(2) dionísio pape - justiça e esperança para hoje - a mensagem dos profetas menores

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INTRODUÇÃO

O observador mais superficial do conteúdo da Bíblia verificará que quase 80% do livro sacro é o Velho Testamento. Se a Bíblia toda é realmente a palavra de Deus aos homens, torna-se patente que o Velho Testamento merece muito mais atenção do que normalmente recebe. Em todos os países, inclusive no Brasil, o povo de Deus precisa redescobrir a significação e a atualidade do Velho Testamento. É verdade que a escola dominical oferece certo ensino nesta área, mas se limita geralmente ao conhecimento dos dados históricos. A interpretação desses dados é o trabalho do exegeta. Acontece, porém, que a maioria dos sermões oferecidos ao povo de Deus se baseia, quase exclusivamente, no Novo Testamento. Os Salmos gozam de grande popularidade e representam talvez a leitura mais conhecida do Velho Testamento. A parte mais negligenciada parece ser os profetas menores, e por esta razão o autor preparou estudos bíblicos baseados neles, que foram apresentados aos estudantes da ABU e da ABS. O interesse suscitado no meio estudantil levou o autor a preparar, em forma permanente, este livrinho para o público maior.

O conhecimento das condições sócio-econômicas, políticas e religiosas da época dos profetas é indispensável à compreensão da mensagem profética. Quando as referidas condições se assemelham às nossas, não obstante a passagem dos séculos, então os profetas de ontem falam hoje, e o Velho Testamento se atualiza de uma maneira notável e também proveitosa.

Neste opúsculo segue-se quase sem mudança a ordem dos livros dos profetas menores adotada na Bíblia.

Desde o século VIII a.C. até o século V a.C., os profetas menores exerceram um mi-nistério dirigido ao povo de Deus, no período das maiores crises. Cinco deles profetizaram antes da queda de Samaria em 722 a.C., quando a nação ao norte, Israel, foi levada para o exílio na Assíria. Neste mesmo período antes do exílio de Israel na Assíria, Deus levantou Isaías, o mais sublime de todos os profetas. Depois da queda de Samaria, o profeta Naum predisse a destruição de Nínive, capital da Assíria, o que se cumpriu em 612 a.C.

A pequena nação ao sul, Judá, não aprendeu a lição de Israel, por razões semelhantes, ela seria invadida e destruída pelos babilônicos cerca de 140 anos depois. Pelo fato de ser custódia do sagrado templo do Senhor, Judá achava absolutamente inacreditável a profecia ameaçadora da queda de Jerusalém. Jeremias, o profeta chorão, apoiado pelos dois profetas menores, Habacuque e Sofonias, advertiu debalde o povo de Deus, e em 587 a.C. Jerusalém e o templo foram arrasados.

No período de 70 anos de exílio na Babilônia que se seguiu, Daniel e Ezequiel, pro-fetas maiores, foram os principais porta-vozes do Senhor. O livrinho de Obadias tem o seu lugar no começo desse período exílico, e por conseguinte o capítulo dedicado neste livro à sua profecia é colocado depois de Sofonias, e não no lugar tradicional entre Amós e Jonas.

Os três últimos profetas menores, Ageu, Zacarias e Malaquias, pertencem ao período pós-exílico, isto é, após o ano 538 a.C., em que Ciro permitiu a volta dos judeus para a terra da promissão. Neste período os três profetas prepararam o povo para a realização da maior de todas as promessas divinas, a vinda do Messias.

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Em certos casos é difícil estabelecer uma data segura para a composição de uma profecia. Os livros de Joel, de Jonas e de Naum são exemplos disso. Sendo a evidência cronológica interna às vezes inadequada, os eruditos adotam datas variadas baseadas no estilo utilizado e em considerações críticas. Embora sendo um assunto altamente relevante, a questão da data não diminui a significação espiritual e moral do recado profético. Para fins deste estudo, o autor adotou as datas conservadoras.

No cânon hebraico do Velho Testamento, os doze profetas menores formam um livro, ou coleção de escritos sacros denominada “Os Doze”. Na versão grega da Septuaginta, a mesma coletânea tem como título “Os Doze Profetas”. Nos séculos que precedem o nascimento de Jesus Cristo, os judeus piedosos se alimentavam das gloriosas promessas messiânicas contidas no livro “Os Doze”. Assim o Velho Testamento termina com “Os Doze” e sua refulgente esperança num messias todo-poderoso. É altamente sugestivo que, após o longo silêncio do período intertestamentário, o Novo Testamento se abre com Jesus Cristo e a escolha dos doze apóstolos como pregoeiros da boa nova da Salvação. Esta relação histórica, entre as promessas dos Doze no fim do Velho Testamento, e a sua realização através da missão dos Doze no início do Novo Testamento, deve despertar no povo de Deus o afã de conhecer mais profundamente os escritos inspirados dos doze profetas menores, que ainda nos falam hoje. E então a palavra dos profetas menores será uma mensagem de justiça e esperança para hoje, para o homem deste final de século XX.

ESQUEMA CRONOLÓGICO APROXIMADO

Os 4 Profetas Maiores

Os 12 Profetas Menores

Acontecimentos PolíticosDOMINAÇÃO DA ASSÍRIA

JEREMIAS

Oséias Queda de Samaria, 722 a.C.Exílio de Israel na AssíriaQueda de Nínive, 612 a.C.Fim do Império Assírio

JoelAmósJonasMiquéiasNaum

DOMINAÇÃO DA BABILÔNIAJEREMIAS Habacuque Queda de Jerusalém, 587 a.C.

SofoniasEXÍLIO DE JUDÁ

EZEQUIEL Obadias Na Babilônia durante 70 anosQueda da Babilônia, 539 a.C.DANIELDOMINAÇÃO DA PÉRSIA

Ageu O rei persa Ciro toma a Babilônia, e em 538 a.C. autoriza a volta do exílio. Restauração do templo, 517 a.C. Espera do Messias, 450 a.C.

ZacariasMalaquias

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1. O PROFETA DE CORAÇÃO QUEBRANTADO

OSÉIASOs períodos de grande prosperidade são geralmente acompanhados de

declínio moral. Era o caso do reinado de Jeroboão II, rei de Israel, uns 800 anos antes de Cristo. O país experimentava um desenvolvimento econômico como nunca antes, desde o tempo de Salomão. Foram construídas muitas casas de veraneio iguais às melhores residências urbanas. Produtos estrangeiros encheram o mercado. A vida luxuosa tornou-se a obsessão dos israelitas. Acontecia, porém que apenas uma minoria tinha acesso à vida boa e burguesa. A maioria esmagadora lutava para sobreviver. Um salário mínimo irrisório condenava o povo trabalhador a uma vida de verdadeira escravidão econômica.

A religião era popular. Cultos cheios e impressionantes. No entanto, a ênfase bíblica era coisa do passado. A linha mais tolerante do sincretismo dominava o pensamento dos líderes religiosos. Toda religião era boa. Era popular falar na fé no Senhor, e, ao mesmo tempo, dos valores comuns a todas as crenças, sem julgar-se nenhuma como sendo errada.

Sem uma insistência nos absolutos bíblicos, o povo não achava tanta necessidade de interpretar os dez mandamentos como imprescindíveis. O sétimo mandamento, em particular, era considerado um bonito ideal, mas afinal de contas não tão praticável em tempos modernos...

Naqueles dias o pastor Oséias sentiu na carne o impacto da nova sociedade. Casado com a bela Gomer, viveu o drama da surpreendente infidelidade da mulher. Para qualquer homem da fé isso seria um abalo angustioso, mas para um pregador da Palavra de Deus foi o mais profundo sofrimento imaginável. Oséias tentava conciliar a sua fé num Deus bondoso com a realidade da sua crise doméstica. Como entender a vontade de Deus, face ao desmoronamento do lar pastoral?

Alguns comentaristas consideram os primeiros versículos do livro de Oséias como sendo uma reflexão madura, posterior à tragédia, anos depois do acontecimento. “Vai, toma uma mulher de prostituições...” (v.12). destarte, Oséias chegou a entender que o soberano Deus sabia de antemão que Gomer seria infiel. Deus conhece o fim desde o princípio. Sabia que Gomer lhe seria infiel. Permitiu a vasta tragédia na vida de Oséias para que ele compreendesse o profundo pesar no coração divino: “porque a terra se prostituiu, desviando-se do Senhor” (1.2). este Deus é Senhor de todas as circunstâncias, inclusive das que parecem ser totalmente contra a sua vontade. Oséias se submeteu à realidade nua e crua das circunstâncias, para aprender que “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).

O profeta do Senhor é sempre a sua mensagem. Proclama a mensagem verbalmente, mas também a vive na carne. Nas entrelinhas do primeiro capítulo vemos como Oséias vivia diariamente a mensagem do Senhor. Nasceram-lhe três filhos aos quais ele deus os nomes mais esquisitos dados numa família de pastor! Ao primeiro ele deu o nome de Jezreel, cidade famosa por uma atrocidade nela praticada. Seria como se um pastor moderno chamasse seu filho de “Belsen” ou “Hiroshima”. Foi por ordem divina que o pastor Oséias colocou esse repugnante nome no seu primogênito. Imaginemos o triste pastor Oséias, sem mulher em casa, andando com o pequeno Jezreel, e o constante diálogo na rua:

— “Pastor Oséias, diga-me uma coisa: por que é que o seu filho tem este nome?”

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— “Meu irmão”, responderia Oséias, “porque Israel será também destruída da mesma maneira como a casa de Acabe em Jezreel!”

Quando nasceu uma filhinha, Oséias deu-lhe o nome de Desfavorecida (1.6). Coitada, como iria sofrer mais tarde na mesma roda com as meninas Graça, Linda e Piedade... Imaginemos mais uma vez o diálogo perto da casa pastoral:

— “Pastor, que linda menina o senhor tem! Por que o senhor lhe deu um nome que não merece, este de Desfavorecida?”

— “Meu irmão”, diria o Pastor Oséias, “ela é filha de uma nação que não receberá mais o favor perante o Senhor!”

Oséias ficou profundamente abalado com a terceira gravidez de sua mulher, Gomer. Sabia bem que não era criança dele. Depois do parto, Oséias deixou seus amigos boquiabertos quando deu a esse último filho o nome de Não-meu-povo. Imaginemos a conversa repetida inúmeras vezes entre Oséias e seus paroquianos:

— “Pastor Oséias! Como se chama o nenê?”— “Chama-se Não-meu-povo, irmão”. — “Desculpe, pastor, mas o Senhor está falando sério?”— “Sim, irmão, sei que este não é meu. É de outro, infelizmente. Coitado

dele. Não é meu, como este povo não é mais povo de Deus. Pense nisto, irmão, que nosso Deus declara a todos: vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus” (1.9).

E por onde Oséias andasse, todo o mundo estranhava os nomes feios das suas crianças. O profeta e seus filhos eram literalmente a mensagem de Deus àquele povo superficial que tratava a Palavra de Deus levianissimamente. Anunciava-se o julgamento através da agonia doméstica de Oséias. Mas Deus é misericordioso. O profeta vê além do juízo, até o dia feliz da restauração, quando Israel será chamado “Meu Povo” e “Favorecido” pelo Deus que o chamara (2.1).

Notamos nas pregações de Oséias a analogia entre a sua mulher infiel e a nação de Israel. Gomer foi seduzida pelas atrações do mundo, e pelos artigos de luxo obtidos com os seus favores sexuais (2.5). Quando ela não achou mais fregueses, resolveu voltar-se para o marido “porque melhor me ia então do que agora” (2.7). Como ela, Israel foi orientada exclusivamente pelos interesses materiais, em prejuízo da vida espiritual. Os sacrifícios oferecidos pelos israelitas no culto a Baal eram realmente atos de adultério espiritual contra o Senhor (2.8). Deus sempre queria que Israel fosse como esposa fiel para Si. O profeta Oséias não cessava de chamar o seu povo a reatar relações com o Senhor. “Desposar-te-ei comigo em fidelidade” diz o Senhor (2.20). “Desposar-te-ei comigo em justiça e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias” (2.19). A palavra “misericórdias” traduz o hebraico chesed, que significa o amor constante e leal. Na atitude de Oséias para com Gomer vemos até que ponto o amor constante do Senhor pode-se reproduzir no homem.

A vergonhosa infidelidade de Gomer não tinha limites. Seguindo a vida boêmia ela sofreu necessidades, a ponto de se vender como escrava-concubina (3.2). O amor leal e o perdão ilimitado de Oséias foram tamanhos que ele a comprou do seu senhor. Este amor redentor a levou novamente para a casa do profeta,onde ela foi obrigada a ficar, mas sem gozar de todos os privilégios de mulher. Sem dúvida a vizinhança cochichava o fato de que os dois não dormiam no mesmo quarto. Isso também fazia parte da mensagem divina! Pela sua infidelidade, Gomer não vivia propriamente como esposa, mas como encarregada dos assuntos domésticos. Semelhantemente,Israel infiel iria

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perder os seus privilégios no exílio. Não haveria mais rei, nem família real, nem religião, nem culto (3.4). Somente “nos últimos dias” os filhos de Israel se aproximariam do Senhor (3.5). A perfeita comunhão com o Senhor é o alvo de toda a obra da redenção. “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós”, prometeu o Senhor Jesus (João 15.4).

Nos capítulos 4 a 8 da profecia, Oséias revela até que ponto Israel se tinha corrompido moral e espiritualmente. Não havia nem verdade, nem amor leal (chesed), nem conhecimento de Deus (5.1). Quando o povo se separa de Deus, as conseqüências morais são inevitáveis: “o que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar, e adulterar” (4.2). Para obter-se o máximo lucro, o homem pecador arruína a própria natureza. O desequilíbrio ecológico segue a exploração egoísta da terra. “Por isso a terra está de luto, e todo que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem” (4.3). Há uma relação direta entre o conhecimento da Palavra de Deus a responsabilidade sócio-econômica em qualquer país. Israel se gabava da suntuosidade dos cultos religiosos, mas o seu coração estava vazio do amor leal, e corrompido pelo destemor da justiça.

A religião divorciada da moral se define biblicamente como prostituição espiritual (5.4). Deus não permite que o seu povo se aproxime dele naquele estado. Por mais incrível que parecesse aos israelitas, Oséias lhes advertiu do castigo divino, em que o Senhor os despedaçaria como um leão. Longe de os proteger, Deus os destruiria (5.14). Em todas as épocas o povo de Deus nunca entende que Deus trata o seu povo com mais severidade e não com menos.

Em resposta à pregação de Oséias, alguns professaram a conversão (6.1). Mas o arrependimento de Israel era tão passageiro como a nuvem da manhã, ou como o orvalho da madrugada (6.4). É bem fácil dizer: “Tornemos para o Senhor. Depois de dois dias ele nos revigorará”. O mal dentro da sociedade estava tão arraigado na prática da exploração econômica, na imoralidade, e na avidez de riquezas luxuosas, que tais profissões de conversão eram vazias. Olhando para os imponentes sacrifícios e os solenes cultos litúrgicos sema pregação da Lei do Senhor, Oséias não pôde se conter, e bradou o recado divino:

“Pois misericórdia (chesed) quero, e não sacrifício! e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” (6.6)

Israel observava a sua religião, mas onde estava o amor leal? Oferecia abundantes sacrifícios, mas onde o conhecimento de Deus? Este versículo traduz fielmente a mensagem central do profeta. Ele contemplava a dicotomia na vida do seu povo. Muita religiosidade e muita imoralidade; muita profissão de fé, e muita corrupção; como óleo e água não se misturam. Oséias considera Israel como um pão não virado no forno: de um lado queimado pelas suas paixões, e do outro massa mole que não resiste ao tato, portanto completamente imprestável (7.8). Deus chama o seu povo a uma vida íntegra. Não agrada a Deus a nossa proclamação da salvação pela fé se não há a correspondente transparência de vida moral e social. O hipócrita engana a si mesmo. “As cãs se espalham sobre ele, e ele não o sabe” (7.9). Todo o mundo percebe a sua incoerência, menos ele.

A religião não salva. O Deus cultuado por Israel mandou embocar a trombeta do juízo (8.1). Deus viria como a águia contra a casa do Senhor. Aqui, “águia” bem pode ser traduzido por “urubu” que se alimenta de animais mortos. Deus os chamava, pois Israel estava para morrer!

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Houve também várias facetas da apostasia de Israel. Israel rejeitou o bem (8.3). Israel abandonou os absolutos da lei do Senhor. O que era errado no tempo de Moisés, também o era no período de Oséias, e também o é hoje. A “ética da situação” em voga nestas últimas décadas do século XX representa uma tentativa filosófica de fugir da exigência moral duma lei irredutível. Como Israel, a nossa sociedade quer uma religião acomodatícia, que não imponha restrições à vida social, econômica ou sexual. Os israelitas eram “crentes de fim-de-semana”; eram fervorosos para como Senhor no sábado, mas nos outros dias da semana eram opressores dos pobres, gananciosos e desenfreados nos desejos sensuais.

A dinastia real em Israel, que levou a nação para o mal, não era a descendência de Davi, a quem Deus tinha prometido o trono em perpetuidade (1Cr 17.12). Quando, depois da morte de Salomão, o reino se dividiu, dez tribos tomaram como rei a Jeroboão, chefe dos engenheiros responsáveis pela obra de terraplanagem de Jerusalém (1Reis 11.27). Jeroboão I não era, portanto, rei da parte do Senhor. Agora, duzentos anos mais tarde, no reinado de Jeroboão II, Oséias aponta para a grave irregularidade na direção do país. “Estabeleceram reis, mas não da minha parte” (8.4). Toda aquela dinastia tinha usurpado o poder.

A religião em Israel protestava fé no Senhor Javé, mas não obedecia à Palavra do Senhor! “Não farás para ti imagem de escultura” (Ex 20.4) reza a lei. No entanto, em Samaria cultuava-se a imagem de um bezerro. Ao mesmo tempo em que o povo invocava o Senhor, dizendo: “Nosso Deus” Nós, Israel, te conhecemos”, Deus respondia através do profeta Oséias, dizendo: “O teu bezerro, ó Samaria, é rejeitado; a minha ira se acende contra eles!” (8.5). Manifesta-se no cristianismo do século XX o mesmo tipo de religião. Fala-se em nome do Senhor. Celebram-se cultos e missas solenes. Dominam a atenção da multidão as imagens dos santos. Como disse Oséias: “Da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para si, para serem destruídos” (8.4). A veneração concedida às belas imagens incrustradas de pedras preciosas é tida como mais importante que a Palavra de Deus. O segundo mandamento é claro. E inúmeras vezes na Bíblia Deus reitera a proibição de imagens no culto. Mais uma vez o Senhor falou pela boca do seu servo: “Embora eu lhe escreva a minha lei em dez mil preceitos, estes seriam tidos como cousa estranha” (8.12).

Oséias, de coração quebrantado por causa de Gômer, chegou a entender o sofrimento divino ocasionado pela apostasia de Israel. Outrossim, a infidelidade de Gômer não era apenas um lapso. Repetidas vezes ela traiu os votos matrimoniais. E o profeta contemplava o triste fato de que a infidelidade de Israel para com Deus não era um desvio temporário. A história de Israel está repleta de graves infrações contra a lei do Senhor. Logo de início na sua história idólatra, Israel fabricou o bezerro de ouro, no deserto. E antes de chegar na terra da promissão, na aldeia de Baal Peor, os primeiros israelitas, salvos pela graça de Deus. namoraram as belas moabitas, e abandonaram incontinente a lei recém-recebida. Sob o efeito dessa sedução inesperada, "se consagraram à vergonhosa idolatria" (9.10). A idolatria e a imoralidade são gêmeas. "E se tornaram abomináveis como aquilo que amaram" (9.10). O culto anti-bíblico os arrastou facilmente para as orgias e as bacanais.

A festa do boi custou cara. O duplo deslize,espiritual e moral, foi julgado, e morreram vinte e quatro mil israelitas (Números 25).

Deus nos chama ao amor leal (chesed): à fidelidade absoluta à Palavra de Deus, não somente na observação religiosa do culto evangélico, mas

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também na mais casta prática do amor no lar. Quem quebra uma aliança, facilmente abandona a outra.

No ocaso do reino de Israel, Oséias advertiu o povo das conseqüências de tal comportamento: "O meu Deus os rejeitará, porque não o ouvem; e andarão errantes entre as nações" (9.17). Poucos anos depois, em 722 a.C, realizou-se o inesperado desastre. Por não ter prestado atenção à advertência, a nação deixou de existir. O judeu errante data daquele acontecimento fatídico. E passaria muitos séculos peregrinando, sem pátria, sem identidade nacional e sem a bênção do Senhor, cuja voz ele recusara tantas e tantas vezes.

Por que é que os homens não mudam de direção? Por que marcham em linha reta para a destruição? "Porque o seu coração é falso; por isso serão culpados" (10.2). O coração do homem determina a sua conduta. Quartas vezes ocorre que alguém conhecedor da Palavra de Deus, sendo tentado a cometer o adultério, não consegue resistir á tentação, porque o coração é falso! "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração" (Provérbios 4.23). De Deus não se zomba. A lição de Israel é esta: o que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção. Tanto os líderes como o povo iriam sofrer as conseqüências da desobediência à Palavra sagrada. E o rei de Samaria, tão seguro na sua prosperidade fabulosa, seria dentro em breve "como lasca de madeira, na superfície das águas" (10.7).

Deus é amor. O seu amor não tem condição nem limite. Ele ama o seu povo apesar de toda a rebeldia, de toda a idolatria e de toda a imoralidade. O seu amor é chesed, amor imutável. Quando castiga, é por puro amor que o faz. Deus sente saudades do primeiro amor do seu povo. "Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho" (11.1). Israel era como criança que ele tomava nos braços. Como menino travesso, a jovem nação não queria obedecer-lhe. Recusou-se a converter-se (11.5). Deus não hesitou em disciplinar o seu povo, porque "o Senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a quem recebe" (Hebreus 12.6). Deus é diferente dos pais que nunca disciplinam os seus filhos. Quem não disciplina o seu filho, não o ama. Oséias, que tanto sofreu no lar, entendeu o coração de Deus quando descreveu o amor divino nestes termos: "Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões a uma se acendem" (11.8). Ainda que o castigo viesse com certeza. Deus não destruiria totalmente o seu povo, "Eu os remirei do inferno e os resgatarei da morte; onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição?" (13.14). O propósito de Deus permanece firme. É imprescindível que Deus castigue o mal. No entanto não seria o fim total de Israel. De outra maneira seria o Diabo e não Deus que ganharia esta guerra espiritual de proporções cósmicas. O fim da história da raça humana e de Israel está assegurado, porque Deus é soberano.

Oséias conseguiu reconstituir o seu lar com Gômer e seus três filhos. Tamanho amor triunfou. E o amor divino, chesed, triunfará também. Oséias, o vidente de coração perdoador, previu a restauração final de Israel num belíssimo trecho que remata a sua obra. Concitou o povo de Deus a uma genuína conversão. "Tende convosco palavras de arrependimento, e convertei-vos ao Senhor" (14.2). Num sentido, o crente no Senhor deve arrepender-se e converter-se ao Senhor constantemente, e não apenas uma vez na hora da entrega inicial. Quase todos os apelos à conversão na Bíblia são lançados aos que professam fé no Senhor! Quando o povo de Deus se converte constantemente ao Senhor, então o mundo começa a arrepender-se.

O arrependimento do povo de Deus é o segredo de todo reavivamento

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espiritual. "Curarei a sua infidelidade, eu de mim mesmo os amarei, porque a minha ira se apartou deles" (14.4). A segurança nacional de Israel de pendia não duma aliança política com a mais poderosa nação de então, a Assíria (14.3), mas da sua relação com Deus. Os rios de bênçãos começam a jorrar quando o povo de Deus julga o seu próprio pecado! Uma vez arrependido e perdoado, Israel se tornaria uma testemunha eficaz no mundo.

"Serei para Israel como orvalho" (14.5). O Deus que cada dia unge bilhões de folhas e pétalas com pérolas de orvalho é o mesmo que visita, pelo Espírito Santo, todos os seus filhos espalhados nos cinco continentes! Para a sobrevivência das plantas, Deus repete fielmente, e em todo lugar, o pequeno milagre, mandando a cada folhinha o precioso líquido sustentador. Quanto mais Deus deseja tocar com vida nova cada um de seus filhos na terra! Feliz o crente em Cristo que já aprendeu este princípio de sobrevivência espiritual, e que busca no frescor da alvorada a unção do Espírito, cada dia. Realiza-se a conversão diária do crente à vontade de Deus, quando novamente se entrega ao Senhor, reafirmando os votos de consagração absoluta Àquele que o comprou com o seu sangue. As plantas em terra ressecada, alimentadas pelo orvalho vitalizador, brotam, criam botões e exalam a sua fragrância. Flores perfumadas no sertão! Eis o quadro pintado pela pena do vidente, para descrever a vida realmente entregue ao Espírito do Senhor. "Serei para Israel como orvalho, ele florescerá como o lírio, e lançará as suas raízes como o cedro do Líbano. Estender-se-ão os seus ramos" (14.5, 6). A vida arraigada na Palavra de Deus, irrigada pela graça divina, e ungida pelo orvalho sacro do Espírito, estende os seus ramos, oferecendo ao viajor a sombra refrescante no sertão causticante. "Os que se assentam de novo à sua sombra voltarão" (14.7). A pessoa cheia do Espírito se torna um ímã para os que procuram a vida verdadeira, e não precisa buscar contatos com os outros. Os famintos do espírito reconhecem intuitivamente a autêntica espiritualidade dos que recebem diariamente o orvalho do Espírito. O contato com o homem espiritual se torna frutífero. "Serão vivificados, e florescerão como a vide" (14.7). Nós, o povo do Senhor, cantamos "quero ser um vaso de bênção". Este desejo tão louvável se realizará através do Espírito Santo, a água viva oferecida por Jesus. "A água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna" (João 4.14).

Oséias nunca viu o cumprimento da sua profecia final, mas pela fé aceitou que um dia o Senhor triunfaria na vida de Israel. Deus lhe tinha dado a vitória no seu lar, pelo triunfo do amor inabalável. Gomer estava de volta ao lar. Os filhos não levavam mais os nomes feios. Foram transformados em nomes abençoados. A família estava unida novamente. Com toda serenidade, Oséias aguardava o desenrolar do drama de Israel, com a certeza de que um dia Deus restauraria o seu povo. O profeta de coração quebrantado chegou a aprender que o coração do Senhor é também assim.

2. A MENSAGEM DA SECA

JOEL

Joel morava na santa terra de Israel, terra da promissão, terra que mana leite e mel. Tudo indicava que Deus queria colocar naquela parcela de terra privilegiada uma variedade exuberante de frutas, de cereais e de legumes. Em

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toda a superfície do mundo seria difícil descobrir uma região, tão pequena como a de Israel, em que houvesse tanta diversidade climática. Eram cultivadas frutas tropicais na região do vale do Jordão, enquanto todo o litoral gozava de um clima mediterrâneo ideal que favorecia o cultivo altamente lucrativo da laranja, do pomelo e de outras frutas. Mais ao norte, perto da Galiléia, o vale de Esdraelom produzia uma abundância farta de cereais e comestíveis de toda espécie para as feiras das cidades.

Como crente em Javé, Joel atribuía sempre ao Senhor esta riqueza maravilhosa. Por ser a terra do Senhor, era natural esperar que ela produzisse como nenhuma outra. A bênção de Deus deveria cair sobre a terra banhada tanto de suor israelita como de preces piedosas.

Joel percebia a relação íntima entre a vida espiritual e a prosperidade material em Israel. É verdade que nem sempre é assim, como a história do justo patriarca Jó e seus sofrimentos nos ensina, mas, em geral, quem serve ao Senhor fielmente prospera materialmente. Joel sabia que a história do seu povo exemplificava o princípio, uma história que concorda com o ensino fundamental enunciado no famoso discurso final de Moisés:

"Se ouvires a voz do Senhor teu Deus, bendito serás ... Será, porém, se não deres ouvido à voz do Senhor,maldito serás no campo.Maldito o teu cesto e a tua amassadeira . . .Os teus céus sobre a tua cabeça serão de bronzee a terra debaixo de ti será de ferro." (Dt 28.15-23)

Joel amava ao Senhor, e tentava viver de maneira a receber as prometidas bênçãos para os fiéis, evitando qualquer desvio do caminho da verdade que acarretasse a maldição divina.

Acordou Joel numa madrugada de verão com o zumbir de um inseto. Levantando-se da cama, descobriu que quem perturbava o seu sono era um gafanhoto num hibisco, fora da janela. Com um rápido gesto da mão, Joel afugentou-o e foi deitar-se novamente. Momentos depois ouviu o mesmo som irritante, mas desta vez muito mais agudo. Voltando à janela, espantou-se ao observar o que parecia ser uma espessa nuvem negra no céu azulado. De relance, entendeu Joel que era uma nuvem de gafanhotos. Não perdeu tempo em acordar todos da casa, reconhecendo que estava em perigo iminente toda a plantação da fazenda. Em poucos minutos, os insetos vorazes esconderam a luz do sol pela densidade incrível de milhões de corpinhos em vôo. Em desespero, os agricultores chamaram homens, mulheres e crianças para tentarem afugentar o exército inumerável de gafanhotos.

