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Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao
Rafael Aparecido Moron Semido
DADOS, INFORMAO E CONHECIMENTO ENQUANTO
ELEMENTOS DE COMPREENSO DO UNIVERSO CONCEITUAL DA CINCIA DA INFORMAO: CONTRIBUIES TERICAS
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
Marlia 2014
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Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao
Rafael Aparecido Moron Semido
DADOS, INFORMAO E CONHECIMENTO ENQUANTO
ELEMENTOS DE COMPREENSO DO UNIVERSO CONCEITUAL DA CINCIA DA INFORMAO: CONTRIBUIES TERICAS
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
Marlia 2014
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP), como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Cincia da Informao. Linha de Pesquisa: Produo e Organizao da Informao. Orientador: Prof. Carlos Cndido de Almeida.
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Semido, Rafael Aparecido Moron.
S471d Dados, informao e conhecimento enquanto elementos de compreenso do universo conceitual da cincia da informao : contribuies tericas / Rafael Aparecido Moron Semido. Marlia, 2014.
198 f. ; 30 cm.
Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao) - Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Filosofia e Cincias, 2014.
Bibliografia: f. 191-198.
Orientador: Carlos Cndido de Almeida.
1. Cincia da informao. 2. Conceitos. 3. Dados. 4. Informao. 5. Conhecimento. I. Ttulo.
CDD 020.1
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Rafael Aparecido Moron Semido
DADOS, INFORMAO E CONHECIMENTO ENQUANTO ELEMENTOS DE COMPREENSO DO UNIVERSO CONCEITUAL DA
CINCIA DA INFORMAO: CONTRIBUIES TERICAS
BANCA EXAMINADORA:
______________________ Presidente e Orientador Prof. Carlos Cndido de Almeida Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao Universidade Estadual Paulista UNESP/Marlia _____________________ Membro Titular Prof. Dr. Oswaldo Francisco de Almeida Jnior Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao Universidade Estadual Paulista UNESP/Marlia _____________________ Membro Titular Prof. Dr. Carlos Alberto Arajo vila Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao Universidade Federal de Minas Gerais UFMG/Belo Horizonte _____________________ Membro Suplente Prof. Dr. Jos Augusto Chaves Guimares Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao Universidade Estadual Paulista UNESP/Marlia _____________________ Membro Suplente Prof. Dr. Rodrigo Rabello da Silva Bolsista/pesquisador do IBICT - Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia
Marlia, 14 de julho de 2014.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus que do seu Logos Eterno faz emanar a estrutura mental da
realidade e desta a possibilidade do conhecimento, na convergncia entre a unidade
da conscincia e a unidade do real.
Agradeo a meu pai Ismael, minha me Yara (in memorian) e minha irm
Mayara pelos inumerveis atos de dedicao abnegada e de amor superabundante
que sempre dirigiram a mim.
Agradeo aos meus avs Alcindo e Lourdes, Alcino e Sizuko pela grande
disponibilidade de cuidados e afeto para comigo.
Agradeo a meus tios Jnior e Mrcia, Snia e Rubens pelos no poucos
auxlios que a mim despenderam.
Agradeo aos primos Isaura e Paulo (in memoriam) que forneceram amplo
material de estudo para que eu pudesse passar no vestibular.
Agradeo a meus padrinhos Joo Braga e Tania por terem me ajudado,
incentivado e promovido desde a iniciativa de prestar o vestibular em Arquivologia.
Agradeo FAPESP por todo auxilio e incentivo que me concedeu para
realizao desta pesquisa. Tratou-se de uma contribuio essencial que viabilizou
todos os passos da investigao, alm de ter propiciado ao autor um slido
amadurecimento em sua carreira de pesquisador. Sem falar no fato de que
constituiu uma verdadeira honra ter podido relacionar esta pesquisa ao nome da
FAPESP com toda a sua ampla representatividade no universo cientfico do pas.
Agradeo ao Prof. Orientador Carlos Almeida, que com sua experincia e
capacidade catalisar ideias me ajudou, de um lado, a descobrir as formas mais
adequadas de conduzir esta pesquisa, e de outro lado, contribuiu com a
estruturao da minha viso do que seja investigar cientificamente.
Agradeo aos membros da banca pela disponibilidade e gentileza em
contribuir com esta pesquisa, membros titulares: Prof. Oswaldo Almeida e Prof.
Carlos vila; membros suplentes: Prof. Jos Augusto Guimares e Prof. Rodrigo
Rabello.
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SEMIDO, R. A. M. Dados, Informao e Conhecimento enquanto elementos de compreenso do universo conceitual da Cincia da Informao: contribuies tericas. Marlia, 2014. 198 f. Dissertao (Mestrado). Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao - Faculdade de Filosofia e Cincias, Universidade Estadual Paulista UNESP, Marlia, 2014.
RESUMO
Analisam-se os conceitos de dados, informao e conhecimento e as relaes metafricas entre eles, enquanto formas de articulao conceitual na Cincia da Informao. Elabora-se uma interpretao da dinmica epistemolgica da Cincia da Informao para servir de referncia s analises conceituais que visam ser expressivas de uma estrutura que conjuga elementos epistemolgicos, tericos, histricos e pragmticos. Adota-se uma abordagem bibliogrfica e interpretativa e toma-se como corpus um conjunto de dicionrios e manuais especializados. Foram identificadas seis metforas explicativas dos nexos entre os conceitos de dados, informao e conhecimento, sendo que as mais recorrentes dentre elas possuam uma entonao cognitiva, o que fez com que se buscasse refletir acerca das origens e influncias possveis de uma analogia cognitiva como base paradigmtica para as articulaes conceituais na Cincia da Informao. Identificou-se a origem e a influncia de uma analogia cognitiva na Cincia da Informao com a emergncia das chamadas Cincias Cognitivas no cenrio cientfico norte-americano.
Palavras-chave: Dados. Informao. Conhecimento. Cincia da Informao. Teoria. Anlise Conceitual.
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SEMIDO, R. A. M. Data, Information and Knowledge as elements of understanding of the conceptual universe of information science: theoretical contributions. Marlia, 2014. 198 f. Dissertation (Master Degree). Post-Graduation Program of Information - Faculty of Philosophy and Sciences, So Paulo State University UNESP, Marlia, 2014.
ABSTRACT
It examines the concepts of data, information and knowledge and metaphorical relationships between them as forms of conceptual articulation in Information Science. Undertake a interpretation of the epistemological dynamic of Information Science for reference to conceptual analysis aimed to be expressive of a structure that combines epistemological, theoretical, historical and pragmatic elements. Adopts a bibliographical and interpretive approach and taking a corpus as a set of specialized dictionaries and manuals. Six explanatory metaphors of the links between the concepts of data, information and knowledge were identified, with the most frequent among them had a cognitive intonation, which made to seek to reflect on the origins and possible influences of a cognitive analogy as a paradigm based to the conceptual joints in Information Science. We identified the origin and the influence of a cognitive analogy in Information Science with the emergence of called Cognitive Sciences on the U.S. scientific scenario.
Keyword: Data. Information. Knowledge. Information Science. Theory. Conceptual Analysis.
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LISTA DE QUADROS
P. Quadro 1 - Metforas identificadas a partir de anlise do termo
dado/dados
108
Quadro 2 - Metforas identificadas a partir de anlise do termo
informao
123
Quadro 3 - Metforas identificadas a partir de anlise do termo
conhecimento 136
Quadro 4 - Lastro Conceitual da Trade Dados, Informao e
Conhecimento 183
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SUMRIO
1 INTRODUO........................................................................................... 9
2 ELEMENTOS DA DINMICA EPISTEMOLGICA DA CINCIA DA INFORMAO..............................................................................................
20
2.1 Discurso Cientfico................................................................................ 41
2.2 Ncleos Tericos................................................................................... 47
3 DADOS, INFORMAO E CONHECIMENTO............................................ 62
3.1 Estrutura Conceitual............................................................................... 62
3.2 Anlise etimolgico-semntica.............................................................. 69
3.2.1 Dado/Dados............................................................................................ 70
3.2.2 Informao............................................................................................. 74
3.2.3 Conhecimento...................................................................................... 78
3.3 Dados, informao e conhecimento na Cincia da Informao........ 83
3.3.1 Dados, informao e conhecimento em dicionrios da Cincia da Informao...........................................................................................
95
3.3.2 Manuais da Cincia da Informao................................................... 137
4 TRADE CONCEITUAL NA CINCIA DA INFORMAO: Contribuies tericas..........................................................................................................
160
4.1 Uma Origem Possvel e Influncia Terica........................................... 166
4.2 Sntese Conceitual................................................................................. 181
5 CONSIDERAES FINAIS........................................................................ 186
REFERNCIAS.............................................................................................. 191
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1 INTRODUO
Uma clave de leitura para uma compreenso estimada da Cincia da
Informao, tal como apresentada pela narrativa mainstream norte-americana
(SARACEVIC,1970, 1995, 1999, 2009), conceber a noo de uma tipologia de
conhecimento de tipo segundo, expressiva, por seu turno, de conhecimentos de
esferas de atuao geradoras de conhecimento que requerem ser categorizados
para favorecer a comunicao entre interessados em um quadro temtico comum.
De forma concreta, seria o empenho cientfico de organizar e dispor o conhecimento
de reas temticas (cientficas a principio e depois sociais) para potencializar sua
difuso entre pessoas interessadas.
Com efeito, historicamente se encontra uma simblica convergncia
discursiva no meio cientfico abrangido pela Cincia da Informao compreendida
como uma confluncia de discursos sobre a informao (GONZLEZ DE GMEZ,
2000) quanto ao fato de no existir em seu mbito, com explcita consensualidade,
uma matriz referencial acerca daquilo que caracterstico e caracterizador de
distintas disciplinas cientficas, em relao ao seu objeto prprio, seu escopo, suas
relaes de interface e demais elementos que a delimitam cientificamente.
Mas, malgrado isso, se tem reconhecido a importncia operacional da
Cincia da Informao no contexto (global1, mas principalmente norte-americano) de
seu surgimento disciplinar2, devido circunstncia da forte presso com a qual a
sociedade (corporificada pela comunidade cientfica), contextualizada no espao
cronolgico imediato Segunda Guerra Mundial, exigia, de um lado, solues
otimizadas (BORKO, 1968, p. 3, traduo nossa) para os problemas relacionados
ao acesso e ao uso de informaes cientficas, e, de outro lado, que tais solues
tivessem um explicito peso de cientificidade disciplinar e institucional.
