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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE COMUNITÁRIA THIAGO SANTOS DE SOUZA NASF: FRAGMENTAÇÃO OU INTEGRAÇÃO DO TRABALHO EM SAÚDE NA APS? Salvador 2015

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  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    INSTITUTO DE SADE COLETIVA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA

    MESTRADO ACADMICO EM SADE COMUNITRIA

    THIAGO SANTOS DE SOUZA

    NASF: FRAGMENTAO OU INTEGRAO DO

    TRABALHO EM SADE NA APS?

    Salvador 2015

  • 1

    THIAGO SANTOS DE SOUZA

    NASF: FRAGMENTAO OU INTEGRAO DO

    TRABALHO EM SADE NA APS?

    Dissertao apresentada ao Instituto de Sade

    Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia

    (UFBA), como requisito para obteno do ttulo

    de Mestre em Sade Comunitria pelo Programa

    De Ps-Graduao em Sade Coletiva (PPGSC),

    na rea de concentrao em Poltica, Planificao

    e Gesto dos Sistemas e Servios de Sade.

    Orientadora: Prof Maria Guadalupe Medina

    Salvador 2015

  • 2

    Ficha Catalogrfica

    Elaborao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva

    ___________________________________________________ S719n Souza, Thiago Santos de.

    NASF: fragmentao ou integrao do trabalho em sade na APS? / Thiago Santos

    de Souza. -- Salvador: T.S. de Souza, 2015.

    149f.

    Orientador(a): Prof. Dr. Maria Guadalupe Medina.

    Dissertao (mestrado) Instituto de Sade Coletiva. Universidade Federal da Bahia.

    1. Ateno Primria a Sade. 2. Estratgia Sade da Famlia. 3. Prticas de Sade. I.

    Ttulo.

    CDU 614.2

    _________________________________________________________

  • 3

    THIAGO SANTOS DE SOUZA

    NASF: FRAGMENTAO OU INTEGRAO DO TRABALHO EM

    SADE NA APS?

    Dissertao apresentada para apreciao da banca

    examinadora do Instituto de Sade Coletiva, da

    Universidade Federal da Bahia, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Sade Comunitria com concentrao em

    Poltica, Planificao e Gesto dos Sistemas e

    Servios de Sade.

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________

    Maria Guadalupe Medina

    (Orientadora - ISC/UFBA)

    _____________________________

    Carmen Fontes de Souza Teixeira

    (Professora Associada - IHAC/UFBA)

    _____________________________

    Vitria Solange Coelho Ferreira

    (Professora Titular Universidade Estadual de Santa Cruz)

    Salvador 2015

  • 4

    Aos trabalhadores da ateno primria sade.

  • 5

    AGRADECIMENTOS Agradeo a Deus pela oportunidade do aprendizado nessa vida.

    Aos meus pais, Jorlange, Antnio e Raquel, que juntos colaboraram para que seu

    filho atravessasse os limites do rio Paraguau e continuasse caminhando na

    universidade.

    Guadalupe, pela confiana, parceria e orientao prestada sempre com valiosas

    reflexes que me possibilitaram amadurecer enquanto pesquisador.

    Ana Luiza Vilasbas, por acreditar no meu potencial e me abrir as portas do

    GRAB.

    toda a equipe do GRAB, que possibilita aos seus pesquisadores subsdios e

    condies tcnicas e materiais, para o bom funcionamento do grupo e produo

    cientfica.

    Aos professores do ISC, por colaborarem com nosso aprendizado e fomentar

    intensas trocas de conhecimento.

    Aos funcionrios do ISC, por contriburem com as melhores condies possveis

    para o nosso estudo e trabalho.

    Ao CNPq, pelo financiamento dessa pesquisa vinculada ao projeto Anlise de

    Polticas de Sade no Brasil (2013-2017).

    Aos amigos de turma do mestrado que juntos partilhamos por momentos de

    incertezas, apoio mtuo e aprendizado coletivo.

    Lvia, pelo seu amor e companheirismo nesta rdua e prazerosa jornada.

    Aos familiares e amigos, obrigado pelo apoio de sempre e encorajamento para

    seguir firme na luta pelos meus sonhos.

    Aos profissionais e gestores da ateno primria do municpio investigado, agradeo

    a disponibilidade por partilhar seu trabalho e colaborar com a realizao desse

    estudo.

  • 6

    No no silncio que os

    homens se fazem, mas na

    palavra, no trabalho, na ao-

    reflexo.

    (Paulo Freire)

  • 7

    SOUZA, Thiago Santos. NASF: fragmentao ou integrao do trabalho em

    sade na APS? Dissertao (Mestrado em Sade Comunitria). Instituto de Sade

    Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2015.

    RESUMO

    Nas ltimas duas dcadas, a Estratgia Sade da Famlia evoluiu nos municpios e com a implantao dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF) a ateno primria sade (APS) passou a contar com equipes que deveriam atuar em estreita parceria. Entretanto, ainda permanecem na literatura lacunas relacionadas anlise do processo de trabalho do NASF e suas relaes tcnicas e sociais. Esse estudo teve como objetivo analisar as prticas de sade da equipe NASF, a fim de identificar se a insero destes profissionais na APS refora a fragmentao do trabalho em sade ou fomenta a integrao de suas prticas. Trata-se de um estudo de caso realizado em um municpio baiano, onde investigamos a equipe NASF e trs EqSF. O estudo fundamenta-se nos referencias tericos da teoria do processo de trabalho em sade e dos modelos de ateno sade. Foram utilizadas como fontes de evidncia documentos do municpio e da equipe NASF, informaes registradas no dirio de campo do pesquisador e realizadas 14 entrevistas semi-estruturadas envolvendo os integrantes do Ncleo de Apoio, mdicas e enfermeiras de trs EqSF, gestoras da ateno bsica e uma profissional responsvel por uma pesquisa de promoo sade, que os profissionais da APS do municpio participaram. A anlise dos dados envolveu a tcnica de triangulao de dados e fontes, e para compreenso das prticas foi utilizada uma matriz elaborada com a representao do tipo ideal de NASF por referncia a cada modelo de ateno. Os resultados evidenciaram que a maioria dos profissionais nunca havia atuado na APS e no possua formao em sade coletiva. Apesar de terem sido identificados os principais agravos e problemas que acometiam a populao foi evidente que a equipe NASF no enfatizou os determinantes sociais nas suas atividades. Os instrumentos de trabalho utilizados por estes profissionais foram relacionados tecnologia material mdica e aes de tecnologia sanitria. As atividades realizadas envolveram palestras, atendimentos, visitas e grupos nas unidades e instituies do territrio. J as relaes tcnicas e sociais tm ocorrido com ausncia de espaos compartilhados de decises, circulao da informao limitada e existncia de conflitos entre as equipes. Foi possvel identificar que a equipe investigada se aproxima mais das caractersticas dos modelos hegemnicos. Destaca-se que a insero dos profissionais do Ncleo de Apoio na APS tem possibilitado as EqSF do municpio ampliar suas atividades. Porm, existem desafios de diversas ordens que limitam as prticas e impem entraves as relaes tcnicas e sociais tornando o processo de trabalho fragmentado. So necessrias outras pesquisas de natureza emprica que problematizem o trabalho da equipe NASF, aprofundem a compreenso das relaes estabelecidas com as EqSF e avaliem a efetividade das suas atividades.

    Palavras-chave: Ateno Primria a Sade; Estratgia Sade da Famlia; Prticas

    de Sade.

  • 8

    SOUZA, Thiago Santos. NASF: fragmentation or integration of health work in

    PHC? Dissertation (Masters in Public Health). Institute of Public Health, Federal

    University of Bahia, Salvador. 2015.

    ABSTRACT

    In the last two decades, the Family Health Strategy has evolved in the municipalities and together with the implementation of the Family Health Support Centers (NASF) primary health care (PHC) could count on teams that should work in close partnership. However, there are still gaps in the literature related to the analysis of the work process of NASF and its technical and social relations. This study aimed to analyze health practices of NASF team in order to identify whether the inclusion of these professionals in PHC reinforces the fragmentation of health work or whether it promotes the integration of its practices. It is a study case performed in a municipality in the Brazilian State of Bahia, where NASF team and three EqSF were investigated. The study is based on the theoretical references of the work process in health theory and health care models. Documents the municipality and the NASF staff were used as sources of evidence, recorded information in the researcher's field diary and conducted 14 semi -structured interviews involving members of the Support Center, doctors and nurses three EqSF, managers of primary care and a professional responsible for health promotion research that professionals of PHC in the city have participated. Data analysis involved data triangulation technique and sources, and for understanding the practices we used a matrix made with the representation of the "ideal type" of NASF as reference to each model of care. The results showed that most professionals had never acted in PHC and had no training in public health. Although they were identified the main grievances and problems that affected the population, it was evident that the NASF team did not emphasize the social determinants in their activities. Working instruments used by these professionals were related to materia medical technology and health technology actions. The activities involved lectures, public care, visits and groups in the units and institutions of the territory. Regarding the technical and social relations, they have taken place with no shared spaces decisions, limited information flow and the existence of conflicts among teams. It was observed that the investigated team is closer to the characteristics of hegemonic models. It is noteworthy that the inclusion of professionals Care Support PHC has enabled this location EqSF to expand its activities. However, there are challenges of different orders that limit the practices and impose barriers to the technical and social relations, making it a fragmented work process. Other researches that problematize the empirical work of the NASF staff are needed, to reach a deeper understanding of the relationships established with the EqSF and evaluate the effectiveness of their activities.

    Keywords: Primary Health Care; Family Health Strategy; Health practices.

  • 9

    LISTA DE ILUSTRAES

    Quadro 1- Caracterizao das equipes e agenda semanal das USF

    investigadas no municpio caso, 2014........................................

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    Quadro 2- Caracterizao da equipe NASF, profissionais das trs EqSF

    investigadas e gestoras do municpio caso, 2014......................

    Quadro 3 - Sistematizao das informaes cotejadas, segundo os elementos

    do processo de trabalho das equipes da APS investigadas.......

    39

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  • 10

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACD Auxiliar de Consultrio Dentrio

    ACS Agente Comunitrio de Sade

    APAE Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais

    APS Ateno Primria Sade

    CAPS ad Centro de Ateno Psicossocial lcool e Drogas

    CAPS Centro de Ateno Psicossocial

    CIB Comisso Intergestores Bipartite

    CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social

    CREAS Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social

    DIRES Diretoria Regional de Sade

    EqAB Equipe de Ateno Bsica

    EqSF Equipe de Sade da Famlia

    ESF Estratgia Sade da Famlia

    e-SUS AB e-SUS Ateno Bsica

    HIPERDIA Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e

    Diabticos

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    NASF Ncleo de Apoio Sade da Famlia

    PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PMAQ-AB Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Ateno

    Bsica

    PTS Projeto Teraputico Singular

    SAMU Servio de Atendimento Mvel de Urgncia

    SMS Secretaria Municipal de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    USF Unidade de Sade da Famlia

  • 11

    SUMRIO

    APRESENTAO.........................................................................................

