falacia pre trans

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  • A FALCIA PR/TRANS

    (Excertos do Captulo 8 do livro EYE TO EYE de Ken Wilber)

    Traduo de Ari Raynsford (www.ariray.com.br)

    A natureza geral da Falcia Pr/Trans

    O conceito da Falcia Pr/Trans vamos cham-la "fpt" para facilitar advm da filosofia do desenvolvimento, que representada mais efetivamente por Hegel no Ocidente e Aurobindo no Oriente, e da psicologia do desenvolvimento, que resumida por Baldwin e Piaget no Ocidente e pelo yoga kundalini no Oriente. Essa viso desenvolvimentista-evolucionria sustenta que no mundo de maya todas as coisas existem no tempo; como o mundo do tempo o mundo do fluxo, todas as coisas do mundo esto em constante mutao; mutao implica em algum tipo de diferena de estado para estado, isto , algum tipo de desenvolvimento; assim, todas as coisas neste mundo s podem ser concebidas como algo que se desenvolveu. O desenvolvimento pode ser para frente, para trs ou estacionrio, mas ele nunca est totalmente ausente. Em resumo, todos os fenmenos se desenvolvem, e, assim, a fenomenologia verdadeira sempre evolucionria, dinmica ou desenvolvimentista esse, por exemplo, o ponto central da Phenomenology of Spirit de Hegel.

    De acordo com esse ponto de vista, ento, qualquer fenmeno ocorre em uma corrente de desenvolvimento, e uma das melhores maneiras de entender sua natureza tentar reconstruir seu desenvolvimento reconstituir sua histria, mapear sua evoluo, descobrir seu contexto, no s no espao, mas tambm no tempo. Esse ponto crucial em si mesmo, e retornaremos a ele diversas vezes. Mas, por enquanto, vamos seguir diretamente para o prximo ponto: se tentarmos visualizar o mundo como um todo nesses termos desenvolvimentistas, o mundo parece estar evoluindo numa direo definida, isto , em direo a um maior holismo, integrao, senso de percepo (awareness), conscincia, etc. Realmente, uma breve anlise dos dados evolucionrios at os dias de hoje a matria para as plantas, para os animais inferiores, para os mamferos, para os seres humanos mostra-nos um crescimento pronunciado em direo a uma crescente complexidade e percepo.

    Muitos filsofos e psiclogos, deparando-se com esse fluxo evolucionrio, concluram que, no s os fenmenos podem ser mais bem entendidos como algo que se desenvolveu, como tambm que o desenvolvimento em si mesmo est convergindo para o nmeno. Todos estamos familiarizados com a concepo evolucionria do ponto mega de Teillard de Chardin e com a tendncia evolucionria para a supermente de Aurobindo, mas o mesmo conceito foi sustentado no Ocidente por filsofos como Aristteles e Hegel. Hegel, por exemplo, afirmou que "O Absoluto o Esprito no processo do seu prprio devir, o crculo que pressupe seu fim como seu propsito e que tem seu termo no seu comeo. Ele se torna concreto ou real somente pelo seu desenvolvimento..." O "fim" de que Hegel fala similar supermente e ao ponto mega um estado de "conhecimento absoluto" onde "o Esprito se conhece a si mesmo na forma de Esprito".

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    Assim a histria (evoluo) era, para Hegel, como tambm para a filosofia perene em geral, o processo de autorrealizao do Esprito.

    Significativamente, Hegel sustentou que esse processo de desenvolvimento ocorre em trs estgios principais: comea com a natureza, o domnio inferior o domnio da matria e das sensaes e percepes corpreas simples. Denominaremos esse domnio pr-pessoal ou subconsciente. Hegel fala costumeiramente da natureza subconsciente (isto , do domnio pr-pessoal) como uma "queda" (Abfall) mas no que a natureza esteja contra o Esprito ou divorciada do Esprito. Simplesmente a natureza o "Esprito adormecido", ou "Deus em uma de Suas formas". Mais especificamente, a natureza o "Esprito autoalienado", ou a forma inferior do Esprito em seu retorno ao Esprito.

    Na segunda fase do retorno do Esprito ao Esprito, ou da superao da autoalienao, o desenvolvimento se move da natureza (pr-pessoal) para o que Hegel chama o estgio autoconsciente. Esse o estgio tpico da percepo "egoica" ou mental o domnio que denominaremos pessoal, mental e autoconsciente.

