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A ILUSTRAÇÃO DA ARQUITETURA EM LIVROS DIDÁTICOS NO PERÍODO DE 1950 A 1970 Mariano Lopes de Andrade Neto UNESP, Programa de Pós-Graduação em Design [email protected]@gmail.com Carolina Vaitiekunas Pizarro UNESP, Programa de Pós-Graduação em Design [email protected]@gmail.com Paula da Cruz Landim UNESP, Programa de Pós-Graduação em Design [email protected] Resumo A ilustração de livros didáticos é um tema pouco abordado se considerada a importância que este instrumento ainda preserva no ensino do país. Cabe ao designer gráfico, como um dos mediadores entre usuário e conteúdo, refletir sobre seu papel no desenvolvimento destes documentos. Propôs-se analisar as representações ilustradas da Arquitetura no recorte temporal entre 1950 e 1970. As escolhas pela Arquitetura e pelo período justificam-se pela especificidade da temática, a qual permitiu uma análise qualitativa objetiva das ilustrações. Este estudo é uma etapa inicial de uma pesquisa maior que investiga a percepção e leitura das ilustrações presentes em livros didáticos. Palavras-chave: Design Gráfico, Ilustração, Arquitetura, Livro Didático Abstract / resumen The illustration of textbooks is an issue rarely addressed is considered important that this instrument still preserves the teaching of the country. It is the graphic designer, as a mediator between user and content, reflect on their role in developing these documents. It is proposed to examine the illustrations of architecture in time frame between 1950 and 1970. The choices for architecture and the period justified by the specificity of the subject, which allowed an objective qualitative analysis. This study is an initial step of a larger research project that investigates the perception and reading of the illustrations found in textbooks.

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A ILUSTRAÇÃO DA ARQUITETURA EM LIVROS

DIDÁTICOS NO PERÍODO DE 1950 A 1970

Mariano Lopes de Andrade Neto UNESP, Programa de Pós-Graduação em Design

[email protected]@gmail.com

Carolina Vaitiekunas Pizarro UNESP, Programa de Pós-Graduação em Design

[email protected]@gmail.com

Paula da Cruz Landim UNESP, Programa de Pós-Graduação em Design

[email protected]

Resumo

A ilustração de livros didáticos é um tema pouco abordado se considerada a importância que este instrumento ainda preserva no ensino do país. Cabe ao designer gráfico, como um dos mediadores entre usuário e conteúdo, refletir sobre seu papel no desenvolvimento destes documentos. Propôs-se analisar as representações ilustradas da Arquitetura no recorte temporal entre 1950 e 1970. As escolhas pela Arquitetura e pelo período justificam-se pela especificidade da temática, a qual permitiu uma análise qualitativa objetiva das ilustrações. Este estudo é uma etapa inicial de uma pesquisa maior que investiga a percepção e leitura das ilustrações presentes em livros didáticos. Palavras-chave: Design Gráfico, Ilustração, Arquitetura, Livro Didático

Abstract / resumen

The illustration of textbooks is an issue rarely addressed is considered important that this instrument still preserves the teaching of the country. It is the graphic designer, as a mediator between user and content, reflect on their role in developing these documents. It is proposed to examine the illustrations of architecture in time frame between 1950 and 1970. The choices for architecture and the period justified by the specificity of the subject, which allowed an objective qualitative analysis. This study is an initial step of a larger research project that investigates the perception and reading of the illustrations found in textbooks.

Keywords: graphic design, illustration, architecture, textbooks

1 Introdução

Mesmo entre as recentes pesquisas em Design Gráfico no país, o livro didático está

entre seus objetos menos conhecidos e estudados:

Apesar das altas tiragens, do grau de industrialização envolvido, da disseminação em massa e da presença continuada nos anos de formação dos indivíduos, a importância da visualidade do livro didático e seus reflexos na formação cultural, incluindo o gosto e a informação estética, ainda estão por ser pesquisados. No campo de sua produção formal, ainda é pouco conhecido o perfil dos que se dedicaram ou se dedicam ao seu desenho (MORAES, 2008, p.01).

