farmacocinÉtica cap 3 golan

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Farmacocinética 3 John C. LaMattina e David E. Golan Introdução Caso Barreiras Fisiológicas Membranas Biológicas Atravessando a Membrana Difusão Através da Membrana Sistema Nervoso Central Absorção Vias de Administração e seus Fundamentos Enteral Parenteral Membrana Mucosa Transdérmica Fatores Locais que Afetam a Absorção Distribuição Volume de Distribuição Ligação às Proteínas Plasmáticas Modelando a Cinética e a Termodinâmica da Distribuição dos Fármacos Metabolismo Reações de Oxidação/Redução Reações de Conjugação/Hidrólise Excreção Excreção Renal Excreção Biliar Aplicações Clínicas da Farmacocinética Depuração Cinética do Metabolismo e da Excreção Meia-Vida Fatores que Alteram a Meia-Vida Dosagem Terapêutica e Freqüência Dose de Ataque Dose de Manutenção Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas INTRODUÇÃO Até mesmo a mais promissora das terapias farmacológicas irá fracassar em estudos clínicos se o fármaco for incapaz de alcan- çar o seu órgão-alvo numa concentração suficiente para exercer um efeito terapêutico. Muitas das características que tornam o corpo humano resistente a danos causados por invasores estra- nhos e substâncias tóxicas também limitam a capacidade dos fármacos modernos de combater os processos patológicos no paciente. O reconhecimento dos numerosos fatores que afetam a capacidade de um fármaco de atuar em determinado paciente, bem como da natureza dinâmica desses fatores com o transcor- rer do tempo, é de suma importância para a prática clínica da medicina. Todos os fármacos devem satisfazer certas exigências míni- mas para ter efetividade clínica. Um fármaco, para ser bem- sucedido, deve ser capaz de atravessar as barreiras fisiológicas que existem no corpo para limitar o acesso das substâncias estranhas. A absorção dos fármacos pode ocorrer através de vários mecanismos desenvolvidos para explorar ou romper essas barreiras. Uma vez absorvido, o fármaco utiliza siste- mas de distribuição dentro do organismo, como os vasos san- güíneos e os vasos linfáticos, para alcançar o seu órgão-alvo numa concentração apropriada. A capacidade do fármaco de ter acesso a seu alvo também é limitada por diversos processos que ocorrem no paciente. Esses processos são amplamente dividi- dos em duas categorias: o metabolismo, em que o organismo inativa o fármaco através de degradação enzimática (prima- riamente no fígado), e a excreção, em que o fármaco é elimi- nado do corpo (principalmente pelos rins e pelo fígado, bem como pelas fezes). Este capítulo fornece uma visão geral dos processos farmacocinéticos de absorção, distribuição, metabo- lismo e excreção (freqüentemente abreviados como ADME; Fig. 3.1), com ênfase conceitual em princípios básicos que, quando aplicados a uma situação não-familiar, devem permitir ao estudante ou ao médico entender a farmacocinética da tera- pia farmacológica. Caso O Sr. W, de 66 anos de idade, é um consultor de tecnologia que viaja freqüentemente para fora do país como parte de seu trabalho na indústria de telecomunicações. O único problema clínico que apresenta consiste em fibrilação atrial crônica, e o Sr. W toma var- farina como única medicação. O Sr. W viaja para a Turquia para prestar uma consultoria. Na última noite de sua estada, comparece a um grande jantar onde são servidos shish kebabs e outros ali- mentos que não costuma comer com freqüência. No dia seguinte,

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  • Farmacocintica3

    John C. LaMattina e David E. Golan

    IntroduoCasoBarreiras Fisiolgicas

    Membranas BiolgicasAtravessando a MembranaDifuso Atravs da Membrana

    Sistema Nervoso CentralAbsoro

    Vias de Administrao e seus FundamentosEnteralParenteralMembrana MucosaTransdrmica

    Fatores Locais que Afetam a AbsoroDistribuio

    Volume de DistribuioLigao s Protenas Plasmticas

    Modelando a Cintica e a Termodinmica da Distribuio dos Frmacos

    MetabolismoReaes de Oxidao/ReduoReaes de Conjugao/Hidrlise

    ExcreoExcreo RenalExcreo Biliar

    Aplicaes Clnicas da FarmacocinticaDepurao

    Cintica do Metabolismo e da ExcreoMeia-Vida

    Fatores que Alteram a Meia-VidaDosagem Teraputica e Freqncia

    Dose de AtaqueDose de Manuteno

    Concluso e Perspectivas FuturasLeituras Sugeridas

    INTRODUO

    At mesmo a mais promissora das terapias farmacolgicas ir fracassar em estudos clnicos se o frmaco for incapaz de alcan-ar o seu rgo-alvo numa concentrao suficiente para exercer um efeito teraputico. Muitas das caractersticas que tornam o corpo humano resistente a danos causados por invasores estra-nhos e substncias txicas tambm limitam a capacidade dos frmacos modernos de combater os processos patolgicos no paciente. O reconhecimento dos numerosos fatores que afetam a capacidade de um frmaco de atuar em determinado paciente, bem como da natureza dinmica desses fatores com o transcor-rer do tempo, de suma importncia para a prtica clnica da medicina.

    Todos os frmacos devem satisfazer certas exigncias mni-mas para ter efetividade clnica. Um frmaco, para ser bem-sucedido, deve ser capaz de atravessar as barreiras fisiolgicas que existem no corpo para limitar o acesso das substncias estranhas. A absoro dos frmacos pode ocorrer atravs de vrios mecanismos desenvolvidos para explorar ou romper essas barreiras. Uma vez absorvido, o frmaco utiliza siste-mas de distribuio dentro do organismo, como os vasos san-gneos e os vasos linfticos, para alcanar o seu rgo-alvo numa concentrao apropriada. A capacidade do frmaco de ter

    acesso a seu alvo tambm limitada por diversos processos que ocorrem no paciente. Esses processos so amplamente dividi-dos em duas categorias: o metabolismo, em que o organismo inativa o frmaco atravs de degradao enzimtica (prima-riamente no fgado), e a excreo, em que o frmaco elimi-nado do corpo (principalmente pelos rins e pelo fgado, bem como pelas fezes). Este captulo fornece uma viso geral dos processos farmacocinticos de absoro, distribuio, metabo-lismo e excreo (freqentemente abreviados como ADME;Fig. 3.1), com nfase conceitual em princpios bsicos que, quando aplicados a uma situao no-familiar, devem permitir ao estudante ou ao mdico entender a farmacocintica da tera-pia farmacolgica.

    Caso O Sr. W, de 66 anos de idade, um consultor de tecnologia que viaja freqentemente para fora do pas como parte de seu trabalho na indstria de telecomunicaes. O nico problema clnico que apresenta consiste em fibrilao atrial crnica, e o Sr. W toma var-farina como nica medicao. O Sr. W viaja para a Turquia para prestar uma consultoria. Na ltima noite de sua estada, comparece a um grande jantar onde so servidos shish kebabs e outros ali-mentos que no costuma comer com freqncia. No dia seguinte,

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    apresenta diarria aquosa, ftida e profusa. O mdico estabelece o diagnstico de diarria do viajante e prescreve sulfametoxazol-trimetoprim durante 7 dias.

    O Sr. W j est totalmente restabelecido dentro de 2 dias aps o incio dos antibiticos e, 4 dias depois (enquanto ainda est toman-do os antibiticos), ele recebe alguns clientes em outro jantar com mesa farta. O Sr. W e seus convidados ficam embriagados durante o jantar, e, ao sair do restaurante, o Sr. W tropea e cai no meio-fio da calada. No dia seguinte, o joelho direito do Sr. W est muito inchado, exigindo uma avaliao na sala de emergncia. O exame fsico e os estudos de imagem so compatveis com hemartrose do joelho direito de tamanho moderado, e os exames laboratoriais revelam uma acentuada elevao da relao normalizada interna-cional (INR), que uma medida padronizada do tempo de pro-trombina e, nesse contexto clnico, um marcador substituto para os nveis plasmticos de varfarina. O mdico de planto alerta o Sr. W de que seu nvel de varfarina encontra-se na faixa suprateraputica (txica), e que esse efeito deve-se, provavelmente, a interaes medicamentosas adversas envolvendo a varfarina, os antibiticos utilizados e o seu recente consumo excessivo de lcool.

    QUESTES 1. Como um paciente com nveis teraputicos bem estabe-

    lecidos de um medicamento de uso crnico subitamente desenvolve manifestaes clnicas de toxicidade farmacol-gica?

    2. Essa situao poderia ter sido evitada? Se a resposta for afirmativa, como?

    BARREIRAS FISIOLGICAS

    Um frmaco precisa vencer certas barreiras fsicas, qumicas e biolgicas para alcanar seus locais de ao moleculares e celu-lares. O revestimento epitelial do trato gastrintestinal e outras membranas mucosas representam um tipo de barreira; so tam-bm encontradas outras barreiras aps a penetrao do frmaco no sangue e nos vasos linfticos. A maioria dos frmacos que circulam no sangue deve distribuir-se para tecidos locais, um processo que pode ser impedido por determinadas estruturas, como a barreira hematoenceflica. Tipicamente, os frmacos abandonam o compartimento intravascular nas vnulas ps-capilares, onde existem lacunas maiores entre as clulas endo-teliais atravs das quais o frmaco pode passar. A distribuio de um frmaco ocorre principalmente por difuso passiva, cuja velocidade afetada por condies inicas e celulares locais. Apresente seo descreve as principais barreiras fsicas, qumicas e biolgicas do corpo, bem como as propriedades dos frmacos que favorecem ou desfavorecem a sua capacidade de superar essas barreiras.

    MEMBRANAS BIOLGICAS Todas as clulas humanas so delimitadas por uma membrana com dupla camada lipdica. A membrana contm um cerne de lipdios hidrofbico e possui uma superfcie hidroflica em contato com os ambientes extracelular e intracelular aquosos. Os principais componentes lipdicos das membranas biolgi-cas consistem em molculas anfiflicas, incluindo fosfolipdios, colesterol e outras espcies de menor importncia. Os gru-pos hidroflicos contendo fosfato da cabea dos fosfolipdios e os grupos hidroxila polares do colesterol so expostos s

    superfcies externa e interna da membrana, enquanto as cau-das hidrofbicas dos lipdios esto voltadas para o interior da membrana. Alm dos componentes lipdicos, as membranas biolgicas contm numerosas protenas diferentes. Algumas dessas protenas esto apenas expostas na superfcie extrace-lular ou intracelular da membrana; outras (denominadas pro-tenas transmembrana) penetram atravs da dupla camada lipdica e ficam expostas a ambas as superfcies da membrana. Essa disposio possui implicaes importantes para a terapia farmacolgica. Para que um frmaco possa afetar alvos intrace-lulares ou atravessar uma clula, deve ser capaz de atravessar pelo menos uma e, em geral, vrias membranas biolgicas.

