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plutarco

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  • fotos Erica SuzukiPLUTARCO Como distinguir o amigo do bajulador

    coleo idealizada e coordenada por Gustavo Piqueira

    so paulo 2011

    traduo sis Borges B. da Fonseca

    Copyright 2011, Editora WMF Martins Fontes Ltda.,So Paulo, para a presente edio.

    1. edio 2011

    Traduo do gregoIris Borges B. da Fonseca

    Acompanhamento editorialLuzia Aparecida dos Santos

    Revises grficasSandra Garcia Cortes

    Helena Guimares BittencourtEdio de arte

    Casa RexProduo grfica

    Geraldo AlvesPaginaoCasa Rex

    CapaCasa Rex

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    PlutarcoComo distinguir o amigo do bajulador / Plutarco ; foto Eri ca

    Suzuki ; traduo sis Borges B. da Fonseca. So Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2011. (Coleo ideias vivas)

    Ttulo original: Bibliografia.ISBN 978-85-7827-350-7

    1. Plutarco Crtica e interpretao 2. Plutarco tica I. Suzuki, Erica. II. Ttulo. III. Srie.

    10-11768 CDD-171

    ndices para catlogo sistemtico:1. Plutarco : Sistemas ticos : Filosofia moral171

    Todos os direitos desta edio reservados Editora WMF Martins Fontes Ltda.

    Rua Conselheiro Ramalho, 330 01325-000 So Paulo SP Brasil Tel. (11) 3293.8150 Fax (11) 3101.1042

    e-mail: [email protected] http://www.wmfmar tins fon tes.com.br

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    O amor-prprio o comeo da bajulao, prtica irreligiosa por excelncia.Quando um homem d sem cessar, em palavras, provas de amor-prprio, meu caro Antoco Filopapo, Plato observa que todos o desculpam; entretanto esse sentimento, acres-centa ele, entre uma pletora de vcios muito diferentes, contm um muito importante que impede que ele tenha sobre si mesmo um julgamento ntegro e imparcial. Com efeito, o amante cego a respeito do que ele ama, a menos que tenha aprendido, por um estudo especial, a habituar-se a apreciar e procurar o belo, de preferncia ao inato e ao fa-miliar. No seio da amizade, eis que se abre ao bajulador um vasto campo de ao: nosso amor-prprio para ele um ter-reno de acesso inteiramente propcio investigao sobre ns; por causa desse sentimento, cada um de ns o primei-ro e o maior adulador de si prprio, no hesitando em con-fiar no bajulador estranho de quem espera ter a aprovao para confirmar suas crenas e desejos. Com efeito, aquele que acusado de gostar da bajulao no passa de um ho-mem perdidamente enamorado de si, que, pela paixo que a si mesmo dedica, deseja e cr possuir todas as qualidades; ora, se o desejo natural, a crena , entretanto, arriscada e reclama bastante circunspeco. Mas, supondo-se que a verdade seja divina e seja, segundo Plato, o princpio de todos os bens para os deuses e de todos os bens para os ho-mens, o bajulador est muito arriscado a ser inimigo dos deuses e sobretudo do deus Ptico, pois no deixa de estar em contradio com o conhece-te a ti mesmo, iludindo cada um quanto sua prpria pessoa e tornando-o cego, no que diz respeito a si mesmo, e s virtudes e aos vcios que lhe concernem, pois torna as primeiras imperfeitas e inacabadas, os outros, totalmente incurveis.

    O elogio to

    conveniente

    para a amizade

    quanto a censura

    no momento

    oportuno

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    no esperar que seja esse recurso que nos desiluda. Com efeito, no aps ter sido enganado, mas precisamente para no s-lo, que devemos pr prova e desmascarar o bajulador; sem isso teremos a mesma sorte que aqueles que degustam antecipadamente venenos mortais e s jul-gam seu efeito custa de sua sade e sua vida.