Passaram-se cinco anos desde a publicação de Moraes, no entanto, o cenário

descrito permanece muito próximo do atual. Um estudo recente (ANDRADE NETO et.

al., 2012) retoma esse alerta, ao revelar que dos 2221 trabalhos publicados nas

edições de 2002 a 2010 do P&D Design (Congresso Brasileiro de Pesquisa e

Desenvolvimento em Design), 07 artigos (0,31%) abordavam livro didático (LD); e dos

1532 do CIPED (Congresso Internacional de Pesquisa em Design), publicados nas

edições de 2002 a 2011, apenas 01 artigo tratava da temática, correspondendo a

0,06% do total. Expõe-se assim a necessidade de mais estudos a este respeito,

principalmente quando considerado que embora não sejam dados específicos sobre a

ilustração em livros didáticos, são essas informações que permitem inferir que há um

número também reduzido de pesquisas sobre as ilustrações.

O presente trabalho investiga a representação da Arquitetura em livros didáticos

entre os anos 1950 e 1970. Este período, por convenção, corresponde à época de

transição entre o modernismo e o pós-modernismo, momento em que houve uma

retomada de valores nacionalistas no Brasil, com efeito nas Artes e Arquitetura.

Esses fatos levaram a concepção da hipótese de que o movimento cultural vigente

influenciou na produção de imagens de Arquitetura para os livros didáticos. Por este

viés foram analisadas ilustrações presentes em alguns destes livros, por meio de uma

investigação de modelo exploratório, qualitativa cuja amostra é do tipo não

probabilística por conveniência. A opção pelo recorte selecionado permite investigar

com melhor precisão os reflexos dessas mudanças culturais nos instrumentos de

ensino da época. Tendo em vista que “[...] a ilustração como signo deve ser entendida

também como um documento histórico que envolve diversas configurações visuais

(como cor, traço, composição, etc), técnicas utilizadas em cada época e o emprego de

elementos icônicos” (OLIVEIRA, 2008, p.126). Com respeito ao quadro teórico deste

estudo, foram abordados brevemente os contextos históricos da Ilustração e da

Arquitetura, a fim de identificar relações do repertório da época com o material

levantado. Considerando que são muitos os fatores que influenciam na leitura de uma

imagem, os parâmetros de análise estão pautados em uma abordagem

configuracionista. Por fim, pretende-se como possíveis desdobramentos incentivar

reflexões sobre o planejamento das imagens desse importante instrumento do ensino

no país. Visando fornecer subsídios para fomentar a conscientização sobre o emprego

adequado da linguagem gráfica pictórica em prol do desenvolvimento da cultura visual

dos usuários. Sendo este trabalho resultado de uma etapa inicial do desenvolvimento

de uma tese de Design, nele testaram-se, além de alguns aspectos da hipótese

proposta na tese, as ferramentas metodológicas a serem utilizadas na pesquisa.

2 O livro didático e a ilustração

Para a realização da presente pesquisa adotou-se como livro didático – LD – aquele

que é “usado de forma sistemática no ensino-aprendizagem de um determinado objeto

do conhecimento humano, geralmente já consolidado como disciplina escolar”

(LAJOLO, 1996, p.04). Em sua forma mais comum, contém textos informativos,

ilustrações e atividades. A qualidade e a distribuição do LD foram regulamentadas pelo

Governo Federal, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de

responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) em meados de 1980.

Permanecendo como um instrumento de grande importância na educação do país até

o presente. Seu planejamento, assim como as investigações acerca desse tema, tem

caráter multidisciplinar, envolvendo questões educacionais, sociais e políticas. Com o

passar dos anos, o LD sofreu diversas transformações em relação ao seu conteúdo.