1 Saracevic (1995, p. 43) afirma o carter global (internacional) da Cincia da Informao. Ela surgiu,
segundo ele, nos Estados unidos, mas no s norte-americana: A evoluo da Cincia da Informao nos vrios pases ou regies acompanhou diferentes acontecimentos ou prioridades distintas, mas a justificativa e os conceitos bsicos so os mesmos globalmente. O despertar da CI foi o mesmo em todo o mundo.
2Disciplina: Um ramo temtico do conhecimento, sistemtica e academicamente estudado e aplicado. (MIDDLETON, 2006, p. 21, traduo nossa)
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A demanda por expedientes de tratamento dos cabedais de informao, que
recebeu nova luz pelas coordenadas de Bush (2011) - e pela compreenso lgico-
lingustica da informao com Shannon (GLEICK, 2013, p. 224), alm de ter
encontrado, no mbito norte-americano, uma Biblioteconomia j fragmentada
(SHERA, 1980, p. 93-95) -, teria obtido como uma de muitas respostas o
engendramento de um movimento de estruturao disciplinar relevante: a
equalizao dialgica na Cincia da Informao de ncleos tericos, constitudos de
problemas de informao e de conhecimento tematizados, que propiciaram nexos
interdisciplinares (SARACEVIC, 1995, p. 38) entre outras esferas do conhecimento e
a Cincia da Informao, em sua formao disciplinar voltada instrumentalizao
(RABELLO, 2008, p. 21-22) de conceitos e teorias para a resoluo de problemas
ligados informao e ao conhecimento. A Cincia da Informao seria, nesse
sentido, uma espcie de universo terico que se consistiria e se estruturaria por uma
urdidura de ncleos tericos, cada qual enfocando conceitualmente uma perspectiva
diversa dos problemas de informao e de conhecimento, mas com efeitos
explicativos que retroalimentariam o universo da Cincia da Informao como um
todo.
Essa breve considerao histrica pode ser reveladora de dois aspectos
relevantes: primeiro o carter de disciplina aportica da Cincia da Informao, ou
seja, o impulso inicial que conduz sua estruturao disciplinar diria respeito a um
esforo por resoluo de problemas (aporias) de informao e conhecimento
problemas que por primeiro foram sistematizados por Borko (1968) -, esforo este,
que teria sido requerido em consequncia do horizonte histrico necessitado de
expedientes cientficos para abarcar o volumoso contedo informativo que ento
emergia e que ficou conhecido por alguns como exploso de informao
(BARRETO, 2002, p. 73). E em segundo lugar, a percepo de que os ncleos se
localizam histrica e funcionalmente como o lcus original em que as aporias
conceituais da Cincia da Informao so favoravelmente pontuadas, vez que teria
sido a partir deles que conceitos, teorias e elementos discursivos adentraram os
quadros da disciplina.
Desses dois dados, possvel ainda notar uma inclinao metodolgica da
disciplina em direo esfera funcional, para a qual as teorias e conceitos
instrumentalizados so relativizados de acordo com as solues demandadas pelos
problemas de informao e conhecimento. Esse aspecto funcional, por seu turno,
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faz com que se vislumbre uma forma de atuao conceitual na Cincia da
Informao como sendo de fundo pragmtico, em que as teorias e conceitos so
adotados com fundamento em sua potencial eficcia funcional para a resoluo dos
problemas aventados. Em outras palavras, teorias e conceitos so valorados como
teoricamente3 pertinentes, no desde um parmetro de ordem descritiva
(fundamentada na realidade), em que so escolhidos por apresentarem uma fora
semntica condizente com o objeto a ser estudado; mas, por serem dotados de uma
especial propenso a convencer da utilidade de sua aplicao na resoluo de
problemas.
De posse desse ponto explicativo e conjetural da natureza da Cincia da
Informao, acredita-se poder encontrar, em uma camada subsequente, o dado de
que aparentemente a Cincia da Informao d a entender que, na esteira histrico-
terica, h, em particular, alguns nexos especficos disciplina em sua articulao
dialgica com os ncleos que medeiam sua compreenso da informao e do
conhecimento. Dentre esses referidos nexos est a noo estrutural4 que entende a
informao como processo/fenmeno5 (BUCKLAND, 1991, p. 351) dando a
entender uma compreenso lgica de alterao de estado de coisas, do menos para
o mais valorativo, ou do mais imediato para o mais complexo; e que recebe
especificaes em forma de um trajeto abstrato que parte de dados, para informao
e de informao para o conhecimento dentro de um fluxo comunicativo. Neste
trajeto, dados constituiria o patamar menos dotado de significao. Informao surge
a partir da reunio e agregao de sentido aos dados. E o conhecimento, como
patamar mais alto, culmina o trajeto com a assimilao do significado.
Esses trs elementos, dispostos em trade conceitual, tm sido tomados como
termos chave pela disciplina em muitas de suas variadas incurses temticas, como
pode ser percebido por meio da anlise de mapeamentos do conhecimento da
Cincia da Informao (ZINS, 2007b) e de textos de reviso diacrnica (PINHEIRO,
2005).
3 Teoricamente, porque mesmo sendo utilizados com fins funcionais, necessitam de uma retaguarda de cientificidade; do contrrio se desvalorizariam perante a comunidade dos pares. 4 Estrutural, para conotar fundo lgico a despeito de uma noo acidental, matiz superficial. 5 Outros nexos poderiam ser, por exemplo, a noo de documento e o aporte tecnolgico.
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H, em certa medida, uma atribuio de marco referencial6 informao em
processo; referncia que confere representatividade conceitual a essa noo,
constituindo-a em uma forma de construto ou modelo conceitual que acompanha,
subjacente, trajetos de articulao conceitual. Seria, em outras palavras, como uma
reserva potencial de sentido (uma metfora) que se atualiza em contextos diversos
(e nos diversos ncleos tericos com suas diferentes tematizaes de problemas de
informao e conhecimento), sempre que se vise abranger uma mudana de estado
de coisas (por conseguinte um processo) no domnio da informao e do
conhecimento. Assim sendo, mesmo se no aparece explicitamente uma meno
trade, mas se sugere um crescente de complexidade de um estado para outro por
exemplo, uma organizao que se aperfeioa depois de gerir informao; um
indivduo que se torna mais crtico aps usufruir de uma biblioteca, etc. se est
fazendo referncia informao em processo ou um processo que pela informao
alcana um fim desejado.
Seria, dessa maneira, pertinente conceber a noo de informao em
processo como um locus propcio para servir de meio e de pretexto para sustentar
esforos que visem esclarecer teoricamente os meandros conceituais da Cincia da
Informao dentro de uma lgica de identificao de estruturas de compreenso
(metforas) das formas pelas quais a Cincia da Informao tem perspectivado os
nexos entre os termos de seus construtos.
Disso, possvel perceber que a trade dados, informao e conhecimento
no constituiria o objeto material, mas o quadro de referncia que perspectiva e
delimita a pesquisa, isto , objeto formal. A trade se posiciona como uma motivao
terica, como um exemplo possvel para futuras generalizaes, como um
demarcador do corpus e como um subsidiador nocional; sempre se tendo em conta
que a Cincia da Informao possui inmeros outros construtos de grande
representatividade alm dos trs termos da trade, ficando as anlises das metforas
conceituais dos trs termos (tal como aqui se desenvolve) tambm como modelo de
formas possveis de se pensar a problemtica conceitual na disciplina. Tudo visando
o objetivo, veiculado no ttulo da pesquisa, de oferecer Cincia da Informao
contribuies tericas.
6 Sobre a ideia de marco referencial ver Barit (1999, p. 42).
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Como questo investigativa que operacionaliza a problemtica motivadora da
investigao, tem-se o seguinte: considerando a complexidade estrutural que
envolve a articulao de conceitos para formar construtos7 ou modelos explicativos
na Cincia da Informao, em que ora a disciplina perspectivada como um campo
que abrange a parte humana de um universo informacional amplo que abarca
aspectos biolgicos, qumicos e csmicos (ROBREDO, 2003); ora ela cumpre a
funo de universo terico que subsidia campos aplicados de organizao da
informao como a Biblioteconomia e a arquivologia (SILVA; RIBEIRO, 2002); ora
ela uma interdisciplina ps-moderna voltada a resoluo de problemas (WERSIG,
1993); ora ainda ela um campo a servio do valor econmico que uma pretensa
sociedade da informao atribui a tudo que receba o rtulo de informao (LE
COADIC, 2004); entre outras expresses em que a relao entre conceitos
enfocada desde plos ou esferas que em comum s tem a meno alguma noo
de informao; como contribuir teoricamente propondo meios para que os conceitos
utilizados pela disciplina sejam abordados de um modo apto a coerir em um mesmo
plo aspectos epistemolgicos e tericos, histricos e pragmticos; identificando
com base nisso as possveis estruturas de compreenso (metforas que medeiam
os nexos entre conceitos empregados para formar os construtos e modelos pelos
quais uma cincia atua sobre a realidade) que formaram e contextualizaram a
abrangncia dos conceitos pela disciplina? Tendo em vista esse panorama, se
buscou inferir indutivamente as principais estruturas de compreenso (ou seja, as
metforas explicativas mais utilizadas) com as quais a Cincia da Informao faz
uso para estabelecer nexos de sentido e de natureza entre os conceitos de dados,
informao e conhecimento empregados conjuntamente em forma de construto ou
de modelo conceitual operacionalizado para servir de instrumento explicativo dos
fenmenos que a disciplina estuda.
7 Construto: Na filosofia da cincia um objeto ideal, cuja existncia depende da mente de um
sujeito. o contrrio de um objeto real, cuja existncia no depende da existncia de uma mente. Na teoria cientfica, particularmente na Psicologia, um construto hipottico uma varivel explicativa que no observvel diretamente. Por exemplo, os conceitos de inteligncia e de motivao so utilizados para explicar fenmenos da Psicologia, mas nenhum deles diretamente observvel. Um construto hipottico difere de uma varivel interveniente que tem propriedades e implicaes que no so demostrveis em uma investigao emprica. Estas servem como guia para futuras investigaes. Uma varivel interveniente, pelo contrrio, um resumo dos resultados empricos observados. (GARCA-MARCO, 2010, p. 22, traduo nossa).
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Diante disso, esta pesquisa se props a refletir sobre os meandros
conceituais que envolvem os tipos de estrutura de compreenso da trade dados,
informao e conhecimento na Cincia da Informao, partindo de uma
interpretao de sua dinmica epistemolgica.