    Finalmente, de acordo com Hegel, o desenvolvimento culmina no Absoluto, ou no Esprito descobrindo o Esprito como Esprito, um estgio/nvel que chamaremos transpessoal ou superconsciente.

    Observemos, ento, a sequncia completa do desenvolvimento: da natureza para a humanidade, para a divindade; do subconsciente para o autoconsciente, para o superconsciente; do pr-pessoal, para o pessoal, para o transpessoal. Isso est representado na Fig. 1. Exatamente esses trs principais estgios podem ser encontrados em Berdyaev e Aurobindo, e Baldwin aproxima-se muito deles com sua noo de pr-lgico, lgico e hiperlgico. Assim, essa concepo tem uma base extremamente abrangente.

    Necessitamos somente de mais uma ferramenta torica. Se o movimento do inferior para o superior evoluo, ento o contrrio, o movimento do superior para o inferior, involuo (vide Fig. 2). A natureza se torna uma "queda" ou "Deus adormecido" ou "Esprito autoalienado" atravs do processo anterior de involuo, ou de descida e "perda" do superior no inferior. Chama-se isso "Big Bang", quando a matria o domnio inferior comeou a existir a partir do Vazio (sunyata).

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    Evoluo a reverso subsequente da Abfall, o retorno do Esprito ao Esprito via desenvolvimento. Aurobindo escreveu extensivamente sobre esse assunto, e no posso fazer mais nada alm de recomendar os seus trabalhos. Entretanto, deve-se ressaltar que se pode considerar a involuo simbolicamente e metaforicamente, ou pode-se consider-la literalmente ou metafisicamente, mas em nenhum caso ela deve ser confundida com qualquer movimento ou sequncia de movimentos na evoluo. Isso seria o mesmo que confundir o crescimento com a concepo. De qualquer modo, mesmo que rejeitemos totalmente as noes cosmolgicas de involuo de Hegel e Aurobindo, poderemos certamente falar de involuo no sentido geral do movimento do superior para o inferior nesse sentido, ela simplesmente o fenmeno de regresso. Qualquer uma dessas interpretaes ser suficiente para este captulo.

    Retornemos agora ao processo global da evoluo, ou crescimento e desenvolvimento em geral; aqui, onde a fpt aparece (darei, inicialmente, uma verso simplificada e a refinarei posteriormente):

    Como o desenvolvimento se d do pr-pessoal para o pessoal, para o transpessoal, e como tanto o pr-pessoal como o transpessoal so, cada um a seu modo, no-pessoais, ento pr-pessoal e transpessoal tendem a aparecer como similares, at mesmo idnticos, para o observador despreparado. Em outras palavras, as pessoas tendem a confundir as dimenses pr-pessoal e transpessoal e a est o cerne da fpt.

    Essa falcia apresenta-se sob duas formas principais: a reduo do transpessoal ao pr-pessoal, que chamaremos fpt-1, e a elevao do pr-pessoal ao transpessoal, que denominaremos fpt-2. Voltando Fig. 1, o ponto que se a diferena sutil, porm drstica, entre A e C no for entendida, as duas extremidades do mapa de desenvolvimento de uma pessoa so colapsadas uma na outra. Na fpt-1, C colapsado ou reduzido a A (e, ento, C deixa de existir) Fig. 3. Na fpt-2, A colapsado ou elevado a C ( e, ento, A deixa de existir) Fig. 4. Ao invs de duas pernas para o desenvolvimento, passamos a ter um eixo nico.

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    Esse colapso cria instantaneamente duas vises opostas de mundo. Como o mundo real continua contendo A, B e C, a fpt-1 e a fpt-2 ainda abrangero o espectro completo da existncia, mas ambas, necessariamente, interpretaro o mundo luz de suas respectivas deficincias. Assim, em concordncia com as duas formas de fpt, foram geradas duas vises gerais de mundo, precisamente como mostrado nas Figs. 3 e 4.