Tais modificações sempre ocorreram em sintonia com a própria história da sociedade

(FREITAG; COSTA; MOTTA, 1993), e essa evolução acompanhou as diferentes

práticas pedagógicas e políticas que se sucederam desde o seu surgimento.

Especificamente quanto às ilustrações, Belmiro (2000, p.17) revela que ainda no

fim da década de 1960: “eram desenhos monocromáticos que introduziam o texto da

unidade”. Somente com o avanço nas tecnologias gráficas foi que as ilustrações

passaram a receber maior enfoque. Todavia, ainda eram entendidas como um

adereço ao conteúdo textual, ou seja, desconsiderando que a imagem é uma

“informação que em geral significa a expansão de uma mensagem verbal” (DONDIS,

2007, p.205), e subutilizando as possibilidades que essa expansão oferece.

As duas funções mais freqüentemente atribuídas às ilustrações são as de explicar e ornar um texto. Imagens excessivamente ‘explicativas’, muito presentes em livros didáticos, nos casos dos livros de ficção literária, restringem seus papéis a uma redundância em relação ao texto (OLIVEIRA, 2008, p.113)

A concepção e o planejamento do projeto gráfico do LD, ao organizar e

documentar as informações, determina muito da cultura visual absorvida pelo leitor e

por consequência, como afirma Coutinho (2011, p.6) “a combinação

texto/imagem/esquema proporciona maior participação do aluno na aprendizagem, por

meio da análise dessa relação”. O reconhecimento do valor didático das imagens em

instrumentos de ensino ainda é pouco representativo. Se por um lado, durante o

desenvolvimento de projetos de LD, os designers se defrontam com a presença

excessiva da imagem visual no cotidiano dos usuários, por outro é necessário prestar

atenção ao mercado, que está sofrendo com a queda do número de leitores e cujo

principal agente de escolha passa a ser a escola (LINS, 2003). Assim, toda

possibilidade de ampliar o interesse deve ser explorada. Esse tipo de ação demanda

uma maior integração entre os profissionais envolvidos na produção e no uso do livro

didático. Considerando que o designer tem papel de mediador da comunicação entre o

conteúdo e o leitor, como esclarecem Teixeira e Brito (2010, p.12),

[...] a linguagem visual não é fator de maior ou menor importância a um ou outro campo de conhecimento. A ferramenta de trabalho do designer assume relevante e equilibrado papel em todas as disciplinas, pois, neste caso, seu trabalho não está relacionado ao adorno e nem só ao conteúdo, mas sim a todas as estruturas visuais de organização da informação, conduzindo o leitor para uma melhor compreensão.

Assim, em um LD, a análise do conteúdo informacional e dos aspectos gráficos

das ilustrações fornecem dados significativos para o estabelecimento de discussões e

diretrizes acerca dos futuros projetos gráficos ligados a esses recursos de ensino.

3 Breve contexto da Ilustração e da Arquitetura: décadas de 1950 a 1970

Neste estudo foram brevemente pontuados alguns fatos que se destacaram no

período, referentes aos dois temas centrais – Ilustração e Arquitetura, sem a intenção

de aprofundar-se nos conceitos, as referências aqui destacadas apenas permitiram

estabelecer alguns parâmetros para a classificação das representações nas

ilustrações.

As décadas de 1950 e 1960 caracterizam-se pelo período de transição social, o

qual, por convenção, é conhecido como “movimento cultural” pós-modernista. As

vanguardas deste intervalo questionavam e contrariavam a ideologia e a estética

modernista vigente. Mais emocionais e intuitivas, elas valorizam as expressões

populares em detrimento da rigidez racional e dos valores intrínsecos dos materiais. O

pós-modernismo foi marcado por uma revolução nos campos da Arte, do Design, da

Arquitetura e da Ilustração. O surgimento de novos estilos, tais como o Pop, o

Psicodelismo e o Op Art modificaram valores, influenciando projetos, desenhos e a

estética do período. Após a Segunda Guerra Mundial, houve um desenvolvimento

conceitual da Ilustração, as imagens não mais transmitiam a mera informação

narrativa, mas ideias e conceitos. “O ilustrador que simplesmente interpretava um

texto de um escritor deu lugar a um profissional preocupado com o projeto total do

espaço, que trata palavra e imagem de forma integrada e, sobretudo, cria suas

próprias afirmações” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.547).

