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Especial 40 anos FAPESP

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Page 1: Edição Especial - Junho 2002
Page 2: Edição Especial - Junho 2002

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 3

53 Aparecem os resultados

concretos dos investimentos dos últimos dez anos.

Especialmente, o capitalhumano, de primeira linha,e descobertas importantes

21A FAPESP chega aos 40 anosmadura, mais exposta à sociedade,com 20 programas especiais,parcerias sólidas e produção de conhecimento em plena expansão

96Dois documentários feitos dentro de um projeto temático contribuem para resgatar a memória cinematográfica paulistana

79Projetos financiados estão mais dentro da realidadeeconômica e procuram ficar próximos das necessidades da sociedade

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Capa: Hélio de Almeida Fotos: Arquivo Marinez Ferreira de Siqueira, Eduardo Cesar,Fabio Colombini e Nasa

EDITORIAL - CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . .4EDITORIAL - JOSÉ FERNANDO PEREZ . . . . . . . . . . . . . . . .6EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9ARTIGO - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO . . . . . . . . . . . . . .10ARTIGO - GERALDO ALCKMIN . . . . . . .13ARTIGO - ALBERTO CARVALHO DA SILVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16

POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA . . . . . . . . . . . . . . . . .20CRÔNICA - LUIZ HILDEBRANDO . . . . .32AS LUTAS DA COMUNIDADE ACADÊMICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39HISTÓRIAS DA RESISTÊNCIA . . . . . . .45AS VANTAGENS DA DEMOCRACIA . . . .49

CIÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52O BRASIL NA VITRINE . . . . . . . . . . . . .55CATÁLOGO DA BIODIVERSIDADE . . . . .59A PESQUISA NO ATAQUE . . . . . . . . . . .62PARTICIPAÇÃO EM PROJETOS INTERNACIONAIS . . . . . . . . . . . . . . . .65DEPOIMENTO - OSCAR SALA . . . . . . . .68DEDICAÇÃO E CRIATIVIDADE CONTRA ESCASSEZ . . . . . . . . . . . . . . .71APOIO AOS PERSEGUIDOS . . . . . . . . . .74O SALTO NOS ANOS 80 . . . . . . . . . . . . .76

TECNOLOGIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . .78UNIÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA . . .83COMO ESTIMULAR O INVESTIDOR . . .86INTERNET DE ALTA VELOCIDADE . . . .88DEPOIMENTO - JOSÉ ELLIS RIPPER FILHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . .90

HUMANIDADES . . . . . . . . . . . . . . . .92DEPOIMENTO - ANTONIO CANDIDO . . .94TECNOLOGIA E INTERVENÇÃO POPULAR EM ARTES . . . . . . . . . . . . . .99TRABALHO DE ATOR . . . . . . . . . . . . .102O RESGATE DA ÓPERA . . . . . . . . . . . .104

ARTE FINAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106

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4 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

“A ciência está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção industrial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações escravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos”

Lord Rutherford, citado no documento Ciência e Pesquisa – Contribuição

de Homens do Laboratório e da Cátedra à Magna Assembléia Constituinte de São Paulo, que propôs

a criação da FAPESP em 1947

onhecimento é hoje, mais que on-tem, o elemento fundamental para ageração de desenvolvimento das na-ções. Apoiar e desenvolver cada vezmais a geração de conhecimento no

estado de São Paulo é a missão da FAPESP. Mis-são que a fundação vem cumprindo há 40 anos,contribuindo para que no estado – e por exten-são no país – exista hoje um fator de capacitaçãocientífica e tecnológica invejável mesmo para re-ferenciais de nações mais desenvolvidas.

A FAPESP começou a ser criada em 1947,quando um grupo de cientistas de São Paulo le-vou à Assembléia Constituinte uma propostapara a inclusão na Constituição paulista de umartigo prevendo o apoio à pesquisa científicacomo uma das importantes missões do Estado. Aproposta foi acolhida pelo deputado constituinteCaio Prado Júnior e converteu-se no Artigo 271da Constituição estadual. A fundação veio a serinstalada em 1962 através de um decreto-lei pro-mulgado pelo governador Carvalho Pinto. Poste-riormente, em 1989, a nova Constituição do esta-do de São Paulo incluiu o mesmo artigo original,aumentando o valor dos recursos a serem repas-sados anualmente à fundação de 0,5% para 1%da receita tributária paulista.

São Paulo, por meio de sucessivos governosestaduais, vem honrando meticulosamente essedispositivo constitucional, especialmente a par-tir de 1982. A constância dos recursos e sua pre-visibilidade, aliadas à autonomia da fundação,têm permitido que a FAPESP tome iniciativasousadas como a plêiade de novos programascriados a partir de meados dos anos 90, quemarcam um ponto de inflexão em sua história.Ponto de inflexão que só pôde acontecer por-que nas décadas anteriores o Estado brasileiro,através da FAPESP, do CNPq e da Capes, inves-tiu fortemente na formação de uma base acadê-mica capaz de enfrentar os mais sofisticados de-safios científicos e tecnológicos. Some-se a istoo fato de que São Paulo tem sabido reconhecera importância do investimento na geração deconhecimento desde a década de 30 do século20, o que pode ser constatado pela criação detrês grandes e potentes universidades públicasdedicadas à educação superior e à pesquisa: aUniversidade de São Paulo (USP) em 1934, aUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp)em 1966 e a Universidade Estadual Paulista(Unesp) em 1976.

Ao lado da estabilidade do apoio estadual edo contato permanente com a comunidade aca-dêmica paulista e com as demandas e oportuni-dades existentes no Estado, o outro ingredienteessencial para o sucesso da FAPESP é o sistemade análise e seleção de projetos, baseado na uti-lização de assessores ad hoc – com a prerrogati-va da confidencialidade – para todos os proje-tos, sem exceções.

Em constante e intenso contato com a comu-nidade acadêmica paulista e com o poder legisla-tivo e executivo, a FAPESP soube identificar de-mandas e aproveitar oportunidades. Por meio deprogramas mobilizadores, a fundação apresentoudesafios de alto nível e a comunidade acadêmicapaulista soube responder à altura. Assim nasce-ram programas de alta visibilidade como o Ge-noma, o premiado BIOTA, ao lado do não menos

Apoio na busca pelo conhecimentoFundação cumpre seu papel na capacitação científica e tecnológica

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importante Programa dePesquisa em Políticas Públi-cas, que já apoiou mais de160 projetos estabelecendoparcerias entre a academia eórgãos da administração pú-blica em áreas tão relevantescomo saúde pública, ensinopúblico, emprego, seguran-ça, meio ambiente e outras.Ou o Programa de InovaçãoTecnológica em PequenasEmpresas (PIPE), através doqual a FAPESP propiciou,até aqui, que mais de 200 pe-quenas empresas pudessemtransformar conhecimento eidéias em produtos, algumasdelas com sucesso comercialjá consolidado. O Programa de Apoio à Infra-es-trutura de Pesquisa investiu mais de US$ 400 mi-lhões na recuperação e no desenvolvimento dacapacidade de pesquisa no estado, criando condi-ções de infra-estrutura realmente competitivas.

a maioria dos casos, o impacto –econômico, social e acadêmico –desses programas tem sido notá-vel. A Parceria para Inovação emCiência e Tecnologia Aeroespa-

cial (PICTA), por exemplo, foi fator decisivopara que a Embraer – maior exportador brasi-leiro – optasse por instalar no Estado sua segun-da fábrica. A agilidade da FAPESP para criar oPICTA – sempre de acordo com a tradição e amissão institucional da fundação – fez com queas condições oferecidas à empresa por São Pau-lo superassem em atratividade as ofertas de vá-rios outros estados brasileiros. Os projetos con-tratados no PICTA vão fazerde São Paulo um centro degeração de conhecimentoem áreas da ciência e da tec-nologia tão importantes pa-ra a aeronáutica e espaçocomo aerodinâmica ou flui-dodinâmica computacional.

Se o desenvolvimento tec-nológico ou das aplicaçõesda ciência é importante egera visibilidade devido aointeresse da mídia, continuasendo fundamental para aFAPESP o apoio à ciênciaacadêmica, aquela atividadede avanço do conhecimentohumano que é insubstituívelpara o desenvolvimento da

ciência e para a formação dasnovas gerações de cientistas.Desde meados dos anos 90 aFAPESP aumentou significati-vamente seu esforço de apoioà pesquisa acadêmica em SP– FAP-Livros, Infra-estrutura,CEPIDs e as várias modali-dades de auxílio à pesquisa –em todas as áreas do conhe-cimento. Basta citar comoexemplos, programas já tra-dicionais da fundação, comoo de bolsas de mestrado, queteve o número de bolsas au-mentado em 372%, de 1994a 2001, ou o de bolsas dedoutorado, que cresceram por850% no mesmo período.

Neste momento de comemoração, é funda-mental lembrar que por mais que a FAPESPseja determinante para o desenvolvimento dapesquisa em São Paulo, a fundação não tem fei-to isto solitariamente, nem poderia vir a fazê-lo. O apoio à ciência em São Paulo por agênci-as federais como o CNPq, a Capes e a Finep éabsolutamente necessário – na verdade, indis-pensável – e tem sido, ao longo de todas essasdécadas, fator decisivo para o desenvolvimentodo sistema de ciência e tecnologia paulista. Oprincípio federativo determina que esse apoiocontinue, reconhecendo-se inclusive a impor-tância do desenvolvimento cientifico e tecnoló-gico paulista para o amadurecimento social,econômico e cultural do país.

O desenvolvimento brasileiro não poderáprescindir de um substancial aumento de capaci-dade na geração de conhecimento na academia ena empresa. A FAPESP está convencida disto, tem

realizado com sucesso seusobjetivos institucionais e con-tinuará a fazê-lo. Num sécu-lo que se iniciou sob a égideda importância do saberpara o desenvolvimento dasnações, é reconfortante saberque a contribuição da funda-ção tem sido e continuarásendo destacada para que oEstado de São Paulo crie seufuturo com mais justiça so-cial e desenvolvimento.

