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1 Artigo Original 91 USO PROBLEMáTICO DE JOGOS ELETRôNICOS EM ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Problematic use of electronic games in Federal University of Pernambuco’s students Igor Lins Lemos I ; Maria Clara Miguel Descendente de Melo Silva II ; César Filipe da Silva Oliveira, Tatiana Ferreira Lima, Mauricio da Silva Junior III ; Fernanda Tomie Icassati Suzuki IV RESUMO CONTEXTO: Os jogos eletrônicos, além de possibilitar ao usuário imergir em um universo lúdico, podem configurar, segundo a literatura científica, um transtorno psiquiátrico contemporâneo. No Brasil, especialmente, há uma substancial lacuna de dados epidemiológicos sobre o assunto. OBJETIVO: Avaliar o uso problemático de jogos eletrônicos em uma amostra de universitários. Método: Aplicação da escala Problem Video Game Playing (PVP) em 200 alunos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que utilizaram jogos eletrônicos nos últimos 12 meses. RESULTADOS: A maior parcela de jogadores é adulta jovem e do sexo masculino. A partir dos dados obtidos na escala PVP, observaram-se características de uso problemático de jogos eletrônicos (UP=30.5%), sendo elas: inquietação, perda de controle, problemas no âmbito familiar ou escolar e sinais de abstinência. Além disso, foram observados indícios de que, quanto mais cedo ocorre o acesso aos jogos eletrônicos, maior a tendência ao uso excessivo na vida adulta. CONCLUSõES: A incidência de uso problemático de jogos eletrônicos entre os estudantes da UFPE é significativa, sugerindo-se uma atenção especial a essa parcela de usuários. Acredita-se na necessidade de aprofundar os estudos epidemiológicos neste campo no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Epidemiologia; dependência de jogos eletrônicos; uso problemático, estudantes, escala. I Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) II Graduanda do curso de Psicologia na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) III Graduandos do curso de Psicologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) IV Psicóloga graduada na Universidade de São Paulo (USP) Endereço para correspondência Igor Lins Lemos Rua José de Holanda, 580/603, Torre. 50710-140 – Recife, PE, Brasil. E-mail: [email protected]

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Artigo Original

����������������������������������������������������������������������������� 91

Uso problemático de jogos eletrônicos em estUdantes da Universidade Federal de

pernambUco

Problematic use of electronic games in Federal University of Pernambuco’s students

Igor Lins LemosI; Maria Clara Miguel Descendente de Melo SilvaII; César Filipe da Silva Oliveira, Tatiana Ferreira Lima, Mauricio da Silva JuniorIII; Fernanda Tomie Icassati SuzukiIV

Resumo

contexto: Os jogos eletrônicos, além de possibilitar ao usuário imergir em um universo lúdico, podem configurar, segundo a literatura científica, um transtorno psiquiátrico contemporâneo. No Brasil, especialmente, há uma substancial lacuna de dados epidemiológicos sobre o assunto. objetivo: Avaliar o uso problemático de jogos eletrônicos em uma amostra de universitários. Método: Aplicação da escala Problem Video Game Playing (PVP) em 200 alunos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que utilizaram jogos eletrônicos nos últimos 12 meses. resUltados: A maior parcela de jogadores é adulta jovem e do sexo masculino. A partir dos dados obtidos na escala PVP, observaram-se características de uso problemático de jogos eletrônicos (UP=30.5%), sendo elas: inquietação, perda de controle, problemas no âmbito familiar ou escolar e sinais de abstinência. Além disso, foram observados indícios de que, quanto mais cedo ocorre o acesso aos jogos eletrônicos, maior a tendência ao uso excessivo na vida adulta. conclUsões: A incidência de uso problemático de jogos eletrônicos entre os estudantes da UFPE é significativa, sugerindo-se uma atenção especial a essa parcela de usuários. Acredita-se na necessidade de aprofundar os estudos epidemiológicos neste campo no Brasil.palavras-chave: Epidemiologia; dependência de jogos eletrônicos; uso problemático, estudantes, escala.

I Doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)II Graduanda do curso de Psicologia na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)III Graduandos do curso de Psicologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)IV Psicóloga graduada na Universidade de São Paulo (USP)

Endereço para correspondênciaIgor Lins LemosRua José de Holanda, 580/603, Torre.50710-140 – Recife, PE, Brasil.E-mail: [email protected]

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AbstRAct

backgroUnd: Electronic games, beyond enabling the user to immerse in a playful universe, can set, according to scientific literature, a contemporary psychiatric disorder. In Brazil, especially, there is a substantial lack of epidemiological data on this subject. objective: To evaluate the problematic use of electronic games in a sample of university students. Method: Application of the Problem Video Game Playing scale (PVP) in 200 students of Federal University of Pernambuco (UFPE) that used electronic games in the last 12 months. resUlts: The largest portion of players are young adults and males. From the data obtained in the PVP scale, some characteristics of problematic use of electronic games (PU=30.5%) were observed: restlessness, loss of control, family or school problems, and signs of withdrawal. There were also signs indicating that the sooner the user gets access to electronic games the greater is the tendency to overuse in adulthood. Conclusion: The incidence of problematic use of electronic games among UFPE students is significant, suggesting a special attention to this portion of users. It is considered the need for further epidemiological studies in this field in Brazil.keywords: Epidemiology, video game dependency, problematic use, students, scale.

IntRodução

A prática de jogos eletrônicos, além de permitir ao usuário um íntimo contato com o mundo virtual, possibilita uma relação lúdica com esse modelo tecnológico. Atualmente, esses jogos possuem gêneros e títulos que podem ser usufruídos por diversas faixas etárias, atingindo-as todas, de forma direta ou indireta1. Além do aspecto da diversão, considera-se a utilização dos jogos eletrônicos por outras funções: auxílio terapêutico2, sendo um importante recurso na recuperação de pacientes acometidos por diversos tipos de psicopatologias (especialmente no grupo do transtorno do controle dos impulsos)3; educação, tornando-se um instrumento de aprendizagem vinculado à plasticidade cerebral4 e no auxílio na melhoria das habilidades psicomotoras de futuros cirurgiões5.

Apesar dos benefícios empíricos que os jogos eletrônicos propiciam aos seus praticantes, este artigo retrata, principalmente, o uso problemático6, tema que, assim como a dependência de jogos eletrônicos, vem emergindo na literatura científica nos últimos anos. Esse é um fenômeno relevante, tendo em vista que esses jogos pertencem a uma indústria em ampla ascensão7, conquistando, a cada ano,

uma quantidade maior de adeptos e, paralelamente, aumentando as possibilidades de expansão no número de jogadores com uso problemático (UP).

Atualmente, os sintomas mais considerados na composição de um possível diagnóstico para dependentes de jogos eletrônicos são os sugeridos por Lemmens, Valkenburg e Peter, na Game Addiction Scale (GAS)8: saliência (utilização de jogos eletrônicos como atividade mais importante na vida do usuário, dominando seus pensamentos, sentimentos e comportamento); tolerância (tendência a aumentar o tempo de uso para obter satisfação); modificação do humor (irritabilidade, tristeza); retrocesso (emoções negativas ou efeitos físicos que ocorrem quando o jogador reduz ou descontinua o uso); recaída (tendência a tentar repetidamente reverter o padrão de tempo de uso, rapidamente restaurado após período de abstinência ou controle); conflito (problemas interpessoais, que podem envolver mentiras ou decepções) e problemas na área social (piora no rendimento no trabalho, ambiente de estudo e socialização).

Importante salientar que o uso problemático de jogos eletrônicos, que é o foco do presente artigo, não é necessariamente a dependência de jogos eletrônicos, mas um indicativo importante de usuários

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que estão apresentando dificuldades no uso de jogos eletrônicos e que, dentre eles, alguns podem estar apresentando tal dependência.

Pesquisadores apontam que de 10% a 15% dos usuários de jogos eletrônicos podem apresentar alterações fisiológicas e comportamentais devido a sua utilização, caracterizando, dessa forma, uma possível dependência9. É sugerido, ainda, que esse adoecimento causa mudanças estruturais no cérebro do usuário (aumento de massa cinzenta na região talâmica), de acordo com estudos de neuroimagem por ressonância magnética estrutural10. Esses dados podem despertar o interesse de profissionais que busquem estratégias no tratamento para os dependentes de jogos eletrônicos, o que reforça a possibilidade de sua inserção no DSM-V no grupo do transtorno do controle dos impulsos11 (assim como a dependência de Internet12).