A cultura da informação da segunda metade do século XX, e a amplitude da

divulgação dos movimentos artísticos do período ofereciam novos estilos e técnicas.

Foi na década 1950 que se encerrou a “era de ouro” da Ilustração norte-americana,

pois os avanços tecnológicos de impressão, de suporte (papel, polímeros) e da

fotografia, permitiram aos fotógrafos rapidamente conquistarem os espaços antes

ocupados pelo ilustrador, oferecendo maior fidelidade de imagem. Otto Storch inovou

no projeto gráfico da revista McCall’s em 1958 (Figura 02), ao unificar a tipografia com

a fotografia, ciriando imagens com todo o conteúdo das páginas, “Storch figura entre

os maiores inovadores do período. Sua filosofia de que ideia, texto arte e tipografia

devem ser inseparáveis” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.502).

Figura 02: projeto gráfico da McCall’s

Fonte: Meggs e Purvis, 2009 (adaptado)

No Brasil ocorre “um período de transição no qual havia de se criar as condições

sociais para que indústria firmasse posição como um importante setor da economia”

(NIEMEYER, 2007, p.59), permitindo a modernização do país na década de 1950. E

por consequência, “havia também a necessidade da afirmação de uma ‘unidade

nacional’ por meio da valorização de nossas fontes históricas, étnicas e culturais”

(Ibid., p.59). Para a Arquitetura brasileira o final da primeira metade do século XX,

representa uma mudança de ritmo marcada pelo desenvolvimento bruscamente

acelerado. De acordo com Bruand (2010, p.119) “Dentre as várias correntes [...] há

uma que é específica ao país [...] a tentativa de conciliação entre os princípios da

arquitetura ‘moderna’ e os da tradição local [da arquitetura colonial]”. Esse aspecto

marca a nova arquitetura brasileira, e contribuiu para realçar a originalidade dos

projetos nacionais ao propor “Uma arquitetura discretamente moderna, que não

rompesse totalmente com a tradição formal” (Ibid., p.125). A produção do período tem

como alguns de seus maiores representantes Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso

Reidy, nomes estes responsáveis por marcantes projetos (Figura 03).

Figura 03: Em sentido horário - Projeto de Lucio Costa (Casa do Brasil, na Cité Internationale

Universitaire de Paris, França – 1952); Projeto de Niemeyer (Edifício Copan, SP – 1951) e Projeto de Reidy (Teatro Armando Gonzaga, RJ – 1950).

Fontes: Casadeluciocosta (20__); Edifício (2008); e Conduru (2005), respectivamente.

O espírito inventivo e liberdade de concepção demonstrado nos projetos

arquitetônicos contemporâneos no Brasil, logo atraíram o interesse mundial pela

ousadia das construções que rompem com o racionalismo da época. Em 1955, ficou

evidente o amadurecimento da arquitetura nacional.

3.1 A década de 1960

Assim como no caso do pós-modernismo, também por convenção, atribui-se o

surgimento da chamada “ilustração contemporânea” ao período entre as décadas de

1960 e 1970. Para muitos especialistas, os primeiros ilustradores realmente

contemporâneos provinham de uma nova geração de criadores de imagem: “Os anos

1960 experimentaram um crescimento sem precedentes do consumismo, quando os

baby-boomers do período pós-guerra encararam a vida com um otimismo e um

entusiasmo nunca vistos. [...] e com isso a necessidade de uma linguagem gráfica

visual que a identificasse” (ZEEGEN e CRUSH, 2006, p.13). As vanguardas que se

estabeleceram como referências estéticas foram os cartazes psicodélicos, o Art

Nouveau e a manipulação de imagens da cultura popular que vigoravam na Arte Pop.