    De fato, no louvamos esses imprudentes assim como no aprovamos aqueles homens que, admitindo por princpio que um amigo deve unicamente buscar o honesto e o til, creem, quando se d prova de amenidade nas relaes com as pessoas, que se recebe imediatamen-te a acusao de ser bajulador. Um amigo no poderia ser nem duro nem intratvel, e no a acrimnia nem a aus-teridade que fazem a nobreza da amizade. Ao contrrio, essa dignidade mesma e essa beleza que a caracterizam consistem em sua doura e em seus encantos.

    perto dela que as Graas e o Desejo habitam,

    alis no somente para os infelizes, como diz Eurpides,

    que doce, fitando seu amigo, encontrar seus olhos;

    mas a amizade acrescenta tanto prazer e encanto aos su-cessos quanto tira sofrimento e embaraos dos reveses. E, segundo disse Eveno, assim como o fogo o melhor dos condimentos, da mesma maneira, misturando a amizade vida, a divindade espalhou brilho, doura e ternura por toda a parte em que a amizade colabora com o prazer. Com efeito, se a amizade no mostrasse nenhuma con-descendncia em sua relao com o agradvel, seria difcil compreender por que o bajulador procuraria insinuar-se entre ns atravs dos prazeres. Mas, de fato, a exemplo do ouro falso ou do metal de baixo quilate, esses sucedneos do brilho e das cintilaes do ouro verdadeiro, o bajula-

    O bajulador, esse parasita das naturezas nobres, est atento aos reveses da sorte.Se nessas condies o bajulador, como qualquer outra cor-ja, atacasse ordinariamente ou essencialmente as nature-zas vulgares e medocres, seria menos temvel, e mais facil-mente nos defenderamos dele. Mas, assim como os vermes penetram de preferncia nas madeiras tenras e odorferas, da mesma maneira so os coraes generosos, honestos e bondosos que acolhem o bajulador e o nutrem, quando se prende a eles. No tudo: como disse Simnides, a cria-o dos cavalos no supe uma Zacinto mas terras frteis; assim a bajulao evidentemente no acompanha os indi-gentes, os annimos ou os desprovidos de recursos, mas faz que periclitem e se destruam as casas e as empresas im-portantes, chegando mesmo, com frequncia, a derrubar as realezas e os imprios. Assim, no uma questo irrisria a exigir apenas uma migalha de previdncia o espreitar suas manobras para apanh-la em flagrante e impedi-la de pre-judicar e de tornar suspeita a amizade. Os parasitas, com efeito, afastam-se dos moribundos e abandonam os cadve-res em que se coagula o sangue de que se nutrem; quanto aos bajuladores, eles desdenham o relacionamento com o que existe de rido e glacial, mas, seduzidos pela glria e pelo poder, fartam-se disso e fogem o mais depressa poss-vel, quando a roda da fortuna muda de posio.

    Mas deve-se evitar esperar at a realizao dessa experincia, que intil, ou, antes, prejudicial e perigo-sa: triste, quando chega o momento de recorrer a seus amigos, perceber que no so amigos e que no possvel trocar um corao desonesto e pusilnime por um cora-o sincero e constante. Ora, o amigo como peas de moeda: preciso p-lo prova antes de recorrer a ele, e

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    dor, imitando a doura e a boa vontade do amigo, cuida de parecer sempre divertido e expansivo: no se ope a nada, jamais contradiz. No se deve, ento, desde que algum nos louve, suspeitar de que deseja nos bajular, pois o elogio to conveniente para a amizade quanto a censura no momento oportuno. Digo mais: um excesso de acrimnia ou de azedume no se concilia nem com a amizade nem com a urbanidade. Ao contrrio, quando a benevolncia concede com liberalidade e solicitude os elogios devidos ao bem, recebem-se pacientemente e sem tristeza admoestaes e reprimendas plenas de franque-za, que so ouvidas com confiana e acolhidas com reco-nhecimento, na convico de que so necessrias, pois que vm de um homem que louva to prazerosamente quanto censura contra sua vontade.

