teoria geral do processo

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Material Terico

Teoria Geral do Processo (TGP)Aula 1Significado de Direito Processual e os Princpios do Direito ProcessualProf. Reinaldo Zychan de Moraes (Tutor) Prof. Wagner Antonio Alves e Marlene Lessa (Conteudistas) Prof. Viana (Coordenador de Curso)

cod TGPCDSG1108_a01

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O Significado do Direito Processual e os Conceitos Elementares que o Permeiam

a) Introduo

O homem vive em sociedade e s pode assim viver; a sociedade mantm-se apenas pela solidariedade que une seus indivduos. Assim uma regra de conduta impe-se ao homem social pelas prprias contingncias contextuais, e esta regra pode formularse do seguinte modo: no praticar nada que possa atentar contra a solidariedade social sob qualquer das suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade propcia a desenvolv-la organicamente. O direito objetivo resume-se nesta frmula, e a lei positiva, para ser legtima, deve ser a expresso e o desenvolvimento deste princpio. (...) A regra de direito social pelo seu fundamento, no sentido de que s existe porque os homens vivem em sociedade1.

A vida em sociedade exige a observncia de dois vocbulos: partilhar e conviver. Ocorre que o indivduo, em sua essncia, tende a privilegiar: o que seu, de seu interesse ou do interesse de seu grupo. Da aparecem os conflitos. O papel do Direito, neste contexto, exatamente ordenar a sociedade, harmonizar os interesses, evitar desgaste e sacrifcio excessivos entre os membros da sociedade.

Mas certo que o litgio sempre existiu e sempre existir.

Max Weber em sua conhecida obra sobre as cincias sociais do sculo XX2 descreve os instrumentos de dominao, dos primrdios das civilizaes at a sociedade moderna, relatando que dominao, no sentido muito geral de poder (...), a possibilidade de impor ao comportamento de terceiros a vontade prpria.Max Weber (1864-1920)

DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. Reviso e Traduo: Mrcio Pugliesi, So Paulo: cone, 1996. p.25-26. 2 WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva; traduo de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Braslia, DF: Editora Universidade de Braslia, 1999. p.188.

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Assim, a imposio de vontades entre os sujeitos - visando satisfao de suas necessidades e interesses, levam insegurana social, caso o conflito no seja resolvido. Esta demonstrao de que os interesses e as pretenses podem convergir, sem uma resoluo amigvel ou espontnea, chama-se lide, para a doutrina tradicional3. No Brasil, por exemplo, podemos apontar a questo das terras indgenas como uma convergncia de interesses. Desde a chegada dos portugueses s terras descobertas, litgios nascem e renascem:

CASO RESERVA RAPOSA SERRA DO SOL EXMO. SR. MINISTRO RELATOR DO SUPREMO TRIBUNAL DR. CARLOS AYRES BRITTO Alguns homens agem feito gafanhotos em nossas terras - vem come, destroem e vo embora, deixando o roado destrudo. Agem feito o formigo Tracoar, cuja fome to absurda que comem toda a floresta e animais. E, com muita sede, secam os rios, destruindo a morada dos peixes. Feito tatus vorazes, brocam e remexem a terra em busca de mais alimentos (minrios), despejando seus excrementos (agrotxicos, mercrios) nos rios matando os peixes. Insaciveis, furam a terra, libertando os espritos causadores de doenas (dengue, clera, malria) que se espalham pelo ar e pelos rios... (Penaron Makuxi)

Ao Popular n 3388

Podemos, ento, apontar o litgio como o conflito de interesses ou a incompatibilidade entre interesses colocados em uma relao.

Visando impedir que a lei do mais forte impere sobre a do mais fraco, o direito surge, como regulador das relaes sociais (ubi societas ubi jus).

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Lide para Carnelluti o conflito de interesses, qualificado por uma pretenso resistida ou insatisfeita.

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b) Direito Processual

o ramo do Direito Pblico que consiste na reunio dos institutos, das regras e dos princpios que definem a atividade jurisdicional estatal e o modo de soluo dos conflitos surgidos no meio social, abrangendo o exerccio do direito de ao e o processo, como instrumentos para se obter a paz na sociedade.