*Presidente da FAPESP e reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

“Na maioria dos casos, o

impacto – econômico, social

e acadêmico – dos programas criados pela

Fundação, tem sido notável”

“O apoio do CNPq,da Capes e

da Finep tem sido, também, fator

decisivo para o desenvolvimento

do sistema de ciência e tecnologia

paulista”

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s parâmetros de qualidade tradicional-mente utilizados para avaliar uma agênciade fomento à pesquisa são a competênciae a credibilidade de seus processos de ava-liação, a rapidez do processo de tomada

de decisões e de liberação de recursos e, finalmente, oscustos operacionais da instituição. Com base nesses cri-térios, a excelência do desempenho da FAPESP semprefoi reconhecida ao longo de seus 40 anos de existência. Oreconhecimento documentado mais expressivo talvezseja o artigo de Daniel Newlon, então diretor do Pro-grama de Economia da National Science Foundation(NSF), que, ao escrever sobre O estado da arte no finan-ciamento à pesquisa1 começou por redefinir o título deseu trabalho para O estado da arte no financiamento àpesquisa está no Brasil. Segundo Newlon, com base nosindicadores tradicionais apontados acima, nenhumaagência de fomento, incluindo a própria NSF, “does abetter job than FAPESP”.

Nos dias de hoje, porém, o papel a ser desempenhadopor uma agência de fomento vai, necessariamente, alémdessas formas tradicionais de atuação. Espera-se de umaagência moderna que demonstre capacidade de reconhe-cer desafios e oportunidades, gerando estímulos e indu-zindo atividades de pesquisa que respondam a necessida-des estratégicas para o avanço do conhecimento, para odesenvolvimento tecnológico e para a formação em gran-de escala de recursos humanos altamente qualificadosque possam atender às demandas do sistema de inovaçãodo país. Da mesma forma, a complexidade e multidisci-plinaridade da pesquisa na fronteira do conhecimentopassam a exigir das agências uma atividade articuladorade iniciativas que não poderiam ser geradas espontanea-mente pelos pesquisadores, individualmente, ou dentrode grupos confinados aos limites institucionais.

Especialmente num país como o Brasil, cujo sistemade pesquisa tem potencialiis e carências, é necessárioadotar uma atitude mais pró-ativa de atuação, necessari-amente conjugada à manutenção do padrão de qualida-de atingido. Mas essa forma de atuação requer grande agi-lidade e flexibilidade. Há necessidade de ousar e dearriscar ser imperfeito para buscar efeitos rápidos.

A catedral e o bazar é o título do livro de Raymond eYoung2 sobre o sistema operacional Linux, construído porhackers da Internet, em um processo caótico só nas apa-rências. Nessa obra, os autores comparam duas formas de

organização. A de catedral, que busca a perfeição absolu-ta e tem vocação de persistência milenar, obedecendo aplanejamentos detalhados. E a do bazar, por outro lado,uma ordem eminentemente vinculada a seu contexto es-pacial e temporal, que procura responder com eficiênciae rapidez às urgências e, por isso mesmo, é imperfeita esujeita a permanente atualização. Aqui, a perfeição estáno processo e não no produto.

Esse talvez tenha sido o grande desafio enfrentadopela FAPESP nos últimos anos: conjugar, de forma tãoharmônica quanto possível, sua dimensão catedral e suaface bazar. E a resposta, que marcou a última década deatividades da Fundação, foi o lançamento de uma sériede programas que respondem a objetivos estratégicos, vi-sando enfrentar e sanar deficiências flagrantes ou criaroportunidades.

A indução conceitual na transferência de conhecimento

Os programas especiais lançados nos anos 90 deveriamestimular conceitualmente pesquisas de natureza especí-fica, sem estipular áreas de conhecimento prioritárias.

A primeira iniciativa nesse sentido foi a criação, em1990, dos projetos temáticos, voltados para o desenvolvi-mento de pesquisas multidisciplinares em projetos ambi-ciosos, de longa duração, que envolvessem equipes maisnumerosas com a participação de grupos de excelência.Essa foi a primeira quebra de paradigmas.

A partir de 1994, uma série de outras iniciativas tiveramo objetivo de encorajar a adoção de mecanismos eficien-tes de transferência de conhecimento do sistema de pes-quisa para a sociedade, tanto para o setor público comopara o privado. A característica comum entre elas é a preo-cupação de articular a oferta de pesquisa com a demanda deconhecimento por parte da empresa ou órgão do governo.

Entre essas ações, a pioneira foi o Programa Parceriapara a Inovação Tecnológica, o PITE. Pela primeira vezcomeçaram a ser financiadas propostas em que era exigi-da a participação de empresas que compartilhassem oscustos e assumissem os riscos do projeto. O enunciadosimples desse conceito visa documentar o real interesse dosetor privado na apropriação dos resultados da pesquisa.

A mais inovadora, entretanto, foi o Programa de Ino-vação Tecnológica em Pequenas Empresas, o PIPE, que,ao financiar projetos voltados para a inovação no am-biente empresarial, rompeu paradigmas vigentes no sis-

FAPESP – A catedral e o bazar

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Há 40 anos a Fundação acredita na competência dos pesquisadores

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tema de pesquisa nacional. O PIPE trata diretamente doprincipal desafio de política científica e tecnológica dopaís: a expansão dos limites do sistema de pesquisa paraalém das fronteiras do ambiente acadêmico ou dos ins-titutos oficiais de pesquisa.

A transferência de conhecimento para setor públicofoi estimulada por dois programas, o de Pesquisa em Po-líticas Públicas e o de Ensino Público. Nos dois casos sãofinanciados projetos cujos resultados possam influenciara formulação de políticas públicas de relevância social.Do parceiro público – órgão de governo, escola pública –é exigido um compromisso com a execução do projeto ecom sua implementação.

Finalmente, o financiamento em caráter experimen-tal dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, osCEPIDs – que conjugam pesquisa multidisciplinar,transferência de conhecimento para o setor público eprivado, e atividades educacionais inovadoras – propõeum novo paradigma para a organização da pesquisa, fun-cionando como um corolário dessas iniciativas.

Presença articuladora

iniciativa em genômica foi, sem dúvida, a queteve a maior repercussão nacional e interna-

cional. O Programa Genoma conjugou exce-lência científica, busca de solução de pro-

blemas socioeconômicos e formação derecursos humanos altamente qualificados em uma áreade importância estratégica para o país, o que exigiu daFundação agilidade, eficiência, capacidade de se alimentarde idéias propostas pelas lideranças acadêmicas do Estado,competência na avaliação, credibilidade com a iniciativaprivada e grande articulação com todo o sistema de pes-quisa do Estado – universidades, públicas e privadas, ins-titutos de pesquisa. Mais ainda, os projetos Genoma propi-ciaram à FAPESP buscar parcerias com organismosinternacionais, entre eles o Instituto Ludwig de Pesquisassobre o Câncer e o Ministério da Agricultura dos EstadosUnidos.

O indicador final de sucesso do programa é o apareci-mento de um promissor sistema de pesquisa e desenvolvi-mento em Genética Molecular, sinalizado pela criação dasempresas de base tecnológica Alellyx e Scylla.

De relevância comparável, o programa BIOTA-FA-PESP, ambiciosa iniciativa que está inventariando, ma-peando e estudando toda a biodiversidade do estado deSão Paulo, também teve origem no diálogo permanenteda comunidade científica com a instituição. Não há pre-cedentes internacionais de uma ação concertada entremais de 400 pesquisadores doutores articulados por esseverdadeiro instituto virtual da biodiversidade, aderindoao mesmo protocolo de registro de informação e dispo-nibilizando na Internet toda a informação obtida emsuas pesquisas. O programa contribui para o avanço doconhecimento sobre uma das biodiversidades mais ricasdo planeta e para a definição de políticas públicas relati-vas à conservação e uso sustentável de nosso patrimônioecológico. Em 1999, o Biota recebeu o prêmio HenryFord de Conservação Ambiental na categoria Iniciativado Ano em Conservação.

Escapando à dicotomia:demanda induzida x espontânea

A criação de cada um desses programas representou no-vos modelos de atuação e um processo de aprendizagempara todos os atores envolvidos – a comunidade de pes-quisadores, as instituições, as empresas, o poder publicoe a própria FAPESP.

Finalmente devemos refletir sobre os fatores que têmviabilizado essa trajetória institucional.

Um traço marcante da atuação da FAPESP ao longo deseus 40 anos de atividades é o compromisso inarredável como processo conhecido como avaliação pelos pares. Segun-do essa sistemática, as decisões sobre o financiamento sebaseiam em pareceres de assessores ad hoc, especialistas naárea de conhecimento específica em que se enquadram osprojetos. Muito embora essa mesma sistemática seja adota-da pelas mais prestigiosas agências nacionais e internacio-nais, na FAPESP ela assume características singulares e seuimpacto sobre a instituição vai muito além dos processosde avaliação. Isso porque o processo é coordenado por co-missões formadas por pesquisadores ativos, lideranças emsuas respectivas áreas de atuação, que definem a escolhasdos pareceristas ad hoc e que, de posse desses pareceres, ostransformam em recomendações para a decisão.

Essas comissões, ao mesmo tempo em que garantema qualidade do processo de avaliação pela escolha dos pa-receristas e pela análise de seus pareceres, constituem-seem uma interface muito estreita entre a instituição e acomunidade de pesquisa do Estado. A presença forte econtínua dessas lideranças constitui-se, sem dúvida, emfator decisivo para a qualidade da atuação da agência,que procura se manter em permanente sintonia com osanseios e preocupações da comunidade. Trata-se de umapresença inspiradora que distingue a FAPESP entre asinstituições congêneres e dá à Fundação uma vantagemcompetitiva da qual apenas as agências regionais de fomen-to podem se beneficiar.

A presença desse quadro de assessores, pesquisadoresativos, tem sido responsável não somente pela manuten-ção do padrão catedral, mas pelo permanente aperfeiçoa-mento da instituição, pela geração de novos programas,em suma, pela face bazar, que busca sintonia com as ex-pectativas da sociedade que a financia. Nenhum dos pro-gramas lançados pela FAPESP teria sido concebido ou im-plementado sem essa contribuição e todos eles tiveram adecisiva participação dessa equipe – um dos grandes fa-tores de sucesso da Fundação. Poucas agências de fomen-to terão tido uma influência tão constante e intensa da co-munidade científica, participando em todas as instânciasda ação institucional.

* Diretor científico da FAPESP

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1 Daniel Newlon, The state of the art and research funding, World Bank Discussion Papers, 325, 1996.2 Eric S. Raymond and Bob Young ,The cathedral and the bazaar, Musings on Linux and Open Source by an Accidental Revolutionary,O’Reilly and Associates, 2001.

