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Tercio Sampaio Ferraz Junior Introdução ao Estudo do Direito Técnica, Decisão, Dominação 4 Edição Revista e ampliada SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. 2003

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  • TercioSampaioFerrazJunior

    Introduo ao Estudo do Direito

    Tcnica,Deciso,Dominao

    4 Edio Revista e ampliada

    SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. 2003

  • 1987byEDITORAATLASS.A.

    1.ed.19882.ed.19943.ed.20014.ed.200322tiragem

    Fotodacapa:AgnciaKeystone

    Composio:LinoJatoEditoraoGrfica

    DadosInternacionaisdeCatalogaonaPublicao(CIP)(CmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil)

    FerrazJunior,TercioSampaio,Introduoaoestudododireito:tcnica,deciso,dominao/Tercio

    SampaioFerrazJunior. 4.ed. SoPaulo:Atlas,2003.

    Bibliografia.ISBN8522434840

    1.Direito2.Direito EstudoeensinoI.Ttulo.

    933637 CDU340.11

    ndiceparacatlogosistemtico:

    1.Direito:Introduo340.11

    TODOSOSDIREITOSRESERVADOS Eproibidaareproduototalouparcial,dequalquerformaouporqualquermeio.Aviolaodosdireitosdeautor(Lein29.610/98)crimeestabelecidopeloartigo184doCdigoPenal.

    DepsitolegalnaBibliotecaNacionalconformeDecretons1.825,de20dedezembrode1907.

  • OBRASDOAUTOR

    DieZweidimensionalitaetdesRechts.Meinsenheim/Glan:AntonHain,1970.Direito,retricaecomunicao.SoPaulo:Saraiva,1973.Conceitodesistemanodireito.SoPaulo:RevistadosTribunais,1976.Acinciadodireito.SoPaulo:Atlas,2.ed.1980.Teoriadanormajurdica.RiodeJaneiro:Forense,2.ed.1986.Funosocialdadogmticajurdica.SoPaulo:RevistadosTribunais,1978.Constituinte:assemblia,processo,poder.SoPaulo:RevistadosTribunais,2.

    ed.1986.Constituiode1988:legitimidade,vignciaeeficcia,supremacia.Emcolabo

    rao.SoPaulo:Atlas,1989.InterpretaoeestudosdaConstituiode1988.SoPaulo:Atlas,1990.Estudosdefilosofiadodireito.SoPaulo:Atlas,2002.

  • Sumrio

    Agradecimentos,13

    Prefcio,15

    Introduo,21

    1AUNIVERSALIDADEDOFENMENOJURDICO,311.1Direito:origem,significadosefunes,31

    1.2Buscadeumacompreensouniversal:concepesdelnguaedefiniodedireito,34

    1.3Problemadosdiferentesenfoquestericos:zetticoedogmtico,391.4Zetticajurdica,441.5Dogmticajurdica,47

    2O DIREITOCOMOOBJETODECONHECIMENTO:PERFILHISTRICO, 522.1Direitoeconhecimentododireito:origens,522.2Jurisprudnciaromana:odireitocomodiretivoparaaao,552.3DogmaticidadenaIdadeMdia:odireitocomodogma,612.4TeoriajurdicanaEraModerna:odireitocomoordenaoracional,652.5PositivaododireitoapartirdosculoXIX:odireitocomonorma

    posta,72

  • 2.6Cinciadogmticadodireitonaatualidade:odireitocomoinstrumentodecisrio,81

    3CINCIADOGMTICADODIREITOESEUESTATUTOTERICO,833.1Dogmticaetecnologia,833.2Decidibilidadedeconflitoscomoproblemacentraldacinciadogmtica

    dodireito,883.3Modelosdacinciadogmticadodireito,91

    4DOGMTICAANALTICAOUACINCIADODIREITOCOMOTEORIADANORMA,934.1Identificaododireitocomonorma,93

    4.1.1Conceitodenorma:umaabordagempreliminar,984.1.2Concepodosfenmenossociaiscomosituaesnormadas,

    expectativascognitivasenormativas,1024.1.3Carterjurdicodasnormas:instituiesencleossignifi

    cativos,1054.1.4Normajurdica:umfenmenocomplexo,113

    4.2Teoriadoscontedosnormativosoudogmticadasrelaesjurdicas,116

    4.2.1Conceitodogmticodenormajurdica,1164.2.2Tiposdenormasjurdicas,1234.2.3Sistemaestticodasnormas:asgrandesdicotomias,1324.2.4Direitopblicoedireitoprivado:origens,133

    4.2.4.1Concepodogmticadedireitopblicoededireitoprivado:princpiostericos,137

    4.2.4.2Ramosdogmticos,1404.2.5Direitoobjetivoedireitosubjetivo:origensdadicotomia,145

    4.2.5.1Concepodogmticadedireitoobjetivoesubjetivo:fundamentos,147

    4.2.5.2 Uso dogmtico da expresso direito subjetivo: situaes tpicas e atpicas, direitos reais e pessoais,estrutura do direito subjetivo e outras classificaes,149

    4.2.5.3Sujeitodedireito,pessoafisicaepessoajurdica,1544.2.5.4Capacidadeecompetncia,1574.2.5.5Devereresponsabilidade,1604.2.5.6Relaesjurdicas,164

    4.2.6Direitopositivoenatural:umadicotomiaenfraquecida,170

  • 4.3Teoriadoordenamentooudogmticadasfontesdedireito,1744.3.1 Normaeordenamento,175

    4.3.1.1 Ordenamentocomosistemadinmico,1774.3.1.2 Idiadesistemanormativoeaparecimentodo

    Estadomoderno,1794.3.1.3 Teoriaszetticasdavalidade,1814.3.1.4 Normafundamentalounormaorigem,unidade

    oucoesodoordenamento,1874.3.2 Conceptualizaodogmticadoordenamento:validade,

    vigncia,eficciaefora,1974.3.2.1Dinmicadosistema:normaderevogao,cadu

    cidade,costumenegativoedesuso,2034.3.2.2Consistnciadosistema,206

    4.3.2.2.1Antinomiajurdica,2064.3.2.2.2Nulidade,anulabilidadeeinexistnciade

    normas,2154.3.2.3Completudedosistema:lacunas,218

    4.3.3Fontesdodireito:umateoriaaserviodaracionalizaodoestadoliberal,2234.3.3.1Legislao,228

    4.3.3.1.1Constituio,2294.3.3.1.2 Leis,2324.3.3.1.3Hierarquiadasfonteslegais:leis,de

    cretos,regulamentos,portarias,2354.3.3.1.4Cdigos,consolidaesecompilaes,

    2384.3.3.1.5Tratadoseconvenesinternacionais,

    2394.3.3.2Costumeejurisprudncia,241

    4.3.3.3Fontesnegociais,razojurdica(doutrina,princpiosgeraisdedireito,eqidade),246

    4.3.3.4Estruturaerepertriodosistemaeteoriadasfontes,249

    4.3.4Doutrinadairretroatividadedasleis:direitoadquirido,atojurdicoperfeito,coisajulgada,249

    4.4Dogmticaanalticaesuafunosocial,253

    5DOGMTICAHERMENUTICAOUACIENCIADODIREITOCOMOTEORIADAINTERPRETAO,2555.1Problemadainterpretao:umainvestigaozettica,2555.1.1

    Funosimblicadalngua,257

  • 5.1.2Desafiokelseniano:interpretaoautnticaedoutrinria,2615.1.3Volunta slegisouvolunta slegisla toris? ,264

    5.1.4Interpretaoetraduo:umaanalogiaesclarecedora,2685.1.5Interpretaojurdicaepoderdeviolnciasimblica,272

    5.1.5.15.1.5.25.1.5.35.1.5.4

    Noodeusocompetentedalngua,274Lnguahermenuticaelegisladorracional,278Interpretaoeparfrase,281Interpretaoverdadeiraeinterpretaodivergente:cdigosfortesecdigosfracos,283

    5.1.6 Funoracionalizadoradahermenutica,2845.2 Mtodosetiposdogmticosdeinterpretao,286

    5.2.1 Mtodoshermenuticos,2865.2.1.1 Interpretaogramatical,lgicaesistemtica,2865.2.1.2 Interpretaohistrica,sociolgicaeevolutiva,

    2895.2.1.3 Interpretaoteleolgicaeaxiolgica,292

    5.2.2 Tiposdeinterpretao,2945.2.2.1Interpretaoespecificadora,2945.2.2.2Interpretaorestritiva,2965.2.2.3Interpretaoextensiva,297

    5.3Interpretaoeintegraododireito,2985.3.1Modosdeintegraododireito,299

    5.3.1.1Instrumentosquaselgicos:analogia,induoamplificadora,interpretaoextensiva,3015.3.1.2

    Instrumentosinstitucionais:costumes,princpiosgeraisdedireito,eqidade,304

    5.3.2Limitesintegrao,3055.4Funosocialdahermenutica,308

    6DOGMTICADADECISOOUTEORIADOGMTICADAARGUMENTAOJURDICA,3106.1 Teoriadadecisojurdicacomosistemadecontroledocomporta

    mento,3106.1.1 Decisoeprocessodeaprendizagem,3116.1.2 Decisojurdicaeconflito,3136.1.3 Decisoepoderdecontrole,314

    6.2 Teoriadogmticadaaplicaododireito,3166.2.1Aplicaoesubsuno,3166.2.2Provajurdica,319

  • sUMRtO 11

    6.2.3Programaodadecisoeresponsabilidadedodecididor,3216.3Teoriadaargumentao,322

    6.3.1Demonstraoeargumentao,3236.3.2Argumentaoetpica,3276.3.3Procedimentoargumentativodogmtico,3316.3.4Argumentosjurdicos,335

    6.3.4.1Argumentoababsurdooureductioadabsurdum,3366.3.4.2Argumentoabauctoritate,3376.3.4.3Argumentoacontrariosensu,3386.3.4.4Argumentoadhominem,3406.3.4.5Argumentoadrem,3406.3.4.6Argumentoafortiori,341

    6.3.4.7Argumentoamaioriadminus,3416.3.4.8Argumentoaminoriadmaius,3426.3.4.9Argumentoapariouasimile,342

    6.3.4.10Argumentoaposteriori,3426.3.4.11Argumentoapriori,3436.3.4.12Argumentosilogsticoouentimema,3436.3.4.13Argumentoexemplarouexempla,344

    6.4Funosocialdadogmticadadeciso:direito,podereviolncia,344

    7AMORALIDADEDODIREITO,3487.1Direitoefundamento,3487.2Direitoejustia,3517.3Direitoemoral,356

    Bibliografia,361

  • Agradecimentos

    Este livro veio sendo pensado desde 1980. Sua redao, porm, s seconsumou graas oportunidade que me foi oferecida pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, de nela lecionar Filosofia do Direito no semestre de inverno de 1986/1987. Na quietude e na paz de minha mesa detrabalho, pude ento redigilo. Ficam aqui registrados meus agradecimentos aessa Universidade, aos professores e assistentes, aos alunos, permitindome ameno especial ao Prof. Jos de Oliveira Asceno, que, por seu empenho,propicioumeoreferidoconvite.

    No posso, no entanto, esquecerme dos colegas, meus assistentes daFaculdadedeDireitodaUSPedaPUCdeSoPaulo,bemcomodasgeraesdeestudantesqueacompanham meus cursos,estimulandomeeobrigandomeao estudo. Permitome, no entanto, tambm registrar a lembrana de amigosdiletos que em todo momento me assistiram com sua lealdade e amizade,especialmenteesteamigofraternoqueCelsoLafer.

    Mas foi sem dvida na melhor tradio da Faculdade de Direito doLargoSoFranciscoqueaprendiaestudareamaroDireito.FoiGoffredoSilvaTelles Jr.meuprimeiromestre,aquelequemeformoueseconstituiunomeugrandeestmuloquedepoisencontrouemMiguelRealeumaseqncianotvel.Aambosagradeopeloquesouhoje.

    Porfim,umapalavrasobreminhafamlia:semseuapoio,ameuladoou distncia, nenhuma obra seria produzida. E aqui tambm fica o registro doamor, capaz de nos mover e comover realizao de coisas sem nos deixardominarporelas:Sonia,minhamulher,agradeoportudo.

  • Prefcio

    I

    Introduoao estudododireito : tcnica, deciso,dominao um livrode maturidade. Nele Tercio Sampaio Ferraz Jr. retoma, aprofundando e integrando,osgrandestemas identificadoresdesuatrajetria intelectual, iniciadacom a sua tese de doutorado sobre o jusfilsofo Emil Lask, defendida naUniversidadedeMainz,naAlemanha,epublicadanaquelepasem1970.

    OestudodoDireito,comoumfenmenodecisrio,vinculadoaopoderecincia jurdicacomouma tecnologia, caracterizaaabordagemdeste livrode Tercio Sampaio Ferraz Jr., que nesta empreitada analtica valese dadicotomiadogmticaxzettica,concebidaporTheodorViehweg,seumestrenaUniversidadedeMainz.

