o valor do conhecimento

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ENSAIO

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Graça Caldas

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  • ENSAIO

  • Comunicao & Sociedade, ISSN Impresso: 0101-2657 ISSN Eletrnico: ISSN 2175-7755.Ano 33, n. 56, p. 7-28, jul./dez. 2011

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    O valor do conhecimento e da divulgao cientfica para a

    construo da cidadania

    The contribution of knowledge and of science communication

    towards forming citizenship

    El valor del conocimiento e de la divulgacin cientfica para

    la construccin de la ciudadana

    Graa Caldas Graa Caldas jornalis-

    ta, doutora em Cincias

    da Comunicao pela

    Universidade de So

    Paulo, Ps-Doc pelo

    Departamento de Poltica

    Cientfica (DPCT/IG) da

    Unicamp, docente do

    Programa de Ps-Gra-

    duao em Divulgao

    Cientfica e Cultural do

    Labjor/IEL/Unicamp.

    E-mail: gcaldas@

    unicamp.br. Currculo

    Lattes: http://lattes.cnpq.

    br/4194056997420853.

  • Comunicao & Sociedade, ISSN Impresso: 0101-2657 ISSN Eletrnico: ISSN 2175-7755.Ano 33, n. 56, p. 7-28, jul./dez. 2011

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    RESUMOInformao conhecimento? Qual o valor do conhecimento? Quanto vale o investimento em educao cientfica? De que forma a mdia influencia na for-mao do imaginrio popular? Como a divulgao cientfica pode contribuir para a elaborao do pensamento crtico, reflexivo? Essas e outras questes so abordadas neste ensaio que discute o papel da mdia e da educao na formao de uma cultura cientfica inclusiva e cidad. Palavras-chave: Comunicao, educao, divulgao cientfica, cultura cientfica, conhecimento, cidadania. ABSTRACTIs information knowledge? What is the value of knowledge? How much is the investment in scientific education worth? In what ways do the media influence the shaping of popular scientific imagery? How can science communication contribute to the development of critical and reflexive thought? These and other questions are treated in this essay on the roles of media and education in producing an inclusive and civil scientific culture. Keywords: Communication, education, science communication, scientific culture, knowledge, citizenship.

    RESUMENEs informacin conocimiento? Cul es el valor del conocimiento? Cunto vale la inversin en educacin cientfica? De qu manera los medios de comunicacin influencian la formacin del imaginario popular? Cunto contribuye la comuni-cacin cientfica para la elaboracin de un pensamiento crtico, reflexivo? Esas y otras cuestiones son examinadas en este ensayo que discute el rol de los medios de comunicacin y de la educacin en la formacin de una cultura cientfica inclusiva y ciudadana.Palabras clave: Comunicacin, educacin, divulgacin cientfica, cultura cientfica, conocimiento, ciudadana.

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    Que vale a cincia? Que contribuio nos d para a compreenso do mundo em que vivemos?

    Alm de gerar tecnologia, a cincia parte da cultura?

    Jos Leite Lopes (1998, p. 257)

    IntroduoA cincia fascina a todos os cidados, inclusi-

    ve os jornalistas que divulgam seus resultados sem, necessariamente, refletirem sobre eles. Raras so as vezes em que a poltica de Cincia, Tecnologia e Inovao (CT&I) do Brasil debatida na mdia. Quan-do muito, divulgada, sem qualquer questionamento sobre os critrios das prioridades na alocao dos recursos para a pesquisa realizada no Pas, seus efeitos (positivos e negativos) e os impactos na qua-lidade de vida da populao em geral.

    A poltica nacional de CT&I dependeu, durante cerca de trs dcadas, quase que exclusivamente do Ministrio de Cincia e Tecnologia e Inovao (MCT), criado em 1985, o que dificultava a articula-o nacional do setor. Aps 26 anos, h exatos seis anos, foi criado, em 2005, o Conselho Nacional das

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    Secretarias Estaduais para Assuntos de Cincia e Tecnologia (Consecti) e h quatro anos, em 2007, o Conselho Nacional das Fundaes Estaduais de Amparo Pesquisa (Confap).