    Atravessando a MembranaO cerne hidrofbico de uma membrana biolgica representa uma importante barreira para o transporte dos frmacos. As pequenas molculas no-polares, como os hormnios esterides, so capazes de difundir-se facilmente atravs das membranas. Entretanto, muitos frmacos teraputicos so grandes e polares o suficiente para tornar esse mecanismo de transporte atravs da membrana ineficaz. Algumas protenas transmembrana per-tencentes superfamlia do carreador ligado a solutos (SLC, solute linked carrier) humano que inclui 43 famlias de pro-tenas, como as famlias do transportador de nions orgni-cos (OAT, organic anion transporter) e o transportador de ctions orgnicos (OCT, organic cation transporter) per-mitem a passagem de frmacos e molculas polares atravs da membrana. Alguns membros dessa superfamlia consistem em protenas carreadoras transmembrana especializadas, que so especficas para o frmaco e molculas endgenas rela-cionadas; aps ligao do frmaco superfcie extracelular da protena, esta protena sofre uma alterao de sua conformao, que pode no depender de energia (denominada difuso faci-litada) ou que pode exigir a entrada de energia (denominada transporte ativo). Essa mudana de conformao permite que o frmaco ligado tenha acesso ao interior da clula, onde a

    Frmaco livre ExcreoAbsoro

    Metabolismo

    Receptores ReservatriosteciduaisLivre Ligado

    Circulaosistmica

    Metablitos(ativos e inativos)Frmaco ligado

    protena

    Livre Ligado

    Fig. 3.1 Absoro, distribuio, metabolismo e excreo (ADME) dos frmacos. Os princpios bsicos de farmacocintica afetam a quantidade de frmaco livre que finalmente ir alcanar o stio-alvo. Para produzir um efeito em seu alvo, o frmaco precisa ser absorvido e, a seguir, distribudo pelo seu alvo antes de ser metabolizado e excretado. Em qualquer momento, o frmaco livre na circulao sistmica encontra-se em equilbrio com os reservatrios teciduais, as protenas plasmticas e o stio-alvo (que habitualmente consiste em receptores); apenas a frao do frmaco que consegue ligar-se a receptores especficos ter um efeito farmacolgico. Observe que o metabolismo de um frmaco pode resultar em metablitos tanto ativos quanto inativos; os metablitos ativos tambm podem exercer um efeito farmacolgico sobre os receptores-alvo ou, algumas vezes, em outros receptores.

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    molcula do frmaco liberada da protena. Alternativamente, alguns frmacos ligam-se a receptores de superfcie celular especficos e deflagram um processo denominado endocitose,em que a membrana celular envolve a molcula para formar uma cavidade fechada ou vescula, a partir da qual o frmaco subseqentemente liberado no interior da clula.

    Difuso Atravs da MembranaNa ausncia de outros fatores, um frmaco ir penetrar numa clula at que as concentraes intracelular e extracelular deste frmaco sejam iguais. A velocidade de difuso depende do gra-diente de concentrao do frmaco atravs da membrana e da espessura, rea e permeabilidade da membrana. De acordo com a lei de difuso de Fick, o fluxo efetivo de um frmaco atravs da membrana o seguinte:

    Fluxo =Espessura membrana

    (C2 C1) (rea Permeabilidade) Equao 3.1

    onde C1 e C2 so as concentraes intracelular e extracelular do frmaco, respectivamente. Essa definio aplica-se a uma situa-o ideal, em que no h fatores complicantes, como gradientes inicos, de pH e de cargas atravs da membrana. Todavia, in vivo, esses fatores adicionais afetam a tendncia de um frmaco a penetrar nas clulas. Por exemplo, uma maior concentrao do frmaco fora da clula normalmente tende a favorecer a entrada efetiva deste frmaco na clula; entretanto, se tanto o interior da clula quanto o frmaco tiverem cargas negativas, possvel que a sua entrada efetiva na clula seja impedida. Um frmaco de carga positiva exibe a tendncia eltrica oposta, de modo que a sua entrada na clula favorecida.

    A difuso efetiva de frmacos cidos e bsicos atravs das membranas com dupla camada lipdica tambm pode ser afe-tada por um fenmeno associado carga, conhecido como

    seqestro pelo pH. O grau de seqestro de um frmaco em um dos lados da membrana determinado pela constante de disso-ciao de cido (pKa) do frmaco e pelo gradiente de pH atravs da membrana. Para os frmacos fracamente cidos, como o fenobarbital e a aspirina, a forma protonada do frmaco que predomina no ambiente altamente cido do estmago eletri-camente neutra. Essa forma do frmaco sem carga tem mais tendncia a atravessar as duplas camadas lipdicas da mucosa gstrica, acelerando a absoro do frmaco (Fig. 3.2). A seguir, o frmaco fracamente cido desprotonado para sua forma com carga eltrica no ambiente mais bsico do plasma, e esta forma tem menos probabilidade de sofrer difuso retrgrada atravs da mucosa gstrica. Em seu conjunto, esses equilbrios seqestram efetivamente o frmaco no interior do plasma.

    Em termos quantitativos, a pKa de um frmaco representa o valor de pH em que metade do frmaco encontra-se em sua forma inica. A Equao de Henderson-Hasselbalch descreve a relao entre a pKa de um frmaco A cido ou bsico e o pH do meio biolgico contendo este frmaco:pK

    HA

    Aa = + pH log

    [ ]

    [ ] Equao 3.2

    onde HA a forma protonada do frmaco A. Por exemplo, con-sideremos o caso hipottico de um frmaco fracamente cido com pKa de 4. No estmago, cujo pH de cerca de 1, a Equao 3.2 transforma-se em:

    = +pKHA

    A

    HA

    A

    HA

    A

    afrmacopH

    que simplificada para:

    3 = log

    e, finalmente:

    1.000 = .

    estmago

    log[ ]

    [ ],

    [ ]

    [ ],

    [ ]

    [ ]

    Por conseguinte, no estmago, a forma protonada do frmaco encontra-se numa concentrao 1.000 vezes maior do que a forma desprotonada, e 99,9% do frmaco esto na forma neutra. Um clculo semelhante para o plasma, cujo pH de cerca de 7 (o pH do plasma , na realidade, de 7,4), demonstra que a situao invertida, com 99,9% do frmaco na forma despro-tonada (ver Fig. 3.2).

    SISTEMA NERVOSO CENTRALO sistema nervoso central (SNC) representa um desafio espe-cial para a terapia farmacolgica. Ao contrrio da maioria das outras regies anatmicas, o SNC est particularmente bem isolado de substncias estranhas. A barreira hematoenceflica utiliza junes firmes especializadas para impedir a difuso passiva da maioria dos frmacos da circulao sistmica para a circulao cerebral. Por conseguinte, os frmacos destinados a atuar no SNC devem ser pequenos o suficiente e hidrofbi-cos para atravessar facilmente as membranas biolgicas, ou devem utilizar as protenas de transporte existentes na barreira hematoenceflica para penetrar nas estruturas centrais. Os fr-macos hidroflicos que no conseguem ligar-se a protenas de transporte facilitado ou ativo na barreira hematoenceflica so incapazes de penetrar no SNC. possvel transpor a barreira hematoenceflica utilizando uma infuso intratecal do frmaco, em que este diretamente liberado no lquido cefalorraquidiano

    Barreira Mucosa Gstrica

    Estmago pH ~ 1

    Plasma pH ~ 7

    H+A-

    [1][1.000]

    +HA

    H+A-

    [1.000.000][1.000]

    +HA

    Fig. 3.2 Seqestro pelo pH atravs de duplas camadas lipdicas. No exemplo ilustrado, considere um frmaco hipottico com pKa = 4. Embora este frmaco seja um cido fraco, ele est em grande parte protonado no ambiente altamente cido do estmago. Se o pH do estmago for de aproximadamente 1, para cada 1.001 molculas de frmaco, 1.000 molculas estaro protonadas (e neutras) e apenas 1 estar desprotonada (e com carga negativa). A forma ou protonada ou neutra do frmaco capaz de difundir-se atravs da barreira mucosa gstrica para o sangue. Como o plasma sangneo possui um pH de cerca de 7 (na realidade, de 7,4), e o frmaco possui uma pKa de 4, a maior parte do frmaco encontra-se, agora, na forma desprotonada (com carga negativa): para cada 1.001 molculas do frmaco, apenas uma molcula est protonada (e neutra), enquanto 1.000 molculas esto desprotonadas (e com carga negativa). A forma do frmaco com carga negativa perdeu a capacidade de difundir-se atravs das duplas camadas lipdicas da mucosa gstrica, e o frmaco est efetivamente seqestrado no plasma.

  • Farmacocintica | 31

    (LCR). Embora essa abordagem possa ser utilizada no trata-mento da meningite infecciosa ou carcinomatosa, a via intrate-cal no prtica para frmacos que precisam ser regularmente administrados ao paciente.

    ABSORO

    O corpo humano desenvolveu obstculos excepcionais aos microrganismos que procuram invadi-lo. O tegumento, com sua camada externa queratinizada e as defensinas encontra-das em seu epitlio, representa uma superfcie inspita para invaso. As membranas mucosas, apesar de terem um ponto de penetrao mais fcil, tambm apresentam numerosos mecanis-mos de defesa inespecficos, incluindo a depurao mucociliar na traquia, a secreo de lisozima dos ductos lacrimais, o cido no estmago e a base no duodeno. Esses mecanismos inespecficos tambm precisam ser superados pelos frmacos, ou a quantidade do frmaco disponvel para determinado rgo-alvo, designada como biodisponibilidade do frmaco (tambm conhecida como frao absorvida), nunca ser alta o sufici-ente para que o frmaco seja eficaz. A via de administrao do frmaco, a sua forma qumica e certos fatores especficos do paciente como transportadores e enzimas gastrintestinais e hepticos combinam-se para determinar a biodisponibili-dade de um frmaco.

    Em termos quantitativos, a biodisponibilidade definida da seguinte maneira:

    Biodisponibilidade

    Quantidade de frmaco que alcana a circulao sistmica

    Quantidade de frmaco administrado

    = Equao 3.3

    Essa definio de biodisponibilidade baseia-se no fato impor-tante de que a maioria dos frmacos alcana seus locais de ao moleculares e celulares diretamente a partir da circula-o sistmica. Os frmacos de administrao intravenosa so injetados diretamente na circulao sistmica; para esses fr-macos, a quantidade administrada equivale quantidade que alcana a circulao sistmica, e a sua biodisponibilidade , por definio, igual a 1,0. Em contrapartida, a absoro gas-trintestinal incompleta e o metabolismo heptico de primeira passagem (ver adiante) tipicamente fazem com que a biodis-ponibilidade de um frmaco de administrao oral seja menor que 1,0 (Fig. 3.3).

    VIAS DE ADMINISTRAO E SEUS FUNDAMENTOSCada frmaco novo planejado e testado em uma forma posolgica que administrada por via especfica. As vias de administrao so escolhidas para que o frmaco seja capaz de atravessar as barreiras apresentadas pelo corpo, tirando freqentemente proveito das molculas de transporte e de ou tros mecanismos que permitem a entrada do frmaco nos tecidos corporais. Esta seo discute as vantagens e desvantagens da administrao de frmacos pelas vias enteral (oral), parenteral, atravs das mucosas e transdrmica (Quadro 3.1).

    EnteralA administrao enteral de um frmaco ou administrao por via oral constitui a mais simples das vias de administrao de

    frmacos. A via de administrao enteral explora os pontos fracos existentes nas barreiras de defesa humanas, porm expe o frmaco a ambientes cido (estmago) e bsico (duodeno) rigorosos, passveis de limitar a sua absoro. Essa via oferece muitas vantagens ao paciente: fcil e conveniente auto-admi-nistrar frmacos por via oral, e essas formas posolgicas tm menos tendncia do que outros mtodos a introduzir infeces sistmicas como complicao do tratamento.

    Um frmaco administrado por via oral deve permanecer estvel durante a sua absoro pelo epitlio do trato gastrintesti-nal. As junes das clulas epiteliais gastrintestinais dificultam o transporte paracelular atravs do epitlio intacto. Na verdade, as substncias ingeridas (como os frmacos) devem habitual-mente atravessar a membrana celular tanto na superfcie apical quanto na superfcie basal para alcanar o sangue circulante. Aeficincia desse processo determinada pelo tamanho e pela hidrofobicidade do frmaco e, algumas vezes, pela presena de carreadores por intermdio dos quais o frmaco pode entrar na clula e/ou sair dela. Em geral, os frmacos hidrofbicos e neutros atravessam as membranas celulares de modo mais eficiente do que os frmacos hidroflicos ou com carga eltrica, a no ser que a membrana contenha uma molcula carreadora que facilite a passagem das substncias hidroflicas.