    Adogmticadogregodokin,ensinar,doutrinarcumpreumafunoinformativacombinadacomumafunodiretiva,aoacentuaroaspectorespostadeuma investigao.A zettica dogrego zetin, procurar, inquirir cumpreuma funo informativoespeculativa ao acentuar o aspecto pergunta de umainvestigao mantendo, dessa maneira, abertos dvida as premissas e osprincpiosqueensejamrespostas.

    Essadicotomia,nestelivro,empregadaobedecendoaumadialticadeimplicao e polaridade, como diria Miguel Reale o mestre do Autor naFaculdadedeDireitodaUSP,graasqualseestabeleceumatensocontnuaentreasrespostasdoensinareasespeculaesdoperguntar. Eporobra

  • doempregodialticodadicotomiadeViehwegqueoAutorconseguealgorarona bibliografia jurdica: associa uma informao operacionalmente til a umainvestigaocrtica.

    Neste sentido, esta Introduo modelar porque lida simultaneamentecomoDireito,tantopeloseungulointernoqueodapraxisjurdicaquantopeloseunguloexternoqueodasmodalidadespormeiodasquaisoDireitose insere na vida social,poltica eeconmica.Fornece,dessa maneira, ao seuleitor ideal o aluno do primeiro ano do curso jurdico , seja o sentido dadireoquelhepermitirprepararseparaavidaprofissional,sejaainformaoespeculativa,necessriaparasituarsecriticamentediantedoseufuturofazer.

    II

    O livro se abre com uma discusso, no Captulo 1, sobre a universalidadedofenmenojurdico,seguidodeumestudosobreassuastransformaeshistricas.Nesteestudo,oAutorretomaoseuinteressepeloperfilhistricodoDireitocomoobjetodeconhecimento,numarcoquevaidoDireitoPrimitivoaoPositivismo Jurdico, passando pela Jurisprudncia Romana, os glosadoresmedievais e o Jusnaturalismo. Esta sucinta arqueologia do saber jurdico, jesboadaemoutrostrabalhosdoAutor(cf.Conceitode sistemanodireito. SoPaulo:RevistadosTribunais,1976,cap.IAcinciadodireito.SoPaulo:Atlas,1977, cap. II Funo social da dogmtica jurdica. So Paulo: Revista dosTribunais,1980,cap.I),desembocanocaptulo3.A,oAutorestabeleceoseupontodepartida:adecidibilidadedosconflitosoproblemacentraldacinciadoDireitocontemporneo,enquantoumacinciaprtica.

    Estacinciaprticadogmticaporquesebaseianoprincpiodaaceitaosemdiscussodospontosdepartida.Aproibiodanegaodospontosdepartida(odogma)obedeceaumarazotcnica:adepermitiradecisocombasenoDireito,quenopodeserpostoemquestosobpenadenosealcanar,numasociedade,adecidibilidade jurdicadosconflitos.Eporessemotivoqueno ensino do Direito de fundamental importncia o estudo da dogmticajurdica, cuja funooAutorexaminou nagrande tesecomaqual alcanouatitularidade na Faculdade de Direito da USP, cujos pontos principais so aquiretomados.

    A cincia dogmtica do Direito, embora dependa do princpio da inegabilidade dos pontos de partida o Direito Positivo posto e positivado pelopoder,nosereduzaesteprincpio,poisnotrabalhacomcertezas,massimcomasincertezasdosconflitosnavidasocial.Eparalidarcomestasincertezasque,nombitodacinciadoDireito,enquantocinciaprtica,foramelaboradostrsgrandestiposdedogmtica:adogmticaanaltica,adog

  • mticahermenutica,adogmticadadeciso.Estastrsdogmticas,oAutorjhavia indicativamentecaracterizadoemAfuno social dadogmtica jurdica(cap. III), e muitoespecialmenteem Acincia dodireito (caps.1V,VeVI),masaelasd,neste livro,umtratamentoexaustivoeoriginal.E,naverdade,ao estudo operacional e crtico dessas trs dogmticas que Tercio SampaioFerrazJr.dedicaamaiorpartedestaIntroduo.

    III

    Adogmticaanalticatemcomotarefabsicaa imprescindvel identificao do que Direito face contnua mudana das normas nos sistemasjurdicoscontemporneos.Defatoestaidentificaoqueestabeleceopontodepartidaparaa decidibilidade dos conflitospor meioda tcnica doDireito. AdogmticaanalticaencarnaacinciadoDireitovistanaperspectivadanormaedesuainseronoordenamento,tendonavalidadeasuagrandecategoria.

    OAutorexaminaadogmticaanalticacommuitorigor,valendosedateoriada linguagememcujoempregonoestudodoDireitoele,entrens,um dos mais destacados expoentes. E assim que estuda com muita originalidade os diversos tipos de normas jurdicas e a sua sistematizao, numaperspectivaesttica,peladogmticaanalticaestrutural, iluminandooalcancee os limites de grandes dicotomias da epistemologia jurdica, como DireitoObjetivo/Direito Subjetivo Direito Pblico/Direito Privado Direitos Pessoais/DireitosReais.

    A seguir, o Autor examina o Direito como um sistema dinmico, empermanentemudananassociedadescontemporneas,tratandodosproblemasdainserodasnormasdentrodoordenamento. Edessamaneiraquecuidadarevogao, da caducidade das normas, da consistncia das normas numordenamento (antinomias, nulidade, anulabilidade), da inteireza do ordenamento(lacunas),das fontesdoDireitoedesuahierarquia(Constituio,leis, regulamentos, cdigos, tratados, costumes, jurisprudncia, negciojurdico).

    A identificaodoqueDireito,ecomoestesediferenciadonoDireito,peladogmticaanaltica,quenesteprocessoisolaojuridiconumsistemafechado, deixa em aberto o problema de como o Direito identificado serentendido. EporessarazoquenaseqnciadessaIntroduoo Autorsededica ao estudo da dogmtica hermenutica. Esta tem como objeto a tarefa deentender o Direito identificado, para assim poder decidir, cumprindo o princpiodaproibiodononliquet, isto,ocartercompulsriodadecisoqueadogmtica juridica impe ao juiz. A dogmtica hermenutica a cincia doDireitoencaradanaperspectivadateoriadainterpretao.

  • Ainterpretaopedeadecodificaoeestarequeroconhecimentodasregrassintticas,quecontrolamascombinatriaspossveisdasnormasentresidas regras semnticas de conotao e denotao das normas em relao aoobjeto normado e das regras pragmticas das normas em relao s suasfunes. , portanto, tambm com base na teoria da linguagem que o Autorretoma um dos grandes problemas da interpretao do Direito, que o debuscaroentendimentodoDireitoounosubjetivismodavontadedo legislador(comopropostopela"jurisprudnciadosconceitos"naAlemanhaounaEscoladaExegesenaFrana)ounoobjetivismodavontadedalei(comopropostopela"jurisprudnciadosinteresses").

    No existe um critrio unvoco da boa e correta interpretao, assimcomonoexisteumcritriounvocodaboaecorretatraduo,comomostraoAutoraoestabelecerumabrilhanteanalogiaentreainterpretaoeatraduo.O critrio da boa e correta interpretao, assim como o da boa e corretatraduo,repousanaaceitaodoenfoquedointrpreteoudotradutor.NocasodoDireito,auniformizaodosentidodojurdico,pelainterpretao,temavercom o poder da violncia simblica, que, se apoiando na autoridade, naliderana e na reputao, privilegia um enfoque, entre muitos enfoquespossveis,quepassaaserousocompetentementeconsagradodeumaescolhasocialmenteprevalecente.

    Ainterpretaojurdicapodeserespecificadora,restritivaeextensiva.Aelassechegaatravsdosmtodoshermenuticosdainterpretaogramatical,lgica e sistemtica da histrica, sociolgica e evolutiva e da teleolgica eaxiolgica.Estesconsagradosmtodosdadogmticahermenuticaconstituemum repertrio de regras tcnicas para encaminhar os problemas de ordemsinttica,semnticaepragmticadainterpretaodasnormas.Aprevalnciadeum enfoque e o alcance maior ou menor da interpretao representam umaescolhaquevisaencaminharadeciso,"domesticando"asnormas.Da, comoobservaoAutor,aastciadarazodogmtica,quenoeliminaascontradiesdavidasocial,mastomaosconflitosdelasresultantespassveisdedecisoemtermosjurdicos.

    A identificao do Direito pela dogmtica analtica e os modos pelosquais o Direito identificado pode vir a ser entendido, por obra da dogmticahermenutica,criamascondiesparaadeciso.Ambas,noentanto,notmcomoobjetoprivilegiadoaprpriadecisoumatarefaimportante,pois,diantedas sempre possveis interpretaes divergentes da norma identificada comojurdica, preciso investigar como se obtm a deciso prevalecente. Da, naseqncia desta Introduo, o estudo pelo Autor da dogmtica da deciso outeoriadogmticadaargumentaojurdica.

    O saber jurdico explicitamente articulado mais rico em matria dedogmticaanalticaedogmticahermenuticadoqueemmatriadedogmticadadeciso.Estatemmerecido,noentanto,nosltimosanos,ateno

  • terica.ocasodareflexodeViehweg,dePerelmane,nocampodoDireitoInternacionalPblico,dadeMyresMcDougal.AelaTercioSampaioFerrazJr.dedicouasuapioneira tesede livredocncia: Direito, retrica e comunicao,SoPaulo:Saraiva,1973,eoseuinstigantelivro:Teoriadanormajurdica,RiodeJaneiro:Forense,1978.

    Adecisoestligadaaosprocessosdeliberativosquelevamaplicaodo Direito. A aplicao exige o poder para decidir um conflito, isto , acapacidadede lhesprum fim, nonosentidodeeliminlos, mas node impedir a sua continuao. Este poder, na acepo de dominao, no estudo doDireito, vse "domesticado" pela justificao da deciso, por meio da argumentaojurdica.DelacuidaoAutor,privilegiandoadimensopragmticadodiscurso jurdico, que o que tem como objeto a preocupao com o comportamentoeconvencimentodosdestinatriosdodiscursojurdico,umavezquearegrasupremadodiscursodecisriojurdico,noDireitocontemporneo,aderesponderporaquiloquesefalaouafirma.

    IV

    HannahArendt,cujareflexotambmpermeiaestaIntroduo,sublinhaa importncia epistemolgica da distino kantiana entre o "pensar da razo"(Vernunft) e o "conhecer do intelecto" (Verstand). Este edifica o sistema dosconhecimentosque,pormeiodatcnica, transformaasociedadeecriaomeionoqualohomemvive.Aquelecriticaeabrangeosaberdoconhecer,pensandooglobalebuscandooseusignificado.

    Esta Introduo cuja estrutura e linhas principais foram sucintamentesumariadasumaimportantecontribuio,tantooperacionalquantocritica,doconhecimento jurdico. Cumpre, assim, o seu objetivo explcito, que o doexame da cincia jurdica como uma tecnologia. Ao escrevla, no entanto, oAutor sentiu a necessidade de pensar o significado deste conhecimento e dasconclusesaquechegou.

    por esse motivo que arremata o seu livro tratando da moralidade doDireito e apontando kantianamente, digase de passagem que a justia oprincpio r e la t i vo do Direito. Tambm pelo mesmo motivo, inseriu comoprticodeseutrabalhoumaimportanteintroduo,queumesforodepensaroseuconhecer.Nela,inspiradopelalioepelochamamentodeGoffredoSilvaTelles Jr. seu outro mestre na Faculdade de Direito da USP, a quem teve ahonra de suceder na condio de professor titular de Introduo ao Estudo doDireito , indaga sobre o mistrio do Direito enquanto princpio e fim dasociabilidadehumana.

    AIntroduodeTercioSampaioFerrazJr.aoseulivroIntroduoaoestudododireitoesboa,nalinhadascategoriasarendtianas,aconversodo

  • Direito no mundo contemporneo em objeto de consumo, enquanto um resultadodolaborquesedesgastanometabolismodavida.

    Deixa inquieto ao nosso Autor a instrumentalizao crescente do Direito, que assegura ao jurdico, enquanto objeto de consumo, uma enormedisponibilidade de contedos. De fato, a contrapartida desta plasticidadeoperacional,queele examinacom superiorcriatividade no corpode seu trabalho,acarnciatantodaclaravirtudedojusto,imanenteao,quantodadurabilidadedaconstruo,quecaracterizaotrabalhodohomofaber.

    Ora, Tercio Sampaio Ferraz Jr. sabe que, sem um interesse profundopelo domnio tcnico do Direito, a reflexo jurdica se perde numa fantasiainconseqente.Porisso,nosbrindoucomestegrandelivro,que,comodisse,umaobradematuridade.MaseletambmtemantidaconscinciadequesemapaixoeoamorpeloDireitocomoensinaGoffredoTellesJr.oseuestudoperdeosentidolegitimadordeumaprticavirtuosa.