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Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq

Adote a SciELO como sua biblioteca científica

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EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 9

FAPESP completou 40 anosde funcionamento no dia 23de maio. E não será neces-sário nos alongarmos so-bre o sentido deste ani-

versário em números redondos, que têmsempre uma carga simbólica poderosa,nem sobre o significado ou a influênciada própria Fundação na vida cultural,social e econômica do estado de SãoPaulo, e na evolução da pesquisa cientí-fica no Brasil. Isso é dispensável, quan-do toda esta edição de Pesquisa FAPESPdedica-se a apresentar, de diferentes mo-dos, em diferentes tons, reflexões ou da-dos para a reflexão exatamente sobre es-ses significados, sentidos e influências.Da palavra do presidente da República,que esteve pessoalmente envolvido nasgestões para o nascimento da FAPESP,às múltiplas vozes de outros intelec-tuais e idealistas engajados no mesmoempreendimento que aqui se apresen-tam ou, pelo menos, ecoam, da palavrado governador do Estado aos depoi-mentos de pesquisadores paulistas queestiveram ou estão radicalmente com-prometidos com a produção do conhe-cimento neste país, o que nestas mais decem páginas se mostra é um tanto doque a FAPESP é, historicamente.

Vistas assim as coisas, nos cabe falardesta edição especial de Pesquisa FA-PESP, uma revista que é fruto da visãoaberta, arrojada, criadora de novas for-mas de apoio à pesquisa, que tem mar-cado os anos recentes da Fundação,numa rigorosa fidelidade, aliás, com asraízes da instituição. Uma revista quenos parece a cada mês refletir ou, aomenos, lançar alguma luz sobre o pró-prio espírito da Fundação, ao procurarreportar, com rigor jornalístico, os re-sultados da prática da pesquisa científi-ca contemporânea, as políticas a elaaplicadas e dentro de um diálogo per-manente com notícias que nos chegamde todo o mundo sobre avanços, dúvi-das e indagações filosóficas que cercama evolução do conhecimento científico.

Esta edição não dá conta da história dequatro décadas da FAPESP. E nem po-deria. Em seu próprio modo de ser, àmaneira de um mosaico, destaca algunslances históricos, narra um punhado demarcantes projetos de pesquisa, certa-mente omite outros igualmente impor-tantes, traz à cena destacados persona-gens que participaram em diferentesmomentos da construção da instituição.Tudo com a esperança de que, dessajunção de peças, possa ao fim tremelu-zir a alma, o espírito dessa obra de tan-tos, chamada FAPESP. Porque, de cer-ta forma, é isso que pode dar coerênciainterna, alguma unidade a algo tão frag-mentado como uma revista, com seudiscurso jornalístico, tentando exporuma experiência histórica.

Esta edição tem as mesmas seçõesdas edições regulares da revista: Políti-ca Científica e Tecnológica, Ciência, Tec-nologia e Humanidades. Quando possí-vel, organiza as reportagens por déca-das, abrindo pela mais recente, dosanos de 1992 a 2002, indo em seguida àprimeira década de vida da Fundação,para seguir depois pelos anos 70 e 80.Em Humanidades, tratamos de pesqui-sas que resultaram em produtos cultu-rais concretos, como filmes, porquequeríamos trazer à cena uma face pou-co conhecida da FAPESP. Assim, proje-tos que produziram reflexões e acha-dos nas Ciências Humanas e Sociaisficaram, infelizmente, na sombra. Final-mente, nos valemos de reproduções deobras de artistas plásticos paulistas, dosanos 60 até o presente, para abrir as se-ções e, em alguns casos, separar déca-das, para oferecer uma amostra da at-mosfera criativa paulista em que aFAPESP cresceu e amadureceu.

Os jornalistas responsáveis por estaedição agradecem a todos que torna-ram possível esta revista, pelo entusias-mo com que acolheram os pedidos deentrevistas, depoimentos e artigos.

MARILUCE MOURADiretora de redação

À maneira de um mosaico

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GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

FAPESPCARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADOVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORADILSON AVANSI DE ABREUALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZCARLOS VOGT

FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTOHERMANN WEVER

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDAMARCOS MACARI

NILSON DIAS VIEIRA JUNIORPAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICARDO RENZO BRENTANIVAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZDIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESPCONSELHO EDITORIAL

ANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA, EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO,FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO

ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUÍS NUNES DE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS,

PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINIDIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITORES SENIORESMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOLINEDITOR DE ARTE

HÉLIO DE ALMEIDAEDITORES

CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA)CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON LINE)

REPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESADILSON AUGUSTO, DINORAH ERENO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃOJOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOSCOORDENAÇÃO EDITORIALMARILUCE MOURA

MARIA DA GRAÇA MASCARENHASEDIÇÃO EXECUTIVA

JOSÉ ROBERTO NASSAR (COORDENAÇÃO)LUCÍLIA ATAS MEDEIROS (POLÍTICA C&T)

SUZEL TUNES (CIÊNCIA)MARILI RIBEIRO (TECNOLOGIA)

NELDSON MARCOLIN (HUMANIDADES)

ASSINATURASTELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418e-mail: [email protected]

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ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SPTEL. (11) 3838-4000 – FAX: (11) 3838-4181

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

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10 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

os seus 40 anosde existência, aFAPESP tornou-se motivo de or-gulho para os

paulistas e de confiança no futu-ro para todos nós, brasileiros.Os resultados que ela colheu aolongo desse período a consolidamna posição de uma das princi-pais agências brasileiras de apoioà pesquisa, modelo para institui-ções congêneres em várias uni-dades da Federação.

Acostumamo-nos tanto apensar no Brasil como “país dofuturo”, na expressão de StephanZweig, que às vezes esquecemosque já temos uma sólida tradi-ção científica. A FAPESP é um desdobramento rela-tivamente recente – e especialmente fecundo – des-sa tradição.

Alguns dos nossos mais famosos institutos depesquisa foram criados no período do Império. OMuseu Nacional, onde atualmente funciona o Fó-rum de Ciência e Cultura da Universidade Federaldo Rio de Janeiro, foi criado em 1818 por D. JoãoVI, com o nome de Museu Real. O ObservatórioNacional foi criado por D. Pedro I em 1827, comoImperial Observatório do Rio de Janeiro

O Museu Paraense Emilio Goeldi data de 1886.No ano seguinte, em Campinas, São Paulo, foi cria-do o Instituto Agronômico. O Instituto Bacterioló-gico de São Paulo é de 1893, e o Instituto Butantande 1899.

Do começo do século 20 data a nossa mais im-portante instituição na área da pesquisa em saúde:a Fundação Instituto Oswaldo Cruz, criada em1900 como Instituto Soroterápico Municipal deManguinhos.

A implantação desses centros pioneiros atendeua necessidades bem concretas, especialmente noscampos da saúde e higiene e das ciências naturais. OInstituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal,

por exemplo, foi criado em 1928para estudar a broca do café, umapraga cujo impacto econômico,na época, é fácil de imaginar.Eles não resultavam, portanto, deuma política pública destinadaa estimular sistematicamente aprodução de conhecimento ci-entífico. Tratava-se, sobretudo,de dar resposta a necessidadesespecíficas da economia.

A presença de liderançascientíficas fortes permitiu queessas instituições produzissem,de todo modo, resultados mui-to expressivos. Manguinhos tor-nou-se, em pouco tempo, a maisimportante escola de medicinatropical, desenvolvendo pesqui-

sas de padrão internacional. Em 1907 seus traba-lhos foram premiados no Congresso Internacionalde Higiene e Demografia de Berlim.

Outra característica que os centros pioneiros têmem comum é haverem sido criados fora das escolassuperiores então existentes. Note-se que eles são maisantigos do que nossas universidades. A Universida-de de São Paulo é de 1934. A Universidade do Distri-to Federal, no Rio de Janeiro, atual UFRJ, é de 1935.

O Brasil também tem conseguido manter umaforte tradição em outros dois aspectos relacionadosà produção científica: a agregação de interesses dospesquisadores e a criação de agências de fomento. AAcademia Brasileira de Ciências foi fundada em1916, como Sociedade Brasileira de Ciências. Em1948, surgiu a Sociedade Brasileira para o Progres-so da Ciência (SBPC). A Capes e o CNPq já passamde meio século de existência – são de 1951.

Seguramente esta longevidade favoreceu a for-mação de um vigoroso sistema de pesquisa e de for-mação pós-graduada, que hoje apresenta resultadosexpressivos.

A essa altura o Brasil começava a deixar paratrás a condição de país “essencialmente agrícola” eum outro tipo de preocupação – com a soberania

Uma razão para confiar no futuro

O P I N I Ã OO P I N I Ã O

Resultados consolidam a FAPESP como modelo de apoio à pesquisa

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO*

“A Fundação éum desdobramento

relativamenterecente – e

especialmente fecundo – de uma

sólida tradiçãocientífica”

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nacional, num mundo sobressaltado por ameaçasde guerra – passava a influenciar nossa incipientepolítica científica. A necessidade de o país desen-volver pesquisas na área de energia nuclear inspiroua criação do CNPq e também teve reflexos na agendado Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CPBF),criado em 1949 sob a direção de César Lattes.

Na criação do CNPq aparece o propósito de uti-lizar um modelo mais abrangente de apoio à ciência,com participação de outros segmentos da socieda-de, como a indústria. Mas, até que a atuação de Ca-pes e CNPq viesse a significar a institucionalizaçãode uma política científica conduzida pelo governofederal, os financiamentos à pesquisa dependiammuito do prestígio pessoal doscientistas. O Rio de Janeiro, capi-tal da República e onde tinhamsede os órgãos de fomento, be-neficiava-se da condição geográ-fica e concentrava boa parte daaplicação dos recursos.

É nesse contexto que surge aFAPESP. O depoimento que deia Amélia Hamburger, há cercade dois anos, foi uma oportuni-dade de relembrar como foramas articulações que resultaramnessa iniciativa do Estado deSão Paulo.

Tínhamos uma preocupaçãode dotar São Paulo de instrumen-tos capazes de dar um apoiomais direto ao financiamento depesquisas e à concessão de bol-sas de estudos.

A FAPESP nasceu, assim, com a preocupação es-trita de ser uma instituição voltada para o apoio àpesquisa científica. Não era um movimento políti-co, tampouco partidário, como alguns setores che-garam a imaginar. A movimentação foi ampla: par-ticiparam professores das faculdades de Medicina,Filosofia, parte da Economia. Vários nomes tiveramum papel especialmente importante: Elza Berquó,William Saad Hossne, Crodowaldo Pavan, PauloVanzolini, Abrahão Fajer, Alberto Carvalho da Sil-va, Luiz Hildebrando, entre outros.