    NASF: FRAGMENTAO OU INTEGRAO DO TRABALHO EM

    SADE NA APS?..........................................................................................

    12

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    INTRODUO...............................................................................................

    MTODOS.....................................................................................................

    Referencial terico..........................................................................................

    Desenho do estudo........................................................................................

    Seleo do caso.............................................................................................

    Produo dos dados.......................................................................................

    Aspectos ticos..............................................................................................

    RESULTADOS...............................................................................................

    Descrio do caso..........................................................................................

    Dinmica de trabalho dos profissionais do NASF e das EqSF: sujeitos,

    objetos, atividades, instrumentos e relaes tcnicas e sociais....................

    Caracterizao dos sujeitos do estudo...........................................................

    A implantao do NASF no municpio: as origens.........................................

    O cotidiano do trabalho dos profissionais: agenda e atividades....................

    O que pensam os profissionais sobre o NASF...............................................

    O NASF e as Equipes: relaes tcnicas e sociais........................................

    DISCUSSO..................................................................................................

    CONSIDERAES FINAIS...........................................................................

    REFERNCIAS..............................................................................................

    ANEXOS........................................................................................................

    ANEXO A - Cronograma de atividades da equipe NASF investigada...........

    ANEXO B - Cronograma de datas do Ministrio da Sade..........................

    APNDICES...................................................................................................

    APNDICE A - Roteiro de entrevista com os profissionais do NASF............

    APNDICE B - Roteiro de entrevista com o mdico e a enfermeira da

    EqSF...............................................................................................................

    APNDICE C - Roteiro de entrevista com a coordenadora da ateno

    bsica.............................................................................................................

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  • 12

    APNDICE D - Roteiro de entrevista com a responsvel pelo estudo de

    promoo sade em escolares no municpio

    investigado.....................................................................................................

    APNDICE E - (Quadro 3) - Sistematizao das informaes cotejadas,

    segundo os elementos do processo de trabalho das equipes da APS

    investigadas....................................................................................................

    APNDICE F Termo de Consentimento Livre e Esclarecido......................

    111

    112

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  • 13

    APRESENTAO

    Esta dissertao de mestrado resultado de um estudo de caso

    realizado em um municpio baiano, que tomou como objeto de investigao

    uma equipe do Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF), e trs Equipes de

    Sade da Famlia (EqSF). A pesquisa teve como objetivo analisar as prticas

    de sade da equipe NASF, especialmente, como so estabelecidas as relaes

    tcnicas e sociais entre essa equipe e as EqSF, a fim de identificar se a

    insero dos profissionais do NASF na Ateno Primria Sade (APS)

    refora a fragmentao do trabalho em sade ou fomenta a integrao de suas

    prticas.

    As inquietaes sobre o NASF, desde a Residncia em Sade da

    Famlia, me levaram busca dessa investigao, primeiro pelo fato de ser este

    Programa uma das formas de insero do fisioterapeuta na APS. Segundo,

    porque os documentos normativos do Ministrio da Sade que orientavam o

    Ncleo de Apoio, no eram suficientes em sua tarefa de direcionar esta

    proposta. Terceiro, porque possua muitas dvidas sobre o modo como equipes

    multiprofissionais, muitas vezes sem a devida formao, experincia e

    engajamento poderiam atuar a favor do Sistema nico de Sade (SUS).

    Quarto, por imaginar o quo desafiador deveria ser a constituio do processo

    de trabalho entre o NASF e as EqSF, visto que estas j esto cerca de 20 anos

    atuando no primeiro nvel de ateno, com seus entraves, contradies e

    avanos.

    Na dissertao esto os principais resultados e consideraes do

    estudo, alm da reflexo sobre os referenciais tericos adotados, diante da

    necessidade de melhor fundamentao e posterior problematizao das

    prticas de sade desenvolvidas pelas equipes da APS. Nos anexos

    encontram-se o cronograma de atividades da equipe NASF investigada e o

    calendrio do Ministrio da Sade, principal documento no processo de

    orientao da agenda da equipe. Nos apndices, so elencados os roteiros de

    entrevista, o quadro com a sistematizao do cotejamento das informaes e o

    termo de consentimento livre e esclarecido.

  • 14

    NASF: FRAGMENTAO OU INTEGRAO DO TRABALHO EM SADE NA APS?

    1. Introduo

    A ateno primria sade (APS) refere-se a um conjunto de prticas

    individuais e coletivas, orientadas a responder a maioria dos problemas de

    sade de uma populao (GIOVANELLA e MENDONA, 2008), possui carter

    de porta de entrada e ordenao das aes e servios do sistema de sade, e

    constitui-se como uma das mais importantes polticas do governo brasileiro na

    atualidade (AQUINO et al., 2014).

    Nas ltimas duas dcadas, a Estratgia Sade da Famlia (ESF) evoluiu

    vertiginosamente nos municpios (AQUINO et al., 2014), e existe na literatura

    um grande volume de publicaes sobre melhoria de sade da populao e a

    colaborao da ESF para a reorientao do modelo de ateno (MEDINA e

    HARTZ, 2009; ALCNTARA e NASCIMENTO, 2009; SHIMIZU e ROSALES,

    2009; RASELA et al., 2010; DOURADO et al., 2011; AQUINO et al., 2009;

    GUANAIS, 2013; RASELA et al., 2013).

    Paralela ampliao da cobertura assistencial oferecida na ateno

    bsica, gestores e equipes de sade da famlia (EqSF) identificaram demandas

    e necessidades de sade, que indicavam a necessidade da insero de outras

    categorias profissionais no primeiro nvel de ateno, para alm da equipe

    mnima, o que culminou com a criao de equipes denominadas Ncleos de

    Apoio Sade da Famlia (NASF) (FORMIGA e RIBEIRO, 2012).

    A proposta poltica do NASF tem como objetivo ampliar a abrangncia e

    o escopo das aes da ateno bsica, bem como sua resolubilidade,

    apoiando a insero da ESF na rede de servios e seu processo de

    territorializao e regionalizao (BRASIL, 2008). Existem trs tipos de NASF

    que devem estar atrelados s EqSF, desde que respeitem as condies

    especficas definidas em Portaria (BRASIL, 2012). Os NASF so constitudos

    por equipes de profissionais de diferentes reas do conhecimento que devem

  • 15

    atuar em parceria com o trabalho das EqSF, compartilhando atividades nos

    territrios sob responsabilidade destas equipes (BRASIL, 2011).

    Dado o carter recente do NASF, a literatura cientfica disponvel sobre o

    trabalho de suas equipes ainda incipiente, sendo que a maioria dos estudos

    apenas apresentam reflexes sobre a insero das diversas categorias

    profissionais (BARBOSA et al, 2010; BARROS e JUNIOR, 2012; MOLINI-

    AVEJONAS et al, 2010; RODRIGUEZ, 2010; LANCMAN e BARROS, 2011;

    SOUZA e LOCH, 2011; SANTOS e BENEDETTI; 2012; FERNANDES et al,

    2013; AZEVEDO e KIND, 2013; COSTA et al, 2013).

    Ao analisar o NASF numa perspectiva que extrapole a abordagem de

    categorias individualizadas, identificam-se poucas pesquisas empricas que

    discutam com robustez os elementos do seu processo de trabalho fruto da

    articulao com as EqSF. Anjos et al (2013) identificaram que a efetividade do

    NASF dependente da relao de parceria que se estabelece com as EqSF.

    Por sua vez, Lancman et al (2013) apontam diferenas entre as equipes que

    tendem a dificultar a qualificao dessas relaes, tais como a formao, a

    experincia dos profissionais, a dinmica de trabalho que exige padres de

    produtividade diferenciados, e o maior contato com a populao.

    Arajo e Galimbertti (2013) ao buscarem compreender como ocorre a

    colaborao entre os profissionais da APS observaram que as aes

    compartilhadas so marcadas por conflitos, e pelo jogo de interaes e

    relaes de poder entre o NASF, a gesto e as EqSF. Soma-se a isso, a falta

    de capacitao dos profissionais, como um aspecto dificultador para promoo

    de estratgias conjuntas de integrao (LEITE et al., 2013).

    As reflexes sobre o processo de trabalho do NASF esto na ordem do

    dia, uma vez que fazem parte de uma das mais importantes polticas de

    reorganizao dos modelos de ateno do Sistema nico de Sade (SUS), e

    ainda cursam em processo de implantao/implementao com potencial de

    expanso em todo pas.

    Os estudos sobre o NASF apresentam como lacuna a anlise das

    caractersticas do seu processo de trabalho, de modo a permitir a apreenso

  • 16

    do seu carter histrico na estrutura da sociedade capitalista vigente. Pensar

    no trabalho efetuado pelos sujeitos do NASF deve remeter a compreenso do

    seu objeto, de seus instrumentos de trabalho, das formas de organizao da

    produo de seus servios, e das relaes que o conjunto de sua prtica

    guarda com o conjunto das demais prticas sociais.

    A literatura ainda carece de pesquisas que confrontem a relao do

    objeto do NASF com os modelos de ateno sade, apontando se este

    dispositivo est direcionado ao sujeito doente ou as necessidades e problemas

    de sade da populao no territrio, luz de um referencial terico que

    sustente as apreenses de suas prticas.

    Diante do exposto, esse estudo possui como perguntas de investigao:

    Como esto sendo desenvolvidas as prticas de sade dos profissionais que

    atuam no NASF? A insero dos profissionais do NASF na APS refora a

    fragmentao do trabalho em sade ou fomenta a integrao de suas prticas?

    Que tipos de relaes se estabelecem entre os membros da equipe do NASF e

    entre estes e os profissionais das EqSF?

    O presente estudo, portanto, teve como objetivos analisar as prticas de

    sade da equipe NASF em um municpio no Estado da Bahia, descrever os

    objetos, os instrumentos e as atividades desenvolvidas pela equipe do NASF, e

    analisar como so estabelecidas as relaes tcnicas e sociais entre essa

    equipe e as EqSF.

    2. Mtodos

    2.1. Referencial terico

    Nessa pesquisa foi adotado como referencial terico a teoria do

    processo de trabalho em sade (Mendes-Gonalves,1979; 1988; 1992; 1994),

    e sua utilizao na reflexo sobre os modelos de ateno sade,

    particularmente, os modelos hegemnicos, o modelo de vigilncia da sade

    (Paim, 2008; Teixeira e Vilasbas, 2014) e o modelo da clnica ampliada

    (Campos, 2003).

