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MÍDIA TRADICIONAL E MÍDIA DIGITAL NA REPRESENTAÇÃO DE PROJETOS ARQUITETÔNICOS Gisele Lopes de Carvalho [email protected] Flavio Antônio Miranda de Souza [email protected] Ana Cláudia Rocha Cavalcanti [email protected] Resumo O objetivo deste trabalho é refletir sobre as implicações geradas pelo uso da computação gráfica na representação do projeto arquitetônico, analisando e comparando os métodos de construção e representação do conhecimento na projetação do espaço arquitetônico assistido por computador com aqueles que se utilizam dos instrumentos tradicionais de desenho. O trabalho parte do pressuposto de que ainda necessita-se adequar e harmonizar as metodologias de ensino a era computacional sem que precisemos eliminar as representações gráficas tradicionais, ou mesmo o conteúdo relativo aos conceitos geométricos subjacentes, uma vez que a utilização da computação gráfica não elimina o conhecimento dos sistemas de representação. O ato de projetar exige o raciocínio geométrico por estar inserido no campo científico do pensamento, uma vez que, é na mesma geometria descritiva de Monge (base da representação gráfica na prancheta) que o software de computação gráfica baseia-se para a representação das imagens gráficas na tela do computador. Portanto, esse trabalho aponta para a compreensão de que houve uma mudança significativa no instrumental de trabalho, mas o conhecimento norteador do raciocínio espacial não necessariamente deixou de ser a geometria descritiva, sendo, portanto, seu conhecimento de extrema importância para a formação de profissionais de arquitetura e urbanismo. Palavras-chave: mídia tradicional, mídia digital, representação gráfica, projeto arquitetônico.

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MÍDIA TRADICIONAL E MÍDIA DIGITAL NA

REPRESENTAÇÃO DE PROJETOS ARQUITETÔNICOS

Gisele Lopes de Carvalho [email protected]

Flavio Antônio Miranda de Souza [email protected]

Ana Cláudia Rocha Cavalcanti [email protected]

Resumo

O objetivo deste trabalho é refletir sobre as implicações geradas pelo uso da computação gráfica na representação do projeto arquitetônico, analisando e comparando os métodos de construção e representação do conhecimento na projetação do espaço arquitetônico assistido por computador com aqueles que se utilizam dos instrumentos tradicionais de desenho. O trabalho parte do pressuposto de que ainda necessita-se adequar e harmonizar as metodologias de ensino a era computacional sem que precisemos eliminar as representações gráficas tradicionais, ou mesmo o conteúdo relativo aos conceitos geométricos subjacentes, uma vez que a utilização da computação gráfica não elimina o conhecimento dos sistemas de representação. O ato de projetar exige o raciocínio geométrico por estar inserido no campo científico do pensamento, uma vez que, é na mesma geometria descritiva de Monge (base da representação gráfica na prancheta) que o software de computação gráfica baseia-se para a representação das imagens gráficas na tela do computador. Portanto, esse trabalho aponta para a compreensão de que houve uma mudança significativa no instrumental de trabalho, mas o conhecimento norteador do raciocínio espacial não necessariamente deixou de ser a geometria descritiva, sendo, portanto, seu conhecimento de extrema importância para a formação de profissionais de arquitetura e urbanismo. Palavras-chave: mídia tradicional, mídia digital, representação gráfica, projeto arquitetônico.

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Abstract

The objective of this paper is to discuss the implications generated by the use of computer graphics in the representation of architectural design, analyzing and comparing methods of construction and knowledge representation in the planning of computer aided architectural space with those who use traditional drawing instruments. The work assumes that there is still a need to adapt and harmonize teaching methodologies to the era of computer aided design tools without the exclusion of traditional graphical representations, or the underlying geometric concepts, since the use of computer graphics does not eliminate the knowledge on representation systems. The act of designing requires a geometric reasoning that is part of the scientific field of thought included in the descriptive geometry of Monge (the basics for graphic representation on drawing tables). Most used softwares are mainly based on the representation of images on the computer screen. Therefore, this work points to the understanding that there was a significant shift in the instrumentalities for designing objects and buildings, but the knowledge guiding spatial reasoning remains part of descriptive geometry, and therefore, its knowledge is of extreme importance to the training of architects and urbanists. Keywords: traditional media, digital media, graphic representation,

architectural design.