Em relação aos dados epidemiológicos, observam-se resultados distintos na literatura científica, variando de acordo com a localização e o instrumento utilizado para colher os dados. Um estudo holandês conduzido com adolescentes entre 13 e 16 anos aponta uma amostra de 3% como dependente de jogos eletrônicos13, dado semelhante ao encontrado na Alemanha (3.5%)14.

Um estudo conduzido por Griffiths e Hunt15, em 1998, no Reino Unido, com adolescentes (N=387, 58% homens, 42% mulheres) constatou que 20% da amostra apresentou sintomatologia condizente com a dependência de jogos eletrônicos e que pessoas do sexo masculino jogam significantemente mais que as mulheres, sendo mais propensos a adquirirem tal característica. Outro estudo, proposto por Fisher, indica que 6% da população estudada (N=460, 48% homens, 52% mulheres) eram definidos como jogadores patológicos e que homens jogavam mais do que as mulheres, porém não havendo diferenciação de gênero no grupo de jogadores patológicos16.

Pesquisas com alemães (UP=9.3%)14 e noruegueses (UP=4.1%)17 obtiveram valores distintos. Este último estudo ainda apresentou outros resultados: 56.3% da amostra possuía uso adaptativo de

jogos eletrônicos e 0.6% foram considerados dependentes, segundo eles uma fase posterior ao uso problemático17. Outra pesquisa neste país revelou que sujeitos do sexo masculino apresentaram um maior resultado amostral de usuários com distúrbios no uso desses jogos18.

No Brasil, poucas informações são conhecidas sobre o uso problemático ou a dependência de jogos eletrônicos19. Desta forma, o objetivo do presente artigo é avaliar o uso problemático de jogos eletrônicos em uma amostra de universitários.

métodos

O presente estudo, quantitativo, descritivo e de corte transversal, foi realizado com 200 participantes, de ambos os sexos, maiores de 18 anos, de diversas áreas de ensino (Humanas, Saúde e Exatas), todos tendo utilizado jogos eletrônicos nos últimos 12 meses e sendo estudantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O primeiro passo consistiu em explicar aos participantes o motivo da pesquisa e seus possíveis benefícios (coletar dados epidemiológicos sobre o uso inadequado de jogos eletrônicos e fornecer informações à população e à comunidade científica sobre esta possível psicopatologia). Após essa fase inicial, o sujeito que aceitou participar do estudo assinou um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), devidamente aprovado pelo comitê de ética da UFPE, conforme os princípios da declaração de Helsinki. Houve recusa de 61 sujeitos, que não mostraram interesse ou disponibilidade para participar da pesquisa.

Foi utilizada uma escala anônima e de auto-preenchimento na qual constavam nove perguntas sobre o uso de jogos eletrônicos (com respostas do tipo “sim” ou “não”), denominada Problem Video Game Playing (PVP)20, que foi traduzida livremente para o português uma vez que não há tradução e adaptação transcultural da escala no Brasil.

A coleta dos dados foi realizada na UFPE, nos diversos centros que a compõem. A escala foi

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aplicada em áreas de jardins, em salas de aula, em refeitórios e em outros espaços de convívio dos estudantes. Todos os participantes foram abordados de forma aleatória. Para a análise dos resultados foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences v.18. (SPSS). Foi realizado um estudo estatístico para observar como se comportou a distribuição dos dados levando em conta o cruzamento entre as variáveis, sendo aplicados os testes de Fisher e de correlação de Pearson, sendo considerado p<0.05 para significância estatística.

ResultAdos

A Tabela 1 revela características sociodemográficas da amostra. A grande maioria dos usuários pertence ao sexo masculino (68%), com idade condizente com a faixa etária de adultos jovens (M=21.1). A área de ensino abordada com maior frequência foi a de Humanas (54%) com maioria dos usuários cursando 5º período ou superior (36%).

