titulos de credito

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Tı́tulos de Crédito (I) Introdução: necessidade de crédito Nas primeiras aulas, discutimos um exemplo em que constituiríamos uma sociedade limitada, para desenvolver, por meio dela, uma atividade empresária. Neste exemplo, evidenciamos alguns conceitos importantes do funcionamento da atividade empresária de maneira geral (conceitos não jurídicos). Destacamos, p.ex., que no comércio, a atividade desenvolve-se na forma de um ciclo, que chamamos giro do comércio, e que poderia ser representado pelo diagrama seguinte: Um aspecto para o qual chamamos a atenção durante a exposição é que esse ciclo não necessariamente segue essa ordem. Por exemplo: o empresário pode tentar negociar maneiras para realizar o pagamento pelo preço da compra somente após o recebimento do preço de venda. Pode tentar receber o preço pela venda da mercadoria antecipadamente. Poderá tentar evitar a manutenção de mercadorias em estoque, e assim por diante. A empresa tem como objetivo a obtenção de lucro. No caso da atividade comercial, esse lucro se obtém vendendo-se o estoque de mercadorias por preço superior ao pago para a sua aquisição. No entanto, a venda por preço superior não basta: é necessário que esse giro ocorra com alguma rapidez, pois conforme o tempo passa, o empresário é chamado a cumprir obrigações que não conseguirá adiar, tais como o pagamento de salários, alugueis, contas de utilidade (luz, água etc.), tributos, e outras despesas necessárias para o funcionamento da empresa. Nesse cenário, o empresário é premido a encontrar um equilíbrio entre diversos aspectos de sua atividade: deve buscar maximizar o preço de venda das mercadorias que comercializa mas, Compra do estoque Pagamento do preço de compra Manutenção do estoque Venda da mercadoria Recebimento do preço de venda

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  • TtulosdeCredito(I)

    Introduo: necessidade de crdito Nas primeiras aulas, discutimos um exemplo em que constituiramos uma sociedade limitada,

    para desenvolver, por meio dela, uma atividade empresria. Neste exemplo, evidenciamos

    alguns conceitos importantes do funcionamento da atividade empresria de maneira geral

    (conceitos no jurdicos).

    Destacamos, p.ex., que no comrcio, a atividade desenvolve-se na forma de um ciclo, que

    chamamos giro do comrcio, e que poderia ser representado pelo diagrama seguinte:

    Um aspecto para o qual chamamos a ateno durante a exposio que esse ciclo no

    necessariamente segue essa ordem. Por exemplo: o empresrio pode tentar negociar

    maneiras para realizar o pagamento pelo preo da compra somente aps o recebimento do

    preo de venda. Pode tentar receber o preo pela venda da mercadoria antecipadamente.

    Poder tentar evitar a manuteno de mercadorias em estoque, e assim por diante.

    A empresa tem como objetivo a obteno de lucro. No caso da atividade comercial, esse lucro

    se obtm vendendo-se o estoque de mercadorias por preo superior ao pago para a sua

    aquisio. No entanto, a venda por preo superior no basta: necessrio que esse giro ocorra

    com alguma rapidez, pois conforme o tempo passa, o empresrio chamado a cumprir

    obrigaes que no conseguir adiar, tais como o pagamento de salrios, alugueis, contas de

    utilidade (luz, gua etc.), tributos, e outras despesas necessrias para o funcionamento da

    empresa.

    Nesse cenrio, o empresrio premido a encontrar um equilbrio entre diversos aspectos de

    sua atividade: deve buscar maximizar o preo de venda das mercadorias que comercializa mas,

    Compra do estoque

    Pagamento do preo de

    compra

    Manuteno do estoque

    Venda da mercadoria

    Recebimento do preo de

    venda

    DkHighlight

  • por outro lado, tem que oferecer a mercadoria a um preo suficientemente atraente para que

    algum decida compra-las, com brevidade suficiente para que o empresrio tenha dinheiro

    para suportar as despesas cotidianas de seu negcio. Por outro lado, deve tentar negociar o

    mximo prazo possvel para cumprir suas obrigaes de pagamento (p.ex. negociar prazos com

    fornecedores de mercadorias e servios), para compensar a incerteza no processo de venda de

    mercadorias e no recebimento do preo.

