revista teologia da convergência

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Teologia d a Convergênci a ênfase nas religiões afro-brasileiras A no I I - Nº4 - novembro de 2011 - ISNN 2236-1642 FESTAS DE SANTOS TAMBOR DE MINA DO MARANHÃO EXPERIÊNCIA RELIGIOSA A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA COMO REFERÊNCIA REIS ENCANTADOS REPRESENTAÇÃO DA NOBREZA LUSITANA

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Revista teologia da convergência 4 edição

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Teologia da Convergênciaênfase nas religiões afro-brasileirasAno I I - Nº4 - novembro de 2011 - ISNN 2236-1642

FESTAS DE SANTOS TAMBOR DE MINA DO MARANHÃO

EXPERIÊNCIA RELIGIOSA A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA COMO REFERÊNCIA

REIS ENCANTADOSREPRESENTAÇÃO DA NOBREZA LUSITANA

Teologia da Convergência é uma publicação da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU)

Diretor Geral da FTUF. Rivas Neto (Pai Rivas)

Vice-Diretora Geral da FTUMaria Elise Rivas

(Sacerdotisa Yamaracyê)

Coordenação do Curso e Editor-Chefe

Cassiano Terra Rodrigues

Jornalista responsável e diagramação

Rodrigo Mariano - MTB 32394/RJ

Webdesigner e responsável técnicoGerson Albuquerque

Alexandra Abdala

FotosAcervo fotográfico da FTU

Expediente

FACULDADE DE TEOLOGIA UMBANDISTA

Avenida Santa Catarina, 400 – Vila Alexandria04635-001 – São Paulo – SPTelefone 55 11 5031-8852

www.ftu.edu.br - [email protected]

ênfase nas religiões afro-brasileirasAno II - Nº 4 - novembro de 2011

Entrevista - Fernando de Oxaguiãnpág. 57

Teologia da Convergência

Reis encantados do Tambor de Mina: Dom Manuel, Dom João Soeira e Dom Pedro Angassu

Representação da nobreza lusitana em populações afro-brasileiras? pág. 03

Experiência religiosa e Teologiapág. 15

Festas de Santos no Tambor de Mina do Maranhãopág. 27

Grupos de Trabalho“Teologia e Tradição Oral”

“Memória, Cultura e Identidade”“Ensino Religioso”

pág. 40

Rito de Exu 2011Vitória da diversidade de cultos

pág. 54

Um novo início Celebração do primeiro ano de vida da nossa Revista

A revista Teologia da Convergência chega ao seu primeiro ano de vida. Exatamente no último Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI a primeira edição foi entregue ao público levan-do conteúdo acadêmico de peso e referências religiosas significativas, por meio de entrevistas e fotos do Rito de Exu realizado nas dependên-cias da FTU daquele ano.

A quarta edição é entregue de maneira análoga à Tradição Oral: reatualizada e ressignificada. Estamos novamente inaugurando a edição no Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI, quarto encontro, só que desta vez em con-junto com o I Congresso Internacional das Re-ligiões Afro-americanas.

Esta edição recebe textos que serão apresen-tados durante os referidos congressos e outras novidades.

Mundicarmo M. R. Ferretti discute o tema “Reis Encantados do Tambor de Mina: Dom Manuel, Dom João Soeira e Dom Pedro Angassu. Rep-resentação da Nobreza Lusitana em populações afro-brasileiras?”. Na sequência, será possível apreciar o texto “Experiência religiosa e Teolo-gia”, cujo autor é o renomado Volney J. Berken-brock. Ainda na sessão de artigos encontrare-mos as palavras de Sérgio F. Ferretti intituladas: “Festas de Santos no Tambor de Mina do Mara-nhão: São Sebastião, São João, São Benedito e Divino Espírito Santo”.

Continuando o trânsito pela Revista, foram pub-licados todos os resumos que os comunicadores apresentarão em três grupos de trabalho (GT). São estes os temas e respectivos professores responsáveis pelos GTs: GT 01 - Tema: “Teolo-gia e Tradição Oral”, Prof. Dsc. Irene Dias; GT - 02 - Tema: “Memória, Cultura e Identidade”, Prof. Dsc. Maria Helena Villas Bôas Concone e profa. Mestranda Érica Jorge; GT - 03 - Tema: “Ensino Religioso”, Prof. Dsc. Sérgio Junqueira e Prof. Doutorando Luis Alberto.

Ao final da mesma, será possível ler as palavras do fundador da FTU e sacerdote das Religiões Afro-brasileiras F. Rivas Neto (Pai Rivas) sobre o rito de Exu realizado neste ano que também foi espaço para discussão intra-religiosa no II Congresso de Sacerdotes e Sacerdotisas das Religiões Afro-brasileiras, reunindo milhares de pessoas e lideranças desta Tradição oriundas do Brasil, Paraguai e Portugal.

A entrevista desta edição foi realizada com Pai Fernando Soares de Portugal, o qual nos deu o prazer de traçar o panorama geral das Religiões Afro-brasileiras no continente europeu.

Esperamos que esta edição permita uma re-flexão salutar no meio acadêmico e religioso e que sirva como demonstração que Ciência e Religião são formas particulares de um mesmo saber humano.

João Luiz CarneiroProfessor da FTU

Reis encantados do Tambor de Mina: Dom Manuel, Dom João Soeira

e Dom Pedro Angassu Representação da nobreza lusitana em populações

afro-brasileiras? ¹

pág.04

Mundicarmo Ferretti Universidade Federal do Maranhão/Brasil

_________________________________________________1 Apresentado originalmente na Universidade de Aveiro (Portugal), em maio de 2011, por ocasião do Congresso In-ternacional A Europa das Nacionalidades: mitos de origem, discursos modernos e pós-modernos.2 Doutora em Antropologia; Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão – UFMA; Pesquisadora de religiões afro-brasileiras.

O Brasil é freqüentemente apresentado como uma nação formada por três “raças”: a branca, representada pelo colonizador por-tuguês; a negra, constituída pelos escravos africanos; e a amarela, formada pelo índio, o nativo do território colonizado. Vários pes-quisadores de religiões afro-brasileiras têm chamado atenção para a correspondência entre esses três segmentos sociais e as cat-egorias de entidades espirituais recebidas em transe mediúnico na Umbanda, mas ela pode ser encontrada também em menor escala em outras denominações religiosas afro-brasilei-ras. No Tambor de Mina, denominação reli-giosa afro-brasileira típica do Maranhão (Bra-

Resumosil) que temos pesquisado sistematicamente desde 1984, o povo português costuma ser lembrado como nobre e representado no seu panteão por reis que se acredita ter alguma relação com a história do Brasil (como Dom Manuel) e/ou que tem grande importância no Tambor de Mina (como o Rei Sebastião). Nesse trabalho pretendemos analisar a rep-resentação de alguns desses reis encanta-dos recebidos em transe mediúnico ou cul-tuados em terreiros (casas de culto) de São Luís-MA e de Belém-PA para onde a Mina se expandiu desde o final do século XIX – Dom Manuel, Dom João Soeira e Dom Pedro An-gassu, procurando apontar idéias e valores a eles associados, compreender sua associação

pág.05

_________________________________________________

3 Embora a nação ‘cambinda’ seja lembrada nos terreiros jeje, nagô (fundados por africanos) e nos demais terreiros de São Luís, abertos por crioulos, afro-descendentes e outros, classificados pelos jeje como beta – da mata ou de caboclos -, há muito não existe em São Luís nenhum terreiro definido como ‘cambinda’.

à nobreza portuguesa e à entidades espiri-tuais africanas, e analisar a sua posição de destaque no panteão do Tambor de Mina.

PALAVRAS CHAVE: Religião afro-brasileira; Tambor de Mina; Mitologia; Reis encantados.

1. IntroduçãoEmbora as casas de Mina mais antigas do Ma-ranhão – a Casa das Minas (jeje) e a Casa de Nagô (iorubana) - sejam consagradas a voduns e orixás – divindades africanas (a primeira a Zomadônu e a segunda a Xangô), na Casa de Nagô e nos demais terreiros de Mina são também cultuados:

1) encantados ´gentis´ (nobres cristãos eu-ropeus associados a orixás: portugueses, franceses e de outras nacionalidades);

2) turcos (nobres geralmente submetidos ao cristianismo);

3) entidades caboclas (tipos populares com ou sem origem indígena; nobres que rejeita-ram a vida palaciana - como Antonio Luís, o “Corre Beirada”, filho de Dom Luís rei de França);

4) e índios, geralmente aculturados (di-tos “mansos”) como Caboclo Velho, o índio Sapequara, pois na Mina maranhense as en-tidades indígenas são geralmente apresen-tadas como muito selvagens, sem condições de participação de rituais onde são recebidas entidades de outras categorias (voduns, gen-tis, caboclo).

No Tambor de Mina as entidades indígenas são geralmente descritas como índios brabos, indomáveis, e algumas vezes quando incor-poradas exibem um comportamento sub-hu-mano (adotam nos rituais uma postura pou-co ereta, uivam, pulam, comem carne crua etc.). Alguns terreiros realizam anualmente para essas entidades um ritual denominado: Tambor de Índio, Tambor de Canjerê ou de Tambor Borá (FERRETTI, M. 2000, p. 218).

Nesse trabalho pretendemos analisar repre-sentações de três reis de nomes portugue-ses integrados ao panteão do Tambor de Mina (Dom Manuel, Dom João e Dom Pedro) a par-

tir de:

1) entrevistas com pais e com filhos-de-santo em vários momentos do nosso trabalho de campo e da análise da literatura afro-brasilei-ra acadêmica e não acadêmica;

2) observações de rituais realizados em ter-reiros de São Luís onde ocorreram transes de possessão com aquelas entidades ou onde elas são homenageadas;

3) da analises de letras de ´doutrinas’/musi-cas cantadas em rituais (geralmente em por-tuguês) em homenagem àquelas entidades espirituais coletadas e transcritas por nós e/ou registradas por outros pesquisadores e por pais-de-santo.

Entre as obras de outros pesquisadores que tratam sobre encantados gentis do `Tambor de Mina´ merece destaque especial a tese de doutorado de Taissa de Luca (2010) “Tem branco na guma”: a nobreza européia mon-tou corte na encantaria mineira e trabalhos de Sergio Ferretti sobre Rei Sebastião (FER-RETTI, S. 2004; 2009; 2011).

Como nos rituais de Mina o transe com as entidades gentis/nobres costuma ser menos freqüente e duradouro, elas quando incor-poradas falam pouco principalmente com as pessoas da assistência, e os ´mineiros’ em geral quase não falam sobre suas entidades espirituais, a análise das letras das musicas cantadas em sua homenagem se mostrou uma excelente fonte de dados.

O Tambor de Mina é a denominação religiosa afro-brasileira típica e predominante de São Luís, capital do Maranhão, um dos estados do nordeste brasileiro. Tal como o candom-blé da Bahia, que é mais conhecido nacional e internacionalmente, apresenta variações definidas em termos de etnias ou “nações” africanas: jeje, nagô, cambinda (ou caxias) e outras, para citar apenas as mais antigas3. Afirma-se geralmente que a influência jeje e nagô foi maior nos terreiros da capital e que a cambinda foi mais efetiva no interior de estado, especialmente nos municípios de

2. NOBRES OU GENTIS CULTUADOS NO TAMBOR DE MINA

pág.06

_________________________________________________4 Sobre a possibilidade da vinda de escravos africanos para o Brasil falando português lembramos que, segundo Roger Bastide, em 1550 perto de 10% da população de Lisboa era constituída de escravos negros (BASTIDE, 1971, p.48) e que pesquisa realizada por Marina de Mello e Souza mostra que na África, a partir do século XV, devido ao contato com os portugueses e conversão da elite congolesa ao cristianismo, vários reis adotaram nomes usados pela realeza portuguesa como: Afonso, João, Henrique, Pedro e outros (SOUZA, 2002, p. 72-73; 267).5 Fala-se na Mina que uma entidade é encantada quando teve vida terrena e desapareceu sem ter sido constatada a sua morte. Em certo sentido, ao se encantar ela venceu a morte e pode reaparecer muito tempo depois incor-porada em algum filho-de-santo, narrando sua historia. Como para muitos o personagem histórico Rei Sebastião desapareceu em campo de batalha no Marrocos, é talvez o personagem histórico que melhor corresponde ao perfil do encantado de mesmo nome recebido em transe mediúnico em terreiros maranhenses. 6 As circunstâncias do encantamento dos voduns gentis, apesar de muitas vezes descritas por alguns pais-de-santo do Pará (LUCA, 2010), nunca são mencionadas nas letras das músicas e nas entrevistas realizadas no Maranhão, embora se fale freqüentemente que Rei Sebastião se encantou numa batalha e que Dom Miguel foi encantado num peixe.

Codó e de Caxias, onde predomina o Terecô - variedade de religião afro-brasileira onde há maior integração entre religião e saúde, considerada mais sincrética e aberta a tro-cas com outras religiões do que o Tambor de Mina. O distanciamento do Terecô do modelo jeje-nagô predominante no Tambor de Mina tem sido também atribuído ao seu sincretis-mo com a cultura do colonizador português e com culturas indígenas, afirmando-se que alguns africanos trazidos como escravos para Codó já teriam chegado falando português e que tiveram ali mais contato com a popula-ção indígena e cabocla (mestiça) do que os que ficaram na capital4.

Como foi mencionado no item anterior, no Tambor de Mina são cultuadas entidades africanas (voduns e orixás), gentis (nobres cristãos conhecidos como europeus que se acredita terem se encantado5, freqüente-mente associados a orixás e alguns deles a santos católicos), turcos (nobres geralmente convertidos ao cristianismo), entidades cabo-clas (tipos populares com ou sem origem in-dígena, e nobres que rejeitando a vida pala-ciana passaram a viver com o povo e como o povo), e entidades indígenas recebidas em transe mediúnico pelas filhas e filhos-de-san-to (FERRETTI, M. 2000). Ao contrário do que ocorre em outras religiões afro-brasileiras (como no Candomblé de Caboclo e na Umban-da) as entidades caboclas do Tambor de Mina não são sempre representadas como indíge-nas - índios aculturados ou mestiços. Muitas delas pertencem à família do Rei da Turquia, como Guerreiro de Alexandria, ou são filhas de reis europeus que se “acaboclaram”, como o encantado Antônio Luiz, o Corre Beirada, filho de Dom Luiz Rei de França, apesar de existir no Tambor de Mina um verdadeiro fas-cínio pela nobreza, como pode ser constatado na suntuosidade dos impérios representados nas Festas do Espírito Santo realizadas nos

terreiros (casas de culto) e na existência de entidades espirituais nobres no panteão das minas jeje, nagô, cambinda e outras.

Acredita-se que uma das matrizes desse fas-cínio pela monarquia e pelo luxo observado na Festa do Espírito realizada em terreiros afro-brasileiros seja portuguesa, pois, segundo a historiadora paraense Taissa de Luca (2010, p.95), no reinado de Dom Manuel, quando o Brasil foi conquistado pelos portugueses, proliferaram cargos e ofícios mantidos pelo Estado e as dependências reais ganharam em suntuosidade.

Na centenária Casa das Minas (jeje), onde só se entra em transe com entidades africanas, vários voduns pertencem à família real do Daome e no passado eram também recebidas naquela Casa, em rituais especiais, varias to-bôssis - princesas de status muito elevado. No panteão da Mina-jeje existe também uma família de ´reis caboclos´, ligados ao pan-teão da terra, ao qual pertence Azile - que se transferiu para a Casa de Nagô (matriz ioru-bana) onde ficou conhecido como Xapanã, di-vindade africana que passou a ser associada ao Rei Sebastião – todos eles homenageados no dia vinte de Janeiro, data da festa de São Sebastião no calendário católico (FERRETTI, S. 2009).

Já na Casa de Nagô, apesar de ser um ter-reiro consagrado a Xangô - rei na mitologia iorubana -, a nobreza parece afirmada com maior ênfase nos rituais ligados a Dom Luiz Rei de França (VERGER, 1982) e ao Rei Se-bastião (MACHADO, 1979) - que se acredita ser o mesmo soberano português desapare-cido em batalha contra os mouros em 1557-1578, e ter se encantado no Maranhão, na Praia dos Lençois6.

Na Mina maranhense são cultuadas várias

entidades apresentadas como pertencentes à nobreza portuguesa, alguns mais conhecidos do que outros, entre elas os reis Dom Manu-el, Dom João, Rei Sebastião, Dom Henrique, Dom Pedro, Dom José e Dom Miguel (LUCA, 2010). De acordo com a tradição oral, o Rei Sebastião surgiu na Pajelança - manifestação religiosa e terapeutica encontada no Maran-hão entre populações negras desde meados do século XIX - e foi o primeiro soberano eu-ropeu a entrar na Mina como encantado, como mencionado por vodunsi da Casa de Nagô e parece atestado no processo-crime de Amélia Rosa (1877-1878) – negra alforriada cogno-minada “Rainha da Pajelança”, que realizava rituais mediúnicos em sua residência onde se entrava em transe com o Rei Sebastião (FER-RETTI, M. 2004)7.

Algumas das entidades espirituais classifica-das como nobres portugueses recebidas no Tambor de Mina, como Dom Manuel e Rei Se-bastião, são classificadas como nagô gentil e outras, como Dom João e Dom Pedro, são classificadas como cambinda (congo-angola) e pertencem à ‘linha da mata de Codó´ ou ‘de Caxias’ (município de onde Codó foi desmem-brado) identificada com o Terecô - típico de Codó e hegemônico no interior do estado.

Na Casa de Nagô os encantados nobres são recebidos como ‘senhores’ (como entidades de status mais elevado, a quem o médium e suas entidades caboclas devem obediência e a quem se subordinam as demais entidades por eles recebidas (FERRETTI, M., 2009). São geralmente associadas a um orixá e festejadas no dia dos santos a quem são relacionados, que costumam ter o mesmo nome deles. Es-sas entidades quando aparecem num terreiro trazem frequentemente outras de sua família e ás vezes também alguns súditos ou ser-viçais (como os vaqueiros de Rei Sebastião).

Nos rituais de Mina da Casa de Nagô os gen-tis não costumam se apresentar com luxo,

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7 O uso dos termos pajé ou pajelança e cura entre comunidades negras do Maranhão do século XIX não deve ser en-tendido como influência pura e simplesmente da religião indígena na cultura afro-descendente (FERRETTI, M. 2004). Estudos de etnolinguística realizados por Yeda Pessoa de Castro, da UFBA, levanta a possibilidade daqueles termos terem uma etmologia africana: kpace – exorcizar; kuda – os que evitam a morte (CASTRO, Y., 2002, p. 133; 142).8 Embora no Terreiro de Iemanjá em cada festa de santo católico haja mais de uma entidade espiritual também ho-menageada (associadas a ele), não fica claro se no dia 25 de agosto se homenageiam ali São Luiz (Luiz IX), como santo, e Dom Luiz XIII como vodum gentil, ou se homenageava Dom Luiz IX como santo e vodum e se reverencia Dom Luiz XIII, que era Delfim na época da fundação do forte São Luiz (onde surgiu São Luís - a capital do Mara-nhão). Como observou Roza dos Santos (SANTOS, R., 1999, p. 6-7), alem dos dois soberanos se chamarem Luiz, ambos foram Delfins, o que contribuiu para que um fosse confundido com o outro).

mas são mais reservados do que os caboclos – costumam falar pouco e só com algumas pessoas. Nos outros terreiros que recebem entidades não africanas os encantados gentis (nobres) costumam ser recebidos com maior destaque e são preparadas para eles roupas especiais e luxuosas, como ocorre com Dom Luiz no Terreiro de Iemanjá, fundado pelo conhecido Pai Jorge Itaci (já falecido).

Relacionar encantados gentis com personali-dades históricas nem sempre é tarefa muito fácil. Em relação ao rei frances Dom Luiz, há muitas divergências. Para uns seria Luís IX, que reinou de 1226-1270, inicialmente sob a regência de sua mãe, fez a última cruzada e foi canonizado pela Igreja Católica (VERGER, 1990, p.240; AUGRAS, 1988, 2009; OLIVEI-RA, 1989, p.47; SANTOS, R., 1999). Para outros seria o rei Luís XIII, que reinou de 1610-1643 e era Delfim quando os franceses invadiram o Maranhão e fundaram o forte que deu origem cidade de São Luís (OLIVEIRA, 1989, p.38; FERRETTI, M., 1999)8.

A dificuldade de se relacionar os encantados da Mina com os reis de Portugal de mesmo nome não é menor. Tomando como refer-encia três deles selecionados para análise nesse trabalho (Dom Manuel, Dom João, e Dom Pedro) e o período compreendido entre o descobrimento e a independência do Brasil de Portugal (1500 a 1822), verificamos que Portugal teve um rei de nome Manuel, diver-sos denominados João e vários chamados Pedro (DE LUCA, 2010, p. 82), o que torna essa correspondência bastante difícil. Alguns daqueles reis corresponderiam aos encanta-dos recebidos nos terreiros de Mina? Quais? Diante dessa dificuldade, em vez de procura-rmos traçar o perfil de reis portugueses (per-sonagens históricas) a partir da historiografia e tentar estabelecer a correlação deles com os encantados da Mina que tem o mesmo nome, procuramos traçar o perfil de três reis portu-gueses encantados (Dom Manuel, Dom João e Dom Pedro Angassu) a partir de fragmen-

pág.07

Andei, andei, passeei pelo fundoSenhores me dão noticias de Dom Manuel Rei do Mundo.(FERREIRA, 1985).

Andei, andei, passeei pelo mundoSenhores me dêem as novas de Dom Manuel Rei do Mundo.(SHAPANAN, s./d.)10.

tos da mitologia do Tambor de Mina (obtidos em entrevistas com pais-de-santo e análise de letras de músicas cantadas em sua hom-enagem) e de seu desempenho nos rituais de Mina, procurando apontar idéias e valores a eles associados, tentar compreender as ana-logias que tem sido realizadas entre eles e personagens históricos da monarquia portu-guesa e sua posição de destaque no panteão do Tambor de Mina. Nesse trabalho procura-mos também destacar e interpretar alguns elementos da representação daqueles reis encantados facilmente atribuídos à sua inte-gração ao panteão do Tambor de Mina (sua classificação como vodum nagô ou vodum cambinda) e outros que parecem estranhos aos reis portugueses de mesmo nome (como sobrenome de DOM Pedro - Angassu) que nos permitem a formulação da hipótese de uma possível associação daqueles reis encantados a reis cristianizados do Congo de que fala Ma-rina Souza (SOUZA, 2002) em seu livro: Reis Negros no Brasil Escravista: História da Festa de Coroação de Rei Congo.

3. REIS DO TAMBOR DE MINA COM NOMES PORTUGUESES3.1. Dom Manuel, ´Rei dos Mestres´ e ´Rei do Mundo´

De acordo com o pai-de-santo Jorge Itaci, Dom Manuel é um rei português encantado no Maranhão na Praia do Arraial (sic.) e é um vodum nagô-gentil9 relacionado ao orixá Oxalá (OLIVEIRA, 1989) e ao vodum Liça, a quem esse associado. É também conhecido em alguns terreiros de Mina como ´Rei dos Mestres´ e costuma ser festejado no dia 6 de janeiro – dia de Santos Reis no calendário católico. E é o legítimo pai do encantado Zé Raimundo que costuma vir nos rituais de Mina como da família de Codó, com os encan-tados da família de Légua Bogi, filho adotivo de Dom Pedro Angassu (SHAPANAN, s./d.; PRANDI e SOUZA, 2001, p. 222).