Portanto, ao conjunto de atos das partes, do juiz e de seus auxiliares, at a final soluo da lide, obedecendo a um sistema de normas legais e princpios, fazendo com que esses atos processuais se desenvolvam de modo ordenado e no arbitrariamente, chama-se Direito Processual ou Direito Judicirio.

c) Processo

Vimos que cabe ao direito prevenir e resolver o conflito de interesses intersubjetivos, harmonizando, pacificando, trazendo segurana aos entes da sociedade. O fim a ser alcanado a paz social e, sobretudo, a justia4. Mas, como obter a proteo judicial? Como efetivar um direito, ou ainda, como conseguir a aplicao do que justo em cada caso?

O interessado procura a Justia... Ele est atrs de assistncia, amparo, defesa e proteo de seus direitos. Ele precisa da tutela jurisdicional, ele precisa de um julgador imparcial que examinar seu pedido e far com que este direito seja efetivado. O rgo encarregado de apreciar este pedido o Poder Judicirio.

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Para Justiniano dar a cada um o que seu.

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Ocorre que existe uma forma, um meio para se receber esta tutela do Estado Juiz. A entramos no que se denomina de processo. O processo, tradicionalmente, visto como o instrumento democrtico atravs do qual a jurisdio se opera5.

Cada interesse ou direito apreciado pelo rgo jurisdicional de uma forma ordenada, sequencial, permitindo ao julgador conhecer a realidade demonstrada, ao mesmo tempo em que propicia aos envolvidos sua manifestao, defesa e participao.

Hoje, devemos lembrar que os interesses em jogo no so apenas individuais (de um sujeito ou indivduo, isoladamente). Os interesses podem ser coletivos (de um grupo de pessoas) ou ainda, difusos (interesses difundidos, espalhados pela sociedade e que a afetam indiscriminadamente, ultrapassando a pessoa do indivduo e alcanando indeterminados sujeitos). Para cada interesse em conflito o rgo jurisdicional dever entregar a proteo que buscada, atravs do processo.

O processo o palco no qual devem se desenvolver, em estruturao equilibrada e cooperadora, as atividades do Estado (jurisdio) e das partes (autor e ru)... O processo o ponto de convergncia e de irradiao. nele e por meio dele que algum pode pleitear a afirmao concreta de seu direito. mediante o processo que o juiz, como rgo soberano do Estado, exerce a sua atividade jurisdicional e busca, para o caso, a soluo mais justa6.

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Ada Pellegrini Grinover, Cndido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos Arajo Cintra.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional 5ed. Ver., atual. E ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 35.

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Para a atual corrente INSTRUMENTALISTA: o processo o instrumento para que seja alcanada a paz social, observado o ordenamento jurdico. , portanto, o meio de exerccio do poder jurisdicional. Processo o um procedimento apontado a fim de cumprir a funo jurisdicional, que se apresenta como relao jurdica, vnculo que a norma de direito estabelece entre o sujeito do direito e o sujeito do dever. o instrumento para soluo da lide (COUTURE)7.

Estudiosos, como o Prof. Aroldo Plnio Gonalves, aceitam a teoria de Elio Fazzalari, para qual a definio de processo no pode ser restringida. Ele defende que:

Pelo critrio lgico, as caractersticas do procedimento e do processo no devem ser investigadas em razo de elementos finalsticos, mas devem ser buscadas dentro do prprio sistema jurdico que os disciplina. E o sistema normativo revela que, antes que distino, h entre eles uma relao de incluso, porque o processo uma espcie do gnero procedimento, e, se pode ser dele separado por uma diferena especfica, uma propriedade que possui e que o torna, ento, distinto, na mesma escala em que pode haver distino entre gnero e espcie. A diferena especfica entre o procedimento em geral, que pode ou no se desenvolver como processo, e o procedimento que processo, a presena neste do elemento que o especifica: o contraditrio. O processo um procedimento, mas no qualquer procedimento; o procedimento de que participam aqueles que so interessados no ato final, de carter imperativo, por ele preparado, mas no apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditrio entre eles, porque seus interesses em relao ao ato final so opostos8.

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COUTURE, Eduardo J. Fundamentos Del derecho processual civil.3 ed Buenos Aires: Depalma, 1993.