    Importa lembrar que nem toda atividade comporta vendas com recebimento vista do

    preo, ou seja, nem toda venda resulta no pagamento imediato do preo. Por um lado, o

    empresrio pode se encontrar tentado a conceder um prazo a seus compradores (vender

    fiado), na expectativa de, assim, vender mais mercadorias. Por outro lado, no pode se

    descuidar a ponto de que suas contas venam antes que ele mesmo tenha arrecadado

    dinheiro suficiente para pag-las. O empresrio, assim, vive buscando unir as pontas,

    trabalhando para maximizar valores recebidos e minimizar valores despendidos.

    Grosso modo, e sem querer adentrar na tcnica da administrao financeira de empresas, que

    no nosso objeto de estudo, podemos dizer que o dinheiro necessrio para manter a

    atividade empresarial em funcionamento para manter ativo o chamado giro o capital de

    giro. O capital de giro o dinheiro que o empresrio precisa sempre ter disposio para que

    possa honrar seus compromissos e, assim, evitar que a atividade empresarial se interrompa.

    Dessas consideraes, queremos extrair algumas concluses que nos serviro de base para o

    entendimento da matria:

    Toda atividade empresarial requer a alocao de determinados bens. O conjunto

    desses bens o chamado capital.

    Uma parcela desses bens destina-se a permitir o incio das atividades empresariais.

    Assim, o dinheiro gasto na decorao da loja, na constituio do estoque inicial

    (anterior ao incio da atividade empresarial), a compra de equipamentos como

    computadores para controle das vendas etc. podem ser considerados como

    investimento, ou seja, um montante que ser gasto antecipadamente, e cujo objetivo

    permitir que a empresa inicie suas atividades.

    Outra parcela desses bens deve estar reservada para o cumprimento das obrigaes

    que se apresentam de forma continuada e que tm de ser honradas

    independentemente de o empresrio ter ou no ter conseguido xito na sua atividade

    (p.ex. o lojista tem que pagar o salrio da pessoa que trabalha no caixa ainda que a loja

    nada tenha vendido). O montante necessrio para suportar continuamente essas

    obrigaes o capital de giro.

    Sabemos que existem muitas formas de obter dinheiro para uma atividade empresarial

    promovida por meio de uma sociedade empresria. A mais bvia a contribuio dos scios,

    no chamado capital social. O capital social formado por dinheiro ou outros bens, cuja

    propriedade os scios transferem sociedade, recebendo, em troca, quotas sociais (no caso da

    sociedade limitada).

    Se os scios no puderem, ou no quiserem, prover dinheiro ou bens sociedade na forma de

    capital social, a sociedade ter que obter esse dinheiro de outra forma. Alternativas comuns

    DkHighlight

  • neste caso so a tomada de emprstimos junto a bancos ou financeiras, o chamado desconto

    de recebveis (o recebimento antecipado de valores devidos sociedade, mediante a

    concesso de um desconto), a realizao de compras a prazo junto a fornecedores etc. Essas

    formas de obteno de recursos podem ser genericamente classificadas como crdito.

    Dinheiro dos scios = capital social1

    Dinheiro emprestado = crdito

    primeira vista, pode parecer estranho comparar capital social e crdito. Parecem ser coisas

    distintas e no relacionadas. Mas, do ponto de vista da economia da empresa, capital social e

    crdito servem para a mesma coisa: para que a sociedade obtenha dinheiro. Capital social e

    crdito so as duas nicas maneiras de uma sociedade obter financiamento para suas

    atividades.

    Efetivamente, pensando nessas duas figuras, nota-se que o efeito econmico tanto de uma

    integralizao de capital social quanto de um emprstimo feito a uma sociedade similar: em

    ambos os casos, um dinheiro (ou outra riqueza) que no pertencia sociedade transferido

    sua titularidade e colocado disposio para a realizao da atividade empresarial.

    Quanto s diferenas, os ensinamentos do direito societrio nos permitem identificar as mais

    importantes:

    Capital social Crdito

    Modo de instrumentalizar

    Ato societrio: subscrio e integralizao de quotas (em sociedade limitada), no momento da constituio da sociedade ou posteriormente, em aumento de capital.

    Contrato de mtuo, contrato de compra e venda de mercadorias com pagamento a prazo, ttulos de crdito etc.

    Obrigatoriedade de devoluo

    O capital s precisa ser devolvido aos scios se o scio resolver se retirar da sociedade, ou se a sociedade for dissolvida.