    Somente na ltima dcada, com a realizao da II Conferncia de C&T, no governo Fernando Henri-que Cardoso, e as III e IV Conferncias, no governo Luiz Incio Lula da Silva, respectivamente em 2005 e 2010, e a criao, em 2004, do Plano Nacional em Cincia, Tecnologia e Inovao, conhecido como PAC da Cincia, a rea de CT&I comea a ser reconheci-da como estratgica no desenvolvimento nacional e gerao de riqueza e bem-estar social.

    Apesar da nova postura governamental, enquanto os pases desenvolvidos investem de 2% a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) na rea de CT&I, no Bra-sil os investimentos giram, historicamente, em torno de 0,5% a 1%, na atualidade. Sem dvida, observa-se, nos ltimos anos, uma valorizao crescente do setor, que incorporou a inovao em suas metas, entrando, assim, finalmente, na agenda pblica go-vernamental. A produo cientfica nacional vem cres-cendo, continuamente, e o Pas responde, hoje, por 3% da produo mundial, alm de ser reconhecido como um novo player internacional na rea.

    Ao mesmo tempo, crescente o interesse p-blico por CT&I, atestado por diferentes pesquisas de percepo pblica da cincia, assim como visvel a ampliao dos espaos na mdia para a divulgao da produo cientfica nacional. Ocorre, porm, que, de modo geral, essa divulgao ocorre, ainda, de forma descontextualizada, fragmentada, acrtica e geralmen-te com fonte nica. Dessa forma, a sociedade em geral pouco conhece sobre o processo de produo

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    cientfica, seus interesses, suas controvrsias. Cul-pa da mdia, da escola, da famlia, do Estado? Que parcela de responsabilidade cabe a cada um desses atores sociais?

    No Livro Azul (MCT, 2010), fruto da IV Confern-cia Nacional de CT&I para o Desenvolvimento Sus-tentvel, realizada em maio de 2010, o governo traa vrias diretrizes e mostra os grandes desafios para o setor: dar continuidade ao processo de ampliao e aperfeioamento das aes em CT&I, tornando-as polticas de Estado; expandir com qualidade e me-lhorar a distribuio geogrfica da cincia; melho-rar a qualidade da cincia brasileira e contribuir, de fato, para o avano da fronteira do conhecimento; que cincia, tecnologia e inovao se tornem efetivos componentes do desenvolvimento sustentvel, com atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovao nas empresas e incorporao de avanos nas pol-ticas pblicas; intensificar as aes, divulgaes e iniciativas de CT&I para o grande pblico; melhorar o ensino de cincia nas escolas e atrair mais jovens para as carreiras cientficas.

    Popularizao da cincia e educao cientficaEntre as diretrizes da IV Conferncia de CT&I,

    estabelecidas no Livro Azul, fica evidente a preocu-pao governamental com a divulgao cientfica, a formao ampla de uma cultura cientfica pelo apoio aos museus e centros de cincia, bem como a me-lhoria do ensino de cincias nas escolas, considerado essencial para a formao de uma cultura cientfica. No tpico CT&I para o desenvolvimento social, v-rias das recomendaes demonstram a valorizao da popularizao e democratizao de CT&I, assim

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    como sua relao direta com a cidadania. Entre as muitas recomendaes que incluem o estabelecimen-to e a execuo do POP Cincia 2022 Programa Nacional de Popularizao e Apropriao Social da CT&I 2011-2022, envolvendo universidades e insti-tuies de pesquisa, organismos governamentais e da sociedade civil (MCT, 2010, p. 92-95), possvel destacar:

    1.b) promover a formao qualificada de jor- nalistas cientficos, comunicadores da cincia e assessores de comunicao, bem como a capacitao de cientistas, professores e es-tudantes para a comunicao pblica da ci-ncia;1.e) atingir uma presena mais intensa e qua- lificada de CT&I em todos os meios e plata-formas de comunicao da mdia brasileira, inclusive nas redes sociais e promover a pro-duo/veiculao de programas de divulgao e educao cientfica na TV, rdio e internet, incluindo a TV digital;4.c) utilizar mecanismos de participao po- pular nas grandes decises relativas a C&T.