Um aspecto marcante no processo de criação daFAPESP foi a idéia de que a pesquisa deveria ser de-finida pelos próprios pesquisadores. A concepçãode uma política científica que avançasse na defini-ção de prioridades específicas era rechaçada. Haviaa preocupação de que isso poderia acabar se trans-formando numa forma de dirigismo estatal. Outroaspecto, notável, aliás, foi que conseguimos colocaras Ciências Humanas na pauta de atuação da fun-dação. Florestan Fernandes integrou o primeiroConselho da FAPESP.

Embora isto, na visão de hoje, pareça um precio-sismo, é preciso lembrar que o CNPq privilegiava

fortemente o apoio às chamadas “ciências duras”.A Academia Brasileira de Ciências resistiu brava-mente durante décadas: só há poucos anos é que fi-nalmente aprovou a inclusão de cientistas sociaisem seus quadros.

Nosso companheiro da época, Luiz Hildebran-do Pereira da Silva, publicou recentemente um livrode memórias, Crônicas de nossa época, em que dáum testemunho incisivo sobre o que significou essainiciativa: “A verdadeira revolução paulista deu-seem 1960, com a criação da FAPESP (...). Foi com aFAPESP que São Paulo saiu da Idade Média, que aUniversidade deixou de ser um Clube onde se reu-niam ilustres médicos, engenheiros e advogados

para trocar idéias, que a indús-tria e a agricultura paulistas en-contraram o apoio e a base paraum desenvolvimento tecnológi-co auto-sustentável, que a Eco-nomia, as Ciências Humanas eas Letras foram reconhecidascomo atividades válidas e úteis,que, enfim, a pesquisa nas Ciên-cias, nas Técnicas e nas Ativida-des Culturais fora reconhecidacomo elemento-chave do pro-gresso da sociedade”.

O arremate desta história,como Luiz Hildebrando tam-bém relata com detalhes sabo-rosos, foi a escolha de UlhôaCintra para reitor da USP, o queveio a permitir que a FAPESPpudesse deslanchar.

O historiador da ciência Shozo Motoyama orga-nizou e coordenou um criterioso e valioso trabalhode reconstituição das etapas pelas quais passaram aorganização e atuação da FAPESP. Não vou me de-ter em rememorar fatos bem documentados. O im-portante é que hoje a FAPESP é reconhecida comouma instituição bem-sucedida e um modelo de ad-ministração de recursos.

Ao analisar esse quadro com o distanciamentoque o tempo permite, parece-me claro que a cons-tância dos investimentos governamentais foi o quepermitiu ao país formar o que hoje é um vigorososistema de pesquisa e de formação pós-graduada derecursos humanos. A relativa constância dos inves-timentos resultou mais importante do que o pró-prio volume. Embora as oscilações financeiras pu-dessem trazer dificuldades para as atividades decusteio das pesquisas, não comprometeram a ma-nutenção das bolsas de estudo e, ainda que mínima,da infra-estrutura dos cursos e dos institutos. Issofoi fundamental para a continuidade dos trabalhoscientíficos e a manutenção de um padrão de produ-

“Um aspecto marcante no processo

de criação da FAPESP foi a idéia de que a

pesquisa deveria ser definida

pelos própriospesquisadores”

* Presidente da República

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tividade que hoje começa a ter uma dimensão sig-nificativa no plano internacional.

Quando as dificuldades fiscais dos anos 90 afe-taram o financiamento à pesquisa, alguns modelosde recomposição financeira foram experimentadoscom êxito. Num primeiro momento, os recursosobtidos com os processos de privatização foramusados para permitir a conclusão de projetos e ini-ciativas científicas que demandavam urgência denovos recursos. Isso evitou que a deterioração deprédios e equipamentos trouxesse maiores prejuí-zos para a atividade científica. Num segundo mo-mento, as leis de incentivo fiscal resultaram na for-mação de novas alternativas para o investimentoem pesquisa e em atividades decunho tecnológico.

Com a estabilização da moe-da o governo federal procurou, apartir de uma nova concepçãodos mecanismos de aporte fi-nanceiro, recuperar o padrão deinvestimento para as atividadesde produção de ciência e tecno-logia. Com muito engenho eempenho, o Ministério da Ciên-cia e Tecnologia conseguiu porde pé duas novas alternativas definanciamento: os fundos seto-riais e programas de incentivodireto à pesquisa empresarial. Avinculação de recursos orça-mentários para qualquer ativi-dade encontra sempre, com-preensivelmente, muita resis-tência entre os responsáveis pelo orçamento.

Mas isso foi feito, é lei e servirá para moldar ofuturo da pesquisa no país.

Creio que o êxito da FAPESP também se deve àrelativa autonomia orçamentária de que desfruta.Digo relativa, porque nem todos os governantes fo-ram tão zelosos em seguir as determinações consti-tucionais de repasse de recursos à FAPESP quantoMário Covas e Geraldo Alckmin.

Mas não foi só essa autonomia de recursos quegarantiu à FAPESP o êxito e o reconhecimento quetem hoje em São Paulo, no Brasil e mesmo no exte-rior. Foi a competência e a seriedade derivada de umarigorosa análise de mérito do que financiar. Essa ca-racterística é hoje uma marca da FAPESP; faz partede seu ethos institucional.

Outra marca registrada da FAPESP tem sido acapacidade de se atualizar.

Ainda recentemente, ela reviu seus mecanismosde financiamento, aproximando-se do tema funda-mental da inovação, e introduziu formas novas ecriativas de produzir ciência e ciência da melhorqualidade. O êxito do seqüenciamento da Xylellafastidiosa, com a formação da rede ONSA (Organi-zation for Nucleotide Sequencing and Analysis) ou

Genoma-FAPESP, é o mais conhecido, mas não oúnico exemplo disso. As parcerias crescentes com aindústria, que são características dos fundos seto-riais recém-criados, também estão presentes nosnovos instrumentos de financiamento da fundação.

Ao lembrar o espírito que nos movia na criaçãoda FAPESP, não deixo de pensar no papel que estáreservado a ela nas próximas décadas. Todos sabe-mos que as chances de desenvolvimento dos paísese regiões estarão cada vez mais ligadas à produção eaplicação do conhecimento. Não preciso insistir,neste contexto, num tema sobre o qual não me can-so de falar aos brasileiros.

Quando criamos a FAPESP, nos deparávamoscom a necessidade de revolucio-nar a universidade, de fazer dapesquisa uma parte importanteda agenda universitária. Hoje,temos outro grande desafio. Naspróximas décadas, iremos incor-porar uma massa de jovens estu-dantes no ensino superior. Essa éuma das melhores contingên-cias derivadas do esforço que fi-zemos, na correção do fluxo es-colar no ensino fundamental emédio. Isso exigirá repensarnosso modelo de universidade.Ao mesmo tempo, será necessá-ria um reflexão madura sobre opapel da pesquisa. Como man-ter uma sólida pesquisa de van-guarda em um ambiente univer-sitário bem distinto do que

temos hoje? E como construir pontes duradourasda universidade com a atividade industrial e com oaumento de competitividade de nossa economia?Esses são desafios de todos os países.

São e serão os nossos também.Minha esperança é revigorada ao verificar como

muitos jovens pesquisadores – em São Paulo e emtodo o país – vêem essas questões com olhos distin-tos do que nós mesmo víamos ao criarmos a FA-PESP. Sabem que se abre um vasto campo de apli-cação para os resultados da pesquisa científica noBrasil. A criação de empresas de biotecnologia deri-vadas do seqüenciamento da Xylella fastidiosa éexemplo disso.

Vivemos mesmo um tempo novo. Tempo de pro-priedade intelectual, redes, parcerias, cooperaçãouniversidade-empresa, incubadoras, parques tecno-lógicos e muitas outras experiências institucionais,algumas a serem inventadas. Fico feliz em ver a FA-PESP participar tão ativamente dessa nova história,como parte do sistema nacional de inovação que to-dos estamos ajudando a construir. Esse ativismo éparte indissociável do espírito de criação da FAPESPe continuará sendo, estou seguro, uma marca da suaatuação no futuro.

“Foi a competência e a seriedade

derivada de uma rigorosa análise

de mérito do que financiar

que garantiu à Fundação o êxito

que tem hoje”

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s constituintes paulistas de 1947 reconhece-ram ser tarefa do Estado o amparo à pesquisacientífica – uma decisão sábia e fundamen-tal para a criação da Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado de São Paulo (FA-

PESP). Ao comemorarmos os 40 anos da entidade, esta-mos festejando todas as conquistas e avanços alcança-dos pelo meio científico paulista ao longo desses anos,bem como a formação de uma comunidade respeitadano meio científico internacional.

A FAPESP é agente e testemunha privilegiada da forteinserção do estado de São Paulo no desenvolvimento cien-tífico e tecnológico do país. A comunidade científica paulistaé vanguarda na importante tarefa da pesquisa e na irradia-ção de conhecimentos, em amparar soluções inovadoras,propor e aceitar parcerias que associem nossas mais pres-tigiadas instituições científicas, empresas privadas, nossasuniversidades e pesquisadores com o poder público.

Tem sido um trabalho contínuo, baseado no esforço dehomens e mulheres dedicados ao silencioso, quase anôni-mo ofício de pesquisar novos caminhos e trazer o progres-so, o desenvolvimento humano e a inovação tecnológica aoconhecimento e proveito da sociedade. É desse trabalho quese alcança a melhoria da qualidade de vida da população.

Devemos creditar a um número expressivo de cientis-tas, professores, dirigentes públicos e jornalistas especia-lizados os maiores méritos por termos hoje esta instituiçãoforte e respeitada, geradora de novos conhecimentos.Exemplo do esforço irradiador das conquistas científicas éo trabalho do cientista e jornalista José Reis, falecido nodia 16 de maio. Ele foi um grande divulgador de avan-ços científicos, traduzindo, para o público amplo dos jor-nais, a linguagem cifrada dos laboratórios.

Nenhuma pesquisa se encerra em si mesma. Sua divul-gação democratiza o conhecimento e repercute em novostrabalho, gerando informação, negócios e novas pesquisas.

São expressivas as conquistas e crescentes as ações eprogramas que aplicam os conhecimentos gerados pelasinstituições de ensino e pesquisa com as micro e pequenasempresas paulistas, pulverizando conhecimentos, agregan-do valores e elevando o padrão de seus produtos e serviços.É esta força multiplicadora que fundamenta o Centro In-cubador de Empresas Emergentes, uma parceria doSebrae, Ipen, IPT e a USP, que visa acolher pequenas em-presas geradoras de produtos com alto grau de tecnologiaembarcado. O objetivo é o desenvolvimento econômico ea abertura de novos mercados. O país precisa disso.