    DiziaGuimaresRosaque"Vivendo,seaprendemasoqueseaprende,mais,safazeroutrasmaioresperguntas".Creioassimqueestelivro,pelasua introduoepeloseultimocaptulo,representa igualmentenatrajetriadoAutoroinciodeumanovaetapa:aetapadas"maioresperguntas"queasuaprpriamaturidadeintelectualestlhecolocando.

    Sejame permitido concluir com uma nota pessoal. A amizade, comoensina Aristteles, uma relao privilegiada entre duas pessoas, baseada naconfianaena igualdadedeestima recproca.Aamizadeque me ligaaTercioSampaioFerraz Jr. teve incioquandonosconhecemos,em1960,noprimeiro ano da Faculdade de Direito do Largo So Francisco. Desde aquelapoca,o mistrio doDireito foiumdos temas bsicosdo nosso ininterruptodilogo. , portanto, com especial prazer que dou neste prefcio, como seuamigoeinterlocutordetantosanos,otestemunhopblicoda importncia,daoriginalidadeedarelevnciadesuaIntroduoaoestudododireito.

    SoPaulo,dezembrode1987.CelsoLafer

  • Introduo

    O direito um dos fenmenos mais notveis na vida humana. Compreendlocompreenderumapartedensmesmos.saberemparteporqueobedecemos,porquemandamos,porquenosindignamos,porqueaspiramosamudaremnomedeideais,porqueemnomedeideaisconservamosascoisascomo esto. Ser livre estar no direito e, no entanto, o direito tambm nosoprime e tiranos a liberdade. Por isso, compreender o direito no umempreendimento que se reduz facilmente a conceituaes lgicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito diversificado, s vezesconflitivoe incoerente,svezes lineareconseqente.Estudarodireito,assim, uma atividade dificil, que exige no s acuidade, inteligncia, preparo,mas tambm encantamento, intuio, espontaneidade. Para compreendlo, preciso,pois,sabereamar.Sohomemquesabepodeterlheodomnio.Massquemoamacapazdedominlo,rendendoseaele.

    Portudoisso,odireitoummistrio,omistriodoprincpioedofimda sociabilidade humana.Suas razes estoenterradas nesta foraocultaquenosmoveasentirremorsoquandoagimos indignamenteequeseapoderadens quando vemos algum sofrer uma injustia. Introduzirse no estudo dodireito,pois,entronizarsenummundofantsticodepiedadeeimpiedade,desublimaoedeperverso,poisodireitopodesersentido comoumaprricavirtuosaqueserveaobom julgamento,mastambmusado como instrumentopara propsitos ocultos ou inconfessveis. Estudlo sem paixo comosorver um vinho precioso apenas para saciar a sede. Mas estudlo seminteresseporseudomniotcnico,seusconceitos,seusprincpiosinebriarse

  • numa fantasia inconseqente. Isto exige, pois, preciso e rigor cientfico, mastambm abertura para o humano, para a histria, para o social, numa formacombinadaqueasabedoriaocidental,desdeosromanos,vemesculpindocomoumaobrasempreporacabar.

    Podese perceber, destarte, que um livro de Introduo ao Estudo doDireito uma obra complexa, que exige, ao mesmo tempo, o conhecimentotcnicodo instrumentalconceitualdodireito, aexperinciada vida jurdica,aintuio de suas razes psquicas, sociais, econmicas, culturais, religiosas, amemria de seus eventos histricos, tudo trazido numa forma concertante,didaticamente acessvel e pedagogicamente formativa. Correse, por isso,sempre,oriscodasuperficialidadeedaincompreenso,poisprecisoensinaraestudarodireito,transmitindoumsaberobviamenteaindadesconhecidosobreumobjetoaindainforme.Ouseja,hdeseirdizendoascoisasdodireitosempoder pressupor que elas j sejam conhecidas. Simultaneamente, porm, impossvel falar sobre o direito sem usar os termos que, tecnicamente, oconstituem.Oestudantedeve,assim,terpacincia,nopretenderencontrarnumlivrostudooquenecessita.LembrarsedequeumaIntroduoapenasumaabertura, que deve levarnos a ampliar nosso universo e nunca a reduzilo aesquemas simplificados. Um livro de Introduo , pois, somente um roteiro,nuncaumaobraacabada.

    Como o direito um fenmeno multifrio, os livros de Introduocostumam apresentar alguma peculiaridade: embora os temas que neles sotratados sejam mais ou menos constantes, as formas de abordagem so diferentes.Hquemenfatizealgunsaspectosfilosficos,insistindosobreainserododireitonouniversoda justia.Hquemcuide maisdaspremissas tcnicas,dos conceitos bsicos, das divises e classificaes fundamentais da cinciajurdica.

    Nosso trabalho procurou enfocar o estudo do direito com base na seguinte premissa: destinandose este livro a estudantes de Direito, pareceunosoportuno explicar o que ele e como o conhece o profissional jurdico. Poroutro lado, sem perder suas mltiplas dimenses histricas, procuramosfocalizarodiretotal comoelese manifestahoje,nomundoburocratizadodassociedadesocidentais.Apercepodessacircunstnciahistricaodireitonemsempre est numa mesma circunstncia feznos escolher uma forma deabordagemcapazdemostrarumapeculiaridadedenossapocaedefazerlheadevidacrtica:odireitocomoumfenmenodecisrio,uminstrumentodepoder,eacinciajurdicacomoumatecnologia.

    Embora este tema venha a ser abordado diversas vezes em nossa exposio, talvez seja importante, desde j, esclarecer como o direito adquiriuculturalmente, em nossa civilizao, essa caracteristica. Para explicar isso,valemonosdealgumasconsideraesdeHannahArendt,cujaobraAcondi

  • o humana,emboranotenhaportemaodireito,permitenosfecundasincursessobreaquesto.

    AAntigidadedistinguiaentreapoliseaoikia.Diziaseque,enquantoa oikia ou a casa reconhecia o governo de um s, a polis era composta demuitos governantes. Por isso, Aristteles dizia que todo cidado pertence aduasordensdeexistncia,poisapolis dacada indivduo,almdesuavidaprivada,umaespciedesegundavida,suabiospolitics.Eraadistinoentrea esfera privada e a esfera pblica. Essa distino sofreu durante os sculosmodificaes importantes. Sua separao que caracteriza a cultura naAntigidade faziacom que a esfera privada se referisse ao reinoda necessidade e a uma atividade cujo objetivo era atender s exigncias da condioanimaldo homem: alimentarse, repousar,procriar etc. A necessidade,diziase, coagia o homem e obrigavao a exercer um tipo de atividade para sobreviveressaatividade,parausaraterminologiadeHannahArendtcujaobraestamos expondo e interpretando numa forma livre, chamavase labor oulabuta.Olabordistinguiasedotrabalho.Olabortinharelaocomoprocessoininterruptodeproduodebensdeconsumo,oalimento,porexemplo,isto,aqueles bens que eram integrados no corpo aps sua produo e que notinhampermanncia no mundo.Eram bensque pereciam. A produodessesbensexigiainstrumentosqueseconfundiamcomoprpriocorpo:osbraos,asmos ou suas extenses, a faca, o cutelo, o arado. Nesse sentido, o homemque labuta, o operrio, podia ser chamado de animal laboraras. O lugar dolabor era a casa (oikia ou domas) e a disciplina que lhe correspondia era aeconomia (de oiko nomos). A casa era a sede da famlia e as relaesfamiliares eram baseadas na diferena: relao de comando e de obedincia,donde a idia do pater familiar, do pai, senhor de sua mulher, seus filhos eseusescravos.Istoconstituaaesferaprivada.Apalavraprivado tinhaaquiosentido de privas, de ser privado de, daquele mbito em que o homem,submetidos necessidades da natureza, buscavasuautilidade no sentido demeiosdesobrevivncia.Nesseespao,nohavialiberdade,daqualseestavaprivado, em termos de participao num autogoverno comum, pois todos,inclusive o senhor, estavam sob a coao da necessidade. Liberarse dessacondioeraprivilgiodealguns,oscidadosoucives.

    O cidado exercia sua atividade prpria em outro mbito, a polis oucivitas,queconstituaaesferapblica.Aeleencontravaseentreseusiguais,eera livresua atividade.Esta sechamavaao. Aaocompartilhavadeumadas caractersticas do labor, sua fugacidade e futilidade, posto que era umcontnuo sem finalidadepreconcebida.Todavia, diferena do labor, a aosignificava a dignificao do homem. Igual entre iguais, o homem ao agirexercitava sua atividade em conjunto com os outros homens, igualmentecidados.Seuterrenoeraodoencontrodoshomens livresquesegovernam.Daaidiadeaopoltica,dominadapelapalavra,pelodiscurso,pelabusca

  • doscritriosdobemgovernar.Ohomemqueageo politikonzoon,o animalpoltico.Aaocaracterizavaseemprimeirolugarporsuailimitao.Comosetratavadeatividadeespontnea, como todaaoera concebidacomo criaodeumfluxoderelaespolticas,nohaviacomopreveraao.Agir,diziase, iniciar continuamente relaes. Por isso, alm da ilimitao, a ao eraimprevisvel, no podendo suas conseqncias ser determinadas logicamentedeantemo.Istoexplicavaainerenteinstabilidadedosnegcioshumanos,dascoisas da poltica de modo geral, cuja nica estabilidade possvel era aquelaquedecorriadaprpriaao,deumaespciedevirtude,como,porexemplo,oequilbrioeamoderaoprpriadaprudncia.Daanecessidadedaars edatechn. Para que essa estabilidade pudesse ser alcanada, porm, eramnecessrias certas condies: as fronteiras territoriais para a cidade, as leispara o comportamento, a cerca para a propriedade, que eram consideradaslimites ao, embora sua estabilidade no decorresse desses limites. Emoutras palavras, a polis no era propriamente um limite fsico e normativo,masumconjuntofugazdeaes.Contudo,paraqueapolis, enquantoteiaderelaes,surgisse,eranosnecessriaadelimitaofsicadacidade,queeratrabalhodoarquiteto,mastambmalegislao,queeratrabalhodolegislador,consideradoumaespciedeconstrutordaestruturadacidade.Ora,otrabalho,aocontrriodolaboredaao,eraumaatividadehumanaconsideradacomonoftil,sendodominadapelarelaomeio/fim.Otrabalhoeraumaatividadecomtermoprevisvel:oprodutoouobemdeuso.Oproduto,aocontrriodoresultadodolabor,oobjetodeconsumo,noseconfundecomoprodutor,poisdele se destaca, adquirindo permanncia no mundo. O trabalho tem em si,portanto,anotadaviolncia,poisumaatividadequetransformaanatureza,aodominla:darvorequesecortafazseamesa.

    Assim, na Antigidade, podese dizer: a legislao enquanto trabalhodo legisladornoseconfundiacomodireitoenquantoresultadodaao.Emoutraspalavras,haviadiferenaentrelexejusnaproporodadiferenaentretrabalho e ao. Desse modo, o que condicionava o jus era a lex, mas o queconferia estabilidade ao jus era algo imanente ao: a virtude do justo, ajustia.

    ApartirdaEraModerna,assistimosocorrnciadeprogressivaperdadosentidoantigodeao,quecadavezmaisseconfundecomodetrabalhoouseja,avelhanoodeaovinculadavirtudepassaaidentificarsecomamoderna noo de ao como atividade finalista, portanto prxima ao que aAntigidade chamava de trabalho. Desse modo, a ao tornada um fazer,portanto entendida como um processo que parte de meios para atingir fins,assistir a uma correspondente reduo progressiva do jus lex, do direito norma. O fabricar dos antigos, isto , o trabalho, era, porm, um domniosobrecoisas,nosobrehomens.Transportadoofabricarparaomundo

  • poltico, o trabalho far do agir humano uma atividade produtora de bens deusoeodireitoreduzidoanorma, isto,ojus comoiguala lex, serentoencarado como comando, como relao impositiva de uma vontade sobre outravontade,ummeioparaatingircertosfins:apaz,asegurana,obemestaretc.Nesse quadro,a legitimidadedodireitocomandopassaadepender dos fins aqueeleserve.Essapassagemdohomemcompreendidocomoanimalpoltico,paraaconcepodohomemcomoserquetrabalha,colocaodireitodentrodachamada filosofiadohomo faber . Asupremaciadohomo faber naconcepodo homem e do mundo faz, inicialmente, com que as coisas percam seusignificado,oumelhor,apresenaavassaladoradohomo faber a partirdaEraModernafazcomqueosignificadodascoisasseinstrumentalize.Osignificadoquedeveria serdadopela ao,pelopensar,pelapoltica,peloagir conjunto,passaaserdadoporumarelaofuncionaldemeiosefins.