1 Introdução

O debate acerca da utilização de mídias tradicionais em detrimento de mídias

digitais parece não se esgotar nesses últimos anos. Arquitetos, durante a história,

utilizaram-se de diferentes mídias para representar objetos e espaços.

Tradicionalmente, os arquitetos têm feito uso de lápis e papel, maquetes e fotografias

para comunicar seus projetos. Com o surgimento e a evolução da utilização dos

recursos computacionais, estes vêm se comunicando através de várias outras formas

que vão de imagens fotorrealísticas e animações tridimensionais à multimídia

interativa e realidade virtual. Desta forma, redirecionando o modo de trabalho e ensino

da Arquitetura e gerando diversos questionamentos em relação às modificações

produzidas pelo uso desta nova tecnologia. Outro fato importante é que a Arquitetura

pode ser vista como um produto da cultura: o ambiente construído é o resultado de

todo o sistema de valores de uma época. Variações nos contextos físico, tecnológico,

social, psicológico e assim por diante, normalmente demandam revisões no campo da

criação arquitetônica, introduzindo novas respostas na sua prática.

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Vivemos um momento crítico onde paira uma instabilidade sobre as antigas

ordens de representação e dos saberes gerada pela utilização de ferramentas

computacionais, visto que estas apresentam uma nova atitude sobre o pensar o

espaço físico durante o processo projetual para a sua concepção e representação.

Pretendemos no presente trabalho analisar as implicações da computação gráfica na

representação arquitetônica e mais especificamente na Disciplina Geometria Gráfica

2D2 no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco /

Brasil.

Assim sendo, esse trabalho discute de forma sistemática sobre as experiências

didáticas desenvolvidas pelos alunos de graduação, sob a perspectiva crítica do ato

projetual e da representação desse ato. Na próxima sessão discutem-se as

implicações da computação gráfica no processo projetual.

2 Implicações da computação gráfica no processo projetual

arquitetônico

O processo projetual arquitetônico é bastante complexo, envolvendo uma

atividade tecnológica; um processo criativo; um processamento de informações e a

estruturação e resolução de problemas. Mas, como afirmou Schön [5], o processo

projetual tem seu eixo centrado além de tudo isso, é “um tipo de fazer”, “um tipo de

conversação entre sujeitos e instrumentos de representação”. Este processo está

diretamente ligado às representações de objetos; e, embasado sobre um conjunto de

relações sociais, culturais e históricas onde os instrumentos de representação e o tipo

de mediação são importantíssimos. Durante o processo projetual uma idéia inicial vai

se transformando em algo compreensível a fim de ser comunicada.

A seguir, apresentaremos alguns estudos, que focam na representação auxiliada pelo

computador como meio de formalização e ajuda do processo projetual.

Os sistemas CAD (computer aided design) foram desenvolvidos a partir de uma

descrição cartesiana da realidade e, portanto, enraizados no paradigma perspéctico.

No entanto, novas teorias projetuais têm sido desenvolvidas a procura de novas

geometrias para os edifícios que vão além da geometria do espaço perspectivo. Os

arquitetos deconstrutivistas Eisenman, Tschumi, Libeskind e Hadid, dentre outros, vêm

tentando destruir a estabilidade da forma arquitetônica e expressar um espaço não-

cartesiano. Por exemplo, a fim de representar (e edificar) as obras de Frank Gehry a

utilização de computadores foi imprescindível.

No entanto, é irônico que estes fortes ataques às limitações do paradigma

perspéctico (um paradigma baseado em um modo de representação) tenham se

concretizado através de representações gráficas, visto que apenas recentemente é

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que estes arquitetos puderam ver seus projetos construídos. Além disso, a

identificação do paradigma perspéctico com um espaço ortogonal trata-se de um

equívoco. A essência do mesmo está no corpo dos procedimentos, e em sua

suposição de uma relação causal e direta entre representação e edificação resultante.

Portanto, os arquitetos que estão trabalhando sobre os processos projetuais e de

construção têm uma possibilidade maior de apresentarem alternativas as visões

restritivas derivadas das técnicas perspectivas.