No final dos anos 1960, as mudanças econômicas – causadas pelas crises do

petróleo e sociais – além da popularização da TV nos EUA, puseram fim à era das

grandes revistas de entretenimento. Com páginas e fotografias menores, as revistas

voltaram-se para os públicos especializados com formatos reduzidos e textos mais

longos, tendo ênfase no conteúdo escrito (MEGGS e PURVIS, 2009, p.503). Essas

mudanças no mercado editorial vão refletir na decisão pelo uso de imagens, não

somente em revistas, mas em projetos de livros e por consequência de livros

didáticos. No Brasil do período, de acordo com Bruand (2010, p. 295), “depois de

começar com uma inspiração orgânica, a obra de [João] Villanova Artigas continuou

por um período de integração dentro do movimento racionalista brasileiro, para

desembocar, enfim, num brutalismo muito pessoal”. O Brutalismo é uma denominação

adotada para abarcar as obras de jovens arquitetos que no país predominou em São

Paulo e derivou do Racionalismo, porém sem a ênfase na função social, teve a

simplicidade funcional e a nudez (estética de essência material), como características

comuns nos seus projetos. Além de Villanova Artigas, são também representantes do

Brutalismo Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha. Exemplos de seus trabalhos

podem ser visualizados na Figura 04:

Figura 04: Projetos de Artigas (Rodoviária de Londrina PR – 1951); Lina Bo Bardi (Museu de Arte de São Paulo SP – 1957) e Mendes da Rocha (Clube Atlético Paulistão SP – 1958).

Fontes: Casa (20__); São Paulo (2004) e Designboom (2007) respectivamente.

3.2 A década de 1970

De acordo com Meggs e Purvis (2009, p.601), à medida que o ativismo social do final

da década de 1960 dava lugar a um envolvimento autocentrado e pessoal durante os

anos 1970 – o movimento cultural denominado como “me generation” – os designers

pós-modernos desenvolviam seus projetos empiricamente, ao “sentirem” como deveria

ser, sem a preocupação racional com a necessidade de comunicação estabelecida no

modernismo, “Design, hoje, não é somente resolver necessidades funcionais, mas

criar alegria, excitação e expectativa” (PIPES, 2009, p.40). Entretanto, em maio de

1974, o governo dos EUA iniciou o “Federal Design Improvement Program” (Programa

Federal de Melhoria do Design) no qual todos os “aspectos do design federal como

arquitetura, planejamentos de espaços interiores, paisagismo e design gráfico, foram

melhorados pelo programa” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.536), uma ação que

reconheceu a importância do Design pós-moderno como área de Comunicação.

Esse viés técnico-científico trouxe novamente a preocupação com as etapas de

desenvolvimento do projeto, causando por consequência uma revalorização do

desenho esquemático e da ilustração: “Ao assunto desenho foi dada pouca atenção

durante o século XX, sendo seu papel relegado a algo necessário, mas relativamente

pouco importante no processo de projeto” (PIPES, 2009, p.39). Já com o Pós-

modernismo, desenhos esquemáticos de designers e arquitetos desse período

tornaram-se valorizados e reconhecidos. Os principais reflexos das mudanças

culturais da década de 1970 no Brasil se manifestaram por meio do movimento

artístico conhecido como Tropicália, “O qual buscou no chamado desbunde uma forma

de libertação do clima opressivo que regia as relações sociais nos anos de chumbo da

ditadura militar” (CARDOSO, 2004, p. 179). O designer gráfico Rogério Duarte é um

dos maiores representantes da época (Figura 5).