O Dom Manuel (personagem histórico, que reinou em Portugal entre 1495 e 1521) teve grande relação com o Brasil uma vez que foi

durante o seu reinado que os portugueses descobriram o Brasil e o transformaram em sua mais próspera colônia. Como observa Taissa de Luca, o rei português Dom Manuel cognominado “O Venturoso”, que reinou en-tre 1495 e 1521, expandiu Portugal para o Índico, o Pacifico e, principalmente, para o Atlântico, transformando aquele país numa das maiores potencias navais e comerciais da Europa (LUCA, 2010, p. 94, 96).

A análise da letra de uma das músicas can-tadas na Mina em homenagem ao DOM Man-uel encantado, apresentada a seguir, parece afirmar alguns pontos em comum entre ele e o personagem histórico de mesmo nome como: sua relação com a navegação (ou com o oceano) e seu poder no “Velho Mundo” (Eu-ropa) e no “Novo Mundo” (America).

Em outra doutrina cantada em sua hom-enagem ele é denominado “Manuel da Vera Cruz” - um dos nomes dados em terreiros de Mina ao mastro da Festa do Divino Espírito Santo (identificado por alguns pais-de-santo a Ifá) (OLIVEIRA, 1989, p.39) - e parece fa-lar de sua ligação com o Brasil, denominado originalmente “Terra de Santa Cruz” e “Terra de Vera Cruz”. Parece também anunciar sua relação com a ‘nação´ cambinda através das referências a Bem Boço e a Légua Boji Boa, este conhecido como o Imperador da Mata do Codó, filho adotivo de Dom Pedro Angas-su entidade gentil também classificada como vodum cambinda.

_________________________________________________9 Apesar do termo vodum ser usado nos terreiros antigos do Maranhão no sentido de entidades espirituais africanas dos povos ewe-fon, é também usado em terreiros de Mina para designar entidades espirituais antigas recebidas pelas vodunsis (filhas-de-santo) como ‘senhor’, ‘senhora’ ou ‘guia’ (a primeira entidade recebida pelos médiuns), daí a designação vodum gentil nagô, ou vodum gentil cambinda para nobres cristãos europeus, embora geralmente associados a orixás (como Oxalá, Xangô, Ogum) recebidos em terreiros nagô ou cambinda (pois na casa jeje só se recebe vodum). 10 As letras das músicas fornecidas são transcritas de fontes maranhenses (FERREIRA, 1985) e paraenses (LUCA, 2010; SHAPANAN, s.d.).

Dom Manuel Bem BoçoDom Manuel BoaDom Manuel da Vera CruzDom Manuel Boa.(LUCA, 2010).

Uma terceira música de Dom Manuel cantada no Tambor de Mina parece proclamar as suas

pág.08

riquezas originadas da exploração do Brasil (extração de pau Brasil e depois de ouro) e cobiçadas por outras nações.

Dom Manuel pisa no ouroPisa no ouro de Dom Manuel.(LUCA, 2010)

Pisa no ouro, pisa no ouroPisa no ouro é de Dom Manuel.(SHAPANAN, s./d.).

Duas outras doutrinas entoadas em sua ho-menagem parecem revelar alguns dos seus cognomes: “Manuel da Paciência”, “Manuel da Luz” e “Manuel Rei de Roma”, esse, como observou Taissa de Luca (LUCA, 2010, p.95), enfatiza a sua ligação com o papa e sua im-portância na expansão do catolicismo ro-mano. A última parece referir-se a proibição policial já enfrentada pelos ´mineiros’ para realizar seus rituais (SANTOS, M. R. e SAN-TOS NETO, 1989, p.117; FERRETTI, M 2001; 2004) e à possibilidade de apelação a Dom Manuel, que apesar de se tornar ´mineiro´ (ao se encantar e baixar nos terreiros), não perdeu seu prestigio em Roma, onde reside o Papa, autoridade máxima da Igreja Católi-ca. Nessa quarta música foi chamado “Rei de Roma”.

Dom Manuel como é o teu nomeAperta a cunha da cunha cunhá (refrão)Dom Manuel daí-me paciência – aperta a cunha...Dom Manuel é Rei de Roma – aperta a cunha ...(LUCA, 2010)

Manuel da Luz anunciou, foi em RomaChama vodum para a guma, fala com Rei Manuel(SHAPANAN, s./d.).

A última doutrina citada parece explicar a introdução de voduns gentis (Dom Manuel) no panteão da Mina como estratégia para a obtenção de licença para a realização dos toques de Mina, no período de proibição poli-

cial. A letra da música funcionaria como um lembrete: “chama vodum para guma” (local de danças sagradas do Tambor de Mina) que Dom Manuel garante a realização do toque; “fala com Rei Manuel” que ele resolve o prob-lema. É bom lembrar que, mesmo represen-tado como rei português, ao se encantar na Mina e se tornar ´mineiro´ ele se irmana a povos africanos escravizados e passa a ser um aliado poderoso dos negros.12 Ao ser cog-nominado o “rei do mundo” parece justificar sua associação a Oxalá, o mais respeitado dos orixás no Candomblé, na Umbanda e nas religiões afro-brasileiras em geral.

3.2 Dom João, ´Rei das Mina´

Dom João, também conhecido como ´Rei das Mina´ é vodum gentil cambinda, é um dos encantados mais homenageados nos ter-reiros de Mina maranhenses e costuma ser festejado no dia 24 de junho, dia de São João Batista no calendário católico. Domina a Praia do Calhau. É geralmente associado ao orixá Xangô e a São João Batista (SHAPAN-AN, s./d.), mas em alguns terreiros do Pará é também associado a Ogum (LUCA, 2010). Dom João parece também apresentado em uma das doutrinas cantadas na Mina como um rei cristão europeu que se encantando no Maranhão vem “salvar terreiro”, o que pode ser interpretando tanto como “vem libertar os terreiros das perseguições policiais” que os afligia quanto como “vem render homena-gem a casas de culto afro-brasileiro” vitimas de perseguições e de preconceitos dos donos do poder.

_________________________________________________ 11 O mastro tem sido também considerado um símbolo antidiluviano e um oráculo para dos terreiros de Mina uma vez que a observação de suas alterações permite a previsão de problemas futuros. De acordo com narrativa bíblica, o mundo já foi destruído por um dilúvio, mas Noé, construindo uma barca, sobreviveu com sua família e conseguiu preservar várias espécies animais e vegetais. Depois de navegar por muito tempo, soltou uma pomba, que voltando com um ramo de oliveira no bico, anunciou o escoamento das águas e a continuidade da vida sobre a Terra. Na festa do Espírito Santo realizada nos terreiros de Mina do Maranhão, o mastro do Divino é denominado ‘Manuel da Vera Cruz´ e ‘Oliveira’, nessa caso também em alusão a episódio da paixão de Cristo, no jardim das Oliveiras (SANTOS, M. R. e SANTOS NETO, 1989, p. 99). 12 Vodunsis da Casa das Minas e de outros terreiros de São Luís contam vários casos do tempo em que os terreiros eram proibidos de tocar, e fala da atuação de forças espirituais impedindo que policiais localizassem os terreiro que estavam tocando (desrespeitando a ordem policial) ou fazendo policiais entrarem em transe ao chegarem nas casas onde se realizavam os rituais. Conta-se também que o chefe de policia Flavio Bezerra, famoso perseguidor dos ter-reiros da capital maranhense, só deixou o povo-de-santo em paz porque sua esposa entrou em transe e precisou da ajuda de terreiros.

Ô Dom João, Dom João é Rei das MinasÔ Dom João, Dom João, é rei ´mineiro´.Ô Dom João, Dom João é Rei das MinasÔ Dom João, Dom João, ele é ´mineiro´.

Dom João é Rei das Minas, Dom João,Aê Dom João, aê Dom João, Dom João vem salvar terreiro, Dom João.Aê Dom João, aê Dom João. (SHAPANAN, s./d.).

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O repertório musical de Dom João é bastan-te rico, mas as letras das músicas cantadas em sua homenagem não são de fácil inter-pretação porque fazem referência a persona-gens ou lugares pouco conhecidos ou mesmo desconhecidos (Águas Belas e Águas Lou-ras) ou contem palavras em uma língua não identificada e por isso mesmo não traduzidas (dada cuê ê lou).

Aê Dom João, para vodunsi Águas BelasAê Dom João, para vodunsi Águas Louras.(FERREIRA, 1985).

Aê Dom João, fala vodunsi em Águas Lou-rasAê Dom João, fala vodunsi em Águas Belas.(SHAPANAN, s./d.).

Ai de mim, ai de mim Águas LourasAi de mim, ai de mim Águas Belas(SHAPANAN, s./d.).

João, João, João dadá cuê louEle é maravelou dadá cuê ê lou. (FERREIRA, 1985).

Ele é rei Dom João, ele é o rei maiorÉ rei agacecila, ele é um rei maior(SHAPANAN, s./d.).

Várias doutrinas cantadas em rituais de Mina se referem a ele como Dom João Soeira, en-tidade que para uns é o mesmo Dom João e para outros é uma entidade espiritual dife-rente. No Maranhão Dom João e Dom João Soeira são uma só entidade, como esclarece Pai Jorge (OLIVEIRA, 1989, p.46) e pode ser constatado analisando-se a seqüências das doutrinas cantadas nos rituais.

Segundo fontes paraenses, no passado, nos terreiros de Belém, esses dois nomes eram da mesma entidade, mas atualmente desig-nam entidades diferentes: Dom João, asso-ciado a Xangô ou a Badé (denominação desse orixá entre os jeje) e Dom João Soeira, que ora corresponde a Xangô e ora a Ogum, que tem como esposa Rainha Dina, entidade cam-binda também conhecida por Fina Jóia, asso-ciada a Oxum e a Nossa Senhora de Nazaré e como irmã ou filha Rainha Barba Soeira, rela-cionada à Iansã (LUCA, 2010, p. 137, 142; PRANDI e SOUZA, 2001, p. 222)13.

Ê lelê Dom João, Fala vodum idô BadéEle é rei, Dom João, Fala vodum idô Badé(SHAPANAN, s./d.).

Rainha, mulher de Dom João, ela é a Fina rainha, mulher de Dom João é Fina Jóia.(FERREIRA, 1985)

A análise do repertório musical e de mitos de Dom João Soeira (o mesmo Dom João?) mostra que ele é representado como encan-tado do mar, mas também do céu; que chega na ´guma´ montado em seu cavalo (médi-um) para ‘baiar’ e sai para passear e viajar (“correr mundo”):

Dom João Soeira cavaleiro do marSela seu cavalo, Soeira, vamos passear(FERREIRA, 1985)

Dom João Soeira cavaleiro do marSela seu cavalo, Soeira, vamos viajar(SHAPANAN, s./d.).

Dom João Soeira, cavaleiro do mar e céuDesceu na guma somente para ´baiar´Aê Soeira, cavaleiro do marAê Soeira, cavaleiro do mar(PRANDI E SOUZA, 2001, p. 224)

_________________________________________________13 Na Mina maranhense Maria Barba Soeira é associada a Santa Barbara, tal como o orixá Iansã e o vodum Sobô e é uma das entidades espirituais mais cultuadas. 14 Terreiro de Rei dos Mestres que teria sido aberto por africana no final do século XIX, em local de difícil acesso, na área do porto do Itaqui, onde foram preparados vários pais e mães-de-santo que abriram terreiros de Mina na década de 50 do século XX como: Pai Jorge e Pai Euclides citados também aqui como autores - OLIVEIRA (1989) e FERREIRA (1985).

João sugere que, o Dom João recebido na Mina é o Dom João VI, que transferiu a famí-lia real portuguesa para o Brasil, a fim de evi-tar que Napoleão invadisse Portugal. Comparado a orixás, o encantado Dom João parece mais semelhante a Xangô do que a Ogum. É rei, como Xangô, e mas não é um grande guerreiro, como Ogum. De acordo com a letra das doutrinas (musicas) citadas anteriormente, é um navegador (gosta de vi-ajar) que veio para o Maranhão para passear, que desceu na guma para baiar, e não para guerrear, embora seja apresentado como de-fensor dos ‘mineiros’ e esses possam recor-rer a ele em casos de demanda (perseguição policial etc.).

3.3 Dom Pedro Angassu, ´Governador de vo-dum da mata de Codó´

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De acordo com a tradição oral, Dom Pedro Angassu é um encantado que domina a Mata de Codó, município do interior do Maranhão, berço do Terecô - mais difundido fora da capi-tal -, que recebeu muitos negros escraviza-dos para o trabalho nas fazendas de algodão. É associado a Xangô e ao vodum jeje Agassu, da família real do Daome (SHAPANAN, s./d.), e é festejado no dia de São Pedro – 29 de Junho.

Pedro Angassu tem como esposa Rainha Rosa, entidade relacionada a Oxum, e como filho adotivo a controvertida entidade espiri-tual Légua Boji Boa da Trindade, que chefia as entidades caboclas do Terecô ou Mata de Codó e costuma ser apresentado como um tipo popular, um vaqueiro de modos pouco polidos, que gosta muito de cachaça15.

Légua é conhecido como bom para encontrar coisas perdidas: localizar boi desaparecido etc. (EDUARDO, 1948), e muito procurado pelos afro-descendentes para resolver múlti-plos problemas. No tempo da escravidão Lé-gua Boji era considerado o grande defensor dos negros. Como o seu nome foi lembrado em memórias do cativeiro (escravidão – ate 1888) recolhidas no interior do Maranhão pelo historiador Mathias Assunção (ASSUN-ÇAO, 1988) e Légua Boji nos foi apresentado em Codó como o encantado mais velho do mundo, é possível que seja tão antigo no Ter-ecô de Codó quanto Rei Sebastião na Pajelan-ça de negro de São Luís, recebido em rituais realizados na década de 70 do século XIX por Amélia Rosa – negra alforriada (FERRETTI, M., 2004). A referência mais antiga que temos de Légua Boji no Tambor de Mina é do terreiro de Maximiana, mãe-de-santo codoense ou ligada a Codó, que recebia Dom Pedro An-gassu, documentado em 1937 por pesquisa-dores paulistas (ALVARENGA, 1948).

Ao contrário de Dom Manuel e de Dom João,

Pedro Angassu é homem nobreFina flor do girassolGovernador dos voduns lá das matas do Codó(SHAPANAN, s./d.).

Dom Pedro Angassu não é apresentado como dono do mar (navegador), nem como dono do mundo (muito poderoso) e sim como im-perador da Mata de Codó ou governador dos voduns da mata do Codó (de um domínio re-strito). É também apresentado como homem nobre, o que sugere uma maior aproximação com o povo, e não parece ter grande liga-ção com a Igreja Católica, pois nas letras das músicas analisadas sua relação com o catoli-cismo romano só aparece indiretamente, através do nome de um de seus filhos: Flo-riano Flor de Roma.

_________________________________________________15 Dom Pedro Angassu e Rainha Rosa são pais de Rosinha Limeira (devota de Santa Rosa de Lima, daí o seu segundo nome). Légua Boji é classificado por uns como vodum cambinda, como preto velho angolano e por outros como prín-cipe guerreiro ou caboclo (tipo popular) criado como filho ou como empregado por Dom Pedro Angassu. Légua –Bogi é também conhecido em terreiros de São Luís como sendo o vodum daomeado Legba com “uma banda branca e outra preta” (uma para o bem e outra para o mal) ou como uma entidade que reúne características daquele vodum e da entidade daomeana Polibogi, o que estaria sugerido no nome pelo qual é conhecido: Légua Bogi. Essa associação de Légua a entidades daomeanas é também realizada com Pedro Angassu, cujo sobrenome permite sua associação ao Rei Agassu [o Gangnihessou, do antigo reino do Daomé, sucedido pelo rei Dakodonou (1620-1645) ?].

Eu vim só, vim sóVim soletrar meu nomeSou filho de Pedro Angassu,Floriano Flor de Roma(FERREIRA, 1985)

Em uma de suas doutrinas/músicas, parece chamado de Pedro Peleja e lembrado como um batalhador ou bom em disputa:

Pedro Peleja pelejê, Pedro Peleja pelejáAê Peleja, aê pelejá, Aê Peleja, eu estou numa peleja(SHAPANAN, s./d.).

Mas, apesar do cognome Pedro Peleja, ele também chega na guma para baiar e não para trabalhar, numa quase afirmação de que naquele contexto o ´senhores’ e ‘ sen-horas’, também denominados ‘os brancos’ não trabalham e que quem trabalha são os ‘cavalos’ (médiuns em quem incorporam) ou encantados de categoria inferior à deles. A análise das doutrinas cantadas em sua homenagem parecem também sugerir a sua ligação com o Terecô - onde se toca maracá (cabaça sem cobertura de malha, diferente das tocadas na Mina) e apenas um tambor, conhecido por “tambor da mata” (de uma só membrana) - e com a nação cambinda, a qual pertence o orixá Dantan a ele relacio-nado.

Rufa o tambor, toca o maracáDom Pedro Angassu veio ´baiar´Ele veio ´baiar´, ele veio ´baiar´Rufa o tambor, Dom Pedro Angassu veio ´baiar´(FERREIRA, 1985)

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Rufa tambor, toca maracáÔ da licença Dom Pedro Angassu veio ´baiar´Ele veio ´baiar´, ele veio ´baiar´Rufa tambor Dom Pedro Angassu veio ´baiar´(SHAPANAN, s./d.).

Boa noite Pedro AngassuComo vai, como passouEu vim lhe trazer lembrançaQue orixá Dantan lhe mandou(FERREIRA, 1985)

4. ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES A análise de depoimentos de ´mineiros´ e de letras de músicas cantadas em rituais realiza-dos em terreiros de Mina mostra que naquela denominação religiosa os reis portugueses encantados são geralmente representados como navegadores cristãos ligados a Roma, contudo, mais empenhados na conquista de novos mundos do que na luta contra os infiéis (no que diferem do encantado Dom Luiz Rei de França e do Rei Luiz IX a ele associado), embora em uma versão do mito do navio de Dom João, citado anteriormente, apareça de forma velada uma inimizade ou rivalidade entre ele e o Rei da Turquia (FERRETTI, M. 2000, p. 128). Mas, de acordo com as fontes consultadas, Dom Manuel, Dom João e Dom Pedro, escolhidos nesse trabalho para um exame mais detalhado, entraram na Mina e desceram na ´guma´ (barracão onde são re-alizados os toques de Mina) para ́ baiar´, de-ixando de lado inimizades tradicionais (como a contra os muçulmanos) ou temporárias (como a com os franceses no tempo de Dom João VI e de Napoleão), fazendo novas alian-ças (com turcos recém-convertidos e algu-mas vezes até resistentes ao cristianismo) e aproximando-se, ou mesmo confundindo-se, com orixás e voduns: Oxalá, Xangô, Agassu e outros.

Embora os ´mineiros´ antigos fossem africa-nos ou afro-descendentes e os reis encantados fossem representados como conquistadores ou colonizadores e pudessem ser associados ao sistema escravista, aqueles encantados foram integrados ao panteão da Mina em posição de honra e num patamar superior ao reservado às entidades espirituais indígenas (aos primeiros donos do Brasil). As oposições e antagonismos existentes entre catolicismo e religiões afro-brasileiras não impediram

também que aqueles reis encantados fossem associados ao mesmo tempo a santos católi-cos e a divindades africanas (geralmente reis como eles: Xangô, Agassu e outros).

Os reis ´mineiros´ encantados, sendo asso-ciados a personalidades históricas da nobreza portuguesa e a orixás e voduns de famílias reais africanas, ao serem integrados ao pan-teão dos terreiros contribuíram para a eleva-ção da auto-estima daqueles que os recebem ou os cultuam e conferiram aos terreiros maior legitimidade. Quando se diz numa doutrina que Dom João “vem salvar terreiro” (ou sau-dar terreiro), parece estar se querendo dizer que, apesar da religião ali professada ter sido vista preconceituosamente e perseguida pela Igreja Católica, tem valor e que aquele en-cantado se orgulha de ter sido integrado ao seu panteão.

Aqueles reis cristãos, integrando as categori-as orixá gentil ou vodum gentil (nobres), pas-saram a ser advogados dos negros e afro-de-scendentes em questões contra os senhores de escravos e, depois da abolição, contra a polícia e a classe dominante (que proibiam a realização de seus rituais e tentavam impe-dir a ́ descida´ de encantados16 como parece sugerido na letra de doutrinas já apresen-tadas nesse trabalho e reapresentadas para concluir):

Manuel da Luz anunciou, foi em RomaChama vodum para a guma, fala com Rei Manuel(SHAPANAN, s./d.).

Dom João é Rei das Minas, Dom João,Aê Dom João, aê Dom João, Dom João vem salvar terreiro, Dom João.Aê Dom João, aê Dom João. (SHAPANAN, s./d.).

_________________________________________________16 É preciso lembrar que em São Luís a obrigatoriedade dos terreiros requererem licença à Polícia para a realização de suas festas e rituais públicos, perdurou até 1989.

Em compensação, ao se encantarem e entra-rem na Mina, aqueles reis adquiriram o poder de voltar ao nosso mundo, incorporados em filhos e filhas de santos, e a possibilidade de atualizarem suas historias e de ampliarem suas famílias, gerando (?) ou adotando vários filhos, como é o caso do Rei Sebastião (1557-1578), que de acordo com a historiografia morreu sem deixar descendente e que, ao se integrar na Mina como encantado passou a ter vários filhos (LUCA, 2010, p.117), entre os quais a Princesa Ína, que domina em São Luís a área do Porto do Itaquí.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAISResta ainda analisar traços apresentados pelos três reis encantados de nomes portu-gueses que foram objeto de atenção espe-cial nesse trabalho (Dom Manuel, Dom João Soeira e Dom Pedro Angassu), que não po-dem ser atribuídos a soberanos portugueses de mesmo nome e tentar encontrar fora da biografia desses soberanos portugueses uma explicação para a atribuição daqueles tra-ços a reis encantados a eles associados por “mineiros” e/ou pesquisadores. Embora esse aspecto deva ser por nós examinado mais detidamente em outro trabalho sobre os vo-duns-gentis do Tambor de Mina, procurando compreender aqui a existência no panteão do Tambor de Mina de reis encantados com nomes portugueses, constatamos a necessi-dade de desvincular, pelo menos provisoria-mente, cada um daqueles encantados de um ou mais rei de Portugal de mesmo nome, e de procurar outras matrizes e conexões que nos permitam explicar, por exemplo, determina-dos sobrenomes ou cognomes atribuídos a eles no Tambor de Mina (Dom Manuel Rei dos Mestres, Dom João Soeira, Dom Pedro An-gassu). Em outras palavras, nos pareceu ne-cessário procurar outras matrizes do mito e do perfil daqueles reis encantados do Tambor de Mina.

Se analisarmos a forma de classificação daqueles reis encantados no Tambor de Mina, podemos ver que eles, alem de apresenta-dos como voduns-gentís – seres espirituais de posição social elevada (nobres) cultuados pelos jeje - são conhecidos como pertencen-tes a “nações” africanas (nagô e cambinda). Essa classificação sendo feita por afro-de-scendentes seria plenamente compreensível, mesmo que aquelas entidades fossem rep-resentadas por eles como reis portugueses cultuados como se fossem seus ancestrais, pois ao serem cultuados por afro-descenden-tes teriam que ser integrados ao sistema de classificação de entidades espirituais adotado por eles. Mas, como os traços apresentados por aqueles encantados que são estranhos aos reis portugueses são muitos, dá para se constatar a existência na representação daqueles reis encantados de outras matrizes atuando em conjunto com a historiografia portuguesa.