GONALVES, Aroldo Plnio. Tcnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p. 60.

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Elio Fazzalari9 apresenta a estrutura do PROCEDIMENTO detalhada a seguir, com grande aceitao por muitos doutrinadores brasileiros:

a) srie de normas atravs da qual se regulamenta a produo do ato final, que, normalmente, se trata de um provimento, ou mero ato. Cada norma regula uma determinada conduta (qualificada como lcita ou devida), mas enuncia-se como pressuposto para a execuo de uma conduta regulada por outra norma; b) o procedimento apresenta-se como uma sequncia de atos, previstos e valorados pela norma; c) o procedimento compe-se de uma srie de faculdades, poderes e deveres: quantos e quais, so as posies subjetivas, que se obtm pela norma em questo. Portanto, para a corrente de FAZZALARI h a concepo de que o procedimento uma srie ou sequncia de normas, atos e posies subjetivas, que se conectam e inter-relacionam em um complexo normativo, constituindo a fase preparatria de um provimento, visto como ato final de carter imperativo (Profa. Flaviane de Magalhes Barros Pellegrini)10. Mas, para o Prof. Scarance Fernandes h o elemento participao como imprescindvel no mbito processual:

Todavia, preciso evidenciar que na tessitura processual no h s poderes, faculdades, direitos, deveres, nus e sujeio das partes e do juiz. As situaes nele configuradas no so formadas s pelas posies jurdicas destes trs sujeitos processuais. O provimentos, como ato estatal, no se dirige apenas a autor e ru, mas para a toda comunidade, qual interessa a correta administrao da justia. A prpria legitimao do provimento decorre da possibilidade de outros trazerem a juzo informaes necessrias para a correta apreenso daquele trecho da realidade, objeto de apreciao judicial. O processo no s procedimento e contraditrio; procedimento, contraditrio e participao. A idia de contraditrio no abrange a de participao, sendo esta de mbito maior. O contraditrio efetiva-se mediante a participao das partes e do juiz. Todavia, no participam do processo s estes sujeitos, mas tambm a vtima, as testemunhas, os peritos, os advogados etc.11.

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GONALVES, Aroldo Plnio. Op. Cit. p. 77 e 78. O procedimento pode ser encarado, portanto, como um conjunto de atos ligados entre si em razo de um efeito final. 11 FERNANDES. Antonio Scarance. Op. Cit. p. 46.10

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Podemos, com base nas discusses existentes, apontar que o processo o instrumento por meio do qual se provoca a jurisdio a fim de que esta, atravs de um provimento jurisdicional, proporcione ao jurisdicionado o bem da vida por ele pretendido ou a tutela do direito que afirma possuir12.

Assim, podemos verificar que o processo est ligado ao exerccio do poder do Estado, uma vez que ser o ente estatal quem submeter a vontade do vencido na lide, a do vencedor, efetivando e concretizando a tutela prestada.

d) Jurisdio

Art. 1o A jurisdio civil, contenciosa e voluntria, exercida pelos juzes, em todo o territrio nacional, conforme as disposies que este Cdigo estabelece(Cdigo de Processo Civil).

Art. 1o O processo penal reger-se-, em todo o territrio brasileiro, por este Cdigo, ...(Cdigo de ProcessoPenal).

Sabemos que o objetivo do Estado o BEM COMUM. Para desempenhar a funo de pacificar conflitos e exercer a Justia, o Estado possui a funo jurisdicional, a funo de julgar, de decidir imperativamente e impor suas decises - enquanto a legislativa construir normas abstratas e a executiva administrar e gerir o poder estatal13.

COLNAGO, Rodrigo. SOUZA, Josyanne Nazareth. Processo civil 3:processo cautelar. So Paulo: Saraiva, 2008 Coleo estudos direcionados. Fernando Capez, coordenador. P.7. 13 A diferenciao entre poderes / funes do Estado foi concebida primeiramente por Aristteles e ento formulada como um princpio por Montesquieu.

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Portanto, para a doutrina tradicional, a funo jurisdicional a aplicao, pelo Estado Juiz, da lei ao caso concreto, visando, precipuamente a resoluo de lides sociais trazidas a seu conhecimento (Chiovenda).