    Ficam claros, assim, a evoluo crescente e os desdobramentos dos tpicos de popularizao da cincia, a cada conferncia de CT&I. Mas isto no acontece por acaso. Mltiplas so as pesquisas de percepo pblica de cincia que atestam o reconhe-cimento pblico e o interesse da populao brasileira na divulgao cientfica. Os resultados das pesquisas realizadas pelo MCT em 1987, 2006 e 2010, assim como outras em parceria internacional (Ricyt/OEI/

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    Labjor-Unicamp, 2003, 2004, 2008), evidenciam o impacto da mdia e sua influncia na formao do imaginrio social.

    Por outro lado, a pesquisa C&T na Mdia, reali-zada em 2009 pela Associao Nacional dos Direitos da Infncia (Andi), em parceria com a Fundao de Desenvolvimento Pesquisa (Fundep) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), centrada, pela pri-meira vez, na anlise de notcias de divulgao cien-tfica, revela motivos para preocupao sobre a forma como a divulgao elaborada. Foram examinadas 2.599 notcias coletadas nos anos de 2007 e 2008 em 62 jornais brasileiros de grande circulao.

    A pesquisa da Andi mostra que 86,4% das no-tcias eram descontextualizadas; 55% tinham fonte nica; apenas 12,3% faziam alguma meno a ques-tes ticas; 4% se referiam a alguma estratgia de desenvolvimento; 3,8% estabeleciam relao entre cincia e crescimento econmico, 0,9% apontavam a C&T como responsvel pela melhoria dos indicadores sociais e apenas 0,2% faziam qualquer relao entre o setor e a erradicao da pobreza.

    Ao mesmo tempo, os sofrveis resultados de pes-quisas nacionais e internacionais sobre o conheci-mento de Portugus, Matemtica e Cincias obtidos, na ltima dcada, pelo Programa Internacional de Avaliao do Estudante (Pisa) em alunos do ensino mdio, refletem os problemas de aprendizado des-ses contedos na escola. importante lembrar que as pesquisas do Pisa vm sendo aplicadas a cada trs anos, em diferentes pases. Na ltima avaliao divulgada em 2010, com a participao de 65 pases, o Brasil ficou em 53o lugar em Leitura e Cincias e em 57o lugar em Matemtica.

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    fato que o Brasil melhorou sua posio global, passando de 375 pontos e 42 posio em 2000, quando participaram 43 pases, para 390 pontos e 40o lugar em 2003; manteve os 390 pontos em 2006, concorrendo com 57 pases, quando alcanou o 52o lugar, e conquistou 405 pontos, em 2009 entre 65 pases e 53o lugar (Inep, 2009). Apesar deste avano, os resultados ainda so sofrveis e se refle-tem no baixo aprendizado de diferentes contedos, dificultando a apropriao crtica das informaes cientficas divulgadas na mdia. A pesquisa do Pisa est centrada na aferio/avaliao dos domnios e competncias dos alunos em Leitura, Matemtica e Cincias, bem como em conhecimentos e habilidades necessrios vida.

    Ante os pfios resultados dos estudantes brasi-leiros do ensino mdio, preciso confrontar/cruzar estes dados com os de outra importante pesquisa para entender suas causas. Realizada pelo Instituto Pr-Livro, em 2007, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, com 5.012 entrevistas domiciliares, distri-budas em todo o Pas, desnuda a realidade nacional ao identificar o baixssimo ndice de leitura do brasi-leiro, com apenas 1,3 livros/ano. Os motivos variam: ausncia de uma cultura familiar de leitura, falta de motivao, de tempo, desinteresse, dificuldades de acesso ao livro, falta de recursos.

    interessante notar que a mesma pesquisa aponta a existncia de uma conscincia de que a leitura representa conhecimento para 1/4 dos entre-vistados. Apesar disso, a grande maioria (77%) in-forma que prefere assistir televiso no tempo livre, seguido por ouvir msica (53%), descansar (50%), ouvir rdio (39%) e s ento ler (35%).