O que, concretamente, equivale a se propor o seguinte: a) Identificar uma
mescla de narrativas a respeito da Cincia da Informao que abarquem a trade
dados, informao e conhecimento. b) Elaborar uma estrutura conceitual para inferir
as estruturas de compreenso (metforas explicativas) que marcam as formas
esquemticas mais utilizadas pela Cincia da Informao para articular os conceitos
de dados, informao e conhecimento. c) Analisar o conceito de dados a partir de
materiais e fontes secundrias consolidadas do conceito de dados na disciplina; d)
Analisar o conceito de informao a partir de materiais e fontes secundrias
consolidadas do conceito de informao na disciplina. e) Analisar o conceito de
informao a partir de materiais e fontes secundrias consolidadas do conceito de
informao na disciplina. f) Estruturar um quadro sntese compreensivo das
estruturas de compreenso dos nexos entre os conceitos da trade na Cincia da
Informao, levando em conta os atributos da dinmica epistemolgica e da
estrutura conceitual dela derivada.
E em ltima anlise, a realizao da pesquisa visa contribuir com os esforos
de esclarecimento dos meandros conceituais da Cincia da Informao desde um
ponto de vista diacrnico, que toma em considerao aspectos de epistemologia, de
teoria e de conceitos principalmente.
Nesse sentido, percebido o fato de que a trade dados, informao e
conhecimento em funo conceitual, transportavam uma considervel
representatividade dentro do espao de atuao da Cincia da Informao, a ponto
se serem considerados um dos dezessete construtos mais importantes da
disciplina (JANSEN; RIEH, 2010 apud GARCA-MARCO, 2011, p. 12, traduo
nossa), se optou por tomar a trade como objeto de anlise para da tentar inferir
meios possveis de se identificar os esquemas metafricos empregados quando se
objetiva fazer uso de um modelo conceitual explicativo, uma vez que nos esquemas
metafricos escolhidos para relacionar conceitos, est presente a forma do arranjo
pelo qual os autores enxergam a realidade que visam explicar, o que pode propiciar
um uso conceitual mais contextualizado.
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E falta de clareza contextual no uso de conceitos, entendida no sentido
aproximado daquilo que Capurro e Hjorland (2003, p. 154) chamaram de definies
persuasivas, na acepo de definir termos para impressionar outras pessoas, o
que acarretaria para a disciplina aquilo que Sharader (1983, p. 99 apud CAPURRO;
HJORLAND, 2003, p. 154) chamou de caos conceitual descrevendo suas causas
da seguinte maneira:
A literatura da CI caracterizada pelo caos conceitual. Este caos conceitual advm de uma variedade de problemas na literatura conceitual da CI: citao a-crtica de definies anteriores, fuso de teoria e prtica, afirmaes obsessivas de status cientfico, uma viso estreita da tecnologia, descaso pela literatura sem rtulo de cincia ou tecnologia, analogias inadequadas, definies circulares e multiplicidade de noes vagas, contraditrias e, s vezes, bizarras quanto natureza do termo informao.
Assim sendo, uma reflexo acerca dos aspectos contextuais dos meandros
conceituais da disciplina por meio da anlise dos conceitos dos trs termos da
trade, poderia auxiliar, a partir do modelo e do exemplo das anlises feitas com a
trade, a melhor embasar semanticamente os conceitos usados pela disciplina, vez
que revelaria o lastro terico de seu desenvolvimento, destacando vinculaes a
correntes tericas e, assim, criando condies favorveis para se identificar e
percorrer as mesmas etapas da constituio terica das tramas conceituais mais
relevantes.
Nessa linha, a justificativa para as reflexes poderia ser descrita, por fim,
quase exatamente do seguinte modo:
Examinando-se a histria dos usos de uma palavra, encontramos algumas das formas primitivas ou contextos subjacentes s prticas cientficas de nvel mais elevado. Isto diminui as expectativas que podemos ter em relao a conceitos abstratos unvocos e nos ajuda a lidar melhor com a indefinio e a ambiguidade. Interrogar a terminologia moderna, olhar mais atentamente as relaes entre signos, significados e referncias e prestar ateno a mudanas histricas no contexto, ajuda-nos a entender como os usos atuais e futuros esto interligados (CAPURRO; HJORLAND, 2003, p. 155)
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Tendo tudo isso em considerao, as opes metodolgicas correspondentes
passam a ser descritas neste momento.
Quanto ao tipo de pesquisa, seria possvel identificar este estudo com a
categoria de pesquisa bibliogrfica.
Tendo um teor terico-reflexivo (de carter cientfico prximo ao que se
encontra na esfera de atuao da filosofia), a pesquisa, todavia, no toma a
perspectiva bibliogrfica de reviso de literatura apenas como prolegmenos, ao
contrrio, do incio ao fim o recurso bibliografia est presente, perpassando todas
as etapas metodolgicas com exclusividade (GIL, 2008, p. 50). E em geral, a
investigao obedece a uma lgica qualitativa no exaustiva (ou no quantitativa) de
reflexo hermenutica e de anlise.
E em termos genricos e esquemticos, o que aqui se faz leitura, anlise,
reviso e interpretao, com base na recorrncia frequente bibliografia em uma
dialtica de esclarecimento de hipteses e noes:
A verificao de uma hiptese mediante documentao se realiza em duas fases: se compara um enunciado hipottico com uma fonte de informao pertinente e de credibilidade e, com base nessa comparao, se realiza uma inferncia (concluso) sobre a veracidade ou falsidade do enunciado. Por fonte de informao pertinente entendemos uma fonte de informao que se refere ao mesmo setor da realidade com nosso objeto ou tema de investigao. Por credibilidade da fonte entendemos um ente informativo (uma instituio ou uma pessoa), cujo manejo da informao no passado tenha mostrado seriedade e honestidade adequada e que, em consequncia, desfrute de correspondente reconhecimento nacional ou internacional. (DIETERICH, 2001 p. 161-162, traduo nossa).
Para a elaborao da reviso bibliogrfica que configura o conjunto de noes
sobre a dinmica epistemolgica, foi utilizada uma srie de artigos de peridico que
tratavam, de um lado, da trade de dados, informao e conhecimento em sentido
suficientemente terico (no exclusivamente operacional) e de outro lado, que
versassem sobre aspectos de epistemologia, discurso e histria; alm de livros,
monografias e anais, ambos selecionados a partir da trajetria pessoal do autor no
mbito Cincia da Informao, atravs das disciplinas de graduao e ps-
graduao cursadas, dos eventos participados, de dilogos com especialistas, de
participao em grupos de pesquisa e de reflexo pessoal.
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Para a fase de anlise dos termos da trade dados, informao e
conhecimento o corpus foi constitudo por fontes secundrias, especificamente
dicionrios etimolgicos, lingusticos, especializados e manuais da disciplina.
J quanto ao processo de estudo, se adotou uma linha interpretativa, sem
vinculao exaustiva a nenhuma corrente especfica - ainda que se possa notar
razoveis similaridades com a Hermenutica tal como, na Cincia da Informao,
tem sido desenvolvida por Capurro (2003, sem pgina):
A hermenutica seria, assim, o ttulo do mtodo das cincias do esprito que permitiria manter aberto o sentido da verdade histrica prpria da ao e pensamento humanos, enquanto que o mtodo das explicaes causais somente poderia aplicar-se a fenmenos naturais submetidos exclusivamente a leis universais e invariveis.
Nas interpretaes da pesquisa, portanto, no se buscou analisar cadeias de
causa e efeito; no se fez recurso a uma abordagem consequencialista, que vise
levantar suposies conjeturais para destacar somente as causas, mas sim uma
interpretao dos meandros (condies, influncias, estruturas...) para que o objeto
nos fale e se nos torne relevante, estabelecendo uma compreenso dialogal
(SANTOS, 1989, p. 12)
Para estabelecer um referencial, seria possvel dizer que um precedente
metodolgico remoto desta pesquisa se encontra na tese de doutoramento de
Pinheiro (1997, p. 2), trata-se da articulao das noes de epistemologia histrica
e de epistemologia crtica enquanto formas de anlise, identificando a funo
metodolgica da epistemologia com o papel de refletir sobre os mtodos, a
significao cultural, o lugar, o alcance e os limites do conhecimento cientfico.
(JAPIASSU,1934, p. 65) e como o interrogar-se sobre as relaes susceptveis de
existir entre a cincia e a sociedade, entre a cincia, e as diversas instituies
cientficas ou entre as diversas cincias. (JAPIASSU,1934, p. 66).
Para tentar explicar melhor o que se quer fazer compreender sobre a
metodologia em sua dinmica, tome-se em considerao e como analogia, o fato de
que o filsofo Georg W. F. Hegel (1770-1831), como assinalou Utz (2005), dizia que
para se realizar um processo de estudo diacrnico de uma noo era necessrio
antes atribuir a ela uma definio inicial (essncia ou imagem, ambas ainda difusas)
para se saber com suficincia sobre o que o processo versaria. Ao mesmo tempo,
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18
Hegel esclarecia que s ao final do processo seria possvel verificar a essncia
definitria da noo. Uma definio para descobrir uma definio; elaborar uma
definio sabendo que a definio da noo seria apenas o resultado do processo
investigativo; essa aparente contradio constitui, na verdade, um procedimento
dialtico8, pois a definio de uma noo, sua essncia, est posicionada no
desenvolvimento do processo e em seu resultado, tendo a definio inicial o papel
de referncia e de delimitao. O objetivo inicial, nesse sentido, no condiciona o
processo, e sim o processo, em sua unidade complexa, enquadra o objetivo. Em
resumo, a definio inicial dialetizada (no processo) e em seguida absorvida na
definio resultante, como sntese.
Aproximadamente nesses termos, os atributos que configurariam a dinmica
epistemolgica da Cincia da Informao constituem essa definio inicial como
hiptese operatria sob a lgica epistemologia-teoria-conceito9, que posta em
marcha para servir de referencial para a anlise dos termos da trade dados,
informao e conhecimento a partir de uma estrutura conceitual elaborada para
servir de criteriologia, cujo primeiro parmetro metodolgico (notas descritivas)
corresponde anlise de um conjunto de dicionrios etimolgicos e lingusticos, e os
outros parmetros dizem respeito anlise de dicionrios e manuais da disciplina e
s interpretaes finais. Tudo isso com o objetivo de, no final do processo, construir
um quadro a sntese das estruturas de compreenso (metforas) que a Cincia da
Informao adota para articular os termos dados, informao e conhecimento.