abela 1. Características sociodemográficas dos estudantes universitários de acordo com a prática de jogos eletrônicos

   estudantes que jogaram nos últimos 12 meses (n =200)

      n %

sexo

masculino 136 68,0%

Feminino 64 32,0%

idade

17-19 72 36,0%

20-22 84 42,0%

23-25 35 17,5%

26-28 5 2,5%

29-31 2 1,0%

32 ou mais 2 1,0%

curso

exatas 51 25,5%

saúde 41 20,5%

Humanas 108 54,0%

período no curso

1º 35 17,5%

2º 38 19,0%

3º 22 11,0%

4º 28 14,0%

5º ou mais 72 36,0%pós-graduação   5 2,5%

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A Tabela 2 revela alguns dados relacionados às pontuações obtidas pelos usuários na PVP e à época em que começaram a jogar, destacando-se os usuários que disseram, no questionário, ter

começado a jogar entre zero e seis anos de idade (n=47, M=4, DP=1.55), e que tiveram sua norma entre 3 e 5 pontos, valores superiores aos obtidos pelos demais grupos.

tabela 2. Idade em que começou a jogar e sua relação com o uso problemático de jogos eletrônicos na vida adulta*

dados obtidos   Faixa etária

0-6 anos 7-13 anos 14-17 anos 18+ anos

total de indivíduos 47 108 31 14

Uso problemático 18 31 11 1

Uso problemático (%) 38% 29% 35% 7%

média 4,00 3,19 3,29 1,93

desvio-padrão 1,55 1,91 2,15 1,73

variância (v) 2,34 3,63 4,46 2,78

desvio Quartil (Q1) 3,00 1,00 1,00 1,00

desvio Quartil (Q3)   5,00 5,00 5,00 2,00

*baseado na quantidade total de respostas afirmativas aos itens por cada sujeito, sendo considerado uso problemático escores igual ou maiores a 5 pontos.

Em seguida, a Tabela 3 revela que a maior parte dos usuários que apresentou uso problemático (marcação de resposta positiva em pelo menos cinco itens no PVP) é do sexo masculino. Dos 136

homens que colaboraram com a pesquisa, 34.56% apresentou uso problemático de jogos eletrônicos (M=3.55, DP=1.94), contra os 21.88% do sexo feminino (M= 2.78, DP=1.86).

tabela 3. Sexo do usuário e sua relação com o uso problemático de jogos eletrônicos*

dados obtidos   sexo

Feminino   masculino

total (n) 64 136

Uso problemático 14 47

Uso problemático em % 21,88% 34,56%

média 2,78 3,55

desvio padrão 1,94 1,86

variância (v) 3,70 3,44

desvio Quartil (Q1) 1,00 2,00

desvio Quartil (Q3)   4,00   5,00

*baseado na quantidade total de respostas afirmativas aos itens por cada sujeito, sendo considerado uso problemático escores igual ou maiores a 5 pontos.

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Os resultados da escala Problem Video Game Playing (PVP) constam na Tabela 4, obtendo-se o coeficiente de correlação de Pearson de 0.78, com uma diferença estatisticamente significativa (p<0.05), e coeficiente alfa de Cronbach 0.65. Considera-se um score de pelo menos cinco respostas positivas para que haja uma hipótese de uso excessivo de jogos eletrônicos20, sendo tal score encontrado nessa população em 30.5% da amostra (M=3.3, DP=1.9), parcela que obteve maior marcação nos itens I, III, VI e IX, que remetem, respectivamente, a inquietação

(83.4%), a perda de controle (78.7% e 91.8%) e a problemas no âmbito familiar ou escolar (98.4%), sendo os itens VI e IX de grande incidência também na população com scores abaixo de cinco (68.3% e 66.9%). Por outro lado, também foi observada a baixa marcação no item IV (relativo a sinais de abstinência) pela população geral do estudo (7%), sendo que todos que assinalaram essa questão estavam classificados no grupo de uso problemático de jogos eletrônicos e possuíam scores médios de 6.75.

tabela 4. Distribuição de respostas de estudantes universitários na escala PVP de acordo com a frequência de jogo

                escores obtidos na escala pvp*

até 4 pontos acima de 5 pontos total

(n=139) (n=61) (n=200)

                n %   n %   n %

I – Quando não estou jogando jogos eletrônicos, fico pensando nos jogos (relembrando jogadas, planejando o próximo jogo etc). 34 24,5 51 83,6 85 42,5

II – tenho gasto um tempo cada vez maior jogando. 5 3,6 25 41,0 30 15,0

III – Já tentei controlar, diminuir ou parar de jogar, ou normalmente jogo por um período mais longo do que havia planejado. 36 25,9 48 78,7 84 42,0

