perspetiva sistémica inter-relacional de pina prata na terapia familiar e organizacional
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Monografia de Pós-Graduação em Terapia Familiar e Comunitária, UAL, novembro 2012. Por Mário BredaTRANSCRIPT
UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA
V Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária
2009-2011
MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata
na terapia familiar e organizacional
Mário Manuel Diniz Cerveira Breda, nº 20091339
ORIENTADOR: Prof. Dra. Célia Sales
Universidade Autónoma de Lisboa
2012
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O trabalho que aqui se apresenta muito deve à colaboração e influência que, direta ou
indiretamente, recebi de várias pessoas e instituições. Não podendo aqui citar todas,
apresento os meus agradecimentos, e dedico esta monografia, a algumas em especial.
Antes de mais, ao Professor Pina Prata, presidente da Associação Portuguesa de Terapia
Familiar e Comunitária e diretor científico desta pós-graduação, a quem presto respeitosa
homenagem, pela sua estatura de homem e de cidadão, pela sua forma de ser terapeuta e de
servir os outros, pela sabedoria e lucidez que nos transmitiu.
Aos Professores Ortega Beviá e Célia Sales, diretores científicos desta pós-graduação,
pelos seus ensinamentos e pela experiência transmitida; à Professora Célia Sales, pelo
entusiasmo com que saudou e estimulou este projeto e pela confiança com que esperou os
resultados.
À Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária, ao seu Centro de
Investigação e Apoio à Família e a todos os terapeutas familiares com quem, nesses
contextos, partilhei e aprendi ideias, ensinamentos e experiências.
Aos colegas da V Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, pelos animados
debates de ideias que partilhámos, pela solidariedade vivida entre todos e por acreditarem
que este projeto seria concretizado.
À minha família e amigos, pelas longas horas em que estive ausente e pelo apoio e
estímulo que sempre me concederam.
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Conteúdo
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1
1.1 APRESENTAÇÃO E OBJETIVO DA MONOGRAFIA.............................................................. 1 1.2 NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE O PROFESSOR PINA PRATA ............................................... 3
1.3 PINA PRATA NA PRIMEIRA PESSOA ................................................................................ 7
2. BIBLIOGRAFIA COMPLETA ........................................................................................ 9
2.1 MÉTODO SEGUIDO NA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA .......................................................... 9 2.2 FILOSOFIA, CULTURA, SOCIEDADE E ENSINO SUPERIOR ............................................... 13
Filosofia e cultura ....................................................................................................... 13 Análise sociopolítica da realidade portuguesa e europeia ......................................... 17
Estruturas e métodos pedagógicos no ensino superior ............................................... 20
2.3 SOCIOLOGIA, PSICOLOGIA SOCIAL E PSICOSSOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES............. 26 Psicossociologia da empresa....................................................................................... 27 Psicossociologia das organizações e intervenção terapêutica ................................... 31
Investigação em Sociologia e Psicologia Social ......................................................... 34
2.4 ABORDAGEM SISTÉMICA INTER-RELACIONAL NA FAMÍLIA E NA ORGANIZAÇÃO .......... 39 Dos começos da Terapia Familiar ao I Encontro Europeu ........................................ 41
Fundamentos teóricos no modelo sistémico inter-relacional ..................................... 46
Processo e intervenção em terapia familiar ................................................................ 59 Debate, partilha e crítica ............................................................................................ 79 Formação de terapeutas e "Apontamentos" .............................................................. 109
3. A PRÁTICA EM TERAPIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA .................................... 123
3.1 TERAPIA FAMILIAR E APOIO À COMUNIDADE ............................................................ 123 3.2 TESTEMUNHO: SER TERAPEUTA SISTÉMICO NA FAMÍLIA E NAS ORGANIZAÇÕES ........ 126
4. SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO ......................... 130
4.1 PRINCIPAIS SALIÊNCIAS DA BIBLIOGRAFIA DE PINA PRATA ....................................... 130
Sobre a filosofia, a política e a universidade ............................................................ 130 Sobre a psicologia social e a psicossociologia das organizações ............................ 134
Sobre a abordagem sistémica e a terapia familiar e organizacional ....................... 137
4.2 LIMITES DESTE ESTUDO E PISTAS PARA INVESTIGAÇÃO ............................................. 151
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 153
6. ANEXOS ....................................................................................................................... 158
A: LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS USADAS ............................................................... 159 B: LOCALIZAÇÃO DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 161
C: LISTA DE SESSÕES COM INTERVENÇÃO DE PINA PRATA, DE QUE HÁ RELATOS NO CIAF
OU NO SÍTIO ELETRÓNICO DA PÓS-GRADUAÇÃO .............................................................. 164
iv
Índice de figuras FIGURA 1: Tensão psicológica de base.............................................................................. 35
FIGURA 2: Sistema inter-relacional terapêutico ................................................................ 54
FIGURA 3: Modelo inter-relacional terapêutico................................................................. 61
FIGURA 4: O espaço-problema .......................................................................................... 64
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Resumo
O objetivo desta monografia era fazer a revisão da bibliografia completa do Professor Pina
Prata e, a partir daí, procurar caraterizar a sua abordagem teórico-prática à terapia
sistémica inter-relacional. Para isso, foi feito o levantamento de todas as referências
bibliográficas existentes, mesmo as que não tinham relação direta com o tema principal
mas que, segundo uma visão global das interinfluências, não deveriam ser excluídas.
Para fazer a recensão de todos os textos, estes foram agregados em três áreas temáticas,
embora com maior destaque para a terceira: sobre a filosofia, a sociedade e o ensino
superior; sobre a sociologia, a psicologia social e a psicossociologia das organizações;
sobre a perspetiva sistémica inter-relacional na família e na organização. Esta agregação
corresponde sensivelmente à ordem cronológica mas também ao fluxo do desenvolvimento
do pensamento e dos interesses de Pina Prata.
Este trabalho bibliográfico foi complementado com informação biográfica sobre o autor,
com testemunhos transmitidos por ele próprio e com referências a contextos de prática
terapêutica, formação e supervisão.
No capítulo final é apresentada uma síntese das principais saliências teórico-práticas,
extraídas da bibliografia, tais como: o novo paradigma sistémico inter-relacional, a terapia
nas organizações, o efeito da quantidade e qualidade das interações nos sistemas familiares
perturbados, a redefinição do contexto terapêutico, o sistema inter-relacional terapêutico, o
modelo do equilíbrio tensional, o processo e as fases da terapia sistémica, as significações
e o corpo, a intervenção catalisadora das potencialidades da família, a intervenção
ocasional.
Por fim, são discutidos alguns limites deste estudo e sugeridas algumas pistas para
investigação futura.
Num sentido de espiritualidade que é a minha, o que está ao meu alcance é o homem
Pina Prata
1. INTRODUÇÃO Esta monografia foi desenvolvida no âmbito da pós-graduação em Terapia Familiar e
Comunitária, organizada pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) em parceria com a
Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC), na sua V edição que
decorreu no biénio 2009-2011. Tem como título "Perspetiva sistémica inter-relacional de
Pina Prata na terapia familiar e organizacional" e ficou concluída em Março de 2012.
1.1 Apresentação e objetivo da monografia
A monografia tem como objetivo a revisão de toda a bibliografia do Professor Pina Prata,
com vista a conhecer o seu percurso pessoal e académico e a caraterizar a sua abordagem
teórico-prática à terapia familiar e comunitária, na perspetiva sistémica inter-relacional que
persistentemente desenvolveu e aprofundou.
Para isso, foi feita a pesquisa, a inventariação e a análise de todos os artigos e demais
textos publicados pelo autor. A atitude subjacente a este estudo não é fazer a recensão
crítica sobre cada texto mas estudar, fazer a síntese e dar a conhecer toda a literatura
produzida por Pina Prata, traduzindo o seu pensamento e a sua prática.
Inicialmente tinha sido definido o objetivo de investigar e caraterizar a intervenção
terapêutica de Pina Prata, a partir da análise de conteúdos de sessões de terapia familiar.
Mas um estudo empírico dessa natureza não faria sentido sem enquadramento teórico, o
que pressupunha o conhecimento de toda a bibliografia de Pina Prata, não só sobre Terapia
Familiar mas recuando até aos seus estudos iniciais em Filosofia e em Psicossociologia.
Assim, ao ser surpreendido com o volume e o conteúdo de tanto material que estava
disperso e, em parte, desconhecido nos tempos atuais, a revisão completa da bibliografia
tornou-se o objetivo central desta monografia. Fica dado um contributo para que outros
trabalhos de investigação futura aprofundem o pensamento e a prática de Pina Prata.
A relevância da monografia decorre do facto de ainda não ter sido realizado anteriormente
um trabalho de investigação com este objetivo. É um tributo a quem foi um dos mais
importantes criadores e impulsionadores da terapia na família e nas organizações, em
Portugal e na Europa, tanto ao nível da investigação e ensino superior, como da formação,
supervisão de terapeutas e intervenção prática.
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A monografia está estruturada em vários capítulos. Na Introdução são apresentados os
objetivos da monografia e sua relevância, complementados com dados biográficos e
apreciações pessoais do Professor Pina Prata.
O segundo capítulo corresponde ao corpo principal da monografia e trata da revisão e
recensão de toda a bibliografia existente de Pina Prata, desde a sua tese de doutoramento
até aos últimos escritos, abarcando um período de quase 50 anos, desde 1962 até 2010.
Começa pela descrição do método seguido na pesquisa bibliográfica e estrutura-se em
várias áreas temáticas: estudos e textos iniciais sobre filosofia, vida sociopolítica e
propostas para o ensino superior; artigos e textos de apoio à docência de Sociologia e de
Psicossociologia das Organizações; por fim, e mais relevante para os nossos objetivos, toda
a produção do autor sobre a abordagem sistémica inter-relacional na família e noutras
estruturas organizacionais.
Segue-se um terceiro capítulo dedicado à vivência prática de Pina Prata como terapeuta, ao
serviço da comunidade, e como formador de várias gerações de novos terapeutas familiares
em Portugal. São apresentadas as estruturas que criou e que dirigiu ao longo de anos, em
particular a APTEFC, e um testemunho pessoal sobre a sua forma de ser terapeuta.
No quarto capítulo é apresentada uma síntese da revisão de literatura, apontando as
principais linhas teóricas e práticas caraterizadoras da terapia sistémica inter-relacional de
Pina Prata, no que teve de criativo e original.
Por fim apresenta-se o quinto capítulo, com a lista das referências bibliográficas
inventariadas e tratadas neste estudo, e o sexto onde se incluem os anexos.
Em termos linguísticos, foi assumida a escrita de acordo com as regras ortográficas atuais,
mesmo nas citações de trechos que haviam sido originalmente escritos segundo a versão
anterior da língua portuguesa, conferindo assim coerência global ao texto; excetuam-se os
títulos de referências bibliográficas. O recurso, por vezes, à utilização de siglas e
abreviaturas não deverá dificultar a leitura do texto já que se encontra em anexo uma lista
com os respetivos significados (Anexo A).
Ao longo da monografia é bastante frequente o recurso à citação de trechos bibliográficos e
expressões de Pina Prata, a fim de melhor transmitir o sentido do seu pensamento e da sua
comunicação. Optou-se por não indicar as páginas de origem dos trechos por se tornar
demasiado repetitivo.
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1.2 Notas biográficas sobre o Professor Pina Prata
Francisco Xavier Pina Prata foi um dos pioneiros da abordagem sistémica em Portugal e na
Europa. Tendo iniciado o seu percurso académico na área da filosofia da ciência,
desenvolveu depois a sua investigação e docência na sociologia, na psicossociologia das
organizações, na psicologia social clínica e na terapia familiar.
Algumas notas biográficas, a partir de Sales (2008), Sales e Pina Prata (1999) e de outras
fontes, são apresentadas de seguida.
• Doutor em Filosofia da Ciência pela universidade belga de Lovaina, sobre a obra
do pensador espanhol Ortega y Gasset.
• Especializou-se em Psicologia Social na universidade francesa de Rennes onde
iniciou a sua formação psicoterapêutica em dinâmica de grupos.
• Foi leitor de Português na Universidade de Rennes, ensinando Filologia e Literatura
Portuguesa; na mesma universidade pôs em prática aulas noturnas para emigrantes
portugueses, tendo criado um grupo de apoio à sua integração; durante esse período
escreveu regularmente e publicou artigos como jornalista (nos jornais Diário
Popular e Novidades), sobre a problemática dos emigrantes portugueses em França
e outros países europeus.
• A sua iniciação em terapia familiar foi orientada por Pierre Fontaine, psiquiatra
infantil na Universidade de Lovaina; participou mais tarde em formação
especializada, seminários e prática clínica com várias equipas, com destaque para
algumas figuras pioneiras da terapia familiar europeia e internacional: Selvini
Palazzoli, Whitaker, Fontaine, Minuchin, Haley e Watzlavick.
• Trabalhou com professores e investigadores ligados à Sorbonne e à ARIP
(Association pour la Recherche et Intervention Psychosociologique) e colaborou
com a equipa universitária no CREFOR (Centre de Recherche et de Formation sur
les Organizations), na Bélgica; iniciou um segundo doutoramento em Psicologia
Social, pela Universidade de Sorbonne, que interrompeu para aceitar o convite do
Ministério da Educação de Portugal para integrar as estruturas centrais da política
educativa.
• Após 14 anos de estudo e de docência no estrangeiro, regressou a Portugal onde, na
Direção do GEPAE (Gabinete de Estudos e de Planeamento das Atividades
Educativas), foi o primeiro responsável pelo departamento de planeamento,
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estatísticas e atividades pedagógicas; entre outras iniciativas, liderou a equipa
responsável pelo alargamento do ensino obrigatório de 4 para 9 anos, bem como o
primeiro programa de apoio a alunos retidos em vários anos escolares.
• Representou o Ministério da Educação em múltiplos órgãos, a nível nacional ou
interministerial
Comissão Interministerial para o Planeamento da Investigação Científica e Tecnológica
Junta Nacional de Investigação Científica
Comissão Consultiva de Estatística do M.E. Nacional (presidente)
tendo chegado a ser convidado para embaixador de Portugal no Conselho de
Política Científica da OCDE.
• Na sua carreira académica em Portugal, foi um dos precursores das Ciências
Sociais, tendo introduzido e lecionado a cadeira de Sociologia em várias escolas
superiores:
Academia Militar
Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa
Escola Superior de Belas Artes de Lisboa
e as cadeiras de Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações em:
Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA)
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)
• Foi um dos fundadores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Lisboa onde criou o departamento de Psicologia Social, seguindo
uma perspetiva sistémica, integrando duas áreas complementares
Psicologia Social Clínica (orientada para famílias)
Psicossociologia das Organizações (centrada em intervenções em locais de trabalho)
• Foi professor catedrático em
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (FPCE)
tendo sido, no ISCTE, o primeiro presidente do Conselho Científico eleito
democraticamente e, também, presidente do Conselho Pedagógico e da Comissão
Diretiva.
• Dirigiu este departamento até à sua jubilação, tendo centrado as suas investigações
e publicações na área da sistémica inter-relacional da terapia familiar e da terapia
organizacional; pela primeira vez em Portugal, e no âmbito do Serviço de Apoio à
Comunidade, criou uma clínica para terapia familiar, com base na universidade,
onde os estudantes podiam ganhar experiência clínica e realizar intervenções sob
5
supervisão.
• No final dos anos 70, tendo em vista criar uma associação científica na área da
terapia sistémica, foi um dos participantes do GUIR (Grupo de Universitários para
a Investigação e Intervenção Relacional); neste contexto, organizou os primeiros
seminários de formação em Terapia Familiar em Portugal, em 1977, para um grupo
restrito de psiquiatras e psicólogos, sob a direção de Pierre Fontaine, com quem
Pina Prata tinha trabalhado durante vários anos.
• No âmbito do GUIR, foi ainda responsável pelos primeiros seminários (em 1978 e
1981) promotores da abordagem sistémica entre profissionais, em especial na área
da orientação vocacional escolar.
• Fundador e primeiro diretor do CER (Centro de Estudos de Relações) e sócio da
secção de Psiquiatria Social da Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria.
• Primeiro presidente da APTEFC (Associação Portuguesa de Terapia Familiar e
Comunitária), criada formalmente em 1980 por membros do GUIR e promotora de
várias iniciativas científicas e formativas, como seminários orientados para a
abordagem sistémica, uma revista científica (Cadernos de Terapia Familiar e
Comunitária) e a organização do I Encontro Europeu de Terapia Familiar (1983),
marco importante para a terapia familiar europeia e para a criação da EFTA
(European Family Therapy Association).
• Fez parte da direção científica da primeira revista científica europeia nesta área -
Thérapie Familiale - onde publicou alguns artigos resultantes da sua investigação.
• Em 1986 terminou a sua prática clínica privada e iniciou a formação pós-graduada
de terapeutas familiares sob a égide da APTEFC, ministrada por professores
convidados de várias universidades nacionais e estrangeiras.
• Nesse contexto, em 1993 criou o CIAF (Centro de Investigação e Apoio à Família),
onde dirigiu e supervisionou sucessivos grupos de formação e manteve um serviço
terapêutico de baixo custo aberto à população.
• Criou e dirigiu, desde 2001, em colaboração com os Professores Ortega Beviá e
Célia Sales, o curso de pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, por
protocolo entre a APTEFC e a UAL (Universidade Autónoma de Lisboa).
• Como pai de família, Pina Prata teve cinco filhos e oito netos.
• Faleceu em 7 de Novembro de 2011.
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Síntese biográfica 1924 - Francisco Xavier Pina Prata nasce em 1924, a 7 de Outubro - Termina a sua licenciatura em Filosofia
- Doutoramento em Filosofia da Ciência pela Universidade de Lovaina
- Professor na Universidade de Rennes; especializa-se em Psicologia Social
1970s - Início da formação e prática da terapia familiar na Europa
- Iniciação à terapia familiar com Pierre Fontaine
- Trabalha com professores e investigadores ligados à Sorbonne e à ARIP e colabora com a equipa universitária no CREFOR
- Regressa a Portugal
- Responsável pelo planeamento, estatísticas e atividades pedagógicas no GEPAE
- Leciona Sociologia, Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações no ensino superior
- Fundador e dirigente da FPCE da U.Lisboa onde cria o departamento de Psicologia Social, com uma abordagem sistémica
- Professor catedrático no ISCTE e na FPCE
1977 - Participa no GUIR, organizando os primeiros seminários de formação em Terapia Familiar em Portugal
- Primeira revista de Terapia Familiar na Europa, sob a direção de M. Andolfi, Sociedade Italiana de Terapia Familiar
1978 - VII Congresso Internacional de Psiquiatria Social, em Lisboa; Seminário de Terapia Familiar
- Congresso Internacional de Terapia Familiar, em Florença
1978/81 - Responsável pelos primeiros seminários promotores da abordagem sistémica
- Inicia consultas de terapia familiar, como prática privada, na sede provisória da futura APTEFC
1980 - Lançamento da primeira revista científica ao nível europeu, Thérapie Familiale
- Cria e preside à APTEFC, Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária
- Inicia a publicação dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária
1983 - I Encontro Europeu de Terapia Familiar e Comunitária, organizado pela APTEFC
- Criação da EFTA, European Family Therapy Association
1986 - Termina a sua prática clínica privada
- Inicia a 1ª formação pós-graduada de terapeutas familiares sob a égide da APTEFC
1993 - Cria o CIAF, Centro de Investigação e Apoio à Família
1995 - Protocolo da APTEFC com a Fundação da Juventude
- Projeto PICJAF (Intervenção Clínica com Jovens Adolescentes, Adultos e suas Famílias)
2001 - Cria e dirige o curso de pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária
- Homenageado pela Reitoria da U. Lisboa, FPCE e APTEFC 2011 - Falecimento em 7 de Novembro, aos 87 anos
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1.3 Pina Prata na primeira pessoa
As notas biográficas, por mais acontecimentos importantes que possam revelar, não são
suficientes para conhecer a estatura do Professor Pina Prata, em todas as suas dimensões,
não dispensando dar-lhe a palavra e escutá-lo na primeira pessoa.
A intenção inicial de realizar uma entrevista com o Professor acabou por não ser possível
de concretizar, por sua indisponibilidade, mas dispomos de outras entrevistas em que
deixou o seu testemunho pessoal, com a espontaneidade e a originalidade conhecidas. É o
caso da entrevista-conversa realizada por Célia Sales e Paulo Vitória, adaptada e publicada
parcialmente na newsletter Recortes, e de que apresentamos alguns trechos selecionados,
com a limitação de estarem retirados do seu contexto (Sales & Vitória, 1999).
A propósito da "Crítica", diz-nos Pina Prata:
Gosto da crítica. Aprecio imenso a crítica. Às vezes a crítica fere-me, quando eu não a vejo! Mas na
minha vida, tudo quanto foi crítica para mim, ajudou-me.
E sobre o "Aplauso":
Apareceu depois no elevador uma frase, aliás duas frases contraditórias. Uma dizia “Mais Pina
Prata” e outra “Menos Pina Prata”. Não apaguei e aquilo andou para cima e para baixo no elevador.
Mas isso bateu cá em mim nessa questão do aplauso.
(...) O grande mal, o grande inferno é a pessoa falhar na sua existência. Nós somos em parte o
conhecimento dos outros, como no filme do Papillon na prisão, mas somos também o que sabemos
que fizemos ou não, se nos anulámos ou não.
(...) Num sentido de espiritualidade que é a minha, o que está ao meu alcance é o homem.
Questionado sobre a "Terapia":
Há um aspeto de desafio que é: Eu creio que nós não fomos feitos para o sofrimento, não acredito…
(...) Eu penso que a função do nosso trabalho é, pelo menos, aliviar. E fico satisfeito quando vejo
que houve um alívio que eu senti. Isto é aplauso?
Não vejo interesse nenhum em sofrer. Safo-me sempre que posso.
O significado de "Religare":
Tudo ao fim e ao cabo vem dar numa dimensão que eu diria religiosa.
A minha forma de entendimento é sempre uma forma de “religare”, por isso é que a sistémica me
encanta.
(...) Eu não posso ser feliz nesta felicidade em que excluo os outros.
Como sente a "Poesia e Música":
Eu sempre me vi, quando escrevo, a fazer poesia. Quando escrevo, a minha frase rima de uma certa
maneira. Eu não sou capaz de empregar os verbos de qualquer maneira. O sujeito, o verbo, o
predicado e os adjetivos encontram-se numa configuração que saboreio. E que fazem com que
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aquilo seja a minha forma de escrever. Há música naquilo que escrevo.
A propósito da "Espiritualidade":
As decisões fundas da minha vida têm a ver com diferentes dimensões. Falei de algumas e uma
delas que falei permanentemente é a dimensão da espiritualidade. Não posso ir para um ofício, para
uma profissão, para uma mulher em que isto seja, por assim dizer, secundário.
O que pensa do "Eu":
E toda a dificuldade que eu tenho dentro da minha vida é fazer com que eu não seja prefabricado!
Prefabricado pela minha mãe, prefabricado pela religião que me foi dada, prefabricado pelos lugares
que ocupo, não quero ser prefabricado. É uma chatice, não é?
Quanto ao "Sofrimento":
(...) momentos muito difíceis. Eu já passei por eles, sei que posso perder uma filha. E eu penso que a
força vem do não visível. O visível diz “não, vai morrer”, e eu digo “não vai morrer” e entra esse
mundo da presença do invisível na nossa vida.
Sobre o conceito de "Terceiro ouvido":
Existe uma zona da realidade que exige o terceiro ouvido. Eu penso que a dimensão do terceiro
ouvido é a que temos em terapia. Isso demora, é difícil de chegar. Tem a ver com o nosso sistema
límbico, com o hipocampo e a amígdala, onde são coloridas as nossas emoções, e que vai na linha
dos trabalhos da inteligência emocional que nos mostra que há muitas formas de inteligência e que
uma dessas formas é a inteligência da esperança.
(...) Eu sinto-me sempre inacabado.
Acerca de "Testemunho":
Aquela frase tão batida… que até a repito com vergonha: o essencial é invisível para os olhos. O
essencial é indizível e no entanto tem de ser dito.
Como vê o "Professor":
Sempre me atraiu a relação pedagógica porque é uma forma de dom, de semear. O que se tornou
muitas vezes difícil porque para semear dentro da Faculdade é preciso ouvir. Se pudesse voltar
agora atrás, ouvia talvez mais. Fiz isso no ISCTE. Era uma aula de 70 alunos em que eu ouvia.
Ouvia e a aula era eu a ouvir. Havia respostas mas as respostas saíam conjuntamente com os outros.
(...) Os alunos obrigavam-me a criar. Uma pergunta despoletava-me toda uma aula.
Eu ficava perdido. Ainda hoje em terapia. Ainda hoje, vós. Uma pergunta despoleta tudo…
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2. BIBLIOGRAFIA COMPLETA
A pesquisa de toda a bibliografia escrita e publicada pelo Professor Pina Prata permite-nos
identificar períodos em que se dedicou e aprofundou áreas específicas do conhecimento,
complementares entre si, num processo contínuo. Esse desenvolvimento teórico seguiu a
par do seu percurso académico e da sua vida pessoal, não se podendo dissociar estes vários
aspetos; por isso, procuraremos complementar a apresentação dos textos com alguma
informação biográfica.
Embora o objetivo desta monografia esteja centrado na terapia familiar, e seja prestada
mais atenção à literatura produzida nessa área, optámos por realizar uma revisão
bibliográfica global e sistemática, fazendo um levantamento de todos os textos publicados
pelo Professor Pina Prata desde as origens da sua vida académica até à atualidade, em
todas as áreas do conhecimento que desenvolveu. A investigação e a prática clínica na área
da terapia familiar não podem ser isoladas e descontextualizadas da investigação
precedente nas áreas da filosofia, da sociologia e da psicologia social clínica.
2.1 Método seguido na pesquisa bibliográfica
O levantamento e identificação de todas as referências bibliográficas da autoria do
Professor Pina Prata baseou-se, em primeiro lugar, na pesquisa on line dos catálogos
coletivos integrados das bibliotecas das universidades e institutos universitários.
Além disso, foram pesquisados também os catálogos eletrónicos de outras bibliotecas que
não fazem parte daqueles sistemas.
Um terceiro nível de recolha de informação incluiu notas bibliográficas ou de rodapé
existentes em textos do autor (algumas das quais não foi possível localizar), alguns textos
existentes na APTEFC, alguns sítios na Internet e outras fontes.
Por "referências bibliográficas" considerou-se os títulos de:
- livros e opúsculos da autoria do Professor Pina Prata;
- livros-coletâneas e publicações periódicas por si organizados (contendo textos de
vários autores e do próprio);
- artigos publicados em revistas científicas ou outras;
- capítulos da sua autoria, incluídos em livros-coletâneas organizados por outros;
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- manuais e outros textos de sua autoria, não publicados formalmente, disponíveis
na Internet ou em formato policopiado;
- textos em coautoria e alguns textos de outros, a si referidos.
No caso de revistas ou coletâneas de textos, definiu-se uma referência para cada
artigo/título, tal como está catalogado nas bibliotecas mais organizadas. Quanto aos
Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, foi atribuída uma referência genérica a cada
volume (organizados por Pina Prata) e mais uma referência específica a cada um dos
artigos de sua autoria.
Não foi feito qualquer levantamento sistemático de textos, não publicados, que possam
existir sobre a personalidade e a obra de Pina Prata, nomeadamente escritos por formadores
ou formandos de Terapia Familiar, por não caber nos objetivos desta monografia.
A intenção de descrever aqui o método seguido na pesquisa bibliográfica é que o mesmo
possa ser reproduzido e que qualquer investigador possa localizar e consultar as mesmas
referências. Para o facilitar, foi também criado um anexo em que se indicam as bibliotecas
ou outros sítios onde cada referência foi localizada (Anexo B); essa lista segue uma ordem
cronológica simples.
Foi utilizado como critério de pesquisa o termo “Prata” no atributo Autor, de modo a obter
todas as referências, independentemente das diversas variantes em que o autor se encontra
registado nas bases de dados bibliográficas, tais como “Prata, F.X.”, “Prata, Francisco”,
“Prata, Francisco Xavier”, “Pina Prata, F.X.”, entre outras.
Na lista de referências bibliográficas incluída nesta monografia, optou-se por usar o
formato “Pina Prata, F.X.” (denominação geralmente utilizada pelo autor e pelos seus
pares), seguido do ano de publicação e demais informação, conforme as normas da APA.
Dentro do texto, sempre que é feita uma referência, é usada a forma “Pina Prata (ano)”.
Em primeiro lugar, e começando pelos catálogos coletivos de bibliotecas, foram utilizadas
duas plataformas eletrónicas importantes, disponíveis através da Internet:
ColCat - Catálogo Coletivo Distribuído (inclui ISCTE, ISCSP, U.Católica, I.Piaget)
Sibul - Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de Lisboa (inclui FPIE, FL, FBA)
Na pesquisa ao sistema ColCat foram selecionadas as bibliotecas seguintes, e encontrado o
número de ocorrências de catálogo adiante indicado, na data 7 de Março 2011:
U. Técnica de Lisboa / I.S. Ciências Sociais e Políticas (ISCSP): 4 ocorrências
U. Católica: 5 ocorrências
11
U. Lusíada: 2 ocorrências
I.S. Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE): 7 ocorrências
Instituto Piaget: 1 ocorrência
Biblioteca Nacional de Portugal (BNP): 11 ocorrências
Por este meio foi obtido um total de 13 ocorrências distintas, a maior parte das quais
encontrando-se presente em mais do que uma biblioteca.
Do mesmo modo, o sistema Sibul permitiu pesquisar as seguintes bibliotecas da
Universidade de Lisboa (UL) e encontrar o número de ocorrências de catálogo adiante
indicado, na mesma data:
Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da UL (FPIE): 20 ocorrências
Faculdade de Letras da UL (FL): 5 ocorrências
Instituto de Ciências Sociais (ICS): 3 ocorrências
Faculdade de Belas Artes (FBA): 1 ocorrência
outras
Por este meio foi obtido um total de 20 ocorrências distintas, parte das quais encontrando-
se presente em mais do que uma biblioteca, e todas existentes na FPIE. Embora haja
ocorrências coexistentes com ColCat, algumas ocorrências novas não tinham sido
encontradas anteriormente.
Em segundo lugar, foi realizada a pesquisa direta nos catálogos destas bibliotecas e de
outras que não fazem parte dos sistemas atrás referidos:
I.S. de Psicologia Aplicada (ISPA): 8 ocorrências
U. Autónoma de Lisboa (UAL): 1 ocorrência
Rede Municipal de Bibliotecas de Lisboa: 5 ocorrências
As disparidades de catalogação existentes entre as várias bibliotecas são significativas.
Algumas estão bastante bem organizadas, catalogando os títulos de todos os artigos
publicados em revistas e de todos os capítulos de livros-coletâneas. No outro extremo estão
as bibliotecas que apenas têm catalogados, a um nível geral, os títulos de livros, coletâneas
ou revistas, não existindo referências mais detalhadas. Naturalmente que estas últimas têm
uma utilidade limitada.
Merece destaque especial a pesquisa realizada na biblioteca do ISPA uma vez que permitiu
localizar 8 referências bibliográficas novas, não existentes noutras bibliotecas.
Depois de realizado o levantamento da bibliografia existente, foram visitadas as bibliotecas
pelas quais foi possível consultar e/ou obter cópias de todos os textos identificados, com
destaque para ISCTE, FPIE, ISPA, ISCSP, U.Católica.
Por fim, e em relação à recolha de informação (para além dos catálogos de bibliotecas),
12
relacionada com a obra teórica e prática do Professor Pina Prata, importa referir os dois
sítios na Internet utilizados:
Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC)
Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, da UAL (plataforma eletrónica)
Na plataforma eletrónica da pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária encontram-
se registados os “Apontamentos do Professor Pina Prata”, textos preparados ao longo de
vários anos para reflexão e discussão pelos formandos em Terapia Familiar, nas sessões
curriculares. Apesar da sua relevância teórico-prática, não cabe nos objetivos desta
monografia a sua análise sistemática, podendo ficar aqui referido este valioso material
como pista de investigação futura. De entre o número elevado de “Apontamentos”
existentes, optou-se por considerar apenas alguns que foram recomendados pelo autor para
a V edição da pós-graduação, no biénio 2009/2011.
No total, a lista de referências bibliográficas da autoria do Professor Pina Prata tratadas
nesta monografia conta 43 ocorrências. Além disso, há mais 5 referências que não foram
localizadas. Acrescem ainda, com interesse para este estudo, 3 referências em coautoria, 3
de outros autores e 3 sítios da Internet.
A análise da bibliografia que se apresenta em seguida foi organizada em 3 grupos a que
correspondem áreas específicas mas que se complementam entre si, desde os estudos e
influências filosóficas iniciais, passando pela investigação em psicossociologia e até à
elaboração de uma abordagem própria à terapia familiar. Este agrupamento acompanha,
quase integralmente, a ordem cronológica dos anos de publicação:
- o primeiro período, de 1961 a 1976, sobre os primeiros grupos temáticos
(filosofia, ensino superior, sociologia, psicossociologia);
- o segundo período, a partir de 1977, centrado na terapia familiar, com exceções
em 1989 e 1992 (sobre psicologia social e psicossociologia das organizações).
13
2.2 Filosofia, cultura, sociedade e ensino superior
Este primeiro grupo temático da revisão bibliográfica corresponde aos primeiros estudos e
textos publicados por Pina Prata, durante um período de cerca de 14 anos em que vive e
trabalha no estrangeiro (Lovaina, Rennes) como investigador e professor universitário.
Podemos identificar três áreas temáticas, apenas para estruturar a análise:
Filosofia e cultura
Análise sociopolítica da realidade portuguesa e europeia
Estruturas e métodos pedagógicos no ensino superior
Filosofia e cultura
Alguns anos após a sua licenciatura em Filosofia, Pina Prata inicia o doutoramento em
Filosofia da Ciência pela Universidade de Lovaina, tendo terminado antes de 1962 (data de
publicação) com uma tese sobre o pensamento de José Ortega y Gasset - filósofo espanhol,
professor na Universidade de Madrid - que intitulou “Dialéctica da razão vital”. Obtém o
título de Doutor do Instituto Superior de Filosofia da Universidade de Lovaina.
O primeiro texto que publicou sobre este tema, "O nível da radicalidade da filosofia de
José Ortega y Gasset" (Pina Prata, 1961), foi editado pela Revista de Filosofia, em
separata, sendo apenas localizado um exemplar na BNP mas não disponível.
A tese de doutoramento foi publicada em livro (Pina Prata, 1962) e deve ser considerada
como uma obra marcante, não só pelo seu interesse filosófico, mas também por ser um
ponto de partida estruturante do trabalho posterior do autor, pelo seu volume (400 páginas)
e longo período de pesquisa e elaboração. Passados cerca de 50 anos, podemos colocar-nos
algumas questões: porquê Ortega y Gasset? qual a sua importância e atualidade?
No prólogo desta obra, o autor justifica o seu interesse pelo filósofo espanhol: apesar da
procura crescente dos seus escritos a nível internacional, poucos estudos sistemáticos se
tinham debruçado sobre o seu pensamento. Alguns dos seus livros – como “La rebelión de
las masas”, “El hombre y la gente”, “Que és filosofia” – revelam o seu grande poder de
antecipação e atualidade, contendo análises sociológicas e filosóficas importantes para o
seu tempo. Além disso, Pina Prata considera Ortega não estritamente um filósofo mas um
homem de letras ou ensaísta, tocando todos os assuntos correntes da existência. O seu
14
pensamento não se encontra só em tratados filosóficos mas nos inúmeros ensaios literários,
artísticos e políticos que escreveu; daí a dificuldade em caraterizar de forma metódica o
seu pensamento.
A ideia de pôr ordem nos inúmeros escritos deixados por Ortega, e realizar o seu estudo
sistemático, exigiu um grande esforço e resultou num auxiliar precioso para os que
desejassem estudar diretamente a filosofia de Ortega. Podemos, salvas as devidas
diferenças mas fazendo a mesma justiça a Pina Prata, transpor este mesmo princípio para a
revisão bibliográfica que aqui se procura apresentar. Utilizando as suas próprias palavras
transcritas do prólogo desta obra, “há muito a fazer ainda para que o pensamento de Ortega
y Gasset não se perca”.
Esta obra de Pina Prata (1962) é constituída por 7 capítulos, com destaque para: “Cap. II,
Cultura e projeto filosófico”, dois conceitos recorrentes e interligados; “Cap. V, O método
da razão vital”, associado à elucidação do fenómeno da vida; “Cap. VI, Consistência da
estrutura originária”, aprofundando particularmente as várias dimensões da vida e a
questão da intersubjetividade e vida social. Embora não esteja nos nossos objetivos fazer
uma análise sistemática desta obra, não podemos deixar de referir algumas das ideias que
retivemos.
A cultura é criação humana progressiva de valores intelectuais, éticos e estéticos que não
são eternos. Os valores da cultura acompanham as flutuações essenciais da vida humana,
como esta sujeitos à historicidade. A cultura pode ser encarada como sistema de ideias que
jorra duma necessidade real do homem.
O que é a filosofia? Embora esteja presente em todos os seus escritos, Ortega publicou em
1958 um livro com onze lições em que trata formalmente a sua noção de filosofia.
Considera o ideal da filosofia como “ciência geral do amor” ou “conexão universal”,
porque tudo está em tudo. Discute a ideia de “projeto filosófico” enquanto investigação do
fundamento originário do Universo e do conhecimento que temos deste; e também a
relação entre crença, dúvida e filosofia.
Razão vital e “vitalismo” são conceitos que Ortega desenvolve desde muito cedo,
definindo em que sentido a sua doutrina pode ser considerada um vitalismo. Qual o lugar
do pensamento na vida? Ao homem de ação opõe-se habitualmente o filósofo como um
sonhador. Sendo o pensamento um atributo especificamente humano, qual é então o
destino primordial do homem, a ação ou a contemplação? Graças ao pensamento, o homem
dirige a sua vida e encontra-se no mundo diferentemente dos animais. Pelo pensar surge,
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em contraposição à exterioridade total, uma interioridade, um “dentro”.
Sobre as dimensões da vida, Pina Prata (1962) apresenta e desenvolve as ideias de Ortega
relativas a facticidade, decisão, vocação e temporalidade. A dimensão primeira da vida é
constituída pela “circunstância” e pelo facto de me dar conta dela. Eu sou “alguém que se
ocupa”, seja a fazer um cigarro, a fazer jogging, a fazer filosofia ou revoluções.
Transcrevendo Pina Prata, “Encontramo-nos na existência, para utilizarmos outra imagem
de Ortega, como náufragos despertados em pleno mar, que devem nadar para não
perecerem. Sendo-nos dada vazia, a vida é “um afazer a fazer”; a cada instante o homem,
para se manter em vida, tem de a fazer. É-nos dada a vida como tarefa, cuja urgência
esclarece o sentido da ocupação vital. A vida é um faciendum e não um factum.” Mas, para
além de ocupação e "pre-ocupação", a vida é também “distração” ou “diversão”, fuga do
mundo circunstancial para um mundo irreal criado pelo homem. E o jogo (como o burlesco
e a farsa) traduz essa capacidade de o homem se inventar um outro mundo. Assim, a
cultura não é apenas a ciência mas também o jogo, ambos inventados pelo homem, pela
necessidade humana de criar um outro mundo excecional e irreal.
Num dos seus textos, Ortega divide as ocupações humanas em “forçadas” e “felicitárias”.
Os ofícios e profissões pertencem às primeiras, o conceito de vocação abrange as
segundas. As necessidades do dia-a-dia obrigam o homem a realizar tarefas sem
entusiasmo ou contra vontade. Aliás, a palavra “trabalho” exprime esse mal-estar,
significando etimologicamente um instrumento de tortura. Mas, no meio dos seus
trabalhos, o homem projeta outras ocupações onde sonha realizar a vocação íntima e
encontrar a felicidade.
O conceito de vocação está ligado, em Ortega, a uma conceção metafísica do homem: a
voz que se ergue do fundo do ser como um apelo à felicidade, finalidade primordial da
vida. Citando Pina Prata, “não há vida sem vocação; viver é viver para algo”. Atente-se
ainda na atualidade universal destas palavras: “O homem, chamado a viver (...) a vocação
implica a procura e a descoberta de um projeto-de-ser e, depois, a sua aceitação e tentativa
de coincidência com ele”.
A realização da vocação traz consigo a ideia de “vida como missão”, conceito que implica
a coincidência entre o ser e o agir. Enquanto há indivíduos que são empresários, políticos,
pintores ou religiosos (ou terapeutas, acrescente-se) por vocação, outros exercem essas
profissões sem vocação. Só os primeiros realizam a vida como missão.
O autor desenvolve ainda alguns pontos importantes sobre o pensamento orteguiano acerca
16
da intersubjetividade, em termos de vida interindividual e social. A aparição de “outrem”
no horizonte da minha vida instaura a convivência como a forma mais rica da coexistência.
Num dos seus artigos, escrito em 1910, o filósofo espanhol descreve o “outro” e a
comunidade como sendo a quarta dimensão do “eu”, realçando que o indivíduo concreto
está inserido numa determinada comunidade humana.
A noção de intersubjetividade supõe a perceção de “outrem”, isto é, aquele com quem devo
contar, queira ou não queira. O outro é o único ser capaz de me responder tanto como eu a
ele; antecipo a sua ação e vice-versa. A interação humana reside nesta reciprocidade. Já a
vida social é uma perspetiva que está para além da vida individual e interindividual e que
modifica a visão da nossa vida individual tornando-a mais complexa.
Na conclusão do seu livro, Pina Prata discute o lugar de Ortega no pensamento da sua
época - designado “Filosofia da Existência” ou “Existencialismo” - recusando atribuir-lhe
um rótulo de pertença, mas olhando as relações entre o seu pensamento e esta corrente, a
fim de aclarar mais a sua própria doutrina. Para além da discussão da questão filosófica da
prioridade da existência sobre a essência, Pina Prata destaca uma diferença fundamental: o
existencialismo é demasiado negativo, apresentando a vida como angústia, tragédia,
preocupação e esquecendo a sua dimensão jovial. Menosprezada pelo existencialismo,
Ortega realça a dimensão positiva da vida.
17
Análise sociopolítica da realidade portuguesa e europeia
A análise da realidade portuguesa e europeia, em termos sociais e políticos, foi outra área
de interesse para Pina Prata, levando-o a escrever e a publicar muitos artigos de opinião,
como conferencista e jornalista. Esta sua forma de intervenção coincide com o período em
que exerce a sua atividade de docente universitário e investigador no estrangeiro, o que lhe
permite uma visão à distância como observador da vida sociopolítica europeia e
portuguesa, nomeadamente sobre a emigração e o colonialismo.
O livro “Factos e importâncias” (Pina Prata, 1972) - coletânea de textos escritos entre 1964
e 1972 em Rennes, Lisboa e Lovaina, a maioria dos quais em 1965 em Rennes - não
chegou a ser publicado, encontrando-se apenas um exemplar disponível, na biblioteca da
Universidade Católica de Lisboa.
Esta obra está estruturada em 5 capítulos. No primeiro, intitulado “Europa unida e Europa
sem cores”, apresenta a sua visão sobre a “interconvivência” dos povos e a questão da
mobilidade profissional numa Europa unida. Recordemos que, à data destes escritos, 1965,
estão decorridos apenas 8 anos desde a criação da Comunidade Económica Europeia (hoje
União Europeia), e estamos ainda a 20 anos de distância da então quase inimaginável
adesão de Portugal. Trata-se de uma visão lúcida, progressista e precursora, num contexto
político de fechamento nacional.
Pina Prata (1972) desenvolve no capítulo seguinte, “A política dos homens e os homens da
política”, uma análise eleitoral e política sobre as eleições legislativas francesas e as
opções de doutrina política que estão em debate. Observador atento e aberto aos debates
democráticos na Europa livre, numa época em que o seu país vive ainda subjugado pela
censura institucionalizada do pensamento.
Depois passa ao tema da primazia do humano na ciência e na “economia generalizada”,
uma visão que podemos considerar ecológica e humanista, precursora das preocupações do
homem do nosso tempo com a chamada “economia global”. Nessa ótica, desenvolve
também as questões do trabalho e da emigração, com particular incidência no “trabalhador
português” em França, Luxemburgo e Suíça, enquanto testemunha ativa dos movimentos
iniciais do fluxo migratório português. Considera o Luxemburgo como placa giratória da
emigração portuguesa na Europa e refere alguns indicadores sobre o crescimento, nessa
época, do número de trabalhadores portugueses naquele país: 117 em 1963, 315 em 1964 e
1250 em 1965. Curiosos indicadores estes, se tivermos em conta que, no tempo presente,
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cerca de 17% da população do Luxemburgo são portugueses ou lusodescendentes,
aproximadamente 50 000 pessoas. Observador lúcido do início deste fenómeno, mal
poderia Pina Prata imaginar as proporções que ele iria tomar.
“Emigrantes numa Faculdade de Letras” é como o autor refere os cursos noturnos de
formação para portugueses que organizou em Rennes, bem como outras ações concretas
“tendo em vista a pessoa, não só o profissional”. É um académico e investigador que não
se limita à sua cátedra mas que abre as portas da universidade aos desafortunados da vida,
dando a primazia ao homem.
O quarto capítulo “Participação educacional” é dedicado à educação, em especial ao ensino
superior. O autor desenvolve as suas ideias sobre três temas sempre atuais: 1) Exames:
para quê? para quem? 2) Universidade: formar, investigar, informar 3) Do planeamento ao
núcleo da educação. Por último, Pina Prata retoma a sua reflexão política, discutindo a
“Dinâmica” das relações, das doutrinas e das estruturas, com referências ao lugar do
marxismo no seu tempo e à cooperação técnica internacional com o “Terceiro Mundo” por
parte dos católicos.
Ainda no contexto da análise social e política da realidade portuguesa, Pina Prata (1963)
pronuncia uma conferência em Rennes sobre a questão colonial portuguesa, designando-a
“L’Angola multiraciale”, tema sensível e dificilmente defensável internacionalmente na
época, tendo em conta a guerra colonial contra os movimentos independentistas africanos.
Salvaguardando que o seu interesse pela questão não significa admiração pelo dirigente
político do Portugal de então, defende que existe uma maneira portuguesa de estar em
África que deve ser compreendida por si mesma, na sua originalidade e especificidade, e
em comparação com outras experiências europeias no mesmo continente.