E seguindo sempre essa compreenso atribuda a Hegel, alguns elementos
contidos antes do quadro sntese final, j constituem, de alguma forma, elementos
que so resultado das interpretaes, e no apenas fruto das anlises de reviso.
Trata-se de elementos apenas vislumbrados e algo fragmentados, mas que,
enquanto indcios, transportam um potencial explicativo que merece ser verificado, e
que por isso so oferecidos, se no como contribuies tericas, ao menos como
um ensaio.
8 [...] demonstrar uma tese por meio de uma argumentao capaz de definir e distinguir claramente
os conceitos envolvidos na discusso [...] o modo de pensarmos as contradies da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditria e em permanente transformao. (KONDER, 1998, p. 7). 9 Um esclarecimento adicional acerca dessa relao pode ser encontrado na concepo de Mtodo Quadripolar de investigao tal como explicado por Silva e Ribeiro (2002, p. 86) e por Bufrem (2013, sem pgina).
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19
Sendo assim, disposio das partes componentes da pesquisa fica assim
configurada:
Na segunda seo (a primeira constituda desta introduo) se apresenta
uma reflexo acerca da dinmica epistemolgica da Cincia da Informao. Visa-se
com isso estabelecer um referencial terico em forma de hiptese operativa para servir
de base aos critrios de anlise da trade, respeitando um mesmo polo lgico de
epistemologia, teoria e conceitos.
Como desdobramento da segunda seo, a terceira seo estabelece uma
estrutura conceitual para dela se levantar parmetros de anlise da trade conceitual
dados, informao e conhecimento, dando ateno s questes relativas s esferas
descritivo-semntica, epistemolgica e terica, e histrica e pragmtica.
Na quarta seo so apresentadas as anlises dos termos da trade a partir
do exame de dicionrios etimolgicos, lingusticos, especializados e manuais da
disciplina. Tambm aqui se busca inferir a presena da trade na Cincia da
Informao por meio de uma diacronia do tema.
Na quinta seo se apresenta o conjunto das estruturas de compreenso
(metforas explicativas) pelas quais a Cincia da Informao articula os conceitos de
dados, informao e conhecimento, juntamente com algumas consideraes
conjeturais acerca da origem e influncia de algumas metforas. E para fechar se
veicula um quadro sntese que busca ligar todos os pontos da metodologia para
tentar expressar o lastro conceitual a respeito da abrangncia da trade na Cincia
da Informao.
E na sexta seo, atravs das consideraes finais, se busca rever o
percurso de investigao dessa pesquisa destacando alguns pontos problemticos e
propondo sugestes para investigaes futuras.
A stima seo faz constar as referncias utilizadas.
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20
2 ELEMENTOS DA DINMICA EPISTEMOLGICA DA CINCIA DA INFORMAO
Aqui se inicia uma interpretao acerca de alguns elementos da dinmica
epistemolgica da Cincia da Informao.
com base nessa dinmica que se aplicar alguns dos critrios elaborados a
partir de uma estrutura conceitual proposta para embasar as anlises dos termos
dados, informao e conhecimento, com o intuito de esclarecer algo de seu trajeto
conceitual na disciplina de Cincia da Informao.
Fazendo isso, se acredita poder coerir conceito, teoria e epistemologia dentro
de uma mesma dimenso10 lgica, sem misturar, sincronicamente, dimenses de
natureza diversa a respeito da Cincia da Informao, como as citadas na
introduo.
E dessa forma, seria ento possvel alcanar uma compreenso mais
profunda da fenomenalidade conceitual da trade na disciplina.
O contexto histrico de surgimento da Cincia da Informao, segundo uma
mescla de narrativas baseadas na narrativa mainstream estadunidense11, pode ser
identificado (BUCKLAND, 1996; WERSIG; NEVELING, 1975; SARACEVIC, 1995,
1999, 2009; BARRETO, 2002; LIMA, 2003; LINARES, 2004) com a conjuntura social
que delineava o diapaso temporal que abrange o perodo posterior Segunda
Guerra Mundial, ou, como diz Capurro (2003, sem pgina), o perodo de meados do
sculo XX.
A histria da Biblioteconomia nos Estados Unidos remonta a muito antes
desse perodo de emergncia da Cincia da Informao. E alguns autores,
10 Sobre as dimenses ou polos investigativos na concernncia adotada aqui, recorrer novamente noo de mtodo quadripolar na forma que tratado em Silva e Ribeiro (2002, p. 86) e em Bufrem (2013, sem pgina). 11
H outras narrativas paralelas e afins, como por exemplo a narrativa norte-americana que mantm a Cincia da Informao estritamente dentro do processo evolutivo da Biblioteconomia (SHERA, 1980); como a narrativa do bloco sovitico (MIKHAYLOV; CHERNYY; GILYAREVSKIY, 1966); a narrativa do norte europeu (OROM, 2000); a narrativa francesa (CHAMBAUD; LE COADIC, 1987); a narrativa alem (CAPURRO, 2010); a narrativa brasileira que relaciona a Cincia da Informao com os campos da arquivologia e da Biblioteconomia (FONSESA, 2008); entre outras. Sem falar nas filosofias da informao, que tambm tm o seu modo de perspectivar historicamente os estudos de informao (FLORIDI, 2004; ILHARCO, 2003). Com a ressalva de que os autores citados no necessariamente representam tais narrativas, apenas foram citados porque em alguns de seus trabalhos (precisamente os que foram mencionados) destacam certas nuances das narrativas sublinhadas.
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21
verdade, vm na histria da Biblioteconomia a prpria histria da Cincia da
Informao, com todos os seus marcos histricos de referncia, dentre os quais a
escola de Chicago (SMITH, 1992), a biblioteca de negcios de John Cotton Dana
(SHERA, 1980), os padres de organizao da Biblioteca do Congresso (GIL
URDICIAIN, 2004), o aporte da microfilmagem (SHERA, 1980), a sucesso entre
bibliotecrios eruditos e bibliotecrios de servio pblico (SHERA, 1980), os
bibliotecrios especialistas (WILLIANS, 1998), a ligao da Biblioteconomia com a
documentao (FAYET-SCRIBE, 1998), etc.
A evoluo da Biblioteconomia nos Estados Unidos encontrou muitas
vicissitudes de ordem de formao profissional (SARACEVIC, 1999, p. 1053) e de
ordem institucional (SHERA, 1980, p. 93-95), o que fez com que, em alguma
medida, ela se fragmentasse em muitos segmentos, dentre os quais, poderia ser
dito, a forma embrionria da Cincia da Informao.
Todavia, com respeito Cincia da Informao, a Biblioteconomia
aparentemente serviu mais como um tipo de subsidiador de aportes tcnicos e um
elemento de arranjo profissional, do que como um precedente disciplinar, visto que,
pelos menos da interpretao proposta por Shera (1980, p. 99), a Cincia da
Informao que oferece base terica para a Biblioteconomia e no o contrrio.
E a Cincia da Informao compreendida como disciplinarmente distinta da
Biblioteconomia, teria conjugado duas cadeias de influncia sem um elo material,
nem cronolgico, mas com uma forte razo de analogia estrutural (um motivo de
comparao) entre elas, um fundamental ponto de semelhana, como se ver
adiante; trata-se, de um lado, da Documentao12 e, de outro, da iniciativa norte-
americana ps-guerra13 de responder demanda por solues cientficas na
resoluo de problemas de informao e conhecimento.
Desde j necessrio ressaltar que essas duas influncias no constituem a
Cincia da Informao, nem os primrdios da Cincia da Informao, nem as causas
eficientes da Cincia da informao; mas to somente (como ficou dito no pargrafo
12 Ressalva-se que a documentao se contextualiza, originariamente em uma conjuntura histrica (tpica e cronolgica) diversa da conjuntura ps-guerra (Blgica e Frana na passagem do sculo XIX para o XX), posicionando-se, portanto, no nvel de influncia convencionada e de precedente esquemtico por relao de semelhana e no enquanto continuidade de um encadeamento histrico estrito. Com isso se v relacionar duas linhas causais em uma mesma razo de analogia como propulsora da confluncia de discursos que caracterizam a Cincia da Informao. 13 Essa iniciativa apenas uma das influncias e no uma narrativa, ou uma fase, ou uma corrente da Cincia da Informao.
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22
anterior) influncias remotas que, por uma razo de analogia, teriam oferecido
aporte paradigmtico e discursivo para o impulso de formao disciplinar da Cincia
da Informao.
Nesse sentido, Pinheiro, (2005, p. 38), explica que
A Cincia da Informao tem dupla raiz: de um lado a Bibliografia/Documentao e, de outro, a recuperao da informao. Na primeira o foco o registro do conhecimento cientfico, a memria intelectual da civilizao e, no segundo, as aplicaes tecnolgicas em sistemas de informao, proporcionadas pelo computador. No entanto, foram a Cincia e Tecnologia os elementos fertilizadores e propulsores de seu nascimento, fruto do crescimento de equipes cientficas, do aumento do nmero de cientistas e pesquisadores e da acelerao de pesquisas, portanto, de tecnologias, esforos decorrentes sobretudo da Segunda Guerra Mundial.
Com efeito, as duas cadeias de influncia, teriam cumprido, na Cincia da
Informao, o papel de [...] linhas identitrias que particularizam a sua formalizao
acadmico-disciplinar [...] (RABELLO, 2008, p. 18), para responder demanda por
solues de problemas relativos comunicao cientfica (problemas entendidos
como sendo de ordem informacional) envolta na nova perspectiva proporcionada
pela conjuntura ps-guerra e pela consequente mudana na compreenso do
conhecimento por parte da cincia e da sociedade.
Passa-se a seguir a refletir sobre alguns aspectos contextuais da
Documentao e da iniciativa norte-americana14, enquanto linhas de influncia na
formao disciplinar da Cincia da Informao, com base histrica nos contextos de
seus proponentes; visando com isso ressaltar dois fatores chave que constituem a
razo de analogia (ou o algo em comum) entre a iniciativa cientfica norte-americana
e a Documentao na estruturao da dinmica epistemolgica da Cincia da
Informao, oriunda da sua formao disciplinar: um modelo analgico (de analogia)
de teor cognitivo como fundo paradigmtico e o fator aportico (abordagem por
problemas) como atributo principal do modo de atuao disciplinar da Cincia da
Informao.
