

Platão (428-347 a.C.) foi discípulo de Sócrates, e após a morte

de seu

mestre fundou sua própria escola chamada Academia em

homenagemaodeusAcademus.Emsuaépocafloresciaademocracia

em Atenas. Muitos jovens que pretendiam se destacar na vida política

procuravam professores que pudessem lhes educar na arte de

argumentar e convencer os outros para ganhar as disputas no debate

político.Essesprofessoreseramchamadosdesofistasquesignifica

originalmente “sábio”.

Ossofistas,comoProtágoras(480-411a.C.)eGórgias(485-

380a.C.),eramrelativistaseafirmavamquenãoexistemverdades

eternas e imutáveis como pensava Parmênides, mas que tudo

depende daquilo que nós pensamos ser verdade em cada momento.

Por isso, defendiam a democracia como a melhor forma de se chegar

aumaverdade consensualmente emodificá-la para se adaptar às

exigênciasdecadaconjuntura.

Para Platão, esse relativismo era algo perigoso, pois

transformava a verdade em joguete dependente da opinião do

momento. Platão concordava com Heráclito de que a realidade é

algo que está sempre mudando, mas também estava de acordo com

Parmênidesnosentidoemquehácertascoisasquenuncamudam.

Do contrário, teríamos apenas opiniões (doxa), mas nunca um

conhecimento (episteme) sobre elas.

O que não muda são as ideias das quais as coisas são meras

Figura 8 - Platão: Busto Museu Louvre - UAB/UESC

53PedagogiaUESC

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cópias. As coisas podem mudar de forma e tamanho, mas a soma

dos ângulos internos de um triângulo será sempre 180 graus. O

que conhecemos da realidade não é o que percebemos através dos

sentidos, mas os modelos ideais imutáveis das quais elas são cópias.

Para entender melhor o que Platão quer dizer, imagine uma casa.

A pessoa comprou o terreno e nela vai erguer uma casa, o que faz

primeiro? Antes de tudo ele deve definir quantos cômodos a casa

vai ter, os materiais etc., de acordo com os recursos de que dispõe.

Então ele faz, ou pede a ajuda de um arquiteto, uma planta da casa,

um modelo ideal de como ela vai ser. Depois de construída, a casa

vai ser uma cópia da planta. Poderíamos construir centenas de casas

com a mesma planta e todas seriam iguais. Se alguém andasse por

umbairroemquetodasascasassãopraticamenteidênticas,oque

pensaria? Talvez que elas foram pré-fabricadas, ou que foi usada a

mesma planta para fazer todas elas. Com o tempo, as casas vão

ficando velhas e precisando de reformas, mas a planta continua

sempre a mesma. Se eu for para outra cidade e lá quiser fazer uma

casa igual a que tinha, é só seguir a planta.

Agora aplique esta ideia às coisas que vemos a nossa volta.

O que são? Todos os cães seriam variações de uma única ideia de

cachorro, nossas leis, tentativas imperfeitas de aplicar a ideia de

justiça, e assim por diante. Como as cópias são feitas de matéria

estão sujeitas à criação e à corrupção, nascem e morrem. É, por isso,

que vemos as coisas em constante mudança, mas mudam de acordo

com modelos que não variam. É, por isso, que mesmo que tenha

apenastrêsrodas,quesejamovidoaenergiaelétricaetenhaapenas

uma porta, podemos reconhecer imediatamente que se trata de um

carro, por corresponder à ideia que temos dele em nossa alma.

É inútil, portanto, buscar a verdade sobre o mundo nas coisas,

que são meras cópias das ideias eternas. Para Platão, existe a realidade

com a qual todos nós estamos acostumados que é o mundo sensível,

mas há também um mundo suprasensível, o mundo das ideias do qual

o nosso mundo é uma cópia imperfeita. Mas poderíamos perguntar a

Platão: se o mundo das ideias é separado do mundo sensível, como

possosaberqueeleexiste?Segundoofilósofo,podemossaberqueo

mundo das ideias existe porque já estivemos lá.

Temos em nós duas partes: um corpo corruptível e uma alma

imortal. Nossa alma imortal tem sua origem no mundo das ideias. Lá

contemplou as ideias de tudo o que existe antes de encarnar em um

corpo mortal. Assim, quando olhamos para algo, nossa alma lembra-

se das formas que contemplou antes vir ao mundo. Até mesmo uma

criança sabe quando foi injustiçada na partilha dos doces com seu

54 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

irmão, isso porque temos uma ideia inata do que seja justo. Da mesma

forma que somos capazes de perceber quando alguém fez uma conta

errada, ou quando o círculo não está perfeitamente redondo. Isso

porque temos em nossa mente os modelos ideais para podermos

avaliar a realidade. Nosso conhecimento consiste não em aprender,

mas em lembrar. Lembrar das formas ideais que contemplamos no

mundo das ideias.

Muitas almas permanecem no mundo das sombras e simulacros

da realidade, presas às cópias imperfeitas, no nível da mera opinião

sem nunca contemplar a verdade. Outras, porém, conseguem ver

as ideiaspor trásdasaparênciase sentemsaudadedo tempoem

que viviam no mundo das ideias e para lá querem voltar. Por isso,

elas buscam se afastar de tudo o que atrapalha a vida da alma, ou

seja, as necessidades e desejos do corpo, buscando ter uma vida

completamentededicadaàreflexãofilosófica.

Infelizmente, são poucos os que escolhem o caminho da

verdade e da filosofia. Estes são, atémesmo, vistos como loucos

pela maioria que vaga entre opiniões incertas. Por tentar retirá-los do

mundodesombraseilusõesemqueseencontram,algunsfilósofos

são perseguidos e até condenados à morte, como aconteceu com

Sócrates.Masofilósofonãopodeabandonarsuamissãodeemancipar

oshomensdesuasilusõesatravésdodiálogofilosófico,emqueas

almasfinalmentepodemencontraraverdadequeestánointeriorde

cada um de nós.

Resumindo a teoria do conhecimento de Platão: não podemos

ter mais do que opiniões incertas sobre o que sentimos ou percebemos

através dos sentidos. Por outro lado, podemos ter um conhecimento

certo e imutável sobre aquilo que reconhecemos através da razão,

como as verdades geométricas e matemáticas, por exemplo. Buscar

o conhecimento é, portanto, realizar um movimento de ascese

separando-se das imagens sensíveis em direção ao Sumo Bem, que

é a fonte de tudo o que é Bom, Belo e Verdadeiro. O método para

atingir a Verdade é a dialética:

O método da dialética é o único que procede, por meio da destruição das hipóteses, a caminho do autênticoprincípio,afimdetornarsegurososseusresultados, e que realmente arrasta aos poucos os olhos da alma da espécie de lodo bárbaro em que está atolada e eleva-os às alturas, utilizando como auxiliares para ajudar a conduzi-los as artes que analisamos (PLATÃO, 1987, p. 533c-d).

A função do educador, nessa perspectiva, é de questionar e

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problematizar as opiniões dos alunos através do diálogo, para que

eles próprios possam perceber as incoerências em suas opiniões

e reformular seus pontos de vista. Ou seja, o professor não deve

“transmitir” uma doutrina aos alunos como se eles fossem depósitos

vazios nos quais depositamos nosso saber. Como seres dotados

de uma alma racional, todos já têm dentro de si a verdade, falta

apenas ajudá-los a parir essa verdade através do diálogo. Colocando

as questões certas, qualquer um é capaz de se dar conta de que

muito do que julgava saber, na realidade, eram meras suposições e

hipóteses. Nós não damos a visão aos outros, nem emprestamos os

nossos olhos para que os alunos vejam através deles. O que fazemos

como educadores é corrigir o olhar na direção da verdade; o resto o

educando é capaz de fazer por si mesmo.

5.4 Aristóteles: conhecer através das coisas

Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos,

Aristóteles (384-322 a.C.) apresenta uma teoria do conhecimento

muito distinta da do seu mestre. Isso pode ser atribuído, em parte,

ao profundo interesse que Aristóteles tinha por investigar o mundo

natural realizando trabalhos em biologia e física, sem descuidar de

assuntos sociais como a ética e a política. Aristóteles achava que

nosso conhecimento surge, principalmente, da observação do mundo

sensível, para ele “nada está no intelecto sem antes ter passado pelos

sentidos”. Portanto, o dualismo platônico entre mundo das ideias

e mundo sensível, não faria o menor sentido, sendo apenas uma

projeção ideal do real.

Nós só podemos ter ideias daquilo que conhecemos através

daexperiência.Porexemplo,épossívelencontrarpessoasemterras

isoladasquenãotêmamínimaideiadoquesejaumcelular.Existem,

igualmente, pessoas cultas que vivem em grandes cidades que não

sabem dizer se jupará é uma ave, um mamífero ou uma fruta. Ou seja,

nós não temos ideias inatas de coisa alguma, nosso conhecimento

dependedenossograudeexperiência.

Por outro lado, nosso conhecimento não se limita em receber

osdadosdaexperiência.Seeuguardassecadaimagemdascoisas

comonumafotografiaemminhamentenãosaberiacomosepará-las

nem me referir a elas. Para conhecer é preciso reter apenas aquilo

queéimportanteesignificativoedesprezarosdetalhesirrelevantes.

Mas como saber o que é relevante e o que não é para poder separá-

los? Esse é o papel do nosso intelecto que realiza uma atividade

Figura 9 - AristótelesFonte: http://commons.wikimedia.org

56 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

extremamente importante que é a abstração.

Abstrair é um processo de separar o que é regular e acontece

sempre em todos os que pertencem a mesma espécie do que é

acidental, ou seja, que ocorre de vez em quando ou só em alguns

membros da espécie. Vamos usar um exemplo da biologia, em que

Aristótelesdeucontribuiçõesimportantes.Pergunta:Sevocêtivesse

que fazerumadefiniçãodo tipo“todosos insetos...”, comovocêa

construiria?

Coloque a sua resposta no espaço abaixo:

Todos os insetos ..............................................................

Bom, poderia colocar que todos os insetos põem ovos, mas

há outros animais que põem ovos e não são insetos. Que são seres

repulsivos, mas as borboletas são adoráveis e também são insetos.

Entendeuadificuldade?Paradefinirosinsetostemosqueencontrar

algo que está em todos eles e que os diferenciam dos demais, ou

seja, que diga porque uma aranha, uma centopeia, uma minhoca não

são insetos e uma barata, uma formiga e uma abelha são. É preciso

saber separar o que é essencial daquilo que são meros acidentes. No

caso dos insetos, ter asas não é essencial, mas no das aves sim. Pois

todasasavestêmasas,emboraalgumasdelasnãopossamvoar.

Oerrodossofistas(comoodemuitagenteaindahoje)éode

tomaralgoacidentalcomosendoaessência.Atravésdesseartifício,

diziam que não se pode determinar quem é Sócrates, porque se

Sócratesémúsico,entãoelenãoéfilósofo,seéfilósofo,entãonão

é músico. Ora, todos nós fazemos várias coisas sem que isso mude

nossaessênciaenquantoanimaisracionais.Animalracionaldefiniria

a nossa essência, se somos altos ou baixos, gordos ou magros,

asiáticos ou africanos, tudo isso são meros acidentes. Eliminados

todososacidentesoqueficariadecomumatodososinsetos?Todos

osinsetostêmseispernas.Aranhasnãotêmseispernas,entãonão

são insetos. Se abstrairmos mais, podemos buscar o que os insetos

têmemcomumcomospeixeseaves,entãodiremosquetodossão

animais.Eoqueosanimaistêmemcomumcomasplantas?Sãoseres

vivos, e assim por diante. E poderíamos ir mais longe, separando o

que é ser do que não é. E aqui chegamos à outra grande contribuição

deAristóteles:seoseréonão-sernãoé,comodiziaParmênides,

então como é possível o movimento?

ParaAristóteles,omovimentoéapassagemdapotênciaao

ato, os dois estados em que uma coisa pode estar. Uma semente

é uma árvore em potência, mas não em ato, pois uma semente

pode dormir por milhares de anos sem germinar. Quando germina, a

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sementetorna-seárvoreemato.Apassagemdapotênciaaoatoéa

causa do movimento.

Por outro lado, se as coisas mudassem aleatoriamente, não

poderíamosconhecê-las.Conhecerésaberacausadealgo.Setenho

dor de estômago, mas não sei a causa, também não posso me tratar.

Conhecendo a causa é possível saber não só o que a coisa é, mas o que

se tornará no futuro. Pois, se determinado efeito se segue sempre de

uma determinada causa, então podemos estabelecer leis e regras, tal

comoseoperanosváriosramosdaciência.Háváriostiposdecausas

entreasquaissedestacaacausafinalqueérazãopelaqualalgo

existe.Aciênciaqueestudaascausasúltimasdetudoéchamada

de filosofia. Por isso, a tradição costuma situar a filosofia como a

ciênciamaiselevadaoumãedetodasasciências,porseroramodo

conhecimento que estuda as questões mais gerais e abstratas.

5.5 A questão dos universais

DuranteaIdadeMédia,opensamentofilosóficosofreoimpacto

doencontroentreaculturahelenista,cujocentroéafilosofiagrega,e

a cultura judaico-cristã com a ascensão do cristianismo como religião

hegemônica no Ocidente.

O cristianismo, em seus primórdios, tinha uma fraca

institucionalização e ainda guardava algumas inconsistências

internas. O cristianismo rapidamente espalhou-se não só entre pobres

e escravos, mas conquistou adeptos também entre a elite letrada.

Poucoapoucofoisurgindoafilosofiaeteologiacristã,quebuscava

conciliar os ensinamentos das Sagradas Escrituras

comolegadofilosóficodaAntiguidade,notadamente,

com as filosofias de Platão e Aristóteles. Ou seja,

umgrandedesafioparaosfilósofoscristãoseraode

demonstrar que o caminho da fé e o caminho da razão

são duas formas de se chegar à verdade e que não são

contraditórios entre si. Sendo Deus a única verdade,

é possível por meios puramente racionais provar as

verdades que já conhecemos através da Bíblia. Por

exemplo, que Deus existe e é o Criador do universo.

Mas é enganoso pensar que toda filosofia

na Idade Média ocupou-se de questões relativas à

existênciadeDeus.Umdosdebatesmaisinteressantes

no que diz respeito à teoria do conhecimento, ficou

conhecido como a querela dos universais e estendeu-se Figura 10 - Jesus e seu amigo, ícone de Taizé - Ícone da Amizade.

http://www.diocese-algarve.pt/site/Sidx.php?name=News&file=article&Sid=1407

58 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

por séculos. Antes de entrar propriamente no debate, cabe esclarecer

o que são os universais.

Como vimos, Platão e Aristóteles foram dois marcos

fundamentaisnahistóriadafilosofia.Emboradefendessempontosde

vistaopostossobreaorigemdoconhecimento,elesdefiniramocampo

danossaexperiênciacognitivaaoestabelecerquetodoconhecimento

tem uma parte sensível e outra intelectiva. Para conhecer algo é

preciso que ele seja percebido pelos sentidos, mas isso ainda não é

suficienteparadizermosqueconhecemosoqueacoisaé.Épreciso

que reconheçamos tal objeto como pertencente a certa classe de

objetos e não de outra.

Para isso, eu preciso de um conceito. Conceito é uma

representação geral e abstrata de algo. Ele é um meio entre o sujeito

queconheceeoobjetoconhecido.Pormeiodelemerefiroàscoisas

no mundo e posso comunicar meus conhecimentos para outras

pessoas. O conceito pode ser considerado subjetivamente como ato de

conceituarouclassificarosobjetose,objetivamente,comoconteúdo

doato,ouseja,oqueoconceitosignifica.Porseucarátergerale

abstrato, os conceitos são considerados universais, ou seja, um termo

que é comum a muitos singulares, sem designar a nenhum deles em

particular, de modo que podemos dizer que os indivíduos singulares

Maria, João, José pertencem à humanidade (universal), mas nenhum

deles é a “humanidade”. Tampouco a humanidade é a mera soma dos

indivíduos que a compõem, pois, mesmo que sobrasse apenas um

ser humano na face da Terra, não seria ele menos humano por causa

disso. Como já deu para perceber, a questão dos universais revela a

complexa relação entre sujeito, conceito e objeto. Por exemplo, se

todos os gatos que existem desaparecessem, a palavra “gato” ainda

faria sentido?

O primeiro filósofo a expor o problema dos universais foi

Porfírio (232 – 304) no prefácio de sua Introdução às categorias

de Aristóteles (Isagoge). Recusando-se a tomar partido em favor

de Aristóteles ou Platão, Porfírio limita-se a enunciar a natureza do

problema:antesdequalquercoisa,noqueserefereaosgênerose

às espécies, a questão é saber se eles são realidades em si mesmas,

ou apenas simples concepções do intelecto, e, admitindo que sejam

realidadessubstanciais,sesãocorpóreasouincorpóreas,se,enfim,

são separadas ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo estes.

Detalhando um pouco a questão de Porfírio, ideias gerais são

categorias que abrangem vários indivíduos. Dependendo do seu grau

deabstração,elaspodemsergêneroouespécie.Indodomaisgeral

para o particular, poderíamos ilustrar a relação da seguinte maneira:

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Gênero Espécie IndivíduoAnimal Homem Sócrates

A espécie é o que está mais próximo do indivíduo, por isso,

oqualificamelhor.SedigoquePingoéumcão,vocêpodeteruma

ideia melhor do que ele é do que se dissesse simplesmente que

Pingoéumanimal.Poroutrolado,seogêneroémaisindefinido,é

também mais amplo e designa uma quantidade maior de indivíduos.

Muitobem,jáentendemosoquesãogêneroseespéciesagorafalta

definiroquesãoeles,ouseja,sesãorealidadessubsistentesemsi

ousimplesconcepçõesdonossoespírito.Comovocêlembra,Platão

achava que as ideias eram independentes das coisas, existindo por si

mesmasemummundoàparte.JáAristótelesachavaquegênerose

espécies eram abstrações realizadas por nosso intelecto, só existindo

enquantocoisasenuncaforadelas.SeficamoscomPlatãooucom

Aristóteles, dependerá também da resposta à segunda questão: se o

universal tem algum suporte na realidade, ou seja, se ele é corpóreo

ou incorpóreo. Supondo que sejam incorpóreos, cabe ainda perguntar

se existem independentemente das coisas ou somente unidos a elas.

Boécio (470-525) logo percebeu omagnífico programa que

as questões de Porfírio anunciavam. Além disso, viu nelas uma

oportunidade de apresentar uma solução capaz de conciliar Platão e

Aristótelesemumaúnicateoria.Inicialmente,ofilósofolatinoconcorda

com Aristóteles sobre a impossibilidade de ideias gerais serem

substâncias,jáqueosgêneroseasespéciessãocomunspordefinição,

e o que é comum a vários indivíduos não pode ser um indivíduo. Por

outro lado, imaginemos que

as ideias gerais são simples

representações de nosso

espírito, isto é, que nenhum

objeto corresponda na

realidade às ideias que temos

deles. Mas um pensamento

sem objeto não é sequer um

pensamento. Logo, é preciso

que os universais sejam

pensamentos de alguma coisa.

A solução proposta por Boécio

é que nossos sentidos nos

comunicam as coisas no estado

de confusão. Nosso espírito,

Figura11-FilosofiadeconsolaçãoInicial. Iluminura de um manuscrito da De Consolatione Philosophiae, feita em Itália no ano de 1385, mostrando Boécio a ensinar os seus pupilos.

Fonte: “Boécio” http://pt.wikipedia.org

60 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

porém, tem a capacidade de distinguir nos corpos as propriedades

que se encontram misturadas e separá-las. O espírito extrai dos

serescorpóreosoqueelestêmdeincorpóreo,comoosgêneroseas

espécies. Os universais são, portanto, incorpóreos, mas abstraídos dos

seres corpóreos. Ocorre que, uma vez abstraídos, podemos pensá-los

independentemente dos corpos, por exemplo, quando pensamos em

um leão alado.