As mandíbulas minúsculas dos insetos devoraram metodicamente cada folha de cada planta, de cada árvore. No momento em que a invasão atingiu a sua força máxima, o som da mastigação de milhões de insetos se assemelhou ao de um motor de usina. Em vão os habitantes horrorizados tentaram salvar as plantações, mas inexoravelmente o exército de gafanhotos digeriu incólume a inteira safra da região, deixando apenas os tristes esqueletos de árvores, de arbustos, de vides e de hortaliças.

Passado o flagelo destruidor, a negra fome deu na vista dos agricultores desesperados. Joel contemplou a destruição total da fonte de renda, e finalmente o horror da situação provocou nele uma indagação religiosa. Por que aconteceu tamanho desastre? Por que Deus permitiu que isto acontecesse? Qual o significado do acontecimento? Joel convidou todos os

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habitantes da terra a que refletissem sobre o desastre:

"Ouvi isto, vós, velhos, e escutai,todos os habitantes da terra . . .Narrai isto a vossos filhos,e vossos filhos o façam a seus filhos,e os filhos destes a outra geração." (1.3, 4)

Joel não deixou o sinistro roubar-lhe a fé. Tentou desvendar a razão por que Deus permitiu que o seu povo sofresse tanto prejuízo. E o fruto das suas cogitações foi conservado para toda a posteridade no livrinho que leva o seu nome.

No Oriente Médio o flagelo do gafanhoto não era novidade. O que impressionou Joel foi o fato de gafanhotos de diferentes tamanhos e espécies chegarem juntos como em aliança maldita:

"O que deixou o gafanhoto cortador comeu-o o gafanhoto migrador; o que deixou o migrador comeu-o o gafanhoto devorador; o que deixou o devorador comeu-o o gafanhoto destruidor." (1.4)

O camponês Joel reconheceu quatro novidades de bicho na armada aérea que aniquilara a fazenda. Nunca houve caso parecido na História.

A perda total da safra causou o maior desespero em toda a região aflita. No entanto, na sua desolação profunda, alguns se lembraram com otimismo das próximas chuvas de verão. A natureza sempre procura recuperar o seu aspecto verdejante. Os que nutriam esta esperança profetizavam a chegada, quer cedo quer tarde, das chuvas estivais, que anualmente irrigavam a região.

Joel contemplou a vide desfolhada no quintal, e a figueira desnuda, que pareciam silhuetas implorando algumas gotas vivificadoras dum céu de bronze.

"Fez da minha vide uma assolação,destroçou a minha figueira,tirou-lhe a casca, que lançou por terra;os seus sarmentos se fizeram brancos." (1.7)

Os camponeses aguardaram estoicamente as chuvas. Paulatinamente os dias se tornaram semanas. A terra requeimada rachou-se sob o calor do sol impiedoso. O gado morria nos campos. O povo começou a arrumar as malas, em demanda de qualquer lugar que tivesse escapado do flagelo duplo dos gafanhotos e da seca. Mas as chuvas aneladas não chegavam.

"Também todos os animais do campo bramam suspirantes por ti; porque os rios se secaram e o fogo devorou os pastos." (1.20)

Como judeu piedoso, acostumado a dar o dízimo da safra do Senhor, Joel não estava em condições de trazer as tradicionais ofertas de manjares à casa do Senhor em Jerusalém. Por conseguinte, os sacerdotes e ministros iriam passar fome, e as solenidades exigidas pela santa lei não seriam mais observadas. Por isso Joel exclamou tristemente:

Uivai, ministros do altar! . . .Passai a noite vestidos de sacos;

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porque da casa do vosso Deus foram cortadasa oferta de manjares e a libação." (1.13)

Nesta situação crítica, Joel pediu que se anunciasse um santo jejum e oração (1.14). Tanto no Velho como no Novo Testamento, a Bíblia recomenda o jejum como indicação da sinceridade inegável de quem oferece sua prece ao Senhor. Quem jejua afirma tacitamente que a resposta divina à oração é mais importante que o sustento do corpo. É a subordinação do físico ao espiritual, que caracteriza todos os gigantes da fé. Moisés e Jesus jejuaram durante quarenta dias. O apóstolo Paulo jejuava regularmente. O século XX, século do materialismo, já convenceu a igreja da atualidade que o jejum não é para os nossos dias. Ela depende mais de campanha financeira e de organização para evangelizar o mundo do que de jejum e oração. Às vezes, só uma calamidade de enormes proporções, como a do tempo de Joel, convence o homem a orar e jejuar.

Pela oração e jejum o profeta conseguiu adivinhar o enigma do porquê da devastação da terra do Senhor. Joel esperou no Senhor, e recebeu uma visão que o esclareceu acerca do desastre. A desolação que o Senhor permitira na sua terra da promissão representava algo mais cósmico, que haveria de ocorrer no fim dos tempos. Simbolizava os acontecimentos estarrecedores do Dia do Senhor! A descida dos gafanhotos sobre uma pequena região da Palestina dá uma pálida idéia do que será a destruição quando o Senhor vier na sua glória como o Juiz do mundo! O vidente começou a entender o porquê da perda da safra e, acrisolada a sua alma no sofrimento, recebeu uma mensagem para todo o mundo.

"Perturbem-se todos os moradores da terra, porque o dia do Senhor vem, já está próximo, dia de escuridade e densas trevas, dia de nuvens e negridão!" (2.1, 2)

Na visão, Joel percebeu que a multidão dos gafanhotos representava um exército invencível com todos os seus aparelhos de guerra, destruindo tudo à sua frente.

"Diante dele a terra é como o jardim de Éden, mas atrás dele um deserto assolado. Nada lhe escapa". (2.3)

O Dia do Senhor será um dia de juízo, e não de alegrias. Em Israel, o povo de Deus esqueceu-se deste aspecto da verdade. Era praxe falar do Dia do Senhor, como dia em que o povo do Senhor seria vitorioso. Esta interpretação triunfalista é popular na igreja de hoje. Esquece-se de que "nosso Deus é fogo consumidor" (Romanos 12.29). Não se preocupa com a revelação solene de Paulo quando diz: "todos nós compareceremos perante o tribunal de Cristo para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito no corpo" (2 Co 5.10). Quem aceita Cristo é salvo da perdição eterna, e não entrará em condenação Não irá para o inferno. Mas ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que haverá um julgamento do povo de Deus no Dia do Senhor. Falando daquele dia, Pedro afirma que "a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada; ora, se primeiro vem por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?" (1 Pedro 4.17).

Assim como todos os profetas e apóstolos, Joel aprendeu que Deus julgará o seu povo. Portanto exclamou:

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"Sim, grande é o dia do SENHOR,e mui terrível!Quem o poderá suportar?" (2.11)

À luz desta revelação, Joel conclamou o povo a se arrepender e a se converter:

"Ainda assim, agora mesmo diz o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, com choro e pranto." (2.12)

Não era suficiente ser povo do Senhor. Não bastava morar na terra santa. Era necessária a conversão integral ao Senhor. Os apelos à conversão na Bíblia se dirigem quase que exclusivamente ao povo de Deus! A genuína conversão significa a aceitação plena da vontade de Deus. É imprescindível manter,a atitude de constante obediência ao Senhor. Destarte, a conversão se renova a cada dia. Há pessoas que se dizem convertidas ao Senhor, mas cujas vidas não mostram evidência prática de submissão a Cristo. Se elas continuam na desobediência, há a possibilidade de nunca terem sido salvas, pois a condição para a salvação é a obediência a Cristo como Senhor. Por esta razão, as Escrituras repetem o convite impreterível: convertei-vos! Não é chocante ler no evangelho as palavras de Jesus ao apóstolo Pedro, depois de três anos de apostolado?:

"Quando te converteres, fortalece os teus irmãos." (Lucas 22.32)

Joel entendeu que a desastrosa visita dos gafanhotos prefigurava algo pior ainda, a invasão dum exército inimigo. É "o exército que vem do norte" (2.20), estrondeando como carros. Tão vivida é a descrição da incursão militar, que se aplica perfeitamente ao método do blitzkrieg nazista com tanques, canhões blindados e todo o aparelhamento bélico dos nossos dias.

"Cada um vai no seu caminhoe não se desvia da sua fileira.Não empurram uns aos outros.Cada um segue o seu rumo;arremetem contra lanças, e nãose detêm no seu caminho.Assaltam a cidade, correm pelos muros,sobem às casas; pelas janelasentram como ladrão.Diante deles treme a terra e os céus se abalam." (2.7-10)

Não se sabe em que época viveu Joel. O texto não revela o contexto da época. Possivelmente o profeta exerceu o seu ministério antes da invasão assíria que findou a história do reino de Israel em 722 a.C. Outros optam pelo período antes da queda de Jerusalém em 587 a.C, e neste caso "o exército que vem do norte" seria o da Babilônia. Seja como for, o vidente inspirado enxergou além da calamidade militar, e perscrutou os segredos recônditos da futura história do povo de Deus.

O dia chegará em que o Senhor restabelecerá o seu povo novamente na terra santa com todos os privilégios e bênçãos divinos.

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"Restituir-vos-ei os anos que foramconsumidos pelo gafanhoto . . .Comereis abundantemente e vos fartareis,e louvareis o nome do Senhor vosso Deus . . .e o meu povo jamais será envergonhado." (2.25, 26)

O clarividente servo do Senhor reconheceu na promessa da chuva temporã e a seródia algo muito mais sublime do que a restauração da terra devastada pela seca. Para Joel as chuvas representam o derramamento torrencial do Espírito de Deus sobre a humanidade sequiosa. Num trecho luminoso, citado pelo apóstolo Pedro no dia de Pentecostes, Joel prenunciou o glorioso dia em que o Espírito Santo encheria cada coração, dando-lhe sonhos e visões. Qual chuva no sertão em tempo de seca, assim o Espírito do Senhor irriga a alma sedenta do homem. Com Jesus, os céus se abrem para derreter a plenitude do Espírito sobre todo aquele que crê. Feliz o dia para toda a humanidade quando João Batista testemunhou, dizendo:

"Vi o Espírito descer do céu como pomba e pousar sobre ele!" (João 1.32)Cumpriu-se ao pé da letra a profecia de Joel, quando Jesus prometeu a

todos:

"Quem crer em mim, como diz a escritura,do seu interior fluirão rios de água viva.Isto ele disse com respeito ao Espírito quehaviam de receber os que nele cressem." (Jo 7.38,39)

Que maravilha inédita que um simples homem do campo profetizou com exatidão os acontecimentos dos séculos vindouros! Mais maravilhoso ainda é o fato de que vislumbrou fenômenos que acompanharão o desdobramento do drama humano, ainda futuro nos últimos decênios do século XX!

A promessa do dom do Espírito foi citada por Pedro em Atos 2.17. Incluiu na citação a profecia sobre os sinais e prodígios que acompanharão o Dia do Senhor:

"Mostrarei prodígios em cima no céue sinais em baixo na terra: sangue,fogo e vapor de fumo.O sol se converterá em trevas, ea lua em sangue, antes que venhao grande e glorioso dia do Senhor!" (Atos 2.19, 20)

Não há nenhuma indicação de que o sol se converteu em trevas, ou a lua em sangue, no dia de Pentecostes. Aquela parte da profecia de Joel não se cumpriu no tempo dos apóstolos, nem até hoje. Ainda são acontecimentos futuros. Serão os sinais da vinda de Cristo em poder e glória! Outro profeta, o santo apóstolo João, exilado em Patmos, escreveu anos depois do dia de Pentecostes, sobre a profecia de Joel!

"Vi quando o Cordeiro abriu o sexto selo, esobreveio grande terremoto.O sol se tornou negro como saco de crina,a lua toda como sangue." (Ap 6.12)

O Espírito de Deus revelou a Joel coisas que aconteceriam mais de vinte

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e cinco séculos depois! Certamente, o verdadeiro Autor dos livros da Bíblia é o mesmo Espírito de Deus, que inspirou homens santos que, segundo Pedro, "falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo" (2 Pedro 1.21).

O Dia do Senhor será terribilíssimo. Bem deve o homem pecador tremer com a vinda do Senhor da justiça e da glória. Mas Joel não deixou o homem atormentado pela expectativa da vinda do Juiz do mundo. Anunciou também o caminho da salvação! Pois Deus é amor, e quer o nosso bem, não desejando a morte do ímpio.

"E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo!" (2.32)

Como dizia Santo Agostinho a respeito dos dois testamentos da Bíblia: "O Novo está escondido no Velho, e o Velho explicado no Novo". E aqui, num pequeno livro dum profeta menor, se encontra o mais puro evangelho! Verdade citada séculos depois por Paulo (Romanos 10.13), continua sendo verdade. Basta invocar o nome do Senhor Jesus para ser salvo. Para invocá-lo, é preciso crer que ele ressuscitou de entre os mortos. Só assim se pode pedir com palavras a salvação gratuita que ele oferece na sua maravilhosa graça. Nos dias de Joel, como nos de Paulo, e também nos nossos, eis o único caminho da salvação!

O que começa como notícia de um desastre agrícoIa num quinhão da herança dos israelitas se torna um quadro em miniatura dos acontecimentos globais dos fins dos tempos. Inspirado novamente pelo Espírito de Deus, o vidente Joel ampliou a visão dada no capítulo 2. Rematando a sua mensagem de dimensões cósmicas ele passou a desofuscar mais o futuro remoto. Falou da gigantesca luta entre as nações, reunidas em redor da terra santa. Deus se vingará de todas as injustiças e atrocidades praticadas contra o seu povo (3.2-6). Será o tempo de guerra mundial, quando as nações forjarão espadas das reIhas de arado, e lanças das podadeiras (3.10). Somente depois do conflito global haverá paz na terra, a paz do Senhor presente para reinar! O profeta Isaías predissera o tempo da glória futura em termos exatamente opostos:

"Converterão as suas espadas em relhas de arados, e suas lanças em podadeiras." (Isaías 2.4)

O que parece ser contradição na Bíblia se explica pela compreensão da escatologia: primeiro o Armagedom, com a mobilização de todos os recursos para fins bélicos, e depois a vitória final do Senhor, quando a paz voltará à terra em permanência.

Desde o tempo de Joel, cada geração considera a possibilidade de estar próximo o fim do mundo. No ocaso do segundo milênio da era cristã existe, pela primeira vez na história da raça humana, a possibilidade real de aniquilar-se o homem. Os Estados Unidos possuem mais de 10.000 bombas nucleares. O bombardeiro americano B-52 é capaz de entregar quatro bombas nucleares, equivalentes a 7.385 bombas parecidas com a bomba A lançada sobre Hiroshima! A União Soviética fabrica uma bomba nuclear cada 36 horas. Com este potencial mortífero, essas duas superpotências são capazes de aniquilar toda a vida na terra 15 vezes. Estes fatos nos levam a pensar que a profecia de Joel não tardará a cumprir-se . . .

Rematando a mensagem da última visão, Joel se projetou até o conflito fatídico do fim dos tempos:

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A possibilidade dessa guerra estourar leva o homem a refletir sobre o porquê da vida, da morte, e do além-túmulo. Morre o homem apenas como animal? Joel lhe deu a resposta.

"Sabereis que eu sou o SENHOR vosso Deus, que habito em Sião, meu santo monte!" (3.17)

A crise do fim do século XX não se resolverá nem pela política internacional, nem pelo progresso científico. O homem moderno precisa buscar a Deus, o Deus de Joel, o Deus da Bíblia. Por mais inteligente que seja, o homem não conseguiu ainda explicar sua própria razão-de-ser, mas conseguiu aumentar seu poder de tal forma que sua auto-destruição é uma possibilidade real. A dimensão espiritual abre-lhe novos horizontes, e o seu espírito, agriIhoado pelo materialismo, sobe finalmente nas asas da fé, para alcançar o mais alto zênite da espiritualidade, olhando para Jesus Cristo, o Senhor do universo. É este mesmo Senhor que o redime pela sua morte expiatória na cruz, ponto central do encontro entre o homem e Deus. O Espírito do Senhor inspirou Joel a salientar esta verdade básica na sua derradeira palavra profética:

"Eu expiarei o sanguedos que foram expiados." (3.21)

Abandonando teorias inadequadas para o encontro inevitável com a morte, aceitemos a única solução do problema humano, Jesus Cristo o Senhor e Salvador, que pela sua morte expiou o nosso pecado na cruz, e nos garantiu a vida eterna pela sua ressurreição.

"Multidões, multidões, no vale da decisão!" (3.14)

3. O VAQUEIRO PROFETA

AMÓSAmós vivia num período histórico de grande prosperidade ilusória. A

nação de Israel, no norte da Palestina, tinha experimentado no reinado do inteligente monarca Jeroboão II um desenvolvimento inigualado. Em Samaria, a metrópole, havia a frenética construção de novos prédios; dinheiro era gasto à toa, e a sociedade era entregue à vida de estonteante luxúria. Amós não era natural de Israel. Nascera num lar humilde no reino de Judá, no Sul. Viu a luz do dia na pobre aldeia de Tecoa, na região árida do sertão que se estende até o Mar Morto, ao Leste, e até o deserto de Negev ao Sul. O povoado não gozava de nenhum prestígio, sendo apenas uma encruzilhada nas estradas utilizadas pelas inúmeras caravanas que atravessavam o Oriente Médio. Naquele lugarejo inóspito Deus preparou um rude pregoeiro da justiça.

Desde a meninice, Amós aprendeu a digladiar-se com as forças ingentes da natureza fera do sertão. Conseguiu algum pasto para as poucas cabeças de rês que dificilmente eram sustentadas na aridez requeimada do sertão judaico. Raras eram as frutas que apareciam naquelas plagas pedregosas, mas o menino Amós sabia onde colher os pequenos figos dos sicômoros espalhados na pouca sombra de penhascos seculares. Provavelmente vendia as frutinhas

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aos árabes que acompanhavam as caravanas, ou na feira de Belém, que distava apenas dez quilômetros.

Arrancava o jovem Amós uma existência sacrificada do sertão. Muitas vezes pouco se comia entre a alvorada sobre o deserto oriental e o pôr-do-sol rosado, atrás dos píncaros lúgubres das montanhas da Judéia. A fome, a sede e o cansaço eram os seus companheiros constantes. Ao mesmo tempo, o jovem Amós sabia que as caravanas levavam a farta opulência oriental para a grande metrópole de Samaria. Tinha ouvido falar daquela sociedade urbana, onde muitos nem trabalhavam, onde a gangrena da luxúria desenfreada roía a medula da nação. Tinha aprendido que no paço real, e nos círculos sociais da elite, não se observava mais aos pé da letra a lei de Moisés. Aprendia que grassava a mais devassa podridão entre os mais privilegiados. Não ignorava o fato de que a maioria do povo, explorado e frustrado como ele, sustentava aquela minoria opressora. Sentia crescer no seu coração o desejo de falar sobre o assunto.

Passavam diariamente as caravanas portadoras de artigos de luxo. Quando os camelos, de marcha lenta, paravam na encruzilhada de Tecoa, Amós se informava da fabulosa carga destinada à distante metrópole israelita. Sedas finíssimas, tapetes felpudos, louças fragílimas, pedras preciosas, móveis luxuosos, vinhos raros, frutas cristalizadas, e uma infinidade de artigos de luxo atravessavam a pobre aldeia na encruzilhada. Estes produtos não chagavam às cálidas mãos dos sertanejos rudes de Tecoa. Os tecoanos silenciosos nunca entendiam por que o destino os tinha eleito para a labuta opressiva, enquanto outros tinham o direito de viver sem trabalhar, e usufruir da opulência fantástica dos empórios orientais.

Nas casas toscas de adubo na circunvizinhança de Tecoa, a vida nunca melhorava. As vezes, depois do labor do dia, sob o sol causticante que requeimava o solo infértil do sertão, os habitantes recebiam notícias dos palacetes em construção em Samaria, dos jardins e pomares, das alamedas e praças públicas. Em contraste com a cidadezinha sertaneja, a longínqua metrópole parecia ser uma cidade paradisíaca.

Amós amava a Deus, o Deus da justiça, o Deus que ampara o pobre e necessitado. Como conciliar esta contradição na terra santa do Senhor Deus de Israel? O jovem crente no Senhor não pôde silenciar frente à desigualdade social. Começou a pregar com o vocabulário simples e direto de vaqueiro, falando do Deus verdadeiro e justo que ama o seu povo, e anunciando um juízo divino contra uma sociedade materialista e opressora. Por mais inverossímil que pareça, dois anos depois de Amós iniciar sua nova carreira de pregador leigo, houve um sinal confirmador da sua mensagem. Ocorreu um abalo sísmico de severidade inédita (1.1). Os pobres desabrigados das casas de taipa perderam pouco, mas a demolição das mansões e dos palacetes representou uma perda estarrecedora. Para o pregador sertanejo, não podia haver indicação mais clara da intervenção divina.

"O Senhor rugirá de Sião!" (1.2), bradou o profeta. Confirmado na sua convicção de que Deus iria julgar a nação vizinha, Amós não perdeu mais tempo entre os seus. Ele não precisava pregar a justiça aos tecoanos, oprimidos pelo sistema desumano de crassa exploração ao próximo. Despediu-se depressa, e se dirigiu à nação de Israel, ao norte.

Com a ingenuidade do entusiasmo juvenil, Amós se lançou no ministério profético, sem se mergulhar nos estudos teológicos. Várias escolas de profetas atraíam jovens sisudos em cada época, mas Amós soube ler os sinais dos tempos, e para ele a palavra do Senhor se comparava ao rugido do leão (1.2).

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Nunca chegou a estudar hermenêutica, nem exegese textual. Não pretendia imitar o estilo polido de um Isaías. Sabia que um julgamento pior do que o terremoto viria, e que o povo estava inconsciente do perigo.

Amós começou o seu ministério em Samaria, anunciando os juízos do Senhor contra as nações ímpias. Sem muita experiência didática, o profeta inculto aproveitou um método ainda utilizado em regiões de pouca oportunidade escolar, e cantava a sua mensagem. A Bíblia conserva miraculosamente oito estrofes deste cancioneiro primitivo (1.3 — 2.16). Antes da invenção da imprensa, as nações dependiam deste método para insuflar um povo contra o inimigo. São muitas as canções de desprezo patriótico conservadas no Velho Testamento. Como trovador medieval, Amós cantava ao ar livre, para deleite dos transeuntes curiosos, atraídos pelo espetáculo incomum de um cantor sertanejo, vestindo trajes típicos.

O cantor rústico denunciou na primeira estrofe o inimigo tradicional de Israel:

"Quebrarei o ferrolho de Damasco! "(1.5)

Não houve quem se opusesse a este sentimento nacionalista. Amós conseguiu aprovação total da sua mensagem. Deus que julgasse Damasco! Amós continuou cantando, enquanto outros se uniam aos espectadores. A segunda estrofe prometeu fogo divino sobre a detestada Gaza, cidade dos filisteus. Mais uma vez, todos concordaram plenamente com sentimentos tão justos (1.7). Depois veio a vez de Tiro, cidade cosmopolita, rainha do Mediterrâneo, e rival de Samaria quanto à vida luxuosa (1.9). Todos desejavam que Deus minasse a economia dela. E a canção castigou depois Edom (1.11). Quem podia simpatizar com o reino que controlava todo o tráfego norte-sul no deserto? Quem podia se esquecer de que foi Edom que interditou aos primeiros israelitas a entrada em Canaã? Deus que os consumisse com fogo! Gritos de apoio acompanhavam a canção. Amém, irmão!

Amós continuou cantando mensagens de juízo. Chegou a vez de Amom, na Transjordânia, cujos soldados mereciam a censura de todo povo civilizado, por causa das atrocidades inenarráveis perpetradas em guerra. Que Deus fosse como turbilhão contra eles! (1.13)

Amós não se esqueceu do julgamento de Moabe, cujos líderes mandaram queimar os restos mortais dum rei inimigo. Que Deus matasse os seus príncipes! (2.3)

A esta altura a multidão dos ouvintes aguardava a próxima estrofe. O rude sertanejo já tinha julgado todos os inimigos vizinhos de Israel. E agora? A multidão atenta ficou surpresa ao ouvir a estrofe que seguiu:

"Assim diz o Senhor: por três transgressões de Judá, e por quatro . . ." (2.4)

Todo mundo reconhecia Amós como natural de Judá. Como se explicava que anunciava um julgamento contra o seu próprio povo? Por que o julgava? Não por ter cometido atrocidade, nem por ódio infrene. Amós continuou cantan-

"Porque rejeitaram a lei do Senhor,e não guardaram os seus estatutos,antes as suas próprias mentiras os enganaram,

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e após elas andaram seus pais". (2.4)

Amós abandonou o argumento político, a favor do religioso. Judá seria julgada pela sua infidelidade ao SENHOR! O povo não tinha guardado a Palavra de Deus. Esquecera-se dos seus ensinos. E, logo em seguida, a vida nacional perdeu as características bíblicas de piedade e honestidade. A canção de Amós não era mais modinha popular. De repente se tornou corinho de crente.

A multidão aclamou a honestidade intrépida do jovem de Judá, que ousava falar de fogo divino consumindo a santa cidade de Jerusalém, cidade capital do profeta. O trovador do Senhor prendeu a atenção indivisa dos ouvintes. Começou a entoar firmemente a última estrofe:

"Assim diz o SENHOR: por três transgressões de Israel e por quatro . . ." (2.6)

Nem bem pronunciado o nome da capital samaritana, sentiu-se um calafrio nos ouvintes. Aos olhos deles, o genial cantor sertanejo se transformava imediatamente na figura desprezível e ridícula de um matuto injurioso. Os elegantes cidadãos da capital silenciaram, enquanto Amós apontava para as injustiças berrantes praticadas contra os humildes.

"Os juizes vendem o justo por dinheiro, e condenam o necessitado por causa de um par de sandálias! (2.6)

Ninguém podia negar que os tribunais sempre favoreciam os que se serviam de meios venais para ganhar a causa. Assim sendo, havia duas leis, uma para o rico, e outra para o pobre. Amós prosseguiu cantando a mensagem acusadora:

"Suspiram pelo pó da terra sobre a cabeça dos pobres!" (2.7)

Os donos das grandes fazendas não queriam entregar aos pobres nem uma nesga de terra para o seu próprio uso. Com ironia Amós declarou que os ricos cobiçavam até o pó da terra, colado às frontes suadas dos trabalhadores!

A canção profética continuava a alfinetar as consciências:

"Um homem e seu pai coabitam coma mesma jovem e assimprofanam o meu santo nome." (2.7)

Todos os homens sabiam que, não obstante a profissão de fé no Senhor, a licenciosidade dos lupanares e a doce sedução de corpos bronzeados na praia constituíam o principal interesse masculino. Na luta titânica entre a carne e o espírito, este perdia e aquela ganhava.

Com olhar severo, o rude pregoeiro da justiça prosseguiu, relembrando os grandes atos intervenientes do Senhor na história do povo. Deus fê-lo subir da terra do Egito, destruindo os seus inimigos, e levantando profetas dentre os filhos de Israel.

"Mas vós aos nazireus destes a beber vinho, e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis." (2.12)

O nazireu fazia voto de não tomar bebida alcoólica, e de não cortar o

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cabelo. Os israelitas enfraqueciam os que tinham assumido esses solenes votos ao Senhor, animando-os a agir contrariamente. Dos profetas nada se pedia nos cultos, senão uma cerimônia empolgante. Nada de pregação da Palavra de Deus! O culto cantado bastava. O profeta era benquisto se dirigisse o programa especial, sem mensagem nenhuma. Religião sem Palavra de Deus. Culto sem pregação.

Deus falou pela boca de Amós, como rugido de leão:

"Eis que farei oscilar a terra debaixo de vós como oscila um carro carregado de feixes." (2.13)

As palavras de advertência profética ecoaram na esplêndida praça pública da linda metrópole. Alguns se lembraram logo do terremoto que sacudira a terra em tempos recentes. Outros passaram a ludibriar do sertanejo desprestigioso. Uns poucos refletiram com evidente sobriedade. E a maioria ficou indiferente, e o humilde mas intrépido filho de Tecoa rematou o refrão fatídico:

"E o mais corajoso entre os valentesfugirá nu naquele dia, disse o Senhor." (2.16)

Criou manchetes a canção de Amós na bela cidade de Samaria. Na capital, tudo exalava paz e prosperidade. Exímio na diplomacia, o rei Jeroboão II reatara alianças com os tradicionais inimigos de Israel, conseguindo um clima de paz inaudita. Seu tino administrativo garantia para a capital e para a classe privilegiada uma vida nababesca. E agora chegava esse forasteiro doido proclamando o fim do mundo. Com certeza, o sábio rei seria altamente competente no futuro como no presente. Por que temer?

Amós se atreveu a falar em público novamente. Desta vez não cantou mas, falando o linguajar de sertanejo, apelou para o raciocínio dos ouvintes irrefletidos. A sorte não existe para o povo de Deus! Tudo se explica por causa e efeito.

"Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo?" (3.3)

Dois negociantes se encontram porque marcam a hora. Dois namorados andam de mãos dadas porque de antemão já marcaram o lugar do encontro. A rapaziada de Samaria entendia perfeitamente bem a lógica de Amós'

"Rugirá o leão no bosque, sem que tenha presa?" (3.4)

Mesmo os que não se interessavam pela caça, preferindo ficar nas elegantes mansões da metrópole, sabiam que o leão silencia enquanto anda à procura da rapina. Só ruge depois de tomá-la.

"Tocar-se-á trombeta na cidade, sem que o povo se estremeça?" (3.6)

Claro que não. O estremecimento se explica pela causa, a trombeta que anuncia a guerra. Os mais velhos cidadãos na cidade real de Samaria nunca se esqueciam do pânico que tomou posse da cidade quando exército sírio a invadiu. Amós prendeu a atenção de todos ao pronunciar a frase seguinte:

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"Sucederá algum mal à cidade,sem que o Senhor o tenha feito?" (3.6)"Rugiu o leão, quem não temerá?Falou o Senhor Deus,quem não profetizará?" (3.8)

Agora o profeta declarava nitidamente que um inimigo cercaria a cidade para destruí-la, e com elas seriam derrubadas as casas de inverno e as casas de verão (3.15). A causa dessa destruição era a chocante injustiça e a opressão perpetradas contra os humildes e os pobres. Não se poderia dar um jeito. Nem era questão de sorte na vida. Teriam que colher o que haviam semeado.

As belas damas da corte passeavam nas alamedas da cidade maravilhosa de Samaria. Andavam vestidas com as últimas criações, nas mais leves sedas importadas do estrangeiro. Seguia-as, como incenso celeste, a delicada fragrância de perfumes exóticos, tão caros que o trabalho de um agricultor durante o ano todo nem daria para adquirir um frasquinho do precioso líquido. Em Tecoa, Amós não ganharia num mês o suficiente para comprar uma daquelas bolsas de senhoras feitas de couro finíssimo, com prendedor de prata trabalhado como asa de pássaro.

A lembrança da pobreza do sertão escaldou o espírito do jovem profeta abnegado. Cada senhora levava consigo dinheiro suficiente para alimentar uma família inteira no interior, por muitas semanas ou meses. Na cidade, tanto dinheiro esbanjado. No sertão, tanta penúria. Na capital, uma festa por dia. No interior, a fome, a cada dia. Amós não conseguiu conter a crescente onda de protesto dentro do seu coração. Em alta voz, pediu a palavra:

"Ouvi esta palavra, vacas de Basã, que estais no monte de Samaria, oprimis os pobres, esmagais os necessitados, e dizeis a vossos maridos: dai cá, e bebamos." (4.1)

Um arrepio de indignação atônita se registrou com estas palavras tão grosseiras. Pelo menos o pregador descortês captou a atenção das belas senhoras por um momento. Nada sabendo de homilética, Amós misturou as metáforas, pois continuou dizendo:

"Jurou o Senhor Deus pela sua santidade, que dias estão para vir sobre vós, em que vos levarão com anzóis e as vossas restantes com fisga de pesca." (4.2)

Amós comparou as damas da alta sociedade a vacas gordas no pasto. Elas, no entanto, seriam semelhantes a peixes tomados com anzóis, naquele dia da tomada da tão próspera cidade pelos seus inimigos, quando elas iriam para o cativeiro.

Existia na nação um espírito profundamente religioso. Israel se gabava de sua cultura religiosa e de seu espírito moderno de ampla tolerância. Em matéria de fé, achava que toda religião era boa, e que não se devia condenar qualquer crença praticada com sinceridade. Para mostrar ao mundo que a religião nacional tinha raízes históricas profundas, o clero organizava uma romaria anual, visitando os lugares santos. Os peregrinos em festa chegavam primeiro em Betei, onde o patriarca Jacó tivera a visão da escada celestial. A próxima parada era Gilgal, lugar do encontro de Samuel com Deus. Em seguida, os romeiros iam até Berseba, oásis no deserto do Negev, para

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relembrar a presença do pai Abraão naquele lugar santo,séculos antes.Em verdade, a romaria anual tinha mais o aspecto de festa do que de ato

religioso. Os comerciantes aproveitavam o ensejo com preços inflacionados. Muitos peregrinos passavam mais tempo visitando amigos e parentes do que participando das orações. E, felizmente, não havia pregações incômodas.

Na ocasião da visita de Amós, todos se preparavam, como sempre, para a romaria. Achavam que isso servia como demonstração positiva da sua fé, face às acusações do jovem pregador. Para surpresa geral de todos, o profeta do sertão ergueu a voz nos seguintes termos:

"Assim diz o SENHOR à casa de Israel: Buscai-me e vivei.Porém não busqueis a Betei,Nem venhais a Gilgal,nem passeis a Berseba, ...Buscai ao SENHOR e vivei,para que não irrompa na casa de Josécomo um fogo que a consuma!" (5.4-6)

Sem uma relação pessoal com o Senhor, sem buscá-lo, a religiosidade da romaria nada valeria em termos espirituais, e os lugares santos seriam destruídos. Deus contemplava as transgressões sociais em Israel:

"... afligis o justo, tomais suborno, e rejeitais os necessitados." (5.12)

A religião divorciada da moral e da compaixão é anátema; aos olhos do Senhor. Ele promete estar com o seu povo somente quando este busca o bem e aborrece o mal (5.15). O profeta conhecia a índole do povo de Israel, e previu as conseqüências da rejeição da mensagem:

"Em todas as praças haverá pranto."

Como no dia de hoje, muitos naquela época falavam do Dia do Senhor como solução final de todos os problemas, sem perceber que a sua vinda marcaria o julgamento do povo do Senhor.

"Ai de vós que desejais o dia do Senhor! Para que desejais vós o dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz." (5.18)

Israel pensava que a vinda do Senhor marcaria o julgamento das nações ímpias e o reconhecimento por elas da supremacia de Israel. Tragicamente, a nação não entendeu que o Dia do Senhor seria o julgamento do próprio povo de Deus. Em nossos dias, sai do prelo uma abundância de livros sobre a segunda vinda de Cristo. Porém, a maioria tenta interpretar os acontecimentos políticos à luz da profecia, sem mencionar o fato de que a volta de

Cristo iniciará o julgamento da igreja! Como diz Paulo, "todos compareceremos perante o tribunal de Deus" (Rm 14.10). E Pedro afirma: "A ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada; ora, se vem por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?" (1 Pedro 5.17).

Tanto no Novo como no Velho Testamento, os judeus nunca acreditaram que fosse possível Deus julgar o seu povo. A destruição de Samaria em 722

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a.C. e o exílio babilônico de Judá em 587 a.C. são advertências contra toda presunção. Dificilmente aprendemos as lições da História. É salutar lembrar que a matança de um milhão de judeus, fervorosos para com a Bíblia, mas desobedientes a ela, no ano 70 de nossa era, é mensagem para nós. Deus julgará o crente desobediente severamente. O fato de ser salvo eternamente não lhe exclui o comparecimento perante o tribunal de Cristo, com a possibilidade da perda do galardão. Escrevendo sobre "o dia", isto é, sobre o dia do Senhor, Paulo revela que:

"... qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará... se a obra de alguém se queimar,sofrerá ele dano; mas esse mesmoserá salvo, todavia, comoque através do fogo." (1 Co 3.13, 15)

Com a vinda de Cristo, toda a nossa vida, todo o nosso testemunho (ou a falta dele) serão avaliados pelo SENHOR, e muitos descobrirão que as coisas pelas quais viviam não tinham valor permanente. Serão queimados. Desaparecerão. As coisas feitas para Cristo o Senhor permanecerão para toda a eternidade. Para evitarmos a tolice de gastar a vida inutilmente, é preciso ter os olhos fitos sempre na segunda vinda de Cristo.

Amós lamentou a triste cegueira dos israelitas, pois não percebiam a relação entre o seu comportamento e o dia do Senhor. Lançou mão de um exemplo tirado da sua própria vida de camponês para salientar o perigo em que jaz o povo indiferente.

"Como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a mão à parede, fosse mordido duma cobra." (5.19)

A parábola do vaqueiro dispensava esclarecimento. O homem da parábola escaparia do leão, e fugiria do urso, mas seria destinado à destruição, não evitando a serpente. Assim seria Israel. A compassiva mão do Senhor a poupara diversas vezes, mas chegaria a hora do julgamento divino, contra as injustiças sociais e a devassidão moral no país.

Os habitantes da sofisticada metrópole adotaram uma filosofia religiosa dicótoma, separando corpo e alma de tal maneira que praticavam a libidinagem mais desenfreada do corpo durante a semana, para assumirem ares de pomposa religiosidade solene no sábado do Senhor, para o bem da alma. O corajoso profeta Amós repulsou essa hedionda aberração da verdade:

"Aborreço, desprezo as vossas festas, e com asvossas assembléias solenes nãotenho nenhum prazer . . .Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos;porque não ouvirei as melodiasdas tuas liras." (5.21, 23)

A mocidade israelita não gostou desse pregador matuto. Não estavam os jovens sempre presentes no culto, e alguns até mesmo no coral? Não respeitavam bem as campanhas? Não faziam parte de várias atividades

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religiosas? E agora vinha esse sertanejo forasteiro alegando que todo aquele tempo gasto em culto nada valia, sem uma consagração como nunca houvera. Esse Amós nunca ouvira falar da necessidade biológica do homem? Não sabia que, afinal de contas, não se pode ser perfeito aqui em baixo na terra? A Bíblia não diz também que o rei Davi teve muita experiência erótica? Os argumentos e os protestos se proliferaram contra as acusações moralizadoras de Amós. Nos círculos respeitados da elite era inaceitável esse tipo de pregação de juízo, e condenação do pecado lascivo. Amós se sentiu sem apoio. A juventude israelita gostava de cantar hinos, mas gostava também de divertir-se com os amigos que não eram inibidos por tanto ensino da Bíblia. Um pé na igreja, o outro no mundo. Amizade com todos era o seu ideal, e não a intransigência moral desse pregador de fora. Uma gargalhada de desprezo irrompeu no meio da rapaziada. O pregador sertanejo, imperturbável, lançou-lhes a última palavra:

"Por isso vos desterrarei, para além de Damasco, diz o SENHOR, cujo nome é o Deus dos exércitos." (5.27)

Tal pai, qual filho. Amós observava os costumes corrompidos dos pais em Samaria. Os "filhos de papai" se guiam fielmente a vida de materialismo crasso e de luxúria infrene que testemunhavam em casa. Amós dirigiu-se agora aos genitores da juventude transviada:

"Vós, que imaginais estar longe o dia mau,e fazeis chegar o trono da violência;que dormis em camas de marfim,e vos espreguiçais sobre os vossos leitos,e comeis os cordeiros do rebanho,e os bezerros do cevadouro . . .que bebeis vinho em taças,e vos ungis com o mais excelente óleo;. . .Portanto, agora ireis em cativeiro! " (6.3-7)

Encolerizado, Amós apontou para o mau uso do dinheiro na sociedade. Na região de Tecoa, muita gente deitava-se no chão. Alguns possuíam uma cama primitiva, ou rede. Mas aqui, na riquíssima capital de Israel, os burgueses conciliavam o sono em camas de marfim. O valor só do marfim pagaria um agricultor no sertão por mais de um ano! Amós se lembrou do gado de casa, e a luta sacrificada para salvar um cordeiro ou bezerro ameaçado pelas feras, os ladrões e os próprios elementos da natureza. Mas, aqui em Samaria, os donos de rês nem se preocupavam se os animais não chegassem à maturidade. Em vez de conservar os rebanhos, os senhores se alimentavam todos os dias de filé-mignon, e das melhores carnes, dizimando o patrimônio nacional. Quem se alimentasse com tais quitutes no sertão seria considerado louco.

Na cidade opulenta os pratos requintados eram servidos com rios de vinho, em taças em vez de copos. No sertão somente na ocasião de um casamento ou de um enterro se servia às vezes um copinho de vinho, mas não em circunstâncias normais. Na metrópole, porém, o vinho corria como água.

Nos seus palacetes suntuosos, os habitantes da cidade capital tinham festa diária, sendo cada refeição o fruto do suor e labor dos paupérrimos irmãos de Amós, labutando vida bastante sofrida. E não somente as damas, mas os homens também se perfumavam como galantes ociosos num paço em

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ocaso, gastando uma fortuna com os mais excelentes perfumes importados de países exóticos. Amós calculou rapidamente a despesa diária numa só mansão, e a soma atingia o salário de um ano no sertão. Rijo de ânimo, Amós profetizou em praça pública num dos bairros mais esnobes da cidade:

"Eis que o SENHOR ordena e será destroçada em ruínas a casa grande, e a pequena, feita em pedaços!" (6.11)

A notícia perturbadora da pregação de juízo correu rapidamente da rua para os círculos mais elegantes e exclusivos. Chegou a notícia na capela real, onde Amazias, capelão de S.M. Jeroboão II, franziu a testa. A comunicação pareceu-lhe ser conspiração perigosa, visto que Amós já anunciara a queda da cidade e o exílio do povo. Embora despretenciosa, a mensagem do rude sertanejo pôde abalar algumas pessoas nervosas, e o capelão resolveu denunciar incontinenti o impertinente pregador-vaqueiro. Pior ainda, o audacioso profeta do sertão tinha tido a temeridade de vaticinar a morte do próprio monarca.

Tudo indica que o rei Jeroboão II pouco se importunou com a notícia. Provavelmente considerou Amós como um desses visionários messiânicos que em cada geração se levantam entre os analfabetos dos sertões, arrastando um punhal de adeptos para o seu inevitável fim desastroso. Fosse como fosse, o rei não mandou prender o pregador sedicioso. Bastou mandá-lo para fora do país, pela instrumentalidade do capelão. Amazias encontrou o sertanejo dentro da própria capela real, e não perdeu tempo em entregar o recado do rei:

"Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá e ali come o teu pão, e ali profetiza; mas em Betei, daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino" (7.12, 13)

Com desprezo mordaz, respondeu Amós:

"Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta,mas boieiro e colhedor de sicômoros!" (7.14)

Amazias recebia um gordo salário pelas suas funções como capelão real. Amós não recebia mercê alguma. Se haveria de comer pão em Judá, não seria provimento de cargo religioso que o sustentaria. Era boieiro, e visto que o dinheiro nem dava para se viver do trabalho, era obrigado a aumentar a pitança miserável pela venda, a um preço irrisório, das pequenas frutas de sicômoro palestino colhidas durante umas poucas semanas de verão. Amós não era pregador assalariado. Pregava por conta própria, sacrificando-se para falar a verdade, nua e crua, dizendo que a profissão de fé no SENHOR, sem vida moral e sem compaixão para os pobres, é uma revoltante nulidade!

Terminou o diálogo entre o capelão magnificamente paramentado e o humilde profeta do Senhor, delgado de talhe, e vestindo o trajo tradicional de couro. Nunca mais se encontrariam. Com o olhar místico de vidente, Amós proferiu sua última sentença:

"Assim diz o SENHOR,tua mulher se prostituirá na cidade,e teus filhos e tuas filhas cairão à espada,e a tua terra será repartida a cordel,e tu morrerás na terra imunda,

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e Israel certamente será levado cativopara fora da sua terra! " (7.17)

Amós cumpriu a sua missão ingrata e perigosa. Antes de deixar a nação de Israel, sua terra missionária, ele não perdeu a ocasião de advertir o povo do perigo em que jazia enquanto não voltasse ao Senhor. Quão solenes são os juízos do Altíssimo! Quão soberbo é o coração humano que não acredita num juízo final para todos, inclusive para o povo de Deus! Quão presunçoso aquele que pensa que uma profissão de fé, alguma assistência aos cultos, alguma contribuição ocasional aos cofres sacros compensam a falta de pureza moral, de honestidade, e de compaixão!

No caminho de volta, Amós anunciou as suas visões apocalípticas, chamando o povo ao arrependimento e à fé no SENHOR. Mas o povo, desde o rei no trono até o homem na rua da capital, endureceu o coração. A cidade parecia tão segura, tão rica, e a vida tão aprazível, que a mensagem de Amós foi tida como a alucinação de um alienado. Nada de conversão em massa. Aparente fracasso da campanha. No entanto, Amós não se desanimou.

Como todos os profetas do SENHOR, Amós vivia na esperança certa do triunfo final do Senhor. A apostasia materialista de Israel não podia ofuscar os raios rutilantes da glória vindoura do dia do Senhor. Quantos profetas anelaram a sua chegada, falando "daquele Dia!" E assim é que Amós rematou a sua obra monumental, erguendo os olhos para ver um Israel restaurado, um povo de Deus purificado:

"Naquele dia levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas." (9.11)

Jeroboão II não era da linhagem de Davi, a quem o Senhor prometera o reino em perpetuidade. Séculos de pois, o apóstolo João, escrevendo a respeito de Jesus, testificou: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós" (João 1.14). A palavra "habitou" traduz o grego eskenosen que significa literalmente "levantou tenda" ou "levantou tabernáculo". Foi por Jesus que Deus levantou o tabernáculo de Davi, e assim se cumpriu a profecia messiânica escrita por Amós uns sete séculos antes.

Sob o futuro reino de Cristo haverá a verdadeira prosperidade. Não o privilégio de uma minoria que explora a maioria, mas a conseqüência de todos praticarem a justiça, a compaixão e o amor para com o próximo, seja quem for.

"Eis que vêm dias, diz o SENHOR,em que o que lavra segue logo ao que ceifa,e o que pisa as uvas ao que lança a semente;os montes destilarão mosto,e todos os outeiros se derreterão." (9.13)

Em nosso mundo do século XX, em que opera ainda a maldição proferida na hora da queda do homem, há uma abundância adequada para todos os quatro bilhões que habitam no planeta. A cobiça, esta praga humana que exige lucros cada vez maiores, faz com que a metade da humanidade tenha fome, enquanto a outra metade vive fartamente, jogando fora milhares de toneladas de comida cada dia. Mas não será sempre assim. Um dia, "naquele dia", quando Cristo tomar conta do mundo, quando houver novos céus e nova terra, cumprir-se-á o último sonho do heróico compeão do Senhor, Amós de Tecoa no

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sertão, que prometeu:

"Plantá-los-ei na sua terra,e, dessa terra que lhes dei, já não serão arrancados,diz o SENHOR teu Deus." (9.15)

4. O SENHOR DA SEARA

JONASA profecia de Jonas difere de todas as demais profecias bíblicas. A sua

profecia falada se limita a apenas sete palavras: "Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida" (3.4). Num sentido real, o profeta é a sua mensagem. Quantas vezes Deus fala muito mais através do drama existencial dos seus servos do que pelas próprias palavras deles! Disto são exemplos Oséias, Jeremias e tantos outros servos do Senhor. Deus ensina não tão somente por instrução verbalmente comunicada, mas também pelos acontecimentos, nus e crus, vividos no crisol da experiência humana. Todo o mundo se lembra bem da experiência de Jonas. Quantos sabem citar a sua mensagem falada?

Muitos comentaristas modernos rejeitam a historicidade da narrativa, considerando o livro como alegoria, ou parábola comparável à do Filho Pródigo. Contra esta opinião, levanta-se a objeção de que nenhum outro livro da Bíblia é exclusivamente parabólico. Outrossim, Jonas, filho de Amitai, é mencionado em 2 Reis 14.25 como profeta. De importância capital é a citação de Jonas por Jesus Cristo (Mateus 12.38-42). Neste trecho o Senhor Jesus não somente fala dos ninivitas no dia do juízo, mas também menciona logo em seguida a Rainha de Sabá e Salomão. Ora, se estas são pessoas históricas, Jonas e os ninivitas também o são. Para negar a historicidade de Jonas e sua experiência no peixe seria necessário negar a veracidade de Jesus como Filho de Deus.

Para muitos, o único ponto de interesse na história é o problema do peixe que engoliu Jonas. A inverossimilhança baseia-se no fato de que a baleia possui uma garganta estreita. No entanto, o cachalote, semelhante à baleia, grande mamífero cetáceo das águas européias, dispõe de uma garganta do tamanho que permite a passagem de um corpo humano. Além disso, o texto bíblico afirma categoricamente que "deparou o Senhor um grande peixe, para que tragasse Jonas". Seria difícil para o Criador do universo criar um cachalote com garganta incomum?

Do autor do livro, nada se sabe. O livro pode ser de autoria de Jonas, ou obra de um biógrafo desconhecido. Do profeta, pouco se sabe além do que o narrado no livro que leva o seu nome. 2 Reis 15 revela com precisão o período histórico do ministério de Jonas. Ele vivia no reinado de Jeroboão II, e portanto era contemporâneo de Oséias e Amós. Jonas previu a expansão territorial de Israel sob esse monarca. O mesmo trecho identifica Jonas como natural de Gate-Hefer, povoado no território de Zebulom. No tempo de Cristo, Zebulom fazia parte da Galiléia. Gate-Hefer era perto de Nazaré, e sem dúvida os galileus guardavam com afinco a história maravilhosa de um dos seus antecedentes famosos. Quando Cristo escolheu "o sinal de Jonas", talvez ele tenha aproveitado o único profeta da antigüidade com origens na região. Seria mais uma razão para os galileus nele crerem.

No tempo de Jonas, o poderio da Assíria estava se impondo do Oriente

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Médio. A crueldade assíria era lendária. Todos os povos detestavam as práticas desumanas de suas tropas vitoriosas. Jonas tipificava o judeu que nunca entenderia como seria possível Javé amar os assírios. Como povo eleito, os judeus esperariam que o seu Deus Javé arremetesse contra eles. O livro de Jonas mostra a resistência deste profeta ao propósito divino de evangelizar a raça mais cruel e mais odiada do mundo. O ódio racial de Jonas e a sua conseqüente desobediência ao mandado divino explicam a depressão espiritual da qual Jonas se tornou vítima. O inexplicável amor de Deus para todas as nações, sem distinção nenhuma, não encontrou eco no coração de Jonas.

A Atitude de Desobediência (Cap. 1.1-3)O nome de Jonas significa em hebraico "pomba"."Gavião" teria sido mais apropriado! O nome do pai, Amitai, significa

"minha verdade".A cidade de Nínive, capital da Assíria, situava-se no rio Tigre, a uma

distância de mais de 1000 km do Mediterrâneo. Deus mandou o seu servo Jonas como missionário a um povo ímpio e cruel. Como Governador moral do mundo, Deus era cônscio do mal que fervilhava nas cidades do mundo. Jonas recusou-se a ir, pelo ódio que sentia para com os assírios. Esta atitude de rejeição da vontade de Deus explica o desenrolamento dramático da história, e também a depressão cada vez mais profunda do profeta Jonas. Muitas vezes uma depressão tem a sua origem na recusa específica da clara vontade de Deus. Em vez de palmilhar o deserto em missão, o profeta embarcou numa viagem turística nas águas azuis do Mediterrâneo! Ia para Társis, a Espanha moderna, sem dúvida sonhando com as belas praias ibéricas.

Jonas fugia da presença do Senhor. Quando o crente rejeita a vontade de Deus, não é que Deus não está mais presente. Davi aprendeu que ninguém escapa da presença dele:

"Para onde me ausentarei do teu Espírito?Para onde fugirei da tua face?Se subo aos céus, lá estás;se faço a minha cama no mais profundo abismo,lá estás também." (Salmo 139.7, 8)

Deus sempre está presente, mas se esconde. O mesmo Davi bradou:

"Até quando ocultarás de mim o teu rosto?" (Salmo 13.1)

A desobediência nos rouba o gozo da presença de Deus. Esta perda provoca logo depressão espiritual. Foi o castigo que Caim levou.

"Da tua presença hei de esconder-me;serei fugitivo e errante pela terra." (Gênesis 4.14)

Quem anda com o Senhor sente e sabe que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (Romanos 8.28). O Senhor controla tudo, inclusive a misteriosa direção da' vida. Quando, porém, alguém rejeita o caminho indicado pelo Senhor, torna-se fugitivo e errante, a bel-prazer, vítima da sua própria vontade.

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O Senhor de Todas as Circunstâncias (Cap. 1.4-17)O Deus de Jonas é Senhor de toda a terra e mar. Por isso, a fuga de Jonas

acarretou muito prejuízo, tanto para ele como para outros. Mais ainda, Jonas foi cercado num quadro de circunstâncias contra as quais não pôde lutar. Sem violar o livre arbítrio de Jonas, Deus moveu o céu e a terra para que a sua vontade prevalecesse tanto na vida de Jonas, como no seu propósito de evangelizar Nínive. Aprendemos aqui uma lição importante. A evangelização do mundo é efetuada por agentes humanos. E se eles falharem? O plano de Deus vai falhar? Nunca! Deus dispõe de todos os recursos, e se o servo humano recusar a chamada divina, Deus se servirá de outro. O único a perder será aquele que desobedecer.

De todas as embarcações navegando no Mediterrâneo, a mais visível do trono do céu foi aquela em que Jonas viajava. Deus mandou sobre ela um forte vento (v. 4) ao ponto de ela se despedaçar.

Quem foge da vontade de Deus logo se sente cercado por circunstâncias que parecem ser fatais. A viagem toda azul se torna negra. Quem viaja sem Deus está a caminho duma grande tempestade.

As conseqüências da desobediência de Jonas são impressionantes. Outras pessoas inocentes foram envolvidas. Os próprios marinheiros, acostumados à fúria do mar, se atemorizaram. Clamavam, no seu temor, aos deuses falsos, por não serem conhecedores do Deus vivo e verdadeiro. Lançaram no mar a preciosa carga, causando enormes prejuízos ao dono. No século XX as conseqüências são

parecidas. O cristão verdadeiro, fora da vontade de Deus, espalha, por onde quer ande, graves prejuízos para outros. E, pior de tudo, naquela hora em que a morte ameaçava, Jonas era um crente de boca fechada. Em vez de falar do Senhor, estava dormindo.

Parece incrível que dormia. A insensibilidade de Jonas para com os companheiros de viagem chocava-os. Ele não se importava. Face ao perigo de naufrágio, que podia ter sido a última hora de sua vida, Jonas se calava, sem cuidar das almas perdidas na idolatria. O crente fora do caminho não é bom evangelista!

Jonas dormia profundamente (1.5). Em sua fuga da realidade, entregou-se aos braços de Morfeu. As vezes o sono é para o cristão desviado o que o álcool ou a droga são para o mundano, o veículo da evasão. A rejeição da vontade de Deus cria facilmente a tensão nervosa e o cansaço físico.

Acordado do sono inoportuno, Jonas foi interrogado pelos marujos, à procura do auxílio do desconhecido Deus do passageiro. Os adeptos dos falsos deuses estavam rezando com mais zelo que o crente no verdadeiro Deus Javé! Quando lançaram sortes para identificar o objeto da ira dos deuses, a sorte caiu sobre Jonas. A soberania do Senhor controlou o movimento do dado na mão cálida do marujo pagão. A sorte não existe para o servo do Senhor! Os mínimos detalhes da vida obedecem ao plano divino.

Sendo interrogado, Jonas revelou qual a sua religião, porém não lhes revelou a sua ocupação de pregador. Pregadores desviados também existem ainda hoje.

A essa altura, Jonas cedeu à condenação da consciência. Profundamente abalado pelas conseqüências da sua desobediência, contemplou a fuga final do suicídio. Pediu que os marinheiros o lançassem no proceloso mar, talvez como expiação para todo o mal causado. 6 um consolo observar que Deus não abandonou esta alma tão desesperada. A humanidade comum dos marinheiros não aceitou a solução fatal, sem primeiro tentar alcançar a costa. Aqui há uma

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lição. No mundo inteiro não há quem possa livrar-se do processo circunstancial posto em movimento pelo Senhor. Jonas ficou preso nas malhas tecidas pelas mãos do Pai celestial. Em vão os homens remavam, esforçando-se por alcançar a terra. Custasse o que custasse, o passageiro Jonas teria de aprender que servia ao Senhor de todas as circunstâncias.

E instrutivo observar que a desobediência de Jonas não agravou o estado espiritual dos espectadores do drama. Ao contrário, os marinheiros chegaram a conhecer o Senhor. Adoraram esse Deus tão pessoal que podia controlar os elementos a fim de circunscrever a vida de um só homem. A disciplina do Senhor despertou neles o reverente temor. O primeiro capítulo termina num xeque-mate. No jogo da vida, Jonas era livre para fazer qualquer movimento, mas o adversário divino pôs termo à partida com a última peça jogada:

"Deparou o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas." (1.17)

O crente desviado jamais ganha uma partida contra o Senhor das circunstâncias. Para Jonas, três dias e três noites na espessa escuridão das entranhas do monstro marítimo bastaram para render-se incondicionalmente. Deus mandou o grande peixe no momento exato em que Jonas foi entregue às ondas. O plano divino é sempre perfeito. O profeta experimentou a mais profunda depressão espiritual, antes de voltar ao caminho da obediência. Apesar das muitas falhas no testemunho de Jonas, sua experiência apontou para Jesus, sua sepultura e ressurreição. Que maravilha que Deus manifesta a glória de Jesus Cristo em vasos de barro insubmissos e indignos de tamanha honra!