A pesquisa brasileira está na vanguarda mundial em

áreas de interesse vital. Grandes marcos alcançados nopassado recente revigoraram a importância e a funçãoestratégica da ciência e da tecnologia no desenvolvimen-to da indústria paulista e na melhoria da qualidade devida da nossa população, destacando-se o Projeto Geno-ma, uma conquista de repercussão internacional.

Este é um trabalho que nasce lá atrás, nos bancos esco-lares, com o aumento da carga horária de estudo de maisde 6 milhões de estudantes, no esforço para a melhoria daeducação nos níveis fundamental e básico, nos investimen-tos na formação e aprimoramento do professorado, na de-finição de novos cursos de nível universitário, sintonizadoscom as necessidades reais da sociedade e com a antecipaçãodo futuro. São mais de 105 mil alunos na graduação, pós-graduação e doutorado na USP, Unicamp e Unesp.

Temos a Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec),que objetiva desenvolver a educação tecnológica nos en-sinos médio e superior, conta com 115 mil alunos no en-sino médio, 10,5 mil no ensino superior e emprega maisde 5 mil professores. Ela desenvolve um amplo processo deexpansão, com novas unidades no ABC e na Zona Leste dacapital – sua mais recente unidade inaugurada.

O Programa Acessa São Paulo insere a população naRede Mundial de Computadores – num amplo programade inclusão digital. Já foram entregues 51 Infocentros co-munitários na capital e dez no interior do Estado. Até ofinal de 2002 inauguraremos mais nove Infocentros nacapital e outros 56 no interior.

O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen)e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) são outrosexemplos da importância estratégica da associação entreo poder público, a comunidade científica e entidades par-ceiras para o encaminhamento de soluções de problemasapresentados pela iniciativa privada, pautadas pela inova-ção e agregação de tecnologia em seus processos produtivos.

São instituições respeitadas, orgulho do povo paulista,que vislumbrou, no início do século 20, a importância deinvestir em pesquisa e em instituições de ensino qualifica-das. A sociedade evolui e se desenvolve com a atuação im-prescindível da comunidade científica, geradora de co-nhecimento e transformadora do limite do possível.

A FAPESP é destacada protagonista neste processo.Autônoma e eficiente, é credora dos méritos verificados dedesenvolvimento e da aplicação da tecnologia de van-guarda. Sua matéria é o futuro.

Imprescindível para São Paulo

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GERALDO ALCKMIN*

* Governador do estado de São Paulo

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14 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

s origens da FAPESP eseus primeiros passosdiluem-se em umaépoca bem diferen-te da atual. Um

grupo de pesquisadores lidera-dos por José Reis e MaurícioRocha e Silva havia fundado aSociedade Brasileira para o Pro-gresso da Ciência em defesa dasinstituições científicas e de con-dições para se tornarem maisprodutivas e livres dos interes-ses políticos. Os recursos parapesquisa científica eram escas-sos e, em grande parte, frutos dafilantropia das Fundações Gug-genheim e Rockefeller e de algu-mas famílias abastadas e gene-rosas. Os Fundos Universitários de Pesquisa, criadosem 1942 pelo reitor da Universidade de São Paulo(USP) Jorge Americano como contribuição ao es-forço de guerra, estavam encerrando a atividade pi-oneira; e a USP ia perdendo as energias de sua cri-ação, 15 anos antes. A carreira universitáriaresumia-se no professor catedrático vitalício e seusassistentes, por ele nomeados e demissíveis ad nu-tum, sem perspectivas de carreira, com saláriosmodestos e com reduzida compensação pelo traba-lho em tempo integral. CNPq e CAPES, fundadosem 1951, traziam a mensagem inovadora com quetodos sonhávamos, mas nem de longe reuniam re-cursos e condições administrativas para oferecercaminhos novos e seguros. Já em 1947, um grupode pesquisadores e docentes universitários, lidera-dos por João Luiz Meiller e Adriano Marchini, ha-viam submetido à Assembléia Constituinte do Esta-do o documento Ciência e Pesquisa que, graças aotrabalho dos deputados Lincoln Feliciano e CaioPrado Júnior, deu origem ao artigo 123 da novaConstituição do estado.

O artigo 123 estabelecia que o amparo à pesqui-sa deve ser propiciado por meio de uma fundação àqual se atribuía “anualmente, como renda especial

de sua privativa administração,quantia não inferior a meio porcento de sua receita ordinária”.

O artigo era claro mas foramnecessários 13 anos de discusõese lutas para torná-lo realidade.Dessas lutas participaram, entreoutras organizações, a Socieda-de Brasileira para o Progresso daCiência e a Associação de Auxi-liares de Ensino da Universidadede São Paulo.

Os estatutos da Associaçãoforam aprovados em agosto de1956, em assembléia presididapor mim e secretariada por Fer-nando Henrique Cardoso e, comopontos cruciais de seu progra-ma, elegeu: a criação de uma car-

reira universitária aberta; a elevação dos vencimen-tos dos docentes, com destaque para o tempointegral; e a instituição da Fundação de Amparo àPesquisa. Como parte da campanha, além de nu-merosos contatos com SBPC, reitor da USP e mem-bros do Conselho Universitário, a diretoria da Asso-ciação procurou várias vezes o governador doestado, Jânio Quadros, solicitando o seu empenho emfavor das medidas que estava propondo.

Jânio Quadros era ríspido. Ao assumir o governo,tinha cortado verbas da universidade que, na época,ainda não tinha autonomia. Ameaçava de punição osprofessores que reclamavam dessas medidas, comoCruz Costa e Livio Teixeira, da Faculdade de Filoso-fia, Ciências e Letras. E nos recebia sempre de mauhumor. Ameaçou-nos de punições se déssemos en-trevistas e escolheu alguns de nós para formar umacomissão cujo trabalho praticamente ignorou.

Este clima mudou com o governador Carlos Al-berto de Carvalho Pinto. Logo no início de seu man-dato, o novo governador formou uma comissão in-tegrada por seus secretários Antônio Queiroz Filho,José Bonifácio Coutinho Nogueira, Fauze Carlos,José Vicente Faria Lima e o reitor da Universidade.A comissão, com a tarefa de estudar a Fundação, era

Um longo e árduo processo

O P I N I Ã OO P I N I Ã O

A FAPESP surgiu da ação de pesquisadores e políticos que sabiam da importância da ciência

ALBERTO CARVALHO DA SILVA*

“O artigo 123da nova Constituição

estadual eraclaro, mas foram

necessários13 anos de

discussões e lutaspara torná-lorealidade”

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secretariada por Hélio Pereira Bicudo e tinha, entreseus assessores, Paulo Emílio Vanzolini.

comissão trabalhou com excepcional ra-pidez e ainda em 1959 apresentou o ante-projeto de lei 1.953, que foi encaminhadoà Assembléia Legislativa, acompanha-do de uma representação de mais

de 1.000 pesquisadores e sancionados por CarvalhoPinto como Lei 5.918 , em 18 de outubro de 1960.O passo seguinte foi a organização da estrutura pre-vista na Lei. Ao Conselho Superior, presidido pelonovo reitor Antonio Barros de Ulhôa Cintra, cabiaindicar ao governador os membros do primeiroConselho Técnico Administrati-vo, que ficou composto por Jay-me Arcoverde Cavalcanti, dire-tor presidente; Warwick E. Kerr,diretor científico; e Rafael Ribei-ro da Silva, diretor administrati-vo, logo seguido por Celso An-tonio Bandeira de Mello.

A esse pequeno grupo, pro-visoriamente instalado em umaou duas salas no 4º andar da Fa-culdade de Medicina, coube atarefa de definir não apenas oestatuto de nova Fundação mastoda a sua estratégia. Como par-te desta tarefa, que foi crucial navida futura da Fundação, mere-ceu destaque: a forma do enten-dimento com os pesquisadores;as normas para apresentação depedidos; a sua avaliação e decisão baseadas apenasna contribuição para o desenvolvimento da ciência,viabilidade e credenciais do pesquisador; a assesso-ria em caráter confidencial por assessores de reco-nhecida competência científica; e, com base na lei,a que instituiu a proibição de que a Fundação assu-misse encargos permanentes ou tivesse centros depesquisa próprios. E logo de início, tornou-se claroque a responsabilidade pelas decisões era do dire-tor científico, evitando-se os atrasos e outros in-convenientes das decisões a cargo de comissõesou conselhos. Para adoção destas normas forambásicas a objetividade do diretor científico e suasobservações em viagem aos Estados Unidos, Cana-dá e alguns países da Europa, patrocinada pelaFundação Rockfeller; a lucidez e a experiência dePaulo Emílio Vanzolini, apoiadas em sua vida de pes-quisador e visitas a instituições do exterior; e o espí-rito liberal aliado à experiência científica e acadêmi-ca de Ulhôa Cintra e Jayme Cavalcanti.

Essas foram as decisões cruciais que definiramos caminhos que a Fundação deveria seguir, combi-nando a experiência e os procedimentos de outroscentros com uma visão clara da realidade paulista,baseada na experiência de cada uma. Foi esta orien-

tação seguida à risca que mereceu à FAPESP a con-fiança, o apoio e o respeito de todos os pesquisado-res do estado; que lhe facilitou, logo nos primeirosanos, o intercâmbio com organizações nacionais einternacionais; e que lhe permitiu resistir a umaspoucas tentativas de interferência durante o regimemilitar. Igualmente decisiva foi uma escolha cuida-dosa dos sucessivos diretores científicos, dando-lhes toda a autoridade. Foi graças a essas condiçõesque já os primeiros diretores, com base em entendi-mentos com pesquisadores, criaram iniciativas vi-sando promover a pesquisa em temas socialmenteprioritários, e que, ainda no fim da década e inícioda seguinte, o quarto diretor científico, Oscar Sala,

desse todo o apoio da Fundaçãoa projetos que hoje são parteintegrante de nosso desenvolvi-mento científico e tecnológicocomo o Bioq/FAPESP, que pro-moveu o grandes desenvolvi-mento da Bioquímica no Esta-do; a rede ANSP, atualmenteum componente essencial denosso sistema de comunicaçãoem ciência e tecnologia; e o pro-jeto Radasp, abrindo os cami-nhos para o uso atual do radarem meteorologia.