A solução, apresentada por Boécio, não foi suficiente para

dirimir todas as questões, por exemplo, como o intelecto consegue

separar exatamente aquilo que é o universal na coisa? Seria o

universal algo que existe na realidade ou apenas uma abstração de

nosso intelecto?

5.6 Nominalismo e realismo

No decorrer da Idade Média, duas posições extremadas

se desenvolveram, o Nominalismo e o Realismo. Guilherme de

Champeaux (1070-1120) foi um dos representantes do realismo,

diziaelequeanaturezaouessênciadealgo–porexemplo,deum

homem–éúnicaeidênticaemtodososindivíduosdosquaispodemos

predicar “homem”. Os indivíduos seriam meras variações acidentais

danaturezaoudaessência.

Um dos discípulos de Guilherme de Champeaux, Pedro Abelardo

(1079-1142), logo percebeu o problema que a ideia de universais nas

coisas (universale in re) poderia criar e colocou o seu mestre em

dificuldadesaoproporquesePlatãoéumhomemeSócrateséum

homem, e se só existe uma única natureza humana, então Platão é

Sócrates.

No extremo oposto, Roscelino (1050-1120), negava que os

conceitos fossem algo distinto de sua expressão linguística, os nomes

não eram mais do que sons arbitrários (flatus vocis) que associamos

a determinados objetos. Fora de nosso intelecto só existem os seres

singulares. Para os nominalistas, os conceitos universais são criações

do nosso intelecto e não têm existência fora da mente. Usamos

conceitos para nos referirmos às coisas, mas tais conceitos não são

uma propriedade das coisas, existindo exclusivamente em nossas

mentes. Se a mente forma os conceitos a partir das coisas, por perceber

semelhanças entre elas, ou se já possui em si mesma os conceitos

que associa às coisas, em ambos os casos, os conceitos permanecem

comosendoumaproduçãointelectualsemcorrespondênciaanada

de real fora da mente.

Nominalismo admite que nenhuma substância

metafísica se esconde por trás das palavras: as pretensas

essências não são além de palavras ou signos que

representam coisas sempre singulares.

Realismo afirma a existência de coisas exteriores a nós e independentes do que pensamos sobre elas.

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A partir do século XII começa a se desenvolver uma versão

moderada de realismo com Pedro Abelardo, com importantes

desdobramentos em Tomás

de Aquino (século XIII). Tomás de Aquino teve a vantagem, em

relação a Abelardo, de contar com a tradução das obras de Aristóteles

para o latim. Assim pode incorporar elementos aristotélicos em seu

realismo moderado. Os realistas moderados aceitavam os seguintes

testes como forma de resolver o problema:

1. as únicas coisas que existem são os indivíduos particulares;

universais enquanto universal, isto é, enquanto predicável

de muitos, existem somente na mente;

2. o que os universais significam (sua compreensão) está

fundada imediatamente nas coisas, mas encontram seu

fundamento último nas ideias divinas; nesse sentido,

existem universais nas coisas e universais anteriores às

coisas;

3. todososnossosconceitosvêmdaexperiência,poisnãohá

ideias inatas.

Portanto, os realistas moderados concordam com os

nominalistas nos pontos 1 e 2. Concordam, em parte, com os realistas

extremados no ponto 3, mas precisam encontrar uma maneira de

evitaroproblemadaidentificaçãodePlatãoeSócratescomosendo

o mesmo ser humano. Finalmente, no ponto 4, eles rejeitam tanto o

inatismo como o sensorialismo (que os conceitos não são mais do que

imagens captadas pelos sentidos).

Para Tomás de Aquino, os indivíduos são compostos de matéria

e forma, sendo a matéria o princípio de individuação. A forma (em

nosso caso a alma) ao se unir à matéria (corpo) forma os indivíduos

(Sócrates, Platão, Maria...) como unidades indissociáveis. Nosso

intelecto, porém, é capaz de percebê-las como separadas através

do processo de abstração. Nossos sentidos imprimem uma imagem

de um objeto físico em nossa mente. Essa impressão ou imagem

é chamada por Aquino de fantasma. Nosso intelecto agente abstrai

das imagens a forma (o padrão inteligível) que está impressa em

nosso intelecto passivo (que somente a recebe dos sentidos). Esta

forma, recebida pelos sentidos, impressa em nosso intelecto passivo

e abstraída pelo intelecto agente, é o conceito.

A posição de Aquino ainda encontrou objeções entre seus

sucessores. João Duns Escoto objeta em favor do realismo de que se

nosso intelecto é capaz de abstrair a forma das coisas é porque algo

Figura 12 - Tomás de AquinoFonte: “Saint Thomas Aquinas” http://commons.wikimedia.org/

62 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

de geral, algo de regular existe na natureza: se o universo fosse um

puro caos, não poderíamos abstrair coisa alguma, pois cada evento

seria único. Ora, se podemos ver traços comuns nos particulares é

porque tais traços existem não em nossa mente, mas na realidade.

Contrariamente, Guilherme de Ockham advoga uma posição

conceitualista-nominalista. Para ele, só os objetos singulares são

reais, as abstrações que fazemos deles existem apenas em nossas

mentes. O conceito de “mamífero” não mama, nem tem sangue

quente, é apenas uma característica geral que usamos para designar

um grupo de indivíduos, mas o mamífero, em si, não é algo real.

De certa forma, a querela dos universais não terminou junto

comofimdaIdadeMédia.ElaatravessouaEraModernachegando

até os nossos dias, ganhando contornos cada vez mais elaborados.

6 ATIVIDADES

Asquestõesaseguirtêmcomoobjetivoajudarafixartudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.

1. Qual a relação entre mito e conhecimento?2. Qual a função social do mito?3. Comoaexplicaçãofilosóficasedistinguedareligiãoedaciência?4. Como podemos atingir a verdade segundo Platão?5. Qual a crítica que faz Aristóteles à teoria do conhecimento de

Platão e a solução que este apresenta para o problema?6. O que são os universais?7. Qual a diferença entre nominalistas e realistas sobre a questão

dos universais?

ATIVIDADES

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7 RESUMINDO

As questões sobre quais os conhecimentos que são realmente

confiáveis ocuparam corações e mentes desde os primórdios da

nossa história. A princípio, as perguntas direcionavam-se para o

sentido da vida e do universo, o que gerou os grandes horizontes

desentidoecompreensãocomoasreligiões,osmitoseafilosofia.

Diferentementedareligião,entretanto,afilosofiabuscoucriaruma

explicação puramente racional do universo sem recorrer às imagens

míticas e religiosas para fundamentar seus argumentos. Entre as

teoriasfilosóficasdoconhecimento,destacam-seasdePlatão,que

acreditava que o mundo em que vivemos é uma mera cópia das formas

ideais, e a de Aristóteles que achava que o conhecimento é resultado

de umprocesso de abstração do intelecto a partir da experiência.

As posições de Platão e Aristóteles também alimentaram o debate

medieval sobre os universais gerando duas posições antagônicas: o

nominalismo e o realismo.

8 REFERÊNCIAS

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São

Paulo: Edições Paulinas, 1989.

FINLEY, M. I. Os gregos antigos. Lisboa: Edições 70, 1984.

HINKELLAMMERT, Franz. As armas ideológicas da morte. São

Paulo: Edições Paulinas, 1983.

PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Petrópolis: Vozes,

2006.

WIENER, Norbert. Cibernética y sociedad. Buenos Aires, 1969.

RESUMINDO

REFERÊNCIAS

64 Módulo 2 I Volume 2 EAD

As Teorias do ConhecimentoTeoria do Conhecimento

Suas anotações

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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:

• compreender como as ciências mudaramdefinitivamentenossacivilizaçãoearelaçãoentreciênciaeomodoracionalistadepensar.

OBJETIVOS

O CONHECIMENTO NA ERA MODERNA

3ªunidade

1 INTRODUÇÃO

Uma série de eventos marca o início da Era Moderna: a

Reforma Protestante, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, a

RevoluçãoCientíficaetc.Taiseventossão,porsuavez,resultadode

um longo processo histórico de vários séculos. Não cabe aqui explicá-

losemdetalhe,apenasgostaríamosquevocêtivesseemmenteque

a modernidade não surgiu do nada, como que por milagre. Por outro

lado, a Era Moderna marca uma nova maneira de pensar e agir no

mundo em que o sujeito se coloca no centro do universo e passa a

se orientar por regras que ele mesmo criou de modo autônomo. As

diferentesesferasdavida(economia,política,arte,ciência,direito)

se tornam autônomas umas em relação às outras, e não mais todas

unificadas em torno deumaúnica instituição: a IgrejaCatólica. A

Reforma Protestante abriu caminho para esse processo, mas não foi

só ela, havia uma insatisfação crescente de uma nova classe social – a

burguesia – com o conjunto de regras e costumes do mundo medieval,

que impediam o pleno desenvolvimento da sociedade burguesa,

juntamente com as inovações tecnológicas empregadas na indústria

nascente. Aos poucos, a burguesia foi dando forma à nova sociedade

nascente com o fortalecimento do Estado e sua separação do poder

eclesiástico. A burguesia patrocinou também o desenvolvimento das

artesedasciências,produzindoumaverdadeiraRevoluçãoCientífica

noséculoXVII.ComaRevoluçãoCientíficafirmou-seumnovomodo

de pensar e entender o mundo, centrado no sujeito pensante como

fontedetodoconhecimentopossível,essemovimentofilosóficoficou

conhecido como Racionalismo.

UNIDADE 3O CONHECIMENTO NA ERA MODERNA

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3

2 A CIÊNCIA MODERNA E O RACIONALISMO

As grandes conquistas da ciência

moderna estão tão incorporadas ao nosso

cotidiano, que nos é difícil pensar como era o

mundo antes delas. Desde crianças sabemos

que a Terra é redonda e gira em torno do Sol,

porque vemos isso o tempo todo em filmes

e desenhos animados. A lei da inércia nos

parece algo observável e achamos absurdo

que alguém possa colocá-la sob suspeita.

Mas nem sempre foi assim. O cosmos

medieval era bem diferente, as pessoas

acreditavam que a Terra era plana, pois é

isso que vemos quando olhamos em direção

ao horizonte, e que ocupava o centro do

Universo. Acreditavam também, como o

filósofoAristóteles,queasleisquegovernam

o movimento dos astros não são as mesmas

que governam o movimento no mundo sublunar, ou seja, que existe

uma física terrestre e uma física celeste. O que possibilitou a união

entre as duas físicas foram as descobertas astronômicas de Galileu

Galilei, Kepler e Isaac Newton: mostraram que as leis que governam

o movimento dos astros são as mesmas que governam o movimento

dos corpos aqui na Terra. Por isso, podemos considerar que a física

moderna nasceu com sua lei mais fundamental: a lei da inércia que

estabelece que um corpo permaneça em repouso ou em movimento

retilíneouniformesenenhumaforçaexteriorofizermudardeestado.

Isso parece muito lógico e produto da observação dos fenômenos,

mas ninguém nunca viu “um movimento de inércia, pela simples razão

de que tal movimento é inteiramente impossível” (KOYRÉ, 1991, p.

184). Como assim?

Veja o exemplo: um carro sai de Ilhéus em direção a Itabuna,

supondo que a distância entre as duas cidades é de 30 km e o carro

corre a 60km por hora, em quanto tempo chegará a Itabuna?

Resposta: em meia hora.

Naprática,porémnãofuncionaassim,háaresistênciadoar,

o vento, os buracos na estrada, o trânsito, subidas, descidas... Mas

nada disso é levado em conta porque são fatores imponderáveis. Ou

seja, não dá para prever exatamente todos os possíveis problemas

que podem ocorrer, apenas aproximativamente. Então, o que os

físicos fazem é usar um modelo abstrato que nos garante um bom

SAIBA MAIS

Lei da inércia, também conhecida como primeira lei de Newton,afirmaquetodocorpocontinuaemseuestadoderepouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele. Essa lei se aplica a todos os corpos dotados de massa, e pode ser demonstrada através de eventos simples, como quando o ônibus dá uma freada brusca e todos os passageiros tendem a continuar o movimento em que se encontravam, ou seja, seus corpos são impulsionados para frente.

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70 Módulo 2 I Volume 2 EAD

O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento

grau de precisão.

Naciênciamoderna,comosabemos,oespaçorealseidentifica

com o da geometria, e o movimento é considerado como uma

translação, puramente geométrica, de um ponto a outro. Daí porque o

movimento não afeta, de modo algum, o corpo que dele está dotado.

O fato de estar em movimento ou em repouso não produz qualquer

modificaçãonocorpo.Estejaemmovimentoouemrepouso,eleé

sempreidênticoasimesmo.

Se o corpo é indiferente ao movimento ou ao repouso,

como saber se ele está parado ou em movimento? Por exemplo, a

velocidade de rotação da Terra é de 1674 km por segundo, mas nós

não sentimos o seu movimento, se ela parasse repentinamente, aí

sentiríamos os seus efeitos, e como! A única maneira de sabermos

se algo está em movimento ou se está parado é em relação a outro

corpo.Sevocêestiveremumtremeoutroestiveremparelhadoao

seueumdosdoiscomeçarasemover,vocêsósaberáseéomeu

ou o do vizinho quando já não estiverem mais alinhados. Isso porque

quando o meu trem está se movendo, quem se move é a paisagem,

pois tudo dentro do trem continua no mesmo lugar. Daí, podemos

concluir que todo movimento é relativo. Ora, isso era muito difícil

de ser compreendido na Idade Média, e mesmo hoje, ainda existem

pessoas que acham que a Terra está parada. Para criar uma nova

teoria do conhecimento era precisomodificar nossa visão habitual

dascoisasenossaconfiançaceganossentidos.

Os sentidos percebem primordialmente qualidades, a

epistemologia aristotélica parte da abstração das qualidades para

separaroqueéessencialdoqueécontingente.Aciênciamoderna,

porém, realiza o processo inverso: ela parte de modelos abstratos

para descrever como são os fenômenos. Nesses modelos não há lugar

para qualidades, apenas para extensão e medida. Parte-se de modelos

geométricos e matemáticos simples para derivar as leis mecânicas que

regem o universo. O problema é: em que se fundamenta esse novo

conhecimento? O que me garante que os corpos tendem a continuar

o movimento em que se encontram por força da inércia e não porque

sofrem a ação do ar, ou outro meio qualquer, que os impelem? As

novas ideias da mecânica clássica já não cabiam dentro de uma visão

de mundo aristotélica, era preciso uma nova epistemologia que fosse

compatível com a nova ciência, basicamente, a ideia de evidência

como conformação entre ideia e o objeto intuído pelos sentidos.

As bases dessa nova teoria do conhecimento foram elaboradas

por René Descartes (1596-1650) que, além de filósofo, realizou

estudos em mecânica, óptica e medicina. Sem falar no famoso

SAIBA MAIS

A óptica é um ramo da Física que estuda a luz ou, mais amplamente, a radiação eletromagné-tica, visível ou não.

Figura 2 - René Descartes por Frans HalsFonte: “Descartes”

http://commons.wikimedia.org/

71PedagogiaUESC

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plano cartesiano, que tem esse nome em sua homenagem, e que é

uma síntese entre álgebra e geometria. Em seu Discurso do método,

publicado originalmente em 1637, Descartes relata sua admiração

pela precisão da matemática e da geometria, enquanto em outros

campos de conhecimento não havia consenso sobre coisa alguma,

principalmente na filosofia. Por isso, Descartes coloca a simesmo

odesafiodeencontrarum fundamento suficientementefirmepara

alicerçartodasasciências.OmétodoempregadoporDescartesfoide

[...] jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida (DESCARTES, 1987, p. 37).

Descartes começa por suspeitar do conhecimento sensível,

pois os sentidos enganam: quando colocamos um lápis em um copo

d’água vejo o lápis como se estivesse quebrado, mas na realidade

não está. Da mesma forma vejo o sol bem maior no poente do que

quando está a pino, mas é o mesmo sol. Ora, se os sentidos enganam

como posso ter certeza de quando estão me informando algo

verdadeiro ou falso? Na dúvida, é melhor rejeitar todo conhecimento

querecebemosatravésdossentidos.Bom,possoaindaconfiarnas

ideias que tenho e que não recebi dos sentidos, por exemplo, as

demonstrações matemáticas e da geometria, certo? Ora, mas quando

dormimos, imaginamos coisas que não existem. Então como garantir

que minhas ideias não eram também ilusórias?

Vocêconheceahistóriadosábiochinêsquesonhouqueera

uma borboleta e depois não sabia se era um sábio que havia sonhado

que era uma borboleta, ou uma borboleta que sonhava que era um

sábiochinês?Comodistinguirnossaslembrançaseideiasverdadeiras

das falsas?

Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo,eratãofirmeetãocertaquetodasasmaisextravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo,comooprimeiroprincípiodaFilosofiaqueprocurava (DESCARTES, 1987, p. 46).

Se eu duvido, penso, se penso, sou uma coisa que pensa, se

72 Módulo 2 I Volume 2 EAD

O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento

agora estou pensando, então eu existo, eis aí algo que é verdade e

que resiste a cada tentativa minha de duvidar dela. Isso porque é

algo evidente, ou seja, algo que se apresenta clara e distintamente

ao meu espírito, de modo que não preciso perguntar qual seria o

fundamento desse fundamento, por se tratar de uma verdade que se

impõe por si mesma. Mas o que difere a fundamentação de Descartes

detodafilosofiaanterior?

Primeiro, porque Descartes procura fundamentar o

conhecimento sem ter que recorrer a Deus como primeiro princípio e o

fazrequalificandooconceitodeevidência.EvidênciaéparaDescartes

uma certeza intuitiva tal como o era para os medievais, mas uma

evidência que não é umapercepção imediata de umobjeto e sim

aquilo que é claro e distinto. As percepções sensórias não passam

por esse crivo, visto que os sentidos enganam. A única coisa que

não pode ser posta em dúvida é o sujeito pensante em que se funda

todo conhecimento. Dessa forma, se quero saber se uma das minhas

ideiaséverdadeiranãobastaverificarseelacorrespondeaumobjeto

(comonafilosofiaaristotélica),masseelaseapresentademaneira

clara e distintamente ao meu espírito como uma certeza intuitiva da

qual não posso duvidar.

O critério de validade do conhecimento passa da relação do

sujeito com os objetos, para a relação entre o sujeito e suas próprias

representações mentais. As sensações são ilusórias e a única forma

de conhecimento certo é o que pode ser representado como res

extensa, ou seja, o que pode ser mensurável, como os objetos da

física e das matemáticas.

Filosofia aristotélica Filosofia cartesiana

Verdade é a adequação entre o intelecto e a coisa pensada > relação do sujeito com os objetos.

Verdade é o que é claro e distinto > relação entre sujeito e suas representações mentais.

3 INATISMO E EMPIRISMO

Apesar do sólido fundamento que nos fornece Descartes, ainda

ficasemrespostaaquestãodosuniversais.Lembradaquerelados

universais na Idade Média? Se as ideias gerais existiam apenas em

nosso intelecto ou se eram reais? Pois bem, Descartes resolve essa

discussãoafirmandoquenóstemos ideias inatas.“As idéiasgerais

já estão no espírito, são os instrumentos que o Criador nos dotou

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para fundamentar a aquisição de verdades. Por isso as idéias são o

verdadeiro ponto de partida” (LEOPOLDO; SILVA, 1987, p.179).

Tal solução não pareceu muito convincente para o filósofo

inglês JohnLocke(1632-1704),quepropôsumasoluçãoempirista

para o problema do conhecimento. A palavra empiria vem do grego e

se refere ao conhecimento que adquirimos não a partir do raciocínio

lógico,masdaexperiênciasensível.Paraosempiristas,todonosso

conhecimentotemsuaorigemnaexperiência,emboranãosereduza

a ela.