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    Mdia e conhecimentoOs resultados das pesquisas sobre leitura so

    esclarecedores para se refletir sobre informao e conhecimento, sobre o papel da famlia, da escola, da mdia, dos centros e museus de cincia no processo de apreenso do conhecimento. Mas, afinal, o que conhecimento? Como se adquire conhecimento? Ter acesso informao suficiente? Em uma socie-dade midiatizada, na qual a divulgao crescente nos diferentes meios e suportes de comunicao, a que podemos atribuir os baixos ndices de leitura, de compreenso, interpretao da informao para a aquisio do conhecimento crtico, analtico, cidado? Divulgao por si s pode gerar conhecimento?

    Quanto vale o investimento em cincia, tecnolo-gia e inovao? Com este ttulo, em artigo publicado no Jornal da Unicam, Sergio Salles (2011), pesquisa-dor do Instituto de Geocincias da Unicamp, mostra a importncia e as dificuldades prticas em mensurar os impactos econmicos, sociais, ambientais, polticos dos investimentos realizados pelo Estado na rea de CT&I, seja para avaliar seu impacto na sociedade como para subsidiar as polticas de financiamento do setor. O estudo encontra-se em fase de desenvolvi-mento no Gepoi (Grupo de Pesquisa do Departamen-to de Poltica Cientfica e Tecnolgica do Instituto de Geocincias da Unicamp).

    No menos importante examinar o valor e o impacto da educao cientfica na formao das pes-soas, para o desenvolvimento de uma viso crtica e analtica da sociedade e para a tomada de decises em situaes complexas e controversas. Como se forma o conhecimento? Qual a influncia dos pais, da escola, da mdi e, do Estado neste processo de for-

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    mao de uma cultura cientfica? Bem mais subjetivo do que avaliar os impactos econmicos dos investi-mentos em CT&I, que podem ser mensurados pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), do con-sumo de bens e mercadorias, a formao da cultura cientfica depende, em grande parte, da apropriao da informao e sua transformao em conhecimento e no apenas do mero acesso informao.

    Na pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, re-alizada em 2007, as respostas questo sobre a influncia da leitura no imaginrio das pessoas so no mnimo instigantes. A leitura diretamente asso-ciada ao conhecimento (26%); algo importante (8%), crescimento profissional (8%), sabedoria (5%) e de-senvolvimento cultural (5%), importncia social (4%), prazer (4%) e melhoria da educao (apenas 4%). Apesar do reconhecimento geral da importncia da leitura, pouco se l, e pouco se compreende o que se l. Se lemos mal e compreendemos igualmente mal o que lemos, de quem a culpa? Dos pais, pro-fessores, jornalistas, Estado? Ser que ensinamos/divulgamos/estimulamos as pessoas a entenderem o valor da informao, do conhecimento para uma leitura prazerosa rumo aventura da vida?

    Afinal, qual o valor do conhecimento? Com este slogan, o jornal O Estado de S. Paulo (OESP) inicia, em 2009, uma campanha agressiva na qual afirma: informao diferente de conhecimento; in-formao passa; conhecimento fica; informao est em qualquer lugar; conhecimento difcil de achar; informao envelhece, conhecimento renova; conhe-cimento para sempre; informao vem at voc; conhecimento leva voc mais longe. A mensagem, independentemente do aspecto mercadolgico que ela encerra, reafirma o valor do conhecimento.

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    Nos anos 1980, o principal concorrente do Esta-do, a Folha de S. Paulo, desenvolveu outra campa-nha de igual impacto, mas com proposta diferente. O slogan De rabo preso com o leitor at hoje lembrado por criar no imaginrio social a sensao de informao qualificada, de compromisso direto do veculo com o leitor, alm de se colocar como um jornal apartidrio, desvinculado de interesses polticos, econmicos ou ideolgicos, merecedor, portanto, da credibilidade do leitor como fonte de sua informao cotidiana.

