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REPRESENTAÇÃO GRÁFICA EM ARQUITETURA: O PAPEL DO DESENHO NOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE PROJETOS Renata Maria Geraldini Beltramin UNICAMP, Departamento de Arquitetura e Construção [email protected] Daniel de Carvalho Moreira UNICAMP, Departamento de Arquitetura e Construção [email protected] Resumo A relevância da análise na arquitetura não se dá apenas em sua compreensão enquanto produto, mas também em sua prática. A capacidade de fazer arquitetura pode ser desenvolvida a partir do estudo do trabalho de outros arquitetos. Na análise de projetos, a representação gráfica é um dos principais produtos de expressão. O presente trabalho traz a representação gráfica em três modelos de análise. Francis Ching emprega diferentes linguagens para representar os elementos. Roger Clark e Michael Pause trazem o desenho em si como principal produto. Já Simon Unwin faz uso do desenho enquanto ferramenta de apoio à análise. Palavras-chave: representação gráfica, análise de projetos, linguagem arquitetônica. Abstract / resumen The relevance of the analysis in architecture does is not just about its understanding as a product, but also in practice. The ability to make architecture can be developed from the study of the work of other architects. In project analysis, the graphical representation is one of the major expression products. This paper presents the graphical representation in three models of analysis. Francis Ching employs different languages to represent the elements. Roger Clark and Michael Pause bring drawing itself as the main product. Simon Unwin already takes drawing as a tool in support of the analysis. Keywords: graphical representation, project analysis, architectural language.

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REPRESENTAÇÃO GRÁFICA EM ARQUITETURA: O PAPEL DO

DESENHO NOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE PROJETOS

Renata Maria Geraldini Beltramin UNICAMP, Departamento de Arquitetura e Construção

[email protected]

Daniel de Carvalho Moreira UNICAMP, Departamento de Arquitetura e Construção

[email protected]

Resumo

A relevância da análise na arquitetura não se dá apenas em sua compreensão enquanto produto, mas também em sua prática. A capacidade de fazer arquitetura pode ser desenvolvida a partir do estudo

do trabalho de outros arquitetos. Na análise de projetos, a representação gráfica é um dos principais produtos de expressão. O presente trabalho traz a representação gráfica em três modelos de análise. Francis Ching emprega diferentes linguagens para representar os elementos. Roger Clark e Michael Pause trazem o desenho em si como principal produto. Já Simon Unwin faz uso do desenho enquanto ferramenta de apoio à análise. Palavras-chave: representação gráfica, análise de projetos, linguagem

arquitetônica.

Abstract / resumen

The relevance of the analysis in architecture does is not just about its understanding as a product, but also in practice. The ability to make architecture can be developed from the study of the work of other

architects. In project analysis, the graphical representation is one of the major expression products. This paper presents the graphical representation in three models of analysis. Francis Ching employs different languages to represent the elements. Roger Clark and Michael Pause bring drawing itself as the main product. Simon Unwin already takes drawing as a tool in support of the analysis.

Keywords: graphical representation, project analysis, architectural

language.

1 Introdução

A relevância da análise no campo da arquitetura não se dá apenas na

compreensão da arquitetura enquanto produto, mas também em sua prática. A

capacidade do arquiteto de fazer arquitetura pode ser desenvolvida a partir do estudo

do trabalho de outros, da observação e da apreensão das formas como as diversas

potencialidades da arquitetura são exploradas, aplicadas e administradas nos projetos

de outros autores (UNWIN, 1997b). A riqueza e a acuidade na análise de projetos e

obras de arquitetura residem na observação pormenorizada dos elementos que as

constituem, na compreensão de sua estrutura e na identificação das minúcias que a

compõem.