Para Locke, nossa mente é como uma folha de papel em branco

na qual as impressões sensíveis vão se depositando. Através de

processos mentais, essas impressões sensíveis vão se transformando

em ideias. “Precisamente o que distingue uma ideia de uma impressão

é que a ideia é menos vivaz, tem menos força do que uma impressão”

(LEOPOLDO E SILVA, 1987, p. 179). É como pensar em uma pessoa

conhecida, nossa mãe, por exemplo, imediatamente nos vem a

imagem da pessoa, seu jeito, a expressão do seu rosto, e talvez

até possamos sentir um odor agradável que nos leva diretamente a

nossa infância. Mas quando penso na ideia geral de homem, ou de ser

humano, não penso em ninguém em particular, talvez sobre apenas

uma silhueta sem rosto, sem cor da pele, ou seja, toda a vivacidade vai

embora. Assim, nossas ideias são compostas a partir de impressões,

sem elas, nossa mente permaneceria vazia. Por exemplo, poderíamos

achar que 5 + 5 = 10 é uma verdade universal da qual nenhum ser

racional poderia discordar, certo? Pois bem existem tribos de índios,

como os pirarrãs que não sabem contar até 10. O que mostra que os

conceitos universais, não são tão universais assim.

Além disso, mesmo nossa imaginação, por mais livre que

possaparecer,estápresaàexperiência.Vejaoquedizoutrofilósofo

empirista, David Hume (1711-1776):

Mas, embora nosso pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, examinando o assunto mais de perto vemos que em realidade ele se acha encerrado dentro de limites muito estreitos e que todo o poder criador da mente se reduz à simples faculdade de combinar, transpor, aumentar ou diminuir os materiais fornecidospelossentidosepelaexperiência.Quandopensamos numa montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias compatíveis entre si, ouro e montanha, que já conhecemos anteriormente. Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois os nossos sentimentos nos levam à concepção de virtude,eestapodeunir-seàfiguraeformadeumcavalo, animal que nos é familiar. Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam da sensação

Figura 3 - John LockeFonte: http://commons.wikimedia.org/

74 Módulo 2 I Volume 2 EAD

O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento

interna ou externa; só a mistura e composição destas dependem da mente da vontade. Ou para expressar em linguagem filosófica, todas as nossas ideiasou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas (HUME, 1987, p. 134).

Hume vai ainda mais longe em suas conclusões, ao propor

que, assim como não existem ideias inatas, tampouco existe um

fundamento para nossa crença na causalidade.

Hume se questiona sobre o que nos permitiria estabelecer

relações entre fatos isolados, tais como “A causa B” generalizado para

“sempre que ocorrer A teremos B”. Relações como essas não podem

ser derivadas dos próprios fatos, pois esses não trazem inscritos

em si mesmos nenhuma normatividade que diga como eles devem

se comportar necessariamente. Ou seja, que o sol tenha nascido

hoje não implica, por necessidade, que virá a fazê-lo novamente

amanhã. A normatividade que admitimos em determinados eventos,

tais como “o sol nascerá amanhã”, é derivada, segundo Hume, de

nossatendênciapsicológicaemformarhábitos.Ohábitodeveralgo

ocorrer sempre do mesmo modo nos induz a acreditar que no futuro

as coisas seguirão como antes. Mas essa é uma disposição puramente

psicológica que, em última análise, não legitima qualquer fundamento

lógico do entendimento ou razão.

Este princípio é o costume ou o hábito. Visto que todas as vezes que a repetição de um ato ou de uma determinada operação produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou a mesma operação, sem ser impelida por nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos sempre que esta propensão é o efeito do costume (HUME, 1987, p.86).

Comotodososfatossãoparticulares,nãopodeaexperiência

ser a fonte de nossos conhecimentos, pois não se pode derivar regras

universais de casos particulares. Daí que todo o nosso conhecimento

se assenta em uma disposição psicológica de nosso espírito não

tendo, portanto, uma base racional. O que não quer dizer que tal

conhecimentonãosejaindispensávelparaaconstruçãodaciênciae

paraassegurarasobrevivênciahumana.Apenassuasbasesnãotêm

a necessidade e a validade de que dispõe a forma dedutiva pura da

racionalidade lógico-formal das matemáticas, que não se referem a

coisas realmente existentes.

O costume é, pois, o grande guia da vida humana. Éoúnicoprincípioquetornaútilnossaexperiênciae nos faz esperar, no futuro, uma série de eventos

Figura 4 - David HumeFonte: http://commons.wikimedia.org/

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semelhantes àqueles que apareceram no passado. Sem a influência do costume, ignoraríamoscompletamente toda questão de fato que está fora do alcance dos dados imediatos da memória e dos sentidos. Nunca poderíamos saber como ajustar osmeiosemfunçãodosfins,nemcomoempregarnossas faculdades naturais para a produção de um efeito.Seria,aomesmotempo,ofimdetodaaçãocomo também de quase toda especulação (HUME, 1987, p.87).

4 KANT E AS CONDIÇÕES DE VALIDADE DO CONHECIMENTO

ImmanuelKant(1724-1804) fazdaafirmaçãodeHume,de

quenãoexisteumfundamentoempíriconecessárioàciênciaemuito

menos para a metafísica, o seu ponto de partida. Ele radicaliza o

problema da validade de nosso conhecimento, para além do conceito

de causalidade que Hume tinha examinado, buscando fundamentar

toda forma de conhecimento. Para tanto, Kant diferencia as formas

de conhecimento entre a priori e a posteriori.

Os conhecimentos a posteriori são aqueles adquiridos através

daexperiência.Essetipodeconhecimentonãoapresentadificuldades,

poisaexperiêncianãoénadamaisqueumacontínuajunçãoousíntese

de percepções. A validade dessa forma de conhecimento, porém,

não pode se assentar unicamente na experiência, como já havia

demonstrado Hume. A questão que se coloca, portanto, é se existem

conhecimentos a priori, ou seja, conhecimentos absolutamente

independentesdaexperiênciaeque,pornãoestaremmescladosa

nada de empírico, são também chamados por Kant de puros. Tais

conhecimentos seriam não só independentes da experiência, mas

constituiriam as próprias condições de possibilidade de toda e qualquer

experiência.Dessaforma,seriapossíveldemonstrarque,aocontrário

doquepensavaHume,oconhecimentoadvindodaexperiêncianãoé

fruto de uma mera atividade psicológica do sujeito, mas possui uma

base de validade objetiva.

Semelhante condição poderia ser o fundamento de todas as

formas de conhecimento por seu caráter universal e necessário, ambos

critériosqueestãoausentesnaexperiênciaempírica.“Necessidadee

universalidade rigorosa, são, portanto, seguras características de um

conhecimento a priori e também pertencem inseparavelmente uma à

outra” (KANT, 1987, p. 26). A tarefa da Crítica da razão pura, como

o próprio nome já indica, é a de examinar as condições a priori da

Figura 5 - Immanuel KantFonte: http://commons.wikimedia.org/

76 Módulo 2 I Volume 2 EAD

O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento

validade do conhecimento.

Além da distinção entre conhecimentos a priori e a posteriori

é também fundamental a distinção que Kant opera entre juízos

analíticos e sintéticos. Os juízos analíticos são aqueles que não trazem

um novo conhecimento, mas apenas esclarecimentos para aquilo que

já se conhece, por exemplo, quando se diz: “os corpos são extensos”

não se acrescenta nenhum conhecimento, pois no conceito de corpo

já está contido o conceito de extensão. Portanto, se abstrairmos

de um corpo qualquer de suas características contingentes como

cor, cheiro, textura etc., sobrará uma característica que se aplica a

todos os corpos em quaisquer circunstâncias: a de ser extenso. No

caso dos juízos sintéticos é que Kant introduz algo completamente

original,poisalémdosjuízosdeexperiênciaquesãotodossintéticos,

Kant se pergunta pela possibilidade de existirem juízos sintéticos a

priori. Esses juízos estariam presentes como princípios em todas as

ciênciasteóricasdarazão:namatemática,nafísicaenametafísica.

Nesse sentido, o problema geral da razão pura poderia se resumir na

questão: como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Ao invés de

investigarosobjetosquesãoinfinitos,Kantsevoltaparaoexameda

própria faculdade que fornece os princípios do conhecimento a priori,

a razão. “Pois a razão é a faculdade que fornece os princípios do

conhecimento a priori. Por isso a razão pura é aquela que contém os

princípios para conhecer algo absolutamente a priori” (KANT, 1987, p.

34).

A crítica teria principalmente uma utilidade negativa de

“purificaçãodanossarazão”impondolimitesàlivreespeculaçãoda

metafísica. Ao exame da razão pura, Kant denominou de filosofia

transcendental. “Denomino transcendental todo conhecimento que

em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com nosso modo de

conhecimento de objetos na medida em que esse deve ser possível

a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia

transcendental” (KANT, 1987, p. 35).

Segundo Kant, há dois troncos do conhecimento, “sensibilidade

e entendimento: pela primeira os objetos são-nos dados, mas pelo

segundo são pensados” (KANT, 1987, p. 36). As formas a priori pelas

quais os objetos são dados são o tempo e o espaço e pelas quais

eles são pensados são as categorias do entendimento. O múltiplo das

representações é a receptividade, mas a ligação do múltiplo não pode

advir dos sentidos. Ela é um ato da espontaneidade, da capacidade

de representação. Toda ligação é um ato de síntese do entendimento,

não pode ser dada pelos objetos, tampouco surgir de si mesma. “Esta

unidade, que precede a priori todos os conceitos de ligação, não é

77PedagogiaUESC

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3

aquela categoria da unidade, pois todas as categorias se fundam

sobre funções lógicas em juízos, mas nestes já é pensada a ligação e,

por conseguinte, a unidade de conceitos dados” (KANT, 1987, p. 80).

Resta saber, portanto, como se origina essa unidade.

Kantdefineaatividadedesíntesecomo“aaçãodeacrescentar

diversas representações umas às outras e de conceber a sua

multiplicidade num conhecimento” (KANT, 1987, p. 68). A síntese

de um múltiplo, seja ele puro (como as formas do espaço e do

tempo) ou empírico, não deriva desse múltiplo, mas algo que lhe é

adicionado. Ou seja, a síntese é transcendental “não só porque se

processa a priori, mas também porque condiciona a possibilidade de

outros conhecimentos a priori” (KANT, 1987, p. 88). A atividade de

síntese revela o papel autônomo das faculdades do sujeito que não

se restringem a um papel de mera recepção dos dados dos sentidos,

como afirmavam os empiristas,mas um papel ativo de legislação

sobre esses dados relacionando-os a conceitos, princípios e regras,

garantindo-lhes uma objetividade que a mera experiência jamais

poderia oferecer. Por outro lado, Kant se afasta do idealismo por não

seremasfaculdadesdosujeitoasprodutorasdosdadosdaexperiência,

já que a sensibilidade tem uma função meramente passiva de recepção

da diversidade sob as formas do espaço e do tempo. A imaginação é a

faculdade responsável por sintetizar as aparições da sensibilidade em

representações. Mas para que tais representações possam se tornar

um conhecimento são necessárias duas coisas. Primeiro, a unidade

deumaconsciêncianaqualasrepresentaçõesdevemestarligadas. Aunidadesintéticadaconsciênciaé,portanto,umacondição objetiva de todo o conhecimento, de que precisonãoapenasparamimafimdeconhecerumobjeto, mas sob qual toda intuição tem que estar a fim de tornar-se objeto para mim, pois de outra maneira e sem essa síntese o múltiplo não se reuniria numaconsciência(KANT,1987,p.83).

Em segundo lugar, o conhecimento implica uma relação

necessária com o objeto, ou seja, o diverso representado deve ser

reconhecido em um objeto (isto é uma cadeira, aquilo um livro etc.).

Essas duas determinações do conhecimento têmuma profunda relação. As minhas representações são minhas, na medida em que estão ligadas na unidadedeumaconsciência,detalmodoqueo‘Eupenso’ as acompanhe. Ora, as representações não se unemassimemumaconsciência,semqueodiversoque elas sintetizam se relacione, por isso mesmo, a um objeto qualquer. Não há dúvida de que só

78 Módulo 2 I Volume 2 EAD

O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento

conhecemosobjetosqualificados(qualificadoscomotal ou tal por uma diversidade). Mas nunca o diverso se relacionaria a um objeto se não dispuséssemos da objetividadecomodeumaformaemgeral(‘objetoqualquer’, ‘objeto= x’). De onde vem essa forma?O objeto qualquer é o correlato do Eu penso ou da unidadedaconsciência,éaexpressãodoCogito, sua objetivação formal. Do mesmo modo, a verdadeira fórmula (sintética) do Cogito é: eu me penso e, ao me pensar, penso o objeto qualquer ao qual relaciono uma diversidade representada (DELEUZE, 1976, p. 29-30).

É, portanto, a atividade de síntese do entendimento que garante

a validade objetiva do conhecimento. “A unidade transcendental da

apercepção é aquela pela qual todo o múltiplo dado numa intuição

é reunido num conhecimento do objeto” (KANT, 1987, p. 84). Ela

permitequeosujeitosedêcontadesuasrepresentaçõeseasconecte

umas às outras no fluxo da consciência, permitindo que o sujeito

tenhaumconhecimentoreflexivosobreelas.

Kant considera a unidade da apercepção “o princípio supremo

de todo conhecimento humano” (KANT, 1987, p. 82). É ela que

garante a validade objetiva do conhecimento, ou seja, que lhe dá

universalidade e necessidade.

Dessa forma, Kant pretendeu ter demonstrado que a validade

objetiva de nossos conhecimentos deriva da atividade legisladora

do entendimento que constitui as leis a que todos os fenômenos

estão submetidos do ponto de vista de sua forma. Na atividade do

conhecimento, a faculdade do entendimento é dominante, já que a

“razão pura deixa tudo ao encargo do entendimento que se refere

imediatamente aos objetos da intuição ou, antes, à sua síntese na

capacidade de imaginação” (KANT, 1988, p. 22).

79PedagogiaUESC

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3

6 REFERÊNCIAS

Veja a série de textos elaborada por Josué Cândido da Silva sobre

a teoria do conhecimento na página do UOL - Educação: http://

educacao.uol.com.br/filosofia/teoria-conhecimento-1.jhtm

DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural,

1987. (Coleção Os Pensadores).

DELEUZE, Gilles. Para ler Kant. Rio de Janeiro: Francisco Alves

Editora, 1976.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano.

São Paulo: Nova Cultural, 1989. (Coleção Os Pensadores).

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Volume I. São Paulo: Nova

Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores).

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Volume II. São Paulo:

Nova Cultural, 1988. (Coleção Os Pensadores).

KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico.

São Paulo: Forense Universitária, 1991.

LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Teoria do Conhecimento. In: VVAA.

Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1987.

5 ATIVIDADES

Asquestõesaseguirtêmcomoobjetivoajudarafixartudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.

1. Qual o fundamento de todo conhecimento possível segundo Descartes?2. Explique as diferenças entre o inatismo e o empirismo sobre os fundamentos do conhecimento?3. Explique, segundo Kant, como são possíveis os raciocínios sintéticos a priori.

REFERÊNCIAS

ATIVIDADES

80 Módulo 2 I Volume 2 EAD

O Conhecimetno na Era ModernaTeoria do Conhecimento

Suas anotações

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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:

• dominar os conceitos de paradigma, método científico,falseabilidadeehermenêutica.

OBJETIVOS

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

4ªunidade

UNIDADE 4CONHECIMENTO CIENTÍFICO

1 INTRODUÇÃO

Antesdefalarsobrearelaçãoentreciênciaeconhecimento,

alguns conceitos prévios são necessários. Como já foi visto, só se

pode conhecer o que se repete, o que tem regularidade. Um disco

voador que aparece para dois viajantes ou um fantasma que assusta

ummoradorsolitárionãosãoassuntodaciência.Porisso,ufologia

ouparapsicologianãosãociência,nãoporqueosseusobjetossejam

estranhos, pois existem ciências bastante estranhas, mas porque

tratamdefenômenosquenãoserepetem,quenãotêmregularidade.

Se fosse possível marcar uma entrevista com um ET, então estaríamos

nocampodaciência.Algoécientíficoquandotemcertaregularidade

e é previsível. Um exemplo disso são os cometas.

Cometas antigamente eram vistos como sinal de maus

presságios; que um novo rei iria surgir; ou que grandes catástrofes

iriam acontecer. Foi assim no nascimento de Jesus antecedido por

uma estrela, e que o rei Herodes interpretou como um novo rei que

nasceria, então mandou matar todos os meninos. Em 1696, Edmond

Halley descobriu que muitos dos cometas dos quais havia registro,

eram na verdade um único cometa que percorria uma órbita em torno

do Sol a cada 76 anos. Assim, os cometas deixavam de ser mensageiros

de maus presságios e passavam a ser objetos, não muito familiares,

mas previsíveis e explicáveis. Tão explicáveis quanto as chuvas de

marçoouovírusdagripe.Masnãosefazciênciadoextraordinário,

embora este possa despertar muito interesse do grande público, pois

popularidadenãoéomotorprincipaldaciência.

Halley previu ainda que em 1758, 16 anos depois de sua morte,

o cometa passaria novamente próximo da Terra, em sua homenagem,

o cometa recebeu o seu nome. Halley não era um bruxo ou um profeta

quefaziaprevisõesinexplicáveis,suadescobertaestavafirmemente

apoiada em uma teoria desenvolvida por outro grande cientista, Isaac

Newton. Seu trabalho foi o de relacionar a teoria de Newton a corpos

que, embora não fossem planetas, estavam sujeitos às mesmas leis

que regem todos os fenômenos do universo. E isso nos dá uma noção

85PedagogiaUESC

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4

do que faz o cientista: ele procura dar uma explicação racional para

os fenômenos, como faz o filósofo, mas testa a verdade de suas

teorias confrontando-as com os experimentos, ou efeitos que elas

predizem. Por exemplo, Aristóteles dizia que quanto mais pesado é

um corpo, mais rápido ele cai, porque a aceleração é proporcional ao

peso do objeto. Isso parece muito razoável de se pensar e durante

muitos séculos ninguém duvidou da verdade de Aristóteles. Somente

noséculoXVII,GalileuGalileifoicapazdedesafiaraautoridadede

Aristóteles propondo um experimento que poderia colaborar ou negar

a teoria de Aristóteles.

Anovidadeaquiéqueumateoriacientíficanãoésomenteuma

construção lógica,elaprecisasercomprovadapelaexperiência.Eu

posso até ser muito religioso e achar que a Terra é plana como a Bíblia

diz e não redonda como demonstrou Galileu. Mas, independentemente

do que eu possa pensar, se viajar ao Japão, terei que ajustar o

meu relógio ao novo fuso horário, adiantando-o em doze horas. Ou

seja, a realidade é algo que se impõe a nós, indiferente as nossas

idiossincrasias.Asteoriascientíficasnãosãoparaseremacreditadas

ou não, pois sua verdade não depende de nós acreditarmos nela, mas

de sua comprovação através do confronto com a realidade. Se resistir

aos fatos, então a teoria é válida.

Existem pessoas que dizem não acreditar na teoria da evolução

de Darwin. Mas Darwin não era nenhum Nostradamus para se

acreditar ou não. Suas teorias são fruto de pesquisas e observações

ATE

ÃO

TESTANDO UMA TEORIA

Esseexperimentovocêtambémpoderepetiremsuacasa:

pegue dois objetos sendo um o dobro do peso do outro (duas

pedras, por exemplo). Segure-os até a altura dos seus ombros,

então, os solte ao mesmo tempo e observe o que aconteceu.