Principia-se pela Documentao e por seu idealizador, o advogado belga Paul
Otlet (1868-1944).
14 Como se ver, essa iniciativa norte-americana no narrativa norte-americana da Cincia da Informao, mas to somente uma de suas influncias.
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23
Otlet pode ser descrito como um utpico internacionalista (RAYWARD,
1991, p. 135, traduo nossa) que esteve envolvido com iniciativas de alcance
mundial, como os movimentos pela paz durante a primeira guerra mundial, a Liga
das Naes e, sobretudo, o Instituto Internacional de Bibliografia, com o seu
Repertrio Bibliogrfico Internacional, fundado por Otlet em parceria com Henri La
Fontaine (1854-1943), que visava reunir cabedais de conhecimento cientfico em
compndios bibliogrficos para melhor resguardo e disseminao entre estudiosos
de diversas disciplinas.
Em 1934 lanado o Tratado de Documentao, livro que condensa,
subjacente s longas listas de aspiraes para alcanar a reorganizao do mundo
e o acesso ao conhecimento (RAYWARD, 1997, p. 299, traduo nossa), o iderio
de Otlet. Iderio este que uma vez assimilado, teria criado, sob a denominao de
Documentao, uma nova formulao discursiva.
O contexto cultural europeu de fin-de-scicle15 no qual Paul Otlet atuou foi
marcado por uma efervescncia de ideias renovadoras em todos os campos da
convivncia social:
Ao mesmo tempo que as tenses se desenvolviam entre as naes neste mundo de virada de sculo, conflitos fundamentais vinham tona em quase todas as disciplinas da atividade e do comportamento humano: nas artes, na moda, nos costumes sexuais, nas relaes entre geraes, na poltica. Todo o motivo da libertao, que se tornou to predominante no nosso sculo seja a emancipao das mulheres, dos homossexuais, do proletariado, da juventude, dos desejos, dos povos -, aparece na virada do sculo. (EKSTEINS, 1992, p. 14).
So dessa poca as primeiras ondas de experincias vanguardistas na
cultura europeia, em particular nas artes: o futurismo, o dadasmo, o surrealismo, o
15 sabido que a atuao de Otlet envolve um perodo que vai do fim do sculo XIX at o perodo entre as duas guerras mundiais do sculo XX (o manual de documentao de 1934). Todavia, em acordo com Shera (1980, p. 91) que identifica o fim do sculo XIX como a poca em que Otlet e La Fontaine estabeleceram as bases de uma grande bibliografia universal, se adotou aqui a suposio de que o fin-de-scicle o perodo marcante de sua atuao com todas as influncias culturais que da emanaram. Tendo sempre em vista que essas influncias culturais marcaram tambm o sculo XX, pelo menos at a sua metade. Por sua vez, tambm Norton (2001, p. 12, traduo nossa, grifo nosso) posiciona a atuao de Otlet nos inicios do sculo XX e sob uma tica, alis, cognitiva, ao dizer que em 1903, Otlet inventou a palavra documentao (WILLIAMS, 1997) para descrever os processos intelectuais e reais de reunir, para aplicar, todas as fontes escritas ou grficas de nosso conhecimento [...].
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24
cubismo, entre outras, em que o mote era romper com o estabelecido, e propor
(para alguns impor) novas compreenses sobre quase tudo.
Isso tudo deu a tnica do que seria o sculo XX: O nosso sculo um
perodo no qual a vida e arte se misturaram, no qual a existncia tornou-se
estetizada. (EKSTEINS, 1992, p. 15).
Portanto, tratava-se de um ambiente onde as propostas de mudanas sociais,
de reviso de conceitos e de compreenses, por mais extravagantes que fossem,
no eram consideradas, em quase nenhum campo social, como destitudas de
razoabilidade e de potencial eficcia.
E assim tambm foi, em termos gerais, com o quadro de perspectivas
proposto por Otlet em seu ideal de unificao universal do conhecimento cientfico;
e concretamente:
Esse quadro envolveu novos modos de se ver e de se falar sobre conhecimento, livros, bibliotecas e sobre a infraestrutura social de quem eles constituam uma parte. Essa complexa inter-relao entre sistemas e teorizaes estabeleceu o que poderamos chamar de nova formao discursiva (FOUCAULT, 1972). Uma formao discursiva, para designao da qual, tomando o neologismo prprio de Otlet, por facilitar a referncia, o termo transitivo documentao til. (RAYWARD , 1997, p. 289).
Essa nova formao discursiva introduzida pela Documentao, ademais,
materializa uma nova forma de compreenso do conhecimento cientfico e constitui
o germe de uma nova relevncia social desse conhecimento que se apresentar
plenamente desenvolvida no contexto histrico ps-segunda guerra.
Para se ter uma noo mais clara do teor dessa perspectiva, seria pertinente
recorrer s palavras do prprio Otlet (1934, p. 428) citadas por Rayward (1997, p.
298, traduo nossa):
O livro universal formado de todos os livros teria se tornado muito aproximadamente um anexo para o crebro, o substrato da memria, um mecanismo exterior e instrumento da mente, mas to prximo a ela que seria verdadeiramente uma espcie de anexo, rgo fora da pele um rgo que '' teria a funo de fazer o nosso ser onipresente e eterno.
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25
Rayward (1997, p. 298, traduo nossa, grifo nosso), ao versar sobre isso,
assinala a dimenso histrica de influncia que essa nova compreenso do
conhecimento alcanou: esta ideia de um crebro mecnico teria eco na ideia de
crebro mundial de H. G. Wells (1938) e em Bush (1945), no seu famoso artigo em
que ele descreve o Memex.
Ainda sobre essa noo de atribuir uma funcionalidade mecnica mente
como extenso das capacidades cognitivas, Otlet (1937, p. 2) declara o seguinte
[...] o esprito, j tendo se elevado muito alto no sentido da generalizao e da
abstrao, pode invocar em seu auxlio a arte sutil do clculo, assim como o das
mquinas maravilhosas nascidas desta mesma arte. Essas mquinas
maravilhosas que no tempo de Otlet ainda estavam posicionadas mais na esfera
dos conceitos, do que no campo dos meios de ao, seriam um dos ingredientes
principais da nova formulao discursiva nascida com a Documentao.
E talvez uma das motivaes (prxis) responsveis pelo engendramento
dessa formulao discursiva e da Documentao como um todo (associaes,
congressos, abordagens, etc.) resida no engajamento internacionalista de Otlet,
mencionado pargrafos acima, pois a esse respeito Otlet (1937, p. 12) declara o
seguinte:
Nosso tempo testemunhou prodigiosas realizaes; aqui, para destruir pela guerra, l, para acumular riquezas em volume to considervel que a crise pode bloquear todos os intercmbios. Aproxima-se, porm, o tempo em que sero realizados outros prodgios, desta vez, para distribuir, entre todos, os bens criados e para elevar-se, alm disso, da matria ao esprito. Cabe Documentao para tal contribuir; a seus congressos compete orient-la para esse fim.
A nova formulao discursiva a que tem aludido possuiria, dessa maneira, um
molde cognitivo voltado pragmaticidade. Pragmaticidade que no contexto da
Documentao ainda no tem explicitado o carter aportico, como se encontrar na
iniciativa norte-americana; mesmo assim, possvel dizer que esse carter j est
presente, em surdina, na Documentao enquanto reflexo da inspirao positivista
de Otlet, no sentido que ser explicado mais abaixo, juntamente com os efeitos
dessa inspirao em Bush. E, particularmente nisso, nessa nova formulao
discursiva, residiria a principal influncia da Documentao sobre a Cincia da
Informao, conforme explica Rayward (1997, p. 290):
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26
[...] aspectos importantes das origens da Cincia da Informao, como conhecemos hoje, j estavam contidos ou configuraram uma extenso da formao discursiva que temos designado por documentao.
Aps se ter discorrido sobre o contexto de Otlet como proponente da
Documentao, parte-se a seguir para algumas consideraes sobre a iniciativa
norte-americana enquanto outra linha de influncia na formao disciplinar da
Cincia da Informao, destacando alguns aspectos do contexto de seu idealizador,
Vannevar Bush; sempre visando destacar, assim como foi feito acima, sobre o
contexto de Otlet, os fatores relativos ao modelo analgico cognitivo e abordagem
aportica enquanto elementos que deram a tnica da razo de analogia que uniu as
duas cadeias de influncia (documentao e iniciativa norte americana) na formao
disciplinar da Cincia da Informao.
Vannevar Bush (1890-1974) foi um engenheiro eltrico do MIT
(Massachusetts Institute of Technology) e teve um papel relevante no quadro
estratgico militar dos Estados Unidos antes e durante a Segunda Guerra Mundial,
fundando em 1937 o National Defense Research Committe (NDRC), rgo
responsvel por reunir, sob uma mesma coordenao, esforos cientficos, militares,
polticos e empresariais acerca de estratgias blicas (portanto uma extensa
representatividade).
A respeito do ambiente cientfico no qual Bush atuou, havia, supostamente,
toda uma atmosfera propicia a se conseguir notoriedade como porta-voz de um
ideario fundado na autoridade das cincias, como se ver na seo que veicula os
resultado (4).
Dentro desse horizonte, Bush publicou em 1945 um texto com um ttulo
altamente significativo e bastante simblico: Como podemos pensar?, no qual
apresenta algumas coordenadas gerais sobre o modo de atuar cientificamente
diante do quadro de perspectivas aberto pela guerra.
Pode-se dizer que pergunta sobre como podemos pensar respondida
por Bush (2011) na clave de uma mudana de compreenso do conhecimento por
parte da comunidade cientifica, at ento empenhada em desenvolver a extenso
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27
fsica das capacidades humanas de lidar com o mundo, principalmente em sentido
blico.
A ideia de Bush (2011) de que o enfoque cientfico deveria se mover do
empenho para o desenvolvimento das capacidades operacionais de ordem fsica
(transporte, instrumentos e estratgias blicas, entre outros), para esforos de
desenvolvimento e aprimoramento da esfera cognitiva do homem, ou seja, para os
elementos que orbitam a noo de conhecimento.
Com isso se d, por assim dizer, uma guinada cognitiva no quadro de
perspectivas da cincia no contexto norte-americano do ps-guerra. Pode-se dizer
que a compreenso cientfica e a relevncia social do conhecimento foram
decisivamente alteradas.