    O dinheiro tomado a crdito, na esmagadora maioria dos casos, tem que ser devolvido em um prazo determinado. Se no for respeitado o prazo, ocorre o inadimplemento e o crdito pode ser exigido coercitivamente.

    Remunerao O scio tem direito de receber dividendos, mas eles s so devidos se e quando a sociedade tiver lucros e deliberar distribu-los.

    O crdito normalmente impe o pagamento de juros por quem toma o crdito (quem toma o dinheiro emprestado).

    O crdito no algo necessrio exclusivamente s empresas em crise, que estejam em

    dificuldades financeiras. Empresas que estejam, por exemplo, em crescimento, ou em

    1 No fundo, essa distino merece um reparo: os scios tambm podem emprestar dinheiro para a

    sociedade. Nesse caso, a operao tambm deve ser considerada como sendo de crdito.

    DkHighlight

  • processo de modernizao, podem valer-se do crdito, em suas diferentes formas, para

    aproveitar oportunidades de negcio e assim gerar mais retorno a seus proprietrios.

    De fato, um dos trabalhos principais dos diretores financeiros das companhias a de escolher

    as melhores fontes de crdito em cada situao concreta.

    Ttulos de crdito: noes gerais

    Legislao aplicvel

    Cdigo Civil

    Decreto n. 2044/1908 (conhecida como Lei Saraiva)

    Decreto n. 57.663/66 (Lei Uniforme de Genebra, ou LUG)

    Lei 5.474/68 (Lei da Duplicata)

    Lei 7.357/85 (Lei do Cheque)

    Particularmente entre a Lei Saraiva, o Cdigo Civil e a Lei Uniforme de Genebra, existem regras

    conflitantes. Esses conflitos encontram-se hoje resolvidos de modo razoavelmente pacfico. Ao

    longo do estudo dos ttulos de crdito em espcie falaremos deles.

    Conceito legal de ttulo de crdito

    Cdigo Civil, art. 887: O ttulo de crdito, documento necessrio ao exerccio do direito literal

    e autnomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

    Esse conceito praticamente uma reproduo do conceito proposto pelo estudioso Cesare

    Vivante.

    Caractersticas essenciais dos ttulos de crdito

    Com base no conceito legal de ttulo de crdito, identificam-se trs caractersticas que, em

    princpio, esto presentes em todos os ttulos de crdito:

    A cartularidade ou incorporao, que significa a materializao, ou incorporao, do direito no

    documento2. Quem detm o ttulo legalmente pode exigir a obrigao. Quem no detm o

    ttulo, no pode.

    Na prtica, o que significa?

    A cobrana do ttulo de crdito requer a apresentao do ttulo original. Cada crtula

    (cada exemplar original de um ttulo de crdito) representa o direito de receber o valor

    nele referido. Se o devedor inadvertidamente emite dois originais, juridicamente

    obriga-se a pagar duas vezes.

    A cartularidade claramente visvel no caso dos ttulos ao portador. Nessa modalidade

    de ttulo, o portador aquele que tem a posse do documento detm, meramente

    como resultado dessa posse o direito de receber o valor representado pelo ttulo (i.e

    2 Documento uma coisa que representa um fato (Tomazette, 2011:29).

    DkHighlight

  • o crdito). A transferncia do crdito ocorre pela simples entrega do documento a

    outra pessoa.

    Excees e discusses:

    A duplicata admite, como se ver, o protesto por indicao (art. 13, 1 da Lei da

    Duplicata), que uma exceo cartularidade. H, tambm, significativo debate sobre

    se a existncia de ttulos de crdito eletrnicos tornou a cartularidade obsoleta.

    A literalidade, que se manifesta em dois aspectos: (i) o que no est no ttulo no faz parte

    dele e (ii) o que est no ttulo no pode ser questionado.