A Oração de Arrependimento e a Volta à Obediência (Cap. 2)

"Então Jonas do ventre do peixe orou ao Senhor". (2.1)

Até este momento na narrativa, Jonas não tinha orado. A desobediência sempre enfraquece a vida de oração. Na sua angústia ele clamou ao Senhor. Muitas vezes o Senhor permite que o desviado sofra, para que clame novamente a ele em oração. A depressão espiritual de Jonas foi tão profunda que a sua linguagem antevê a descrição dos horrores sofridos por Cristo na cruz. Dentro do peixe, Jonas reconheceu finalmente que Deus estava manobrando todas as suas circunstâncias e orou:

"Tu me lançaste no profundo." (2.3)

Este reconhecimento da autoridade absoluta do Senhor foi o primeiro passo no caminho de volta. Como judeu piedoso, Jonas mandou a sua oração para o templo na cidade santa de Jerusalém (2.7). O profeta que se queixara da comissão missionária que lhe fora entregue, agora agradeceu ao Senhor! (2.9). E prometeu fazer sacrifícios, e cumprir as suas promessas ao Senhor. Isto, sim, é salvação. Arrependido da sua desobediência, Jonas recebeu incontinenti a resposta graciosa de Deus. O peixe vomitou a Jonas na terra. Como neste caso notável, as nossas circunstâncias são uma prisão para nós até que voltemos ao espírito de plena obediência.

A Obediência sem Amor (Cap. 3)

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"Veio a palavra do Senhor segunda vez." (3.1)

Deus é paciente e misericordioso. Quantas vezes ele renova a sua chamada para com os que recusaram com insistência o privilégio de cooperar com ele!

Assim foi que Jonas se levantou e foi a Nínive. Da costa do Mediterrâneo até Nínive seria uma viagem de uns 1500 km. Naquela época a viagem levaria algumas semanas. Quando finalmente Jonas chegou, percorreu a grande cidade. Só para atravessar a área municipal era necessário andar por três dias. A periferia da cidade teria talvez uns 100 km. Jonas obedeceu ao pé da letra.

Foi até à cidade odiada, e entregou a mensagem fatídica:

"Ainda quarenta dias eNínive será subvertida." (3.4)

Jonas odiava os ninivitas. Portanto, sentia uma satisfação íntima em vaticinar a destruição dessa cidade. Embora obedecendo à ordem divina, ele obedecia sem amor ao próximo. O pregador deprimido não tinha compaixão. Pregava o juízo, mas sem uma lágrima nas faces. Prenunciava sadicamente o fogo e o enxofre. Por conseguinte, havia uma ausência total de gozo na sua personalidade. Surpreendentemente, todos os habitantes, até o rei no trono, se arrependeram. A sinceridade do rei pagão se externou num edito real chamando o povo ao jejum, à oração e à mudança de vida. Deus tomou conhecimento do real arrependimento dos ninivitas, e os poupou. Nínive não foi destruída. E, assim, a profecia de Jonas não se cumpriu. Este fato desanimou Jonas, por duas razões. Primeiro, porque ele desejava a destruição de Nínive. Segundo, porque a sua reputação como profeta seria comprometida entre os judeus. Sobre esse segundo ponto, observemos a diferença entre a profecia e o apocalíptico. A profecia é sempre condicional, dando ao homem a oportunidade ou de aceitar ou de rejeitar o recado divino. A obediência acarreta a bênção, e a desobediência a maldição. Este princípio fundamental foi entregue a Israel por Moisés (Deuteronômio 28). O apocalíptico, porém, é incondicional e há de se cumprir. O livro de Daniel é apocalíptico, revelando as coisas já determinadas, cujo desenvolvimento não depende de decisões humanas. Esta distinção entre profecia e literatura apocalíptica deve ser considerada.

Obediência Sem Amor (Cap. 4)Jonas sentiu um terrível desgosto por ver o povo de Nínive perdoado da

sentença por ele proclamada. Sua depressão espiritual ainda não estava curada. Orou zangado com Deus. Uma explosão de ira não poucas vezes indica uma obediência imperfeita, ou uma queixa interior contra o Senhor. Em sua oração, protestou contra a grande misericórdia divina:

"Eu sabia que és Deus clemente." (4.2)

Jonas tinha um conhecimento teórico do amor de Deus. Teologicamente admitia que Deus é amor. O problema crucial foi a aplicação da teologia ortodoxa à realidade vivencial. O seu ódio para com os ninivitas era maior do que o seu amor para com a mensagem da graça divina.

O ministério de Jonas foi instrutivo. Ele pregava com satisfação a mensagem do fogo e enxofre. Mandava para o inferno. Obedecia, mas sem

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amor. Nenhuma lágrima descia em suas faces. Tinha mais interesse pela sua reputação como pregador do que pela salvação dos perdidos. Para ele, as palavras pregadas eram mais importantes que as pessoas. Este egoísmo crasso, esta insensibilidade desumana servem como lição para todos os pregadores. Tamanho orgulho levou Jonas mais uma vez a desejar o suicídio.

"Melhor me é morrer do que viver." (4.3)

Não é difícil o verdadeiro crente ceder à tentação da autodestruição, uma vez que se tenha afastado do Senhor, ou que lhe tenha obedecido maquinalmente, mas sem amor.

Deus dialogou com Jonas com imensa paciência. Jonas não lhe respondeu, assentou-se fora da cidade de Nínive, "até ver o que aconteceria à cidade." (4.5)

Tão duro foi o coração do profeta, que este ainda esperava que Deus mudasse de pensamento e destruísse a cidade odiada! Ele quis salvar a sua reputação de profeta até o fim. Que os peritos em escatologia se lembrem dele . . .

A única vez que lemos que Jonas se alegrou ocorreu quando uma planta lhe ofereceu sombra no calor do dia. Talvez não exista em todas as Escrituras um exemplo de egoísmo espiritual tão marcante como Jonas. Devemos admitir, no entanto, que muitas vezes somos semelhantes a ele. Interessamo-nos por alguma coisa passageira, de valor insignificante, mas que nos dá prazer à exclusão de todo interesse pelas almas que perecem ao nosso redor.

O mesmo Deus que lançou sobre o mar um forte vento, que deparou um grande peixe, e que fez subir uma planta frondosa, enviou também um minúsculo verme. Na verdade, "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus" (Romanos 8.28). Deus não poupa esforços para ensinar a seus servos as suas verdades. Deus é sempre Senhor das circunstâncias, contornando qualquer situação humana a fim de impor a sua vontade.

A planta confortadora murchou, e Jonas foi exposto ao desconforto do siroco, vento abrasador que sopra no Oriente Médio. O sol causticante fê-lo desmaiar. Mais uma vez a depressão espiritual levou Jonas ao caminho da autodestruição.

"Melhor me é morrer do que viver." (4.8)

Deus não tinha atendido às expectativas do profeta. Em vez de vingar-se, mostrou misericórdia para com o povo crudelíssimo de Nínive. E em vez de proteger o seu profeta, deixou-o sofrer, abalando-o com o siroco. Jonas foi tão egoísta que não aprendeu a lição. Foi necessário que o Senhor lhe explicasse.

"Tens compaixão da planta! " (4.10)

Finalmente Jonas aprendeu. Deus tem compaixão dos pecadores. Por isso foi que mandou Jonas em primeiro lugar para Nínive. É a compaixão, o amor na prática que é o recado divino. Jonas então não sentia esse amor para com os perdidos, especialmente do estrangeiro, e mais particularmente da Assíria. Quem prega sem compaixão, sem amor, não articula bem o recado de Deus. O amor de Jonas se limitava a si mesmo. A sua compaixão ora egocêntrica. Mesmo assim, como grão de mostarda, aquela compaixão que sentiu para com a planta pôde servir-lhe de um pequenino exemplo.

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Como a compaixão de Deus é grande!

"Não hei de eu ter compaixãoda grande cidade de Nínive?" (4.11)

Deus não ama uma nação mais do que outra. O seu amor é infinito. Sabe amar os piores homens com um perfeito amor, até o ponto de dar o seu único Filho para salvá-los. Deus não é racista. Com Deus não há distinção de pessoas.

Em Nínive, viviam 120.000 pessoas "que não sabiam discernir entre a mão direita e a mão esquerda" uma referência às crianças. Com este número de crianças, havia com certeza mais de meio milhão de habitantes, todos precisando da salvação. Deus ama as crianças como Pai celestial. Será possível que o coração insensível de Jonas não responderia ao apelo tocante de criancinhas inocentes? Quem evangeliza uma criança ganha uma pessoa inteira. Quem evangeliza o adulto ganha uma vida já gasta pela metade. A cegueira espiritual de Jonas vedou-lhe os olhos, para não perceber quão grande era a oportunidade da sua missão. Ganhando as crianças, a futura geração seria bem diferente da dos pais.

O Senhor conhece os seus servos. Sem dúvida Jonas era de uma família de agricultores. Daria valor aos rebanhos de bois e de ovelhas, riqueza principal da época. Mais uma vez o Senhor raciocinou com o profeta sem amor. Para que sacrificar animais de tanta utilidade e de tanto valor? Deus tem compaixão até dos animais como Criador.

A lição é clara. Quem ama, deve amar toda a criação de Deus: as plantas, os animais e os homens. Deus ama o mundo. Para nós sermos porta-vozes do Evangelho de Jesus Cristo é preciso aprender a amar. Não basta pregar a verdade, toda a verdade e somente a verdade. O livro de Jonas nos ensina que a obediência ao apelo evangelístico e missionário não é válida sem a demonstração de amor real.

5. JUSTIÇA E ESPERANÇA

MIQUÉIASMiquéias vivia num período privilegiado quando o mais famoso pregador

do mundo da época, Isaías, empolgava todo o mundo com os seus belíssimos sermões a respeito do glorioso reino vindouro do Messias. Na sombra deste gigante da fé, o jovem Miquéias confirmava as mesmas promessas maravilhosas do seu ilustre contemporâneo. Houve, porém, muita diferença entre os dois homens. Isaías, o pastor de língua melíflua, era de estirpe fidalga. Tinha acesso ao paço real. Corria em suas veias sangue azul. A sua grande cultura e a sua profunda espiritualidade produziram a obra mais majestosa de toda a profecia bíblica. Viu o futuro Messias, como Servo do Senhor, que dá a sua vida em resgate de muitos, para depois receber o reino eterno. Viu-o, com tanta clarividência e detalhe, que o seu livro merece o justo título de "O Quinto Evangelho". Em contraste com ele, Miquéias era moralista, nativo da modesta vila de Moresete-Gate, de pouca importância, e cuja existência seria totalmente desconhecida, se não fosse pelo fato da ligeira menção de que nela nasceu o profeta. Os séculos limparam do mapa esse local sem prestígio, deixando para os arqueólogos futuros a tarefa árdua de analisar os seus

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escombros no subsolo rochoso da região de Tell el-Judeidah, a uns 30 km a sudoeste de Jerusalém.

Outros contemporâneos eram Oséias e Amós, que denunciaram a vil opressão do pobre, e a fatal corrupção moral e espiritual que estava minando os alicerces da nação. O eco dessas advertências proféticas se ouviu também no recado veemente do campesino iluminado, Miquéias, cujo nome significa "Quem é como Javé?"

Profecia contra Israel e Judá (Cap. 1)Não obstante a separação política entre Israel ao norte e Judá ao sul,

Miquéias percebeu que os dois povos irmãos estavam se preparando para o mesmo destino fatal. A sua visão era sobre Samaria e Jerusalém, as duas capitais ameaçadas pela ira do Senhor Deus (1.2). Em grande contraste com os deuses pagãos, o Deus vivo é o Deus da criação, o Deus que manda terremotos e dilúvios (1.4). Ele age segundo os reconhecidos princípios de justiça imediata com a vida moral e espiritual do povo. A espantosa queda das duas capitais teria como causa "a transgressão de Jacó e o pecado de Samaria" (1.5). A lei de causa e efeito tem a sua máxima expressão na história espiritual dos judeus. O dilúvio, a destruição de Jerusalém e o exílio demonstram com grande alarde este princípio: "O salário do pecado é a morte!" (Rm 6.23). O profeta previu até mesmo que, num futuro remoto, os arqueólogos procurariam nos escombros das duas belas cidades capitais vestígios duma civilização desaparecida. A própria natureza retomaria a área geográfica onde outrora havia esplêndidas habitações (1.6).

A grande ofensa religiosa de Israel foi a famosa estátua de um boi dourado em Samaria, a capital. O profeta denunciou a festa do boi, e a prostituição que a acompanhava (1.7). O reino de Judá iria experimentar maravilhosos reavivamentos espirituais com bons reis como Ezequias e Josias, mas mesmo na nação mais privilegiada a contagiosa idolatria chegaria até Jerusalém, assegurando o cumprimento da profecia quanto ao seu fim.

Miquéias, sulista que era, lamentou a futura destruição da sua cidade capital, a bela Jerusalém, e previu que a queda alegraria os inimigos dela. Com tristeza ele vaticinou a tomada da sua cidade natal, Moresete-Gate, que tanto amava e que seria dada de presente ao invasor caldeu (1.14).

Nos tempos primitivos, os judeus que faziam voto ao Senhor tinham o costume de mandar rapar a cabeça, como sinal da sua promessa (Números 6.18). Era também sinal de luto (Jeremias 16.6). Miquéias viu em visão todos os habitantes da sua cidade calvos como águia por causa da destruição que levaria os filhos, ou para a morte, ou para o exílio (1.16).

Profecia contra os Opressores (Cap. 2)No primeiro capítulo Miquéias aponta para o pecado perpetrado contra o

Senhor pelo culto idólatra instalado em Samaria, e que alcançaria Jerusalém. Aqui, no segundo capítulo, ele frisa o pecado cometido contra o próximo. A exploração econômica e a violência (2.1) acarretariam o julgamento divino do exílio (2.3).

A maioria dos pregadores daquela época não aceitava essa mensagem de julgamento. Para eles a pregação de Miquéias era babugem (2.6). Os pregadores populares negavam redondamente o recado fatídico de Miquéias. Prevalecia a idéia de que Deus é tão bom que nunca julgaria o seu povo (2.7).

No século XX, também, não é difícil achar os que não acreditam que haverá um julgamento para os que crêem. Bradam: "Somos salvos. Deus não

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vai nos julgar!" De fato, não haverá juízo eterno para quem crê em Cristo para a salvação. Mas quantas vezes as Escrituras advertem os crentes do julgamento para eles! Paulo confirma o fato de que todos nós compareceremos "perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo" (2 Co 5.10; Rm 14.10; 1 Pe 4.17). Em todos os séculos o pregador fiel é obrigado a entregar esta mensagem impopular. Miquéias foi obrigado a pregar sobre as conseqüências do pecado na vida dos que crêem.

"Ide-vos embora, porque não é lugar aqui de descanso; ide-vos por causa da imundícia que destrói, sim, que destrói dolorosamente." (2.10)

O pecado no seio do povo de Deus é destrutivo! Mesmo quando o crente peca e pede perdão, Deus de fato perdoa, mas as conseqüências são irreversíveis. Deus perdoou Davi de seu pecado com Bate-Seba, quando ele se arrependeu, mas Deus não impediu o dramático desenrolar das conseqüências, envolvendo uma guerra civil em que pereceram vinte mil pessoas (2 Samuel 18.7). Deus perdoa, mas não remove as cicatrizes. Miquéias deu esta advertência quanto às conseqüências do pecado, mas a severa palavra foi temperada com a mensagem da misericórdia divina. O Senhor guardaria um restante fiel (2.12), e num relance inspirado Miquéias perscrutou o futuro, e reconheceu a vinda do Messias como um pastor indo adiante das ovelhas (2.13). Previu ele assim o Bom Pastor de João 10, que dá a sua vida pelas ovelhas.

Profecia contra as Autoridades (Cap. 3)Os dirigentes da nação, os políticos, os sacerdotes, e os pregadores eram

responsáveis pela inversão dos valores morais: aborreciam o bem e amavam o mal (3.2). Amós denunciou essa situação, dizendo: "Buscai o bem e não o mal" (Amós 5.14). Se ousassem, os pobres e os inocentes da terra teriam muito que dizer sobre os ricos fazendeiros que oprimiam os trabalhadores braçais (3.3). Hipocritamente, os fazendeiros rezavam ao Senhor, mas por causa da sua exploração sobre os pobres, ele não os ouvia' Outrossim, os profetas falsos pregavam, mas para o seu próprio benefício. Quando eles tinham de tudo, pregavam sermões sobre a paz (3.5). Quando não recebiam gordas contribuições, apregoavam "guerra santa". Por isso, para eles tampouco não haveria resposta de Deus, no dia angustioso da sua ira (3.7).

Quão diferente era o ministério do fiel pregador Miquéias! Ele estava cheio de poder do Espírito do Senhor (3.8). Ele reprovou corajosamente o materialismo interesseiro, a crassa injustiça, e a religiosidade falsa dos líderes da nação, que persistiam em dizer que o Senhor estava com eles, e que nenhum mal aconteceria (3.11). Miquéias predisse exatamente o contrário, e vaticinou o desmoronamento da santa cidade e do templo, que se tornariam montões de ruínas cobertas de mato (3.12).

Profecias dum Futuro Remoto (Cap. 4)Os primeiros versículos deste capítulo são idênticos a Isaías 2.2-4. Sendo

Isaías o mais ilustre e famoso dos dois, é provável que Miquéias tenha copiado essa profecia. Seja como for, a mensagem foi inspirada originalmente pelo Espírito Santo. A profecia é muito notável nisto, que se refere a um período ainda futuro hoje. Fala-se da soberania espiritual de Israel sobre todas as

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nações, e o reino universal da paz (4.3). O quadro panorâmico pinta a restauração final de todas as coisas (ver Atos 1.6) É o tema predileto dos profetas: o triunfo absoluto do Senhor ao fim da história humana. Num rápido relance, o profeta viu o exílio na Babilônia, e a volta para a terra prometida, como dores de parto, antes que Israel desse à luz o Filho esperado, o Messias. Viu também o Armagedom (4.11) e o triunfo final de Cristo, o Senhor (4.13). Essa profecia abrange quase 3000 anos de História! Dentro do esquema profético, Miquéias colocou a vinda de Cristo como ponto central da sua revelação.

Profecia acerca do Messias (Cap. 5)O Velho Testamento contém literalmente centenas de profecias a

respeito do Messias que viria. A probabilidade de que todas elas se cumprissem seria como uma chance num bilhão. Eis a glória de Jesus Cristo, que ele não deixou de cumprir nenhuma profecia a seu respeito. O filósofo francês, Blaise Pascal (1623-1662), no seu famoso livro "Pensées", utiliza o argumento do cumprimento das profecias bíblicas como evidências da fidedignidade do Evangelho, em contraste com outras religiões: a diferença entre "Jesus Cristo e Maomé é que Maomé não foi predito, enquanto que Jesus Cristo foi, sim."* Salienta Pascal o fato interessante de que nem os profetas nem os santos foram preditos: eles só predisseram; mas "Jesus Cristo predisse e foi predito."1

O Espírito Santo inspirou Miquéias a identificar a pequena cidade natal do futuro Messias. Com centenas de cidades na região, a escolha de Belém se torna uma profecia notável. E se Maria tivesse demorado apenas mais 24 horas na viagem de Nazaré a Belém, Jesus teria nascido fora da cidade proferida pela profecia messiânica (Mt 2.5). Se esta profecia de Miquéias não se tivesse cumprido, toda a estrutura profética do Velho Testamento teria caído com ela!

Miquéias, humilde cidadão de uma vila inexpressiva, alegrou-se com a revelação divina de que o Cristo nasceria numa cidadezinha parecida com a sua, e não na imponente capital. A revelação confirmou que o futuro nenê de Belém reinaria e, mais ainda, que ele seria um ser que existe "desde os dias da eternidade"; seria o próprio Filho de Deus! (5.2) Ele teria o coração de pastor, para apascentar o povo, e a força necessária para cumprir o propósito de Deus (5.3). Não é que ele viria simplesmente para impor a paz: Miquéias disse que ele será a paz (5.5). Uma paz universal, uma paz implantada no coração humano, e não o resultado de uma pressão externa. Que maravilha que Deus escolheu o humilde campesino Miquéias para ser o porta-voz de acontecimentos que se cumpriram sete séculos depois! Depois da longa demora, o mundo ouviu a proclamação angélica: "Glória a Deus nas alturas, e paz na terra entre os homens". Nascia Jesus, o Príncipe da paz, que no seu ministério declarou: "A minha paz vou dou" (João 14.27). Não é a paz instável da política humana, mas a paz duradoura da reconciliação com Deus pelo sangue do Calvário. "Temos paz com Deus, por meio do nosso Senhor, Jesus Cristo (Rm 5.1).

Antes da vinda do Messias, porém, haveria a invasão pela Assíria (5.5), mas o Senhor prometia guardar para si um restante de Jacó (5.8). A sobrevivência dos judeus é um fenômeno extraordinário da História, que confirma a veracidade das profecias bíblicas. Outros povos e nações desapareceram, mas Deus não permite, mesmo no século XX, o aniquilamento 1 Pensées, Pascal, "Livre de poche", pp. 191, 263.

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dos judeus. É um dita do certo que o judeu assiste ao enterro de qualquer potência que tente destruí-lo. Paulo nutre este mesmo otimismo para com o seu povo segundo a carne em Romanos 11. Miquéias previu também o reino glorioso do Messias, quando ele fará uma limpeza radical do mundo. Profetizou que não mais haverá exército, nem carro blindado, nem fortalezas (5.10, 11); que serão eliminados o espiritismo, a bruxaria, a umbanda e os adivinhadores (5.12). Todas as imagens religiosas serão destruídas. Desaparecerá o "poste-ídolo", símbolo sexual do culto à fertilidade cananéia, que atraía tantos adeptos, em nome da religião. No fim do século XX, que parece marcar o ocaso da civilização ocidental, a preocupação com o sexo substitui a religião como assunto de importância suprema. Miquéias percebeu o nexo entre o abuso do sexo e a "ira e furor" do Senhor (5.15). De igual modo, há uma relação entre a preocupação sexual moderna e a segunda vinda de Cristo. A aberração sexual dos dias de Ló foi castigada pela chuva de enxofre e fogo. E significativa a militância dos homossexuais até mesmo na América do Norte, com a sua tradição bíblica e ética puritana. O homossexualismo é condenado na Bíblia (Romanos 1.26, 27). No entanto, existem igrejas para homossexuais nos Estados Unidos, e denominações menos conservadoras teologicamente admitem homossexuais no sagrado ministério! ... Tal desregramento sexual nos países "cristãos" do ocidente convida um Deus santo a agir em juízo novamente.

O Povo de Deus em Xeque (Cap. 6)Neste capítulo Miquéias desafiou Israel, apresentando o argumento do

Senhor contra a nação, como se houvesse litígio entre eles. Foram chamados de "testemunhas" os montes e os outeiros, para testificar da imutabilidade do Senhor. Como evidência, o Senhor citou casos específicos do passado quando mostrou o seu poder em favor de Israel. Fez lembrar do prodígio da saída do Egito sob Moisés, e da sua proteção contra as maquinações de Balaque, rei de Moabe. Foram atos de justiça (6.5). O Senhor, entristecido pela infidelidade de Israel, protestou que não muda. É Israel que mudou de atitude para com ele. Miquéias tomou em seguida palavras que queria colocar na boca do povo rebelde. Por acaso Deus desejava milhares e milhares de animais sacrificados em holocausto? Ele requereria a morte de um filho para expiar o pecado de Israel? (6.7) Não, Deus não exigiria tamanho sacrifício externo. O que Ele deseja acima de tudo é a mudança de atitudes morais e espirituais. Os sacrifícios não têm valor quando o coração não obedece ao Senhor. Nisto Miquéias confirmou a mensagem de Oséias e Amós: "Pois misericórdia (chesed) quero, e não sacrifício" (Oséias 6.6). É um conceito essencialmente pagão que a quantidade de sacrifício oferecida influi diante de Deus. A oferta de milhares de carneiros (v. 7) conseguiria mais favores da divindade, segundo esse pensamento. Como Jesus ensinou, as duas pequenas moedas da viúva representaram uma oferta "maior" do que as vultosas ofertas dos ricos (Marcos 12.43). Também o paganismo exalta o valor intrínseco para influenciar a benevolência do seu deus. O pagão oferecia o próprio filho, como expressão máxima de culto, a Moloque, e os israelitas tinham caído nesta prática revoltante!

Antes de relegar tais práticas ao passado remoto, merece consideração o fato de que, em certos casos, crentes em Jesus Cristo querem compensar um pecado não abandonado, dando uma generosa oferta especial para qualquer campanha da igreja. Pode-se também "sacrificar" o filho, mandando-o para o seminário, com a idéia de ganhar pelo menos um pouco de crédito. "Vou

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mandar o meu filho para ser pastor. Deus me pagará! "Deus não procura tais sacrifícios e ofertas. Deus quer que o homem

adote três atitudes. Primeiro, que pratique a justiça (6.8). No Velho Testamento o conceito de justiça é o cumprimento das exigências da lei. O decálogo sendo o prumo da justiça, o homem deve agir em conformidade com ela. Com esta ênfase, Miquéias chamou o povo de Israel a uma volta à Palavra de Deus, e ao seu padrão ético. Segundo, que ame a misericórdia.

A palavra "misericórdia" traduz o hebraico chesed, que significa amor leal. É como vimos com o profeta Oséias (6.6). E bem mais fácil colocar muito dinheiro no gazofilácio da igreja, do que agir em amor leal para com Deus e o próximo! Terceiro, que ande humildemente com o seu Deus. O orgulho é o pecado original. A sua pior manifestação, e a mais sutil, é o orgulho espiritual, tendo como exemplo clássico o farisaísmo. Eis o perigo de quem se considera "mais espiritual" do que os seus irmãos! Qualquer movimento religioso que coloca seus adeptos numa posição de superioridade, como cidadãos de primeira classe no reino de Deus, desfavorecendo os demais na segunda classe, não entende o sentido desta verdade profética. Quanto mais o homem conhece a Deus, tanto mais ele sabe que não é nada (Gálatas 6.3). A aquisição dos grandes conhecimentos bíblicos, o dom da eloqüência na pregação, e as maravilhosas experiências místicas nutrem com a maior facilidade a soberba espiritual. A humildade é virtude rara, e por isso Jesus a coloca em primeiro lugar, como a primeira das bem-aventuranças (Mt 5.3).

Tendo insistido na prioridade absoluta da justiça, Miquéias passou a especificar exemplos concretos da injustiça na nação. Os comerciantes e revendedores usavam balanças falsas. Na feira, o agricultor se servia duma pedra escondidinha, que caía na balança na hora da venda de frutas ... (6.11). Os ricos ameaçavam os pobres, tomando posse violentamente dos seus casebres miseráveis quando o dinheiro não dava para pagar o aluguel. Hoje também, a mentira é aceita como "necessária" no comércio, especialmente quando se preenche a declaração do imposto de renda. A desculpa dada é que o governo sabe que todo o mundo faz assim. Mais ainda, o governo esbanja o dinheiro! Chega-se à conclusão que, com a inflação, é preciso fazer como todo o mundo para ter lucro razoável . . .

No entanto, Deus olha para o comércio, para ver como o seu povo se comporta nos negócios. Ele vê a incoerência entre a profissão de fé articulada no Dia do Senhor no seu santo templo, e a maneira puramente mundana com que o seu povo faz os negócios durante a semana, extorquindo um gordo lucro injustificável, e mantendo dois registros de venda: o oficial para o fiscal do governo, e o real para o comerciante tão religioso (no dia do Senhor). Deus detesta esta duplicidade, e anunciou o seu castigo severo que haveria de cair sobre o povo chamado pelo seu nome. O Deus da verdade julgará o povo, e a sua prosperidade desaparecerá e virá a desolação final. Deus não permite uma dicotomia entre a ética da verdadeira religião e a vida prática do dia-a-dia (6.16).

Deus Ama com Amor Eterno (Cap. 7)O campesino Miquéias comparou Israel a um pomar ou a uma videira

depois da época da colheita, quando não se encontram mais frutas (7.1). Por analogia, desapareceu da sociedade o homem piedoso e honesto que produz bons frutos (7.2). Em escala nacional, praticava-se o mal. Os chefes da nação estavam de mãos dadas para cometer injustiça, suborno e cobiça (7.3). A falta de confiança era geral, e se extendia até o seio da família (7.6).

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A situação de Israel era desesperadora. No entanto, Miquéias confiava no Senhor. O profeta se identificou com o seu povo, confessando o pecado que merecia o julgamento divino (7.9). Com clarividência, olhou além da derrota certa do povo de Deus, e discerniu o dia distante, mas seguro, quando Sião, reedificada e ampliada, atrairá todas as nações do Oriente Médio (7.12). O Senhor será o seu pastor, e as nações respeitarão finalmente o povo de Israel (7.14). Miquéias louvou o Senhor que perdoará o seu povo, "lançando todos os nossos pecados nas profundezas do mar" (7.19). Ele baseou esta confiança na aliança que Deus fez com os patriarcas, a quem revelou a sua "misericórdia", ou amor leal. Cumprir-se-á a promessa do Senhor, e Israel, e as nações, saberão que Deus ama com amor eterno (7.20).