Embora fazendo referência aos princípios políticos e constitucionais do Estado português -
Portugal como estado unitário, pluricontinental e multirracial - o autor focaliza a sua
análise sociológica na particular “forma de vida” e de convivência do colono português
com a população africana, separando assim a realidade designada “colonização” do
aparelho de Estado. Neste contexto, distingue os conceitos "colonialismo" (baseado em
princípios de exploração económica) e "colonização" (baseado em valores humanos que se
traduzem na convivência de culturas). E refere que, segundo o pensamento de Salazar, a
razão pela qual os Portugueses combatem em Angola está ligada à realidade “vivida,
sentida e pensada” da Nação, que o povo sente na pureza do seu instinto patriótico, “fora
19
da filosofia tortuosa de certos intelectuais”.
Pina Prata faz uma reflexão sobre a edificação do sentimento de Nação, ao longo de várias
épocas históricas, constatando que a colonização portuguesa conseguiu engendrar uma
forma de “socialidade nova” de que o Brasil, Goa e Cabo Verde eram exemplos visíveis.
A partir dos trágicos massacres perpetrados nas plantações do norte de Angola em 1961,
que despoletaram a guerra colonial e a nova política “com uma mão na espada, a outra na
charrua”, são descritos os progressos económicos e sociais realizados a ritmo acelerado. "E
porque combatemos?" Citando Salazar, em entrevista à revista Life, “para o
desenvolvimento e a consolidação duma sociedade multirracial governada pelo Direito,
com uma justiça igual para todos, sem distinções de raças ou de credo, onde as
possibilidades de promoção são oferecidas a todos, conforme os seus méritos e a sua
preparação”. Estas palavras parecem nada ter a ver com um regime ditatorial,
assemelhando-se mais ao discurso político pró-socialista, não fosse a realidade vivida
contrariá-las.
O autor discute ainda “a Angola de amanhã” e a possibilidade de vir a tornar-se o “Brasil
africano”, sendo a independência um fenómeno natural nas sociedades humanas e, por
isso, uma hipótese admissível (que, na realidade, só viria a ocorrer passados 12 anos de
guerra). Citando o sociólogo brasileiro Gilberto Freire e os seus estudos sobre a
colonização africana nos trópicos, Portugal deu origem a uma nova forma de sociedade por
ele designada “civilização luso-tropical cristocêntrica”, baseada na integração e
interpenetração de culturas (não na assimilação) e cristianização dos povos. O luso-
tropicalismo só poderia ser realizado por uma nação pré-industrial, o que a impediria de ser
uma “agressão burguesa, capitalista e imperialista”.
Não terá sido fácil defender estes pontos de vista, nem explicar por que esses povos
pegaram em armas contra a dominação portuguesa. Mas em Pina Prata (1963) ressalta a
ideia incontestável de defesa da convivência entre os povos, dentro da multirracialidade e
diversidade humanas, como princípio subjacente às relações entre os homens.
20
Estruturas e métodos pedagógicos no ensino superior
Em simultâneo com a sua atividade docente, em Portugal e no estrangeiro, Pina Prata
desenvolve a sua reflexão teórica sobre as estruturas, os métodos pedagógicos e a reforma
do ensino superior, escrevendo alguns textos sobre esta matéria entre 1963 e 1973, década
que antecede a revolução democrática em Portugal.
No V Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, realizado em 1963, apresenta
uma comunicação sobre as estruturas latentes no meio universitário, publicada mais tarde
pela Universidade de Coimbra, em separata às atas do colóquio (Pina Prata, 1965). Trata-se
de um projeto de investigação psicossocial sobre as estruturas do meio universitário luso-
brasileiro que depois desenvolve em particular para a realidade portuguesa, tendo em vista
uma meditação nova e necessária acerca da avaliação da vida universitária por processos
metodológicos adequados. Meditação “nova” porque relacionada com a problemática
emergente das Ciências Sociais; meditação “necessária” tendo em conta a “função social”
que a universidade ocupa e a importância de investir e planear o ensino superior, “dando a
todos possibilidades de partida semelhantes”.
Segundo Pina Prata, qualquer trabalho ou decisão sobre este assunto deve ter em conta:
- não basta o apriorismo teórico abstrato para equacionar a questão universitária;
- as mudanças a introduzir serão insuficientes se não decorrerem da análise prévia do “meio”
concreto da universidade portuguesa;
- a universidade, enquanto “função social”, deve inserir-se num plano educativo encarado à escala
nacional.
O autor utiliza alguns conceitos-chave inovadores tais como abordagem “psicossocial”,
“função social” da universidade e “estrutura”. Sendo este último um conceito instrumental
que se refere a um método próprio da investigação em Psicossociologia, dá como exemplo
a discussão do possível “pré-salário universitário” que só faz sentido se inserido num todo
psicossocial em transformação. Da função social da universidade decorre a necessidade de
se ter em conta vetores indispensáveis como programas, métodos de trabalho, relações
entre professores e alunos, relação entre universidade e a comunidade.
Partindo da consciência de que existe uma crise universitária, que são necessárias múltiplas
reformas, que “a Universidade não estudou a Universidade” e que as medidas a tomar
devem ser adequadas à sua “vocação”, Pina Prata apresenta o seu projeto de investigação
psicossociológica das estruturas latentes do meio universitário, e técnicas metodológicas
correspondentes, estruturado em três planos de investigação, desde o levantamento de
21
questões e de hipóteses até às conclusões teórico-práticas.
Na mesma linha de contribuição para o estudo e reforma da universidade portuguesa, Pina
Prata publica um artigo na revista Análise Social sobre transformação dos métodos
pedagógicos no ensino superior (Pina Prata, 1968). É um estudo extenso, de 50 páginas,
incluído num número especial da revista dedicado ao tema “A universidade na vida
portuguesa” que inclui artigos de vários autores sobre temas como a investigação
científica, a educação permanente, a origem social dos estudantes e a democratização do
ensino superior.
Segundo o autor, há que proceder à reestruturação dos métodos pedagógicos nas
universidades, de modo a beneficiar quer dos aperfeiçoamentos nas técnicas de transmissão
e tratamento da informação (e parecem palavras de hoje, embora escritas há mais de 40
anos), quer dos progressos alcançados no campo da psicopedagogia. A “crise
universitária”, registada em vários países, resulta da dificuldade em dar resposta aos
desafios da nova sociedade mais desenvolvida e com participação crescente dos cidadãos.
Pina Prata (1968) refere um seu estudo realizado em 1964 na universidade de Rennes,
revelador do modo como esta crise era sentida no meio universitário francês, e faz o
paralelismo com os resultados de um inquérito realizado no mesmo ano em Portugal sobre
a “situação e opinião dos universitários”. E interroga-se sobre certas conclusões:
- que significa o facto de 79.6% estarem satisfeitos com o curso escolhido mas apenas 0.6%
acharem muito bom o ensino universitário do ponto de vista profissional?
- como explicar que 96.8% considerem muito desejáveis as relações entre professores e alunos mas
apenas 7.9% julguem boas essas relações?
- que vida afetiva e perfil psicossociológico revela o estudante universitário que classifica em último
lugar, entre “as qualidades morais mais admiradas”, as de dinamismo (9.0%), audácia (5.4%),
eficácia (3.1%) e descontração (2.9%)?
A primazia atribuída às relações entre professores e alunos torna-se sinónimo de uma nova
organização do trabalho universitário, assente na colaboração e participação ativa de uns e
outros no próprio ato pedagógico. A consequência mais imediata e desejável seria a
mudança do estilo de aulas “magistrais” ou “ex cathedra” e da própria matéria ensinada.
O autor desenvolve depois o seu pensamento acerca de estruturas e dinâmicas
universitárias, programas, métodos e técnicas psicopedagógicas. Neste campo particular,
refere as técnicas expositivas (comunicação centrada sobre o ensino do professor, mais do
que sobre a aprendizagem do estudante) e as técnicas multipolares (inovadoras, em que o
22
eixo de gravidade da interação é o estudante). Dentro destas, as técnicas intuitivas
baseiam-se nos meios audiovisuais (televisão, filme, diapositivo, gravador), levando o
estudante a uma interação direta com os factos e as ideias. As técnicas multipolares
interrogativas, originárias no padrão clássico socrático, podem agora tirar partido de novas
técnicas, como a “simulação por ordenador eletrónico” ou o “ensino programado”, em que
o programa de computador permite um sistema de perguntas-respostas em tempo real,
semelhante a uma “comunicação dialogada”. Ambas técnicas valorizam os aspetos
psicomotores e sensório-motores das atividades educacionais, dando relevo ao
desenvolvimento da iniciativa e criatividade individual e de grupo, “à aprendizagem da
sociabilidade cooperativa e à preparação para o exercício da vida social”.
Não é demais voltar a destacar aqui a visão avançada de Pina Prata na época, há 44 anos,
muito longe ainda do aparecimento e generalização dos computadores pessoais, e em que
as suas propostas na área do desenvolvimento socio-afetivo mantêm toda a atualidade.
Em todos os seus escritos, Pina Prata nunca refere os termos “Psicologia” ou “Sociologia”
isoladamente, utilizando quase sempre os conceitos “Socio-Psicologia”, “Psico-
Sociologia” e “Psicologia Social”. Na sua perspetiva, estas disciplinas influenciam-se
mutuamente, o domínio individual não pode ser separado do domínio interindividual e
social. Nesta ótica de investigação, e no âmbito das estruturas e métodos pedagógicos no
ensino superior, elabora um texto (Pina Prata, 1970) em que aborda três áreas específicas:
Sociologia e Arquitetura
Psicologia Social e Métodos pedagógicos
Psicossociologia das Organizações
Segundo o autor, esta reflexão e “conjunto de sugestões” resultou da sua estadia na Bélgica
onde teve encontros com instituições e especialistas em investigação nessas áreas. A
abordagem da arquitetura, em relação com a sociologia, estaria associada ao facto de Pina
Prata ser docente de Sociologia no departamento de Arquitetura da Escola Superior de
Belas Artes de Lisboa. Apesar de não ter relação direta com o objetivo central desta
monografia (a terapia familiar), é inegável a importância e alcance desta temática na
construção do seu percurso académico e clínico.
No campo da arquitetura, e através do seu contacto-chave André Dufour, tomou contacto
com o Centre d’Études Architecturales, o Groupe International d’Architecture Prospective
e o Construction et Humanisme (Paris). Assim, abre-se a novas abordagens tais como:
23
contacto entre o investigador e autor do projeto, a indústria e o público utilizador; atuação
do arquiteto usando métodos psicossociológicos como a dinâmica de grupos, envolvendo
futuros clientes no traçado do projeto, na utilização prática do espaço e na aprendizagem
de habitar em conjunto. A função do arquiteto deve superar o estrito exercício profissional
da “autoria de projetos” e articular-se com outras disciplinas, tendo em vista a síntese de
vários elementos que permitam o ordenamento do espaço.
Pina Prata (1970) reflete sobre a inadaptação e os problemas da organização do ensino da
arquitetura de então – dispersão de responsabilidades ministeriais e administrativas,
diversidade de regulamentação e multiplicidade de Escolas – bem como sobre a questão
das equivalências dos diplomas no “Mercado Comum” (questão só recentemente
harmonizada através do Acordo de Bolonha). Considera, como exigências da formação,
três componentes a ter em conta: função criadora e responsabilidade do arquiteto;
equilíbrio entre conhecimentos técnicos e formação em ciências humanas; investigação em
formas arquitetónicas e em materiais de construção, de modo a harmonizar as
preocupações estéticas com as virtualidades das técnicas e as necessidades humanas.
Assim, define como eixos principais da reforma do ensino da arquitetura: acesso após
conclusão de estudos secundários e exame de admissão; duração de 5 anos; organização
em 3 ciclos curriculares, estruturados resumidamente do seguinte modo:
- um tronco comum, de formação multidisciplinar, desenvolvendo a capacidade criadora e o
trabalho em equipa e permitindo múltiplas orientações;
- um segundo ciclo, proporcionando orientações arquitetónicas diversas e dando acesso à profissão
ou ao terceiro ciclo;
- um terceiro ciclo pós-graduado, dedicado a investigações originais.
Esta proposta, delineada há mais de 40 anos, parece óbvia nos dias de hoje, se pensarmos
na atual estrutura do ensino superior harmonizado ao nível europeu.
No mesmo texto, e passando à questão dos métodos pedagógicos na universidade, o autor
desenvolve as suas ideias na sequência do contacto com a área de Psicossociologia da
Universidade de Lovaina e o grupo "Université 1980" (recorde-se que estamos em 1970),
ligado à Fondation Industrie-Université e ao Institut Administration-Université.
Comentando as grandes linhas do projeto "Université 1980", realça o facto de este projeto
resultar de iniciativas conjugadas entre a universidade, a indústria e a administração e
também de ter como objetivo elaborar uma nova “doutrina da universidade”. A mudança
social acelerada transforma o perfil do ensino, dando mais premência à formação
metodológica que à transmissão de conteúdos; a universidade deve “in-formar”, isto é,
24
ajudar a dar forma ao dinamismo das pessoas e dos grupos. Segundo Pina Prata (1970),
encontrávamo-nos numa “era científica”, em que as tarefas seriam cada vez mais entregues
ao “ordenador” (computador), permitindo a atividade intelectual expandir-se na função de
inovar e de equacionar problemas novos.
Um dos fenómenos “carregado de futuro” seria a crescente socialização do trabalho,
implicando uma mudança nas relações de decisão, entre chefias hierárquicas e grupos de
trabalho, de um sistema de tipo “linear” para “circular”. Por último, refere outro “grande
indicativo da reforma”: o aumento do nível de vida. Na perspetiva da sociedade de
abundância (ou de necessidades materiais satisfeitas), outras necessidades se sobreporão
como o desenvolvimento cultural, a educação permanente e a formação do homem. Mais
do que a transmissão de conteúdos, importa “aprender a aprender” e que a universidade
suscite “homens formados, formadores de homens”.
O tema Psicossociologia das Organizações será retomado adiante no contexto de outras
referências bibliográficas.
Consideremos ainda um trabalho publicado em livro (Pina Prata, 1973) em que o autor
retoma, de forma mais estruturada, a sua reflexão sobre o projeto “Université 1980”. A
“Psicossociologia da reforma do ensino superior” situa-se na linha das investigações sobre
a transformação dos métodos pedagógicos no moderno ensino superior e contém textos
escritos entre 1965 e 1972, em Rennes e em Lisboa. É composto por 3 capítulos:
aproximação metodológica; o caminhar pedagógico sob o prisma da psicossociologia;
participação educacional. O seu conteúdo é de grande importância para quem procura
aprofundar as questões relativas ao ensino superior. Limitamo-nos a apresentar aqui
algumas ideias respigadas segundo a ótica deste trabalho.
Esse estudo pode ser visto como uma reflexão, resultante da sua prática docente, sobre a
mudança na relação pedagógica e de investigação; e como um contributo para a
clarificação do papel do ensino superior e para os estudos conducentes à sua reforma. Tal
como no estudo anterior (Pina Prata, 1970), o autor confronta aqui a sua perspetiva com
estudos realizados por equipas belgas e com o projeto “Université 1980” que aponta para a
necessidade de conjugação de esforços entre organismos universitários e empresariais ou
profissionais, base indispensável a qualquer reforma do ensino. Outras ideias apresentadas
como reflexão e conclusões retiradas daquele projeto foram já referidas no texto anterior.
No domínio da formação e participação, o autor considera a personalidade como um todo
25
inseparável e integrado, em que os aspetos intelectuais e socio-afetivos se entrelaçam.
Assim, aponta as várias capacidades ou aptidões a desenvolver pela formação, agrupando-
as em três categorias:
- inteligência, como capacidade de análise e de síntese, imaginação criadora, rigor, espírito crítico;
- caráter, como perseverança, espírito de decisão e de risco ponderado, domínio de si próprio;
- sentido social, como compreensão e tato nas relações interpessoais, saber cooperar e negociar,
delegação e partilha de responsabilidades no exercício do poder.
E mais uma vez nos surpreende com a sua visão lúcida quando se refere à necessidade de
estruturas de participação no ensino superior, em termos de partilha progressiva de
responsabilidades pedagógicas e de gestão com os estudantes (para além de docentes e
administrativos). Esta ideia acabaria por se tornar realidade ainda na década de 70, tendo
Pina Prata sido o primeiro presidente democraticamente eleito do Conselho Científico de
um instituto superior, bem como de outros órgãos de gestão com participação de docentes
e estudantes eleitos, conforme referido nas notas biográficas incluídas nesta monografia.
No que se refere à atividade pedagógica, Pina Prata (1973) acha que esta só é formativa se
responsabiliza o estudante na sua própria formação e na dos outros. Embora raras, as
experiências de “autogestão pedagógica” – grupos autogeridos de estudantes, ensinando-se
mutuamente, com objetivos fixados e orçamento próprio – exigiriam uma revisão radical
da orgânica do ensino e da relação entre professor e aluno. Embora parecendo “ficção”
catastrófica, e não podendo ser generalizada, esta ideia poderia servir como referência
orientadora de ações futuras, tais como a definição conjunta de programas, a programação
de meios e a contribuição de alunos de um ciclo superior no ensino de ciclos anteriores.
Uma última referência ainda para o tema “primazia do humano na economia generalizada”,
já antes abordado por Pina Prata (1972). O autor avalia os problemas essenciais da vida
económica de então como sendo cada vez menos isolados e, pela primeira vez na História,
mundialmente comuns. Os problemas da economia não poderiam ser resolvidos em função
da dicotomia entre liberais e marxistas (no poder ainda por mais 20 anos, em grande parte
da Europa de então), ambos com uma conceção demasiado reduzida do homem, centrando-
se nas riquezas materiais mas esquecendo “a riqueza do homem”. Uma economia onde as
“ciências do homem” - Psicologia, Sociologia ou Antropologia - não têm algo para sugerir
ou clarificar, não pode vencer os seus desafios.
26
2.3 Sociologia, psicologia social e psicossociologia das organizações
No contexto da sua atividade de investigador e docente no ensino superior - com destaque
para o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (FPCE) - e numa época
em que foi pioneiro no ensino das Ciências Sociais em Portugal, o Professor Pina Prata
elaborou importante documentação de suporte que designava por "Apontamentos",
emitidos em formato policopiado pelas próprias escolas superiores.
Este conceito pode estar hoje vulgarizado e desvalorizado, não se dando atenção ao seu
significado intrínseco que importa realçar. Segundo o Dicionário Lello Universal,
"Apontamento" significa "Nota. Resumo do que se leu, ou registo de algum facto,
pensamento ou ideia que se quer fixar ou desenvolver. Nota breve e escrita do que se tem a
fazer para que não esqueça". Podemos também invocar a analogia com o termo inglês
appointment que significa "encontro marcado". Cada aula seria esse encontro com os
alunos, em que seriam desenvolvidos alguns temas e ideias.
Assim, estes textos representam o seu aprofundado trabalho de investigação e
sistematização dos conteúdos programáticos, tendo sido da maior importância para os seus
alunos e assistentes. Alguns estão estruturados em "Cadernos" temáticos que foram sendo
sucessivamente emitidos e finalmente compilados num volume, tal como se encontram
hoje disponíveis nas bibliotecas do ISCTE e da FPIE.
Apenas se faz aqui referência a textos que foram localizados e consultados. Mas temos
conhecimento da existência de outros, nomeadamente através de notas de pé de página ou
notas bibliográficas presentes em textos do autor, que não foi possível localizar. É o caso
de "Sociologia Geral" (Pina Prata, 1969), emitido pela Escola Superior de Belas Artes em
1969, provavelmente como suporte à cadeira de Sociologia que Pina Prata lecionou na
licenciatura em Arquitetura daquela escola.
Para além dos "Apontamentos" sobre psicossociologia da empresa e psicossociologia das
organizações, é importante referir a investigação que o autor desenvolveu em Sociologia e
Psicologia Social, da qual se incluem aqui referências a artigos publicados.
27
Psicossociologia da empresa
A obra com este título (Pina Prata, 1965-1973) foi emitida pelo Instituto de Estudos
Sociais, ao longo de vários anos, como coletânea de "Apontamentos" para as aulas teóricas
e práticas do Professor Pina Prata, encontrando-se disponível apenas na biblioteca do
ISCTE. É constituída por 3 textos introdutórios e 11 cadernos temáticos, sendo três de
outros autores.
Não podendo ser aqui exaustivo na descrição e análise do conteúdo, refira-se apenas alguns
dos temas desenvolvidos aos quais atribuímos maior relevância:
Teoria e prática psicossociológicas Dinâmica de grupos e dinâmica da empresa Processos de liderança Processo e orientação da entrevista Socioterapia na gestão e organização da empresa Psicossociologia do marketing e motivações na procura Desenvolver as capacidades Os dirigentes e os processos de orientação e participação nos grupos de trabalho
Embora reconhecendo que já existem psicossociólogos que observam, analisam e
procuram compreender a empresa nas suas estruturas e interações humanas, refere serem
raros os livros ou programas de estudo designados "Psicossociologia da empresa", por esta
se inscrever no domínio das ciências do humano, de desenvolvimento recente. Só em 1911
a Psicologia Social surge como nova atitude no contexto das ciências humanas, com a
publicação de "The individual and society" do sociólogo e filósofo James Baldwin. Do
ponto de vista prático das intervenções em empresas, só com as experiências de Elton
Mayo a partir de 1927 encontramos uma orientação precursora da abordagem da
psicossociologia; a empresa aparece na complexidade da sua estrutura social e dos seus
grupos informais, deixando de ser olhada como unidade apenas económica.
A abordagem à gestão e organização de uma empresa pode, segundo Pina Prata (1965-
1973), situar-nos em duas perspetivas: ou determinar as condições para o lançamento de
mais uma empresa no circuito económico; ou procurar as condições para o crescimento e
bom funcionamento de uma empresa já existente. Em ambos os casos, tudo parece girar em
torno dos "objetivos" da empresa. E o grau em que estes são alcançados é mediado por um
complexo "sistema de decisões", cujo mecanismo tende a uma espécie de autorregulação
dos objetivos de produção.
Para além dos objetivos e funções clássicas da empresa - técnica, comercial, financeira e
administrativa - o autor considera que são ainda raros os especialistas que lhe acrescentam
28
a "função social" e o objetivo de criar condições propícias ao desabrochar da personalidade
e ao equilíbrio afetivo dos membros da empresa.
Elabora também as bases dos processos da comunicação e da perceção na empresa. O autor
define, na empresa como em qualquer outro sistema de emissão, transmissão e receção de
informação, duas dimensões constantemente presentes:
- uma dimensão formal, racional, programada (como a ordem de serviço, regulamento, decisão);
- uma outra dimensão informal, emotiva e não sistematizável (como os ruídos, rumores).
A dinâmica da entrevista é outro tema abordado por Pina Prata (1965-1973), no sentido de
apreender os processos internos que a caraterizam e de encontrar formas metodológicas
para a sua condução. A sua utilidade neste contexto da empresa pode ser aproveitada,
acrescentamos agora, noutros contextos como a terapia familiar. Mas o que distingue uma
entrevista de um diálogo ou conversa social? A definição do objetivo da entrevista, da sua
finalidade e das condições metodológicas é que permite distinguir uma entrevista
psicossociológica. Essas condições visam ou a obtenção de informação, ou a manifestação
de problemas ou motivações do entrevistado, com o fim de aconselhamento ou terapia.
Temos, assim, entrevistas centradas sobre o "problema" ou centradas sobre a "pessoa". No
primeiro caso, o objetivo é a busca de informações, com diferentes motivos, e pode ser
mais estruturada que a entrevista centrada na pessoa.
Merece aqui uma referência especial o Caderno 6, já datado de 1972, por nos interessar
particularmente o seu título, "Socioterapia na gestão e organização da empresa", tema
central para a psicossociologia. Cada vez mais é pedido ao psicossociólogo de empresa que
compreenda os conflitos intra e interorganizacionais e que aponte caminhos de superação
dos mesmos. Segundo o autor, "autorregular o funcionamento psicossocial das
organizações consiste em reequilibrar situações de desajustamento relacional ou em criar
as condições de facilitação de processos de mudança, pela diminuição das forças
antagonistas que travam ou retardam o desenvolvimento daqueles". A socioterapia é
encarada como a facilitação da autorregulação, e esta como adaptação ativa, fundada nas
potencialidades criadoras dos indivíduos e dos grupos.
Os desequilíbrios psicossociológicos existentes numa organização podem situar-se ao nível
da coordenação entre os serviços ou entre funções; e podem provir da deficiente
estruturação do departamento de pessoal, dos modos de recrutamento, promoção, formação
e remuneração, da forma como se relacionam e se influenciam os grupos e do modo como
recorrem à arbitragem em situações de conflito.
29
Ainda no âmbito dos "Apontamentos" de Psicossociologia da empresa, foi emitido pelo
ISCTE um Caderno adicional (Pina Prata, 1973a) dedicado ao tema "Conflito
organizacional", do qual existe um exemplar na biblioteca da FPIE. Trata-se de uma
comunicação apresentada no III Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes de
Trabalho e Doenças Profissionais, associando esta problemática com a ocorrência de
situações de conflito nas organizações.
Segundo a ótica psicossociológica, a temática da patologia das situações de conflito
organizacional pode ser encarada sob um prisma tríplice: análise dos factos, diagnóstico da
situação e propostas de solução. Procura-se dar resposta aos problemas pondo a ênfase na
dimensão grupal ou organizacional de alguns deles; o acidente de trabalho e a doença
profissional podem atingir a dimensão de acidente grupal ou de doença da organização.
Segundo Pina Prata (1973a), há organizações doentes e doenças organizacionais, a título
semelhante à aceção mais comum do homem com doença ou acidentado. Neste contexto,
surgem os problemas de mal-estar na empresa, de insatisfação ou angústia na vida
profissional, de falta de clima de trabalho, de conflito intraorganizacional. Será que têm
relação com o aumento dos acidentes de trabalho ou do absentismo? As situações de
conflito têm as suas "lâmpadas de aviso" ligadas a "mostradores" que podem ser do tipo
social, económico, fisiológico, psíquico: são as queixas, as ausências, as mudanças ou
ruturas. Compreende-se assim que a socioterapia das organizações seja o objeto direto das
intervenções do psicossociólogo.
A hipótese de base colocada pelo autor é que "as situações de conflito organizacional são
geradoras de perturbações patológicas ou não (com impacto sobre os indivíduos e os
grupos), consoante aumenta ou diminui a divergência ou a convergência entre os objetivos
da organização e as necessidades das pessoas".
Apresenta depois, ao longo do texto, as linhas gerais da sua tese, a fase de diagnóstico das
situações de conflito, um esboço da questão da socioterapia nas organizações, a análise e
elucidação de uma situação real de conflito numa organização e, por fim, a reformulação
do conceito de patologia do conflito.
Importa ainda reter algumas ideias retiradas do texto: conflitos considerados como
ingredientes, tanto da vida pessoal como social, mais do que estados anormais ou
patológicos; na evolução dinâmica da personalidade e da vida organizacional, a situação de
conflito como um momento privilegiado de rumo ascendente, de tomada de decisão e de
30
mudança; conflito ligado ao processo de comunicação (formal ou informal) e de relação;
conflitos sentidos como encruzilhada de opções, em que o sentimento de ameaça pode
estar presente, mas também a negociação; mecanismos de defesa podem ser ativados em
resposta à situação frustrante ou de conflito (agressividade, projeção, deslocamento,
idealização, regressão, negativismo, entre outros).
Embora o que ficou escrito sobre "Conflito organizacional" e socioterapia tenha sido
pensado para a empresa ou organização, a sua aplicação torna-se evidente também na
perspetiva familiar, quase bastando substituir "empresa" por "família".
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Psicossociologia das organizações e intervenção terapêutica
Da abordagem inicial à "Psicossociologia da empresa", Pina Prata foi generalizando a sua
investigação à "Psicossociologia das organizações", considerando as comunidades ou
estruturas grupais que não apenas a empresarial. Assim, o tema a que passamos
seguidamente não representa uma mudança em relação ao anterior mas o seu
aprofundamento e generalização. Apenas os separamos por razões metodológicas, porque
correspondem a matérias lecionadas e referências bibliográficas com outra designação.
Começámos pela sociedade, passámos à empresa, agora à organização e chegaremos mais
tarde à família.
A primeira referência bibliográfica com o título geral "Psicossociologia das organizações"
(Pina Prata, 1976) foi editada pela Associação de Estudantes do ISCTE, como coletânea de
"Apontamentos" para uso dos alunos daquela cadeira, sendo constituído por 4 cadernos.
Tanto este como os outros dois textos que aqui referimos foram localizados apenas na
biblioteca da FPIE.
O autor começa por clarificar uma questão concetual: que fenómenos considerar na
perspetiva da Psicossociologia?
Os fenómenos relacionais, observáveis ao nível das interações entre os indivíduos e os grupos
que se geram ao serem prosseguidas certas atividades, em áreas estruturadas de trabalho
cuja coordenação tende a autorregular-se mediante um sistema de forças
inerentes aos sistemas estruturais e relacionais das organizações.
Da lista de fenómenos com que exemplifica, destacamos as comunicações interpessoais, a
insatisfação pessoal ou grupal, a produtividade criativa do grupo, a coesão do grupo e a
segurança emocional, as necessidades interpessoais ameaçadas pelas atividades grupais, as
caraterísticas e normas dos grupos, o conflito ao nível da tarefa e das relações
interpessoais, estilos de chefia e sistemas de autoridade, desfasamento das estruturas
formais, ansiedade e sentimentos de mal-estar nos grupos, conflitos construtivos e
destrutivos, e assim por diante.
Sobre a natureza destes fenómenos, considera que a forma de os reconhecer pressupõe uma
aproximação distinta das ciências físicas, isto é, são fenómenos próprios ou resultantes da
existência de relações e, como tal, tomamos consciência deles através da experiência
vivida dos mesmos.
32
Alguns anos mais tarde são emitidos dois textos de Pina Prata (1989 e 1989a), sob o
mesmo título geral "Psicossociologia das organizações" e no âmbito das suas atividades de
investigação e de intervenção clínica nesta área, com os seguintes subtítulos:
"Dos comportamentos de negociação aos de negociação, conflito e sintomáticos"
"Comportamentos organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro
sistémicas"
No primeiro texto, Pina Prata (1989) desenvolve aspetos concetuais e metodológicos sobre
os sistemas humanos de inter-relação, os comportamentos organizacionais, as disfunções e
perturbações nas organizações, na perspetiva de despatologizar as organizações.
Aprofunda depois as questões do diagnóstico organizacional e dos comportamentos de
negociação do psicossociólogo no âmbito do pedido de intervenção numa organização. Por
fim aborda a condução do processo terapêutico no contexto organizacional, o que acaba
por ser o tema central do texto que publicou em seguida e a que passamos a fazer
referência mais detalhada.
Conforme refere logo de início, "O tema que desenvolverei nestas lições tem a ver mais
diretamente com a especificidade da condução do Processo Terapêutico, no contexto da
patologia organizacional" (Pina Prata, 1989a). Delimita o conceito de patologia às
situações das organizações em que se verificam, entre os seus membros, perturbações
emocionais, socio-afetivas, da perceção e da cognição; a sua constância ou intensidade
justificam o recurso a alguma forma de terapia das inter-relações. O termo "patologia", no
contexto organizacional, fica assim definido pela articulação entre dois vetores: a natureza
do problema e o método de intervenção adequado para a sua resolução.
Na sua perspetiva pessoal, em que acentua e valoriza o lado são que existe nas
organizações e famílias em dificuldades, Pina Prata (1989a) propõe-se "despatologizar"
parte das situações ditas patológicas das organizações, estabelecendo uma distinção entre
"disfunção" e "perturbação", e postulando a lei da "economia concetual". Esta implica,
entre outros:
- o princípio do suficiente e habitual ajustamento cognitivo, socio-afetivo e pragmático entre os
atores e grupos dentro das organizações, nos seus micro e macrossistemas de inter-relações pessoais;
- que não há perturbação grave que não tenha a ver com a qualidade de um dado conjunto de
relações interpessoais;
- que não há patologia da organização, no sentido estrito, já que se antropomorfizaria a realidade
organizacional (o que sucede quando se diagnostica a organização como "doente", "neurótica",
"depressiva" ou "esquizoide");
33
Assim, e contrariamente à abordagem intrapsíquica, na sistémica a compreensão dos
fenómenos organizacionais não parte do indivíduo, do grupo ou da organização mas sim de
uma certa qualidade dos sistemas de relações interpessoais, enquanto mediadores entre os
indivíduos, os grupos e as organizações. Em suma, não se privilegia nem os estados de
disfuncionamento psíquico individual (embora não sejam negados), nem as "neuroses
organizacionais"; a orientação deste novo olhar teórico-prático faz-se a partir de um dado
sistema de relações interpessoais.
O autor critica as posições dos que, na sua forma de intervenção organizacional, seguem
uma abordagem de terapia intrapsíquica de base analítica, como é o caso de De Vries e
outros na obra "The neurotic organization". Segundo esse modelo, a patologia
organizacional é uma psicopatologia que reflete as perturbações emocionais, cognitivas e
percetivas dos seus dirigentes, como uma transposição em linguagem organizacional da
patologia individual. Nessa perspetiva, existem empresas psicóticas ou depressivas, tal
como a personalidade de alguns dos seus dirigentes. E, tal como na prática médica (ou
psiquiatria organizacional), partem da análise dos sintomas, deduzindo um diagnóstico e,
com base nele, definindo o programa de intervenção, suscetível de melhorar o
funcionamento da organização. Assim, a terapia organizacional seria uma terapia por
erradicação dos "doentes", o que passaria por substituir os responsáveis "neuróticos" nos
seus lugares de chefia, ou fazer a sua terapia individual, ou mudar as pessoas que os
rodeiam. Como vimos atrás, a abordagem sistémica defendida por Pina Prata está em
desacordo com esta visão.
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Investigação em Sociologia e Psicologia Social
Cabe neste estudo referir alguns textos e artigos publicados pelo Professor Pina Prata
enquanto investigador em Sociologia e Psicologia Social.
Na mesma linha dos "Apontamentos" já referidos para Psicossociologia da empresa e das
organizações, produziu uma obra sobre métodos e técnicas de investigação em Sociologia
(Pina Prata, 1975a), como base teórica para orientação das suas aulas. Foi editado pela
Associação de Estudantes do ISCTE, em formato policopiado, encontrando-se disponível
apenas na biblioteca daquele instituto.
Ao folhearmos esta obra volumosa, sentimos tratar-se de um manual exaustivo e
sistemático sobre os métodos e as técnicas da investigação sociológica. Todo o trabalho de
estudo, pesquisa, estruturação e escrita que lhe está subjacente é representativo de um
espírito rigoroso, metódico e profundo. Embora não esteja diretamente relacionado com os
objetivos deste estudo, é importante deixar a sua referência nesta revisão de literatura, para
outros que o queiram aprofundar.
Modelo do equilíbrio tensional
O artigo "Aproximação a uma teoria do equilíbrio tensional" (Pina Prata, 1975) é o que
consideramos mais importante do ponto de vista da investigação fundamental do autor em
Psicologia Social. Foi publicado na Revista Portuguesa de Psicologia e agora localizado na
biblioteca da FPIE. Fica aqui apenas uma resenha dos aspetos mais salientes desse estudo.
No primeiro capítulo o autor faz uma introdução geral ao tema, associando a dinâmica de
grupo (enquanto forma de intervenção psicossocial) à facilitação da mudança de atitudes
dos participantes. A questão que se coloca: "Como se processam as reestruturações
percetivas, cognitivas e operativas inerentes àquela mudança? Que modelo teórico
subentendem semelhantes reestruturações?" A análise da evolução do comportamento dos
grupos permite definir as várias fases que conduzem àquelas reestruturações e, logo, à
mudança de atitudes. É a partir da dinâmica de grupos que introduz a teoria do equilíbrio
tensional a qual visa explicar e prever os fenómenos de mudança de atitude.
A evolução grupal pode ser caraterizada em três fases, em que a trajetória não é linear mas
circular e ininterrupta:
- fase da exterioridade, em que o grupo surge como um "lugar onde" se fazem e dizem coisas como
opiniões, informações e sugestões; predominam os estereótipos e papéis sociais; fase da latência do
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conflito do grupo;
- fase da alteridade, do julgamento e tomada de decisões, do predomínio da opinião sobre a
informação, do conflito aberto;
- fase da inter-intimidade objetiva, da integração das experiências mútuas, com predomínio da
reestruturação do sistema de relações; grupo vivido como possibilidade de expressão das relações,
sejam no domínio cognitivo, afetivo ou operativo.
É nesta última fase que se dá a máxima tensão positiva relacional, em que se reorienta o
processo de desequilíbrio para o de reequilíbrio, pela mudança de atitude.
Há no decorrer das três fases uma ponderação diferente das três categorias do processo de
comunicação:
- opinião, em ligação com a dimensão socio-afetiva, com as crenças e sentimentos dos sujeitos;
- informação, em ligação com a dimensão cognitiva, com os dados e os factos;
- sugestão, em ligação com a dimensão operativa, com os comportamentos e modos de ação.
No decurso da evolução da dinâmica de grupo (no sentido da mudança de atitudes), à
ponderação diferente destas três formas de interação verbal correspondem, em cada fase,
estados diversos de tensão entre as dimensões cognitiva, socio-afetiva e operativa.
FIGURA 1: Tensão psicológica de base
Assim, Pina Prata (1975) estabelece as duas hipóteses que constituem o eixo teórico-
prático do modelo do equilíbrio tensional:
a) A tensão inerente às três dimensões do comportamento (C, A e O) é o tipo de
tensão psicossociológica básica da mudança de atitude;
b) Essa mesma tensão define-se em termos operatórios de informação, opinião e
sugestão.
Estas hipóteses constituem também pressupostos teóricos quanto às reestruturações
cognitivas, afetivas e operativas que se processam na dinâmica de grupo.
O segundo capítulo é dedicado à apresentação das teorias da consistência da mudança de
C - Cognitiva A - Afetiva O - Operativa
If - Informação Op - Opinião Ss - Sugestão
C
A
If
Op Ss
O
36
atitude, que aqui nos limitamos a referir de passagem: teoria da dissonância cognitiva, de
Festinger; teoria do equilíbrio, de Heider; teoria da congruência atitudinal, de Osgood e
Tannenbaum; teoria da reatividade, de Brehm. Todo este conjunto teórico sobre o processo
de mudança de atitude tem como princípio comum a consistência das dimensões básicas
do comportamento, isto é, o homem tem necessidade de manter uma coerência entre o que
diz, sente, decide ou faz. E só assim pode mudar a sua atitude. Embora desenvolvidos no
contexto da Psicologia Social, estes princípios não podem deixar de ser tomados em conta
no processo de mudança desejado em Terapia Familiar.
Merece referência o modelo da dissonância cognitiva, de Festinger, aqui discutido por Pina
Prata (1975). Segundo Brehm e Cohen existem três situações experimentais que podem
provocar a dissonância: situação de liberdade de escolha, situação de acordo forçado e
exposição a informações incompatíveis com as opiniões do sujeito.
Para explicar a mudança de atitudes, a teoria da dissonância cognitiva parte de postulados
simples: os elementos do conhecimento podem estar de acordo entre si (consonantes) ou
não (dissonantes). Nesta situação, gera-se no sujeito um estado de tensão psicológica cujo
mal-estar procura superar, reduzindo a dissonância. Essa redução visa a adaptação, o
reajustamento ou o reequilíbrio do sujeito. Trata-se, no fundo, de uma teoria do equilíbrio
cognitivo, já que a tendência é para superar o desequilíbrio provocado pela dissonância
cognitiva; essa tendência é diretamente proporcional à dissonância global.
O autor analisa depois a experiência clássica de Festinger e Carlsmith e expõe a sua
posição crítica quanto à estrutura concetual em que se baseiam tais experimentações e se
interpretam os seus resultados.
No último capítulo deste artigo de 65 páginas, Pina Prata (1975) descreve o seu modelo do
equilíbrio tensional, desde os conceitos e interligações até ao processo de estabilidade-
mudança e equilíbrio tensional.
A estrutura psicológica básica inerente a qualquer comportamento ou atitude, bem como as
interações verbais que ocorrem no processo de comunicação, integram as três categorias -
cognitiva, afetiva e operativa - já referidas atrás. Esta estrutura tridimensional é dinâmica,
uma vez que nenhuma das dimensões se fecha sobre si, embora tenham configurações
específicas, respetivamente: conhecimentos, ideias e informações; impressões, sentimentos
e opiniões; decisões, propostas e sugestões (Figura 1).
A tensão é um estado do sistema relacional, quer dos sujeitos quer dos grupos, sendo a
resultante permanente da dinâmica das dimensões cognitiva, afetiva e operativa. A
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valência deste estado de tensão pode ser positiva ou negativa. É de notar como nas psicoses
e nas neuroses se manifesta esta tensão dinâmica intra e inter cognitiva-afetiva-operativa. E
a distinção entre neurose e psicose reside na consciência que a pessoa tem ou não do seu
estado. Na neurose, o sujeito dá-se conta da sua angústia ("aperto", "opressão"); "dar-se
conta" é o que radicalmente carateriza a vida de cada pessoa, como defendia Ortega y
Gasset.
O equilíbrio tensional refere-se a um processo específico do estado tensional dos sujeitos
ou dos grupos: o sistema relacional, com valência positiva. Também o conflito é um
processo específico de tensão - o processo do desequilíbrio tensional - que tende ao
retardamento, paragem ou rutura da comunicação. Reflete a valência negativa do estado de
tensão do sistema relacional.
Por fim, uma referência ao processo de estabilidade-mudança. Segundo Pina Prata (1975),
"(...) a dinâmica das necessidades, enquanto processo que vai na direção da procura da
autorrealização das pessoas e dos grupos; concebido, por isso, como processo de
mudança". E existe um processo de estabilidade que é a outra face (e simultânea) da
mudança. Assim, neste processo misto estabilidade-mudança, a resistência à mudança
surge como mais um mecanismo, a juntar aos de equilíbrio e desequilíbrio.
Num outro contexto, e alguns anos mais tarde, Pina Prata apresenta resumidamente a sua
inovadora abordagem à Psicologia Social, e a forma como a pusera em prática na
estruturação da licenciatura em Psicologia Social, na FPCE da Universidade de Lisboa.
Trata-se de uma apresentação ao I Encontro Luso-espanhol de Psicologia Social, realizado
em 1987, cujas atas foram publicadas em livro sob o título "Psicologia Social em Portugal
e Espanha nos anos 80". Esta referência bibliográfica foi localizada na biblioteca do ISPA.
Segundo Pina Prata (1992), a originalidade metodológica da Psicologia Social no contexto
das ciências sociais, residia no deslocamento do eixo epistemológico do domínio
intrapsíquico individual para os fenómenos de nível interpessoal e grupal. Contudo,
algumas questões centrais tinham ficado em aberto, em particular a conceção clássica da
causalidade linear como modelo explicativo dos processos de influência.
Aquela mudança epistemológica significava o início de uma rutura com o paradigma
"clássico" da física matemática. E a mudança começava a mostrar-se em novos ramos da
Psicologia Social, como a Psicologia Social Clínica e a Psicossociologia das Organizações,
sob a nova perspetiva das relações interpessoais e grupais da conceção sistémica.
38
Foi esta visão de conjunto que levou Pina Prata a conceber o enquadramento pedagógico
dos curricula do departamento de Psicologia Social da FPCE da Universidade de Lisboa,
assente em duas vias de pré-especialização:
- Psicologia Social Clínica, em que se inclui a cadeira de Terapia Sistémica (estudo de casos);
- Psicossociologia das Organizações, em que se inclui Epistemologia e Métodos em Psicologia
Social, bem como Terapias Sistémicas e Metodologias Psicoterapêuticas.
Assim, um projeto universitário recente (a criação da licenciatura em Psicologia Social)
fora estruturado com base na nova abordagem da Psicologia Social. Passados anos,
podemos agora apreciar o alcance que esta visão e este projeto tiveram na abordagem
sistémica em Portugal, quer na psicossociologia organizacional quer na terapia familiar.
39
2.4 Abordagem sistémica inter-relacional na família e na organização
Durante o período considerável da sua vida que dedicou à Terapia Familiar - como
investigador, professor, supervisor e terapeuta - Pina Prata escreveu inúmeros textos, em
resultado das suas reflexões sobre a teoria e a prática clínica, na família e nas organizações.
Considerando as referências encontradas na pesquisa bibliográfica que realizámos,
publicou artigos em revistas e livros desde 1979 até 1997, desde o primeiro "A terapia
familiar como processo" ao último "Formas de intervenção da terapia familiar e
diagnóstico sistémico psicoterapêutico: complexidade e turbulência".
Depois desta última publicação, o seu pensamento e reflexões continuaram a ser
divulgados, quer através de textos organizados por outros, quer através dos seus
"Apontamentos" de apoio à formação pós-graduada em Terapia Familiar e Comunitária.
Tendo publicado o primeiro artigo referido aos 55 anos, na continuação de uma já longa
carreira de investigador e docente universitário na área da Psicossociologia, ainda dedicou
32 anos da sua vida e um total de cerca de 30 títulos à Terapia Familiar.
Do ponto de vista cronológico, podemos considerar 4 períodos:
a) As primeiras publicações, antes dos "Cadernos" (1979-1980)
- A terapia familiar como processo, 1979, publicado na revista Análise Psicológica e outros sítios
- As fases da terapia familiar sistémica como processo, 1979, em separata da revista Servir
- Analyse différentielle du système rigide de l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la
thérapie familiale, 1980, publicado na revista Thérapie Familiale
b) Os Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (1980-1983) - também designados
de Psicologia Social Clínica, área que desenvolvera e de onde emanava a terapia
familiar - dirigidos por Pina Prata e editados pela APTEFC e onde passou a
publicar os artigos que escrevia, juntamente com os de outros autores europeus:
- Caderno 1, Ópticas e estratégias de terapia familiar, 1980, com 5 textos do autor
- Caderno 2, Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional, 1981, com 7
textos do autor
- Caderno 3, O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária, 1983, com 3 textos do autor
c) Artigos publicados posteriormente (1985-1997)
- Patologia inter-relacional na sistémica da terapia familiar, 1985, publicado no livro coletivo
"Psicologia social do desenvolvimento: Socialização e saúde mental"
- Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia familiar, 1991, texto policopiado
- Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico, 1996, publicado na revista Cadernos de
Consulta Psicológica
40
- Formas de intervenção da terapia familiar e diagnóstico sistémico psicoterapêutico:
complexidade e turbulência, 1997, publicado no livro coletivo "Actas do colóquio Família".
d) Textos em coautoria e "Apontamentos" (1999-2011)
- 18 Anos da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária, 1999, com C.Sales,
publicado na newsletter Recortes
- Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária: Apontamentos do Professor Pina Prata,
2001-2010, sítio Internet da pós-graduação
- Intimidade e compromisso pessoal ou “aquilo que pode fazer com que um casamento funcione",
2002, com I.Narciso e M.E.Costa, publicado na Revista Portuguesa de Psicologia
- Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências, 2008, publicado em livro
organizado por C.Sales e e S.Gonçalves
- Being a systemic therapist in the family and in organizations, 2011, com C.Sales, publicado na
revista Human Systems.