    Na prtica:

    A literalidade pode ser ilustrada com o seguinte exemplo: imagine-se que uma pessoa,

    detentora de uma nota promissria apresente-a ao devedor, para pagamento. O

    devedor paga, mas em vez de pedir a devoluo do documento original (como deveria

    fazer), aceita receber unicamente um recibo de quitao, dado em folha de papel

    separada. Mesmo que o recibo de quitao esteja perfeitamente em ordem e seja

    juridicamente vlido (dado por pessoa capaz, de livre e espontnea vontade,

    referindo-se de maneira clara e inequvoca nota promissria que est sendo paga), o

    devedor no pode opor esse documento contra uma pessoa que, tendo recebido a

    mesma nota promissria de boa-f, apresente-a para pagamento dias mais tarde. Por

    qu? Porque a quitao foi dada em documento separado e, pela literalidade, no

    passou a fazer parte daquele ttulo, que voltou a circular e poder ser novamente

    cobrado.

    Advertncias:

    No fazer parte do ttulo no significa que o recibo de quitao no tenha validade

    jurdica. Se a mesma pessoa que deu quitao viesse novamente cobrar a mesma nota

    promissria, aquele recibo de quitao seria oponvel, contra essa pessoa. Mas

    terceiros de boa-f devem ser protegidos e, como tal, teriam, tambm eles, o direito

    de cobrar novamente a mesma nota promissria (desde que estejam realmente de

    boa-f).

    O que se procura reforar a credibilidade do ttulo. Uma pessoa que o recebe deve

    ter condies de averiguar sua exigibilidade meramente examinando o documento.

    Uma informao que no esteja no ttulo (p.ex. recibo de quitao em papel separado)

    no pode restringir o direito de seu detentor.

    Cuidado com os ditos populares! H uma frase usada frequentemente para explicar o

    conceito de literalidade, que diz: O que no est no ttulo no est no mundo. A

    frase soa bem, porm induz a erro. A quitao em separado, mencionada no exemplo,

    no inexistente, nem invlida; ela apenas no oponvel a quem dela no tem

    conhecimento. Portanto, do ponto de vista jurdico, ela est no mundo, embora no

    faa parte do ttulo de crdito.

  • Excees:

    Juros de mora: Podem ser cobrados mesmo sem previso expressa no ttulo, por

    existncia de regra legal especfica (LUG, art. 48; Lei do Cheque, art. 52, II).

    Duplicata: Admite quitao em instrumento em separado, por expressa determinao

    da Lei da Duplicata, art. 9, 1.

    Por fim, a autonomia, que tambm se manifesta em dois aspectos: (i) a autonomia do ttulo

    em relao a negcios jurdicos anteriormente existentes e (ii) a autonomia entre as diversas

    obrigaes contidas no ttulo de crdito.

    Na prtica:

    A autonomia em relao aos negcios anteriores se manifesta em sua plenitude depois

    que o ttulo de crdito circula3. Por exemplo: imagine-se que A emite nota promissria

    em favor de B, como pagamento do preo pela venda de um veculo, e B endossa a

    mesma nota em favor de C. C posteriormente apresenta a nota a A para pagamento,

    que se recusa a pagar porque o veculo que lhe foi entregue tinha um defeito. A recusa

    injustificada, pois do ponto de vista de C, a nota promissria autnoma em relao

    aos negcios anteriormente existentes. Como resultado, a exceo (defesa) que A tem

    contra B no pode ser oposta a C.

    A autonomia entre as obrigaes existentes em um mesmo ttulo pode ser

    exemplificada da seguinte maneira: imagine-se uma nota promissria que A emitiu em

    favor de B, e que B posteriormente endossou em favor de C. Mesmo que depois se

    descubra que a emisso da nota por A era nula (por coao, p.ex.), o endosso feito por

    B, desde que B esteja de boa-f, continua valendo.

    Caractersticas no essenciais dos ttulos de crdito

    A doutrina identifica ainda uma srie de caractersticas ditas no essenciais dos ttulos de

    crdito. So chamadas no essenciais porque no esto presentes em todos os casos,

    podendo ser derrogadas sem que o ttulo de crdito deixe de ser considerado como tal.

    A possibilidade de derrogao faz com que alguns autores prefiram chamar essas

    caractersticas de princpios dos ttulos de crdito. No nosso caso, usaremos indistintamente

    as duas terminologias.

    As duas caractersticas mencionadas em aula so: (i) a independncia e (ii) a abstrao.

    A independncia se manifesta na desnecessidade de outros documentos para que se

    conheam as partes envolvidas, bem como os direitos e as obrigaes materializadas no ttulo

    de crdito. Essa caracterstica est intimamente ligada noo de literalidade, afinal, o que

    no est no ttulo no faz parte dele.