JURIS (Direito) + DICTIONES (dizer, dico) = JURISDIO

A tutela jurisdicional a PROTEO que se proporciona ao jurisdicionado por meio do exerccio da jurisdio14. Na viso da doutrina instrumentalista no basta solucionar a lide, relevante sociedade o COMO efetivar, como cumprir ou fazer valer a deciso prolatada. A Prof. Ada Pellegrini Grinover discorre que o processo tradicional vem sendo marcado por profundas alteraes metodolgicas, passando (a) do plano abstrato ao concreto, (b) do plano nacional ao internacional e (c) do plano individual ao social. Acredita que as normas processuais hoje migram do ABSTRATO ao CONCRETO, j que o processo deve ter resultados prticos (exemplos: a tutela antecipada, a ao monitria, etc.). a EFETIVIDADE do PROCESSO. Ainda, sob o mesmo prisma, as normas processuais saem do plano estritamente nacional incentivando provimentos jurisdicionais em outros Estados soberanos (como exemplo, cumprimento de cartas rogatrias, homologaes de decises estrangeiras, etc), inserindo os meios processuais na globalizao. o efeito do NACIONAL no plano INTERNACIONAL. E finalmente, as normas processuais valoram no s o individual (que era a tnica dos sculos XIX e XX), mas ampliam a proteo aos direitos e anseios SOCIAIS.

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COLNAGO, Rodrigo. Op. Cit. p.7. 9

O processo INDIVIDUAL, para a renomada processualista, foi se transformando em um processo destinado a atender tambm a grupos, categorias e classes de pessoas, no que se refere, sinteticamente, qualidade de vida (direito ao ambiente sadio, a relaes de consumo equilibradas, ao respeito ao usurio de servios pblicos, segurana dos investidores, etc.)15. So exemplos, o mandado de segurana coletivo, ao civil pblica, juizados especiais de pequenas causas, sistema de proteo processual do Cdigo de Defesa do Consumidor, entre outros. Atualmente defende-se, ainda, que a jurisdio seria a funo do Estado de declarar e realizar, de forma prtica, a vontade da lei diante de uma situao jurdica controvertida16.

A jurisdio teve seus atributos ampliados e detalhados. Ela : Poder - manifestao do poder estatal, ao decidir imperativamente e impor suas decises (Cndido Rangel Dinamarco). Funo porque expressa o encargo que tm os rgos estatais em promover a pacificao de conflitos, mediante a realizao do direito justo17. Atividade - a jurisdio exercida atravs do processo complexo de atos praticados pelo juiz, exercendo o poder e cumprindo a funo que a lei determina, substituindo a atividade exclusiva das partes, mas sem descartar a participao dos interessados.

Invoca-se, da concepo de jurisdio, as seguintes caractersticas: Substitutividade: os atos do juiz substituem o agir das partes Imparcialidade: o rgo judicante deve atuar sem favorecer qualquer das partes Lide (conflito de interesses) Atuao estatal una (o Estado possui como uma de suas atividades tpicas, a jurisdicional; a jurisdio uma s, uma unidade, porque decorre da soberania do Estado) Definitividade (Princpio da segurana jurdica art. 5, XXXVI CF, o que restou definitivamente julgado no pode ser atacado novamente18) Inrcia (a atuao do rgo jurisdicional deve ser provocada, mas h excees que permitem a atuao ex officio, ou seja, direta do juiz, do rgo oficial).

Cintra, Antnio Carlos de Arajo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. So Paulo: RT. 7. Ed ampl e atual, 1990. 16 THEODORO JNIOR, Humberto.Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro:Forense, 2003, vol 1. 17 Cintra, Antnio Carlos de Arajo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cndido Rangel. Op. Cit. 18 Na ao rescisria no h ofensa ao princpio constitucional mencionado porque o rol da rescisria taxativo e, portanto, quando a sentena padece de vcio grave, obtm-se sua desconstituio pelo controle de vcios (Nery, Nelson. Cdigo de Processo Civil Comentado e legislao extravagante -7. ed. rev. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