Para além dos textos a que fazemos aqui referência, todos localizados e consultados, temos
conhecimento da existência de outros, nomeadamente através de notas bibliográficas e de
pé de página existentes em textos do autor, que não foi possível localizar. Contudo,
deixamos aqui essas referências para possíveis investigações:
- A socialização da criança, 1977, texto policopiado
- Dimensão socio-afetiva da terapia familiar, 1978, texto policopiado
- O período de destruturação-confirmativa da anorexia mental na óptica sistémica da terapia
familiar, 1979, publicado na Revista Hospitalar 171/172, pp 78-87
Nesta revisão de bibliografia não foi seguida a perspetiva cronológica pois seria fastidioso
ir percorrendo sequencialmente cerca de 30 títulos, sem quaisquer critérios estruturantes.
Achámos mais adequado organizar em áreas temáticas e agregar assim os textos de acordo
com os seus conteúdos principais, independentemente da época em que foram criados ou
publicados. Para isso, foram estabelecidas as seguintes categorias que passamos a
desenvolver em seguida:
- Dos começos da Terapia Familiar ao I Encontro Europeu - Fundamentos teóricos no modelo sistémico inter-relacional - Processo e intervenção em terapia familiar - Debate, partilha e crítica - Formação de terapeutas e "Apontamentos"
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Dos começos da Terapia Familiar ao I Encontro Europeu
No preâmbulo do primeiro Caderno de Terapia Familiar e Comunitária, Pina Prata explica
que estes cadernos nascem de uma "necessidade" de abrir o caminho em Portugal ao novo
modelo psicossociológico que é a Terapia Familiar sistémica; de uma "prática" de reflexão
pessoal e grupal; de uma "expectativa" de bom acolhimento para a reflexão e a prática dos
profissionais que procuram estar atualizados (Pina Prata, 1980a; APTEFC, 2011a).
Apresenta de início uma nota sobre os começos da terapia familiar, como contributo para a
história da Terapia Familiar em Portugal, aludindo ao modo como se começou aqui a
estruturar, no contexto do seu aparecimento na América e depois na Europa.
Com o Professor Pierre Fontaine, da Faculdade de Medicina de Lovaina, programou em
1976 o primeiro conjunto de treinos intensivos de Terapia Familiar que vieram a ser
realizados em Portugal, em Março, Abril e Maio de 1977, sob a orientação de terapeutas
familiares da equipa do Professor Fontaine. Cada um dos três treinos desenrolou-se durante
quatro dias, para um número restrito de doze profissionais, psiquiatras e psicólogos
qualificados, tendo em conta os objetivos de formação intensiva em profundidade.
Esta primeira opção de iniciação à Terapia Familiar teve continuidade em moldes
diferentes do que tinha sido feito na Bélgica e na Itália, tirando partido dessa experiência.
Em vez de avançar para a formação imediata de terapeutas familiares profissionais, Pina
Prata procedeu ao lançamento de "treinos pedagógicos nas estratégias da Terapia Familiar
sistémica", em três níveis, destinados a grupos de 15 operadores sociais profissionais, em
três anos consecutivos (1978, 1979 e 1980). Não visavam a formação imediata de
terapeutas familiares mas dotar os profissionais, da área social, de uma nova abordagem
aos problemas familiares, numa visão cuidadosa que evitava "poluir" as intervenções
psicossociológicas feitas sob o nome de Terapia Familiar. Só numa fase posterior poderiam
estes operadores sociais, de diversas profissões, aceder a uma formação específica para se
tornarem terapeutas familiares.
Este modo de encarar o treino em Terapia Familiar, em duas fases distintas mas
articuladas, relaciona-se, segundo Pina Prata, com a ótica sistémica que faz com que a
Terapia Familiar esteja imbricada com a Terapia Comunitária. A preparação de um número
elevado de operadores sociais é indispensável a uma boa complementaridade entre estes e
os terapeutas familiares. Esta dialética sistémica entre Terapia Familiar e Terapia
Comunitária está também patente na realização, em 1978, do Congresso Internacional de
42
Terapia Familiar, em Florença, intitulado "Terapia Familiar na Comunidade". E também
nos objetivos dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, lançados a partir de 1980.
Tal como a formação em Terapia Familiar, foi também no âmbito do GUIR (Grupo de
Universitários para a Investigação e Intervenção Relacional) que Pina Prata desenvolveu
atividade constante de investigação, baseada nas suas intervenções psicossociológicas,
tendo-se centrado na observação dos sistemas inter-relacionais familiares patológicos mais
rígidos. Assim, no seminário de pós-graduação em Psicopatologia que dirigiu na Faculdade
de Medicina da Universidade de Lovaina, a convite do Professor Fontaine, abordou a
problemática do sistema rígido da anorexia mental na ótica sistémica. O artigo publicado
sobre o tema (Pina Prata, 1980f) está referido mais adiante nesta monografia.
Do mesmo modo, os ateliês que o autor orientou em França, em 1980, nas Jornadas
Internacionais de Terapia Familiar de Lyon, destinadas a um grupo de terapeutas familiares
de vários países, assentaram na discussão das "estratégias do processo terapêutico nos
sistemas familiares rígidos".
Todas estas atividades de investigação, formação e intervenção não se podem dissociar do
desenvolvimento de contactos com os grupos universitários e especialistas em terapia
familiar de outros países europeus como Bélgica, Holanda, França, Itália, Suíça e Noruega.
Encontros como o primeiro Seminário Internacional de Terapia Familiar organizado em
Lisboa em 1978, no âmbito do VII Congresso Internacional de Psiquiatria Social, muito
contribuíram para o fortalecimento desse intercâmbio. O acordo cultural luso-belga,
permitindo o plano de trocas de especialistas na área da terapia familiar entre ambos os
países (elaborado por Pina Prata e Pierre Fontaine) enquadra-se no mesmo movimento.
A terminar esta resenha histórica, Pina Prata (1980a) refere ainda a concretização do
primeiro curso universitário de Terapia Familiar, por ele regido, no contexto da cadeira de
Psicologia Social Clínica da Licenciatura em Psicologia da FPCE.
Funda também em Julho de 1980, com outros profissionais, a Associação Portuguesa de
Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC). No mesmo ano tinha sido criada outra
associação - a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar - que Pina Prata considera um
facto positivo no sentido de contribuir para superar o atraso existente na Terapia Familiar
em Portugal.
Os Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária constituíram o meio mais efetivo ao dispor
da APTEFC, para divulgar a nova ótica terapêutica familiar sistémica, com base em
43
informação escolhida. Beneficiando da cooperação europeia atrás referida, o seu primeiro
número inclui artigos importantes de vários especialistas como Andolfi, Caille e Ausloos,
para além do clássico "Para uma teoria da esquizofrenia" de Bateson, Haley e outros.
Na segunda parte deste texto, Pina Prata (1980a) apresenta a sua visão sobre os objetivos
dos "Cadernos" e a sua estrutura informativa. Perante o novo paradigma terapêutico em
que se inscreve a terapia familiar, a mudança na abordagem da doença mental e dos
problemas humanos em geral depende do modo como vierem a ser elaborados e praticados
os conceitos-chave da terapia familiar sistémica e suas estratégias. Passadas as primeiras
fases do desenvolvimento da terapia familiar, e da prática do processo terapêutico, torna-se
necessário aprofundar o referencial teórico; segundo o autor, "teoria significa ver; boa
teoria quer dizer saber observar bem".
Assim, os "Cadernos" têm o duplo objetivo de conciliar o rigor da informação com a sua
divulgação para a prática profissional. Conforme anuncia Pina Prata (1980a), a estrutura do
primeiro número dos "Cadernos" (e previsivelmente dos seguintes) apresenta várias
rubricas:
- Clássicos: dar a conhecer os "clássicos" da Terapia Familiar, tanto as suas investigações teóricas
como as terapêuticas específicas que propõem;
- Investigações atuais: divulgar artigos assentes em planos de investigação, com reconhecido nível
teórico ou prático;
- Estratégias: hodologias e técnicas: apresentar estudos de outros autores sobre as suas próprias
estratégias, com foco nos aspetos práticos e nas técnicas de apoio ao processo terapêutico;
- Debate: mostrar e debater as posições de outros investigadores que se situam em óticas diferentes;
- Sugestões e comentários bibliográficos
- Informações
Conforme pode ser consultado em APTEFC (2011a) e nos próprios "Cadernos", o mesmo
formato informativo foi utilizado no Caderno 2. Porém, o Caderno 3 foi diferente por ter
sido dedicado à publicação das conferências e comunicações livres apresentadas no I
Encontro Europeu de Terapia Familiar e Comunitária, bem como outros artigos que já
estavam para publicação.
Toda a atividade de investigação, formação e divulgação conduzida pelo Professor Pina
Prata no início da década de 80, tanto ao nível nacional como europeu, teve o seu ponto
alto na realização daquele Encontro, organizado pela APTEFC em 1983, em Lisboa.
No texto de apresentação do Caderno 3, Pina Prata (1983) cita o texto de abertura contido
44
nos desdobráveis de divulgação do programa do Encontro:
"O 1º Encontro Europeu de Terapia Familiar e Comunitária, organizado pela Associação Portuguesa
de Terapia Familiar e Comunitária e pela Cátedra de Psicologia Social Clínica da Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, visa reunir em Portugal um
número significativo de terapeutas familiares europeus, de reconhecida competência científica e
clínica, para se proceder a um balanço de suas posições teóricas e de suas mútuas experiências
clínicas, no que se refere a um grupo de problemas centrais, por eles mais estudados".
Sempre aberto ao debate e à crítica construtiva, acrescenta que, apesar do enfoque na
perspetiva sistémica, o Encontro está aberto a outras óticas da Terapia Familiar e a outras
formas de terapia, como a comportamental e a da sexualidade. Pretendia-se que fosse um
encontro de discussão científica útil a todos os profissionais que trabalham com problemas
familiares. Daí a importância da publicação dos trabalhos apresentados e dos debates
críticos realizados, pondo ao alcance dos operadores sociais investigações e práticas
terapêuticas inovadoras.
Pina Prata (1983a) faz uma alocução na abertura do Encontro em que aponta linhas de
discussão centradas nas dificuldades teóricas e práticas atuais do modelo sistémico inter-
relacional e, também, nos processos psicossociológicos básicos nos sistemas inter-
relacionais perturbados. As suas primeiras palavras são sobre encontro: " O pensamento é
um encontro. A amizade e o ódio são encontros ao contrário. Tanto mudar como não
mudar supõem também encontros com outrem (...). Cada terapia é uma forma de mudança.
O encontro é a face exterior da relação: a face espácio-cultural, a face física, sensorial e
normativa em todos os sistemas de relação (...)"
Este Encontro só foi possível "devido a muitos encontros vividos por cada um de nós" e
corresponde ao desejo de continuar, de forma mais consistente, o projeto comum do
pensamento europeu no novo domínio da sistémica das inter-relações. A realização de um
encontro europeu com estes objetivos tinha sido sugerida por Pina Prata no Congresso
Internacional de Terapia Familiar na Comunidade, realizado em 1978 em Florença.
Segundo o autor, a nova abordagem sistémica inter-relacional dos comportamentos
perturbados encontrava-se num momento crítico do seu desenvolvimento, traduzindo-se
em alguma confusão concetual e de técnicas terapêuticas, para o qual "a prática
profissional não deixa tempo suficiente para a reflexão".
Apresenta em seguida (Pina Prata, 1983a) as dificuldades teóricas e práticas do modelo
sistémico inter-relacional, agrupando-as em torno de três problemas de natureza
epistemológica. Desde o começo do século XX que o centro de gravidade epistemológica,
45
em todas as ciências, se tem desviado do modelo dominante da física tradicional para o
conceito de relação. Daí decorre um segundo problema, entre as teorias que caraterizam o
novo pensamento científico, que consiste na falta de conexão entre elas; em terapia
familiar sistémica existe uma distância concetual entre abordagens estruturais-operacionais
e existenciais-fenomenológicas (não estruturadas). Um terceiro problema diz respeito à
falta de (ou reduzida) articulação entre a ação do terapeuta familiar e o seu modelo teórico,
podendo originar uma invasão do "mercado terapêutico" por estratégias "mágicas
simplistas".
Sobre o tema do comportamento perturbado e fenómenos sintomáticos, o autor considera
que aquele comportamento se carateriza por exprimir, à sua maneira, o "contágio
envenenado" entre uma estrutura (corporal, espácio-temporal ou normativo-cultural) e um
sistema particular de inter-relações disfuncionais.
"É por isso que o sintoma é uma forma de erupção, uma porta de saída e também uma porta de
entrada. Donde o seu papel de manutenção e de mudança do sistema".
Quer dizer que todos os sintomas psicopatológicos remetem para sistemas específicos de
relações, sendo a face manifesta dos problemas latentes inter-relacionais. Assim, as
estruturas familiares disfuncionais podem ser vistas através da análise das redes das
interações tecidas à volta dos sintomas.
Pina Prata considera que o modelo teórico e experimental mais avançado e adequado às
ciências do comportamento - alternativo do modelo nosográfico clássico - é o da
psicossociologia. Pode dizer-se que, conforme o perfil dos sistemas inter-relacionais
perturbados, verificam-se diferenças no funcionamento de três processos
psicossociológicos básicos, os quais necessitam de reorientação no decorrer do processo
terapêutico:
- circulação da informação no sistema, dosagem do fluxo informativo;
- emprego de diversas formas de avaliação-conotação;
- procura de novas configurações de comportamentos alternativos disponíveis.
Com uma visão abrangente e integradora, o autor acha que a aplicação deste modelo - da
psicossociologia - não é exclusiva de nenhuma abordagem particular, facilitando a
articulação entre as terapias estruturais e as de processo (centradas na qualidade da
vivência das relações), bem como as estratégias centradas na resolução de problemas.
46
Fundamentos teóricos no modelo sistémico inter-relacional
Sob este título, apresenta-se um conjunto de 5 textos que compõem teoricamente a
abordagem sistémica inter-relacional, em rutura epistemológica com o modelo clássico da
causalidade linear, próprio da psicopatologia clássica ou da abordagem psicanalítica.
São resultado da reflexão e aprofundamento teórico do autor, na linha dos
desenvolvimentos internacionais em que se insere, e em conjugação com a sua prática
terapêutica, de que vários casos são apresentados na bibliografia produzida.
Apesar de existirem ideias recorrentes que atravessam todos estes textos, publicados no
período de 5 anos entre 1981 e 1985, optamos contudo pela sua apresentação cronológica,
por facilidade metodológica e por assim corresponder à evolução do pensamento do autor.
Os primeiros três textos
- A psico-sociologia das organizações como fundamento teórico-prático da face estrutural do
modelo sistémico inter-relacional da terapia familiar (Pina Prata, 1981a)
- Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional (Pina Prata, 1981b)
- Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas familiares perturbados (Pina
Prata, 1981d)
foram publicados no II Volume dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Pina
Prata, 1981), dedicado ao tema "Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica
inter-relacional", sendo esse também o título de um dos artigos mais importantes. De
acordo com a sua ótica sistémica, o autor liga de uma forma assumida e sistemática a
terapia familiar com a psicossociologia das organizações, liga a patologia familiar com a
patologia organizacional, encarando sempre a família como uma forma específica de
organização. Esta visão está muito presente nos primeiros textos, embora depois o enfoque
passe a ser quase só familiar, seguindo a prática que vai aprofundando.
Psicossociologia das Organizações e Terapia Familiar
No primeiro destes textos, Pina Prata (1981a) enquadra historicamente a evolução dos
conceitos e a interligação teórica e prática entre a problemática da Psicossociologia das
Organizações e a sistémica inter-relacional da Terapia Familiar, articulando-se ambas na
Terapia Familiar Comunitária, na perspetiva de que "existe uma circularidade entre a
teoria, enquanto modo de ver a realidade, e a realidade que vai suscitando novo olhar
teórico". Adverte que a dificuldade daquela articulação teórica resulta, no contexto da
"sociedade urbana tecnológica", da dinâmica da interdependência entre as estruturas
47
organizacionais e uma dada textura (ou tecido) de relação de participação. Este problema
central está presente, e é semelhante, tanto na grande empresa industrial, como numa
grande instituição hospitalar, na pequena organização que é a família, ou numa sessão
terapêutica de sistémica familiar.
O autor apresenta uma retrospetiva histórica, desde finais do século XIX, sobre a evolução
da Psicologia Social, realçando a tentativa de alguns autores de não dicotomizarem os
problemas individuais e os sociais, apresentando o comportamento como função de
parâmetros pessoais mas também de fatores situacionais ou sociais. Citando Pina Prata
(1981a):
"A base de qualquer interação está integrada no que chamei triângulo de oiro da Psicologia Social,
em que o nível de interação grupal (G) é um dos três níveis de interação comportamental, a par do
nível de interação individual (I) ou pessoal e do nível de interação das estruturas e do poder social
(S)".
A Psicologia Social do pós-guerra dá um lugar de relevo ao estudo da dinâmica dos
grupos, em que a problemática da interação indivíduo-grupo-estruturas sociais leva à
formalização das relações de poder. Refere um estudo experimental de Lippit e White que,
nos anos 40, anuncia já o "salto teórico-prático qualitativo" que só nos anos 60 se inicia
formalmente, segundo o qual toda a interação de poder (a qualquer dos três níveis
apontados) é vista em termos de definição de inter-relações. Em palavras simples, quando
alguém fala com outra pessoa - seja o pai com o filho, o médico com o paciente, ou o
gerente com o seu subordinado - não apenas se comunica uma mensagem com um certo
conteúdo, como se define uma relação de poder. O conceito de relação é, assim, o fio
condutor da ciência na época; determina, no âmbito das investigações e das intervenções
psicossociológicas clínicas, o salto metodológico da psicossociologia da interação para a
psicossociologia das inter-relações.
Novo paradigma sistémico inter-relacional na patologia organizacional e na familiar
Pina Prata desenvolve e aprofunda o seu pensamento num dos artigos que será uma das
referências mais importantes da sua obra: "Patologia organizacional, patologia familiar e
sistémica inter-relacional" (Pina Prata, 1981b). A designação do artigo (e do Caderno em
que é publicado) pretendem vincar que está em causa uma mudança epistemológica quer
na abordagem teórica que carateriza o pensamento científico, quer na observação dos
fenómenos do comportamento perturbado e do comportamento humano em geral. Como
refere o autor:
48
"Trata-se da passagem do modelo médico da etiologia linear da unicausalidade e do paradigma
intrapsíquico de uma personalidade em-si-mesma perturbada, para os diferentes formatos de terapia
inter-relacional, em que se situa precisamente também a terapia familiar".
Há assim uma mudança da "unidade de tratamento" do paciente, isolado do seu meio
familiar ou organizacional, para a família (nuclear, alargada ou rede social) ou para as
organizações mais variadas. Neste contexto, a mudança de "paciente" para "paciente-
designado" tem um significado radical.
Os vários tipos de sistemas de relações imbricam-se entre si: o familiar com o escolar, o
profissional com o familiar, o judicial com o familiar e o escolar, e outros. Assiste-se assim
à passagem para modelos inter-relacionais englobantes e abertos, em que os parâmetros de
totalidade evolutiva e de circularidade são fundamentais. Citando o autor:
"A compreensão dos fenómenos inter-humanos e sociais passa pela perspetivação e apercebimento
da complexidade das redes ou estruturas de relações (...) e da qualidade destas, isto é, da dinâmica
dos processos socio-afetivos, cognitivos e de atitudes operativas (...)".
A perspetiva inter-relacional, segundo Pina Prata (1981b), implica dois axiomas: as
sistémicas da terapia familiar e da terapia organizacional representam duas variantes do
modelo básico da sistémica inter-relacional; existe similitude dos processos psicológicos e
psicossociológicos nos diversos sistemas inter-relacionais, isto é, a patologia das relações
disfuncionais define-se de modo semelhante num dado sistema familiar como num sistema
escolar ou empresarial.
Os objetivos do artigo são mostrar o alcance teórico-prático dos dois axiomas, fundamentá-
los, distinguir os subsistemas de "relacionamento" e de "relacionação" e proceder à
exemplificação através da apresentação e análise de 8 casos.
Sempre que nos interrogamos sobre "o que se passa" - quer seja numa organização
industrial, numa família, ou noutro grupo social - podemos dizer que o comportamento
perturbado (ou tensão ou conflito) é função de uma determinada estrutura (ST), de uma
determinada textura de relações qualitativas (TX) e de um determinado contexto (CT), seja
intrassistémico ou intersistémico. Assim:
Cpt- = f (ST, TX, CT)
Referindo-se a um caso apresentado por Hirsch num seminário por este orientado,
demonstra a necessidade que houve de recorrer à utilização da terapia familiar em meio
institucional, na sequência do fracasso de outras abordagens, intrapsíquicas ou
educacionais. Trata-se de um caso paradigmático do modo como frequentemente se chega
à descoberta da realidade da família como sistema de relações, cuja homeostase pode pôr
49
em causa qualquer tentativa de intervenção que não seja a terapia familiar sistémica. A
propósito deste caso, em que o jovem se encontra internado numa instituição, Pina Prata
desenvolve considerações muito importantes sobre a entrada da terapia familiar numa
instituição e ao modo de fazer terapia familiar nesse contexto, segundo a visão de Hirsch.
Um último ponto apresentado diz respeito ao modo como a equipa, no caso em discussão,
decidiu ter em conta um terceiro sistema, o judicial, numa perspetiva intersistémica. Esta
intervenção passou por pôr em prática um plano de formação e de, assunto mais delicado,
fazer passar pelo juiz de menores a prescrição de terapia familiar, pelo facto de certas
famílias a não procurarem da forma desejada.
Pina Prata (1981b) passa em seguida a apresentar Bloch e a sua visão da psicoterapia
familiar e das "interinfluências sistémicas e subsistémicas". Bloch utilizou, entre outros, o
exemplo paradigmático do casal abastado que comprou um cobertor elétrico com dois
sistemas de comando da regulação térmica. Cada um tem o seu dispositivo de controlo que
lhe permite regular a temperatura do cobertor a seu gosto. Este exemplo é ilustrativo das
interinfluências subsistémicas; existem dois subsistemas no sistema do casal, pois
continuam a ser indivíduos, com personalidades que apontam para conjuntos diversos de
relações. Esta perspetiva aplica-se em qualquer configuração sistémica, como é o caso da
empresa nova-iorquina também apresentado no texto.
A expansão da terapia familiar em 1973 era já uma realidade: "cerca de 50 pessoas
assistiam aos primeiros congressos; este número tem aumentado cada ano, para atingir nos
últimos anos mais de 1000 participantes"; ou ainda "em 1960 inaugurou-se em New York
o primeiro Instituto de T.F.; em 1973 havia 10 Institutos deste género nos E.U.A". Tal
expansão poderia traduzir um progresso real das investigações no domínio das
psicoterapias; mas também poderia esconder um certo desencanto em relação a outras
formas de terapia.
Rutura ou integração entre terapias clássicas e a sistémica inter-relacional?
Uma questão que o autor se coloca: "haverá rutura ou integração dos modelos terapêuticos
clássicos com os da sistémica inter-relacional?" Segundo ele, é compreensível que modos
enraizados de observar, diagnosticar e de tratar não facilitem a passagem a outros métodos
terapêuticos. E citando Haley, "Um dos problemas mais interessantes no treino da terapia
familiar é persuadir um profissional que andou mergulhado nos diagnósticos e treinos de
um hospital psiquiátrico, durante anos, a tratar um acontecimento aparentemente psicótico
50
como um problema transitório de relações humanas". Ou ainda, por Pina Prata:
"Assim como se fala em desfamiliarizar a família, abrindo-a ao sistema de relações comunitárias em
que se inscreve, assim também falo de despatologizar a relação terapêutica, inserindo-a num
contexto de inter-relações psicossociológicas".
A nova epistemologia apercebe a realidade da pessoa como sistema dinâmico relacional,
constituinte de inter-relações, o que vai implicar uma redefinição da própria relação
terapêutica e do modo de encaminhamento do processo terapêutico. Um testemunho de um
psiquiatra, apresentado no texto por Pina Prata, é muito claro acerca da dificuldade de
mudar de paradigma: "reconheço a minha incompetência na teoria dos sistemas e invejo-te
por conseguires 'pensar sistema', pois para mim é um pouco como passar de um
instrumento de sopro a um instrumento de corda, da análise individual ao sistema".
Ainda sobre rutura versus integração de perspetivas diferentes, o autor considera que de
facto se deu uma rutura ou descontinuidade, na década de 60, entre as duas epistemologias:
a da etiologia causalista unilinear (e sua abordagem individualista intrapsíquica) e a
emergente epistemologia da circularidade evolutiva inter-relacional. Tratava-se de um
grande salto qualitativo na maneira de olhar e compreender não só o comportamento
perturbado mas toda a problemática humana, tanto a nível pessoal como a nível grupal e
organizacional.
A terapia nas organizações
A perspetiva organizacional e a questão da terapia em organizações é ainda abordada por
Pina Prata (1981b) no que intitula "armadilhas institucionais", à semelhança de um artigo
citado de Palazzoli. Começa por explicar que o conhecimento do organigrama de qualquer
organização é um dos caminhos mais diretos para se observar e levantar hipóteses sobre o
que se passa, como se passa e quando se passa nas organizações, porque permite ver:
- como os papéis estão definidos;
- quais as normas organizacionais que definem a forma como se processa a comunicação;
- que articulação existe entre o processo de liderança organizacional e as estruturas de tomada de
decisão e de controlo;
- a configuração do sistema de interações e a distância entre a orgânica formal e as redes informais
das inter-relações.
Há necessidade de saber o que se passa na organização para intervir, para dar resposta a
um pedido da organização; mas também necessidade de saber que tipo de intervenção
fazer. Segundo Palazzoli, citada por Pina Prata, a intervenção terapêutica é uma
51
componente secundária da competência profissional do psicossociólogo; a componente
primária é a sua capacidade de controlar os seus próprios comportamentos
comunicacionais, não se deixando envolver nas comunicações disfuncionais da
organização. Assim, o terapeuta organizacional só deve intervir a pedido explícito e formal
da organização, através de negociação de contrato específico.
As "armadilhas das instituições" a que se refere Palazzoli são, no dizer do autor,
"marcadamente estruturais e remetem-nos para situações de controlo de poder e disfunções
nas intercomunicações", no contexto da problemática intrassistémica organizacional. São
apresentados alguns exemplos em organizações, representando vários tipos de
"armadilhas":
- o pedido de intervenção, geralmente pela parte que se sente a perder "espaço de poder", pode levar
a uma coalizão do terapeuta com a "parte perdente", contra a outra parte;
- nas organizações rígidas, cujo contexto favorece a homeostase, a rigidez manifesta-se na
proliferação de projetos que nunca são realizados, suscitando lutas pelo poder e sintomas de
natureza diversa;
- comportamentos das chefias em casos de receio de perda ou diminuição de poder.
O autor coloca a questão "Que fazer o psicossociólogo inter-relacional, após observação
deste jogo-armadilha organizacional?" e apresenta respostas que ainda hoje mantêm
atualidade. A questão é pertinente a dois níveis: o terapeuta, por inexperiência de funções
diretivas em organizações, desconhece as lutas de poder de forma direta, apenas por
observação; o terapeuta é ele também "jogador de poder" na sua área de influência.
Assim, numa primeira fase da sua entrada na organização, o terapeuta ou psicossociólogo
organizacional deve: a) fugir à armadilha que lhe é proposta de ser o agente da mudança do
clima da organização, b) só posteriormente intervir como terapeuta das disfunções
organizacionais, na base da negociação de um contrato formalizado; c) manter-se
sobretudo numa atitude de pedagogia de informação que catalise o clima mínimo
necessário à mudança.
Quantidade e qualidade das interações em sistemas familiares perturbados
Na sua abordagem teórica da terapia sistémica inter-relacional, Pina Prata publica um outro
texto de referência: "Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas
familiares perturbados " (Pina Prata, 1981d). Este texto é de elevado interesse, não só pela
apresentação e discussão de 8 casos ilustrativos, mas sobretudo pela introdução e
desenvolvimento de temas como o "sistema inter-relacional terapêutico", o termo do
52
processo terapêutico e a responsabilidade partilhada.
Começa por introduzir, tal como em outros textos já referidos, os postulados da terapêutica
sistémica inter-relacional, que se baseia na hipótese de que:
"lidamos com comportamentos perturbados cuja patologia é em sua raiz relacional, isto é, que se
alimenta de um tecido de relações e de inter-relações familiares cuja rigidez se manifesta tanto em
certas formas de comunicação, como em certas configurações de estruturas sequenciais ou de
organização de sintomas".
Para exemplificar este e outros postulados, o autor analisa vários casos de famílias
perturbadas e respetivos sistemas inter-relacionais familiares (que designa por SiRLf),
incluindo situações de anorexia, fobia, esquizofrenia, dificuldades escolares, depressão,
delinquência, sobre as quais coloca questões como: de que modo a magreza e as questões
da comida vão estruturar as inter-relações dos membros da família entre si? qual o papel
desempenhado pelas atividades esquizofrénicas na indiferenciação-diferenciação socio-
afetiva familiar? como se situar relativamente aos dois sistemas, o familiar e o escolar?
Redefinição do contexto terapêutico e termo do processo
A partir dos casos, destaca alguns problemas com que se defronta o terapeuta que utiliza o
modelo sistémico inter-relacional. Desde logo, a redefinição do contexto terapêutico, já
que o modelo de terapia que os clientes têm interiorizado é geralmente médico-orgânico e
nem sempre é fácil desconstruir o contexto de intervenção "clínica". O próprio conceito de
diagnóstico, sendo marcadamente médico, passou a ser também usado ao falar-se de
diagnóstico psicológico, o que contribui para negativamente manter a associação entre
ambos os modelos de intervenção. É difícil fazer renunciar o cliente à crença no poder
mítico da "cura", razão pela qual o autor aceita o uso da expressão "consulta" em terapia
familiar, apenas num primeiro momento, para logo em seguida procurar que se deem conta
da importância da terapia familiar como "encontro" de relação de mudança. Até o próprio
termo "terapia" enferma, tal como os anteriores, dos mesmos limites.
Conforme frisa Pina Prata (1981d), importa que estas questões terminológicas não
impeçam a redefinição do novo contexto. Com esse fim, é importante que o terapeuta faça
eclodir relacionalmente um "novo tipo de relação-de-poder", marcado pela sua
competência em:
- ser o definidor das relações durante os encontros de terapia familiar
- reconhecer a competência da família em assumir ela própria a gestão de suas dificuldades
- reconhecer-se incompetente face àquela competência dos membros da família
53
Em segundo lugar, a questão primordial, em qualquer terapia, do termo do processo
terapêutico. Num dos casos apresentados, no último encontro a família não se lembrava do
"contrato terapêutico" de 5 sessões; por seu lado, o terapeuta dava-se conta que o processo
terapêutico de mudança estava ainda fortemente em curso. E o processo terminou. Porque
procedeu assim? Segundo o autor, terminar uma terapia não só tem a ver com o modo
como foi iniciada e combinada, mas sobretudo com a conceção da terapia familiar
enquanto "processo unitário de circularidade evolutiva", em que todas as etapas estão
sempre presentes em cada momento.
"O fim de uma terapia familiar está já no seu começo"
Antes do fim da terapia, a família efetua o processo de "confirmação da reestruturação" na
configuração dos seus papéis e inter-relações. E durante essa fase, quer a família quer o
terapeuta dão-se conta que o processo terapêutico começa a gerar a sua própria separação
nos dois subsistemas: o da família e o do terapeuta.
Segundo Pina Prata (1981d), um sinal de boa condução da terapia é o facto de ambos,
família e terapeuta, se darem conta que o fim está para chegar, e que chegou. O número de
sessões estabelecido no primeiro encontro deve ser respeitado, embora possa ser
reformulado, para menos ou para mais, antes ou ao chegar ao seu termo; o modo de o fazer
deve estar inserido na própria estratégia da terapia. Tendo em conta a sua experiência e de
outros terapeutas familiares, em certas situações graves pode ser mais adequado um
conjunto de 10 ou de duas vezes 5 sessões, com intervalos médios de quinze dias (e mais
frequentemente de um mês ou três semanas); ao despertar maior estimulação das
potencialidades, a gravidade da situação pode assim ser melhor superada.
Sistema inter-relacional terapêutico e responsabilidade
Por último, a responsabilidade partilhada e a responsabilidade individual. A perspetiva
sistémica determina que seja o terapeuta familiar a definir o novo tipo de relações no novo
sistema inter-relacional que é o sistema terapêutico (SiRLTP), enquanto função do
subsistema relacional do terapeuta (SRLtp) e do subsistema inter-relacional da família
(SiRLf).
SiRLTP = f (SRLtp, SiRLf )
54
FIGURA 2: Sistema inter-relacional terapêutico
A empatia inter-relacional do terapeuta não significa que os males ou disfunções da família
ou de seus membros passem a ser dele; quer antes dizer que o terapeuta se deve dar conta
de como se vão tecendo as relações no decorrer da terapia familiar, sendo o definidor de
um novo estilo de inter-relações. Pina Prata (1981d) afirma que tem por hábito exprimir à
família, ou seu membro, o seguinte:
"Ao passardes aquela porta, toda a responsabilidade é vossa; do que sucede aqui dentro, entre nós,
durante cada encontro de T.F., cabe-me completa responsabilidade."
O sucesso e o insucesso é geralmente resultado de uma responsabilidade partilhada;
contudo, o terapeuta familiar deverá "digerir" o insucesso como coisa sua, reservando o
sucesso para o "património da família".
Permanece a questão da responsabilidade individual. Qual o seu lugar numa ótica de
circularidade sistémica, em que se procura superar o paradigma da causalidade-linear
culpabilizante? O autor apresenta algumas considerações sobre o tema, não as
considerando definitivas, e reconhecendo desconhecer que outros autores se tenham
debruçado sobre isso.
55
Fórmulas-guia explicativas de sistemas familiares rígidos
No mesmo texto (Pina Prata, 1981d), discute ainda a questão da taxinomia inter-relacional
e desenvolve as suas fórmulas-guia em modelos-tipo familiares, as quais são estruturantes
do seu pensamento teórico fundamentando-o em modelos quantitativos.
De acordo com a sua teoria do equilíbrio tensional aplicada à evolução da dinâmica de
grupo, já referida atrás (Pina Prata, 1975), à ponderação diferente entre as três categorias
do processo de comunicação (informação, sugestão e opinião) correspondem estados
diversos de tensão.
As fórmulas-guia criadas pelo autor servem para ilustrar os casos apresentados de famílias
perturbadas, e as transformações ocorridas durante o processo terapêutico, em função do
balanceamento na utilização pela família das Informações (If), Sugestões de iniciativa (Si)
e Opiniões (Op), podendo estas ser positivas (+) ou negativas (-). Consideremos apenas a
que representa os "sistemas inter-relacionais rígidos":
SiRL f - = ({ { (∑If +) < (∑If -) } + { (∑Si +) < (∑Si -) }} < { (∑Op -) > (∑ Op +) })
A quantificação e a qualidade das interações, neste caso, assentam numa estrutura em que
o somatório de informações e de sugestões positivas é inferior ao somatório de
informações e de sugestões negativas, e em que o conjunto de opiniões negativas suplanta
as opiniões positivas.
Nas famílias e outros sistemas de inter-relações assim estruturados, a rigidez é medida pelo
facto de haver sequências de interações que se repetem, mas também pelo modo como
qualitativamente estas se comportam.
Segundo Pina Prata (1981d), em todos os casos referidos notou-se que:
"o processo terapêutico induziu uma utilização mais objetiva da informação disponível no sistema
inter-relacional (If+ >): maior aceitação das informações com que os diferentes membros da família
pretendem validar o que pensam (dimensão cognitiva), o que sentem (dimensão socio-afetiva) e o
que fazem (dimensão operativa).
Também induziu melhor utilização das avaliações com que as diferentes pessoas manifestam as suas
preferências positivas (Op+ >), também no tríplice nível cognitivo-afetivo-operativo das interações
comunicacionais.
Por fim, induziu um aumento ou uma atualização mais diferenciada em alternativas das sugestões de
iniciativa (Si+ >) de cada membro das diversas famílias, igualmente nos três níveis
comportamentais."
O autor conclui o texto abordando temas como "dinâmica da imbricação de modelos inter-
relacionais" e "interconfluência de tensões" que aqui deixamos apenas referenciados.
56
Porquê a abordagem inter-relacional sistémica na terapia familiar e organizacional?
A conferência "Un modèle systémique pour psychiatrie et psycho-sociologie clinique"
(Pina Prata, 1983c) foi apresentada no Primeiro Simpósio Europeu de Terapia Familiar, em
Madrid. Explorando a teoria do cientista Kenneth Wilson, prémio Nobel da Física - "teoria
dos fenómenos críticos em transições de fase" - o autor reconhece a existência de
fenómenos novos muito particulares que ocorrem na vizinhança do ponto de passagem
entre dois estados, tal como entre a água em estado líquido e em estado gasoso. Daí retira e
desenvolve algumas hipóteses que permitirão:
- estabelecer um ponto de partida epistemológico sobre a questão dos limites teóricos entre dois
modelos psicopatológicos correntes: um baseado na causalidade linear dos factos, o outro que
defende a circularidade sistémica dos fenómenos inter-relacionais;
- sugerir uma orientação metodológica na observação dos sistemas de inter-relações disfuncionais e
também na condução sistémica do processo terapêutico.
Este ponto de viragem epistemológica, presente como uma constante na elaboração teórica
de Pina Prata, refere-se ao novo modelo sistémico inter-relacional, alternativo ao modelo
linear clássico da nosologia psiquiátrica.
Esta perspetiva da terapia familiar é ainda abordada num texto (Pina Prata, 1985) incluído
como capítulo da obra organizada por Gouveia Pereira e Correia Jesuíno denominada
"Psicologia social do desenvolvimento: Socialização e saúde mental". O autor situa-se no
campo da Psicologia Social onde acha que podemos encontrar o melhor apoio teórico e
experimental para o modelo sistémico inter-relacional. E justifica e aprofunda a nova ótica
epistemológica.
Porquê recorrer à abordagem sistémica na terapia familiar? Pina Prata refere duas ordens
de razões: insatisfação, do ponto de vista prático e teórico, com os modelos de intervenção
clínica da psicopatologia clássica e da psicanálise; reconhecimento de que o
"restabelecimento" de um membro da família ocorre, por vezes, a par do aparecimento de
"sintomas" num ou mais dos outros membros da família.
Em qualquer modelo terapêutico há, segundo o autor, quatro aspetos interligados:
- aquilo que se observa;
- o modo de observar;
- as hipóteses teóricas formuladas;
- a forma da intervenção terapêutica.
Mas o movimento da terapia familiar vai suscitar uma reformulação em cada um destes
57
aspetos. Embora na década de 40 do século passado se tenha delineado o início do
movimento da terapia familiar, Pina Prata considera 1956 como um ano de viragem
importante, com o aparecimento do primeiro estudo que procurou formalizar a mudança
operada naqueles quatro aspetos: "Para uma teoria da esquizofrenia", de Bateson, Don
Jackson, Haley e Weakland, em que é desenvolvido o conceito de double bind. Uma
recensão crítica de Pina Prata sobre este estudo encontra-se mais adiante referenciada (Pina
Prata, 1980b). Acrescenta ainda a importância de um artigo de Don Jackson, publicado no
ano seguinte, sobre "O problema da homeostase na família".
O par de conceitos "duplo ligame" (double bind) e "homeostase", aplicado à patologia
familiar, remete para uma definição de patologia que marca já a passagem para uma nova
epistemologia. O grupo Bateson estuda o comportamento comunicativo dos pacientes
esquizofrénicos e os "paradoxos da comunicação", centrando-se assim na problemática
inovadora da comunicação.
Ao contrário, a psicopatologia clássica assentava numa ótica de causalidade linear, com
uma dimensão unicamente intrapsíquica. Como Pina Prata (1985) caricatura:
"Este paciente tem alucinações, tem uma depressão, é psicótico ou esquizofrénico, como este tinteiro
tem tinta azul ou preta e é de vidro ou de plástico"
Também a perspetiva psicanalítica releva de uma teorização do intrapsíquico, cujos
processos internos são objeto de análise e de eventual mudança, e em que a "unidade de
tratamento" é o "paciente".
A terapia familiar sistémica, ao considerar a "psicopatologia relacional", tenta
"despsiquiatrizar" e "despatologizar" as situações habitualmente apresentadas como
patológicas. Ao referir-se a um caso de Haley, em que um rapaz "se encontrava e falava
com o pai que já falecera", Pina Prata cita uma afirmação daquele autor, ainda hoje atual:
"Um dos problemas mais interessantes, no treino da terapia familiar, é persuadir um profissional
que andou mergulhado nos diagnósticos e treinos de um hospital psiquiátrico, durante anos, a
tratar um acontecimento aparentemente psicótico como um problema transitório de relações
humanas".
Observar e tratar, numa perspetiva sistémica, a criança "fóbica" ou o adolescente
"esquizofrénico" ou a rapariga "anoréxica" passa por considerar estes comportamentos
"sintomáticos" como condutas de relação, remetendo para um conjunto de relações
significativas. Segundo o autor, os sintomas "patológicos" dos "pacientes-designados" não
são ignorados mas passam a ser vistos a par de outros comportamentos familiares que se
estruturam em conjuntos de condutas significativas.
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Pina Prata (1985) apresenta neste texto várias taxionomias ou tipologias familiares, como a
estrutural de Minuchin (famílias aglutinadas, desligadas e normais), a de Wertheim
baseada nos conceitos de "morfogénese" e de "morfostase" e ainda a de Haley com o seu
"triângulo perverso" e as "coalizões intergeracionais".
Recapitulando os quatro aspetos inicialmente apontados e sua reformulação na perspetiva
sistémica - unidade de tratamento, método de observação, conceção do que é patológico e
intervenção terapêutica - o autor desenvolve por fim a sua redefinição da forma de
conduzir o processo terapêutico. Retomando o conceito de homeostase familiar do estudo
de Bateson e outros, considera que esta não deve ser vista apenas como resistência à
mudança mas no sentido do processo circular e unitário de estabilidade-mudança.
Por fim, uma referência ao facto de Pina Prata assumir explicitamente que a sua posição
teórica em relação à Terapia Familiar - a família como centro de observação e unidade de
intervenção - deve abrir-se a outros sistemas inter-relacionais que, como cada família,
estão integrados numa dada comunidade; a abordagem inter-relacional sistémica alarga-se,
assim, a outras estruturas organizacionais, como empresas e instituições.
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Processo e intervenção em terapia familiar
Alguns dos trabalhos escritos por Pina Prata colocam-se na perspetiva do processo
terapêutico e das estratégias e formas de intervenção do terapeuta. Não havendo intenção
da sua parte em compartimentar as suas ideias e reflexões, apenas fazemos esta
organização para facilitar a apresentação da revisão de literatura.
Considerámos assim um conjunto de 6 textos, publicados em períodos diversos, o primeiro
em 1979, o segundo conjunto já na década de 90. E foram divulgados através de
publicações tão diversas como os Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, Análise
Psicológica, Cadernos de Consulta Psicológica e outros.
- A terapia familiar como processo (Pina Prata, 1979)
- As fases da terapia familiar sistémica como processo (Pina Prata, 1979a)
- Les stratégies du processus thérapeutique dans les systèmes familiaux rigides et flexibles (Pina Prata,
1980d)
- Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia familiar (Pina Prata, 1991)
- Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico (Pina Prata, 1996)
- Formas de intervenção da terapia familiar e diagnóstico sistémico psicoterapêutico: Complexidade e
turbulência (Pina Prata, 1997)
Terapia familiar como processo
O primeiro desenvolvimento sobre a "terapia familiar como processo" terá tido tanta
importância que foi publicado em três sítios: primeiro na revista Análise Psicológica (Pina
Prata, 1979), depois no I Volume dos "Cadernos" (Pina Prata, 1980c) e mais tarde no livro-
coletânea "Terapia familiar sistémica" organizada por Ortega Beviá e editada pela
Universidade de Sevilha (Pina Prata, 2001).
Este artigo está dividido em três partes: a) início do movimento da terapia familiar e sua
relação com a psicossociologia clínica; b) a terapia familiar como sistema; c) a terapia
familiar como processo.
Omitindo aqui a referência ao primeiro ponto, por ter sido já abordado noutros textos
anteriores, no segundo ponto do texto é retomado o conceito de "patologia do sistema
relacional", em descontinuidade com a ótica intrapsíquica. Entre outras ideias importantes,
retemos que é a estrutura socio-afetiva da família - conjunto de interesses e desinteresses
mútuos, de atrações e repulsas, de sentimentos de aproximação e de fuga - que determina a
tensão e o desequilíbrio específicos de cada sistema familiar. E o terapeuta familiar vai
60
tentar, segundo o autor, "suscitar a destruturação e a restruturação das auto-imagens e das
altero-imagens dos diferentes membros da família, melhorando ou desenvolvendo as
potencialidades próprias de cada um (...); não se trata apenas de 'curar' o paciente-
identificado". Assim, o terapeuta empenha-se com a família no surgimento de uma nova
rede de funções e de relações. Mas "sem se deixar destruir ou absorver por um sistema que,
paradoxalmente, lhe pede que o mude mas... ficando o mesmo; esta é a dificuldade crucial
socio-afetiva do processo terapêutico enquanto processo inter-relacional".