Marque a teoria que melhor corresponde aos fatos:

a) quando o objeto mais pesado já tinha atingido o chão, o outro

ainda estava na metade do caminho (teoria de Aristóteles);

b) os dois caíram quase que ao mesmo tempo no chão (teoria de

Galileu);

c)oquevocêobservou?Qualateoriaquecorrespondeaosfatos?

86 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

empreendidas durante décadas em várias partes do mundo. Se não

concorda com Darwin, é simples: monte um experimento que mostre

queDarwinestavaerrado.Emciência,nenhuma teoriaésagrada;

assim que se prova que ela estava errada, prontamente é substituída

e a velha teoria vira assunto dos historiadores da ciência. Agora,

vejamosalgomaissobreométodocientífico.

2 A LÓGICA DA CIÊNCIA

Antes de falar sobre a lógica da ciência é preciso recordar

umpoucosobreostrêstiposdeinferência.Inferênciaéoprocesso

deconcluirumaafirmaçãodeoutrasafirmações.Porexemplo,“hoje

está sol”, logo podemos inferir que “está um ótimo dia para ir à praia”.

Existemtrêsprocessosdeinferência:dedução,induçãoehipótese.

A dedução é o processo em que, partindo de premissas verdadeiras

e gerais, chegamos a uma conclusão igualmente verdadeira. Um

exemplo clássico é:

1. Todo homem é mortal.

2. Sócrates é homem.

3. Logo, Sócrates é mortal.

Nessecaso,asafirmações1e2sãopremissase3,aconclusão.

Se a verdade das premissas está garantida, a da conclusão também

estará, bastando que, para isso, sigamos as regras de validade dos

silogismos dedutivos. Uma delas é que o termo médio, que é o que

permite ligar uma premissa com a outra (no caso, o termo homem), não

deve aparecer na conclusão. Outra regra é que, na dedução, sempre

vamos do geral para o particular e de premissas particulares nada se

conclui. Portanto, em uma dedução, nós aplicamos conhecimentos

já garantidos a casos particulares que são uma aplicação dos casos

gerais. Logo, a verdade de uma conclusão é sempre universal e

necessária, ou seja, válida em todo tempo e lugar e independente

de circunstâncias particulares, pois ela extrai sua verdade de seu

aspecto formal.

Ao contrário da dedução, a indução vai do particular para

o geral. Por exemplo, ao observar que sol nasce todos os dias por

volta das seis damanhã, posso afirmar que ele nascerá amanhã.

O problema da indução é que sua verdade não é garantida como

na dedução, pois parte de casos particulares e contingentes, cujo

contrário é sempre possível. Um caso histórico que ilustra isso é o

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do cisne negro. Até 1697, na Europa, se pensava que todos os cisnes

eram brancos, então quando a Austrália foi descoberta, lá estavam os

cisnes negros e séculos de certeza desabaram. Isso acontece porque,

muitasvezes,nossaamostranãoésuficiente.Porexemplo,alguém

está fazendo café na cozinha, bem na hora em que está colocando

açúcar, toca o telefone e ela precisa ir atender. Outra pessoa chega e

experimenta o café. Como o açúcar está todo no fundo ainda, ela pensa

queestásemaçúcarecolocamais.Oresultadovocêpodeimaginar...

Oproblema,nessecaso,équeaamostranãoerahomogênea.Em

pesquisas de opinião que trabalham com probabilidades, tenta-

se cobrir a heterogeneidade da população, selecionando-se grupos

representativos do conjunto, por exemplo, se metade da população

é composta de homens e a outra de mulheres, a pesquisa deve

refletirestedadonouniversodosseusentrevistados.Quantomais

se aproximar da realidade do total do universo da população, mais

precisa será a pesquisa, contudo, a margem de erro sempre existirá,

pois uma pesquisa só teria 100% de credibilidade se entrevistasse a

população inteira, mas aí não seria uma pesquisa, além dos custos

serem imensos.

Oúltimocasode inferênciaéahipótese. A hipótese é uma

inferênciacompoderexplicativocomoadedução,masqueprecisa

de confirmações para que possa ser demonstrada. Se confirmada,

a hipótese transforma-se em lei ou teoria, se negada pela não

ocorrência de suas previsões, a hipótese é abandonada em favor

de outra. Por exemplo, um fazendeiro encontra ossos enormes em

sua propriedade e chama um professor da universidade local. Esse

conclui que aquele osso parece ser do braço de um animal, mas é

grande demais para ser de um elefante, ou de uma girafa. Então

conclui que deve ter pertencido a um animal que era muito grande,

mas que não existe mais atualmente. Se puder encontrar mais ossos,

e, até mesmo, reconstruir parte do esqueleto, poderá corroborar

suahipótese.Emboramuitospensemqueasdescobertascientíficas

ocorram por fatores puramente acidentais e de ordem psicológica,

há epistemólogos, como Hans Reichenbach, que postulam que a

hipótese é um processo lógico, cujos passos podem ser reconstruídos

posteriormente. Dessa forma, Reichenbach distingue a “lógica da

descoberta” em que a hipótese surge e é testada, e a “lógica da

justificação”emqueateoriaéexplicada.

Vamos ver se você entendeu a diferença entre dedução,

indução e hipótese? Faça corresponder a coluna da esquerda com os

exemplos na coluna da direita:

88 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

a) hipótese ( ) Esses feijões são daquela saca. Esses feijões são brancos. Logo, todos os feijões daquela saca são brancos.

b) indução ( ) Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são daquela saca. Logo, esses feijões são brancos.

c) dedução ( ) Todos os feijões daquela saca são brancos. Esses feijões são brancos. Logo, esses feijões são daquela saca.

3 A LÓGICA DA PESQUISA CIENTÍFICA

Oprocessocientíficopodeserdescrito,demodoideal,assim:

1. Observa-se um fenômeno ainda sem explicação, mas que é

possível de se determinar e estudar, pois acontece regularmente.

Por exemplo: observamos que o vinho azeda mesmo estando

em barris bem fechados. Por que será que isso acontece?

2. Formulamos hipóteses explicativas ou teorias: seria o

azedamento do vinho resultado de sua instabilidade química?

Vemos certos produtos mudarem suas características quando

expostos ao calor ou à luz. Ou seria isso resultado da ação de

organismos tão pequenos que seriam invisíveis a olho nu, mas

que estariam no vinho mesmo antes de ser embalado?

3. Formular uma dedução que possa ter a forma de um enunciado

experimental:

Para hipótese 1: O vinho azeda quando muda as condições de

temperatura ou de luminosidade. Logo, se expuser o vinho à

luz ou ao calor ele azedará.

Para hipótese 2: O vinho tem microorganismos dentro, mesmo

antes de ser colocado nos barris. Os microorganismos provocam

o azedamento do vinho. Logo, se eles forem eliminados o vinho

não azedará

4. Testar a hipótese através de um experimento:

Testando a hipótese 1: expor o vinho a luz está descartado

logo de início, pois as adegas são escuras e o vinho azeda

mesmo assim. Seria o calor? As adegas também são frias, mas

elevo a temperatura do vinho só para ver o que acontece. O

vinho não azeda.

Testando a hipótese 2: se existem microorganismos no vinho,

deve ser possível observá-los com o microscópio. Examino

89PedagogiaUESC

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4

o vinho no microscópio e vejo os tais microorganismos. Mas

seriam eles os causadores do azedamento do vinho? Se

eliminá-los e o vinho não azedar isso provará que temos um

culpado. Aqueço o vinho por certo período a temperatura de

55°C, para que ele não perca suas propriedades como sabor e

aroma,apenasosuficienteparamatarasbactérias.

5. Se a hipótese é falseada, ou seja, o enunciado experimental

não produziu o efeito previsto, então ela é descartada e

passamos para outra hipótese. Se ela funciona, então ela é

corroborada. Isto é, passouno teste.Mas issonão significa

que ela é verdadeira, apenas que é a melhor que temos. Pois

podem existir situações em que ela não funcione e terá que

ser revista.

6. Se a hipótese é corroborada, ela pode tornar-se uma teoria.

No caso da hipótese 1, ela é falsa. O vinho não azeda por

um problema químico, já que reações químicas não ocorrem

espontaneamente. A hipótese 2 mostrou-se correta, já que

o vinho sem bactérias não virou vinagre. Como funcionou

tãobemparaovinho,ficamostentadosatestarcomoutros

alimentos que também estragam como leite, cerveja, sucos etc.

Funciona também para eles, então se torna uma tecnologia, ou

seja,umadescobertacientíficaaplicadaàprodução.

Quem realizou a descoberta da causa da fermentação foi Louis

Pasteur em 1864. O método de aquecer os alimentos, durante certo

tempo para matar os microorganismos responsáveis pela fermentação,

recebeu o nome de pasteurização em sua homenagem. Mas além

de sermos muito agradecidos a Pasteur por ter nos permitido a

degustação de vinhos e cervejas, o que nos interessa aqui é a lógica

dapesquisacientífica.

SegundoofilósofoKarlPopper(1902-1994),aciência

empírica não se caracteriza pela unidade em torno de seus

objetos de pesquisa, mas sim pela sua metodologia. Tal

metodologia, porém, não se limita à estrutura lógica das

teorias (ausência de contradição interna). Do contrário,

quando estivéssemos diante de duas teorias muito

coerentes internamente não poderíamos dizer qual delas é

a melhor (no nosso exemplo, tanto a hipótese 1 como a 2

são bastante razoáveis). Portanto, faz-se necessário outro

critério metodológico, além da forma lógica das teorias para

determinar o que é uma teoria empírica. Como vimos, no

Figura 1 - Louis PasteurFonte: http://commons.wikimedia.org/

90 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

exemplo acima, o critério é a falseabilidade, isto é, a possibilidade de

submeter a teoria a testes.

No entanto, não se pode testar a teoria como um todo, visto

que as teorias são formadas de enunciados universais. Para poder

testá-las, deve-se poder extrair conclusões, isto é, efeitos previstos

pela teoria que sejam observáveis. Tais efeitos são denominados por

Popper de enunciados básicos. Para que uma teoria seja falseável é

necessário que possua falseadores potenciais, isto é, os enunciados

que a contradizem, ou que ela exclui ou proíbe.

A teoria será falseada se houver algum enunciado básico que

a contradiga e que seja aceito. No entanto, o que permite que esse

enunciado seja aceito pelos cientistas, de modo que, tão logo este

se apresente, todos possam acatá-lo e dar por refutada a teoria?

Popper acredita que este acordo seja possível dada a objetividade

científica que estabelece o consenso na comunidade científica.

Objetivo quer dizer algo que independe do capricho de qualquer

pessoa,poisqualquerumpodetestá-laeentendê-la.Ouseja,oque

fazcomqueumenunciadocientíficosejaaceitoporvárioscientistas

éapossibilidadedesubmetê-losempreatestes.Paraqueostestes

sejam realizáveis, os cientistas têm de estar de acordo sobre as

normas e padrões aceitos pela comunidade científica. Portanto, o

que caracteriza a objetividade científica é o consenso acerca das

regrasquegovernamosprocedimentoscientíficos.Esseacordoentre

os cientistas é renovado a cada instante, cada vez que a teoria é

submetidaatestesafimdecorroborá-laedessaformaampliarsua

aproximação da verdade ou de falseá-la. O que torna o consenso dos

cientistas possível é o fato de estarem empenhados em submeter as

teorias a testes.

4 AS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS

Descrita da forma como faz Popper, a ciência parece um

ambiente racional em completa ordem, moldado por procedimentos

universalmente aceitos. Mas na prática as coisas não são bem assim.

Thomas Kuhn (1922-1996), em seu livro A estrutura das revoluções

científicas, questiona algumas das ideias centrais de Popper. A começar

pela ideia de que experiência e observação podem determinar o

consensodacomunidadecientíficanaescolhadasteorias.Issonão

querdizerquea experiêncianãoseja relevante,apenasqueeste

fatornãoé“porsisó”odeterminante,comoafirmaPopper,naescolha

dasteorias.Issoporque,segundoKuhn,oqueunificaacomunidade

Figura 2 - Karl PopperFonte: http://www.nndb.com/

Figura 3 - Thomas KuhnFonte: http://www.enc.hu/

91PedagogiaUESC

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científicanãoéauniformidadedesuametodologiaesimofatode

partilharem de um mesmo paradigma. Mas o que é um paradigma?

Paradigmatornou-seumconceitoqueficounamodadurantemuito

tempo, graças ao livro de Kuhn. É comum se encontrar títulos como:

“novos paradigmas em educação”, na administração de empresas etc.

Mas nas palavras do próprio Kuhn, paradigmas são “as

realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante

algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma

comunidadedepraticantesdeumaciência”(KUHN,1991,p.13).É

baseada nos problemas e soluções modelares que se praticam na

pesquisa científica, que Kuhn caracteriza o que chama de “ciência

normal”. Durante os períodos de ciência normal, a comunidade

científica está pouco preocupada com as regras da metodologia

científica,podendoavançaratémesmonaausênciadelas.

A falta de uma interpretação padronizada ou de uma redução a regras que goze de unanimidade não impede que um paradigma oriente a pesquisa. A ciência normal pode ser parcialmente determinadaatravés da inspeção direta dos paradigmas (KUHN, 1991, p. 69).

Nesse sentido, fica descartada a possibilidade de uma

“objetividadecientífica”assentadaemregrasaceitaspelacomunidade

científica,comodefinePopper.Pois,emperíodosemqueoparadigma

responde satisfatoriamente aos resultados esperados pelos cientistas,

estes não estão preocupados em falseá-lo. Por exemplo, até para

Einstein prevalecia a visão newtoniana de tempo e espaço como

coisas absolutamente distintas. Como poucos fenômenos não se

encaixavam nessa visão, os cientistas não se preocupavam em refutá-

lo.“Aciêncianormal[dizKuhn]nãosepropõeadescobrirnovidades

no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem sucedida, não as

encontra” (KUHN, 1991, p. 77).

Imagine as milhares de pesquisas que estão sendo

desenvolvidas em universidades e grandes laboratórios privados sobre

genética. Algumas delas estão ocupadas em mostrar que não são os

genes que determinam determinadas características ou anomalias?

Claro que não! É justamente o contrário, todas estão ocupadas em

saber quais os genes que determinam quais características nos seres

vivos.Ouseja,sedependerdaciêncianormal,nenhumconhecimento

revolucionário na genética ocorrerá intencionalmente, mas por acaso.

Como já vimos, para Popper o procedimento para corroborar

uma teoria ou refutá-la é o de tentar falseá-la através de confrontação

comaexperiênciaempírica.Kuhnconsideraqueaescolhadasteorias

92 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

não passa por tal critério metodológico.

Nenhum processo descoberto até agora pelo estudo histórico do desenvolvimento científico assemelha-se ao estereótipo metodológico da falsificação pormeio da comparação direta com a natureza (...) o juízo que leva os cientistas a rejeitarem uma teoria previamente aceita, baseia-se sempre em algo mais do que essa comparação da teoria com o mundo (KUHN, 1991, p. 108).

Além disso, não é possível decidir entre dois paradigmas

concorrentes dada a sua incomensurabilidade. Ambos utilizam-se de

argumentos circulares que satisfazem os critérios que o paradigma

atribui a si mesmo, mas que é incapaz de satisfazer alguns dos critérios

ditados pelo paradigma concorrente. Isso se deve ao fato de estarem

tratando o mesmo problema sob aspectos diversos, ou melhor, por

seremparadigmasdenaturezadiferente.“Atradiçãocientíficanormal

queemergedeumarevoluçãocientíficaénãosomenteincompatível,

mas muitas vezes verdadeiramente incomensurável com aquela que

a precedeu” (KUHN, 1991, p. 138).

Incomensurabilidade quer dizer que uma nova descoberta

científica não aproveita nada da teoria antiga, pois parte de um

paradigma diferente que, muitas vezes, significa pensar de uma

maneira completamente nova. Quando mudamos de paradigma, a

nossavisãodomundoedeciênciatambémmuda.

Por exemplo, até o século XVII não havia uma teoria geral que

explicasse o fenômeno da combustão. Quando queimamos uma folha

de papel se a pesarmos antes e depois de ser queimada, observaremos

que ela perdeu peso. E isso acontece com a maioria dos materiais

quando queimados. Mas com os metais acontece o inverso. Eles se

tornam mais pesados depois de queimados. Por que isso acontece?

Em 1697, o médico e químico alemão Georg Ernst Stahl, publicou um

livroemquedivulgavasuateoriadoflogístico(dogregophlogiston,

quesignificaconsumidopelofogo).

Segundo a teoria de Stahl, quando um material era queimado,

ele perdia flogístico e o resto que não podia mais ser queimado

(chamadodecal)seriaumasubstânciapobreemflogístico.Assimo

carvãoeraconsideradoricoemflogístico,poisdepoisdesuaqueima

sobrava pouca cal. Quando o metal era queimado, ele aumentava de

peso,porquepossuíaapropriedadedeabsorverflogísticodocarvão.

Essa teoria foi aceita durantemuito tempo tanto que o nitrogênio

descoberto em 1772, por Daniel Rutherford, foi denominado de

arflogisticado;eohojeoxigênioem1774era conhecido comoar

93PedagogiaUESC

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deflogisticado.

Somente a partir de 1772, a teoria do flogístico começou

a ser questionada pelo químico francês Antoine Lavoisier (1743-

1794), em experiências realizadas sobre a combustão. Em 1777,

em experiências em ambiente controlado e com balanças de alta

precisão, ele comprovou que as substâncias não perdem peso quando

queimadas, e que a combustão na realidade era uma reação com

o oxigênio (descoberto poucos anos antes). A explicação para o

ganhodepesodosmetaiséqueestesabsorvemooxigêniodoar,

ou seja, eles oxidam. A vantagem da teoria de Lavoisier é que ela

transformava a explicação sobre a combustão em algo demonstrável,

poisnaausênciadooxigênio,nemcarvãoentravaemcombustão,o

queprovavaqueelenãotinhaflogísticoalgum.

Uma vez comprovada a inexistência do flogístico, todos os

livros que tratavam do assunto viraram objeto de estudo apenas

dos historiadores da ciência, e praticamente não ouvimos falar no

assunto quando estudamos química. O que prova que os paradigmas

são incomensuráveis, pois quando abandonamos uma teoria,

abandonamos também certo modo de ver o mundo e explicar as

coisas.

Mas então se, para Kuhn, o consenso não é estabelecido pela

metodologiacientífica,qualéocritérioqueoscientistasutilizampara

mudar de paradigma?

Amudançadeparadigmasedáquandoacomunidadecientífica

reconhece deficiências no paradigma até então utilizado, o que

caracteriza um período de crise. A crise é uma condição necessária

paramudança de paradigmas e das revoluções científicas. Caso o

paradigma estivesse respondendo bem aos problemas, explicações

diferentes das dele seriam simplesmente ignoradas. Do mesmo

modo, não é qualquer problema que leva à crise, este deve ser uma

anomalia.“Adescobertacomeçacomaconsciênciadaanomalia,isto

é, o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as

expectativasparadigmáticasquegovernamaciêncianormal”(KUHN,

1991, p. 78)

O surgimento de uma crise abala a confiança do cientista

noparadigma,oquepodeterminarcomaemergênciadeumnovo

candidato a paradigma. A mudança de um paradigma a outro é

semelhante a uma mudança de Gestalt, o que reforça a tese da

incomensurabilidade dos paradigmas. Os problemas que eram

relevantes para o antigo paradigma podem tornar-se sem importância

frente ao novo campo de pesquisa que o novo paradigma abre (como

noexemplodoflogísticoacima).

Figura 4 - LavoisierFonte: http://commons.wikimedia.org/

94 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

Não existe uma resposta única sobre o que leva um cientista a

mudar de paradigma. Ao contrário de Popper que imagina um cientista

que age de um modo plenamente racional, baseado na lógica e nos

experimentoscientíficos(cientistaestequeageemacordocomsua

comunidade inteira), para Kuhn, o consenso é uma noção sociológica

que envolve diversos fatores, mas nenhum de per si determinante. A

mudança de paradigma do cientista é como uma conversão, em que

ocorre uma mudança abrupta semelhante a uma alteração da forma

visual (Gestalt).