Diversos autores atribuem à arquitetura o caráter de linguagem, possuinte de uma

estrutura gramatical específica (ALEXANDER et. al., 1977; SUMMERSON, 2009;

MITCHELL, 2008). A analogia entre arquitetura e linguagem coloca o todo

arquitetônico como uma composição formada por elementos de diversas ordens e

naturezas, os quais podem ser descritos por um vocabulário. Esse vocabulário de

elementos arquitetônicos é adquirido paulatinamente, mediante a observação e a

apreensão de informações que integram as mais variadas produções. Assim como na

literatura, o domínio do vocabulário na arquitetura é fator decisivo na qualidade e na

riqueza da análise. Quanto maior e mais diversificado é o vocabulário arquitetônico,

mais apurada e detalhada poderá ser a análise de determinado projeto ou obra

construída. Inversamente, entretanto, é através do exercício da análise que o arquiteto

toma contato com os elementos físicos, técnicos, conceituais, ideológicos e

socioeconômicos que integram um projeto ou uma obra de arquitetura, adquirindo,

assim, um vocabulário arquitetônico (UNWIN, 1997b).

Diante disso, a análise na arquitetura toma forma como o detalhamento e a

categorização da observação: é possível, na arquitetura, definir a análise como um

processo de “tradução” e definição da informação. Na análise, o objeto ou meio

observado é destrinchado para ser apreendido e compreendido. Tomando a

concepção e a execução do projeto arquitetônico como a solução de um problema

formulado, é dado que, no processo de projeto, a análise é um procedimento crucial

não apenas para a aquisição de conhecimento através de projetos referenciais, mas

também para a própria formulação do problema de projeto (JONES, 1963). O

vocabulário arquitetônico adquirido através da análise contém, além dos elementos

constituintes da solução, os fatores físicos, formais e contextuais que a caracterizam.

Quanto mais pormenorizado o problema de projeto, mais refinada poderá ser sua

solução arquitetônica.

No contexto da análise de projetos, a representação gráfica é essencial, dado que

é partido, meio e finalidade de observação, percepção, compreensão e expressão dos

elementos, aspectos e relações presentes na arquitetura. O emprego do desenho na

análise de projetos é amplo e constante, variando conforme as premissas e objetivos

de cada modelo ou procedimento. O presente trabalho tem como objetivo a

identificação e a caracterização da representação gráfica em três dos principais

modelos contemporâneos de análise de projetos.

2 Metodologias e modelos de análise de projetos

2.1 Forma, espaço e ordem – o modelo de Francis Ching

Em Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem, obra referencial na literatura, Francis

Ching (2008) propõe um modelo de análise a partir de uma visão conceitual dos

elementos, sistemas e organizações inerentes à arquitetura enquanto entidade física.

Trata-se de um modelo extenso, visto que considera tanto elementos físicos e

abstratos quanto relações de ordem e aspectos conceituais. O autor considera a

arquitetura como um processo de solução de problemas onde o produto (projeto

concebido ou executado) é uma resposta a condições existentes de caráter funcional,

ideológico ou psicológico.

Ching adota os elementos geométricos básicos como pontos de partida para

desenvolver conceitos de forma e organização dentro do projeto de arquitetura. Define

a taxonomia de organização de elementos e princípios por meio de diagramas e

ilustrações. Seus exemplos partem de elementos geométricos primários e de obras

clássicas de arquitetos modernos de diferentes culturas. Para o autor, os elementos

arquitetônicos transmitem imagens e significados qualificadores ou modificadores. Tais

elementos são organizados e aplicados no desenvolvimento de conceitos de forma,

espaço e ordem. De acordo com o autor, todos os elementos de um sistema

arquitetônico podem ser percebidos e experimentados, sendo alguns mais

perceptíveis e outros mais obscuros ao intelecto e aos sentidos.

Os sistemas arquitetônicos devem estar inter-relacionados de forma unificadora e

coerente; devem ser dotados de uma ordem conceitual para que o observador tenha

conhecimento dos mesmos, além de uma visão perceptiva transitória dos conjuntos. A

base conceitual é importante para a análise gráfica do projeto, pois traduz a interação

harmoniosa em relações entre as partes e o todo complexo, auxilia a organização de

uma composição arquitetônica e indica a condição à qual cada parte de um todo está

disposta, além de seu propósito. A ordem na arquitetura consiste não apenas em uma

regularidade geométrica, mas sim nas condições sob as quais as partes estão

dispostas. Ordem sem diversidade pode resultar em monotonia e diversidade sem

ordem pode produzir o caos.