Pina Prata (1979) revisita também aqui os conceitos que tinha já desenvolvido no modelo
do equilíbrio tensional (Pina Prata, 1975), agora aplicado ao contexto familiar: as
dimensões cognitiva, operativa e socio-afetiva do comportamento; os processos básicos de
comunicação: "informação" (que visa a validação objetiva do comportamento), "opinião"
(que traduz a avaliação preferencial que fazemos, positiva ou negativa) e "sugestão" (que
pressupõe a capacidade de iniciativa). Nos sistemas familiares em desequilíbrio, a
circulação da informação e das sugestões de iniciativa é reduzida comparativamente às
opiniões, o que pode ser representado pela fórmula:
∑Op > ∑If + ∑Si
A fórmula inversa seria a dos sistemas em equilíbrio tensional:
∑If + ∑Si > ∑Op
Na última parte do artigo, Pina Prata (1979) aprofunda a questão da terapia familiar como
processo. Para assinalar o contraste entre a perspetiva sistémica inter-relacional e a
perspetiva do modelo médico intrapsíquico, Pina Prata apresenta a experiência de
Rosenhan realizada em 1973. Rosenhan e outros sete indivíduos "normais" solicitam, cada
um, o internamento em vários hospitais psiquiátricos, sob o pretexto de ouvirem vozes
"vazias, ocas e surdas", mantendo o seu comportamento habitual em tudo o resto. Todos
foram imediatamente admitidos como "esquizofrénicos". Durante o internamento nenhum
deles simulou quaisquer sintomas de anormalidade, chegando a dizer ao pessoal hospitalar
que tinham logo deixado de ouvir vozes; aceitavam os medicamentos mas nunca os
tomavam. Ficaram internados entre 7 e 52 dias, tendo tido alta com um diagnóstico de
"esquizofrenia em remissão". Esta experiência mostra como os diagnósticos baseados
apenas em certos sintomas conduzem quase sempre a terapia inadequada.
Segundo o modelo sistémico, o comportamento perturbado do paciente é apercebido como
um processo, tanto ao nível do diagnóstico como da terapêutica. A sua dinâmica tem a ver
com o dinamismo do paciente como também das inter-relações familiares e extra-
61
familiares. O comportamento sintomático tem uma função que requer uma terapia centrada
não sobre uma pessoa ou família mas sobre o processo de relação enquanto tal.
O autor apresenta neste texto (Pina Prata, 1979) o complexo gráfico representativo do
modelo inter-relacional terapêutico (SiRLTP), em que ilustra as várias fases do processo
terapêutico e a trajetória das atitudes de estabilidade e de mudança, para cada um dos
subsistemas inter-relacionais: o da família, o do terapeuta e o terapêutico.
FIGURA 3: Modelo inter-relacional terapêutico
Este diagrama é retomado noutro artigo que se apresenta adiante (Pina Prata, 1979a) e
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pode ser considerado uma das construções teóricas mais elaboradas do autor, na sua
abordagem do processo inter-relacional sistémico.
O autor considera o processo terapêutico estruturado em vários tipos de fases: 5 fases de
interação, 3 fases de relação e 3 fases de integração. Embora estas fases sejam descritas
detalhadamente no texto que apresentamos em seguida, o autor descreve-as aqui de uma
forma geral; retiramos uma síntese das 5 fases de interação:
a) fase Pré-relacional e de contacto do sistema inter-relacional familiar com o terapeuta, de impacto
das representações antecipadas e das expectativas;
b) fase de Consolidação das funções dos diferentes membros, baseada na homeostase do sistema,
para que a mudança possa ocorrer sem riscos de novos desequilíbrios;
c) fase de Destruturação, em que à desqualificação do terapeuta feita pela família corresponde a
não-confiança do terapeuta quanto às mudanças delineadas pela família, numa nova coesão ainda
incipiente;
d) fase de Restruturação da nova rede de funções no sistema familiar, com inter-independência
entre o terapeuta e a família, após a dependência inicial;
e) fase de Reciprocidade, em que as atitudes de mudança e de estabilidade estão em novo equilíbrio
tensional, culminando na separação de ambos os subsistemas, o da família e o do terapeuta.
Nas diversas fases do processo estão presentes permanentemente, embora com incidência
diferente, os processos psicossociológicos básicos de avaliação subjetiva e de validação
objetiva. O primeiro manifesta-se nas apreciações de preferência, negativas e positivas, das
opiniões dos sujeitos; o segundo remete-nos para as informações factuais e para os
métodos de busca de compreensão e de soluções para os problemas.
As fases da terapia familiar sistémica
Esta questão é desenvolvida num longo artigo de 29 páginas (Pina Prata, 1979a), publicado
no mesmo ano do anterior. O autor começa por situar a terapia familiar no contexto das
psicoterapias clássicas, em particular o processo psicanalítico e as terapias de grupo, e
discutir as quatro orientações da terapia familiar na época:
- a orientação intrapsíquica, centrada no sistema relacional do paciente-identificado, em especial na
relação do paciente consigo próprio; refere Murray Bowen;
- a orientação baseada na teoria da comunicação, assente na análise do processo de comunicação
verbal e não verbal que permite determinar as estruturas relacionais patológicas; refere o grupo de
Palo Alto (Bateson, Jackson, Watzlawick), a escola de Roma (Andolfi, Saccu), Whitaker e outros;
- a orientação que privilegia a teoria dos papéis, em que o comportamento perturbado do paciente
se inscreve num conjunto de regras previsíveis que governam o processo de comunicação
interpessoal do sistema familiar;
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- a orientação da teoria dos jogos ou a das estratégias, assente na análise das estruturas de conflito
ou dos interesses convergentes e divergentes.
Depois apresenta o seu modelo de condução da terapia familiar sistémica como processo
ilustrando-o, mais uma vez, com o gráfico representativo do modelo inter-relacional
terapêutico atrás citado. Conforme já referido pelo autor em outros artigos, "A terapia
familiar enquanto processo terapêutico releva das dimensões cognitiva, socio-afetiva e
operativa das interações dos respetivos sujeitos; o nível de tensão decorrente da imbricação
daquela tríplice dimensão remete-nos para o processo básico, próprio de qualquer tipo de
equilíbrio ou desequilíbrio tensional, isto é, para o processo de estabilidade-mudança".
As atitudes de estabilidade (E) e de mudança (M) são duas faces complementares de um
mesmo processo. E qualquer iniciativa para modificar um sistema de relações patológicas
tem de atender á vertente de homeostase, isto é, à sua tendência à manutenção e
sobrevivência.
O autor considera duas constantes (K1 e K2) no desenrolar do processo terapêutico. Desde
o primeiro momento de contacto entre o terapeuta e a família, as atitudes de estabilidade e
de mudança são inversas no sistema relacional do terapeuta (SRLtp) e no sistema inter-
relacional da família (SiRLf). O terapeuta mantém até ao fim do processo atitudes E mais
numerosas e intensas do que as da família; o contrário acontece com as atitudes M, já que
procura que seja a família a produzi-las com maior frequência e intensidade.
Esta constante K1 pode parecer contraditória com os objetivos da condução de qualquer
processo terapêutico, isto é, a modificação de um certo comportamento ou atitude; mas as
várias orientações da terapia familiar "não só postulam a capacidade inerente aos sistemas
abertos de se modificarem, como supõem que a possibilidade de 'cura terapêutica' assenta
sobretudo nas potencialidades do(s) sujeito(s)."
A constante K2 define-se pelo decréscimo constante de E e pelo acréscimo constante de M,
tanto no SRLtp como no SiRLf.
Pina Prata (1979a) distingue na terapia familiar sistémica, como processo terapêutico, três
tipos ou níveis de fases interligadas: fases de interação, fases de relação e fases de
integração. Consideremos aqui as 5 fases de interação.
1ª) Fase de antecipação e de expectativa
Esta fase é marcada por todas as representações ou antecipações que os membros da
família fazem acerca do processo terapêutico e do papel do terapeuta familiar. Estas
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expectativas "coloram as primeiras interações e até o modo como os diferentes membros
da família se dispõem no espaço, durante as sessões, entre si e relativamente ao terapeuta".
A meta-linguagem da família, nas suas interações com o terapeuta, pode sintetizar-se pela
expressão que o autor cita de Andolfi: "O terapeuta será aquele que nos dirá que fazer para
mudar sem nada mudar".
Há nesta primeira fase uma expectativa da família relativamente à manutenção e até
consolidação do sistema relacional patológico, por contraste com o que imaginam ser o
desejo do terapeuta na mudança do sistema. Assim, a relação patológica deve ser vista na
sua valência positiva de manutenção de um sistema de relações e de papéis associados a
cada um dos seus membros. Nesta fase não há lugar à formulação de mudança dos padrões
relacionais que traduzem a homeostase do sistema.
Ao desejo de resolver um problema não correspondem, por enquanto, atitudes que
impliquem movimentação, nem espaços exteriores ao "espaço-problema". A propósito, o
autor apresenta o exercício em que se pede, num grupo, que unam com 4 segmentos de reta
os 9 pontos, sem levantarem a caneta.
De tal modo a estrutura global se impõe visualmente, como pontos de um quadrado, que
todas as tentativas de solução se movimentam dentro desse espaço-problema que é o
quadrado. Ora, a superação da dificuldade pressupõe a disponibilidade e aceitação para
ultrapassar os limites visualizados como limites do espaço-problema, induzindo a
destruturação e restruturação do espaço-quadrado.
● ● ● ● ● ●
● ● ● ● ● ●
● ● ● ● ● ●
FIGURA 4: O espaço-problema
"Precisamente por isso o terapeuta tenderá a introduzir, desde logo, a reformulação do
problema e, simultaneamente, mostrará que a ele vai caber a definição da relação durante
o processo terapêutico, mas fá-lo-á de tal sorte que respeite as funções que a cada membro
cabem e que realizam mediante o papel que cada um deles representa no sistema inter-
relacional" (Pina Prata, 1979a).
65
2ª) Fase de consolidação das funções
A condução desta fase pode ser sintetizada, segundo Andolfi citado pelo autor, na "contra-
provocação" do terapeuta à provocação que lhe é feita pela família ao pedir-lhe: "ajude-
nos, mesmo se não nos pode ajudar porque é impossível". Essa atitude do terapeuta
manifesta-se no seu respeito pela estabilidade do sistema. Há uma avaliação preferencial
positiva estabilizadora do sistema inter-relacional familiar que resulta numa validação
objetiva do sistema; o terapeuta reforça a rede de funções consolidando a função do
sintoma. A meta-mensagem do terapeuta pode ser traduzida por:
"Ajudo-vos não vos ajudando porque tendes e sois um conjunto de relações estimáveis: são, de
facto, as melhores relações para alcançardes o que desejais".
A consolidação das funções acompanha o exercício de atitudes de mudança capazes de
alterarem a rede de relações e de funções, sem o que não há processo terapêutico. O
desafio provocatório feito pela família inclui de facto, segundo o autor, um pedido real de
ajuda e um desejo real de mudança.
O terapeuta trabalha sempre um único processo - estabilidade-mudança - e nisso consiste o
paradoxo do processo terapêutico. A condição paradoxal da terapia é nada mudar, o que
não é o seu objetivo último, obviamente. Por isso, nesta fase o terapeuta pode manifestar
que não lhe é possível aceitar fazer uma terapia familiar, "a menos que não modifiquemos
nada de uma situação tão bem aceite e sobre a qual todos vós estais de acordo". Em suma,
afirma-se que não há intenção de mudar para, afinal, levar à desejada mudança.
Esta negação paradoxal da terapia constitui a negociação que possibilita o recurso à
prescrição do sintoma e o "ataque" cauteloso à função-poder do paciente-identificado. Pina
Prata (1979a) utiliza um caso desenvolvido por Andolfi para ilustrar a estratégia a seguir
nesta fase, como a seguinte prescrição:
"É bom que, por enquanto, continues neste teu papel que espontaneamente assumiste. Não deves
mudar até ao fim da próxima sessão (...)".
Através da prescrição paradoxal do sintoma, os terapeutas tornam-se os reguladores do
sistema e do comportamento perturbado, quer o paciente-identificado cumpra ou não a
prescrição. Aliás, esta é para não ser cumprida formalmente, pois visa suscitar um
balanceamento novo entre estabilidade e mudança, implicando o aparecimento de atitudes
de mudança no sistema familiar.
3ª) Fase de destruturação
Nesta fase chega-se a um quase equilíbrio entre o exercício da capacidade de mudança (M)
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e a atitude tendente à estabilidade (E), à medida que as atitudes M vão aumentando e as
atitudes E vão decrescendo. Embora a destruturação seja um processo presente desde o
início da terapia, é nesta fase que começa a emergir uma nova coesão interfamiliar,
acompanhada do aparecimento, no sistema inter-relacional, de meta-regras orientadoras da
mudança.
O tipo de provocação estratégica que sintetiza a posição da família nesta fase, para com o
terapeuta, é a desqualificação da melhoria, como se dissessem "a tua ajuda não serve,
ajuda-nos mais". É como se a família comunicasse verbalmente que a situação piorou, mas
dando a perceber analogicamente que houve melhoria.
E o terapeuta contra-provoca paradoxalmente com "vai pior do que pensais, melhor será
que não mudeis nada". Ao acentuar agora a necessidade de não mudarem, através da
desqualificação verbal da melhoria, está a manipular o processo de validação objetiva da
real melhoria, contrapondo-o ao processo de avaliação preferencial negativo da
desqualificação, procurando assim o equilíbrio tensional.
Pina Prata (1979a) recorda, a propósito,
"a reação de um certo paciente-identificado, etiquetado de 'psicótico', a quem, durante encontros
sucessivos, prescrevia progressivamente com mais intensidade que continuasse a procurar a solução
para a sua família preparando melhor todo o ritual externo da sua morte; a meio do terceiro
encontro, o paciente recusa irónico e colérico, e frontalmente: 'não quero morrer'. Ao que respondi,
no contexto da destruturação que prosseguia: 'não estou muito seguro de que o não queira' ".
4ª) Fase de restruturação
Destruturar conduz progressivamente o sistema para a sua própria capacidade de mudança,
fazendo eclodir as respetivas meta-regras que abrem espaço a novas soluções e alternativas
de restruturação.
O autor frisa de novo a ideia de condução cíclica-circular do processo, isto é, as diferentes
fases não devem ser vistas como um modo linear de condução do processo terapêutico;
destruturação e restruturação podem estar presentes na dinâmica de um mesmo encontro ou
até num conjunto de interações no processo terapêutico. Insiste na unicidade do processo
de estabilidade-mudança dos sistemas abertos e na imbricação dos processos
psicossociológicos básicos de validação objetiva e de avaliação subjetiva.
Segundo Andolfi, citado por Pina Prata (1979a), o postulado subjacente a esta fase - que
ele denomina de "verificação da nova estrutura" - por parte do sistema familiar é de que:
"Estamos em desacordo consigo porque na realidade as coisas estão a mudar".
67
Ao que se contrapõe a atitude do terapeuta exigindo a validação objetiva da mudança:
"Não me fio; confirmai-me a mudança com os factos".
No caso desenvolvido por Andolfi, o terapeuta continua a pedir ao paciente-identificado
que se mantenha no papel de sentinela do sistema inter-relacional familiar o que levará ao
aumento de tensão e à aceitação da nova estrutura de relações familiares: a autonomia
progressiva do paciente-identificado e a distinção crescente do subsistema parental. Assim:
"(...) Solicito-te que não renuncies à criatividade inata nos teus comportamentos habituais (como o
de estares muito tempo na cama, o de masturbar-te repetidamente, (...), o de ameaçares com ações
autolesivas) até que estejas perfeitamente assegurado de que teus pais são capazes de caminhar por
eles só e sem necessidade da tua função".
5ª) Fase de reciprocidade
Pina Prata (1979a) acrescenta o conceito de inter-independência ao de interdependência,
para referir ambos como o objetivo fundamental da terapia familiar; não importa apenas
superar a sintomática do comportamento perturbado mas conseguir novas atitudes de
autonomia dos membros da família e seus subsistemas.
Nesta fase atinge-se uma reciprocidade de interações, no sistema familiar, que tem como
contrapartida, na terapia, a separação entre o sistema relacional do terapeuta (SRLtp) e o
sistema inter-relacional da família (SiRLf) e, com isso, a aproximação do fim do processo
terapêutico.
Assim, às atitudes da família sobre a "mudança das coisas" e à sua tomada de consciência
de que "podem continuar sós" sem o terapeuta, correspondem as atitudes do terapeuta
aceitando a nova situação:
"Demonstraram-me com factos que sois capazes de mudar, não tendes mais necessidade de mim".
Para além das fases de interação que acabamos de descrever, Pina Prata (1979a) apresenta
ainda, a outros níveis de abstração, as fases de relação (exterioridade, alteridade e
reciprocidade) e de integração que nos dispensamos de aqui desenvolver.
Estratégias do processo terapêutico
Sobre as estratégias do processo terapêutico, Pina Prata apresentou uma comunicação nas
Jornadas Internacionais de Terapia Familiar de Lyon (França), em Maio de 1980, sob o
título "Les stratégies du processus thérapeutique dans les systèmes familiaux rigides et
flexibles" (Pina Prata, 1980d). Este texto foi publicado no I Volume dos Cadernos de
68
Terapia Familiar e Comunitária.
Considera dois tipos de estratégias. O primeiro diz respeito à abordagem de inter-relação
terapêutica direta, pessoa a pessoa, sem intermediação de meios materiais; implica um
método de observação, análise e intervenção próprios dos sistemas humanos, o qual o autor
traduz pelo novo conceito de "hodologias". A intervenção paradoxal, a prescrição do
sintoma, a "escultura" ou "modelagem" da família - que visam diretamente os processos
psicológicos e psicossociológicos - inscrevem-se neste tipo de estratégias.
O segundo tipo de estratégias tem a ver com as abordagens inter-relacionais indiretas, ou
mediatizadas, em que o processo se apoia na utilização de meios materiais. Refere como
exemplos o uso de meios audiovisuais, o recurso à "cadeira vazia", a utilização dum
quadro de parede, a refeição à mesa, as imagens de Rorschach, entre outros.
A outro nível, fala de estratégias em relação aos sistemas familiares rígidos e flexíveis,
fechados e abertos. A rigidez dum sistema mede-se pelo grau de abertura entre os diversos
subsistemas, no que concerne os processos intercomunicacionais de base: validação
objetiva, avaliação preferencial subjetiva e processo resolutivo.
O autor desenvolve outros níveis de estratégias que nos dispensamos de aqui apresentar.
Além disso, insiste na ideia de que o quadro de referência concetual das estratégias
sistémicas constitui um guia metodológico útil para o processo terapêutico. A propósito
dos dois tipos de mudança que enuncia - tipo 1 (no interior do grupo) e tipo 2 (na estrutura
das suas regras e ordem interna) - considera que as estratégias correspondentes consistem
essencialmente em "empurrar" os membros da família a chegarem a uma nova forma de
olhar e sentir os seus problemas, e de se comportarem. Ilustra com o "jogo dos 9 pontos"
(Figura 4), já referido em texto anterior.
O alcance desta estratégia de mudança é destruturar e, ao mesmo tempo, restruturar os
dados do problema, encaminhando os membros da família para uma diferenciação dos seus
pensamentos, impressões e ações e do seu sistema inter-relacional. É assim que as
estratégias baseadas nas intervenções paradoxais e na prescrição do sintoma introduzem
uma rutura direta com o quadro de referência anterior; a partir deste choque, conduzem a
uma diferenciação das dimensões cognitiva, socio-afetiva e operativa dos comportamentos
dos membros da família.
Pina Prata (1980d) exemplifica o seu recurso a uma estratégia paradoxal com o caso da
família Sablon que não cabe aqui desenvolver. Retemos a sua intervenção, num dado
contexto de impasse:
69
"Minha senhora e meu senhor, não estou de modo nenhum interessado em continuar convosco. Vou
passar-vos o recibo dos honorários (...) Aqui está".
Com isto, foi possível redefinir a relação terapêutica, recusando entrar nos jogos
intermináveis de acusações mútuas do casal. No fundo, mostrou-lhes que a única maneira
de estar com eles e de se ocupar dos seus problemas com os filhos era mandá-los embora;
eis o paradoxo que parece ter sido compreendido por ambos, ao voltarem na semana
seguinte e continuarem o processo terapêutico.
"Encruzilhadas" do pedido de terapia familiar
Assim denomina o autor o tema de um trabalho (Pina Prata, 1991) escrito cerca de 10 anos
após os anteriormente citados. Foi publicado como texto policopiado, pela FPCE da
Universidade de Lisboa, para servir de suporte à docência na área de Psicologia Social
Clínica. Foi estruturado em torno das seguintes perspetivas:
Pressupostos básicos do pedido e da resposta
Redefinição do conceito de pessoa
O conceito de processo
Sucessos e malogros do paciente-designado
Prescrições
das quais daremos particular atenção ao "Pedido" e às "Prescrições", pelo facto de os
restantes temas terem sido já abordados também em textos anteriores.
Qualquer que seja a forma que reveste um pedido de terapia, o autor considera que este
pressupõe sempre:
- O sentimento de uma certa incapacidade ou impossibilidade de continuar a agir
como antes;
- O desejo que aconteça algo que torne mais agradável a vida que se quer viver;
- A esperança de poder beneficiar do "encontro" com um "especialista", graças às
suas capacidades;
- Uma certa maneira de "se ver e se dizer a si próprio", de "ver e se dizer os outros",
de "ver e se dizer as circunstâncias de sua vida num certo espaço-tempo histórico".
Estas dimensões do pedido de ajuda são também apresentadas mais adiante (Pina Prata,
1997), em termos reformulados.
A ambiguidade e o caráter por vezes manipulatório como é manifestado o pedido de
terapia são peculiares ao sistema de relações paciente-especialista; também o terapeuta tem
a sua maneira de ver, de se ver e de manipular as incapacidades dos pacientes e as suas.
70
Esta reformulação do conceito de pedido, em particular a esperança de poder beneficiar das
capacidades do especialista, pode ajudar a compreender o aparecimento e a evolução das
estratégias paradoxais. Segundo estas, o terapeuta reconhece as capacidades e bondade dos
intervenientes na resolução do seu mal-estar e, por outro lado, reconhece-se incapaz face às
capacidades que valoriza na família.
Ao referir-se às estratégias paradoxais, Pina Prata (1991) analisa de forma crítica um
artigo de Palazzoli - sobre a anorexia mental na perspetiva sistémica - em que esta acentua
o seu afastamento gradual quanto a recorrer a essas estratégias, comparando com o
desenvolvimento que lhes tinha dado aquando das suas primeiras abordagens sistémicas
dos casos de anorexia mental. Palazzoli critica os "aplicadores de fórmulas" que não
retinham dessas intervenções paradoxais senão o enunciado da "frase famosa" de que a
paciente anoréxica era "une petite sainte" que se sacrificava pela sua família.
É curioso como tudo é discutível e como os referenciais teóricos e as estratégias evoluem
no tempo; aquilo que fazia sentido num determinado momento, para um determinado
autor, passa a ser criticado e deixa de fazer sentido mais tarde.
O autor apresenta também uma redefinição do conceito de pessoa, em consonância com a
visão da realidade da família enquanto processo histórico, em que se inscreve o sintoma e o
momento em que a família chega à terapia. Em resumo, "ser-pessoa" deve ser
concetualizado como processo de "ser-em-relação" com outros. É um dar-se conta "face-a-
face", "corpo-a-corpo", tal como é notório na relação interpessoal primária "ser-mãe/ser-
filho". Considera este o modo mais radical de definir o que designamos por pessoa,
acentuando o primado epistemológico das relações interpessoais.
E do novo conceito de pessoa passa ao conceito de processo de inter-relacionamento, já
referido em textos anteriores. Sobre isso, vale a pena citar um trecho de Pina Prata (1991):
"Há famílias (...) falam de objetos, de doenças, de sintomas orgânicos, de rituais familiares (...), de
comidas e faltas de apetite, do que têm e não têm, de horários e de atrasos (...). Mas muito menos
falam de suas relações de pessoa-a-pessoa, dos sentimentos e preocupações pessoais, de suas
maneiras peculiares de conflito, de afastamento ou aproximação. Isto é, de como entre si
desenvolvem inter-relações afetivas e de unidade ou de separação familiares".
Prescrição em terapia familiar
As prescrições são objeto de discussão pelo autor na parte final do seu artigo, distinguindo
logo duas situações. Há prescrições que são propostas pelo terapeuta em resultado do
impasse em que se sente, face ao que interpreta como resistência da família; nesses casos, a
71
prescrição funciona de uma forma impessoal, no contexto de inter-relacionamento, com
consequências semelhantes à administração de qualquer medicamento.
Isto não é o mesmo que ordenar prescrições a partir de hipóteses terapêuticas, em momento
e dinâmica específicos do processo. Este postulado implica que qualquer tipo de prescrição
assenta, antes de mais, num sistema de relações interpessoais, no sistema familiar e no
terapêutico.
Referindo-se a um caso concreto de comportamento catatónico, Pina Prata (1991)
considera que os sintomas de negação da motricidade são uma forma de prescrição, por
parte do paciente, para que o terapeuta não se aproxime dele, do seu mundo de
relacionamento pessoal. O terapeuta, nesse caso, prescreveu-se um comportamento
semelhante afastando-se para trás, pondo assim em ação a unidade dinâmica própria das
caraterísticas daquele momento relacional.
Vemos, assim, que as prescrições não são tarefas ou comportamentos de iniciativa
unidirecional, podendo ser iniciadas por qualquer dos sujeitos em inter-relação. São
geralmente ordenadas pelo terapeuta por ser este que tem em mãos a condução do
processo, em razão do pedido que lhe é feito, e que deve saber inscrever as prescrições na
dinâmica das relações interpessoais.
"Significações, mãos e olhar" do terapeuta sistémico
Um outro artigo de grande relevância para a intervenção sistémica em terapia familiar
aborda as questões das "significações", do "olhar" e do "contacto físico" do terapeuta. Foi
apresentado em 1996 nas III Jornadas de Consulta Psicológica de Jovens e Adultos no
Porto, depois publicado nos Cadernos de Consulta Psicológica.
Neste artigo (Pina Prata, 1996), pretende levantar interrogações sobre aqueles três aspetos
interligados da terapia. Enquanto o olhar é uma forma de contacto culturalmente aceite sem
levantar questões, o mesmo não acontece com o contacto físico, em que existe uma
diferença entre a intervenção médica e a psicoterapêutica. Porquê? Quais os limites
deontológicos aplicáveis a uns e outros? Em que modalidades pode o terapeuta sistémico
recorrer às suas mãos?
As intervenções do psicoterapeuta estão tão marcadas pelo estereótipo da "cura pela fala"
que se esquece o facto de que a própria palavra é um gesto, de um terapeuta-corpo. E é
através do corpo que o terapeuta
"pode intermediar terapeuticamente manipulando objetos, como esta cadeira de rodas, as muletas do
72
cliente, o copo de água que mandou buscar, a janela em frente (...), os seus sapatos, os livros da
estante, a chuva a cair, o barulho dos passos no corredor, ou com quase-objetos, como com o facto
de o pai ser bombeiro, da tia não ser mãe, da irmã ser gorda ou o irmão esquelético, do terapeuta
estar constipado ou da existência diagnosticada de uma úlcera duodenal ou gástrica (...)".
Este intermediar da relação terapêutica por coisas e expressões é metafórico, na medida em
que leva o sujeito ou a família a refazerem, visualmente e por analogia comparativa, o
tecido de suas significações. O emprego da metáfora é exemplificado por Pina Prata
(1996): "(...) peguei, certa vez, nas muletas de um rapaz de 12 anos (que fraturara um
tornozelo), enviado pela escola por repetência, desinteresse e absentismo, (...) e disse,
levantando-as e fazendo o gesto de as pôr de lado: podes, também, deixar de ter muletas lá
na escola". E, a um casal em que o marido era bombeiro "de quem a mulher (...) ameaçava
separar-se (...) declarei que não apagava os fogos deles sozinho".
Como situar as significações, as metáforas e o olhar no processo terapêutico, quando o
membro "paciente" apresenta diversas perturbações sintomáticas? Segundo o autor, atacar
os sintomas um a um, ou redefini-los, não é acertado; o desaparecimento de um sintoma
pode coincidir com o aparecimento de um outro, no mesmo ou noutro membro da família.
Pode considerar-se o sintoma como uma metáfora da mal-estar ou disfuncionamento da
família. Citando o autor, "O pedido sintomático remete-nos para o contexto singular de
uma configuração de perceções, de imagens, de dizeres, de informações, de opiniões, de
maneiras de estar, de olhar, de se tocar ou não, que veiculam a história, as crenças e a
qualidade das significações que orientam e dão sentido às interações desta família e de
cada um de seus membros".
E estando as significações entrelaçadas com a vida emocional e socio-afetiva, traduzem-se
ao mesmo tempo em gestos do corpo, intermediados pelo olhar e pelas mãos. Há ditados
populares - como "ter mais olhos que barriga", "comer com os olhos", "os olhos são a
janela da alma" - que subentendem esta associação entre perceção sensorial, atitudes
mentais e fisiologia humana. Assim, no caso de uma pessoa com anorexia, por exemplo,
pode ocorrer uma certa perda da capacidade de escutar o seu próprio corpo.
Esta ligação entre a perceção, as significações e a sensorialidade expressiva do olhar ou
das mãos estão bem patentes na afirmação de Matisse quando lhe perguntavam como sabia
quais eram os seus melhores quadros: "Sei-o, pelas mãos". Segundo refere também Pina
Prata (1996), Whitaker chegava a lutar corpo-a-corpo com alguns dos seus pacientes, como
se lhes metesse "pelos olhos dentro" o que via nos seus pedidos sintomáticos.
Sendo os sinais táteis tão estruturantes da qualidade das relações, o olhar e as mãos do
73
terapeuta sistémico podem ser metáforas, enquanto emissores e recetores de mensagens de
aproximação-afastamento. Vale a pena citar um exemplo paradigmático do autor:
"Recordo-me que uma família pediu-me que passasse por casa para conversar com um filho de cerca
de 27 anos que era diagnosticado como 'esquizofrénico'. Tive ocasião de o encontrar em posição
catatónica, qual estátua grega com dois olhos imóveis de vidro, em que se encontrava há horas.
Sentei-me em cadeira, aos pés da cama, do lado direito. A um dado momento, afastei a cadeira e
desviei o olhar, como para lhe comunicar a perceção que tinha de que ele não me queria perto e de
que receava incomodá-lo.
Principiámos, então, a comunicar 'inter-mediando' com os seus objetos presentes no quarto. Lembro-
me de ficar surpreendido com a escolha por ele feita de seus quadros e, a certa altura, ter retirado de
uma estante, que ficava à minha direita, um livro: era o Les Mains Sales, de Sartre. Nesse instante,
dei-me conta que seu olhar me havia como que fulminado, piscando, recolhendo-se depois.
Distanciei-me ainda mais, obedecendo àquela injunção de não lhe tocar. Tinha sido um contacto
intermediado por formas comunicacionais de relacionamento (...).
Obedecendo, pois, à sua injunção de afastamento, deixo-lhe espaço significativo para sua iniciativa
de entrada em relação. Pouco depois, movimenta-se, mantendo o mesmo olhar de afastamento,
iniciando uma fase de linguajar 'esquizofrenês'. Volto-me, então, e respondo-lhe no mesmo linguajar
mastigando, incisivo e acolhedor, em que ambos movimentamos já as mãos e o tronco.
E a comunicação normalizada não tarda, convidando-o a vir almoçar, o que acaba por facilmente
aceitar."
Existem situações ocasionais em que o terapeuta pode, oportunamente, intermediar as
significações pelo contacto físico de suas mãos com o corpo do sujeito. Assim procedeu o
autor no decurso do primeiro encontro terapêutico com uma jovem que, além de
comportamento enurético, se auto-asfixiava durante o sono. Primeiro pede à paciente que
envolva o pescoço com as suas próprias mãos, de modo a aconchegá-las com pressão
crescente, até que se sinta bem. Depois o terapeuta, com as suas mãos, e pedindo-lhe
licença, envolve-lhe o pescoço, enquanto ela lhe vai dizendo a sua sensação de bem estar.
Sugere-lhe, como possível tarefa, repetir diante do espelho, antes de se deitar, os mesmos
gestos, para além de outra tarefa de prescrição do sintoma relacionada com o
comportamento enurético. Em resultado dessa intervenção, ambas as sintomatologias
desaparecem após este primeiro encontro.
A um casal em que a mulher apresentava um quadro sintomático depressivo, o autor
procurou suscitar a expressão emocional de ambos e dizerem-se mutuamente o afeto que
sentiam, olhos nos olhos. Quando juntou o pedido metafórico de, ao mesmo tempo, se
darem as mãos, o marido passou do sorriso desajeitado à metáfora "psicossomática" das
lágrimas.
74
Os casos referidos são reveladores do efeito da utilização da linguagem metafórica,
gerando perceções diferentes e novas significações indutoras da mudança inter-relacional.
A dor e o sofrimento não podem ser reduzidos à sua vertente orgânica, esquecendo que
todo o sintoma orgânico pode servir como metáfora de um mal-estar psicossociológico; a
linguagem do corpo é a única por vezes disponível para manifestar o sofrimento (sem voz)
num dado sistema de relações familiares.
No fim do seu artigo, Pina Prata (1996) considera que o recurso por parte do terapeuta ao
contacto corporal de inter-relacionação deverá ser muito restrito. A "regra de oiro" é que,
no decurso do processo de ajuda ou terapia, o terapeuta sistémico não pode entrar nas
esferas de privacidade ou intimidade se estas não lhe estão acessíveis, por indicação clara
dos que o procuram.
Diagnóstico sistémico e formas de intervenção: complexidade
Pina Prata discute as questões do diagnóstico sistémico e da intervenção em terapia
familiar, atribuindo-lhes os atributos complexidade e turbulência, num longo texto de 28
páginas integrado na publicação “Actas do colóquio Família: Contributos da psicologia e
das ciências da educação”.
Publicado após ter passado os 70 anos de idade, e com a maturidade que isso representa,
este artigo (Pina Prata, 1997) testemunha um nível superior de abstração e de reflexão
filosófica e epistemológica. O autor estruturou o texto em vários temas, dos quais
destacamos "Famílias-problema" e "Intervenções ocasionais".
Que se entende por famílias-problema? Em que contexto nos situamos hoje? Que formas
de intervenção? A abordagem para estas questões, na perspetiva corrente desde os anos 60,
é a que vê a família como um sistema aberto de inter-relações. Esta abordagem sistémica
debruçou-se, até à década de 80, sobre as "relações familiares disfuncionais", colocando a
tónica das intervenções terapêuticas na correção dos vários papéis familiares. Tratava-se de
intervenções de tipo corretivo ou de reparação, em que "reparavam-se as
disfuncionalidades familiares quase como se repara uma avaria num carro escangalhado,
mediante a intervenção externa de um técnico que lhe era estranho (...)" (Pina Prata, 1997).
A partir dos anos 80, as potencialidades da família e as capacidades individuais de todos os
seus membros constituem o campo a explorar, por uma intervenção que se pode chamar
catalisadora dessas potencialidades, em que a estabilidade familiar e a mudança avançam
a par. Essas potencialidades ou recursos incluem as capacidades de diferenciar o que se
75
comunica, decidir em conjunto, partilhar objetivos, agir com flexibilidade, integrar
diferenças, entre outras que o autor descreve no fim do artigo.
O autor afirma o seu novo quadro de referência, por contraste com aquele que, no passado,
se centrava numa conceção e acentuação da patologia e das disfunções familiares
sintomáticas. Neste texto, em que discute o significado do diagnóstico e das intervenções
sistémicas, o foco é colocado nas potencialidades e capacidades dessas famílias.
Etimologicamente, "terapia" em grego significa servir, "diagnóstico" significa ficar apto a
reconhecer. O terapeuta sistémico, perante a "família-problema", fica apto a reconhecer o
quê? Pina Prata (1997) propõe como axioma básico, orientador de quaisquer intervenções,
que o diagnóstico psicoterapêutico da sistémica familiar não se centre na procura de uma
patologia mas na compreensão da natureza do pedido da família e da resposta do terapeuta,
numa dinâmica de funcionalidade-disfuncionalidade. Colocando-nos nesta perspetiva,
damo-nos conta e valorizamos as capacidades e potencialidades cognitivas, socio-afetivas
e de autorrealização da família e de cada um de seus membros.
As questões do diagnóstico e da intervenção devem ter também em conta três das
caraterísticas (e marcos) mais salientes do "contexto de turbulência" em que se movem os
sistemas familiares, na época em que o artigo foi escrito mas também nos nossos dias:
a) Um primeiro marco evolutivo situa-se na década de 1960/70: foi a época da
redescoberta do corpo e da entrada em cena da chamada revolução sexual, em que
as relações pré-nupciais são assumidas, iniciando-se um período de primeira
desagregação do modelo de referência ideal de conjugalidade;
b) Um segundo marco situa-se na década de 1970/80: a desagregação anterior dá
origem a uma fragmentação de conjugalidades e parentalidades sucessivas,
originadas na prática crescente do divórcio;
c) A década de 1980/90 apresenta-se com a tendência para uma nova reorganização
da vida familiar, em torno de quatro convivências mais frequentes e socialmente
aceites: famílias intactas, monoparentais, confluentes e de coabitação.
E desenvolve também aquilo que considera as três deficiências profundas subjacentes à
desagregação fragmentadora da "família moderna": a desvitalização, a dessacralização e a
desfinalização. Todas implicam uma perda ou definhamento de um sentido da essência da
família e do sagrado. Dessacralização traduz atonia de uma capacidade fundamental
humana, a de maravilhar-se. O sentido do sagrado é, segundo o escritor suíço Ramuz
citado pelo autor, "uma certa atitude de respeito ante a existência, por tal compreendendo
76
tudo o que existe, a própria pessoa e o mundo que a circunda (...) uma certa veneração ante
a vida (...)".
Daí o lugar que toma, na psicologia do homem contemporâneo, o estado de "preocupação",
o sentimento de "vazio" e de "aborrecimento" (novo síndrome referido por autores
franceses) que se tentam colmatar por "estimulantes precários" e "distrações" consumistas.
Neste contexto, e na perspetiva da psicossociologia sistémica que o autor designou
autocatalisadora, as formas de intervenção familiar apresentam dois denominadores
comuns. O primeiro refere que as intervenções se movimentam da família para o seu
derredor social e da comunidade para a família; o segundo diz respeito ao alargamento do
campo de observação e de intervenção sistémica familiar.
Intervenções ocasionais ou "terapia de rua"
As intervenções ocasionais situam-se nesta perspetiva alargada de intervenção, surgindo
neste texto (Pina Prata, 1997) o desenvolvimento mais profundo que se conhece sobre o
tema, para além de uma outra abordagem ao assunto dada em entrevista (Sales & Pina
Prata, 2011). Trata-se de intervir em situações mais diversificadas, que vão para além da
intervenção clássica num consultório ou instituição de saúde, "como já me sucedeu num
elevador ou num espaço verde, frente a uma escola", no dizer do autor.
Antes de mais, Pina Prata interroga-se sobre o sentido ético de tais modalidades de
intervenção. A sua principal caraterística é o facto de ser um encontro fortuito, não
procurado por nenhuma das partes, e que pode ser único. Uma exigência ética básica é que
sejam evitados efeitos perversos; para isso, deve ser deixada uma porta aberta a um
possível encontro posterior, desde que a intervenção tenha tido aceitação por parte da(s)
pessoa(s) envolvidas.
Um caso de "consulta única ocasional de rua", ocorrido em 1995, é descrito sob o nome "O
caso de Paulo e de sua mãe":
"Encontrava-me numa área de grandes espaços verdes em que há uma escola de ensino infantil.
Dela saíra uma senhora que se me afigurou ser a mãe de um pequenito de uns cinco anos e que, já
longe da porta da escola, lhe dava umas palmadas leves nas costas e pescoço, o que levava o
pequeno a caminhar com a cabeça entre mãos, para se defender daquela persistência materna.
Intervim, aceitando o rápido desabafo daquela mãe preocupada com as fugas do filho para fora do
recinto da escola e receosa que viesse a ser atropelado em estrada adjacente próxima".
Na referência a este caso não importa o diálogo que o terapeuta terá tido com a mãe nem as
"instruções" dadas à criança, salvaguardando a responsabilidade e autoridade da mãe, mas
77
sobretudo o facto de o terapeuta ter deixado uma porta aberta para uma possível consulta
futura, no âmbito das "consultas abertas à comunidade", na FPCE.
A intervenção de rua pode revestir a forma de acompanhamento com uma certa
periodicidade, como acontece no caso de um casal com um quiosque de venda de jornais,
preocupado com a situação escolar de um dos filhos. Escutado o problema, em diversas
ocasiões, o terapeuta acaba por lhes sugerir também a marcação de uma consulta.
Pina Prata (1997) apresenta em seguida os tipos ou formatos possíveis nas intervenções
ocasionais de rua: de emergência ou de reorientação emocional. Em qualquer dos casos, a
intervenção pode ser única e, posteriormente, encaminhada para o formato clássico do
atendimento em "gabinete". Mas o que a carateriza é o alargamento espácio-temporal da
intervenção, com uma certa analogia com as intervenções de rua de um médico em serviço
de emergência, obedecendo ambas à gratuitidade do ato e não podendo ser canalizadas
para local de consulta que beneficie economicamente o interventor.
O alargamento espácio-temporal da intervenção pode estender-se também à consulta
domiciliária. Já praticada por Minuchin e outros terapeutas (incluindo Pina Prata, em casos
referidos de esquizofrenia e de anorexia), tem como regras de eticidade a impossibilidade
de deslocação dos pacientes, como acontece em certos casos terminais. E também a
condição de ser pedida pela família e da participação desta no encontro terapêutico.
Um dos denominadores comuns da intervenção familiar sistémica, referido acima - o
alargamento da espácio-temporalidade - tem sobretudo a ver com a redução do número de
intervenções e um maior distanciamento temporal entre estas, em contraste nomeadamente
com a prática psicanalítica. Na nova ótica da acentuação do potencial familiar, este
distanciamento permite a ativação intercalar e catalisadora dos recursos e capacidades da
família e de cada um de seus membros; temos assim o fator tempo como ingrediente
fundamental de qualquer processo de desenvolvimento pessoal e inter-relacional.
Quanto ao atendimento de reorientação emocional, carateriza-se por se focar na
reestruturação de processos relacionados com a problemática socio-afetiva ou emocional,
seja em contextos familiares ou em contextos sociais e profissionais. Incluem-se aqui as
situações de divórcio, luto, pobreza, estados de envelhecimento ou terminais, desemprego
ou reformas compulsivas. Assim, muitas destas situações de atendimento apresentam
interfaces não só com as consultas de terapia familiar mas também com consulta de
mediação, como sucede em casos de reinserção social, de mandato judicial, de famílias de
acolhimento ou de adoção, de famílias com menores em situação de risco.
78
No fim do artigo (Pina Prata, 1997) e em conclusão, o autor define quatro dimensões no
pedido de ajuda terapêutica, conforme já tinha feito uns anos antes noutro texto (Pina
Prata, 1991). Agora apresenta uma versão reformulada, assim:
- Sentimento percecionado pelo requerente e partilhado pela família de que esgotaram os recursos
para ultrapassarem, sós, o mal-estar;
- Um certo desejo de mudança, de saída da situação de desconforto;
- Esperança nos resultados da ajuda do especialista-terapeuta;
- Dimensão socio-afetiva-cognitiva ou o modo como cada um se vê, se sente e se diz.
A perspetiva autocatalisadora das virtualidades dos sistemas familiares, várias vezes
referida neste artigo, não é a de uma intervenção reparadora ou corretiva mas incide na
emergência e exercício das capacidades e recursos disponíveis na família:
- Capacidade de precisão e de diferenciação do que se comunica;
- Capacidade de decidir em conjunto, de partilhar objetivos, de participar nas decisões;
- Capacidade de agir com flexibilidade;
- Capacidade de integrar diferenças, de não excluir sensibilidades;
- Capacidade de gerir tensões, de não escamotear os conflitos;
- Capacidade de harmonizar níveis afetivos e emocionais de proximidade e de afastamento;
- Capacidade de suscitar alternativas que permitem reequilíbrios de estabilidade-mudança;
- Capacidade de se ver, se dizer e se sentir diferente e de ver, dizer e sentir os outros.
79
Debate, partilha e crítica
Nos artigos e estudos de Pina Prata até aqui tratados são frequentes as referências a outros
autores de quem recebeu influências, ou com quem participou em prática terapêutica. A
discussão teórica e metodológica atravessa, assim, a generalidades dos seus escritos.
Contudo, existe um conjunto de artigos cujo título é claramente dedicado à análise,
discussão, crítica e debate sobre as posições de outros investigadores e terapeutas
familiares. São esses que passamos a referir neste capítulo.
Já na apresentação do primeiro dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, Pina
Prata anunciava a estrutura prevista para os "Cadernos", em que incluía as rubricas
"Clássicos", "Investigações atuais", "Estratégias" e "Debate". Os artigos a que passamos a
fazer referência neste capítulo foram aí publicados, no início dos anos 80, e abordam
autores-terapeutas como Bateson, Haley, Minuchin, Palazzoli e outros. Apresentamo-los
não por ordem do ano de publicação mas pela ordem de importância que lhe atribuimos,
começando pelo "classicíssimo" (assim referido por Pina Prata) estudo da escola de Palo
Alto sobre a esquizofrenia.
- Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson, D.Jackson, J.Haley e J.Weakland (Pina Prata,
1980b)
- Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin (Pina Prata, 1981c)
- Debate com Mara Selvini Palazzoli (Pina Prata, 1981g)
- Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos de interfaces (Pina Prata, 1983b)
- Estratégia da escultura da família, seguindo F.J.Duhl, M.D.Kantor, B.S.Duhl (Pina Prata, 1980e)
- Análise do treino conduzido por Bella Borwick sobre “As intervenções estratégicas no tratamento
dos alcoólicos e toxicómanos” (Pina Prata, 1981e)
- M.Bowen e sua posição sobre alcoolismo e família (Pina Prata, 1981f)
O projeto Bateson e "Para uma teoria da esquizofrenia"
O estudo "Para uma teoria da esquizofrenia", desenvolvido ao longo de vários anos por
Bateson, Jackson, Haley e Weakland, foi elaborado no contexto do "projeto Bateson",
centrado na problemática da comunicação. Apresentamos aqui o artigo em que Pina Prata
(1980b) comenta este estudo, dada a sua grande relevância e por ter tido um papel crucial
na nova abordagem da doença mental e da terapia familiar.