    As duas estratgias de marketing tm como objetivo final conquistar novos leitores e fidelizar os existentes em tempos de mudana de paradigma do acesso informao e migraes de plataforma dos veculos do meio impresso para o meio digital. Nesse processo, verifica-se a valorizao do produto infor-mao qualificada para a cobrana a seus leitores. O debate sobre a cobrana ou a disponibilizao gratui-ta da informao na web mobiliza o mundo inteiro.

    No caso especfico do Estado, a recente cam-panha teve como objetivo sensibilizar o leitor a pagar pela informao-conhecimento, a valorizar o produto informao-conhecimento, a exemplo do prestigioso The New York Times que, a despeito de crticas, manteve a cobrana do jornal digital. Na esteira da campanha nacional, o OESP fez uma reforma gr-fica e editorial do veculo, que resultou no aumento de circulao de 213 mil para 236 mil em 2010, de acordo com dados do IVC (Instituto Verificador de Circulao).

    O debate sobre o papel e o futuro dos veculos impressos ante a informao rpida, instantnea, na rede, no novo. Apesar da morte anunciada dos

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    impressos, o que se observa uma associao direta da informao rpida web e o tempo de reflexo aos impressos. No por acaso, o tradicional jornal ingls The Guardian anunciou, em junho de 2011, que sua edio impressa teria menos pginas e mais contedo analtico. A prioridade informativa passou para o meio digital, pela agilidade natural do meio, enquanto o espao para a reflexo ficou mais cen-trado em sua edio impressa.

    A mudana estratgica do The Guardian antecipa o futuro dos veculos impressos, sempre anunciada, mas ainda pouco implementada: valorizao da anli-se, interpretao e contextualizao da informao no suporte impresso, enquanto a verso digital dedica-se mais informao rpida, instantnea.

    As alteraes recentes de estratgias na veicula-o da informao jornalstica em diferentes veculos brasileiros e estrangeiros remetem a uma reflexo essencial no mundo contemporneo, cercado por tec-nologias digitais, redes sociais, que alteram no s as rotinas do processamento das informaes pelo cidado em geral, mas tambm as rotinas produtivas da notcia, modificando a relao tempo-espao para a aquisio da informao, do conhecimento.

    Exatamente por isso, fundamental entender como se d o processo de aquisio do conheci-mento, da cognio, da apreenso da informao e da capacitao do indivduo para estabelecer a ne-cessria sinapse, contextualizao, elos entre texto e contexto, para efetivar o conhecimento, o aprendi-zado. Como lembra Demo (2001, p. 51), enquanto no ocorrer a presena crtica e criativa do sujeito, no existe aprendizagem, mas manipulao da cons-cincia alheia [] O excludo precisa saber pensar

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    sua prpria histria, para refazer-se como sujeito de suas solues possveis. E continua:

    Compreender questo de lgica, e geralmente en-tendemos por lgica a capacidade de deduzir uma coisa da outra, de tal sorte que cada coisa esteja no seu lugar e se relacione com outra. A lgica, porm, que mais interessa, no aquela que logo aparece, mas a que est por trs. [] Precisamos, definitiva-mente, entender que fundamental apreender para a vida individual e sobretudo coletiva, no apenas para competir. Trata-se, em primeiro lugar, de gestar aquela cidadania que sabe manejar o conhecimento como qualidade formal e poltica, diferente por isso, de ou-tras cidadanias que a sociedade propicia e motiva. Usa a vantagem comparativa mais decisiva dos tempos atuais, no sentido mais preciso de saber fazer histria prpria, sem esquecer que o saber pensar inclui saber cuidar e acreditar. (DEMO, 2001, p. 23; 97).