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A doutrina expe ainda, os princpios da jurisdio: Do juiz natural (art. 5, LIII CF, garantia constitucional: art. 5., XXXVII) Da indeclinabilidade da prestao jurisdicional (art. 5.XXXV CF e art. 126 CPC19) Da imparcialidade Da investidura (somente a autoridade investida no cargo de juiz poder exercer a jurisdio) Da indelegabilidade (o rgo jurisdicional no pode delegar suas funes) Da inevitabilidade (quando provocada, a jurisdio impe-se s partes, independente de suas vontades); Correlao (o julgamento deve estar atrelado ao pedido, no pode ir alm do que foi pedido no processo - ultra petita, nem extravas-lo - extra petita); Da celeridade processual.

e) Outras Formas de Resoluo de Conflitos

Convm destacar que no s, atravs da jurisdio, que podem ser resolvidos os conflitos. Existem outras formas para pacificar interesses que se chocam:

AUTOTUTELA Baseia-se em motivos excepcionais, pelos quais so legitimadas condutas unilaterais, invasoras da esfera de liberdade alheia, principalmente na impossibilidade fsica do Estado-juiz estar presente sempre que um direito esteja sendo violado ou ameaado de s-lo.

O juiz em se deparando com uma lacuna na lei deve optar por utilizar normas escritas primeiramente (analogia: aplicao de outra norma prevista para caso semelhante), depois os costumes (quando integrados ao sistema normativo praeter legem) e finalmente, os princpios gerais do direito (regras existentes na cincia jurdica, como economia processual, no reformatio in pejus etc.)

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Exemplos vigentes no nosso sistema jurdico: O desforo in continenti ou defesa imediata da posse, prevista no art. 1210, 1 do Cdigo Civil assegura a legtima defesa, por intermdio de fora pelo prprio titular do bem, quando este se vir esbulhado ou turbado em sua posse. Outro exemplo o de reteno, tambm no Cdigo Civil, em suas diversas formas:

Art. 1.219. O possuidor de boa-f tem direito indenizao das benfeitorias necessrias e teis, bem como, quanto s volupturias, se no lhe forem pagas, a levant-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poder exercer o direito de reteno pelo valor das benfeitorias necessrias e teis. Art. 1.433. O credor pignoratcio tem direito: I - posse da coisa empenhada; II - reteno dela, at que o indenizem das despesas devidamente justificadas, que tiver feito, no sendo ocasionadas por culpa sua (...).

H o direito de cortar razes e ramos de rvores limtrofes quando estas ultrapassam a extrema do prdio confinante:

Art. 1.283. As razes e os ramos de rvore, que ultrapassarem a estrema do prdio, podero ser cortados, at o plano vertical divisrio, pelo proprietrio do terreno invadido.

Todavia, a chamada autotutela s encontra amparo legal em casos excepcionalssimos, porque h muito foi abandonado o sistema de soluo pela fora. Na esfera penal pode ser apontada a priso em flagrante como exemplo. Qualquer um do povo pode prender quem se acha em flagrante delito (art. 312 do Cdigo de Processo Penal). H a imposio da fora bruta, de modo excepcional, para defesa do direito que est ameaado.

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AUTOCOMPOSIO

Na autocomposio, outra forma de resoluo de conflitos, as partes envolvidas optam por renunciar a parte ou integralidade de seus interesses, sacrificando suas necessidades para transacionar.

Pode ser extraprocessual, quando realizada, sem a atuao estatal. Pode ser endoprocessual quando realizada dentro de um processo. So exemplos: a Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas; a transao, submisso, a desistncia, entre outros.

ARBITRAGEM

Na interveno de terceiros, outro modo de finalizar um conflito, h a escolha de um julgador imparcial. Pode ser exercido por um rbitro ou pelo poder estatal (processo).

Atualmente, a arbitragem est sendo cada vez mais utilizada, como meio eficaz e clere de dirimir pendncias.

A arbitragem prevista na Lei 9.307/96 regulamenta a soluo privada dos conflitos, levando a lide para conhecimento e resoluo atravs de rbitros, previamente convencionados e remunerados pelos interessados. Diz a lei em seu art. 3 que: As partes interessadas podem submeter a soluo de seus litgios ao juzo arbitral mediante conveno de arbitragem, assim entendida a clusula compromissria (em estipulao contratual prvia, as partes convencionam que, em caso de eventual litgio, seja a arbitragem a forma escolhida de resoluo de conflitos daquele contrato) e o compromisso arbitral (submisso das partes a rbitro, por conveno, quando o conflito de interesses se encontra configurado). A arbitragem no ofende ao princpio constitucional de acesso Justia (XXXV, art. 5 CF) tendo em vista que o direito de ao no um dever de ao20, permitindo a livre disposio de direitos e bens atinentes aos direitos patrimoniais.20

Nery, Nelson. Op. Cit. p. 137.