  • 17

    Foram considerados os elementos constitutivos do trabalho, ou seja, o

    objeto das prticas de sade, as atividades que as constituem, os meios ou

    instrumentos utilizados para atingir determinados fins, e as relaes tcnicas e

    sociais que se estabelecem entre os profissionais da APS.

    Tais elementos foram analisados cotejando-os com as diferentes

    perspectivas: dos modelos hegemnicos (mdico assistencial hopitalocntrico

    e modelo sanitarista), e dos modelos alternativos de vigilncia da sade, que

    preza pela articulao das prticas orientadas para o controle dos

    determinantes, riscos e agravos sade com populaes de territrios

    definidos; e modelo da clnica ampliada, que prope uma reformulao da

    prtica clnica e do trabalho, com foco na singularidade dos sujeitos, mediante

    equipes de referncia e apoio matricial especializado.

    2.1.1. Processo de trabalho em sade

    Neste estudo os elementos constitutivos do processo de trabalho em

    sade, bem com o conceito de prticas de sade ser compreendido a partir

    das contribuies de Mendes-Gonalves (1979; 1988; 1992; 1994), e de outros

    autores que problematizam o trabalho em sade luz do referencial terico

    marxista.

    Antes que sejam realizadas consideraes sobre as prticas de sade

    necessrio delimitar que o objeto do trabalho em sade o sujeito dotado de

    necessidades, e que o produto do trabalho humano concretiza-se no exato

    momento em que executado, ou seja, no seu ato. Todavia, se considerarmos

    que as necessidades de sade so tambm necessidades sociais

    fundamental pensar nas mltiplas dimenses do processo sade/doena,

    atendo-se aos danos, riscos e determinantes e sua relao com as condies

    de vida dos indivduos e da populao (NUNES, 2001).

    As prticas em sade so entendidas como um campo de prticas

    sociais integradas estrutura social como um todo, e articulada s demais

    prticas sociais, com elas constituindo, em conjunto, a infraestrutura e a

    supraestrutura do modo de produo (MENDES-GONALVES, 1979). A

    infraestrutura expressa o nvel econmico de uma sociedade sendo a sua

  • 18

    base, enquanto a supraestrutura indica as relaes sociais, jurdicas, polticas e

    ideolgicas, que se estruturam sob o alicerce da primeira e fornecem coeso

    as relaes de produo (HARNECKER, 1973).

    O processo de trabalho em sua essncia dependente do modo de

    produo, pois nele que se encontra as condies de reproduo das

    relaes sociais estabelecidas entre os homens. Estas ocorrem desigualmente

    sendo determinada pela diviso social do trabalho, onde os homens

    relacionam-se mediante a desigualdade e a diferena imposta por uma dada

    sociedade (MENDES-GONALVES, 1992).

    Por sua vez, o processo de trabalho em sade, como qualquer outro,

    envolve trs momentos: a atividade adequada a um fim, isto , o prprio

    trabalho; a matria a que se aplica o trabalho, o objeto do trabalho; e os meios

    de trabalho, representados pelos instrumentos utilizados. Designam-se

    momentos porque so aspectos de um mesmo processo que conformam uma

    mtua relao de interdependncia nas relaes produtivas (MENDES-

    GONALVES, 1979).

    A atividade discrimina, no objeto, as caractersticas que permitem sua

    efetivao. O objeto do trabalho impe atividade que o transforma uma

    maneira de se aproximar dele, induz o desenvolvimento de meios, instrumentos

    de proceder a essa aproximao de forma a potenci-la. O instrumento, por

    sua vez, representa o ponto de encontro da finalidade do trabalho e do

    determinismo da natureza, o lugar de sua determinao recproca (MENDES-

    GONALVES, 1979).

    O trabalho assumido como elemento essencial da socialidade humana,

    fruto de uma dimenso tcnica e outra dimenso social. A primeira, est ligada

    questo tecnolgica forjada no seio das foras produtivas, porm

    subordinada reproduo social onde encontra sua concretude plena

    (MENDES-GONALVES, 1988). A diviso tcnica e social do trabalho est

    ligada aos distintos modos de produo e reflete no parcelamento do trabalho

    efetuado por diferentes trabalhadores de diferentes classes sociais (MENDES-

    GONALVES, 1979;1992).

  • 19

    O trabalho humano possui trs caractersticas, a primeira trata do seu

    carter dotado de uma finalidade, a ideia de um projeto/concepo, anterior

    realizao da ao. A segunda caracterstica decorre da primeira e

    corresponde ao conceito de necessidade, a qual justificaria todo o movimento.

    O terceiro conceito advm da socialidade, em que os homens se organizam de

    forma histrica e varivel estabelecendo relaes sociais atravs de seus

    objetos e instrumentos (MENDES-GONALVES, 1988).

    A relao entre os sujeitos, os objetos e o produto dos seus trabalhos

    significa que a relao tcnica que se estabelece no interior de cada processo

    de trabalho, entre o sujeito e as condies em que ele trabalha, esto

    subordinadas relao social mais ampla que se constitui entre os sujeitos

    atravs do conjunto dos produtos dos seus trabalhos (MENDES-GONALVES,

    1979;1992).

    Essa aproximao entre o trabalho dos sujeitos denota que o processo

    de trabalho humano concebido como um processo de produo social

    historicamente determinado e inter-relacionado. As prticas de sade so,

    portanto, conceituadas como a reiterao articulada de um modo de insero

    na diviso social do trabalho relacionada reproduo de padres histrica e

    socialmente significativos de normatividade, variavelmente objetivadas na

    realidade (MENDES-GONALVES, 1988).

    O conjunto de necessidades sociais referentes normatividade no

    capitalismo pode ser apreendido em duas dimenses referentes

    infraestrutura econmica e supraestrutura poltica e ideolgica citadas

    anteriormente. Esse conjunto de necessidades conduziu a substituio da

    normatividade, entendida enquanto normas vitais construdas socialmente, pela

    normalidade, padro anistrico embora no socialmente indiferente de

    expressar normas vinculadas prpria biologia natural do homem reduzida

    sua individualidade. Dessa forma, as finalidades do trabalho em sade

    geralmente so reduzidas doena, ficando obscurecida a natureza social das

    necessidades, que se referem ao conjunto da totalidade histrica (MENDES-

    GONALVES, 1988).

  • 20

    Mendes-Gonalves (1988; 1994), ao refletir sobre a questo tecnolgica

    no campo da sade, prope uma reorientao nos quadros de referncia, ao

    fazer uma crtica prtica social no setor, como distanciada do tempo histrico,

    reificada, autnoma e despolitizada. Para o autor, as prticas de sade no

    podem ser explicadas se reduzidas estritamente aos seus aspectos tcnicos,

    mas sim, quando integradas ao contexto social, num dado perodo histrico e

    no espao poltico correspondente magnitude dos poderes em jogo nas

    sociedades capitalistas.

    Dessa maneira, a compreenso das prticas de sade deve estar

    circunscrita dentro do escopo de transformaes tecnolgicas e

    organizacionais oriundas das mudanas no mundo do trabalho (MEDEIROS e

    ROCHA, 2004). No contexto do capitalismo atual as conexes da cadeia

    produtiva so cada vez mais globais e suas formas de expresso mais

    complexas. A nova morfologia do trabalho contemporneo aparece como

    multifacetada, precria, desregulamentada, privatizada, informatizada e

    fortemente influenciada pelas mutaes organizacionais, tecnolgicas e de

    gesto. Tal panorama no se limita apenas ao trabalho manual direto, mas

    incorpora a totalidade do trabalho social e do trabalho coletivo assalariado

    principalmente no setor de servios (ANTUNES, 2005).

    neste setor que o conjunto das prticas de sade se situa e onde se

    revelam os efeitos do sistema produtivo capitalista no processo de trabalho em

    sade. Baraldi et al (2008) numa anlise sobre a situao do mercado de

    trabalho no setor sade brasileiro, identificaram que, no contexto da

    globalizao, as transformaes sociais e econmicas conduzem a relaes de

    trabalho flexveis, marcadas por contratos instveis, mltiplos vnculos, perda

    de direitos trabalhistas e acentuao da vulnerabilidade do trabalho em sade.

    Peduzzi (2003), ao analisar as mudanas contemporneas no mundo do

    trabalho e seus impactos na sade, identifica caractersticas desse tipo de

    trabalho como seu carter reflexivo, dotado de incerteza e descontinuidade,

    gerando dificuldade de normatizao plena das funes tcnicas, e que sob a

    influncia das formas de organizao e gesto dos servios de sade requisita

  • 21

    a adoo de prticas multiprofissionais e interdisciplinares com a articulao de

    conhecimentos. A autora ainda destaca o redimensionamento da autonomia

    profissional diante da necessidade de integrao dos trabalhos parcelares e a

    exigncia de uma constante qualificao profissional nas dimenses tico-

    poltica e comunicacional.

    Nunes (2001) destaca que no setor sade existem diferentes processos

    de trabalho que ocorrem simultaneamente, mas que guardam caractersticas

    comuns como a sua complexidade, heterogeneidade e fragmentao. A

    complexidade deriva da diversidade de profisses, das diversas demandas dos

    usurios, das distintas unidades da rede de servios e das relaes tcnicas e

    sociais que se estabelecem. J a heterogeneidade denota os mltiplos

    processos de trabalho das categorias profissionais. Por sua vez, a

    fragmentao do processo de trabalho em sade pode ser observada na

    separao entre o trabalho manual e o intelectual, na diviso em

    especialidades, na diviso tcnica do trabalho e nas relaes de hierarquia e

    subordinao.

    No que diz respeito ao processo de trabalho na APS, os efeitos das

    conformaes do mundo do trabalho so identificados em distintas ordens. A

    rotatividade dos profissionais (SANCHO et al, 2011), particularmente mdicos e

    enfermeiras, expressa entraves na implementao da ESF e como suas

    principais causas foram evidenciados: a precarizao dos vnculos, ms

    condies de trabalho e um estilo de gesto autoritrio (MEDEIROS et al,

    2010). A gesto e organizao dos servios de sade tem sido apontada sob

    influncia predominante dos modelos taylorista e fordista, o que implica em

    racionalidades burocrticas e embates na autonomia dos profissionais

    (PEDUZZI, 2003; MATOS e PIRES, 2006).

    Ademais, como resultado da diviso tcnica e social do trabalho na

    sociedade contempornea, mesmo com os esforos de reestruturao das

    prticas em sade direcionadas para o trabalho em equipe, sobretudo na ESF,

    ainda podem-se perdurar prticas fragmentadas e justapostas, mantidas em

    relaes de poder que desfavoream o trabalho coletivo (NUNES, 2001). De tal

  • 22

    modo, para lidar com o jogo de foras presente no cotidiano dos servios, Faria

    e Arajo (2010) apontam a necessidade do fomento a construo de espaos

    coletivos, de fala e reflexo sobre o trabalho, devendo, inclusive, inserir a

    presena da comunidade.