Nenhum dos sentidos habituais do termo ‘interpretação’ ajusta-se a essas iluminações daintuição através das quais nasce um paradigma. Embora tais intuições dependam das experiências,tanto autônomas quanto congruentes, obtidas através do antigo paradigma, não estão ligadas, nem lógica, nem fragmentariamente a itens específicos dessas experiências, como seria o casode uma interpretação. Em lugar disso, as intuições reúnem grandes porções dessas experiências e astransformam em um bloco de experiências que,a partir daí, será gradativamente ligado ao novo paradigma e não ao velho (KUHN, 1991, p.158).

Portanto,asrevoluçõescientíficasassemelham-seagrandes

rupturas em que ocorrem mudanças não só na forma como vemos as

teorias, mas na própria maneira como entendemos e interpretamos o

mundo. Galileu não só provou que a Terra não era o centro do universo,

ele nos expulsou de um cosmo criado por Deus exclusivamente

para o homem e, hoje, nos sentimos pequenos diante da imensidão

do universo com trilhões de estrelas e alguns bilhões de planetas

semelhantes ao nosso. Mas mudanças de paradigma não ocorrem

todos os dias, tampouco a ciência é aquela atividade engajada

em busca de novas descobertas. A ciência é produção humana e,

como tal, sujeita aos jogos de interesses e vaidades, cujos avanços

dependem, em grande parte, mais de acasos fortuitos do que de um

processo sistemático de investigação.

5 UM MAPA DAS CIÊNCIAS

Como vimos anteriormente, a ciência se caracteriza por

um processo metodologicamente acordado de investigação, cujos

resultados podem ser testados por outros membros da comunidade.

Masessadescriçãodeciênciapodefazerparecerquesóasciências

SAIBA MAIS

O que é Gestalt?“A Teoria daGestalt afir-ma que não se pode ter conhecimento do todo através das partes, e sim das partes através do todo. Que os conjuntos possuem leis próprias e estas regem seus ele-mentos (e não o contrá-rio, como se pensava an-tes). E que só através da percepção da totalidade é que o cérebro pode de fato perceber, decodificare assimilar uma imagem ou um conceito”.

(http://www.mitologica.com.br/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=2 )

Ou seja, você não con-segue ver o saxofonista e a moça ao mesmo tempo, consegue?

Figura 5

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naturais, como a física ou a biologia, são ciências e que história

e psicologia não são ciências. Na verdade, existem cientistas que

pensamassim,masissoéporquetêmumavisãorestritadoqueseja

aciência.Porexemplo,seadmitirmosquesópodemserconsideradas

científicas as proposições que podem ser testadas empiricamente,

o que poderíamos dizer sobre a matemática? Pois uma verdade

matemática não tem que obrigatoriamente ser uma descrição do

mundo, pois a matemática é uma ciência hipotética que trata de

mundos possíveis logicamente, e não de mundos reais. Dessa forma,

temosdeadmitirqueasciênciasnaturaissãoumapartedoconjunto

dasciências,masnãoasúnicas.Segundo,queexistemdiversostipos

deciênciacomcritériosdiferentesdecientificidade.Pensandonisso,

o filósofo Charles Sanders Peirce elaborou a seguinte divisão das

ciências:

MATEMÁTICA – estuda como se pode supor que as coisas são.

CIÊNCIAS POSITIVAS – estudam como as coisas são.

FILOSOFIA – estuda os fatos mais gerais da vida cotidiana.

CIÊNCIAS ESPECIAIS – estudam fatos que são deliberadamente

procurados e frequentemente removidos da vida cotidiana.

Mas esta não é a única nem a mais completa forma de dividir

as ciências Nas universidades, por exemplo, costuma-se dividir as

ciênciasentreCiênciasHumanas(História,Filosofia,CiênciasSociais

etc.), Ciências da Vida (Biologia, Medicina etc.) e Ciências Exatas

(Matemática, Física etc.). Essa divisão também não é boa, pois

colocaamatemáticaao ladodeciênciasempíricasedáa ideiade

quealgumasciênciassão“exatas”,enquantooutrassãociênciasdo

“mais oumenos”. Alémdisso, ficamde fora as chamadas ciências

aplicadas que constituem campos tecnológicos direcionados para

a resolução de problemas concretos, como administrar empresas,

melhorar a produção agrícola ou a criação de animais, projetar e

realizaredificaçõesetc.

Como as tecnologias estão em constante inovação, a todo

temposurgemnovasciênciasaplicadas.Contraditoriamente,antigos

campos do saber, como as artes ou a educação, ainda continuam com

seu statuscientíficonãodefinido.Deoutraparte,aideiadequetodo

conhecimentosereduzemciência,podeconterumidealtotalitário

e tecnicista de que toda forma de saber deve ser expressa na forma

dasciênciasnaturais.Oquereforçapolíticasuniversitáriasdequesó

os cursos voltados para as tecnologias e para acumulação de capital

deveriam existir. Assim, um curso de línguas poderia ser fechado,

96 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

para dar espaço a um curso de turismo, por exemplo, sendo que sem

conhecer outras línguas é impossível desenvolver o turismo.

Em grande parte, tais equívocos são provocados pelo modelo

deciênciaedecientificidadequetemosemmente,quefazequivaler

conhecimento e ciência como sendo sinônimos. Para alargar um

pouconossacompreensãodoquesejaumaciência,vamosexplorar

brevementeaespecificidadedasciênciashumanasecomooscritérios

defalseabilidadedasciênciasnaturaisnãocabemnessecaso.

6 AS CIÊNCIAS HUMANAS E SEUS CRITÉRIOS DE CIENTIFICIDADE

“CiênciasdoEspírito”ou“Humanidades”éumtermocomuma

longa tradição na Filosofia, para designar um determinado campo

do conhecimento humano ligado mais diretamente aos processos

mentais,ouquetemporobjetodereflexãoopróprioserhumano.

Essa definição, porém, não garante um consenso sobre o que

exatamente estamos falando. Pois ainda resta muita discussão se a

psicologiaouaeconomiaseriamciênciashumanas,naturaisouum

pouco das duas. Para Wilhelm Dilthey (1833-1911), a resposta sobre

oquecaracterizaasciênciasdoespíritonãopodeserencontradano

objetoaoqualsededicam,poistambémafisiologia,porexemplo,

trata do homem.O que difere as ciências do espírito das ciências

naturais é a atitude frente aos objetos, ou seja, trata-se de uma

diferençaepistemológica.Enquantoaatitudedasciênciasdanatureza

é objetivante, instrumental, nas ciências do espírito é “por assim

dizerdointeriorquearealidadeseabreparaavivênciadosujeito”

(HABERMAS, s/d, p.158).

Arealidadeconstruídapelasciênciasdanaturezapercorreum

caminho totalmente distinto, ela busca anular, o máximo possível,

a interferênciaqueasvivênciasdopesquisadorpossamcausarno

estudo do objeto. Para tanto,

[...] nós nos apossamos deste mundo físico pelo estudo de suas leis. Estas leis não podem ser descobertas a não ser que o caráter vivencial de nossas impressões da natureza, o conjunto no qual estamos postos, enquanto a natureza que somos, o agudo sentimento pelo qual a gozamos recue sempre mais, dando lugar a concepções abstratas da mesma segundo as relações do espaço, tempo, massa, movimento. Todos esses momentos concorrem para que o homem se elimine a si mesmo com o objetivo de construir, em base destas impressões, este

Figura 6 - Wilhelm DiltheyFonte: http://commons.wikimedia.org/

97PedagogiaUESC

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grande objeto que é a natureza como se ela fosse uma ordem que obedece a leis. Ela torna-se então o centro da realidade para o homem (DILTHEY, apud HABERMAS, s/d, p. 157).

Apossibilidadedeanularaexperiênciavitaléumdoscritérios

maisimportantesdeobjetividadedasciênciasdanatureza,demodo

que seus modelos teóricos ou leis possam ser independentes da

historicidade e do contexto cultural em que se produzem. É comum

na transmissão de tais conhecimentos que sejam ignorados por

completo os contextos em que se desenvolveram, provocando muitas

vezesemseusreceptoresa impressãodequeasciênciasnaturais

sãodesprovidasdehistóriaoudeingerênciaspolíticaseeconômicas.

Quando estudamos matemática, química ou física, as fórmulas

aparecem como se tivessem emergido do nada, sem história e como

se fosse verdades eternas reveladas desde sempre por Deus.

Nas ciências do espírito essa possibilidade de anulação da

vivência individual não existe, já que não se podem separar fatos

de teorias, pois estes se encontram amalgamados. As ciências do

espírito se movem dentro de outra lógica. Esta lógica, para Dilthey,

está centrada nas inter-relações entre vivência, objetivação e

compreensão. Desses três, o conceito de vivência é a chave para

compreenderateoriadeDiltheysobreasciênciasdoespírito.

ParaDilthey,aunidadedavivênciaéoquepermiteatribuir

uma significação aos acontecimentos assim como a experiência

históricaindividual.Vivênciassãoasocorrênciasemnossasvidasque

aparecem enlaçadas em um sentido comum para o curso de nossa

existência,demodoquepossamosidentificarcadaumadelascomo

constituidoras de nossa história pessoal. A biografia individual é o

quepermiteatribuirumsentidoàsvivênciasindividuaisasseguradas

pelo eu-identidade. Ela permite estabelecer uma conexão entre

avivência individualeaexistênciacoletiva,namedidaemqueas

experiências vitais se desenvolvem em um processo histórico, em

que as significações atribuídas individualmente se constituem a

partir de um sistema de referências compartilhadas. “O ponto de

vistaindividual,corrige-seesedistendenaexperiênciagenéricada

vida. Com isso entendo proposições que se formam em um grupo

qualquer de pessoas que estão em relações uma com as outras e

cujos enunciados lhes são comuns” (DILTHEY, apud HABERMAS, s/d,

p. 168).

Asvivênciasseexteriorizamemobjetivaçõescujosignificado

se pode compreender a partir da reflexão sobre asmanifestações

vitais.Talreflexividadeconstituiopanodefundodacompreensãoque

98 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

está presente nas interações humanas mediadas linguisticamente.

Ou seja, só compreendemos aquilo que podemos relacionar às

nossasprópriasvivências,ouavivênciasaprendidascoletivamente.

Como a compreensão se dá “a partir de dentro”, ela é sempre uma

interpretaçãodosujeito.Daíqueasciênciashumanassejamciências

hermenêuticas.

O termo “hermenêutica” remete ao deus grego Hermes, o

mensageiro dos deuses, aquele que traz notícias. O hermeneuta

seria aquele que tanto transmite quanto interpreta uma mensagem,

já que não é possível separar uma coisa da outra. Por conseguinte,

hermenêutica seria a arte de interpretar o sentido da palavra do

autor, principalmente de textos clássicos. Aqui entra tanto a condição

depossibilidadequantoainevitabilidadedasituaçãohermenêutica:

sempre que interpreto algo, o faço a partir do meu ponto de vista.

Nãoépossívelquesejadiferente,poisaminhavivênciaéachave

parainterpretaroutrasvivências.

Aqui se situaumproblemacomoqual ahermenêuticadas

ciências do espírito de Dilthey tem que enfrentar: a compreensão

hermenêutica deve apreender em categorias inevitavelmente

universais, um sentido individual irredutível. Ou seja, ao formar um

corpo de conhecimentos é necessário que este se apresente sob a

forma de categorias universais, do contrário, não seria senão uma

mera repetição infinita de experiências individuais sem poder se

extrair nenhum conhecimento a partir delas. Ao mesmo tempo, a

universalidade tende a reduzir a particularidade e a deformá-la. O que

se deve e o que não se deve preservar do sentido vital individualizado

éumaquestãometodológicacentralparahermenêutica.

SegundoHabermas,acompreensãohermenêuticasedistingue

das proposições teóricas, isto é, daquelas capazes de serem reduzidas a

umalinguagem“pura”emqueosenunciadosformaisforampurificados

de todos os elementos que não se articulam no plano das relações

simbólicas.Jáacompreensãohermenêutica“nãopodejamaisanalisar

aestruturadeseuobjetodetalmaneiraquetodasascontingências

deste objeto fiquem eliminadas” (HABERMAS, s/d, p. 173). Isso

porqueahermenêutica tememvistaumcontextodesignificações

que são transmitidas por tradição; como não dispomos de regras para

reconstrução dos conjuntos-de-sentido legados pela tradição, temos

quetratá-loscomosefossemfatos.Enquanto,nasciênciasteóricas,

se busca anular a experiência biográfica individual para que estas

possamserpostasemcategoriasuniversaisdalinguagem;asciências

hermenêuticasrepousamjustamentenaespecificidadedalinguagem

ordinária que permite comunicar indiretamente categorias universais

99PedagogiaUESC

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dentro das conexões concretas da vida. Ou seja, a linguagem

ordinária elabora sua própria metalinguagem sem que para isso seja

necessáriocriarumalinguagemartificial,operandocomolinguagem

e metalinguagem ao mesmo tempo.

A compreensão hermenêutica visa a três classes de

manifestações vitais: as expressões verbais, as ações e as expressões

vivenciais. As expressões verbais quando dissociadas de uma conexão

vital concreta, como no caso das linguagens formalizadas, dispensam

uma interpretação hermenêutica. Mas quando à expressão verbal

mistura-se algo que é próprio “ao pano de fundo obscuro e à plenitude

davidadaalma”,têminícioosdireitosdahermenêutica.Eladecifra

o que de início parece estranho na compreensão mútua entre os

falantes, algo que só pode ser comunicado de maneira indireta.

A interpretação seria impossível se as manifestações vitais fossem totalmente estranhas. Ela seria desnecessária, caso nada lhes fosse estranho. [A hermenêutica] se situa, portanto, entre estes doispólos extremos. Ela é necessária sempre onde há algo de estranho, algo que a arte da compreensão deve assimilar (DILTHEY, apud HABERMAS, s/d, p. 176).

Na linguagem cotidiana há sempre um hiato a ser superado

pela interpretação entre os falantes, para evitar situações de

pseudocomunicação em que os participantes realmente não se

entendem acerca de algo, compreendendo-o de maneira equívoca.

Para facilitar o trabalho de interpretação, dispomos também de

termos extraverbais, além daqueles expressos através da linguagem.

A ação é uma dessas manifestações extraverbais. Embora a ação não

surja de uma intenção de comunicação, mas de uma relação para

comumfim,épossívelobservarcertaregularidadenasaçõesedaí

depreenderseusignificadolatente.

Uma terceira classe de manifestações são as expressões

vitais, que Dilthey considera serem as mais próximas da unidade

vital espontânea do que as expressões simbólicas da linguagem e da

ação. Por outro lado, são as de decifração mais difícil por remeterem

a intenções não expressas e a relação inexprimível do Eu com suas

objetivações e não terem um conteúdo cognitivo, o qual pudesse ser

integralmente explanado por meio de frases e ações. Assim, o seu

papel é muito mais de corroborar na interpretação das comunicações

manifestas através dos sintomas latentes que podem legitimar e

corroborar ou desmentir e rejeitar ou indicar a tentativa de enganar

um interlocutor colocando a comunicação sob suspeita. “Pois a

100 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

simulação, a mentira, o engano rompem a relação entre a expressão

e o espiritual expressado” (DILTHEY, 1944, p. 230).

A compreensão hermenêutica, portanto, deve levar em

consideração essas três classes de manifestações vitais, pois

na comunicação ordinária uma expressão raramente aparece

desacompanhada das outras. Dessa forma, a linguagem ordinária perfaz

sua própria metalinguagem na medida em que ela pode descrever a

comunicação extraverbal, ou seja, ela é capaz de se auto-interpretar.

Essa auto-interpretação consiste em explicitar os elementos ausentes

da linguagem não-verbal tornando-os comunicáveis. A linguagem

sempre se apresenta de modo fragmentário; sem o acesso aos

elementos não-verbais, essas lacunas seriam insuperáveis. A auto-

interpretação se opera, como já dissemos, através da metalinguagem

no interior da própria linguagem. Decifrar esta auto-interpretação, tal

éatarefadahermenêutica.

Aquitemosumaclarademarcaçãoentreasciênciasdoespírito

e as ciências naturais. Por perfazer sua própriametalinguagem, a

interpretação hermenêutica jamais pode ser demonstrável. “Pois,

uma‘prova’paraaschamadasinterpolaçõessóseriapossível,caso

pudéssemosretraduzirumtexto,legadoportradição,para‘dentro’da

práxis vital de sua época, uma práxis que um dia completou texto e

discurso” (HABERMAS, s/d, p. 180). Na tentativa de se aproximar da

interpretação,asciênciasdoespíritoincorremnodenominadocírculo

hermenêutico, como pode ser ilustrado com o seguinte exemplo:

percebo que a literatura produzida em determinada época reúne

certas similaridades que refletem outras manifestações culturais

que também ocorrem na mesma época. Então conceituo a produção

desses autores de Romantismo e descrevo as características de uma

literatura romântica em termos ideais. Depois volto sobre os autores

ditos românticos e descubro outras características não percebidas da

primeiravez.Entãovoltoao conceitoeomodificoparaapreender

melhoroobjeto.Taisidasevindasformamocírculohermenêutico.

Círculo Hermenêutico

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Masessacircularidadedahermenêuticanãonecessariamente

éviciosa,podendoserbastantefrutíferaseahermenêuticanãose

reduzir exclusivamente à linguística ou a uma análise puramente

empírica. Pois, nesse caso, tratar-se-ia sim de um círculo vicioso. Mas

essa circularidade é evitada graças ao fato de os conteúdos legados

pela tradição e objetivados em palavras e em fatos, não serem,

ao mesmo tempo, tanto símbolos quanto fatos. “É por isso que a

compreensãodevecombinaraanáliselinguísticaeaexperiência.Sem

esta coação para tal combinação peculiar, o desenvolvimento circular

do processo interpretativo permaneceria preso em um círculo vicioso”

(HABERMAS, s/d, p.182). Assim se parte de um esquema exegético

provisório, antecipando de saída o resultado do processo exegético.

Ao se aplicar a chave interpretativa ao material, esse a modifica

levandoàmodificaçãodashipótesesantecipadasprovisoriamente.

O fato de as ciências do espírito estarem mais presas ao

contexto vital, torna mais clara a sua perseguição de interesses

cognitivos.Tantoasciênciasdoespíritoquantoasciênciasnaturais

persegueminteressescognitivos.Ointeressedasciênciasempírico-

analíticas é um interesse técnico e instrumental de aplicação desses

conhecimentos à realização de novas tecnologias. O interesse cognitivo

das ciências do espírito está emevitar a rupturana comunicação,

ou seja, em conservar o entendimento intersubjetivo. O interesse

práticodoconhecimentoquedominaagênesedasciênciasdoespírito

determina,também,ocontextodeaplicaçãodosaberhermenêutico.

Por estarem presas à interpretação que faz o historiador ou o

cientista social do fato ou fenômeno social que estuda, pode parecer

queasciênciashumanasnãosão tãoobjetivasquantoàs ciências

naturais, já que não existe experimento capaz de provar de uma

vez por todas que uma interpretação está certa e outra errada. Isso

acontece por duas razões.

1) A primeira e mais importante, é que ao contrário das

ciênciasnaturaisqueestudamrelaçõesentreobjetosouentresujeitos

eobjetos;nasciênciashumanasestuda-searelaçãoentresujeitos.

Que diferença isso faz? Toda diferença, pois os objetos naturais

comportam-se de modo regular, o que nos permite elaborar teorias

que se aplicam à totalidade dos objetos do mesmo tipo. Percebemos

que alguns patos de uma determinada espécie migram para o sul

noinverno,entãopossoafirmarquetodosospatosdaquelaespécie

migram no inverno e que migrarão nos anos seguintes também.