    Ora, ambas as vises de mundo reconhecem o domnio do pessoal e, ainda mais, em ambas, o desenvolvimento entendido como tendo culminado no domnio pessoal (isto porque o domnio pessoal o ponto de pivotamento B, o nico ponto que as duas vises tm em comum). A partir da, elas divergem drasticamente, mas suas caractersticas podem ser inferidas com impressionante exatido das Figs. 3 e 4, respectivamente.

    A viso de mundo 1 (VM-1) v o desenvolvimento movendo-se de uma fonte pr-pessoal na natureza, atravs de uma srie de avanos intermedirios, at culminar no "ponto alto" da evoluo a racionalidade humana. Ela no reconhece fontes ou objetivos superiores de desenvolvimento e, veementemente, nega a necessidade de se mencionar esses supostos nveis "superiores". O homem um ser racional, e a racionalidade tudo que necessrio para compreender e ordenar o cosmo. Isso se parece muito com a cincia ortodoxa.

    Por outro lado, a VM-2 v o desenvolvimento movendo-se de uma fonte espiritual ("no cu") at culminar em um "ponto inferior" de alienao uma humanidade pecadora ou um ego individual e pessoal. A Histria, ento, passa a ser a histria de uma queda, no um movimento para cima, e a humanidade (ou o ego pessoal) est na extremidade dessa queda, exatamente como mostrado na Fig. 4. Isso se parece muito com a religio ortodoxa.

    Entretanto, a parte difcil e intrincada que, enquanto a falcia pr/trans em si mesma um erro, as duas vises de mundo geradas pelas duas fpts so metade verdadeiras e metade falaciosas e isto que dificulta a deciso sobre seus mritos relativos. Elas so verdadeiras quando tratam das metades do desenvolvimento que no exaltaram ou reduziram, e falaciosas quando tratam da metade que distorceram. Sendo mais especfico:

    Basicamente, podemos visualizar o desenvolvimento global em termos de: (1) sua natureza, ou seus componentes o que envolve aspectos pr-pessoais, pessoais e transpessoais, e (2) sua direo, o que exige algum tipo de entendimento (implcito ou

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    explcito) de evoluo e involuo. Assim, devemos esperar que cada uma dessas grandes, porm parciais, vises de mundo digam algo verdadeiro e falso sobre a natureza e a direo do desenvolvimento. Isto , cada uma dessas vises de mundo contm duas importantes verdades e dois grandes erros. Mais especificamente, reportando-se natureza e direo: VM-1 est correta em afirmar que: (1) possumos um componente pr-pessoal, irracional e subconsciente, que realmente precede o racional e o pessoal na evoluo, e (2) a direo da evoluo real ou histrica efetivamente do inferior para o superior. Ela est errada quando: (1) nega a existncia de um componente transpessoal, e (2) nega que deve haver um movimento real de descida do Esprito, uma Abfall involutiva da unio com e como Deus.

    VM-2 est correta ao afirmar que: (1) existe um componente transpessoal no cosmo, e (2) h um certo sentido em que estamos todos "em pecado", ou vivendo alienados e separados de uma suprema identidade com o Esprito. Entretanto, est errada ao afirmar que: (1) o ego individual, ou personalidade racional pensante, o pice da alienao do Esprito, e errada, ento, em manter que (2) um den verdadeiro precedeu o ego na evoluo (ou que o ego pessoal causou o pecado original).

    Esses dois ltimos pontos talvez meream um esclarecimento. VM-2 mantm que o ego racional o ponto mais alto da alienao do Esprito e que, desse modo, a evoluo antes do ego era um Jardim do den livre do pecado original. Consequentemente, o aparecimento do ego (Ado) , em termos prticos, sinnimo do aparecimento do pecado original.

    Mas essa simplesmente a viso de mundo da fpt-2. De fato, como Hegel e Aurobindo demonstraram, a alienao original, ou o ponto mais alto da alienao, comea com a natureza material. A natureza, ou o mundo pr-pessoal, j o Esprito autoalienado, sem qualquer participao do ego; e mais, a natureza o maior ponto de alienao do Esprito. VM-2 perde esse detalhe crucial porque ela s v claramente o movimento de C para B e no capta a existncia da perna B para A, que constitui o extremo real da separao espiritual. O ego (B) simplesmente a primeira estrutura suficientemente desenvolvida para reconhecer autoconscientemente que o mundo j um decaimento do Esprito. O que aconteceu no Jardim do den histrico (algumas centenas de milhares de anos atrs) no foi a instigao do pecado original (ou separao original do Esprito), mas a apreenso original de uma separao original j ocorrida. O fato que, agora, o ego pode escolher entre ir em direo do Esprito ou neg-lo, simplesmente refora a iluso de que a existncia do ego, sozinha, a instigadora de toda a alienao do cosmo.