    A comunicao no trabalho em equipe tem sido apontada na literatura

    como um dos elementos que merece maior investimento pelos profissionais,

    pois o enfrentamento dialogado dos conflitos pode ser capaz de promover a

    negociao, pactuao, compartilhamento de responsabilidades e decises

    entre os trabalhadores da sade (PEDUZZI, 2003). Na APS, especificamente

    sobre o processo de trabalho na ESF, a comunicao tem sido ilustrada como

    uma estratgia necessria para o enfrentamento dos problemas relacionais no

    processo de trabalho (PAVONI e MEDEIROS, 2009; SILVA e PEDUZZI, 2011;

    SHIMIZU e ALVO, 2012; ELLERY et al, 2013).

    2.1.2. Modelos de ateno sade

    No Brasil existem vrias concepes sobre os modelos de ateno

    sade, neste estudo iremos adotar a concepo proposta por Teixeira (2003)

    que contempla trs dimenses:

    uma gerencial, relativa aos mecanismos de conduo do processo de reorganizao das aes e servios; uma organizativa, que diz respeito ao estabelecimento das relaes entre as unidades de prestao de servios, geralmente levando em conta a hierarquizao dos nveis de complexidade tecnolgica do processo de produo das aes de sade; e a dimenso propriamente tcnico-assistencial, ou operativa, que diz respeito s relaes estabelecidas entre o (s) sujeito(s) das prticas e seus objetos de trabalho, relaes estas mediadas pelo saber e tecnologia que operam no processo de trabalho em sade, em vrios planos, quais sejam, os da promoo da sade, da preveno de riscos e agravos, da recuperao e reabilitao (TEIXEIRA, 2003).

    Essa concepo envolve nveis que vo desde uma esfera micro, ligada

    s prticas propriamente ditas, transpassando a esfera meso, de articulao da

    rede de servios at chegar a esfera macro, que envolve a estruturao dos

    sistemas e repousam as aes polticas e gerenciais. Destarte, para que haja a

    transformao dos modelos assistenciais so necessrios esforos centrados

  • 23

    em mudanas no nvel micro, que incidam tanto no contedo das prticas como

    na forma de organizao do processo de trabalho (TEIXEIRA e VILASBAS,

    2014).

    A teoria do processo de trabalho em sade apresentada como

    fundamental para anlise dos modelos de ateno ao dispor de conceitos que

    auxiliam no seu entendimento de maneira crtica. Questes como a dimenso

    tcnica e social das prticas de sade, forjadas na articulao entre as

    tecnologias e o trabalho, mostram-se de grande importncia para a atuao

    sobre os problemas e necessidades de sade (PAIM, 2008).

    Os modelos assistenciais podem atender lgica da demanda ou a das

    necessidades. Existem no pas dois modelos de ateno hegemnicos: o

    modelo mdico voltado demanda espontnea, e o modelo sanitarista, que

    visa atender necessidades que nem sempre se configuram em demanda.

    Esses modelos predominantes no vm conseguindo contemplar o princpio da

    integralidade, e nesse particular, observa-se uma tenso permanente entre sua

    reproduo e a implementao de propostas alternativas, entre as quais, a

    vigilncia da sade, a ESF (PAIM, 2008), e a clnica ampliada (CAMPOS,

    2003).

    A vigilncia da sade surge no Brasil, no final dos anos 1980 e incio dos

    anos 1990, incorporando os pressupostos da promoo da sade e do modelo

    da determinao social do processo sade/doena, sendo norteada pela

    articulao das prticas direcionadas ao controle dos determinantes, riscos e

    agravos sade. A vigilncia da sade abarca como seu objeto o trabalho com

    populaes de territrios definidos fomentando uma interveno social

    organizada, baseada no planejamento participativo e no estabelecimento de

    aes intersetoriais (TEIXEIRA e VILASBAS, 2014).

    De acordo com a vigilncia da sade as intervenes em sade so

    voltadas para o controle de danos, riscos e causas. O controle de danos atem-

    se aos bitos, sequelas e casos de doenas e agravos, e possui como

    principais aes a assistncia mdico-hospitalar e a vigilncia epidemiolgica.

    J o controle de riscos, expresso na chance dos grupos de adoecer ou cursar

  • 24

    com algum agravo tem nas vigilncias sanitria e epidemiolgica seu foco de

    aes. Por sua vez, o controle das causas extrapola o setor sade ao englobar

    os fatores condicionantes do modo de vida da populao de acordo com sua

    insero na estrutura social. Essa proposta ainda destaca a articulao das

    intervenes em sade e confere uma possvel superao dos modelos

    hegemnicos, no sentido da oferta organizada, aes programticas e

    promoo da sade (PAIM, 2008).

    A vigilncia da sade destacada por possuir potencial para o

    desenvolvimento de prticas integrais de ateno sade, ao lanar mo de

    estratgias calcadas no territrio, uso da epidemiologia e de ferramentas de

    geoprocessamento e monitoramento da situao de sade, a partir de

    indicadores (FARIA e BERTOLOZZI, 2009). Todavia, numa anlise exploratria

    da vigilncia da sade em 22 municpios no sul do Brasil foi identificado que

    suas aes so preponderantemente centradas nas vigilncias epidemiolgica

    e sanitria, e que estas tem ocorrido de maneira verticalizada sem o

    envolvimento da comunidade (MARTINS et al, 2008).

    No que concerne a APS, estudos apontam que a estruturao das

    prticas de vigilncia possui como limitao a precariedade de infraestrutura

    das unidades, a falta de qualificao profissional e a fragmentao do trabalho

    (FARIA e BERTOLOZZI, 2010). Outro estudo, que analisou as prticas de

    sade das EqSF, segundo o modo tecnolgico da vigilncia da sade, em duas

    unidades, na regio metropolitana de Salvador, verificou que as equipes no

    esto tomando como objeto os problemas de sade da populao segundo os

    preceitos da vigilncia da sade e da ESF, ao passo que tem privilegiado a

    apreenso sobre as doenas e agravos, em detrimento do controle dos riscos e

    causas (COSTA, 2009).

    Outra proposta alternativa elaborada no mbito do SUS, e oriunda do

    modelo em defesa da vida o modelo da clnica ampliada ou da clnica do

    sujeito, que toma como seu objeto de trabalho a pessoa, e no a doena.

    Nesse modelo a ao clnica voltada a singularidade de um sujeito concreto

    inserido em um determinado contexto social, mas isso no significa o descarte

  • 25

    do olhar sobre a doena do doente. O que se prope a reflexo uma

    ampliao do objeto de estudo fruto da dialtica entre o sujeito e sua doena.

    Assim, espera-se que a clnica passe a contemplar as inter-relaes entre o

    sujeito e seu contexto, potencializando a capacidade de resoluo dos

    problemas de sade (CAMPOS, 2003).

    Para Campos (2003), a clnica est situada entre a cincia e a arte,

    termos estes considerados contraditrios. Enquanto a cincia refere-se a

    saberes e procedimentos normatizados que tratam os sujeitos de formas

    indiferentes, a arte est ligada a improvisao, a inveno em que cada caso

    seria distinto dos demais. Apesar de considerar a existncia de diversas

    clnicas, na prtica so destacadas trs variaes: uma clnica oficial, uma

    clnica degradada e outra ampliada.

    A clnica oficial possui um objeto de estudo e de interveno reduzido,

    com enfoque na dimenso biolgica que negligencia as dimenses subjetiva e

    social das pessoas. Os saberes e prticas acabam sendo reducionistas e

    mecanicistas, onde o indivduo pensado de forma fragmentada e a

    abordagem teraputica estritamente curativista, ficando em segundo plano a

    promoo da sade, a preveno das doenas e at mesmo a reabilitao. A

    clnica tradicional ainda tem sido caracterizada pelo distanciamento do

    profissional do usurio, baixa capacidade de escuta, alienao e desinteresse

    dos profissionais com demandas para alm dos seus procedimentos

    (CAMPOS, 2003).

    Apesar da clnica seguir tendo destaque em sua capacidade de

    influenciar o imaginrio social, ela apresenta-se cada vez mais degradada no

    sentido dos limites externos que lhe so impostos. A grande variabilidade dos

    contextos socioeconmicos e as disputas de poder acabam limitando o

    potencial resolutivo da clnica sobre os problemas de sade (CAMPOS, 2003).

    A construo de uma clnica reformulada e ampliada visa enfrentar os

    entraves postos clnica oficial, buscando superar o biologicismo, a

    fragmentao, a alienao e o tecnicismo propondo-se o fortalecimento de

    vnculos entre o clnico de referncia e sua populao assistida (CAMPOS,

  • 26

    2003). A clnica ampliada busca ainda retomar a perspectiva da subjetividade

    como produto da correlao de foras social e histrica, estabelecida no

    encontro entre os sujeitos (SUNDFELD, 2010). Essa proposta objetiva

    desenvolver um processo de trabalho em equipe centrado na parceria entre

    equipes de referncia e de apoio matricial, que juntas devem desenvolver

    projetos teraputicos e conferir a usurios papel ativo em defesa da sua sade

    (CAMPOS, 2003).

    Nesse contexto de reformulao da clnica, a equipe de referncia

    representa um rearranjo organizacional que visa superar o poder das

    profisses e especialidades, reforando a gesto da equipe de forma

    interdisciplinar. Ela deve ser composta por um conjunto de profissionais

    essenciais para a conduo dos problemas de sade, que devem manter uma

    relao de longitudinalidade e responsabilizao com a populao (CAMPOS e

    DOMITTI, 2007).

    Assim como a equipe de referncia, o apoio matricial representa um

    arranjo organizacional e uma metodologia para gesto do trabalho. Porm,

    objetiva assegurar retaguarda assistencial clnica e suporte tcnico-

    pedaggico, vinculado s aes educativas, e as equipes e profissionais de

    referncia encarregados pela ateno aos problemas de sade da populao

    (CAMPOS e DOMITTI, 2007).

    A lgica do apoio matricial apresenta-se na perspectiva de colaborar

    com a organizao do trabalho em sade na APS, sendo um recurso para o

    enfrentamento da fragmentao da ateno e busca da prestao do cuidado

    integrado fruto de pactuaes (CUNHA e CAMPOS, 2011). Nesse sentido, para

    o bom andamento das aes importante que ocorra a construo de

    diretrizes clnicas e sanitrias, em comum acordo, entre os componentes da

    equipe de referncia e os apoiadores matriciais, contendo critrios de

    acionamento e definio de responsabilidade de ambas as partes. Atravs

    deste arranjo, espera-se ampliar as possibilidades de compartilhamento de

    saberes entre as distintas profisses (CAMPOS e DOMITTI, 2007).