    Aps atravessar o epitlio gastrintestinal, os frmacos so transportados pelo sistema porta at o fgado antes de passar para a circulao sistmica. Embora a circulao porta tenha

    Via intravenosa

    Via oral, subcutnea ou intramuscular: biodisponibilidade de 100%

    Via oral, subcutnea ou intramuscular: biodisponibilidade de 50%

    Tempo

    Con

    cent

    ra

    o pl

    asm

    tic

    a do

    frm

    aco

    Fig. 3.3 Biodisponibilidade aps administrao de dose nica de um frmaco. Um frmaco administrado por via intravenosa torna-se imediatamente disponvel na circulao. A seguir, o frmaco distribudo para outros compartimentos corporais (ver Fig. 3.7) e eliminado atravs de cintica de primeira ordem (ver Fig. 3.6). Em contrapartida, as outras vias de administrao (por exemplo, oral, subcutnea e intramuscular) resultam na entrada mais lenta do frmaco no sangue. Alm disso, as outras vias de administrao devem considerar a biodisponibilidade por exemplo, muitos frmacos administrados por via oral no so totalmente absorvidos ou sofrem metabolismo de primeira passagem no fgado. Se um frmaco tiver uma biodisponibilidade de 100%, a quantidade total do frmaco que ir alcanar a circulao sistmica ser a mesma para todas as vias de administrao; entretanto, as vias no-intravenosas iro necessitar de um maior perodo de tempo para alcanar uma concentrao mxima do frmaco no plasma. Se a biodisponibilidade de uma forma posolgica por via oral, subcutnea ou intramuscular for inferior a 100%, ser necessrio aumentar a dose do frmaco para que a quantidade total que ir alcanar a circulao sistmica seja igual quela de uma dose intravenosa. Observe que a quantidade total de frmaco que alcana a circulao sistmica pode ser quantificada, ao integrar o grfico da rea sob a curva (ASC) da concentrao plasmtica do frmaco versus tempo.

  • 32 | Captulo Trs

    como funo proteger o corpo dos efeitos sistmicos de toxinas ingeridas, entregando essas substncias ao fgado para destoxi-ficao, esse sistema pode complicar a liberao de frmacos. Todos os frmacos administrados por via oral esto sujeitos ao metabolismo de primeira passagem no fgado. Nesse proces-so, as enzimas hepticas podem inativar uma frao do frmaco ingerido. Qualquer frmaco que sofra metabolismo de primeira passagem significativo precisa ser administrado em quantidade suficiente para assegurar a presena de uma concentrao efe-tiva do frmaco ativo na circulao sistmica, a partir da qual pode alcanar o rgo-alvo. As vias no-enterais de adminis-trao de frmacos no esto sujeitas ao metabolismo heptico de primeira passagem.

    Parenteral A administrao parenteral de frmacos, que consiste na introduo direta de um frmaco atravs das barreiras de de fesa do corpo na circulao sistmica ou em algum outro espao tecidual, supera imediatamente as barreiras capazes de limitar a eficincia dos frmacos administrados por via oral. Os fr-macos podem ser administrados por via parenteral no tecido vascularizado ou injetados diretamente no sangue ou no lquido

    cefalorraquidiano (Quadro 3.2). A administrao tecidual resul-ta numa velocidade de incio de ao do frmaco que difere entre os vrios tecidos do corpo, dependendo da taxa de fluxo sangneo para o tecido. A administrao subcutnea (SC) de um frmaco no tecido adiposo pouco vascularizado resulta em incio de ao mais lento do que a sua injeo em espaos intramusculares (IM) bem vascularizados. Os frmacos que so apenas solveis em solues base de leo so freqentemente administrados por via intramuscular. A introduo direta do fr-maco na circulao venosa [via intravenosa (IV)] ou arterial [intra-arterial (IA)] ou no lquido cefalorraquidiano [intratecal (IT)] faz com que o frmaco alcance mais rapidamente o seu rgo-alvo. Tipicamente, a injeo intravenosa no limitada na quantidade de frmaco que pode ser liberada, como podem s-lo as injees subcutneas e intramusculares. As infuses intravenosas contnuas tambm tm a vantagem de uma libe-rao controlada do frmaco, de modo que a dose do frmaco administrado pode ser ajustada a qualquer momento.

    Embora as propriedades fsicas de certos frmacos (por exemplo, tamanho e hidrofobicidade) possam exigir uma via particular de administrao, o mdico freqentemente tem uma escolha entre diversas vias diferentes. A administrao parenteral pode estar associada a vrias desvantagens poten-

    QUADRO 3.1 Vias de Administrao de Frmacos

    VIA VANTAGENS DESVANTAGENS

    Enteral (por exemplo, aspirina)

    Simples, de baixo custo, conveniente, indolor e sem nenhuma infeco

    O frmaco exposto ao ambiente GI rigoroso e ao metabolismo de primeira passagem requer absoro GI, liberao lenta no local de ao farmacolgica

    Parenteral (por exemplo, morfina)

    Rpida liberao no local de ao farmacolgica, alta biodisponibilidade e no sujeito a metabolismo de primeira passagem ou a um ambiente GI rigoroso

    Irreversvel, infeco, dor, medo, necessrio um pessoal mdico experiente

    Membrana mucosa (por exemplo, beclometasona)

    Rpida liberao no local de ao farmacolgica, no sujeita ao metabolismo de primeira passagem ou a ambientes inspitos do trato GI, freqentemente indolor, simples e conveniente, baixa taxa de infeco e possibilidade de liberao direta nos tecidos afetados (por exemplo, pulmo)

    Existem poucos frmacos disponveis para administrao por essa via

    Transdrmica (por exemplo, nicotina)

    Simples, conveniente, indolor, excelente para administrao contnua ou prolongada, no sujeita ao metabolismo de primeira passagem ou a ambientes inspitos do trato GI

    Exige um frmaco altamente lipoflico, liberao lenta no local de ao farmacolgica; pode ser irritante

    GI, gastrintestinal.

    QUADRO 3.2 Vias de Administrao Parenteral de Frmacos

    VIA PARENTERAL VANTAGENS DESVANTAGENS

    Subcutnea (por exemplo, Xilocana)

    Incio lento, pode ser utilizada para administrao de frmacos base de leo

    Incio lento, pequenos volumes

    Intramuscular (por exemplo, haloperidol)

    Incio intermedirio, pode ser utilizada para a administrao de frmacos base de leo

    Pode afetar exames laboratoriais (creatinocinase), hemorragia intramuscular, dolorosa

    Intravenosa (por exemplo, morfina)

    Incio rpido, liberao controlada do frmaco

    Toxicidade do frmaco relacionada com o seu nvel mximo

    Intratecal (por exemplo, metotrexato)

    Evita a barreira hematoenceflica Infeco, necessidade de profissional altamente experiente

  • Farmacocintica | 33

    ciais, incluindo maior risco de infeco e necessidade de sua administrao por um profissional de sade. A velocidade de incio de ao dos frmacos administrados por via parenteral freqentemente rpida, resultando em aumento potencial da toxicidade quando esses frmacos so administrados com mui-ta rapidez ou em doses incorretas. Essas desvantagens devem ser confrontadas com as vantagens da administrao parenteral (como velocidade de incio da ao e controle da dose liberada) e a urgncia da indicao da terapia farmacolgica.

    Membrana MucosaA administrao de frmacos atravs de membranas mucosas pode proporcionar potencialmente uma rpida absoro, baixa incidncia de infeco e convenincia de sua administrao, alm de evitar o ambiente gastrintestinal inspito e o metabo-lismo de primeira passagem. Os epitlios sublingual, ocular, pulmonar, nasal, retal, urinrio e do trato reprodutor foram todos utilizados para administrao de frmacos na forma de gotas lquidas, comprimidos de rpida dissoluo, aerossis e supositrios (entre outras formas posolgicas). As mucosas so muito vasculares, permitindo ao frmaco penetrar rapida-mente na circulao sistmica e alcanar o seu rgo-alvo com tempo mnimo. Os frmacos tambm podem ser administrados diretamente no rgo-alvo, resultando em seu incio de ao praticamente instantneo. Esse aspecto constitui uma vantagem em situaes crticas, como a asma aguda, em que certos fr-macos, como os agonistas -adrenrgicos, so administrados diretamente nas vias areas por aerossis.

    Transdrmica Um grupo limitado de frmacos apresenta lipofilicidade alta o suficiente para que a sua difuso passiva atravs da pele pro-porcione uma via de administrao vivel. Os frmacos admi-nistrados por via transcutnea so absorvidos a partir da pele e dos tecidos subcutneos diretamente no sangue. Essa via de administrao ideal para um frmaco que precisa ser admi-nistrado lentamente e de modo contnuo por um longo perodo. No existe nenhum risco associado de infeco, e essa via de administrao simples e conveniente. O sucesso dos discos transdrmicos de nicotina, de estrognio e de escopolamina demonstra a utilidade potencial dessa via de administrao (ver Cap. 54 para mais detalhes sobre a via transdrmica de admi-nistrao de frmacos).

    FATORES LOCAIS QUE AFETAM A ABSORO A velocidade e a extenso de absoro de um frmaco so afeta-das por diversos fatores que so especficos situao do trata-mento. Em geral, uma dose mais alta e/ou administrada mais rapidamente resulta em maior aumento na concentrao local do frmaco (Fig. 3.4). Isso aumenta a tendncia do frmaco a sofrer difuso atravs das membranas ou no sangue, com conse-qente diminuio na concentrao local do frmaco. Por con-seguinte, os fatores que aumentam a velocidade de distribuio do frmaco distante de seu local de administrao diminuem a probabilidade de que a concentrao do frmaco alcance um equilbrio entre as membranas biolgicas. O fluxo sangneo regional possui o maior efeito nesse aspecto; em uma regio altamente perfundida, as molculas do frmaco que penetram nesse compartimento so rapidamente removidas. Esse efeito mantm a concentrao do frmaco em baixos nveis no com-partimento, permitindo que a fora propulsora para a entrada

    de novas molculas do frmaco no compartimento permanea alta (ver Equao 3.1). Por exemplo, os anestsicos gerais volteis so administrados por via inalatria. Os pulmes so altamente perfundidos, e o anestsico rapidamente removido dos pulmes para a circulao. Como o sangue flui rapidamente atravs dos pulmes, o anestsico no atinge uma concentrao aumentada na circulao local, e observa-se pouca fora de difuso para opor-se entrada do anestsico no sangue. Por conseguinte, muitos anestsicos volteis penetram facilmente no compartimento sangneo at que se torne saturado com o frmaco (ver Cap. 15 para mais detalhes). Observa-se uma tendncia semelhante em pacientes com maior massa corporal, os quais apresentam um aumento da rea de superfcie atravs da qual pode ocorrer difuso, bem como um maior volume tecidual no qual o frmaco pode distribuir-se. Ambos os fatores aumentam a tendncia de um frmaco a ser absorvido. A absor-o de alguns frmacos de administrao oral afetada pela presena ou ausncia de alimento na luz do trato gastrintestinal por ocasio de sua administrao.

    DISTRIBUIO

    Embora a absoro do frmaco constitua um pr-requisito para atingir nveis plasmticos adequados desse frmaco, ele tambm precisa alcanar seu rgo ou rgos-alvo em con-centraes teraputicas para exercer o efeito desejado sobre

    Tempo

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    Fig. 3.4 Efeito da velocidade de absoro sobre a concentrao plasmtica mxima de um frmaco e sobre a durao de ao do frmaco. A durao de ao e a concentrao plasmtica mxima de um frmaco podem ser afetadas acentuadamente pela sua velocidade de absoro. Neste exemplo, trs frmacos com biodisponibilidade, volume de distribuio e depurao idnticas so administrados em doses idnticas. Os frmacos exibem diferentes taxas de absoro o frmaco A absorvido rapidamente e o frmaco C sofre absoro lenta, enquanto a velocidade de absoro do frmaco B situa-se entre as dos frmacos A e C. O frmaco A alcana a maior concentrao plasmtica mxima, visto que todo o frmaco absorvido antes que possa ocorrer uma eliminao significativa. O frmaco C absorvido lentamente e nunca alcana uma concentrao plasmtica elevada; entretanto, persiste no plasma por mais tempo do que os frmacos A ou B, visto que a sua absoro continua durante a fase de eliminao. Convm assinalar que todos os frmacos hipotticos A, B e C poderiam ser o mesmo frmaco administrado por trs vias diferentes. Por exemplo, a curva A poderia representar a administrao intravenosa de glicocorticides; a curva B, uma injeo intramuscular de depsito, e a curva C, uma formulao subcutnea de liberao ultralenta do mesmo frmaco.