    Em outras palavras, VM-2 confunde a Queda verdadeira que ocorre na involuo com uma suposta queda que teria ocorrido na evoluo. E ela forada a agir dessa maneira simplesmente porque s reconhece claramente o eixo entre B e C e, desse modo, falha em tomar conhecimento da queda prvia para o ponto A. Assim, a aparncia que, com a ascenso evolutiva do ego, o Esprito atinge o znite da alienao, quando, de fato, com a ascenso do ego, o Esprito est a meio caminho de volta para casa: ele saiu da subconscincia pr-pessoal da natureza para a autoconscincia pessoal do Esprito. O fato de que o ego, a meio caminho de volta ao Esprito, a primeira estrutura suficientemente inteligente para perceber o estado decado de existncia, faz parecer, incorretamente, que ele mesmo foi a causa da doena, quando, na realidade, est a meio caminho da cura.

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    Assim, o ego , certamente, parte do mundo decado ou alienado, e como primeiro reconhecedor dessa alienao, sofre duplamente. Esse novo sofrimento faz com que o ego pense que, j que ele no sofria antes, anteriormente deveria ter sido uma beno transpessoal, quando na verdade foi apenas uma ignorncia pr-pessoal. A natureza est adormecida no pecado, e Deus est acordado sem pecado mas os seres humanos esto no meio: acordados com pecado. Ou: a natureza a imperfeio inconsciente, Deus a perfeio consciente, mas a pobre humanidade a imperfeio consciente. Agora, os seres humanos podem agir "pecaminosamente" escolhendo ir contra o Esprito, ou podem agir "moralmente" escolhendo ir em direo do Esprito, mas essa escolha, apesar de crucial, ainda repousa em um mar de alienaes anteriores. No por escolher erradamente que os homens e as mulheres geram alienao; mas sim, por escolher corretamente, que ajudam a super-la.

    A falha em captar esse ponto no s desvaloriza o lugar do ego, como tambm eleva e romantiza a natureza. Ao invs da natureza ser vista como imperfeio inconsciente, ela vista como perfeio inconsciente, como se fosse possvel a perfeio fora da realizao do Eu Superior (Self). Assim, os estgios iniciais da evoluo pr-pessoais, subumanos, subconscientes parecem constituir-se em algum tipo de cu transpessoal, quando nada mais so do que foras fsicas e impulsos animais.

    Desse modo nasceram os mitos do den, que, infelizmente, no foram considerados uma alegoria de uma queda prvia constituindo a involuo, mas sim como uma histria literal do que aconteceu na evoluo recente da Terra. Naturalmente, os cientistas, que esto corretos ao considerar a perna A-B do processo evolutivo, afirmaram, com satisfao, que quem precedeu os seres humanos no foram anjos e sim macacos, enquanto a maioria das religies ortodoxas iniciou uma longa srie de retiradas indignas e apologias ridculas, tentando impor a aceitao da metade errada da sua, em outros aspectos, aceitvel viso de mundo, como questo de f absoluta.

    Essa foi uma introduo geral e simples fpt e suas duas formas bsicas de viso de mundo. No resto do captulo examinaremos como essas duas formas de fpt apareceram, e continuam aparecendo, nas teorias psicolgicas, antropolgicas e sociolgicas. Mas quero deixar muito claro o que pretendo atingir, e o que no pretendo, com a discusso a seguir. Como esta uma apresentao introdutria, normalmente apresentarei um (ocasionalmente dois) exemplos gerais de cada fpt que discutiremos, evitando, sempre que possvel, detalhes tcnicos. Isso no significa que eles sejam os nicos exemplos, ou os mais significativos, mas apenas que so os mais apropriados nossa discusso. O fato de que um terico particular seja mencionado explicitamente como seguindo uma fpt numa determinada circunstncia, no significa necessariamente que ela ou ele cometa a falcia em todas as outras circunstncias. Tambm, no pretendo inferir que vrias teorias sempre se enquadrem em uma ou outra dessas duas vises de mundo (embora isso ocorra frequentemente) h algumas variaes menores dessa falcia, com combinaes e misturas ocasionais entre suas duas formas. Finalmente, muitos tericos importantes evitam completamente, ou ao menos quase totalmente, o colapso da fpt. Alm dos j mencionados Aurobindo, Hegel e Berdyaev, gostaria de incluir Maslow e Assagioli entre os muitos transpessoais que, em minha opinio, no cometem falcias pr/trans significativas. Meu principal objetivo , simplesmente, usar diferentes exemplos para sugerir como a falcia pr/trans pode estar por trs de vrias teorias,