6. CONTRA O TOTALITARISMO MILITAR

NAUMNo ano 722 antes de Cristo, as profecias de Isaías, de Oséias e de Amós

se cumpriram, e a pequena nação de Israel, ao norte da Palestina, desapareceu. Os golpes cruéis do exército assírio esmagaram a cidade de Samaria, capital de Israel, e o seu exército. Logo em seguida, o povo passou pela humilhação de ser levado para o exílio na Assíria. A amada terra de Israel foi praticamente abandonada, tornando-se uma região selvagem onde as feras eram as donas da terra. Como escravos, os israelitas foram servir o monstruoso sistema totalitário instalado pelo exército mais cruel da história antiga. A crueldade dos assírios foi notória, e os países na circunvizinhança sempre viviam com medo de uma invasão pelas forças invencíveis da Assíria.

Com a passagem dos anos, o Império Assírio chegou ao apogeu do seu poder. Muitos países foram assimilados no imenso império. Ninguém conseguiu resisti-lo. Uma notável exceção fora a invasão de Judá em 703 a.C. por Senaqueribe, o famoso general assírio. O piedoso rei de Judá, Ezequiel, apresentou-se publicamente no templo de Jerusalém, pedindo em oração ao Senhor a sua proteção. Veio a resposta, fulminante como um raio: "Então naquela mesma noite saiu o anjo do Senhor, e feriu no arraial dos assírios a cento e oitenta e cinco mil" (2 Reis 19.35). Não se sabe qual foi a epidemia com que o anjo do Senhor dizimou o exército assírio. A Bíblia narra laconicamente que "Senaqueribe, rei da Assíria, se foi: voltou e ficou em Nínive".

Uns cem anos depois da desastrosa queda de Samaria ao norte, o pequenino país satélite Judá, ao sul, temia novamente as incursões expansionistas dos assírios. Naum, cujo nome significa "consolação", trouxe uma mensagem confortadora para o seu povo ameaçado, afirmando que a maior potência mundial seria completamente destruída. A sua profecia, escrita como poema, deve ter sido considerada excessivamente/otimista, não obstante o fato de que o país de Judá tivesse experimentado a salvação miraculosa do Senhor no tempo do bom rei Ezequias. O livro de Naum merece o seu lugar entre Os Doze, pois o inacreditável ocorreu. A Assíria, esgotada pelas inúmeras campanhas de agressão militar, foi vencida inesperadamente em 612 a.C. O exército da Babilônia, com o dos medas, conseguiu penetrar em Nínive, e a cidade foi incendiada. Mais uma vez vemos como a profecia bíblica se cumpre, mesmo quando menos se espera. A Palavra de Deus é a verdade indestrutível. Ela não contém mentira nenhuma. A nossa fé é fortalecida

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quando lemos de centenas de profecias detalhadas cumpridas ao pé da letra. Eis o valor da leitura de Naum e demais profetas menores. O mesmo Deus soberano que defendeu os pequenos países contra os agressores da antigüidade olha também para o mundo do século XX, quando países fracos como a Etiópia, a Angola, o Moçambique e o Afeganistão caem perante a agressão brutal das forças totalitárias e atéias do imperialismo marxista.

Deus Reina entre as Nações (Cap. 1)O autor da profecia é "Naum, elcosita". Não há certeza quanto à

identidade de Elcos, que deve ter sido uma cidade da Palestina. Existem quatro teorias a respeito da cidade natal de Naum.2 A sua profecia se dirigiu à nação de Judá, e por isso é razoável concluir que ele fosse natural daquela região do sul.

A poesia é escrita em forma de acróstico, nos versículos de 1 a 15. Que coragem tinha Naum de publicar uma poesia que começava com a frase "sentença contra Nínive", contra a capital do país mais poderoso do mundo! Era corajoso, pois ele confiava num Deus todo-poderoso que é, ao mesmo tempo, o Governador moral do universo. Deus toma vingança contra os seus adversários. Parece, às vezes, que ele é tardio em irar-se (1.2). No contexto histórico de Naum, já tinham passado quase cem anos desde o saque impiedoso de Samaria, capital de Israel, e Deus não fizera nada. Permitiu que um povo ruim, excessivamente cruel e idólatra destruísse o povo de Israel, descendentes de Abraão, de Isaque, e de Jacó, com os quais de tinha uma aliança eterna! Esta inatividade divina parece ser mais estranha ainda, quando Deus é conhecido pelo seu poder criador. As tempestades, os rios, os montes são todos obras das suas mãos. Quando ele se ira, até as rochas se fendem (1.6). O caráter moral de Deus é que ele é bom. Por isso é o refúgio dos que confiam nele, e o desespero dos que se lhe opõem (1.7). Este princípio fundamental da bondade do Deus todo-poderoso inspirou Naum. Este Deus reina entre as nações. Ainda que a Assíria possuísse a maior máquina bélica do mundo, os princípios divinos da justiça são inalteráveis (1.12). O jugo que pesava sobre o país de Judá, avassalado da Assíria, seria quebrado (1.13). Deus destruiria toda a hierarquia política da Assíria, e protegeria o seu povo que, embora insignificante, confiasse nele. O rei de Judá no tempo de Naum era Josias, o Bom, que introduziu reformas religiosas maravilhosas, e devido a este reavivamento espiritual Deus os defendeu (2 Reis 22 e 23). Quando Naum chamou o povo de Judá a celebrar as suas festas (1.15), sem dúvida ele relembrou a famosa celebração da páscoa nos dias de Josias. Segundo 2 Reis 23.21, "Nunca se celebrou tal páscoa como esta desde os dias dos juizes que julgaram a Israel, nem nos dias dos reis de Judá." Perto do fim duma época. Deus sempre prepara um povo que o teme, para que sobreviva na terra como testemunha, seja qual for o sistema político. O vibrante otimismo e fé de Naum, face ao militarismo desumano dos seus dias, devem nos inspirar neste fim de século inseguro, quando as forças de agressão nua ameaçam todos os países pacíficos, para que sejamos realmente o povo do Senhor, com um espírito de consagração e vitória.

Profecia contra Nínive (Cap. 2)No segundo capítulo da profecia, Naum se dirigiu diretamente ao inimigo

odiado pela sua crueldade, proclamando a sua derrota final. O profeta chamou 2 Ver o Novo Comentário da Bíblia, artigo "Naum"

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o exército assírio a se preparar para a luta em termos irônicos (2.1). Tudo seria em vão, pois o Senhor tinha determinado a destruição de Nínive. Fez até mesmo uma descrição acurada do que iria acontecer quando os exércitos babilônico e meda invadissem a cidade. Os caldeus usavam uniformes vermelhos (2.3), fato notado pelo profeta Ezequiel (Ez 23.14). Segundo o historiador grego Diodoro Sículo, o muro de Nínive possuía mil e quinhentas torres numa extensão da uns 13 quilômetros, oferecendo uma defesa inexpugnável (2.5). Deus revelou a Naum que a vitória contra ela seria obtida através do Rio Tigre, que irrigava a cidade. As forças do general Nabopolassar da Babilônia não conseguiam furar as imensas defesas de Nínive, até que Deus mandou pesadas chuvas que inundaram as imediações da cidade, quebrando os alicerces do muro (2.8). Os grandes diques que normalmente serviam de trincheiras de defesa foram tomados pelas águas, e em vão os comandantes deram ordem às tropas de parar (2.8). Agora o profeta chamava o inimigo de Nínive para que aproveitasse a oportunidade de recuperar da riquíssima cidade os tesouros fabulosos que ela tinha roubado de inúmeros países por ela esmagados (2.10). O orgulhoso símbolo do Império Assírio era o leão, mas agora a cova era invadida e os filhotes vorazes eram mortos (2.11). Atrás dos exércitos que cercaram e destruíram Nínive estava o SENHOR, soberano rei da terra (2.13).

A Ruína Seria Completa (Cap. 3)A poesia épica termina com uma recapitulação da mensagem fatídica do

profeta do Senhor. A cidade que se ufanava do seu exército invencível sofreria a mesma sorte das suas vítimas. Os comandantes assírios, nas suas campanhas, amontoavam as cabeças de seus inimigos como monumento de sua superioridade militar. Agora Nínive contemplaria o espetáculo atroz dos cadáveres das suas tropas amontoados dentro da cidade! (3.3). Em nosso século o nazismo que massacrou 6 milhões de judeus indefesos nas câmaras de gás sofreu a mesma sorte quando suas cidades foram reduzidas a escombros. Deus toma a responsabilidade moral da situação descrita: "Eu estou contra ti", diz o Senhor (3.5).

Uma das maiores cidades do Egito fôra Tebas ou Nô-Amom (3.8) sobre o Rio Nilo, conhecida pelos templos de Karnak e de Luxor, imensas construções que existem até hoje. Em 661 a.C. o general assírio Assurbanipal a destruiu, apesar da aparente indestrutibilidade de defesa oferecida pelo rio. Os vencedores assírios esmagaram os corpinhos das crianças e lançaram sortes para decidir quem teria os oficiais egípcios como escravos (3.10). Naum sabia que a mesma sorte aguardava Nínive, no futuro. As tropas que causavam espanto em todo o Oriente Médio agora se tornariam fracas como mulheres (3.13). Ainda que Nínive chamasse todos os reservistas, numerosos como gafanhotos, todas as tropas iriam voar para fora, nada deixando atrás (3.16).

Naum descreveu o excesso de confiança dos chefes militares da Assíria, que dormiam tranqüilos sem reconhecer o perigo. O povo da Assíria seria destruído e espalhado (3.18). Toda a humanidade que sofrera a sua crueldade impiedosa bateria palmas no dia da sua derrota, pois reconheceria o triunfo da justiça sobre o militarismo desumano (3.19).

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7. O AGENTE PUBLICITÁRIO DO SENHOR

HABACUQUEEm todos os anais da história do Oriente Médio, nunca haviam sido

registrados acontecimentos políticos tão assustadores. O império assírio chegava ao apogeu do seu poderio militar, esmagando com crueldade desumana todas as nações do crescente fértil formado pelos vales dos Rios Tigre e Eufrates a leste, e pelo vale do Rio Jordão a oeste. Em 612 a.C, esse império aparentemente invencível foi atolado pelo temível exército caldeu, oriundo da Babilônia, que logo assumiu a posição inconteste de superpotência no berço da civilização. A outra superpotência, o Egito, sentiu-se ameaçada, e em 605 a.C. enviou um poderoso exército ao norte, para refrear o programa expansionista caldeu.

O pequenino reino de Judá, país satélite na órbita do Egito, viu com satisfação as unidades blindadas egípcias atravessarem a sua terra santa, para se lançarem contra as famigeradas divisões dos caldeus. Assustado, Judá sentiu de perto o drama de sua forçosa participação na gigantesca luta entre as superpotências mundiais. Que tragédia que, em cada século e em cada década, algum país pequeno tenha que conhecer o horror de achar-se entre o quebra-nozes das superpotências! Como a Hungria em 1956, a Tchecoslováquia em 1968, e o Afeganistão em 1980, Judá teve que enfrentar a perda da sua autonomia no grande jogo da política mundial.

A Bíblia nos ensina que o Senhor não tem favoritos. Ele não poupa o seu povo da dura experiência da condição humana. A fé no Senhor não é apólice de seguro contra os males comuns. O crente sofre tanto quanto o descrente. Surge então a pergunta: por que é que Deus não age em favor dos seus? Eis o problema do crente Habacuque, que vivia mergulhado no remoinho causado pelos trágicos acontecimentos políticos da época.

O magnífico exército egípcio, sob o comando do Faraó Neco, atravessou o deserto do Sinai. Passando por Judá, seguiu a estrada principal ao norte, e chegou a Carquemis na Síria, onde enfrentou as forças babilônicas. Numa batalha decisiva em 605 a.C, os egípcios foram derrotados, e recuaram para a sua terra. Os vencedores babilônicos não perderam tempo em seguir os egípcios, ocupando toda a região de Israel e Judá. A cidade santa de Jerusalém foi cercada, e no mesmo ano estudantes judaicos foram levados como reféns para a Babilônia. Entre os exilados se encontravam Daniel e seus famosos colegas Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Daniel 1.1). Embora fossem os mais espirituais de todos os estudantes de Judá, Deus não os poupou, mas permitiu que sofressem a mesma sorte angustiante que os demais estudantes descrentes de Judá, tecendo assim na sua soberania um plano todo especial para eles no cativeiro.

Pregador já conhecido como "o profeta" (1.1), Habacuque não sofreu a mesma sorte por ser mais idoso. Como observador do drama da destruição da pátria, este servo de Deus, na sua perplexidade, tentou conciliar a sua fé num Deus bondoso com a realidade cruel da invasão da Terra da Promissão. Se Deus é realmente o Soberano moral do universo e ao mesmo tempo o Deus de Judá, por que é que ele permitiu que a ímpia Babilônia prosperasse e o povo eleito de Judá fosse por ela calcado?

O Profeta Protestou a Deus (Cap. 1)Como homem de fé, Habacuque orou ao Senhor em tempo de angústia,

mas Deus não lhe respondeu. No passado ele conhecia a delícia da comunhão

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a dois com Deus. Mas agora Deus silenciava, e isto quando o profeta contemplava o desmoronamento da pátria amada. O Governador moral do mundo devia preocupar-se com as infrações à sua santa lei. No entanto, em meio aos cuidados de uma situação perigosa e violenta, o profeta afirmava que Deus nem ouvia nem salvava:

"Até quando, SENHOR, clamarei eu,e tu não escutarás?Gritar-te-ei: Violência!e não salvares?" (1.2)

Se Deus permite todas as coisas, por que é que ele não faz cessar a guerra? Há iniqüidade, opressão, destruição e violência na terra, e os males não são julgados por este Deus todo-poderoso que se declara santo e justo (v. 3). Habacuque sentia que a inoperância das leis de Deus levava o povo a abandoná-las:

"Por esta causa a lei se afrouxa." (1.4)

Em conseqüência, há uma inversão nos valores morais: "O perverso cerca o justo, e a justiça é torcida." O triunfo do mal no mundo arrastou o profeta perplexo a um profundo pessimismo.

Quando Deus lhe respondeu, afinal, a resposta parecia ser inacreditável. Ele advertiu Habacuque que a verdade sobre a situação era pior do que ele pensava, e dava para ele desmaiar!

"Desvanecei, porque realizo em vossos dias obra tal que vós não crereis, quando vos for contada." (1.5)

A Babilônia, essa nação amarga e impetuosa, foi suscitada, não por Satanás, mas por Deus:

"Eis que eu suscito os caldeus." (1.6)

Longe de ignorar a maldade opressora dos caldeus, Deus descreveu objetivamente aquela nação como "pavorosa e terrível" (1.7). Ela mesma criou o seu direito, não reconhecendo os direitos dos outros. A descrição divina da invencibilidade absoluta dos caldeus se lê quase como um elogio ao povo inimigo. Se os caldeus "reúnem os cativos como areia, ... escarnecem dos reis, ... e riem-se de todas as fortalezas" (1.9-10), o profeta só podia entender que o povo de Judá, junto com o seu rei na fortaleza de Jerusalém cairia nas garras dos caldeus, com a inteira aquiescência do Senhor.

Habacuque não pôde conter-se perante tamanha injustiça. Dirigiu uma prece ao Senhor, protestando-lhe a passividade divina:

"Não és tu desde a eternidade,ó Senhor meu Deus, ó meu Santo?" (1.12)

Se Deus é eterno, por conseguinte é imutável. O Deus santo não permitiria o extermínio do seu povo, com os demais povos subjugados. O profeta bradou com fé:

"Não morreremos!" (1.12)

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Embora fosse um castigo severo que Deus permitia, o profeta confiava na salvação final do povo de Deus. Mas este Deus é tão santo que não via o mal perpetrado contra Judá:

"Tu és tão puro de olhos,que não podes ver o mal." (1.13)

Surgiu no coração perplexo do profeta a grande pergunta: por quê? Por quê? Por que um Deus santo não contempla a miséria do seu povo?

"Por que fazes os homens como os peixes do mar?" (1.14)

Com ousadia Habacuque acusou o Senhor de tratar o seu povo como meros peixes. Os répteis não têm quem os governe, mas os homens de Judá reconheciam o Senhor como o Governador moral da nação. Judá fora tirado com anzol, e estava na rede varredoura dos caldeus (1.15).

A Babilônia, como pescador, se alegrava e se regozijava, atribuindo o seu êxito às divindades pagãs. Corajosamente, Habacuque lançou a última palavra de desafio ao Santo Deus de Israel:

"Acaso continuará, por isso,esvaziando a sua rede,e matando sem piedade os povos?" (1.17)

A angustiante tensão entre a fé num Deus de amor e a realidade de uma situação política de injustiça berrante e de violência imerecida não é fenômeno só do período de Habacuque. É um problema básico de todos os séculos. No século XX, desde o fim da II Guerra Mundial, mais de um bilhão de almas — quase a terça parte da população do nosso planeta — tiveram que submeter a cerviz ao jugo comunista ateu. Certamente o Afeganistão não será o último país a perder a sua independência e a sua liberdade religiosa. A metade do mundo vive sob regimes ateus que oprimem toda e qualquer religião. E milhões de almas piedosas, crentes num Deus soberano e bondoso, respiram com Habacuque: "Por quê?" "Os ateus continuarão matando sem piedade os povos?"

O Profeta Procura Entender o Senhor (Cap. 2)É patente que Habacuque entendia os princípios básicos da oração.

Procurou um lugar afastado, tranqüilo, uma torre de vigia, onde esperava e escutava. A oração não é apenas o falar. É O escutar também. Como diz o salmista:

"O Senhor me respondeu e disse:Escreve a visão, grava-a sobre tábuas,para que a possa ler até quem passa correndo." (2.2)

Naquela época remota quando o papel não era usado ainda, escrevia-se sobre tábuas de barro. Foram descobertas pelos arqueólogos modernos algumas tábuas antigas que remontam ao período de Habacuque. Para fins de publicidade, Deus mandou escrever manchetes em tábuas enormes, tão grandes que "a possa ler até quem passa correndo". Esse primeiro cartaz evangelístico do mundo serve ainda hoje como estímulo para nós no século de publicidade, da "mass-media". Deus quer que todos os homens saibam que ele

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os ama. "Deus tem falado muitas vezes e de muitas maneiras " (Hebreus 1.1). No tempo de Habacuque Deus falou pelos meios publicitários do grande cartaz num lugar público. Habacuque era precursor de muitos crentes humildes do interior do Brasil que pintam, com letra tosca, versículos bíblicos nos rochedos à beira das estradas. Atualizando mais a idéia, quem sabe se não se tornará moda colocar bonitos cartazes bíblicos em todos os ônibus e trens? Por que não colocar mensagens bíblicas iluminadas no cume dos arranha-céus das nossas cidades modernas?

Habacuque, pioneiro da publicidade bíblica, preparou a imensa tábua de barro, e escreveu em manchetes o recado que Deus lhe revelara na torre de vigia:

"Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé." (2.4)

"Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus." (Salmo 46.10)

Os mais entendidos na vida espiritual sabem que leva tempo para conhecer a Deus, o Deus que habita a eternidade. O silêncio reverente faz parte essencial da oração:

A voz divina o advertia que a palavra não se cumpriria imediatamente, "mas se tardar, espera-o" (2.3).

Que significação tem esta mensagem nos dias de hoje? Primeiro, nos assegura que Deus já fez uma avaliação da situação mundial. Sabe que o mundo é dominado pela soberba arrogância humana. E o Senhor já julgou o espírito do mundo:

"Sua alma não é reta." (2.4)

Em qualquer país se pode achar injustiça, opressão e exploração. Os cristãos conscientizados clamam ao Senhor da justiça que intervenha logo. E quantas vezes ficam perplexos, frustrados, e ? finalmente desanimados, pois o Deus da Bíblia não lhes dá ouvidos: Não destrói o iníquo. Não tira o tirano do poder. Não faz parar miraculosamente os tanques invasores. E neste momento em que as dúvidas invadem a alma, e assaltam o raciocínio, quando o homem piedoso é tentado a abandonar a fé num Deus bom, vem como trovão a mesma resposta dada a Habacuque, séculos antes de Cristo:

"O justo viverá pela sua fé! " (2.4)

Mas fé em quê, e em quem? Fé no Senhor da História, fé no Senhor do universo, que um dia há de reinar sobre esta terra. Fé naquele que nos ensinou a orar: "Venha o teu reino", e mais ainda, "pois teu é o reino" (Mateus 6.10-13). O apóstolo Paulo aproveitou esta mensagem, fazendo dela sua maior tese teológica, a Epístola aos Romanos. Os raios rutilantes da frase simples iluminaram o convento do monge alemão Martinho Lutero, "transformando-o em paladim do Evangelho. João Wesley também agarrou a quintessência do recado, e tornou-se salvador da sua pátria, a Inglaterra, que jazia na inglória da descrença, da volúpia infrene, e da bebedice destruidora.

Do apóstolo Paulo aprendemos que o mundo sofredor geme na angústia (Romanos 8.22). Nós também, os remidos, gememos em nosso íntimo (Rm 8.23), aguardando a redenção final de toda a criação. Como é importante saber que neste ardente desejo de um mundo restaurado e transformado, um mundo

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de justiça e de amor fraternal, o Espírito Santo também geme com gemidos inexprimíveis, desejando esta metamorfose global muito mais do que nós (Rm 8.26). Deus não descansará até que este mundo por ele criado reflita a glória do seu Filho, Jesus Cristo, para quem foi criado (Colossenses 1.16).

Portanto, o crente em Jesus Cristo contempla o mundo contemporâneo com um otimismo nascido da fé. Não recai no fatalismo, afirmando que tudo há de piorar inevitavelmente. Embora sabendo que o mundo nunca será restaurado sem o Príncipe da Paz presente para reinar, não se desanima por causa do triunfo do mal no mundo. O Reino de Deus já está presente nele! O justo, vivendo num mundo de injustiça, só pode viver pela fé. Como diz o apóstolo Pedro, ele espera "novos céus e nova terra, nos quais habita justiça." (2 Pedro 3.13). Nenhum sistema político oferece a perfeita justiça. Corrompeu-se a humanidade na Queda. No entanto, o homem novo em Cristo, praticando a justiça dentro de um sistema imperfeito, anuncia de antemão a vinda do Reino de Deus.

Habacuque considerou a soberba arrogância da Babilônia, que afastava a justiça da terra tirando a liberdade de todas as nações vizinhas, escravizando todos os povos. O profeta comparou a arrogância babilônica à do bêbado!

"... como o vinho é enganoso,tão pouco permanece o arrogante." (2.5)

O profeta reconheceu ter necessidade de paciência. "Se a visão tardar, espera-o", rezava o recado divino. A reflexão séria sobre o problema do triunfo do mal no mundo o levou a considerar a veracidade de cinco provérbios bem conhecidos na época. A sabedoria milenar o convenceu do triunfo final do bem:

(1) "Ai daquele que acumula o que não é seu." (2.6)

Nas guerras expansionistas, a Babilônia tinha tomado como presa de guerra reféns, objetos de arte, dinheiro, e tudo quanto podia ser levado para casa. A lei da retribuição exige que quem oprime, que seja oprimido. E a lex talionis, "olho por olho, dente por dente". O profeta predisse a sorte dos cruéis caldeus:

"Visto como despojaste a muitas nações, todos os mais povos te despojarão a ti." (2.8)

Como o indivíduo, as nações também ceifam o que semeiam. Eis o princípio fundamental que controla o destino humano. "De Deus não se zomba, pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6.7). Habacuque sabia que cedo ou tarde o opressor sofreria a mesma sorte de suas vítimas. A história confirma a veracidade do provérbio, pois dentro de poucas décadas o império babilônico caiu perante as forças dos medo-persas sob Dario (Daniel 5.30,31).

(2) "Ai daquele que ajunta em sua casa bens mal adquiridos, para pôr em lugar alto o seu ninho." (2.9)

O segundo "ai" condena a aquisição réproba dos bens alheios. Depois de suas conquistas militares, a Babilônia pilhava os países invadidos. Do templo em Jerusalém o seu exército levou para a Babilônia os sagrados tesouros, e os utensílios de ouro. Arrastou blocos de pedra e madeiramento de cidades

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arrombadas, para embelezarem a capital à beira do Eufrates.Ora, a cidade de Babilônia gozava de fama universal pelos jardins

suspensos, uma construção tão extraordinária que foi conhecida como uma das sete maravilhas do mundo antigo. Provavelmente Habacuque se referiu a esses jardins suspensos quando falou dos bens mal adquiridos, colocados em lugar alto, no seu "ninho". Por serem saqueadas de cidades invadidas, "a própria pedra clamará da parede e a trave lhe responderá do madeiramento" (2.11). Embora sustentando a glória da cidade capital do império caldeu, as pedras e a madeira estrangeiras eram testemunhas que protestavam o vergonhoso saque de outros povos.

(3) "Ai daquele que edifica a cidade com sangue." (2.12)

No desenrolar da história humana, nunca cessam as guerras de agressão. O crudelíssimo Nabucodonosor foi protótipo de uma longa lista de invasores famosos pelo derramamento de sangue: Júlio César, Genghis Kahn, Napoleão, Hitler, Stalin e Idi Amin. Ainda hoje, depois de tantos séculos de dura experiência, e de progresso cultural, as invasões continuam: em Angola, no Laos, no Afeganistão. O espectador tem a impressão de que Deus escreve a História lentamente, além de escrever certo com linhas tortas. Mas a perspectiva cósmica do drama humano permite-nos perceber que Deus de fato julga as. nações edificadas com sangue. Todos os impérios do mundo chegam à maré alta, recuam, e desaparecem no oceano da humanidade. O único império permanente é o Reino de Deus que o profeta Habacuque tanto anelava. Ele previu o tempo maravilhoso do reino da justiça e da paz, quando disse:

"... a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar." (2.14)

Deus não dará a sua glória ao homem pecador. Os reis da terra, os presidentes e os ditadores hão de passar, e finalmente Jesus Cristo será proclamado o Senhor do universo. "Todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai." (Cf. Fp 2.11)

(4) "Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro." (2.15)

As estrondosas vitórias do exército caldeu eram ocasiões para marchas triunfais e celebrações festivas. Com brinde ao imperador invencível, as tropas se lançavam na bebedice desenfreada. Na embriaguez, abandonavam o pudor, expondo-se vergonhosamente (2.15).

Habacuque estava certo de que o Senhor lhes daria um outro cálice a beber, o cálice da sua ira, que os lançaria na ignomínia total, quando a Babilônia, exposta e nua, seria humilhada pelos seus inimigos. Por ter destruído as florestas do Líbano e as feras, sem falar dos homens, a Babilônia cairia, pois à crueldade humana ela acrescentou um crime ecológico contra a própria natureza. Quantos desertos foram criados pela guerra! (2.17)

(5) "Ai daquele que diz ao pau: Acorda! e à pedra muda: Desperta! (2.19)

O quinto e último "ai" se dirigiu contra a idolatria. Os caldeus adoravam imagens de escultura "em cujo interior não havia fôlego nenhum" (2.19). Quão

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absurdo é o homem rezar a um pedaço de pau ou de pedra! O segundo mandamento diz claramente: "Não farás para ti imagem de escultura" (Êxodo 20.4). Não obstante, milhões de chamados "cristãos" hoje se curvam cada domingo perante imagens de santos, tal como os pagãos.

O imperador Nabucodonosor tinha mandado fazer na cidade da Babilônia uma imensa estátua de si mesmo, toda em ouro. Baixou um decreto obrigando todos os cidadãos a rezar a esta imagem. De toda a população, três judeus exilados, crentes no Senhor, recusaram-se a inclinar perante o ídolo. Os corajosos contemporâneos de Habacuque foram lançados na fornalha ardente, de onde saíram ilesos miraculosamente (Daniel 3). Assim foi que o imperador Nabucodonosor aprendeu que só o Deus de Israel, Javé, deve ser adorado, e arrependeu-se.

No fim, todas as religiões falsas, todo culto prestado às imagens, o que é vedado no decálogo, desaparecerão; e todos os homens saberão que o SENHOR é o único Deus desta terra.

"O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra." (2.20)

A séria reflexão do profeta Habacuque sobre os alicerces morais do mundo o convenceu de que o mal não prevalecerá contra o bem. O Senhor há de reinar, e os que confiam nele, os justos que vivem pela fé, verão o triunfo do Reino de Deus aqui na terra, quando, afinal, a justiça será estabelecida entre os homens pelo Senhor. Cumprir-se-á a grande aspiração da oração dominical: "Livra-nos do mal, pois teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém."

O Profeta Canta o Triunfo da Fé (Cap. 3)Habacuque chegou a conciliar a razão com a fé. Em seu universo

pessoal, não havia mais tensão, não havia mais dicotomia entre a fé e o raciocínio. Por conseguinte, experimentou a liberdade interior, a verdadeira liberdade do espírito, que sobrepuja todas as barreiras do intelecto. E como expressão desta nova liberdade ele compôs um belíssimo poema, um hino de louvor que constitui uma jóia do saltério hebraico.