No caso de Dom Pedro Angassu a existência de outra matriz parece bastante clara, pois o

sobrenome Angassu lembra o nome de um rei africano do Benin – Agassu e o seu cognome “Governador de vodum da Mata de Codó” acentua sua relação com a religião jeje, onde as entidades espirituais são denominadas vo-duns, sua ligação com a natureza – a mata, e sua associação a Codó - município do Ma-ranhão conhecido como “terra de cambinda”, onde afirma-se que chegaram escravos que já falavam português e no passado foram recol-hidos vários contos de matriz angolana (EDU-ARDO, 1948) e que ficou também conhecido pela ligação de um de seus terreiros antigos com a Casa das Minas– matriz da mina-jeje – , em São Luís (FERRETTI,S. 2009, p. 293).

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DiscosSHAPANAN, Francelino. Tambor de Mina vol.2. LP. Caritas, s./d.

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Experiência religiosa e Teologia

Prof. Dr. Volney J. BerkenbrockDepartamento de Ciência da Religião

Universidade Federal de Juiz de Fora, MG

O presente texto é composto de três partes: primeiramente há uma reflexão sobre a pa-lavra experiência e como ela pode ser vista num contexto de conhecimento. A segunda parte é dedicada a propor uma determinada compreensão morfológica da experiência re-ligiosa. Por fim, tenta-se fazer uma relação entre esta compreensão da estrutura da ex-periência religiosa e uma forma de fazer teo-logia que tenha a experiência religiosa como referência.

Resumo

O tema sobre o qual nos propomos aqui a fazer uma reflexão é a relação entre ex-periência religiosa e teologia. Para isto se faz necessário inicialmente colocar alguns pres-supostos que tenho para esta reflexão.

Primeiramente não será aqui objeto de re-flexão o que se entende por teologia, qual a sua epistemologia, qual o seu status como ciência. A teologia como campo do conheci-mento organizado, como ciência, possui uma

Der vorliegende Text besteht aus drei Teilen: zuerst kommt eine Überlegung über den Be-griff Erfahrung und wie dieser im Zusam-menhang mit Wissen gesehen werden kann. Der zweite Teil ist gewidmet, eine bestimmte Morphologie der religiösen Erfahrung vorzus-chlangen. Zum Schluss versucht man einen Zusammenhang zwischen dieser bestimmten Deutung von religiöser Erfahrung und einer Form, Theologie zu treiben, die die religiöse Erfahrung als Referenzpuntkt hat, zu sehen.

Zusammenfassung

Introdução

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das tradições mais antigas entre os diversos campos do saber e não seria estas linhas o lugar onde se possa pensar em fazer algum debate sobre isto.

A expressão “experiência religiosa” tem sido, por sua vez, muito invocada nos círculos de estudos da religião como um lugar muito próprio e importante para se poder pensar religião. Mesmo sendo uma expressão não tão clara (o que é uma “experiência religio-sa”?), é possível tê-la como ponto de partida para reflexões muito pertinentes no que diz respeito à religião.

Assim, o objetivo destas linhas será tentar pensar ou sugerir alguns impulsos que pos-sam vir para a teologia a partir da experiência religiosa e sua compreensão. Logo de saída, afirmo que não se imagina que a experiência religiosa possa ser agora a salvação da teo-logia (mesmo porque não creio que esta es-teja nesta precisão) ou que a teologia vista a partir da experiência religiosa seja algo total-mente novo e revolucionário. O que se quer apontar é a possibilidade de uma reflexão a partir da experiência religiosa poder fecundar a teologia. Isto, em princípio, não é nada as-sim tão novo, se pensarmos com uma certa atenção a grande fonte fecundante da teolo-gia na tradição cristã. Claro que não podemos ver “teologia” como co-extensiva a “teologia cristã”. Há muitas teologias formuladas a par-tir de outras tradições; mas ao mesmo tempo não se pode negar que a teologia cristã, ou seja, a teologia formulada a partir da tradição cristã tem uma história muito ampla e im-portante para a ciência teologia. História tão marcante que hoje quase não se pode falar em teologia sem uma referência à teologia cristã. E é tão forte que isto leva, inclusive, a expressões de certa maneira equívocas como “teologia não-cristã”. Mas a grande fonte fe-cundante da teologia cristã são as escrituras. A Bíblia é para a teologia cristã tanto ponto de partida e ponto de chegada, como refer-ência permanente e inconteste. E isto mais acentuadamente ainda na tradição da teolo-gia protestante que na tradição da teologia católica, onde a tradição e o magistério são também entendidas como referências para a teologia, mas igualmente nesta, a primazia de fonte é a Bíblia. O texto bíblico é, porém,

de origem experiencial. Na bela tradição ju-daica da teologia narrativa, o texto bíblico só foi possível a partir da experiência – e de muitos séculos! – que um povo (ou diversos povos) teve de sua fé. Claro que não se pode imaginar que o texto é um relato imediato da experiência de fé. Entre a experiência de fé e o texto há sem dúvida muitos estágios de reflexão e redação. Mas por outro lado, não posso imaginar o texto bíblico sem que tenha havido uma experiência religiosa do que ali se narra, se reflete, se transmite.

Parece-me claro que é tranquilo pensar a ori-gem do texto bíblico a partir da experiência religiosa. Mas é possível atualizar isto? Pen-sar a experiência religiosa hoje como fonte da teologia? Em princípio, minha reflexão aqui nada mais pretende do que isto. Como dito anteriormente, a expressão religiosa não é assim tão clara. Por isso imagino que uma reflexão sobre a própria expressão poderá ser frutuosa para pensar a relação entre experiência religiosa e teologia. Assim, boa parte destas linhas serão dedicadas a pensar possibilidades de compreensão da experiên-cia religiosa.

1. ExperiênciaA palavra experiência tem sido apropriada de diversas maneiras: tanto para expressar qualquer acontecimento pessoal no cotidia-no, como para grandes ocasiões (isto foi uma “experiência e tanto!”). No âmbito de algu-mas ciências, a palavra “experiência” tem sido apropriada muitas vezes com o signifi-cado “método de verificação”. E nesta acep-ção, usada como uma espécie de “selo da verdade”: “experiências de laboratório com-provaram que...”; “experiências realizadas mostram que...” O uso da palavra experiência vem acompanhado de uma espécie de “aura” que empresta credibilidade ou legitimidade à afirmação em questão. Nesta acepção, afirma A. Guerra que experiência “é a nova esposa prometida de muitas ciências. Esperamos que não seja a mulher de um dia só. Recebeu muito em termos de palavras, mas pouco em precisão”.1

No âmbito acadêmico, poder-se-ia distinguir dois usos um tanto distintos do termo ex-periência:

_________________________________________________1 Apud RECH, Helena T. As duas faces de uma única paixão. São Paulo: Paulinas 1998, p. 51.

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a) Num certo contexto, a palavra experiência tem sido usada por diversas ciências como um processo de comprovação de um determina-do efeito. Este uso é muitas vezes chamado de forma simplificada e imprecisa de “cientí-fico”. Está aqui compreendida a repetição de um mesmo processo, dentro de condições iguais e que, em se obtendo o mesmo re-sultado, afirma-se que “experiências compro-vam que...” Experiência está aqui ligada com repetibilidade de certas situações como meio de controlar as soluções que elas permitem. Neste contexto, experiência está ligada com algo impessoal, controlável, repetível. É algo que, dado em iguais condições, trará sempre o mesmo resultado, independente de quem conduz o processo. É aqui entendido que não há qualquer interferência de subjetividade. É interessante observar que nesta linha de pensamento, o resultado de uma experiên-cia é tido de certa maneira como legitima-ção de verdade (“experiências em laboratório provam que...”). Há aqui, no uso da palavra experiência, uma certa compreensão de ver-dade em si, independente da subjetividade humana.

b) Num outro contexto, a palavra experiên-cia é utilizada para designar algo pessoal, individual, intransferível, irrepetível, incon-trolável, único. O indivíduo, o sujeito tem experiências como momentos únicos em sua vida. Estas podem ser relatadas, racio-nalizadas, interpretadas, mas não podem ser transferidas de uma pessoa para outra. Ex-periência é o ocorre no âmbito do mais íntimo do sentimento e por isso mesmo só pode ser sentida. O falar sobre, o relatar, o racionali-zar ou interpretar, de forma alguma irá repe-tir este momento ou transferi-lo para quem ouve o relato. Fica evidente neste modo de compreender experiência, que ninguém terá “a mesma” experiência que o outro. No máximo, duas pessoas poderão interpretar a experiência da mesma forma. A experiência como acontecimento único não é algo hermé-tico, mas o acesso a ela é sempre o acesso da interpretação, um acesso portanto mediado. Como acontecimento ela é única, inacessível. A experiência exige aqui sempre interpreta-ção: por meio comparações, de aproxima-ções, de descrições, de percepção de estru-turas parecidas é que se tem acesso ao seu significado.

Estas duas maneiras de se entender a palavra experiência permanecerão certamente lado a

lado em âmbito acadêmico. Mesmo sendo de certa forma contrapostas, permanecerão com o uso da mesma palavra.

Uma possível origem etimológica da palavra pode nos dar também informações interes-santes. A nossa palavra “experiência” é ad-vinda do termo latino “experientia”. Este, por sua vez, pode ser visto como um composto de três elementos: ex-peri-entia. A prep-osição “ex” tem uma gama de usos bastante ampla, podendo significar tanto “estar fora”, como “sair de”, “ser originado de”, “vir de”, “de dentro para fora”, “ser feito de”. Um sig-nificado comum à preposição parece ser o movimento de sair de, em acepções diver-sas, mas sempre num “de... para”. A palavra “peri” significa limite ao redor de, contorno ao redor, entorno de. Aqui dentro pode se ler também a palavra “per”, que significa então “através”. O elemento “entia”, do latim “scien-tia”, significa saber, conhecimento. A palavra “experiência” em sua origem etimológica es-taria então ligada aos conceitos de sair, limite e conhecimento. Numa tradução livre e inter-pretativa, experiência significa o conhecimen-to que advém quando se ultrapassa o limite, saber (que acontece quando) do ultrapassar o limite. Nesta linha de raciocínio, toda ex-periência não apenas é única – pois quando se ultrapassa o limite este não é mais o limite, o limite estará agora num outro lugar (à frente) – como também toda experiência é produtora de conhecimento. Assim sendo, experiência estaria ligada sempre a novos conhecimen-tos, à ampliação do saber, à novidade. À pa-lavra experiência estaria ligada também a ideia de expansão do conhecimento, a partir de algum ponto (de alguma origem que limi-tava). Fazer ou ter uma experiência abriria o “experimentante” a uma nova dimensão do conhecimento, o levaria a “ir além” no conhe-cimento, sendo praticamente sinônimo então da palavra “transcender”.

A nós interessa aqui especialmente a com-preensão da palavra experiência ligada à ideia de novidade, de expansão do conheci-mento, de algo único. Nesta compreensão, a experiência fala por si mesma, se impõe, dá origem a conhecimento. Ela sempre é novi-dade, mesmo que possa assemelhar-se a outros momentos. Como novidade, ela traz conhecimento. Sua transmissão é já raciona-lização, codificação, criação de discurso. Há neste sentido uma ligação entre experiência, interpretação da mesma e acréscimo de con-

hecimento. Nesta compreensão de experiên-cia, há também sempre o fator da interação pessoal, totalmente subjetiva, ligada ao su-jeito: ‘alguém’ experimenta ‘alguma coisa’. Há na experiência a relação íntima e única entre sujeito (quem experimenta) e objeto (aquilo que é experimentado). Não é possível falar em experiência sem um envolvimento do sujeito.

2. Experiência ReligiosaSe a palavra experiência é rica e complexa, tanto mais em riqueza e complexidade de sig-nificado lhe acrescentamos quando a qualifi-camos de “religiosa”. Antes de entrarmos logo na angústia de querer responder à pergunta “o que é uma experiência religiosa?”, é pre-ciso anotar que experiências são classificadas (percebidas, entendidas) como experiências religiosas. Isto é um dado pressuposto. A questão que aqui nos interessa não seria, pois tanto a de querer esclarecer quando uma ex-periência pode ser tida como religiosa ou não, ou seja, pensar critérios que levem a poder qualificar uma experiência como religiosa ao lado de outras que não seriam religiosas. A questão que aqui mais nos interessa é como entender e a partir de quais critérios poder se aproximar de experiências qualificadas como religiosas. Que haja experiências religiosas, damos aqui por pressuposto.

Apenas para ampliar o campo do que esta-mos tomando aqui como “dado” (o fato de existirem experiências qualificadas como re-ligiosas), estas podem ser também reconhe-cidas em expressões correlatas como “ex-periência do sagrado”, “experiência de Deus”, “experiência do divino”, “experiência de fé”, “experiência espiritual”, “experiência tran-scendente”. Além disso, neste contexto tam-bém se pode falar em experiência mística, experiência contemplativa, espiritualidade, etc. Todas estas expressões descrevem de uma certa forma o que se entende como ex-periência religiosa.

Pensando em como se pode aproximar deste dado, é preciso reconhecer que o que se cha-ma de experiência religiosa pode ser inter-pretada a partir de pontos de vista muito dis-tintos. Assim, são conhecidas – e recorrentes – interpretações da experiência religiosa a partir da psicologia, da filosofia, da história, da antropologia, da sociologia, etc. Todas elas legítimas e adequadas. Haveria uma maneira mais aderente de se interpretar a experiên-

cia religiosa? Penso que esta questão não é irrelevante e neste sentido, vejo como mais aderente uma aproximação “religiosa” à ex-periência religiosa, isto é, tentar analisar, in-terpretar a experiência religiosa a partir da ideia do conhecimento religioso que advém desta experiência. Qual seria pois este con-hecimento religioso que advém da experiên-cia religiosa? É preciso esclarecer aqui de saída que quando falamos em conhecimento religioso não estamos querendo apontar para algum conteúdo religioso no sentido de afir-mação de dogma religioso, mas para o modo religioso de conhecimento que advém da re-flexão sobre a experiência religiosa.

Voltemos à afirmação anterior sobre ex-periência para aplicar agora à “experiência religiosa”. Dizíamos que há na experiência uma relação entre sujeito e objeto. Na com-preensão de experiência como algo pessoal, único e irrepetível, a relação entre sujeito e objeto precisa ser ativa. A experiência é um acontecimento de “sujeito-e-objeto”. Como objeto, definimos o fenômeno, aquilo que se mostra, aquilo que aparece, aquilo que “é ex-perimentado”. O sujeito desta experiência é a consciência, ou inteligibilidade, a percepção que penetra o objeto enquanto ao mesmo tempo deixa-se penetrar por sua presença/existência.

Com esta compreensão, centramos a inter-pretação da experiência na interação (relação ativa) entre fenômeno-e-consciência. Não se trata, pois de momentos diacrônicos, mas de uma sincronia. Fenômeno-e-consciência não apenas interagem, mas interagem possibili-tando-se e quiçá impulsionando-se.

Esta relação sujeito-e-objeto como experiên-cia e interpretação, abrange três dimensões: a experiência objetiva (isto é, de um “objeto”, de “algo” que é experimentado, que se mostra ou presentifica na experiência), a experiência intersubjetiva (isto é, a experiência de que há uma relação/contato/interação com o “ob-jeto” experimentado), e experiência subjetiva (isto é, de um sujeito que “sofre/sente/faz” a experiência). Em outras palavras: é a di-mensão “de um outro” (de alteridade), “de uma coisa sentida” (ou de coisas sentidas) na relação com o outro sentido, e “do eu experi-mentante” (do envolvimento da consciência do sujeito que experimenta).

Como realidades históricas, estas três dimen-

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sões da experiência estão acompanhadas das ambiguidades, diferenças e desequilíbrios próprios da história e de suas múltiplas di-mensões possíveis. Mesmo assim podemos tentar focalizar as três dimensões em termos de experiência religiosa. Tentar pensar isto é supor que é possível falar em uma morfologia da experiência religiosa, isto é, em uma for-ma ou estrutura pela qual seria possível não reconhecer a experiência religiosa como re-ligiosa, mas pensar uma estrutura pela qual se pode ter acesso para entender o conhe-cimento religioso que advém da experiência religiosa. A esta tentativa de pensar a mor-fologia da experiência religiosa é que vamos nos dedicar agora.

2.1. A morfologia da experiência religiosa

Três dimensões estão presentes na experiên-cia religiosa, não como elementos ou momen-tos separados, mas dimensões de um único movimento:

1º - A dimensão de uma “coisa” sentida

A “coisa” própria da experiência religiosa é justamente o “religiosa”. Ou seja, a percep-ção/interpretação/classificação de que a ex-periência é “religiosa”. Para não cairmos na armadilha de perguntar “o que é ‘religiosa’?”, podemos dizer termos correlatos que nos am-pliem a compreensão: a “coisa” na experiên-cia religiosa é “sagrada”, ‘transcendente”, “mística”, “espiritual”, “contemplativa”. O “re-ligiosa” designa na experiência não uma con-clusão, mas sim a “tonalidade” da experiên-cia. Aquilo que é “sentido” (experimentado) tem o “tom” religioso, é percebido como “reli-gioso”. Isto não a partir de uma pré-definição de religioso, mas a partir de uma capacidade de sentir “religioso”. Isto parece uma tautolo-gia, mas o que faz a experiência ser religiosa, é justamente o fato de ela ser sentida/perce-bida como “religiosa”. Estamos querendo aqui apontar para a ideia de que o sentir religioso é um modo próprio, ao lado de muitos outros modos de sentir. E como próprio, só pode ser caracterizado a partir de si mesmo como reli-gioso. Seguindo R. Otto, a categoria religiosa – que ele chama de “sagrado” – é uma “pe-culiar categoria”. “Detectar e reconhecer algo como sendo ‘sagrado’ é, em primeiro lugar, uma avaliação peculiar que, nesta forma,

ocorre somente no campo religioso”.2

Está aqui implícita a ideia de que na estru-tura da experiência religiosa, o sentimento religioso é apriorístico. O ser experimentante é tomado pelo sentimento religioso. É par-te, pois, da morfologia da experiência reli-giosa que ela instala/instaura o sentimento religioso. Com isso, abre sempre novamente um modo próprio de sentimento, a partir do qual se instaura também um modo próprio de conhecer: o modo religioso. Não se trata aqui de pensar em algum conteúdo religioso que se instauraria pela experiência religiosa, mas um modo de conhecer: a percepção religio-sa da realidade. Percepção esta da realidade que não é única nem pode ser valorada em comparação a outras formas de percepção da realidade. O que se quer afirmar aqui é que esta é uma forma própria, genuína de conhe-cimento.

2º A dimensão “do outro correspondente”

Uma segunda dimensão da morfologia da ex-periência religiosa é a dimensão do outro na experiência religiosa; há uma dimensão da “via de mão dupla” na experiência religiosa. A experiência religiosa inclui a experiência da alteridade, da correspondência. Não se trata de apenas um lado fazendo uma experiên-cia, não se trata de uma experiência de si mesmo, mas de um “outro” experimentado e envolvido na mesma. Esta ideia da presença de um “outro” experimentado é algo que se passa na consciência do sujeito experimen-tante. E a esta experiência de um “outro”, gostaria de acrescentar duas ideias: a de um “outro correspondente” e a de “outridade”. A elas voltaremos mais à frente.

Este “outro correspondente” na experiência religiosa pode para a consciência (do sujeito) ser percebido (acolhido) de diversas manei-ras: pode ser um outro personificado (divin-dade, por exemplo), pode ser um outro situa-ção, um outro estado de ser, pode ser um outro localizado. Mas independente da forma da percepção, há sempre a compreensão da existência de uma outridade na experiência religiosa. E a percepção desta outridade, que compõe a morfologia da experiência religiosa, é percebida como outra e como religiosa. No dizer de M. Eliade, “o homem toma conheci-

_________________________________________________2 OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes 2007, p. 37.

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mento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente dife-rente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber: que algo de sagrado se nos revela”3. A esta expressão de Eliade de “algo” imputo aqui a ideia de “outridade” e à expressão “de sagrado”, ligo a ideia de “outro correspondente”. Se dizía-mos no tópico anterior que o que caracteriza a experiência religiosa é justamente o fato de ela ser sentida como religiosa, ligamos agora a ideia de que aquilo que se sente é sentido como de nível religioso, ou seja, correspon-dente ao modo do sentimento.

3º - A dimensão de um “eu religioso”

Uma terceira dimensão da morfologia da ex-periência religiosa é a de um “eu religioso”. Já o próprio fato de uma experiência ser perce-bida como religiosa, exige (ou pressupõe) o envolvimento de um movo religioso por par-te de quem faz/tem a experiência. Ao sentir como religiosa a experiência, o sujeito en-contra-se envolvido em nível religioso como “religioso” experimentado. Este envolvimento subentende um colocar-se na situação com correspondência de sentimento, de emoção religiosa (seja isto interpretado como quei-ra). Ou seja, toda hierofania (para usar uma expressão de M. Eliade) supõe também uma “hieropatia”, uma correspondência/envolvi-mento de sentimento. Não se trata aqui de pensar que o sujeito que experimenta “con-clui” que a sua experiência foi religiosa, mas sim afirmar que a experiência é sentida/per-cebida pela consciência do sujeito como reli-giosa.

Esta pressuposição de que a consciência sen-te como religiosa a experiência, implica diz-er que há no sujeito, de forma apriori, uma capacidade para um modo de sentir perce-bido como religioso. Dizemos com isto, que o sentir religioso é um sentir próprio, distinto de outros modos de sentir. Claro que não se

_________________________________________________3 ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, p. 17.4 MESLIN, Michel. A Experiência Humana do Divino – Fundamentos de uma antropologia religiosa. Petrópolis: Vozes 1992, p. 91.5 “Em sua essência ela não é nem pensamento, nem ação, mas contemplação intuitiva e sentimento”. F. SCHLEI-ERMACHER apud MESLIN, Michel. A Experiência Humana do Divino – Fundamentos de uma antropologia religiosa. Petrópolis: Vozes 1992, p. 342.6 ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, p. 17.

pode – como questiona M. Meslin – logo con-cluir que quem tem uma experiência religiosa a liga com uma determinada interpretação: “Que olhar consciente e reflexivo tem o su-jeito consigo mesmo quando realiza uma tal experiência? Será possível assim distinguir o sujeito que experiencia e o sujeito que con-stata, exprime sua emoção e dá provas de-sta prova?”4 Este é um dilema difícil de ser abordado, pois a distinção entre sentimento e sua interpretação seja muito mais um recur-so didático que atos sucessivos. O que que-remos chamar atenção aqui não é, porém a questão da interpretação que o “eu religioso” faz de sua experiência, mas sim a questão de que há na experiência religiosa um “eu” que sente religiosamente. Aproximamo-nos aqui do que Schleiermacher apontou como uma das palavras-chave para o conceito de religião, a de ser religião sentimento (Gefühl) anterior a ação, estrutura, forma, sistema de pensamento ou de verdades (dogma).5

2.2. Conceitos-chave na estrutura da ex-periência religiosa

Se pensamos poder apontar elementos de uma morfologia da experiência religiosa, queremos aqui chamar a atenção para alguns conceitos que consideramos importantes nes-ta compreensão de experiência religiosa. Não há aqui a pretensão de exaustão, mas sim o desejo de se tentar precisar alguns concei-tos usados acima e que a nosso modo de ver caracterizam a genuinidade da estrutura da experiência religiosa.

a) O outro correspondente

Há na experiência religiosa a percepção, o sentimento de um “outro correspondente”. M. Eliade, ao introduzir o conceito hierofania, vai utilizar a expressão “algo de sagrado se nos revela”6.