Outra abordagem que busca alternativas à influência do paradigma perspéctico na

arquitetura, está em concentrar-se no processo de criação, ao invés de na geometria

da arquitetura. [1]

Três tendências podem ser apontadas com este tipo de abordagem: A primeira

tendência caracteriza-se pela desistência, parcial ou total, por parte do arquiteto de ter

controle sobre o processo projetual, favorecendo a autonomia do objeto. Alguns

exemplos:

Eisenman: utiliza o computador como uma ferramenta para a geração de

formas e estruturas imprevisíveis.

John/ Julia Frazer: pesquisa a geração automática da arquitetura (‘arquitetura

evolutiva’). Baseados nos princípios do “shape gramar” propõem uma

arquitetura que irá evoluir organicamente de uma forma.

A segunda tendência é identificada pela abertura do processo projetual para os

outros. O desafio neste tipo de abordagem é o de não cair em um papel

passivo. Exemplos com uma abordagem ativa são:

Herman Hertzberger: a partir da criação de formas convidativas ele constrói um

objeto aberto que está lá para ser descoberto, interpretado e apropriado.

Lucien Kroll: acredita na possibilidade da participação dos usuários na

concepção do projeto. Como exemplo podemos citar o projeto da universidade

de Louvain.

Erskine: tem desenvolvido uma linguagem formal forte, mas que aceita a

intervenção dos habitantes sem problema. Um dos melhores exemplos é o

complexo de casas Biker Wall, em Newcastle, UK, que alcançou um alto grau

de individualidade na caracterização de suas habitações.

A terceira tendência, na busca por uma alternativa ao perspectivismo, preocupa-se

em desafiar a representação de um modo radical, desde que a representação é o

elemento crucial no estabelecimento do paradigma perspéctico no campo da

arquitetura.

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A suposição de que existe uma correlação direta entre plantas, cortes e fachadas

e a obra edificada é tão intrínseca à nossa visão do modo como os arquitetos

trabalham que é dificilmente questionada. Parece que não existe opção para os

arquitetos fora da prescritividade dos desenhos bidimensionais. Apenas poucos

arquitetos desafiam a representação de modo radical. Alguns trabalham com

arquitetura participativa e permitem a falta da representação gráfica até um

determinado estágio do processo, permitindo que as pessoas atuem no edifício com

as ‘mãos na massa’.

O melhor exemplo de um arquiteto que vem desafiando o papel dos desenhos é

Christopher Alexander. Após trabalhar em uma abordagem racionalista, incluindo o

uso dos computadores, Alexander caminhou na direção contrária, experimentando a

falta da representação como os arquitetos a conhecem. Alexander desenvolveu um

conjunto especial de padrões que devem ser usados como uma diretriz para que as

pessoas possam compor (projetar) o meio ambiente sem a necessidade da

representação técnica.

No entanto, Alexander recentemente declarou sua frustração com seus

experimentos dizendo que estes não geraram uma arquitetura melhor [1].

Vale salientar, que os trabalhos mais provocativos do uso do computador na

arquitetura são propostos por arquitetos trabalhando como artistas. Os trabalhos de

Christian Moller e os de Jeffrey Shaw são bons exemplos disso. O trabalho de Moller,

denominado por ele de arquitetura interativa, usa os computadores para criar

situações surreais. O ‘elevador virtual’ de Moller, por exemplo, era uma instalação de

arte que brincava com o simples uso de um elevador [3]. Um dos trabalhos mais

provocativos de Shaw é ‘A Cidade Legível’, onde ele se utiliza de uma bicicleta

ergométrica como interface para uma cidade virtual composta por letras e palavras

tridimensionais. [6]

Os trabalhos de Shaw e Moller sugerem que, se vamos desenvolver ferramentas

para a representação da arquitetura no computador, então, a arquitetura em si,

poderia ser usada como uma metáfora, para lidar com o processo da interação

humana.