  • 27

    Por sua vez, o projeto teraputico singular busca levar em considerao

    a opinio dos usurios e de suas famlias rompendo com a lgica estritamente

    medicamentosa e curativista. Nessa proposta destaque a ateno a

    necessidades de sade complexas, a valorizao do saber dos sujeitos, o

    poder teraputico da escuta e da palavra, a formao condicional do vnculo, a

    possibilidade de acompanhamento contnuo e multidisciplinar, e a construo

    de um cuidado integral com a ativao de recursos comunitrios locais (PINTO

    et al., 2011).

    2.2. Desenho do estudo

    Trata-se de um estudo de caso (YIN, 2005) realizado em um municpio

    baiano, onde investigamos a equipe NASF e trs EqSF.

    2.3. Seleo do caso

    A seleo do caso envolveu os seguintes critrios: (1) ser um municpio

    considerado experincia bem sucedida de APS; (2) possuir 100% de cobertura

    de sade da famlia; (3) ter uma equipe NASF atuante a pelo menos um ano;

    (4) respeito proporcionalidade da relao entre a ESF/NASF at nove, pois

    este o limite mximo de EqSF que o NASF deve prestar apoio no tipo I. J o

    NASF selecionado atendeu aos seguintes critrios: (1) ser do tipo I; (2) possuir

    pelo menos dois anos de implantao na cidade; (3) possuir equipe completa;

    (4) estar com profissionais atuando juntos h cerca de um ano.

    Foram identificados 125 municpios que possuam equipes de NASF do

    tipo I no Estado da Bahia, destes 45 apresentaram 100% de cobertura da

    sade da famlia, e uma razo ESF/NASF at nove. Todavia, ao inserir o

    critrio do tempo de implantao do NASF, considerado aqui at antes de

    Janeiro de 2013, esse nmero caiu para 16 municpios. Destes, um foi excludo

    por se tratar de uma equipe de NASF intermunicipal e por atender a apenas

    quatro EqSF. Assim, dos 15 municpios elegveis um foi selecionado por

    convenincia, por fazer parte de outro estudo realizado pelo Instituto de Sade

    Coletiva da Universidade Federal da Bahia.

  • 28

    O municpio investigado teve sua nica equipe de NASF selecionada,

    alm de trs EqSF indicadas pelos profissionais do Ncleo de Apoio e pela

    gesto. Esta escolha respeitou os seguintes critrios: (1) tempo mnimo de um

    ano de acompanhamento dessas equipes pelo NASF; (2) possuir equipe

    mnima completa; e (3) ser uma parceria considerada exitosa.

    2.4. Produo dos dados

    Foram utilizadas como fontes de evidncia:

    (1) documento normativo da Comisso Intergestores Bipartite-Ba

    referentes ao municpio (CIB);

    (2) documentos da Secretaria Municipal de Sade (SMS) e da equipe

    NASF (relatrio com a anlise da situao de sade do municpio, relatrio do

    Ncleo de Apoio sobre o diagnstico e o mapeamento do territrio, cronograma

    de atividades da equipe (Anexo A) e as fichas de evoluo e encaminhamento

    adotadas).

    (3) entrevistas semi-estruturadas com gestoras da APS (coordenadora e

    ex-coordenadora da ateno primria e coordenadora do NASF); profissionais

    do NASF e das EqSF; e com uma profissional do ISC/UFBA responsvel por

    um projeto de promoo da sade que estava sendo desenvolvido no

    municpio em parceria com o NASF (Apndice A, B, C e D); e

    (4) informaes registradas no dirio de campo do pesquisador.

    exceo de uma trabalhadora que se recusou a participar do estudo,

    foram entrevistados os demais cinco profissionais do Ncleo de Apoio. Em

    relao as EqSF foram entrevistadas duas mdicas e trs enfermeiras, de trs

    equipes, conforme a indicao dos profissionais do NASF e envolvimento

    destas nas atividades.

    O trabalho de campo ocorreu em dezembro de 2014. Vale ressaltar que

    os instrumentos elaborados foram validados previamente com teste piloto

    realizado com seis profissionais de uma equipe NASF, uma mdica e um

  • 29

    enfermeiro de uma EqSF e uma gestora responsvel pela coordenao do

    NASF, em um distrito sanitrio, em Salvador/Ba, no ms de setembro de 2014.

    Para a anlise das prticas de sade da equipe NASF foram utilizadas

    duas matrizes (abaixo sumarizadas) que articulavam os elementos essenciais

    do processo de trabalho em sade (objetos, atividades, instrumentos e

    relaes tcnicas e sociais), com as caractersticas principais dos modelos de

    ateno sade hegemnicos, do modelo da vigilncia da sade e do modelo

    da clnica ampliada. Foi elaborada uma representao do tipo ideal de NASF

    por referncia a cada modelo de ateno, a partir das contribuies de Paim

    (2008), Teixeira e Vilasbas (2014), Campos (2003) e Brasil (2010), de modo a

    facilitar o cotejamento das prticas observadas com as prticas supostamente

    implementada pelo NASF correspondentes aos tipos ideais.

    Os 14 profissionais entrevistados receberam um cdigo identificador

    com a letra E, sendo numerados de 1 a 14, preservando assim o anonimato

    dos participantes. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas para

    anlise, com posterior agrupamento em dimenses analticas identificadas

    pelos autores em correspondncia aos referenciais tericos adotados. Assim,

    foi construdo um quadro (Apndice E) com o levantamento dos excertos a

    partir dessas dimenses objetivando a elaborao de argumentos.

    Matriz de anlise 1 - Modelos de ateno segundo os elementos

    constitutivos do processo de trabalho em sade

    Modelos de ateno

    hegemnicos Mdico-assistencial

    hospitalocntrico e Modelo Sanitarista

    (Paim 2008; Teixeira e Vilasbas, 2014)

    Modelo da Clnica

    Ampliada (Campos, 2003)

    Modelo de Vigilncia

    da Sade (Paim 2008; Teixeira e

    Vilasbas, 2014)

    Sujeitos - Mdico, sobretudo o especialista - Sanitarista - Auxiliares

    - Clnico de referncia - Equipe de referncia - Equipe de apoio matricial

    - Equipe de sade: gerente e profissionais - Populao usuria, organizada

  • 30

    - Equipes de outros setores

    Objetos - corpo humano doente - Demanda - Doena e doentes - Modelos de transmisso: fatores de risco das diversas doenas

    - Sujeito e sua doena - Problemas de sade

    - Problemas de sade: determinantes, riscos e danos dos modos de vida e sade (condies de vida e trabalho) que incidem em indivduos, grupos e populaes que vivem em determinados territrios

    Atividades - Ateno mdica individual centrada na clnica com nfase no biologismo/curativismo, secundarizando a promoo da sade e a preveno das doenas - Organizadas em especialidades com foco no hospital e na rede de servios de apoio diagnstico e teraputico - Educao em sade - Controle de vetores - Imunizao e etc.

    - Ateno individual centrada na clnica rompendo com a lgica estritamente medicamentosa e curativista - Construo de diretrizes clnicas e sanitrias - Acolhimento - Classificao de risco e vulnerabilidade - Educao em sade - Aes no territrio - Ativao de recursos comunitrios locais

    - Aes de controle dos determinantes, de proteo especfica, de preveno de riscos, de triagem e diagnstico precoce, at a reduo de danos e reabilitao - Articulao entre o enfoque populacional, de risco e clnico - Integrao entre as vigilncias - Assistncia Mdico-hospitalar - Polticas pblicas transetoriais - Educao em sade - Promoo da sade - Aes programticas - Interveno social organizada - Fomentar a conscincia Sanitria e ecolgica

    Instrumentos - Tecnologia mdica (US, Raio-X, RM, TM, ECG, estetoscpio, tensimetro, exame laboratorial, anamnese etc.) - Tecnologia sanitria (campanhas, programas especiais de controle de doenas e agravos, sistemas de vigilncia epidemiolgica, sanitria e ambiental)

    - Tecnologias mdica-sanitria - Tecnologias de apoio ateno (Apoio Matricial; Projeto Teraputico Singular) - Tecnologias leves

    - Epidemiologia, geografia crtica, clnica, cincias sociais aplicadas sade - Tecnologias mdica-sanitria integradas e tecnologias de gesto (planejamento situacional, manejo de informaes epidemiolgicas) - Tecnologias de comunicao social

  • 31

    Relaes tcnicas e

    sociais

    - Hierarquia entre os membros da equipe de sade - Concentrao de poder no mdico - Circulao da informao entre os profissionais limitada - Ausncia de espaos compartilhados de deciso - Repartio parcial de responsabilidades entre os profissionais - Relaes interpessoais no democrticas

    - Hierarquia entre os membros da equipe de sade - Concentrao de poder no profissional de referncia - Circulao/socializao da informao entre os profissionais - Espaos compartilhados de deciso envolvendo toda a equipe - Repartio de responsabilidades entre os profissionais - Relaes interpessoais democrticas - Relaes de parceria com a populao usuria organizada e com equipes de outros setores

    - Ausncia de hierarquia entre os membros da equipe de sade - Poder compartilhado pela equipe - Circulao/socializao da informao entre os profissionais - Espaos compartilhados de deciso envolvendo toda a equipe - Repartio de responsabilidades entre os profissionais - Relaes interpessoais democrticas, com identificao e manejo dos conflitos - Relaes de parceria com a populao usuria organizada e com equipes de outros setores

    Matriz de anlise 2 - Tipos ideais de NASF por modelos de ateno*.