Chamo a atenção aqui para a ideia de “algo”. Na experiência religiosa há o sentimento da realidade (da presença?) de um “outro” que é percebido. Não está aqui em questão a dis-cussão sobre este outro ser divindade ou não

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divindade, ser espírito ou não. Nem queria colocar aqui a questão de que o sentimento de um “outro” presente na experiência religi-osa seria a comprovação empírica da existên-cia de uma outra dimensão. Tudo isto pode ser discutido e é inclusive importante que seja. Mas não é o que pretendo aqui. Quero apenas apontar para ideia de que é parte da estrutura experiência religiosa mesma o sen-timento de um “outro correspondente”, isto é de um “outro” que é percebido ou sentido como religioso. Este “outro”, sentido na ex-periência religiosa – seja ele o que for: uma pedra, uma montanha, um hino, um texto, uma brisa, um som, um sonho, uma força, um raio, um calafrio; seja ele percebido através de algo material ou não – é sentido como correspondente ao sentimento religioso. Este outro é sentido também como religioso.

b) A outridade

Penso ser igualmente parte da estrutura da experiência religiosa a ideia de outridade. A percepção de o “outro correspondente” ser de um nível genuinamente outro. Sei que a palavra “outridade” parece ser um neologis-mo inventado e quiçá fantasioso. Poder-se-ia aqui pensar em o “totalmente outro” na expressão já consagrada de R. Otto: “ganz andere”. Penso que a ideia de Otto pode sim nos ajudar em parte a expressar o que aqui queremos apontar: é parte da experiência re-ligiosa o sentimento do estranho, do não usu-al, do diferente. Mas radicalmente diferente, pois isso “totalmente outro”: “O mistério re-ligioso, o mirum autêntico, é (possivelmente em sua melhor formulação), o ‘totalmente outro’ [...] o estranho e o que causa estran-heza, que foge do usual”7. Ao lado desta ideia de R. Otto, queria colocar uma outra: a per-cepção que se dá na experiência religiosa de se estar em contato com um nível específico, próprio, outro da realidade. Não apenas de ser estranho, diferente, mas de ser uma out-ridade, uma dimensão outra, mas não outra apenas por não ser usual, e sim outra por ser própria, genuína: a dimensão religiosa. E é ainda uma outridade por ser assim sentida, que assim se percebe ou se impõe e não por ser criada, feita ou manipulada por quem a experimenta.

_________________________________________________7 OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes 2007, p. 59.8 ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas, Tomo I, vol. 1, Rio de Janeiro: Zahar Editores 1978, p. 13.

c) A hieropatia

Outro conceito da estrutura da experiência religiosa ao qual queria aqui chamar a aten-ção e que já utilizei acima é o de “hieropatia”. O que está aqui implicado? Se se parte do pressuposto de que na experiência religiosa o seu mais específico é justamente o religiosa – a manifestação de uma dimensão religiosa – há de se pressupor igualmente uma capa-cidade religiosa do indivíduo, ou dito mais precisamente de uma capacidade individual para o sentimento religioso. Assim – como já afirmado acima – toda hierofania pres-supõe e a ela corresponde uma hieropatia, uma capacidade de sentir de forma religiosa. Podemos ancorar esta ideia no pressuposto de M. Eliade, de que “o sagrado é um ele-mento na estrutura da consciência e não uma fase na história dessa consciência. [...] Em outras palavras, ser – ou, antes, tornar-se – um homem significa ser ‘religioso’”8. Mas não queria aqui tanto apontar para esta in-teressante discussão da hipótese defendida por Eliade do homo religiosus, e sim tão so-mente apontar para a compreensão de que se é parte da estrutura da experiência religiosa um “outro correspondente”, ou seja, o senti-mento de que algo é sentido/percebido como religioso, então é também parte da estrutura da experiência religiosa um “eu correspon-dente”, ou seja, um eu que sente religiosa-mente. A esta capacidade de sentir religiosa-mente e que se presencializa na experiência religiosa é que chamo aqui de hieropatia: a capacidade do eu de sentir o religioso como parte da estrutura da experiência religiosa.

d) O ser humano aberto

Mais uma ideia ou um conceito queria aqui acrescentar como importante nesta tentativa de se pensar uma estrutura da experiência re-ligiosa: a de ser humano aberto. Na esteira do que afirmamos acima, se é inerente à estru-tura da experiência religiosa a percepção de uma “outridade”, de uma dimensão que não o si mesmo, é também – precisando esta ideia – inerente a esta mesma estrutura a ideia de que na experiência religiosa o ser humano se percebe como um ser aberto. Seu modo de pensar, apreender, perceber, controlar o seu “mundo” (aqui no sentido de as concepções

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que ele foi constituindo para si e a partir das quais ele encontra sentido nas coisas) é, na experiência religiosa, percebido como aberto, isto é, não totalmente conceituado, apreen-dido, captado, pego. Vou tomar a ajuda aqui da língua alemã para tentar explicar melhor o que estou querendo dizer: em alemão a pa-lavra conceito é “Begriff”, que é derivado do verbo “greifen”, que significa captar, pegar. Nesta compreensão, um conceito é algo cap-tado, pego, de certa forma “dominado”. A di-mensão sentida na experiência religiosa não é exatamente o contrário: a dimensão de que o ser humano é aberto. Há uma outra dimen-são que se mostra, que se deixa perceber; uma dimensão não pega e portanto aberta. Assim, a nosso modo de ver, a experiência do ser humano aberto é inerente à estrutura da experiência religiosa.

2.3. Não-consequências necessárias da ex-periência religiosa

Não é parte do intento desta reflexão apon-tar para as consequências da experiência religiosa. O que iremos tentar fazer mais à frente é apontar para algumas relações pos-síveis entre experiência religiosa e teologia. Mesmo assim, gostaria de apontar aqui para algumas ideias que penso não estarem ne-cessariamente ligadas à compreensão de ex-periência religiosa. Os poucos apontamentos que vou fazer, os faço por perceber que são compreensões muitas vezes associadas a consequências da experiência religiosa e que a meu modo de ver não deveriam ser vistas como consequências necessárias, pois isto co-locaria na experiência religiosa uma respon-sabilidade que em princípio ela não tem. Sou da opinião de que é mais apropriado ver a experiência religiosa simplesmente como ex-periência religiosa, sem a necessidade de que tenha este ou aquele tipo de consequência e – principalmente – que seja a experiência re-ligiosa responsável por alguns processos que possam vir a ocorrer.

A primeira ideia nesta linha de raciocínio é a distinção que se faz muitas vezes entre ex-periência e vivência9. A experiência como algo profundo, capaz de transformar o ser huma-no e seu modo de pensar/sentir o mundo; já a vivência como algo subjetivo, passageiro,

sem consequências estruturantes para o ser humano. Esta compreensão aplicada é ideia de experiência religiosa e ou vivência religi-osa. Claro que é justo pensar nas profundas consequências de uma experiência religiosa. E temos testemunhos históricos a sobejo so-bre o assunto: pessoas que – a partir de uma experiência religiosa – mudaram comple-tamente não apenas o rumo de suas vidas e suas compreensões de mundo, mas con-tribuíram para compreensões que marcaram fortemente muitas culturas. Isto é fato. Não concordo porém que a legitimidade (a pro-fundidade, a genuinidade) de uma experiên-cia religiosa deva ser vista a partir de suas consequências. Não se pode fazer depender a “genuinidade” da experiência religiosa de sua consequência. E isto por diversos moti-vos. Em primeiro lugar por isto pressupor que é possível de alguma forma medir (um hierô-metro?) a experiência religiosa. Há, com isto concordo, a possibilidade de se analisar as consequências de uma experiência religiosa, mas fazer depender delas a genuinidade da própria consequência, isto já acho não ne-cessário. Se houve consequência, isto é uma questão para a história das consequências (Wirkungsgeschiche) e não para o fenômeno. O fenômeno pode – e deve – ser interpretado a partir de suas consequências, mas como acontecimento em si, isto não dependente de suas consequências. Esta forma de pensar pode parecer imensamente ingênua, subje-tivista e empírico-centrada, mas não consigo ver de outra forma. A experiência religiosa vista em sua genuinidade a partir das conse-quências pode criar – e criou – a compreen-são da possibilidade da experiência religiosa como uma exceção histórica: um acontec-imento que ocorre apenas excepcionalmente. Não que queira banalizar a experiência re-ligiosa, mas também não a entendo como uma exceção histórica. A entendo como um fenômeno possível – e quiçá recorrente – em nosso meio.

Outra ligação desnecessária com experiência religiosa é a ideia de que há uma certa rela-ção intrínseca entre experiência religiosa e vivência genuína da fé. Somente quem exper-imenta o religioso viveria de forma genuína a sua fé. A ligação entre experiência religiosa e vivência de fé é, sim, uma relação possível, mas vê-la de forma excludente ou de con-

_________________________________________________9 Há toda uma tradição, sobretudo alemã, na discussão desta questão: a diferenciação entre Erfahrung (experiência) e Erlebnis (vivência). Cf. por exemplo: MESLIN, Michel. A Experiência Humana do divino – Fundamentos de uma antropologia religiosa. Petrópolis: Vozes 1992, p. 85-112.

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ditio sine qua non seria por um lado reduzir vivência de fé a apenas uma forma específica e, por outro, imputar à experiência religiosa uma consequência necessária de fé. As duas coisas seriam reducionismo: reducionismo da fé e reducionismo da experiência religiosa.

Algo parecido seria também – o que acho igualmente uma não-consequência necessária – atribuir à experiência religiosa um efeito de metanoia, de conversão, de mudança de vida no que tange ao religioso. É fato, sim, que muitas conversões religiosas aconteceram a partir de uma experiência religiosa. E que esta desencadeou decisivamente processos de mudança de vida religiosa. Isto não sig-nifica, porém, que toda experiência religiosa tenha que ter como consequência alguma conversão, nem que toda conversão religio-sa tenha que ter uma experiência religiosa como momento desencadeador, e nem igual-mente que a experiência religiosa tenha que ser analisada quanto à sua genuinidade por ter ela desencadeado algum processo de mu-dança da vida religiosa que quem a teve.

A experiência religiosa deve ser vista, pois, como tal: experiência religiosa. Criar ou colo-car na experiência religiosa expectativas out-ras seria fazer depender o acontecimento da experiência religiosa da realização ou não de-stas expectativas. E isto é que, a nosso modo de ver, não pode ser imputado à experiência religiosa. Esta é acontecimento, momento, fenômeno.

3.1. A cidadania teológica da experiência re-ligiosa

A história do desenvolvimento da reflexão teológica é bastante longa e diversificada. A teologia como ciência, como campo especí-fico do conhecimento, cresceu e ganhou ci-dadania no ocidente a partir do cristianismo. É a partir deste que se começou analoga-mente a falar de teologia judaica e teologia muçulmana (estas duas tradições também antigas e de certa maneira aparentadas com a tradição cristã por conta das chamadas “re-ligiões abraamicas”), mas também de teo-logia hindu, teologia budista ou – em nosso contexto brasileiro – de teologia umbandista. O termo teologia – mesmo usado de forma análoga – acabou ganhando cidadania tam-bém em tradições que não a cristã.10

Em cada uma destas tradições há pressup-ostos diferentes e o saber é construído por bases distintas que talvez não a da ideia de Deus, como o é na tradição cristã. Mas na tradição cristã, a ideia de Deus sobre a qual se constrói a teologia é a que consta nos tex-tos sagrados (talvez se devesse falar não em ideia de Deus no singular, mas sim em ideias de Deus, dado que estes textos sagrados não têm uma compreensão unificada sobre Deus). Com os textos sagrados e as concepções ali constantes, a teologia precisa constante-mente se confrontar, mesmo por mais dís-pares que possam ser as teologias. Os textos sagrados são a fonte e a referência perma-nente para a teologia na tradição cristã. Por conta sobretudo desta relação, a experiência religiosa individual recebeu – principalmente após a estruturação da teologia escolástica – muito pouco espaço ou importância como elemento da reflexão teológica. Por um lado a experiência religiosa foi relegada ao campo da piedade ou devoção pessoal, ao campo da vivência da espiritualidade e não da reflexão; por outro, a experiência religiosa era enten-dida como algo tão subjetivo que não poderia contribuir para a objetividade (e certa neu-tralidade científica) exigida por uma determi-nada ciência, como a teologia. Há também um componente político nesta compreensão, pois a teologia cultivada pela instituição não dava espaço ao sentimento subjetivo, enten-do a compreensão teológica como uma re-

_________________________________________________10 Haja visto inclusive o fato de no Brasil haver uma Faculdade de Teologia Umbandista (FTU), reconhecida pelo próprio estado brasileiro como um campo do saber, formando bacharéis em teologia.

Neste terceiro tópico de nossa reflexão, tra-ta-se agora de pensar alguns impulsos para a teologia que poderiam vir da compreensão de experiência religiosa como anteriormente exposta. Como já afirmado no início desta reflexão, não considero que relacionar a ex-periência religiosa com a teologia seja algo absolutamente novo, nem que seja este ag-ora o modo especialmente decisivo para se pensar teologia.

Por outro lado não se pode desprezar a ideia de que o viés da experiência religiosa pode dar uma contribuição específica para o fazer teologia.

3. Experiência religiosa e teologia

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flexão sobre a verdade instituída.

Esta situação tem se modificado desde fins do século XIX, quando aos poucos, a experiência religiosa tem ganho paulatinamente cidada-nia. Esta valorização da experiência religiosa pessoal no campo da teologia adveio por in-fluências da sociologia, da antropologia, da psicologia e sobretudo da fenomenologia11.

O papel importante da individualidade e da subjetividade é hoje algo indiscutível, inclu-sive para a teologia. Assim, se pode dizer que a experiência religiosa ganhou cidadania na teologia, como um dos aspectos a serem levados em consideração em suas reflexões. Há, talvez até, um certo exagero em uma supervalorização dos sentimentos religiosos subjetivos em alguns grupos e círculos de re-flexão. Independentemente de quão valorado é hoje a experiência religiosa, uma coisa é certa: ela não mais pode ser desprezada na reflexão teológica como um dos elementos para se pensar a lógica religiosa.

3.2. Teologia “não cristã”

Esta cidadania da experiência religiosa como um dos elementos na formulação da teologia é especialmente importante quando a teolo-gia passa a ser entendida não apenas como uma ciência feita no âmbito do cristianismo. O termo teologia, como já dito, é de certa maneira um uso analógico, mas acabou se impondo de tal forma que hoje seria muito difícil a introdução de um outro correspon-dente e mais apropriado. Talvez o termo hi-erologia, como o discurso a partir do sagrado pudesse ser mais amplo que o termo teologia, discurso a partir de Deus (de uma compreen-são de Deus), dado que o conceito Deus tem significados distintos nas diversas tradições religiosas. Em algumas tradições, inclusive, tem o conceito Deus muito pouco significa-do e peso. O termo hierologia poderia assim abarcar um espectro maior de tradições que refletem sobre o sagrado que o de tradições que refletem sobre o sagrado tendo Deus como ponto de partida.

Assim como o conceito Deus pode ter sig-nificados (e valores) distintos, também a ex-periência religiosa pode ser vista em status diversos. Se o texto sagrado tem para as di-

versas tradições cristãs um status ímpar de referência, para as tradições das religiões afro-brasileiras, este status é ocupado pela experiência religiosa. A experiência religiosa não é apenas uma possibilidade, como nas tradições cristãs. Ela é um fator estruturante para a religião. Assim, por exemplo, tanto na Umbanda como no Candomblé, a experiên-cia do transe com a entidade espiritual es-trutura praticamente toda a religião: ela es-trutura o ritual, a hierarquia da comunidade, a ética (ou moral) dos fiéis, a compreensão do lugar de cada fiel no mundo religioso, o sistema simbólico da religião, etc. Todo o sistema religioso tem a experiência religiosa como referência, como ponto de culminância e ponto de partida. Claro que não se trata da experiência religiosa vista apenas em seu aspecto de vivência subjetiva; mas a partir das vivências individuais constrói-se o todo da comunidade.

Assim, não se trata aqui de apontar apenas como a experiência religiosa tem ganho ci-dadania na teologia cristã – o que é um fato – mas de atentar para a realidade de que há teologias onde a experiência religiosa ocupa um lugar distinto – e não só distinto, mas central – para a construção do pensamento teológico. Com isso não somente se leva em consideração a experiência religiosa na teolo-gia, mas se elabora todo o sistema teológico tendo por pressuposto referencial a experiên-cia religiosa. A experiência religiosa não é um tema dentro da teologia, nem é uma teologia genitiva (teologia da experiência religiosa), mas a referência permanente para a teologia num sistema religioso centrado da experiên-cia.

3.3. Experiência religiosa: fonte e verificação

No círculo hermenêutico da teologia de um sistema religioso centrado na experiência, esta ocupa um lugar que pode ser definido como fonte e verificação. Se acima tentáva-mos refletir sobre a estrutura da experiên-cia religiosa e nela colocávamos a ideia do “outro correspondente” como uma das di-mensões da experiência religiosa, e que o acesso a este outro correspondente exige um eu correspondente e que o que caracteriza esta experiência do outro e do eu como re-ligiosa é justamente o sentimento religioso,

_________________________________________________11 Cf. DELAHOUTRE, Michel. Experiencia religiosa. In: POUPARD, Paul (org.). Diccionario de las religiones. Barcelona: Herder 1997, p. 598.

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para a teologia feita a partir da experiência religiosa, este “conhecimento” (esta aber-tura) do outro que se dá na experiência, é visto como fonte da teologia. Este conheci-mento percebido (sentido) na experiência re-ligiosa é instituinte para o pensar teológico. A experiência religiosa inaugura, instaura um “modo” de conhecimento, uma dimensão de conhecimento a partir da qual se estabelece a reflexão teológica.

Vamos tomar um exemplo, para talvez poder falar isto de forma mais explícita. Falar de Oxalá na tradição das religiões afro-brasilei-ras é falar a partir da experiência de uma força criadora, pacificadora, iniciadora. É a experiência desta força (desta outridade) que se torna o ponto de partida para a sua reflexão. A experiência é a fonte do conhe-cimento, ela “abriu” o conhecimento desta dimensão. A experiência – como tentamos demonstrar no início de nossa reflexão – é abertura para uma possibilidade de conhe-cimento. Tomar este conhecimento inaugu-rado pela experiência como ponto de partida para a reflexão teológica – como é o caso dos sistemas religiosos baseados na experiência – seria fazer uma teologia onde a experiên-cia (o conhecimento que ela gera) é a sua fonte.

Fechando o círculo hermenêutico, se o conhe-cimento que a experiência gera é a fonte te-ológica, a experiência religiosa permanece ao mesmo tempo o fator “verificador” do pensa-mento teológico. Como no sistema teológico cristão a Bíblia é a fonte da reflexão teológica e ao mesmo tempo o seu referencial perma-nente, isto é, toda a reflexão teológica cristã precisa se confrontar finalmente de novo com a Bíblia para poder ser validada, assim, no sistema de pensamento que têm a experiên-cia como ponto de partida, é igualmente na experiência que a reflexão teológica vai ser sempre novamente validada.

3.4. Uma teologia disponível ao religioso

Voltando à nossa ideia de estrutura da ex-periência religiosa, dizíamos que é próprio desta o sentir religioso. Quem faz uma ex-periência religiosa é tomado pelo sentimento religioso e este sentimento é uma forma de conhecimento. Repito o que já disse anteri-ormente:

“É parte, pois, da morfologia da experiên-cia religiosa que ela instala/instaura o sentimento religioso. Com isso, abre sempre novamente um modo próprio de sentimento, a partir do qual se instaura também um modo próprio de conhecer: o modo religioso. Não se trata aqui de pensar em algum conteúdo religioso que se instauraria pela experiência religiosa, mas um modo de conhecer: a percepção religiosa da realidade. Percepção esta da realidade que não é única nem pode ser valorada em comparação a outras for-mas de percepção da realidade. O que se quer afirmar aqui é que esta é uma forma própria, genuína de conhecimento”.

Se aqui estamos querendo apontar para pos-síveis relações entre experiência religiosa e teologia, diria que uma teologia feita a partir da experiência religiosa é sempre uma teolo-gia disponível ao religioso. Não só pois reafir-mação da tradição ou dizê-la sempre de novas formas, mas pensar que a ideia do outro cor-respondente que se percebe na experiência religiosa pode ser criadora de um eu teológi-co correspondente, de uma teologia onde a abertura ao conhecimento experiencial seja parte de sua estrutura. Seria trazer, pois sem-pre de novo para dentro da reflexão teológica o novo que representa a experiência. Ela é um novo conhecimento. Não estou pensando tanto aqui na compreensão de uma teologia sempre “novidadeira”, mas de um modo de pensar que se confronta sempre com a ex-periência religiosa e está sempre disponível ao religioso desta. Se está querendo apontar aqui muito mais para um método teológico do que para possíveis conteúdos religiosos.

As linhas aqui postas não têm nenhuma pre-tensão de dizer que esta é “a” forma de com-preender experiência religiosa, muito menos de defender a ideia de que uma teologia feita a partir da experiência religiosa deva seguir os conceitos aqui postos, nem que a teologia deva hoje ser feita a partir da experiência re-ligiosa. Se isto por um lado pode parecer to-talmente despretensioso, quero desfazer esta impressão. Por outro lado, penso que não se pode desprezar a importância da experiência religiosa.

Dentro de uma compreensão tradicional de teologia, no caso a teologia cristã, seria per-

Conclusão

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Referências bibliográficasELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Re-ligiosas, Tomo I, vol. 1, Rio de Janeiro: Zahar Editores 1978.

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes 1999.

MESLIN, Michel. A Experiência Humana do divino – Fundamentos de uma antropologia religiosa. Petrópo-lis: Vozes 1992.

OTTO, Rudolf. O Sagrado. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes 2007.

POUPARD, Paul (org.). Diccionario de las religiones. Barcelona: Herder 1997.

RECH, Helena T. As duas faces de uma única paixão. São Paulo: Paulinas 1998.

ceber o status de cidadania que ganhou a experiência religiosa de um século para cá. Não se pode mais desprezar a importância da experiência religiosa para a compreensão da própria dimensão do divino ou sagrado.Mas estas linhas também queriam apontar para o fato de que a teologia pode ser feita – e está já sendo feita – a partir de tradições religiosas diversas que a cristã. Indepen-dente de a palavra teologia ser a mais cor-reta ou estar sendo usada de forma análoga, quisemos apontar aqui para o fato de que sistemas religiosos baseados na experiência irão também construir sistemas teológicos tento a experiência como base.

Estes sistemas teológicos terão, pois con-struções diferentes. Isto é óbvio. O que pre-cisa ser óbvio é que ambos devem ser con-siderados igualmente como legítimos.

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Festas de Santos no Tambor de Mina do Maranhão¹

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Sergio Ferreti

_________________________________________________1 Trabalho apresentado no IV Congresso Brasileiro de Umbanda do Século XXI organizado nos dias 12 e 13 de No-vembro de 2011 em São Paulo na Faculdade de Teologia Umbandista.

Reginaldo Prandi (2005) lembra que em iní-cios do século XX no Rio de Janeiro, candom-blé, samba e carnaval giravam em torno da cultura afro-brasileira e que nossa música popular está intimamente relacionada com as religiões de origens africanas. Muitas letras de músicas fazem referências a entidades cultuadas nestas religiões, sobretudo do can-domblé e da umbanda, redigidas por com-positores principalmente do Rio e da Bahia.