Bateson trabalha como etnólogo, de 1949 a 1952, no Veterans Administration Hospital de
Palo Alto, Califórnia, e é aí que inicia o seu projeto acerca dos "paradoxos na
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comunicação". Nos anos que precederam a publicação do estudo, o grupo de Bateson
estuda os fenómenos mais diversos, na perspetiva da comunicação: a natureza da metáfora,
o humorismo, a natureza do jogo, a poesia, o ritual, os filmes populares, o ventríloquo, o
treino de cães para cegos, e aspetos formais da psicoterapia.
A partir de 1956, o projeto foi ampliado com o estudo da "terapia familiar dos
esquizofrénicos", centrando-se no comportamento comunicacional da esquizofrenia.
Segundo informação de Haley, citada por Pina Prata, a primeira entrevista registada com
toda uma família data de Fevereiro de 1956, passando o projeto a incluir um programa de
"tratamento formal de toda a família do esquizofrénico", focando a mudança na família
como unidade de tratamento. Tratava-se de uma mudança radical em relação à ótica
tradicional, já que não se podia "tratar" o paciente sem "tratar" toda a família.
É em 1976 que aparece a coletânea sobre o "duplo ligame" (tradução de double bind, mais
correta que "duplo vínculo", segundo o autor), com 22 artigos, o primeiro dos quais é "Para
uma teoria da esquizofrenia" e cujo conteúdo é comentado por Pina Prata (1980b). Este
estudo tenta pela primeira vez investigar a comunicação nas famílias com esquizofrénicos,
na complexidade de suas mensagens, chegando a uma "teoria comunicacional" sobre a
origem e natureza da esquizofrenia.
Os autores baseiam os seus pontos de vista na chamada "teoria dos tipos lógicos" de
Russel, segundo a qual se utilizam e manipulam diversas modalidades comunicativas na
interação humana, alcançando o processo de composição e definição de mensagens uma
certa complexidade. A limitação do nosso vocabulário para discriminar os diversos tipos e
níveis lógicos de comunicação faz com que se utilize um conjunto de meios não-verbais
como a postura, os gestos, a expressão facial, a entoação e o contexto para comunicar as
mensagens. O papel do humorismo no processo de comunicação, o papel dos sinais meta-
comunicativos e o da aprendizagem são também descritos neste contexto.
A capacidade de servir-se de (e de interpretar) múltiplos níveis de sinais é uma habilidade
que o ser humano vai adquirindo e função de níveis múltiplos de aprendizagem. Segundo
Pina Prata (1980b), a partir do texto comentado:
"O esquizofrénico mostrará fraqueza em três áreas de tal função: tem dificuldade em atribuir a
correta modalidade comunicativa às mensagens que recebe de outrem; (...) àquelas mensagens,
verbais e não-verbais, que ele próprio envia; (...) aos próprios pensamentos, sensações e perceções."
A linguagem esquizofrénica é rica em metáforas, como em geral toda a comunicação
humana; a particularidade da esquizofrenia reside no uso de metáforas não definidas e
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percebidas como tais.
Partindo da hipótese que a esquizofrenia é essencialmente um resultado da interação
familiar, os autores do estudo procuram chegar a uma definição dos padrões de sequências
(traumáticas) de interação que induzem esta sintomatologia.
O duplo ligame (double bind)
O "duplo ligame" carateriza-se do seguinte modo, segundo o estudo citado:
a) Duas ou mais pessoas, das quais uma "vítima". O ligame pode ser infligido pelo
pai, ou pela mãe, ou por meio da aliança mãe-pai ou com irmãos.
b) Experiência repetida, recorrente, que faz com que o duplo ligame seja a expectativa
habitual.
c) Uma injunção negativa primária que pode assumir duas formas: "não faças assim
ou castigar-te-ei", ou "se não fazes assim, castigar-te-ei". Elege-se assim um
contexto de aprendizagem baseado em evitar o castigo, em vez de procurar a
recompensa.
d) Uma injunção secundária, em conflito com a primeira, também reforçada por
punição e sinais de ameaça à sobrevivência. Habitualmente é comunicada à criança
de modo não-verbal, por isso a um nível mais abstrato. Pode transmitir a ideia "Não
vejas isto como um castigo", ou mesmo "Não te submetas à minha proibição", ou
poderíamos acrescentar "Castigo-te mas é para teu bem".
e) Uma terceira injunção negativa que proíbe à vítima "abandonar o campo", imposta
desde a infância, e que faz crer que o campo relacional é insubstituível.
f) A série completa destes componentes deixa de ser necessária (mas continua a
exercer-se) quando a vítima aprendeu a perceber o seu universo em termos de
duplo ligame.
Segundo os autores, e conforme resume Pina Prata (1980b), a situação de duplo ligame
carateriza-se por ser uma relação intensa, em que é de importância vital para o indivíduo-
vítima conseguir discriminar com precisão os tipos lógicos de mensagens que lhe são
comunicadas, de modo a responder-lhes adequadamente. Nesta situação em que está
envolvido, a outra pessoa envia-lhe mensagens de diversos níveis, em que um contradiz o
outro. Um terceiro aspeto é que o indivíduo é incapaz de comentar tais mensagens (meta-
comunicar) e de corrigir assim a sua dificuldade em discriminá-las.
Esta é a situação que existe entre o pré-esquizofrénico e sua mãe, situação em que o
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indivíduo se sente embaraçado e responde defensivamente, de modo literal, mesmo em
ocasiões (como metáfora ou brincadeira) em que tal nível de resposta é descabido. Uma
pessoa que passou a vida numa relação de duplo ligame, não partilhará com os outros a
compreensão dos sinais que acompanham as mensagens e completam o que se pretende
dizer. Isto é, o seu sistema meta-comunicativo (a comunicação sobre a comunicação) está
deteriorado e não será capaz de reconhecer a natureza de uma mensagem.
Perante a incapacidade de julgar com precisão o que outro lhe quer comunicar, pode usar
como alternativas: aceitar de modo literal tudo o que lhe for dito, ou alhear-se do mundo
exterior, ou mesmo comportar-se de modo paranoico ou catatónico.
Ao caraterizar a situação familiar e respetivas sequências de comunicação, os autores
apresentam a hipótese segundo a qual a mãe do esquizofrénico exprime, pelo menos, duas
ordens de mensagens:
a) Manifestação de comportamento hostil (que é real) ou de afastamento cada vez que
a criança se aproxima
b) Simulação de comportamento afetuoso (que não é real) ou de aproximação cada
vez que a criança reage ao comportamento hostil
Esta hipótese está aprofundada no texto e exemplificada através de casos que nos
dispensamos de aqui reproduzir. Como bem explica Pina Prata (1980b):
"A mãe usa a resposta do filho para confirmar o caráter afetuoso de seu comportamento e, visto que
o comportamento afetuoso é simulado, o filho é posto em condição de não dever interpretar com
exatidão a comunicação da mãe, se com ela quer manter a relação. Isto é, não deve distinguir
atentamente entre as diversas ordens das mensagens; neste caso, entre a expressão de sentimentos
simulados e de sentimentos reais. Donde resulta ser a criança obrigada sistematicamente a distorcer
a sua perceção dos sinais meta-comunicativos."
Para escapar a tal situação, a criança pode recorrer, por exemplo, à ajuda do pai ou de outro
familiar mas, segundo o estudo, os pais destes pacientes não têm força suficiente para dar
um apoio válido. A única saída é a criança comentar com alguém a posição contraditória
para onde sua mãe o empurra. Mas se o fizesse, a mãe reagiria como se ele a acusasse de
não ser afetuosa e iria castigá-lo; assim, impedindo o filho de comentar a situação, a mãe
impede-o de usar o nível meta-comunicativo, que usamos para esclarecer ou corrigir a
nossa perceção de uma comunicação. Em qualquer relação normal existe um contínuo
intercâmbio de mensagens meta-comunicativas do tipo "Que quer dizer?" ou "Porque faz
assim?" ou "Está a brincar comigo?". Em resumo:
"A criança cresce sem desenvolver a sua capacidade de comunicar sobre a comunicação e por isso é
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incapaz de captar, seja o que as pessoas querem realmente dizer, seja exprimir o que ele quer
realmente dizer, o que é essencial para uma relação normal (...)
Numa relação que é a mais importante da sua vida, e constitui o modelo para todas as outras, a
criança é castigada, quer manifeste o seu amor e afeto, quer não o faça. Além de que as possíveis
vias de saída desta situação estão bloqueadas."
Vários exemplos apresentados, tomados de dados clínicos do estudo referido, levaram os
autores a três tipos de observações:
a) Uma situação de duplo ligame provoca no paciente impotência, medo, exasperação
ou raiva; a mãe pode continuar serenamente e sem se dar conta; o pai pode reforçar
ou amplificar a situação criada pela mãe, mantendo-se passivo, maltratado,
enredado como o paciente.
b) A psicose parece, em parte, um modo de enfrentar as situações de duplo ligame,
para vencer o efeito inibidor e de controlo.
c) A situação descrita é essencial para a segurança da mãe e para manter a homeostase
familiar.
Por fim, Pina Prata (1980b) apresenta algumas implicações terapêuticas desta teoria. Desde
logo, a própria psicoterapia é um contexto de comunicação a vários níveis, em que se
exploram os limites ambíguos entre o literal e o metafórico, entre a realidade e a fantasia.
As situações de duplo ligame produzem-se no contexto terapêutico e, em particular, no
ambiente hospitalar. Cada vez que o sistema é modificado por interesse do hospital ou do
seu pessoal, e se diz ao paciente que é para seu benefício, está-se a criar a situação
esquizofrenogénica; o paciente, incapaz de comentar o facto de se sentir enganado, irá
reagir de modo esquizofrénico como na situação de duplo ligame.
Vários são os limites e críticas apontados por Pina Prata (1980b) a esta teoria, como a falta
de "uma metodologia adequada à observação e qualificação das interações mais imediatas
vividas na família", ou o facto de as relações analisadas se restringirem quase só às
relações mãe-filho, ou ainda por se estudar não um sistema de relações familiares mas
relações de tipo unidirecional. É também criticada a não integração de conceitos já
disponíveis como modelo cibernético, homeostase, feedback ou interação familiar.
O autor considera também que, no período de investigação a que corresponde o estudo, não
se pode falar ainda de Terapia Familiar, não só pela teoria subjacente como pela
terapêutica adotada. Exemplos disso são o modo como combinam a psicoterapia do
paciente com a da mãe, assim como a orientação de afastamento do paciente de sua casa,
para evitar o agravamento de sintomas ou o seu aparecimento noutros membros da família.
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Minuchin e casos da terapia familiar estrutural
Em 1980 Pina Prata participou em treino de terapia familiar conduzido por Minuchin, em
Roma. Dessa experiência resultou o artigo "Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de
Minuchin" (Pina Prata, 1981c).
O modelo de terapia familiar da chamada escola de Minuchin, conhecido como terapia
estruturalista, assenta em conceitos básicos que se integram em praticamente todos os
referenciais teóricos de terapia familiar: função, papéis, limites, coalizões, afiliações,
alianças, regras, normas, redes, simetria, complementaridade, feedback, autorregulação,
homeostase.
Nas diversas práticas das múltiplas correntes da terapia familiar, a perspetiva estrutural
entra sempre na condução terapêutica. Porque não é possível falar de relações (sejam
pessoais, grupais, organizacionais, institucionais ou sociais) sem nos referirmos a pontos
de suporte material que são as estruturas dessas relações. O próprio espaço da sala da
terapia familiar é uma estrutura (termo proveniente da arquitetura), com cadeiras cuja
posição relativa tem caráter estrutural; assim como "releva do conceito de estrutura a
posição de um terapeuta de 1,50m face a um cliente que mede 2m". Os conceitos de
estrutura e de relação não se sobrepõem, embora se relacionem, mas Pina Prata defende o
primado das relações sobre as estruturas.
Pina Prata (1981c) faz também algumas considerações sobre a utilização do video-tape na
formação. Tanto os terapeutas em estágio ou supervisão, como as famílias em sessão de
terapia, não suportam sessões demasiado longas, sendo os 50/60 minutos limites próximos
da saturação. Por isso, considera que é possível organizar dias intensivos de formação
apoiada em video-tape sob duas condições: boa qualidade da gravação, imagem e som;
seleção prévia de sessões de terapia e de sequências de interações específicas.
O artigo desenvolve-se depois em torno de 4 casos de consultas de terapia familiar que
permitem ao autor discutir os postulados, o modo de condução do processo terapêutico e
sua avaliação, segundo a terapia estrutural de Minuchin.
Coterapia e afiliação
O primeiro caso reporta-se a uma família cujo "paciente-designado" é anoréxico e o autor
centra a sua análise no tema coterapia e afiliação. A coterapia, na aceção lata de Minuchin,
pode referir-se ao trabalho de apoio e de aliança que lhe é prestado por algum membro da
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família ou à relação que estabelece quando tem um colega como coterapeuta. Segundo
Pina Prata, é reduzida a interação que Minuchin estabelece normalmente com o
coterapeuta, tendência habitual dos grandes terapeutas. Sempre ativo e interveniente, é ele
que orienta efetivamente a terapia, interagindo com o coterapeuta apenas "como alguém
que lhe permite a abertura do campo inter-relacional, abrindo caminho à sua 'faena'
terapêutica"; por isso, dirá também que "canabaliza" o coterapeuta.
Também Whitaker referia a necessidade de ter alguém presente durante a terapia, para
além da família, não só para lhe ser uma presença estimulante mas sobretudo para não ser
triangulado pela família, e evitar o envolvimento com a vida socio-afetiva da família.
Ainda sobre esta questão, o autor acha importante fazer a distinção entre coterapia de
formação e coterapia de intervenção; também considera primordial pensar a questão da
coterapia relacionando-a com a supervisão e o papel do supervisor em terapia familiar.
Quanto à afiliação, Pina Prata (1981c) considera ser um processo com um lugar de realce
na condução terapêutica de Minuchin; não consiste apenas em aliar-se a um membro da
família para conseguir penetrar no sistema socio-afetivo familiar, mas faz parte de uma
estratégia de mudança.
No caso de anorexia descrito, a escolha do membro familiar com quem o terapeuta tenta a
afiliação deve ter em vista a mudança do sistema patológico inter-relacional familiar;
assumindo que o marido é são e a mulher é doente, Minuchin apoia o marido quando ele
diz que a mulher deve mudar. Para o marido: "tu não tens nada a fazer para mudar"; para a
mulher: "tu não tens razão, não sabes fazer nada, és doente". A estratégia de mudança
aponta para a aliança com aquele que mais se mostra capaz de suscitar a mudança e de
mudar. Mas isso não quer dizer que depois não estabeleça a aproximação com a mulher,
valorizando-a. A propósito disto, Pina Prata relembra a sua visão sobre a dimensão socio-
afetiva implicando simultaneamente interesse-desinteresse, aproximação-afastamento.
O autor considera que Minuchin não tem adiantado nada de significativo em relação ao seu
referencial teórico. Mas refere a sua afirmação "faço uma terapia segmentária, trabalho
sempre com uma verdade parcial". E isto implica o que designa hipótese estreita que lhe
permite trabalhar com uma família em torno de um conjunto de sequências interativas,
centradas sobre um dos membros mas visando a mudança das interações disfuncionais de
toda a família.
Outro aspeto interessante na estratégia de afiliação consiste em tirar partido das próprias
limitações do terapeuta para que, pedindo ajuda (para ele mudar), possa dar ajuda (para a
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família mudar). Minuchin tirava partido do facto de não falar bem italiano, para catalisar a
mudança, através da afiliação que a família fazia com ele ajudando-o. E recordava aos
terapeutas mais novos que o mesmo podiam fazer socorrendo-se da sua falta de
experiência, com muitas famílias com vasto reportório de acontecimentos de vida.
No segundo caso, em que o paciente-designado é fóbico-obsessivo, o autor sublinha a
temática do sintoma e do significado do controlo na patologia relacional. O pai passa o
seu tempo a lavar as mãos, desde que chega do trabalho, com medo de sujar o que toque.
Na sua estratégia de utilização-prescrição do sintoma, o terapeuta insiste na metáfora da
sujidade, entrando por aí na dinâmica familiar. E diz que o pai deve limpar bem toda a
casa, já que ainda não tem um controlo absoluto sobre ela.
O importante da tarefa, focada no sintoma, não é que seja necessariamente cumprida mas
que suscite um campo de interação que permita à família dar-se conta do "círculo vicioso"
da sujidade; e que este deixe de ser agido unicamente pelo paciente, podendo o terapeuta
passar a redefinir a mãe como paciente (centro da sujidade), baralhando ainda mais a
organização familiar controlada pelo sintoma. Nesse sentido vão também os apertos de
mão e as carícias agidas pelo terapeuta na sessão.
Segundo Pina Prata (1981c), Minuchin usa o sintoma para entrar no sistema inter-
relacional mas o seu objetivo é a mudança da família, não o desaparecimento do sintoma.
É por isso que procura "organizar uma crise ao nível do sintoma", para suscitar a
destruturação da "doença disfuncional" da família, já que é o sintoma que organiza toda a
vida familiar. Este desafio estratégico à estrutura familiar torna explícito o controlo que o
paciente-designado exerce sobre o sistema inter-relacional familiar, graças ao sintoma.
No terceiro caso, o paciente-designado é um "delinquente" de menor idade; o autor aborda
a questão dos limites entre os subsistemas na organização do sistema familiar. Tal como
nos casos de toxicodependência e de roubo, o autor considera que a delinquência resulta de
um sistema familiar em que existe falta de poder, manifesto numa estrutura de família
indiferenciada em termos de subsistemas familiares. A descrição do caso, que não cabe
nesta recensão, merece uma leitura atenta.
Minuchin trabalha no sentido de transformar esta família indiferenciada num "animal mais
complexo", numa família com subsistemas bem diferenciados. Por isso, este é um dos
casos em que melhor transparece a temática dos limites e das articulações entre os
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subsistemas, tão caraterísticos na terapia estrutural de Minuchin.
Várias são as formas disfuncionais de organização dos subsistemas, referidas por Pina
Prata (1981c), tendo em conta os casos apreciados:
a) Aliança de um dos pais com todos os filhos, isolando o outro membro do casal;
Haley designa triângulo perverso quando ocorre a coalizão de um dos pais com um
dos filhos contra o outro pai;
b) Indiferenciação do sistema familiar;
c) Disfuncionalidade apenas no controlo das relações, resultante da sua indefinição,
por falta de experiência de poder parental (ou impedimento) de um dos cônjuges;
d) Indiferenciação no subsistema dos pais entre os papéis parentais e as relações
conjugais.
Esta questão central da diferenciação dos membros da família e dos subsistemas leva
Minuchin a comparar a pessoa a um diamante, em que o brilho de cada face depende do
contexto em que se encontra. Assim também o contexto familiar disfuncional impede o
desenvolvimento das potencialidades dos seus membros.
O quarto caso diz respeito a uma família psicótica e serve de base à discussão do contexto
terapêutico. Através da afiliação, Minuchin procura levar a família a entrar na realidade
terapêutica e a valorizar as potencialidades dos seus membros, pela criação de novas
alternativas que destruturam a organização das relações patológicas. Segundo Pina Prata
(1981c), Minuchin:
"Entra e participa na estrutura existencial desta família, mas leva a família a criar com ele uma
realidade nova."
"É o timoneiro do barco mas, por isso, vai também nele".
O terapeuta é um "criador de realidades" que favorece a realização das potencialidades
pessoais. Para isso, o terapeuta deve, a partir do modo como a família se organiza - o
contexto familiar disfuncional - criar uma metáfora próxima daquele contexto. O trabalho
terapêutico consiste em realizar essa metáfora, criadora da nova realidade inter-relacional,
a partir das potencialidades existentes.
Em resumo, a terapia estrutural de Minuchin tem uma face existencial, na medida em que
leva o terapeuta a participar na estrutura da família. E é vivencial porque, no contexto
terapêutico, os membros da família e o próprio terapeuta vivenciam experiências novas,
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não agidas até aí. Além disso, é uma terapia voltada para a mudança do sistema inter-
relacional familiar, e não para a modificação do comportamento de um dos seus membros.
Pina Prata (1981c) faz ainda algumas considerações acerca da terapia diretiva de
Minuchin, no sentido em que faz grande utilização da "comunicação proxémica",
espontaneamente, para exprimir relações socio-afetivas, sejam de aproximação ou de
afastamento.
"Levanta-se, quer para fazer ou pedir uma carícia, como para manifestar a sua irritação. Fica de pé
ou põe-se de joelhos, consoante quer agir em relação de crescimento ou de dependência."
Para além da comunicação gestual e quinésica, que utiliza correntemente, é a mudança no
espaço que constitui para ele o modo mais espontâneo de regular as relações com os
membros da família. Essa incidência tão pessoal na diretividade, voltada para a mudança
das inter-relações do sistema familiar, leva-o a admitir que uma família pode não conseguir
abrir-se a novas alternativas com determinado terapeuta e ser capaz de mudar com outro.
Palazzoli, anorexia e sistemas familiares rígidos
Outra figura de referência nas relações de investigação e de prática terapêutica de Pina
Prata foi a Professora Mara Selvini Palazzoli. Pina Prata participou como terapeuta na
preparação e discussão de vários casos, no Instituto da Família por ela dirigido. Da sua
experiência e reflexão sobre o caso da "família anoréxica" resultou o artigo "Debate com
Mara Selvini Palazzoli" (Pina Prata, 1981g). Segundo o autor, o seu objetivo neste artigo
não é apresentar as posições teóricas de Palazzoli, nem o seu método de condução
terapêutica, mas a forma como se apercebeu "das virtualidades e dos limites de múltiplas
consultas de terapia familiar, orientadas por diferentes terapeutas, com óticas
diversificadas".
Desde logo, observou que o desenrolar da consulta põe em evidência que as estratégias
pré-elaboradas para conduzir um determinado encontro de terapia familiar podem e devem
ser alteradas ou adaptadas, conforme a inter-relação real que se estabelece durante o
encontro. Estas alterações de estratégia são frequentes, apontando assim para a necessidade
de se ser flexível na sua concretização na sessão terapêutica.
Ao analisar esta sessão, e beneficiando da utilização do espelho unidirecional, Pina Prata
(1981g) observou também que existem realmente dois subsistemas em interação no
processo terapêutico: o familiar e o do terapeuta. Foi fortemente visível a diferença entre o
inter-relacionamento dos membros da família na presença do terapeuta e durante a sua
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ausência no intervalo, como se torna evidente nas mudanças de comportamentos
observadas e descritas pelo autor.
Em função dessa observação, pode considerar-se que a hipótese relacional agida por esta
família "anoréxica" é que "nós é que ajudamos a nossa filha", desqualificando o sistema
inter-relacional terapêutico, seja pela negação da capacidade do terapeuta, seja pela
negação da diferenciação necessária dos papéis e funções intrafamiliares. Assim:
"As transações anoréxicas servem para apoiar a filha no seu papel de ajuda aos pais e para apoiar os
pais na sua tarefa de tentar salvar a filha."
Ao regressar após o intervalo, Palazzoli lê um texto com a opinião dos terapeutas sobre a
situação familiar anoréxica e sobre a continuação da terapia familiar; a sua prescrição
paradoxal consiste em os ajudar não os ajudando.
"O texto é lido com voz firme e decidida; a atenção de todos os membros da família é total; à
medida da leitura do texto, cresce a tensão manifesta (...) Eles terapeutas pensam que, encontrando-
se a família num equilíbrio tão precário e para que se evite uma catástrofe eminente na família, o
que podem fazer de melhor é não fazer mais nada (...)"
Mas a terapeuta deixa uma porta aberta, dando paradoxalmente o ar de não acreditar muito,
mas deixando o desafio à família. Assim, sublinha que pode ser que suceda qualquer coisa,
a seu tempo se verá, e que podem comunicar telefonicamente com os terapeutas.
Pina Prata conclui pela reafirmação da sua teoria que define o processo unitário de
estabilidade-mudança como sendo o processo paradoxal de base; e que qualquer equilíbrio
relacional é, por definição, equilíbrio tensional.
Ainda no âmbito da partilha de experiências e discussão com Mara Selvini Palazzoli,
importa situarmos o artigo que se apresenta em seguida, dada a sua importância teórica e
metodológica. Em 1979 o Professor Pina Prata dirigiu na Faculdade de Medicina da
Universidade de Lovaina, a convite do Professor Pierre Fontaine, um seminário de pós-
graduação em Psicopatologia. Na jornada de Terapia Familiar organizada nesse contexto, o
autor colocou a Palazzoli três questões: uma sobre a psicofarmacoterapia da anorexia
mental; outra sobre a possibilidade de uma análise diferencial dos sistemas familiares
rígidos; uma última sobre a vantagem da utilização de um modelo não só qualitativo mas
também quantitativo.
Algumas destas questões foram o ponto de partida para o longo artigo "Analyse
différentielle du système rigide de l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la
thérapie familiale" (Pina Prata, 1980f). A sua relevância para o movimento da terapia
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familiar internacional é atestada pelo facto de ter sido publicado em Francês, no I Volume
da revista Thérapie Familiale, primeira revista europeia nesta área e de cuja direção
científica fez parte. O artigo está estruturado em 21 pontos, de que destacamos:
- Modelo do equilíbrio tensional
- Relação de tipo 1 e de tipo 2 no sistema anoréxico
- A escuta do corpo
- Análise do processo de avaliação preferencial nos sistemas rígidos
- Pseudocontrole da relação de tipo 1, morte e relação mediatizante do alcoólico e do anoréxico
- Fórmulas-guia quantitativas dos sistemas rígidos e abertos
- Estratégias de destruturação confirmativa (da relação terapêutica, do contexto, do problema)
- Estratégias da regulação do peso
Do ponto de vista da psicopatologia e da nosografia psiquiátrica, Palazzoli afirmou-lhe que
a distinção entre as diferentes formas de anorexia, proposta em 1963 no seu livro sobre a
anorexia mental, já não tinha qualquer sentido. Considera que as categorias nosográficas da
psiquiatria tradicional apenas possuem um alcance descritivo, não tendo o diagnóstico
diferencial da anorexia mental qualquer interesse. É digna de nota esta capacidade de
corrigir uma visão que passou a ser considerada incorreta e de evoluir no pensamento e no
conhecimento.
O caso que o autor apresenta como pano de fundo da sua "análise diferencial" refere-se a
"uma paciente designada, Sónia, 19 anos, que tinha anteriormente sido tratada por meio de
estimulantes de apetite, antidepressivos, sedativos, ansiolíticos, neuroléticos, anabolisantes
e fortificantes, para além do controlo da anemia, da hipoproteinemia, da hiperacidez
gástrica, do metabolismo de base! (...) aos 19 anos, quando nos foi encaminhada pelo
médico de família, pesava apenas 37 kg".
Pina Prata (1980f) começa por elucidar o seu modelo teórico para a psicologia e a
psicossociologia e para a prática psicoterapêutica - "modelo do equilíbrio tensional" - que
tinha vindo a elaborar teoricamente e a aplicar.
A rigidez dos sistemas de comunicação familiar, como a que carateriza os sistemas com
um paciente anoréxico, pode ser determinada em grande parte pela pobreza da quantidade
da informação presente, informação que serve para nutrir as interações e as relações
interpessoais. Esta pobreza de elementos de informação traduz-se pela diminuição das
possibilidades alternativas, mas também pela falta de informações específicas sobre os
problemas pessoais e interpessoais, as quais poderiam facilitar a mudança do sistema das
inter-relações familiares, ao nível dos dois subsistemas:
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- subsistema de relação de tipo 1, que diz respeito às relações das pessoas entre
elas e de cada membro da família consigo próprio (enquanto pessoas);
- subsistema de relação de tipo 2, que se refere às relações que os membros da
família mantêm com o mundo das coisas e com o mundo social (seus papéis,
crenças e normas socioculturais).
A qual dos dois subsistemas pertencem as relações das pessoas com o seu corpo? Esta
questão é central nas famílias anoréxicas, já que permite distinguir a rigidez do sistema
anoréxico da dos outros sistemas rígidos. O autor considera muito importante esta
distinção entre a qualidade das nossas relações com as coisas e com as pessoas, distinção
que não tem sido explorada, apesar de ser fundamental para a compreensão do
comportamento perturbado e para a condução terapêutica.
Para esclarecer a questão do enquadramento das relações com o corpo num dos dois
subsistemas, importa analisar as transações que nos remetem para comportamentos
alimentares (que confirmam e estruturam o papel do paciente anoréxico) e também para a
imagem que o paciente constrói do seu próprio corpo. Essa imagem é apoiada na perceção:
- do seu próprio corpo (que tem de comer para subsistir e que pode engordar e
emagrecer)
- do corpo dos outros
- das relações dos outros com o seu corpo e consigo como pessoa.
Segundo Pina Prata (1980f), aqui reside a raiz epistemológica dos erros de cálculo do
paciente anoréxico quando, mediante o seu corpo, entra no jogo das interações familiares
patológicas para pôr à prova o seu poder e o poder do sistema.
"Por isso, interpõe o seu corpo entre ele e os outros, entre a sua vida e ele próprio, como objeto
securizante. O seu corpo torna-se um "corpo diplomático", pela pobreza da sua linguagem verbal e
não verbal (...)
O corpo do paciente anoréxico torna-se o "frigorífico" da sua vontade de comer. Ele vai tentar
manter com o corpo apenas relações ao nível do sistema de relação de tipo 2."
É por isso que o autor conduz vários membros da família à escuta do seu próprio corpo,
desde a primeira sessão de terapia familiar, sem remexer na dinâmica homeostase-mudança
do sistema familiar. E verifica como são rápidas as oscilações entre o distanciamento e a
proximidade percetiva das sensações cinestésicas vividas pelo paciente-designado. Esta
escuta suscitada em todos os membros da família anoréxica é uma primeira abordagem no
sentido da mudança, através da utilização do processo de validação objetiva.
O sistema familiar anoréxico é dominado pelo receio, não confessado, da morte. Mas o
92
mais frequente são as preocupações com:
- a magreza do paciente anoréxico
- a sua rejeição de alimentos e a recusa de comer com o resto da família
- a recusa de comer o que os outros comem
Na família as opiniões proliferam, carregadas de conotações negativas, sempre a propósito
da mudança do comportamento alimentar do paciente. Formam-se então redes de
intercomunicação que agrupam todos ou alguns membros da família, de que o paciente é
excluído. Isto tem como resultado o curto-circuito de grande parte das informações entre
os subsistemas em que a família se agrupou, bem como entre alianças e coalizões.
No caso em discussão, logo que, entre o primeiro e o segundo encontro, Sónia começa a
comer uns bocaditos de coisas pouco habituais, a mãe chama a atenção do terapeuta nos
seguintes termos: "Sónia não come nada; ela piorou; come uns croquetes que nunca tinha
comido antes e que vai buscar ao frigorífico - mas que ideia!" Sabe-se também que ela
começou a beber leite, o que não fazia havia meses, mas ninguém o comunica ao terapeuta.
Com tudo isto, Sónia mostra bem como é teimosa ao não querer comer o que a mãe lhe
prepara, nem sentar-se à mesa como toda a gente.
Pina Prata (1980f) desenvolve em seguida algumas ideias que relacionam o duplo ligame, a
conotação positiva e as prescrições paradoxais, cuja força socio-afetiva pode ser utilizada
pelo terapeuta para destruturar a função de guardião do sistema, aparentemente atribuída
ao paciente-designado.
Faz também alguma reflexão sobre o pseudocontrolo do corpo, a morte e a relação
mediatizante do alcoólico e do anoréxico. Considera que, para salvar o status quo da
dinâmica dos papéis e das funções, a família anoréxica aceita que o paciente-designado se
imagine o guardião do sistema familiar. E sublinha também que o suicídio é muito raro na
anorexia, o que mostra como a família do anoréxico não deseja a sua morte. O seu medo da
morte é abafado pelo mito do controlo que o paciente teria sobre o seu próprio corpo. Daí
que se observe uma certa mistura entre luto e despreocupação na família do anoréxico.
Importa referir também a relação mediatizante e quase objetal que está associada a este
pseudocontrolo do corpo, fazendo pensar num certo paralelismo entre o comportamento e
atitude do alcoólico e do anoréxico. Assim como o alcoólico, para pôr à prova o seu poder,
não pode parar de beber, também o anoréxico, ao proibir-se de comer, assegura-se de que
exerce sobre o seu corpo (e sobre si próprio) um poder real; também o anoréxico precisa de
"tocar no fundo da sua garrafa", que é o seu corpo. É essa relação de controlo sobre um
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corpo-objeto que o leva a pôr em causa a sua sexualidade e as funções do seu corpo,
enquanto corpo sexuado, capaz de amar e de conceber.
O modelo teórico do autor e as fórmulas quantitativas que desenvolveu relativamente aos
sistemas rígidos e aos sistemas abertos, em trabalhos anteriores já citados (nomeadamente
Pina Prata, 1979), são aqui revisitados por Pina Prata (1980f), no contexto da anorexia.
Considera que dispõe agora do "utensílio concetual e analítico necessário e suficiente para
uma condução terapêutica, ao mesmo tempo flexível e estruturada".
Segundo o seu postulado, nos sistemas familiares rígidos os três processos de base tornam-
se disfuncionais. Assim, a informação que circula no sistema familiar (associada ao
processo de validação objetiva) conjuntamente com as sugestões de iniciativa ou ação
(associadas ao processo de resolução) encontram-se como que atrofiadas, se compararmos
com a frequência das opiniões (associadas ao processo de avaliação preferencial), em
particular as conotações negativas. Estas são mais numerosas que o conjunto das
informações e sugestões de iniciativa, tal como representado na fórmula já apresentada
atrás (Pina Prata, 1979). O contrário ocorre nos sistemas familiares flexíveis ou abertos.
O autor revisita também as cinco fases do processo terapêutico que desenvolveu em
trabalhos já citados (Pina Prata, 1979a), através das quais pode ser levada a cabo a
interação terapêutica num sistema familiar rígido: pré-relacional, consolidação das
funções, destruturação, restruturação e reciprocidade. Na condução terapêutica das famílias
anoréxicas, considera que as fases de consolidação e de destruturação se entrelaçam ao
ponto de poder falar-se de um só período. Este compreende pelo menos as 4 primeiras
sessões de terapia familiar (em cerca de 4 meses) que designou período de destruturação
confirmativa.
Durante este período, Pina Prata trabalha o que designa paradoxo de base dos sistemas
inter-relacionais, o facto de a homeostase (estabilidade) e a mudança formarem um mesmo
e único processo. Consiste em proceder a uma destruturação das funções e papéis rígidos,
que se manifestam nas estruturas de intercomunicação disfuncional; mas sem diminuir o
lado positivo dos papéis e das funções na preservação da continuidade do sistema familiar.
No caso em discussão, Pina Prata (1980f) revela:
"É assim que procedo à destruturação da função da anorexia de Sónia desde o início do segundo
encontro, dirigindo-me assim à mãe: "Minha senhora, como vão as suas preocupações?".
Esta questão tão simples e direta que preparei cuidadosamente ipsis verbis, e que serve de revelador
das disfunções do sistema familiar, faz emergir uma série de reações emotivas prolongadas em
cadeia. A mãe de Sónia declara, muito emocionada, ter "conseguido suportar todas as dificuldades
94
da doença de Sónia durante dois anos" mas acrescenta "agora, não consigo mais".
Este "agora" revela o seu sentimento de angústia e de derrota face ao processo de destruturação já
em curso (...)".
Estratégias de destruturação confirmativa
O autor apresenta em seguida as suas estratégias de destruturação confirmativa, as quais
têm em vista desenvolver a dinâmica dos processos mentais e afetivos já referidos (o da
validação objetiva e o das sugestões de iniciativa), integrando-lhes o processo de avaliação
preferencial na sua dimensão positiva. Resumindo:
a) Estratégias destruturantes da relação terapêutica
Inclui-se aqui a possibilidade de utilizar a prescrição do sintoma, desde a primeira
sessão, por vezes no quadro da "terapia de mediação" (por carta, recado ou outras
vias), o que também permite prosseguir a terapia quando o paciente se recusa ou
não pode vir ao encontro.
b) Estratégia de destruturação do contexto terapêutico
Redefinir o contexto, segundo novos padrões de relação terapeuta-família, pode
incluir a destruturação espácio-temporal, através de novas formas de organização
do espaço terapêutico ou do intervalo de tempo entre os encontros. E também pode
contribuir para preservar a capacidade do terapeuta em clarificar a questão do
poder, definindo as formas de relação no sistema terapêutico ("a mãe de Sónia,
desde o início, admira-se que o meu papel 'não seja nem sequer o de orientar' ").
c) Estratégias de destruturação do problema
Desde o primeiro encontro, o terapeuta deve agir na destruturação ou redefinição
do problema, mas sem nunca negar a conotação positiva da função do paciente-
designado, com tanto mais precaução quanto o sistema familiar é rígido.
d) Estratégias da regulação do peso
As destruturações do problema, do contexto e da relação com a família vão a par e
imbricam-se com as estratégias de regulação do peso. De facto, o aumento e a
diminuição do peso estão no centro das preocupações da família e também dos
médicos; é necessário proceder à destruturação deste duplo contexto. Daí a
necessidade do maior cuidado e fineza na abordagem sistémica quando o paciente-
designado aumenta de peso. No caso de Sónia, perante a carta do pai relatando a
sua admiração com o aumento de peso de 1kg entre o 3º e o 4º encontros, o autor
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responde-lhe, também por escrito, "o aumento em questão não me parece
significativo, nem o deverá tranquilizar".
Pina Prata (1980f) descreve o 4º encontro que decorreu em casa da família, ao jantar, e que
nos dispensamos de aqui detalhar. Mas é de realçar o facto de, durante aquelas 3 horas,
nunca se ter referido a questões de alimentação, embora observasse o facto de Sónia ter
recomeçado a comer qualquer coisa e isso fosse o aspeto mais significativo. E dá-se conta
de que a sua própria atenção deixa de se centrar no problema específico da alimentação.
Em resumo, o autor apresenta-nos neste artigo "as estratégias e as orientações concretas
para levar a cabo a terapia familiar durante o período de destruturação confirmativa, tendo
em conta os três processos de base indicados, mediante a ponderação do fluxo quantitativo
e qualitativo, tanto da informação como das opiniões e das sugestões de iniciativa que
circulam no sistema familiar e o estruturam".
Haley e a terapia em etapas
Na discussão de perspetivas teóricas e metodológicas, e no consequente debate crítico
entre as diversas abordagens da Terapia Familiar, Pina Prata desenvolve também um longo
artigo sobre a "terapia em etapas" de Jay Haley, complementando-o com o seu método de
condução terapêutica que denomina "terapia por ciclos" (Pina Prata, 1983b).
Segundo Haley, a primeira obrigação do terapeuta é mudar aquilo que é apresentado como
o problema da família, sem o que a terapia fracassará. Além disso, a melhor maneira de
produzir a mudança é centrar a sua atenção nos sintomas, pois o que mais interessa ao
cliente é o problema trazido; só assim se conseguirá a sua boa cooperação.
Por outro lado, o objetivo da terapia não é dar lições à família sobre o seu funcionamento
defeituoso, mas modificar as sequências das interações familiares, com vista a resolver os
problemas. Assim, não é necessário convencer os membros da família de que têm
problemas (ou interpretá-los), mas sim de que a sua cooperação é indispensável para que
ajudem o terapeuta a superar o problema. Na perspetiva da família, recorda Haley, a
criança é o problema; daí que a família fique intrigada ao ser-lhe pedido que venham todos
os seus membros.
A primeira entrevista é corretamente conduzida pelo terapeuta se lhe permite averiguar
quais as sequências de factos que definem o problema familiar; só depois vem a definição
da estratégia mais adequada para gerar a mudança. É aqui que surge a ideia de etapas
intermédias na terapia.
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A terapia em etapas é exemplificada por Haley com dois exemplos: o da "avó intrusa" e o
da "criança com papel parental". O primeiro caso refere-se a uma família em que a criança
sofre de enurese, em que a avó acha que a mãe não sabe tratar da criança e a mãe afirma
que, sempre que tenta disciplinar o filho, a avó se intromete e o protege. A forma como
Haley atua sobre as relações é significativa. Num primeiro momento, consegue persuadi-
las a experimentarem uma nova abordagem, por pouco tempo:
"Competiria à avó responsabilizar-se inteiramente pelo menino durante duas semanas, de todas as
questões de disciplina e da enurese, incluindo a lavagem dos lençóis; a mãe limitar-se-ia a usufruir
da companhia do filho sem querer discipliná-lo. No caso de mau comportamento do filho, deveria
informar a avó, a qual se ocuparia do assunto."
Esta etapa consiste essencialmente na acentuação de uma estrutura de funcionamento
defeituoso, pois não é correto que uma criança fique completamente a cargo de sua avó,
pondo-se a mãe em lugar periférico.
No fim das duas semanas, o terapeuta pediu à família que invertesse as responsabilidades,
cabendo agora à mãe ocupar-se totalmente do filho, e à avó gozar da sua companhia.
Também esta etapa continua a acentuar um funcionamento anormal, excluindo a avó dos
problemas da criança, não lhe permitindo sequer aconselhar a mãe.
Após esta segunda quinzena, a sessão de terapia centra-se na discussão sobre qual dos dois
procedimentos deu melhor resultado.
"Na maioria dos casos, a avó prefere que a mãe se ocupe da criança, já que ela é a mais velha e criou
já os seus filhos. Também acederá a comunicar com a criança através da mãe, em vez de coligar-se
com o neto contra a mãe (...).
Os sintomas da criança costumam desaparecer quando a hierarquia é correta."
Se o terapeuta tenta passar logo diretamente ao sistema "normal", pondo o filho sob o
cuidado total da mãe, o mais provável é que a avó continue a intrometer-se, demonstrando
que a mãe não está apta para essa responsabilidade.
Tanto neste caso como no seguinte, desenvolvidos no texto de Haley, Pina Prata (1983b)
sublinha a ideia de reorganização da estrutura das relações intrafamiliares. Para Haley, a
passagem desde o momento sintomático ao da reestruturação inter-relacional realiza-se
através do desenvolvimento intermediário de uma terapia em etapas. Esta tem a ver com a
função (e utilização) do sintoma e do membro-sintomático nas etapas intermediárias, em
que "papéis quase-funcionais" são ponto de passagem para um tipo de estrutura familiar
"mais normal" e mesmo "normal".
No contexto da terapia em etapas, Haley aborda ainda o problema bigeracional
97
considerando que o comportamento da criança, em função da tríade, resulta de um dos
progenitores se coligar com a criança contra o outro. Tendo presente esta sequência, o
terapeuta pode escolher diversas abordagens ou "portas de entrada" na família.
Um primeiro enfoque utiliza a pessoa periférica. Haley considera três etapas, antes de
alcançar o objetivo, e que fluem numa sucessão lógica:
a) Na primeira etapa há uma coalizão entre o terapeuta, a pessoa periférica (pai, neste
caso) e a criança, deslocando a mãe para a periferia, criando-se uma nova
organização anormal; ao excluir a mãe, esta terá de procurar um vínculo e, como
não lhe é permitido ligar-se ao filho, volta-se para o pai.
b) Na segunda, o envolvimento é entre o terapeuta e os pais, ficando a criança fora das
questões entre os adultos, podendo assim unir-se a seus pares.
c) Na última etapa, o terapeuta deve desvincular-se da família, deixando os pais
relacionados entre si e a criança relacionada com os seus amigos.
Segundo Haley, citado por Pina Prata (1983b), o sucesso da terapia no caso exemplificado
deveu-se ao facto de a família estar disposta a mudar e também à habilidade do terapeuta
que facilitou a mudança através da negociação, em vez da interpretação dos problemas ou
hostilidades (estratégia terapêutica não interpretativa). Além disso, a terapia é mais eficaz
se o terapeuta é capaz de relacionar-se estreitamente com a família, mas também de se
desvincular dela rapidamente, atribuindo o êxito da mudança à família e não a si próprio.
Um segundo enfoque consiste em quebrar a díade, muito envolvida afetivamente, mediante
uma tarefa. A necessidade inconsciente da mãe em proteger o seu filho não deve ser
interpretada, pois com isso obtém-se o oposto, impedindo a mudança. Um método eficaz
será orientar a mãe para que ajude o filho a adquirir competências; ou desviá-la para outras
ocupações (como cuidar da sua própria mãe ou de outros membros da família) reduzindo
assim o vínculo entre mãe e filho.
O terceiro enfoque consiste em penetrar na organização familiar através dos pais. Este não
é o enfoque mais típico em terapia familiar pois geralmente começa-se pelo problema da
criança e só depois se passa ao conflito dos pais, em que ela se encontra envolvida. Esta
ideia parte de um pressuposto indiscutível em terapia familiar, para Haley, segundo o qual
o paciente-designado é um dos filhos, e o problema da criança remete-nos para uma
situação de conflito e tensão existente no casal.
Alguns dos comentários e críticas formulados por Pina Prata (1983b) merecem ser
referidos. Muitos terapeutas familiares não se guiam por etapas claramente pré-fixadas mas
98
decidem por intuição o que se tem de fazer em cada momento. Por outro lado, com a sua
teoria das etapas, Haley refere-se a estratégias específicas relativas a cada momento do
processo terapêutico. Mas não propõe um modelo teórico que elucide como essas etapas se
inscrevem no decurso do processo terapêutico, enquanto trajetória evolutiva e circular,
resultante da interação entre o sistema inter-relacional familiar e o sistema relacional do
terapeuta (como no modelo de Pina Prata).
Pina Prata (1983b) resume de uma forma clara a abordagem de Haley e algumas das regras
que aumentam a sua eficácia:
- Desde o ponto de partida (um progenitor superenvolvido com o filho) até ao ponto de chegada
(adultos envolvidos entre si e filho vinculado com seus pares), o processo não pode dar-se de um
salto mas passa por várias etapas.
- Em vez de confrontar os membros da família com o seu "erro", o terapeuta aceita o que fazem,
gerando desse modo a mudança.
- O sintoma tem uma função a que correspondem diversos papéis dos membros da família, função
que não pode ser imediatamente posta em causa; necessitam de uma certa confirmação que visa a
sua destruturação.
- Não deve haver interpretações para ajudar a família a compreender como se comporta; não
explorar o passado mas prestar atenção ao presente e organizar a família para que mude a sua
conduta atual.