IV – Quando eu não posso jogar, fico inquieto ou irritado. 0 0,0 14 23,0 14 7,0

V – Quando estou mal, isto é, nervoso, triste ou bravo, ou quando estou com problemas, eu jogo mais frequentemente. 42 30,2 34 55,7 76 38,0

VI – Quando perco um jogo ou não alcanço os resultados desejados, preciso jogar de novo para alcançar meus objetivos. 95 68,3 56 91,8 151 75,5

VII – Às vezes jogo escondido de outras pessoas, isto é, de meus pais, amigos, professores... 3 2,2 19 31,1 22 11,0

VIII – Para jogar jogos eletrônicos, já fiz pelo menos uma das seguintes coisas: faltei em aulas ou no trabalho, menti, roubei, discuti com alguém.

13 9,4 33 54,1 46 23,0

IX – devido a jogar jogos eletrônicos já fiz pelo menos uma das seguintes coisas: fiz menos ou deixei de fazer lição de casa, trabalhos na faculdade, deixei de comer, fui dormir muito tarde, passei menos tempo com amigos e família.

93 66,9   60 98,4   153 76,5

*baseado na quantidade total de respostas afirmativas aos itens por sujeito

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dIscussão

O presente estudo buscou trazer dados epidemiológicos à comunidade científica em relação ao uso problemático de jogos eletrônicos. Os dados encontrados, de acordo com o preenchimento da PVP, devem ser analisados atentamente pelos profissionais de saúde, ainda que não possamos, a partir dela, diagnosticar um sujeito como dependente ou não de jogos eletrônicos, servindo a escala como instrumento de apoio em uma investigação sintomatológica com o paciente. Apesar da escassez de estudos sobre a incidência de uso problemático de jogos eletrônicos no Brasil, acreditamos que a porcentagem encontrada na presente pesquisa foi maior do que o esperado a partir dos dados obtidos da literatura científica.

Ao observar a confiabilidade do questionário PVP, obtivemos em análise estatística um satisfatório coeficiente de correlação de Pearson de 0.78, e validade de constructo inferior a 0.05. Quanto ao alfa de Cronbach encontrado (0.65), considera-se alfa de 0.60 aceitável, desde que os resultados obtidos com esse instrumento sejam interpretados com precaução e tenham em conta o contexto de computação do índice21. Deve-se ter também cautela na análise dos dados devido ao limitado número de participantes, que impossibilitou ou não tornou confiáveis algumas comparações ou o estabelecimento de relações causais através da sua aplicação22.

Foi observado, inicialmente, que o uso problemático de jogos eletrônicos (UP=30.5%) foi superior aos dados encontrados em outras localidades do mundo, inclusive em Griffiths e Hunt (UP=20%)20. Porém, acreditamos que essa diferença significativa se deva a três causas aparentes: um avanço nos padrões de fidedignidade das escalas que meçam o uso problemático ou a dependência de jogos eletrônicos; a diferença de contexto social onde as pesquisas foram realizadas; a diferença entre a distribuição da população desse estudo (68% homens, 32% mulheres) e a dos estudos de Fisher (48% homens, 52% mulheres16) e Griffiths e Hunt (58% de homens, 42% de mulheres)20 o qual ainda indica

maior propensão do sexo masculino em apresentar sintomatologia correspondente ao uso problemático de jogos eletrônicos, fato este ainda corroborado por outras pesquisas que sugerem que a dependência de jogos eletrônicos é predominante em sujeitos do sexo masculino22,23.

É importante mencionar a possibilidade de falhas interpretativas, devido a um possível uso equivocado, pelos autores, de uma concepção de dependência tecnológica vigente há quase 15 anos, assim como à modificação do contexto atual, que possibilita maior acesso a esse tipo de mídia. Os dados da década de 90, porém, também revelavam que o sexo masculino apresenta uma maior incidência de dependentes, dado que se manteve em estudos atuais.