O profeta-poeta, agora convencido de que Deus é sempre justo para com todos os homens, apelou para o Senhor dos seus antepassados, o Senhor da aliança com Israel. Pediu-lhe arrojadamente que avivasse novamente a sua obra. O Deus que no passado se manifestara aos israelitas primitivos deveria agir agora na defesa dos seus descendentes. Habacuque se lembrou das gloriosas façanhas do grande Deus de Israel em Temã e Parã (3.2). Tema era Edom, a leste do Jordão. Parã se situava entre o Sinai e Edom. Os dois lugares recordavam intervenções do Senhor, na época da caminhada do povo de Israel, desde o deserto até Canaã.

"Deus vem de Temã,e do monte de Parã vem o Santo.A sua glória cobre os céus ..." (3.3)

No Sinai, a glória do Senhor cobrira o monte, e a terra tremera quando Deus entregou a lei a Moisés. O profeta cria que Deus, por ser eterno, não muda. Se se manifestasse da mesma maneira novamente, como antes, Israel não poderia temer. Os inimigos de Israel é que deveriam tremer diante dele,

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pois

"... a pestilência segue os seus passos." (3.5)

O Deus de Israel destruíra o poderoso Egito, no tempo de Moisés, mediante as pestilências das rãs, dos piolhos, das moscas e dos gafanhotos, antes da praga final da morte dos primogênitos. O desejo estava nos lábios de Habacuque: "Oxalá que se repetissem hoje sobre os caldeus".

O poeta relembrava também a vitória de Israel contra Midiã, chamado Cusã no tempo de Habacuque (Números 31). E quem podia esquecer o milagre da separação das águas do Mar Vermelho, quando Deus salvou do Egito o seu povo escravizado? (3.8). Deus não se irou contra as águas mas, sim, contra os inimigos de Israel, quando "os cavalos do Senhor" marcharam pelo mar (3.15).

A história de Israel como nação é Heilsgeschichte, a história da salvação, por ser Israel "o ungido do Senhor" (3.13). E a única maneira por que se pode explicar as vitórias do pequeno Israel contra os seus poderosos inimigos, vitórias essas tipificadas pelo triunfo do jovem Davi na luta contra o gigante Golias, degolado com a sua própria espada. Por isso Habacuque se regozijava:

"Traspassas a cabeça dos guerreiros do inimigo com as suas próprias lanças." (3.14)

Comovia-se o profeta, contemplando a invencibilidade do Senhor. Convenceu-se de que as forças irresistíveis de Deus esmagariam para sempre os invasores caldeus "no seu dia de angústia" (3.16).

O hino foi concluído com a mais absoluta afirmação de fé. O profeta confiava cabalmente na soberania do Senhor, a ponto de aceitar quaisquer circunstâncias como sendo dentro da boa e perfeita vontade de Deus para ele.

No seu contexto agrícola, Habacuque contemplava a possível perda da safra de frutas, e a extinção dos rebanhos como conseqüência de uma nova invasão. No entanto, o profeta reafirmou a sua alegria no Senhor:

"Ainda que a figueira não floresce . . .e nos currais não há gado,todavia eu me alegro no Senhor." (3.17)

Como Jó, Habacuque estava pronto a perder tudo, menos a sua fé no Senhor. Habacuque fala alto à nossa sociedade de consumo, com os seus exagerados valores materiais, e o seu desprezo aos valores espirituais. A posse de bens materiais não é necessariamente sinal da bênção e da vontade divinas! A fé em Cristo não garante, de maneira nenhuma, a entrada na vida opulenta e luxuosa ... Nos países latino-americanos, com os seus milhões de seres humanos vivendo precariamente, há muitos Habacuques modernos, que passam fome e sede, que não possuem nem casa nem terras, mas que têm fé, e por isso exultam no Deus da sua salvação. No quadro sombrio da tragédia em que vivem nossos povos nesta hora de inquietação espiritual, de confusão religiosa, de decadência moral e de convulsões sociais e políticas, são eles sal da terra, luz do mundo; nada tendo, mas possuindo tudo. Eis a voz profética ao mundo alucinado com o crasso materialismo do século XX: "Ainda que perca tudo, todavia eu me alegro no SENHOR". E quem possui o Senhor tem a única riqueza que perdura para sempre. Isto também se aceita pela fé. Nesta certeza, nascida da fé, o profeta rematou a bela canção com palavras cheias

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de fé inabalável:

"O SENHOR Deus é a minha fortaleza e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente." (3.19)

Sim, o justo viverá pela sua fé. E esta fé no Senhor triunfante, ressuscitado e glorioso, transmite à vida diária uma vitalidade vibrante. Quem pela fé vê Cristo sentado no trono do universo, aguardando o momento supremo da revelação empolgante da sua glória aqui na terra, não se desanima com a situação mundial! Sabe que Cristo voltará para reinar eternamente, "porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos seus pés" (1 Co 15.25). Quem tem esta fé em Cristo já é súdito do reino eterno, vivendo segundo os princípios da justiça, da paz e do amor. O reino chega com o crente, no limitado contexto da sua atuação entre os homens. Ele é sinal e penhor, dado aos homens pelo Santo Espírito, da sociedade a vir. Por isso, "anda com alegria, como corça nas montanhas." A sua plena aceitação pela fé da vontade de Deus, sejam quais forem as circunstâncias externas por ele permitidas, é o segredo, único e perene, duma vida harmoniosa e abundante!

8. TEMPO DE APOSTASIA

SOFONIASPara entender a profecia de Sofonias, é essencial aprender algo do

período de uns 135 anos que separam a queda de Samaria em 722 a.C. e o conseqüente desaparecimento da nação de Israel, e a destruição de Jerusalém em 587 a.C. e o exílio de Judá na Babilônia. A história da nação de Judá oscila neste período, segundo a influência boa ou má dos seus reis. Os reinados de Ezequias e de Josias se destacaram pela sua piedade, e pelo vigor das suas reformas religiosas. Sofonias foi profeta durante o reinado de Josias, o bom, mas tudo indica que a profecia foi pronunciada antes da gloriosa reforma introduzida pelo jovem rei.

Não obstante a espiritualidade do rei Ezequias, no fim da vida ele não aceitou o recado divino que indicava a sua morte. Não aceitou a vontade de Deus. Embora crente no Senhor, não tinha pressa nenhuma para entrar nas mansões celestiais. Chorou como criança. Deus acedeu ao seu desejo, concedendo-lhe mais 15 anos de vida. Neste período de graça, Ezequias gerou um filho tão ruim que teria sido melhor se o rei tivesse morrido antes de gerá-lo. Este filho, de nome Manasses, reinou durante 55 anos, e abandonou por completo os bons costumes do pai, entregando a nação à apostasia. Reintroduziu na terra a idolatria que o pai Ezequias havia destruído. Mandou montar o "poste-ídolo", vil símbolo sexual do culto à fertilidade dos cananeus. Acompanharam este culto as sacerdotisas prostitutas, cujos "serviços" influenciariam Baal a benzer os rebanhos e as colheitas. Manasses mandou erguer imagens de todas as divindades pagãs, inclusive o sol, a lua e as estrelas. Tornou-se adepto do espiritismo, servindo-se de médiuns, dos sinais de zodíaco e de todas as decepções da bruxaria. Foi o maior escândalo quando introduziu dentro do sagrado templo o enorme símbolo sexual do machismo! (2 Reis 21.3-7).

Assim foi que Jerusalém se tornou capital do sincretismo religioso, com o

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conhecido lema "toda religião é boa". Era como acontece hoje por todo o Brasil em que Orixá convive com "Nosso Senhor do Bom Fim", e a Santa Virgem e lemanjá se unem na mesma parede; onde pernas e braços de cera, amuletos, e crucifixos são todos símbolos da "fé sincretista", tão odiada pelo Deus vivo.

Manassés chegou ao ápice da apostasia "queimando o seu filho como sacrifício", no culto a Moloque, como informa 2 Reis 21.6. Nesta repugnante prática pagã, os pais ofereciam os recém-nascidos, deitados sobre uma grade de ferro, e queimados vivos perante a imagem de Moloque. As chamas consumiam "o fruto do corpo pelo pecado da alma" (Miquéias 6.7). Há uns anos atrás, apareceu no Brasil uma seita que praticava o infanticídio, como ato religioso! A imprensa divulgou a notícia da prática revoltante. Antes de registrarmos os nossos protestos, convém lembrar que 80% dos falecimentos no Brasil são de crianças de 5 anos para baixo. Cada ano, o Moloque da fome, da doença e do abandono, devora literalmente milhões de crianças! E o que dizer do Moloque do aborto provocado, que cada vez mais sacrifica milhões de seres humanos, antes mesmo de virem à luz?

O Brasil recebe aplausos do mundo inteiro pela maneira inteligente com que está vencendo o problema da gasolina. Mas para o carro brasileiro sobreviver, é preciso plantar milhões de hectares de cana-de-açúcar. Porém, a mãe e a criança brasileiras não recebem tanta atenção como o carro brasileiro. O fusca amado tem mais chance de sobreviver que o filho abandonado. Não existe ainda um plano nacional de plantação de comida sadia para a sobrevivência da criança. Tudo indica que o culto a Moloque continuará. Certamente, a igreja do Senhor deve conscientizar a nação, procurando meios práticos para salvar a criança brasileira. Na situação sócio-econômica contemporânea, a mensagem de Sofonias a uma sociedade sincretista e insensível aos direitos dos inocentes indefesos se torna altamente relevante!

A nação de Judá suspirou de alívio quando Manassés faleceu. Após meio século de corrupção e de violência pelas autoridades, o povo esperava que a limpeza fosse feita ... No entanto, isso não se realizou. Assumiu o trono o jovem príncipe Amom. Tal pai, qual filho. Ele mantinha em tudo o "status quo" odiado. Um golpe foi organizado, e Amom foi assassinado. Os revolucionários instalaram o filho de Amom, Josias, com 8 anos de idade, para ser rei em 638 a.C. Uma boa educação fez dele um ótimo monarca e reformador religioso. O seu reinado de 30 anos foi marcado por um reavivamento espiritual, começando com a descoberta da Palavra de Deus, escondida durante muitos anos no templo. Este acontecimento, em 621 a.C, acendeu uma luz pura, depois de um meio século de trevas e apostasia.

Sofonias profetizou justamente neste período esperançoso. Torna-se claro, porém, que a maravilhosa reforma de Josias era um tanto superficial. O povo, embora obedecendo às instruções religiosas do rei, ficou apegado às práticas pagãs do espiritismo, do culto sexual, e do sincretismo acomodatício. Faltou-lhe a experiência do genuíno arrependimento, e fé num só Senhor. Sofonias predisse o julgamento de todas as nações, inclusive a do povo eleito, mas terminou a profecia com a esperança messiânica da restauração, no fim dos tempos.

Sofonias era trineto do bom rei Ezequias. O rei Josias era bisneto de Ezequias. De sangue azul, e com bons antecedentes espirituais, Sofoniais tinha livre acesso ao paço real, e exerceu uma autoridade profética que calou bem no coração do jovem rei consagrado ao Senhor (1.1).

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O Dia do Senhor (Cap. 1)Sofonias, mais do que qualquer outro profeta dentre os Doze, usava a

expressão "o Dia do Senhor", para significar o dia da ira vindoura. Toda a humanidade será julgada, e o profeta previu o extermínio, não somente da raça humana, mas de toda vida, como no tempo do dilúvio (1.3). Judá, o povo eleito, não escaparia, devido à sua apostasia, seguindo a idolatria pagã, num espírito sincretista, adorando ao Senhor e a Milcom, o mesmo que Moloque. O homem não pode servir a dois senhores. Deus odeia o culto em que ele não é o único e supremo Deus.

Sofonias anunciou o castigo divino que haveria de cair sobre todos os oficiais e filhos de Manassés, que praticaram tanta violência (1.9). O julgamento do mundo começaria, não com os pagãos, mas com Jerusalém! Como diz o apóstolo Pedro: "A ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada" (1 Pedro 4.17). A ilusão trágica dos judeus foi esta, que não perceberam que o Senhor é Governador moral do universo. Os habitantes de Jerusalém diziam: "O Senhor não faz bem, nem faz mal" (1.12). Segundo este parecer, não existe causa e efeito na esfera moral. Não haveria relação entre a obediência à lei, e os acontecimentos políticos e sócio-econômicos. "Por isso serão saqueados os seus bens, e assoladas as suas casas" (1.13). O profeta seria vindicado somente pelo desenrolar da história da nação.

Todo judeu sempre pensava no Dia do Senhor como dia de vitória, de alegria e de paz. Ao contrário, replicou Sofonias, será dia de indignação, de alvoroço, e de escuridade (1.15). Por causa do pecado do próprio povo de Deus, a vinda do Senhor será dia de julgamento e não de alegria. A igreja acomodada do século XX precisa refletir mais sobre os fatos históricos concernentes a Israel. A segunda vinda do Senhor é anunciada com grande entusiasmo, mas o dia marcará o comparecimento de toda a igreja ao tribunal de Cristo. A igreja será julgada naquele dia, como Israel do Velho Testamento foi julgado, segundo as suas obras, quer sejam boas ou más.

O Julgamento das Nações (Cap. 2)Em comum com a maioria dos profetas, Sofonias anunciou o julgamento

de todas as nações. Esta proclamação chama os homens ao arrependimento, como passo

da maior urgência. "Buscai ao Senhor", e não às imagens dos falsos deuses. "Buscai a justiça", deixando a corrupção e a violência (2.2). Se assim fizerem, Sofonias estendeu-lhes alguma esperança: "Porventura lograreis esconder-vos".

As cidades pagãs da circunvizinhança, Gaza, Ascalom, e Asdode, são mencionadas como merecendo a destruição. O restante de Judá herdaria toda a região do litoral mediterrâneo (2.7). Moabe e Amom, inimigos inveterados de Judá, se tornariam como Sodoma e Gomorra (2.9). O julgamento se estenderia até os confins da terra. Ninguém escaparia. Ao extremo sul do Egito havia um país aqui denominado Etiópia, que hoje é o Sudão. Para Sofonias isto representava o limite sul do mundo conhecido. Ao outro extremo do mundo antigo, o limite setentrional era a Assíria, cujo julgamento foi também prometido (2.13). Nínive, a famosa capital da Assíria, símbolo de opressão e de crueldade, se tornaria uma vasta ruína, habitada somente pelos animais e as aves de rapina. De fato, ela se tornou uma desolação poucos anos depois, em 612 a.C, segundo a palavra segura do profeta.

A Visão de um Mundo Restaurado (Cap. 3)

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Terminada a profecia contra as nações, Sofonias voltou a ameaçar Jerusalém, a cidade apóstata, outrora santa. Ela rejeitou a disciplina da lei, e desconfiou completamente no recado de julgamento divino (3.2). Desde o tempo desatroso de Manassés, o rei ímpio, a liderança do país continuava afastada das normas bíblicas. A benéfica influência do jovem rei crente Josias não conseguiu refrear a torrente de maldade solta pelo seu avô Manassés. Os príncipes da época eram os chefes políticos, e eles se caracterizavam pela avareza. O profeta os comparou aos leões e aos lobos. Os líderes religiosos eram levianos. Em vez de ensinarem sistematicamente a Palavra de Deus, falavam levianamente. Sem dúvida, preparavam os seus "sermões" em 10 minutos. Quem fala em nome do Senhor precisa dedicar muito tempo ao estudo, à reflexão, e à oração. Quantas igrejas há que sofrem porque o responsável não dá o tempo necessário para a preparação! No entanto, o Senhor está presente com o seu povo. Ele é justo, no meio dele (3.5).

Este Senhor da justiça espera que o seu povo Judá aprenda a lição vivida por muitas cidades e nações. Apesar das advertências dos profetas, o povo de Israel ao norte viu a sua cidade capital, Samaria, cair no ano 722 a.C, em conseqüência direta da sua apostasia idólatra. Quando a Assíria invadiu o pequeno Judá no tempo de Ezequias, a superpotência foi vencida pela fé e oração do monarca. A justiça de Deus se expressa em manchetes através da história humana. O nazismo que assassinou nas câmaras de gás 6 milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial, e que foi arrombado depois, ensina a mesma lição em nosso século. Deus é Senhor e Juiz das nações.

Chegando ao fim da sua profecia, Sofonias contemplou com otimismo o fim de todo o drama humano. Deus destruirá o mundo com fogo, castigando o pecado das nações. O apóstolo Pedro confirma isto em 2 Pedro 3.7. Num mundo purificado e restaurado, as nações louvarão ao Senhor (3.9). Israel será modelo de humildade e veracidade. O Senhor será o Rei de Israel (3.15). Ele se deleitará no seu povo com alegria. A mais perfeita harmonia e comunhão existirá. Israel se renovará no seu amor. To dos voltarão para as festas do Senhor, que eles não podiam celebrar, quando exilados (3.18). As duas nações de Israel e Judá serão reunidas, e terão um só nome como povo de Deus, e gozarão do prestígio das demais nações (3.20). Esta visão milenar de um mundo restaurado em paz e justiça nunca se cumpriu. A Igreja do século XX aguar da a restauração do reino de Israel esperado pelos após tolos (Atos 1.6), e os "tempos de refrigério" prometidos pelo apóstolo Pedro, e que certamente chegarão "da presença do Senhor" (Atos 3.20). Até aquele dia, a nossa oração é aquela do grande apóstolo do amor, aliás a última oração da Bíblia toda: "Vem, Senhor Jesus! " (Ap 22.20).

9. O PROFETA NUM MUNDO RACISTA

OBADIASDos livros do Velho Testamento, Obadias é o menor, contendo apenas 21

versículos. O nome do profeta significa "Servo de Javé". Fiel ao seu nome, Obadias cumpriu o seu papel pela maneira com que ele nos fez lembrar que haverá para toda a humanidade um juízo final.

Obadias vivia numa época caótica, após a destruição de tudo quanto representasse a verdadeira religião. O texto indica que ele testemunhou o saque total da cidade santa de Jerusalém em 587 a.C, por isso presume-se que

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tenha tomado parte no exílio na Babilônia, que durou 70 anos. É de se supor que Obadias tenha escrito o seu livro durante o exílio. Longe da pátria, ele se lembrava do horror da devastação praticada pelas hordas cruéis de Nabucodonosor. Na hora em que o invasor impiedoso esmagou a pequena nação de Judá, o povo vizinho de Edom veio colaborar com o inimigo. Além de burlar-se dos habitantes de Jerusalém, os edomitas ajudaram os babilônios a pilhar os bens dos infelizes judeus e, pior ainda, entregaram ao exército de Nabucodonosor os refugiados apavorados que buscaram asilo no território vizinho de Edom. Assim foi que ninguém escapou das garras do mais temível exército de então.

Refletindo sobre a enormidade do crime perpetrado por Edom, Obadias percebeu que tudo se explicava ao período patriarcal, no início da história da Bíblia. Começou com o nascimento dos filhos gêmeos de Isaque (Gn 25), Esaú e Jacó. Dos dois, nasceu primeiro Esaú, que perdeu a herança de primogenitura, vendendo-a a seu irmão Jacó pelo preço ínfimo de um prato de feijoada. A venda desprezível levou os dois rapazes a brigar constantemente, e quando Jacó conseguiu por do Io a bênção paternal do velho pai cego, Isaque, a ira de Esaú irrompeu, e Jacó fugiu de casa. Passaram-se os anos, mas Esaú nutria ainda sentimentos de ódio contra o seu irmão, cuja morte anelava. Uma breve reconcialiação ocorreu (Gn 33), mas os dois irmãos fundaram duas nações destinadas a perpetuar a rixa. Os descendentes de Esaú se estabeleceram na região desértica perto do Mar Morto, com a cidade capital aninhada entre montes inóspitos, enquanto que os descendentes de Jacó ocuparam a boa terra a oeste do Jordão, tendo como capital a cidade de Jerusalém.

A Bíblia narra resumidamente a trágica história do ódio implacável entre as duas nações. Logo na entrada dos judeus em Canaã, Edom recusou-lhe passagem (Números 20). O profeta Balaão vaticinou a subjugação de Edom por Israel, quando pregou a Balaque, rei de Moabe, vizinho de Edom. Duzentos anos mais tarde, o ódio mútuo continuava, e o rei Davi tentou pôr fim ao constante problema mandando massacrar todos os homens machos d6 Edom (1 Reis 11.15). Esta política selvagem de liquidação do inimigo tradicional não se cumpriu, e um sobrevivente edomita levou o restante do seu povo a renovar a guerra contra Judá (1 Reis 11.17). Num salmo de vingança, Davi se refere a Edom em termos de desprezo absoluto, quando diz: "Sobre Edom atirarei a minha sandália" (Sl 60.8).

Vê-se como as atitudes de intolerância racial não somente se perpetuam, mas ampliam o desentendimento mútuo para alcançar gerações futuras. Não é surpreendente que 400 anos depois de Davi o povo de Edom ainda se lembrasse do tratamento desumano recebido das mãos dele. Por isso, alegrou-se sobremaneira quando a Babilônia mandou o seu exército invencível contra o odiado país vizinho de Judá. A vingança, embora tendo demorado tantos séculos, era saboreada em Edom. E o mesmo espírito existia no tempo de Jesus. O rei Herodes, de descendência edomita, mostrou a insensibilidade dos seus antepassados quando condenou Jesus injustamente. O nosso Senhor, por seu lado, nem lhe proferiu uma palavra sequer (Lucas 23.8, 9).

Oxalá que o nosso mundo moderno aprendesse a lição! As inimizades e preconceitos continuam entre os povos. Por tradição, mais do que por razão, uma nação odeia outra. Lembram-se guerras de agressão séculos depois. Os netos e bisnetos conservam as mesmas atitudes insensatas dos avós e bisavós. Um exemplo disto é a relação entre a França e a Alemanha, com três guerras em três gerações seguidas (1870, 1914 e 1939). Na época nuclear, o

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racismo contra qualquer país é uma insensatez cujo preço bem pode ser o suicídio de toda a raça humana.

A profecia de Obadias começou com a visão de uma futura guerra, à qual o Senhor chama todas as nações. O vidente inspirado previu o fim do mundo e a soberania gloriosa do Senhor. Como nação, Edom seria destruída. Deus desprezou a nação por causa do seu orgulho exagerado (v. 2). A cidade capital era situada "nas fendas das rochas", tão inacessível ao inimigo que os habitantes consideravam a defesa indefectível. Com a elevação vertiginosa da cidade, as luzes nas janelas das casas pareciam ser estrelas (v. 4). Ainda que o adversário humano não a alcançasse, o Senhor a derrubaria pelo seu poder irresistível (v. 4).

O profeta se serviu de analogias comuns para salientar a futura destruição total de Edom. O ladrão furta o que precisa, deixando muitas coisas de valor. Semelhantemente, os vinicultores mandam vindimar uvas, mas depois da colheita sempre sobram alguns cachos (v. 5). Não seria assim no julgamento de Edom. Não sobraria coisíssima alguma, mas tudo seria levado. Nesse dia fatídico, os seus aliados o abandonariam, negando tratados de paz (v. 7). Deus controla tudo, não somente as circunstâncias políticas e militares, mas até o pensamento dos habitantes de Edom. Os sábios se tornariam tolos, e os valentes amedrontados, antes do extermínio da raça (v. 10). Cumprir-se-ia ao pé-da-letra a maldição divina contra os que perseguem o seu povo eleito.

O Deus de Israel distingue os babilônios dos edomitas nisto, que Edom tinha herança comum com Israel em Abraão. Judá era irmão (v. 12). O mesmo sangue patriarcal irrigava as suas veias. Sendo irmão, não devia olhar com prazer a calamidade de Judá, nem se alegrar na ruína de Jerusalém, quanto menos roubar a vítima de guerra ou impedir a sua fuga! Vê-se a atualidade da Bíblia numa situação contemporânea. Os vietnamitas, fugindo do comunismo, pagaram onze onças de ouro, cada um, a outros vietnamitas como preço de "passagem" de três ou quatro dias a bordo de um navio sem comida, sem bebida, sem toilete ... Obadias fala hoje!

A pequena profecia terminou com a promessa da restauração e felicidade de Israel no fim dos tempos. Não é o homem que resolverá os seus problemas. Somente o Rei dos Reis e o Senhor dos Senhores é capaz de pôr em ordem este mundo com as suas tensões e hostilidades. Aguardamos o Dia do Senhor que "está prestes a vir sobre todas as nações". Jesus confirmou pessoalmente o grande acontecimento, falando aos discípulos pouco antes da sua crucificação:

"Quando vier o Filho do homem na sua majestade, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória, e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros." (Mateus 25.31, 32)

O monte Sião, devastado pelo rei da Babilônia, ajudado por Edom, seria restaurado (v. 17). Esta esperança da restauração final de Israel é proclamada no Novo Testamento, mais particularmente pelo apóstolo Paulo em Romanos 9 a 11. É claro que Paulo não aplica esta e outras profecias à Igreja, mas continua esperando a salvação final de Israel (Romanos 11.26). Antes do fim do drama humano, cumprir-se-á a promessa divina, e o Senhor há de reinar sobre este mundo onde ele foi crucificado. Se ele não fizer assim, haveria no universo de que ele é o SENHOR, um planeta onde o diabo seria rei.

Com a segunda vinda de Cristo, o mundo conhecerá, pela primeira vez, a

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plena realização da vontade de Deus em resposta à incansável prece do seu povo: "Que a tua vontade seja feita aqui na terra, como no céu!" O povo de Deus vive hoje nesta expectativa. Na antecipação segura que a fé em Jesus Cristo permite, repetimos o Pai Nosso até o fim, bradando triunfantemente "pois teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre, Amém'" Neste mesmo espírito de confiança absoluta no triunfo final da vontade de Deus na terra, Obadias escreveu esta última frase: "O reino será do Senhor." (v. 21)

No nosso mundo, com a capacidade de autodestruição multiplicada por vinte, não há maior consolação para o crente em Cristo do que esta, a certeza inabalável de que o nosso Deus reina soberanamente sobre todas as nações e todos os povos, e que, aconteça o que acontecer, Jesus Cristo, o Senhor, há de restaurar todas as coisas, para a glória do Pai.

10. O PROFETA PRÓ-CONSTRUCÃO DO TEMPLO

AGEUCumpriram-se, de maneira impressionante, todas as profecias

concernentes ao povo de Judá. Na sua misericórdia. Deus não permitiu nem a destruição de Jerusalém, nem o exílio na Babilônia, sem graves advertências prévias na política externa. Em 605 a.C, Nabucodonosor, rei da Babilônia, sitiou Jerusalém e depôs o rei apóstata Jeoaquim, neto de Josias, o Bom. Na ocasião, Nabucodonosor levou para o cativeiro a elite da juventude judaica, para integrá-la no corpo diplomático imperial. Neste grupo saíram Daniel e os três jovens que iriam ser provados na fornalha ardente (Daniel 1-3). Porém, na data em apreço, Jerusalém não foi destruída, mas a nação tornou-se vassala da Babilônia. Em 598 a.C. Nabucodonosor voltou, e mandou tirar muito ouro do templo. Segundo um escritor judeu convertido a Cristo, o ouro utilizado no forro do Santo dos Santos no templo de Jerusalém valeria hoje mais de US$ ... 20.000.000,00.3 Assim Judá recebeu mais uma advertência mas não se arrependeu da sua apostasia. Quando o último rei de Judá, Zedequias, revoltou-se contra a Babilônia, Nabucodonosor voltou novamente para destruir a cidade rebelde de Jerusalém. Incendiou o templo, de onde tirou o restante dos seus tesouros sagrados, e levou o povo para o exílio. A narração detalhada do acontecimento encontra-se em 2 Crônicas 36.

Setenta anos de exílio se passaram, até que o benévolo rei persa, Ciro, vencedor da Babilônia, baixou um edito permitindo aos judeus voltar para a sua terra. Dois anos depois, em 536 a.C, um grupo de judeus sob a liderança de Zorobabel chegou em Jerusalém. Assim se cumpriu ao pé-da-letra a profecia de 70 anos de cativeiro dada por Jeremias (Jr 25.11).

A obra de reconstrução do templo começou logo em 535 a.C, mas com a oposição dos samaritanos os judeus foram obrigados a desistir. O império de Ciro estava inseguro ainda, e os inimigos dos judeus aproveitaram esta insegurança para opor-se ao edito imperial que autorizava a obra.

Durante quase vinte anos a reconstrução ficou parada. Então Deus levantou dois profetas, Ageu e Zacarias, para incentivar novamente a construção. A situação política externa se havia tornado mais estável sob o novo imperador Dario, de modo que não houve empecilho. A exortação dos dois profetas deu êxito; e o segundo templo, o de Zorobabel, foi erguido em apenas cinco anos.3 C. Feinberg, The Minor Prophets Moody, Chicago

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Entende-se o entusiasmo religioso para reconstruir o templo pelo fato de que uma pessoa, em cada sete dos exilados que voltaram, era sacerdote. A maioria dos judeus ficara na Babilônia, gozando de prosperidade. Os elementos mais piedosos voltaram com a idéia de formar um estado sacerdotal, e foi isto que preparou o espírito farisaico do período de Cristo.