    O homo faber de certo modo degrada o mundo, porque transforma osignificado de todas as coisas numa relao meio/fim, portanto numa relaopragmtica. Com isso, tornase impossvel para ele descobrir que as coisaspossam ser valiosas por elas mesmas e no simplesmente enquanto instrumentos,enquantomeios.Atragdiadessaposioestemqueanicapossibilidade de se resolveroproblema dosignificadodas coisas encontrarumanooqueemsiparadoxal,ouseja,aidiadeumfimemsimesmo.Aidiadeum fim em si mesmo, ou seja, a idia de um fim que no mais meio paraoutrofim,umparadoxo,porquetodofimnessaconcepodeveria sermeioparaum fim subseqente. A idiadeum fim em si mesmo foi formuladaporKant,quetentouresolverodilemadessatragdia.Kantcolocounosdiantedaidiadequeohomemnessaconcepoutilitriaafinalaquelequeumfimemsimesmo.Dasuafamosaconcepodequeohomemnuncadeveserobjetopara outro homem. A proposta de Kant, contudo, no resolve o problema,mesmo porque, no momento em que colocamos o homem como centro domundo, comoonico fim por si,portantocomoa nicacoisa valiosapor si,todoorestantetornasealgobanal,novalioso,salvoquandotemumsentidoparaohomem,salvoquandoinstrumentoparaohomem.Em

    oupalavras,algumacoisastersentidosecontivertrabalhohumano,poisse instrumentaliza. No mundo do homo faber , a esfera pblica, que na Antigidadeera a esfera do homempoltico, passa a ser a esferado mercador. Aconcepodequeohomemumconstrutor,umfabricantedecoisas,conduzconclusodequeohomemsconseguerelacionarsedevidamentecomoutraspessoas,trocandoprodutoscomelas.

    Na sociedade dominada pela concepo do homo faber , a troca deprodutos transformase naprincipalatividadepoltica. Nelaos homens comeam a ser julgados no como pessoas, como seres que agem, que falam, quejulgam,mascomoprodutoresesegundoautilidadedeseusprodutos.Aos

  • olhos do homo faber, a fora do trabalho apenas um meio de produzir umobjetodeusoouumobjetodetroca.Nessasociedade,nasociedadedominadapela idia da troca, o direito passa a ser considerado como um bem que seproduz.aidentificaodojuscomalex.Obemproduzidopormeiodaediodenormasconstituientoumobjetodeuso,algoquesetem,queseprotege,queseadquire,quepodesercedido,enfim,quetemvalordetroca.Ora,comonomercadodetrocasoshomensnoentramemcontatodiretamenteunscomosoutros,mascomosprodutosproduzidos,oespaodacomunicaodohomo faber um espao alienante, porque de certa maneira exclui o prpriohomem. O homem nesse espao mostrase por meio de seus produtos. Essesprodutos so as coisas que ele fabrica ou as mscaras que ele usa. Emconseqncia disso, no mundo do homo faber o direito, transformado emproduto, tambm se despersonaliza, tornandose mero objeto. O direitoconsiderado objeto de uso o direito encarado como conjunto abstrato denormas, conjunto abstrato de correspondentes direitos subjetivos, enfim, odireitoobjetodeusoumsistemadenormasedireitossubjetivosconstitudosindependentemente das situaes reais ou pelo menos considerados independentemente dessas situaes reais, mero instrumento de atuao dohomemsobreoutrohomem.Estaabasedeumaconcepoquevnodireitoe nosaber jurdicoum sistema neutroqueatua sobre a realidadede forma aobterfinsteisedesejveis.

    Contudo, no correr da Era Moderna, repercutindo intensamente nomundo contemporneo, outra assimilao semntica ocorrer: a progressivaabsoro da idia de trabalho pela idia de labor. Com isso, vamos ter umanovaconcepoantropolgica,portantoumaconcepodomundodominadoagora pela idia do animal laboraras. Conseqentemente, o direito, que naAntigidade era ao, que na Era Moderna passa a ser trabalho produtor denormas, isto,objetosdeuso, no mundocontemporneo tornaseprodutodelabor,isto,objetodeconsumooubemdeconsumo.

    Quesignificaisso?Em primeiro lugar, devemos observar que o labor, ao contrrio do

    trabalho, no tem produtividade, ou seja, o trabalho pode ser visto por seusresultadoseseusprodutos,quepermanecem.Olabornoproduzpropriamentealgumacoisa,nosentidodequeosbensdeconsumosobensqueestoparaohomemmedidaquesoconsumidospelohomem,isto,quesoreadquiridospelo corpo que os produz. No obstante isso, o labor tem uma forma deprodutividade que no est em produtos, mas na prpria fora humana queproduz. Essa fora humana no se esgota com a produo dos meios desobrevivncia e subsistncia, e capaz de ter um excedente, que j no necessrio reproduo de cada um e constitui o que o labor produz. Emoutraspalavras,oqueo laborproduz forade trabalho portanto,condiesdesubsistncia.

  • Ora, enquanto na sociedade do homo faber o centro dos cuidados humanoseraapropriedadeeo mundodividiase empropriedades, j numa sociedade dominada pela idia do animal laboraras, ou seja, na sociedade deoperrios ou sociedade de consumo, o centro j no o mundo, construdopelohomem,masa meranecessidadedavida, apurasobrevivncia.Comooanimal laborans, o homem que labora, ou, lato sensu, o operrio, est nomundo,mas indiferenteaomundo,mesmoporqueo labor,porassimdizer,em certa medida, noprecisado mundoconstrudopelo homem, a atividadedo laborar uma atividadeextremamente isolada.Em termos de labor, compartilhamos todos de um mesmo destino, mas no compartilhamos coisa nenhuma,porqueasobrevivnciaacossaacadaqualindividualmenteeisolanosunsdosoutros.O homem movidopela necessidade noconheceoutrovalor,nem conhece outra necessidade, seno sua prpria sobrevivncia. Nasociedade de operrios, somos todos equalizados pela necessidade e voltadosparansmesmos.Somostodosforadetrabalhoe,nessesentido,umprodutoeminentemente fungvel. No mundo do animal laborans, tudo se torna absolutamentedescartvel.Nadatemsentido,senoparaasobrevivnciadecadaqual,ouseja,numasociedadedeconsumo,oshomenspassamaser julgados,todos,segundoasfunesqueexercemnoprocessodetrabalhoedeproduosocial.

    Assim,seantes,nomundodohomofaber,aforadetrabalhoeraaindaapenasummeiodeproduzirobjetosdeuso,nasociedadedeconsumoconferese fora de trabalho o mesmo valor que se atribui s mquinas, aosinstrumentos de produo. Com isso, instaurase uma nova mentalidade, amentalidade da mquina eficaz, que primeiro uniformiza coisas e seres humanos para, depois, desvalorizar tudo, transformando coisas e homens embens de consumo, isto , bens no destinados a permanecer, mas a seremconsumidoseconfundidoscomoprprio sobreviver,numaescaladaem velocidade,quebemsevnarapidezcomquetudosesupera,nachamadacivilizaodatcnica.Oqueestemjogoaquiageneralizaodaexperinciadaproduo,naqualautilidadeparaasobrevivnciaestabelecidacomocritrioltimo,paraavidaeparaomundodoshomens.Ora,ainstrumentalizaodetudo,porexemplo,acrianaquedemanhescovaosdentes,usaaescova,apasta e a gua e com isso contribui para o produto interno bruto da nao,conduz idiadequetudoafinal meio, todoprodutomeioparaumnovoproduto, de tal modo que a sociedade concentrase em produzir objetos deconsumo.Consumoeste,denovo,meioparaoaumentodaproduo,eassimpor diante. Na lgica da sociedade de consumo, tudo o que no serve aoprocessovitaldestitudodesignificado.Atopensamentotornasemeroatodeprever conseqncias e s nessa medida valorizado.Entendese assim avalorizao dos saberes tcnicos, sobretudo quando se percebe que osinstrumentoseletrnicosexercemafunocalculadoramuitomelhordoqueocrebro.Enodireitoessalgicadasociedadedeconsumo

  • tornaomeroinstrumentodeatuao,decontrole,deplanejamento,tornandoseacinciajuridicaumverdadeirosabertecnolgico.

    Oltimoestgiodeumasociedadedeoperrios,deumasociedadedeconsumo, que a sociedade de detentores de empregos, requer de seusmembrosumfuncionamentopuramenteautomtico,comoseavidaindividualrealmente houvesse sido afogada no processo vital da espcie e a nicadeciso ativa exigida do indivduo fosse, por assim dizer, deixarse levar,abandonar sua individualidade, as dores e as penas de viver ainda sentidasindividualmente, e aquiescer num tipo funcional de conduta entorpecida etranqilizante. Para o mundo juridico, o advento da sociedade do homo laborarassignifica,assim,acontingnciadetodoequalquerdireito,quenoapenaspostopordeciso,mastambmvaleemvirtudededecises,noimportaquais,isto,naconcepodoanimallaborans,criouseapossibilidadedeumamanipulao de estruturas contraditrias, sem que a contradio afetasse afuno normativa. Por exemplo, a resciso imotivada de um contrato delocaopermitida,amanhpassaaserproibida,depoisvoltaaserpermitida,etudopermanentementereconhecidocomodireito,noincomodandoaessereconhecimentosuamutabilidade.Afilosofiadoanimallaboraras,dessemodo,assegura ao direito, enquanto objeto de consumo, enorme disponibilidade decontedos.Tudopassveldesernormadoeparaenormedisponibilidadedeendereados, pois o direito j no depende do status, do saber, do sentir decadaum,dasdiferenasdecadaum,dapersonalidadedecadaum.Aomesmotempo,continuasendoaceitoportodosecadaumemtermosdeumaterrveluniformidade. Em suma, com o advento da sociedade do animal laboraras,ocorreradicalreestruturaododireito,poissuacongrunciainternadeixadeassentarsesobreanatureza, sobreocostume,sobrearazo, sobreamoralepassareconhecidamenteabasearsenauniformidadedaprpriavidasocial,davida social moderna, com sua imensa capacidade para a indiferena.Indiferenaquantoaoquevaliaepassaavaler,isto,aceitasetranqilamentequalquer mudana. Indiferenaquanto incompatibilidadedecontedos, isto,aceitasetranqilamentea inconsistnciaeconvivesecomela.Indiferenaquanto s divergncias de opinio, isto , aceitase uma falsa idia detolerncia, comoamaiordetodasasvirtudes.Esteafinalomundo juridicodohomemquelabora,paraoqualodireitoapenasetosomenteumbemdeconsumo.

    O reconhecimento dessa situao, porm, no deve significar que estamos sucumbindo fatalidade e queascoisas so como so, no importaoque se faa. Se o direito se tornou hoje um objeto de consumo, alis comoocorre tambm com a cincia e a arte afinal, quanta gente hoje no estudasomente para ter maiores ou melhores chances de sobrevivncia no mercadode trabalho e quanta gente no adquire uma obra de arte porque nela vprincipalmenteuminvestimento,istonofazdele(comonofazdacincia

  • edaarte)umobjetodepermanentealienaohumana.Associedadesestoemtransformao e a complexidade do mundo est exigindo novas formas demanifestaodo fenmeno jurdico. E possvelque,notodistantementenofuturo, essa forma compacta do direito instrumentalizado, uniformizado egeneralizado sob a forma estatal de organizao venha a implodir, recuperandose, em manifestaes espontneas e localizadas, um direito de muitasfaces,peculiaraosgruposespessoasqueoscompem.Porisso,aconscinciade nossa circunstncia nodeve serentendida comoum momento final, mascomoum pontodepartida. Afinal, acincia nonos liberaporque nos tomamaissbios,masporquenostomamosmaissbiosqueacincianos libera.Adquirirasabedorianoatonemresultadodacinciaedoconhecimento,masexperinciaereflexo,exercciodopensar.Eparaisso,porfim,queconvidamoso leitor:pensarodireito,refletir sobresuas formashodiernasdeatuao, encontrarlhe um sentido, para ento vivlo com prudncia, estamarcavirtuosadojurista,queosromanosnoslegaramequenodesapareceudetodonafacedaTerra.

  • AUniversalidadedoFenmenoJurdico

    1. 1 DI R EI T O: OR I GE M , S I GN I F I CADOS E F U N ES

    Aquiloque,reverencialmente,ohomemcomumdenominadireito,observaumautorcontemporneo(Arnold,1971:47),

    "correspondeaumacertaatitude,uma formadepensar,uma maneiradereferirsesinstituieshumanasemtermosideais.Tratasedeumaexigncia do senso comum, profundamente arraigada, no sentido deque aquelas instituies de governo dos homens e de suas relaessimbolizem um sonho, uma projeo ideal, dentro de cujos limitesfuncionamcertosprincpios,comindependnciadosindivduos".Emparte,oquechamamosvulgarmentededireitoatua,pois,comoum

    reconhecimentode ideaisque muitasvezesrepresentamoopostodacondutasocial real. O direito aparece, porm, para o vulgo, como um complicadomundo de contradies e coerncias, pois, em seu nome tanto se vemrespaldadas as crenas em uma sociedade ordenada, quanto se agitam a revoluo e a desordem. O direito contm, ao mesmo tempo, as filosofias daobedincia e da revolta, servindo para expressar e produzir a aceitao dostatus quo, da situao existente, mas aparecendo tambm como sustentaomoraldaindignaoedarebelio.