    Tipos ideais de NASF

    Modelos de ateno

    hegemnicos

    Modelo da Clnica

    Ampliada

    Modelo de Vigilncia da

    Sade

    Sujeitos - Equipe multiprofissional

    - Equipe interdisciplinar - Equipe interdisciplinar

    Objetos -corpo humano doente descaracterizado dos determinantes sociais da sade e da insero dos usurios no territrio

    - Sujeito e sua subjetividade, seu contexto social e tambm sua doena

    - Problemas de sade dos indivduos e das coletividades que considerem os determinantes sociais do processo sade/doena forjados no territrio

    Atividades - Aes fragmentadas e sem parceria com as

    - Acolhimento das demandas, escuta e resposta positiva

    - Aes compartilhadas com as EqSF e outros setores, nas nove reas

  • 32

    EqSF e outros setores, nas nove reas estratgicas do NASF - Abertura de agenda para consultas individualizadas - Educao em sade secundarizando a promoo da sade e a preveno das doenas

    - Aes compartilhadas com as EqSF e outros setores, nas nove reas estratgicas do NASF - Pactuao de critrios clnicos e sanitrios de ativao com a EqSF - Abertura de agenda para consultas individualizadas mediante a classificao de risco e vulnerabilidade - Educao em sade - Promoo da sade - Aes no territrio - Ativao de recursos comunitrios locais

    estratgicas do NASF, que envolvam o controle dos determinantes, de proteo especfica, de preveno de riscos, de triagem e diagnstico precoce, at a reduo de danos e reabilitao, - Articulao entre o enfoque populacional, de risco e clnico - Integrao entre as vigilncias - Intersetorialidade - Educao em sade - Promoo da sade - Interveno social organizada - Fomentar a conscincia Sanitria e ecolgica

    Instrumentos - Tecnologias mdica-sanitria - Tecnologias de apoio ateno (Apoio Matricial; ausncia ou construo de Projeto Teraputico Singular fragmentado; Projeto de Sade no Territrio inexistente ou desarticulado) - Tecnologias de apoio gesto (Pactuao do Apoio e planejamento inexistentes ou com objetivo de cumprir demandas burocrticas)

    - Tecnologias mdica-sanitria - Clnica - Tecnologias de apoio ateno (Apoio Matricial; Projeto Teraputico Singular) - Tecnologias leves

    - Epidemiologia, geografia crtica, clnica, cincias sociais aplicadas sade - Tecnologias mdica-sanitria integradas - Tecnologias de apoio ateno (Apoio Matricial, Projeto Teraputico Singular e Projeto de Sade no Territrio) - Tecnologias de apoio gesto (Pactuao do Apoio; planejamento situacional, manejo de informaes epidemiolgicas) - Tecnologias de comunicao social

    Relaes tcnicas e

    sociais

    - Concentrao de poder no mdico - Disputa nas relaes de poder entre os profissionais no mdicos - Hierarquia entre os membros da equipe de sade

    - Hierarquia entre os membros da equipe de sade - Concentrao de poder no mdico e/ou no profissional de referncia - Circulao/socializao da informao entre os profissionais

    - Ausncia de hierarquia entre os membros da equipe de sade - Poder compartilhado pela equipe - Circulao/socializao da informao entre os profissionais - Espaos compartilhados de deciso envolvendo

  • 33

    - Circulao da informao entre os profissionais limitada e/ou ausente - Espaos compartilhados de deciso no envolvendo todos os profissionais - Repartio parcial de responsabilidades - Relaes interpessoais no democrticas

    - Espaos compartilhados de deciso envolvendo toda a equipe - Repartio de responsabilidades entre os profissionais - Relaes interpessoais democrticas - Relaes de parceria com a populao usuria organizada e com equipes de outros setores

    toda a equipe - Definio de responsabilidades entre os profissionais - Relaes interpessoais democrticas, com identificao e manejo dos conflitos - Relaes de parceria com a populao usuria organizada e com equipes de outros setores

    *A designao da nomenclatura tipos ideais utilizada no sentido atribudo por Weber (1979).

    2.5. Aspectos ticos

    Essa pesquisa buscou assegurar os preceitos ticos em conformidade

    com a Resoluo 466/12 do Conselho Nacional de Sade para pesquisa com

    seres humanos. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento

    Livre e Esclarecido (Apndice F), e o projeto dessa pesquisa foi aprovado pelo

    Comit de tica em Pesquisa, do Instituto de Sade Coletiva, da Universidade

    Federal da Bahia sob o parecer n 856.958/2014.

    3. Resultados

    3.1. Descrio do caso

    O caso selecionado foi um municpio baiano de pequeno porte com

    populao estimada de quase 22 mil habitantes, localizado na regio sudoeste

    na Chapada Diamantina, cujo territrio integralmente abrangido pelo polgono

    das secas. O municpio faz parte da bacia hidrogrfica do So Francisco, sua

    extenso territorial de 1.087,060 Km, possui ndice de desenvolvimento

    humano (IDH) de 0,6 e est distante 665 Km da capital do Estado (IBGE, 2015;

    PNUD, 2015).

  • 34

    Os principais recursos econmicos so a agricultura, a pecuria e a

    silvicultura. A densidade populacional do municpio de 17,95 (hab/Km), e a

    taxa de urbanizao de 47,8%, o que significa que a maior parcela da

    populao reside na zona rural (IBGE, 2015).

    Em 2012 o municpio apresentou como principais causas de mortalidade

    geral por residncia as doenas do aparelho circulatrio, seguido das

    neoplasias, causas externas de morbimortalidade e doenas do aparelho

    respiratrio. J como principais causas de internao hospitalar por local de

    residncia, de janeiro a dezembro de 2014, foram identificadas as doenas do

    aparelho respiratrio, gravidez, o parto e o puerprio, doenas infecciosas e

    parasitrias, doenas do aparelho digestivo e do aparelho circulatrio

    respectivamente (BRASIL, 2015a).

    O grupo poltico que ocupa a gesto municipal tem indicado prefeitos

    desde 1996, sendo que o atual prefeito j exerce seu quarto mandato no

    perodo das ltimas cinco eleies, e apesar de trocas de legenda partidria a

    orientao poltica sempre esteve direcionada por partidos de direita (TSE,

    2015). Cabe destacar que o secretrio municipal de sade ocupa o cargo

    desde 2008, mas sua equipe tcnica de coordenadores tem passado por

    substituies em seu quadro (RELATRIO NASF, 2014).

    O municpio se encontra em gesto plena do sistema municipal desde

    2003. Sua rede de servios de sade constituda por dois hospitais, um sob

    gesto municipal e outro filantrpico vinculado ao SUS, um centro de

    reabilitao, um CAPS I, um CAPS ad III, um CRAS volante, um CREAS e

    duas ambulncias do SAMU. O municpio referncia na microrregio em

    sade mental para crianas e adolescentes usurias de drogas, e internaes

    hospitalares em distintas especialidades com a oferta total de 90 leitos

    (RELATRIO NASF, 2014).

    O Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS) foi implantado

    no municpio em 1998, mas apenas em 2005 foi implantada a Estratgia Sade

    da Famlia (ESF), poca com duas equipes. Houve ampliao gradual da

    cobertura populacional, que chegou a 100% no ano de 2010 com nove EqSF,

    alm de contar com oito equipes de sade bucal e 52 ACS distribudos nas

  • 35

    USF. Cabe destacar que existe uma equipe de PACS lotada em uma das

    unidades de sade da zona urbana (RELATRIO NASF, 2014; BRASIL

    2015b).

    Identificamos a existncia de oito USF, seis na zona rural e duas na rea

    urbana, incluindo 11 postos satlites distribudos nas comunidades mais

    perifricas da zona rural. curioso observar que em uma das unidades de

    ateno primria funcionam simultaneamente duas equipes de sade: uma de

    ateno bsica tradicional e uma EqSF. Ressalte-se que a primeira est

    cadastrada no e-SUS como EqSF, porm nem os profissionais nem os

    gestores de sade a reconhecem enquanto tal (RELATRIO NASF, 2014;

    BRASIL 2015b).

    O municpio aderiu ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da

    Qualidade da Ateno Bsica (PMAQ-AB), tendo cinco de suas equipes

    avaliadas, apresentando um desempenho satisfatrio, com quatro equipes

    acima da mdia e outra muito acima da mdia, de acordo com os parmetros

    estabelecidos pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2015c).

    O NASF foi implantado no municpio em maro de 2011, com a incluso

    de profissionais que foram se incorporando equipe de forma gradativa, mas

    que permaneceram atuando at o perodo da coleta de dados de modo

    articulado s oito USF do municpio. Nas unidades, as reas de atuao da

    equipe NASF estavam mapeadas segundo critrios de natureza geogrfica,

    inclusive a diviso do territrio em micro-reas com o levantamento dos

    equipamentos sociais existentes.

    Observou-se um baixo grau de integrao entre a APS e os demais

    nveis de ateno: as USF no so informatizadas, no dispem de condutas

    padronizadas e o referenciamento , em sua maioria, direcionado s

    especialidades mdicas e ao uso de tecnologias de apoio diagnstico e

    teraputico no hospital.

    3.2.Dinmica de trabalho dos profissionais do NASF e das EqSF: sujeitos,

    objetos, atividades, instrumentos e relaes tcnicas e sociais

  • 36

    Como mencionamos anteriormente, o NASF estudado constitua-se,

    desde 2011, por seis profissionais, quais sejam: uma assistente social, uma

    fonoaudiloga, uma nutricionista, uma psicloga, um educador fsico e um

    fisioterapeuta (RELATRIO NASF, 2014). Tais profissionais ainda

    permaneciam no municpio poca em que realizamos este estudo, apesar da

    existncia de vnculos precrios de trabalho, atravs de cooperativa, sem

    garantias de direitos trabalhistas como frias e 13 salrio.

    Cabe ressaltar que a primeira Portaria que criou o NASF no municpio

    inclua dois mdicos, nas especialidades de ginecologia e pediatra. Entretanto,

    como os profissionais no se adequaram carga horria e a forma de trabalho

    proposta, houve substituio dos mdicos, em uma segunda Portaria, pelo

    educador fsico. Destaca-se que os mdicos no atuavam no municpio e foram

    selecionados por indicao poltica, da mesma forma o educador fsico foi

    integrado equipe (BAHIA, 2011).

    Com relao s USF investigadas, as trs estavam situadas na zona

    rural e todas estavam completas, ou seja, possuam enfermeiras, mdicos,

    ACS e tcnicos de enfermagem. Alm disso, contavam com uma equipe de

    sade bucal com odontlogos e auxiliares de consultrio dentrio, exceo

    da USF 2, que no possua esse ltimo trabalhador.

    Dentre as trs USF investigadas nesse estudo, duas foram avaliadas

    pelo PMAQ e obtiveram desempenho geral satisfatrio acima da mdia

    (BRASIL, 2015c). Esse resultado positivo das unidades pode indicar que, para

    alm dos 100% de cobertura da ESF, a gesto municipal tem oferecido

    condies fsicas e materiais para as EqSF atuarem com qualidade em seus

    territrios.

    Com relao infraestrutura, as trs USF apresentavam instalaes

    adequadas com espao suficiente para a realizao das consultas, atividades

    de promoo sade e acessibilidade para deficientes e idosos. J a equipe

    NASF, sediada no centro da cidade, tambm possua espao fsico satisfatrio

    para o planejamento, atendimentos e atividades coletivas. Em contrapartida,

    essa equipe no dispunha de materiais e equipamentos suficientes para a

    execuo das tarefas.

  • 37

    Apesar da alta cobertura da ESF no municpio, observamos que, em

    todas as trs USF, o nmero de ACS no cobria toda a populao residente,

    sendo que a USF 3 apresentou a pior situao, com apenas 337 famlias

    acompanhadas (Quadro 1).