Estabelecendo uma visão geral dos elementos, sistemas e organizações básicos

que compõem uma obra de arquitetura, Ching desenvolve através de textos

descritivos e desenhos de uma série de projetos ilustrativos sete grupos de aspectos

de análise: Elementos primários; Forma; Relação entre forma e espaço; Organização;

Circulação; Proporção e escala; Princípios de ordem.

2.2 Análise gráfica da forma: o modelo de Roger Clark e Michael Pause

Em Precedents in Architecture, os autores Roger Clark e Michael Pause (1996)

propõem e aplicam um procedimento de análise de projetos puramente gráfico,

baseado em um modo de pensar a arquitetura que enfatiza os aspectos elementares

comuns entre projetos e obras de diversos autores e estilos, bem como as relações

existentes entre tais elementos. Publicada em três edições (a primeira de 1985, a

segunda de 1996 e a terceira de 2006), a obra apresenta um modelo que se restringe

à análise da forma arquitetônica, não considerando aspectos de natureza política,

social, econômica ou técnica. Segundo os autores, o trabalho não tem a pretensão de

chegar às intenções dos arquitetos e nem de corroborar com interpretações de outros

autores acerca das obras analisadas (CLARK; PAUSE, 1996). É evidente, como

essência do modelo, a busca pela identificação de elementos formais pré-

determinados e sua tradução em um sistema de representação gráfica padronizado.

Como principais objetivos do trabalho, os autores destacam a provisão de

mecanismos para a compreensão da história da produção arquitetônica, o exame de

similaridades básicas nos projetos ao longo do tempo, a identificação de soluções

comuns aos problemas de projeto que transcendem as épocas e gerações de

arquitetos e o desenvolvimento do procedimento de análise enquanto ferramenta ao

exercício de projeto (CLARK; PAUSE, 1996). A partir do elenco de onze elementos e

relações consideradas essenciais pelos autores e de sua codificação em uma legenda

gráfica, a obra analisa sessenta e quatro edifícios (concebidos por vinte e três

arquitetos) que diferem em tempo, função e estilo. Os próprios arquitetos escolhidos

para a análise exemplificam, nos projetos contemplados, abordagens de projeto

consideradamente distintas. O resultado do estudo consiste em uma compilação de

ideias formativas que servem de referência a processos de projeto e a técnicas de

análise – os autores não o consideram um modelo fechado, mas sim uma base ou um

complemento para a elaboração e/ ou aplicação de outros tipos de procedimento de

análise de projetos.

Dada a exposição da legenda gráfica de elementos e relações, os autores

apresentam, de forma sucinta e categórica, as definições de cada elemento e relação

constituinte do modelo para, em seguida, partirem para sua aplicação nos projetos

selecionados. As definições dos aspectos abrangem não apenas suas descrições

propriamente ditas como também os conceitos gerais sob as quais podem ser

pensadas em um projeto.

Os onze elementos e relações considerados pelos autores são: estrutura; luz

natural; concentração (massing); da planta ao corte ou elevação; da circulação à área

útil; da unidade ao todo; do repetitivo ao único; simetria e equilíbrio; geometria; aditivo

e subtrativo; hierarquia.

A partir da caracterização dos onze elementos e relações de análise, os projetos

escolhidos são postos em um padrão único de representação, onde os autores

dispõem as principais representações gráficas do projeto (desenhos de implantação,

elevações, cortes e plantas) e, em seguida, a ‘tradução’ dos desenhos selecionados

conforme os elementos e relações do modelo de análise que são identificados.

2.3 Identificação do lugar: o modelo de Simon Unwin

Na obra Analysing Architecture, publicada em 1997, Simon Unwin constrói um

modelo de análise de projetos não linear e de bases de construção filosófica. O

procedimento proposto por Unwin extrapola a simples identificação de aspectos

elementares do espaço construído em uma busca pelas principais motivações da

arquitetura e define rudimentarmente a arquitetura como a organização de partes em

um todo e adotando como seu principal propósito a promoção de uma organização

conceitual e de uma identificação do lugar (UNWIN, 1997b), o autor exalta o exercício

da análise enquanto meio de reconhecimento e distinção dos elementos e qualidades

que, quando combinados, resultam o todo arquitetônico, o lugar.