Os exemplos analisados acima mostram a existência de várias tentativas de

fornecer um modelo alternativo para a prática arquitetônica baseado em princípios

diferentes do paradigma perspéctico. As considerações apresentam a arquitetura

como um conjunto de relações entre as pessoas e o espaço construído. Se a

arquitetura for interpretada deste modo, então os arquitetos devem focar seus esforços

não somente no projeto da geometria dos edifícios, mas principalmente na interação

entre as pessoas e a edificação.

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A principal conclusão a que podemos chegar é a de que o objeto arquitetônico é

um construto social fornecendo o local para o compartilhamento de significados

simbólicos e pragmáticos, e depois se torna a expressão ética da interação social

entre os homens. Mesmo uma experiência subjetiva da arquitetura será sempre uma

experiência compartilhada, visto que esta demanda um contexto para possibilitar sua

realidade.

3 A REALIDADE DA UTILIZAÇÃO DA COMPUTAÇÃO GRÁFICA NO

MERCADO ARQUITETÔNICO BRASILEIRO

Os avanços em computer-aided design para arquitetura têm sido principalmente

no campo da representação do projeto (usada como uma espécie de prancheta

eletrônica).

Apesar de todas as pesquisas que vêm se desenvolvendo no mundo (citadas

acima), analisando diferentes usos para o computador na arquitetura, a grande maioria

de arquitetos no Brasil, hoje, usa os sistemas CAD (computer aided design)

basicamente para criar uma representação 2D de seus projetos através de planos,

seções, elevações e detalhes. Um pequeno número de arquitetos usa os sistemas

CAD para criar uma imagem 3D da forma plástica de seus projetos de edifício; e estes

raramente são usados como geradores de design ou como uma ferramenta para

avaliação.

4 A DISCIPLINA GEOMETRIA GRÁFICA 2D2

A disciplina Geometria Gráfica 2D2, ministrada no 2o período do curso de

Arquitetura e Urbanismo da UFPE, com 30 horas aula, tem por objetivo capacitar o

aluno a representar todas as plantas de um projeto arquitetônico.

Programa: (a) as etapas de um projeto arquitetônico; (b) normas técnicas,

símbolos gráficos e convenções no desenho arquitetônico; (c) as etapas na execução

de um desenho; (c) representação de projetos no computador e a lápis: planta de

situação, planta de locação, planta de coberta, planta baixa, cortes e fachadas; (d)

circulação vertical: escadas, rampas e elevadores; (e) cobertas e estruturas de

cobertas;

Esta disciplina faz parte de um modelo de currículo novo onde se trabalha de

modo integrado.

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4.1 Implicações da Computação Gráfica na Disciplina Geometria Gráfica

2D2

Não podemos fechar os olhos para os avanços tecnológicos, mas também não

podemos viver dissociados da realidade brasileira. Portanto, buscamos uma

alternativa metodológica com um olhar sobre o passado, um pé no presente e outro no

futuro. Tentamos preparar nossos alunos para a realidade do mercado de trabalho

brasileiro, onde a computação gráfica ainda é somente usada como meio de

representação tradicional. Mas, procuramos apresentar as tentativas mundiais de

estender a utilização da computação gráfica e suplantar o paradigma perspéctico,

deixando-os sintonizados com as pesquisas inovadoras que vem sendo realizadas. Ao

mesmo tempo em que apresentamos a importância da Geometria Descritiva como

base de toda a representação, e como ciência que ainda não encontrou uma substituta

com igual precisão e qualidade na representação. procuramos apresentar o lápis e o

papel como um meio ainda bastante utilizado, nas obras, nos levantamentos e no

processo de concepção da idéia arquitetônica.

4.2 Metodologia Anteriormente Adotada na Disciplina Geometria Gráfica

2D2

Esta disciplina, desde sua implantação no currículo até o final de 1997, era

ministrada usando apenas os instrumentos tradicionais de desenho com traçado a

lápis e à nanquim normografado. Durante este período, o que se observava era a

morosidade na execução dos trabalhos, a imprecisão, e a dificuldade, por parte dos

alunos, em visualizar o projeto como um todo. Os alunos perdiam muito tempo com

tarefas repetitivas, e com redesenhos provocados pelo mau uso dos instrumentos.