1. Festas Populares nos terreirosAs religiões afro-brasileiras em geral são re-ligiões de festas. As cerimônias religiosas são realizadas com toques de instrumentos, com cânticos e danças. São, portanto cerimônias festivas. Cada casa de culto realiza certo número de festas ao longo do ano que se repetem no ano seguinte. As características e épocas da realização destas festas variam com o calendário de cada casa e muitas acom-panham as festas que ocorrem na cidade.

No Brasil, tradições européias, africanas e ameríndias contribuem para destacar a im-portância das festas populares que têm des-pertado o interesse de muitos estudiosos. Nas religiões afro-brasileiras, como em outras, se constata que muitas vezes a distinção entre sagrado e profano, que constitui a base da definição conceitual de religião para alguns autores como Durkheim, é imprecisa, pois, na prática, o sagrado e o profano encontram-se intimamente relacionados.

Nas palavras de Prandi (2005 p 214):“... os temas das religiões dos orixás ainda parecem perfeitamente casados com as mais variadas formas e estilos da música popular brasileira. Ao mesmo tempo em que a cultura dos terreiros têm fornecido à música popular um inesgotável manancial de elementos míticos, rituais e de concep-ção do mundo próprios das religiões dos orixás, o candomblé e outras modalidades das religiões afro-brasileiras têm sido pop-ularizados através da música, num pro-cesso que sem dúvida aumenta seu recon-hecimento e lhe dá maior legitimidade na sociedade brasileira.

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_________________________________________________2 Maranhão é o estado do Brasil localizado entre as regiões Norte e Nordeste, onde a presença negra é muito intensa, concentrando a maior percentagem de população negra do país, após a Bahia.3 Tambor de mina é o nome comum, utilizado no estado do Maranhão e na Amazônia para a religião de origem af-ricana.4 Terreiro é o nome utilizado para casas de culto afro-brasileiras, também designadas de casas de culto ou de bar-racão.

Acentuando costume existente em algumas regiões do Brasil, no Maranhão2, no tambor de mina3, como nas religiões afro-brasileiras em geral, a realização de festas tradiciona-is da cultura local, costuma ser incluída no calendário religioso das casas de culto. O tambor de mina pode ser considerado como um dos fatores importantes para a preser-vação de festas e tradições folclóricas ou da cultura popular da região. Muitas festas populares são organizadas nos terreiros, por exigência de entidades espirituais cultuadas na casa, enfatizando a relação estreita entre religião e sociedade, entre religião e festas.

O fato de uma entidade sobrenatural solicitar a realização de festas populares nos terreiros demonstra que as religiões de origens africa-nas se encontram intimamente relacionadas com a cultura local. Aliás, essa é uma das características das religiões afro-brasileiras em geral, onde as entidades sobrenaturais não estão distantes dos homens e de seus interesses, ao contrário, gostam de coisas que os humanos apreciam como alimentos e formas de divertimento. As entidades aju-dam na medida em que são homenageadas, daí o empenho de seus devotos em organizar festas bonitas, que as entidades apreciem. Segundo Marcel Mauss (1974), dar, receber e retribuir são características das instituições de prestações totais, como podemos consid-erar as festas religiosas populares.

A entidade, muitas vezes, quase não aparece ou não é percebida, disfarçada pelo santo do dia, homenageado na ladainha, ou na ima-gem sobre o altar, mas costuma estar pre-sente em alguns momentos da festa ou ser representada por outra entidade que lhe é próxima. Sua presença é discreta, o que con-stitui característica específica do tambor de mina e, muitas vezes, passa despercebida, por exemplo, num cântico de parabéns para a pessoa que recebe a entidade no estado de transe, nos rituais do batismo ou da morte do boi, ou em outros momentos importantes das festas.

Além de festas especificamente religiosas, rel-acionadas ao calendário litúrgico em que são comemoradas entidades africanas ou afro-brasileiras, os terreiros afro-maranhenses organizam também festas tradicionais da cul-tura popular local, como o bumba-meu-boi, o tambor de crioula, a festa do Divino e outras, que são oferecidas a entidades cultuadas em cada casa, sejam voduns, orixás ou caboclos, como vimos observando há vários anos.

Temos notícias da presença de danças do Coco, de festas de Maracatu rural, de Cavalo Marinho, Caboclinhos e outras, em terreiros de nação Xambá, de Xangô e de Jurema de Per-nambuco e da Paraíba. Uma das razões apon-tadas é a necessidade de proteção espiritual e material dos membros destas manifesta-ções, que realizam festas nas ruas da cidade, onde enfrentam riscos e perigos, carecendo, portanto de proteção natural e sobrenatural. Vemos assim que festas da cultura popular local estão presentes em diversas tradições religiosas afro-brasileiras.

As festas religiosas dos terreiros, dedicadas às entidades espirituais, no Maranhão cos-tumam se acompanhar geralmente por uma missa na Igreja em comemoração ao santo católico que corresponde à entidade cultuada e de farta mesa de doces e refrigerantes, café ou mingau etc. Embora não sejam abundan-tes no tambor de mina, em algumas festas ocorrem sacrifícios de animais, que são ofe-recidos privadamente no quarto dos santos e depois consumidos ritualmente junto com alimentos específicos.

Ao lado das festas de caráter mais religioso os terreiros costumam também organizar ou ser visitados por manifestações da cultura popu-lar que geralmente acompanham as datas de certas festas de seu calendário, ou que ocor-rem em outras datas. No Maranhão é comum nos terreiros de culto afro, a presença de fes-tas e visitas de grupos de bumba-meu-boi, de tambor de crioula, de festas do Divino, de procissões religiosas, de reisados e pastores, danças portuguesas e de outras manifesta-

ções populares. Os terreiros recebem visi-tas de grupos que realizam tais festas e as próprias casas também organizam algumas destas festas que são incluídas em seu calen-dário e oferecidas a entidades que apreciam e pedem sua realização.

Os organizadores das festas populares em geral pertencem à mesma classe social dos membros dos terreiros. Muitos são filhos, maridos, compadres ou padrinhos das pes-soas vinculadas aos grupos de culto afro. Existe uma solidariedade intrínseca entre os participantes de ambos os tipos de manifesta-ções, além de procurarem junto ás entidades dos terreiros, uma proteção espiritual para as manifestações de rua, como mencionamos.

A organização destas festas é especialmente trabalhosa envolvendo diversos membros por muito tempo e implicando a colaboração financeira de muitos, como por exemplo, a festa do Divino e as festas de boi de encanta-do, realizadas em grande número de terreiros do Maranhão. Tais eventos demonstram a capacidade de organização de seus realiza-dores que são em geral pessoas das classes populares, que possuem grande liderança no meio. Constitui igualmente fator de definição de identidade e algumas vezes podem gerar conflitos internos nos grupos. Lideranças e conflitos podem ser identificados com rela-tiva facilidade na análise das festas popula-res, mostrando que as festas não constituem apenas momentos de congraçamento, mas refletem comportamentos que fazem parte da estrutura dos grupos sociais.

Nos últimos anos algumas festas da cultura popular estão sendo protegidas e promovidas por autoridades relacionadas com as políti-cas culturais e com o turismo, inclusive festas realizadas em terreiros, como no Maranhão a festa do Divino e algumas outras. Se por um lado isto demonstra proteção e apoio, por outro lado acarreta certa dependência, criando laços de cooptação entre os grupos de culto afro e autoridades governamentais e políticas. Se por algum motivo no futuro este apoio vier a faltar certamente implicará em

conseqüências prejudiciais aos grupos popu-lares.

A proteção governamental e política às fes-tas populares possuem dimensões ambíguas que podem ter efeitos tanto positivos quanto negativos para os grupos envolvidos. A distri-buição de ajuda financeira de órgãos públicos para a organização de festas nos terreiros como forma de incentivo ao turismo, às vez-es cria conflitos entre a pessoa que recebe os recursos e o grupo que participa. Segundo Canclini (1997: 220), “não há folclore exclu-sivo das classes oprimidas, nem o único tipo possível de relações inter-folclóricas são as de dominação, submissão ou rebelião”.

Os terreiros organizam festas de boi ou de tambor de crioula e grupos de bumba-meu-boi ou de tambor de crioula da cidade visi-tam os terreiros, pedindo bênção a seus diri-gentes e às entidades protetoras. É raro que não ocorram visitas periódicas desse tipo. Há, portanto, no Maranhão, uma grande in-tegração entre os terreiros de culto afro e a cultura popular local. Além dos membros dos terreiros pertencerem, em geral, à mesma classe social dos produtores da cultura popu-lar, há familiares e amigos de membros dos grupos de boi ou de tambor de crioula que participam dos terreiros de mina.

Constatamos também que brincadeiras sur-gidas ou difundidas em certa época na cidade e que se tornam moda, como quadrilhas, danças portuguesas e outras, inclusive bailes de radiola e de reggae para os mais jovens, costumam ser incluídas no ciclo das festas de diversos terreiros, variando, evidentemente, em cada bairro e com a realização da festa grande5 de cada casa. Tal fato demonstra a interação entre estes e os bairros nos quais estão inseridos, pois muitas brincadeiras se apresentam no espaço dos barracões, que funcionam também como espaço de lazer para a comunidade local. Muitas se reúnem e realizam ensaios no espaço dessas casas de culto, sendo comum a existência de relações intensas entre terreiros e manifestações da cultura local. As entidades e os dirigentes das

_________________________________________________5 A expressão “festa grande” é utilizada nos terreiros de tambor de mina para designar as festas mais importantes, consideradas como de obrigação da casa, que não podem deixar de ser feitas e que costumam durar vários dias, com toques de tambor e descida das divindades. O aniversário do terreiro costuma ser comemorado com um festival de sete, nove, treze ou mais dias. Esse festival, algumas vezes, inclui a realização da festa do Divino, apresentação de bumba-meu-boi, tambor de crioula, procissão, ladainhas, missa, diversos dias de toques de tambor e, em algumas casas, baile de radiola e outras atividades.

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comunidades de culto afro são convidados para padrinhos dessas manifestações popu-lares.

Fato a ser destacado nessas festas é o mon-tante de despesas efetuadas e o luxo das ves-timentas e das mesas de doce, especialmente nas festas do Divino. Os organizadores fazem questão de apresentar festas bonitas e far-tas, com vestimentas caras, para agradecer a uma promessa atendida. As festas de ter-reiro, para serem consideradas boas, devem ter muita fartura, com comida para dar e so-brar, inclusive para se distribuir o que sobra entre os colaboradores e para dar de esmola aos pobres. Todos devem tomar uma xícara de chocolate, comer doces e levar lembran-ças. Esse costume funciona tanto em terreiros mais antigos como nos mais recentes.

As partes públicas das casas recebem melho-rias, sendo pintadas e decoradas por ocasião das festas. Tudo isso é feito com o dinhei-ro que se arrecada. Cada festa é assumida por algumas pessoas, que se encarregam de conseguir a colaboração de outras, num tra-balho que exige grande capacidade de orga-nização e liderança. As cores predominantes na decoração, nos enfeites e nas lembranças relacionam-se com símbolos das festas. Por exemplo, quando o Divino é comemorado em maio, predomina o azul, cor de céu e símbolo do mês de Maria; quando cai em junho, pre-domina o vermelho, cor do fogo. Essas cores se combinam com o branco, cor da paz e da pomba do Divino. Na festa de São Benedito, predomina o marrom, cor do hábito desse santo. As cores, em geral, se relacionam com sua simbologia no catolicismo popular.

A festa pode ser entendida também como uma forma de identificação dos membros do terreiro. O grupo é visualizado como seguin-do determinada devoção, como adepto de uma crença religiosa, como devoto de deter-minado santo e de tal tipo de festa popular. Como os que torcem por um time de futebol se identificam com seu time favorito, os que participam de festas nos terreiros de mina também se identificam e podem ser identi-ficados, se encontram e se solidarizam nos ritos que praticam em comum. Além disso, organizar festas bonitas e cada vez mais con-corridas traz prestígio ao organizador e ao grupo, esperando-se que no próximo ano a festa seja ainda melhor. Comentar a beleza e a organização de uma festa constitui uma

forma de valorizar e prestigiar o grupo que a organiza.

As festas da cultura popular nos terreiros de mina, como dissemos, assinalam a presença, a importância e a interação da religião afro com a cultura local. Todo o calendário anual, o Natal, o São João, o Carnaval, as diversas festas de santos em suas múltiplas varie-dades, as festas de aniversário, ritmadas pela música e pela dança, estão presentes na de-voção às entidades sobrenaturais cultuadas nos terreiros, numa forma de religiosidade muito próxima das pessoas do povo. Elas en-sinam que fazer festas é uma forma de agra-dar aos homens e aos seres sobrenaturais.

A fartura em algumas festas como a do Di-vino e o luxo das vestimentas constituem fa-tores essenciais e importantes que explicam muito da mentalidade dos participantes dessa religião e dessas festas, contrastando com o dia-a-dia da maioria dos seus membros. Faz-er festa, demonstrar luxo e fartura, ao menos algumas vezes, faz parte da rotina anual das festas, embora esteja ausente da rotina diária da maioria de seus participantes. Talvez seja essa uma das razões da importância das fes-tas para populações de baixa renda. Talvez seja também um dos motivos que explicam a presença e a importância de tantas festas da cultura popular na religiosidade afro-ma-ranhense.

No tambor de mina os rituais de iniciação não possuem partes públicas, como no candom-blé, com saídas de iaô, festas de três e de sete anos, etc., que são muito dispendiosas. Talvez esta seja uma das razões pelas quais, no tambor de mina, as festas da cultura popu-lar sejam tão importantes e difundidas.

2. Festas de Santos nos Terreiros de Mina do MaranhãoO calendário das festas dos terreiros de Tam-bor de Mina do Maranhão acompanha o calen-dário das festas de santos da Igreja Católica. O ano litúrgico nos terreiros se inicia com a festa de Santa Bárbara em 04 de Dezembro e se continua com festas de outros santos deste mês como 08, de N. Sra. da Conceição, de Santa Luzia no dia 13. Verifica-se que o início do ano litúrgico no Tambor de Mina co-incide com o tempo de Advento para a Igreja Católica. Há casas realizam toques no Natal

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e/ou no dia 31 de Dezembro ou em outras datas deste mes.

Afirma-se no Maranhão que o tambor de mina é comandado por Santa Bárbara, rep-resentada para os jeje pelo vodum por No-chê Sobô, conhecida entre os nagôs como Iansã ou Oiá. Santa Bárbará ou Sobô, encar-regou Averequete, ou São Benedito de guiar as cerimônias do tambor de mina. Assim nas casas de culto canta-se para diversos voduns ou orixás e depois para Averequete, que abre os toques do tambor para a linha da mata e trás os caboclos para o tambor de mina. Em geral se diz que para haver festas ao longo do ano seguinte é necessário começar saudando Santa Bárbara. A festa de Santa Bárbara ini-cia portanto o calendário litúrgico do Tambor de Mina. Os mineiros costumam lembrar que dia da semana em que cai a festa de Santa Bárbara é o mesmo em que cai o dia de Natal e do ano Novo.

As cerimônias da Casa das Minas possuem quatro tipos de rituais privados: dois que as antecedem as festas – o zandro e o narrunó e dois que sucedem – o jonu e o nadopé. O zandró é a cerimônia de invocação ou chama-da dos voduns, realizada privadamente antes do começo de cada festa, com as vodunsis sentadas em esteiras por ordem de famílias cantando invocações próprias e oferecendo certos alimentos como o abobó. O narrunó é a matança cerimonial e privada dos animais realizada no quarto dos santos ou comé. O jonu é a cerimônia de agradecimento ou dedicação da festa, com a repetição privada de alguns rituais, dias depois, repetição da matança, repartição de alimentos e pedidos. O nadopé é a cerimônia de despedida e agra-decimento, realizada após a festa.

Na festa de Santa Bárbara, como em quase todas as outras festas de santo se oferecem comidas de obrigação como abobó – feito com feijão branco socado, cozido, tempera-do com dendê; agralá – uma farofa amarela feita com farinha de mandioca seca com sal e dendê; amió – espécie de pirão com fubá de arroz, água, sal e dendê; acarajé – feito com feijão branco de olho preto que é queb-rado e socado em pilão de pedra, socado com pimenta do reino, pimenta vermelha e sal. Leva gengibre da terra branco seco. Frita-se no azeite de dendê em tamanho pequeno; para as galinhas e outras aves, uma banda é assada na grelha e outra banda cozida na

água temperada com sal, alho e pimenta do reino. Oferecem mamão, batata doce bran-ca ou inhame, banana roxa ou amarela que funcionam como sobremesa. Na Casa das Minas a comida de obrigação é distribuída em pequenas tigelas e servida com as mãos. Há uma ordem para se servir e comer. Deve-se comer por ordem: abobó; amió, agralá com acarajé e galinha assada e cozida, que são misturadas, depois se come a sobremesa de batata e frutas.

No dia de Santa Bárbara, como nas demais festas, as vodunsis costumam assistir pela manhã à missa numa Igreja Católica. É co-mum que a vodunsi receba seu vodum na igreja e comungue durante a missa. A noite no terreiro há uma ladainha cantada em latim diante do altar católico, que se segue na Casa das Minas a uma ladainha em jeje e depois são realizados os toques no terreiros.

A festa de Santa Bárbara é oferecida prin-cipalmente para os voduns da família de Queviocô, entre os quais se incluem Sobô, Vó Missa, Badé, Liça, Loco e outros. Os voduns des família são mudos na Casa das Minas e se comunicam por sinais. Os mais novos Averequete e Abê falam e traduzem as men-sagens dos mais velhos. Na festa deles há uma dança que representa uma peleja en-tre Badé e Liça. É uma luta de espadas, com os dois voduns pulando numa perna só e le-vantando um dos braços. Sobô vem apartar a luta entre um irmão manso, que é vadio, anda muito e representa o sol, toi Liça e outro teimoso, toi Badé Quevioçô que representa o trovão.

No Maranhão, no período natalino é comum em residências particulares, em igrejas, em praças e nos terreiros de mina, a montagem de um presépio que é aberto na véspera do Natal. Na Casa das Minas como em outros terreiros é comum a presença de dois meni-nos no mesmo presépio. Os meninos ficam deitados e na noite de 31 de dezembro são colocados de é e ganham roupa nova. O dia de desmanchar o presépio ocorre entre 6 de Janeiro e 2 de Fevereiro. Neste dia é feita a cerimônia denominada de queimação das palinhas. As imagens são retiradas e coloca-das sob toalha branca e entregues aos fu-turos padrinhos do presépio do próximo ano, que seguram uma vela. Depois de se cantar a ladainha queimam-se as folhas de murta e unha de gato, que enfeitam o presépio. Du-

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rante a queimação os músicos tocam musica que fala:

E vamos queimando as nossas palinha, com cravos e rosas queimamos a lapinha. As nossas palinhas estão se queimando e as pastorinhas ficam chorando. Adeus meu Menino, adeus meu amor, até para o ano se nós vivos for.

Em alguns terreiros neste período é realiza-se a apresentação do auto das pastoras, de pastoral ou de reisado, geralmente represen-tado por crianças.

No dia 6 de Janeiro, dia de Reis, em alguns terreiros realiza-se a festa para Doçu, sin-cretizado com São Sebastião, considerado um rei da família real do Daomé. Em outros terreiros realiza-se a festa de caboclo para Reis Nagô, que tivemos oportunidade de as-sistir em Codó.

Uma festa de grande importância nos terreiros do Maranhão é a festa de São Sebastião, que costuma ser realizada com três dias de toques, o que é comum em muitas festas nos terreiros de mina. A festa de São Sebastião é realizada na Casa das Minas em homenagem aos voduns da família de Acossi Sakpatá e na Casa de Nagô são oferecidas para Xapanã. As oferendas para Acossi na Casa das Minas são realizadas no quintal junto ao pé de pinhão branco. Costuma-se oferecer um casal de ca-traio e um casal de pombo.

Na Casa das Minas, na véspera da festa, no dia 19 se faz a queimação das palinhas do presépio. Costuma-se oferecer doces, re-frigerantes e mingau de milho. No dia 20 é a festa para Acossi. Nesta data, quando há pagamento de promessa, se oferece um ban-quete aos cachorros. Arruma-se no chão da varanda de danças um toalha com imagens de São Lázaro e uma vela.Os voduns presen-tes sentam-se nos bancos próximos. A re-feição costuma ser servida para sete cachor-ros e sete crianças. Nos pratos se coloca tudo o que se come: arroz, macarrão, galinha, farofa, carne assada. Servem água ou refrig-erante e goiabada de sobremesa. Ao término os voduns cantam alguns cânticos.

Depois do banquete dos cachorros serve-se uma comida de obrigação, que é feito com muito ritualismo, em ordem de antiguidade na casa. Dois voduns sentam-se em esteiras diante do altar católico e servem certas com-idas como: aluá de milho, mel e gengibre;

aluá de vinagre e mel, água, furá de arros, furá de milho e azeite de dendê. As pessoas tiram o sapato ao entrar e se servem ajoel-hadas. Depois recebem uma cuia com comi-das de obrigação, semelhantes às da festa de Santa Bárbara. Deve-se fazer pedido para a liberação de males que estejam afligindo as pessoas e para a saúde em geral. Depois há um intervalo em que se serve jantar aos pre-sentes com os mesmos tipos de comida que foram oferecidos aos cachorros.

Canta-se a ladainha em latim acompanhada por pequena orquestra, a ladainha dos voduns e iniciam-se os toques dos tambores e a dança dos voduns que dura cerca de duas horas. No dia 21 as dançantes vêm com roupas bran-cas e começam a cantar. Os voduns vão che-gando e depois trocam as roupas usando e se paramentar vestindo a farda de danças que é igual para todos, com pequenas variações conforme a idade ou nível hierárquico. Nes-ta data na Casa das Minas, quando possível ocorre a visita dos voduns à Casa de Nagô, que dista apenas um quarteirão. Os voduns saem de casa e colocam sobre a cabeça a to-alha que usam na cintura. Na Casa de Nagô cantam um cântico na porta e são recebidos pela chefe da Casa, que derrama água na so-leira da porta e os convida a entrar.

Os voduns entram, cumprimentam os que vieram recebê-los, dirigem-se à varanda de danças. Os presentes abrem caminho e eles entram cantando e dançando. Nos intervalos cada vodum abraça todos os outros da casa e continuam dançando por cerca de meia hora. Depois tentam cantar cânticos de despedidas e os da casa insistem para que continuem mais um pouco. Um dos voduns consegue entoar a despedida e todos vão saindo em ordem acompanhados pelos nagôs. Há um intervalo e os voduns se saúdam oferecendo talco e perfume uns aos outros. Na saída são acompanhados por pessoas da casa que os levam de volta até o terreiro. Ao regressarem são recebidos na porta por um vodum que fi-cou em casa aguardando o retorno e derrama água na soleira da porta para eles entrarem. Retornam a varanda de danças e iniciam os cânticos de despedida.

Na Casa das Minas a família de Acossi é di-rigida por três voduns: Toi Acossi, Toi Azili e Toi Azonce. Azonce é rei e adora São Sebas-tião. Azile adora São Roque e Acossi adora São Lázaro. Estes dois são doentes. A comida

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de obrigação é um pedido para evitar epi-demias e pedir vida e saúde. Nesta família os outros voduns conhecidos na Casa das Minas são filhos e Acossi e são: Ewá, Lepon, Poli-boji, Borutói, Bagono, Alogue, Boça, Boçucó e os gêmeos pequenos Roeju e Aboju. Depois da festa, em dois dias consecutivos realiza-se na Casa o Jonu, em que se costuma oferece peixe e no dia seguinte o Nadopé para limp-esa e despedida dos participantes.