    O conhecimento , portanto, uma forma de eman-cipao social, essencial para a conquista da cida-dania. A educao e a cultura cientficas vo muito alm do acesso informao. Pressupem o desen-volvimento de uma capacidade crtica para melhor compreender a realidade e se posicionar sobre ela.

    Para entender o mundo moderno, a aquisio crtica do conhecimento cientfico uma ferramenta poderosa. A educao cientfica na escola, nos mu-seus e centros de cincia, assim como a divulgao cientfica na mdia so instrumentos para a aquisio de uma cultura cientfica. No entanto, s possvel definir uma pessoa cientificamente culta, aquela

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    que, diante da notcia de um sucesso cientfico re-cente, capaz de avaliar a sua amplitude real e de descontar a parte do exagero demasiado frequente com que os peridicos de vulgarizao (e s vezes at as publicaes cientficas) anunciam a importncia de uma descoberta. (THOM, apud GRANGER, 1994, p. 18,19).

    O socilogo Bruno Latour tambm chama a aten-o para a importncia de uma viso ctica e inde-pendente dos divulgadores da cincia.

    Para dar independncia s anlises da cincia, ne-cessrio, pois, no se basear unicamente no que os pesquisadores e descobridores dizem de si mesmos. Eles devem tornar-se o que os antroplogos chamam de informantes, certamente informantes privilegiados, mas sempre informantes de quem se duvida. (1997, p. 19-20).

    Latour critica, ainda, a postura submissa do jor-nalista cientfico em relao ao discurso cientfico, ao discurso da autoridade legitimada pela prpria mdia, ao afirmar:

    o jornalista cientfico orgulha-se de estender o tapete vermelho da vulgarizao sob os ps do cientista, a sociologia emudece de respeito, o economista cala-se humildemente e contenta-se em falar a partir de uma posio inferior. Os prprios cientistas fazem suas cincias, seus discursos sobre a cincia, sua tica da cincia, suas polticas da cincia, e quando so de esquerda, suas crticas e autocrticas da cincia. Os outros ouvem. (LATOUR, 1997, p. 25).

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    Mas, por que isto ainda acontece? O fato que, embora a busca pela capacitao do jornalista cient-fico seja cada vez mais frequente, a partir de cursos de especializao na rea, o jornalista, com raras excees, ainda se coloca como um tradutor qualifi-cado do cientista, quando deveria ser seu intrprete. Por falta de conhecimento sobre poltica cientfica, histria e filosofia da cincia, cultura geral, o jorna-lista cientfico termina fazendo um relato da produo cientfica e tecnolgica, quase que exclusivamente a partir das declaraes da fonte especializada, sem ao menos considerar eventuais controvrsias que o tema encerre.

    Ser que cabe apenas ao cientista a formulao da poltica cientfica brasileira? Qual o papel dos po-lticos, dos empresrios, dos jornalistas cientficos, da sociedade organizada neste processo? A quem cabe formular as prioridades dos investimentos pblicos e privados sobre a rea de CT&I, considerando os mltiplos interesses envolvidos? Se a CT&I um importante elemento para a conquista da cidadania, para a democratizao social, para a segurana in-dividual e coletiva dos cidados e para a elevao da qualidade de vida, como afirma o Livro Verde do MCT (2010, p. 90), como ser possvel transformar em realidade uma das recomendaes do mesmo documento, p. 95, que assegura a necessidade de utilizar mecanismos de participao popular nas grandes decises relativas s CT&I?

    Como estes mecanismos sero viabilizados? Como e por quem sero elaborados, com que cri-trios sero estruturados? Sero adotados para que tipo de grande deciso? Quem decide sobre as mu-danas no Cdigo Florestal, que ratificam o interesse

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    de alguns agricultores e pecuaristas interessados? A quem cabe tomar a deciso sobre a construo de quatro novas usinas nucleares no Brasil, apesar da magnitude dos riscos envolvidos e das alternativas energticas mais apropriadas ao Pas? Quem decide? Como fica o interesse pblico? Qual o papel da divul-gao cientfica neste processo de fornecer subsdios prs e contra os diferentes argumentos apresentados para uma formao crtica da opinio pblica?