E essa nova compreenso, como um desdobramento do iderio de Otlet, diz
respeito a uma compreenso cognitivista, pragmaticista e ligada ao aporte
tecnolgico, que visa expandir as potencialidades cognitivas do Homem, tal como a
noo de mente expandida vista em Otlet.
Bush (2011, p. 27) reconhece, entretanto, que essa noo de mente
expandida no tem um carter literal, mas sim um apelo pedaggico e analgico:
O homem no pode esperar a total duplicao deste processo mental artificialmente, mas certamente deveria ser capaz de aprender com ele. De formas modestas ele pode at melhor-lo, j que seus registros possuem permanncia relativa. A primeira ideia, porm, a ser tirada da analogia, diz respeito seleo. A seleo por associao, e no por indexao, ainda pode ser mecanizada. No se pode esperar por enquanto atingir a velocidade e a flexibilidade com as quais a mente segue uma trilha associativa, mas deve ser possvel ganhar da mente decisivamente quanto permanncia e clareza dos itens recuperados do acervo.
De modo concreto, o apelo para uma guinada cognitiva no modo de
compreenso do conhecimento por parte da comunidade cientfica ps-guerra
apareceu, nas coordenadas de Bush (2011), como uma chamada de ateno para
as deficincias na comunicao cientfica que at ento (talvez pela insuficincia
tecnolgica) no refletia suficientemente a forma da cognio humana quanto s
selees e s recuperaes de informaes. As formas de comunicao cientfica
de ento apresentavam uma estrutura informacional que no compaginava com a
real forma de conhecer ou com a real forma do processo cientfico.
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28
Nesse sentido, Bush (2011, p. 25) explica que
[...] podemos estender enormemente nossos registros, mas mesmo em seu volume atual temos dificuldades em consult-los. Esta uma questo muito maior do que a mera extrao de dados para propsitos de pesquisa cientfica; ela envolve o processo todo atravs do qual o homem faz uso de sua herana de conhecimento adquirido. A ao primria de maior importncia a seleo, e neste quesito estamos realmente capengas. Deve haver milhes de pensamentos requintados e a soma da experincia na qual eles se baseiam, todos depositados dentro de muros de pedra de forma arquitetnica aceitvel; mas ainda que o estudioso consiga chegar at l, em diligente pesquisa, uma vez por semana, suas snteses provavelmente no estaro altura das exigncias de sua poca.
Dessa forma, a atuao cientfica passa a ser concebida sob um modelo
analgico cognitivo16. Esse modelo ou paradigma constitui estruturalmente uma
analogia com potencial explicativo, por meio da qual se d a mediao interpretativa
entre a cincia e a realidade por ela abarcada e instrumentalizada.
A funo do modelo analgico cognitivo dentro desse entendimento seria
prover referncia para o estabelecimento de relaes de semelhana e de diferena
entre os aspectos do objeto investigado, para assim se obter uma compreenso. Em
sentido aproximado, pode-se esclarecer melhor isso recorrendo ao que explica
Capurro (2003, sem pgina, grifo nosso):
Como a palavra paradigma mesmo o indica do grego paradeigma = exemplar, mostrar (diknumi) uma coisa com referncia (par) a outra o paradigma um modelo que nos permite ver uma coisa em analogia a outra. Como toda analogia, chega o momento em que seus limites so evidentes, produzindo-se ento uma crise ou, como no caso de teorias cientficas, uma revoluo cientfica, na qual se passa da situao de cincia normal a um perodo revolucionrio e em seguida a novo paradigma.
16Como se pode perceber (principalmente se se retoma o contexto dos pargrafos dedicados a Otlet) e como se ver mais explicitamente em sees posteriores, a influncia cognitiva, tal como foi abordada por esta pesquisa, em forma de analogia ou de paradigma, diz respeito a uma vertente especfica do cognitivismo cientfico em geral, qual seja, a reunio metafrica entre as noes de tecnologia computacional e de operaes mentais.
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29
Esse entendimento acerca do modelo analgico o distingue das acepes
deterministas de paradigma, pois a ao analgica do modelo ocupa a posio de
referncia e no de causa ou de delimitao estrita.
Mas, ao mesmo tempo, no deixa de ter, por necessidade intrnseca, algo de
limitador devido escolha da tipologia de problemas que daro a tnica do seu
delineamento temtico:
O paradigma estabelece simultaneamente o sentido do limite e o limite do sentido e, consequentemente, o trabalho dos cientistas dirige-se resoluo de problemas e eliminao das incongruncias segundo os esquemas conceptuais, tericos e metodolgicos universalmente aceitos. (SANTOS, 1989, p. 133)
Ressalva-se, de antemo, que a forma de atuao do modelo analgico
cognitivo, por mais que possa se assemelhar com a definio de paradigma
apresentada por Capurro, no se identifica com o conjunto de funes e nem com o
tipo de abordagem previstos por ele; e nem mesmo com o dito paradigma cognitivo.
Os trs paradigmas de Capurro (CAPURRO, 2003; VEGA-ALMEIDA; FERNNDEZ-
MOLINA; LINHARES, 2009) tratam de contedos temticos enquanto que a analogia
cognitiva trata de forma e estrutura lgica, o que a faz ser, ante os trs paradigmas
referidos, transparadigmtica.
Mas ao dizer que se trata de forma e estrutura lgica no se quer referir
sintaxe, nem ao sentido que a palavra forma tem para o positivismo avesso a
contedo, mas sim a um fundo lgico unvoco de uma mesma compreenso do
conhecimento. Em certa medida, trata-se de uma metateoria, sabendo-se que
suposies metatericas so mais amplas e menos especficas do que teorias. Elas
so mais ou menos os pressupostos conscientes ou inconscientes por trs das
suposies tericas, empricas e do trabalho prtico. (HJORLAND, 2000, p. 518,
traduo nossa).
Hjorland, (2000, p. 522, traduo nossa) chega mesmo a absolver os sentidos
de paradigmas e de metateorias em uma concepo histrico contextual do
processo cientfico que se aproxima do que se quer dar a entender pela noo de
modelo analgico cognitivo:
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No h nenhuma linha de demarcao clara entre teorias, abordagens (ou: metateorias, paradigmas) e posies filosficas. Elas so internamente relacionadas e sobrepostas. Suposies metatericas esto ligadas a vises filosficas, e muitas vezes so, em parte, tendncias interdisciplinares, que por sua vez podem ser conectados a um Zeitgeist. (HJORLAND, 2000, p. 522, traduo nossa).
Antes, porm, de continuar explicando o modelo analgico cognitivo, seria
preciso inferir que ao menos sugestivo pensar que, por sua renomada liderana
enquanto engenheiro a servio de um Estado em guerra, as coordenadas de Bush
(2011) tiveram um peso considervel no delineamento dos rumos da investigao
cientfica ps-guerra de seu pas e com isso se teria dado o favorecimento da
emergncia do modelo analgico cognitivo naquelas disciplinas contextualizadas
nesse horizonte cientfico.
Assim, talvez as coordenadas de Bush (2011) tenham soado como uma
espcie de manifesto17, contentor de diretrizes para a investigao cientfica, agora
no somente de base fsica, mas tambm cognitivo-tecnolgica.
Isso teria criado condies para o surgimento de toda uma trama de conceitos
de ndole cognitiva que poderia ter moldado o horizonte de perspectivas cientficas
no contexto norte-americano guiando-o, sob a gide do progresso como smbolo,
para um tipo de conhecimento de matiz cognitivista, tecnolgica e funcional.
Retomando os esclarecimentos sobre a analogia cognitiva, importante
ressaltar que assim como a concepo corrente de paradigma, a analogia cognitiva
tambm transporta uma carga histrica que de alguma forma a condiciona, fazendo,
em contrapartida, com que ela reflita algo do contexto histrico cientfico e
extracientfico, conforme explicam Vega-Almeida, Fernndez-Molina e Linhares,
(2009, p. 21, traduo nossa):
Um paradigma reflexo de sua poca, e isso lhe atribui uma acentuada significao histrica no estudo da disciplina, mais alm da sua derrogao, pois cada paradigma tem sido portador da soluo para seu tempo e tem convertido a comunidade cientfica durante as diversas etapas da Cincia da Informao em geradora
17 H, nas cincias sociais, uma conveno tcita atribuda a Max Weber que prev o uso de aspas em sentido de atenuao semntica em que o sentido da palavra remete ao sentido original, mas com uma referncia mais alusiva do que literal. Por conseguinte, nessa acepo que as palavras entre aspas so transcritas nessa pesquisa, salvo quando se tratar de citaes literais.
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de embasamento terico-conceitual e guia da investigao, o que evidencia sua condio de unidade produtora e validadora de conhecimento. (VEGA-ALMEIDA; FERNNDEZ-MOLINA; LINHARES, 2009, p. 21, traduo nossa)
Para concluir as explicaes e para tentar esclarecer mais suficientemente a
compreenso da analogia cognitiva no sentido aqui discutido, tome-se como
exemplo se se permitido explicar uma analogia por uma metfora - o mito da
Medusa, o qual narra o episdio em que um monstro com traos femininos morto
por um heri auxiliado pelos deuses.
Medusa,
nome de uma das Grgonas, filhas de Frcis e Ceto, decapitada por Perseu; irm de Esteno e Eurale; e tambm de uma filha de Pramo (Apollod. Bibl 3, 12, 5). Deriva do verbo , "mandar, reinar sobre", a partir da raiz indoeuropeia *med- (Frisk, Gr. Et. Wrt.); significa, portanto, "a que manda", por simples formao participial (PELLIZER, 2013, p. 182),
teria sido uma jovem que, por desobedincia, recebeu da deusa Atena o castigo de
ter seus cabelos transformados em serpentes, de forma que todos aqueles que
olhassem para seu rosto, outrora belo e desde ento terrificante, eram
transformados em pedra. Da vem a expresso medusar que significa paralisar.
Coube ao heri mitolgico Perseu matar a Medusa decapitando sua cabea.
Para no ter que olhar diretamente o rosto da Medusa e acontecer de se
tornar uma esttua de pedra, Perseu combateu o monstro olhando seu rosto de
modo indireto por meio de um escudo com propriedades de espelho, que refletia
suas feies, sem transformar a ele, Perseu, em pedra.
Dessa forma Perseu decapitou a Medusa e entregou sua cabea deusa
Atena que a afixou em um escudo.