Nesta data, na Casa de Nagô e em alguns terreiros de Tambor de Mina ou de Pajelan-ça ocorre a festa de Xapanã para Dom Se-bastião. A cura ou Pajelança6 constitui outra vertente ou manifestação religiosa difundida, sobretudo, nas regiões da Baixada e do Lito-ral Maranhense. É denominada Linha de Água Doce, significando que as entidades cultua-das são brasileiras em sua maioria, enquanto o Tambor de Mina é conhecido como Linha da Água Salgada, significando que suas en-tidades vieram do outro lado do oceano. A pajelança recebe influência das religiões ameríndias, mas apresenta elementos afri-canos e europeus. Encontra-se também na região Amazônica e tem semelhanças com o culto da Jurema do Nordeste (ASSUNÇÃO, 1999).

Há muitas diferenças entre o Tambor de Mina e a Pajelança7. Em São Luís, muitos terreiros, paralelamente aos rituais de mina, organizam uma ou duas vezes ao ano um ritual denomi-nado de “brinquedo de cura” para saudar as entidades da pajelança. Algumas vezes, na pajelança, uma entidade realiza rituais de cura para clientes, extraindo magicamente um objeto do seu corpo e dando conselhos ou ensinando remédios. No interior, este ritual é _________________________________________________ 6 O ritual de cura ou pajelança é também chamado de brinquedo ou brincadeira de cura, expressão usada desde pelo menos o final do séc. XIX para encobrir práticas religiosas sob o manto de diversões profanas (Ferretti, M. 2000-a; Pacheco, G. 2004). 7 Na Mina, várias pessoas entram em transe ao mesmo tampo e dançam em roda. Diversas pessoas recebem sua entidade e permanecem em transe com ela durante quase todo ritual. Na Cura, o transe costuma ocorrer em uma pessoa que recebe sucessivamente diferentes entidades. Oferecem a ela, duas ou três saudações e a entidade se retira, sendo substituída por outra. Ao longo da noite, o pajé ou a pajoa pode receber cerca de uma centena de en-tidades que ficam pouco tempo. O pajé segura um maracá, um penacho de arara, amarrando os braços e a cintura com fitas. As entidades se agrupam em linhas e são considerados como encantados em pássaros, peixes, répteis e outros animais, ou em príncipes, princesas e caboclos. Os instrumentos musicais da mina são dois ou três tambores acompanhados de cabaças. Na cura, usam-se principalmente pandeiros e palmas, podendo também haver acom-panhamento com tambores.8 Em São Luís, este culto inclui entre outras entidades a princesa Iná, a princesa Jandira, Sebastiãozinho, Dom Se-bastião, seus vaqueiros e outras.9 Prandi e Souza incluem entre os reis e rainhas desta família, além do Rei Sebastião, Dom Luiz, rei de França, Dom Manoel, Dom José Floriano, Dom João Rei das Minas, Dom João Soeira, Dom Henrique, Dom Carlos, Rainha Bárbara Soeira, Rainha Dina, Rainha Rosa, Rainha Madalena. Entre príncipes e princesas: Príncipe Orias, Príncipe de Oliveira, Príncipe Alteredo, Tói Zezinho, Boço Lauro, Tóia Jarina, Princesa Flora, Princesa Luzia, Princesa Oruana, Princesa Clara, Dona Maria Antônio, Moça Fina. Entre os nobres inclui: Duque Marques de Pombal, Ricardino Rei do Mar, Barão de Guaré, Barão de Anapoli.

mais freqüente.

Légo Shapanã entre os nagô, é também con-hecido como Sebastião na Casa de Nagô e em outros terreiros. A tradição do culto a Dom Sebastião, relacionada com o mito do sebastianismo, se constitui uma das fontes do imaginário religioso e da cultura popular local. O culto à família de Dom Sebastião está presente no Tambor de Mina e nos rituais de Cura ou Pajelança, englobando entidades consideradas nobres ou gentis8.

José Reginaldo Prandi e Patrícia Souza apre-sentam muitas informações sobre a família de Dom Sebastião, também conhecida como Família do Lençol, coletadas no terreiro de Tambor de Mina em São Paulo, do falecido pai-de-santo Francelino de Xapanã. Prandi e Souza (2001, p. 220-234) informam que o chefe da família, Dom Sebastião se encantou no Maranhão na Praia dos Lençóis, é hom-enageado no dia de São Sebastião junto com os voduns Xapanã e Acossi Sakpatá e sua cor predominante é o vermelho. Informam tam-bém que Dom Sebastião passa de sete em sete anos na casa de Francelino e vem muito velho, mas demonstrando grande alegria. Se-gundo Prandi e Souza, trata-se de uma famí-lia de reis e fidalgos, denominados gentis9.

Em alguns terreiros, o Rei Sebastião se in-corpora nos devotos na forma de um touro, chamado de boi Turino e a pessoa que o recebe dança ajoelhada, com as mãos ciscando o chão e bufando como um touro. Geralmente este transe dura pouco tempo, como vimos em São Luís, no terreiro de Margarida Motta e na cura de dona Raimundinha. No terreiro de Santa Luzia, de dona Benedita, assistimos

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a uma visita do grupo de Bumba-meu-boi Boizinho Incantado, que possui muitas músi-cas relacionadas a Dom Sebastião. Uma das entidades da família de Dom Sebastião nesta casa é a princesa Jandira. Em geral, os par-ticipantes do Tambor de Mina e da Pajelança fazem certo mistério e não costumam falar sobre suas entidades, sobretudo as relacio-nadas com a família do Rei Sebastião.

Mundicarmo Ferretti (2004, p. 204) con-stata que no processo contra a pajé Amélia Rosa, ocorrido em São Luís no século XIX, entre 1877-78, havia pessoas ligadas a seu grupo de culto que recebiam São Lázaro e Rei Sebastião, demonstrando a presença de-sta tradição em São Luís pelo menos desde a década de 1870. Rei Sebastião também é cultuado no vizinho Estado do Pará e vem em diversos devotos da Mina (Maués e Vilacorta, (2008), Vergolino-Henry (2004).

A presença do sebastianismo no Maranhão e no Pará pode ser analisada como um caso de hibridismo cultural ou de sincretismo re-ligioso, englobando elementos culturais por-tugueses com tradições culturais e religio-sas de origens ameríndias e afro-brasileiras. Jacqueline Hermann (2008, p. 40) considera que “o caso maranhense constitui a versão mais genuinamente brasileiras das crenças sebásticas”, e um caso de “sincretismo afro-caboclo” fruto do hibrismo.

No dia 02 de Fevereiro, festa de N. Sra. da Candelária, muitos terreiros, como a Casa de Nagô tocam para Iemanjá. Neste dia é costume nesta Casa fazer o “pagamento dos tocadores”, quando vodunsis distribuem pre-sentes e lembranças aos tocadores. Também ocorre o chamado Mucambo, quando os vo-duns distribuem em pequenas cuias, moedas aos presentes, que deverão ser guardadas para que durante o ano não falte dinheiro na casa dos devotos.

Na quarta-feira de cinzas na Casa das Minas e na maioria dos terreiros de mina do Ma-ranhão costuma-se realizar o arrambã ou bancada em que se oferece uma mesa de frutas e doces preparados com antecedên-cia na semana anterior. Todos os alimentos são distribuídos em sacolas aos presentes. É uma festa para se pedir fatura e benção para que não falte nada e o momento de despe-dida dos voduns que não baixam durante a Quaresma. Trata-se de uma festa preparada

e realizada com grande ritualismo mas não vamos comentar mais pois não se trata de festa de santo.

Festa do Divino:Outra festa importante realizada em quase todos os terreiros de mina do Maranhão é a Festa do Divino Espírito Santo. É realiza-da com grande pompa durante vários dias, quando se festeja uma entidade importante ou o aniversário do terreiro. Costuma ser ofe-recida a uma entidade que pede sua realiza-ção, mas esta quase não é percebida na festa e pouco se fala sobre ela. Na Casa das Minas, na Casa de Nagô e em algumas outras é real-izada no domingo de Pentecostes. Nos outros terreiros é realizada em outras datas, em ho-menagem a Sant´Ana, São Luís, São Miguel, Cosme e Damião, e outros santos.

A festa se inicia com a denominada abertu-ra da tribuna que é uma reunião diante do altar onde se cantam cânticos de abertura. Os cânticos são cantados e acompanhados por mulheres que tocam caixas, as caixeiras do Divino, que entoam versos de cor ou de improviso relacionados com os diversos mo-mentos e rituais ao longo da festa. Uma eta-pa importante é o buscamento, seguido pelo levantamento do mastro. Enquanto o mas-tro estiver erguido a casa está em período de festa e determinados ritos devem ser re-alizados.

No dia principal da festa realiza-se uma missa numa das igrejas da cidade e as crianças que compõem o império comparecem vestidas com vestes de nobreza, meninas com ves-tidos longos, luvas, sapato colorido, enfeites no cabelo. Os meninos se enfeitam com jóias, faixas e medalhas. O imperador e a impera-triz usam capas de veludo bordada, coroa, e cetro. O cortejo sai da Igreja e se dirige ao terreiro, aberto pela bandeira imperial, segui-do pelo império, as caixeiras, bandeireiras, banda de música e acompanhantes. Na re-torno, cantam-se cânticos na porta da casa, distribuem-se esmolas aos pobres, vão fazer saudação ao mastro e se sentam no trono acompanhados pelas caixeiras que passam o dia entoando cânticos. Durante o dia servem xícara de chocolate com doces, almoço e jan-tar. Em algum espaço do terreiro costuma haver baile de radiola para os mais jovens. O espaço do terreiro costuma ser ocupado por várias mesas de doces com bolo e lem-brancinhas da festa que serão distribuídos ao

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fim da mesma.

No dia seguinte ocorre o ritual da derrubada do mastro, quando se escolhem os padrinhos do mastro para o próximo ano. A derrubada assinala o encerramento da festa, que en-tretanto costuma se continuar com outras festas correlatas como o carimbo de velhas na ocasião do serramento do mastro, quando os participantes estão mais descontraídos. Neste momento servem-se comidas próprias como o arroz de toucinho e é comum a apre-sentação de um tambor de crioula ou de um bumba-meu-boi.

Em alguns momentos da festa alguns vo-duns ou outras entidades costumam estar presentes de forma disfarçada e quase não são percebidas pelos que não conhecem os detalhes da festa. A festa do Divino possui um ritualismo minucioso e barroco, com di-versas etapas que não podem deixar de ser realizadas. Nesta festa a casa costuma se abrir para a sociedade mais ampla recebendo grande número de freqüentadores que não costumam participar de outras festas e pes-soas de diferentes camadas sociais. Trata-se de uma festa comunitária, que envolve mui-tas pessoas. A festa do Divino no Maranhão é também encarada como um oráculo do fu-turo. Acredita-se que se não houver falhas nos rituais, tudo irá correr bem com a casa e os participantes no próximo ano. A festa do Divino nos terreiros se continua de um ano a outro, pois as crianças que fazem parte do império são escolhidas com antecedência a vão sendo promovidas a novos cargos em cada ano, passando de mordomo mor, mor-domo régio a imperador ou imperatriz.

Boi de encantadoNo Maranhão o bumba-meu-boi é a mais tradicional e concorrida manifestação de cul-tura popular. Existem mais de duas centenas de grupos de boi registrados na Secretaria de Cultura do Estado e muitos se apresen-tam com cerca de cem ou mais participantes. Recentemente esta manifestação cultural foi reconhecida pelo IPHAN como patrimônio cultural.

No Maranhão, é brincadeira típica do período junino e se caracteriza pelo luxo especial das vestimentas, riqueza da musicalidade, divers-idade dos grupos, destacando-se os sotaques ou características musicais, de matracas, o mais difundido, de zabumba, considerado o

mais antigo, de orquestra, considerado até pouco como o mais novo e recentemente os chamados grupos alternativos, que introdu-zem inovações diversas e incluem mais de um sotaque.

Temos notícias de que pelo menos nos últimos cinqüenta anos, é costume a cada ano haver festa de bumba-meu-boi em muitos terreiros de tambor de mina ou de umbanda de São Luís e de outras regiões do Estado. Geral-mente, uma entidade da casa, orixá, vodum ou caboclo aprecia e pede que se organize uma festa de bumba-meu-boi em sua home-nagem. As características da festa de boi nos terreiros variam muito. Em algumas casas é realizada em duas datas e consta dos rituais de batismo e de morte do boi, incluindo a re-alização de banquete de congraçamento. Em outras ocorre a apresentação de um boizinho pequeno, que dança durante certo tempo, em determinado dia de festa no terreiro.

Nos terreiros esta festa se caracteriza pelo predomínio feminino (com grande participa-ção de mulheres do terreiro); oferecimento de banquetes com comida para os presentes (ou pelo menos de uma mesa de doces); é costume da brincadeira no terreiro se iniciar com um boizinho pequeno (que com o tempo vai sendo substituído por um ou mais bois maiores); constata-se a presença ativa du-rante a festa de entidade; presença de líderes e membros de um ou mais grupos de boi da vizinhança (como amigos ou freqüentadores do terreiro); existência no terreiro de um boi com a participação de crianças (que às vezes realiza apresentações externas).

Assim festas de bumba meu boi, são real-izadas em vários terreiros e para diferen-tes entidades, geralmente relacionadas com vaqueiros, como Corre Beirada, ou com índio ou preto velho que gosta e perde que se or-ganize a festa em sua homenagem. A data desta festa varia com cada terreiro e muitas ocorrem no mês de junho ou julho. O bum-ba-meu-boi e o tambor de mina são mani-festações culturais de grande importância no Maranhão. A presença de festas de bumba-meu-boi em terreiros de umbanda e de tam-bor de mina reflete a proximidade social e cultural entre estas manifestações. Do ponto de vista dos participantes e organizadores, muitas festas populares, como o bumba-meu-boi no Maranhão, possuem características de obrigação religiosa.

Vemos que o bumba meu boi é uma festa fol-clórica realizada em pagamento de promessa religiosa. Obrigação e brincadeira represen-tam conceitos opostos, uma significando de-ver, compromisso, constrangimento e outra recreação, divertimento, festa. A diferença entra estas categorias assemelha-se também à diferença entre religião popular e folclore. Para os que dela participam, entretanto, re-ligião popular é simplesmente religião. A brincadeira do boi nos terreiros constitui mais uma forma de realizar festas para os encan-tados, de agradecer sua ajuda e retribuir sua proteção. É sobretudo, nos momentos de fes-tas que os encantados assinalam sua presen-ça entre os humanos e que estes sublimam as dificuldades da existência diária.

Festa de São Benedito:São Benedito, por ser um santo preto goza de grande prestígio, em todo o Brasil, espe-cialmente no Maranhão. No tambor de mina, ele é sincretizado com o vodum daomeando toi Averequete, que é um vodum masculino, cultuado como jovem, na Casa das Minas e como velho, na Casa de Nagô. Averequete e São Benedito são simultaneamente um santo e um vodum muito importantes no Maranhão.

Como dissemos, Santa Bárbará ou Sobô, en-carregou Averequete, ou São Benedito de guiar as cerimônias do tambor de mina. Assim nas casas de culto canta-se para os diversos voduns e depois para Averequete, que abre os toques do tambor para a linha da mata e traz os caboclos para o tambor de mina. Um dos cânticos para ele diz: Averequete é rei// croado no mar// croou, croou// coroado no mar.

No dia de sua festa se canta uma ladainha em sua homenagem e algumas vezes, ocorre a apresentação de um grupo de tambor de crioula que homenageia São Benedito. Esta tradição varia com cada casa pois há terreiros que contam com apresentação de grupos de tambor de crioula e outros não.

No dia de São Benedito realiza-se uma grande procissão na cidade, talvez a maior das que ainda são organizadas, contanto com o com-parecimento de pessoas de todas as classes sociais e, sobretudo de pessoas relacionadas com as religiões afro-maranhenses. Muitos carregam velas, vão descalços ou vestidos com roupa marrom, na cor das vestes de São Benedito. A procissão demora mais de duas

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horas e dá uma grande volta no centro da ci-dade, saindo e retornando à igreja de N. Sra. do Rosário e São Benedito, na Rua do Egito.

Dona Celeste, vodunsi da Casa das Minas, fa-lecida em 2010, era devota de Averequete e de São Benedito. Ela afirmava que seu vodum, toi Averequete era devoto de São Benedito e ela sempre acompanhava a procissão do santo. No retorno dona Celeste entrava na igreja e no momento em que o andor com a imagem do santo se abaixava para adentrar o portal, dona Celeste, vestida de branco, rece-bia seu senhor o vodum toi Averequete. Era cumprimentada pelos amigos que a conhe-ciam, que beijavam a pediam a bênçãos ao vodum. O padre jogava água benta nos de-votos e enquanto se organizavam toques de tambor de crioula na frente da igreja, dona Celeste com seu senhor, se dirigia à Casa das Minas.

Chegando lá, cantava um cântico na entra-da. Uma vodunsi vinha jogar água na soleira da porta para recebê-lo e toi Averequete ia ao quarto dos santos fazer a saudação aos voduns. Depois disso vestia os paramentos de Averequete, os convidados se reuniam na sala do altar para cantar a ladainha, que se continuava com uma mesa de doces e refrig-erantes. Algumas vezes, antes da ladainha era servido um jantar aos convidados. Depois da ladainha, sempre que possível, havia um toque e dança dos voduns. que nos últimos anos durava pouco mais de uma hora.

Tambor de crioula é uma dança popular de negros do Maranhão. É dança de umbiga-da assemelhando-se a outras danças deste gênero existentes no país. O tambor de crio-ula tem características específicas no Maran-hão, único local onde é conhecido com este nome. Possui semelhanças exteriores com o tambor de mina, com o qual é confundido pelos que não conhecem as duas manifesta-ções. As principais diferenças estão nos in-strumentos e na religiosidade do tambor de mina.

A dança do tambor de crioula costuma ser realizada sob a proteção de São Benedito, considerado santo negro e que por isso gosta desta dança de negros. No tambor de mina, São Benedito10 também está presente, sendo carregado nas mãos ou na cabeça durante al-guns momentos da dança. Tendo o tambor de crioula e o tambor de mina, diversas semel-hanças exteriores, as duas manifestações costumam ser confundidas pelos que não as conhecem bem.

Em São Luís é comum a realização de festas com tambor de crioula em terreiros de tam-bor de mina. Não ocorre sempre nem em to-das as casas, mas várias casas realizam uma ou mais vezes ao ano, festas com tambor de crioula. Isto acontece por fatores diversos. É comum um grupo organizado de tambor de crioula homenagear pessoas ou entidades de um terreiro de mina, indo visitar e fazer apresentações na porta ou no interior do ter-reiro, como temos visto na Casa das Minas ao término da festa do Divino. Outras vezes, numa festa de terreiro se inclui uma dança de tambor de crioula que ocorre geralmente em maio ou agosto e pode ser oferecida também a outras entidades alem de Averequete.

Nos terreiros de mina são realizadas mui-tas festas para diversos outros santos como: Santo Antônio, São Raimundo, São Luís, San-ta Rosa de Lima, Santa Terezinha, São Jorge, São Francisco, São Miguel, São Jerônimo, São João, São Pedro, Santa Joana D´Arc, Cosme e Damião, e muitos outros.

3. Festas Sincréticas e Barrocas

_________________________________________________10 São Benedito é tido como santo ambíguo, que costuma fazer trapaças. Por exemplo afirma-se em São Luís que, quando a Irmandade de São Benedito localizava-se na Igreja de Santo Antônio, onde fica o Seminário Arquidioc-esano, as grandes festas de largo em homenagem ao santo tiravam a tranqüilidade dos seminaristas. Por este e outros motivos, a irmandade foi transferida para a capela de N. Sra. do Rosário. Depois disso a capela, que estava em ruínas, foi restaurada. O seminário por sua vez, foi declinando, chegando mesmo a fechar. A procissão de São Benedito atrai pessoas de todas as classes sociais e até hoje é a maior das procissões organizadas anualmente em São Luís (Ver Ferretti e Outros, 1995).

As festas religiosas constituem componente importante das religiões populares, em que o sincretismo encontra-se intimamente relacio-nado. O sincretismo nas festas dos terreiros pode ser visto como paralelismo entre rituais de origem africana e do catolicismo popu-lar, paralelismo de idéias e valores que estão próximos, mas não se misturam nem se con-fundem.

Consideramos que as festas da cultura popu-

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lar nos terreiros refletem o sincretismo re-ligioso e cultural. Fora dos terreiros estas manifestações da cultura popular são igual-mente sincréticas, refletindo a união de el-ementos de culturas distintas, muitas vezes com valores e idéias opostas. O sincretismo encontra-se presente na religião e na cultura popular, embora tenha sido mais observado e estudado nas religiões populares. O sincretis-mo cultural algumas vezes é denominado de hibridação, pelos que não gostam de usar a palavra sincretismo, que a consideram como relacionada principalmente com o fenômeno religioso, por possuir conotações específicas e por seu estudo ter sido muito desenvolvido pela à teoria culturalista, hoje considerada ultrapassada, que, entretanto, atualmente volta a ser estudada e valorizada.

Constatamos que o sincretismo está presente na religião e nas culturas populares como foi identificado em algumas manifestações re-ligiosas e culturais aqui lembradas. A nosso ver o sincretismo contribui para o enriqueci-mento e a fertilização dessas manifestações, demonstrando de que não existem con-tradições entre sincretismo e tradição cultural ou religiosa.

As grandes festas populares brasileiras como o carnaval, o bumba-meu-boi, a festa do Di-vino, as congadas e outras, são festas sincré-ticas, com a junção de elementos de origens distintas. Nelas podemos encontrar paralel-ismos, misturas e convergências de culturas decorrentes de contribuições brancas, negras e indígenas que fertilizaram nossa cultura, nos instrumentos musicais, nos cânticos, nas danças, nas vestimentas, na alimentação, na alegria e na capacidade de organização das festas.

Consideramos ainda que as festas da cultura popular no Maranhão, principalmente as re-alizadas nas casas de culto afro, são festas barrocas, como pode também ser dito em ralação ao desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro (Cavalcanti, 1994: 153) e a muitas outras festas brasileiras. O excesso na decoração dos interiores das igrejas bar-rocas brasileiras, geralmente, contrasta com a singeleza das formas exteriores dos tem-plos. Da mesma forma, o excesso e o luxo de algumas festas populares, muitas vezes, con-trasta vivamente com a pobreza do ambiente

onde essas festas são realizadas.

Acostumado a conviver com a arte barroca que decora as igrejas coloniais e com os cânticos religiosos aprendidos com os mis-sionários do período colonial e preservados até hoje, o brasileiro trouxe para as festas populares a alegria da arte barroca. Muitas imagens de santos de igrejas brasileiras lem-bram figuras atuais dos desfiles das escolas de samba, como sugerem diversas ilustrações do excelente catálogo “O Universo Mágico do Barroco Brasileiro” (Araújo, 1998: 138-139).