  • 34 | Captulo Trs

    determinado processo fisiopatolgico. A distribuio de um frmaco ocorre primariamente atravs do sistema circulatrio, enquanto o sistema linftico contribui com um componente menor. Uma vez absorvido na circulao sistmica, o frmaco ento capaz de alcanar qualquer rgo-alvo (com a possvel exceo dos compartimentos santurios, como o crebro e os testculos). A concentrao do frmaco no plasma freqente-mente utilizada para definir os nveis teraputicos do frmaco e monitor-los, visto que difcil medir a quantidade de frmaco que realmente captada pelo rgo-alvo. Em alguns casos, a concentrao plasmtica de um frmaco pode representar uma medida relativamente precria de sua verdadeira concentrao tecidual. Entretanto, na maioria dos casos, o efeito do frmaco no tecido-alvo correlaciona-se bem com a sua concentrao plasmtica.

    Os rgos e os tecidos variam acentuadamente na sua capaci-dade de captar diferentes frmacos, bem como na proporo de fluxo sangneo sistmico que recebem. As foras que gover-nam a distribuio de um frmaco entre os diversos tecidos e compartimentos (Quadro 3.3) afetam enormemente a concen-trao do frmaco no plasma. O fluxo sangneo tambm varia acentuadamente entre diferentes sistemas de rgos, e os que recebem o maior fluxo so o fgado, os rins e o crebro (SNC) (Quadro 3.4). Esses fatores cinticos determinam a quantidade de frmaco que precisa ser administrada para atingir a concen-trao desejada do frmaco dentro do compartimento vascular. A capacidade dos tecidos no-vasculares e das protenas plas-mticas de captar e/ou de ligar-se ao frmaco contribui para a complexidade dos esquemas de dosagem e tambm deve ser considerada para alcanar nveis teraputicos do frmaco.

    VOLUME DE DISTRIBUIO O volume de distribuio de um frmaco (Vd) representa o volume de lquido necessrio para conter a quantidade total do frmaco absorvido no corpo, numa concentrao uniforme equivalente do plasma no estado de equilbrio dinmico:Vd =

    [ ]

    Dose

    Frmaco plasma Equao 3.4

    A proporo de frmaco captada pelo corpo como um todo maior quando o frmaco distribui-se amplamente pelos tecidos corporais. Por conseguinte, o volume de distribuio relati-vamente baixo para frmacos que so principalmente retidos no compartimento vascular e relativamente alto para aqueles que sofrem ampla distribuio no msculo, tecido adiposo e outros compartimentos no-vasculares. Com efeito, para fr-

    macos cuja distribuio acentuadamente alta, o volume de distribuio , com freqncia, muito maior do que o volume de gua corporal total, refletindo as baixas concentraes do frmaco no compartimento vascular, no estado de equilbrio dinmico. Numerosos frmacos apresentam volumes de dis-tribuio muito grandes, como, por exemplo, a amiodarona (4.620 litros [L] para uma pessoa de 70 kg), a amitriptilina (1.050 L), a amlodipina (1.120 L), a azitromicina (2.170 L), a cloroquina (9.240 L), a clorpromazina (1.470 L), a digo-xina (645 L), a fluoxetina (2.450 L), o gefitinibe (1.400 L), o haloperidol (1.260 L), o itraconazol (980 L), a ivermectina (700 L), a olanzapina (1.150 L) e o triantereno (940 L), entre outros. Esses exemplos numricos demonstram que o Vd um volume extrapolado baseado na concentrao de um frmaco no plasma, mais do que um volume fsico. Esse conceito est quantificado na Equao 3.4.

    A capacidade do sangue e dos vrios rgos e tecidos do corpo em captar e reter um frmaco depende tanto do volu-me (massa) do tecido quanto da densidade de locais de liga-o especficos e inespecficos para o frmaco nesse tecido particular. Um frmaco captado em grandes quantidades por tecidos corporais como o tecido adiposo e o msculo ser em grande parte removido da circulao no estado de equilbrio dinmico. Na maioria dos casos, esses tecidos precisam estar saturados para que os nveis plasmticos desses frmacos pos-sam aumentar o suficiente a ponto de afetar o rgo-alvo do frmaco. Assim, para dois frmacos de potncia igual, aquele

    QUADRO 3.3 Distribuio dos Frmacos em Diferentes Compartimentos Corporais

    COMPARTIMENTO EXEMPLOS

    gua corporal total Pequenas molculas hidrossolveis (por exemplo, etanol)

    gua extracelular Molculas hidrossolveis maiores (por exemplo, manitol)

    Plasma sangneo Molculas altamente ligadas s protenas plasmticas, molculas muito grandes, molculas altamente carregadas (por exemplo, heparina)

    Gordura Molculas altamente lipossolveis (por exemplo, diazepam)

    Osso e dentes Certos ons (por exemplo, fluoreto, estrncio)

    QUADRO 3.4 Fluxo Sangneo Tecidual Total e Normalizado para Peso no Adulto

    RGO PERFUNDIDOFLUXO SANGNEO

    (mL/min)MASSA DO RGO

    (kg)FLUXO SANGNEO NORMALIZADO

    (mL/min/kg)

    Fgado 1.700 2,5 680Rins 1.000 0,3 3.333Crebro 800 1,3 615Corao 250 0,3 833Gordura 250 10,0 25Outros (msculo, etc.) 1.400 55,6 25Total 5.400 70,0

  • Farmacocintica | 35

    que tiver distribuio mais alta entre os tecidos corporais geral-mente necessitar de dose inicial maior para estabelecer uma concentrao plasmtica teraputica do que aquele que tiver distribuio mais baixa.

    Ligao s Protenas Plasmticas A capacidade do msculo e do tecido adiposo de ligar-se a um frmaco aumenta a tendncia desse frmaco a sofrer difuso do sangue para compartimentos no-vasculares, porm essa tendncia pode ser contrabalanada, em certo grau, pela ligao do frmaco s protenas plasmticas. A albumina, que constitui a protena plasmtica mais abundante (com concentrao de cerca de 4 g/dL), a protena mais responsvel pela ligao dos frmacos. Muitos frmacos ligam-se com baixa afinidade albumina atravs de foras tanto hidrofbicas quanto ele-trostticas. A ligao s protenas plasmticas tende a reduzir a disponibilidade de um frmaco para difuso ou transporte no rgo-alvo desse frmaco, visto que, em geral, apenas a forma livre ou no-ligada do frmaco capaz de difundir-se atravs das membranas (Fig. 3.5). A ligao s protenas plasmticas tambm pode reduzir o transporte dos frmacos em compar-timentos no-vasculares, como o tecido adiposo e o msculo. Como um frmaco altamente ligado s protenas tende a per-manecer no sangue circulante, este frmaco freqentemente apresenta um volume de distribuio relativamente baixo (tipi-camente, de 78 L para um indivduo de 70 kg).

    Teoricamente, a ligao s protenas plasmticas poderia ser importante como mecanismo em algumas interaes medica-mentosas. A co-administrao de dois ou mais frmacos, em que todos se ligam altamente s protenas plasmticas, pode resultar numa concentrao plasmtica da forma livre de um ou de ambos os frmacos mais alta do que o esperado. Essa situao deve-se ao fato de que os frmacos co-administrados competem pelos mesmos stios de ligao nas protenas plas-mticas. A concentrao aumentada de frmaco livre pode ter o potencial de produzir efeitos teraputicos e/ou txicos aumen-tados do frmaco. Nesses casos, podemos deduzir que ser necessrio ajustar o esquema de dosagem de um ou de ambos os frmacos, de modo que a concentrao de frmaco livre possa retornar sua faixa teraputica. Entretanto, na prtica, tem sido difcil demonstrar interaes medicamentosas clinica-mente significativas causadas por competio de dois frmacos pela sua ligao s protenas plasmticas. Esse resultado um tanto surpreendente pode ser atribudo depurao aumentada dos frmacos livres quando so deslocados de seus stios de ligao nas protenas plasmticas (ver adiante).

    MODELANDO A CINTICA E A TERMODINMICA DA DISTRIBUIO DOS FRMACOS A maioria dos frmacos presentes na circulao sistmica (com-partimento intravascular) distribui-se rapidamente para outros compartimentos do corpo. Essa fase de distribuio resulta em acentuada diminuio da concentrao plasmtica do frmaco pouco depois de sua administrao por injeo intravenosa direta. Mesmo quando o frmaco j est equilibrado entre seus reservatrios teciduais, a sua concentrao plasmtica continua declinando, devido eliminao do frmaco do corpo. A velo-cidade de declnio da concentrao plasmtica de um frmaco durante a fase de eliminao mais lenta que aquela durante a fase de distribuio, visto que, durante a fase de eliminao, o reservatrio de frmaco nos tecidos pode difundir-se nova-

    mente para o sangue, a fim de substituir o frmaco que foi eliminado (Figs. 3.6 e 3.7).

    A tendncia de um frmaco a ser captado pelo tecido adiposo e tecido muscular, durante a fase de distribuio, resulta em um conjunto de equilbrios dinmicos entre as concentraes nos

    A

    B

    rgo dedepurao

    Albumina

    Frmaco A ligado albumina

    Frmaco B ligado albumina

    Frmaco A

    Frmaco B

    Local de ao

    farmacolgica

    rgo dedepurao

    Espao vascular

    Local deao

    farmacolgica

    Espao vascular

    Fig. 3.5 Ligao s protenas e seqestro do frmaco. Um frmaco ligado albumina ou a outras protenas plasmticas incapaz de difundir-se do espao vascular para os tecidos circundantes. A. Os frmacos que no se ligam s protenas plasmticas sofrem visivelmente uma rpida difuso (mostrada aqui na forma do Frmaco A nos tecidos). Isso resulta em alto nvel de ligao ao local de ao farmacolgica (habitualmente receptores) e numa alta taxa de eliminao (representada pelo fluxo atravs de um rgo de depurao). Entre os exemplos desses frmacos, destacam-se o acetaminofeno, o aciclovir, a nicotina e a ranitidina. B. Em contrapartida, para os frmacos que exibem altos nveis de ligao s protenas plasmticas (mostrados aqui na forma do Frmaco B), necessria uma concentrao plasmtica total mais elevada do frmaco para assegurar uma concentrao adequada do frmaco livre (no-ligado) na circulao. Caso contrrio, apenas uma pequena frao do frmaco poder sofrer difuso no espao extravascular, e apenas uma pequena porcentagem dos receptores estar ocupada. Entre os exemplos desses frmacos, destacam-se a amiodarona, a fluoxetina, o naproxeno e a varfarina. preciso ressaltar que a ligao s protenas plasmticas constitui apenas uma das numerosas variveis que determinam a distribuio dos frmacos. O tamanho molecular, a lipofilicidade e a intensidade do metabolismo de um frmaco so outros parmetros importantes que precisam ser considerados quando se estuda a farmacocintica de determinado frmaco.

  • 36 | Captulo Trs

    vrios compartimentos corporais. Conforme ilustrado na Fig. 3.8, o rpido declnio da concentrao plasmtica de um fr-maco observado aps a administrao de um bolus intravenoso pode ser estimado de maneira mais acurada com o uso de um modelo de quatro compartimentos, constitudos pelo sangue, tecidos altamente vascularizados, tecido muscular e tecido adi-poso. O compartimento altamente vascularizado o primeiro compartimento extravascular onde a concentrao do frmaco aumenta, visto que o elevado fluxo sangneo recebido favo-rece cineticamente a entrada do frmaco neste compartimento. Entretanto, o tecido muscular e o tecido adiposo freqente-mente exibem maior capacidade de captar o frmaco do que o compartimento altamente vascularizado. Como o tecido adi-poso freqentemente aquele que apresenta maior capacidade de captar um frmaco e um fluxo sangneo mais lento, esse compartimento tambm pode captar uma maior quantidade de frmaco do que os outros compartimentos, porm numa taxa mais lenta.