Nos anos seguintes, duas me-didas, ambas fruto da luta deseus dirigentes, ampliaram con-sideravelmente os horizontes daFundação: a Emenda 34, do de-putado Fernando Leça, assegu-

rando a transferência de recursos antes de serempor demais corroídos pela inflação, e a elevação dosrecursos para 1% da receita do estado, com transfe-rências mensais. Graças a esta última mudança, àiniciativa e criatividade de seus diretores e ao apoioque vem recebendo da comunidade científica, aFAPESP passou a combinar auxílios individuais apesquisadores e bolsistas com a abertura de novosprogramas em áreas cruciais do desenvolvimentocientífico e tecnológico, contribuindo para maiorparticipação dos pesquisadores acadêmicos no de-senvolvimento social e econômico. Na condição deum dos últimos sobreviventes do grupo que lutoupela instalação da Fundação e suas formas de atuar,eu me permito afirmar que os serviços prestadospela FAPESP nos seus 40 anos de vida merecem delonge a prece de todos nós para que ela possa con-tinuar ainda por muitos anos como uma das insti-tuições que alcançaram maior continuidade e su-cesso no apoio ao desenvolvimento da ciência etransferência de seus benefícios à sociedade.

“Os caminhos que a Fundação deveria seguir combinavam a

experiência e os procedimentos de

outros centros comuma visão clara da

realidade paulista”

* Co-fundador, ex-diretor científico e ex-diretor presidente da FAPESP

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16 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

M E M Ó R I AM E M Ó R I A

A permanência de um idealistaO nome de José Reis estádefinitivamente ligado às experiênciasbrasileiras de divulgação científica

Paulo (USP), que mantém um dospoucos programas de pós-gra-duação existentes no Brasil paraessa área. Ou seja, trata-se de umnome definitivamente colado àsidéias e experiências brasileirasde divulgação científica. Com jus-tiça. Porque, conforme a sínteseexata feita pelo jornalista RicardoBonalume Neto na Folha de SãoPaulo, em 17 de maio, José Reis“foi sem dúvida alguma o brasi-leiro que mais fez pela divulgaçãoda ciência no país”.

Pesquisador no InstitutoBiológico nos anos 30:atividades como professor,administrador e jornalista

MARILUCE MOURA

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osé Reis é o nome do maisimportante prêmio de di-vulgação científica do país,concedido anualmente peloConselho Nacional de De-senvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) a instituições,jornalistas e cientistas. É nome doprograma de apoio a jornalismocientífico instituído pela FAPESPem 2000. É nome também do Nú-cleo de Estudos de JornalismoCientífico da Escola de Comunica-ção e Artes da Universidade de São

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EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 17

José Reis nasceu no Rio de Ja-neiro em 1907 e era o antepenúlti-mo dos 13 filhos de Alfredo de Sou-za Reis e Maria Paula Soares Reis.Fez o curso secundário no ColégioPedro II, de 1920 a 1924. Formou-se médico pela Faculdade Nacio-nal de Medicina (1925-30) e a essecurso juntou a especialização emmicrobiologia e patologia na Fun-dação Oswaldo Cruz do Rio deJaneiro (1928-29). Foi contratadoainda em 1929 pelo Instituto Bio-lógico de São Paulo, no qual chegoua diretor da Divisão de Ensino eDocumentação. Entre 1935 e 1936especializou-se em virologia noRockfeller Institute, em Nova York.

Num pequeno perfil publicadono encarte especial Experiências emJornalismo Científico, parte da edi-ção 47 de Pesquisa FAPESP, de ou-tubro de 1999, assinalávamos queReis “experimentou suas primeiraspossibilidades de explicar proble-mas científicos para um público nãoespecializado escrevendo folhetos eartigos para seções agrícolas de jor-nais e, principalmente, colaboraçõessistemáticas para a revista Chácarase Quintais, a partir de 1932. Ele fa-lava então,para granjeiros,das doen-ças, das pragas, dos muitos proble-mas e dos cuidados que deviam sertomados na criação de galinhas”.

Sua atividade regular no jorna-lismo científico, contudo, teve iní-cio em abril de 1947, quando pas-sou a colaborar com as Folhas (daManhã, da Tarde e da Noite) e pros-

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Em sua biblioteca, em1984: disciplina rígida tanto no laboratório quanto no jornalismo

Mas isso não o esgota. José Reis,falecido em 16 de maio, aos quase94 anos, foi na verdade um perso-nagem singular da vida nacionalao longo de boa parte do século20, capaz de desdobrar-se infatiga-velmente entre as funções de pes-quisador (com reputação interna-cional), professor, administradorcompetente e jornalista combativo.Articulando-as todas de forma bri-lhante, deixou um legado no qualdeve-se incluir construções tãoconcretas quanto a Sociedade Bra-

sileira para o Progresso da Ciência(SBPC),que ajudou a criar em 1948,a Faculdade de Economia e Admi-nistração da Universidade de SãoPaulo (FEA/USP) e mesmo a FA-PESP, fundação pela qual comba-teu publicamente sem esmorecerdesde 1945 (ver quadro na página18), embora, ironicamente, comodestacou o diretor científico daFundação, José Fernando Perez, emartigo na mesma Folha de 17 demaio, nunca tenha nela exercidonenhum cargo ou função.

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18 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

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Uma concepção atual formulada nos anos 40 Dentre os muitos textos escritos por

José Reis, desde 1945, em defesa daconstituição da FAPESP, a leitura de umdeles, em particular – originalmente,um relatório apresentado à VI ReuniãoAnual da SBPC, em 13 de novembrode 1954 e, no ano seguinte, artigo pu-blicado na revista Anhembi, volumeXVIII, número 50, sob o título Funda-ção de Amparo à Pesquisa –, revelauma atualidade de fato impressionan-te das concepções do autor a respeitode como o Estado deveria apoiar apesquisa científica em São Paulo.Muito do que a FAPESP efetivamenteé hoje já está claramente antevisto naspalavras proféticas desse trabalho, emque José Reis, a par de definir o queconsidera princípios fundamentaispara nortear o funcionamento daFundação, historia criticamente seuprocesso de constituição, então aindaem curso, e pinta em cores vivas, porvezes ácidas, o ambiente da pesquisaem São Paulo, na época. Nesses tem-pos extremamente velozes em que vive-mos, pensar que um texto elaboradohá 47 anos esboça já uma face com aslinhas mais marcantes que ela mostra

no presente, espanta, no melhor senti-do. E nada melhor para compartilharesse espanto do que apresentar ao lei-tor alguns trechos do artigo publicadona revista Anhembi, ainda que comisso se perca um pouco da sua lógicaintegral. A eles, portanto:

“(...) Quando em 1947 a AssembléiaConstituinte de São Paulo lançava asbases da atual Constituição e, lamen-tavelmente, alguns legisladores afunda-vam numa série de medidas de caráterpessoal, a que depois quiseram dar ex-plicação airosa, surgiu, contrastandocom elas, um dispositivo que mandavacriar um conselho de Pesquisas Cientí-ficas, autônomo e com verbas próprias,que teria algumas das funções previstasno órgão a que aludíamos em 1945. Ahistória dessa medida era simples. Nas-cera do esforço de alguns pesquisado-res e professores junto dos constituintes.Aqueles sinceros pesquisadores chega-ram até a organizar um volume em quedefendiam a idéia do amparo à pes-quisa, tomando como lema a conhecidafrase de Rutherford, segundo a qual ospovos que não desenvolvem seu po-

tencial científico condenam-se à situa-ção de cortadores de lenha e carrega-dores de água para os mais adiantados.

(...) Analisamos minuciosamenteos dois projetos [ele faz referência aosprojetos de regulamentação do artigo123 da Constituição que prevê a criaçãoda fundação, um de Caio Prado Júniore outro de Lincoln Feliciano] e de ummodo geral condenamos em ambos aextrema complexidade da estruturaadministrativa que propunham e es-pecialmente do Conselho Deliberati-vo, que seria verdadeira assembléia.Além disso, padeciam do vício deconstituir o Conselho, em grande par-te, com membros natos, que deveriamocupá-los por força do cargo que exer-cem. Todos sabemos que em tais cir-cunstâncias o que vale são os homense não os cargos. Havia ainda no proje-to de Feliciano um ponto que nos pa-recia perigoso: era a faculdade que ex-pressamente dava à fundação, de criarnovos institutos, que por ela seriammantidos. Num país em que existetanta paixão pela criação de novida-des, com abandono das coisas já exis-tentes, seria isso um mal.

seguiu quase até suamorte. As Folhas trans-formaram-se no jornalFolha de S. Paulo, quecriou, muito tempo de-pois, em 1992, o cader-no Mais, e lá encontra-va-se a cada domingo, acoluna Periscópio, dodoutor José Reis, apesardos problemas de saúdeque já enfrentava. Entre1962 e 1967 ele ocupoua posição de diretor deredação do jornal.

José Reis foi o pri-meiro secretário-geral daSBPC em 1948 e ali, em 1949, fun-dou e tornou-se o primeiro editorda revista Ciência e Cultura. Conti-nuou a editá-la até 1954 e voltouao posto entre 1972 e 1985.

Quando se aposentou do Insti-tuto Biológico,em 1958, fundou com

outros dois sócios a editora Ibrasa-Instituição Brasileira de DifusãoCultural S/A, para lançar livros-fer-mentas que trouxessem idéias no-vas e provocassem debate. Sua atua-ção na editora estendeu-se até 1978.José Reis foi também professor cate-

drático e diretor da FEA/USP. Con-quistou vários prêmios (Prêmio Go-vernador do Estado de JornalismoCientífico, em 1962; Prêmio JohnR. Reitemeyer de Jornalismo Cien-tífico, da Sociedade Pan-America-na de Imprensa e União Pan-Ame-

Reis (3º da dir. para esq.) comMaurício Rocha e Silva (3º da esq. para dir.) e Rocha Lima (4º da esq.para dir.): força para ajudar a criar sociedades e fundações científicas

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ricana de Imprensa, em 1964; Prê-mio Kalinga, da Unesco, em 1975).

Aqueles que conheceram JoséReis mais de perto o descrevemcomo um homem que era extrema-mente discreto e suave, apesar desua atividade fervilhante. O gene-

de Divulgação Científica), que Reis“tinha uma disciplina rígida tantona prática do laboratório quanto nojornalismo. Deixava transparecersuas inquietações e perplexidadeapenas no convívio com os amigosmais íntimos”. É sempre um riscoesse tipo de ilações, mas talvez osentimento de José Reis sobre suaprópria e impressionante trajetóriaem parte se traduzisse pelas palavrascom que ele qualificou, em agostode 1988, num de seus artigos noMais, cientistas e jornalistas que háanos vinham trabalhando na di-vulgação da ciência e da tecnologiano Brasil: idealistas isolados.