Concordamos com diversos autores (Caval-canti, 1994; Montes, 1998) que consideram as festas populares no Brasil uma continui-dade da civilização barroca, que deixou mar-cas tão profundas entre nós. Consideramos que muitas festas da cultura popular nos ter-reiros de culto afro podem ser vistas como uma continuidade das festas barrocas no Brasil, identificando nela características sim-bólicas de ritual de inversão11 através de um catolicismo popular que domina triunfante, caminha paralelo à religiosidade africana e que resiste com vigor, mostrando-se estra-tegicamente dominado e subalterno. A am-bigüidade dessas relações contraditórias faz com que o observador apressado enxergue nessas festas apenas uma das suas dimen-sões manifestas - o triunfo do catolicismo se sobrepondo à dominação da religião afri-cana. Uma análise mais profunda e detalhada mostra, entretanto, a força das religiões de origem africana como o tambor de mina, que traz o catolicismo popular para dentro dos terreiros e o conduz com autonomia, ofer-ecendo a festa a uma entidade sobrenatural (vodum, orixá ou caboclo), que tem devoção e gosta de festas populares, fato que passa geralmente despercebido a observadores ex-ternos menos avisados.

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Resumo:Festas de Santos no Tambor de Mina do MaranhãoAnalisa-se a importância das festas populares nas religiões afro-brasileiras como religiões de festas, sobretudo o Tambor de Mina do Maranhão. Constata que entidades religiosas de diversas naturezas gos-tam de festas populares e solicitam sua realização nos terreiros em datas específicas. Assim, nos terreiros do Maranhão são realizadas festas de bumba-meu-boi, de tambor de crioula, do Divino e outras festas populares. Alem destas festas os terreiros realizam ao longo do ano diversas festas de santos do calendário da Igreja Católica que são incluídas nas atividades das casas de culto. Estas festas possuem características sincréticas e barrocas e manifestam o ritualismo desta religião.

Palavras Chave: Festas Religiosas – Entidades Religio-sas – Tambor de Mina – Sincretismo religioso

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Grupos de Trabalho

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GT 01Prof. Dsc. Irene Dias

Tema: “Teologia e Tradição Oral”

Sábado 12/11 – primeira mesa (10:30hs – 11:30hs) 1. Título da comunicação: Exu – novas(?) perspectivas. Autora: Fernanda Aterje.

2. Título da Comunicação: Mito, oralidade e destino nas religiões afro-brasileiras”. Autora: Fernanda Leandro Ribeiro.

3. Título da comunicação: “A Tríplice Dimensão da Música Sacra Afro-Brasileira: aspec-tos mentais, astrais e físicos”. Autores: Camila B. C. Martins; Renata Issa Gomes; Gihad Abdel Hak.

Sábado 12/11 – segunda mesa (11:30hs – 12:30hs) 4. Título da comunicação: Símbolos ideográficos, onomatopaicos e mnemônicos na construção do saber nas tradições Orais Afro Brasileiras. Autores: Osvaldo Olavo Ortiz Solera e Jociane Neves Negrão.

5. Título da Comunicação: A Magia na Tradição Oral Afro-Brasileira. Autora: Érica Ferreira da Cunha Jorge.

6. Título da comunicação: Tradição Oral: O silêncio da camarinha, a fala do inconsci-ente. Autora: Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas.

Domingo 12/11 – primeira mesa (10:30hs – 11:30hs) 7. Título da comunicação: Cultos afro-brasileiros - liberdade e repressão político-te-ológica. Autor: Paulo Fornari.

8. Título da comunicação: Os espaços ocupados na mídia pela religião Umbanda. Autora: Hulda Silva Cedro da Costa.

9. Título da Comunicação: O conceito de religião e suas porias no olhar da Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras. Autores: João Luiz Carneiro e Arthur Ranieri.

Domingo 12/11 – segunda mesa (11:30hs – 12:30hs) 10. Título da comunicação: “Teologia com ênfase nas Religiões Afro-Brasileiras: O Tempo”. Autores: Ariel Couto; Ana Claudia C. Albuquerque; Fernanda R. do Nascimento; Jo-ciane Negrão; Paulo Feijó; Rodrigo F. Bueno; Wilson Lopes.

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11. Título da Comunicação: O Simbolismo nos Pontos Cantados nas Religiões Afro-brasileiras. Autora: Benedita Regina Aparecida Freitas.

12. Título da Comunicação: A universalidade da umbanda: um estudo da construção da religiosidade umbandista sob a ótica da formação da civilização brasileira. Autor: Ivanildo Garcia de Oliveira

1. Título da comunicação: Exu – novas(?) perspectivas. Autora: Fernanda Aterje.

O Yorubá é um idioma originário da África Ocidental, língua milenar cuja nação era de Tradição Oral. Desta maneira, usava-se o canto, versos e narrativas repedidas de geração em geração como mecanismo de transmissão do conhecimento.

E era por meio destas narrativas que os Yorubá conheciam os feitos dos Orixás. Fazendo parte do vasto panteão destas di-vindades encontramos Eshu, o elemento dinâmico o transportado de ashé a força vital que fornece o poder de realização de toda esta nação.

Este trabalho visa mostrar uma visão dife-rente a respeito da divindade Eshu, a par-tir das obras dos sacerdotes umbandistas W.W. da Matta e Silva e F. Rivas Neto.

Sempre apontado como o diabo católico ou o trickster (trapaceiro, embusteiro, en-ganador) como vários estudiosos insistem em qualificá-lo, Eshu é a divindade mais instigante do panteão umbandista.

Seu aspecto transgressor resulta do fato de que Eshu vem justamente destruir o status quo (o que está estabelecido) de uma sociedade calcada na manutenção das desigualdades por meio de uma elite dominante, mostrando que todos nós possuímos força e poder para transfor-mar nossas vidas aqui e agora.

Palavras-chave: Eshu, Tradição Oral, Pod-er de transformação

Resumos

2. Título da Comunicação: Mito, oralidade e destino nas religiões afro-brasileiras”. Autora: Fernanda Leandro Ribeiro.

Os mitos narram histórias protagonizadas pelas divindades em um tempo primordi-al. O tempo sagrado, mítico é reversível, ele pode sempre ser atualizado, por meio dos ritos. Por isso é considerado circular, diferentemente de quando contamos fa-tos históricos protagonizados pelos ho-mens, que ocorrem em um tempo linear.Apesar de serem modelos exemplares, os mitos podem sofrer alterações ao longo do tempo, uma vez que estão inseridos no contexto da oralidade. Dado estes dois fatos: reatualização constante do mito e possibilidade de mudança do próprio mito, as tradições orais configuram-se como sistemas abertos, vivos, sempre em transformação.

Este caráter dinâmico e de vivacidade dos mitos, repercute no ethos, ou seja, na vida das pessoas. Neste sentido, a concepção dinâmica sobre o destino individual e co-letivo, proposta por Rivas Neto.

Palavras-chave: Mito, Oralidade, Destino, Religiões Afro-brasileiras

3. Título da comunicação: “A Tríplice Dimen-são da Música Sacra Afro-Brasileira: aspec-tos mentais, astrais e físicos”. Autores: Camila B. C. Martins; Renata Issa Gomes; Gihad Abdel Hak.

Os pontos cantados possuem três níveis de atuação. No nível mental (cognitivo,

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intelectual e simbólico), através princi-palmente da letra, os pontos cantados transmitem de forma velada e simbóli-ca, verdades e conhecimentos de cunho mítico, metafísico, doutrinal. No aspecto astral-emocional (emotivo, sentimental e devocional), as melodias e ritmos especí-ficos transmitem, de forma imediata, con-teúdos emocionais como alegria, severi-dade, gravidade, imponência e demanda, que harmonizam o padrão emocional de um grupo. Já a vibração da música sacra afro-brasileira presente na orquestra ritu-al, nos tons e ritmos atua no aspecto eté-reo-físico, através da magia dinamizada.

Palavras-chave: Música, Religiões Afro-brasileiras, níveis de atuação.

4. Título da comunicação: Símbolos ideográ-ficos, onomatopaicos e mnemônicos na construção do saber nas tradições Orais Afro Brasileiras. Autores: Osvaldo Olavo Ortiz Solera e Jociane Neves Negrão.

A tradição oral compõe-se de testemun-hos transmitidos oralmente de geração em geração. A fala é a sua característica particular e maneira de transmissão, o qual difere das fontes escritas. Devido à sua complexidade, não é fácil encontrar uma definição para tradição oral que dê conta de todos os seus aspectos. Um doc-umento escrito é um objeto: um manu-scrito. Mas um documento oral pode ser definido de diversas maneiras, pois um indivíduo pode interromper o seu teste-munho, corrigir-se, recomeçar, ressignifi-car , por isso a constante mudança.

Mostrar a presença de símbolos ideográ-ficos, onomatopaicos e mnemônicos na construção do saber nestas sociedades orais, com certeza será um grande de-safio. Voltar ao início de todas as coisas sob o prisma destas tradições orais, im-plica em conhecer aquilo que nos leva aos primeiros elementos originários de nossa manifestação material e espiritual.

Palavras-chave: Símbolos, Tradições Orais, constante mudança

5. Título da Comunicação: A Magia na Tradição Oral Afro-Brasileira. Autora: Érica Ferreira da Cunha Jorge.O presente trabalho busca recuperar a relação apresentada pela tradição soci-ológica clássica entre magia e religião e discutir, em um segundo momento, de que forma a magia se faz presente na tradição religiosa afro-brasileira contemporânea. O artigo será desenvolvido a partir do pres-suposto estabelecido com Marcel Mauss de que a magia se define por grupos e lo-cais específicos e tem como força motriz a transmissibilidade entre gerações jus-tamente pela tradição oral e vivência dos envolvidos nas práticas mágicas.

Palavras-chave: Magia, tradição oral e re-ligiões afro-brasileiras.

6. Título da comunicação: Tradição Oral: O silêncio da camarinha, a fala do inconsci-ente. Autora: Maria Elise Gabriele Baggio Macha-do Rivas.

O objetivo deste trabalho é a análise de uma camarinha, ritual afeto ao candomblé e a umbanda omolocô em seu sistema de transmissão que anula a fala como meio de comunicação e introduz outros meios sensíveis, concretos como forma de at-uar no inconsciente do filho de santo ou adepto. A linguagem inarticulada, que se abstém do som humano, assume outras dimensões da comunicação mítica, ritual e do próprio ethos que se traduz nos ar-quétipos dos Orixás no êxtase do ritual- a saída de santo.

Usaremos como autores de referência Francisco Rivas Neto e José Flávio Pes-soa de Barros como suporte teórico para os rituais de camarinha e Gerd Theissen para analise do tripé: rito, mito e ethos.Palavras-chave: Tradição Oral, camarinha, inconsciente.

7. Título da comunicação: Cultos afro-brasileiros - liberdade e repressão político-teológica. Autor: Paulo Fornari.

A teologia política dos cultos afro-brasileiros sempre se mostrou libertária, sendo, em nossa opinião, a teologia políti-ca mais próxima das propostas anarquis-tas de Kropotkin, Bakunin e Jean-Claude Proudhon, por exemplo.

Tal estado de coisas literalmente assustou os poderes constituídos estatais (legisla-tivo, executivo e judiciário) e seculares (igreja católica), os quais, contrários à pro-posta libertária dos culto afro-brasileiros, iniciaram intenso processo de demoniza-ção e perseguição às sociedades-terreiro (através dos mais diversos métodos), em tudo visando lançar por terra qualquer coesão que pudesse existir entre os membros dessas sociedades, atuando na máxima “dividir para conquistar”. Nosso trabalho pretende, sem esgotar o tema, analisá-lo do ponto de vista histórico.

Palavras-chave: Cultos Afro-brasileiros, Liberdade, questões político-teológicas

8. Título da comunicação: Os espaços ocu-pados na mídia pela religião Umbanda. Autora: Hulda Silva Cedro da Costa.

Pretende-se apresentar um panorama geral dos espaços que são ocupados na mídia pela religião Umbanda e as formas de preconceitos a que ela está sujeita através dos meios de comunicação de massa, abordando inicialmente a questão do poder exercido pela mídia sobre as pes-soas e o seu vínculo com a sociedade.Palavras-chave: mídia, Umbanda, pre-conceito.

9. Título da Comunicação: O conceito de religião e suas porias no olhar da Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras. Autores: João Luiz Carneiro e Arthur Ranieri.

Definir religião contemplando toda a sua

complexidade é praticamente inviável. Mesmo para as consideradas religiões “ocidentais”, portanto institucionalizadas, as várias áreas do saber acadêmico en-contram dificuldades. Quando aproxima de uma posição de Oralidade, os prob-lemas são potencializados.

Fazendo uso de uma abordagem transdis-ciplinar, serão discutidos alguns conceitos clássicos de “religião” cotejando-os com o caso das Religiões Afro-brasileiras, sob a ótica de sua teologia.

Palavras-chave: Epistemologia, Religião, Religiões Afro-brasileiras, Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras, Tradição Oral.

10. Título da comunicação: “Teologia com ênfase nas Religiões Afro-Brasileiras: O Tempo”. Autores: Ariel Couto; Ana Claudia C. Albu-querque; Fernanda R. do Nascimento; Jo-ciane Negrão; Paulo Feijó; Rodrigo F. Bueno; Wilson Lopes.

O tema Tempo tem sido objeto da crit-ica filosófica, das ciências e da religião, desde o principio da Sociedade Antiga à Sociedade atual, na qual temos as mais diversas teorias. Ao falar de Tempo, ob-rigatoriamente citamos duas correntes, Tempo Circular e Tempo Linear, que estão diretamente ligadas as Tradições Orais e Tradições Escritas. Ao explicamos o Tempo Circular e o Tempo Linear, apontaremos e demonstraremos suas diferenças, suas ligações diretas com as Tradições Orais e Tradições Escritas, além de demonstrar historicamente a ligação do Tempo Linear com a obtenção e manutenção do Poder (Econômico, Político e Social Europeu) subjugando o Tempo Circular (Primitivo). Apesar deste embate, o artigo não tem como objetivo principal uma crítica à im-posição Européia Ocidentalista de utiliza-ção do Tempo Linear, mas sim demonstrar que outras Sociedades também possuem conceitos de Tempo, no caso Tempo Cir-cular, em torno dos quais organizaram seus cotidianos.

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Palavras-chave: tempo, tradição oral, tradição escrita.

11. Título da Comunicação: O Simbolismo nos Pontos Cantados nas Religiões Afro-brasileiras. Autora: Benedita Regina Apare-cida Freitas.

Este trabalho visa, a partir de pesquisa so-bre a tendência literária conhecida como Simbolismo, encontrar na sensibilidade poética, a presença da espiritualidade no setor acadêmico.

Como as Religiões Afro brasileiras, as-sim como outras Tradições Religiosas, desenvolveram uma linguagem simbólica de conexão com o Sagrado, o Simbolis-mo está presente em sua rito liturgia, e nos Pontos Cantados, que tem similari-dade com a poesia simbolista, evidencia-da nesse trabalho com poemas do poeta simbolista Cruz e Souza.

Pois o poeta ao buscar em versos e prosa, aquilo que está além das palavras, encon-

tra no Simbolismo, a consciência sagrada de todas as coisas, como acontece nas Religiões Afro brasileiras.

Palavras-chave: Simbolismo, Pontos Can-tados, Religiões Afro-brasileiras.

12. Título da Comunicação: A universalidade da umbanda: um estudo da construção da religiosidade umbandista sob a ótica da formação da civilização brasileira. A u-tor: Ivanildo Garcia de Oliveira

Este trabalho tem como objetivo o estudo sobre a construção do Movimento Um-bandista no Brasil e como a universali-dade encontra-se presente dentro deste Movimento. Busca unir o saber religio-so com o saber acadêmico, e para isso, demonstra que existiram três vertentes imprescindíveis na construção do Movi-mento Umbandista: histórica, religiosa e espiritual.

Palavras-chave: Umbanda, civilização brasileira, história, religião, espirituali-dade.

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GT - 02 Prof. Dsc. Maria Helena Villas Bôas Concone

Tema: “Memória, Cultura e Identidade”Sábado 12/11 – primeira mesa (10:30hs – 11:30hs) 1. Título da Comunicação: Religiões Afro-brasileiras na internet: uma tradição avoenga em pleno século XXI Autores: João Luiz Carneiro, Athus Rivas.

2. Título da comunicação: O Congado e seu Contexto Artístico e Religioso no Município de Ouro Preto. Autores: Diego Sávio da Costa Fernandes, Cleber Santos Vieira.

3. Título da Comunicação: Revisitando as teorias da mestiçagem no Brasil: como os caboclos das religiões afro-brasileiras estão inseridos neste contexto? Autora: Érica Ferreira da Cunha Jorge.

Sábado 12/11 – segunda mesa (11:30hs – 12:30hs) 4. Título da Comunicação: O Batuque do Rio Grande Do Sul: Cosmovisão e questões em torno ao sincretismo. Autor: Norton F. Corrêa.

5. Título da Comunicação: UESB, INAÊ e Janaínas– Laços espirituais e sociais Autora: Cláudia Puentes.

6. Título da Comunicação: Sincretismo e Tolerância. Autores: Antônio José Vieira da Luz e Carolina Nathalie Marklew da Luz.

Domingo 12/11 – (A) primeira mesa (10:30hs – 11:30hs) 7. Título da comunicação: Beleza Negra - O espaço da oficina para auxílio na recon-strução das identidades afro-brasileiras. Autora: Letícia Guimarães Araújo.

8. Título da Comunicação: O “negro” e as sagradas escrituras: um panorama dos per-sonagens de etnia negra e suas contribuições históricas. Autor: Itamir Otaviano de castro Junior.

9. Título da Comunicação: O Sincretismo como tentativa inicial de Síntese Autores: Bruno F.T.Barbosa e Kátia Stanigher.

Domingo 12/11 – (A) segunda mesa (11:30hs – 12:30hs) 10. Título da Comunicação: Umbandistas de cabeça feita - candomblé e umbanda em uma cidade mineira. Autora: Maria da Graça Floriano.

11. Título da Comunicação: Devoção a Nossa Senhora do Rosário: memória e (res)sentimento Autora: Rosângela Paulino de Oliveira.

12. Título da Comunicação: A religiosidade afro brasileira como aliada no resgate da pág.45

identidade étnico racial de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Autores: Alexandre Oliveira Gabriely e Rosemary dos Santos.

Domingo 12/11 – (B) primeira mesa (10:30hs – 11:30hs) 13. Título da comunicação: Magia e imaginário, um estudo das plantas componentes do “vaso das sete ervas”. Autores: Marcia Aparecida Marangueli, Maria de Lurdes Paixão, Ricardo Briga, Ricardo Mesquita, Roberto Lerner.

14. Título da Comunicação: O patrimônio imaterial em espaço sagrado. Autora: Wandir Vieira Leal Santos.

15. Título da comunicação: Fenomenologia das Religiões Afro-brasileiras: a vivência no Terreiro. Autor: Thomé Sabbag Neto.

Domingo 12/11 – (B) segunda mesa (11:30hs – 12:30hs) 16. Título da comunicação: A Identidade das mesas ritualísticas. Autor: Armando Rossi Sabbag.

17. Título da Comunicação: Benzedeiras, Rezadeiras – Saberes do Ontem na Atuali-dade. Autor: Maria Fatima Santos Desombergh.

Resumos1. Título da Comunicação: Religiões Afro-brasileiras na internet: uma tradição avo-enga em pleno século XXI Autores: João Luiz Carneiro, Athus Rivas.

Este trabalho tem como objetivo discutir elementos das Religiões Afro-brasileiras, calcadas na Tradição Oral, e sua apre-sentação para a sociedade civil como um todo por meio da mídia.

Optamos por realizar esta pesquisa em meios não convencionais. Afinal, pro-gramas de rádio, jornais e revistas espe-cializadas já foram extensamente anali-sados. Esta comunicação se preocupa em recortar o olhar nos canais digitais, onde de alguma forma a Oralidade volta com força total na justa medida em que é possível produzir conteúdo de fácil acesso na modalidade áudio-visual, convergindo com método de transmissão de conheci-mento das Religiões Afro-brasileiras.

Palavras-chave: Comunicação, Internet,

Propaganda, Religiões Afro-brasileiras, Tradição Oral.

2. Título da comunicação: O Congado e seu Contexto Artístico e Religioso no Município de Ouro Preto. Autores: Diego Sávio da Costa Fernandes, Cleber Santos Vieira.

Esta comunicação analisa a atuação do negro congadeiro na construção históri-ca do nosso país, através dessa rica tradição de fé e arte. Herança da tradição africana, o congado revela-se como uma das manifestações culturais mais expres-sivas na histórica cidade de Ouro Preto e em distintas redondezas de Minas Gerais. Como culto de cunho religioso, apresenta diversos elementos tidos como “sagra-dos” em rituais constantemente revital-izados e enriquecidos. Mesmo sendo um festejo de grande expressão, a partir de meados do século XX, detectou-se certo arrefecimento. Compreender os elemen-tos constitutivos dessa manifestação, seu

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funcionamento, suas origens, e suas at-uais perspectivas, possibilita uma con-tribuição para continuidade de todo esse amálgama de tradição secular, no qual, música e religiosidade são preponderan-tes. Assim, torna-se premente atentar para a importância de inúmeros valores e tradições imanentes no contexto desta rica e complexa expressão cultural.

Palavras-chave: Congado, Arte, Religião, Negro, Ouro Preto.

3. Título da Comunicação: Revisitando as teorias da mestiçagem no Brasil: como os caboclos das religiões afro-brasileiras es-tão inseridos neste contexto? Autora: Érica Ferreira da Cunha Jorge.

A proposta de nosso trabalho é revisitar as teorias sobre a mestiçagem em nosso país, sobretudo apontar seus percursos, já que a mestiçagem foi muito combatida e posteriormente defendida quando asso-ciada à imagem de identidade brasileira em um momento bastante particular da história de nosso país.

Em um segundo momento, abordaremos a figura da entidade caboclo cultuada nas religiões afro-brasileiras e associar com as teorias da mestiçagem, ou seja, de que maneira as religiões de matrizes afri-canas, ameríndias e indo-europeias con-seguiram destacar o caboclo como ícone do mestiço, do ponto de vista material, e também ícone da síntese das várias ma-trizes, do ponto de vista espiritual.

Palavras-chave: Mestiçagem, Caboclos, Religiões Afro-brasileiras

4. Título da Comunicação: O Batuque do Rio Grande Do Sul: Cosmovisão e questões em torno ao sincretismo. Autor: Norton F. Corrêa.

O campo religioso afro-brasileiro do Rio Grande do Sul, hoje, compreende, ba-sicamente, três modalidades rituais, a

umbanda, a linha-cruzada e o batuque, todas tendo como elemento central do ritual a possessão por entidades espiri-tuais, que se manifestam através do cor-po e da mente do fiel.

Os primeiros templos de batuque foram fundados, provavelmente, em meados do século XIX, na cidade de Rio Grande, no Sul rio-grandense. Os de umbanda nos anos 1920, trazidos do Sudeste brasileiro e os de linha-cruzada nos anos 1940-50, provindos da mesma região. O trabalho, de cunho antropológico, corresponde a um capítulo de minha tese de doutorado, inédita.

Palavras-chave: Batuque, Rio Grande do Sul, Sincretismo 5. Título da Comunicação: UESB, INAÊ e Janaí-nas– Laços espirituais e sociais Autora: Cláudia Puentes.

Com o objetivo de abordar aspectos contributivos para a formação contem-porânea dos afrodescendentes esse tra-balho foi estruturado. Tendo como base a ONG Grupo União Espírita Santa Bárbara em seus núcleos de Maceió e Santa Fé, ambos em Alagoas, e o desdobramento da ONG na Casa das Janaínas e Inaê.