Quando me relaciono com um sujeito, ele também é um intérprete

tanto quanto eu. Ele observa o que eu estou tentando descobrir e

tenta adivinhar qual é a minha intenção. Dependendo do caso, ele

102 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

pode alterar sua resposta em função do que imagina que estou

pensando ou que vou pensar a seu respeito. Por exemplo, se estou

pesquisando o comportamento sexual dos coelhos, os coelhos não

vãofingirporqueexisteumacâmaraosobservando.Massepergunto

parahomenscasadoscomquefrequênciatêmrelaçõessexuaiscom

suas esposas e para esposas quantas vezes têm relações sexuais

com seus maridos, é possível que obtenhamos resultados diferentes

para homens emulheres. Por quê?Obviamente, algumas pessoas

devem estar mentindo em suas respostas. Por que fazem isso?

Como cientista social, posso formular a hipótese de que os homens

pretendem projetar uma auto-imagem de que são viris, o que os

fariainflacionarumpoucoosnúmeros.Notequeaquijáentrouum

elemento de interpretação do comportamento do objeto, algo muito

diferente de explicar o comportamento do objeto, como se faz com

uma bactéria, ou uma partícula atômica. A diferença é que posso

provar que a bactéria se comporta de determinada forma, mas não

posso fazer o mesmo com pessoas, pois, ao tentar aplicar minha

hipótese explicativa, elas podem mudar de comportamento e derrubar

minha hipótese, justamente por estarem informadas sobre ela.

Como em pesquisas eleitorais, podemos explicar porque as pessoas

migraram sua intenção de voto do candidato x para o candidato y,

mas só depois que o fato tenha ocorrido. Mas nada garante como

o eleitor irá se comportar no dia da eleição, pois a própria pesquisa

eleitoralinfluencianadeliberaçãodoeleitor.

2) A segunda razão é que o intérprete é também um ser social

e, portanto, não é neutro. Ele sabe que determinadas interpretações

favorecem ou legitimam este ou aquele grupo social, de acordo com

sua ideologia, o cientista social ou historiador privilegia determinadas

interpretações dos fatos em detrimento de outras. Onde um historiador

marxistavêconflitodeclasseseracismo,umhistoriadorconservador

pode enxergar cordialidade e democracia racial.

Masissoquerdizerquenãoexisteobjetividadenasciências

humanas? A mesma pergunta poderia ser dirigida às ciências

naturais que, apesar da aparência de neutralidade, também são

ciências que dependem do consenso entre os cientistas acerca de

qualainterpretaçãodescrevemelhorosfatos.Nocasodasciências

humanas, esse debate é público e ajuda a entender quais as diferenças

metodológicas, assim como os pressupostos ideológicos das posições

defendidas pelos diversos autores. Isso enriquece nossa compreensão

do problema, ampliando nosso conhecimento do mesmo. Evitar tal

debate só favoreceria ao ocultamento das ideologias em jogo.

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7 ATIVIDADES

Asquestõesaseguirtêmcomoobjetivoajudarafixartudoqueaprendemosaté agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto, portanto, seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-lasseriabom confrontar suas respostas com as dos colegas no Seminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.

1.Oquecaracterizaaciênciaempírica?2.Qualarelaçãoentreparadigmaecomunidadecientífica?3. Indique quais as diferenças entre Popper e Kuhn sobre como ocorrem as revoluçõescientíficas.

4. A partir do texto “um mapa das ciências” como você classificaria apedagogia?Éapedagogiaumaciência?Justifique.

5.Oquediferenciaasciênciashumanasdasciênciasnaturais?6.Qualopapeldocírculohermenêuticonoavançodoconhecimento?7.Épossívelconstruirumconhecimentovalorativamenteneutronasciências

humanas? Explique.

8 RESUMINDO

Aciênciamodernaébaseadanocritérioempíricodetestabilidade.Paraqueumateoriacientíficasejaaceita,nãobastaqueelasejarigorosamenteconstruída em bases lógicas. É preciso que ela seja capaz de prever consequênciasequetaisefeitospossamsertestadosporoutroscientistas.Assim, Karl Popper elaborou o critério de falseabilidade como fundamento da investigação científica. Thomas Kuhn, porém, mostrou que, em seudesenvolvimento histórico, a ciência nem sempre se orienta dessa forma.Muitas vezes, os cientistas resistem a um novo paradigma e só em situações decrise,quandoaciêncianormalnãoécapazderesponderasanomaliasque a realidade apresenta, é que se veem forçados a mudar de paradigma. A mudança de paradigma, entretanto, não ocorre como um processo de acúmulo gradual, ela é sempre uma ruptura em que o paradigma anterior é completamente abandonado. Pois não é só o velho paradigma que deixa de tervigência,mastambémavisãodemundoqueelecontinha.

Osprocessosdemudançadeparadigma,quevalemparaasciênciasnaturais, não se aplicam ao campo das ciências humanas, já que váriosparadigmas podem conviver durante muito tempo sem que um suplante definitivamenteooutro.Éocaso,porexemplo,dasteoriasdeMarxeWeberno campodasCiênciasSociais. Isso porque as ciências humanasnão sãofalseáveis, já que não existem experimentos sociais capazes de demonstrar a validade de uma teoria de uma vez por todas, já que as próprias teorias são também produtos históricos e sociais e acabam por afetar a percepção dos sujeitos sociais sobre si mesmos e sobre os outros; o que os pode levar amudar o curso de suas ações,modificando os resultados previstos pelateoria. Assim, enquanto as ciências naturais têm como interesse principalo incremento tecnológico, as ciências humanas visam ao aumento dacompreensão dos seres humanos sobre si mesmos.

9 REFERÊNCIAS

ATIVIDADES

RESUMINDO

104 Módulo 2 I Volume 2 EAD

Conhecimento CientíficoTeoria do Conhecimento

A Evolução do conceito de Calor: Fogo, Flogístico, Calórico e Formas

de Movimento. In: http://www.searadaciencia.ufc.br/folclore/

folclore143.htm

DILTHEY, W. El Mundo Histórico. México: Fondo de Cultura

Econômica, 1944.

HABERMAS, Jurgen. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro:

Zahar Editores, s/d.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São

Paulo: Perspectiva, 1991.

POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix,

s/d.

REFERÊNCIAS

105PedagogiaUESC

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4

Suas anotações

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AofinaldestaUnidade,oalunodeverásaber:

• compreender como a revolução informacional exige uma nova educação centrada em uma educação para pensar, valorizando muito os processos de aprendizagem do que os resultados.

OBJETIVOS

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

5ªunidade

1 INTRODUÇÃO

Nesta unidade, vamos refletir sobre os impactos das novas

tecnologiasnaeducaçãoeosdesafiosqueseapresentamaoeducador

do século XXI.

Até aqui discutimos as relações entre conhecimento e

sociedade; diferentes formas de conhecimento, e acompanhamos

adiscussão,ao longodahistóriadafilosofia,sobreoscritériosde

validadeecientificidadedoconhecimento.Agoravamosrefletirum

pouco sobre como ensinar-aprender na sociedade do conhecimento.

Ou seja, na sociedade em que vivemos, em que não há mais lugar

para mão-de-obra barata e desqualificada que atraíram muitas

indústrias multinacionais para se instalarem aqui a partir da segunda

metade do século passado. Hoje, as empresas continuam buscando

mão-de-obrabaratanoTerceiroMundo,masnãodesqualificada.

SeoBrasilvaifigurarentreasgrandeseconomiasnaspróximas

décadas ou se continuará sendo campeão de desigualdade social e

violência, não dependerá de seus recursos naturais, mas de seus

preciosos recursos humanos. As decisões que estão sendo tomadas

agora sobre os rumos da educação, determinarão se teremos um país

maisjustoedemocráticonofuturo.Portanto,cabeanósrefletirmos

cuidadosamente sobre o papel da educação na era informacional,

para melhor nos posicionarmos diante das propostas educacionais

presentes no cenário nacional.

Há um consenso sobre a importância da educação para o nosso

desenvolvimento, mas não há consenso sobre o tipo de educação que

queremos. Os baixos salários pagos aos professores e o desinteresse

generalizado dos alunos são claros indícios de como nossa sociedade

ainda está presa a cultura do século passado, e ainda não se deu

contadodesafioquetemosqueenfrentar.Seamudançatemque

começardealgumlugar,émelhorquesejamosnósapromovê-la,do

queficaresperandosemquenadaaconteça.

UNIDADE 5A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

109PedagogiaUESC

Uni

dade

5

2 A SOCIEDADE INFORMACIONAL

NofinaldoséculoXX,iniciou-seumarevoluçãotecnológica,cuja

dimensão precisa ainda não sabemos avaliar. Para uns trata-se da

terceira revolução industrial, para outros, trata-se de algo muito

maior comparável apenas às duas outras grandes revoluções que a

antecederam: a da agricultura e a da indústria. Na revolução agrícola,

nós nos libertamos dos ditames cegos da natureza. Não mais era

preciso vagar acompanhando as estações em busca de alimento.

Tornamo-nos capazes de produzir nossa própria comida, e planejar

minimamente os suprimentos do que iríamos viver nos próximos

mesesouanos.Comissonosfixamosnasterrasmaisférteis,próximos

delas, erguemos cidades e, com elas, as instituições religiosas,

políticas e militares. Com a possibilidade de estocar os alimentos,

surgiu o excedente e, com ele, as classes ociosas, mas também um

semnúmerodenovasprofissõesquelevaramaoflorescimentodas

ciênciasedasartes.

A revolução industrial foi a segunda grande

virada no curso da história da humanidade.

Com ela, foi possível ampliar a produção em

níveis assombrosos. Isso porque agora a

produção não era mais dependente da força ou

habilidade puramente humana: construímos

prensas capazes de dobrar uma folha de aço

como se fosse papel; teares que fazem o

trabalho de centenas de tecelãs em um único

dia. Os motores permitiram que as fábricas

fossem instaladas nos lugares que dispunham

de melhor acesso às matérias-primas e

transporte. A própria agricultura foi mecanizada, liberando grandes

massas de trabalhadores que migraram do campo para cidade e se

tornaram de agricultores em operários.

A atual revolução tecnológica difere das duas anteriores tanto em

relação a sua base material quanto ao seu emprego. Na agricultura,

era rico e poderoso quem possuía terras, na era industrial, era rico

quem possuía fábricas e bancos; na era informacional, é rico quem

possui informação e capacidade para controlá-la, processá-la e usá-la

na aquisição de novos conhecimentos. Como indica Manuel Castells,

O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimento e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração

Figura 1 - Fonte: http://smeira.blog.terra.com.br/files/2009/11/image4.png

110 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso (CASTELLS, 2000, p. 69).

Exemplos disso não faltam. A partir do surgimento da

Internet, várias inovações tecnológicas surgiram a partir de inovações

trazidas por seus usuários que depois foram assimiladas por grandes

corporações como a Microsoft. Por exemplo, programas como o ICQ

(acrônimoformadopelapronúnciadasletraseminglês“ISeekYou”,

emportuguês“Euprocurovocê”),criadoporquatrojovensisraelenses

em 1996, são os antepassados do MSN, que copiou a tecnologia e,

pela força do monopólio do Windows, passou a dominar a comunicação

através de conversação ou mensagens instantâneas via Internet.

Outro exemplo é o Firefox, que se trata de um navegador livre e

inteiramente grátis com centenas de colaboradores pelo mundo todo.

O Firefox é muito superior ao seu concorrente, a Internet Explorer

da Microsoft, justamente por estar sempre sendo aperfeiçoado pelos

seus usuários através de sugestões ou de inovações no programa.

Antes de completar um ano de lançamento, o Firefox já contabilizava

100milhõesdetransferências.Em2006,oFirefox introduziu várias

inovações como o uso de abas, recurso que só muitos anos mais

tarde foi incorporado na versão 8 do Internet Explorer.

Esses exemplos mostram a rapidez dos processos de mudança

das novas tecnologias, a aceleração e compressão do tempo. Muitas

pessoas hoje confessam que não saberiam viver sem aparelhos

celulares, mas muitas delas nem imaginam que os celulares foram

introduzidos no Brasil há menos de duas décadas!

Todos esses novos aparatos baseados em tecnologia

informacional, como computadores e sistemas de comunicação, são

amplificações e extensões da mente humana; que provocam até

mesmo mudanças na forma da nossa sensibilidade: somos capazes de

fazer várias coisas ao mesmo tempo, como fazer compras, enquanto

falamos ao celular.

A revolução tecnológica, que estamos assistindo, é por sua

natureza global. Não há parte alguma do planeta que não se veja

afetadaporela.Coma Internetépossívelverfilmeantesmesmo

de ser lançado. As antigas barreiras, que existiam para o acesso aos

bens tecnológicos e culturais, vão aos poucos caindo. Se um aparelho

é muito caro, sempre é possível encontrar um similar mais barato,

assim o acesso é popularizado e a dominação tecnológica dos países

ricos sobre os países pobres, embora continue existindo, tem cada

vez menos formas de controle.

111PedagogiaUESC

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5

Todas essas mudanças em curso criam um novo cenário para

o conhecimento e sua produção e difusão através da educação.

Nossas escolas foram pensadas para gerar os operários da era

industrial e a elite que deveria dirigir os operários. De um lado,

estavam aqueles que deveriam executar tarefas “manuais” para os

quais eram ensinados os saberes elementares como escrever e fazer

contas, pouca importância era dada às artes e à cultura geral. O aluno

deveria aprender a se “comportar”, para que a disciplina aprendida

na escola facilitasse a adaptação às oito horas de trabalho na fábrica,

calado e completamente absorvido na operação da máquina. Não

havia muito lugar para crítica e para criatividade, tampouco tais

atitudes eram esperadas ou estimuladas. De outro, estava a escola

voltada para formar a elite, mas nem por isso menos rígida, apenas

mais competitiva e centrada no esforço individual como indicador dos

talentos de liderança e comando.

A sociedade do conhecimento, porém, não cabe mais dentro

desse modelo de educação. Contudo, as formações culturais

não mudam tão rápido como as mudanças tecnológicas e são

inevitavelmente atropeladas por elas. É sempre mais fácil continuar

persistindo em modelos tradicionais do que inovar. Assim, quando

um governador ou um prefeito pensa em construir uma escola, ele

pensa em uma escola igual àquela de sua infância: uma escola da

era industrial. Assim também o arquiteto fará a planta da escola e o

engenheiroquesupervisionarásuaconstrução.Todostêmemmente

salasparaquarentaalunosenfileiradosemcarteiraseoprofessorna

frente das crianças com seu giz e lousa, falando, falando, falando...

Praticamente nos últimos cem anos, a única coisa que mudou nas

salas de aula foi o encolhimento das carteiras para otimizar o espaço,

isto é, reduzir o custo colocando mais alunos em salas menores.

Sala de aula na década de 30 Sala de aula hoje.

Figura 2 Figura 3

112 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

Isso demonstra que ainda não se percebeu o impacto da

sociedade informacional na educação, permanecendo como a

presença de pequenas mudanças tímidas, como a introdução de

aulas de informática que nem de longe tocam no problema. Para

termos uma dimensão mais exata dos desafios que a revolução

informacional propõe para educação vamos citar alguns problemas a

serem enfrentados.

2.1 A exclusão informacional

A revolução informacional trouxe uma série de facilidades em

termos de comunicação e circulação de informações. Ao mesmo tempo,

abriu caminho para uma série de novos serviços através da Internet,

como operações bancárias, compras, agendamento de consultas etc.

Poroutrolado,nemtodaspessoastêmacessoaoscomputadoresou

à Internet. Outras barreiras são de ordem educacional e cultural, nem

todos se sentem a vontade para substituir as relações interpessoais,

pelo frio contato com máquinas. Ainda hoje, existem pessoas que

se recusam a escrever no computador ou a realizar operações

bancárias em um caixa eletrônico. Essas pessoas são, muitas vezes,

discriminadas e marginalizadas como “dinossauros” destinados à

extinção. Mas é possível ver as coisas de outro modo: quando eu

opero um caixa eletrônico em um banco, estou fazendo um serviço

para o banco, por exemplo, sacando dinheiro, tarefa que antes era

feita por um funcionário do banco. Antes o banco pagava uma pessoa

para fazer o saque para mim, agora eu faço essa tarefa e ainda pago

o banco por isso! Não é à toa que eles estão ricos!

Ainda mais grave, porém é a situação de bilhões de pessoas

que estão desconectadas da “rede”. E como diz Castells: “quando a

Rede se desliga do Ser, o Ser se desliga da Rede” (CASTELLS, 2000,

p. 41). Ou seja, quando as pessoas sentem-se ameaçadas em seu

modo de vida e identidade cultural pelo bombardeio da sociedade

informacional, tendem a opor resistência a tais mudanças. Mais

ainda, quando perdem seus empregos devido às novas tecnologias

juntamente com as condições de empregabilidade (domínio de

informática, inglêsetc.).Entãoessaspessoassesentem inseguras

em um mundo em vertiginosa mutação.

Uma das reações dos excluídos é buscar a segurança de formas

de pensar que reduzem a complexidade da sociedade contemporânea

em termos de bom e mau. O pensamento fundamentalista, em suas

várias versões, oferece justamente isso. O pentecostalismo cristão

113PedagogiaUESC

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5

(seja ele católico ou evangélico), o fundamentalismo mulçumano

e judeu são expressões da tentativa de reconstrução dos laços

comunitários e dos valores tradicionais, como forma de criar uma

identidade capaz de transmitir segurança e sentido a seus adeptos:

uma redoma de conservadorismo contra um mundo em que os valores

tradicionais estão se diluindo. O fundamentalismo, entretanto, não é

um fenômeno apenas religioso, existe o fundamentalismo político que

alimentaaintolerânciareligiosacomoformadepromoverconflitos,

guerras e alavancar a venda de armas.

Além do fundamentalismo, existe a anomia social, isto é, o

abandono das regras construídas socialmente em nome de regras

grupais ou individuais, o que demonstra a quebra da solidariedade

social na construção de projetos coletivos. As pessoas mergulham

na frustração e perda de sentido, buscando viver apenas o aqui e

o agora. Basta considerar como muitas pessoas se comportam no

trânsito,ocrescenteconsumodedrogasedos índicesdeviolência

para constatar tal fenômeno. Tais tendências podem nos levar

à contraditória situação de termos alta

tecnologia e barbárie ao mesmo

tempo. Nos tempos da Guerra Fria se

especulava se nós seríamos capazes

de não destruirmos a nós mesmos em

um conflito nuclear. Hoje vivemos as

mudanças climáticas que estão levando

à destruição do planeta e não parecemos

tercompetênciasuficienteparamudaro

rumo das coisas.

A sociedade do conhecimento tem

que ser uma sociedade onde caibam

todos sem exclusão. Isso significa que

precisamos de um mundo plural e democrático, mas cujos

interesses comuns, inclusive os das gerações futuras, estejam acima

dos interesses privados ou de grupo.

2.2 A era informacional não precisa de meros repetidores

A era industrial criou a sociedade de massa, voltada para o

consumoeaproduçãoemsérie.Odesafioparaospaísescapitalistas

era ampliar os mercados consumidores para suas mercadorias até

chegar ao limite máximo que só poderia ser rompido através das

guerras.

Figura 4 - Fonte: http://vidasustentavel.wordpress.

com/2007/01/15/consumo-consciente/

114 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

Na sociedade informacional, não se busca apenas atingir novos

mercados, mas criá-los para seus produtos. Isto é possível através de

inovações tecnológicas que aceleram a substituição de produtos que

ainda estariam em condições de uso. Por exemplo, muitas pessoas

trocam seus aparelhos de celular por aparelhos mais modernos com

mais recursos, ou seus aparelhos de TV por novas TVs de plasma ou

LCD. O impulso de consumo não é mais dado pela satisfação de uma

necessidade, ou seja, eu não tenho uma geladeira, por isso quero

ter uma, mas pelo impulso de trocar os produtos de que já disponho

e que estão em perfeito estado. Nessa nova lógica, leva vantagem

quem produz novidades e personaliza os produtos.