As serpentes na cabea da Medusa poderia representar fatos, contextos e
problemas em toda sua crueza de ambiguidades, de desconexo causal e de
desordem, que se enfocados em si mesmos conduzem paralizao, ou seja, a no
abrangncia compreensiva. Mas, por meio de um expediente mediador (o
escudo/espelho) que transporte um quadro de referncia vinculante, os fatos,
contextos e problemas podem ser abarcados por um recorte que transmite um fundo
lgico e uma unidade de sentido que, se no propiciar uma compreenso efetiva, ao
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menos permite operacionalizar os mesmos fatos, contextos e problemas de acordo
com fins preestabelecidos.
Tal como esse escudo espelhado, o modelo analgico da cognio atribuiria
referencia investigaes cientficas, no de maneira estrita como um algoritmo,
mas como uma macro relao de semelhanas e diferenas (analogia, portanto) que
favorece a operacionalizao de conceitos dentro de uma margem de atuao
demarcada pelo potencial explicativo da cognio humana.
A partir desse ponto preciso passar anlise do segundo elemento
caracterizador da dinmica epistemolgica da Cincia da Informao enquanto
convergncia das cadeias de influncia da documentao e da iniciativa norte-
americana: a abordagem disciplinar aportica.
Antes disso, porm, pertinente destacar mais um elo entre a Documentao
e a iniciativa norte-americana; elo esse que - apesar de no constituir uma influncia
nos termos da analogia cognitiva, posicionando-se marginalmente dinmica
epistemolgica da Cincia da Informao - ocupa uma posio de pressuposto
metodolgico tanto para Otlet, quanto para Bush.
Trata-se da influncia positivista, mencionada pargrafos acima quando se
assinalou o fato de que tambm em Otlet havia indcios da abordagem aportica de
resoluo de problemas.
Otlet e a Documentao, assim como Bush, teriam sofrido influncia
positivista e do objetivismo lingustico, o que constitui, de um lado, uma preocupao
maior com aspectos formais (mtodo) do que com outros aspectos ligados ao
contedo e, de outro, um apelo soluo de problemas, conforme disserta Rabello
(2008, p.20, grifo nosso):
A perspectiva europia da documentao nasceu, em grande medida, sob a influncia das idias positivistas de Auguste Comte (DAY, 1997; RAYWARD, 1991,1994; SANDER, 2002) influenciadas tambm pelo objetivismo lingstico iniciado pelos enciclopedistas do sculo XVII. (DUCHEYNE, 2005). Tal orientao foi decisiva para a criao da obra de Otlet que expressou, em uma abordagem ampla e com grande preocupao formal, a sua inquietude frente aos problemas informacionais de sua poca. Desse modo, o Trait tornou-se, a partir de ento, uma importante referncia para pensarmos as questes informacionais hodiernas.
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Se as implicaes da influncia positivista sobre a Documentao tiveram
mais alguns efeitos alm dos referidos e em especial do carter aportico, fica como
questo em aberto por que apenas tangencia com os objetivos dessa pesquisa. Fato
que, assumindo a cadeia de influncia vinda da documentao, a formao
disciplinar da Cincia da Informao, materializada nos desdobramentos da iniciativa
norte-americana, assumiu tambm o atributo de abordagem aportica.
Para entrar de vez nessa questo acerca da abordagem por problemas,
preciso relatar o desenvolvimento histrico da Cincia da Informao
disciplinarmente identificada.
Assim, possvel considerar como uma (dentre muitas outras e em diversas
disciplinas) reposta s coordenadas propostas por Bush em 1945, as reunies do
Georgia Institute of Technology ocorridas em 1961 e 1962 (LOUREIRO, 1999, p. 65;
PINHEIRO, 1999, p. 176), o trabalho de Taylor (1966) e o artigo de Harold Borko de
1968, ocasies em que so traadas diretrizes disciplinares rudimentares da Cincia
da Informao.
Pelo menos desde Borko (1968) possvel vislumbrar com mais clareza um
carter de disciplina aportica na Cincia da Informao. Borko (1968, p.4) define
que em essncia, Cincia da Informao pesquisa as propriedades e
comportamentos da informao, o uso e transmisso de informao e o
processamento de informao para um timo estoque e recuperao.
Depois traa os objetivos da disciplina, destacando que a Cincia da
Informao enquanto disciplina tem a meta de prover um corpo de informao que
conduzir a um aperfeioamento vrias instituies e procedimentos dedicados a
acumular e transmitir conhecimento (BORKO, 1968, p.4). Mas, completa explicando
que essas instituies tem servido, e continuaro a servir, com muitas funes
teis, mas elas so inadequadas para reunir as necessidades de comunicao da
sociedade de hoje. Alguns dos fatores que contribuem para sua inadequao so...
(BORKO, 1968, p.4); e faz (assim como fez Bush (2011) ao espelhar nos meios de
tratamento da informao cientfica, a forma da cognio, atravs da tecnologia)
uma lista de problemas a respeito da comunicao do conhecimento, que
precisariam, segundo ele, serem solucionados cientificamente.
Essa soluo cientfica para os problemas de comunicao de conhecimento
de Borko (1968) poderia ser considerada como uma justificativa para formao
disciplinar da Cincia da Informao.
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Tratar-se-ia, de uma disciplina que transversaliza disciplinas para resolver
problemas (aporias, da a classificao de cincia aportica) relacionados
informao e ao conhecimento (SARACEVIC, 1995, p. 36); e essa transversalizao
se daria por meio de instrumentalizao de conceitos e teorias importados de
diversas outras disciplinas.
Aqui se encontraria o impulso para o empenho inicial de estabilizao
disciplinar da Cincia da Informao: elaborar recortes de diversas disciplinas no
intuito de responder demanda por soluo de problemas.
Rabello (2008, p. 21-22, grifo nosso), interpreta essa situao da seguinte
forma:
Compreendemos que o artigo de Bush (1945), na perspectiva estadunidense, trouxe implicitamente os primrdios da vocao que a Cincia da Informao tomou como conduta balizadora, ou seja, incitou a nfase nos recortes tericos de outras disciplinas para tentar suprir demandas especficas e aplicadas de informao (especializadas, portanto) em um enfoque marcadamente funcional e instrumental. Em outras palavras, esse artigo foi tomado simbolicamente como marco por muitos pesquisadores por representar o momento do ps-guerra em que se abriu um campo de investigao aos cientistas frente questo da informao voltada para identificao e para a soluo de problemas informacionais, mediante aparatos tecnolgicos, em particular, naqueles relativos recuperao da informao.
Assim, alm de confirmar (em alguma medida) a questo da influncia das
coordenadas de Bush (2011) na formao disciplinar da Cincia da Informao,
esse pargrafo de Rabello liga a formao disciplinar ao fator aportico, em termos
de justificativa; e ainda destaca que no mbito da abordagem aportica, sob a
gide do funcional e do instrumental, que reside a interdisciplinaridade da Cincia
da Informao.
Uma legitimao disciplinar para estabelecer interdisciplinaridade na
operacionalizao e instrumentalizao de teorias e conceitos importados de outras
disciplinas para comporem expedientes prticos de tratamento de informao, e s
posteriormente, com a estabilizao disciplinar, a ateno se voltaria para a reflexo
sobre elementos de construo e delimitao cientfica da disciplina: histria,
epistemologia, premissas, modelos, entre outros.
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Rabello (2008, p. 20) se queixa de que esse estado de coisas, atribudo
iniciativa norte-americana, tolheu Cincia da Informao a possibilidade de
aperfeioamento terico dentro do quadro geral das cincias:
[...] historicamente a vertente estadunidense carregou uma tendncia at hoje perceptvel da escassez (ou de lacunas) de fundamentao e preocupao epistemolgica, ou seja, de enfatizar mais a tecnologia e os recortes tericos disciplinares sob o ponto de vista prtico em detrimento da contextualizao do pensamento produzido na Cincia da Informao numa tradio filosfica. Essa situao remete, em certa medida, a uma inconsistncia terica e a premncia de estudos epistemolgicos, sobretudo, para pensarmos a Cincia da Informao no mbito das cincias humanas.
Hjorland (2000, p. 510, traduao nossa) vai, aparentemente, na mesma
linha, ao destacar o que se segue:
Quando a nossa motivao muito determinada, contribuindo para a soluo de problemas reais l fora, ns naturalmente tornamo-nos impacientes. Embora seja louvvel tentar resolver os problemas humanos to rapidamente quanto possvel, h uma tentao considervel para reivindicar um nvel de compreenso que no podem ser suportados: muitas vezes resulta em um desdm para o pensamento crtico e terico. Isto pode resultar em tcnicas e estratgias prticas que so ineficientes se no contraproducentes.
Em continuao, Rabello (2008, p. 24) oferece mais algumas notas
descritivas da abordagem aportica interdisciplinar da Cincia da Informao,
explicando que
[...] a percepo estadunidense que vigora em grande parte das explanaes conceituais da informao (sob desgnio de sua prpria condio hegemnica), uma das principais caractersticas dessa cincia seria lidar com problemas informacionais pontuais e historicamente inscritos mediante emprstimos de teorias comumente empregadas em outras disciplinas (como o caso da teoria matemtica da comunicao, da teoria geral de sistemas, entre outras que so instrumentalizadas para diferentes fins (PINHEIRO, 1999, p. 177). A partir disso, conforme argumentam Saracevic (1995; 1996) e Pinheiro (1999; 2005), a interdisciplinaridade faria parte de sua natureza constitutiva.
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Acerca desse tipo de interdisciplinaridade motivada pela necessidade de se
levantar solues para problemas, Pombo (2005, p. 10), explica que a reunio
disciplinar para instrumentalizao de conceitos no se d de forma hierrquica,
mas [...] de forma descentrada, assimtrica, irregular, numa espcie de patchwork
combinatrio que visa constituio de uma nova configurao disciplinar capaz de
resolver um problema preciso.
Essa nova configurao disciplinar corresponde ao que se entende aqui por
convergncia de ncleos tericos enquanto concentrao de problemas tematizados
sobre informao e conhecimento. Seria por meio dos ncleos que a Cincia da
Informao importa e instrumentaliza (e articula) conceitos e teorias para prover
soluo a problemas. Essa questo dos ncleos, entretanto, deixada para uma
seo posterior.