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f) Direito de Ao

O interessado, para receber a tutela do magistrado, em um caso concreto, deve solicit-la expressamente, acionando, provocando a atuao estatal. O art. 5o., inciso XXXV diz que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito.

Ocorre que, uma das caractersticas da jurisdio a inrcia, ento o exerccio do direito de ao deve ser realizado, para movimentar a tutela estatal CPC: art.2o Nenhum juiz prestar a tutela jurisdicional seno quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.

O direito de ao, segundo MISAEL MONTENEGRO FILHO, se refere prerrogativa conferida a todas as pessoas, de direito pblico e de direito privado, naturais e jurdicas, inclusive entes despersonalizados (massa falida, condomnio e esplio, principalmente), de solicitar ao representante do Estado que pacifique o conflito de interesses21.

Direito Material e Direito Processual

Enquanto o direito material envolve normas que regulam relaes entre as pessoas para com os bens e utilidades da vida (Ex. Cdigo Civil constitui normas de direito material: direito de ser indenizado pelo causador de um dano, por exemplo; Cdigo Penal descreve as condutas que configuram crimes), o direito processual cria e regula o exerccio de meios jurdicos, para aplicar a lei, resolver o caso concreto e aplicar a justia (Ex. quais recursos so cabveis, quais prazos esto previstos para manifestao no processo, etc.). Normas jurdicas materiais ou substanciais so as que regem os conflitos de interesses entre as pessoas, contrabalanando qual deve ser sacrificado e qual deve prosperar. Ex. o ladro ter seu direito de liberdade sacrificado em prol da segurana da sociedade (pblica).

Normas jurdicas processuais ou adjetivas so as que regulam o processo e determinam como resolver o pedido, utilizar os meios de defesa, recursos, provas, entre outros. pautado pelo interesse coletivo e pblico.MONTENEGRO FILHO, Misael. Cdigo de processo civil comentado e interpretado So Paulo: Atlas, 2008, p. 33.21

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a) Evoluo da concepo de ao Nem sempre a doutrina entendeu a diferenciao entre direito material e direito processual. Por vrios sculos o direito era entendido como um todo (No h ao sem direito, no h direito sem ao, a ao segue a natureza do direito). A escola clssica, civilista ou imanentista defendia a ao como adjetivo do direito, reao violao de um direito (Savigny). Posteriormente dois estudiosos da Alemanha, Bernhard Windscheid e Theodor Mther, entre 1856 e 1857, travaram uma polmica memorvel entre as diferenas do direito material e o de ao. Mther defendeu a que a ao um direito contra o Estado para se invocar a tutela jurisdicional, portanto, diferente do direito e da violao sofrida no caso concreto. Pela posio defendida por Muther, da ao nasceriam dois direitos, ambos de natureza pblica: o direito do ofendido tutela jurdica do Estado (dirigido contra o Estado) e o direito do Estado eliminao da leso, contra aquele que a praticou. Windscheid, vencido na discusso, concordou com o direito de agir, exercitvel contra o Estado. Mas defendeu haver outro direito exercitvel contra o devedor, sendo um pressuposto do outro. Os direitos seriam diversos, posto ser o primeiro de natureza pblica e o segundo de natureza privada. Assim, ficou dividido o direito material (privado) do direito de ao (direito subjetivo pblico).

Ainda em 1885, na prpria Alemanha, outra teoria da ao surgiu: Teoria CONCRETISTA (Wach, Chiovenda, Barbi) A ao um direito autnomo (diferente do direito material), no necessariamente o direito subjetivo material violado. Dirigese contra o Estado. A ao seria um direito existente nos casos concretos em que existisse um direito subjetivo.