A partir de uma análise das dificuldades apresentadas na disciplina, constamos a

necessidade de se estudar uma nova forma de trabalhar o seu conteúdo, e em um

primeiro momento (1º semestre de 1998) abolimos o desenho a lapis e passamos a

desenvolver os trabalhos totalmente no computador. O que pudemos constatar foi a

dificuldade apresentada pelos alunos nas disciplinas seguintes, desenvolvidas na

prancheta, em esboçar suas idéias, quando não dispunham de um computador.

Observamos que antes, quando o aluno executava o traçado a lápis, a compreensão

da diferenciação da espessura dos traços ocorria através de um aprendizado táctil e

visual. No computador, o aluno, muitas vezes, preocupa-se mais com a memorização

de comandos, a automação e a agilidade, do que com o conteúdo em si que está

sendo executado. Aliado a isto, só ao final do trabalho, na fase de impressão, é que o

aluno irá visualizar a diferenciação de traços e ter a noção de escala.

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Apesar do mercado de trabalho exigir uma mão de obra familiarizada com as

ferramentas computacionais e com todas as vantagens que estas oferecem, as

disciplinas de desenvolvimento de projeto são ministradas na prancheta e os alunos

passaram a apresentar dificuldades nas mesmas. Concluímos que a melhor solução

para adequar estas duas realidades não se daria pela substituição pura e simples do

desenho a lápis pelo desenho no computador, já que constatamos um prejuízo na

visão espacial e no raciocínio do aluno pela falta de uma participação manual no

traçado do desenho. Portanto, decidimos por aliar o lápis e o computador, acreditando

que assim estaríamos adotando uma metodologia mais adequada.

4.3 Proposta Metodológica para a Disciplina Geometria Gráfica 2D2

Desde então novas alternativas metodológicas vêm sendo testadas gerando

modificações e readaptações na busca do aprimoramento, objetivando a otimização

do processo ensino-aprendizagem.

A partir do ano de 2010 com a inserção do novo currículo integrado e a redução

de carga horária, novas mudanças foram efetuadas.

Atualmente os alunos trabalham primeiramente a lápis a mão livre (figura 1) a

partir de medidas tomadas em uma maquete (figura 2) e depois no computador

utilizando aplicativo gráfico (figuras 3 e 4). A carga horária no lápis é igual a carga

horária no computador.

Figura 1: Desenhos da casa feitos a lápis à mão livre pelo aluno Silvio A. Lima.

Figura 2: Maquete da casa a ser desenhada a lápis à mão livre

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Figura 3: Casa desenhada no AutoCAD pelo aluno: Silvio A. Lima

Figura 4: Edifício desenhado no AutoCAD pelo aluno Carlos Aldiran

5 CONCLUSÕES

Apesar de a computação gráfica exercer grande fascínio sobre os profissionais de

desenho, a sua utilização não elimina o conhecimento dos sistemas de representação.

Pois, todos os problemas projetuais exigem o raciocínio geométrico. A geometria

descritiva é, ainda hoje, disciplina base na fundamentação teórica do ato de projetar. A

metodologia na utilização desta disciplina é que está sendo revista, na medida em que

a computação gráfica apresenta novos recursos a serem empregados e utiliza novos

meios de representação.

Embora o processo interno pelo qual os aplicativos executam desenhos seja

através da geometria analítica, e/ou do cálculo matricial e vetorial, é na mesma

geometria descritiva (base da representação gráfica na prancheta) que o software de

computação gráfica baseia-se para a apresentação das imagens gráficas na tela do

computador. O fato de que os sistemas CAD foram desenvolvidos com base em uma

descrição cartesiana da realidade (enraizada no chamado “paradigma perspéctico”) só

vem fortalecer a geometria descritiva como conhecimento facilitador na compreensão

de objetos tridimensionais. Portanto, foi mudado o instrumental de trabalho, mas, o

conhecimento da geometria descritiva ainda é fundamental a fim de que o arquiteto

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não se transforme em um mero manipulador de ferramentas disponíveis em um

software.