Ao passo que o trabalho de Clark e Pause apresenta um modelo de análise

puramente gráfico, composto por parâmetros conceituados individualmente e

aplicados a uma seleção de projetos após sua total consignação, na obra de Unwin é

notada a aplicação do modelo em projetos de diversos arquitetos, estilos e épocas ao

longo das descrições dos aspectos de análise desenvolvidos. O autor defende o uso

de desenhos e croquis como ferramentas de análise e os utiliza ao longo de toda a

obra. Para introduzir a questão da análise e sua relevância no processo de projeto, o

autor parte da premissa de que a capacidade de fazer arquitetura é adquirida através

da observação do trabalho de outros arquitetos (UNWIN, 1997b).

A partir da discussão acerca do papel da arquitetura no cotidiano humano e de

sua determinação enquanto arte e técnica de identificação do lugar, Unwin desenvolve

um modelo que divide os aspectos de análise em três naturezas gerais, as quais se

inter-relacionam no procedimento de análise:

Elementos básicos e suas combinações:

• Área definida do solo;

• Área elevada ou plataforma;

• Área rebaixada ou fosso;

• Marco;

• Foco;

• Barreira ou parede;

• Teto ou cobertura;

• Postes ou colunas;

• Caminhos;

• Aberturas.

Algumas combinações de elementos básicos também são consideradas como

elementos únicos. São três as combinações levantadas:

• Ponte: consiste em um caminho posto sobre uma barreira;

• Recinto ou clausura: trata-se de uma área definida do solo que é delimitada por

um conjunto de barreiras;

• Célula: é a combinação entre um recinto e uma cobertura ou entre barreiras e

uma cobertura.

Os elementos modificativos ou condicionais são caracterizados por Unwin como

condições ou forças modificadoras que atuam sobre os elementos básicos e os

lugares arquitetônicos que os integram. Dependendo da forma como se relacionam

entre si e com os elementos básicos, também podem ser considerados como

elementos únicos. A influência que exercem sobre os elementos agrega qualidades de

percepção e experiência ao espaço construído. São ainda mais abstratos que os

elementos básicos e, ao contrário deles, não são passíveis de distinção física ou

formal. Os elementos modificativos destacados no livro são: luz, cor, temperatura,

ventilação, som, odor, textura, escala e tempo.

Os elementos temáticos não constituem elementos únicos ou delimitados,

tampouco condições. São temas genéricos de análise que abordam não os elementos

que compõem o todo arquitetônico, mas sim a própria produção arquitetônica. São

elementos secundários ou produzidos, relações compostas ou ainda aspectos

conceituais. Em outros termos, figuram como produtos ou subprodutos dos elementos

básicos e os modificativos. São os seguintes:

• Elementos que desempenham mais de uma função;

• Elementos presentes no local (“naturais”);

• Arquitetura enquanto moldura;

• Templos e cabanas;

• Elementos geométricos;

• Espaço e estrutura;

• Paredes paralelas;

• Estratificação;

• Transição, hierarquia e núcleo.

Apesar de trazer diversos projetos de arquitetura ao longo da caracterização do

modelo de análise, o autor dedica o último capítulo da obra para a apresentação de

alguns estudos de caso, aplicando conjuntamente as três categorias no levantamento

dos aspectos das obras.

Ainda em 1997, Simon Unwin lançou o livro An Architecture Notebook (1997a),

onde toma o elemento “barreira/parede” e detalha seus papéis e disposições enquanto

elemento de análise em projetos de arquitetura. Enquanto Analysing Architecture

apresenta um sistema conceitual para a análise da arquitetura, An Architecture

Notebook prossegue nessa tarefa pormenorizando um determinado elemento – as

paredes. Ao explorar a presença desse elemento em projetos de diversas épocas e

localidades, o autor descreve e caracteriza seus papéis, as maneiras como é

empregado no design e suas estruturas intelectuais.