- Não praticar um envolvimento prolongado mas uma intervenção breve e intensa, seguida de um
rápido afastamento.
Em suma, o que carateriza esta abordagem da terapia por etapas é uma estratégia de
destruturação e restruturação de múltiplos subsistemas, especialmente a destruturação das
relações do progenitor envolvido socio-afetivamente com o filho e a restruturação das
relações dos pais entre si e do filho com os seus pares.
No texto são apresentados vários casos ilustrativos, a partir do livro de Haley, como aquele
em que se dá um impasse devido à rivalidade entre o terapeuta e um dos progenitores, mas
que nos dispensamos de aqui considerar.
Terapia sistémica por ciclos de interface
Na segunda parte do seu artigo, Pina Prata (1983b) desenvolve o que denomina "terapia
por ciclos de interface". Não exclui os postulados de Haley mas enquadra-os num contexto
teórico mais alargado, que passa pela utilização estratégica dos ciclos evolutivos por que
passa um sistema de inter-relações familiares. Esta abordagem desenvolve-se em volta de
três referências teóricas, desenvolvidas também em textos já atrás citados:
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- o modelo do equilíbrio tensional, em que o paradoxo de base é o processo unitário
estabilidade-mudança;
- o conceito de processo, que adquire maior extensão e compreensão;
- o conceito de circularidade evolutiva, aplicado às fases do processo terapêutico e
ao conceito de ciclos.
O caso que suscitou a sua nova abordagem de terapia sistémica por ciclos de interfaces, e
que designou "médico de toda a família", foi apresentado pelo autor em texto já atrás
citado (Pina Prata, 1981d). De entre as hipóteses terapêuticas que colocou no tratamento
desse caso, importa-nos aqui considerar esta: "o processo terapêutico poderia ser longo,
mas que tal não tinha que coincidir com uma terapia contínua e prolongada". Segundo esta
hipótese, o plano terapêutico vai sendo constantemente retocado no decurso do processo.
Foi assim que o terapeuta baseou a sua intervenção apenas em "Faustino", alargando por
vezes a outros membros da família mas por "recado", fazendo dele o seu coterapeuta junto
da família. Este processo decorreu durante 3 anos, com uma média de 5 sessões de terapia
(cada ciclo) espaçadas no tempo. O terapeuta tinha a informação de que "o rapaz
melhorava" mas que "as recaídas" eram frequentes e esperadas. Foi por isso que:
"Tais hipóteses tomaram contorno claro quando, passados cerca de seis meses da conclusão do
primeiro conjunto de 5 sessões de terapia sistémica familiar (...) se deu a 'recaída' habitual, prevista."
Pina Prata (1983b) não pretende neste artigo desenvolver as estratégias diferenciadas
seguidas nos três ciclos de interface efetuados mas apenas mostrar como se foi delineando
esta forma de terapia; a prova do seu sucesso é que, nos quatro anos seguintes após a
conclusão da terapia por ciclos, o paciente não apresentava quaisquer sintomas de recaída.
O que nessa altura designou "terapia por fases diacrónicas, sucessivas, descontínuas e
deixadas em aberto" evoluiu para o novo conceito "terapia sistémica por ciclos de
interface", integrado num referencial mais compreensivo.
Enquanto a abordagem metodológica de Haley se situa na reorganização das estruturas
familiares, mediante etapas de desenvolvimento, mas no decurso de uma mesma unidade
temporal terapêutica, a terapia por ciclos de interfaces de Pina Prata supõe uma visão mais
alargada do processo, aparecendo como "uma ponte teórica e metodológica entre os
modelos de terapias breves e os de terapias longas, ditas de profundidade".
Articulando esta abordagem com os seus referenciais teóricos - modelo do equilíbrio
tensional, dinâmica dos sistemas inter-relacionais, tensão no processo básico estabilidade-
mudança - já apresentados em textos anteriores (Pina Prata, 1979, 1979a, 1981d, 1983c), o
100
autor considera que ao longo dos diferentes ciclos podem combinar-se dinamicamente
fases de quase-estabilidade, de crise e de mudança dos vários subsistemas. Como refere:
"A terapia sistémica por ciclos de interface aproveita-se desta dinâmica peculiar para nela fazer
windsurf teórico e metodológico, aquando da condução do processo terapêutico (...)."
Além disso, a evolução do processo terapêutico por ciclos de interfaces está estreitamente
relacionada com os ciclos de desenvolvimento próprios do sistema familiar, abrangendo os
pontos críticos ou de transição, em processo circular-evolutivo.
Para concluir, Pina Prata (1983b) deixa em aberto questões que considera essenciais "como
as das circunstâncias da aplicabilidade deste tipo sistémico de terapia familiar e as da
frequência, amplitude, regularidade-irregularidade dos ciclos".
Duhl e a estratégia da escultura da família
No contexto das estratégias sistémicas, a "escultura" da família pode revestir as formas
mais variadas, desde a simples elaboração pelos membros de um dos subsistemas
familiares, sob a orientação de um só terapeuta, até à sua aplicação mais complexa e
estruturada, tal como é relatada no artigo discutido em "Estratégia da escultura da família,
seguindo F.J.Duhl, M.D.Kantor, B.S.Duhl" (Pina Prata, 1980e).
Os mentores desta estratégia, desenvolvida no Boston Family Institute nos anos 1960-70,
começam por pôr em causa o próprio termo "terapia", utilizado em psiquiatria mas
impróprio em terapia familiar; trata-se aqui duma intervenção psicossocial em que o
terapeuta familiar não cura mas favorece o processo de aprendizagem.
A escultura é um tipo de aprendizagem ativa, desenvolvida por David Kantor, e possui os
aspetos comuns a qualquer sistema: o espaço, o tempo e a energia. O espaço de uma
família e os espaços pessoais dos seus membros são relações que se podem representar na
forma de estátua (à maneira do lembrado escultor Henri Moore). Mas, porque é um sistema
vivo, o sistema familiar vai-se transformando com o tempo, aumentando (com nascimentos
e entradas) e diminuindo (com mortes e saídas), modificando-se também as estaturas, as
formas e as forças de seus membros. É por isso que as grandes transformações na história
familiar podem ser representadas por modificações na massa e na dinâmica da escultura.
Tradicionalmente, a psicoterapia (em especial a psicanalítica) assenta no processo verbal e
na associação livre; mas a tomada de consciência e a mudança intrapsíquica não são
suficientes. Para que ocorra a transformação do comportamento psicossocial, Pina Prata
(1980e) considera importante a aprendizagem pela ação, a qual deve ser facilitada pelo
101
terapeuta nos encontros de terapia e estender-se ao contexto da vida familiar.
A escultura, na aceção dos autores citados, é um método dinâmico para modelar ou
"pintar", num espaço e num tempo determinados, as inter-relações e os comportamentos,
tal como são apercebidos. Tem como objetivo:
"Pôr em cena as significações, as metáforas e as imagens das inter-relações que, deste modo, por
todos, participantes e observadores, são partilhadas."
Apenas existe lugar à representação, não à descrição; padrões comportamentais como "ele
voltou-nos as costas" são retratados e experimentados na ação, expressos através de
metáforas. Os processos cognitivos estão implicados nos comportamentos agidos na
escultura, através do "dar-se conta" das perceções pessoais de cada um. O video-tape
permite rever todo o processo.
O artigo analisado por Pina Prata (1980e) apresenta e desenvolve três tipos de escultura,
conforme os intervenientes:
- Individuais; Diádicos (ou de fronteira); Familiares (ou de grupo)
e quatro papéis:
- Escultor: membro da família que molda, que define os papéis e que pode dar a sua opinião pessoal
- Animador: o terapeuta, enquanto guia definidor e clarificador de situações; suas questões e
comentários vão guiando o escultor
- Ator(es): o que realiza, em cena, um dado processo inter-relacional, sob a direção do escultor
-Espetador(es): o que observa e comenta
Como se desenrola o processo? Estando o animador e o escultor de pé, a escultura começa
pela evocação de uma situação particular ou de um acontecimento familiar que se deseja
explorar. Para isso, o animador pede ao escultor que feche os olhos, que se imagine "na
situação" e que descreva a cena.
"No chão, o escultor delimita o espaço familiar: forma e tamanho. Não apenas espaço físico, mas
metafórico. Não apenas "uma grande casa" (...), mas sua luminosidade, atmosfera, calor,
composição do solo e demais superfícies, qualidade dos limites ou fronteiras. Isto mediante questões
do terapeuta: "as paredes são sólidas?", "como saem e entram?", "como caminham?" (...)
Delimitada a cena, pode redescrevê-la ao animador, tendo assim ocasião de proceder a retificações.
Então escolhe os atores, povoando o seu espaço com pessoas da família (...)"
O artigo exemplifica a disposição dos atores no espaço, num caso de escultura que nos
parece de tipo individual. "O espaço familiar de Joan é o dos seus seis anos, quando o pai
estava no desemprego. A cena: a cozinha com luz e, ao lado, um quarto escuro, em que o
pai estava só, a ouvir rádio. O pai foi a primeira pessoa escolhida (...). O animador disse a
Joan para assinalar ao ator uma posição típica que dissesse bem o que era para ela o pai".
102
A fase de feedback vai permitir ao escultor sair da cena e retomar o contacto com a
realidade, escutando o que os atores exprimem sobre o desempenho do seu papel; as
reações dos atores são uma fonte de informação importante para o escultor. Também os
espetadores são encorajados pelo animador a implicarem-se no processo e a exprimirem as
suas observações, procurando a metáfora que melhor possa exprimir a essência inter-
relacional daquele sistema familiar. Por exemplo, "a família que se parece com uma jaula
de tigres, em que cada um vai e vem, passeando a sua solidão".
Pina Prata (1980e) descreve em seguida a escultura diádica, ou de fronteira. Em qualquer
casal, o elemento central do conflito resulta frequentemente de uma leitura deficiente que
cada um faz dos interesses e desinteresses do outro, da dimensão socio-afetiva de cada um.
O método seguido pelo animador, desenvolvido no texto, leva a um mútuo "dar-se conta"
do que são os espaços ou territórios pessoais na inter-relação, para com eles se saber agir;
afinal, é como se deixassem de existir problemas de fronteiras.
Por fim a escultura familiar, com a família no todo da complexidade das suas inter-
relações. Permite que cada um dos seus membros se aperceba, ao vivo, dos pontos de vista
diferenciados de cada um. Para isso, parte-se de um aspeto particular das regras que
orientam o sistema familiar, permitindo a expressão individual de cada um dos seus
membros. No caso descrito,
"Quando John coloca a mãe e o pai a dois metros dele, John dá o seu ponto de vista, sem ter que
verbalmente lhes dizer coisas penosas ou desagradáveis".
Mas a distância física não basta para descrever as relações. O animador vai ajudar a melhor
clarificar as relações, levando o escultor a diferenciar perceções e sentimentos: "Como o
Pai toca na Mãe?", "Está sempre voltado para ela?".
Também as relações de poder na família podem ser exploradas e atacadas, através desta
aprendizagem pela ação. Por exemplo, quem decide e quem executa. A maior parte das
pessoas não se dá conta do poder que detém no sistema familiar; a escultura da família
facilita a descoberta das condições em que a intimidade ou as relações de poder podem ser
objeto de mudança.
Em comentários finais sobre a "escultura criativa", os autores referem que o método que
apresentam não é o único válido mas que será bom tentar a abordagem descrita umas cinco
vezes, para depois a melhorar de modo criativo pessoal. Pensar "espaço" e "ação" para que
esta linguagem se torne numa segunda linguagem, próxima da realidade; afinal, agir no
espaço é a primeira maneira de aprender da criança. A visão de Pina Prata (1980e) sobre
103
esta questão fica bem patente:
"Em terapia, vejo o recurso à escultura como um modo de concretização de um quadro vivo inter-
relacional familiar, que exige uma escolha delicadíssima do momento apropriado, numa situação-
familiar adequada também. Falhada a sua utilização, não vejo que sua repetição seja fácil ou até
conveniente. No que me toca, no contexto familiar da família portuguesa atual, manejo-o com
cuidado e até parcamente, preparando paulatinamente sua utilização".
Em suma, a utilização da escultura da família constitui uma ponte entre as atividades
lúdicas não verbais das crianças e o modo de expressão basicamente verbal dos adultos.
Borwick e as intervenções estratégicas no alcoolismo e na toxicodependência
Para além de diversas situações específicas de famílias disfuncionais já referidas em textos
anteriores de Pina Prata e discutidas com base em casos apresentados - como
esquizofrenia, anorexia, violência - a intervenção no alcoolismo e outras dependências de
substâncias é o tema central de um artigo (Pina Prata, 1981e) em que analisa a condução de
um treino por Bella Borwick, em que participou, bem como o texto de apoio a essa
formação. Baseado no quadro sistémico inter-relacional, o tema "As intervenções
estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos" foi apresentado por Borwick no
Congresso Internacional de Terapias Familiares, em Bruxelas, em 1981. Das notas tomadas
e discutidas por Pina Prata, a partir do ateliê em que participou e do texto de apoio,
sublinhamos algumas ideias, sem caráter exaustivo.
Situando-se numa perspetiva sistémica, as suas estratégias vão para além de interações
como as entrevistas com o cônjuge não alcoólico, ou a ação das associações de alcoólicos
anónimos, embora reconheça a sua importância. Borwick acentua a dimensão
intergeracional, a partir de duas ou três gerações, e considera que o comportamento do
alcoólico assume um novo significado se abordarmos o paciente e a sua família no
contexto geracional alargado. E formula a questão do papel específico da bebida: que
suporta ela e a quem protege? No processo terapêutico, trabalha com a metáfora da garrafa:
"o esposo alcoólico casou com a garrafa".
De acordo com Pina Prata (1981e), o método proposto por Borwick é especialmente
indicado antes do começo de uma cura de desintoxicação; com certas adaptações, pode
aplicar-se a outros casos de abusos, como o da droga. É indispensável que o trabalho seja
feito por dois terapeutas, devendo a equipa terapêutica ser muito firme para bem definir e
praticar a relação de poder.
Borwick procura formular hipóteses diferenciadoras acerca do comportamento
104
toxicodependente e alcoólico, de modo a compreender o desenvolvimento específico dos
dois tipos de famílias, nas suas diferenças e nas suas semelhanças. Enquanto a "família
toxicómana" é menos organizada e passiva, na "família alcoólica" tudo está muito bem
organizado e a mulher do alcoólico mostra muita energia. Mas, critica Pina Prata, o autor
não parte de uma ótica psicossociológica, deixando-se envolver pelo modelo médico da
nosografia tradicional; por isso, não utiliza a distinção para a converter em diferentes
metodologias, de acordo com as respetivas estruturas sistémicas inter-relacionais.
A intervenção proposta por Borwick começa por considerar duas categorias de alcoólicos:
- os ocasionais, cujo abuso de álcool é esporádico e de curta duração, sendo um sintoma secundário;
- os inveterados, para quem a bebida se tornou uma "força organizadora" da sua vida familiar, sendo
a estrutura inter-relacional alimentada pelos problemas que advêm da bebida; assim, o alcoolismo é
o elemento principal na organização da vida familiar, profissional e social.
A terapia destas famílias não se centra diretamente no tratamento do abuso do álcool,
apesar da atenção que esse fator merece; fazer do parar de beber o objetivo central da
terapia, esquecendo os problemas familiares em causa, pode levar a recaídas ou à
deslocação de sintomas para outro familiar.
Segundo a recensão de Pina Prata (1981e), Borwick propõe duas fases distintas (que não
têm a ver com as fases de desintoxicação e de suporte psicoterapêutico posterior) no
tratamento dos pacientes alcoólicos inveterados:
a) O período de negociação estratégica com o sistema familiar (fase preliminar),
quanto às condições de desintoxicação, podendo incluir pessoas que não são
membros da família mas que nela podem ter uma influência real; o objetivo é criar
um contexto que permita ao alcoólico deixar de beber.
b) A segunda fase, que o autor não detalhou, permitirá resolver os problemas
familiares que contribuíram para o excesso de álcool ou que deste resultem.
Na fase preliminar do tratamento é importante que não se deixe que "as coisas comecem a
andar sem controlo", pois poderá cair-se no "jogo" do alcoólico ou da família. Borwick
propõe nesta primeira fase 4 consultas (embora não seja estrito), seguidas de consultas de
controlo subsequente.
Pode, a certo momento, introduzir-se entre elas uma interrupção, sob o pretexto de a
família não estar nesse momento preparada para alterações bruscas; mas deve ser
apresentada como uma opção terapêutica necessária, com vista à solução do problema, e
não como um fracasso ou uma desvalorização da família.
Entre as várias hipóteses em que assenta esta abordagem, destaque para:
105
- existe uma epistemologia do alcoólico, em que se entrelaçam as suas relações, as de sua família e
as de pessoas exteriores ao sistema familiar;
- nas relações com a sua família de origem e atual, o alcoólico não conseguiu suficiente
reconhecimento individual nem aceitação;
- se o pedido de terapia provém do médico que segue o caso, a resistência da família pode ser maior
do que quando o pedido é feito por um dos membros da família; quando feito pelo empregador, tem
grande impacto na decisão de o alcoólico se decidir pelo tratamento.
Em complemento a este artigo, Pina Prata inclui em anexo uma parte do texto - designado
"Fase 1: As consultas preliminares" - fornecido por Borwick durante o treino referido. Este
sugere que seja considerado "mais como uma maneira de refletir e de compreender do que
como um modelo de intervenção".
De acordo com a sua experiência, o processo foi mais eficaz quando a intervenção se
centrou sobre o membro ou os membros mais motivados e imaginativos da família. Se o
primeiro contacto foi feito por alguém diferente do alcoólico, pode sugerir-se que venham
à consulta outras pessoas importantes; se foi o próprio alcoólico, deve pedir-se-lhe que
traga à consulta a pessoa que melhor compreende o seu problema, ou que o pode ajudar ou
que está mais envolvida no seu caso.
Cada uma das 4 consultas é descrita pelo autor, deixando-se aqui um breve resumo.
Primeira consulta:
- A tarefa do terapeuta é começar a compreender como funciona o sistema familiar nas
suas relações com o paciente, isto é, qual o problema familiar compensado pelo álcool
- A caraterização do estado alcoólico deve incluir informações como: Quantidade e frequência da absorção; Alteração do comportamento do alcoólico quando bebe; Comportamento dos outros membros da família quando ele bebe; Novos comportamentos resultantes do excesso de bebida (alterações nos rendimentos, nos papéis familiares, na atividade sexual); Quem sofre mais quando o alcoólico bebe? Quem o ajuda mais? Quem se irrita ou revolta mais? Como se exprime ele acerca destas três questões? Quais as reações dos outros membros da família face a estes testemunhos de sofrimento, de raiva, de ansiedade?
- Este tipo de entrevista permite obter informação sobre sequências de interações que serão
úteis para elaborar as estratégias de intervenção
- O problema do alcoolismo é reformulado à luz das informações fornecidas pela família
- O autor discute ainda como abordar a ausência ou presença do paciente alcoólico, e de
outras pessoas, nesta consulta
106
Segunda consulta:
- Cerca de uma semana depois
- O autor analisa sempre os dois cenários: "na presença" e "na ausência" do paciente
alcoólico
- Se o objetivo é a desintoxicação (parar de beber), é importante dar-se conta de como a
família se preparou para isso
- Se já houve tentativas anteriores falhadas, ver com os participantes as razões para que
desta vez tenha sucesso
- É útil examinar, com o cônjuge ou a família, as vantagens que a bebida lhe traz (ex: um
pai mais divertido, uma mãe mais independente, filhos com menos disciplina)
- Imaginar como tudo se complicaria se o paciente alcoólico de repente se tornasse sóbrio;
adotar uma atitude hesitante mas não de desespero; é à família que incumbe convencer-nos
da vantagem da desintoxicação
- Cada participante deve poder dar a sua opinião sobre o problema do paciente e como
julga que as coisas irão evoluir na prática se ele parar de beber
- Se o paciente está ausente, centrar a atenção na pessoa mais chegada a ele, ou de quem
mais depende, e ver com os outros como poderão ajudá-la a encorajar o paciente a tratar-se
Terceira consulta:
- Toma-se a decisão de parar de beber (se o paciente está presente); mas deve ser
apresentada como uma intervenção que mantém a homeostase, para que tenha êxito
- O autor descreve vários tipos de interação que se podem encontrar nos "casais alcoólicos"
- O alcoólico envolvido socialmente adere melhor ao tratamento e apresenta melhores
resultados do que se é um solitário, um rejeitado; neste caso, é difícil integrá-lo neste tipo
de intervenção e seria melhor tratá-lo num quadro institucional
Quarta consulta (final):
- Pode ser considerada frequentemente a última consulta antes da cura de desintoxicação;
evitar falar no que "se passará após a cura"
- Embora não se exclua receber a família durante a cura, é importante insistir sobre o facto
que estão a realizar uma coisa que lhes é muito difícil
- Neste momento pode ser útil a família contactar com os Alcoólicos Anónimos
107
Controlo subsequente (follow up):
- É possível o terapeuta encontrar-se uma vez com a família, durante a desintoxicação, se a
família assim desejar
- Pode também encontrar o casal ou a família após a cura de desintoxicação, pelo menos
uma vez, e propor-lhe um outro programa para conseguir a evolução do tratamento; pode
ser realizado por outra equipa terapêutica, ou pela mesma desde que faça uma distinção
clara entre esta etapa do tratamento e a anterior.
Bowen, alcoolismo e família
Ainda no âmbito da abordagem sistémica inter-relacional do alcoolismo, Pina Prata
apresenta uma recensão a um artigo de Bowen acerca da sua posição sobre "alcoolismo e
família" (Pina Prata, 1981f). Segundo o autor, Borwick fundamentara grande parte dos
seus postulados nas posições teóricas de Bowen mas não tinha sido capaz, como este, de
estabelecer a interligação entre a perspetiva sistémica, a terapia familiar e a terapia da
família alcoólica.
Sendo a família um sistema, "a mudança no funcionamento de um dos seus elementos é
automaticamente compensada por mudanças num dos outros". E para mostrar como a
teoria sistémica focaliza o funcionamento de uma totalidade e de seus componentes,
Bowen exemplifica (e compara) com o corpo humano, aproximando os sistemas biológicos
e os sistemas humanos das inter-relações. Assim, na família, se uma disfunção crónica
existe num membro, pode ocorrer um super-funcionamento de outro(s) o que pode
provocar mais tarde um "desbalancear" da família.
Várias são as razões apresentadas pelo autor para que o alcoolismo se enquadre bem nos
conceitos de um modelo sistémico inter-relacional, tais como:
a) Do ponto de vista da sistémica familiar é uma das perturbações mais comuns.
b) Como "disfunção", existe num contexto de desequilíbrio que diz respeito à
totalidade do sistema familiar; o sintoma da bebida excessiva ocorre quando a
ansiedade é alta.
c) Cada elemento da família tem influência no modo como cada um funciona em
relação aos outros.
d) A terapia visa diretamente a modificação dos padrões familiares disfuncionais.
e) A terapia é dirigida mais diretamente ao(s) membro(s) com mais recursos ou
108
motivação para modificar o seu próprio funcionamento.
Mas Bowen realça também o conceito de diferenciação do self, que relaciona com
maturidade emotiva. O nível de diferenciação de cada pessoa é determinado por vários
fatores, em particular o grau de diferenciação dos seus próprios pais e o tipo de relações
que com eles desenvolveu.
109
Formação de terapeutas e "Apontamentos"
Na sua função docente no ensino superior, em particular como professor catedrático na
FPCE da Universidade de Lisboa, o Professor Pina Prata orientou trabalhos de
investigação na área de Psicologia Social Clínica, centrados na abordagem sistémica inter-
relacional da terapia familiar e da terapia organizacional.
Da pesquisa bibliográfica realizada, refira-se um artigo que foi publicado em 2002 na
Revista Portuguesa de Psicologia e que podemos supor ter sido resultado de um trabalho de
investigação dirigido pelo Professor, embora não tenhamos informação que o confirme.
Trata-se de "Intimidade e compromisso pessoal ou 'aquilo que pode fazer com que um
casamento funcione' ” (Narciso, Costa & Pina Prata, 2002).
Tem como ponto de partida a afirmação de Gottman: "aquilo que pode fazer com que um
casamento funcione é surpreendentemente simples". Sendo assim, como explicar as
elevadas taxas de insucesso no casamento, traduzidas por insatisfação e divórcio? Segundo
os autores, estudos revelam que o nível de bem-estar é mais elevado na população casada,
confirmando a função protetora que o casamento parece ter; a relação afetiva e de
intimidade são uma fonte de apoio emocional, reforçando a autoestima e a autoconfiança.
Mas, tendo em conta a grande incidência de insucesso conjugal, parece que a associação
entre casamento e bem-estar apenas se refere aos casais felizes.
Para refletir sobre esta questão e aprofundar a investigação e a intervenção terapêutica, os
autores realizaram um trabalho, no âmbito da Psicologia da Família, tendo como finalidade
o estudo da conjugalidade, em particular da satisfação e da qualidade conjugal. O artigo de
Narciso, Costa e Pina Prata (2002) apresenta a síntese desse estudo, incluindo o
enquadramento teórico, o processo metodológico e algumas reflexões e conclusões a partir
da investigação. Em resumo, os resultados realçam (como o próprio título do artigo indica)
a importância do compromisso pessoal e da intimidade como fatores essenciais do bem-
estar conjugal.
"Apontamentos" para a pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária
O Professor Pina Prata criou e presidiu, a partir de 2001 e até 2011, ao curso de pós-
graduação em Terapia Familiar e Comunitária, em colaboração com os Professores Ortega
Beviá e Célia Sales. Esta formação avançada de terapeutas foi organizada no contexto de
um protocolo entre a APTEFC e a UAL. Assim, foram realizadas até à atualidade 5
110
edições desta pós-graduação bianual, a I edição no biénio 2001/2003 e a V edição no
biénio 2009/2011.
Na sua função de professor e formador de terapeutas (de "mestre", podemos dizer), Pina
Prata produziu ao longo de 10 anos, com periodicidade quase semanal, um texto de
reflexão para ser analisado e discutido com os formandos nos seminários teórico-práticos.
Chamou-lhes "Apontamentos", tal como tinha feito com os seus manuais de apoio às aulas
de Psicossociologia das Organizações, no ISCTE, nas décadas de 70 e 80 do século
passado. A maioria destes textos encontra-se disponível na plataforma eletrónica (sítio na
Internet) da pós-graduação (Pina Prata, 2001-2010).
Trata-se de um material bibliográfico de grande importância para a formação em Terapia
Familiar. Julgamos que estes textos não foram escritos com intenção de serem
formalmente publicados, tal como as referências bibliográficas que até aqui temos
apresentado, mas para serem partilhados e discutidos com futuros terapeutas, de um modo
informal, como reflexões pessoais de uma vida de investigação e de experiência vivida,
transmitindo um testemunho vivo e dando continuidade a um projeto. São textos
geralmente simples, focalizados, escritos no "aqui e agora", cheios de vivacidade, em
linguagem muitas vezes metafórica, transmitindo a visão tríplice do autor (cognitiva,
socio-afetiva e operativa) e uma forma de observar, de refletir e de intervir muito própria.
No total, encontram-se na plataforma cerca de 150 textos ("Apontamentos"). Não sendo
possível tratar exaustivamente tanta informação no âmbito desta monografia, selecionámos
apenas 5 textos mais significativos, de entre os recomendados e discutidos na pós-
graduação que frequentámos (biénio 2009/2011), a maioria dos quais tinham sido escritos
em anos anteriores.
São aqui apresentados, não pela ordem cronológica em que foram escritos ou propostos,
mas segundo a sequência que nos pareceu ter sentido aqui, neste contexto. Optámos por
fazer transcrição das próprias palavras do autor, dispensando comentários. Alguns textos
são aqui reproduzidos na íntegra; outros, dada a sua extensão, são transcritos em trechos
que selecionámos, assumindo os riscos da subjetividade.
Refira-se também que os textos se encontram em formato "esboço", não tendo sido revistos
pelo autor, como decerto faria se fosse para publicação. Foi respeitada a escrita, no seu
estilo e ritmo próprios, tendo-se apenas revisto a pontuação e a formatação gráfica.
O primeiro "Apontamento" aqui considerado foi proposto para discussão no primeiro
encontro da pós-graduação referida (em 20-11-2009), tendo sido escrito dois anos antes.
111
Destaquem-se as seguintes partes:
Axioma: o fim está no princípio e o princípio está no fim
Aquele pinheiro manso, de copa arredondada, já estava na semente de que germinou; por isso, não
dará figos, mas pinhões.
Recordo-me, quando procedia à minha formação de terapeuta familiar, em Louvain-la-Neuve, no
«Centre de Guidance», na equipa do Prof. Pierre Fontaine, de assistir a uma primeira consulta com
uma família italiana e de me dar conta que os terapeutas belgas não percecionavam a diferença do
seu contexto específico, face a uma família belga, pelo que se me afigurava que não iriam voltar. “O
princípio estava no fim”. Não quiseram continuar.
Não esqueço que são múltiplas e ainda mal conhecidas as causas por que as famílias abandonam
uma terapia logo ao começo e, mesmo, posteriormente. Mas não se duvida que seja importante o
impacto da impressão do primeiro encontro.
Ponto de vista e Perspetiva. «As árvores escondem a floresta»; «A floresta esconde as árvores»
O «meio situacional» é o contexto do meu ponto de vista, a partir do qual me dou conta do que vejo
ou apercebo, de como se perspetiva o demais. Se vou de avião, deste meu ponto de vista, a uma
certa altitude, apercebo-me primeiro de uma mancha verde escura que é a minha perspetiva de uma
floresta que esconde as árvores.
Se caminho pela estrada são as árvores que, pela sua densidade, me escondem a floresta; esta é-me
dada “mediatamente”; as árvores, imediatamente e numa perceção direta; a floresta, de modo
indireto, situando-se a um nível de abstração concetual de segundo grau. (…)
Percepção e Impressão. A Primeira Impressão
Ann Demarais e Valerie White publicaram um livro intitulado «C´est la première impression qui
compte».
Enquanto a perceção se reporta mais à esfera do conhecimento, do «dar-se conta», a impressão está
mais inserida na da socio-afetividade e nos vestígios emocionais resultantes da perceção.
Metáfora
Metáfora, no sentido corrente, é o emprego de uma palavra em sentido diferente do próprio, por
analogia ou semelhança. O enamorado: “és o meu sol”.
Por que, no paradigma sistémico do modelo inter-relacional da terapia familiar e comunitária, o
sintoma, emergente no pedido, é uma metáfora? (…)
O segundo "Apontamento" foi escrito pelo Professor Pina Prata para discussão no quinto
encontro da pós-graduação (em 18-12-2009). Transcreve-se aqui integralmente.
Modo de encaminhamento para o finalizar de uma Sessão
Sobre a 1ª sessão, costumo dizer que o começo está no fim, como o fim no começo. Além daquela
disponibilidade para escutar e olhar esta Família, a que chamei «Harmonia», a informação que sobre
a mesma nos é dada pela formulação do pedido, é bom que estabeleçamos o contacto com uma
112
abertura flutuante do nosso ponto de vista, que evite uma estruturação rígida da nossa perspetiva da
família, que uma primeira impressão nos possa ter dado.
Caminhamos, assim, com a família, redescobrindo suas potencialidades, mantendo com ela uma
inter-independência que evita apegos que dificultem o fim da terapia. Também por isto, como disse,
o fim está no princípio.
Esta primeira sessão deve permitir-nos:
- aquilatar do miolo do pedido que pode, por vezes, ser diferente do pedido expresso;
- ver se é de continuar ou não;
- determinar como trabalhar, sobretudo quando o P.I. está a tomar medicação sob controlo do seu
psiquiatra;
- pesar a eventual duração que, em princípio, não deve exceder 10 sessões e a necessidade de as
formatar;
- finalizar a sessão, combinando com a família se deseja continuar; se for essa a orientação, ver
quanto tempo mediar com a próxima, sem muito particularizar o conjunto das eventuais
subsequentes.
Peço que reflitam, aplicando estas orientações ao último caso a que assististes estando presente o
P.I.
O terceiro "Apontamento" foi proposto para discussão no encontro de 8-10-2010, e como
refere o autor, "incorpora dois de anteriores pós-graduações, um que se reporta à escuta do
corpo e outro aos perfis e estilos dos casais".
É importante realçar como, passados quase 50 anos da publicação da sua tese de
doutoramento (Pina Prata, 1962), o autor mostra a que ponto foi influenciado ao longo da
sua vida pelo pensamento de Ortega y Gasset, citando-o a propósito da dimensão religiosa
da condição humana.
Destaque apenas para duas notas ilustrativas do seu sentido crítico e espírito aberto. Sobre
orientação da atenção do terapeuta: "... sem desperdício de anamneses cujas perguntas sem
fim só escondem a compreensão do pedido ...". E sobre estilos de investigação: "... método
'enciclopédico' de acumulação acrescida de informação ... sem aprofundamento e pausa de
reflexão 'assimilante' ... teses de doutoramento que apresentam listagens de obras sem
discriminação ...". Mas demos a palavra ao Professor, citando partes do seu
"Apontamento":
Esferas de sensibilidade e a propósito da catalisação da escuta do corpo na psicossomática inter-
relacional das «anorexias»
Sensibilizou-me o facto de Ortega y Gasset, ao dizer-se “agnóstico”, não se reclamar de uma
superioridade intelectual mas reconhecer, com certa pena, que lhe faltava sensibilidade para essa
esfera do que designei, no livro que sobre ele escrevi, por «Transcendência Plenária».
Ortega refere “ter experimentado outrora a emoção religiosa" e elucida: «não compreendo o homem
113
que, aspirando a encher indefinidamente seu espírito, possa renunciar sem dor ao mundo religioso;
quanto a mim, é-me extremamente penoso sentir-me excluído da participação nesse mundo. Porque
existe um sentido religioso, como há um sentido estético, um sentido do odorato, do olfato, da
visão”.
A que propósito vem esta fala sobre os horizontes últimos do Ser?
Creio que podemos interligar três dimensões da sensibilidade, isto é, da capacidade de nos darmos
conta que somos emocionalmente afetados por acontecimentos de ordem existencial diversa.
Uma primeira é mais de natureza sensorial; é a que Ortega alude ao falar em que temos sentidos
como os do tato, odorato, olfato; correlaciono-a com a esfera que apelidei a «alma do corpo»; é,
para retomar afirmações do último apontamento de 11.02.05, mais da ordem do somato-psíquico.
Outra reporta-se à esfera do «corpo da alma» com seus desejos, capacidades de amar e ser amado,
que mergulham num corpo com aspirações para além do efémero; aqui se enxerta a sensibilidade
estética, em que o belo, o bem, requer “unidade”, consoante o aforismo, que já citei, dos escolásticos
medievos. É mais da ordem do psicossomático.
Finalmente a esfera do espírito que é captada, para utilizar a expressão de Bergson, pela «ponta da
alma». Já não tem a ver unicamente com a inteligência raciocinante, nem com a inteligência
emocional, mas com a «inteligência espiritual», da qual dimensão Ortega parece sentir-se
dolorosamente “carente”. É a esfera do sentido “religioso”, isto é, que tende para um abarcar dos
«horizontes últimos do Ser», para um «religar» do Todo. Esta seria por excelência a esfera dos
«místicos» tal como foi repensada por Bergson.
(…)
Outra maneira de nos orientarmos na Terapia Sistemecológica dos Casais, demarcando seus Perfis
e como os interativam em Estilos.
Após haverdes lido os cinco estilos de casais enumerados por Kellerhals, podeis visualizar melhor
como proceder à condução dos respetivos processos terapêuticos?
Como os operacionalizar para terdes pontos de referência que sustentem vossa atenção, sem
desperdício de anamneses cujas perguntas sem fim (penso no “teste de interesses”) só escondem a
compreensão do pedido e dispersam vossa forma de atuar? (…)
Voltemos aos cinco perfis. Podemos constatar que têm apenas meia dúzia de eixos particulares, que
nos podem facilitar as combinatórias particularíssimas subjacentes aos pedidos de cada casal.
a) Um dos eixos é o da proximidade-afastamento socio-afetivo-emocional
b) Outro, o da qualidade da abertura-fecho às fronteiras do contexto do meio situacional
comunitário
c) Um terceiro, o da dependência-interindependência dos projetos e papéis dos membros de
casal
d) Um último, o da estabilidade-mudança
E chega! Os demais parâmetros, como os de autonomia, fusão, partilha, rigidez de regras, rotina,
aliança, participação, flexibilidade, hierarquização, consenso, espontaneidade, predictibilidade,
negociação, autenticidade e ainda outros conceitos possíveis, são como ramos saídos destes quatro
troncos, cuja complexidade diferenciadora dos estilos singulares de cada casal que nos consulta,
114
resulta das formas de entrelaçamento dos ramos e do silencioso emaranhamento das raízes das
árvores destes quatro troncos (…)
O eixo que atravessa todos os outros e aonde as raízes dos quatro troncos cruzam a seiva é o “eixo
«a»” da «proximidade-afastamento socio-afetivo-emocional», o que vale também para a pessoa do
interventor-terapeuta.
Aquilo que chamo as “portas de entrada” na família como no casal reporta-se precisamente a esta
metodologia da perfuração, com a família ou casal, de um ponto-situação em que somos levados ao
centro de que partem as intenções interativas que «modelam» o estilo do casal e de que o pedido é
uma forma de nos ser sugerida, como se diz hoje, a sua co-construção. Eu diria a sua «co-
remodelagem», como o oleiro vai moldando, a duas mãos, a ânfora que vai emergindo do barro.
(…)
Duas formas de Modelagem e de Remodelagem
Releiam o belíssimo trecho de Vieira, em que descreve a arte do estatuário. Os cinco modelos
referidos, como qualquer dos quatro modelos básicos das intervenções sistémicas, são como um
imaginário de referências que nos podem orientar, com flexibilidade, no processo terapêutico
sistemecológico da «co-reconstrução», da «Modelagem renovada a duas mãos» das configurações
do estilo das interações do casal ou da família.
Mas vejamos como o “modelo” pode ir emergindo de duas maneiras diferentes.
A maneira "a", com um «modelo à vista». É o que sugiro aos terapeutas principiantes, um dos
quatro clássicos. É o «modelo de uma dinâmica interativa» entre a “matéria factual” e a
“criatividade do corpo da alma” da espiritualidade do terapeuta.
Exemplifico. Tenho em casa uma «cópia» do Anjo de Verrochio, estátua que se encontra no pátio de
entrada no Palácio “Vechio”, em Florença. Ficou-me bem no olhar, quando o mirei, ao lado de
minha Béatrice (…).
Como procedeu à modelagem?
A estátua que reproduziu é de madeira de carvalho. Podia ter tido em frente a estátua de Verrochio e
ir arrancando à madeira, escopro e martelo e cinzel em mão, a figura do anjo. Para tal, teria em
conta não só o perfil do modelo mas as sugestões do corte lascado da madeira, inscritas nos próprios
veios da textura desta. Era uma modelagem resultante, como disse, da dinâmica interativa entre a
“matéria factual” e a idealidade espiritual a transpirar do modelo que recriava na sua modelagem de
carvalho. Vieira refere-se a este modo de esculpir uma forma “ideal” numa “matéria” com suas
exigências concretas.
Penso ser esta a modalidade de “re-modelagem” do processo de estabilidade-mudança exercida por
alguns terapeutas excecionais, senhores de experiências feitas e assimiladas de maneira original
peculiar, tal Whitaker, Palazzoli, Minuchin.
Mas Béatrice, novata ainda no esculturar madeira, recorreu a uma outra formatação, a ”b”. Esta
recria primeiro o modelo em barro. Bem amassado este, o que já é toda uma arte, dá-lhe um pedaço
inteiriço em que o barro toma já um contorno cujo tamanho e movimento de forma prefiguram já
toscamente o anjo de Verrochio.
Depois, tira aqui, raspa ali, acrescenta e alisa de lado, em frente, ao alto, recolhendo em mão o barro
115
em demasia, que é recolocado para um bombeamento mais arredondado da face e retirado para uma
curvatura mais delineada da testa. E assim, por toque e retoques que vão afeiçoando a estátua, acaba
por chegar a uma re-modelagem criativa do anjo de Verrochio com o seu sorriso de ingenuidade
aberta.
Creio ser este o processo mais frequente não só da aprendizagem na formação inicial, mas durante
anos a fio de intervenções, para que o terapeuta não se perca no fio da meada, às vezes muito
emaranhada, do pedido.
E lá está o Supervisor, para que o terapeuta não se deixe engolir pelos ramos do tronco socio-
afetivo-emocional dos “clientes”.
(…)
Observar-Avaliar a qualidade da estrutura e do sistema intra-relacional de uma Família
(…) À avaliação apelido-a sempre de "preferencial", dado que está dependente do ponto de vista do
observador e da consequente perspetiva da realidade que dele se recorta.
Vem-me à lembrança um casal a quem deixara só, no decorrer de uma sessão, para só entre si
ficarem, como certamente lhes sucedia, por vezes, em casa.
Ao voltar encontrei-os silenciosos de costas meio voltadas um para o outro. Sem premeditação.
Comecei a falar-lhes de costas voltadas para ambos; foi a única vez que tal me sucedeu.
A posição em que me coloquei era uma forma metafórica de avaliar a perspetiva de como se viam
do ponto de vista em que mutuamente estavam. Era um convite à descoberta de outra perspetiva, ao
convidá-los a falarmos uns com os outros. Não me recordo qual foi a sua posterior caminhada.
Como repetidas vezes lembrei, o processo de avaliação preferencial revela-se através das opiniões
negativas e positivas expressas nas interações, assim como o processo informacional mediante as
informações que as atravessam, como também o processo de encaminhamento resolutivo pelo
conjunto de sugestões que vão sendo propostas.
(…)
O quarto "Apontamento" foi escrito pelo Professor Pina Prata para discussão no terceiro
encontro da pós-graduação (em 4-12-2009), com referência a um apontamento anterior.
Transcreve-se aqui na íntegra.
Quero sublinhar que no treino da observação distingo três níveis de experiência: a) experiência
vivida; b) experiência descrita; c) experiência analisada.
Assim, da última consulta que cognominei “O Corajoso”, a experiência é diversamente vivida por
cada terapeuta interveniente, por cada formando que visualiza a consulta e pelos eventuais
formandos presentes na consulta.
Foi designada assim por, a um dado momento, sentindo toda a raiva que tomava o P.I., lhe ter
perguntado se tinha a coragem de a descarregar, dando um pontapé em certa porta; o que fez,
sentando-se, depois, cabeça entre as mãos, a chorar, como a chorar se pôs a Mãe. Em seguida, tudo
mudou na sua atitude.
Posso descrever, para iniciar, quais as “saliências” que dela foram emergindo, e indicar a que se
afigurou ser o “fecho da abóbada”.
116
Mas, pondo como pano de fundo da intervenção os Pais, iniciei com a imagem do meu neto Xavier,
de dois anitos. O que visava nesta consulta era a relação parental e a da conjugalidade. “O que será
Xavier dentro de uns 15 anos?” Volto-me assim para a preocupação parental.
E a primeira saliência, a que chamei “carimbo”, foi a marca pós-traumática do Pai, sob fogo, na
guerra de Angola. E, por aí, entro na relação da conjugalidade. Revejam a sessão… São eles o
“fecho da abóbada”, saliento-o pela forma como me despeço, apertando a mão de cada um ao
mesmo tempo e que sucede? Espontaneamente, ambos cruzam suas mãos sob as quatro, vinculando-
se como Mulher e Marido.
A experiência descrita intercruza-se, muitas vezes, como aqui sucede, com aberturas da sua análise,
evitando-se um duplicar do descrito. Este pequeno apontamento deseja suscitar a vossa reflexão e o
levantar de questões.
O que vivi quando as seis mãos se “aquecem” mutuamente é indizível, como o essencial é invisível
aos olhos (Saint-Exupéry); por isso, ao descrever, passamos a dizer o indizível socio-afetivo e, para
melhor espelhar a emoção vivida, recorremos às metáforas e imagens. Por isso falei do que senti de
calor naquele aconchegar das seis mãos, como se a relação de conjugalidade pusesse o motor em
marcha.
O quinto e último "Apontamento" aqui apresentado foi proposto para discussão no
primeiro encontro da pós-graduação (em 20-11-2009), à semelhança do primeiro com que
iniciámos esta série, tendo sido escrito em 13-07-2007. Apesar da sua extensão, foi
transcrito quase na totalidade, dada a sua relevância.
Laços - Ligações - Vínculos - Nós
Interpessoais: nós e os outros
Já vos referi o artigo de David Serva Schreiber intitulado «Le lien aux autres». Não temos em
Português um termo que corresponda a lien, por isso o desdobrei em termos equiparados, mas não
sinónimos: ligações (liaisons), laços, vínculos (attachements), nós (noeux).
(…)
O livro de David Riesman - «A multidão solitária» - aponta para o limite inferior de uma escala de
contactos, em que existe uma ligação exterior de presenças físicas que se cruzam, sem laços. E isto é
diferente se se passa à saída de um metro que conhecemos ou se nos encontramos num país
estranho. Porém, há vazios tão grandes de ligações interpessoais que o “banho de multidão” é até, de
momento, benéfico.
Perto de um semáforo em que as ruas do Restelo se cruzam com a Av. que desce para Algés, com
frequência vejo lá postado um senhor de idade, de aspeto fino e simpático, que vai para ali para
dizer adeus à multidão dos automobilistas; agora passei sempre a também acenar-lhe, o que lhe dá
manifesto contentamento e me alegra também.
Quem é este desconhecido elegante? Não basta dizer que “não funciona”: sei que arranjou um modo
de estabelecer contactos que lhe alimentam o espírito. Penso, um dia, vir à fala com ele. Que lhe
poderei dar mais do que lhe dou no meu cordial aceno? Não sei mesmo se será benéfico para ele;
por simples curiosidade não o farei.
117
Haverá um polo radicalmente oposto ao destas presenças físicas sem laços, presenças que nos
enlaçam, que por vezes captamos e, como diria Bergson, são traços de união da eternidade com o
tempo?
Sabeis que o interesse de Bergson pelos fenómenos de alucinação e, depois, pelos místicos cristãos,
ele que o não era, derivou de ele ter visto alguém, em grande luminosidade, e de sua filha ter entrado
a correr no seu gabinete, espavorida, relatando-lhe experiência idêntica.