As interseções com fatos históricos ocor-ridos no Brasil e, um dos que mais marcou nossa sociedade, no âmbito da cultura af-rodescendente, o episódio do “Quebra de 1912”, formam o parâmetro de uma pes-quisa de campo que nos possibilita reve-lar aspectos da identidade do “povo do santo” e dos que não fazem parte de ne-nhuma religião, mas que buscam igual-mente, esclarecimentos que possibilitem a melhoria de vida para todos.

Palavras-chave: Religião, trabalho social e identidade.

6. Título da Comunicação: Sincretismo e Tolerância. Autores: Antônio José Vieira da Luz e Caro-

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lina Nathalie Marklew da Luz.

O sincretismo subsiste no senso comum e, em certa medida nas ciências sóciais, como algo pejorativo – degenerescên-cia, ausência de pureza, mistura, falta de capacidade intelectiva ou de alcance teológico racionalizador. Mesmo entre os teóricos falta unanimidade quanto à validade de tal conceito – tido como ar-dil epistemológico (“vazio” como con-ceito), construção ideológica (acusação desfechada por religião dominante) ou por uma profusão de releituras: junção, união, confluência, mistura, aglutinação, associação, simbiose, amálgama, para-lelismo, correspondência, equivalência, justaposição ou convergência, acomoda-ção, concordância e finalmente – entre várias – síntese. Queremos trazer à dis-cussão algumas teses recentes sobre este conceito e sua importância para uma re-alidade cultural planetária cada vez mais carente de tolerância.

Palavras-chave: Sincretismo, Tolerância, Síntese

7. Título da comunicação: Beleza Negra - O espaço da oficina para auxílio na recon-strução das identidades afro-brasileiras. Autora: Letícia Guimarães Araújo.

Neste artigo pretendo compartilhar a ex-periência da oficina Beleza Negra que dialogava a respeito de identidade afro- brasileira na EMEF Profa Ana Íris do Ama-ral. Com o protagonismo destes pré-ad-olescentes na periferia de Porto Alegre (RS), criamos fotonovelas, contações de histórias, periódicos escolares, ciclos de cinema, artesanato, confecção de bon-ecas negras em retalho e crepom, in-tercâmbios e saídas de campo para tro-cas de conhecimento, visando o resgate histórico-cultural que compreendeu desde os reinos africanos até os valores civiliza-tórios, herdados a partir das religiões de matriz africana e da cultura afro-brasilei-ra. Buscando as suas histórias e as de sua comunidade escolar, foi possível descon-

struir esteriótipos “raciais” negativos, o que permitiu a eles reconstruir suas iden-tidades individuais ressignificadas.

Palavras Chave: Educação anti-racista, identidade valores civilizatórios africa-nos.

8. Título da Comunicação: O “negro” e as sa-gradas escrituras: um panorama dos perso-nagens de etnia negra e suas contribuições históricas. Autor: Itamir Otaviano de castro Junior.

O presente artigo propõe, como sugere o título, uma visão panorâmica dos princi-pais vultos de etnia negra mencionados nas sagradas escrituras, visando resgatar a importância histórica do personagem “negro”, sua coragem, força, qualidades bélicas e o seu relacionamento com os povos do mediterrâneo antigo.

Desmitificar a deturpação bíblica de mar-ginalização da etnia negra, mostrar a beleza literária dos amores inter-raciais, e a grandeza, a riqueza e a força dos po-vos de etnia negra.

Palavras-chave: negro, sagradas escritu-ras, etnia

9. Título da Comunicação: O Sincretismo como tentativa inicial de Síntese Autores: Bruno F.T.Barbosa e Kátia Stanigh-er.

A partir do século XVI chegou em ter-ras brasileiras o negro vindo de diversas regiões do continente africano na condição de escravo. Os diversos grupos que aqui aportaram eram rivais entre si.

Bantos e sudaneses além de terem lín-guas diferentes também tinham concep-ções místicas religiosas diferentes. No entanto a necessidade de manutenção da própria vida e da luta libertacionista faz com que grupos étnicos outrora rivais começassem a se unir surgindo assim o primeiro sincretismo por dentro dos cul-pág.48

tos afro brasileiros. Entendamos como Sincretismo um fenômeno místico reli-gioso que torna um culto passível de ser praticado por vários povos que antes tin-ham rituais e concepções diferentes.

Palavras-chave: Sincretismo, Síntese, ne-gro.

10. Título da Comunicação: Umbandistas de cabeça feita - candomblé e umbanda em uma cidade mineira. Autora: Maria da Graça Floriano.

Na década de 80 começa em Juiz de Fora, MG o movimento de adesão dos umbandis-tas ao candomblé, movimento que irá se tornar “uma febre”, como eles dizem, a partir de meados da década de noventa. Uma imersão neste campo revela que os candomblecistas desta cidade não rene-gam e não abandonam a umbanda. São “umbandistas de cabeça feita” e seus ter-reiros são pejorativamente denominados de umbandomblé. Interpretar estas ad-esões como um processo de re-invenção, de re-interpretação, que articula dois con-textos, cria identidades e gera mudanças no campo das religiões afro-brasileiras é a proposta deste trabalho.

Palavras - chave: candomblé, umbanda, campo religioso, invenção cultural.

11. Título da Comunicação: Devoção a Nossa Senhora do Rosário: memória e (res)sentimento Autora: Rosângela Paulino de Oliveira.

A festa de Nossa Senhora do Rosário tem sua origem na Europa e de lá é trans-portada para o novo mundo na bagagem dos conquistadores. São os missionários dominicanos que levam a santa à África e impõem seu culto aos negros africanos, que num processo de adaptação acres-centam traços de sua própria cultura. No Brasil, há uma continuidade neste pro-cesso que transforma a festa em devoção a santa e em um grande diálogo com o Criador através da dança do Congo e

do Moçambique. O mito fundante dessa crença não é de todo inspirado no modelo europeu, mas no que foi resignificado já em África, quando a santa branca assume características negras. Nesse processo de devoção percebemos que o que motiva a festa é a memória do tráfico, da travessia da Calunga Grande e o (res) sentimento de uma história recriada, cantada e dan-çada no Congado.

Palavras-chave: Devoção, Nossa Senhora do Rosário, Memória.

12. Título da Comunicação: A religiosidade afro brasileira como aliada no resgate da identidade étnico racial de adolescentes em cumprimento de medida socioeduca-tiva. Autores: Alexandre Oliveira Gabriely e Rose-mary dos Santos.

O sábio provérbio Macua de Moçambique diz que “As pegadas na areia do tempo não são deixadas por quem fica sentado”. Assim, propor debates que envolvam temas sobre a religiosidade afro brasilei-ra junto a adolescentes que cumprem medida socioeducativa é o início de uma caminhada em direção a superação de grandes desafios. O momento é oportuno e de relevância, pois, conforme constata-do em pesquisa realizada em 2005, 67% dos adolescentes atendidos na Fundação CASA, se autoclassificaram de cor de pele preta ou parda. Diante, refletir sobre a cultura e tradições afro brasileiras é ir ao encontro das origens de boa parte destes jovens, sendo muitos violados em seus direitos. Para estes adolescentes, pro-por o resgate de suas origens ancestrais através da religiosidade poderá fortalecer sua identidade e sentido de pertença no mundo, é esta a discussão que focaremos neste trabalho.

Palavras-chave: Religiosidade Afro-brasileira, resgate étnico racial, medidas socioeducativas.

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13. Título da comunicação: Magia e imag-inário, um estudo das plantas componentes do “vaso das sete ervas”. Autores: Marcia Aparecida Marangueli, Ma-ria de Lurdes Paixão, Ricardo Briga, Ricardo Mesquita, Roberto Lerner.

Reconhecidas por sua eficácia algumas plantas as quais são atribuídas caracter-ísticas terapêuticas encontram-se tam-bém associadas à efeitos magísticos. Procuramos no presente trabalho correla-cionar um grupo de plantas que compõem os chamados “vasos das sete ervas”. To-mamos como base metodológica a ob-servação direta dos referidos vasos em espaços públicos. Desenvolvemos um levantamento bibliográfico sobre as pro-priedades e similaridades deste conjun-to de ervas que estão presentes na rito liturgia das religiões Afro brasileiras.

A historicidade destas plantas nos revela a importância desta composição capaz de atuar nos campos físicos e extra físicos, constituindo um legado da medicina pop-ular no combate a doenças culturais tais como: mal olhado, afasta energias inde-sejadas, favorecer boa sorte nos negó-cios, manter a boa saúde, saberes que atravessam séculos de existência provin-dos de diversas experiências religiosas.

Palavras-chave: Magia, Imaginário, vaso das sete ervas

14. Título da Comunicação: O patrimônio imaterial em espaço sagrado. Autora: Wandir Vieira Leal Santos.

A Faculdade de teologia Umbandista tem em sua mantenedora ,Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino,três espaços templos onde semanalmente ocorrem atividades religiosas Na rito liturgia das religiões afro brasileiras a música,a dança,o canto aliam-se ao uso das plantas com a fi-nalidade de trazer harmonia a seus par-ticipantes.

Serão descritos neste trabalho os refe-ridos espaços de observação e vivencia.Para as religiões afro brasileira a Mata é um dos santuários e portanto mais um es-paço estudo vivenciado que propicia aos alunos da instituição um contato com a biodiversidade deste patrimônio natural. As experiências pedagógicas do Labo-ratório Etnobotânico de FTU propiciam um aprendizado integrador de saberes.

Palavras-chave: espaço sagrado, FTU, patrimônio imaterial.

15. Título da comunicação: Fenomenologia das Religiões Afro-brasileiras: a vivência no Terreiro. Autor: Thomé Sabbag Neto.

A vivência, enquanto atividade simultânea, mas em proporções variáveis, de todas as funções da personalidade humana (cen-tralizadas em seus três domínios funda-mentais: mental, emocional e físico), é o motor da Iniciação nas Religiões Afro-brasileiras. A vivência no Terreiro propor-ciona ao adepto estímulos que ativam, fortalecem e unificam todas as estruturas da psiché: (a) no domínio mental, há a doutrina, os postulados metafísicos, os símbolos e mitos, as mensagens e acon-selhamentos espirituais; (b) no domínio afetivo-emocional, há a devoção aos An-cestrais Ilustres e ao Mestre encarnado (Babalawó), a amizade profunda entre os Irmãos de uma mesma Raiz, a ética; e (c) no domínio físico, há os estímulos sensoriais, desencadeados pela estética litúrgica, através das cores, formas, sons, aromas, comidas de santo e posturas cor-porais (hilética).

Palavras-chave: Fenomenologia, Religiões Afro-brasileiras, Terreiro.

16. Título da comunicação: A Identidade das mesas ritualísticas. Autor: Armando Rossi Sabbag.

Este trabalho tem como objetivo apresen-pág.50

tar as mesas ritualísticas e o significado e relação da alimentação com a religio-sidade, especialmente nas religiões afro-brasileiras.

A miscigenação brasileira e seu mais belo resultado, a riqueza cultural, deixaram marcas na nossa sociedade, traços que podem ser notados na formação religio-sa, social e política do nosso País.

Durante este estudo iremos apresentar diversas manifestações religiosas e anal-isar suas mesas ritualísticas, todas com significado objetivo de ligar o homem ao sagrado. A alimentação mantém o homem ativo e atuante, e a oferenda faz com que a alma seja elevada às divindades e uti-lizada como fonte de absorção de poder e força para realizar (Axé).

Palavras-chave: Identidade, Mesas ritual-ísticas, Religiões Afro-brasileiras.

17. Título da Comunicação: Benzedeiras, Rezadeiras – Saberes do Ontem na Atuali-dade.Autor: Maria Fatima Santos Desombergh.

Na Inquisição e ainda depois, sob con-trole da Igreja, a medicina primava pelo obscurantismo e crença no “diabólico”. O que era desconhecido e não fosse de in-teresse da Igreja, era considerado “here-sia”. Neste ambiente e mentalidade nada científicos, um dos principais alvos foi a mulher.

No Brasil, para suprir a falta de assistên-cia às pessoas, muitas mulheres se muni-am com o que tinham em mãos: seu con-hecimento, para ajudar o povo simples e carente. Viviam sob “ameaça” e, para es-caparem da “caça às bruxas”, guardavam segredo de seus saberes.

Embora aparentemente extintas, ainda há no Brasil muitas rezadeiras, benzedeiras, que, mesmo estando no 3º milênio, con-tinuam levando o alívio às pessoas que as procuram. O que leva a pessoa a procurar a Benzedeira? Como estes Saberes per-manecem até hoje?

Palavras-chave: Benzedeiras, Rezadeiras, Saberes

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GT - 03 Prof. Dsc. Sérgio Junqueira

Tema: “Ensino Religioso”Sábado 12/11 – primeira mesa (10:30hs – 11:30hs)1. Tiítulo da Comunicação: Ensino Religioso nas Escolas – Limites da Democracia. Autor: Sergio Cardoso.

2. Título da Comunicação: A Transmissão Religiosa na Umbanda. Autora: Maria da Graça Floriano.

Sábado 12/11 – segunda mesa (11:30hs – 12:30hs)3. Título da comunicação: Cultura Impressa e Cultura Afro- Brasileira: Histórias das religiões africanas nos livros infanto- juvenis de Joel Rufino dos Santos. Autora: Talita Oliveira dos Anjos Silva.

4. Título da comunicação: Ensino religioso: Para que e por quê?. Autora: Fernanda Leandro Ribeiro.

Resumos1. Título da Comunicação: Ensino Religioso nas Escolas – Limites da Democracia. Autor: Sergio Cardoso.

O caráter laico do Estado Brasileiro está presente desde a primeira Constituição da República Brasileira. Desde então, há a separação entre o Estado e a Igreja. Apesar de mantida a laicidade do Estado, a atual Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 210, § 1º, institui que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, consti-tuirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”, sendo regulamentado pela Lei, nº 9.394, “Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal”, de 1996. Ambos os textos foram aprovados por maioria representativa, de acordo com o regido na própria Carta Magna. Além das divergências esperadas na construção de uma diretriz curricular e no respeito às práticas religiosas diver-sas, há uma questão fundamental que não está sendo discutida: a democracia tem instrumentos efetivos e suficientes para legislar sobre uma questão religiosa, ou seria necessária a unanimidade?

2. Título da Comunicação: A Transmissão Religiosa na Umbanda. Autora: Maria da Graça Floriano.

Todas as instituições de socialização (es-cola, família, religião) enfrentam aquilo que se convencionou chamar de “crise da transmissão.” Crise que coloca para a transmissão religiosa o problema de as-segurar a socialização de um universo governado pelo “imperativo da continui-dade” numa sociedade fortemente gov-ernada pelo “imperativo da mudança”. Problema que não é exclusivo das re-ligiões afro-brasileiras, mas que nelas apresenta características específicas e distintas das demais religiões presentes no campo brasileiro. O debate em torno da implantação do ensino religioso, nas escolas, não pode esquecer tais especi-ficidades. Esta comunicação pretende alencar e interpretar algumas destas car-acterísticas, observadas em um trabalho de campo, realizado durante anos, juntos aos umbandistas de Juiz de Fora, MG.

Palavras-chave: Umbanda, transmissão religiosa, Juiz de Fora

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3. Título da comunicação: Cultura Impressa e Cultura Afro- Brasileira: Histórias das re-ligiões africanas nos livros infanto- juvenis de Joel Rufino dos Santos. Autora: Talita Oliveira dos Anjos Silva.

Este trabalho interroga algumas questões que decorrem do caloroso de-bate acerca do ensino da história e cul-tura afro-brasileira no sistema de ensino nacional fomentado pelas leis10.639/03 e 11.645/08. Parte-se do pressuposto que esses marcos legais têm por parâmetros a educação para relações etinicorraciais, valorizando a diversidade cultural como um meio, pelo qual as identidades sociais dos sujeitos são construídas. Tendo como ponto de partida esta reflexão, a pesqui-sa investiga a construção da religiosidade dos povos africanos apresentada ao públi-co infanto- juvenil através dos impressos escolares e literários publicados a partir de 1960 por Joel Rufino dos Santos.

Palavras-chave: Cultura impressa, Cultura Afro-brasileiras, livros infanto-juvenis

4. Título da comunicação: Ensino religioso: Para que e por quê?.

Autora: Fernanda Leandro Ribeiro.

O ensino religioso é um tema ao mesmo tempo rico e problemático. Rico porque se propõe abordar uma questão inerente ao ser humano, a religiosidade e problemáti-co porque exige o respeito ao princípio da liberdade religiosa.

O grande desafio é garantir que ele não seja confessional. Diante disso, muitas pessoas defendem que religião é uma questão de foro íntimo e que não cabe ampliá-la para o espaço público da edu-cação.

No entanto, se a educação busca uma formação integral da pessoa e no Brasil, especialmente, a religiosidade é um as-pecto fundante da sociedade, e ela é ex-tremamente plural, podemos pensar que o ensino religioso tem muito a contribuir.Para responder esta questão é importante definir uma fundamentação epistemológi-ca que oriente uma diretriz curricular co-mum em âmbito nacional, bem como a formação docente.

Palavras-chave: Ensino Religioso, Religio-sidade, Educação Brasileira.

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Rito de Exu 2011Vitória da diversidade de cultos

A presença de várias lideranças de todas as regiões brasileiras e do cone sul fortaleceu os laços de respeito, amizade e espiritualidade da sociedade das Religiões Afro-Brasileiras, e, porque não, Afro-Americanas.

Celebramos unidos nosso modo de vida, de ser e viver e o rito com nossos ancestrais manifestou esse estilo de vida.

Pudemos realizar o rito, a celebração de nossa gente por intermédio de Exu de forma democrática e que fortaleceu a cidadania do “Povo do Santo” e, principalmente, como de cidadãos planetários.

Sentimo-nos honrados com a presença de tantos irmãos e amigos, para celebrarmos, cultuarmos nossas divindades, as quais reit-eramos os pedidos de bênçãos renovadas de paz, saúde, prosperidade em todos os níveis, mas principalmente de concórdia entre todas as “Escolas” das Religiões Afro-Americanas, entre todas as religiões e o congraçamento efetivo entre os povos e nações planetários.Em nossa celebração cultuamos a entidade sobrenatural Exu, sua valência de ancestrali-dade primeva, comunicação, transmissão e

ação transportadora do Axé, essa força-mági-ca sagrada que impulsiona nossas vidas para o desenvolvimento como ser humano espiri-tualizado, consolidando nossa identidade no respeito incondicional à vida, à igualdade en-tre todos nós!

Celebrando nossos ancestrais por intermé-dio de Exu pudemos reafirmar e reatualizar ou mesmo mudar o caminho (do qual ele é Senhor), do destino, neutralizando a morte prematura, a doença, a miséria em todos os níveis, as desigualdades e preconceitos vári-os.

No ritual cujo mote era de evitar a morte prematura, as doenças de todos os matizes, louvamos o Orixá Omulu – Obaluaiyê – Sha-panan, fazendo a conexão Exu – Obaluaiyê, por intermédio do enredo toque-dança, cujo tema era a neutralização dos aspectos malé-ficos (doenças, pestes) buscando a louvação e a conexão com os bons aspectos de Omu-lu-Obaluaiyê, que estendeu a todos os bene-fícios de seus pós de encantamento e cura, fazendo nesse instante a ligação com Exu. Os pós dispensados dos atós de Omulu (cabaças com pós mágicos) se assimilam com os apôs

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(sacos) de pós mágicos e de encantos de Exu (Realização do Axé).

Com isso homenageamos a Tradição Jejê-Nagô onde tive meu início com Pai Ernesto de Airá há mais de 55 anos.

Depois celebramos, invocamos todos os Exus em seus vários aspectos, que culminou com a ida a rua, como forma de liberdade, de ci-dadania religiosa quebrando com os precon-ceitos e firmando nossos anseios de igual-dade e liberdade não somente religiosa, mas social, cultural, política e econômica. Real-mente Exu é o vencedor da era das trevas, poderoso Guardião do Destino, de um destino alvissareiro e de felicidades a todos nós.

Após estas fagulhas descritivas, queremos agradecer a todos os presentes e partici-pantes. Às Mães e Pais de Santo, mais de 80, os quais tacitamente afirmaram ser coniven-tes e atores ativos da diversidade das Re-ligiões Afro-Brasileiras.

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A todos os participantes nosso agradecimen-to, e que se possível nos enviem sugestões e críticas, as quais serão bem recebidas pois desejamos que no dia 27 de outubro de 2012 tenhamos uma celebração mais participativa, intensa e com maior brilho revertido em bên-çãos para nossa comunidade, e para toda a sociedade como um todo.

No encerramento queremos reiterar e para-benizar a maturidade de todos os partici-pantes em relação à diversidade de cultos e ritos, pois exemplificaram com suas condu-tas respeitosas que realmente estamos numa nova e alvissareira fase das religiões afro-brasileiras ou afro-americanas em que além de louvarmos os Orixás louvamos a diversi-dade como Sagrada. Axé!

Entrevista Pai Fernando de Oxaguiãn

Nessa edição da Revista Teologia de Con-vergência, a viagem pelas religiões afro-brasileiras pelo Brasil pára um pouco e vai além. O entrevistado da quarta edição é o Pai Fernando de Oxaguiãn. Sacerdote há 11 anos, ele dirige o Terreiro de Umbanda Pai Oxalá e Mãe Iemanjá, em Assafora, São João das Lampas, em Portugal. Ele fala um pouco sobre os desafios e lutas das religiões de matrizes africanas para a livre expressão religiosa e a sua relação com a sociedade na Europa. Quais são as atividades desenvolvi-das no templo?Desenvolvemos as seguintes actividades: Consultas com Entidades (Pretos Velhos e Caboclos), Descarregos, Energizações/Passes, cerimonias de Casamentos , Ba-tizados, desenvolvimento mediúnico e iniciação à Umbanda.

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Como estão configuradas as religiões Afro-brasileiras em Portugal e na União Européia como um todo? As religiões Afro-Brasileiras são vistais mais como seitas religiosas, go-zando no entanto do preceito constitu-cional da liberdade religiosa; oficialmente somos constituídos em associações de direito privado sem fins lucrativos e ac-tividade religiosa. A nível europeu, creio não se distanciar muito desta mesma re-alidade; socialmente somos ainda vistos com alguma estranheza, sendo que pou-cos são os Umbandistas entre as muitas seitas que vão proliferando. Existe con-tudo, mais abertura e exposição através da Internet o que tem levado a um maior conhecimento.

As religiões afro-brasileiras sofrem processos de intolerância religiosa? Não podemos falar em intolerân-cia em termos de actos praticados contra pessoas ou terreiros, mas sim de algum escárnio por parte de alguns grupos reli-giosos, nomeadamente dos Evangélicos. De uma forma geral, existe um ambiente pacífico no país no que toca à tolerância religiosa.

O senhor faz alguma atividade social? Desde o início de actividade do ter-reiro, que temos tido a preocupação de ajudar materialmente instituições dedica-das à assistência social, com recolhas de donativos junto daqueles que ocorrem ao terreiro.

Como o senhor tem encarado o con-ceito de Escolas propugnado pelas linhas de pesquisa da FTU? Creio que o conceito de “Escolas” é inovador e inclusivo pois permite obser-var as diferenças entre as distintas for-mas de praticar Umbanda de um ponto de vista mais abrangente, não pondo de parte a validade desta ou daquela forma , mas sim, mostrando que são formas in-teligentes e perfeitamente válidas de se chegar ao mesmo objectivo.

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