Nesse sentido,osnovosprofissionaisnãodevemsermeros

repetidores de fórmulas antigas, devem ser criativos e capazes de

se antecipar aos desejos dos consumidores. Também devem estar

abertos a mudar de opinião e a trabalhar cooperativamente na solução

de problemas. Ser competitivo e individualista não corresponde mais

ao modelo de empresário ou trabalhador bem sucedido.

Na era industrial, a escola estimulava a competição entre os

alunos e excluía aqueles que não conseguiam atingir o desempenho

esperado. Na sociedade informacional, a escola deve ensinar os alunos

a respeitarem as ideias dos outros e a trabalharem em grupo, pois

a novidade pode surgir em qualquer lugar e idéias, aparentemente

ridículas, podem render bons resultados quando amadurecidas

coletivamente. Além disso, na sociedade informacional em que o

conhecimento e a informação são, ao mesmo tempo, produto e meio

de produção, não podemos nos dar ao luxo de termos milhares de

analfabetos e semi-analfabetos, pois estes representam um obstáculo

tanto à expansão do consumo quanto um limite para ampliarmos a

produção. Até mesmo tarefas aparentemente simples, como manejar

o gado, exigem controle e administração para evitar desperdícios e

prejuízos. Isso não se aplica apenas ao fazendeiro, o vaqueiro também

precisaserqualificadopararealizarosregistrosdiáriosdaevolução

do rebanho. Não há ramo da produção, em que o modelo industrial

demão-de-obradesqualificadaeabundante,comoformadereduzir

os custos, se aplique.

No Brasil, por exemplo, cresce a procura por profissionais

qualificados, só a demanda do pré-sal, por exemplo, gerou a

necessidade de qualificarmos 285 mil trabalhadores nos próximos

cinco anos. A universalização do sistema de ensino é o fator decisivo

para garantir o desenvolvimento do país. Tão necessário quanto os

melhoramentos em infraestrutura e produção de energia.

115PedagogiaUESC

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5

3 AS NOVAS FORMAS DO APRENDER

Para sermos capazes de vencer os desafios da era do

conhecimento e, ao mesmo tempo, superarmos a exclusão social,

aintolerânciaeaperdadesentido,fontesdaviolência,depressãoe

outros impulsos autodestrutivos da sociedade; é preciso construir um

novo modelo de educação. Até agora temos insistido no modelo de

ensino da era industrial e nos apegando desesperadamente a cada

nova moda pedagógica, como se fosse capaz de salvar-nos de todos

os problemas. Não existem milagres e tampouco remendos possíveis

na velha estrutura.

É preciso uma verdadeira mutação na educação. Muitas das

soluções para a crise atual da educação não precisam ser inventadas

por nenhum iluminado, são apenas a aplicação de princípios que

nunca foram levados suficientementea sérionomodelo industrial,

preocupadocoma reduçãodecustosemaximizaçãodaeficiência.

Mas a busca de eficiência, ainda perseguida pelas políticas

educacionais, apenas transfere a ineficiência da escola para a

sociedade sem eliminá-la. Ou seja, ao pensar em como reduzir os

custos da educação, os governos e as instituições privadas pensam

em aumentar o número de alunos por sala; reduzir o salário dos

professores; cortar os recursos do transporte escolar e da merenda e,

principalmente, aprovação automática! Tudo isso parece resultar em

umensinodebaixocustoeeficienteematenderademanda.Mas,na

prática, apenas gera milhares de analfabetos funcionais. Pessoas que

ingenuamente, muitas vezes, pagam até a faculdade com grandes

sacrifícios, mas que mal sabem discutir um tema da atualidade ou

escrever uma redação de modo argumentativo.

Nossas crianças permanecem mais tempo na escola,

conseguimos reduzir a evasão escolar, mas isso não significa que

todos que estão lá estão realmente aprendendo. Os professores estão

desmotivados e deprimidos, pois seus alunos já descobriram que

estudando ou não serão aprovados do mesmo jeito. Então escolhem

o caminho mais fácil de divertir na escola, enquanto os professores

sofrem no seu novo papel de guardas sem armas de uma turba cada

vez mais agressiva.

A retomada da alegria de ensinar e de aprender não passa

por transformar a escola em um show de TV, mas em investimentos

sérios em educação e não mera maquiagem dos números.

Nesse sentido, algumas condições básicas devem ser

cumpridas. Destacamos aqui algumas delas antes de tratarmos das

questões metodológicas, pois sem atender a tais condições mínimas,

116 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

corremos o risco de ficar espalhando ilusões que redundam no

aumento da sensação de fracasso e de culpa dos professores, por

não conseguir cumpri-las.

3.1 A gestão escolar

Na escola da era industrial a criança estava submetida a uma

disciplina rígida, desvios de conduta eram coibidos com castigos

físicos e, mais recentemente, com suspensões e expulsões. Nos

últimos anos, os direitos das crianças e jovens avançaram bastante.

Mas não podemos cair no extremo oposto, ou seja, que as crianças

e jovens ampliem suas liberdades na escola à custa dos direitos dos

professores e demais funcionários da escola. Cresce a cada dia os

casosdeviolênciacontraprofessoresnasescolas,masissoéapenas

a face mais visível de um processo cotidiano de perda de autoridade

dos professores e das instituições de ensino. Não se pode educar sem

regras. Contraditoriamente, a escola hoje parece ser o único lugar a

querer realizar esta impossibilidade.

Para que as regras na escola funcionem é preciso que as

sanções tenham efetividade e que a direção da escola possa fazer uso

delassemacoaçãodaprefeitura,dogovernodoestado,dotraficante

do bairro ou de quem quer que seja. O aluno não pode achar que vai

xingar ou bater no professor e permanecer impune. E o professor tem

queteracertezadeque,sesuaautoridadefordesafiada,adireção

tomaráasprovidênciascabíveis.Essediscursopareceóbvioe,até

mesmo, desnecessário, mas as políticas governamentais roubaram

a pouca autoridade de que dispunham professores e diretores. Se

quisermos que a escola funcione é preciso que a autoridade seja

devolvida,oqueimplicaaindesejávelconsequênciadequeaqueles,

quevãoàescolaparapraticarviolênciacontraoscolegasecontraos

professores, devem contar com o apoio de psicólogos e assistentes

sociais, mas não podem ter tal comportamento tolerado de forma

alguma. Além disso, a escola deve reforçar os vínculos com a

comunidade para que possa ver os pais como aliados do processo

educativo, e não como inimigos.

3.2. Salas com menos alunos e escolas menores

O ambiente escolar não é um mero acessório no processo

educativo. Na era industrial, o professor era visto como um

transmissor de conhecimentos e, nesse caso, a participação exigida

dosalunoseraapenasosilêncio.Sequeremoslevarosprincípiosde

117PedagogiaUESC

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5

uma educação dialógica e construtivista a sério, temos que pensar

nas dimensões da sala de aula. Para que uma sala de aula funcione,

não pode se transformar em um clubinho de amigos, portanto, menos

que sete alunos por sala, inviabiliza o distanciamento necessário entre

professor e alunos. Uma sala com mais que vinte alunos, por sua

vez, não permite que todos possam ser conhecidos e acompanhados

pelo professor em seus processos de aprendizagem. Hoje temos

professoresqueperdemavozdetantopedirporsilêncioparauma

sala superlotada. É claro que ninguém aprende em um ambiente

assim.

Se os governos estão realmente preocupados com a educação,

issodeveserexpressonoquantogastamcomela.Issosignificaque

ao invés de colocar quarenta ou até cinquenta alunos em uma sala,

é mais sensato contratar mais um professor e formar duas salas de

vinte.

O tamanho das escolas também influencia no aprendizado,

escolas grandes criam impessoalidade e anonimato, as crianças

sentem-se inseguras e dispersas em ambientes assim. Além disso,

torna o ambiente escolar mais barulhento e difícil de controlar. Escolas

menores são mais aconchegantes, permitem que todos se conheçam

e que os alunos possam ser acompanhados em sua vida escolar desde

o início.

3.3 Professores capacitados e com tempo para se

dedicar a projetos de ensino

Se a educação deve ser investigativa e problematizadora,

o professor deve ser também um pesquisador, fascinado pelo

desenvolvimento de novas metodologias de ensinar. Para tanto, a

carreira do professor deve estimular a capacitação docente através de

incentivosfinanceirosparaosprofessoresqueparticipamdecursos

de aperfeiçoamento em sua área, da mesma forma que os professores

das universidades públicas recebem incentivos para desenvolverem

suas pesquisas. Além disso, os professores que desenvolverem

projetos de ensino devem ter os projetos contados em sua carga

horária,paraquepossamtertempoparadesenvolvê-los.

4 ENSINAR COMO SE APRENDE

Na era industrial, a preocupação central era a transmissão

118 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

dos conhecimentos elementares para preparar para o mercado

de trabalho. Na sociedade informacional, jamais nos podemos

considerar já formados e que não temos nada mais a aprender em

um determinado campo do conhecimento. É preciso que estejamos

aprendendo o tempo todo e atentos às descobertas em outras áreas

que não a nossa.

Não faz sentido pensar a educação como transmissão de

conhecimentos, pois os conhecimentos a serem transmitidos estão

emconstanteexpansãoenão temosumaclaradefiniçãodequais

serão mais necessários em um futuro próximo. Portanto, mais do que

ensinar conteúdos é importante ensinar a investigar. Ou seja, ensinar

os alunos a se tornarem pesquisadores capazes de aprenderem por si

mesmos e continuarem seu processo formativo, mesmo depois de já

terem abandonado o ensino formal na escola.

Para que possam desenvolver tal habilidade é preciso que

o ensino se aproxime da forma como se aprende. Aqui voltamos

a nossa primeira unidade, quando falávamos que conhecimento é

aquilo capaz de garantir a nossa vida. Conhecer envolve aprendizado,

istoé,acapacidadederecolhersignificadodasexperiênciasvividas.

Possotermuitasexperiências,masnemporissoaprendercomelas.

Oaprendizadoocorre,emgeral,quandoalgosemodificaetenhoque

desenvolver uma solução para me adaptar à mudança. Vejamos mais

de perto como isso ocorre.

Através da experiência, chegamos a determinados

conhecimentos; esses moldam nossa conduta, de modo que nossas

ações são uma demonstração de que fomos capazes de interpretar

racionalmentealgoepreverconsequênciasfuturasdenossasações.

Logo, a ação é o que revela se há conformidade real com a previsão.

Porexemplo,deverobjetoscaindoinfiroquetodososobjetossão

atraídos para baixo, então eu sei que se jogar meu querido gato pela

janela do apartamento do 10° andar, ele cairá. É para isso que serve

o conhecimento, para ditar minha conduta futura de modo que eu não

precise jogar o gato pela janela para saber que ele vai cair.

Acomprovaçãodeumacrençaatravésdaexperiênciareforça

essa crença, sua não comprovação gera a dúvida. Portanto, como

afirmaofilósofoCharlesS.Peirce,ascrenças

[...] guiam nossos objetivos e moldam nossas ações [...]. O sentimento de crença é uma indicação mais ou menos certa de que se estabeleceu em nossa natureza algum hábito que irá determinar nossas ações. A dúvida nunca produz tal efeito (CP 5.370-371).

119PedagogiaUESC

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Ou seja, as crenças geram hábitos que determinam ações.

Issonãose refereapenasaossereshumanos,gatos tambémtêm

determinados hábitos que os conduzem a determinadas ações, por

exemplo,adenãosejogarpelajanela.Porém,quandoaexperiência

contradiz a crença e um efeito previsível não ocorre, gera a dúvida.

A dúvida não gera nem hábito nem ação, e sim uma espécie de

paralisia,poiselasuspendeohábitoe forçaà reflexãoatéquese

forme uma nova crença. A diferença entre um ser humano e um gato,

ou uma pedra, está na vivacidade da mente. Muitos animais, por

exemplo,dificilmentemudarãoseushábitosmesmoqueaexperiência

demonstre o contrário, mesmo que isso possa levar à extinção de

alguns deles.

A vivacidade da mente é a capacidade de mutação de um

hábitoparaoutro,semprequeaexperiênciaevidenciarqueháuma

flagrantedesarmoniaentreasconsequênciaspráticasconcebidase

asconsequênciaspráticasreais.Éclaroquemesmonacomunidade

científica não acontece assim, muitos custaram a acreditar que a

Terra gira em torno do Sol; que lavar as mãos evita a disseminação

de germes etc.Mas a tendência é que novos paradigmas venham

por fim se estabelecer, como demonstrou ThomasKuhn. Portanto,

a vivacidade da mente está em sua capacidade de romper com

hábitos, reconhecendo, na novidade da experiência, seu elemento

de mutabilidade que se faz sujeito de uma nova crença. Não existem

verdades eternas e imutáveis, a verdade é sempre provisória, sempre

sujeita ao aperfeiçoamento e à evolução na compreensão do mundo.

Nesse sentido, aprendizagem é a capacidade viva de alterar a

própria conduta – a dúvida é o seu motor. Citando novamente Peirce:

Eu não creio que o hábito por si só possa produzir desenvolvimento. É a catástrofe, o acidente, a reação que conduz o hábito a uma condição ativa e cria um hábito de alterar hábitos. Aprender é adquirir um hábito. O que faz os homens aprenderem? Não meramente a visão daquilo que estão acostumados, mas perpétuas experiênciasnovas, que os lança a um hábito de abandonar velhas ideias e formar novas (PEIRCE, 1976, p.142).

Ora, então qual é o papel da educação, segundo a visão

pragmatista de Peirce? Se aprender é adquirir um hábito, a função

da educação é gerar aprendizagem. Ou seja, confrontar através

da experiência as crenças já fixadas demodo progressivo; o que

poderíamos chamar de uma educação problematizadora, ou como dizia

Paulo Freire, uma pedagogia da pergunta. Não um mero perguntar

ou duvidar diletante, mas praticamente, ou seja, mostrando que

120 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

determinadacrençanãosesustentanocursofuturodaexperiência.

Isso não quer dizer que devemos levar todas as nossas crenças a teste

em laboratório, mas confrontá-las na comunidade de investigação e a

crítica racional dos demais membros da comunidade.

Voltando a nossa questão inicial, o educar deve se aproximar

ao máximo da vida, isto é, da forma como os seres aprendem

realmente em suas interações entre si e com o mundo. A diferença,

porém,entreavidaeaescola,segundoofilósofoJohnDewey,éque

naescolaasexperiênciassãocontroladas, istoé, intencionalmente

planejadas para provocar dúvida e novos conhecimentos. Uma vida

pobreemexperiênciaspodefazercomqueumindivíduovivamuito,

mas aprenda pouco.

A escola deve ser o espaço em que as experiências

problematizadoras ocorram o tempo todo, levando as crianças e jovens

ao sentimento de dúvida e à necessidade de encontrar respostas para

os problemas apresentados. Para tanto, os problemas não podem ser

falsos problemas. Um falso problema é aquele que as pessoas, ou o

professor, já tem a resposta pronta e só está esperando para ver se

alguém repete a resposta, por exemplo: “quem descobriu o Brasil?”.

Um problema genuíno é aquele que nos intriga e nos leva a investigar.

Certa vez perguntei, para as crianças da terceira série, como

os esquimós tomavam água se viviam no meio da neve. Um deles

prontamente respondeu que era derretendo o gelo. Então perguntei:

“mas esse gelo como se forma?”. Novamente alguns responderam

depois de pensar um pouco: “lá é muito frio, então a água do mar

congela, é isso.” Aqui então chegamos ao problema: “mas se água

do mar é salgada – perguntei eu – o gelo não deveria ser salgado

também?” Aqui começou um sério processo de investigação, eles

começaram a pesquisar sobre a vida dos esquimós, sobre seus

hábitos para viver no Ártico, e teve um deles, inclusive, que colocou

água com sal na forminha do congelador para ver se ela congelava.

Imagine o que aconteceu quando a mãe foi usar o “resultado da

experiência”paragelarosuco.Esseexemplo,nãotemnadademuito

extraordinário, apenas ilustra como ensinar pode se tornar uma

investigação apaixonante.

Agrandedificuldadeéqueapresentamososconhecimentosjá

prontos, como se a realidade fosse um livro aberto sem segredos. Na

verdade, a nossa curiosidade é despertada por mistérios, problemas

e coisas proibidas, justamente o que é extraído dos conteúdos

ensinados na escola. Mas o que intriga os filósofos, artistas e

cientistas, não é o já sabido e digerido e sim o misterioso, trágico

e aparentemente irracional. Até disciplinas aparentemente exatas

121PedagogiaUESC

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5

podem ser problematizadas. Por exemplo, na geometria se diz que o

pontonãotemextensãoequearetaéformadadeinfinitospontos.

Ora, se o ponto não tem extensão, a reta não deveria não ter extensão

também? Como a soma de nada pode ser alguma coisa?

Aparentemente, a educação problematizadora pode parecer

menos produtiva que a simples aplicação de fórmulas, mas os

resultados podem ser muito mais duradouros e o aprendizado

realmente significativo. Além disso, o objetivo de uma educação

problematizadora não é a acumulação de conhecimentos, embora

estes sejam importantes; o essencial é que as crianças e jovens

aprendam a pensar por si mesmos. Ou seja, que desenvolvam os

métodos de investigação racional dos problemas. Assim, quando o

computador apresentar uma mensagem de erro ao iniciar; quando

a lâmpada não acender no banheiro ou quando o molho desandar,

antes de chamar um técnico, um eletricista ou um chefe de cozinha,

ele poderá investigar o problema, levantar hipóteses e aprender algo

com aquela anomalia,mesmo que não consiga resolvê-la. Omais

importante aqui é que a investigação torna-se um hábito aplicado

cotidianamente, nas diversas esferas da vida. Assim, alguém que

aprendeu a questionar e investigar na escola, facilmente passará

a aplicar tais métodos em outros âmbitos da vida: no trabalho, na

família, na política etc.

Contudo, despertar a atitude problematizadora nas crianças

e jovens não é suficiente para que eles venham a desenvolver a

investigação de modo competente. Aqui entra outro elemento de uma

educação problematizadora: não acreditar que o pensamento de ordem

superior e as habilidades cognitivas nas crianças e jovens já estejam

plenamentedesenvolvidas;istovaidependerdotipodeexperiência

de vida dos alunos e sua herança genética, alguns são mais lógicos,

outros mais criativos e outros mais cuidadosos. Mas todas as crianças

e jovens são capazes de desenvolver igualmente o pensamento de

ordem superior e as habilidades cognitivas em determinado grau de

excelência.Antesdetratarmosdecomodesenvolveropensamento

de ordem superior nos alunos, vamos explorar um pouco mais esses

conceitos.

4.1 O pensamento de ordem superior

O filósofo Matthew Lipman define o pensamento de

ordem superior como sendo aquele que é “conceitualmente rico,

coerentemente organizado e persistentemente investigativo”

(LIPMAN, 1995, p.37). Ou seja, se pensar é estabelecer relações, o Figura 5 - Matthew Lipman

Fonte: http://orfeu.org/weblearning20/sites/default/files/media/matthew_

ipman.jpg

122 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

pensamento de ordem superior é aquele que é capaz de estabelecer

relações mais complexas, de perceber implicações subjacentes aos

fatos, mesmo que o objeto desse pensamento seja pobre de conteúdo.

Um dos graves problemas da educação é a crença de muitos educadores

de que o pensamento de ordem superior é uma característica inata do

ser humano, enquanto “ser racional” e que, portanto, não é necessário

que esse seja desenvolvido, apenas exercitado.