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ticista Crodowaldo Pavan, atual-mente presidindo a AssociaçãoBrasileira de Divulgação Científica(Abradic), lembra em artigo pu-blicado no Mais, no dia 26 de maio(em colaboração com Glória Kreinz,coordenadora do Núcleo José Reis

Desenho de Reis: extremodidatismo ao escrever folhetos e artigos para o público não especializado

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maram em ciências as verbas que rece-bem dos poderes públicos, ou as esco-las em que jamais se praticou a pes-quisa, mas apenas funcionam comoempresas comerciais, devam represen-tar-se no Conselho da fundação.

(...) Entre nós esquece-se freqüen-temente que os centros de pesquisacrescem orgânica, biologicamente,por um processo natural de diferen-ciação e não pela simples aposição decamadas. Mal andaria a Fundação se,como admitido em um de seus proje-tos, tivesse por função criar institutosnovos.

(...) Quero porém salientar outroponto, que é o da necessidade de aFundação, ela mesma, estabelecer co-mo norma rígida a prestação de con-tas daqueles a quem beneficia, de mo-do que os programas por ela apoiadosnão fiquem na fase de programação,mas realmente se efetuem. Mais ainda.É preciso que a Fundação faça pontode honra da necessidade de apresentarrelatórios sinceros ao público, pelosquais o crítico possa apreciar a realiza-ção de seus fins.

(...) Uma fundação de amparo àpesquisa teria de ocupar plano supe-rior a todos esses interesses rasteiros,não poderia ser presa de nenhum gru-

po profissional e de nenhuma insti-tuição em particular, como tambémnão poderia caracterizar o predomíniode nenhuma ciência ou técnica.

(...) A seleção de pesquisadores no-vos não pode ser estranha a uma fun-dação de amparo à pesquisa. Não ima-ginamos que ela venha a criar escolasou cursos, mas que apóie com parti-cular carinho iniciativas desse gênero(...). E (...que a escolha se faça) comoferta de possibilidades de trabalhosério e difícil junto de bons pesquisa-dores, ou de apoio a cursos de aperfei-çoamento que não oferecem nenhumavantagem ulterior, exceto a boa for-mação que propiciam.

(...) Conclusão: pela idéia que re-presenta e pela natureza jurídica que aConstituição lhe deu, a Fundação deAmparo à Pesquisa poderá contribuirapreciavelmente para o desenvolvi-mento da ciência em São Paulo. Masé preciso protegê-la contra possíveisvícios, capazes de a desvirtuar. Alémdisso, a Fundação não representa ne-nhuma solução mágica, capaz de porsi só assegurar o progresso da ciência.Esta há de amparar-se naturalmentena compreensão do público e dos go-vernos e na sinceridade dos próprioscientistas.”

(...) Para a fundação, o momentomais crítico seria o de sua instituição,pois o trabalho dos legisladores tantopoderia prejudicá-la pelo excessoquanto pela omissão de preceitos le-gislativos. Ideal seria que uma curtalei estabelecesse a forma geral de ad-ministrar o órgão, e especialmente amaneira de constituir o seu conselhodeliberativo, ao qual entregaria a prá-tica dos atos futuros, necessários à es-truturação administrativa e ao modode funcionamento da fundação. Alémdisso, deveriam estar na lei medidasacauteladoras contra o desvirtua-mento da instituição, entre elas a li-mitação dos gastos com a própria ad-ministração.

Constituído adequadamente o pri-meiro Conselho, a fundação em pou-co adquiriria a desejada tradição detrabalho desinteressado e profícuo. Enada de Conselho numeroso, commembros que obrigatoriamente o in-tegrem em função dos brilhantes car-gos que ocupam. Seria isso aumentaro número de pontos fracos, expostos àpressão dos grupos de interesse. Todoo segredo está em reunir um punhadode homens sinceros, de dentro e defora da ciência. Não há motivo peloqual instituições que jamais transfor-

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O Paradoxo do Santo

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A maturidade da pesquisa em São Paulo

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ANOS 90

á uma enorme distância entre o que a FAPESP era em 1992 e oque é hoje. Começando por uma panorâmica do presente:genômica e modernização de laboratórios, bibliotecas e museus;redes virtuais de pesquisa e melhoria do ensino fundamental emédio; centros de pesquisa, inovação e difusão e apoio a jovens

pesquisadores; biodiversidade e inovação tecnológica, compõem uma amostraeloqüente dos programas que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado deSão Paulo implantou nos anos recentes. De fato, o que esta agência de fomentorealizou nos últimos dez anos, para além de amparar, sem discriminação,pesquisas em todas as áreas do conhecimento, foi encontrar parceiros adequa-dos e introduzir formas novas de apoio, audaciosas muitas delas, para lançar aprodução científica de São Paulo a um novo patamar. E tudo indica que con-seguiu, a julgar – para ficar num único indicador da posição ocupada por essaprodução – pelos artigos que vem conseguindo emplacar nas mais respeitadasrevistas científicas internacionais. A publicação do artigo que relata os achadoscientíficos obtidos com o seqüenciamento da Xanthomonas citri, em termoscomparativos com a Xanthomona campestri, na edição da Nature de 23 de maiopassado, número 6887, volume 417, é apenas o exemplo mais recente disso.

Curiosamente, os saltos significativos na qualidade e no volume da produçãocientífica que a FAPESP impulsionou demonstram, na verdade, a fidelidade atualda instituição à concepção para ela imaginada pelos cientistas e intelectuais queconseguiram vê-la criada, finalmente, em 1962, depois de 15 anos de batalha.Porque pensava-se, desde então, numa instituição capaz de acompanhar asexigências da evolução do trabalho científico. Foi essa capacidade que a FAPESPdemonstrou com os 20 programas especiais que criou de 1994 a 2002, com eles

Em menos de dez anos, a FAPESP cria 20 programas especiais,firma parcerias que impulsionam a produção do conhecimento e mostra-se à sociedade

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Pesquisadores nas escadarias da Sala São Paulo,com as medalhas do MéritoCientífico e Tecnológico

Bravo, cientistas!

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24 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

5.212. Quanto aos auxílios à pesquisa,eles saltaram de 1.635 em 1992 para3.604 em 2000. Em toda a sua história,até o final de 2001, registre-se, a FA-PESP concedeu um total de 60.870 bol-sas e 47.486 auxílios à pesquisa.

Os alicerces materiais para a cons-trução dos dez últimos anos estavamjá fincados. Havia no estado “uma ba-se científica muito forte, estabelecidaprincipalmente nas universidades pú-blicas e formada graças à contribuiçãoda FAPESP e de organismos como oConselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq) e aCoordenação de Aperfeiçoamento de

propondo, em termos concretos, novase amplas possibilidades de pesquisapara a comunidade científica paulista– e por meio deles produzindo resulta-dos que deram um status à ciênciabrasileira inimaginável há, digamos,apenas cinco anos. O mesmo pode serdito quando se sai da esfera exclusivados programas especiais e inclui-seaquilo que foi feito nas linhas regularesde fomento à pesquisa – que decorreda demanda espontânea dos pesqui-sadores – para observar alguns dadosglobais comparativos de 1992 e 2000.Assim, se em 1992 foram aprovadas1.366 bolsas, em 2000 elas chegaram a

Pessoal de Nível Superior (Capes)”, dizo presidente da Fundação, Carlos Hen-rique de Brito Cruz. Aliada a essa com-petência, a FAPESP contava com umasólida estrutura financeira, asseguradapelo repasse, constitucionalmente de-terminado, de 1% dos recursos da re-ceita tributária estadual (até 1989, essepercentual era de 0,5%) e pelas receitasde seu patrimônio, formado por deter-minação da própria legislação que a

Equipe do Programa Genoma-FAPESP recebida no Alvorada pelo presidente Fernando Henrique

Linhas de atuação:bolsas e auxílioscordar com a execução do projeto eaceitar, como doação, os equipamen-tos que fazem parte dele.

As linhas regulares estão voltadaspara o atendimento da demanda es-pontânea (a chamada “demanda debalcão”) dos pesquisadores ligados àsuniversidades e institutos de pesqui-sa sediados no Estado de São Paulo.Constituem, portanto, um sólido su-porte às propostas de pesquisa livre-mente pensadas e formuladas pelacomunidade científica e tecnológicapaulista. As bolsas – de iniciação cien-tífica, aperfeiçoamento, mestrado,doutorado e pós-doutorado – vincu-lam-se sempre a um projeto de pes-quisa e (exceto as de pós-doutorado)à participação de um orientador decomprovada experiência científica.Quanto aos auxílios, são cinco as mo-

dalidades: projeto de pesquisa, vin-da de professor visitante (do Brasilou do exterior); organização de reu-nião científica ou tecnológica; parti-cipação em reunião científica outecnológica (no Brasil e no exterior)e publicação científica. A iniciativados pedidos cabe aos interessados.

Além dessas linhas,a FAPESP des-lanchou, a partir dos anos 90, umagama de programas especiais, ampa-rados por receitas patrimoniais pró-prias. São mais ambiciosos, contamcom prazos maiores e têm impactona geração de produtos e processosaltamente inovadores. Nesse grupode programas encontram-se, porexemplo, o Genoma-FAPESP, o BIO-TA e os ligados à inovação tecnoló-gica em parceria com as empresas,como o PITE e o PIPE.

Os investimentos crescentes daFAPESP refletem não apenas sua ca-pacidade de acompanhar a elevaçãoda demanda espontânea por recur-sos, mas também um esforço siste-mático para induzir e articular a ex-pansão da pesquisa no Estado. Bolsase auxílios à pesquisa são os meios tra-dicionais oferecidos em todas áreasdo conhecimento: Ciências Biológi-cas, Ciências da Saúde, Ciências Exa-tas e da Terra, Engenharias, CiênciasAgrárias, Ciências Sociais Aplicadas,Ciências Humanas, Lingüística e Le-tras e Artes. Essas bolsas e auxílios sãoinstrumentos de financiamento tan-to nas linhas regulares de fomento àpesquisa quanto nos programas es-peciais criados pela FAPESP – e sãoconcedidos diretamente aos candi-datos, cabendo às instituições con-

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■ Ensino Público

Iniciado em 1996, em parceria com osistema público de ensino, financia pes-quisas referentes à melhoria do ensinofundamental e médio na rede públicado estado.

■ Apoio a Jovens Pesquisadores

Surgiu em 1995 e apóia recém-doutorespara incentivar sua permanência no es-tado e, ao mesmo tempo, contribuir paraa formação de novos núcleos de pesqui-sa em centros emergentes.