    Outro aspecto que merece destaque o fato de coexistirem em uma

    mesma unidade de sade (USF 1), duas equipes atuando em lgicas distintas:

    isto , uma EqSF, com adscrio de territrio, equipe mnima, oferta

    organizada, dentre outras caractersticas, e outra equipe operando com uma

    lgica de ateno bsica tradicional, ou seja, com profissionais direcionando as

    atividades para atendimentos com base na demanda espontnea, ausncia de

    planejamento e realizao de visitas domiciliares pontuais. Alm disso,

    identificamos, ainda, a presena nesta USF de outros profissionais que

    trabalhavam sem vinculao direta a qualquer uma das duas equipes,

    realizando apenas consultas e procedimentos ambulatoriais (Quadro 1).

  • 38

    Quadro 1 Caracterizao das equipes e agenda semanal das USF investigadas no municpio caso, 2014.

    UNIDADE EQUIPE TRABALHADORES FAMILAS ACOMPAN

    HADAS AGENDA SEMANAL TPICA

    USF 1

    EqSF 1 enfermeira, 1 mdica, 7

    ACS e 2 tcnicos de enfermagem

    976

    Segunda Tera Quarta Quinta Sexta

    EqAB tradicional 1 enfermeira, 2 mdicos, 4

    ACS e 2 tcnicos de enfermagem

    Manh Puericultura

    Pr-natal Visita domiciliar

    Visita domiciliar Preventivo

    Profissionais que atendem as

    duas equipes

    2 odontlogos, 1 ACD, 2 fisioterapeutas e 1 psicloga

    Tarde Planejamento familiar Puerprio Hiperdia Hiperdia -----

    USF 2 EqSF 1 enfermeira, 1 mdico, 6

    ACS, 1 odontloga, 1 tcnico de enfermagem

    590

    Segunda Tera Quarta Quinta Sexta

    Manh

    Pr-natal Atendimento mdico e odontolgic

    o

    Atendimento mdico e

    odontolgico Planejament

    o familiar

    Puericultura Hiperdia

    Atendimento odontolgico

    Preventivo Atendimento odontolgico Atendimento mdico na micro-rea

    Visita domiciliar

    Tarde Pr-natal

    Planejamento familiar

    Puericultura Hiperdia

    Reunio de equipe Preventivo

    Demanda espontnea

    Atividade educativa

    USF 3 EqSF 1 enfermeira, 1 mdica, 3

    ACS, 1 odontloga, 1 ACD, 1 tcnico de enfermagem

    337

    Segunda Tera Quarta Quinta Sexta

    Manh Hiperdia Pr-natal

    Atendimento mdico

    Preventivo/visita domiciliar

    Atendimento mdico e odontolgico

    Puericultura Atendimento odontolgico

    Demanda espontnea

    Tarde Hiperdia Pr-natal

    Atendimento mdico

    Planejamento familiar

    Atendimento mdico

    Demanda espontnea

    Servios administrativ

    os

  • 39

    3.2.1. Caracterizao dos sujeitos do estudo

    A maior parte dos sujeitos entrevistados era do sexo feminino, possua

    como cidade natal o municpio onde se realizou este estudo e eram adultos

    jovens com idade entre 28 a 39 anos (apenas uma integrante da equipe NASF

    possua 46 anos) (Quadro 2).

    A maior parte dos sujeitos investigados realizou sua formao

    acadmica fora do municpio e retornou cidade para trabalhar mediante

    indicao poltica. Apenas dois foram graduados por universidades pblicas

    [E4 e E10] e os demais em universidades e faculdades privadas. Quanto

    formao especializada, apenas seis possuam ps-graduao em sade

    coletiva, destas duas especficas em sade da famlia (Quadro 2).

    Na anlise do tempo mdio de profisso, constatou-se uma mediana de

    cinco anos entre os sujeitos, porm existiu uma diferena de 14 anos entre as

    mdicas, e as profissionais com menor tempo de atuao foram a mdica da

    EqSF 3 e a coordenadora do NASF (Quadro 2).

    Dentre os profissionais entrevistados, apenas dois da EqSF haviam

    atuado na APS, incluindo uma mdica com experincia na ateno primria em

    outros dois pases. Quanto experincia profissional, para um integrante do

    Ncleo de Apoio [E1], o NASF foi o primeiro trabalho e para a atual

    coordenadora da ateno bsica, atuar na APS tem sido um desafio, uma vez

    que essa sempre atuou na rea hospitalar e em pronto socorro infantil. Da

    mesma forma, a coordenadora do NASF no havia atuado na ateno primria,

    esses dados revelam que as gestoras no possuam experincia na rea

    indicando limitao na conduo das atividades (Quadro 2).

    Com relao ao tempo atual de trabalho na APS, todos os integrantes do

    NASF possuam mais de trs anos nessa equipe, assim como as enfermeiras

    das trs USF, uma chegando a ter sete anos lotada na mesma unidade. As

    atuais gestoras esto no cargo h apenas trs meses e no dominam os

    elementos constitutivos da gesto do trabalho na ateno bsica (Quadro 2).

    Nessa pesquisa foi explicitado que o processo de insero de todos os

    sujeitos na ateno primria no foi realizado mediante concurso pblico. A

    forma de contratao dos profissionais terceirizada, exceo do vnculo de

    uma mdica, da USF 1, contratada atravs do Programa Mais Mdicos Brasil.

  • 40

    Quadro 2 Caracterizao da equipe NASF, profissionais das trs EqSF investigadas e gestoras do municpio caso, 2014.

    EQUIPE CATEGORIA IDADE (Anos)

    ANO DA GRADUAO

    PS-GRADUAO

    PERODO DE INGRESSO NA

    EQUIPE

    ATUAO PRVIA NA AB

    CARGA HORRIA

    NASF Nutrio 46 2010 Nutrio clnica Abril 2011 No 40hs NASF Servio Social 28 2010 Sade coletiva Abril 2011 No 30hs NASF Psicologia 29 2010 ---- Abril 2011 No 40hs NASF Fisioterapia 31 2006 Fisioterapia traumato ortopdica Dezembro 2011 No 30hs

    NASF Educao fsica 32 2010 Especializao em Gesto da sade municipal Agosto 2011 No 40hs

    NASF Fonoaudiologia 31 2008 ---- Abril de 2011 No 40hs

    EqAB tradicional 1 Enfermagem 30 2007 ----

    Outubro de 2009 No 40hs

    EqSF 1 Medicina 39 2000 Especializao em medicina

    geral e integral

    Janeiro de 2014

    Em Cuba e 5 anos na Venezuela

    40hs

    EqSF 2 Enfermagem 36 2006 Especializao em sade da famlia Novembro de

    2007 No 40hs

    EqSF 3 Medicina 31 2014 ---- Setembro de 2014 No 40hs

    EqSF 3 Enfermagem 33 2009 Sade pblica Maio de 2011 1 ano em uma UBS 40hs

    Coordenadora da AB Enfermagem 37 2005 ----

    Setembro de 2014 No 40hs

    Ex Coordenadora

    da AB Enfermagem 28 2009

    Especializao em sade coletiva

    Especializao em urgncia e emergncia

    Enfermagem do trabalho

    Maro de 2011 a setembro de

    2014 No 40hs

    Coordenadora do NASF Servio Social 29 2013 ----

    Setembro de 2014 No 20hs

  • 41

    3.2.2.A implantao do NASF no municpio: as origens

    A implantao do NASF no municpio se deu sem que houvesse qualquer

    processo de capacitao. Dessa forma, ao se deparar com a complexidade da APS,

    a equipe buscou se auto-instruir sobre as aes que deveria desenvolver

    fundamentando-se em artigos, na portaria 154 e no caderno de ateno bsica n

    27. A partir da leitura desses documentos, sobretudo os normativos, a equipe NASF

    foi definindo as atividades que deveria desenvolver. Esse perodo inicial da

    implantao pode ser ilustrado atravs da seguinte fala:

    O incio do processo de trabalho foi bem difcil. Na verdade, a gente teve dificuldade porque como era um Programa novo de 2008, e a gente no teve nenhuma capacitao para o trabalho. Ento eu comecei a ler artigos, o caderno de ateno bsica e comecei a me inteirar sobre o Programa [E1].

    Inicialmente foram realizadas visitas s USF, com intuito de apresentar o

    Ncleo de Apoio as EqSF, fazer o mapeamento das micro-reas com a identificao

    dos equipamentos sociais e recursos da comunidade, alm de traar o perfil

    epidemiolgico da populao. Destaca-se que nesse processo a gesto no

    participou dessas aes, e coube aos profissionais do NASF fazer a interlocuo

    com as EqSF e definir como iriam atuar nas unidades.

    O no envolvimento da gesto no direcionamento das atividades do ncleo de

    apoio, pode estar atrelado a falta de preparo para poder acompanhar a nova equipe

    que se constitua. Segundo a coordenadora do ncleo de apoio, seu ingresso na

    gesto foi:

    [...] de paraquedas, no fui instruda, no me disseram o que era o NASF, como funciona, quais so os profissionais. Isso eu fui aprendendo no decorrer do trabalho com eles...na prtica, na prtica que a gente acha que o correto [E13].

    Em 2011, as atividades foram centradas em palestras e atendimentos,

    especialmente, com a populao de hipertensos e diabticos, sendo esse o maior

    pblico identificado no levantamento das demandas. Apesar da equipe NASF ter

    clareza de que seu trabalho no deveria ser precisamente direcionado aos

    atendimentos em consultrio, os profissionais pontuaram que no incio das

    atividades optaram por realizar atendimento com vistas reduo da demanda

    reprimida nos territrios.

  • 42

    Em 2012 e 2013, a equipe reduziu consideravelmente o nmero de

    atendimentos e iniciou os grupos educativos e de qualidade de vida. Essa atividade

    foi proposta, pois os profissionais do NASF identificaram a necessidade de maior

    aproximao com os usurios, tanto em termos de ampliao do vnculo como do

    fomento ao trabalho preventivo. Ainda nesse perodo, o contato com as instituies

    da rea de abrangncia das unidades e outros servios da rede municipal passou a

    ocorrer atravs de aes pontuais.

    Em 2014, a equipe passou a trabalhar baseada no calendrio do Ministrio da

    Sade (Anexo B), com foco nas campanhas, mas sem deixar de efetuar as

    palestras, os grupos, os atendimentos, as visitas domiciliares e manter a interao

    com os servios e equipamentos sociais.