Figura 5: Poster do filme “Deus e o Diabo na terra do sol” projeto de Duarte (1964)

Fonte: Medeiros (2009)

4 Materiais e métodos

Foram selecionados 15 exemplares de livros didáticos de diversas disciplinas do

período entre os anos 1950 e 1970. Como critérios avaliados, verificou-se em todos os

livros o total de ilustrações relacionadas à Arquitetura e excluíram-se as

representações que não forneciam dados suficientes para análise, como a

representação de somente janelas ou interiores em recortes. Dentre os livros

selecionados observaram-se os seguintes aspectos: o ano de publicação, a disciplina

correspondente, o nível escolar atribuído e o número de páginas. Das ilustrações

selecionadas observou-se: a técnica utilizada, o tema representado e o estilo

arquitetônico. Na ausência de qualquer um dos dados classificou-se como não

identificado (NI). Como as teorias por trás das análises de percepção de imagens são

complexas, possuindo diversas técnicas, é necessário esclarecer que para esse

estudo a teoria adotada como referência foi a Gestalt, que rege sobre a organização

perceptiva, ou seja, uma análise com abordagem configuracionista da imagem.

Os procedimentos de análise envolveram a consulta integral de todos os 15 livros

selecionados, digitalizando-se todas as imagens de Arquiteturas encontradas. Em

seguida realizou-se uma classificação individual das ilustrações de Arquitetura dos

respectivos livros. Os dados foram organizados em uma planilha do Microsoft Office

Excel® 2007 e a análise baseou-se em estatística descritiva, com o agrupamento dos

dados segundo critérios definidos anteriormente.

5 Resultados

Foram encontradas 121 ilustrações ligadas à Arquitetura de diferentes tipos, sendo

desenhos e fotografias, os quais em sua maioria complementavam os textos. A seguir

são apresentados alguns exemplos dos procedimentos adotados para se obter os

dados aqui relatados. Nas imagens a seguir é possível observar as influências

estéticas nas representações (figuras 6 e 7).

Figura 6: Exemplo de análise 1

Fonte: Guedes (2003) e Hildebrand (1958).

Figura 7: Exemplo de análise 2

Fonte: Sant'ana Junior (2001) e Parisi (1979).

Na figura 6, à esquerda, a Casa Olivio Gomes projeto do arquiteto Rino Levi de

1949 e sua estética modernista – simplicidade formal, geometricidade e valorização

visual dos materiais – que também pode ser observada na ilustração ao lado,

encontrada no livro didático de 1958. Em outro exemplo (Figura 7), à esquerda, o

edifício do banco Sulamericano (Atual Itaú) projetado por Rino Levi em 1962 e logo ao

lado uma representação estereotipada de cidade, na qual os edifícios são prismáticos,

de um LD de 1979. Tais análises expostas foram aplicadas em as todas as imagens

de Arquitetura encontradas nos LDs selecionados. A tabela 01 expõe o resultado total

dessa investigação, organizada pelos parâmetros avaliados.