    Odireito,assim,deumlado,protegenosdopoderarbitrrio,exercidomargemdetodaregulamentao,salvanosdamaioriacaticaedotira

  • noditatorial,datodosoportunidades iguaise,aomesmotempo,amparaosdesfavorecidos. Por outro lado, tambm um instrumento manipulvel quefrustra asaspiraesdos menosprivilegiados e permiteousode tcnicasdecontrole e dominao que, por sua complexidade, acessvel apenas a unspoucosespecialistas.

    Portudo issopodemosperceberqueodireito muitodifcildeserdefinido com rigor. De uma parte, consiste em grande nmero de smbolos eideaisreciprocamenteincompatveis,oqueohomemcomumpercebequandosevenvolvidonumprocessojudicial:pormaisqueeleestejasegurodeseusdireitos, a presena do outro, contestandoo, crialhe certa angstia quedesorganiza sua tranqilidade.Deoutraparte, nodeixadeserum dos maisimportantes fatores de estabilidade social, posto que admite um cenrio comum em que as maisdiversas aspiraespodemencontraruma aprovao eumaordem.

    Ora, para uma tentativa no de definio estrita, mas de mera aproximao do fenmeno jurdico, uma pista adequada parece encontrarse naprpriaorigemdapalavradireitoemnossacultura.Valemonos,paratanto,daexcelentemonografia deSebastioCruz(1971) sobreoassunto.Oproblemadequeparteoautoroseguinte:porque,aoladodapalavradolatimclssicojusesignificandotambmdireito,apareceuapalavraderectum (inicialmente,talvez,somenterectume,maistarde,tambmaformadirectum)enoalgumaoutra? Da palavra rectum ou da indoeuropia rekto' derivou Rechts, rightetc.e,dapalavraderectum,direito,derecho,diritto,droitetc.Qualseria,ento,aconvergnciasemnticaentrejusederectum?

    Enfrentando a questo, o autor observa que ao direito vinculase umasriedesmbolos,algunsmaiseloqentes,outrosmenos,equeantecederamaprpriapalavra.Dequalquermodo,odireitosempreteveumgrandesmbolo,bastantesimples,quesematerializava,desdehmuito,emumabalanacomdois pratos colocados no mesmo nvel, com o fiel no meio quando esteexistiaemposioperfeitamentevertical.Havia,ainda,outramaterializaosimblica, que varia de povo para povo e de poca para poca. Assim, osgregoscolocavamessabalana, comosdoispratos,massemo fielnomeio,namoesquerdadadeusaDik, filhadeZeuseThemis,emcujamodireitaestavaumaespadaeque, estandoempetendoosolhosbemabertos,dizia(declaravasolenemente)existirojustoquandoospratosestavam emequilbrio(son,dondeapalavraisonomia).Da,paraalnguavulgardosgregos,ojusto(odireito)significaroqueeravistocomoigual(igualdade).

    Josmboloromano,entreasvriasrepresentaes,correspondia, emgeral,deusaIustitia,aqualdistribuaajustiapormeiodabalana(comosdois pratos e o fiel bem no meio) que ela segurava com as duas mos. Elaficavadepetinhaosolhosvendadosedizia(declarava)odireito

  • (jus)quandoofielestavacompletamentevertical:direito(rectum)= perfeitamentereto,retodecimaabaixo(de+ rectum).

    As pequenas diferenas (mas, em termos de smbolo, significativas)entreosdoispovos mostramnosqueosgregosaliavamdeusaalgumaspalavras, das quais as mais representativas eramdkaion, significando algo ditosolenemente pela deusa Dik, e son, mais popular, significando que os doispratos estavam iguais. J em Roma, as palavras mais importantes eram jus,correspondendo ao grego dilcaion e significando tambm o que a deusa diz(quod lustitia dicit), e derectum, correspondendo ao grego son, mas com ligeirasdiferenas.

    Notamos, ademais, quea deusa grega tinhaosolhos abertos.Ora,osdois sentidos mais intelectuais para os antigos eram a viso e a audio.Aquela para indicar ou simbolizar a especulao, o saber puro, a sapienriaestapara mostrarovalorativo,ascoisasprticas,osaberagir, aprudncia,oapeloordem etc.Portanto,a deusagrega, estandodeolhos abertos, apontapara uma concepo mais abstrata, especulativa e generalizadora que precedia, em importncia, o saber prtico. J os romanos, com a Iustitia de olhosvendados,mostramquesuaconcepododireitoeraantesreferidaaumsaberagir, uma prudenca, um equilbrio entre a abstrao e o concreto. Alis,coincidentemente, os juristas romanos de modo preponderante no elaboramteorias abstratas sobre o justo em geral (como os gregos) mas construesoperacionais,dandoextremaimportnciaoralidade,palavrafalada,dondeaproveninciadelexdoverbolegere(ler,emvozalta).Almdisso,ofatodequeadeusagregatinhaumaespadaearomananomostraqueosgregosaliavamoconhecerodireitoforaparaexecutlo(iudicare),dondeanecessidadedaespada,enquantoaos romanos interessava, sobretudoquandohavia direito,ojusdicere,atividadeprecpuado juristaque,paraexercla,precisavadeumaatitude firme (segurar a balana com as duas mos, sem necessidade daespada) tanto que a atividade do executor, do iudicare, era para eles menossignificativa, sendo o iudex (o juiz) um particular, geralmente e a princpio,noversadoemdireito.

    Nocorrerdossculos,porm,aexpressojusfoi,poucoapouco,sendo substituda por derectum. Nos textos jurdicos latinos, esta ltima, tendocartermaispopularevinculadaaoequilbriodabalana,noaparecia,sendoencontradaapenasnasfontesnojurdicas,destinadasaopovo.Foiapartirdosculo IVd.C.queelacomeoua serusada tambmpelos juristas.Guardou,porm, desde suas origens, um sentido moral e principalmente religioso, porsuaproximidadecomadeificaodajustia.NossculosVIaoIX,asfrmulasderectumederectumpassamasobreporseaousodejus.DepoisdosculoIX,finalmente, derectum a palavra consagrada, sendo usada para indicar oordenamentojurdicoouumanormajurdicaemgeral.

  • A palavra direito, em portugus (e as correspondentes nas lnguas romnicas), guardou, porm, tanto o sentido do jus como aquilo que consagradopela Justia (em termosde virtude moral),quantoodederectum comoum exame da retido da balana, por meio do ato da Justia (em termos doaparelho judicial). Issopodeserobservadopelo fatode que hoje seutilizaotermo tanto para significar o ordenamento vigente "o direito brasileiro, odireitocivil brasileiro" , como tambm apossibilidadeconcedidapeloordenamento de agir e fazer valer uma situao "direito de algum" , no podendose esquecer ainda o uso moral da expresso, quando se diz "eu tinhadireitodefesa,masaleinomoconcedeu"(Cruz,1971:58).

    Essasobservaes iniciais j nosdocontadequecompreenderoquesejaodireitonotarefafcil.Nosumfenmenodegrandeamplitudeemuitas facetas, mas tambm a prpria expresso direito (e seus correlatos)possui diferenas significativas que no podem ser desprezadas. Isso coloca otericodiantedeumproblemacujasrazestmdeserelucidadasantesqueumensaiodesoluopossaserproposto.

    1.2 BUSCA DE UMA COMPREENSAO UNIVERSAL CONCEPES DE LNGUA E DEFINIO DE DIREITO

    Os juristas sempre cuidam de compreender o direito como um fenmeno universal. Nesse sentido, so inmeras as definies que postulam essealcance.Noocasode reproduzirse numa srie, certamente inacabada,ostextosqueensaiamesseobjetivo.Nosjuristas,mastambmfilsofosecientistassociaismostramoumostrarampreocupaessemelhantes.

    H algo de humano, mas sobretudo de cultural nessa busca. A possibilidadedeseforneceraessnciadofenmenoconfereseguranaaoestudoeao.Umacomplexidadenoreduzidaaaspectosuniformesenuclearesgeraangstia, parece subtrairnos o domnio sobre o objeto. Quem no sabe poronde comear sentese impotente e, ou no comea, ou comea sem convico.

    Na tradio cultural do Ocidente, h um elemento importante quepermitir visualizaroproblema de umdos modoscomoelepode ser enfrentado.Referimonosconcepoda lnguaemseurelacionamentocomarealidade.Abstraofeitadosdiferentesmatizesquedecadaconcepodalnguapudesseserapresentada,notamos,sobretudoentreosjuristas,umaconcepocorrespondente chamada teoria essencialista. Tratase da crena de que alnguaum instrumentoquedesignaarealidade,dondeapossibilidadedeosconceitoslingsticosrefletiremumapresumidaessnciadascoi

  • sas.Nessesentido,aspalavrassoveculosdessesconceitos.Quemdiz"mesa"refereseaumacoisaque,emsuasvariaespossveis,possuiumncleo invarivelquepossibilitaum"conceitodemesa"ea identificaodasdiversasmesas.

    Essaconceposustenta,emgeral,quedevehaver,emprincpio,umas definio vlida para uma palavra, obtida por meio de processos intelectuais, como, por exemplo, a abstrao das diferenas e determinao doncleo: "mesa", abstrao feita do material (madeira, ferro, vidro), do modo(redonda, quadrada, de quatro ps) levanos essncia (por exemplo: objetoplano,a certaalturadocho,que servepara sustentar coisas).Esse realismoverbal,contudo,sofremuitasobjees.Afinal,bvioque"mesa"noapenasesteobjetoemcimadoqualcolocomeuspapis,umcinzeiro,algumasfrutas,mastambm mesadiretorados trabalhos,amesaqueaempregadaaindanops,amesaprdigadesicrano,daqualmuitosdesfrutametc.Como,ento,falarda"essncia"designada?

    Essasobjees nosonovas.Desdea Antigidade,elasconstituem apauta de muitas disputas. Em nome da concepo essencialista, porm, floresceram diferentes escolas, umas afirmando, outras negando, total ou parcialmente,apossibilidadedeseatingiremasessncias.Donde,porexemplo,aafirmaodorelativismo,emseusdiversosmatizes,quantopossibilidadedeohomemconhecerascoisas,osobjetosqueocercamou,aomenos,conheclosverdadeiramente.

    Os autores jurdicos,em sua maioria, tmuma visoconservadoradateoriadalngua,sustentando,emgeral,noqueserefereaosobjetosjurdicos,a possibilidade de definies reais, isto , a idia de que a definio de umtermo deve refletir, por palavras, a coisa referida. Por isso, embora noneguemocarter vagodo termo direito, queoradesignaoobjetodeestudo,oraonomedacincia(porexemplo:a"CinciadoDireito" estudao"direito"), ora o conjunto de normas, ou das instituies (por exemplo: o direitobrasileiroprescreve pena paraocrimede morte,o direito nodeve mais admitir a pena de banimento) direito objetivo , ora direito no sentido ditosubjetivo (meu direito foi violado), todos eles no se furtam tentativa dedescobriroque"odireitoemgeral".Eaentramnumapolmicadesculos,cujas razes, obviamente, esto, entre outros motivos, em sua concepo delngua(Nino,1980:12).

    Emgeral,oqueseobservaquegrandepartedasdefinies(reais)dodireito, isto , do fenmeno jurdico em sua "essncia", ou so demasiadogenricas e abstratas e, embora aparentemente universais, imprestveis paratraarlheoslimites,ousomuitocircunstanciadas,oquefazquepercamsuapretendidauniversalidade.Exemplodoprimeirocasoaafirmaodequeodireitoaintenofirmeeconstantededaracadaumoqueseu,nolesarosoutros,realizarajustia.Nosegundo,temosafirmaesdotipo:

  • direito o conjunto das regras dotadas de coatividade e emanadas do poderconstitudo.

    Ao enfoque essencialista da lngua opese uma concepo convencionalista, em geral defendida hoje pela chamada filosofia analtica (cf. Ayer,1978).Alnguavistacomoumsistemadesignos,cujarelaocomarealidadeestabelecidaarbitrariamentepeloshomens.Dadoessearbtrio,oquedeveserlevadoemcontaouso(socialoutcnico)dosconceitos,quepodemvariardecomunidade para comunidade. Desse modo, a caracterizao de um conceitodeslocase da pretenso de se buscar a natureza ou essncia de alguma coisa(quea mesa?)paraa investigaosobreoscritriosvigentesnousocomumparausarumapalavra(comoseemprega"mesa"?).Senosatemosaouso,todaequalquer definio nominal (e no real), isto , definir um conceito no amesma coisa que descrever uma realidade, pois a descrio da realidadedependedecomodefinimosoconceitoenoocontrrio.Ouseja,adescriodarealidade varia conforme os usos conceituais. Se, no uso corrente da lnguaportuguesa,definimos"mesa"comoumobjetofeitodematerialslido,acertaalturadocho,queserveparaprcoisasemcima(amesademadeira,dequatropernas), a descrio da realidade ser uma. Se definimos como um objetoabstrato,referentequalidadedacomidaqueseserve(aboamesasatisfezosconvidados),entoadescrioseroutra.