    A capacidade de um compartimento em captar um frmaco e a taxa de fluxo sangneo para esse compartimento tambm afetam a taxa de sada de frmacos desse compartimento. Os frmacos tendem a sair em primeiro lugar do compartimento altamente vascularizado, seguido do tecido muscular e, por fim, do tecido adiposo. Os frmacos so, em sua maioria, captados em maior ou menor grau por todos esses tecidos, criando um padro complexo e dinmico de mudana das concentraes sangneas ao longo do tempo, que especfico de cada fr-maco. Esse padro tambm pode ser especfico do paciente, dependendo de vrios fatores, como tamanho, idade e nvel de condicionamento fsico. Por exemplo, um paciente de mais idade tipicamente possui menos massa muscular esqueltica do que um paciente mais jovem, diminuindo a contribuio da cap-tao muscular para as mudanas observadas na concentrao plasmtica de um frmaco. Pode-se observar o efeito oposto em um atleta, que com toda probabilidade apresenta massa muscular maior e um fluxo sangneo muscular proporcional

    tambm maior. Como terceiro exemplo, podemos esperar que um indivduo obeso tenha maior capacidade de captao de um frmaco no tecido adiposo.

    METABOLISMO

    Diversos rgos tm a capacidade de metabolizar em certo grau os frmacos atravs de reaes enzimticas que so descritas de modo mais pormenorizado no Cap. 4. Assim, os rins, o trato gastrintestinal, os pulmes, a pele e outros rgos contribuem para o metabolismo sistmico dos frmacos. Entretanto, o fga-do que contm a maior diversidade e quantidade de enzimas metablicas, de modo que a maior parte do metabolismo dos frmacos ocorre nesse rgo. A capacidade do fgado de modifi-car os frmacos depende da quantidade de frmaco que penetra nos hepatcitos. Em geral, os frmacos altamente lipoflicos podem penetrar mais facilmente nas clulas (inclusive nos hepa-tcitos). Em conseqncia, o fgado metaboliza preferencial-mente os frmacos hidrofbicos. Entretanto, o fgado tambm contm numerosos transportadores da superfamlia do SNC, que tambm permitem a entrada de alguns frmacos hidrofli-cos nos hepatcitos. As enzimas hepticas tm a propriedade de modificar quimicamente uma variedade de substituintes nas molculas dos frmacos, tornando os frmacos inativos ou facilitando a sua eliminao. Essas modificaes so designa-das, em seu conjunto, como biotransformao. As reaes de biotransformao so classificadas em dois tipos: as reaes de oxidao/reduo e as reaes de conjugao/hidrlise. (Embora as reaes de biotransformao sejam freqentemente denominadas reaes de Fase I e de Fase II, utilizaremos, neste livro, os termos mais precisos oxidao/reduo e conjugao/hidrlise; ver Cap. 4.)

    REAES DE OXIDAO/REDUOAs reaes de oxidao/reduo modificam a estrutura qumica de um frmaco atravs de oxidao ou reduo. O fgado pos-sui enzimas que facilitam cada uma dessas reaes. A via mais comum, o sistema do citocromo P450 microssomal, medeia um grande nmero de reaes oxidativas. Uma reao oxidativa comum envolve a adio de um grupo hidroxila ao frmaco. Alm disso, preciso assinalar que alguns frmacos so admi-nistrados em sua forma inativa (pr-frmaco), de modo que podem ser alterados metabolicamente forma ativa (frmaco) por reaes de oxidao/reduo no fgado. Essa estratgia de pr-frmaco pode ser utilizada para facilitar a biodisponibili-dade oral, diminuir a toxicidade gastrintestinal e/ou prolongar a meia-vida de eliminao de um frmaco.

    REAES DE CONJUGAO/HIDRLISEAs reaes de conjugao/hidrlise hidrolisam um frmaco ou conjugam o frmaco com uma molcula grande e polar para inativar o frmaco ou, mais comumente, para aumentar a sua solubilidade e excreo na urina ou na bile. Em certas oca-sies, a hidrlise ou a conjugao podem resultar em ativao metablica de pr-frmacos. Os grupos mais comumente adi-cionados incluem glicuronato, sulfato, glutationa e acetato.

    Conforme descrito mais detalhadamente no prximo cap-tulo, os efeitos das reaes de oxidao/reduo e de conjuga-o/hidrlise sobre determinado frmaco tambm dependem da presena de outros frmacos tomados concomitantemente

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    Fase de distribuio

    Fase de eliminao

    Fig. 3.6 Distribuio e eliminao dos frmacos aps administrao intravenosa. Imediatamente aps a administrao intravenosa de um frmaco, a sua concentrao plasmtica declina rapidamente, medida que o frmaco presente no compartimento vascular distribui-se para outros compartimentos do corpo. Esse rpido declnio seguido de um declnio mais lento medida que o frmaco metabolizado e excretado do corpo. Tanto a distribuio quanto a eliminao de um frmaco exibem cintica de primeira ordem, demonstrada pela cintica linear em um grfico semilogartmico.

  • Farmacocintica | 37

    pelo paciente. Certas classes de frmacos, como os barbitricos, so poderosos indutores de enzimas que medeiam reaes de oxidao/reduo; outros frmacos so capazes de inibir essas enzimas. A compreenso dessas interaes medicamentosas constitui um pr-requisito essencial para a dosagem apropriada de associaes de frmacos.

    Os mdicos e os pesquisadores comearam a elucidar o importante papel das diferenas genticas entre indivduos no que concerne aos vrios transportadores e enzimas respons-veis pela absoro, distribuio, excreo e, particularmente, metabolismo dos frmacos. Por exemplo, o complemento de enzimas do citocromo P450 no fgado de um indivduo deter-

    mina a taxa e extenso com que esse indivduo pode metabo-lizar numerosos agentes teraputicos. Esse tpico discutido de modo pormenorizado no Cap. 52.

    EXCREO

    As reaes de oxidao/reduo e de conjugao/hidrlise aumentam a hidrofilicidade de um frmaco hidrofbico e seus metablitos, permitindo que esses frmacos sejam excretados atravs de uma via comum final com frmacos que so intrin-

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    SangueVolumeextravascular

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    Fig. 3.7 Modelo esquemtico de distribuio e eliminao de frmacos. Pode-se utilizar um modelo de farmacocintica em dois compartimentos para descrever a distribuio e a eliminao dos frmacos aps a administrao de dose intravenosa nica. A concentrao do frmaco aumenta rapidamente medida que adicionado ao primeiro compartimento. A. Na ausncia de eliminao, a elevao inicial na concentrao do frmaco seguida de rpido declnio para um novo plat, quando o frmaco equilibra-se (distribui-se) entre os dois compartimentos. B. Se a distribuio do frmaco for limitada ao volume sangneo, a concentrao plasmtica ir declinar mais lentamente medida que o frmaco for eliminado do corpo. Em ambos os casos, medida que a concentrao do frmaco no plasma diminui, as foras que impulsionam a distribuio (A) e a eliminao (B) do frmaco diminuem, e a quantidade absoluta de frmaco distribuda ou eliminada por unidade de tempo diminui. Por conseguinte, a cintica da distribuio e da eliminao aparecem como linhas retas em um grfico semilogartmico, definindo a cintica de primeira ordem. Observe que a meia-vida de eliminao de um frmaco geralmente mais longa que a meia-vida de sua distribuio. C. Quando a distribuio e a eliminao de um frmaco ocorrem simultaneamente, o declnio da concentrao plasmtica do frmaco com o decorrer do tempo representado pela soma dos dois processos. Observe que a curva em (C) a soma dos dois processos de primeira ordem mostrados em (A) e em (B). Nos esquemas apresentados esquerda da figura, o volume no compartimento Sangue representa a concentrao plasmtica do frmaco, enquanto o volume no compartimento Volume extravascular representa a concentrao tecidual, o conta-gotas acima do compartimento Sangue representa a absoro do frmaco na circulao sistmica, e as gotas abaixo do compartimento Sangue representam a eliminao do frmaco por metabolismo e excreo.

  • 38 | Captulo Trs

    secamente hidroflicos. Os frmacos e seus metablitos so, em sua maioria, eliminados do corpo atravs de excreo renal e biliar. A excreo renal constitui o mecanismo mais comum de excreo de frmacos e baseia-se na natureza hidroflica de um frmaco ou seu metablito. Apenas um nmero relativamente pequeno de frmacos excretado primariamente na bile. Mui-tos frmacos de administrao oral sofrem absoro incompleta pelo trato gastrintestinal superior, e o frmaco residual ento eliminado por excreo fecal. De outro modo, os frmacos podem ser excretados em quantidades mnimas atravs das vias respiratria e drmica.

    EXCREO RENALO fluxo sangneo renal representa cerca de 25% do fluxo sangneo sistmico total, assegurando uma contnua exposio de qualquer frmaco presente no sangue aos rins. A taxa de eliminao dos frmacos atravs dos rins depende do equilbrio das taxas de filtrao, secreo e reabsoro de um frmaco (Fig. 3.9). A arterola aferente introduz no glomrulo tanto o frmaco livre (no-ligado) quanto o frmaco ligado s protenas plasmticas. Entretanto, tipicamente, apenas a forma livre do frmaco filtrada no tbulo renal. Por conseguinte, o fluxo sangneo renal, a taxa de filtrao glomerular e a ligao do

    frmaco s protenas plasmticas afetam a quantidade de frma-co que penetra nos tbulos, no nvel do glomrulo. O aumento do fluxo sangneo, o aumento da taxa de filtrao glomerular e a diminuio da ligao s protenas plasmticas causam uma excreo mais rpida dos frmacos. A excreo renal desem-penha um papel na depurao de numerosos frmacos; a van-comicina, o atenolol e a ampicilina esto entre os numerosos exemplos de frmacos em que os rins constituem a principal via de excreo. Esses frmacos podem acumular-se at nveis txicos em pacientes com comprometimento da funo renal e em pacientes idosos (que freqentemente manifestam algum grau de comprometimento renal).

    A concentrao urinria do frmaco aumenta no tbulo pro-ximal, devido difuso passiva das molculas de frmaco sem carga eltrica, difuso facilitada de molculas com carga ou sem carga e secreo ativa de molculas aninicas e catinicas do sangue para o espao urinrio. Em geral, os mecanismos secretrios no so especficos para frmacos; com efeito, a secreo de frmacos tira proveito das semelhanas molecula-res entre o frmaco e substncias de ocorrncia natural, como nions orgnicos (transportados por protenas da famlia dos OAT organic anion transporte) e ctions orgnicos (trans-portados por protenas da famlia dos OCT organic cation transporte). A penicilina fornece um exemplo de frmaco que eliminado, em grande parte, por transporte ativo no tbulo proximal. A extenso da ligao s protenas plasmticas parece

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    part

    imen

    toSangue

    Tecidoadiposo

    Msculo

    CAV

    Fig. 3.8 Modelo de distribuio dos frmacos em quatro compartimentos.Aps a administrao de uma injeo intravenosa direta, o frmaco liberado em vrios tecidos atravs da circulao sistmica. No incio, a concentrao do frmaco maior no compartimento vascular (sangue); entretanto, subseqentemente, a concentrao sangnea cai rapidamente medida que o frmaco se distribui para os diferentes compartimentos teciduais. Os tecidos altamente vascularizados (isto , os tecidos supridos pela maior frao do dbito cardaco) so geralmente os primeiros a acumular o frmaco. Entretanto, os compartimentos teciduais tambm variam na sua capacidade de captar os frmacos. Como a massa do compartimento muscular maior que a do compartimento altamente vascularizado (CAV), o compartimento muscular tem maior capacidade de ligao. Entretanto, como os msculos so menos adequadamente perfundidos do que o compartimento vascular, esse efeito s se manifesta quando o frmaco comea a distribuir-se para o CAV.O compartimento mais precariamente perfundido o tecido adiposo; todavia, esse compartimento o que exibe maior capacidade de acumular frmacos. O nvel mximo do frmaco no compartimento do tecido adiposo no to alto quanto aquele observado no compartimento muscular, visto que uma quantidade significativa do frmaco foi eliminada por metabolismo e excreo antes de o compartimento adiposo comear a acumular o frmaco. Uma vez concluda a administrao de um frmaco, observa-se o padro inverso o frmaco deixa em primeiro lugar o compartimento altamente vascular e, a seguir, os compartimentos muscular e do tecido adiposo, respectivamente.