    difcil distinguir do amigo o hbil bajulador., portanto, difcil, pode dizer algum, distinguir do amigo o bajulador, se nem o prazer nem o elogio so o cri-trio distintivo entre eles, pois em matria de amabilida-des e pequenas liberdades a bajulao evidentemente vai mais longe que a amizade; responderemos: Por que ento? No um trabalho de flego ir no encalo do verdadeiro bajulador, daquele que sabe exercer seu ofcio com talento, como homem hbil, e no prodigalizar esse nome, como faz a maior parte dos homens, a esses parasitas, a esses papa-jantares ou a essas pessoas que, como dizia algum, fazem ouvir sua voz somente aps a abluo das mos? Es-sas pessoas, no estamos inclinados a olh-las como baju-ladoras: o aviltamento de seu carter manifesta-se desde o primeiro servio, aps o primeiro copo, atravs de alguma

    pilhria ou alguma indecncia. Teria sido intil, por exem-plo, desmascarar Melntio, parasita de Alexandre de Feras, que quando lhe perguntavam de que maneira Alexandre tinha sido apunhalado no se envergonhava de responder: com um golpe que lhe atravessou o flanco e que visava ao meu estmago; o mesmo acontece com esses assedia-dores que giram sem cessar em torno de uma mesa bem provida, e que nem a chama, nem o ferro, nem o bronze poderiam afastar de um jantar; ou ento ainda com essas aduladoras cipriotas que, aps terem passado pela Sria, foram apelidadas escabelos, porque vergavam a espinha para ajudar as esposas dos reis a subirem no carro.

    Os mais hbeis so os que sabem dissimular: dificilmente so identificados.Qual ento o bajulador de quem se deve desconfiar? Seria aquele que no quer parecer nem se confessar tal, aquele que no jamais surpreendido em furtos em volta das co-zinhas, que no apanhado de improviso enquanto mede as sombras e calcula a hora do jantar, que no cai morto de bbedo na primeira ocasio? De fato, o verdadeiro ba-julador, na maior parte do tempo, cultiva a abstinncia ao mesmo tempo que a intriga: cr dever imiscuir--se em vos-sas atividades, quer partilhar vossos segredos; em suma, desempenha seu papel de amigo como trgico e no como bufo ou ator cmico. Com efeito, diz Plato, o cmulo da injustia querer passar por justo sem ser. Deve-se igual-mente considerar que a mais perniciosa bajulao no a que se mostra, mas a que se oculta, nem a que diverte, mas a que sria: pois ela torna suspeita a verdadeira amiza-de, com a qual acontece frequentemente confundir-se, se no se toma cuidado. Gbrias, num dia em que perseguia

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    O cmulo da injustia querer passar por justo sem ser

    o Mago, caiu num cmodo escuro e travou-se a um duelo rduo; ora, vendo que Dario se mantinha l, na expectati-va, gritou-lhe que desferisse golpes, mesmo com o risco de perfurar os dois. Mas ns, que no podemos de maneira alguma adotar o provrbio perea o amigo com o inimigo, se desejamos arrancar do bajulador essa mscara de amizade que para ele aparentemente consubstancial, temos de temer sobretudo dois riscos: repelir o til ao mesmo tem-po que o mau ou expor-nos a algum dissabor, poupando o objeto de nossa afeio. De fato, assim como de todas as sementes selvagens que, na peneira, se acham mistu-radas ao frumento, as mais difceis de separar so as que se assemelham a ele por sua forma e seu tamanho (visto que no caem separadamente se os orifcios da peneira so muito estreitos, e que passam com o resto, se as malhas so demais flexveis), da mesma maneira muito difcil fazer distino entre uma e outra, a tal ponto a bajulao quer tomar parte em cada emoo, cada movimento, cada prtica e cada hbito da amizade.