    Isso no implica um relativismo, que uma posio que pressupe aconcepoessencialistaparadepoisnegla.Poisnoseafirmaqueaessnciainatingvel, mas que a questo da essncia no tem sentido. A "essncia" de"mesa"noestnemnascoisasnemnaprpriapalavra.Naverdade,"essncia"apenas,elaprpria,umapalavraqueganhasentidonumcontextolingstico:depende de seu uso. Para os convencionalistas s h um dado irrecusvel: oshomenscomunicamse,querqueiramquerno(impossvelnosecomunicar,pois no se comunicar comunicar que no se comunica). Essa comunicaoadmite vrias linguagens (falada, por gestos, pictrica, musical etc.). Emconseqncia,adescriodarealidadedependedalinguagemusada,eemcasoscomo o da msica podese at dizer que a linguagem (musical) e a realidade(musical)seconfundem.

    Circunscrevendonos linguagem falada, base de todas as demais formasdecomunicaohumana,podesedizerqueoconvencionalismoseprope,ento,ainvestigarosusoslingsticos.Seadefiniodeumapalavrasereportaaumusocomum,tradicionaleconstante,falamosdeumadefiniolexical.Essadefinioserverdadeirasecorrespondequeleuso.Porexemplo,sedefinimos"mesa"comoumobjetoredondoqueserveparasentarse,adefiniofalsa.Apalavra no se usa assim em portugus. Definies lexicais admitem, pois, osvaloresverdadeiro/falso.Nemsempre,porm,umapalavraseprestadefiniodessetipo.Ouporqueousocomummuitoim

  • preciso, ou porque imprestvel, por exemplo, para uma investigao maistcnica.Nessescasos,podemosdefinirdeformaestipulativa, isto,propomosumusonovoparaovocbulo,fixandolhearbitrariamenteoconceito. Eocasodapalavraleique,admitindomuitosusos(leifsica,leisocial,leisdanatureza,a Lei de Deus), exige uma estipulao (por exemplo, enunciado prescritivogeral, emanado pelo Parlamento, conforme os ditames constitucionais),devendose lembrar que, obviamente, o que uso novo hoje pode tomarseamanhusocomum.

    Quando essa estipulao, em vez de inovar totalmente (por exemplo,"ego","superego",napsicanlise),escolheum dosusoscomuns,aperfeioandoo (norma como prescrio de um comportamento, dotada de sano), entofalamos emredefinio (Lantella, 1979:33). As estipulaese as redefiniesnopodemserjulgadaspelocritriodaverdade,masporsuafuncionalidade,oque depende, obviamente, dos objetivos de quem define. Assim, umaredefinio ou estipulao do que se entenda por "justia" ser funcional ouno, conforme o objetivo do definidor seja atendido. Ela poder ser clara eprecisa, mas no funcional, se o objetivo, por exemplo, persuadir umeleitorado heterogneoa votarcertas medidas (quando,ento,ousodeveriaserdifusoeobscuro,paracooptaromximoapoio).

    Umaposioconvencionalistaexigeademaisqueseconsideremosdiferentesngulos deuma anlise lingstica. Quandodefinimoso conceitodedireito,pois, importante saber seestamospreocupadosem saber sese tratadeumsubstantivooudeumadjetivo,oudeumadvrbio, tendoemvistaseurelacionamento formal (gramatical) numa proposio. Ou se estamos preocupados em saber aquilo que queremos comunicar com seu uso, ou seja, sequeremossabersedireitoserefereaumconjuntodenormasouaumafaculdade ou a uma forma de controle social. Ou ainda se nos preocupa a repercussodesseusoparaaquelesquesevalemdaexpressoquando,porexemplo,algumproclama:"odireitoumarealidadeimperecvel!"Noprimeirocaso,aanlise sinttica, isto , estamos preocupados em definir o uso do termotendo em vista a relao formal dele com outros vocbulos (por exemplo,direito uma palavra que qualifica (adjetivo) um substantivo, digamos ocomportamento humano,oudireito modifica um mododeagir agirdireito:advrbio).Nosegundocaso,aanlise semntica, isto,queremos definirousodotermotendoemvistaarelaoentreeleeoobjetoquecomunica(porexemplo: direito designa um comportamento interativo ao qual se prescreveumanorma).Noterceiro,definimosousodotermotendoemvistaarelaodotermoporquemeparaquemousae,nessecaso,aanlisepragmtica(porexemplo:apalavradireitoserveparaprovocaratitudesderespeito,temor).

    Ora,otermodireito,emseuusocomum,sintaticamenteimpreciso,poispodeserconectadocomverbos(meusdireitosnovalem),comsubstan

  • tivos(odireitoumacincia),comadjetivos(estedireitoinjusto),podendoele prprio ser usado como substantivo (o direito brasileiro prev...), comoadvrbio(fulanonoagiudireito),comoadjetivo(nosetratadeumhomemdireito). J do ponto de vista semntico, se reconhecemos que um signolingsticotemumadenotao(relaoaumconjuntodeobjetosqueconstituisuaextensoporexemplo,apalavraplanetadenotaosnoveastrosquegiramemtornodoSol)eumaconotao(conjuntodepropriedadesquepredicamosaumobjetoequeconstituemsuaintensocoms,emcorrelaocomextensoporexemplo,apalavrahomem conotao serracional,dotadodacapacidadede pensar e falar), ento preciso dizer que direito , certamente, um termodenotativa e conotativamente impreciso. Falamos, assim, em ambigidade evagueza semnticas. Ele denotativamente vago porque tem muitossignificados (extenso).Veja a frase:"direito umacincia (1)que estudaodireito(2)quernosentidodedireitoobjetivo(3)conjuntodasnormas,querno de direito subjetivo (4) faculdades". Ele conotativamente ambguo,porque,nousocomum,impossvelenunciaruniformementeaspropriedadesque devem estar presentes em todos os casos em que a palavra se usa. Porexemplo, se definirmos direito como um conjunto de normas, isto no cabepara direito como cincia. Ou seja, impossvel uma nica definio queabarqueosdoissentidos.Porfim,pragmaticamente,direitoumapalavraquetem grande carga emotiva. Como as palavras no apenas designam objetos esuas propriedades, mas tambm manifestam emoes (injustia!tradicionalista! liberalide!), preciso terse em conta isto para definilas. Adificuldadequedadecorreestemque,aodefinirdireito,podemosmelindraroleitor,sepropomos,porexemplo,umadefiniopretensamenteneutracomo:direitoumconjuntodeprescriesvlidas,noimportasejustasouinjustas.

    Dadasessascaractersticasdousodapalavradireito,evidenteque,doponto de vista da concepo convencionalista da lngua, uma definiomeramente lexicaldoconceitomuitodifcil.Restarnosia,pois,ouocaminhodaredefinioou,ento,deumapuraestipulao.Estaltimaterodefeito,numcompndiodeIntroduo,decriarcertadistnciaparacomosusoshabituais,gerandoumaincompreensoporpartedoestudante,quandotopassecom os usos tradicionais. Por isso, optaramos pela redefinio. Contudo,tendo em vista a carga emotiva da palavra, preciso saber que, qualquerdefinio que se d de direito, sempre estaremos diante de uma definiopersuasiva (Stevenson,1958:9).Issoporquemuitodifcil,senoimpossvel,noplanodaprticadoutrinria jurdica,umadefinioneutra,emqueacargaemotiva tivesse sido totalmente eliminada. Como a lngua um fenmenocomunicativo, mesmo que tentssemos uma tal definio (como a procurouKelsen, em sua Teoria Pura do Direito), a discusso terica acabaria porrestabeleceraquelacargaemquepeseaintenodeseuproponente.Assim,omximoqueobteremosredefinirosignificadodotermodireito, procurandomanterintactoseuvaloremotivo.Tentaremosisso,primei

  • ro, no escondendo aquela carga, segundo, salientando que, em face daproposta, h tambm outras alternativas, e, terceiro, explicitando o melhorpossvel nossa prpria opo em termos valorativos, o que nos conduzir questodaideologia,comoveremosposteriormente.

    1.3 PROBLEMA DOS DIFERENTES ENFOQUES TERICOS: ZETTICO E DOGMTICO

    Umaredefiniodotermodireitoenvolvealgumasdificuldadesiniciais.Redefinir umproblemadenaturezaterica,mastambmprtica.Apropostadeumconceitoenvolveseuconhecimento,masesteconhecimentotemsemprerepercusso na prpria vida jurdica. Nesse sentido, j houve quem dissesse(Ascarelli) que a "cincia do direito" evolui de modo diferente das demaiscincias,pois no h uma histria da cincia jurdica separada da histria doprprio direito. Enquanto, por exemplo, as teorias fsicas sobre o movimento,dosgregosanossosdias,voseultrapassando,medidaqueo fenmenovaiconhecendo novas explicaes que o organizam (lingisticamente) de mododiferente, as teorias jurdicas sobre a posse "se ultrapassam" apenas numsentido figurado. Isso porque, enquanto para as demais cincias o objeto deestudo um dado que o cientista pressupe como uma unidade, o objeto deestudo do jurista , por assim dizer, um resultado que s existe e se realizanuma prtica interpretativa. Assim, a teoria jurdica da posse evolui etransformase medida que atua, positiva ou negativamente, sobre a prpriaposse,noconvviosocial.

    Em termos de uma concepo convencionalista da lngua, diramos,ento,quetantoo fsicoquantoo jurista tmsuasdefiniesguiadasporcritrios de utilidade terica e de convenincia para a comunicao. Enquanto,porm, para o fsico essa comunicao tem um sentido estritamente informativo,paraojuristaelacombinaumsentidoinformativocomumdiretivo.Umacomunicao tem sentido informativo quando utiliza a linguagem paradescrever certo estado das coisas. Por exemplo, "esta mesa est quebrada".Temsentidodiretivoquandoalnguautilizadaparadirigirocomportamentodealgum,induzindooaadotarumaao.Porexemplo,"conserteamesa".Ora,quandoum fsicodefineo movimento, preponderaa funo informativa. Suasdefiniestericassuperamsemedidaqueoestadodecoisasreferidomuda,ou porque se descobrem novos aspectos relevantes, ou porque os aspectosantes tidos por relevantes noo so mais. J quandoo juristadefine aposse,mesclamseasduas funes.Ele no informaapenas sobrecomoseentende aposse, mas tambm como ela deve ser entendida. Assim, suas definiestericassuperamsemedidaquedeixamdeserguiaparaaao.No

  • casodo fsico, adefinio superadaporque se tornou falsa.Nocasodo jurista,porquedeixoudeseratuante.Ouseja, asdefiniesda fsica,emgeral,solexicais,asdojuristasoredefinies.Nessesentido,sediztambmqueacincia juridica no apenas informa, mas tambm conforma o fenmeno queestuda,fazpartedele.Apossenoapenasoquesocialmente,mastambmcomointerpretadapeladoutrinajurdica.

    Posto isto, importante que se fixe, numa introduo ao estudo dodireito, qual o enfoque terico a ser adotado. Isso porque o direito pode serobjeto de teorias bsicas e intencionalmente informativas, mas tambm deteorias ostensivamente diretivas. Definamos (estipulao) uma teoria comouma explicao sobre fenmenos, a qual se manifesta como um sistema deproposies. Essas proposies podem ter funo informativa, ou combinarinformativocomdiretivo.Ora,dependedoenfoqueadotadoousoquesefarda lngua. Assim, o direito, como objeto, pode ser estudado de diferentesngulos. Para esclareclos, vamos distinguir, genericamente, entre um enfoquezetticoeum dogmtico(Viehweg,1969).

    Paraentender isso, vamosadmitir que toda investigaocientficaesteja sempre s voltascom perguntase respostas,problemasquepedem solues, solues jdadas que se aplicam elucidaodeproblemas. Apenas attulo de esclarecimento, tomemos como exemplo a seguinte anedota "histrica".Scratesestavasentadoportadesuacasa.Nesse momento,passaumhomem correndo e atrs dele vem um grupo de soldados. Um dos soldadosento grita: agarre esse sujeito, ele um ladro! Ao que responde Scrates:que voc entende por "ladro"? Notamse aqui dois enfoques: o do soldadoquepartedapremissadequeosignificadodeladroumaquestojdefinida,uma"soluo"jdada,sendoseuproblemaagarrloeodeScrates,paraquem a premissa duvidosa e merece um questionamento prvio. Os doisenfoques esto relacionados, mas as conseqncias so diferentes. Um, aopartir de uma soluo j dada e pressuposta, est preocupado com umproblema de ao, de como agir. Outro, ao partir de uma interrogao, estpreocupadocomumproblema especulativo,de questionamentoglobal eprogressivamenteinfinitodaspremissas.