    Arterolaaferente

    Arterolaeferente

    Frmaco nosangue

    Tbuloproximal

    Capilarperitubular

    Reabsoro Tubular

    SecreoTubular

    Urina

    FiltraoGlomerular

    12

    3

    4

    Fig. 3.9 Filtrao, secreo e reabsoro dos frmacos no rim. Os frmacos podem ser (1) filtrados no glomrulo renal, (2) secretados no tbulo proximal, (3) reabsorvidos a partir da luz tubular e transportados de volta ao sangue, e (4) excretados na urina. O equilbrio relativo das taxas de filtrao, secreo e reabsoro que determina a cintica de eliminao dos frmacos pelos rins. O aumento do fluxo sangneo, o aumento da taxa de filtrao glomerular e a diminuio da ligao s protenas plasmticas causam uma excreo mais rpida do frmaco, visto que todas essas alteraes resultam em aumento da filtrao do frmaco no glomrulo. Alguns frmacos, como a penicilina, so secretados ativamente no tbulo proximal. Embora a reabsoro possa diminuir a taxa de eliminao de um frmaco, muitos frmacos sofrem seqestro pelo pH no tbulo distal e, portanto, so excretados eficientemente na urina. Para os frmacos que dependem do rim para a sua eliminao, a presena de comprometimento da funo renal pode resultar em concentraes plasmticas mais altas do frmaco, de modo que preciso modificar a dose e a freqncia de administrao desses frmacos.

  • Farmacocintica | 39

    exercer um efeito relativamente pequeno sobre a secreo do frmaco no tbulo proximal, visto que os transportadores alta-mente eficientes que medeiam a secreo tubular ativa remo-vem rapidamente o frmaco livre (no-ligado) dos capilares peritubulares, alterando, portanto, o equilbrio entre o frmaco livre e o frmaco ligado s protenas nesses locais.

    A concentrao urinria de um frmaco pode declinar com a sua reabsoro nos tbulos proximais e distais. A reabsoro limitada primariamente atravs de seqestro pelo pH, con-forme descrito anteriormente. Tipicamente, o lquido tubular renal cido no tbulo proximal e alm dele, o que tende a favo-recer o seqestro da forma inica das bases fracas. Como essa regio do tbulo contm protenas transportadoras que diferem daquelas encontradas nos segmentos anteriores do nfron, as formas inicas de um frmaco resistem reabsoro por difu-so facilitada, com conseqente aumento de sua excreo. Areabsoro de frmacos no tbulo pode ser intensificada ou inibida por um ajuste qumico do pH urinrio. A mudana na velocidade do fluxo urinrio atravs dos tbulos tambm pode modificar a taxa de reabsoro de frmacos. Um aumento do dbito urinrio tende a diluir a concentrao do frmaco no tbulo e a diminuir o tempo durante o qual pode ocorrer difuso facilitada; ambos os efeitos tendem a diminuir a reabsoro de frmacos. Por exemplo, a aspirina um cido fraco, que excretado pelos rins. A overdose de aspirina tratada pela administrao de bicarbonato de sdio para alcalinizar a urina (e, assim, seqestrar a aspirina no tbulo) e pelo aumento do fluxo urinrio (diluindo, assim, a concentrao tubular do fr-maco). Ambas as manobras clnicas resultam em eliminao mais rpida do frmaco.

    EXCREO BILIARA reabsoro de frmacos tambm desempenha um importante papel na excreo biliar. Alguns frmacos so secretados pelo fgado na bile por intermdio de membros da famlia de trans-portadores do conjunto de ligao do ATP (ABC, ATP binding cassette), que inclui sete famlias de protenas, como a famlia de resistncia a mltiplos frmacos (MDR, multidrug resis-tance). Como o ducto biliar desemboca no trato gastrintestinal no duodeno, esses frmacos devem passar por toda a extenso do intestino delgado e do intestino grosso antes de serem elimi-nados. Em muitos casos, esses frmacos sofrem circulao ntero-heptica, em que so reabsorvidos no intestino del-gado e subseqentemente retidos na circulao porta e, a seguir, na circulao sistmica. Certos frmacos, como os hormnios esterides, a digoxina e alguns agentes quimioterpicos para o cncer, so excretados, em grande parte, na bile.

    APLICAES CLNICAS DA FARMACOCINTICA

    As interaes dinmicas entre a absoro, a distribuio, o metabolismo e a excreo de um frmaco determinam a sua concentrao plasmtica e estabelecem a capacidade do fr-maco de alcanar o seu rgo-alvo numa concentrao efetiva. Com freqncia, a durao desejada da terapia farmacolgica maior do que a que pode ser obtida por uma dose nica, tor-nando necessrio o uso de mltiplas doses para proporcionar concentraes plasmticas relativamente constantes do frmaco dentro dos limites de sua eficcia e toxicidade. Os resultados dos estudos clnicos de frmacos em fase de desenvolvimento, bem como a experincia clnica com frmacos aprovados pela

    FDA, sugerem que sejam alcanados nveis-alvo do frmaco no plasma de um paciente de constituio mdia. Entretanto, a farmacocintica e outras diferenas entre pacientes (como presena de doena e perfil farmacogentico) tambm devem ser consideradas no planejamento de um esquema posolgico de um frmaco ou associao de frmacos para determinado paciente.

    DEPURAOA depurao de um frmaco o parmetro farmacocintico que limita mais significativamente o tempo de ao do frmaco em seus alvos moleculares, celulares e orgnicos. A depura-o pode ser conceituada de duas maneiras complementares. Em primeiro lugar, definida como a taxa de eliminao de um frmaco do corpo em relao concentrao plasmtica do frmaco. Alternativamente, a depurao a taxa qual o plasma teria que ser depurado do frmaco para justificar a cin-tica da mudana observada na quantidade total do frmaco no corpo, partindo do princpio de que todo o frmaco no corpo est presente na mesma concentrao que a do plasma. Por conseguinte, a depurao expressa em unidades de volume/tempo, da seguinte maneira:

    [ ]Depurao

    Metabolismo Excreo

    Frmaco plasma=

    + Equao 3.5

    onde o metabolismo e a excreo so expressos na forma de taxas (quantidade/tempo).

    Apesar de o metabolismo e a excreo serem processos fisio-lgicos distintos, o parmetro farmacolgico final equivalente uma reduo dos nveis circulantes do frmaco ativo. Assim, o metabolismo e a excreo so freqentemente designados, em seu conjunto, como mecanismos de depurao, e os princpios de depurao podem ser aplicados a ambos:

    = +Depurao Depurao Depurao

    Depurao

    total renal heptica

    outra+ Equao 3.6

    Cintica do Metabolismo e da ExcreoA taxa de metabolismo e excreo de um frmaco por um rgo limitada pela taxa de fluxo sangneo deste rgo. A maioria dos frmacos exibe cintica de primeira ordem quando esses frmacos so utilizados em doses teraputicas padres, isto , a quantidade de frmaco que metabolizado ou excretado em determinada unidade de tempo diretamente proporcional concentrao do frmaco na circulao sistmica nesse exato momento. Como os mecanismos de depurao da maioria dos frmacos no esto saturados em circunstncias normais, os aumentos na concentrao plasmtica de um frmaco so con-trabalanados por aumentos na taxa de metabolismo e excreo (ver Equao 3.5). A taxa de eliminao de primeira ordem (em que a eliminao inclui tanto o metabolismo quanto a excreo) segue a cintica de Michaelis-Menten:

    EV C

    K Cm=

    +

    mx. Equao 3.7

    onde Vmx. a taxa mxima de eliminao do frmaco, Km a concentrao do frmaco na qual a taxa de eliminao Vmx.,C a concentrao do frmaco no plasma, e E a taxa de elimina-o (Fig. 3.10). Como a eliminao habitualmente um processo de primeira ordem, um grfico semilogartmico da concentrao

  • 40 | Captulo Trs

    plasmtica do frmaco versus tempo tipicamente mostra uma linha reta durante a fase de eliminao (ver Fig. 3.6).

    Um pequeno nmero de frmacos (por exemplo, fenito-na) e substncias de abuso (por exemplo, etanol) exibem uma cintica de saturao, em que os mecanismos de depurao tornam-se saturados na concentrao teraputica da substncia ou prximo a ela. Quando ocorre saturao, a taxa de depu-rao no consegue aumentar com concentraes plasmticas crescentes do frmaco ou da substncia. Com efeito, a taxa de depurao permanece constante (uma caracterstica da cintica de ordem zero, mais do que da cintica de primeira ordem), a despeito do aumento dos nveis plasmticos do frmaco ou da droga. Isso pode resultar em concentraes plasmticas peri-gosamente elevadas, que podem causar efeitos txicos (ou at mesmo letais).

    O grau de contribuio de um rgo para a depurao de um frmaco quantificado pela sua relao de extrao, que compara os nveis do frmaco no plasma imediatamente antes de sua entrada e logo aps a sua sada do rgo:

    C CExtrao interna externa=

    internaC Equao 3.8

    onde C = concentrao. Espera-se que um rgo que contribui significativamente para a depurao de frmacos tenha uma maior relao de extrao (mais prximo de 1) do que um rgo que no participa significativamente na depurao de frmacos (mais prximo de zero). Por exemplo, a relao de extrao do fgado apresenta-se elevada para os frmacos com metabolismo de primeira passagem significativo, enquanto a relao de extrao do crebro tambm est elevada para os bar-bitricos intravenosos, que so utilizados para rpida induo da anestesia geral (ver Cap. 15).

    MEIA-VIDAAo diminuir a concentrao do frmaco ativo no sangue, o metabolismo e a excreo de frmacos reduzem o tempo

    durante o qual um frmaco capaz de atuar sobre um rgo-alvo. A meia-vida de eliminao de um frmaco definida como o tempo durante o qual a concentrao do frmaco no plasma diminui para a metade de seu valor original. O conhe-cimento da meia-vida de eliminao de um frmaco permite ao mdico calcular a freqncia de doses necessria para manter a concentrao plasmtica do frmaco dentro da faixa terapu-tica (ver adiante). Existem muitos fatores que potencialmente confundem em qualquer situao clnica, e conveniente aqui considerar o caso mais simples. Como os frmacos so, em sua maioria, eliminados de acordo com a cintica de primeira ordem, o corpo freqentemente pode ser considerado como um nico compartimento, com um volume equivalente ao volume de distribuio. Nesse modelo, a meia-vida (t1/2) de eliminao depende apenas do volume de distribuio e da depurao do frmaco:

    tVd

    1 2

    0 693=

    ,

    Depurao Equao 3.9

    onde Vd o volume de distribuio e 0,693 uma aproximao de 1n 2.Por conseguinte, todos os fatores anteriormente delineados,

    que afetam o volume de distribuio e a depurao de um fr-maco, tambm afetam a meia-vida desse frmaco. Uma dimi-nuio na depurao ou um aumento no volume de distribuio de um frmaco tendem a prolongar a meia-vida de eliminao e, portanto, a potencializar o efeito do frmaco sobre o rgo-alvo. A meia-vida deve ser cuidadosamente considerada no planeja-mento de qualquer esquema posolgico, visto que os efeitos de um frmaco com meia-vida longa podem durar vrios dias. Por exemplo, a meia-vida da cloroquina de mais de 1 semana, e a da amiodarona, de quase 1 ms.