J no sculo XIX outros estudiosos apresentaram suas idias sobre a ao: ABSTRATISTAS (Degenkolb, Plsz, Rocco) A ao s existe no plano abstrato. s o direito de ir a Juzo, o direito autnomo e abstrato de agir; Independe do direito material.

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Hoje, o direito de ao se aperfeioou. No basta o jurisdicionado invocar a tutela estatal: Nosso CDIGO DE PROCESSO CIVIL adotou a TEORIA ECLTICA: Ao direito processual (autnomo em relao ao direito material), mas est conectada com o direito material. o direito de ir a Juzo e o de obter a resoluo concreta do litgio (LIEBMAN): poder de sujeio e instrumentalidade conexo a uma pretenso material.

A ao envolve o direito de ir a juzo, receber o provimento jurisdicional e em tempo oportuno, hbil: Constituio Federal, art. 5o, inciso LXXVIII - a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao.

o chamado direito fundamental da efetividade do processo, direito de acesso justia ou direito ordem jurdica justa. Trata-se da possibilidade de receber uma deciso justa, passvel de ser concretizada eficazmente no plano ftico, em tempo adequado. Nas palavras da Prof. Ada Pellegrini Grinover: a faseinstrumentalista, ora em curso, eminentemente crtica. O processualista moderno sabe que, pelo aspecto tcnico-dogmtico, a sua cincia j atingiu nveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua misso de produzir justia entre os membros da sociedade. preciso agora deslocar o ponto de -vista e passar a ver o processo a partir de um ngulo externo, isto , examinlos nos seus resultados prticos. Como tem sido dito, j no basta encarar o sistema do ponto de -vista dos produtores do servio processual (juzes, advogados,promotores de justia); preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse servio, ou seja, populao destinatria.

b) Ao Vimos que a ao o requerimento ao Estado Juiz para apreciao de uma pretenso, pelo interessado na harmonizao da lide. o direito ao exerccio da atividade jurisdicional22. Por intermdio do exerccio da ao h a provocao da tutela jurisdicional.

. Cintra, Antnio Carlos de Arajo; Grinover, Ada Pellegrini; Dinamarco, Cndido Rangel. OP. Cit., p. 221

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Princpios do Direito Processual

O Direito Processual encontra na prpria Constituio Federal (CF) as premissas de todo o sistema jurdico. Princpios so colocados como regras matrizes de um sistema, de onde brotam as demais normas, servindo para dar uniformidade a todo conjunto (SCARANCE FERNANDES)23. Vamos verificar os princpios mais importantes que a doutrina destaca:

Princpio do Contraditrio e da Ampla Defesa

Art. 5o, LV CF - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Para Carulli24 o conceito lgico do contraditrio pressupe duas figuras, do dizer e do contradizer, e no uma s. Significa dizer que as partes devem ser cientificadas do que ocorre no processo. As partes devem ter oportunidade de questionar, responder e refutar.

H o confronto entre as partes com cincia do que se passa no processo.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5.ed. rev atual e ampl. So Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 13. 24 Carulli, il diritto di difesa dellimputato. Napoli: Jovene, 1967, p. 7-8.

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Princpio da Igualdade

Art. 5, caput CF - Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade (...).

Para Scarance25 o princpio da igualdade coloca as partes em posio de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Determina o mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma posio jurdica (partes; testemunhas, etc). Determina a igualdade de armas no processo, determinando o equilbrio de foras.

Direito a Assistncia Jurdica (Advogado)Art. 5o, LXXIV CF - o Estado prestar assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos; Art. 133, CF - O advogado indispensvel administrao da justia, sendo inviolvel por seus atos e manifestaes no exerccio da profisso, nos limites da lei. Art. 134, CF - A Defensoria Pblica instituio essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindolhe a orientao jurdica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5, LXXIV.

A defesa tcnica um direito indispensvel. A jurisprudncia entende que a paridade condio fundamental para validade do processo. Scarance diz que o direito de defesa ao mesmo tempo garantia da prpria justia, havendo interesse pblico em que todos os acusados sejam defendidos, pois s assim ser assegurado efetivo contraditrio, sem o qual no se pode atingir uma soluo justa.25

FERNANDES, Antonio Sacarance. Op. Cit. P. 68. 18

Princpio do Devido Processo Legal

Art. 5o, IV CF - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Vimos que o processo traduz a possibilidade do juiz, como rgo soberano do Estado, exercer a sua atividade jurisdicional, buscando, para o caso, a soluo mais justa (Scarance). O processo est regulado em lei e atravs deste instituto as partes podem pleitear a afirmao concreta do seu direito.