Contei-vos o que me sucedeu, aos 13 anos, quando estava com uma febre tifoide e o que vi; ouvindo
minha Mãe interrogar uma de minhas irmãs, pois vira o mesmo, chamei-a. “Estás curado,
Francisco”. Eu que devia, nesse dia (sem o saber) vir de ambulância para morrer em nossa casa de
Lisboa, levantei-me, comecei a comer de tudo e, no dia seguinte, comecei a ir à praia.
Que cadeia experiencial destes fenómenos anda por estudar, porque logo se fala de alucinações.
(…)
Tive um Prof. holandês que nos contou como a polícia holandesa, quando havia uma criança
desaparecida, pedia a X que lhe indicasse o paradeiro, o que X fazia mediante uma peça de
vestuário, por exemplo, o boné: está em tal rua, em frente de tal casa.
Estes fenómenos de telepatia também andam mal estudados, mas nós próprios os podemos ter, sem
cair na mania dos «pressentimentos».
Ia uma noite ter com a Tati a Antuérpia (...) a uns 120km/h; oiço uma voz: “direção”, tão viva que
eu me volto para trás, eu que sabia ninguém levar; travo; passo para uns 60km/h. Esquecido, vou
retomar a velocidade; o carro derrapa e, a velocidade mais reduzida, vou embater contra um poste de
eletricidade; vem o reboque; na garagem, não havia memória de uma quebra semelhante da caixa da
direção. Que sucedeu? Perceção subliminar de quebra da caixa ou quê?
Vinha, já casado com a Tati, a atravessar uma floresta bretã, perto de Rennes. De repente paro na
berma da estrada e digo à Tati: creio que há um carro, lá em baixo do talude, e alguém moribundo.
Havia de facto: subo rapidamente, consigo pedir ambulância e lá levaram o senhor; nada mais
soube? Perceção subliminar de relva pisada ou quê?
(…)
Ancoradoiros - amarras - responsabilidades - equilíbrios fora dos pontos de equilíbrio
Tinha uma linda bateira, que mandara fazer por experiente calafate, e com que navegava na lagoa de
Óbidos. (…) Ora acabou por a amarrar a uma das colunas do ancoradoiro da Foz do Arelho, para
ficar sempre na água e não abrir com o sol. Simplesmente a amarra dava-lhe muita margem de
movimentos instáveis e, vai daí, com as marés fortes, toca de embater nas colunas e acaba por se
estragar. Estava mal amarrada, por laços que a estabilizassem. Tardiamente me dei conta.
Mas esta é uma boa metáfora de como uma liberdade responsável pode estar bem ancorada por laços
que, se bem a prendem, lhe dão um equilíbrio nas “zonas de equilíbrio instável”.
Fica bem “cativada”. Como dizia a raposa, no Principezinho de Saint-Éxupéry: “cativar é criar laços
em que um passa a ser para o outro único no mundo”. E isto não vai sem responsabilidade de nossas
escolhas e decisões.
(…)
Aprender com os nossos e os erros dos demais. O ser «cortadores de laços» é o oposto da eco-
118
empatia do processo terapêutico.
E o autor recorda que a liberdade de quebrar laços é hoje tão fácil, como o comprova a crescente
taxa dos divórcios, que se corre o risco de se ficar sem laços, “sós e perdidos”. O que vai a par com
o aumento da taxa de depressões no Ocidente, nos últimos 50 anos.
Recorda também o que diz o psiquiatra austríaco Victor Frankl que sobreviveu nos campos de
concentração nazi. Sobreviveu por, naquele inferno, ter procurado dar-lhe um sentido, tornando,
diria, as horas “cronológicas” desumanas em «horas inter-relacionais».
Tanscrevo D.S.Schreiber: “Para sobreviver num universo frio e indiferente é necessário encontrar
um sentido à sua existência, se conectar a qualquer coisa". O seu conselho, nas situações de
desespero, era de não pedir à vida o que ela pode fazer por nós, mas sempre nos perguntarmos o que
nós por ela podemos fazer.
Pode ser simplesmente fazer o seu trabalho com mais generosidade, tendo no espírito o qualquer
coisa que ele possa trazer aos outros. Pode ser que se trate de consagrar um pouco do seu tempo,
uma vez por semana, a uma causa, a um grupo ou mesmo simplesmente a uma pessoa.
E repetindo palavras de Teresa de Calcutá: «o que é importante, não é fazer nada de espetacular,
mas “que deis de vós mesmos”».
O nosso desempenho de terapeutas familiares e comunitários sistémicos
Diria que o essencial é irmos aprendendo a ter ouvido, fala e gestos de eco-empatia, como refletores
das capacidades e incapacidades da pessoa ou família que nos procura, em que nossas sugestões de
iniciativa decorrem dos postulados do Relacional e da Competência, fugindo às técnicas de
“carimbo feito”.
Somos uns eternos aprendizes da sabedoria de criar laços que “cativem”, mas não criem prisões. E,
para principiar, que não sejamos destruidores de laços, por egoísmo e irresponsabilidade.
Boa Caminhada a vós que terminais a vossa pós-graduação de Terapeutas Familiares e
Comunitários Sistémicos Extraordinários.
Boa caminhada a todos nós.
Cordialmente vosso Francisco Xavier Pina Prata
Todos os cerca de 150 "Apontamentos" têm estas tonalidades. Não faz sentido serem aqui
comentados, foram escritos para serem lidos e refletidos.
Considerando a grande relevância deste material bibliográfico, seria importante que futuros
trabalhos de investigação realizassem a sua inventariação e a classificação por temas ou
palavras-chave, dando continuidade ao trabalho já iniciado, mas não concluído, por
formandos da V pós-graduação. A partir daí, poderia seguir-se o trabalho de preparação,
seleção, edição e organização de textos para publicação em livro, à semelhança do trabalho
pioneiro já realizado com a organização e publicação do livro que a seguir apresentamos.
119
Alguns "Apontamentos" publicados sobre terapia sistémica de casal
O livro "Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências" (Pina Prata, 2008)
compreende uma compilação de 20 textos, escritos entre 2003 e 2007 (e alguns não
datados), selecionados e organizados por Célia Sales e Sónia Gonçalves. Segundo a Nota
Introdutória, trata-se de "uma coletânea de textos escritos pelo Professor Pina Prata para os
terapeutas em formação na Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária", no
contexto da pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária. Tal como já referido atrás,
semanalmente o Professor escrevia um "Apontamento" que servia de mote à discussão em
cada seminário, e que podia abordar a reflexão sobre uma ou várias das seguintes
vertentes: casos clínicos conduzidos na Associação; crítica de livros e artigos sobre os
temas em discussão; relatos pessoais de experiências de vida.
Para a organização desta publicação, foi pedido aos formandos que escolhessem o
"Apontamento" que tivesse sido mais significativo, tendo ressaltado, entre outras, a
temática "Casal". Assim, foram selecionadas, de entre os apontamentos escolhidos, as
passagens relativas ao casal, tendo-se organizado o livro em duas secções: uma sobre a
natureza da relação de casal ("Do eu ao nós"); outra sobre a intervenção terapêutica
("Terapia sistémica de casal").
Segundo indicação do autor, citado na Nota Introdutória (Pina Prata, 2008):
"Estes apontamentos não querem ser mais do que o fio condutor de ideias, que não se substitui ao
caráter vivo do questionamento pessoal de cada um (...)"
Merece uma referência especial o Prefácio, da autoria de Daniel Sampaio, ao recordar a
génese da Terapia Familiar em Portugal, o encontro de ambos em Roma em 1978, a forma
como Pina Prata estimulou a criação da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar
(liderada por Daniel Sampaio), em saudável emulação com a Associação Portuguesa de
Terapia Familiar e Comunitária (liderada por Pina Prata).
Daniel Sampaio afirma-se testemunho da forma como Pina Prata foi capaz de organizar e
manter um dispositivo permanente de formação para terapeutas familiares, primeiro na
Universidade de Lisboa, mais tarde na Universidade Autónoma. E citando as suas palavras:
"Formou muitos discípulos, que continuam a sua obra e têm pelo «Professor» o apreço e a
admiração só conseguidos pelos verdadeiros mestres".
Sobre o livro, considera que deve ser encarado como um "caderno diário" dos terapeutas
familiares, nele se encontrando o melhor de Pina Prata: "o humor, a intervenção criativa e
surpreendente, o rigor da fundamentação teórica e, sobretudo, a dimensão ética da sua
120
atividade como terapeuta e da sua visão do mundo".
E se as organizadoras desta publicação (Pina Prata, 2008) tiveram que fazer cortes sobre os
textos originais, aqui limitamo-nos a apresentar um ainda mais reduzido número de
citações, com a intenção de despoletar a curiosidade e remeter para a leitura integral do
livro. Os critérios de seleção são puramente subjetivos.
O apontamento "Laços - ligações - vínculos - nós", acima citado na parte sobre os
"Apontamentos", está incluído também nesta publicação, embora de forma mais resumida.
Do texto "A importância do tocar", realce-se o seguinte conjunto de ideias:
Recordo-vos que os sensores da pele nos permitem sentir o calor e o frio, a pressão exercida ou
recebida, os movimentos de deslocação. A qualidade do tocar o corpo de outrem, quer no simples
aperto social de mãos quer na caminhada para a intimidade da sexualidade amorosa, como a da
conjugalidade, é reveladora da natureza da qualidade inter-relacional.
Não imaginamos o que seria ficarmos incapacitados desta possibilidade de expressão do «corpo da
alma».
Um casal que não se toca é um casal afetivamente morto: o seu harmónio emocional paralisou, na
distância de uma abertura sem música.
Também o texto "Significações, mãos e olhar no processo terapêutico sistemecológico"
contém um trecho que merece ser citado:
Ora aconteceu-me uma situação que me levou a uma forma de atuar nova para mim. Primeiramente,
exemplifiquei como costumo «parar» as interações violentas. Após dar-me conta em que medida
existe o desejo de continuarem e qual o grau de empenhamento do amor de ambos, em particular do
«agressor», acabo por lhe dar uma «injunção forte», após promessa deste de que não tornará a
agredir, de que «não mais desejarei vê-lo à minha frente, se tal viesse a suceder», com o pedido de
que a outra parte, normalmente a mulher, me telefone, nesse caso, não fechando a esta a
possibilidade de qualquer consulta ulterior.
Por fim, o apontamento "Violência doméstica", do qual se destaca alguns extratos mais
significativos:
O facto de a violência emergir no palco terapêutico de pedidos explícitos sobre dificuldades
escolares (...) constitui, julgamos, um pequeno contributo para a melhor compreensão e lançamento
de ações de prevenção de escalada da violência doméstica.
(...) ter aberto uma porta da minha observação sobre o contexto, não só escolar mas familiar, deu
rumo completamente diferente ao tipo de diagnóstico e ao estilo da condução terapêutica.
Não somos, nem divorciadores, nem casamenteiros. Somos um espaço de mediação de problemas
inter-relacionais, de situações de conflito, de tensões positivas e negativas, de emergência de
sintomas de «patologia» variada (...) É este espaço de mediação que abrimos a este casal: a eles, a
responsabilidade das suas decisões.
Falo-lhes da metáfora do acordeão: todo aberto não toca; todo fechado, também não. Para haver
121
música tem de circular o ar, abrindo e fechando, aproximando o fole e afastando-o, numa
ritmicidade variável, de pausas e movimentos.
Contributo para o estudo das metáforas de Pina Prata
A propósito de "metáforas", e da sua utilização frequente por Pina Prata, refira-se um
trabalho (Caleiro Dias & Valente, 2008), desenvolvido no âmbito do curso de pós-
graduação em Terapia Familiar e Comunitária da APTEFC/UAL, e usando também como
base de trabalho os "Apontamentos". Para além de metáforas - na aceção de "emprego de
uma palavra em sentido diferente do próprio, por analogia ou semelhança", citado no texto
- incluem-se também expressões e conceitos que foram criados pelo Professor, para de
forma criativa poder melhor transmitir o seu pensamento.
Fazendo referência a Watzlawick e aos dois tipos de linguagem que considera no processo
terapêutico - a linguagem da razão e a linguagem figurativa - Caleiro Dias e Valente
(2008) realçam a importância da linguagem das figuras ou metáforas no processo de
mudança: "Se a linguagem aparentemente terapêutica da razão e da consciência, usada no
decurso de um diálogo clínico, procura traduzir "o que emerge dos domínios do
inconsciente", é contudo a linguagem figurativa "que detém a chave natural desses
domínios, os únicos que podem fornecer o quadro da mudança terapêutica". Contudo,
"utilizar esta linguagem é um talento que apenas existe numa minoria de nós”.
De entre o conjunto de metáforas apresentadas, cabe aqui citar apenas algumas:
As árvores e a floresta A amarra da bateira A mola invisível A ostra agredida A técnica do coveiro Camadas atmosféricas inter-relacionais Soprar as cinzas Roleta da maneira de ver, de pensar e de sentir Rotunda de saídas comportamentais Os sapatos bicudos Relógios de pulso parados
Também alguns conceitos e expressões criados e usados frequentemente por Pina Prata, na
sua linguagem criativa, merecem ser citados:
Zonas de equilíbrio instável O fim está no princípio Alma do corpo Intersubjetividade Inter-independência Sistemecológico Eco-empatia Terapia de rua
122
Este texto, tal como outros produzidos por terapeutas em formação e não publicados, é um
exemplo de pequenos trabalhos sobre a especificidade da intervenção de Pina Prata que
também seria importante compilar e disponibilizar para consulta, como adiante se
discutirá.
123
3. A PRÁTICA EM TERAPIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
3.1 Terapia Familiar e apoio à comunidade
Foram vários os contextos em que o Professor Pina Prata desenvolveu a sua investigação,
em estreita articulação com a prática da terapia familiar e organizacional.
No final da década 1970 foi fundada a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa (FPCE) onde, no âmbito do departamento de Psicologia Social
e do Serviço de Apoio à Comunidade, criou e dirigiu uma clínica para terapia familiar,
tendo em vista a realização de intervenções supervisionadas e a formação dos estudantes.
Com a criação da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC)
em 1980, passa a existir uma estrutura centrada na organização de encontros científicos,
promoção da investigação, edição de publicações, formação de profissionais, prática da
terapia familiar e apoio à comunidade (Sales & Pina Prata, 1999).
Conforme consta dos seus Estatutos, publicados em 1980, a Associação tem por fins
(APTEFC, 2011):
a) Realizar a investigação científica no domínio dos processos de comunicação e relação familiares e
comunitárias;
b) Promover o ensino e a formação dos especialistas de terapia familiar e comunitária;
c) Praticar sem intenção lucrativa a intervenção terapêutica social no contexto dos processos de
comunicação e de relações familiares e comunitárias;
d) Editar, subsidiar e promover publicações que contribuam para a realização dos seus objetivos.
A APTEFC tem baseado a sua atuação, ao longo dos anos, em dois pilares fundamentais:
relação com o meio universitário e a investigação; contacto permanente com a prática
clínica. Esta dupla orientação consolidou-se com a criação do Centro de Investigação e
Apoio à Família (CIAF), em 1993, oferecendo um serviço de atendimento psicoterapêutico
individual e familiar. Tem como objetivos, segundo APTEFC (2011b):
- formação de terapeutas familiares e comunitários
- organização de conferências, seminários e ações de atualização profissional
- serviço de consultas aberto à comunidade
- investigação
Este serviço terapêutico, a baixo custo, pode ser contactado pelos profissionais que
trabalham na área social, da saúde e educação, bem como pela população em geral.
124
Neste contexto, a APTEFC estabeleceu um protocolo de cooperação com a Associação de
Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental, em 1994, pelo qual foram
disponibilizadas instalações à APTEFC para sua sede provisória, cabendo a esta
proporcionar resposta a pedidos de atendimento para membros daquela Associação, entre
outros objetivos (Sales & Pina Prata, 1999).
Foi também estabelecido um protocolo de colaboração com a Fundação da Juventude, em
1995, abrangendo em particular o acompanhamento de jovens nas áreas do
desenvolvimento pessoal, social e profissional. Neste contexto, o CIAF criou, no mesmo
ano, o Projeto de Intervenção Clínica com Jovens Adolescentes, Adultos e suas Famílias
(PICJAF).
Assim, e durante alguns anos, foi assegurado um serviço de apoio psicossocial, orientação
escolar e vocacional e de terapia familiar para jovens e famílias da área de Lisboa, baseado
na gratuitidade, nas instalações da Fundação da Juventude em Algés. A equipa terapêutica
trabalhava sob direção e supervisão do Professor Pina Prata.
A partir de 2001, com a criação do curso de pós-graduação em Terapia Familiar e
Comunitária, por protocolo entre a APTEFC e a UAL, o CIAF passou a desenvolver a sua
atividade clínica e de investigação nas instalações daquela universidade.
Na preparação desta monografia, e ao fazer-se o levantamento de toda a obra do Professor
Pina Prata, considerou-se também útil inventariar o material existente sobre sessões de
terapia familiar em que interveio como terapeuta, a partir dos arquivos existentes nas
instalações do CIAF:
- relatórios e notas de sessão, feitos por terapeutas ou observadores, existentes em papel;
- relatórios de sessão, existentes em ficheiros na plataforma eletrónica da pós-graduação;
- gravações de sessões em video-tape.
O objetivo era identificar todos os casos e sessões, dos quais havia alguma documentação
relativa à intervenção do Professor, para depois fazer uma amostragem com um conjunto
limitado de sessões e de respetivas transcrições completas. A partir daí, seria possível
realizar um estudo de investigação, baseado em análise de narrativa/conteúdo, com vista à
caraterização da sua forma de "ser terapeuta".
Não cabendo esse objetivo no âmbito desta monografia, considerou-se útil deixar aqui o
levantamento realizado (Anexo C), para que possa servir a outros estudos. Cobre o período
125
desde 1995 (contexto da Fundação da Juventude) até ao presente (contexto da UAL/CIAF),
embora com maior incidência neste último período.
Importa ainda clarificar que esta documentação é aquela que foi localizada (com referência
a Junho de 2011) e se encontrava disponível nas instalações do CIAF. Haverá mais
documentação (em papel, ficheiros ou video-tape) noutros locais ou na posse de pessoas,
mas que ficou fora do âmbito deste levantamento. Por razões de confidencialidade, os
casos são referenciados apenas por siglas (iniciais dos nomes) ou mnemónicas, embora
permitindo a sua localização.
126
3.2 Testemunho: ser terapeuta sistémico na família e nas organizações
A revisão de literatura desenvolvida no capítulo anterior não ficaria completa sem uma
visão da abordagem prática e da forma de condução da terapia, com as famílias e com as
organizações, por Pina Prata. Como ficou clarificado na apresentação desta monografia, o
seu objetivo é a revisão de toda a literatura produzida por Pina Prata ao longo da sua vida,
não cabendo assim no seu âmbito a investigação empírica sobre a intervenção do terapeuta.
Para isso, seria necessário recorrer a métodos qualitativos de análise de narrativa (ou
outros), a partir dos conteúdos de sessões de terapia familiar, o que poderia constituir outro
trabalho de investigação.
Mesmo assim, não podemos deixar de incluir aqui a perspetiva pessoal de Pina Prata sobre
o que é "ser terapeuta sistémico na família e nas organizações", partindo da sua experiência
e reflexão pessoal, num artigo em que fala de si próprio (Sales & Pina Prata, 2011). Foi
publicado na revista Human Systems e resultou da adaptação, por Célia Sales, de uma
entrevista com o Professor realizada uns anos atrás.
Na introdução do artigo, é feita alusão à conceção alargada da terapia sistémica
desenvolvida por Pina Prata para sistemas perturbados, sejam a família ou a organização.
Essa perspetiva manifesta-se, nomeadamente, na estruturação do departamento que criou
na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,
conjugando a formação de terapeutas familiares com a formação de psicólogos
organizacionais.
Ao longo do artigo, e da entrevista que lhe está subjacente, são percorridos três temas que
podemos designar: "na organização", "na rua" e "o que é fazer terapia". A apresentação
muito sintética que aqui deixamos não dispensa a leitura integral do artigo.
Na formação de terapeutas familiares e de psicólogos que trabalham nas organizações, bem
como nos respetivos modos de intervenção, existem naturalmente pontos comuns e
também diferenças. Pina Prata dá como exemplo a sua intervenção numa grande fábrica da
área de Lisboa e salienta o aspeto particular do ruído como pano de fundo da intervenção:
Aquilo era uma barulheira (...) Estou a falar das fábricas. Porque no consultório não tem ruído. Na
fábrica o ruído faz parte do sistema, não é ruído.
(...) aprender a ouvir no barulho.
Distingue assim a experiência numa fábrica e no consultório, em que o ambiente, o espaço
e o silêncio são diferentes. Mas também o foco da observação e da intervenção diverge.
Numa organização, centra-se nas hierarquias e nas estruturas, na forma como estas afetam
127
as pessoas que lá trabalham, na forma como o poder está distribuído. As famílias são
dominadas pela relação, embora também possuam estruturas e hierarquias. E a qualidade
da relação existe também nas estruturas, seja na família ou na organização.
O psicólogo é alguém que cultiva uma relação que é uma relação de pedido.
E diagnóstico, como sabe, é aquilo de que fico apto para falar (...)
Tem que ser, primeiro, todo um alargar a observação (que é a sistémica).
E é assim que, segundo Pina Prata, chega às organizações o modelo da terapia familiar:
olhar para o sistema. Passou-se de um modelo que era inicialmente centrado na pessoa,
depois vem a relação interpessoal, depois descobre-se o intrassistémico (que é a família),
depois o intersistémico (que são os vários sistemas) "e agora estamos a ver a envolvente
máxima de todos os sistemas que é a casa em que todos habitam, a casa que é comum, que
é 'eco', ecossistémica".
Considera sempre "o homem nas suas circunstâncias", ou contexto, na aceção de Ortega y
Gasset que tanto o influenciou. O contexto do homem vai para além da família, e da
organização, é também "a rua".
Evidentemente que eu pugno-me pelas consultas rápidas e por isso pugno-me pelas intervenções de
rua (...). E digo que são emergências, emergências terapêuticas.
Ainda anteontem ia comprar o jornal e a pessoa que estava no quiosque diz "Ah, ó sr, Fulano de tal,
estou preocupada... A polícia anda atrás do meu filho (...)
E o mote está dado para o Professor contar uma sua intervenção, em contexto de rua, de
modo informal mas sério e eficaz, fora do ambiente protegido que é o consultório. Este
tema foi já abordado num outro texto atrás referido (Pina Prata, 1997) e é retomado nesta
entrevista. Ao descrever a situação, o autor olha todo o sistema, alargando-o à instituição
policial, e avalia o que terá falhado. No caso, "a moto tinha sido roubada e a esquadra (...)
tinha devolvido ao dono mas não tinha dado baixa dela nas motos roubadas". Segundo a
sua avaliação, o erro tinha sido da estrutura, por falha de circulação da informação.
E eu faço uma intervenção. Diz-me assim a senhora: “ah, se pudesse indicar algum psicólogo...” Eu
penso que estava a fazer-me o pedido, não é? Nem mais, nem menos, prr... vem ele de moto. “Olhe,
vem ele aí”. E fiz-lhe uma terapia de emergência. Disse “Psst, anda cá. Eu já sei que te aconteceu
aquilo ontem. Chato.” Eu fiz uma intervenção muito rápida. Deixe-me lembrar as imagens que eu
lhe dei. Eu trabalho muito com as imagens, como sabe. “É natural que neste momento estejas ainda
a estremecer com o que se passou. Faz-me lembrar aqueles passarinhos que estão num fio elétrico e
tocam com o rabito noutro lado do fio e sofrem um choque”. Dei-lhe este exemplo.
A partir da discussão deste caso, o diálogo avança para "o que é fazer terapia". O Professor
considera que foi terapeuta naquela intervenção, e que estava consciente de estar a fazer
128
terapia, no sentido etimológico de "terapia" que em Grego significa "ajuda". E que, nesta
intervenção (sistémica), estavam envolvidos múltiplos sistemas onde teve de intervir: a
polícia, a família, o rapaz, a namorada, a rua onde estava, o sítio (o quiosque), o terapeuta
que estava com pressa para ir dar aulas. Como diz, estava num "ecossistema".
E sobre a duração da intervenção, é muito claro quando afirma:
Eu sou, de facto, pelo tempo curto de intervenção, pela consulta única, ou quase única.
(...) Estamos a falar muito do tempo: quantas vezes? E distancio-me imediatamente do modelo do
psicanalista, do muitas vezes. (...) mas dentro do modelo sistémico, que reduziu imenso. Palazzoli
fazia 10 sessões, em 10 meses. O psicanalista era 3x4 por mês, eram 120 no mesmo período, era
muito.
Se não fosse a sua visão do sistema, alargado, não teria feito aquela intervenção, naquele
momento. "Só os médicos é que fazem intervenção de emergência na rua. Os psicólogos...
Freud ia fazer emergência na Praça de Viena?".
Em nossa opinião, desde que Pina Prata proferiu estas palavras, alguma coisa já evoluiu em
Portugal. Existe integração da Psicologia na intervenção da "Emergência Médica", em
situações de catástrofe ou de crise que o justifiquem. Mas, de facto, isso é ainda uma
exceção. A intervenção psicológica terapêutica, quer institucional quer privada, continua
confinada ao setting "consultório"; o terapeuta nunca se desloca nem intervém no contexto
do "paciente" mas é este que tem de se deslocar ao contexto do terapeuta. A "terapia de
rua" de Pina Prata deverá ser inspiradora da mudança de atitudes, legitimando essa forma
de intervenção, contra todas as ortodoxias que contestam a deslocação ou ação do terapeuta
(seja sistémico, psicodinâmico, existencial ou de outra qualquer orientação) ao domicílio,
ao local de trabalho ou à rua.
Será esta abordagem mais "de Sistémica" ou "de Pina Prata"? Perante esta questão, a de
saber se se trata de um estilo pessoal, o Professor aborda a herança teórico-prática que
recebeu, duma forma metafórica:
Um sistema gera diferentes modelos, como o ventre de uma mulher pode gerar diferentes filhos. Eu
fui um filho que fui gerado dentro de uma certa matriz. E portanto sou diferente do outro (...)
Portanto eu sou herdeiro. Sou herdeiro da psicanálise também. Sou herdeiro também dos
comportamentalistas. Sou muito herdeiro de um homem, do Rogers, que é o homem das relações
humanas (...)
E a herança é sempre daquilo que pensaram mas também daquilo que fizeram. Realça a
experiência prática, como também a importância da vida e da vivência do terapeuta.
Eu recebi heranças de experiência. Um dos homens que me influenciou muito: Whitaker.
Influenciou-me imenso. Estou a vê-lo ainda em Roma, a fazer aquelas intervenções ao lado do Prof.
129
Vela. Fui para Roma durante meses seguidos, 3 anos (...) Minuchin também me influenciou.
(...) Portanto fui influenciado por muita gente que tinha prática terapêutica. O Haley, por exemplo.
Na sua perspetiva integracionista, Pina Prata afirma, sem preconceitos ou estreiteza de
vistas, as influências que recebeu das várias tendências - existencial, estrutural, estratégica
- e a partilha e debate com os grandes terapeutas seus contemporâneos, conforme também
ficou patente num capítulo anterior desta monografia.
Acima de tudo, é a relação com o outro que o fascina e lhe dá razão de estar.
Mas o encanto de estar com alguém prima, é o primeiro encanto. Estar com alguém. O Ortega (y
Gasset), que me orienta muito do ponto de vista teórico, dizia: ”estou no deserto, vê-se um homem
despoletar no horizonte; tudo muda, tudo estremece.” Portanto o principal é o desenvolvimento da
relação (...) Com o outro que é diferente e ao mesmo tempo é próximo.
E conclui o seu testemunho pessoal, sublinhando a importância da fragilidade, essa
sensação que permite a nossa defesa: "quem não se sente frágil, avança e atira-se ao
fundo". É uma qualidade da pessoa, fundamental para a capacidade do terapeuta.
Fragilidade que "faz parte de mim e me vai amadurecendo", que faz ser-se e estar-se de
outra maneira. É esse "encanto" que faz a diferença entre "ser terapeuta" e "fazer terapia".
Citando as palavras do mestre, "quando se É terapeuta, o terapeuta incorpora já esta forma
de ESTAR com o outro, que vai amadurecendo, gradualmente, dentro da própria
fragilidade do terapeuta".
130
4. SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
A monografia "Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na terapia familiar e
organizacional" tinha como objetivo fazer a inventariação e análise de toda a bibliografia
do Professor Pina Prata para, a partir daí, conhecer e caraterizar a sua abordagem sistémica
à terapia familiar e comunitária.
Foi seguida a metodologia de revisão bibliográfica, através da pesquisa nos catálogos das
bibliotecas das universidades e institutos universitários e de outras fontes de informação,
conforme indicado no capítulo 2.1.
Para culminar este trabalho e fechar a "abóbada", importa retirar as principais conclusões,
identificar os conceitos e linhas teórico-práticas principais, bem como discutir os limites
deste estudo e pistas para investigação futura.
4.1 Principais saliências da bibliografia de Pina Prata
Estruturámos a revisão da bibliografia de Pina Prata em três grandes áreas - filosofia,
cultura, sociedade e ensino superior; sociologia, psicologia social e psicossociologia das
organizações; abordagem sistémica inter-relacional na família e na organização - tendo
atribuído maior destaque e desenvolvimento à abordagem sistémica na terapia familiar.
Sobre a filosofia, a política e a universidade
Doutor em Filosofia da Ciência pela Universidade de Lovaina, e tendo-se depois
especializado em Psicologia Social na Universidade de Rennes, salienta-se como primeira
obra de referência de Pina Prata, na estruturação do seu pensamento e ação, a tese de
doutoramento sobre a abordagem filosófica de Ortega y Gasset (Pina Prata, 1962).
Ortega y Gasset desenvolve uma reflexão sobre vários temas, com destaque para a cultura.
Consiste na criação de valores intelectuais, éticos e estéticos que acompanham as
flutuações da vida humana.
131
Aprofunda também a questão da "razão vital" ou lugar do pensamento na vida. É pelo
pensamento que surge uma interioridade, um dentro, em oposição à exterioridade. A
dimensão mais imediata da vida é o "dar-me conta" dela, é a circunstância em que existo.
A vida é-nos dada como tarefa e a sua urgência traduz o sentido da ocupação vital. Mas,
além da ocupação, a vida é também distração ou diversão, isto é, fuga do mundo
circunstancial para o mundo irreal criado pelo homem; a cultura, a ciência e o jogo,
inventados pelo homem, inscrevem-se nesse mundo.
O conceito de vocação tem também um interesse especial na perspetiva terapêutica que
aqui abordamos. Está ligado a uma conceção metafísica do homem, como um apelo à
felicidade, e tem a ver com a busca e a descoberta de um projeto de ser. A realização da
vocação está associada à ideia de vida como missão, o que implica a coincidência entre o
ser e o agir.
É importante também considerar-se o pensamento orteguiano sobre a intersubjetividade, no
sentido que lhe atribui de convivência, como a forma mais rica da coexistência. Essa noção
supõe a perceção de outrem, aquele com quem devo contar, quer queira ou não queira. O
outro é o único ser que me pode responder, tal como eu a ele, e é nesta reciprocidade que
reside a interação humana.
A realidade portuguesa e europeia, em termos sociais e políticos, é um dos temas de
observação e análise de Pina Prata nas décadas de 60 e 70 do século passado. O facto de ter
vivido e lecionado noutros países europeus proporcionou-lhe um distanciamento da arcaica
realidade portuguesa, e uma proximidade à realidade europeia comunitária, propiciadoras
da reflexão sobre a política, a economia, a sociedade e a universidade. Durante os anos em
que foi leitor de Português na Universidade de Rennes, ensinando Filologia e Literatura
Portuguesa, escreveu regularmente como jornalista, em particular sobre a problemática dos
emigrantes portugueses.
Dessa reflexão resultou a coletânea de textos que designou "Factos e importâncias" (Pina
Prata, 1972). Apresenta a sua visão sobre a Europa unida e a interconvivência entre os
povos, em particular as questões da mobilidade profissional.
Na nova economia "generalizada", sublinha a primazia do humano e afirma a sua visão
humanista e ecológica; estes conceitos estarão presentes quando mais tarde desenvolve o
seu modelo de terapia familiar sistémica que designa "sistemecológico", no sentido em que
inclui o contexto social ou global em que a família se insere.
132
A reflexão política de Pina Prata não se limita a discutir as estruturas e as ideologias, como
o marxismo ou a cooperação internacional do movimento católico com os países mais
pobres. Passa à ação prática quando proporciona a abertura da Universidade de Rennes aos
emigrantes portugueses, organizando cursos noturnos para a sua instrução e promovendo a
defesa dos seus interesses e a integração social.
Na mesma época, e em paralelo com a sua atividade docente na Universidade de Lisboa
(de Sociologia, Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações) e de alto
responsável pelo Gabinete de Estudos e Planeamento das Atividades Pedagógicas no
Ministério da Educação, desenvolve a sua reflexão sobre a realidade e as perspetivas do
ensino superior em Portugal. Para isso terá contribuído também a observação e a
experiência vivida com a sua passagem por universidades estrangeiras, quer como
doutorando (Lovaina), quer como docente (Rennes).
É inovador na análise que faz e nas propostas que apresenta - em colóquios, revistas e livro
- quanto à transformação das estruturas e dos métodos pedagógicos, no contexto das
necessárias reformas do ensino superior. Passamos a sintetizar o mais relevante.
Num artigo publicado na revista Análise Social, Pina Prata (1968) considera que a crise
universitária de então resulta da dificuldade de a universidade dar resposta aos desafios da
nova sociedade tecnicamente mais evoluída e socialmente mais participativa. Assim,
impõe-se a reestruturação dos métodos pedagógicos no ensino superior, de modo a tirar
partido dos aperfeiçoamentos nas técnicas de transmissão e tratamento da informação e
também dos progressos alcançados no campo da psicopedagogia.
Também a importância crescente atribuída às relações entre professores e alunos requer
uma nova organização do trabalho na universidade, assente na colaboração e participação
ativa de todos no processo de aprendizagem. Pressupõe mudanças no estilo de aulas e na
própria matéria ensinada, valorizando o desenvolvimento da iniciativa e da criatividade dos
indivíduos e dos grupos.
No mesmo texto, e noutros que publica mais tarde em livro (Pina Prata, 1973), aborda a
questão dos métodos pedagógicos na universidade, a partir da experiência colhida junto da
área de Psicossociologia da Universidade de Lovaina, bem como do grupo "Université
1980", anunciador da década seguinte. Este grupo estava ligado a uma fundação promotora
da ligação indústria-universidade e a um instituto de ligação entre a administração pública
133
e a universidade; a sua influência em Pina Prata, em termos de visão sistémica da
universidade, terá sido importante.
A evolução da sociedade moderna seria também caraterizada pela crescente socialização
do trabalho e consequente mudança nas relações de decisão, entre hierarquias e grupos de
trabalho, passando do tipo “linear” para o tipo “circular”, conceito que seria também
integrado por Pina Prata na sua visão sistémica.
Ainda no que se refere às estruturas de formação e de participação, Pina Prata considera a
personalidade como uma unidade holística, em que se interligam os aspetos cognitivos e
socio-afetivos, ideia que consolidaria mais tarde no seu "modelo do equilíbrio tensional".
Assim, a formação deveria desenvolver três categorias de capacidades: a inteligência, o
caráter e o sentido social.
134
Sobre a psicologia social e a psicossociologia das organizações
Pina Prata foi um dos precursores das Ciências Sociais em Portugal, tendo lecionado
Sociologia, Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações em diversas instituições
do ensino superior. Destacou-se como professor catedrático e investigador no Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e na Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade de Lisboa, de que foi fundador, tendo elaborado estudos e
abundante documentação sobre aquelas matérias.
Nos seus "Apontamentos" de Psicossociologia da Empresa, Pina Prata (1965-1973; 1973a)
desenvolveu temas como a teoria e prática psicossociológicas, a dinâmica dos grupos e da
empresa, os processos de liderança ou ainda a socioterapia na gestão da empresa, apenas
para citar alguns. O seu interesse pela "função social" como objetivo na empresa, no
sentido da criação de condições adequadas ao equilíbrio afetivo dos seus membros, foi
importante numa época em que raros eram os especialistas que iam para além da
preocupação com as funções clássicas da empresa.
Assim, desenvolve o seu conceito de "Socioterapia na gestão e organização da empresa"
que considera central para a psicossociologia e objeto direto das intervenções do
psicossociólogo. Tem como objetivo facilitar a autorregulação da empresa, enquanto
adaptação viva assente nas potencialidades dos indivíduos e dos grupos, procurando
reequilibrar situações de desajustamento relacional ou criar condições que facilitem os
processos de mudança.
Em ligação com o conceito de socioterapia, o autor desenvolve também a abordagem ao
"Conflito organizacional" (Pina Prata, 1973a), segundo uma perspetiva plural: análise dos
factos, diagnóstico da situação e propostas de solução. A resposta a problemas como o
acidente de trabalho, a doença profissional ou o absentismo deve colocar a ênfase na sua
dimensão grupal ou organizacional. Numa organização "doente" existem sintomas de mal-
estar e de insatisfação que não poderão ser desligados daqueles problemas, os quais
funcionam como "lâmpadas de aviso" das situações de conflito.
Do ponto de vista da investigação, a hipótese de base colocada pelo autor é que as
situações de conflito organizacional geram perturbações patológicas consoante aumenta a
divergência entre os objetivos da organização e as necessidades dos seus membros.
Mas Pina Prata mostra também uma perspetiva positiva sobre o conflito organizacional,
considerando os conflitos como ingredientes da evolução dinâmica pessoal e
135
organizacional, como momentos privilegiados de crescimento, tomada de decisão e
mudança.
Estes conceitos continuam a ser desenvolvidos pelo autor nos "Apontamentos" de
Psicossociologia das Organizações (Pina Prata, 1976; 1989; 1989a) onde clarifica o objeto
da Psicossociologia: fenómenos relacionais, observáveis nas interações entre os indivíduos
e entre os grupos, que se geram em atividades estruturadas de trabalho, no contexto de
sistemas estruturais e relacionais das organizações.
Para além de abordar as questões do diagnóstico organizacional e dos comportamentos de
negociação do psicossociólogo quando é chamado a intervir numa organização (Pina Prata,
1989), o autor apresenta num outro texto a sua visão sobre a condução do processo
terapêutico no contexto da patologia organizacional (Pina Prata, 1989a).
Por patologia, nas organizações, considera as situações em que se verificam, entre os seus
membros, perturbações aos níveis cognitivo, percetivo, emocional ou socio-afetivo; e em
que a sua persistência ou intensidade justificam o recurso a formas de terapia inter-
relacional. Mas, na sua perspetiva "despatologizadora", postula a lei da "economia
concetual" que implica "o princípio do suficiente e habitual ajustamento cognitivo, socio-
afetivo e pragmático entre os atores e grupos dentro das organizações"; e que toda a
perturbação grave tem a ver com a qualidade de um dado conjunto de relações
interpessoais.
Em suma, segundo a sua abordagem sistémica os fenómenos organizacionais não podem
ser compreendidos na perspetiva do indivíduo, do grupo ou da organização mas sim de
uma certa qualidade dos sistemas de relações entre as pessoas ou os grupos.
Enquanto investigador e professor nas áreas da Sociologia e da Psicologia Social, Pina
Prata produziu vários estudos, um dos quais sobre métodos e técnicas de investigação em
Sociologia (Pina Prata, 1975a). Mas um dos seus constructos teóricos mais significativos
foi a teoria ou modelo do "equilíbrio tensional" (Pina Prata, 1975), desenvolvido a partir da
dinâmica de grupos e que visa explicar os fenómenos de mudança de atitude.
No processo de evolução e mudança grupal ocorre uma ponderação diversa nas três
categorias de interação verbal: informação, opinião e sugestão de iniciativa. Cada uma
destas formas de comunicação está associada, respetivamente, à dimensão cognitiva, socio-
afetiva e operativa (Figura 1), embora esta estrutura seja dinâmica, isto é, nenhuma das
dimensões está isolada das restantes. À ponderação diferente entre aquelas três formas de
136
comunicação correspondem estados diversos de tensão entre as três dimensões referidas.
Segundo o autor, este é o tipo de tensão psicossociológica básica que explica a mudança de
atitude.
A tensão é um estado inerente a qualquer sistema relacional, seja entre indivíduos ou
grupos, e é o resultado da dinâmica permanente entre as dimensões cognitiva, socio-afetiva
e operativa; esse estado de tensão pode ter valência positiva ou negativa. O equilíbrio
tensional refere-se ao processo que ocorre quando o estado de tensão, no sistema
relacional, tem valência positiva. Ao contrário, o conflito é o processo de tensão
correspondente ao desequilíbrio tensional e que reflete a valência negativa do estado de
tensão no sistema relacional; neste caso, ocorre o retardamento ou a rutura da comunicação
dinâmica entre as dimensões referidas.
Em complemento a esta dialética entre equilíbrio e desequilíbrio tensional, Pina Prata
aborda ainda o processo de estabilidade-mudança, enquanto unidade de duas faces,
necessária à mudança do sistema relacional.
137
Sobre a abordagem sistémica e a terapia familiar e organizacional
O interesse de Pina Prata pela Terapia Familiar e Comunitária iniciou-se sob a influência
de Pierre Fontaine, na Universidade de Lovaina, e desenvolveu-se depois com a
participação em formação, seminários e prática clínica com destacadas figuras como
Palazzoli, Minuchin, Haley, Whitaker e Watzlavick.
A sua perspetiva sistémica inter-relacional, aplicada à terapia familiar e à terapia
organizacional, materializou-se em vários projetos e iniciativas, segundo Sales (2008) e
Sales e Pina Prata (1999), de que se destaca:
- Fundação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e
estruturação do seu departamento de Psicologia Social (anos 70);
- Criação do Serviço de Apoio à Comunidade, no âmbito da FPCE, com objetivos de intervenção em
terapia familiar juntamente com a formação e a supervisão;
- Fundação e presidência da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (1980);
- Organização do I Encontro Europeu de Terapia Familiar, em Lisboa (1983);
- Organização da formação pós-graduada de terapeutas familiares, por professores de várias
universidades, sob a égide da APTEFC, criando o Centro de Investigação e Apoio à Família (1993),
com um serviço terapêutico acessível à população;
- Criação e direção do curso de pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, em colaboração
com os Professores Ortega Beviá e Célia Sales, numa parceria entre a APTEFC e a UAL (2001 a
2011).
Pina Prata dedicou grande parte da sua vida à terapia familiar - como investigador,
professor, supervisor e terapeuta - tendo produzido variados textos com os resultados da
sua investigação e reflexão. Dos cerca de 30 títulos referenciados (e já apresentados no
capítulo da revisão bibliográfica), em que Pina Prata elabora a sua perspetiva da sistémica
inter-relacional, salientamos aqui os seus principais conceitos e desenvolvimentos.
Psicossociologia das Organizações e Terapia Familiar
A interligação teórica e prática entre a problemática da Psicossociologia das Organizações
e a sistémica inter-relacional da Terapia Familiar é abordada por Pina Prata (1981a), na sua
evolução histórica e na perspetiva de que "existe uma circularidade entre a teoria, enquanto
modo de ver a realidade, e a realidade que vai suscitando novo olhar teórico".
Na Psicologia Social assistiu-se a um movimento evolutivo contra a dicotomia entre
problemas individuais e problemas sociais, passando a encarar-se o comportamento como
função de parâmetros pessoais, situacionais e sociais. Segundo o autor, qualquer interação
138
comportamental integra vários níveis, no que designou "triângulo de oiro" da Psicologia
Social: nível de interação grupal, nível de interação individual e nível de interação das
estruturas e do poder social.
Novo paradigma sistémico inter-relacional na patologia organizacional e na familiar
Num dos artigos mais importantes da sua obra - "Patologia organizacional, patologia
familiar e sistémica inter-relacional" (Pina Prata, 1981b) - o autor sublinha a mudança
epistemológica que está a ocorrer, tanto ao nível da abordagem teórica e do pensamento
científico, como ao nível da observação dos fenómenos. Trata-se da passagem do modelo
médico da causalidade linear e do paradigma intrapsíquico, para os diferentes formatos de
terapia inter-relacional, em que se situa também a terapia familiar. A "unidade de
tratamento" deixa de ser o paciente e passa a ser a família ou a organização; daí a mudança
da designação "paciente" para "paciente-designado".
Assim, os vários sistemas de relações - familiar, escolar, profissional, judicial - estão
imbricados entre si, pelo que os fenómenos inter-humanos e sociais devem ser
compreendidos na complexidade das redes ou estruturas de relações.
Nesta perspetiva, Pina Prata (1981b) estabelece dois axiomas: as sistémicas da terapia
familiar e da terapia organizacional são duas variantes do modelo básico da sistémica inter-
relacional; existe similitude dos processos (e patologias) psicológicos e psicossociológicos
nos diversos sistemas inter-relacionais, seja o familiar, escolar ou empresarial.
Considera também que, em qualquer sistema, o comportamento perturbado é função de
uma determinada estrutura (ST), de uma textura de relações qualitativas (TX) e de um
determinado contexto (CT), o que representa pela fórmula:
Cpt- = f (ST, TX, CT)
Do ponto de vista da prática terapêutica, refira-se um outro artigo (Pina Prata, 1985), em
que o autor refere duas razões que justificam o recurso à abordagem sistémica na terapia
familiar. Por um lado, a insatisfação com os modelos de intervenção da psicopatologia
clássica e da psicanálise; por outro, o reconhecimento de que "as melhoras" de um membro
da família são seguidas, muitas vezes, pelo aparecimento de "sintomas" noutro. Assim,
embora os sintomas "patológicos" do "paciente-designado" não sejam ignorados, passam a
ser vistos com um olhar sistémico, a par de outros comportamentos e condutas familiares.
Segundo o autor, em qualquer modelo teórico há quatro aspetos interligados: aquilo que se
observa; o modo de observar; as hipóteses teóricas formuladas; a forma da intervenção
139
terapêutica. A mudança de paradigma manifesta-se num novo olhar sobre estes aspetos.
Rutura ou integração entre terapias clássicas e a sistémica inter-relacional?