    Fatores que Alteram a Meia-Vida preciso considerar as alteraes fisiolgicas e patolgicas do volume de distribuio para determinar a dose apropriada de um frmaco, bem como o intervalo entre as doses (Quadro 3.5). Com o processo de envelhecimento, a massa muscular esqueltica diminui, o que pode diminuir o volume de distri-buio. Em contrapartida, um indivduo obeso apresenta um aumento na capacidade de captao de um frmaco pelo tecido adiposo, e, para um frmaco que se distribui na gordura, pode ser necessrio administrar uma dose mais alta para alcanar nveis plasmticos teraputicos do frmaco. Como terceiro exemplo, se a dose de um frmaco for baseada no peso corpo-ral, porm o compartimento de tecido adiposo no capta esse frmaco, podem ser alcanados nveis potencialmente txicos numa pessoa obesa. Por fim, alguns frmacos podem distribuir-se preferencialmente em espaos lquidos patolgicos, como ascite ou derrame pleural, causando toxicidade a longo prazo se a dose do frmaco no for ajustada de acordo.

    Os processos fisiolgicos e patolgicos tambm podem afe-tar a depurao dos frmacos. Por exemplo, as enzimas do citocromo P450 responsveis pelo metabolismo dos frmacos no fgado podem ser induzidas, aumentando a taxa de inati-vao dos frmacos, ou inibidas, diminuindo a taxa de inati-vao. As enzimas P450 especficas so induzidas por alguns frmacos (como a carbamazepina, a fenitona, a prednisona e a rifampicina) e inibidas por outros (como a cimetidina, o cipro-floxacino, o diltiazem e a fluoxetina). Consulte o Quadro 4.3 para lista extensa de indutores e inibidores de enzimas espe-cficas. A falncia de um rgo constitui outro fator crtico na

    Concentrao plasmtica do frmaco

    Taxa

    de

    elim

    ina

    o d

    o f

    rmac

    o

    Vmx.

    Km

    Vmx.2

    Fig. 3.10 Cintica de Michaelis-Menten. Tipicamente, a eliminao de um frmaco obedece cintica de Michaelis-Menten (de primeira ordem). A taxa de eliminao de um frmaco aumenta medida que a sua concentrao plasmtica aumenta, at que os mecanismos de eliminao fiquem saturados e alcancem uma taxa de eliminao mxima (Vmx.) em concentraes plasmticas altas. Km (a constante de Michaelis-Menten) a concentrao do frmaco em que a taxa de eliminao do frmaco 1/2 Vmx..

  • Farmacocintica | 41

    via subcutnea (bomba contnua ou implante), oral (comprimi-dos de liberao prolongada) e outras vias de administrao, conforme descrito de modo mais pormenorizado no Cap. 54. Todavia, em muitos casos, o esquema posolgico tambm deve levar em considerao a convenincia do paciente. Podem-se administrar doses pequenas e freqentes (habitualmente por via oral) para obter uma variao mnima na concentrao plasm-tica do frmaco no estado de equilbrio dinmico, porm essa estratgia sujeita o paciente inconvenincia de uma admi-nistrao freqente do frmaco. As doses administradas com menos freqncia exigem o uso de doses mais altas e resultam em maiores flutuaes nos nveis mximo e mnimo do frma-co; esse tipo de esquema mais conveniente para o paciente, mas tambm tem mais tendncia a causar problemas, devido a nveis excessivos (txicos) ou insuficientes (subteraputicos) do frmaco (Fig. 3.12).

    Tipicamente, os esquemas posolgicos timos mantm a concentrao plasmtica do frmaco no estado de equilbrio dinmico dentro da janela teraputica desse frmaco. Como o estado de equilbrio dinmico alcanado quando a taxa de aporte do frmaco igual sua eliminao, a concentrao do frmaco no estado de equilbrio dinmico afetada pela sua biodisponibilidade, depurao, dose e intervalo entre as doses (freqncia de administrao):

    Cestado de equilbriodinmico dosagem

    Biodisponibilidade Dose

    Intervalo Depurao=

    Equao 3.10

    onde C a concentrao plasmtica do frmaco.Imediatamente aps iniciar uma terapia farmacolgica, a

    taxa de entrada do frmaco no corpo (kinterna) muito maior do que a sua taxa de eliminao (kexterna); em conseqncia, a concentrao do frmaco no sangue aumenta. medida que a concentrao plasmtica do frmaco aumenta, a sua taxa de eliminao tambm aumenta, porm essa taxa proporcional concentrao plasmtica do frmaco. O estado de equilbrio dinmico alcanado quando as duas taxas (kinterna e kexterna) tor-nam-se iguais. Como kinterna uma constante, a abordagem para o estado de equilbrio dinmico governada pela kexterna, a taxa combinada de todos os mecanismos de depurao de frmacos. (kexterna tambm pode ser denominada ke, isto , a taxa combi-nada de eliminao de frmacos.) Na maioria dos esquemas posolgicos, os nveis de frmacos acumulam-se depois de cada dose sucessiva, e o estado de equilbrio dinmico s alcanado quando a quantidade de frmaco que entra no sistema igual quantidade que est sendo removida desse sistema (ver Fig. 3.11). Em nvel clnico, preciso lembrar desse princpio quan-do se modifica o esquema posolgico, visto que devem ocorrer pelo menos quatro a cinco meias-vidas de eliminao para que seja alcanado o novo estado de equilbrio dinmico.

    A concentrao plasmtica no estado de equilbrio dinmi-co tambm pode ser alterada pela adio de outro frmaco ao esquema farmacolgico de um paciente. No caso do Sr. W, a adio de sulfametoxazol-trimetoprim inibiu o metabolismo da varfarina, diminuindo a taxa de depurao desta ltima e fazen-do com que a concentrao no estado de equilbrio dinmico atingisse nveis suprateraputicos. Esse efeito foi exacerbado pela intoxicao aguda do Sr. W por etanol, que tambm inibe o metabolismo da varfarina. Pressupondo que o peso corporal do Sr. W seja de aproximadamente 70 kg, que esteja tomando 5 mg de varfarina a cada 24 horas e que a biodisponibilidade da varfarina seja de 0,93, possvsel calcular ento a concentrao

    QUADRO 3.5 Fatores que Afetam a Meia-Vida de um Frmaco

    FATORES QUE AFETAM A MEIA-VIDAEFEITO MAIS COMUM SOBRE A MEIA-VIDA

    Efeitos sobre o Volume de DistribuioEnvelhecimento (diminuio da massa muscular diminuio da distribuio)

    Diminuio

    Obesidade (aumento da massa adiposa aumento da distribuio)

    Aumento Lquido patolgico (aumento da distribuio)

    Aumento

    Efeitos sobre a DepuraoInduo do citocromo P450 (aumento do metabolismo)

    Diminuio Inibio do citocromo P450 (diminuio do metabolismo)

    AumentoInsuficincia cardaca (diminuio da depurao)

    Aumento Insuficincia heptica (diminuio da depurao)

    AumentoInsuficincia renal (diminuio da depurao)

    Aumento

    determinao dos esquemas posolgicos apropriados. Assim, a insuficincia heptica pode alterar a funo das enzimas hep-ticas e tambm diminuir a excreo biliar. A reduo do dbito cardaco diminui a quantidade de sangue que alcana os rgos de depurao. A insuficincia renal diminui a excreo dos fr-macos, devido reduo da filtrao e secreo de frmacos nos tbulos renais (ver Boxe 3.1). Em resumo, a insuficin-cia heptica, a insuficincia cardaca e a insuficincia renal podem, cada uma delas, levar a uma reduo da capacidade de inativao ou eliminao de um frmaco, aumentando, assim, a sua meia-vida de eliminao.

    DOSAGEM TERAPUTICA E FREQNCIA Os princpios bsicos de farmacocintica absoro, dis-tribuio, metabolismo e excreo influenciam, cada um deles, o planejamento de um esquema posolgico timo de um frmaco. A absoro determina a via ou vias potenciais de administrao e ajuda a definir a dose ideal do frmaco. Em geral, um frmaco que sofre acentuada absoro eviden-ciada pela sua alta biodisponibilidade necessita de uma dose mais baixa do que um frmaco pouco absorvido. (Todavia, importante assinalar que o determinante mais importante da dose de um frmaco a potncia desse frmaco; ver Cap. 2.) Em contrapartida, um frmaco de alta distribuio evi-denciada por um grande volume de distribuio necessita de uma dose mais alta. A taxa de eliminao de um frmaco influencia a sua meia-vida e, portanto, determina a freqncia de doses necessria para manter nveis plasmticos teraputicos do frmaco.

    Em geral, a dosagem teraputica de um frmaco procura manter a concentrao plasmtica mxima do frmaco abaixo da concentrao txica e a concentrao mnima (mais baixa) do frmaco acima de seu nvel minimamente efetivo (Fig. 3.11). Isso pode ser obtido de modo mais eficiente atravs de liberao contnua do frmaco por via intravenosa (infuso contnua),

  • 42 | Captulo Trs

    plasmtica inicial da varfarina no estado de equilbrio dinmico da seguinte maneira:

    Cestado de equilbriodinmico

    mg

    h 0,192 L hmg L=

    =

    0 93 5

    241 01

    ,,

    onde o valor de depurao de 0,192 L/hora determinado a partir da meia-vida e do volume de distribuio do frmaco (ver Equaes 3.9 e 3.10). Quando a depurao da varfarina foi reduzida pela adio de sulfametoxazol-trimetoprim e etanol, a concentrao plasmtica de varfarina no estado de equilbrio dinmico aumentou, atingindo nveis txicos.

    Dose de AtaqueAps a administrao de um frmaco por qualquer via, a concentrao plasmtica do frmaco aumenta inicialmente. Aseguir, a distribuio do frmaco do compartimento vascular (sangneo) para os tecidos corporais resulta em diminuio da

    concentrao srica desse frmaco. A taxa e a extenso dessa reduo so significativas para frmacos com altos volumes de distribuio. Se a dose administrada do frmaco no levar em considerao esse volume de distribuio, considerando apenas o volume sangneo, os nveis teraputicos do frmaco no sero alcanados rapidamente. Com freqncia, so administra-das doses iniciais (de ataque) de um frmaco para compensar sua distribuio nos tecidos. Essas doses podem ser muito mais altas do que as necessrias se o frmaco fosse retido no compar-timento intravascular. As doses de ataque podem ser utilizadas para obter nveis teraputicos do frmaco (isto , nveis na concentrao desejada no estado de equilbrio dinmico) com apenas uma ou duas doses do frmaco:Doseataque estado de equilbrio dinmico= V Cd Equao 3.11onde Vd o volume de distribuio e C a concentrao plasmtica no estado de equilbrio dinmico desejada do fr-maco.

    Numerosos frmacos so excretados pelos rins, e a reduo da depurao de creatinina que acompanha a doena renal crnica freqentemente exige um ajuste da dose ou o uso de um frmaco diferente. Consideremos o seguinte contexto.

    O Sr. R um homem de 59 anos de idade com diabetes melito, hipertenso e doena renal crnica (depurao de creatinina < 10 mL/min). Foi submetido a hemodilise durante 5 anos. Uma noite, internado no hospital com febre e hipotenso. A suposta fonte de infeco o cateter venoso central utilizado para hemodilise. So obtidas hemoculturas do cateter e de um local perifrico. Acolorao pelo mtodo de Gram da ponta do cateter notvel pela presena de cocos Gram-positivos, e o tratamento emprico iniciado com vancomicina e gentamicina. A cultura identifica finalmente Staphylococcus aureus resistente meticilina (SARM).

    A doena renal pode resultar em numerosas alteraes fisiolgicas que afetam a farmacocintica de um frmaco. Por exemplo, em pacientes com edema, derrame pleural ou ascite, observa-se um aumento no volume de distribuio dos frmacos altamente hidrossolveis ou ligados s protenas. A conseqncia farmacolgica mais preocupante da insuficincia renal o seu efeito sobre a depurao dos frmacos. As concentraes plasmticas de frmacos que possuem ndices teraputicos estreitos e que so predominantemente depurados pelos rins, como a gentamicina e o metotrexato, podem alcanar nveis txicos prolongados quando administrados em doses convencionais a pacientes com insuficincia renal. Por conseguinte, as doses desses frmacos devem ser reduzidas proporcionalmente extenso do comprometimento renal. A funo renal mais comumente medida pela depurao da creatinina. Entretanto, o uso do nvel plasmtico de creatinina para estabelecer a presena de uma funo renal normal pode ser enganoso, visto que a creatinina plasmtica pode cair dentro da faixa normal em pacientes idosos ou debilitados com insuficincia renal leve a moderada, em conseqncia da massa muscular diminuda. Pressupor que esses pacientes tm uma funo renal normal pode levar a overdosesgraves e ao acmulo txico de frmacos.