Princpios da Celeridade Processual e Economia Processual

Art. 5o, LXXVIII CF - a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao

O princpio da economia significa a obteno do mximo resultado na atuao jurisdicional com o mnimo de dispndio que se mostrar possvel. Conjuga-se a relao entre o custo-benefcio.

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Princpio do Juiz Natural

LIII CF - ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridade competente Atravs deste princpio assegurado que o juiz seja imparcial, ou seja, o juiz no deve ser convocado para aquele caso especificado. O julgador deve ter competncia delimitada em lei e ali estar previamente fixado.

SCARANCE aponta que disto decorrem trs regras de proteo: s podem exercer jurisdio os rgos institudos pela Constituio; ningum pode ser julgado por rgo institudo aps o fato; entre os juzes pr-constitudos vigora uma ordem taxativa de competncias que exclui qualquer alternativa deferida discricionariedade de quem quer que seja.

A Declarao Universal dos Direitos do Homem (Paris, em 1948), estabelece: "toda pessoa tem direito, em condies de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justia por um tribunal independente e imparcial, para a determinao de seus direitos e obrigaes ou para o exame de qualquer acusao contra ela em matria penal".

Princpios da Fundamentao e da Publicidade dos Atos Decisrios

Art. 93, IX, CF - todos os julgamentos dos rgos do Poder Judicirio sero pblicos, e fundamentadas todas as decises, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presena, em determinados atos, s prprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservao do direito intimidade do interessado no sigilo no prejudique o interesse pblico informao Os destinatrios da fundamentao do juiz so todos os envolvidos com o processo e tambm a sociedade que pode verificar a motivao do juiz, e mais: se ele agiu com imparcialidade e com conhecimento da causa.

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Princpio da Livre Investigao e Apreciao das Provas

O princpio da livre investigao das provas ou do dispositivo compreende o sistema em que o juiz necessita da iniciativa das partes para instaurar a causa e conceder as provas, verificando as alegaes em que se basear para fundamentar sua deciso. As partes possuem o nus de provar o que alegam, cabendo ao julgador livremente apreciar o que foi colhido e apresentado sobre os fatos necessrios ao deslinde da questo.

So apontadas como repercusso do direito prova, por Barbosa Moreira, a necessidade de conceder iguais oportunidades s partes de pleitear a produo de provas; no haver disparidade de critrios no deferimento ou indeferimento das provas pelo julgador; possibilidade das partes participarem dos atos probatrios e de se manifestarem sobre seus resultados.

Princpio da Boa-F Processual

Ou da lealdade processual determina que os integrantes da relao processual atuem sem artifcios fraudulentos, sob pena de infrao aos preceitos ticos previstos em lei. Na esfera processual civil bastante taxativa a norma: Art. 14 Cdigo de Processo Civil. So deveres daspartes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juzo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-f; III - no formular pretenses, nem alegar defesa, cientes de que so destitudas de fundamento; IV - no produzir provas, nem praticar atos inteis ou desnecessrios declarao ou defesa do direito. V - cumprir com exatido os provimentos mandamentais e no criar embaraos efetivao de provimentos judiciais, de natureza antecipatria ou final. Pargrafo nico. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violao do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatrio ao exerccio da jurisdio, podendo o juiz, sem prejuzo das sanes criminais, civis e processuais cabveis, aplicar ao responsvel multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e no superior a vinte por cento do valor da causa; no sendo paga no prazo estabelecido, contado do trnsito em julgado da deciso final da causa, a multa ser inscrita sempre como dvida ativa da Unio ou do Estado.21

Princpio do Duplo Grau de Jurisdio

Trata-se da possibilidade de reviso, atravs de recurso, de causas julgadas pelo juiz de primeiro grau, considerando a natureza humana que admite falhar, cometer injustia ou errar, da a necessidade de se permitir a sua reforma em grau de recurso.

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