3 A representação gráfica nos modelos de Ching, Clark e Pause e Unwin

Diante dos modelos e procedimentos de análise estudados, o presente trabalho

apresenta um estudo da caracterização e do emprego da representação gráfica na

estruturação e na aplicação de cada modelo descrito. O objetivo dos tópicos a seguir é

a identificação das características do desenho e a forma como é empregado nas três

obras estudadas.

3.1 A representação gráfica no modelo de Francis Ching

Uma vez que o modelo de análise de Francis Ching é pautado na identificação das

maneiras como elementos de forma e espaço se organizam e se relacionam na

arquitetura dentro de determinados sistemas, a representação gráfica, enquanto

produto de análise, é dada através de diagramas que traduzem a disposição de tais

elementos nos projetos e enfatizam suas características. O desenho, nesse caso, é

empregado conforme uma linguagem que tem como objetivo identificar aspectos

semelhantes presentes nas obras analisadas e enfocar os vários modos em que tais

aspectos se apresentam, conforme o tempo e o local. Dado que o autor define a

análise enquanto meio de aquisição de um vocabulário de projeto, a representação

gráfica constitui uma espécie de sistema de escrita que comporta desde a estrutura de

configuração de um elemento no projeto (Figura 1) até a sua disposição.

Figura 1: Representação gráfica de elementos básicos da arquitetura (à esquerda) conforme vistas de determinadas obras (à direita).

A despeito da codificação dos elementos arquitetônicos, o croqui desempenha um

papel fundamental no modelo de análise de Ching, dado que é um meio de leitura e

percepção dos elementos analisados. A partir de diferentes perspectivas de um

edifício (Figura 2), o autor apreende e demonstra elementos e aspectos que só podem

ser visualizados e compreendidos como tais através do olhar – e o desenho é a

representação gráfica do olhar.

Figura 2: Croqui da Casa Kaufmann (Fallingwater).

Por fim, a representação gráfica no modelo de Ching é empregada na própria

definição e estruturação dos elementos de análise. O autor faz uso do desenho ao

conceber infográficos que representam os elementos propostos tanto em sua

constituição como na determinação de suas variações (Figura 3).

Figura 3: Infográfico representando o emprego de planos e aberturas.

Embora o modelo de Ching apresente uma estrutura de vocabulário gráfico, a

mesma é flexível – para cada elemento ou aspecto analisado, há um meio de

representação. É possível notar certa padronização de representação em decorrência

da predeterminação de elementos, ainda que para cada caso haja um estilo de

desenho ou uma adaptação.

3.2 A representação gráfica no modelo de Roger Clark e Michael Pause

Enquanto o modelo de Francis Ching emprega diferentes linguagens com o intuito

de representar os elementos de análise conforme as suas características particulares,

o procedimento proposto por Clark e Pause traz a representação gráfica em si como

seu principal produto. Em outras palavras, enquanto no modelo de Ching a linguagem

gráfica se concebe em função do projeto, no modelo de Clark e Pause a

representação do projeto se concebe em função da linguagem gráfica pré-

estabelecida. Os autores constroem uma espécie de legenda (Figura 4) que traduz

graficamente cada elemento que o modelo determina como passível de análise. O

produto da análise é uma ficha gráfica do projeto, onde os elementos são

representados apenas conforme a linguagem da legenda.

Figura 4: Vocabulário gráfico de representação dos elementos de análise do modelo de Clark e Pause.

No modelo em questão, não são apenas os elementos que são pré-determinados

e aplicáveis a todo e qualquer projeto. As vistas que servem de base para a análise

também são únicas para qualquer projeto e é apenas através delas que os elementos

são identificados. Todos os projetos são expressos apenas em plantas, cortes e

elevações simplificadas (Figura 5), e em seguida tais desenhos são traduzidos nos

elementos da legenda (Figura 6), conforme sua identificação nos desenhos. Não há a

identificação de elementos que não sejam os da legenda; tampouco são utilizadas

outras vistas ou desenhos com diferentes níveis de detalhamento para a identificação

dos elementos em outros pontos do projeto.

Figura 5: Casa Kaufmann (Fallingwater) – desenhos de base do projeto.

Figura 6: Casa Kaufmann (Fallingwater) – identificação dos elementos de análise nos desenhos de base do projeto conforme a linguagem da legenda.