Tabela 01: Resultado total a partir dos dados obtidos

Ano Disciplina Nível Páginas Nº Técnicas Temas Representações

1956 Língua

Portuguesa 1ª série 144 05 Desenho

Paisagem Urbana, Casa

3 Pré-moderno 1Colonial

1 Moderno

1957 Geografia 3º ano colegial

254 17 Fotografia Paisagem Urbana,

Casa

3 Moderno 12 Colonial

2 Vernacular

1957 Geografia

Física 1º ano colegial

396 02 Fotografia Edifício, Paisagem

Urbana 1 Moderno

1 Pré-moderno

1958 Língua

Portuguesa 2ª série 160 03 Desenho

Paisagem Urbana, Casa

3 Moderno

1961 Ciências Naturais

3ª série ginasial

261 02 Fotografia, Desenho

Indústria, Casa 1 Moderno,

1 Estereótipo

1961 Língua

Portuguesa 3ª série 144 02 Desenho

Paisagem Urbana, Casa

1 Estereótipo 1 Pré-moderno

1965 História do

Brasil 1ª, 2ª série

curso médio 340 15

Desenho, Fotografia

Paisagem Urbana, Casa

12 Colonial 2 Moderno

1 Estereótipo

1967 História do

Brasil NI 237 21 Desenho

Casa, Interior,

Paisagem Urbana

1 Pré-moderno 5 Pré-colonial 15 Colonial

1974 Geografia 6ª série 126 24 Fotografia, Desenho

Paisagem Urbana, Casa

16 Moderno 2 Pré-moderno 1 Vernacular 5 Estereótipo

1976 Língua

Portuguesa 6ª série 206 05 Desenho

Paisagem Urbana, Casa

5 Estereótipo

1976 Língua

Portuguesa 1º grau 96 12 Desenho

Paisagem Urbana, Casa

12 Estereótipo

1977 Língua

Portuguesa 5ª série 253 10 Desenho

Paisagem Urbana, Casa

10 Estereótipo

1977 Moral e Civismo

4ª série 80 26 Fotografia, Desenho

Paisagem Urbana, Casa

12 Estereótipo 8 Moderno

4 Vernacular

2 Colonial

1979 Moral e Civismo

1º grau 224 10 Desenho, Fotografia

Paisagem Urbana, Casa

6 Moderno 3 Colonial

1 Vernacular

1979 Estudos Sociais

2ª série 64 33 Desenho Paisagem Urbana, Casa, Amb. interior

26 Estereótipo 4 Moderno 1 Colonial

2 Pós-moderno

De todas as 187 ilustrações encontradas, 45 representavam a arquitetura do estilo

Moderno (presente em 10 do total de 15 LDs da amostra); 02 o Pós-moderno (em 01

dos LDs); 08 o Pré-moderno (em 05 dos LDs); 46 o Colonial (em 07 dos LDs); 05 o

Pré-colonial (em 01 LD); 08 o Vernacular (em 04 dos LDs); e 73 são representações

estereotipadas (em 09 dos 15 LDs). Ou seja, quando analisados os dados referentes

às representações do Moderno, presentes em 20% da amostra, em comparação a

39% de estereótipos, vislumbra-se uma oportunidade de maior exploração do

conteúdo imagético atualizado, com objetivo de aprimorar o repertório visual dos

usuários.

6 Considerações finais

É importante esclarecer que essa pesquisa não teve a intenção de comparar técnicas

ou estabelecer juízos de valores em relação às diferentes qualidades e técnicas das

ilustrações aqui citadas. Os dados encontrados permitiram visualizar um panorama

sobre a fidelidade de representação das imagens utilizadas nos livros didáticos

relativos ao seu período de produção. Contudo, ressalta-se que essas considerações

não devem ser projetadas a todo o universo do recorte.

O resultado apresentou muitas imagens de estereótipos da Arquitetura modernista

norte-americana e européia corporativa e institucional, sem nem contemplar algumas

correntes importantes como o Brutalismo de São Paulo. E mesmo quanto aos

elementos estéticos característicos, não se encontrou exemplos, como no caso de

cobogó, brises, entres outros recorrentes na Arquitetura moderna brasileira. Uma

conclusão comum à bibliografia consultada é o entendimento de que seria necessária

uma preparação prévia acerca dos conteúdos de linguagem visual para que o leitor se

familiarizasse com o vocabulário gráfico, criando uma postura crítica em relação às

imagens. No entanto, como esse nível de decisão no processo educacional não cabe

somente ao designer, uma possível oportunidade de ação seria o planejamento do uso

de imagens visando o aumento do repertório visual do leitor, em substituição às

ilustrações pueris e estereotipadas, vazias de estímulos à reflexão. Considerado que o

designer tem competência para compreender as demandas do mercado editorial e dos

usuários (autores, professores e alunos), pode ajustar os projetos para utilização

consciente e fundamentada de imagens nesses instrumentos da educação no país.

Um desdobramento futuro dessa investigação exploratória seria a aplicação da mesma

análise nos livros didáticos atuais, para discutir as mudanças e evoluções percebidas,

quando comparados aos resultados do estudo aqui apresentado.

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