O modelo de projetar, largamente utilizado no mercado brasileiro, caracterizado

pela busca da linearidade, dividia o projeto arquitetônico em quatro fases distintas:

definição do programa de necessidades, estudos preliminares, anteprojeto, e projeto

executivo [4]. Cada uma destas fases apresentando escalas, linguagem gráfica e

aprofundamento de decisões distintos. No entanto, em relação ao embasamento

teórico da projetação, são geralmente apontadas três fases distintas dentro do

processo projetual: “análise, síntese e adaptação (...) estas três fases são intimamente

ligadas e o desenrolar do processo não tem nada de linear.” [2] p. 254

Os aplicativos gráficos vêm gradativamente modificando a forma de se pensar o

espaço. Com ele, podemos ter infinitas vistas de um objeto com os mais variados

planos de projeção e dos mais variados pontos de observação. Por ser um

procedimento caracteristicamente não-linear, sua expressão gráfica apresenta um

controle e uma percepção global do projeto mais avançada do que as geradas pelos

procedimentos gráficos tradicionais. A utilização do computador para a representação

gráfica aumentou o distanciamento entre o sujeito e o objeto bem como conduziu a

representação gráfica a seus limites através de uma excessiva preocupação com a

retratação do real. Na representação a instrumento e à mão livre, sujeito e objeto

representado estão no mesmo ambiente físico. Com o computador, o sujeito está no

mundo físico, enquanto o objeto representado está no mundo virtual. O computador

conseguiu separar três elementos que sempre estiveram reunidos na representação

arquitetônica (tanto nos desenhos como nas maquetes): o olho, a mão e a base

material da representação.

Na verdade, no novo ambiente de trabalho, utilizando-se computador, as fronteiras

entre as fases de um projeto deixam de existir. De fato, em termos de representação

de projeto, ao invés de produtos distintos, tem-se sempre o mesmo produto,

representado em níveis diversos de detalhe e precisão. Um desenho sempre poderá

ser reutilizado e acrescido de novos detalhes, novas informações e, impresso em uma

nova escala.

Esta redefinição dos instrumentais de trabalho exigirá mudanças formais e

estruturais mais profundas do que as tradicionais medidas de intervenções

pedagógicas atuais.

O entendimento dos novos processos cognitivos e comunicativos responsáveis

pela concepção, percepção e apreensão do ambiente construído incorporados pela

computação gráfica nos cursos de arquitetura fica restrito pela permanência de

práticas de ensino que privilegiam modelos cognitivos e comunicativos semelhantes

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aos utilizados a partir das ferramentas tradicionais de desenho. Os professores que se

utilizam de expressão gráfica nos cursos de arquitetura, em sua maioria, não

compreendem as estruturas e ferramentas de cognição e comunicação

proporcionadas pela computação gráfica no processo de ensino e atividade

profissional. Aliado a isto a computação gráfica gerou um distanciamento (uma

barreira na comunicação) entre os professores (que só se utilizaram de lápis e papel

como ferramenta em sua formação) e os alunos (que sempre se utilizaram do

computador como ferramenta). Outro ponto negativo da utilização de softwares de

computação gráfica é que estes podem funcionar como inibidores à criatividade na

medida em que tendem a limitar o aluno a soluções proporcionadas por elementos

pré-estabelecidos encontrados nos mesmos.

Dentre os resultados positivos apresentados com a utilização desta nova

metodologia podemos destacar um maior grau de interesse e participação dos alunos

em sala de aula e em trabalhos extraclasse; uma melhoria na precisão e na qualidade

da apresentação do trabalho; um aumento na produtividade; e sem dúvida uma

formação de profissionais mais adequados às exigências do mercado de trabalho sem,

no entanto, prejudicar o raciocínio do aluno, contribuindo para uma aprendizagem

significativa e adequada à realidade que é vivenciada no curso de Arquitetura e

Urbanismo da UFPE.

Nosso trabalho como educadores é o de buscar alternativas que questionem não

só o papel que a tecnologia vem desempenhando no mundo, mas também o papel

que cada disciplina vem desempenhando na constituição deste mundo. Acreditamos

que um novo meio de expressão gera um novo sistema de representação tendendo a

formar uma nova disciplina e não apenas funcionando como um mero substituto da

técnica anterior. Ao invés da extinção e substituição das velhas ferramentas, o que nós

podemos esperar é uma re-arrumação e uma redefinição de suas funções.

Referências

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Sheffield University, Sheffield, UK. 1996.

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