    3 Para essa finalidade, vamos considerar que circular significa ser transferido pelo beneficirio a um

    terceiro. Se o ttulo for ordem, p.ex., a circulao ter ocorrido aps o primeiro endosso do ttulo a uma pessoa que no fazia parte da relao original.

    DkHighlight

  • J a abstrao se refere desvinculao entre o ttulo de crdito e sua causa jurdica. Para

    melhor entendimento desse conceito, vamos deixar para examin-lo mais de perto quando do

    estudo da duplicata. Esse ttulo de crdito tem peculiaridades que permitiro entender melhor

    o sentido da abstrao nos ttulos de crdito.

    Classificaes aplicveis aos ttulos de crdito As seguintes classificaes constam no nosso programa obrigatrio:

    a) Quanto natureza ou emisso, os ttulos de crdito podem ser: abstratos ou causais.

    Vamos examinar melhor essa classificao quando falarmos da duplicata. Por ora,

    vamos dizer apenas que os ttulos de crdito abstratos so aqueles que no guardam

    vinculao com a causa jurdica de sua emisso, enquanto que os causais so os que

    guardam vinculao com a causa jurdica de sua emisso.

    A natureza do ttulo de crdito pode se modificar por vontade das partes. P.ex.: as

    notas promissrias so, via de regra, ttulos abstratos, pois no h nenhum requisito

    legal que determine alguma vinculao entre a NP e a causa jurdica de sua emisso.

    No entanto, em casos nos quais a NP emitida como forma de garantir uma

    obrigao de pagamento (p.ex. mtuos bancrios ou confisses de dvida, no caso de

    renegociao de parcelas em atraso), comum que as partes concordem em

    mencionar no texto da prpria nota tratar-se de ttulo de crdito emitido em razo de

    um negcio em particular (o prprio mtuo ou a confisso de dvida). Para alguns, isso

    faz com que a nota promissria no mais possa ser considerada ttulo de crdito, pois

    ela passaria a ser uma parte integrante da relao contratual entre as partes.

    b) Quanto ao modelo, os ttulos de crdito podem ser vinculados (cheques e duplicatas)

    ou livres (nota promissria e letra de cmbio). Os vinculados so aqueles cujo

    contedo minuciosamente determinado por uma autoridade, enquanto que os

    livres, conquanto tenham requisitos especficos, so mais maleveis quanto

    disposio de seus elementos. Ver Apndice com exemplos de modelos para melhor

    entendimento.

    c) Quanto estrutura, os ttulos de crdito podem ser classificados como ordem de

    pagamento (cheque, letra de cmbio, duplicata) ou como promessa de pagamento

    (nota promissria).

    Na ordem de pagamento, temos trs figuras: a do emitente ou sacador (quem emite a

    ordem), a do sacado (quem recebe a ordem) e a do tomador ou beneficirio, que

    quem o sacador aponta como sendo a pessoa que em princpio receberia o

    pagamento.

    d) Quanto circulao, os ttulos de crdito podem ser ao portador, ordem ou

    nominativos.

    DkHighlight

  • Ttulos ao portador. So aqueles que no indicam quem o beneficirio. Por essa

    caracterstica, sua transferncia se d pela mera tradio (transferncia da posse) do

    ttulo.

    Os ttulos ao portador vm sofrendo severa restrio. O art. 907 do Cdigo Civil

    estabelece ser nulo o ttulo emitido ao portador sem autorizao de lei especial. A LUG

    no permite a emisso de Letra de Cmbio ou Nota Promissria ao portador. As Leis n.

    8.021/90, art. 2, e 8.088/90, art. 19, restringem a emisso de ttulos ao portador e o

    endosso em branco. Finalmente, a Lei n. 9.096/95, que criou o Plano Real, veda, no

    seu art. 69, a emisso, o pagamento e a compensao de cheque de valor superior a

    R$ 100,00, sem identificao do beneficirio.

    Ttulos ordem: emitidos em favor de pessoa determinada, contendo a indicao de

    que o pagamento dar-se- a essa pessoa, ou sua ordem, o que significa que o

    beneficirio pode eleger outra pessoa para receber o valor. Essa transferncia do

    direito de recebimento a um terceiro se d por meio do endosso.