    Temos,portanto,duaspossibilidadesdeprocederinvestigaodeumproblema:ouacentuandooaspectopergunta,ouacentuandooaspectoresposta.Se o aspecto pergunta acentuado, os conceitos bsicos, as premissas, osprincpios ficamabertosdvida. Isto,aqueleselementosqueconstituemabase para a organizao de um sistema de enunciados que, como teoria,explica um fenmeno, conservam seu carter hipottico e problemtico, noperdem sua qualidade de tentativa, permanecendo abertos crtica. Esseselementosservem,pois,deumlado,paradelimitarohorizontedosproblemasa serem tematizados, mas, ao mesmo tempo, ampliam esse horizonte, aotrazeremestaproblematicidadeparadentrodelesmesmos.Nose

  • gundo aspecto, ao contrrio, determinados elementos so, de antemo, subtrados dvida, predominando o lado resposta. Isto , postos fora dequestionamento, mantidos como solues no atacveis, eles so, pelo menostemporariamente, assumidos como insubstituveis, como postos de modo absoluto. Eles dominam, assim, as demais respostas, de tal modo que estas,mesmo quando postas em dvida em relao aos problemas, no pem emperigoaspremissasdequepartemaocontrrio,devemserajeitadasaelasdemaneiraaceitvel.

    No primeiro caso, usando uma terminologia de Viehweg, temos umenfoque zettco, no segundo, um enfoque dogmtico. Zettica vem de zetein,que significa perquirir, dogmtica vem de dokein, que significa ensinar, doutrinar. Embora entre ambas no haja uma linha divisria radical (toda investigao acentua mais um enfoquequeooutro,mas sempre temosdois), suadiferenaimportante.Oenfoquedogmticorelevaoatodeopinareressalvaalgumas das opinies. O zettico, ao contrrio, desintegra, dissolve as opinies, pondoas em dvida. Questes zetticas tm uma funo especulativaexplcitae so infinitas.Questesdogmticas tmuma funodiretiva explcita e so finitas. Nas primeiras, o problema tematizado configurado comoum ser (que algo?). Nas segundas, a situao nelas captada configurasecomo um deverser (como deveser algo?). Por isso, o enfoque zettico visasaberoqueumacoisa. Joenfoquedogmticopreocupaseempossibilitarumadecisoeorientaraao.

    Attulodeexemplo,podemostomaroproblemadeDeusnaFilosofiaena Teologia. A primeira, num enfoque zettico, pode pr em dvida suaexistncia, podequestionarat mesmoaspremissasda investigao,perguntandoseinclusiveseaquestosobreDeustemalgumsentido.Nessestermos,seu questionamento infinito, pois at admite uma questo sobre a prpriaquesto. J a segunda, num enfoque dogmtico, parte da existncia de Deuscomo uma premissa inatacvel. E se for uma teologia crist, parte da Bbliacomo fonteque nopode ser desprezada. Seuquestionamento,pois, finito.Assim, enquanto a Filosofia se revela como um saber especulativo, semcompromissos imediatoscomaao,omesmonoacontececomaTeologia,quetemdeestarvoltadaparaaorientaodaaonosproblemashumanosemrelaoaDeus.

    Parecenos claro que no enfoque zettico predomina a funo informativa da linguagem. J no enfoque dogmtico, a funo informativa combinase com a diretiva e esta cresce ali em importncia. A zettica maisaberta,porquesuaspremissassodispensveis,isto,podemsersubstitudas,seosresultadosnosobons,asquestesqueelapropepodematficarsemrespostaatqueascondiesdeconhecimentosejamfavorveis.Adogmtica mais fechada, pois est presa a conceitos fixados, obrigandose ainterpretaescapazesdeconformarosproblemasspremissaseno,como

  • sucede na zettica, as premissas aos problemas. Para esta ltima, se as premissasnoservem,elaspodemsertrocadas.Paraaquela,seaspremissasnoseadaptamaosproblemas,estessovistoscomo"pseudoproblemas"e,assim,descartados.Seucompromisso com aorientaoda ao impedea dedeixarsoluesemsuspenso.

    Esse questionamento aberto, que faz dos problemas zetticos questesinfinitas, no significa que no haja absolutamente pontos de partida estabelecidosde investigao. Isto, no se querdizerque algumaspremissas nosejam,aindaqueprovisriaeprecariamente,postasforadedvida.Assim,porexemplo, uma sociologia do direito (zettica) parte da premissa de que ofenmenojurdicoumfenmenosocial.Isso,entretanto,noaconfundecomumainvestigaodogmtica.

    Noplanodasinvestigaeszetticas,podemosdizer,emgeral,queelasso constitudasde um conjunto deenunciados que visa transmitir,de modoaltamente adequado, informaes verdadeiras sobre o que existe, existiu ouexistir. Esses enunciados so, pois, basicamente, constataes. Nossalinguagemcomum,queusamosemnossascomunicaesdirias,possui tambm constataes desse gnero. Por exemplo, Fulano de Tal est beira damorte. A cincia, no entanto, constituda de enunciados que completam erefinamasconstataesdalinguagemcomum.Ummdicotemdeesclareceroqueentende,estritamente,pormorteeemquemedidaverificvelalgumpodesertidocomoestandomorte.Daadiferenageralmenteestabelecidaentreochamado conhecimento vulgar (constataes da linguagem cotidiana) e oconhecimento cientfico, que procura dar a suas constataes um carterestritamente descritivo, genrico, mais bem comprovado e sistematizado,denotativa e conotativamente rigoroso, isto , o mais isento possvel deambigidadesevaguezas.

    Uma investigao cientfica de natureza zettica, em conseqncia,constrise com base em constataes certas, cuja evidncia, em determinadapoca, indicanos,emaltograu,queelassoverdadeiras.Apartirdelas,ainvestigao caracterizase pela busca de novos enunciados verdadeiros, seguramente definidos, constituindo um corpo sistemtico. Como a noo deenunciado verdadeiro est ligada s provas propostas e aos instrumentos deverificaodesenvolvidos no correr daHistria, a investigaozetticapodeserbemdiferentedeumapocaparaoutra.

    Comoconstitudacombaseemenunciadosverdadeiros,osenunciados duvidosos ou de comprovao e verificao insuficientes deveriam serdela, em princpio, excludos. Desde que, porm, o limite de tolerncia paraadmitirseumenunciadocomocomprovadoeverificadoseja impreciso,costumase distinguir entre hipteses aqueles enunciados que, em certa poca,sodecomprovaoeverificaorelativamentefrgeiseleisaqueles

  • enunciados que realizam comprovao e verificao plenas. Ambos, porm,esto sempre sujeitos a questionamento, podendo ser substitudos, quandonovascomprovaeseverificaesosrevelemcomomaisadequados.

    Oimportanteaquiaidiadequeumainvestigaozetticatemcomoponto de partida uma evidncia, que pode ser frgil ou plena. E nisso ela sedistinguedeumainvestigaodogmtica.Emambas,algumacoisatemdesersubtrada dvida, para que a investigao se proceda. Enquanto, porm, azettica deixa de questionar certos enunciados porque os admite comoverificveis ecomprovveis, adogmtica noquestionasuaspremissas,porqueelas foramestabelecidas (porumarbtrio,porumatodevontadeoudepoder)como inquestionveis. Nesse sentido, a zettica parte de evidncias, adogmtica parte de dogmas. Propomos, pois, que uma premissa evidentequandoestrelacionadaaumaverdadedogmtica,quandorelacionadaaumadvida que, no podendo ser substituda por uma evidncia, exige umadeciso. A primeira no se questiona, porque admitimos sua verdade, aindaque precariamente, embora sempre sujeitaa verificaes. Asegunda, porque,diantedeumadvida,seramoslevadosparalisiadaao:deumdogmanose questiona noporqueele veicula uma verdade, mas porqueele impe umacerteza sobre algo que continua duvidoso. Por exemplo, para o socilogo dodireitoaquestodesesabersefuncionriopblicopodeounofazergrevetalcomoqualquertrabalhadorumaquestoaberta,naquala legislaosobreoassunto um dado entre outros, o qual pode ou no servir de base para aespeculao.Sem compromisso coma soluodeconflitosgeradosporumagreve de fato, ainda que legalmente proibida, o socilogo se importar comoutrospressupostos,podendo,inclusive,desprezaraleivigentecomopontodepartidaparaexplicaroproblema.Jodogmtico,pormaisqueseesmereeminterpretaes,estadstritoaoordenamentovigente.Suassoluestmdeserpropostas nos quadros da ordem vigente, no a ignorando jamais. A ordemlegal vigente, embora no resolva a questo da justia ou injustia de umagrevedefuncionriospblicos(aquestodajustiapermanente),pefimsdisputas sobre o agir, optando por um parmetro que servir de base para asdecises(aindaquealgumcontinueajulgar injustooparmetroestabelecidoisto,advidapermaneanoplanodosfatosedasavaliaessociais).

    Ora,postoisto,precisoreconhecerqueofenmenojurdico,comtodaa sua complexidade, admite tanto o enfoque zettico, quanto o enfoquedogmtico,emsuainvestigao.Issoexplicaquesejamvriasascinciasqueotomem por objeto. Em algumas delas, predomina o enfoque zettico, emoutras, o dogmtico. No que segue, vamos examinar as duas possibilidades,para ento propor um ponto de partida para esta Introduo ao Estudo doDireito.

  • 1.4 ZETTICA JURDICA

    O campo das investigaes zetticas do fenmeno juridico bastanteamplo. Zetticas so, por exemplo, as investigaes que tm como objeto odireitonombitodaSociologia,daAntropologia,daPsicologia,daHistria,daFilosofia, da Cincia Poltica etc. Nenhuma dessas disciplinas especificamente jurdica. Todas elas so disciplinas gerais, que admitem, no mbito desuaspreocupaes,umespaoparaofenmenojurdico.A medida,porm,queesseespaoaberto,elas incorporamseaocampodas investigaes jurdicas,sobonomedeSociologiadoDireito,FilosofiadoDireito,PsicologiaForense,Histria do Direito etc. Existem, ademais, investigaes que se valem demtodos, tcnicas e resultados daqulas disciplinas gerais, compondo, cominvestigaes dogmticas, outros mbitos, como o caso da Criminologia, daPenalogia,daTeoriadaLegislaoetc.

    Daperspectivapornsproposta,opontocomumquedistingueeagrupaessasinvestigaesseucarterzettico.Comoainvestigaozetticatemsuacaractersticaprincipalnaaberturaconstanteparaoquestionamentodosobjetosemtodasasdirees(questesinfinitas),preciso,apropsitodisso,procederasuaexplicitao.

    Vamospartirdeumexemplo.Suponhamosqueoobjetodeinvestigaoseja a Constituio. Do ngulo zettico, o fenmeno comporta pesquisas deordem sociolgica, poltica, econmica, filosfica, histrica etc. Nessaperspectiva,oinvestigadorpreocupaseemampliarasdimensesdofenmeno,estudandooemprofundidade,semlimitarseaosproblemasrelativosdecisodos conflitos sociais, polticos, econmicos. Ou seja, pode encaminhar suainvestigaoparaosfatoresreaisdopoderqueregemumacomunidade,paraasbaseseconmicasesuarepercussonavidasociopoltica,paraumlevantamentodosvaloresque informamaordemconstitucional,paraumacrtica ideolgica,sempreocuparseemcriarcondiesparaadecisoconstitucionaldosconflitosmximos da comunidade. Esse descompromissamento com a soluo deconflitostornaainvestigaoinfinita,liberandoaparaaespeculao.

    Como, porm, em toda investigao zettica, alguns pressupostos admitidoscomoverdadeirospassamaorientarosquadrosdapesquisa,possveldistinguirlimiteszetticos.Assim,umainvestigaopodeserrealizadanonvelemprico, isto , nos limites da experincia, ou de modo que ultrapasse esseslimites, no nvel formal da lgica, ou da teoria do conhecimento ou dametafsica, por exemplo. Alm disso, a investigao pode ter um sentido puramente especulativo, ou pode produzir resultados que venham a ser tomadoscomobaseparaumaeventual aplicaotcnicarealidade.Tendoemvistaesseslimites,podemosassimfalaremzetticaempricaezettica

    analtica.Tendoemvistaaaplicaotcnicadosresultadosda

  • investigao, falamosemzettica pura eaplicada.Noexemploanterior, a investigao da constituio com vista na realidade social, poltica, econmica,dsenoplanodaexperincia,sendo,pois,umainvestigaozetticaemprica.Se partirmos, porm, para uma investigao de seus pressupostos lgicos,endereandonosparaumapesquisa noplanoda lgicadasprescries, indagandodocarterdenormaprimeiraefundamentaldeumaConstituio,entoestaremos realizando uma investigao zettica analtica. Poroutro lado, se ainvestigaodofenmenoconstitucionalsedcomofimdeconheceroobjetopara mostrar como Constituies, social, histrica, poltica, economicamenteatuam, ento estamos tratando de zettica aplicada, pois os resultados dainvestigaopodemseraplicadosnoaperfeioamentodetcnicasdesoluodeconflitos.Se,porm,ainvestigaotemumamotivaodesligadadequalqueraplicao, ento um estudo da constituio, por exemplo, como formaprescritivafundamental,baselgicadeumsistemadenormas,terosentidodeumazetticapura.