Exortação para Construção do Templo (Cap. 1)São quatro as profecias de Ageu, dadas no curto período de quatro

meses, no ano de 520 a.C. Cada uma começa com a fórmula literária "veio a palavra do Senhor" (1.1; 2.1; 2.10; 2.20). Naquele tempo Judá não tinha mais rei, mas o governador era Zorobabel, bisneto de Josias, o último dos reis piedosos. O sumo-sacerdote chamava-se Josué, a forma hebraica do nome Jesus, que significa salvador.

Os judeus que voltaram do exílio já estavam bem cômodos em Jerusalém. Moravam em casas boas, com quartos apainelados em madeira. A prosperidade aumentava. Todo o mundo achava que o templo deveria ser restaurado um dia, mas não tão já (1.2). Assim foi que os enormes blocos de pedra do templo do Senhor, arrombados por mãos ímpias, jaziam em pleno centro da cidade. Os crentes no Senhor estavam gastando dinheiro para embelezar as suas residências elegantes, sem fazer nada para o templo do Senhor.

A demora dos Judeus é típica. Quantas vezes o Senhor nos desafia com um projeto evangélico, e demoramos, dizendo como os judeus: "Não veio ainda o tempo'" Exemplifiquemos. Há anos atrás Deus desafiou brasileiros (inclusive jovens da ABU) com a oportunidade de ser vi-lo na África Portuguesa, onde, naquela época, o brasileiro tinha entrada franca. Infelizmente passou a hora. E a Africa, em vez de receber jovens profissionais motivados pelo espírito de Cristo, recebeu 20.000 cubanos armados, espalhando a violência e a morte. Os discípulos de Marx estavam mais dispostos do que os do Nazareno ... Que contraste em engajamento. Como é preciso reconhecer o tempo, o "kairós" do Senhor”.

O profeta Ageu desafiou os judeus que estavam dando prioridade à melhoria de suas casas em prejuízo à do Senhor (1.4). Exortou-os duas vezes a se lembrarem do passado, pois a miséria do passado se explicava justamente pela negligência do testemunho comunitário. Quantas vezes os nossos sofrimentos pessoais estão ligados à nossa desobediência ao Senhor! O profeta insistiu que o povo devia trazer madeira, não para embelezar as residências, mas para o templo do Senhor (1.8). O Professor Ellison, também convertido do judaísmo, sugere que o templo sofrera mais do incêndio do que do desmoronamento.4 As chamas deixaram os blocos de pedra íntegros, enquanto consumiram totalmente o madeiramento. Em conseqüência, o material mais necessário para a restauração era a madeira, e os crentes estavam forrando os seus palacetes com madeira de lei, sem contribuir uma ripa para o templo!

De vez em quando o tesoureiro de uma igreja moderna se sente como Ageu. Ele vê os crentes prosperando cada vez mais, construindo casas chiques, alguns já com casa de veraneio também, enquanto o templo do Senhor fica arcaico, às vezes tosco, sem ter recebido uma demão de tinta nos últimos dez anos ... Em muitos casos, os crentes no Senhor Jesus Cristo teriam vergonha de manter a sala de visita em casa no mesmo estado em que está o templo onde adoram o Senhor que lhes deu tanta prosperidade.4 H. L. Ellison. Men spake from God , Paternoster

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Ageu afirmou que a fraca safra e a queda nos negócios eram relacionadas com a negligência do povo quanto ao testemunho público do templo (1.10, 11). O livro de Ageu revela que o povo respondeu energicamente à exortação. Apenas vinte e três dias depois da pregação de Ageu a obra foi reiniciada, para a glória de Deus (1.15). O povo foi inspirado pela promessa da presença do Senhor. "Eu sou convosco!", diz o Senhor (1.13). Que inspiração também para nós, saber que o Deus todo-poderoso é realmente conosco em nosso serviço para ele! Se DEUS é por nós, quem será contra nós? (Rm 8.31).

A Glória do Novo Templo (Cap. 2.1 -9)Passou apenas um mês, e Deus mandou o segundo recado profético por

intermédio de Ageu (2.1). O profeta apelou para o testemunho dos velhinhos entre eles, que ainda se lembravam da primeira casa do Senhor em toda a sua glória. Era natural que sentissem desânimo, comparando a obra-prima de Salomão com a velha ruína existente.

"Como a vedes agora?Não é ela cousa de nada aos vossos olhos?" (2.3)

Os velhos sentiram a dor da saudade. A única solução seria uma nova obra. Deus sempre faz coisas novas. A esperança suplanta a saudade. Por isso o profeta insistiu que aquele que crê deve enfrentar com realismo o desafio atual. O passado com a sua negligência culpada deve dar lugar ao presente com a maravilhosa oportunidade de construir algo no nome do Senhor. O povo tinha prometido consagrar-se à obra, e Ageu o chamou a ser forte:

"Sê forte, Zorobabel . . .Sê forte, Josué . . .Tu, povo, ... sê forte! " (2.4)

Sabiamente Ageu soube desafiar todo o povo de Deus, e não somente os líderes religiosos e os poderosos. A obra de construção precisava da dedicação abnegada de toda a comunidade da fé, do esforço ingente dos grandes e dos pequenos.

Nesta segunda profecia Deus prometeu abalar todas as nações, quando encheria de glória aquela casa (2.7). O templo que os judeus iriam reconstruir seria aquele em que o Messias compareceria! E de fato, Cristo andou naquele templo. Herodes o embelezou com obras durante 46 anos (João 2.19), mas era a mesma construção. Neste sentido, a glória da última casa foi a presença de Jesus Cristo nosso Salvador, cuja glória é bem maior do que a da lei (2.9).

Zelo para com o Senhor (Cap. 2.10-19)Dois meses mais tarde veio uma terceira profecia em forma parabólica.

Ageu interrogou os sacerdotes com respeito à lei cerimonial da impureza. Rezava a lei mosaica que quem tocasse um cadáver seria impuro por sete dias (Números 19.11-22). O santuário desmoronado se comparava a um cadáver. Quem o tocasse naquele estado e oferecesse sacrifícios nele seria imundo, e o efeito do culto seria nulificado: "tudo é imundo" (2.14). Logicamente, para o templo voltar a ser um corpo vivo era imprescindível restaurá-lo à perfeição anterior. Só assim Deus aceitaria o culto solene.

O povo tinha o compromisso sagrado de construir, mas estava falhando no dever. Deus dispõe de toda a prata e ouro no mundo inteiro (2.8). Ele

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entrega riquezas ao seu povo, principalmente para fins de auxiliar a obra e o testemunho, e não para permitir uma vida luxuosa da parte dos seus servos. Foi isto o grave erro dos judeus. Por terem abandonado o projeto de construção, os agricultores receberam somente 50% da safra esperada (2.10). Não reconheceram que as doenças que afetavam a plantação tinham vindo do Senhor (2.17). Agora com a nova promessa de trabalhar, Deus promete uma colheita abundante (2.19).

Como é solene prometer algo ao SENHOR!

"Quando a Deus fizeres algum voto,não tardes em cumpri-lo;porque não se agrada de tolos.Cumpre o voto que fazes.Melhor é que não votesdo que votes e não cumpras." (Ec 5.4,5)

Quantas promessas vãs faz o povo de Deus! Votos feitos na hora da doença, e não cumpridos na saúde; promessa esquecida de contribuir para alguma campanha; votos feitos depois de um sermão de consagração, e logo esquecidos; promessa vã de tornar-se dizimista fiel. Se todos os nossos votos se cumprissem, haveria meios suficientes para todos os projetos evangélicos: a construção de templos, de escolas, de clínicas e de hospitais. Não faltariam fundos para missões, para a obra estudantil e para orfanatos. E o doador seria ricamente compensado! (2.19)

Profecia Escatológica (Cap. 2.20-23)A quarta e última profecia de Ageu foi recebida do Senhor no mesmo dia

em que a terceira. Que maravilha quando Deus fala pessoalmente a um dos seus servos duas vezes no mesmo dia! Esta última profecia rasga novos horizontes perante o olho da fé. O vidente, como tantos outros dos Doze Profetas menores, enxergou de longe acontecimentos ao fim da história humana; portanto, ainda não realizados em nossos dias. Esta profecia prediz o momento quando o Senhor "abalará o céu e a terra." (2.21). E a confirmação do conflito cósmico de Armagedom, que destruirá as nações e os reinos, e que terminará com o triunfo absoluto do Senhor dos Exércitos. Zorobabel, da linhagem eleita de Davi, levava nas veias o sangue que foi transmitido ao seu famoso descendente, o Nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 1.13, Lc 3.24). No dia do Senhor, quando a trombeta do arcanjo soar, Zorobabel, homem de fé e de ação na obra do Senhor, será levantado de entre os mortos. Ele será como "um anel de selar", objeto de inestimável valor. Os reis da antigüidade usavam o anel de selar para autorizar todos os editos e leis promulgados. O anel confirmava a vontade do soberano. Paulo, o apóstolo, afirma que nós somos selados com o Espírito Santo. Como Zorobabel temos a responsabilidade e o privilégio de expressar pelas nossas vidas a vontade do Pai, quanto à extensão do seu Reino aqui na terra. Uma parte daquela vontade concerne o nosso uso dos bens materiais que ele nos confia. Fomos predestinados às boas obras para que as praticássemos. No ocaso do século XX depois de Cristo, como no ano 520 antes dele, Deus busca a cooperação material de cada um. Por quê? "Porque te escolhi, diz o Senhor dos Exércitos" (2.23).

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11. O PROFETA IDEALISTA

ZACARIASO livro de Zacarias é o mais longo e o mais enigmático dos Doze Profetas

menores. Zacarias era contemporâneo de Ageu, e os dois exerceram ministérios complementares em Jerusalém entre os exilados que tinham voltado da Babilônia. Embora tendo o mesmo objetivo de incentivar a restauração do templo depois do exílio, os dois eram. bem diferentes no estilo. Ageu era pragmático, usando palavras diretas e incisivas, como se fosse anglo-saxão. Zacarias era idealista e visionário, dado à eloqüência, servindo-se de uma linguagem imaginativa e poética, igual ao latino-americano. Deus se serviu das duas personalidades distintas, mostrando assim a multiformidade ministerial ao serviço do seu povo. O apóstolo Paulo comenta a mesma situação na igreja: "Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve" (1 Coríntios 12.18).

Dos Doze Profetas menores, Zacarias se destaca pelo estilo apocalíptico, e pelas profecias pormenorizadas a respeito do Messias. Usa um vocabulário riquíssimo, e diversos dos seus termos apocalípticos foram apropriados pelo Apóstolo João no Apocalipse do Novo Testamento; por exemplo: os quatro cavalos, o candelabro de ouro, os sete olhos do Espírito de Deus, e os anjos-intérpretes. O simbolismo e mensagem de Zacarias prenunciam o recado do Apocalipse de João, a saber, que o triunfo do Senhor na terra é absolutamente certo.

Nenhum dos Doze oferece tantas profecias detalhadas sobre o futuro Messias como Zacarias. Prometeu um Messias que seria bom pastor, traído por trinta moedas de prata, rejeitado por Israel; tornar-se-ia fonte para a purificação de pecado, e seria morto pela permissão do Pai, a fim de receber um reino eterno.

Dos Doze, somente Ageu e Zacarias observam a exatidão cronológica de historiadores modernos, mencionando não somente o reinado em que profetizaram, mas também o ano do reinado, o mês, e até o dia do calendário. Desta maneira podemos verificar que Zacarias começou o seu ministério em 520 a.C, entre o tempo da segunda e terceira profecias de Ageu, o seu colega (Ageu 2.1, 10). O ministério dos dois é confirmado em Esdras 5.1, 2. Parece bem provável que Zacarias e o seu avô Ido fossem os sacerdotes exilados que voltaram, mencionados em Neemias 12.16.

Divide-se em duas partes o livro de quatorze capítulos. A primeira (1-8) concerne visões relativas à reconstrução do templo, e a segunda (9-14) concentra-se na esperança da vinda do Messias.

As Duas Primeiras Visões (Cap. 1)A primeira profecia de Zacarias é uma exortação ao arrependimento

muito no estilo de Ageu, e que cabe bem entre as do seu colega. Parece ser uma ampliação e comentário da primeira mensagem de Ageu: "Considerai o vosso passado!" (Ageu 1.5). Zacarias salienta a imutabilidade da Palavra de Deus, que chama todas as gerações ao arrependimento (.1.6). Depois desta palavra inicial confirmando a mensagem central de Ageu, o livro desenvolve uma série de oito visões misteriosas. Foram reveladas exatamente dois meses depois de Ageu entregar o seu último recado divino (1.7). Na primeira visão noturna Zacarias vê quatro cavaleiros montados em cavalos de cores diferentes, que percorrem a terra. Obedecem à vontade do Senhor, dando-lhe notícias da tranqüilidade da terra (1.11). É a opressiva tranqüilidade do

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domínio da terra pelas forças do mal (1.15). O Senhor exercerá a sua soberania no mundo através dos poderosos seres angélicos montados nos cavalos simbólicos, que garantirão as condições necessárias para a reedificação do templo (1.16). Esta visão apocalíptica foi aproveitada por João no Novo Testamento, para enfatizar a mesma mensagem da irresistibilidade da soberana vontade do Senhor (Ap G.2). Os ouvintes de Zacarias entenderiam pela visão que nenhuma nação poderia impedir o plano de construção entregue a um grupo relativamente insignificante de exilados.

Enquanto a primeira visão contempla o futuro imediato, a segunda interpreta o passado. A visão de quatro chifres simboliza os meios militares utilizados por Deus para castigar Israel primeiro, e depois Judá (1.19). Os quatro ferreiros simbolizam os chefes militares que destruíram os impérios ímpios de que Deus se serviu para castigar o seu povo. Destarte, os instrumentos de castigo por sua vez são castigados (1.21). O judeu nunca podia entender como o Deus de Israel podia se servir de nações pagãs e cruéis para punir o seu povo privilegiado. O livro de Habacuque expressa eloqüentemente este dilema. A justiça de um Deus santo se vê no fato de ele castigar finalmente os castigadores do seu povo.

A Terceira Visão (Cap. 2)Na terceira visão Zacarias prevê a hora de reconstrução do templo como

objeto de interesse particular de seres celestiais. Não somente o templo mas a cidade toda de Jerusalém há de ser restaurada (2.2). Um anjo comunica-se com o profeta — não profeta de barba branca, mas com cara de jovem! (2.4) O Senhor se serve de jovens nos seus planos para um mundo melhor. Em sonho Zacarias vê os habitantes de Jerusalém, não mais o grupo inexpressivo de exilados desanimados, mas uma vasta multidão que se espalha seguramente além dos limites da cidade, protegida não pelo muro de pedra, mas pelo fogo protetor da presença divina! (2.5). O Deus da coluna de fogo no deserto sinaítico vive e age em todos os tempos em favor do seu povo amado.

Logo depois da terceira visão, o profeta recebe uma mensagem para os judeus que não quiseram voltar da Babilônia (2.6). Deus se lhes dirige em termos de grande ternura. O povo é "a menina do seu olho" (2.8). Por isso, ele revela de antemão que haverá guerras em toda a região da Babilônia, onde eles se sentem tão seguros e acomoda dos. Os judeus acham arriscada uma volta para Jerusalém ainda em ruínas. Na realidade, o risco maior é ficar no exílio. É sempre melhor ficar dentro da vontade de Deus1 É o único lugar de perfeita segurança. Para convencer o povo desta verdade, Zacarias sobe nas asas dum lirismo poético e enxerga de longe o triunfo final de Deus, com todas as nações submissas a ele, e Judá firmemente estabelecida na "terra santa" (2.12). Esta é a única vez que a Bíblia usa o termo com referência à Palestina. Tamanha revelação das decisões inalteráveis do Senhor deve obrigar o homem, por mais desanimado que seja, a calar-se (2.13).

A Quarta Visão (Cap. 3)Como no Apocalipse de João, na quarta visão Satanás é desmascarado

como o implacável inimigo do homem e de Deus. Aparece no palco Josué, o sumo sacerdote em Jerusalém (3.1). A cena relembra o diálogo entre Deus e Satanás sobre Jó (Jó 2). Josué veste "roupas sujas" (3.3), o que sugere a sua impureza cerimonial. Ageu já tinha convencido o povo de que o culto estava "imundo" enquanto o templo não fosse restaurado (Ageu 2.14). Segundo este argumento, tudo era imundo, inclusive o próprio sumo sacerdote, o homem

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mais chegado a Deus. Mas com a recente decisão do povo de reedificar o templo, tudo está mudado, e Deus apresenta o seu servo Josué ao diabo como limpo, desde a cabeça até os pés (3.5). Que alegria indescritível quando o homem pecador é declarado puro e justo perante Deus, mercê da obra e sacrifício de Jesus Cristo' Satanás silencia quando Deus declara: "Sois justificados pela fé! " (Romanos 5.1).

Num trecho altamente simbólico e misterioso, Josué recebe a promessa de um sumo sacerdote maior do que ele, "o Renovo", que levará o mesmo nome de Josué. O nome Jesus é a forma grega do hebraico Josué. Este tirará a iniqüidade da terra num só dia. Eis porque o anjo que falou com José em Nazaré, antes de Cristo nascer, lhe disse: "E lhe porás o nome de Jesus (Josué), porque ele salvará o seu povo dos pecados deles." (Mt 1.21).

No dia em que Jesus morreu na cruz, dia mil vezes abençoado, ele carregou os nossos pecados, trazendo-nos a paz com Deus. O profeta Zacarias descreve esta paz em termos simbólicos. Usa a ilustração convencional do morador que descansa debaixo da vide, ou debaixo da figueira (3.10).

A Quinta Visão (Cap. 4)Como no Apocalipse de João, as visões de Zacarias são interpretadas por

anjos. Na quinta visão o vidente contempla um candelabro de ouro com sete lâmpadas, comparável àquele visto em Patmos por João (Ap 1.12). Desde o tabernáculo no deserto, o candelabro era símbolo da luz do testemunho do povo de Deus. Até hoje é símbolo usado pelo novo estado de Israel. Sem a restauração do templo, não haveria lugar para o candelabro que, segundo a lei, deveria ser móvel permanente no lugar santo (ÊX 25). Para restaurar-se a ordem bíblica do culto, o candelabro seria indispensável. As duas oliveiras, vistas na visão como fornecedoras de azeite para o candelabro, representam os dois paladins que lideram o povo, Zorobabel o governador, e Josué o sumo sacerdote (4.14).

A Sexta e Sétima Visões (Cap. 5)O vidente inspirado percebe a sexta visão na forma dum rolo voante.

Desenrolado no céu como tapete, o seu tamanho enorme de cinco metros por dez permite a leitura fácil do texto nele inscrito. As dimensões correspondem às do pórtico do templo, onde a lei devia ser lida ao povo! Como cartaz publicitário aéreo, o rolo flutua no ar. De um lado do rolo está escrita a lei contra o roubo, e do outro a lei contra o juramento falso (5.3). Quem jura falsamente pelo nome do Senhor peca contra o terceiro mandamento do decálogo. Quem rouba quebra o oitavo mandamento (Êx 20.7, 15). Ora, o povo de Deus tinha jurado a Zorobabel que completaria a reconstrução do templo do Senhor. Se não o fizesse, quebraria estes dois mandamentos, mentindo ao Senhor, e roubando os fundos que deveriam ser consagrados àquele fim. A visão termina com o rolo destruindo todas as casas dos culpados (5.4).

Talvez a mais enigmática de todas as visões de Zacarias seja a sétima, em que ele enxerga uma mulher dentro de um cesto, do volume de um efa, com tampa de chumbo (5.7). O anjo-intérprete explica a Zacarias que o cesto ou efa simboliza a iniqüidade (5.6/), e que a mulher personifica a impiedade. Quase todas as religiões pagãs da antigüidade adoravam divindades fêmeas, como Astarté, Diana, e Isis. O verdadeiro Deus é o Pai dos céus. Os judeus sempre eram arrastados ao culto à encantadora deusa pelas nações pagas. Na visão do vidente, a mulher sedutora é levada no cesto para Sinear, onde uma casa será edificada para ela. Sinear é o nome de toda a região da

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Mesopotâmia, berço das religiões antiquíssimas. O culto à divindade fêmea pertence somente aos desconhecedores do verdadeiro Deus e Pai. O culto a ela tem que ser banido, uma vez para sempre, do arraial do povo de Deus. Adeus, lemanjá! Adeus, Filomena! "Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto" (Mt 4.10). Assim falou o divino Mestre, nosso Salvador, ao diabo, inventor de toda religião falsa.

A Oitava Visão e o Renovo (Cap. 6)Na oitava e última visão aparecem quatro carros puxados por quatro

cavalos. A primeira visão era de quatro cavalos, sem carros, voltando de uma missão, como patrulha divina. Nesta última visão, os outros quatro cavalos, equipados com carros de guerra, saem para uma nova missão. Partem para os quatro pontos cardeais, assim dominando toda a terra. O anjo-intérprete explica que cumprem a soberana vontade de Deus na terra. Por trás dos acontecimentos políticos, vê-se a segura mão divina controlando tudo. O Senhor dos Exércitos reina desde Sião! O comentário Tyndale sugere que os dois montes de bronze, dentre os quais saem os carros, representam as duas colunas de bronze no templo (1 Reis 7.13-22).5 Os planos de Deus no mundo inteiro estavam ligados intimamente com o projeto de reconstrução do testemunho visível do templo. Como nos dias de Zacarias, também no século XX, Jerusalém é a mola mestra da situação política mundial. A vontade de Deus se impõe irresistivelmente! Os seus "cavalos" são "ventos" (6.5) ou espíritos. João se serve do mesmo simbolismo no Apocalipse (7.1).

Segue-se uma mensagem profética a respeito de Josué, o sumo sacerdote, para quem se deve fabricar uma coroa de ouro e prata, fornecidos por um novo grupo de abastados exilados voltando (6.10, 11). Num sentido restrito, Josué merece o nome de "o Renovo" (6.12), pela liderança dada na edificação do templo. Como tantas profecias, esta tem um sentido duplo, e é fácil reconhecer nela a dimensão messiânica. Jesus é o nosso Sumo Sacerdote, coroado de honra e glória, que é também rei assentado no trono dos céus (Hb 8.1).

Tradição Só, Não Tem Valor (Cap. 7)Passam-se dois anos, durante os quais a obra de reconstrução

prosseguiu. É de se supor que o culto cerimonial e os sacrifícios eram celebrados como antes do exílio. Praticava-se também o jejum. A data da queda de Jerusalém era celebrada com muita solenidade e pranto durante os anos do exílio. Com a rápida restauração do templo, o povo quer saber se a prática ainda é necessária. Observa-o como tradição de grande significação histórica, mas agora que o templo se ergue dos escombros, e os cultos são celebrados segunda reza a lei, o povo indaga quanto à sua necessidade. O povo jejua por tradição. Vem a resposta pela boca de Zacarias que o jejum, como tradição só, não tem valor. O Senhor não gosta, nem quer, o culto praticado apenas por dever. As vezes, em nossas igrejas, mantemos as atividades por rotina, e ninguém ousa perguntar se o SENHOR as quer. Muitas atividades continuam por tradição só. Fazem parte do programa evangélico. Uma igreja precisa da coragem para avaliar o seu programa, indagando qual é a vontade do Senhor. É patente que o culto praticado só por rotina não tem muito valor aos olhos do Senhor.

Em seguida, Zacarias prega uma mensagem simples e clara sobre os 5 J. Baldwin, Tyndale O. T. Commentary.

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pecados sociais de Israel. Ele ecoa as mensagens de Amós e Oséias. O Senhor dos Exércitos, que levanta e destrói nações e impérios, exige do seu povo a justiça social, e a prática do bem (7.9). A exploração dos indefesos na sociedade é citada como a razão principal por que Deus mandou o turbilhão da invasão da terra santa, e o conseguinte exílio (7.14). Nunca se deve separar a mensagem espiritual da social: são as duas faces da mesma medalha.

A Restauração de Sião (Cap. 8)A primeira parte do livro termina com este capítulo. Nele Zacarias

reafirma a imprescindibilidade dos planos de Deus. Apesar dos pesares, Sião, outrora rebelde, se tornará a cidade fiel, o monte do Senhor dos Exércitos, monte santo (8.3). Nela haverá velhos se alegrando, e jovens brincando (8. 4,5). Por mais incrível que parecesse aos poucos exilados já de volta, Jerusalém tornar-se-ia o centro mundial. O testemunho visível do templo reconstruído seria essencial ao cumprimento do plano, e por isso o Senhor declarou aos habitantes: "Sejam fortes'" (8.9). São prometidas colheitas abundantes para um povo obediente que responde ao desafio de construir. E o povo, em vez de ser comentado como exemplo de maldição pelas outras nações, será o caso clássico de uma nação abençoada (8.13).

O capítulo termina com a esperança da supremacia de Israel entre as nações, sob o Messias. Como os judeus daquela época, nós também esperamos a restauração de todas as coisas, e "ordem e progresso" perfeitos, alcançáveis somente com a vinda de Cristo, o Senhor, em poder e glória. Zacarias aguardava o dia em que muitos povos e poderosas nações se uniriam para buscar o Senhor (8.23). Esta esperança de um mundo perfeito, governado pelo Messias, se encontra em quase todos os profetas. O último livro do Novo Testamento, o Apocalipse, relata o mesmo triunfo aqui na terra de Jesus Cristo, nosso Senhor, Senhor da Igreja de todos os tempos, e Senhor deste mundo.

O Rei Vitorioso Virá (Cap. 9)A segunda parte do livro (capítulos 9 a 14) é tão diferente no estilo da

primeira (1-8), que muitos comentaristas consideram que o autor tenha sido um outro e não Zacarias, cujo nome não se encontra nestes últimos capítulos. Não há mais menção da restauração do templo, tema principal da primeira parte. Não há mais visões, nem anjos, nem poesia apocalíptica. A ênfase da segunda parte é messiânica, com a esperança de um reino eterno. Merece menção a citação de Zacarias 11.12 pelo evangelista Mateus, que atribui a profecia a Jeremias e não a Zacarias (Mt 27.9). (Alguns estudiosos concluem que Jeremias foi o autor dos capítulos 9 a 14). Esta hipótese é atraente, pois elimina uma aparente contradição nas Escrituras. Outros propõem dois autores, um de 9 a 11, e outro de 12 a 14. O comentarista conservador, Prof. H. L. Ellison,6 apóia esta opinião. Os eruditos não chegaram a uma conclusão unânime quanto à autoria do livro. Este fato não detrai em nada a sua inspiração pelo Santo Espírito.

O capítulo 9 delata as nações vizinhas por suas abominações. Os sobreviventes do horrendo castigo divino serão integrados em Judá (9.7). Deus defenderá a sua casa, a casa que ele abandonou por causa do pecado dos crentes (9.8).

A profecia inspirada ultrapassa em tempo o período do vidente, que vê em espírito o Messias prometido como rei vitorioso, humildemente andando 6 Men spake from God (Paternoster), p. 124.

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num jumentinho! (9.9). Cumpriu-se ao pé-da-letra esta profecia com a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (Mt 27.9). O profeta promete que este rei anunciará a paz às nações, e terá domínio de mar a mar (9.10). Como era natural, o povo no tempo de Jesus ficou desiludido quando ele não cumpriu a segunda parte da profecia, subindo logo no trono, em lugar de Pilatos! Com lirismo poético, o profeta é levado a anunciar o triunfo final de Deus na história humana, quando os remidos serão como as "pedras na sua coroa" (9.16).

A Bênção do Senhor (Cap. 10)O Senhor de Israel é Senhor não somente da História, mas também da

natureza. Ele controla as chuvas. O profeta atribui as secas à idolatria e ao espiritismo entre o povo. Que mensagem relevante para o Nordeste do Brasil! O Deus vivo contempla a mistura de crendice supersticiosa, de promessas aos santos, de romaria venerando o Padre Cícero ou Nossa Senhora de Aparecida, de umbanda, de espiritismo segundo Allan Kardek, e retém a sua bênção, porque ele aborrece essas mentiras enganosas. O povo de hoje, como no tempo dos profetas, segue líderes que são "bodes guias" (10.3). Como é bom poder dizer: "O SENHOR é o meu pastor!" (Sl 23.1). Ele é a "pedra angular" prometida (10.4).

O Deus de Israel que espalhou o seu povo entre as nações promete reuni-lo novamente (10.10). Hoje, no século XX, o judeu, peregrino durante muitos séculos, lê trechos como este com esperança. Os que escaparam do holocausto nazista sentem que a sua sobrevivência e entrada no Israel moderno faz parte do cumprimento de profecias antigas como esta.

O Bom Pastor (Cap. 11)Este capítulo começa com um curto poema lírico, pintando o quadro da

destruição dos tiranos. Os poderosos reis são comparados aos enormes cedros do Líbano. Quando o gigantesco cedro cai, o pequeno cipreste teme! (11.2). Deus já destruiu os imperadores "invencíveis". É hora para os reis inferiores da circunvizinhança reconhecerem o Senhorio do Deus de Judá.