    Astcias do bajulador.A amizade o que h de mais doce no mundo e nada nos traz mais alegria; eis por que o bajulador usa dos prazeres para fins de seduo e o homem dos prazeres. igual-mente porque a vontade de obsequiar e de se tornar til caminha na esteira da amizade (a ponto de um amigo, diz--se, ser mais indispensvel que o fogo e a gua) que o baju-lador, entregando-se aos bons ofcios, se dedica sem cessar a ostentar zelo, diligncia e prontido. O que fundamenta antes de tudo a amizade a identidade dos regimes de vida e a semelhana dos costumes; e, geralmente, a si-militude dos gestos e das averses a primeira coisa que

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    nos liga e nos prende, atravs das sensaes. O bajulador percebe-o perfeitamente; e, como um objeto que se talha, ele se transforma e se modela, adaptando-se e conforman-do-se, por imitao, queles de quem procura ganhar o corao. Flutuante em sua metamorfose e convincente em suas imitaes, ele poderia fazer pensar nesta frase: No! No s o filho de Aquiles, mas o heri em pessoa. Mas eis o que em toda artimanha o mais hbil: o que se chama, certamente, de linguagem franca ele observa que a linguagem caracterstica da amizade, como se falaria da linguagem prpria de uma criatura, enquanto a falta de franqueza denota, segundo ele, indiferena e baixeza. E sem negligenciar essa imitao das aparncias, a exemplo desses cozinheiros talentosos que, para evitar a repugnn-cia dos molhos adocicados, se servem de um condimento de sucos picantes e amargos, os bajuladores afetam uma sinceridade que no nem espontnea nem salutar, que nos lana um claro ameaador, no espao de um franzir de sobrancelhas, e s o que faz afagar o amor-prprio. As-sim, a personagem dificilmente surpreendida e asseme-lha-se queles animais que, tendo a faculdade de mudar de cor, tomam a da matria ou do lugar em que se encontram. Mas, como o bajulador nos ilude, como se cobre com um manto de aparncia enganosa, cabe-nos desmascar-lo, as-sinalando as diferenas que o caracterizam, e desnud-lo, a ele que se enfeita, como diz Plato, de cores e formas de emprstimo, na falta das que lhe so prprias.

    A semelhana dos gostos est na origem da amizade: o bajulador a dissimula.Examinemos, pois, a questo desde o incio. A fonte da amizade, ns o afirmamos, geralmente um temperamen-

    to e uma natureza que reagem em concordncia, que apre-ciam atitudes e hbitos morais de mesmo valor e que se comprazem nas mesmas atividades, nas mesmas questes, nos mesmos divertimentos. a propsito disso que se diz:

    O velho ao velho por seus discursos sabe agradar, e a mulher mulher, e a criana criana, o doente ao doente; e, quando o indigente encontra seu semelhante, sente menos sua misria.

    Sabendo que no prazer advindo de objetos seme-lhantes que as relaes da amizade e da afeio tm sua ori-gem, o bajulador trata primeiro de aproximar-se de cada um por esse meio e de se instalar a seu lado, a exemplo daquele que aproveita o espao de algumas pastagens para domesti-car um animal selvagem. Adianta-se insensivelmente fingin-do ter as mesmas atividades, os mesmos lazeres referentes a disciplinas idnticas, os mesmos cuidados, os mesmos modos de vida, depois ele se imbui disso at que o outro largue mo, se deixe amansar e aceite sem pesar sua mo acariciante. Ele no cessa de censurar tudo o que julga desagradvel ao outro, ocupaes, maneiras de vida, indivduos; e apresenta-se, pelo contrrio, como louvador do que faz o deleite de sua vtima, mas seu elogio, que no cai na moderao, soobra sobretudo na hiprbole e no encantamento entusiasta. Em ltimo lugar, ele refora as admiraes e as antipatias que finge ter, atribuindo-as mais razo que paixo.

    Inconstante e volvel, tal o bajulador.Como ento desmascar-lo? E por quais matizes distinguir aquele que no nem se tornou nosso semelhante, e entre-tanto quer passar por tal? Primeiro, preciso examinar se seus princpios so durveis e inabalveis; se ele se compraz

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