    Ressalta-se que a equipe NASF investigada no mantm contato com os

    demais ncleos de apoio da regio, porm ao longo dos ltimos anos participou de

    dois encontros promovido pela DIRES. O primeiro foi no final de 2011 e o segundo

    em setembro de 2014. Nesses eventos, as equipes tiveram a oportunidade de trocar

    experincia e apresentar o trabalho que vem desenvolvendo. No segundo encontro,

    o NASF estudado foi o nico a manter seus profissionais, e pelo quantitativo de

    atividades realizadas passou a ser referncia da regio, como podemos observar no

    seguinte comentrio:

    [...] os outros municpios tinham carro, uniforme e a gente tinha as atividades... Ento fica mais assim como se a gente fosse o nico NASF que estava funcionando na realidade [E13].

    3.2.3.O cotidiano do trabalho dos profissionais: agenda e atividades

    A equipe NASF est formalmente vinculada s oito USF do municpio e seu

    trabalho tem ocorrido com base na elaborao de um cronograma semestral (Anexo

    A). Nesse, existe o rodzio semanal entre as equipes, a fim de realizar as atividades

    previamente agendadas e pactuadas com cada EqSF.

    A sua agenda de trabalho contempla visitas semanais a cada equipe, onde

    so efetuados atendimentos em consultrio, visitas domiciliares, palestras e grupos.

    A maior parte da agenda desempenhada de forma individual pelos profissionais do

  • 43

    NASF, exceo de alguns grupos de qualidade de vida e o planejamento do

    cronograma semestral.

    Para a programao das suas atividades a equipe NASF realiza reunies

    semestrais. Esse processo envolve encontros entre os profissionais da APS, com

    objetivo de avaliar as atividades do semestre anterior e propor ajustes ou mesmo a

    incluso de novas aes [E2]. Participam dessas reunies as enfermeiras e alguns

    ACS, alm de toda a equipe do Ncleo de Apoio, exceo da psicloga, isso

    porque essa profissional detm privilgios polticos que possibilitam mltiplos

    vnculos, o no cumprindo da carga horria e a ausncia nas aes de programao

    junto sua equipe [E1, E2, E5 e E13]. O seguinte comentrio ilustra essa situao:

    [...] tem profissional que tem problema de carga horria e no consegue sentar para participar das reunies, fazer o planejamento e a equipe fica desfalcada... essa falha apenas com o profissional de psicologia, que trabalha em outros lugares e s vezes no tem condies de estar aqui, de sentar e planejar, e faz seu cronograma separado, enquanto que essa no a proposta do NASF [E1].

    Apesar do cronograma do NASF prever reunio semanal, o ltimo encontro

    entre seus integrantes havia ocorrido h mais de cinco meses. Os profissionais

    pontuaram que mesmo sem uma periodicidade entre os encontros, existem

    discusses informais ao longo da semana [E3, E4 e E5]. Todavia, durante o

    semestre no h modificaes na agenda, uma vez que isso implicaria no rearranjo

    das atividades de todas as equipes.

    Foi unanimidade entre os trabalhadores das equipes investigadas a no

    utilizao de informaes epidemiolgicas para o planejamento das atividades na

    elaborao de suas agendas. Nessas equipes, a anlise da situao de sade

    ocorreu h mais de trs anos, durante a implantao do NASF, no havendo nova

    atualizao epidemiolgica. Dessa forma, pudemos constatar que a identificao

    dos problemas de sade da populao tem ocorrido, sobretudo, com base na

    experincia do atendimento aos usurios, ao invs da utilizao de ferramentas

    gerenciais.

    Nesse sentido, a programao das atividades das equipes tem considerado

    os agravos e problemas que acometem a populao oriundos apenas da demanda

    do cotidiano nas unidades, a exemplo das doenas do aparelho circulatrio e

    respiratrio, problemas de sade mental e gravidez na adolescncia [E1, E2, E7 e

    E8]. Alguns profissionais destacaram que no municpio h alto ndice de violncia na

  • 44

    periferia com consumo de drogas, especialmente entre os jovens, mas nenhuma

    atividade foi pontuada sobre essa questo [E1, E2 e E10]. possvel que dada

    complexidade social das temticas, s equipes tenham dificuldades de desenvolver

    aes sobre as mesmas.

    Quanto s aes direcionadas s questes de vulnerabilidade social do

    territrio, apenas duas profissionais da EqSF destacaram que j haviam

    desenvolvido atividades relacionadas. A primeira, relatou que j havia trabalhado

    com demandas sociais como a questo do lixo e do esgoto [E8]. J a segunda,

    chamou a ateno para a importncia do trabalho na sustentao das famlias e

    alertava que na regio havia alto ndice de desemprego e acidentes de trabalho na

    lavoura, principal ramo de ocupao local [E10].

    Em sntese, apesar da equipe NASF considerar que leva em conta os

    problemas de sade da populao para realizar a programao das suas aes, no

    fica evidente que a equipe d nfase aos determinantes sociais do processo

    sade/doena/cuidado forjados no territrio. De modo que suas atividades ainda

    esto distantes de intervir efetivamente nas condies de vida e trabalho que

    influenciam a ocorrncia de problemas de sade e seus fatores de risco na

    populao.

    No que concerne distribuio das atividades dos profissionais do NASF, sua

    agenda dividida em turnos de forma a dar conta das demandas individuais e

    coletivas solicitadas pelas EqSF. Tal organizao do trabalho resultante de uma

    oferta de servios previamente definida, mas essa no respaldada por uma anlise

    da situao de sade atualizada, pois no faz parte da rotina das equipes na APS do

    municpio.

    As atividades coletivas ocorrem nas USF, essencialmente, atravs de grupos

    que variam conforme a delimitao do pblico alvo envolvendo gestantes, crianas,

    mulheres e idosos, mas havia dois grupos de qualidade de vida que no delimitavam

    a populao alvo atuando sem restries de gnero ou faixa etria. A realizao dos

    grupos no se limitava ao espao fsico das unidades e muitos encontros eram

    efetuados no territrio, como ilustrado na fala a seguir:

    Quando trabalho em grupo ou realizamos na sala de reunio ou em algum recurso da comunidade numa igreja, escola ou creche [E1].

  • 45

    Foi identificado que os grupos cumprem um importante papel relativa

    educao em sade, estmulo a autonomia das pessoas e incentivo a adoo de

    hbitos de vida saudveis [E1 e E4]. Alm disso, os grupos conduzidos pela equipe

    NASF possibilitam as USF ampliar sua oferta de atividades coletivas, haja vista que

    as EqSF desenvolviam de forma incipiente tais atividades.

    Em relao aos atendimentos e visitas domiciliares, cada profissional do

    NASF dedica o mesmo turno semanal para ambas as atividades. Normalmente as

    visitas so realizadas ao final dos atendimentos e compete s EqSF a organizao

    dos agendamentos, sendo que na maioria das vezes o ACS acompanha os

    membros do Ncleo de Apoio no territrio.

    Foi pontuado pelos membros das equipes que, nas trs USF investigadas, os

    profissionais do NASF mais acionados, tanto para os atendimentos quanto para as

    visitas, foram a nutricionista e a psicloga [E1, E6 e E8]. Destaca-se que no

    municpio no existe disponibilidade de acesso a nutricionistas pelo SUS. Em

    contrapartida, tanto na USF 1 como no centro de reabilitao existe a oferta de

    atendimento psicolgico. Assim, provvel que os encaminhamentos para a

    psicloga estejam relacionados crescente demanda de sade mental da

    populao.

    Nas unidades do municpio, a forma de encaminhamento dos usurios

    pelos profissionais das EqSF para a equipe NASF, no baseada em critrios e

    ocorre de maneira informal, muitas vezes sem qualquer registro de informaes para

    o NASF sobre o usurio. Dentre os trabalhadores que mais encaminham demandas

    para o NASF esto os ACS, as enfermeiras e alguns mdicos. O relato a seguir

    indica a fragilidade no fluxo dos encaminhamentos nas unidades:

    [...] hoje de boca, informal, tudo sem ser registrado... ns (NASF) que realizamos muito encaminhamento pra fora pra rede, mas l deles (EqSF) pra gente algo informal, nada registrado [E1].

    Quanto discusso dos casos existiram divergncias sobre a existncia

    dessa atividade entre os profissionais da EqSF e os do Ncleo de Apoio. Enquanto

    as enfermeiras relataram que havia discusso aps as consultas, os profissionais do

    NASF pontuaram a inexistncia de espaos de troca de informaes com os

    responsveis pelos casos [E1 e E9].

  • 46

    Em relao parceria com as instituies do territrio, somente a creche e a

    APAE buscaram a equipe NASF solicitando seu suporte. J o CAPS I, CAPS ad e o

    CRAS a articulao ocorreu por iniciativa do Ncleo de Apoio. Em ambas, as

    atividades desenvolvidas eram limitadas a palestras preventivas cujo temtica era de

    livre escolha dos integrantes do NASF. Apesar do maior volume dessas atividades

    ocorrerem nos equipamentos sociais locais, a exemplo das igrejas e escolas, no

    existe um trabalho contnuo e partilhado entre o Ncleo de Apoio e as instituies da

    comunidade, mas apenas a utilizao do espao fsico e da infraestrutura dessas.

    Cabe ressaltar que em duas escolas, entre 2013 e 2014, profissionais da

    educao e da sade, particularmente, do NASF e das EqSF participaram de uma

    interveno de iniciativa do ISC/UFBA, com objetivo de estimular a adoo de

    hbitos de vida saudveis relacionados a padres alimentares e atividade fsica de

    escolares do ensino mdio, sendo desenvolvidas atividades de promoo sade

    nas escolas, com base num cronograma de ao, pactuadas em oficinas entre os

    trabalhadores do municpio e a equipe responsvel pelo estudo [E14].

    Pela equipe NASF, a nutricionista e o educador fsico participaram das

    atividades, mas segundo os mesmos seu envolvimento limitou-se a aes pontuais

    restritas ao perodo de execuo delimitado pela coordenao do projeto de

    interveno:

    Trabalhamos em duas escolas. Ano passado (2013) eu fiz duas aes e esse ano (2014) uma ao. Ento o trabalho no constante... eles (equipe da interveno) vm aqui a a gente discute e define a meta pra realizar a ao [E3].

    Para a pesquisadora responsvel pela interveno no municpio, apesar do

    projeto ter fornecido capacitao e disponibilizado um conjunto de materiais, os

    trabalhadores tiveram liberdade para construir e ampliar suas atividades. No entanto,

    foi destacado que o trabalho das equipes da APS ocorreu de modo desarticulado,

    sendo que a nutricionista e o educador fsico desenvolveram suas aes

    independentes das EqSF. Somado a isso, no houve participao dos demais

    integrantes do Ncleo de Apoio nessa interveno [E14].

    No que diz respeito ao registro das atividades, os profissionais do NASF

    utilizavam livros-ata, mas tambm os prontur