    A insuficincia renal tambm pode alterar a farmacodinmica de alguns frmacos. Os sais de potssio, os diurticos poupadores

    BOXE 3.1 Aplicao da Tomada de Deciso Teraputica: Uso de Frmacos na Doena Renal Crnica por Vivian Gonzalez Lefebre e Robert H. Rubin

    de potssio, os agentes antiinflamatrios no-esterides (AINE) e os inibidores da ECA tm mais tendncia a causar hipercalemia em pacientes com disfuno renal. Os diurticos tiazdicos tendem a ser ineficazes em pacientes com taxa de filtrao glomerular inferior a 30 mL/min, visto que esses frmacos devem ser secretados pelo rim para atuar na membrana luminal dos tbulos renais. Consulte o Cap. 20 para uma reviso da fisiologia e da farmacologia dos diurticos.

    Como a doena renal crnica do Sr. R afeta a escolha e a posologia de um esquema antibitico seguro e efetivo para a sua infeco? As complicaes infecciosas constituem uma fonte de considervel morbidade e uma causa comum de morte entre pacientes submetidos a dilise. Os microrganismos Gram-positivos, incluindo S. aureus, so responsveis pela maioria das infeces relacionadas com cateteres. Como a septicemia constitui uma emergncia teraputica, o tratamento emprico no deve ser adiado enquanto se aguardam os resultados de cultura. Subseqentemente, a terapia pode ser modificada uma vez obtidos os resultados de cultura e antibiograma. Nesse caso, o tratamento emprico consiste em vancomicina e gentamicina para cobertura de amplo espectro dos microrganismos Gram-positivos e Gram-negativos. A gentamicina, um aminoglicosdio, freqentemente utilizada no tratamento de infeces causadas por bacilos Gram-negativos. eliminada pelo rim e removida efetivamente por hemodilise e, portanto, costuma ser administrada imediatamente aps uma seo de hemodilise. No caso do Sr. R, a gentamicina deveria ser interrompida aps obteno dos resultados de cultura, revelando a presena de SARM. O glicopeptdio tricclico vancomicina o antibitico de escolha para infeces causadas por SARM. A vancomicina depurada pelos rins; todavia, ao contrrio da gentamicina, que uma pequena molcula, no removida pela hemodilise convencional. Nos indivduos com funo renal normal, o intervalo entre as doses de vancomicina de 12 horas. Na presena de doena renal grave, como nesse caso descrito, os nveis teraputicos do frmaco podem persistir por 7 dias aps uma dose intravenosa nica, permitindo um tratamento ambulatorial conveniente quando o paciente estiver hemodinamicamente estvel.

  • Farmacocintica | 43

    2,0

    1,5

    1,0

    0,5

    0

    Con

    cent

    ra

    o pl

    asm

    tic

    a do

    frm

    aco

    A Dosagem Teraputica

    2,8

    2,1

    1,4

    0,7

    0

    C Dosagem Txica

    Dias Dias

    0 3 6 9 120 3 6 9 12

    Primeira dose

    Con

    cent

    ra

    o pl

    asm

    tic

    a do

    frm

    aco

    Con

    cent

    ra

    o pl

    asm

    tic

    a do

    frm

    aco

    B Dosagem Teraputica com Dose de Ataque

    D Dosagem Subteraputica

    2,0

    1,5

    1,0

    0,5

    0

    2,0

    1,5

    1,0

    0,5

    Primeira dose

    0

    0 3 6 9 12

    Dias Dias

    0 3 6 9 12

    Primeira dose Primeira dose

    Faixa txica

    Faixa teraputica

    Faixa subteraputica

    Faixa txica

    Faixa teraputica

    Faixa subteraputica

    Faixa txica

    Faixa teraputica

    Faixa subteraputica

    Faixa txica

    Faixa teraputica

    Faixa subteraputica

    Con

    cent

    ra

    o pl

    asm

    tic

    a do

    frm

    aco

    Fig. 3.11 Dosagens teraputicas, subteraputicas e txicas de um frmaco. Do ponto de vista clnico, as concentraes de um frmaco no plasma podem ser divididas em faixas subteraputicas, teraputicas e txicas. A maioria dos esquemas de dosagem de frmacos tem por objetivo manter o frmaco em concentraes dentro da faixa teraputica (descrita como janela teraputica). A. Tipicamente as primeiras doses de um frmaco so subteraputicas at haver equilbrio do frmaco na sua concentrao no estado de equilbrio dinmico (so necessrias aproximadamente quatro meias-vidas de eliminao para atingir o estado de equilbrio dinmico). A dosagem apropriada do frmaco e a freqncia entre as doses resultam em nveis do frmaco em estado de equilbrio dinmico que so teraputicos, e as concentraes mxima e mnima do frmaco permanecem dentro da janela teraputica. B. Se a dose inicial (de ataque) for maior do que a dose de manuteno, o frmaco ir atingir concentraes teraputicas mais rapidamente. A magnitude da dose de ataque determinada pelo volume de distribuio do frmaco. C. As doses de manuteno excessivas ou uma maior freqncia de doses resultam em acmulo e toxicidade do frmaco. D. As doses de manuteno ou a freqncia de doses insuficientes resultam em concentraes subteraputicas do frmaco no estado de equilbrio dinmico. Em todos os quatro painis, o frmaco administrado uma vez ao dia, distribui-se muito rapidamente pelos vrios compartimentos corporais e eliminado de acordo com a cintica de primeira ordem.

    Tempo

    Faixa teraputica

    Con

    cent

    ra

    o pl

    asm

    tic

    a do

    frm

    aco

    (mg/

    L)

    2

    4

    6

    00

    8

    Infuso contnua

    Doses grandes infreqentes

    Doses pequenas freqentes

    Fig. 3.12 As flutuaes na concentrao de um frmaco no estado de equilbrio dinmico dependem da freqncia entre as doses. Pode-se obter a mesma concentrao plasmtica mdia de um frmaco no estado de equilbrio dinmico com o uso de uma variedade de doses e intervalos entre as doses diferentes. No exemplo apresentado, a mesma quantidade total de um frmaco administrada por trs esquemas posolgicos diferentes: infuso contnua, doses pequenas freqentes e doses grandes infreqentes. A curva contnua representa o efeito de uma infuso contnua do frmaco. A administrao descontnua do frmaco resulta em flutuaes acima e abaixo da curva de infuso contnua. Observe que todos os trs esquemas posolgicos apresentam a mesma concentrao plasmtica do frmaco de tempo mdio no estado de equilbrio dinmico (4 mg/L), enquanto os esquemas descontnuos resultam em valores mximos e mnimos acima e abaixo da concentrao-alvo do frmaco. Se esses valores mximos e mnimos estiverem acima ou abaixo dos limites da janela teraputica (como no esquema de doses grandes infreqentes), o desfecho clnico pode ser afetado adversamente. Por esse motivo, os esquemas com pequenas doses freqentes so, em geral, mais eficazes e mais bem tolerados do que os esquemas de doses grandes infreqentes. Todavia, essa preocupao deve ser ponderada com a convenincia dos esquemas de doses menos freqentes (por exemplo, uma vez ao dia) (e a melhor aderncia do paciente a esse esquema).

  • 44 | Captulo Trs

    Na ausncia de uma dose de ataque, so necessrias quatro a cinco meias-vidas de eliminao para que um frmaco atinja um equilbrio entre a sua distribuio tecidual e a concentra-o plasmtica. O uso de uma dose de ataque contorna esse processo, visto que proporciona uma quantidade suficiente do frmaco para atingir concentraes apropriadas (teraputicas) do frmaco no sangue e nos tecidos depois da administrao de apenas uma ou duas doses. Por exemplo, a lidocana possui um volume de distribuio de 77 L em uma pessoa de 70 kg. Pressupondo a necessidade de uma concentrao plasmtica no estado de equilbrio dinmico de 3,5 mg/L para controlar as arritmias ventriculares, a dose de ataque apropriada de lidoca-na para essa pessoa pode ser calculada da seguinte maneira:Doseataque = 77 L 3,5 mg/L = 269,5 mg

    Dose de ManutenoUma vez alcanada a concentrao plasmtica do frmaco no estado de equilbrio dinmico, e uma vez estabelecido um equilbrio entre as concentraes do frmaco nos tecidos e no plasma, as doses subseqentes s precisam repor a quantidade de frmaco que perdida atravs do metabolismo e da excreo. A dose de manuteno de um frmaco depende de sua depu-rao, de acordo com o princpio de que a taxa de entrada = taxa de sada no estado de equilbrio dinmico:

    = Dose Depuraomanuteno estado de equilbriodinmico

    C Equao 3.12

    A administrao de uma dose maior do que a dose de manu-teno calculada dever fornecer um aporte do frmaco maior do que a sua depurao, podendo ocorrer acmulo nos tecidos at atingir nveis txicos. No caso do Sr. W, a dose de manu-teno calculada para a varfarina a seguinte:

    = =

    Dose L h mg L

    0,194 mg h mg dia

    manuteno = 0,192 1 01

    4 65

    . ,

    ,

    Por conseguinte, a dose de manuteno apropriada para o Sr. W de 4,65 mg/dia. Como a biodisponibilidade da varfarina de apenas 93%, o Sr. W deve tomar 5 mg/dia para manter uma concentrao plasmtica adequada no estado de equil-brio dinmico. (Observe tambm que, como a varfarina possui um baixo ndice teraputico, e a presena de nveis txicos do frmaco pode resultar em hemorragia potencialmente fatal, a atividade biolgica da varfarina deve ser cuidadosamente moni-torizada atravs de uma medida peridica da INR.)

    No caso de um pequeno nmero de frmacos, a capaci-dade do corpo de eliminar o frmaco (por exemplo, atravs de metabolismo heptico) pode tornar-se saturada em nveis plasmticos teraputicos ou apenas ligeiramente supraterapu-ticos do frmaco. Nesses casos, a cintica de eliminao do frmaco pode mudar de primeira ordem para a ordem zero (tam-bm denominada cintica de saturao; ver anteriormente). Aadministrao contnua de um frmaco resulta em seu rpido acmulo no plasma, e as concentraes do frmaco podem atin-gir nveis txicos (Fig. 3.13).

    Concluso e Perspectivas FuturasEste captulo forneceu uma viso geral dos processos farma-cocinticos de absoro, distribuio, metabolismo e excreo (ADME). A compreenso dos fatores que determinam a capa-cidade de um frmaco de atuar em determinado paciente e da natureza mutvel desses fatores com o decorrer de tempo

    de suma importncia para o uso seguro e eficaz da terapia farmacolgica. importante considerar as equaes-chave que governam as relaes entre dose, depurao e concentrao plasmtica de um frmaco (Quadro 3.6) quando devemos tomar decises teraputicas sobre esquemas farmacolgicos.

    No momento atual, a aplicabilidade clnica da farmacocinti-ca baseia-se principalmente nos efeitos de frmacos que foram observados numa populao de indivduos. Entretanto, existem variaes quase infinitas, tanto importantes quanto secund-rias, e essas variaes influenciam os efeitos da farmacote-rapia. Por exemplo, so observadas diferenas bem definidas na farmacocintica entre indivduos de diferentes idades, sexo, massa corporal, nveis de condicionamento fsico, etnicidade, constituio gentica e estados mrbidos. No caso de alguns frmacos, os progressos na sua monitorizao teraputica per-mitiram a determinao de suas concentraes plasmticas em tempo real. A farmacogenmica realizou uma revoluo ainda mais extraordinria na farmacocintica. Futuramente, a farmacoterapia poder envolver a administrao de frmacos especificamente desenvolvidos para o paciente que ir