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    pessoais e transpessoais, e como poderemos comear a trabalhar os seus desbalanceamentos.

    Exemplos da Fpt nas Teorias Psicolgicas

    Em O Projeto Atman, considerei cerca de doze variveis e descrevi como o desenvolvimento psicolgico humano se move pelos trs domnios gerais, no que concerne a cada varivel. Essas variveis incluam tempo, espao, lgica abstrata, ego, autocontrole, socializao, moralidade convencional, sujeito/objeto, diferenciao, a noo da unidade ou completude (wholeness), mentalidade verbal, clareza de percepo, angstia-culpa, morte-terror. O ponto era que, em geral, o desenvolvimento tende a se mover, por exemplo, dos modos pre-lgico para o lgico, para o translgico (cf. Baldwin); da moralidade pr-convencional para a convencional, para a ps-convencional (cf. Kohlberg); da diferenciao pr-sujeito/objeto para a diferenciao sujeito/objeto, para a diferenciao transujeito/objeto; do id pr-egoico para o ego pessoal, para o esprito transpessoal; e assim continuamos com todas as variveis.

    A concluso foi que, a no ser que fique perfeitamente entendido como a pr-temporalidade se diferencia da transtemporalidade, como a impulsividade pr-egoica se diferencia da espontaneidade transegoica, como a ignorncia pr-pessoal difere da inocncia transpessoal, como o impulso pr-verbal difere do insight transverbal, como a fuso pr-pessoal diferencia-se da unio transpessoal, e assim por diante para cada varivel concebvel, a fpt entra em ao atravs de uma das suas duas formas notrias.

    No que diz respeito ao desenvolvimento psicolgico humano, os dois maiores exemplos da fpt-1 e fpt-2 so, respectivamente, Freud e Jung (embora, como veremos, eles no esgotem o assunto). Freud reconheceu corretamente o id pr-pessoal (A) e o ego pessoal (B), mas reduziu todas as experincias espirituais e transpessoais (C) ao nvel pr-pessoal; insights transtemporais so explicados como impulsos pr-temporais do id; o samadhi transujeito/objeto visto como uma regresso ao narcisismo pr-sujeito/objeto; a unio transpessoal interpretada como fuso pr-pessoal. Freud segue a VM-1 em todos os aspectos. Obviamente, a VM-1 no est confinada a Freud. Ela se encontra na padronizada e inquestionvel ortodoxia ocidental desde Piaget a Sullivan, a Adler, a Arieti.

    Em minha opinio, Jung erra consistentemente na direo oposta. Ele reconhece corretamente, e de maneira muito explcita, a dimenso transpessoal ou numnica, mas frequentemente ele a funde ou a confunde com estruturas pr-pessoais. Para Jung, s h dois grandes domnios: o pessoal e o coletivo e como Assagioli ressaltou, Jung tende a obscurecer as vastas e profundas diferenas entre o inconsciente coletivo inferior e o inconsciente coletivo superior; isto , os domnios do coletivo pr-pessoal e do coletivo transpessoal. Assim, no s Jung ocasionalmente acaba glorificando certas formas mticas infantis de pensamento, como tambm, frequentemente, d um tratamento regressivo ao Esprito. Desse modo, ele e seus seguidores tendem a reconhecer somente dois domnios principais o ego e o Self e o desenvolvimento humano visto como ocorrendo ao longo do eixo ego-Self , que desenhado precisamente como na Fig. 4, com o Self na parte inferior e o ego no topo. Isso pura VM-2 e, como veremos, ela geralmente aceita por muitos psicolgos transpessoais, mesmo aqueles que no seguem Jung.