A formao disciplinar da Cincia da Informao, no apenas teria tido sua
emergncia motivada pela necessidade de uma abordagem aportico-cientfica, mas
tambm se desenvolveu (e vem se desenvolvendo) de acordo com a mudana de
natureza e de complexidade dos problemas relacionados informao e ao
conhecimento18, conforme o entendimento de Saracevic (1995, p. 43):
Como WERSIG & NEVELLlNG (1975) apontaram, a Cincia da Informao desenvolveu-se historicamente porque os problemas informacionais modificaram completamente sua relevncia para a sociedade ou, em suas palavras, "atualmente, transmitir o conhecimento para aqueles que dele necessitam uma responsabilidade social, e essa responsabilidade social parece ser o verdadeiro fundamento da Cincia da Informao". Problemas informacionais existem h longo tempo, sempre estiveram mais ou menos presentes, mas sua importncia real ou percebida mudou e essa mudana foi responsvel pelo surgimento da CI, e no apenas dela.
Em consonncia com o que j foi dito at aqui, Saracevic (1995, p. 37) define
a disposio disciplinar da Cincia da Informao de maneira a compaginar a
abordagem aportica com o aporte tecnolgico, tal como visto em Bush e em Otlet:
18 Repete-se sempre essa expresso problemas de informao e conhecimento para fazer significar o que ficou dito acerca da analogia cognitiva em Bush (2011), ou seja, a guinada cognitiva foi proposta como meio de aperfeioar a comunicao cientfica atravs do tratamento informacional nos termos da cognio humana, tendo como pano de fundo a mudana, cientfica e social, na compreenso do conhecimento. Portanto, problema de informao e conhecimento.
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A Cincia da Informao um campo que voltado pesquisa cientfica e prtica profissional e que trata dos problemas da comunicao dos conhecimentos e dos registros de conhecimentos na sociedade, no contexto de usos e necessidades das informaes sociais, institucionais e/ou individuais. Na abordagem desses problemas de interesse particular, vantajoso o emprego das modernas tecnologias da informao.
E corroborando a assertiva sobre a posio da interdisciplinaridade residir no
carter aportico da formao disciplinar e com ela a dinmica epistemolgica da
Cincia da informao, Saracevic (1995, p. 38) assinala que
a interdisciplinaridade na cincia de informao foi introduzida pelas diferentes experincias daqueles que procuram solues para problemas. As muitas e diferentes experincias so moldadas tanto pela riqueza do campo como pelas dificuldades da comunicao e da educao. Certamente, nem todas as disciplinas tm uma contribuio igualmente relevante a dar, mas sua variedade a responsvel pela sustentao de uma caracterstica fortemente interdisciplinar da cincia de informao. No preciso procurar por ela. Ela est l.
J sobre a ideia de que a Cincia da Informao constitui uma disciplina que
transversaliza disciplinas (importando e instrumentalizado teorias e conceitos),
Saracevic (1995, p. 36) recorrendo a Popper, conclui o seguinte:
[...] Popper (1992) sugeriu que ... no somos estudiosos de um assunto, mas estudiosos de problemas. E problemas devem atravessar os limites de qualquer assunto ou disciplina. Neste sentido, a Cincia da Informao, como qualquer outro campo, definida pelos problemas que apresenta e pelos mtodos que escolhe para resolv-los. Como qualquer outro campo a Cincia da Informao no pode ser compreendida apenas pelas definies lexicais ou ontolgicas.
Mesmo sendo dessa forma, no entanto, a Cincia da Informao no
extrapola a sua classificao de cincia social aplicada. Enquanto social, ela
procuraria abarcar o processo informativo e suas consequncias, conforme atesta
Pinheiro (2005, p. 38):
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Como Cincia Social que , a Cincia da Informao apresenta singularidades prprias de seu objeto de estudo, por si s, de acentuado grau de abstrao e complexidade e pela subjetividade que perpassa o ciclo de transferncia da informao, a compreendida a gerao de conhecimento, a sua subsequente representao em informao, por sua vez organizada, processada, recuperada, disseminada, disponvel na internet e utilizada, num ininterrupto processo moto contnuo.
E como aplicada, possvel afirmar que a identidade disciplinar aportica da
Cincia da Informao se encaixa com suficincia na definio de cincia aplicada,
conforme explica Bunge (1980, p. 40):
A cincia aplicada difere daquela (da cincia pura) somente na escolha dos problemas: embora nos dois casos os problemas sejam cognoscitivos (de modo que suas solues contribuem para o avano do conhecimento), a escolha de problemas guiada por consideraes prticas. Em outras palavras, o objetivo central da pesquisa aplicada produzir conhecimentos que talvez permitam ao profissional, tcnico ou administrador criar mtodos ou artefatos para controlar ou mesmo construir sistemas de algum tipo.
Aps todo o trajeto argumentativo at aqui, que destacou o modelo analgico
cognitivo e a abordagem aportica como elementos constituintes da dinmica
epistemolgica da Cincia da Informao desde a sua formao disciplinar, seria
importante mencionar brevemente o caminho histrico percorrido pela disciplina
desde a sua origem na convergncia das cadeias de influncia vindas da
Documentao e da iniciativa norte-americana de Bush.
Antes, todavia, preciso considerar o que diz Saracevic (1999, p. 1052), a
propsito da possibilidade de uma histria compreensiva da Cincia da Informao:
[] uma histria completa da Cincia da Informao um projeto para uma futura histria da cincia. At o momento apenas pedaos de histria e diferentes perspectivas desses pedaos existem. Uma histria de qualquer campo uma histria de poucas ideias poderosas.
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Em concernncia com essa ressalva, seria suficiente recorrer ao quadro de
histria epistemolgica sintetizado por Pinheiro (2005, p. 17), em que a autora
destaca trs fases epistemolgicas no percurso de desenvolvimento disciplinar da
Cincia da Informao. As trs fases seriam as seguintes:
[...] de 1961 at 1969, de reconhecimento do alvorecer de um novo campo cientfico, a Cincia da Informao, e discusses iniciais, principalmente sobre sua origem e denominao, conceitos e definies e natureza interdisciplinar; a segunda fase, de 1970 a 1989, de busca de princpios, metodologia e teorias prprias, delimitando seu terreno epistemolgico, alm de transformaes decorrentes das novas tecnologias; e o ltimo perodo, de 1990 em diante, na consolidao de sua denominao e de alguns princpios, mtodos e teorias, e de debate sobre sua natureza e relaes interdisciplinares com outras disciplinas. (PINHEIRO, 2005, p. 17).
Quanto primeira fase (a de reconhecimento disciplinar), destaca-se a
emergncia da primeira definio disciplinar da Cincia da Informao no contexto
da reunio do Georgia Institute of Technology em 1962. A partir da comeou a se
atribuir o adjetivo de cincia aos estudos de informao durante toda a dcada de
1960 e se enfocou aspectos metodolgicos condizentes com o estatuto disciplinar
de cincia.
J quanto segunda fase (de delimitao epistemolgica e de aporte
tecnolgico), o fato sobressalente foi a influncia das matemticas no esforo por
consolidao metodolgica, visando sempre alcanar uma cientificidade que
garantisse a pertinncia disciplinar da Cincia da Informao.
E na terceira fase (a fase de consolidao da denominao e de
esclarecimentos sobre a abordagem interdisciplinar) se destaca a realizao da
International Conference on Conceptions of Library and Information Science, em
Tampere na Finlndia, que objetivou clarificar as concepes do objeto de
pesquisa, o escopo e fenmeno central da Cincia da Informao e da Biblioteca em
trs diferentes perspectivas, histrica, emprica e terica (PINHEIRO, 2005, p. 27).
Note-se que a descrio histrica se inicia pela reunio do Georgia Institute of
Technology em inicios da dcada de 1960, precisamente o evento que pode ser
considerado como uma das primeiras respostas s coordenadas de Bush (2011) em
direo formao disciplinar da Cincia da Informao. Tal formao em seguida
teria passado por essas trs fases. Fases estas, alis, expressivas do que se disse
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acima sobre o inicio da formao disciplinar como sendo motivado por um fator
interdisciplinar aportico, que somente depois de se estabilizar disciplinarmente,
passou a enfocar reflexes epistemolgicas de reviso de sua formao, como pode
ser notado pela ateno ao fato de que a terceira fase se volta para a discusso da
interdisciplinaridade (que estava presente desde o inicio da formao) e que, por sua
vez, a primeira fase se preocupou mais em consolidar o estatuto disciplinar por uma
abordagem acerca da denominao.
Acerca das trocas interdisciplinares que na origem cooperaram com os
objetivos disciplinares da Cincia da Informao, tem-se que desde pelo menos a
compilao de Borko (1968) sobre os traos definidores da disciplina, h uma lista
de campos do conhecimento em suposta relao de interface com a Cincia da
Informao (Matemtica, Lgica, Lingustica, Psicologia, Cincia da Computao,
Engenharia da Produo, Artes Grficas, Comunicao, Biblioteconomia,
Administrao), sendo todos vistos como campos subsidiadores de teorias e
conceitos para a Cincia da Informao na posio de cincia interdisciplinar
(BORKO, 1968, p. 2, traduo nossa).
O fato, alis, de uma cincia se reconhecer como interdisciplinar
comumente justificado com o argumento de que seu objeto transporta uma grande
complexidade descritiva e de que sua problemtica requer aportes explicativos que
extrapolam suas fronteiras conceituais.
A conjuntura de origem da Cincia da Informao demandou, de fato,
solues a altura da complexidade da situao, e por isso sua configurao
epistemolgica teria respeitado uma ordem lgica que refletiu esquematicamente a
complexidade das estruturas de conhecimento nascentes. Dessa forma, a disciplina
teria se posto em marcha a partir de uma dinmica social, multi-discursiva e
interdisciplinar.
Sendo assim, caberia, em seguida, partir para uma reflexo acerca dos
ncleos tericos enquanto macro-metforas para as articulaes conceituais na
disciplina, porm antes, se apresentar uma reflexo sucinta a respeito de alguns
aspectos ligados s formas possveis pelas quais o movimento epistemolgico geral
pode ser enxergado contemporaneamente, formas essas que da sua disposio
geral, poderiam contribuir de algum modo para referenciar certos elementos em
estudo
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2.1 Discurso Cientfico
Nesta seo se objetiva apresentar uma breve reflexo acerca dos modos
possveis de se enxergar o movimento epistemolgico contemporneo, os quais
podem, em alguma medida, ajudar a referenciar tanto a interpretao que se fez da
dinmica epistemolgica da Cincia da Informao, no sentido de servir de elemento
de contraste para se esclarecer at que ponto tal dinmica acompanha o movimento
epistemolgico das cincias em geral; quanto as estruturas de co