    O pblico em geral teve acesso s estratgias propostas pela IV Conferncia, s suas recomenda-es em vrios campos do conhecimento? A quem cabe a responsabilidade social pela divulgao, de forma crtica e analtica, dessas estratgias e reco-mendaes, de forma simples para entendimento pblico para que ele possa, efetivamente, participar das grandes decises da rea de CT&I? E tambm das pequenas decises por que no? , uma vez que podem, igualmente, afetar a vida dos cidados? Entre a retrica, entre o discurso competente e a prxis democrtica h muito a ser acompanhado, fiscalizado, e nada como a mdia para possibilitar o acesso e a transparncia das informaes de inte-resse pblico.

    Questes como essas fazem ou deveriam fazer parte da agenda cotidiana dos jornalistas cientficos, dos polticos, dos empresrios, das diferentes repre-sentaes da sociedade civil, para que os cidados possam, efetivamente, se transformar em sujeitos de sua histria. O jornalista cientfico, em particular, no pode continuar divulgando a produo cientfica como um grande acontecimento, uma grande descoberta, sem tambm refletir sobre seus riscos e benefcios. necessrio refletir, contextualizar a informao, o

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    conhecimento, para que possa ser devidamente apro-priado pela sociedade em geral.

    Para uma divulgao cientfica competente, ci-dad, o conhecimento tcnico muitas vezes exigido do jornalista cientfico, nem sempre imprescindvel. Como observa Fourez:

    com freqncia, aquilo que as pessoas necessitam para participar de maneira significativa dos debates ou nas decises que lhes dizem respeito, no tanto de conhecimentos tcnicos especializados []. Isto porque, intil compreender a Qumica para compre-ender as vantagens e inconvenincias das aspirinas. intil conhecer a resistncia dos materiais para saber utilizar um martelo. No obstante, conhecer certas propriedades dos alimentos pode permitir que eles sejam adquiridos de maneira mais satisfatria. (1995, p. 222).

    Cultura cientfica, imaginrio social e cidadania Verificar as articulaes e as relaes dos atores

    sociais mediatizados pelo espao pblico (HABER-MAS [1984], WOLTON [2004]) essencial para com-preender a influncia desses processos na formao do imaginrio popular. Examinar o impacto e o papel da mdia na construo coletiva da histria e o papel do jornalista como historiador do cotidiano (CALDAS, 2005) implica discutir a responsabilidade social dos profissionais da mdia no processo de construo de uma cultura cientfica.

    A educao cientfica no pode, porm, negar ou apagar a natural complexidade do conhecimento cientfico; ao contrrio, deve garantir a permanncia de narrativas densas, polissmicas, possibilitando,

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    assim, mltiplas leituras e interpretaes no processo de leitura de cenrios, leitura do mundo. exata-mente da heterogeneidade de ideias, do conflito, da reflexo, que surge o pensamento crtico, autnomo, to necessrio no mundo moderno.

    essencial reconhecer o papel estratgico da mdia como parte integrante da construo do ima-ginrio popular e, portanto, da formao da opinio pblica. Para isso necessrio refletir, tambm, so-bre a cultura da mdia e sobre o processo de pro-duo do discurso jornalstico. No entendimento da cultura esto inseridos os significados e os valores que surgem e se difundem nos grupos sociais por meio das prticas sociais. Para se entender a relao entre mdia e histria, preciso compreender o papel dos meios de comunicao na formao de valores, crenas e as diferenas entre fatos e verses. necessrio discutir a destruio da temporalidade provocada pela mdia em suas mltiplas formas de representao da realidade, da polissemia das vozes, do simulacro do real.

    Desvelar o mundo construdo pela mdia implica, porm, reconhecer seu papel na construo da me-mria individual e coletiva. Entretanto, o entendimen-to do papel do jornalista na construo da memria coletiva passa pela compreenso do contexto hist-rico dos fatos e do veculo em que est inserida sua linha editorial e poltica. Para isso imprescindvel conhecer a histria de vida dos agentes envolvidos no processo de produo da informao (jornalistas, fontes entrevistadas e os proprietrios dos meios).