    No ordem: Alguns ttulos admitem a insero de uma clusula no

    ordem, que impede o endosso. Clusula no pode ser aposta em Duplicatas

    (Lei n. 5.474/68, art. 2, 1) nem em ttulos atpicos (CC, art. 890). A clusula

    no ordem nunca implcita, pois a regra geral de que os ttulos podem

    ser transferidos.

    Ttulos nominativos: Art. 921 do Cdigo Civil: so aqueles emitidos em favor de

    pessoa cujo nome conste no registro do emitente. Devem identificar o beneficirio e,

    alm disso, exigem tambm a existncia de um controle por parte do emitente (o tal

    registro do emitente). Em razo da existncia desse controle, sua transmisso ocorre

    apenas mediante alterao no registro, e no pelo mero endosso.

    Natureza jurdica do ttulo de crdito: teorias Natureza contratual. Contrato acordo de vontades destinado a criar, modificar, extinguir

    relaes jurdicas de contedo patrimonial. Porm, nos ttulos de crdito, no h necessidade

    de acordo de vontades (tanto na sua formao quanto, depois, na circulao, que pode

    ocorrer sem que o obrigado original saiba). Alm disso, h autonomia entre as obrigaes, que

    podem ser criadas individualmente (aceite, aval, endosso).

    Duplo sentido da vontade. Emisso de ttulo teria natureza contratual entre as partes

    originrias e unilateral com relao s demais. Esta teoria padece dos mesmos problemas da

    teoria contratual.

    Declarao unilateral de vontade. Teoria mais aceita. O aparente carter causal do negcio

    com o primeiro tomador se d no por contaminao do ttulo pelo negcio causal, mas sim

    por uma espcie de compensao. Exceo oponvel a um eventual endossatrio, p.ex., se

    operaria da mesma forma, mesmo sem relao com o negcio que deu causa emisso do

    ttulo.

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  • Teoria da criao vs. teoria da emisso. Diz respeito ao momento em que o ttulo de crdito

    ganha existncia: na confeco fsica do ttulo, sem entrega a ningum, ou na entrega ao

    tomador original. Efeito prtico: caso de furto do ttulo antes da entrega.

    Brasil: Em regra, o possuidor de boa-f privilegiado (teoria da criao).

    Art. 16 LUG: Se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de uma letra, o

    portador dela, desde que justifique o seu direito pela maneira indicada na alnea

    precedente, no obrigado a restitu-la, salvo se a adquiriu de m-f ou se,

    adquirindo-a, cometeu uma falta grave.

    Art. 896 CC: O ttulo de crdito no pode ser reivindicado do portador que o adquiriu

    de boa-f e na conformidade das normas que disciplinam a sua circulao.

    MAS:

    Art. 909 CC (aplicvel aos ttulos ao portador): O proprietrio, que perder ou extraviar

    ttulo, ou for injustamente desapossado dele, poder obter novo ttulo em juzo, bem

    como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos.

    Pargrafo nico. O pagamento, feito antes de ter cincia da ao referida neste artigo,

    exonera o devedor, salvo se se provar que ele tinha conhecimento do fato.

    Lembrar-se de que:

    Art. 903 CC: Salvo disposio diversa em lei especial, regem-se os ttulos de crdito

    pelo disposto neste Cdigo.

    Do ponto de vista do credor:

    Teoria da propriedade. O ttulo bem mvel. A propriedade do ttulo justifica a titularidade do

    direito.

    Aquisio a non domino. No-proprietrio pode, excepcionalmente, transferir direito

    que no tem.

    O tratamento do ttulo como coisa evidencia a autonomia do ttulo. Propriedade do

    ttulo nada tem a ver com outros negcios jurdicos.

    Criao da obrigao no ocorre necessariamente no mesmo momento da criao do

    direito (no existe encontro de vontades, pois atos cambirios so unilaterais).

  • Apndice: modelos de cheque e duplicata Modelo de cheque, de observncia obrigatria. Lembrar que o cheque ttulo vinculado

    quanto ao modelo.

    (Fonte: Resoluo CMN n. 885/19834)

    Modelo de duplicata, de observncia obrigatria. Lembrar que a duplicata ttulo vinculado

    quanto ao modelo.

    (Fonte: Resoluo CMN n. 102/19645)

    4 http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1983/pdf/res_0885_v2_L.pdf

    5 http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1968/pdf/res_0102_v2_P.pdf

  • Apndice: modelo de Letra de Cmbio