Não apenas o sexo do usuário parece ser um fator de maior atenção no desenvolvimento de uso problemático de jogos eletrônicos na vida adulta. Há indícios de que, quanto mais cedo o usuário tem contato com esse universo virtual, maiores são as chances de desenvolver uso problemático posteriormente, haja vista os dados obtidos (M=4, DP=1.55) e a norma entre 3 a 5 pontos, superiores às outras populações que começaram a jogar tardiamente. No entanto, tal diferença não foi expressa significativamente na incidência de usuários com uso problemático nessas populações, fato que pode ter ocorrido pela limitada quantidade de participantes. Desta forma, consideramos que essa correlação deveria ser estudada com maior ênfase, principalmente pelo fato de pesquisadores defenderem que o fator crucial em relação à dependência de jogos eletrônicos é a prevenção através do monitoramento da prática24.

Foi observado que a população com scores superiores a 5 apresentaram grande incidência de marcações nos itens I, III, VI e IX. O item I, referente à inquietação (83.4%), caracteriza o indivíduo que pensa no jogo enquanto não tem acesso a ele. Tal aspecto pode ser preocupante, por poder desencadear problemas no âmbito acadêmico, sendo corroborado pelo item IX, relativo a problemas no âmbito escolar e familiar (98.4%). Esses dois

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itens sinalizam a necessidade de estudos a respeito do quanto os indivíduos estão abertos para outras experiências e da possibilidade da utilização de jogos eletrônicos servir como objeto de fuga de possíveis conflitos.

No mesmo sentido, observa-se que os itens VI e IX obtiveram elevada incidência, tanto pelos usuários com uso problemático (78.7%, 91.8%) como pelo resto da população (68.3%, 66.9%). Como ambos os itens se caracterizam pela perda de controle na relação do usuário com jogos eletrônicos, tal fator denota um possível efeito de amplo alcance do jogo no usuário, levando-o a gastar cada vez mais tempo nele, o que pode ter reflexo posterior sobre os outros âmbitos da vida do indivíduo. Porém, tal aspecto necessita de um estudo específico para comprovação. Também é importante mencionar que, no tocante ao preenchimento da PVP, compartilhamos a sugestão dos autores da escala de que o item VI necessita de avaliação através de uma análise fatorial19.

Por outro lado, observou-se na população total a baixa incidência na marcação do item IV, relativo a sinais de abstinência (7%) assinalados apenas por usuários com indicação de uso problemático em jogos eletrônicos. Tal fator pode ser um indício para avaliar maior propensão à dependência de jogos eletrônicos, corroborado pelos altos scores encontrados nos usuários que assinalaram positivamente esse item (M=6.75) e com um valor próximo ao que foi encontrado em Fisher (6%)16.

Diante do que foi relatado até então, acreditamos ser fundamental uma análise mais detalhada dos sinais que são apontados no questionário, especialmente pelo fato de não ser possível realizar um diagnóstico apenas através dele. É comum, infelizmente, que pesquisadores se detenham no uso excessivo como o critério mais importante na dependência de jogos eletrônicos. Entretanto, ela só pode ser considerada quando o sujeito é incapaz de controlar o tempo despendido no uso e a frequência de uma atividade que anteriormente fosse considerada inofensiva25.

conclusão

A maioria dos participantes aceitou contribuir com o estudo, o que revela um aparente interesse sobre o tema pelos alunos da UFPE. Contudo, a pesquisa foi realizada em apenas uma Instituição de Ensino Superior de Pernambuco, o que impossibilita generalizar os resultados. Apesar dessa limitação, constatamos que a incidência de uso problemático foi elevada entre os jogadores. Através dos resultados deste artigo, pode-se ilustrar um possível cenário psicopatológico, onde a existência desse transtorno psiquiátrico se apresenta como realidade no meio acadêmico.

Por fim, o uso problemático de jogos eletrônicos e, em sua manifestação mais debilitante, a dependência, são aspectos que necessitam ser visitados por mais pesquisadores brasileiros. Atualmente, são raros os estudos epidemiológicos realizados sobre esse assunto no país, o que dificulta o mapeamento de possíveis usuários adoecidos pelo uso desadaptativo de jogos eletrônicos, tornando ainda mais difícil a criação de protocolos de tratamento em diversos centros universitários do Brasil. Desta forma, este estudo indica possibilidades para futuras pesquisas.

AgRAdecImentos

Agradecemos aos estudantes do curso de Psicologia da UFPE que auxiliaram na construção e viabilizaram este estudo. Também somos gratos ao financiamento da pesquisa através da bolsa REUNI de assistência ao ensino.

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