    No basta, portanto, apenas reconhecer a mdia e seus diferentes suportes (impressos, eletrnicos ou digitais), como fonte de documentao histrica. A

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    re/construo da memria coletiva implica pesquisa e anlise acurada do registro dos fatos e de suas inmeras verses. A construo das mltiplas faces da memria encontra na mdia um importante inter-locutor, da a responsabilidade social do jornalista como historiador do cotidiano. Ao utilizar a mdia como fonte de documentao histrica, imprescin-dvel estudar no apenas o texto jornalstico, mas os diferentes atores sociais envolvidos para compreender os eventuais interesses envolvidos no processo de produo da notcia, inclusive os legtimos. S assim ser possvel o desvelamento dos fatos, o registro da memria coletiva e a reduo da amnsia social para a transformao de seus atores em sujeitos de seu tempo, de sua histria.

    Algumas consideraes finaisO aprendizado, o desenvolvimento de uma cul-

    tura cientfica cidad , sobretudo, um ato poltico, libertador. A comunicao efetiva do conhecimento exerce uma funo de mobilizao social pela leitura, pela mdia, pela divulgao cientfica. A comunicao possibilita o acesso informao, ao conhecimento, para a transformao social. inevitvel, portanto, associar o processo de aprendizado, do saber, ao poder, como ensina Foucault (1972).

    O saber e o poder so, portanto, faces de uma mesma moeda, em que a cultura cientfica implica prticas de libertao. J a obedincia cvica e no cidad, por falta de saber, pode ser relacionada dire-tamente ausncia de saber (LEBRUN, 1984, p.113). Qual seria, ento, a responsabilidade do cientista e do jornalista no processo de uma divulgao crtica? De que forma os discursos desses saberes se en-

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    trecruzam e podem colaborar para uma divulgao cientfica competente e qualificada que v ao encontro do interesse pblico e do pblico?

    O conhecimento cientfico no pode ser disso-ciado de sua dimenso social. Como atividade hu-mana, apesar da existncia do mtodo cientfico, que norteia o processo de produo cientfica, a cincia no tem uma nica verdade, nem absoluta. No pode, portanto, ser considerada neutra, uma vez que est culturalmente instalada em diferentes contextos histricos, polticos, econmicos e sociais, assim como os jornalistas esto condicionados por sua histria de vida, sua viso de mundo e pelos veculos em que atuam.

    No espao pblico midiatizado, a circulao da informao e o debate cientfico podem assegurar a formao qualificada/competente da opinio pblica para que o cidado tome suas prprias decises. O conhecimento cientfico parte integrante da cidada-nia plena e do processo de incluso social. Possibilita ao indivduo uma cidadania ativa e transformadora. Tecer os fios cotidianos da histria da cincia, numa perspectiva crtica, humana, educativa e que possi-bilite a incluso social uma tarefa a ser trilhada por muitos atores: jornalistas, cientistas, escola, famlia e Estado.

    J hora de retomar a perspectiva da cincia e da tecnologia como agentes libertadores e reco-nhecer que nada tm de neutros. Os debates sobre a utilizao dos recursos e a poltica de C&T no podem ficar, portanto, restritos aos fruns acadmi-cos ou governamentais. mais do que hora de a sociedade civil, por meio de suas diferentes represen-taes sociais, assumir sua responsabilidade social

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    na formao de uma cultura cientfica ampla, em que participar do debate sobre a poltica e produo de CT&I tarefa inadivel. Nesse contexto, o papel da mdia insubstituvel.

    RefernciasCALDAS, G. Mdia e memria: a construo coletiva da histria e o papel do jornalista como historiador do cotidiano. In: BEZZON, L. C. (Org.). Comunicao, poltica e sociedade. Campinas, SP: Alnea, 2005. p.137-149.

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