É possível inferir que o modelo em questão tem como objetivo a identificação de

elementos comuns a projetos de diferentes autores, estilos e épocas. Ainda que não

haja no modelo a preocupação em se realizar uma análise detalhada e profunda dos

projetos, nem sempre a linguagem estabelecida é suficiente para representar a

disposição de todos os elementos-base do modelo. Contudo, o trabalho de Clark e

Pause é um interessante exercício de codificação, demonstrando não apenas a

possibilidade de se traduzir graficamente elementos de projeto, mas também a

capacidade de se estabelecer leituras específicas e unificadas de uma variedade de

projetos.

3.3 A representação gráfica no modelo de Simon Unwin

Ao passo que Ching, Clark e Pause preocupam-se em estabelecer um vocabulário

gráfico específico à análise da arquitetura, Simon Unwin faz uso do desenho enquanto

ferramenta de apoio ao exercício da análise – e, para o autor, o desenho é

fundamental nesse processo, dado que é um meio de apreensão e registro. É na obra

An Architecture Notebook que o autor sedimenta a grande importância dos cadernos

de croquis na análise, descrevendo-os como anexos do cérebro, como meios de

registro de informações que podem ser esquecidas ou perdidas com o tempo, como

refúgios onde a mente pode jogar com as ideias, explorar suas ramificações e refletir

sobre suas relações.

Em seus cadernos, Unwin traz os elementos de análise como ponto de partida de

um procedimento aberto, onde se dispõe a descobrir elementos e relações

arquitetônicos. A análise detalhada de um projeto específico é o resultado de processo

que não necessariamente foi iniciado com tal finalidade. Em 2012 o autor publicou

alguns de seus cadernos de croquis, onde cada caderno apresenta uma temática. A

exemplo, um dos cadernos é denominado Lugar (Place); nesse caderno, o autor

transcreve fragmentos de textos e traz elementos de várias obras arquitetônicas

através de desenhos e infográficos, sendo que todo esse conteúdo traz o lugar como

tema.

Figura 7: Fragmento do caderno de croquis Lugar.

Em Analysing Architecture e An Architecture Notebook, Unwin organiza seus

estudos tanto na determinação de um procedimento de análise quanto no emprego

desse procedimento em algumas obras selecionadas. Os croquis e infográficos

originados nos cadernos aparecem como meio de representação gráfica das análises

e conceituações. O modelo apresenta grande flexibilidade de aplicação e carece de

uma estrutura formal de representação. Contudo, essa abertura de representação

permite uma ampla exploração do projeto analisado, resultando em análises

profundas, detalhadas e únicas. No modelo de Unwin, o projeto é um objeto peculiar,

que deve ser expresso em todas as suas particularidades.

4 Conclusão

Embora os modelos e procedimentos de análise de projetos presentes na

literatura apresentem estruturas e conceitos muito distintos, é fato que a

representação gráfica é determinante enquanto ferramenta de registro, análise e

comunicação. Seja processo ou produto, o desenho é um campo de exploração da

informação, viabilizando percepções e apreensões de elementos, aspectos, conceitos

e relações presentes em todo e qualquer projeto arquitetônico. O desenho é um

componente vivo da análise e deve ser empregado conforme os objetivos de cada

modelo.

Referências

ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A pattern language. New York:

Oxford University Press, 1977.

CHING, F. D. K. Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

CLARK, R.; PAUSE, M. Precedents in Architecture. New York: John Wiley & Sons

Inc, 1996.

JONES, J. C. A Method of Systematic Design. In: JONES, J. C. e THORNLEY, D. G. (Ed.). Conference on design methods. Oxford: Pergamon Press, 1963. p.53-73.

MITCHELL, W. J. A lógica da arquitetura: projeto, computação e cognição. Campinas: Unicamp, 2008.

SUMMERSON, J. A linguagem clássica da arquitetura. 5a. ed. São Paulo: WMF

Martins Fontes, 2009.

UNWIN, S. An Architecture Notebook. London: Routledge, 1997a.

UNWIN, S. Analysing Architecture. London: Routledge, 1997b.