Perante esta questão, Pina Prata (1981b) julga compreensível que modos enraizados de
observar, diagnosticar e de intervir não facilitem a transição para outros métodos
terapêuticos. A dificuldade de mudar de paradigma, de aperceber a pessoa não numa
perspetiva individual mas inter-relacional, prende-se também com a necessidade de
despatologizar a relação terapêutica e de a considerar num contexto de inter-relações.
Sobre a discussão quanto à rutura ou integração das diferentes perspetivas, o autor
considera que ocorreu a rutura, na década de 1960, entre as duas epistemologias: a da
etiologia linear causal (e sua abordagem individual intrapsíquica) e a da emergente
circularidade evolutiva (e sua abordagem inter-relacional). Trata-se de um grande salto
qualitativo na maneira de observar e de compreender os comportamentos perturbados,
assim como as questões humanas em geral, não só ao nível pessoal mas também grupal e
organizacional.
A terapia nas organizações
Conhecer o organigrama de qualquer organização, por parte do psicossociólogo ou
terapeuta, é um meio essencial para se observar e levantar hipóteses sobre o que se passa
na organização (Pina Prata, 1981b). Permite reconhecer os papéis, as normas
organizacionais, a forma como se processa a comunicação, o processo de liderança e sua
relação com as estruturas de tomada de decisão, a configuração do sistema de interações e
a relação entre a orgânica formal e as redes informais de inter-relações. Este conhecimento
é indispensável para intervir, para dar resposta ao pedido da organização.
As "armadilhas das instituições" (a que se refere Palazzoli) são estruturais e apontam para
situações de controlo de poder e para as disfunções na comunicação, segundo um olhar
sistémico organizacional. Esta questão é pertinente, já que o terapeuta não tem experiência
de funções diretivas em organizações, desconhecendo as lutas de poder de forma direta.
Assim, Pina Prata alerta o terapeuta ou psicossociólogo no sentido de "fugir à armadilha
que lhe é proposta de ser o agente da mudança do clima da organização"; de "só intervir
como terapeuta das disfunções organizacionais, na base da negociação de um contrato
formalizado"; de "manter-se sobretudo numa atitude de pedagogia de informação que
catalise o clima mínimo necessário à mudança".
140
Quantidade e qualidade das interações em sistemas familiares perturbados
A elaboração teórica sobre a quantificação das interações, e fórmulas-guia explicativas dos
sistemas rígidos, é o tema central de um artigo de grande relevância (Pina Prata, 1981d) em
que também discute questões como o sistema inter-relacional terapêutico, a
responsabilidade partilhada e o termo do processo terapêutico, apresentados de seguida.
Redefinição do contexto terapêutico e termo do processo terapêutico
No contexto da terapêutica sistémica inter-relacional, o terapeuta defronta-se, antes de
mais, com o problema da redefinição do contexto terapêutico, procurando desconstruir a
representação médico-orgânico, e a crença no poder mítico da "cura", que os clientes
geralmente trazem. A propósito, Pina Prata (1981d) permite-se a expressão "consulta"
apenas num primeiro momento da terapia familiar, logo em seguida a substituindo por
"encontro", marcando assim a importância da terapia como relação para a mudança.
É fundamental que o terapeuta faça emergir um novo tipo de relação de poder no processo
terapêutico, assente na sua competência em: ser o definidor das relações durante os
encontros de terapia; reconhecer a competência da família em assumir a gestão das suas
dificuldades e da mudança; reconhecer-se incompetente face àquela competência dos
membros da família.
Outra questão primordial, em qualquer terapia, é o termo do processo. Segundo o autor,
não é apenas uma questão de respeitar o número de sessões combinado no primeiro
encontro, embora possa ser reformulado. Mais importante é a nova conceção da terapia
familiar enquanto processo unitário de "circularidade evolutiva" (e não um processo
linear), em que todas as etapas estão sempre presentes em cada momento, tal como diz na
alegoria "o fim de uma terapia familiar está já no seu começo". Um sinal de boa condução
da terapia é quando ambos, família e terapeuta, se dão conta que o fim está a chegar, e que
chegou.
Sistema inter-relacional terapêutico e responsabilidade
Tal como representado na Figura 2, Pina Prata (1981d) considera o sistema inter-relacional
terapêutico (SiRLTP) como função da interação entre o subsistema relacional do terapeuta
(SRLtp) e o subsistema inter-relacional da família (SiRLf).
SiRLTP = f (SRLtp, SiRLf )
141
Trata-se de um dos mais significativos contributos teóricos de Pina Prata para a abordagem
sistémica inter-relacional. E esta perspetiva liga-se com a redefinição do contexto
terapêutico, acima referida, pois determina que seja o terapeuta familiar a definir o novo
tipo de relações no novo sistema inter-relacional.
É responsabilidade individual do terapeuta definir um novo estilo de inter-relações, ao
mesmo tempo que se deve dar conta de como se vão tecendo as relações no decorrer da
terapia familiar. Mas, fora desse contexto, não tem qualquer poder, tal como afirma à
família: "Ao passardes aquela porta, toda a responsabilidade é vossa; do que sucede aqui
dentro, entre nós, durante cada encontro de T.F., cabe-me completa responsabilidade."
O sucesso e o insucesso, na perspetiva do autor, são resultado de uma responsabilidade
partilhada; contudo, o terapeuta familiar deverá assumir o insucesso como coisa sua,
atribuindo o sucesso à vontade e ao trabalho da família.
Fórmulas-guia explicativas de sistemas familiares rígidos
Retomando o seu modelo do equilíbrio tensional, já referido atrás, o autor aprofunda a sua
teoria sistémica inter-relacional, condensando em fórmulas matemáticas a representação
dos modelos-tipo familiares (Pina Prata, 1981d). Consoante a ponderação relativa das
formas de interação utilizadas pela família - informação (If), opinião (Op) e sugestão de
iniciativa (Si) - as quais podem ser de sinal positivo ou negativo, um sistema inter-
relacional familiar rígido seria descrito pela fórmula:
SiRL f - = ({ { (∑If +) < (∑If -) } + { (∑Si +) < (∑Si -) }} < { (∑Op -) > (∑ Op +) })
A quantidade e a qualidade das interações, neste caso, baseiam-se numa estrutura em que o
somatório de informações positivas é inferior ao somatório de informações negativas, o
mesmo se aplicando às sugestões de iniciativa. No seu conjunto, informações e sugestões
são em quantidade inferior às manifestações de opinião, em que também predominam as
negativas. Assim, nas famílias e noutros sistemas inter-relacionais com estas caraterísticas,
existe uma rigidez que se explica por haver sequências de interações que se repetem.
Esta fórmula serve também para compreender as transformações ocorridas durante o
processo terapêutico. Segundo o autor, nos casos apresentados no artigo notou-se que: "o
processo terapêutico induziu uma utilização mais objetiva da informação disponível no
sistema inter-relacional (If+ >): maior aceitação das informações com que os diferentes
membros da família pretendem validar o que pensam (dimensão cognitiva), o que sentem
142
(dimensão socio-afetiva) e o que fazem (dimensão operativa)."
Além disso, "também induziu melhor utilização das avaliações com que as diferentes
pessoas manifestam as suas preferências positivas (Op+ >), também no tríplice nível
cognitivo-afetivo-operativo das interações comunicacionais."
E ainda "induziu um aumento ou uma atualização mais diferenciada em alternativas das
sugestões de iniciativa (Si+ >) de cada membro da família, igualmente nos três níveis
comportamentais."
Modelo do equilíbrio tensional aplicado à família
Ao abordar a terapia familiar na perspetiva do processo e as fases da terapia familiar
sistémica (Pina Prata, 1979; 1979a), o autor revisita o modelo do equilíbrio tensional que
tinha desenvolvido anteriormente, no âmbito da sua investigação em Psicologia Social.
A mudança de atitude ocorre a partir da tensão que se gera da ponderação diversa entre as
três formas básicas de interação verbal (informação, opinião e sugestão de iniciativa), por
sua vez associadas, respetivamente, à dimensão cognitiva, socio-afetiva e operativa das
interações (Figura 1).
Nos sistemas familiares rígidos, a circulação da informação e das sugestões de iniciativa é
menor que as manifestações de opinião; o contrário ocorrerá nos sistemas em equilíbrio
tensional.
O nível de tensão referido remete para o processo básico de estabilidade-mudança,
presente em qualquer tipo de equilíbrio ou desequilíbrio tensional. Segundo o autor, as
atitudes de estabilidade e de mudança são duas faces de um mesmo processo. E qualquer
iniciativa para modificar um sistema de relações patológicas deve ter em conta a sua
homeostase, isto é, a sua tendência à manutenção para sobreviver.
Modelo inter-relacional terapêutico
Pina Prata (1979) apresenta e descreve o seu modelo inter-relacional terapêutico (SiRLTP),
mostrando a trajetória das atitudes de estabilidade e mudança, para cada um dos
subsistemas inter-relacionais - o da família, o do terapeuta e o terapêutico - ao longo das
várias fases do processo terapêutico.
Este modelo foi representado pelo autor num gráfico bastante elaborado (Figura 3) e
retomado noutros artigos posteriores. Pode ser considerado uma das construções teóricas
mais importantes do autor, na sua abordagem do processo inter-relacional sistémico.
143
As fases (de interação) da terapia familiar sistémica
No contexto da discussão da terapia familiar como processo, Pina Prata (1979) refere as
fases do processo terapêutico, estruturando-as em vários tipos: fases de interação, fases de
relação e fases de integração. O tema é depois aprofundado como objetivo central do
artigo seguinte (Pina Prata, 1979a).
O autor sublinha uma vez mais a ideia de condução cíclica-circular do processo, segundo
a qual as várias fases não ocorrem de um modo linear na condução do processo
terapêutico. Por exemplo, destruturação e restruturação podem estar presentes na dinâmica
de um mesmo encontro.
Pina Prata (1979a) considera que os processos psicossociológicos básicos de avaliação
subjetiva e de validação objetiva estão presentes nas várias fases do processo, embora com
incidência diferente em cada fase. E utiliza o jogo dos 9 pontos (Figura 4) para mostrar
como a mudança só acontece quando os membros da família forem capazes de ultrapassar
os limites, à primeira vista visualizados como tal, do espaço-problema.
Deixamos aqui uma síntese das 5 fases de interação:
a) Fase Pré-relacional, de contacto do sistema familiar com o terapeuta, de impacto das
representações e expectativas dos membros da família sobre o processo terapêutico e o
papel do terapeuta familiar.
b) Fase de Consolidação das funções e da homeostase do sistema, para que a mudança
ocorra mais tarde sem riscos de novos desequilíbrios. A atitude do terapeuta manifesta-se
no seu respeito pela estabilidade do sistema inter-relacional familiar.
Torna-se aqui evidente a condição paradoxal da terapia que é “nada mudar”; esta negação
paradoxal da terapia é a base que permite o recurso à prescrição do sintoma e o "ataque"
cauteloso à função-poder do paciente-identificado.
c) Fase de Destruturação, em que ocorre a desqualificação do terapeuta pela família e a
correspondente desconfiança do terapeuta quanto às mudanças esboçadas pela família. À
medida que as atitudes de mudança vão aumentando e as atitudes de estabilidade vão
decrescendo, chega-se a um quase equilíbrio entre ambas, começando a surgir os sinais e
atitudes para uma nova coesão interfamiliar.
d) Fase de Restruturação da nova rede de funções no sistema familiar, com inter-
independência entre o terapeuta e a família. A destruturação faz emergir gradualmente no
sistema a sua própria capacidade de mudança, através de novas meta-regras que conduzem
144
a novas soluções e alternativas de restruturação.
e) Fase de Reciprocidade, em que as atitudes de mudança e de estabilidade estão em novo
equilíbrio tensional, culminando na separação entre o sistema relacional do terapeuta
(SRLtp) e o sistema inter-relacional da família (SiRLf) e no consequente fim do processo
terapêutico.
Na perspetiva de Pina Prata (1979a), o objetivo central da terapia familiar é o que
denomina "inter-independência" e "interdependência". Mais importante que superar os
sintomas de comportamento perturbado será conseguir novas posturas de autonomia e
diferenciação, por parte dos membros da família e seus subsistemas.
Estratégias do processo terapêutico
Este é o tema central de uma comunicação realizada por Pina Prata num dos muitos
encontros internacionais sobre Terapia Familiar em que participou (Pina Prata, 1980d).
Em resumo, define dois tipos de estratégias. O primeiro corresponde à inter-relação
terapêutica direta, sem intermediação de meios materiais; é o método de observação,
análise e intervenção próprio dos sistemas humanos, que visam diretamente os processos
psicológicos e psicossociológicos e que designa por hodologias. Neste tipo de estratégias
incluem-se a intervenção paradoxal, a prescrição do sintoma ou a "escultura" da família.
O segundo tipo de estratégias consiste em abordagens inter-relacionais indiretas,
mediatizadas por meios materiais, como o uso de meios audiovisuais, o recurso à "cadeira
vazia", a utilização dum quadro de parede, a refeição à mesa com a família ou outros.
"Encruzilhadas" do pedido de terapia familiar
A questão do pedido de terapia familiar foi desenvolvida, entre outros temas, num texto
publicado para suporte à docência de Psicologia Social Clínica (Pina Prata, 1991), tendo
sido também abordado posteriormente (Pina Prata, 1997).
Realçamos aqui que o pedido de terapia, qualquer que seja a sua forma, apresenta sempre
várias dimensões:
- O sentimento, percecionado pela família, da impossibilidade de continuar a agir
como antes e da incapacidade de ultrapassarem, por si sós, o mal-estar;
- O desejo de mudança, de saída da situação de desconforto;
- A esperança de poder beneficiar da ajuda do especialista-terapeuta, graças às suas
capacidades;
145
- Uma dimensão socio-afetiva-cognitiva ou o modo como cada um se vê, se sente e
se diz, a si próprio e aos outros, num certo espaço-tempo histórico.
A ambiguidade e a forma manipulatória como por vezes é expresso o pedido de terapia são
peculiares ao sistema de relações paciente-especialista; mas também o terapeuta tem a sua
forma de ver, de se ver e de manipular as dificuldades dos pacientes e as suas.
"Significações, mãos e olhar" do terapeuta sistémico
A questão das significações, do olhar e do contacto físico do terapeuta foi abordada num
artigo de grande relevância (Pina Prata, 1996). Se o olhar parece não levantar questões, por
ser uma forma de contacto socialmente aceite, o mesmo não se passa com o contacto
físico, em que existe uma diferença entre a intervenção médica e a psicoterapêutica. O
autor questiona-se sobre os limites deontológicos aplicáveis e sobre as circunstâncias em
que o terapeuta sistémico pode recorrer às suas mãos ou ao seu corpo.
Come refere Pina Prata, “é com o corpo que o terapeuta pode intermediar terapeuticamente
manipulando objetos, como esta cadeira de rodas, as muletas do cliente, o copo de água
que mandou buscar, a janela em frente (...) ou com quase-objetos, como com o facto de o
pai ser bombeiro, da irmã ser gorda ou o irmão esquelético, do terapeuta estar constipado
(...)". A utilização de coisas e expressões na relação terapêutica é metafórica, pois leva as
pessoas a refazerem, visualmente, as suas significações. O próprio pedido sintomático
remete-nos para uma configuração de perceções, de imagens, de dizeres, de maneiras de
estar, de olhar, de se tocar ou não, que refletem as crenças e as significações que
estruturam as interações familiares.
O autor considera que, em certas situações específicas, o terapeuta pode intermediar as
significações pelo contacto físico de suas mãos com o corpo do sujeito, embora o deva
fazer de modo muito restrito; a "regra de oiro" é não entrar nas esferas de privacidade ou
intimidade sem o consentimento ou indicação clara da pessoa em causa.
Intervenção “catalisadora” das potencialidades da família
A complexidade do diagnóstico e da intervenção sistémica é o tema de um texto de
reflexão epistemológica em que se discute o significado, o contexto atual e as formas de
intervenção com as “famílias-problema” (Pina Prata, 1997).
A partir dos anos 80, o foco deixou de estar nas "relações familiares disfuncionais" e na
intervenção corretiva, para se interessar pelas potencialidades da família e capacidades
146
individuais dos seus membros. Esta nova abordagem “catalisadora” explora as capacidades
da família em diferenciar o que se comunica, decidir em conjunto, partilhar objetivos, agir
com flexibilidade, integrar diferenças, entre outras que o autor descreve.
Sobre o diagnóstico na sistémica familiar, o autor propõe que não se centre na busca de
uma patologia mas na compreensão da natureza do pedido, valorizando as potencialidades
de autorrealização da família e de cada um dos seus membros.
Nesta perspetiva autocatalisadora, as formas de intervenção familiar ganham um âmbito
mais vasto, seja considerando a comunidade e o contexto social da família, seja alargando
o campo de observação e de intervenção, como veremos de seguida.
Intervenções ocasionais ou "terapia de rua"
Na perspetiva alargada da intervenção, a “terapia de rua” pode ser considerada como a
forma de estar na vida de Pina Prata, como parte da sua missão de homem e de cidadão,
agindo permanentemente como terapeuta, fosse dentro de um táxi ou junto ao quiosque de
jornais. Isso mesmo nos transmitiu num artigo em que desenvolveu o tema (Pina Prata,
1997) e, de uma forma informal, em entrevista citada nesta monografia (Sales & Pina
Prata, 2011).
Pina Prata (1997) discute o sentido ético desta forma de intervenção. Sendo um encontro
fortuito e que pode ser único, fora do contexto de consultório ou de instituição de saúde,
uma exigência ética básica é que sejam evitados efeitos perversos. Para isso, deve ser
deixada uma “porta aberta” para encontro posterior, como num dos casos descritos no
texto, em que o autor propõe a marcação de consulta no âmbito das "consultas abertas à
comunidade" da FPCE.
Estas intervenções ocasionais podem revestir vários formatos - de emergência ou de
reorientação emocional - que têm em comum o alargamento espácio-temporal da
intervenção, com uma certa analogia com as intervenções do serviço de emergência
médica. Em termos temporais, significa uma redução do número de intervenções e um
maior distanciamento entre elas, potencializando assim o efeito catalisador dos recursos e
capacidades da família. Sobre a dimensão espacial, este tipo de intervenção pode estender-
se também à consulta domiciliária, respeitando regras éticas, como a condição de
impossibilidade de deslocação dos pacientes, de a intervenção ser pedida pela família e de
esta participar no encontro terapêutico.
147
Debate com outros autores terapeutas
A discussão teórica e metodológica e o debate de ideias com outros investigadores e
terapeutas familiares seus contemporâneos atravessam a obra de Pina Prata. Mas existe um
conjunto de artigos que foram dedicados explicitamente à apresentação e discussão de
textos de outros autores ou da sua prática terapêutica, nomeadamente Bateson, Haley,
Minuchin e Palazzoli.
O projeto Bateson e o estudo "Para uma teoria da esquizofrenia", desenvolvido ao longo de
vários anos por Bateson, Jackson, Haley e Weakland, é objeto de análise por parte de Pina
Prata (1980b). Este estudo abriu novas perspetivas e explicações para a esquizofrenia, ao
investigar a comunicação e a complexidade das mensagens nas famílias com
esquizofrénicos, procurando uma teoria sobre a origem e natureza da esquizofrenia,
baseada em padrões de sequências “traumáticas” na interação familiar.
Nesta perspetiva, surge o conceito de duplo ligame (double bind), apresentado e discutido
neste artigo. Resumidamente, consiste numa relação em que é vital para o indivíduo-vítima
conseguir discriminar com precisão os tipos lógicos de mensagens que lhe são
comunicadas (em que um contradiz o outro), de modo a responder-lhes de forma adequada.
Além disso, o indivíduo é incapaz de falar acerca de tais mensagens (meta-comunicar) e de
poder assim corrigir a dificuldade em as discriminar.
Perante a dificuldade em julgar com precisão o que outro lhe quer comunicar, restam ao
indivíduo-vítima, como alternativas, aceitar literalmente tudo o que lhe é dito (incapaz de
reconhecer um “segundo sentido” no que ouve), ou alhear-se do mundo dos outros, ou
mesmo adotar comportamentos de tipo paranoico ou catatónico.
A terapia familiar estrutural de Minuchin é apresentada e discutida num outro artigo (Pina
Prata, 1981c), com vários casos em que Pina Prata participou ou observou. Importa aqui
referir, em particular, dois conceitos importantes, a propósito do primeiro caso analisado
no texto: coterapia e afiliação.
A coterapia, na perspetiva alargada de Minuchin, tanto se refere ao trabalho de apoio que
lhe é prestado por algum membro da família como à relação que estabelece com um colega
como coterapeuta. Segundo Pina Prata, é Minuchin que orienta efetivamente a terapia,
interagindo com o coterapeuta apenas "como alguém que lhe permite a abertura do campo
inter-relacional, abrindo caminho à sua 'faena' terapêutica".
148
Quanto à afiliação, considera ser um processo com um lugar de destaque na condução
terapêutica de Minuchin, ao aliar-se a um membro da família para penetrar no sistema
socio-afetivo familiar, como parte da sua estratégia de mudança.
A influência recebida e o debate de ideias com Mara Selvini Palazzoli, em particular no
caso da anorexia e dos sistemas familiares rígidos, tendo participado como terapeuta na
preparação e discussão de vários casos com Palazzoli, ficaram também registadas por Pina
Prata em dois artigos de referência (Pina Prata, 1980f e 1981g).
As principais saliências aí encontradas dizem respeito ao conceito de “escuta do corpo”, à
análise do processo de avaliação preferencial nos sistemas rígidos e às estratégias de
destruturação confirmativa.
Pina Prata desenvolve também um longo artigo sobre a terapia em etapas de Jay Haley,
complementando-o com o método de condução terapêutica que denomina "terapia por
ciclos de interface" (Pina Prata, 1983b).
Tendo em vista a reorganização da estrutura de relações intrafamiliares, Haley postula que
a passagem do momento sintomático ao momento de uma dada reestruturação inter-
relacional se realiza através do desenvolvimento intermediário de uma terapia em etapas.
Neste contexto, Haley aborda ainda o problema bigeracional considerando o
comportamento de uma criança, em função da tríade, como resultado de um dos
progenitores se coligar com a criança contra o outro. Deste modo, o terapeuta pode
escolher diversas abordagens ou "portas de entrada" na família, como aquela em que utiliza
a pessoa periférica, através de três etapas. No fim da terapia, o terapeuta deve desvincular-
se rapidamente da família, deixando os pais relacionados entre si e a criança relacionada
com os seus pares, e atribuindo o sucesso da mudança à família.
Na segunda parte do artigo, Pina Prata apresenta o seu conceito de terapia sistémica por
ciclos de interface, acrescentando aos postulados de Haley um enquadramento mais
alargado, com utilização estratégica dos ciclos de desenvolvimento por que passa um
sistema familiar, num processo circular evolutivo.
No caso que suscitou o desenvolvimento deste conceito, e em que se previa recaídas
frequentes do paciente, o autor colocou a hipótese de que o processo terapêutico poderia
ser longo, que isso não tinha de coincidir com uma terapia contínua e que o plano
terapêutico iria sendo constantemente retocado no decorrer do processo.
149
A estratégia da escultura da família, apresentada num estudo de Duhl e outros, foi objeto
do interesse e da discussão do autor (Pina Prata, 1980e). Tendo sido inicialmente
desenvolvida por David Kantor, a escultura funciona como um tipo de aprendizagem ativa.
Sendo um sistema vivo, o sistema familiar vai-se transformando com o tempo, aumentando
e diminuindo, modificando-se também as estaturas, as formas e as forças de seus membros.
É por isso que as transformações na história familiar podem ser representadas por
modificações na forma e na dinâmica da escultura.
Segundo os criadores da estratégia da escultura, esta é um método dinâmico para modelar,
num espaço e num tempo determinados, as inter-relações e os comportamentos, tal como
são apercebidos. Tem como objetivo "pôr em cena as significações, as metáforas e as
imagens das inter-relações que, deste modo, por todos, participantes e observadores, são
partilhadas."
O artigo analisado por Pina Prata (1980e) apresenta e desenvolve três tipos de escultura:
individuais, diádicos e familiares, bem como os quatro papéis: escultor, animador, ator(es)
e espetador(es). Descreve depois como se desenrola o processo, apresentando casos, em
cada um dos tipos de escultura referidos.
As intervenções estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos são o tema
central do artigo em que Pina Prata (1981e) analisa a condução de um treino por Bella
Borwick, bem como o texto de apoio a essa formação. O método proposto é especialmente
indicado como "Consultas preliminares", antes do começo de um tratamento de
desintoxicação, embora o autor o considere "mais como uma maneira de refletir e de
compreender do que como um modelo de intervenção". São apresentadas e descritas em
detalhe as 4 consultas até se iniciar a cura de desintoxicação, bem como o follow up
posterior.
Formação de terapeutas e "Apontamentos"
Na sua função de professor catedrático, em especial na FPCE, na área de Psicologia Social
Clínica, Pina Prata orientou trabalhos de investigação centrados na abordagem sistémica
inter-relacional da terapia familiar e da terapia organizacional.
Além disso, criou e presidiu, a partir de 2001, ao curso de pós-graduação em Terapia
Familiar e Comunitária, formação avançada de terapeutas que foi organizada numa
150
parceria entre a APTEFC e a UAL. Como professor, formador e supervisor de terapeutas
em formação, Pina Prata produziu ao longo de 10 anos, com regularidade, um texto de
reflexão para ser discutido com os formandos nos seminários teórico-práticos. Chamou-
lhes "Apontamentos" e a maioria destes textos encontra-se disponível na plataforma
eletrónica (sítio na Internet) da pós-graduação (Pina Prata, 2001-2010).
Trata-se de um material bibliográfico de grande importância para a formação em Terapia
Familiar, não escrito com intenção de publicação formal mas de partilhar os seus
conhecimentos, visão e experiência vivida. Alguns desses textos foram posteriormente
editados e organizados, por Célia Sales e Sónia Gonçalves, no livro "Terapia sistémica de
casal. Respigando ideias e experiências" (Pina Prata, 2008).
151
4.2 Limites deste estudo e pistas para investigação
Definimos como objetivos, para esta monografia, a revisão da bibliografia completa de
Pina Prata e a caraterização da sua abordagem sistémica inter-relacional à terapia familiar e
organizacional.
Foram usados os termos "abordagem" ou "perspetiva" de Pina Prata para referir o seu
ponto de vista e o conjunto de elaborações teóricas pessoais. Situando-se dentro do
paradigma sistémico, não se trata de uma rutura mas de um contributo criativo para o seu
desenvolvimento e aprofundamento. Relativamente à intervenção prática, também não nos
pareceu adequado usar os termos "método" ou "técnica" de Pina Prata; não se limitou a
criar e aplicar uma técnica de intervenção mas a ter sempre presente uma visão holística do
homem, modeladora da sua própria "forma" de ser terapeuta.
Consideramos que os objetivos propostos foram alcançados, embora com os limites
decorrentes do método seguido. Não seria possível, nem fazia parte dos objetivos,
pesquisar e analisar outros textos de Pina Prata (ou sobre ele escritos) que não foram
publicados ou que não se encontram referenciados. Também não seria possível incluir no
âmbito desta monografia o estudo empírico das intervenções de Pina Prata em sessões de
terapia familiar e a caraterização da sua forma de ser terapeuta, apesar da importância
desse estudo para complementar a revisão bibliográfica.
Assim, levantam-se novas questões de investigação que poderão vir a ser objeto de estudo:
- Continuar a recolha e análise de material informal não publicado, escrito por Pina
Prata, bem como pequenos trabalhos que existam sobre a sua obra, de outros
autores.
- Trabalhar os "Apontamentos" de suporte à pós-graduação, procedendo à sua
inventariação, organização, revisão e publicação, dando continuidade ao trabalho já
iniciado (Pina Prata, 2008).
- Realizar a análise e a caraterização da intervenção de Pina Prata em sessões de
terapia familiar, através de métodos qualitativos, a partir de relatos de sessões e de
gravações video-tape; poderia incluir a análise de conteúdos/narrativas verbais (não
só a linguagem formal mas também as metáforas e expressões pessoais), bem como
de interações não verbais (expressões de humor, silêncios, gestos, trocas de lugar,
saídas e entradas na sessão).
- Aprofundar o estudo das intervenções ocasionais ou "terapia de rua", uma das
152
vertentes mais caraterísticas de Pina Prata, a partir de documentação que possa
existir sobre esse tema.
Para além destas pistas para investigação, outras sugestões podem aqui ficar apontadas. Os
trabalhos desenvolvidos sobre a obra de Pina Prata poderiam ser disponibilizados à
comunidade de terapeutas e investigadores, no sítio Internet da APTEFC ou em revistas,
retomando a publicação da newsletter Recortes ou dos Cadernos de Terapia Familiar e
Comunitária.
Os textos mais relevantes de Pina Prata poderiam ser digitalizados e disponibilizados no
sítio Internet da APTEFC, facilitando a sua acessibilidade e visibilidade, tanto mais que
alguns existem em exemplar único.
Por fim, e com o conhecimento que esta revisão completa de bibliografia permitiu,
podemos deixar como sugestões de estudo, nos vários contextos de formação de terapeutas,
um conjunto de referências selecionadas como mais significativas, por ordem cronológica:
Pina Prata, F.X. (1979). A terapia familiar como processo Pina Prata, F.X. (1979a). As fases da terapia familiar sistémica como processo Pina Prata, F.X. (1980b). Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson, D.Jackson, J.Haley & J.Weakland Pina Prata, F.X. (1980f). Analyse différentielle du système rigide de l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la thérapie familiale Pina Prata, F.X. (1981b). Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional Pina Prata, F.X. (1981c). Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin Pina Prata, F.X. (1981d). Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas familiares perturbados Pina Prata, F.X. (1983b). Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos de interfaces Pina Prata, F.X. (1989a). Psico-sociologia das organizações: Comportamentos organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro sistémicas Pina Prata, F.X. (1996). Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico Pina Prata, F.X. (2008). Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências Sales, C. & Pina Prata, F.X. (2011). Being a systemic therapist in the family and in organizations
Eu sinto-me sempre inacabado.
Pina Prata
153
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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métodos pedagógicos e das estruturas do ensino superior (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1972). Factos e importâncias. Perspectivas e práticas: psico-
sociológicas, de epistemologia, de política social e educativa, de sociologia. Texto não publicado.
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teóricas e práticas do Doutor Francisco Xavier Pina Prata (11 cads.). Lisboa: Instituto de Estudos Sociais (texto policopiado).
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negociação aos de negociação, conflito e sintomáticos (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1989a). Psico-sociologia das organizações: Comportamentos
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Familiar e Comunitária. Newsletter Recortes (APTEFC), 1, 3-7. Sales, C. & Pina Prata, F.X. (2011). Being a systemic therapist in the family and in
organizations. Human Systems, 22 (3), 718-731. Sales, C. & Vitória, P. (1999). Do gosto da sabedoria à descoberta do terceiro ouvido.
Testemunho do Professor F.X. Pina Prata. Newsletter Recortes (APTEFC), 1, 8-13. Referências não localizadas
Pina Prata, F.X. (1961). O nível da radicalidade da filosofia de José Ortega y Gasset. In
Separata de Filosofia (Vol. 8). Lisboa: Edições da Revista de Filosofia. (localizado no catálogo da BNP, não disponível)
Pina Prata, F.X. (1969). Sociologia geral. Lisboa: Escola Superior de Belas Artes. (texto
policopiado). (não localizado em catálogos) Pina Prata, F.X. (1977). A socialização da criança (texto policopiado). (não localizado em
catálogos) Pina Prata, F.X. (1978). Dimensão socio-afectiva da terapia familiar. Comunicação
apresentada no I Seminário Internacional de Terapia Familiar, Lisboa. (não localizado em catálogos)
Pina Prata, F.X. (1979b). O período de destruturação-confirmativa da anorexia mental na
óptica sistémica da terapia familiar. Revista Hospitalar, 171/172, 78-87. (não localizado em catálogos)
158
6. ANEXOS
Anexo A - Lista de siglas e abreviaturas usadas
Anexo B - Localização das referências bibliográficas
Anexo C - Lista de sessões com intervenção de Pina Prata, de que há relatos no CIAF
ou no sítio eletrónico da Pós-graduação
159
Anexo A
A: Lista de siglas e abreviaturas usadas
160
APA - American Psychology Association APTEFC - Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária ARIP - Association pour la Recherche et Intervention Psychosociologique BNP - Biblioteca Nacional de Portugal CER - Centro de Estudos de Relações CIAF - Centro de Investigação e Apoio à Família ColCat - Catálogo Coletivo Distribuído CREFOR - Centre de Recherche et de Formation sur les Organizations EFTA - European Family Therapy Association FBA - Faculdade de Belas Artes FL - Faculdade de Letras da UL FPCE - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UL (desig. anterior) FPIE - Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da UL (desig. atual) GEPAE - Gabinete de Estudos e de Planeamento das Atividades Educativas GUIR - Grupo de Universitários para a Investigação e Intervenção Relacional ICS - Instituto de Ciências Sociais ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa ISPA - Instituto Superior de Psicologia Aplicada OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico PICJAF - Projeto de Intervenção Clínica com Jovens Adolescentes, Adultos e suas Famílias Sibul - Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de Lisboa SiRL - Sistema Inter-relacional SRL - Sistema Relacional UAL - Universidade Autónoma de Lisboa UL - Universidade de Lisboa cad. - caderno cap. - capítulo desig. - designação Fac. - Faculdade I. - Instituto I.S. - Instituto Superior P.I. - Paciente-identificado T.F. - Terapia Familiar U. - Universidade vol. - volume
161
Anexo B
B: Localização das referências bibliográficas
162
Refª Bibliogª (por ordem cronológica)
Título Localização
Pina Prata, F.X. (1961) O nível da radicalidade da filosofia de José Ortega y Gasset
BNP (não disponível)
Pina Prata, F.X. (1962) Dialéctica da razão vital: Intuição originária de José Ortega y Gasset
ISCSP, UAL, U.Católica, BNP
Pina Prata, F.X. (1963) L’Angola multiraciale ISCSP, U.Católica, BNP Pina Prata, F.X. (1965) Estruturas latentes do “meio universitário” ISCTE, BNP Pina Prata, F.X. (1965-1973) Psico-sociologia da empresa: Apontamentos para as
aulas teóricas e práticas (11 cads.) ISCTE
Pina Prata, F.X. (1968) A transformação dos métodos pedagógicos no moderno ensino superior
ISCTE, U.Católica, BNP
Pina Prata, F.X. (1969) Sociologia geral Não localizado Pina Prata, F.X. (1970) Campos da socio-psicologia e da psicologia-social
no âmbito dos métodos pedagógicos e das estruturas do ensino superior
FPIE
Pina Prata, F.X. (1972) Factos e importâncias. Perspectivas e práticas U.Católica Pina Prata, F.X. (1973) Psico-sociologia da reforma do ensino superior ISCTE, ISCSP, BNP Pina Prata, F.X. (1973a) Psico-sociologia da empresa (Cad. 12): Elucidação
da patologia das situações de conflito organizacional
FPIE
Pina Prata, F.X. (1975) Aproximação a uma teoria do equilíbrio tensional FPIE Pina Prata, F.X. (1975a) Métodos e técnicas da investigação sociológica ISCTE Pina Prata, F.X. (1976) Psico-sociologia das organizações: Apontamentos FPIE Pina Prata, F.X. (1977) A socialização da criança Não localizado Pina Prata, F.X. (1978) Dimensão socio-afectiva da terapia familiar Não localizado Pina Prata, F.X. (1979) A terapia familiar como processo ISPA Pina Prata, F.X. (1979a) As fases da terapia familiar sistémica como
processo FPIE
Pina Prata, F.X. (1979b) O período de destruturação-confirmativa da anorexia mental na óptica sistémica da terapia familiar
Não localizado
Pina Prata, F.X. (Ed.). (1980) Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 1. Ópticas e estratégias de terapia familiar
ISPA, U.Católica, BNP
Pina Prata, F.X. (1980a) Começos da terapia familiar Pina Prata, F.X. (1980b) Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson,
D.Jackson, J.Haley & J.Weakland Pina Prata, F.X. (1980c) A terapia familiar como processo Pina Prata, F.X. (1980d) Les stratégies du processus thérapeutique dans les
systèmes familiaux rigides et flexibles Pina Prata, F.X. (1980e) Estratégia da escultura da família, seguindo F.Duhl,
M.Kantor e B.Duhl Pina Prata, F.X. (1980f) Analyse différentielle du système rigide de
l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la thérapie familiale
FPIE
Pina Prata, F.X. (Ed.). (1981) Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 2. Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional
ISCSP, BNP
Pina Prata, F.X. (1981a) A psico-sociologia das organizações como fundamento teórico-prático da face estrutural do modelo sistémico inter-relacional da terapia familiar
Pina Prata, F.X. (1981b) Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional
Pina Prata, F.X. (1981c) Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin
Pina Prata, F.X. (1981d) Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas familiares perturbados
Pina Prata, F.X. (1981e) Análise do treino conduzido por Bella Borwick sobre “As intervenções estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos”
Pina Prata, F.X. (1981f) M.Bowen e sua posição sobre alcoolismo e família Pina Prata, F.X. (1981g) Debate com Mara Selvini Palazzoli Pina Prata, F.X. (Ed.). (1983) Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol.
3. O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária
CIAF
Pina Prata, F.X. (1983a) O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária
Pina Prata, F.X. (1983b) Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos de interfaces
163
Refª Bibliogª (por ordem cronológica)
Título Localização
Pina Prata, F.X. (1983c) Un modèle systémique pour psychiatrie et psycho-sociologie clinique
Pina Prata, F.X. (1985) Patologia inter-relacional na sistémica da terapia familiar
ISPA
Pina Prata, F.X. (1989) Psico-sociologia das organizações: Dos comportamentos de negociação aos de negociação, conflito e sintomáticos
FPIE
Pina Prata, F.X. (1989a) Psico-sociologia das organizações: Comportamentos organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro sistémicas
FPIE
Pina Prata, F.X. (1991) Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia familiar
FPIE
Pina Prata, F.X. (1992) Un nouvel approche de la psychologie sociale ou l’histoire d’un récent projet universitaire
ISPA
Pina Prata, F.X. (1996) Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico ISPA Pina Prata, F.X. (1997) Formas de intervenção da terapia familiar e
diagnóstico sistémico psicoterapêutico: Complexidade e turbulência
ISPA
Pina Prata, F.X. (2001) La terapia familiar como proceso autor da Monog. Pina Prata, F.X. (2001-2010) Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária:
Apontamentos do Professor Pina Prata sítio Internet da Pós-graduação
Pina Prata, F.X. (2008) Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências
ISCTE, I.Piaget, BNP, autor da Monog.
Com/Por OUTROS: (por ordem alfabética)
APTEFC (2011) Sobre a APTEFC: Estatutos sítio Internet da APTEFC APTEFC (2011a) Publicações: Cadernos de terapia familiar e
comunitária APTEFC (2011b) CIAF: Centro de Investigação e de Apoio à Família Caleiro Dias, F. & Valente, J.A. (2008)
Contributo para uma coletânea das metáforas do Professor Pina Prata
os autores
Narciso, I., Costa, M.E. & Pina Prata, F.X. (2002)
Intimidade e compromisso pessoal ou “aquilo que pode fazer com que um casamento funcione”
FPIE
Sales, C. (2008) Who's this Child? Francisco Xavier Pina Prata sítio Internet da Pós-graduação Sales, C. & Pina Prata, F.X. (1999)
18 Anos da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária
CIAF
Sales, C. & Pina Prata, F.X. (2011)
Being a systemic therapist in the family and in organizations
sítio Internet da Human Systems
Sales, C. & Vitória, P. (1999) Do gosto da sabedoria à descoberta do terceiro ouvido. Testemunho do Professor F.X. Pina Prata
CIAF
164
Anexo C
C: Lista de sessões com intervenção de Pina Prata, de que há relatos no CIAF ou no sítio
eletrónico da pós-graduação
165
Sessões com intervenção do Professor Pina Prata, como terapeuta ou com entrada na sessão, de que
existe relato em papel nos arquivos do CIAF ou em ficheiro na plataforma informática da Pós-graduação
(data refª: 2011.06.01)
Fund. Juventude desde 1995
UAL/CIAF desde 2001
caso data nr.
sessão local da sessão
localização do relato,
em papel ou ficheiro
gravação
video-tape?
S 1995.11.22 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
CS 1995.12.06
1996.02.07
1
?
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
TN 1996.01.10 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
DL 1996.02.21
1996.04.03
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
JE 1996.03.06 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
TT 1996.03.06 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
PL 1996.03.20 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
AV 1996.03.20 2 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A
RS 1996.04.03
1996.05.22
5
6
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
NC 1996.04.03
1996.06.20
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
LA 1996.05.08
1996.06.05
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
MP 1996.05.15
1996.06.27
1
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
MR 1996.05.16 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
RC 1996.05.16 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
MA 1996.05.16
1996.06.20
2
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
IS 1996.05.22
1996.06.27
2
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
LM 1996.05.22
1996.06.27
1
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
CP 1996.06.05 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 3
VP 1998.11.04
1999.02.03
1
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
AMM 1998.11.25
1998.12.16
1999.01.06
1999.02.03
1999.05.26
2
3
4
5
6
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
CB 1999.01.06
1999.02.24
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
166
FS 1999.01.13
1999.03.10
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
LP 1999.01.20 5 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
MJS 1999.01.20 4 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
ACL 1999.02.03
1999.03.03
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
AG 1999.02.03
1999.05.12
1999.06.30
4
6
7
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
LFT 1999.02.24
1999.04.14
1999.05.26
1
2
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
CM 1999.03.03 3 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
JPS 1999.03.03
1999.04.14
1999.05.26
2
3
4
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
TP 1999.03.10 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
CF 1999.03.17 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 2
TR 1999.03.17
1999.05.27
1
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
BR 1999.03.22 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
GB 1999.03.24 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
CG 1999.03.24 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
MC 1999.04.14 0 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
ALL 1999.04.21 6 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
LJ 1999.04.21
1999.06.30
3
4
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
AB 1999.05.05
1999.06.30
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
PS 1999.05.19 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
NS 1999.05.24 4 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
ACO 1999.05.26 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
RN 1999.06.?? 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
PR 1999.06.16 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
AC 1999.06.16
1999.07.07
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
VT 1999.06.23 2 Fund. gaveta do fundo / folder 4
167
Juventude
HM 1999.07.?? 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
DD 1999.07.14 2 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
MSB 1999.07.14
1999.09.15
1
2
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
AG 1999.09.08 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
AJ 1999.09.08 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
RT 1999.09.13 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
FH 1999.10.13 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
AL 1999.10.20 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 4
AC 1999.10.20 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
PV 2000.01.12 5 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 2
FC 2000.01.12 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
MS 2000.03.01 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
LR 2000.03.08
2000.06.07
2
4
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 5
AC 2000.03.22 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 2
LD 2000.05.17 4 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 2
IS 2000.06.07 1 Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 2
MA 2000.10.31
2000.11.28
2001.01.09
1
2
3
Fund.
Juventude
gaveta do fundo / folder 2
SR 2001.01.30
2001.11.??
2002.02.01
1
2
4
CIAF gaveta <--- 2005 / folder S
FP 2001.03.01 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder F
EF 2001.05.29 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder E
VP 2001.10.??
2001.10.??
2001.10.??
5
6
7
CIAF gaveta <--- 2005 / folder V
Casal C 2001.10.23
2002.11.29
1
10
CIAF gaveta <--- 2005 / folder C
APG 2001.11.16
2002.11.08
2
9
CIAF gaveta <--- 2005 / folder A
CE 2002.05.??
2002.05.??
4
6
CIAF gaveta <--- 2005 / folder C
ASA 2002.10.25 3 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A
168
CDS 2002.10.25
2003.01.17
2003.07.19
4
5
7
CIAF gaveta <--- 2005 / folder C
VM 2002.11.22
2002.11.??
1
2
CIAF gaveta <--- 2005 / folder V
MTM 2003.01.10 3 CIAF gaveta <--- 2005 / folder M
E 2003.03.21 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder E
AP 2003.10.31 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A
AS 2003.12.12 2 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A
LR 2004.10.29 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder L
Tiago 2005.01.01
2006.02.03
?
?
CIAF não há relatos Há videos:
ses.?, 2005.01.01, DVD1
ses.?, 2006.02.03, DVD6
CV 2005.07.22 5 CIAF gaveta <--- 2005 / folder C
Aguenta 2005.11.04
2006.01.13
2006.02.03
2006.12.15
1
2
3
12
CIAF gaveta 2006 ---> e plataforma
plataforma
gaveta 2006 ---> e plataforma
plataforma
Há videos:
ses.?, 2006.04.07, DVD12
ses.8, 2006.07.21, DVD21
Cigana 2005.11.11
2005.12.09
2006.01.20
2006.03.10
2006.04.28
1
2
3
5
6
CIAF gaveta <--- 2005 / C e plataforma
gaveta <--- 2005 / C e plataforma
gaveta <--- 2005
gaveta <--- 2005 / C e plataforma
gaveta <--- 2005 / C e plataforma
---
há video, DVD2
---
há video, DVD10
há video, DVD13
Mais videos:
ses.3, 2006.01.20, DVD4
ses.4, 2006.02.10, DVD8/9
Adolescente 2006.??.?? 1 CIAF plataforma informat. Pos-G
Infidelidades 2006.03.10
2006.04.07
1
2
CIAF gaveta <--- 2005 / folder I
Oncologia 2006.10.20 1 CIAF plataforma informat. Pos-G
Gémeos 2006.11.17 2 CIAF gaveta 2006 --->
A Filha 2006.12.04
2006.12.18
5
6
CIAF gaveta <--- 2005 / folder F
Casal 2006.12.18 2 CIAF gaveta 2006 --->
Familia 2007.01.05
2007.02.16
1
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CIAF plataforma informat. Pos-G
Harmonia 2007.01.26
2007.02.09
1
2
CIAF plataforma
gaveta 2006 ---> e plataforma
Desentendimentos 2007.10.26 penult CIAF gaveta 2006 --->
Digestão 2007.11.16
2007.12.07
2008.01.11
2
3
4
CIAF gaveta 2006 --->
169
T 2009.03.20
2009.04.03
2009.11.20
2009.11.27
2009.12.04
2010.03.12
1
2
14
15
16
23
CIAF gaveta 2006 ---> e plataforma
gaveta 2006 ---> e plataforma
plataforma
plataforma
plataforma
gaveta 2006
Bifurcação 2010.07.16 1 CIAF gaveta 2006 --->