Outro equívoco é o de pensar que, através do exercício das

habilidades cognitivas, se está desenvolvendo o pensamento de ordem

superior. Ou seja, que se exercitando com os alunos a capacidade de

classificar, ordenar, dar exemplos, levantarhipótesesetc., teremos

o pensamento de ordem superior como resultado. Como afirma

Lipman,“nãoépormeiodorefinamentodashabilidadescognitivas

que o pensamento de ordem superior é aperfeiçoado, mas sim que o

pensamento de ordem superior é o contexto no qual as habilidades

cognitivas são aperfeiçoadas” (LIPMAN, 1995, p. 40). Por exemplo,

não é aprendendo como se usa um alicate, uma chave de fenda ou um

martelo, que alguém se torna mecânico. O que diferencia o mecânico

não é o uso dessas ferramentas, mas saber onde empregá-las, de

maneira adequada, paraproduzir determinadosfinsdesejados.Da

mesma forma, não é o exercício de cada habilidade em particular

que vai gerar o pensamento de ordem superior. O que caracteriza

o pensamento de ordem superior é apenas saber como usar cada

ferramenta, mas de saber onde, quando e quanto empregar cada uma

das ferramentas do pensamento. Na medida em que o pensamento

de ordem superior se desenvolve, as habilidades também vão se

refinando.

A questão que se coloca é a de como ensinar o pensamento

de ordem superior, já que esse não é o mero exercício de habilidades.

Antes de tratar dessa questão é importante ressaltar que o

pensamentodeordemsuperiornãodeveseridentificadoapenascom

o pensar crítico. Ele é uma mistura do pensamento crítico, criativo e eticamente responsável.

O pensamento crítico é aquele que se orienta basicamente por

critérios. Muitas vezes ouvimos falar que tal grupo de alunos é bastante

“crítico”, pois reclamam de tudo; ou que tal pessoa é muito “crítica”,

por sempre ser “do contra”. Essa visão corrente do que é ser crítico,

não corresponde ao que é ser crítico de fato. Muitas vezes, podemos

não estar de acordo com algo e nossa posição estar fundamentada

em impressões superficiais, em preconceitos, em informações

incompletas e insuficientes etc. O pensamento crítico se distancia

dasformasdopensarmaissuperficiaisporserummododepensar

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basicamente regido por regras e que visa, igualmente, encontrar

problemas e resolver problemas. Ele é também extremamente

deliberativo, examinando continuamente e ponderando alternativas

à luz de padrões e critérios explícitos, como seria de se esperar de

um modo de pensar mais intimamente associado à prática crítica.

É um pensamento necessariamente autocorretivo e susceptível ao

contexto, na medida em que é capaz de perceber contradições e

incoerênciasemsuaformadeorganizaçãoedebuscarverificaros

casos em que uma regra se aplica e quando não. Sendo assim, o

pensar crítico é capaz de colocar o seu ponto de vista em perspectiva

para analisar o ponto de vista dos outros.

A crítica não se restringe, portanto, a apontar onde estão

os erros, mas também em apontar possíveis saídas e alternativas

às situações problemáticas. Desenvolver nos alunos o pensamento

crítico, significa desenvolver a capacidade de fazer distinções, de

estabelecer conexões e de ordenar e organizar as ideias. Tudo isso

favorece a avaliação crítica sobre conceitos, algo fundamental ao

pensarfilosófico.

Enquanto o pensamento crítico é guiado sempre por regras, o

pensamento criativo pode ou não guiar-se por regras; pode inclusive

ser contestador de regras. Há outras diferenças:

[...] o pensamento crítico, tomando um aspecto individual doproblemade cadavez, é capazde reduzir o conflitoque surge quando apelamos simultaneamente a critérios diferentes. O pensamento criativo, por outro lado, tende a empregar vários critérios contrastantes ao mesmo tempo, intensificandoassimoimpactodramáticoqueopensadorcriativo aspira produzir (LIPMAN, s/d, p. 4).

Por seu caráter mais abrangente, o pensamento criativo está

voltado para totalidade, à busca de inovações, é mais imaginativo.

O pensamento eticamente responsável é aquele que rompe a

dicotomia entre razão/emoção. Como disse Lipman,

[...] ao invés de supor que as emoções são tempestades psicológicas que perturbam a luz clara da razão, podemos conceber as emoções como sendo elas próprias formas de juízo – ou, de um modo mais amplo, formas de pensamento. Se o pensamento cognitivo, analítico, crítico,éum‘pensarralo’,entãoopensamentoafetivoéum‘pensarespesso’[...]asemoçõesnãosãoapenasasconsequênciasdosjuízoshumanos:elassãoosprópriosjuízos. A própria indignação que sentimos quando lemos sobre alguma inominável indignidade perpetrada contra um estranho é o nosso juízo da infâmia do gesto (LIPMAN, s/d, p. 7).

124 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

Durante muito tempo se pensou que ao entrar na sala de aula

as emoções deveriam ser deixadas do lado de fora. Criamos uma

escola extremamente racionalista, um ambiente frio cheio de regras

e normas impessoais que caem – não se sabe bem de onde – na

cabeça de alunos e professores para serem aplicadas. Esse tipo de

ambiente cria a imagem de que o saber é algo árido e morto e que

só se pode encontrar alegria e o prazer em outros ambientes fora da

escola, ou nos espaços informais, como nos intervalos entre as aulas

e no recreio.

Atualmente, a ética emerge como uma questão fundamental

de nossa sociedade, e a escola é chamada a dar respostas às

questões éticas. As emoções e afetos voltam a serem considerados

por educadores, dada a sua importância na formação dos juízos

morais. Ou seja, é o pensamento ético que impede que o raciocínio

degenere em um mero cálculo sobre as vantagens que eu posso ter

cada situação, ao destacar também os interesses dos outros e a dar

o mesmo valor a esses que aos nossos próprios interesses. Segundo

Lipman,

[...] nenhum esquema para aperfeiçoar o pensamento poderá florescer enquanto o único tipo de pensamentodigno desse nome for o pensamento dedutivo ou alguma outra forma austera de racionalidade. A abordagem pedagógica de ensinar a pensar tem que incluir o pensamentoafetivo–nãoapenaspordeferênciaaalgumavaga fidelidade ao pluralismo democrático, mas porquenãoenfatizarsuficientementeasoutrasvariedadesresultaapenasno tratamentosuperficialdaquelavariedadequefor considerada (LIPMAN, s/d, p. 7).

Se os alunos não forem incentivados a perceber que cada

um precisa dos demais, que é necessário respeitar e ser atencioso

para com o outro, provavelmente eles terão dificuldades até para

reconhecer que existem obrigações morais.

Ao separarmos o pensamento crítico do criativo e do ético,

essa separação não deve ser entendida como uma fragmentação

do pensamento. Não existe pensamento realmente crítico que não

seja, ao mesmo tempo, crítico e ético. O mesmo se refere também

ao pensar crítico e ético. O pensamento realmente ético não pode

ser fruto do desejo frívolo, mas permeado pela ponderação e pela

imaginação sobre todas as implicações possíveis de nossa ação, o

que propriamente é o que caracteriza o juízo moral. A separação que

realizamos cumpre apenas a função didática de examinar cada forma

de pensamento em particular, no uso prático do pensamento, essa

separação não é possível.

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4.2 Habilidades Cognitivas

Otemadashabilidadesdepensamentoedascompetências

tem sido frequente nos documentos oficiais sobre educação. No

entanto,aindaficamemcertograudegeneralidadeenemsempre

indicam como efetivamente desenvolver tais competências e

habilidades. Matthew Lipman agrupa as habilidades de pensamento

ou habilidades cognitivas em quatro grupos. Um primeiro grupo seria

o das habilidades de investigação que tem por objetivo descobrir ou

inventar maneiras de lidar com aquilo que é problemático. Envolve

atividades como observar, elaborar hipóteses, testar hipótese, buscar

regularidadesetc.Sãohabilidadesprópriasdainvestigaçãofilosófica,

assimcomodeoutrasciências,emqueosalunossãoconvidadosa

refazer o caminho da descoberta e da construção do conhecimento.

Outro grupo de habilidades são as habilidades de raciocínio,

que é o processo de ordenar e coordenar aquilo que foi descoberto

através da investigação. Implica em descobrir regras de validade

para que possamos conservar a verdade de algo enquanto passamos

de um raciocínio para outro dentro de uma sequência lógica. São

habilidadesderaciocínioasdefazerinferências,detectarpremissas

ou pressuposições subjacentes, exemplificar, comparar, identificar

similaridades e diferenças etc.

As habilidades de formação de conceitos implicam na

organização de informações e na construção de grupos relacionais

que facilitam sua utilização na compreensão e no julgamento. A

partir da construção de vários conceitos, podemos relacioná-los

entre si e produzir princípios, critérios, argumentos, explicações

etc.Osconceitossãonoçõesdensasdesignificadoeé importante

que sejam apreendidos pela sua real extensão para evitar equívocos

e ambiguidades, principalmente na Filosofia que opera através da

construção e redefinição de conceitos. Habilidades como fazer

distinções, fazer conexões, agrupar, classificar, definir, identificar

significados,explicaretc.,contribuemnaelaboraçãoedistinçãode

conceitos.

Um último grupo de habilidade, mas não menos importante,

é o de traduçãoqueimplicanatransmissãodesignificadosdeuma

língua ou esquema simbólico, ou modalidade de sentido, para outra,

mantendo-os intactos. Muitas vezes, quando pensamos em tradução

imaginamos apenas a tradução de uma língua para outra. Mas também

trata-se de tradução quando pedimos aos alunos que representem um

texto sob a forma de teatro, pintura ou música. Estamos passando,

nesse caso, de uma modalidade de sentido para outra. Isso exige

126 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

um esforço para interpretar o real significado do texto, pois é da

preservação do significado de que se trata e não de uma simples

transição de uma modalidade a outra, com o objetivo apenas de

exercitar a criatividade ou de tornar “a aula mais dinâmica”. Não é,

portanto, algo que se possa realizar sem critérios e cuidadoso estudo.

ComoafirmaLipman,“ainterpretaçãosefaznecessáriaquandoos

significadostraduzidosnãosãocapazesdefazerumsentidoadequado

no novo contexto no qual foram colocados. Consequentemente, o

raciocínio preserva a verdade e a tradução preserva o significado”

(LIPMAN, 1995, p. 72). Uma série de habilidades pode contribuir para

que os alunos se tornem cada vez mais atentos à preservação do

significadoaotraduziremumaideiaoutexto,mesmoquando,como

eles costumam dizer, “escrevem com suas próprias palavras”. São elas

a de prestar atenção, interpretar criticamente, perceber implicações e

suposições, parafrasear, inferir etc.

Como já foi dito anteriormente, as habilidades não são

trabalhadas de forma fragmentada, mas todas em conjunto. Embora

tenhamos de ter claro que determinadas atividades reforçam o

desenvolvimento de um grupo de habilidades do que outras. O professor

deve estar sempre atento para reconhecer quais as habilidades de

pensamento que está pretendendo desenvolver em cada atividade que

propõe em sala de aula. Pois, o não desenvolvimento das habilidades

cognitivaspodecomprometerseriamentetodootrabalhodereflexão

crítica com os alunos.

Tendo detalhado um pouco mais o que chamamos de habilidades

cognitivas, resta agora indicar como elas podem ser desenvolvidas na

sala de aula. É aqui que entra o papel do diálogo na Comunidade de

Investigação.

4.3 Diálogo e Comunidade de Investigação

O pensamento de ordem superior se opera através da

linguagem. Quando nos pronunciamos a respeito de uma questão

ou conteúdo problemático, somos convidados a organizar o nosso

pensamento e tornar nossas ideias claras para que possam ser

compreendidas por nossos ouvintes. Nas formas mais tradicionais de

ensino pouco espaço é dedicado à prática dialógica em sala de aula.

Emboranãoseadmitaisso,namaioriadasvezes,bastaverificarmos

quanto tempo cada um dos alunos usa a palavra durante uma aula e

quanto tempo o professor dela faz uso. Por outro lado, não basta abrir

espaço para que os alunos falem para se ter um diálogo. Da mesma

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forma que, na maioria de nossas atividades cotidianas, não fazemos

uso do pensamento de ordem superior, não é qualquer exercício da

linguagem que desenvolve as habilidades cognitivas. Essa seria uma

das distinções entre um bate-papo na sala de aula e o diálogo em

uma Comunidade de Investigação. Numa conversa, os participantes

não estão diretamente interessados em construir algo, ou aprimorar

seus conhecimentos sobre determinado assunto. Estão apenas

interessados em trocar informações e apreciações pessoais sobre as

coisas e não se espera que se tenha muito rigor nessa atividade. Por

isso, quando um professor quer instigar a conversa com os alunos

ele faz perguntas como: “o que você acha?”, “qual sua opinião?”,

sem estar muito preocupado em levar o aluno a confrontar o seu

pontodevistacomosdemaisoulevá-loaautocorrigir-se.Aofinal

de um diálogo, entretanto, espera-se que as pessoas saiam com um

conhecimento maior do que o que já tinham sobre aquilo que estavam

discutindo.

Para que isso seja possível, o diálogo deve ser um processo

em que a fala de cada um é ouvida respeitosamente; cada um dos

falantes sente-se seguro para exprimir seu ponto de vista e sabe

que seus colegas o tomarão a sério nas reflexões que farão após

a sua. É um espaço em que sou convidado a rever os meus pontos

de vista e mudar de opinião caso esteja errado. Ninguém

pode participar honestamente de um diálogo se já estiver

com sua verdade “guardada no bolso”.

Ou seja, se tiver uma posição dogmática e não estiver

dispostoasubmetê-laàcrítica.Paraparticipardodiálogo,

devo estar sinceramente convencido de que não sei tudo

e posso estar enganado sobre coisas que pensava ter um

conhecimentomaisdoquesuficiente.

Não se consegue criar essa situação de diálogo na

sala de aula de um dia para o outro, vale lembrar que os

jovensvêmdeumaexperiênciadeanosdesilêncioouderecepção

passiva de informações, seja na escola ou em casa com a TV. Portanto,

é necessário um trabalho paciente para educá-los a participação em

uma comunidade dialógica de investigação. A princípio, todos vão

quererfalaraomesmotempoedificilmenteestarãoatentosaoque

o outro está dizendo, preferindo exprimir suas opiniões com o colega

dolado.Nessemomentooprofessordeveserfirmepedagogicamente

para que as regras (levantar a mão quando quiser falar; esperar a

vez; ouvir o que os outros estão dizendo etc.) sejam respeitadas por

todos.

Essa prática se torna bem mais fácil se todos estiverem

Figura 6 - Fonte: http://www.expressnews.ualberta.ca/

images/9524.001.jpg

128 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

sentados em círculo juntamente com o professor. Numa comunidade

de investigação, o professor é um participante como qualquer outro.

As diferenças estariam no fato de ele coordenar o diálogo (função

que, com o tempo, pode também ser assumida por outro membro

da comunidade de investigação ou por ela mesma como um todo) e

deterummaiorconhecimentoeexperiênciasobreotemaqueestá

sendo discutido. Frente a essa situação, é preferível que o professor

nãomanifesteoseupontodevistacommuitafrequência,paranão

correr o risco de acabar conduzindo ou manipulando o diálogo. É

preferível que alimente o diálogo em comunidade sempre com novas

perguntas, buscando aprofundar cada vez mais a investigação do

tema ou atingir uma compreensão mais abrangente sobre ele. Assim,

comoSócratesemsuamaiêutica,devemosserasparteirasdeideias,

sempre questionando e dissolvendo preconceitos e argumentos pouco

consistentes.

Mas é sempre importante lembrar que não é o fato de os alunos

estarem sentados em círculo que garante o diálogo em comunidade

de investigação. Além do envolvimento de todos os membros no

processo investigativo, é necessário que tanto professor quanto

alunos saibam claramente o que estão investigando e busquem

fundamentar seus argumentos com boas razões. Frequentemente,

vemos aulas em que professor e alunos ficam vagando por um

labirinto de ideias e “achismos” sem encontrar saída. Nunca podemos

perder o foco de que a metodologia de diálogo investigativo tem como

objetivo desenvolver a autonomia intelectual dos alunos através do

exercício do pensamento de ordem superior. Essa autonomia não será

realmente desenvolvida, se o professor não estiver seguro de seus

objetivos pedagógicos e que a problematização da discussão não

visa de modo algum “criar confusão”, mas justamente o contrário,

ampliar a compreensão sobre determinado tema, percebendo-o em

seus vários aspectos.

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As questões a seguir têm como objetivo ajudar a fixar tudo queaprendemos até agora. Elas seguem a ordem em que está organizado o texto,portanto,seriamelhorrespondê-lasnasequênciaemqueestão.Apósrespondê-las seria bom confrontar suas respostas comas dos colegas noSeminário Integrador e esclarecer as dúvidas com o tutor. Depois, reformule suas respostas, se for o caso, e entregue suas respostas ao tutor.

1. O que caracteriza a sociedade informacional?2.Queexigênciasanovasociedadecolocaparaeducação?3.Hojeemdiafala-seem“inclusãodigital”,seriaelasuficienteparasuperara exclusão provocada pelas novas tecnologias? Explique.4.Oquesignifica“ensinarcomoseaprende”?5. Qual o objetivo da educação na era informacional?6. Qual a relação entre pensamento de ordem superior e educação problematizadora?7. Como a metodologia da comunidade de investigação pode desenvolver o pensamento de ordem superior?

Como vimos nesta unidade, vivemos hoje uma revolução tecnológica sem precedentes na história da humanidade. Tal revolução implica uma mutação na educação e o abandono da velha escola voltada para formação de mão-de-obra para indústria e de uma pequena elite de administradores para dirigir a sociedade. Na sociedade atual, o conhecimento está em toda parte e não precisamos mais de indivíduos que apenas saibam obedecer a ordens e repetir fórmulas. É preciso que as pessoas sejam capazes de aprenderem por si mesmas. O tempo em que o sujeito terminava seus estudos e achava que já estava capacitado para trabalhar, não existe mais. Hoje precisamos estudar o tempo todo e estarmos nos atualizando através das novas tecnologias, que são verdadeiras extensões de nossas mentes. A sociedade informacional exige uma educação que prepare as pessoas para aprenderem a selecionar e organizar as informações por si mesmas. Nesse sentido, mais do que familiarizar as crianças com determinados conteúdos e informações é preciso ensiná-las a pensar. Isso ocorre através de uma educação problematizadora baseada no método de investigação dialógica em uma comunidade de investigação. Na comunidade de investigação, o foco é o desenvolvimento do pensamento de ordem superior e das habilidades cognitivas. Tudo isso exige um novo modelo de escola e de professor que deve, ele próprio, tornar-se investigador e metodologicamente competente para desenvolver nos alunos a atitude questionadora e cooperativa. Do contrário, de nada adiantará os investimentos em infraestrutura, se não tivermos pessoas capacitadas para impulsionar o desenvolvimento sustentável e ecologicamente responsável de nossa sociedade.

ATIVIDADES

RESUMINDO

130 Módulo 2 I Volume 2 EAD

A sociedade do conhecimentoTeoria do Conhecimento

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

BÜTTNER, Peter. Mutação no educar. Cuiabá: EdUFMT, 1999.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

HARTSHOME, C.; WEISS, P.; BURKS, A. Collected Papers of Charles Sanders Peirce. MA: Harvard University Press, 1931-1958, 8 volumes.

LIPMAN, Matthew. O pensar na educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

_____. Educação moral, reflexão de ordem superior e filosofia para crianças. Montclair State College: New Jersey, (mimeo).

PEIRCE, Ch. S. The new elements of Mathematics. Mouton Publishers, 1976.

SOUZA, Maria C. C. Christiano de. A psicanálise e a depressão dos professores. In: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000032001000300012&script=sci_arttext#back1. Acesso em 30 nov. 2009.

REFERÊNCIAS

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Suas anotações

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