Segue-se uma parábola do bom pastor. Na época do Velho Testamento, um rei era chamado "pastor" da nação. Este é o sentido do versículo 3. Não obstante várias teorias, a referência aos três "pastores" no versículo 8 resiste a todas as tentativas de identificá-los. O profeta sonha com um pastor realmente bom, um rei que ame a justiça social, que se oponha à hipocrisia do v. 5, que proíba a exploração do pobre. Seria com certeza odiado por aqueles que vivem e prosperam pela injustiça e a opressão do indefeso! Quando o Bom Pastor, o verdadeiro Rei, chegar, ele será vendido pelo "magnífico preço" de trinta moedas de prata. De fato, quando Jesus Cristo compareceu, ele foi odiado pela sua incorruptibilidade transparente, e a sua ferrenha oposição à hipocrisia e corrupção dos líderes em Israel. Foi traído conforme esta profecia escrita séculos antes (11.13). A profecia inclui até o detalhe minucioso da compra de um campo de oleiro com o dinheiro maldito da traição (Mt 27.7). Com a morte de Jesus, Deus anulou a sua velha aliança de graça com Israel (11.10), e Israel perdeu a magnífica oportunidade de recuperar a sua união nacional sob a direção do Messias (11.14).

Ao fim da parábola sobre o bom pastor, o profeta recebe a instrução do Senhor de se apresentar com um "pastor insensato", que não cuida das ovelhas. Este pastor inútil representa um rei qualquer. Houve muitos reis que não cuidaram dos interesses do povo de Israel! Se, porém, Jeremias é realmente o autor desta segunda parte do livro, a referência bem podia aplicar-

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se ao rei apóstata, Zedequias, último rei de Israel. Este abandonou o seu povo cercado em Jerusalém, e tentou fugir miseravelmente (2 Reis 25.4). Capturado logo pelo exército babilônico, este lhe vazou os olhos, atando-o com duas cadeias de bronze. A sua condição trágica corresponde perfeitamente à palavra do profeta: "A espada lhe cairá sobre o braço e sobre o olho direito; o braço completamente se lhe secará, e o olho direito de tudo se escurecerá" (11.17).

A Salvação de Jerusalém (Cap. 12)O grande tema dos capítulos 12 a 14 é a salvação e libertação final de

Jerusalém, pelo estabelecimento do reino do Messias. O Senhor há de intervir na situação política mundial para cumpri-lo. Num trecho apocalíptico, o vidente descreve o cerco de Jerusalém por todos os povos do mundo. Esta profecia não pode aludir à destruição posterior de Jerusalém em 70 d.C, pelo general romano Tito, pois naquela guerra outras nações não foram envolvidas. Por esta razão conclui-se que o trecho descreve a última batalha para Jerusalém, a de Armagedom. Os atacantes serão feridos de cegueira, o que relembra as conseqüências do uso de gases venenosos na Primeira Guerra Mundial. A minoria insignificante de defensores de Jerusalém triunfará sobre a vasta multidão dos exércitos das nações unidas contra a cidade santa (12.8, 9). Um com Deus sempre constitui uma maioria!

A esta altura, os judeus reconhecerão que Jesus Cristo era de fato o Senhor, o Messias prometido, e se arrependerão, e chorarão amargamente (12.10). Perceberão finalmente quem foi o unigênito traspassado por eles.

O Ferimento do Bom Pastor (Cap. 13)Com o arrependimento do povo, manifesta-se a Judá a fonte para

remover o pecado (13.1). Jesus Cristo, o Messias, pelo seu sangue derramado na cruz, abriu uma fonte inesgotável de misericórdia e de graça. Com a sua segunda vinda em glória, não haverá mais idolatria, nem falsa profecia. Todo falso profeta esconderá a sua identidade, por vergonha (13.4). As feridas mencionadas no v. 6, longe de ser alusão às feridas de Cristo, referem-se às dum falso profeta.

Aparece agora no palco o profeta fiel, o pastor verdadeiro de Judá. Voltando em tempo, o vidente vê o Messias como o Bom Pastor ferido por nossos pecados. O Pai permite que o seu Filho "companheiro" morra em nosso lugar (13.7). Com a sua morte, as ovelhas ficam dispersas. Mateus cita este versículo como exemplo de uma profecia cabalmente cumprida (Mt 26.31). A rejeição do Messias acarreta o extermínio de grande número de judeus (13.6). De fato, desde a morte de Cristo, o judeu tem sido alvo de inúmeras perseguições, de pogroms, e de holocaustos, tendo a sua culminação no extermínio de seis milhões na Segunda Guerra Mundial. No entanto. Deus promete que sobreviverá um restante de judeus, crentes no Senhor (13.9).

O Dia do Senhor (Cap. 14)O último capítulo deste livro fascinante corresponde aos últimos capítulos

do Apocalipse de João, onde o triunfo final do Senhor é assegurado. Chega-se aqui ao clímax do Armagedom, quando a vitória das forças do mal parece estar certa, e Jerusalém estará tomada. No momento da derrota, aparece o Senhor no Monte das Oliveiras (de onde ele subiu depois da sua ressurreição, Atos 1.12). Ocorre um terremoto, aplainando a região circunvizinha, abrindo um caminho de escape para os sitiados (14.5). O terremoto afeta o clima, e a

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retração da luz do sol. Um rio jorra de Jerusalém, dividindo-se para o Mediterrâneo a oeste, e para o Mar Norte a leste. Já é fato conhecido que há um rio subterrâneo embaixo da cidade de Jerusalém.

A profecia termina exaltando o Senhor que reina sem rivais (14.9). Todas as nações servem ao Senhor, e os rebeldes são visitados com o castigo mais horrível imaginável (14.12). As riquezas das nações inimigas são apropriadas por Judá (14.12). Segue-se a paz mundial, e todas as nações sobem para adorar ao Senhor. As que não participam sofrem na forma de não receberem chuva nas suas terras (14.18). A cena de paz e de santidade é pintada em termos de idealismo poético. Os cavalos, outrora de guerra, são enfeitados com campainhas gravadas com o lema: Santo ao Senhor (14.20). Até as bacias e panelas de uso doméstico são enobrecidas com o mesmo lema. Não haverá mais religião comercializada: "Não haverá mercador na casa do Senhor" (14.21).

Com razão, São Jerônimo achou "obscuríssimo" este livro profético.7 Seria presunção de nossa parte pontificar sobre o sentido real de todas as profecias e sonhos nele contidos. É um livro misterioso. As maiores inteligências evangélicas concordam com isto. Agora vemos como em espelho, obscuramente; então veremos face a face; agora conhecemos em parte, então conheceremos como também somos conhecidos (1 Co 13.12). O Espírito Santo inspirou o livro, e pode abrir a nossa inteligência para desemaranhar algo de valor nele, mesmo no século XX. Se nele podemos ver com maior clareza a glória refulgente de Jesus Cristo, e os pormenores da sua vida, de sua morte, e de sua ressurreição, vaticinados séculos antes, a leitura do livro não será vã. E se reconhecermos nele os sinais da sua segunda vinda como SENHOR de todo ser, e de todo o universo, estaremos melhor preparados para arregaçar as mangas, a fim de trabalhar com o zelo de Zacarias e Ageu, no serviço privilegiadíssimo do Reino de Deus.

12. O ÚLTIMO PORTA-VOZ DO MESSIAS

MALAQUIASNos dias de Malaquias, a volta dos judeus da Babilônia já era fato

histórico do tempo dos avós. Os octogenários ainda se lembravam com emoção da dedicação do templo reconstruído, e os poucos centenários contavam a história inolvidável da volta à cidade arruinada. A história épica da chegada dos judeus em Jerusalém em 537 a.C, onde o famoso templo de Salomão jazia em escombros, desde o seu saque impiedoso em 587 a.C. pelas forças babilônicas, estava escrita indelevelmente na memória do povo de Israel. Os avós não cansavam de narrar para os netos como eles arregaçaram as mangas e começaram a reconstruir a cidade santa e o santuário de Deus, não obstante a hostilidade aberta dos seus inimigos. Com a ajuda do Senhor, a obra foi levada a cabo depois de esforços ingentes, e o povo heróico, com lágrimas nas faces, contemplou a beleza fulgurante do segundo templo, o de Zorobabel. Completou-se em 516 a.C, exatamente 70 anos depois da destruição do primeiro, conforme a palavra do Senhor.

A volta foi acompanhada por uma renovação espiritual de notável vigor. Os sacerdotes pregavam a necessidade imperiosa de uma vida santificada. A leitura pública da Palavra de Deus durante horas inteiras tornou-se popular. 7 P. Lamarche, Zacharie (Gabalda, Paris, 1961):

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Nunca mais seria o povo de Israel réu da idolatria. A justiça prevalecia e todos trabalhavam para a causa com espírito abnegado.

No entanto, com a passagem do tempo, o fervor da renovação se perdeu, e o elevado padrão moral cessou de dominar a maioria. Sessenta anos depois da dedicação do segundo templo, a terceira geração de crentes se acomodara às práticas religiosas, sem se importar tanto para a vida interior. As lutas do passado eram lembradas principalmente pelos avós. A nova geração de netos via as coisas sob um novo prisma. Tendo o templo restaurado, e os cultos estabelecidos normalmente, que mais precisavam fazer?

Entre os mais antigos sempre se falava da vinda do Messias, que iria garantir a supremacia indisputa dos judeus permanentemente. Mas a sua vinda demorava. E com a demora, o fervor religioso da nova geração decrescia. Não é que os cultos não fossem freqüentados. Tudo corria com um programa bem elaborado, segundo reza a lei. E que o povo não praticava mais a religião pessoal com tanto afã. Por conseguinte, os alicerces do lar começaram a ruir. O divórcio estava se tornando mais comum entre o povo da aliança. Tornou-se socialmente aceitável no arraial dos crentes um segundo casamento com uma das belas mulheres estrangeiras que não seguiam ao Senhor. Os avós achavam que tudo estava muito mudado desde os grandes dias de Daniel, de Ezequiel, e dos demais gigantes da fé.

Nessa época de fé acomodatícia, e de valores tradicionais questionados, vivia Malaquias, o último dos profetas do Velho Testamento. O seu nome significa em hebraico "Meu Mensageiro". O nome não ocorre em nenhum outro livro da Bíblia, somente neste que leva o seu nome. É bem possível que seja um pseudônimo, como opinam São Jerônimo, Calvino e outros.

O leitor nota com facilidade o estilo indutivo do autor. O livro de quatro capítulos contém nada menos que 27 perguntas. Em diversos trechos do livro, Deus fala diretamente com Israel na primeira pessoa, num diálogo profundamente pessoal. Malaquias enfatiza a aliança sagrada entre Deus e o seu povo. Nove vezes ele menciona o nome sacrossanto de Deus.

O povo que voltou do exílio babilônico esperava a prosperidade material como recompensa pela sua obediência em voltar. Isso não ocorreu, e por conseguinte muitos sentiram que a busca de Deus era perda de tempo (3.14). Malaquias se dirigiu a este e a outros problemas espirituais. Depois da sua mensagem, seguiu-se um silêncio de quatro séculos, no período chamado intertestamentário. Por mais de 400 anos o povo de Israel esperou o cumprimento do recado profético de Malaquias. Aconteceram as horrendas guerras dos Macabeus, mas o Messias não surgiu da famosa família Macabeu. Rompeu-se o silêncio com João Batista, com a voz daquele que clamou no deserto: "Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas" (Mt 3.3). Malaquias previu a vinda do precursor, a quem aplicou o sugestivo título do livro: "Meu Mensageiro".

O Amor do Senhor (Cap. 1)Malaquias proferiu sua mensagem aos seus contemporâneos no estilo

tradicional dos grandes profetas do passado. Era profecia contra Israel! (1.1). Israel, apesar de tanto sofrer no exílio, não aprendera a lição espiritual. A desobediência a Deus acarreta infalivelmente o sofrimento e o juízo divino. Mesmo assim, Malaquias reafirmou logo de início que Deus ama o seu povo. "Eu vos tenho amado", diz o Senhor. Isto, sim, é uma boa nova em todos os séculos: apesar dos pesares, Deus nos ama. Quão trágico é quando o povo eleito nutre dúvidas quanto a esse amor infinito! "Em que nos tem amado?",

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inquiriu Israel. Como se não bastasse Deus tê-lo libertado da escravidão da Babilônia, Israel ficou insatisfeito, desejando uma prosperidade maior. Deus devia dar muito mais! Assim raciocinava a terceira geração de crentes. Davam mais valor às coisas materiais, negligenciando as espirituais.

A escolha de Deus se entende nestes termos. Esaú, o primogênito, foi rejeitado, e Jacó aceito. Deus indaga: "Não foi Esaú irmão de Jacó? Todavia, amei a Jacó" (1.2). Toda a história subseqüente da descendência de Esaú se explica pelo sistema de valores dele. No palco deste mundo, a vida humana interpreta os princípios fundamentais da Bíblia, os quais a história das nações corrobora. Edom (1.4), terra dos descendentes de Esaú, nunca poderia inverter as conseqüências dos princípios estabelecidos pelo eterno Deus.

Israel achou muito certo o julgamento de Edom, por ter se unido à Babilônia contra Israel, no tempo da queda de Jerusalém. O povo achava certo que Deus julgasse Edom conforme os seus estatutos inquebráveis, mas não se conformava com a idéia de que seria justo o julgamento de Israel pelas mesmas leis. E sempre mais cômodo apelar para o juízo divino contra "os pecadores": os corruptos, os tubarões, os lascivos, mas nunca contra nós! O mesmo Deus que julgará o mundo, também chamará a igreja ao tribunal de Cristo (Rm 14.12). São poucas as pregações baseadas em 1 Coríntios 3.15! O povo de Deus não quer saber do julgamento do Senhor para si, só para os outros. Todo verdadeiro profeta adverte o povo de Deus, tanto como "os pecadores", que seremos todos julgados.

Em Israel, todo o mundo sabia repetir de cor os dez mandamentos. O primeiro mandamento com promessa é o quinto: "Honra a teu pai e a tua mãe". Através do seu servo Malaquias Deus se queixou dos dirigentes do povo que se diziam ser "os filhos de Deus". Se Deus era de fato o pai deles, como se explicava a triste verdade que eles não lhe davam a honra que merecia? Os filhos de Deus não estavam dando honra ao Pai do céu! (1.6). Fingindo inocência, lhe replicaram: "Em que desprezamos nós o teu nome?" Neste diálogo com o Senhor, Deus apontou para o tipo de animal que eles lhe ofereciam como sacrifício. Animais coxos e enfermos eram trazidos, que eles nunca ousariam oferecer ao digníssimo governador do estado de Israel. Vinham assim indignamente à mesa do Senhor (1.7). No Novo Testamento, Paulo indica o mesmo perigo: "Examine-se pois o homem a si mesmo e assim coma do pão e beba do cálice; pois quem come e bebe, sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si (1 Co 11.28, 29). Em todas as épocas existe o perigo de pecar contra o Senhor pela maneira como o cultuamos. Não é verdade que em geral há muita irreverência, muita superficialidade e até leviandade nos cultos mais solenes? A Igreja de hoje se assemelha ao povo de Israel nisso, que em bom número de casos está disposta a adotar atitudes de mais respeito e honra para com a presença de chefes políticos do que para a celebração da santa ceia do nosso Senhor Jesus Cristo. Com franqueza perturbadora, Deus declarou a Israel: "Eu não tenho prazer em vós" (1.10).

A falta de reverência em Israel levou o Senhor a afirmar que Seu nome é grande entre as nações (1.11). Se Israel não satisfizer o coração do seu Deus, ele chamará os desprezados pagãos, os gentios, para que o honrem. Mais uma vez, a promessa da entrada dos gentios no plano da salvação é revelada. Os planos divinos não admitem a menor possibilidade de fracasso. Se Israel falhar na sua missão, então Deus levantará os gentios para cumprir a sua invencível vontade. E se uma igreja qualquer não cumprir a vontade dele, ele suscitará outra para fazê-la.

É evidente que nos dias de Malaquias os netos dos crentes que saíram da

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escravidão babilônica eram de outra laia. Os avós ainda choravam de gratidão, lembrando os primeiros cultos maravilhosos, e os grandes sacrifícios oferecidos em Jerusalém, reerguida dos escombros. Era uma salvação tão grande! Mas, agora, os netos, acomodados, achavam os cultos enfadonhos. Não agüentavam as pregações que os velhos apreciavam tanto. Bocejavam no culto, anelando o fim, resmungando: "Que canseira!" (1.13) Discordavam altaneiramente com muita coisa, e davam muxoxos de desaprovação. "E me lançais muxoxos, diz o Senhor dos Exércitos". Nas ofertas, o que se dava não representava o melhor. Dava-se um pouco, do que a gente não sentia falta. Que contraste com o sacrifício desmedido dos avós, que tudo deram para reconstruir o testemunho! E possível contribuir para a obra do Senhor e ser enganador! Quando a cédula de Cr$ 500,00 é da mesma cor da de Cr$ 5.000,00 é fácil ... E Deus diz: "Maldito seja o enganador" (1.14). Ananias e Safira aprenderam esta verdade séculos depois de Malaquias. Pois Deus é um grande Rei! É o Senhor dos exércitos. E seu nome é terrível.

Os Líderes Reprovados (Cap. 2)O exílio de 70 longos anos foi o cumprimento da palavra de Deus. Já no

tempo de Moisés, uns 700 anos antes. Deus tinha estabelecido o princípio de que a obediência traz a bênção divina, enquanto que a desobediência acarreta a maldição (Dt 28. 2, 15). A lei adverte especificamente a respeito do exílio: "O Senhor vos espalhará entre todos os povos" (Dt 28.64). Na Babilônia, cumpriu-se ao pé-da-letra essa profecia severa. Menos de cem anos depois da volta do exílio, Deus é obrigado a advertir o seu povo novamente sobre a maldição (2.2). Era necessário que o povo de Israel aprendesse a verdade que ele poderia perder a sua bênção pela segunda vez. Achavam que o mais importante era o culto, mas Deus, como sempre, se preocupava com o coração.

Deus se lembrou dos sacerdotes do passado que eram homens de Deus com quem ele mantinha uma aliança de vida e de paz (2.5). Eles ensinavam a verdade, e suas vidas eram retas. Mas a nova geração de líderes espirituais não era tão consagrada. Tinham se desviado do caminho (2.8). Em nossos dias também não é tão incomum o triste espetáculo de líderes cujas vidas não correspondem mais às elevadas normas evangélicas. Pastores e missionários desviados violam a aliança, e fazem tropeçar a muitos (2.8). Todo servo do Senhor deve ser realmente "Mensageiro do Senhor" (2.7), como foi o último profeta do Velho Testamento.

Deus queixou-se contra a parcialidade dos seus pastores na aplicação da lei (2.9). Certa vez eu fui cientificado de um caso de adultério cometido por um crente de uma igreja no sertão. Quando falei com o pastor a respeito, este não quis fazer nada. Como desculpa disse que diversos oficiais da igreja estavam na mesma situação, e se agisse contra eles, iria perdê-los! ... Deus declara ser desprezível e indigna tal parcialidade.

Depois de falar aos líderes espirituais, o Senhor se dirigiu ao povo. O abandono do cônjuge estava ameaçando o desmoronamento do lar em Israel. Malaquias continuou apresentando perguntas retóricas. Se Deus é realmente Pai e Criador, então, como filhos e criaturas dele numa relação vertical, os israelitas deviam mostrar lealdade uns para com os outros, na relação horizontal. O profeta antecipou-se ao apóstolo João, que escreveu o seguinte: "Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso " (1 João 4.20). A infidelidade marital profana a aliança com Deus (2.10). Os crentes em Israel estavam abandonando as esposas, e contratando o segundo matrimônio

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com mulheres não convertidas, "adoradoras de deuses estranhos". O casamento misto entre crente e descrente ocasionara a eliminação da congregação (2.12). Nisto Malaquias confirmou a disciplina praticada por seu contemporâneo Neemias (Ne 13. 23-26), e ensinada mais tarde pelo apóstolo Paulo em 2 Coríntios 6.14: "Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos". Os judeus choravam e gemiam no culto (2.13), mas "o chorar não salva". Deus quer a obediência da fé. A verdade nua e crua é que a Bíblia não permite o divórcio para o seu povo. Num casamento, a testemunha principal é o próprio Senhor (2.14). São feitos os votos no seu santo nome. Por isso, o divórcio é perjúrio abominável. Malaquias apelou para "o bom senso" do leitor (2.15). São inúmeros os exemplos de sofrimento e de infelicidade causados pelo divórcio. As principais vítimas são os filhos. Nos Estados Unidos o divórcio já atingiu 50% dos casamentos na Califórnia. Torna-se cada vez mais comum encontrar pessoas divorciadas nas igrejas norte-americanas. No Brasil a lei do divórcio está aí. Por isso, é preciso escrever em manchetes a palavra de Malaquias 2.16: DEUS ODEIA O DIVORCIO. Em palavras figuradas, o profeta fala do divórcio como ato de violência. De fato, toda vítima do divórcio é violentada psicologicamente. Os golpes psicológicos precedem à separação física. Eis porque a Bíblia repete a solene exortação: "não sejais infiéis" (2.16).

O Juízo do Senhor (Cap. 3)A religião vã, de palavras vazias, e divorciada da moral, desafia o Senhor

Deus do juízo (2.17). Os judeus, voltados do exílio, esperavam o Messias como "Deus do juízo", que iria julgar as nações opressoras.

Antes da vinda do Senhor chegaria o "meu mensageiro" (no hebraico, Malaquias), e aqui há uma profecia que se refere a João Batista. O "anjo da aliança" se refere a Cristo. Os judeus sempre achavam que o Messias estaria do seu lado contra os inimigos pagãos. Na realidade sua vinda se tornaria insuportável para Israel, devido à desobediência deste. Malaquias prometeu um Messias que seria o refinador do seu povo (3.2). A igreja pode cair no mesmo erro, quanto à segunda vinda de Cristo. O Dia do Senhor anunciará o julgamento da igreja. A igreja, como Israel do passado, é responsável pela sua mordomia e dará contas ao Senhor no dia da vinda dele. Compete-nos no século XX dar ouvidos à pergunta de Malaquias: "Quem pode suportar o dia da sua vinda?"

Embora praticando a sua religião escrupulosamente, os judeus não tinham um testemunho coerente. O Senhor tinha que condenar diversos pecados no seio do seu povo. O espiritismo atraía alguns. O adultério era tolerado. Contratos eram quebrados. O salário mínimo não era pago. A obra social era negligenciada. Os estrangeiros eram explorados. E tudo isto pela simples razão que o povo de Deus não temia o Senhor. Ainda hoje o horóscopo, a zona, a exploração econômica, a mentira e o racismo minam o testemunho dos "filhos de Deus" que não temem o Juiz do mundo, que não muda (3.6). Tal pai, qual filho, os novos crentes estavam andando na devassidão. Negligenciavam a leitura da Palavra de Deus que contém os seus estatutos. Pecavam contra o Senhor mais ainda nisto, que estavam roubando-o (3.8). Segundo a lei de Moisés, o judeu devia dar o dízimo dos seus bens como oferta principal, e depois as ofertas voluntárias. O não dar o dízimo é roubo, pois pertence ao Senhor. Nunca pertencia àquele que ganha o salário. O homem não dá o dízimo. Ele o devolve. E mordomia. Para o judeu, toda transgressão da lei trazia uma maldição. Por ser o dízimo parte da lei, quem não entregava o dízimo caía automaticamente na maldição: "Com maldição sois amaldiçoados"

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(3.9).O propósito de Deus é patente. Ele estabeleceu o dízimo como meio de

cooperação com o homem, pelo qual ele pudesse abençoá-lo. Todo dizimista testifica o fato de que Deus é fiel. Quantas histórias comoventes provam a maravilhosa verdade que Deus, ainda hoje, abre as janelas do céu, e derrama bênçãos sem medida sobre aqueles que são fiéis na sua mordomia, dando 10% para a obra do Senhor!

Ao mesmo tempo, é importante lembrar que a lei do dízimo se aplicava a um povo terrestre do Senhor, e bênçãos terrestres lhe eram garantidas. A igreja é povo celeste, e as nossas bênçãos são principalmente celestiais (Ef 1.3). A prosperidade material não é garantida ao crente. A suficiência, sim. Paulo recomendou: "tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes" (1 Timóteo 6.8). Na sociedade de consumo, estamos realmente longe daquele contentamento apostólico. Deus abençoa materialmente conforme a situação e a necessidade de cada um de seus servos. O que é "suficiência" varia muito. Se Deus precisa de alguém em Copacabana, para evangelizar os cariocas, o "suficiente para este servo talvez seja bem diferente do de um evangelista em Xique Xique, alcançando o pessoal do Rio São Francisco.

Nunca se deve pensar no dízimo como uma apólice que assegura a prosperidade material. Não é "investimento". Muitos dizimistas fiéis têm sido chamados pelo Senhor a viver com menos recursos, e não mais. Foi precisamente a atitude materialista que Malaquias condenou nos judeus que diziam: "É inútil servir a Deus, Que nos aproveitou (isto é, materialmente) termos cuidado em guardar os seus preceitos?" (3.14). A religião dos judeus era um negócio: "quem pagasse o dízimo deveria ter um lucro maior nos negócios! " Como mencionado acima, não se dá o dízimo, pois o dízimo do salário nunca foi nosso; muito menos ele não se paga". O dízimo pertence sempre ao Senhor. Devolve-se o dízimo ao seu legítimo dono. Por esta razão, Deus não tem obrigação nenhuma de nos recompensar com bênçãos materiais por sermos honestos com a propriedade dele, a não ser a obrigação de cumprir a sua promessa graciosa.

Os contemporâneos de Malaquias queixavam-se do fato de que os descrentes, nada dando ao Senhor, prosperavam materialmente, sem sofrerem castigo: "felizes os soberbos"; que felicidade! (3.15). Quem rouba a Deus não é capaz de amá-lo. Em contraste, os fiéis falam bem dele constantemente. Deus grava a sua conversa como memorial. Aquele que ama ao Senhor, que contribui materialmente para a causa do Evangelho com alegria, é considerado o "particular tesouro" do Senhor, tornando-se objeto do seu amor e proteção (3.17). Só o Dia do Juízo revelará quem foi fiel, e quem foi mesquinho, na mordomia do dízimo do Senhor.

O Encontro com Deus (Cap. 4)A profecia termina com a promessa da vinda do "Sol da Justiça". Sob o

símbolo de uma fornalha, Malaquias descreveu o dia do juízo. "Nosso Deus é um fogo consumidor" (Hebreus 12.29). Naquele dia, derreter-se-á o orgulho dos soberbos e dos perversos (4.1). Deus destruirá totalmente da terra todo mal, sem deixar nem raiz nem ramo. Para Malaquias, a longa noite de espera precede a gloriosa alvorada do Messias, o sol da justiça, que nascerá para ser a luz do mundo (João 8.12). Ele trará a salvação nas suas asas (4.2). O termo usado sugere a ressurreição maravilhosa do Senhor Jesus, o que garante a salvação comprada na ensangüentada cruz do Calvário. Os que aceitam a

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salvação são comparados poeticamente com os bezerros soltos da estrebaria, que saem e saltam na alegria da vida. A exuberância espontânea e desinibida caracteriza aquele que conhece o Cristo ressuscitado como seu Senhor e Salvador pessoal. E com a sua segunda vinda, em poder e glória, a nossa alegria será completa.

O mesmo sol que afugenta as espessas trevas da noite, e dá o conforto do calor depois do frio noturno, também pode queimar. Este Senhor Deus do universo virá para castigar os perversos: "se farão cinzas debaixo das plantas de vossos pés naquele dia que prepararei, diz o SENHOR dos Exércitos" (4.3). A segunda vinda de Cristo marcará a alegria indizível do crente, e a calamidade irreversível do ímpio. A lei do Senhor é claríssima quanto ao fim do drama da raça humana. Desde Gênesis até Malaquias a Bíblia adverte e exorta o homem a respeito do fim. "Lembrai-vos da lei!" (4.4). Antes do dia de juízo, "o grande e terrível dia do Senhor", vem o dia da graça, o dia da salvação. Este dia começaria com a vinda do profeta Elias (4.5). Isto é, um novo Elias haveria de vir. Jesus Cristo, falando de João Batista, confirmou categoricamente: "E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir" (Mt 11.14). Ele teria um ministério de reconciliação dentro do lar, convertendo o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos aos pais (4.6). O bendito evangelho começa no lar. Se o Evangelho não funcionar no lar, não funcionará em parte nenhuma. E curioso que muitas vezes a gente se esquece desta verdade fundamental. Há pregadores tão ocupados, salvando o mundo, que negligenciam os seus próprios filhos. A mais bela expressão do evangelho é o lar feliz, onde os pais entendem os filhos e têm tempo para eles, onde os filhos, cercados de amor, crescem no conhecimento de Jesus. Se os raios benditos de luz e amor que emanam do Sol da Justiça não transformarem o lar do pregoeiro do recado divino, o mundo cético não acreditará. Ficará sob a maldição, última palavra de Deus, que assim prepara o mundo para a nova palavra, revelada no Novo Testamento, o Verbo, a palavra perfeita do nome de Jesus.