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    Incidentalmente, os jungianos reconhecem que o desenvolvimento ocorre em duas grandes fases: o desenvolvimento e depois a transcendncia do ego. At a, tudo bem. Entretanto, como trabalham com apenas uma perna do desenvolvimento (B-C), so forados a considerar que esse eixo simples tem uma dupla finalidade. Ao invs de perceber o desenvolvimento como indo de A para B, para C, eles o veem como indo de C para B e, depois, de volta para C. No do insconsciente pr-pessoal para o pessoal, para o transpessoal. No do pr-ego para o ego, para o trans-ego Self, mas do Self para o ego, e de volta ao Self. Em vez da Fig. 1, tm em mente a Fig. 5 que, por convenincia, representam precisamente como a Fig. 4. (O fato da Fig. 5 possuir duas pernas no esconde sua essncia de fpt-2.)

    Nesses tipos de teorias, o domnio pr-pessoal, enquanto domnio pr-pessoal, parece ser deixado de lado. Entretanto, o que realmente acontece, por trs do cenrio terico, simplesmente que o domnio pr-pessoal guindado ao status de quase-transpessoal. Entre diversos outros resultados (que investigaremos a seguir), ele aparece como um tipo infantil de Jardim do den psicolgico. E como todos concordamos que a infncia est livre de certas ansiedades conceituais, essa "liberdade" no devida, em minha opinio, proteo transpessoal, mas sim ignorncia pr-pessoal, um ponto em que Maslow foi igualmente insistente.

    Com efeito, essas teorias colocam um tipo de inverso de rota bem no meio do caminho do desenvolvimento um simples e previsvel resultado da fpt-2. Mas essa inverso parece tambm estar apoiada em um equvoco. Ao invs de ver que a involuo vai de C para B, para A, e a evoluo vai de A para B, para C, considera-se A-B como involuo (ou o movimento de "maior" alienao chamado "alienao do Self" na teoria junguiana) e B-C como o "nico" movimento de evoluo. Consequentemente, elas omitem ou negam que A-B a primeira parte da evoluo, e que, medida que a involuo ou alienao acontecem, A, e no B, que est mais distanciado do Self (ou Esprito). Assim, na VM-2, o ego-mente aparece, erradamente, como o ponto mais elevado de alienao, e no como o ponto mais alto do reconhecimento autoconsciente de uma alienao e o ponto mdio do caminho de retorno ao Self, ou de superao dessa alienao.

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    O equvoco da fpt-2, que desvaloriza o ego e valoriza o pr-ego, toma propores alarmantes quando nos leva a algumas formas (certamente, no todas) de psicoterapias "avant-garde", ou de "potencial humano" ou "humansticas/transpessoais". Colocado de maneira simples, o problema que muitas pessoas, talvez a maioria, que procuram ou

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    necessitam de terapia, esto sofrendo em grande parte de fixaes pr-pessoais, dissociaes, e obsesses, e no tm a fora do ego para transcender essas raivas, impulsos e tendncias subumanas que ameaam sua prpria existncia. Tratando-se com terapeutas que sigam puramente a VM-2, elas so convidadas a deixar de lado a estrutura da conceitualizao e integrao egoicas, que elas teriam a necessidade desesperadora de criar e fortalecer. Esses terapeutas negligenciam o fato fundamental de que, ao desvalorizar os domnios do ego e valorizar os do pr-ego tais como corpo, impresses, impulsos, sensaes, imediatismos experienciais esto, na verdade, incentivando domnios que so mais egocntricos e narcissticos do que o ego, domnios esses que, se no forem transcendidos, constituem grande parte do problema que eles procuram resolver. ........................................................................................................................................

    Em minha opinio, a psicologia junguiana evita essas terapias e os problemas da VM-2 simplesmente porque enfatiza que primeiro deve-se fortalecer o ego para depois transcend-lo. Entretanto, esse o insight crucial que est faltando em muitas terapias de potencial humano, aquelas que, considerando que o ego o ponto culminante da patologia da alienao, acabam por fortalecer os pontos que so a verdadeira causa do problema, enquanto denigrem a nica estrutura capaz de solucion-lo.

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