    O direito, como objeto, comporta todas essas investigaes. Assim,podemos dizer, mais genericamente, que sua investigao zettica admite aseguinteclassificao:

    ZETTICAJURDICA

    pura

    1.Zetticaemprica

    sociologiajurdicaantropologiajurdicaetnologiajurdicahistriadodireitopsicologiajurdicapolitologiajurdicaeconomiapoltica

    aplicada

    {

    psicologiaforensecriminologiapenalogiamedicinalegalpolticalegislativa

    2.Zetticaanalticapura {

    filosofiadodireitolgicaformaldasnormasmetodologiajurdica

    aplicada{

    teoriageraldodireitolgicadoraciocniojurdico

  • Esse quadro no exaustivo, mas exemplificativo. As disciplinasapontadasinterseccionamse,apresentandomuitospontoscomuns.E,porisso,motivodedisputastericasadelimitaodeseucampoestritodeestudo.No nosso objetivo entrar nessa discusso. Nos currculos das faculdades deDireito, nem todas constam, embora suas investigaes tenham sempre umarelevncia para o estudo do fenmeno jurdico globalmente falando. Para oestudante de sublinhar, no entanto, seu carter zettico. Ou seja, em todaselas,oestudodofenmenojurdicofeitosemcompromissoscomosdogmassocialmente vinculantes, tendo em vista a tomadade deciso.Elas so livresno encaminhamento das pesquisas, sendo seu compromisso apenas com osenunciados verificveis.Em todaselas,o importantesabero que o direito,semapreocupao imediatadeorientar a ao enquanto prescrita. Sede suasinvestigaes alguma aplicao nesse tipo de orientao extrada, isto nofaz parte precipuamente de seus objetivos. Por exemplo, numa pesquisasociolgica(zetticaemprica)sobreodireitopenal,podemosmostrarque,nasociedadeatual,eleacabasendoumdireitoclassista,emqueumgrupojulgaeseprotegedeoutro.Dapodemostirarconseqnciasparaasoluonormativados conflitos. O socilogo, porm, no tem nenhum compromisso com isso,pois os resultados de seus estudos podem at mesmo produzir perplexidadesquedesorientem aao, isto,chegarnoasolues,masa novosproblemasque demandem novas investigaes e que, no momento, no permitam umatomadadefinitivadeposio.

    Emsntese,podemosestipularoseguinte:a) zettica analtica pura: desse ponto de vista, o terico ocupase

    com os pressupostos ltimos e condicionantes bem como com acrticadosfundamentosformaisemateriaisdofenmenojurdicoedeseuconhecimento

    b) zetticaanalticaaplicada:dessepontodevista,o tericoocupase com a instrumentalidade dos pressupostos ltimos e condicionantes do fenmeno jurdico e seu conhecimento, quer nosaspectosformais,quernosmateriais

    c) zetticaempr icapura:dessepontodevista,otericoocupasedodireitoenquantoregularidadesdecomportamentoefetivo,enquantoatitudes e expectativas generalizadas que permitam explicar osdiferentesfenmenossociais

    d) zetticaempr icaaplicada:dessepontodevista,otericoocupasedodireitocomouminstrumentoqueatuasocialmentedentrodecertascondiessociais.

    Paraesclareceressasntese,tomemoscomoexemploochamadodireitonatural.Tratase,conformeatradiodoutrinriaeemlinhasmuitogerais,dodireitoquenopostopornenhumaautoridadehumana,masque

  • nascecomoserhumano(porexemplo,odireitovida,liberdadeetc.).Poisbem,nombitodaanalticapura,nocasodeumafilosofiadodireito,aquestoencaminhasenosentidodediscutirsuaexistncia,desabersesetratadeumdireitoouapenasdeumconjuntodequalidadesdoserhumanoaoqualseatribui o carter de direito, de investigar se e como possvel seu conhecimento(porexemplo:a liberdadeumdado?precedeoestabelecimentodenormas?).Nombitodeumaanalticaaplicada,digamosdeumalgicadossistemasnormativos, jsediscutiriacomoasprescriesdedireitonaturalseposicionamidealmenteemfacedodireitopositivodospovos, isto,dodireitoestabelecido por uma autoridade, atuando sobre eles como padro: porexemplo, como a obrigatoriedade de respeitar a liberdade delimita o mbitodas normas que probem certos comportamentos. No mbito de uma zetticaemprica pura (uma sociologia jurdica), j se desejaria saber quais asregularidades efetivas de comportamento que correspondem ao chamado direitonatural,seelassodefatouniversais,quaisasdiferenasobservveisdepovo para povo (por exemplo: a liberdade tem o mesmo sentido para povosdiferentes, em pocas diferentes?). No mbito da zettica emprica aplicada(digamos, uma poltica legislativa), estaramos, por ltimo, interessados emmostrar, por exemplo, quais as dificuldades por que passa um legisladorquando pretende modificar certos comportamentos prescritos por um direitonatural, ou, ao contrrio, qual a efetividade daquelas prescries em face deum direito historicamente dado: por exemplo, num regime de economia demercado, o congelamento de preos por normas de direito econmico, aorestringiraliberdadedecomrcio,emquetermoselimitespodefuncionar?

    A zettica jurdica, nas mais diferentes discriminaes, corresponde,comovimos,sdisciplinasque,tendoporobjetonoapenasodireito,podem,entretanto, tomlo como um de seus objetos precpuos. Da a nomenclaturadas disciplinas como Filosofia do Direito, Lgica Jurdica, Sociologia doDireito, Histria do Direito etc. O jurista, em geral, ocupase complementarmentedelas.Elas so tidascomo auxiliares dacincia juridica stricto sensu.Esta ltima, nos ltimos 150 anos, temse configurado como um saber dogmtico. Ebvioqueoestudododireitopelo juristanosereduzaessesaber.Assim, embora ele seja um especialista em questes dogmticas, tambm,em certa medida, um especialista nas zetticas. Isso nos obriga, pois, a umexamepreliminardoquesejaumadisciplinadogmtica,umsaberdogmticododireito.

    1 .5DOGMTICAJ URDICA

    Sodisciplinasdogmticas,noestudododireito,acinciadodireitocivil,comercial,constitucional,processual,penal,tributrio,administrativo,

  • internacional, econmico, do trabalho etc. Uma disciplina pode ser definidacomo dogmtica medida que considera certas premissas, em si e por si arbitrrias (isto , resultantes de uma deciso), como vinculantes para o estudo,renunciandose,assim,aopostuladodapesquisaindependente.Aocontrriodasdisciplinas zetticas, cujas questes so infinitas, as dogmticas tratam dequestes finitas. Por isso podemos dizer que elas so regidas pelo quechamaremos de princpio da proibio da negao, isto , princpio da nonegao dos pontos de partida de sries argumentativas, ou ainda princpio dainegabilidadedospontosdepartida(Luhmann,1974).Umexemplodepremissadessegnero,nodireitocontemporneo,oprincpiodalegalidade,inscritonaConstituio,equeobrigaojuristaapensarosproblemascomportamentaiscombasenalei,conformelei,paraalmdalei,masnuncacontraalei.

    Jfalamosdessacaractersticadadogmtica.Elaexplicaqueosjuristas,em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendlo etornlo aplicvel dentro dos marcos da ordem vigente. Essa ordem que lhesaparece como um dado, que eles aceitam e no negam, o ponto de partidainelutvel de qualquer investigao. Ela constitui uma espcie de limitao,dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinaes para adeterminaooperacionaldecomportamentosjuridicamentepossveis.

    verdadeque o jurista terico, poroutro lado,no pode desprezar asinvestigaesarespeitodequalodireitoefetivodeumacomunidade,quaisosfatoressociaisquecondicionamsuaformao,qualsuaeficciasocial,qualsuarelevncia como instrumento de poder, quais os valores que o justificammoralmenteetc.Ouseja,elevalesetambmdapesquisazettica.Apesardisso,porm,emsuaperspectivapreponderaoaspectodogmtico.

    Essa limitao terica pode comportar posicionamentos cognitivos diversos que podem conduzir, por vezes, a exageros, havendo quem faa do estudo do direito um conhecimento demasiado restritivo, legalista, cego para arealidade,formalmenteinfensoprpriaexistnciadofenmenojurdicocomoumfenmenosocialpodelevarnosaindaacrerqueumadisciplinadogmticaconstituiumaespciedeprisoparaoesprito,oquesededuzdousocomumdaexpresso dogmtico, nosentidode intransigente, formalista,obstinado,quesvoqueasnormasprescrevem.

    Quanto ao primeiro ponto, preciso reconhecer que, nos dias atuais,quandosefalaemCinciadoDireito,nosentidodoestudoqueseprocessanasFaculdades de Direito, h uma tendncia em identificla com um tipo deproduotcnica,destinadaapenasaatendersnecessidadesdoprofissional(ojuiz, o advogado, o promotor) no desempenho imediato de suas funes. Naverdade,nosltimos100anos,ojuristaterico,porsuaformaouniversitria,foisendoconduzidoaessetipodeespecializao,fechadaeformalista.

  • Essa especializao, embora indesejvel porque demasiado restritiva,temsuaexplicao.Afinal,nopodemosesquecerqueoestudodogmticododireitoestligadoaumaduplaabstrao.Ouseja,comonoexistesociedadesem dogmas, pois, sem pontos fixos de referncia, a comunicao social(interao humana) impossvel (porexemplo, sema fixao bsicado sentidodaspalavrasnos impossvel falarumcomooutro,daa idiade lnguacomoumcdigo),todacomunidadeelaborasuasnormas.Todavia,asnormassno bastam. Sua ambigidade e vagueza (afinal elas se expressam por palavras) exigem tambm regras de interpretao. E preciso saber dizer no squalanorma,mastambmoqueela significa.Ora,asnormas(oudogmasdeao) so,elas prprias, umprodutoabstrato,eas regras sociais de interpretao (dogmas que dizem como devem ser entendidas as normas) sotambmumprodutoabstrato.Temos,pois,umprodutoabstrato,asregras,quetem por objeto outro produto abstrato, as normas. Da a dupla abstrao (nosentido de isolar normas e regras de seus condicionamentos zetticos). Poisbem,oobjetodoconhecimentojurdicodogmticoessaduplaabstrao,queojuristaelaboranumgraudeabstraoaindamaior(regrassobreasregrasdeinterpretao das normas). Com isso, seu estudo paga um preo: o risco dedistanciamentoprogressivodaprpriarealidadesocial.

    Quanto ao segundo ponto, preciso esclarecer o seguinte: quando sediz que o princpio bsico da dogmtica o da inegabilidade dos pontos departida, isto no significa que a funo dela consista nesse postulado,ou seja,queelaselimiteaafirmar,repetirdogmaspuraesimplesmente.Adogmticaapenas depende desse princpio, mas no se reduz a ele. Nesse sentido, umadisciplinadogmtica, comoa jurdica(ateologiaoutroexemplo),nodeveserconsideradaumaprisoparaoesprito,masumaumentoda liberdadenotrato com a experincia normativa. Isso porque, se com a imposio dedogmas e regras de interpretao, a sociedade espera uma vinculao doscomportamentos, o trabalho do terico cria condies de distanciamento daquelas vinculaes. O jurista, assim, ao se obrigar aos dogmas, parte deles,mas dandolhes um sentido, o que lhe permite certa manipulao. Ou seja, adogmtica jurdica no se exaure na afirmao do dogma estabelecido, masinterpreta sua prpria vinculao, ao mostrar que o vinculante sempre exigeinterpretao,oquea funodadogmtica.Deum modoparadoxal,podemos dizer, pois, que esta deriva da vinculao a sua prpria liberdade. Porexemplo, a Constituio prescreve: ningum obrigado a fazer ou deixar defazer alguma coisa seno em virtude de lei. O jurista conhece essa normacomooprincpioda legalidade.Prendesea ele.Noentanto,que significa alei?Comoelequemvaiesclarecer isso,criaseparao juristaummbitodedisponibilidade significativa: lei pode ser tomado num sentido restrito, alargado,ilimitadoetc.

    Vistodessengulo,percebemosqueoconhecimentodogmticodosjuristas,emboradependadepontosdepartidainegveis,osdogmas,notra

  • balha com c