■ Capacitação Técnica

Iniciado em 1996, tem por objetivo otreinamento e o aperfeiçoamento detécnicos de nível médio e superior paraas atividades de apoio a pesquisas fi-nanciadas pela FAPESP.

■ Incentivo ao Jornalismo Científico (Mídia/Ciência)

Implantado em 1999, visa a estimular aformação de profissionais especializadosem jornalismo científico.

■ Infra-Estrutura de Pesquisa

Criado em 1994, visa recuperar e mo-dernizar a infra-estrutura de pesquisado estado (de laboratórios a museus ebibliotecas).

■ SciELO (Scientific Electronic Library Online)

Trata-se de uma biblioteca virtual que,criada em 1997, abrange uma coleçãoselecionada de periódicos científicosbrasileiros. É um modelo de publicaçãoeletrônica de revistas científicas em paí-ses da América Latina e Caribe.

■ ProBE - Programa Biblioteca Eletrônica

Biblioteca virtual de textos completosde artigos de periódicos científicos in-ternacionais de editoras européias enorte-americanas, criada em 1999.

■ Rede ANSP (Academic Network at São Paulo)

Implantado em 1988, o programa éhoje um importante suporte para ofuncionamento da Internet no Brasil,cabendo-lhe, entre outras atribuições,a responsabilidade pelo registro de do-mínios e distribuição de IPs (InternetProtocol) no país.

de do estado de São Paulo, definindomecanismos para sua conservação eutilização sustentável.

■ Sistema Integrado deHidrometeorologia do Estado de São Paulo (Sihesp),

Criado em 2001, em parceria com oConselho de Hidrometeorologia daSecretaria de Ciência, Tecnologia, De-senvolvimento e Turismo do Estado,deve financiar pesquisas sobre os re-cursos hídricos paulistas.

■ Parceria para InovaçãoTecnológica (PITE)

Iniciado no final de 1994, este progra-ma desenvolve-se por meio de parce-ria entre uma instituição de pesquisado estado de São Paulo e uma empre-sa para a realização de um projeto depesquisa voltado para o desenvolvi-mento de novos produtos com altoconteúdo tecnológico ou novos pro-cessos produtivos.

■ Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE)

Criado em 1997, financia a fundo per-dido projetos de pesquisa apresenta-dos por pesquisadores ligados a pe-quenas empresas sediadas no Estadode São Paulo. A pesquisa se desenvolvena empresa.

■ ConSiTec (Consórcios Setoriaispara a Inovação Tecnológica)

O objetivo é estimular a colaboraçãode grupos de pesquisa com aglomera-dos de empresas para estudar temas eprojetos tecnológicos de interesse co-mum.

■ Programa de Apoio à PropriedadeIntelectual (PAPI),

Criado no ano 2000, se desenvolve noâmbito do Núcleo de Patenteamento eLicenciamento de Tecnologia (Nupli-tec). Seu objetivo é orientar e auxiliar ospesquisadores na defesa da propriedadeintelectual dos inventos resultantes depesquisas financiadas pela Fundação.

■ Pesquisa em Políticas Públicas

Financiamento de projetos em parceriacom órgãos estaduais e municipais como objetivo de implementar propostas so-cialmente relevantes. Foi criado em 1998.

Além das linhas regulares defomento à pesquisa, a FAPESP criouum conjunto de programas espe-ciais para induzir e orientar o de-senvolvimento científico e tecno-lógico de São Paulo. Financiadossobretudo com receitas patrimo-niais próprias da instituição, en-contram-se em andamento os se-guintes programas:

■ Genoma-FAPESP

Iniciado em 1997, engloba atualmenteseis projetos ligados às áreas de genéticae de biologia molecular em segmentoscomo citricultura, cana-de-açúcar,câncer.

■ Rede de Biologia Molecular Estrutural (SMOLBnet)

Estudo de estruturas de proteínas parao entendimento de suas funções e opossível desenvolvimento de medica-mentos de combate aos diversos tiposde câncer.

■ Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN)

Lançado em 2000, visa a seqüenciarquatro vírus: o HIV-1, principal cau-sador da Aids; o HCV, agente trans-missor da hepatite C; o Hantavírus,responsável por uma rara síndromepulmonar; e o VRS, que provoca in-fecções no trato respiratório.

■ Cepids-Centros de Pesquisa,Inovação e Difusão

Criado em 1998, tem como meta im-plantar redes interdisciplinares e mul-tiinstitucionais de cooperação científi-ca para gerar conhecimento de ponta eestimular a criação de empresas e pro-dutos inovadores.

■ TIDIA

Tecnologia da Informação no Desenvol-vimento da Internet Avançada. Lança-do em 2001, centra-se no estudo de re-des velozes de comunicação digital.

■ BIOTA - Instituto Virtual da Biodiversidade

Surgido em 1999, o programa visa ainventariar e caracterizar a biodiversida-

Os programas especiais

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criou. Assim, amadurecida e consoli-dada, a agência estava pronta, segun-do Brito Cruz, para “oferecer soluçõesnas quais todo o investimento anteriorna capacitação de pessoal e em proje-tos qualificados pudessem converter-seem riqueza e benefício aos cidadãos”.

espontaram, então, osprogramas que combi-navam doses de audáciae de ambição científica,ao lado de uma inequí-

voca vocação inovadora – vale dizer,capazes tanto de estimular o avanço doconhecimento quanto de transformá-lo em produtos e sistemas. “A FAPESPatravessou os últimos dez anos vencen-do obstáculos e subvertendo paradig-mas”, diz seu diretor científico, JoséFernando Perez.

Exemplo poderoso disso é o Pro-grama Genoma-FAPESP, iniciado em1997 com o projeto de seqüenciamen-to da bactéria Xylella fastidiosa. “Ele

começou a nascer da constatação deque o país caminhava devagar nessaárea, uma das poucas do conhecimentoem que nossa produtividade estavaabaixo das médias internacionais”, dizPerez. Resultado: já em 2000, a com-petência dos pesquisadores paulistasem pesquisa genômica estava compro-vada e internacionalmente reconheci-da. O Brasil tornara-se o primeiro paísa seqüenciar um fitopatógeno, ou seja,um agente causador de doenças emplantas. As repercussões do sucessodesse projeto pioneiro prosseguem atéhoje: relatório da Organização Mundialda Saúde (OMS), divulgado em abrildeste ano, destaca em um quadro es-pecial como as estratégias adotadas naárea de genômica impulsionaram oBrasil ao topo da pesquisa mundialnesse segmento. O modelo traçado pelaFAPESP serve hoje de referência paraoutros países e seus resultados repre-sentaram uma “extraordinária con-quista”, segundo a OMS.

De fato, em tempo recorde, cerca de200 pesquisadores, distribuídos por 31laboratórios, haviam montado o mapagenético da bactéria X. fastidiosa, causa-dora da praga do amarelinho (clorosevariegada de citros – CVC), que atingeperto de um terço dos laranjais paulistase é responsável por prejuízos da ordemde R$ 150 milhões/ano. O feito ganhou,em julho de 2000, a capa da famosa re-vista inglesa Nature e saudações genera-lizadas na mídia internacional, alçandoo Brasil ao ranking científico mundial,ao lado das potências “biológicas” doplaneta – Estados Unidos, Reino Unido,França, Japão e Alemanha. Além disso,trouxe para os pesquisadores o reco-nhecimento das autoridades nacionais:eles foram homenageados com a Meda-lha do Mérito Científico e Tecnológico,numa festa em 21 de fevereiro de 2000,comandada pelo então governador Má-rio Covas, e depois, um grupo deles foirecebido pelo presidente FernandoHenrique Cardoso.

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A rede avançada dos Cepidsram anunciados pela FAPESP (que deinício pretendia escolher cinco ou seis,mas optou por ampliar o número dian-te da excelência das propostas) no dia14 de setembro de 2000.

Os Cepids espelham à perfeição osnovos rumos que a agência vem tri-lhando, que envolvem tanto a explora-ção de terrenos situados nas fronteirasda ciência, quanto o enfrentamento deproblemas ligados à inovação do dia-a-dia, cuja solução tenha grande im-

pacto social. É o caso, por exemplo, dotrabalho que o Centro Multidiscipli-nar para o Desenvolvimento de Cerâ-mica de Materiais realiza em PortoFerreira (SP). Tradicional pólo cerâ-mico brasileiro, a cidade vinha per-dendo mercado devido à baixa quali-dade e ao design antiquado de seusprodutos. A situação começou a serrevertida graças ao Laboratório Inter-disciplinar de Eletroquímica e Cerâ-mica (Liec) da Universidade Federal

Uma rede de cooperação científicacapaz de gerar conhecimento de pon-ta, empresas inovadoras, produtos tec-nologicamente refinados e, de quebra,provocar um salto na qualidade do en-sino e da pesquisa. Baseada nessa fór-mula – que entrelaça a força acadêmi-ca aos modernos modelos de parceria– a FAPESP traçou as linhas que sus-tentam os Centros de Pesquisa, Inova-ção e Difusão (Cepids). Ousado, oprograma se afirmou de saída como omais competitivo da história da pes-quisa no país: 112 grupos de excelên-cia apresentaram pré-projetos ematendimento ao primeiro edital, lança-do em outubro de 1998. Desse con-junto, foram selecionados 30 projetossemifinalistas – todos submetidos auma bancada de 150 consultores in-ternacionais, especialistas em diversasáreas de pesquisa. Depois desse dificí-limo processo de seleção foram esco-lhidos os dez finalistas. Seus nomes fo-

Anúncio dos dez Cepids selecionados, em 2000:

apoio constante de Covas

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O Programa Ge-noma-FAPESP, quejá lançou nove proje-tos, tornou-se umsímbolo de mudan-ças na vida da insti-tuição, representan-do uma “fuga para afrente”, na expressãode Brito Cruz. O impacto de uma pro-posta desse tipo, observa, provoca,além de uma mudança qualitativa, umverdadeiro “choque” na ciência nacio-nal, no tocante à formação de recursoshumanos de altíssimo nível e em gran-de escala. Além disso, trata-se de uma“linha estratégica e importante para opaís”, avalia Perez, acrescentando:“Começamos trabalhando com rapi-dez num projeto ambicioso e de gran-de repercussão mundial”.

O Genoma tem entre seus pilarescientíficos o projeto BIOQ-FAPESP e,entre os técnicos, a Rede ANSP (Acade-mic Network at São Paulo). O primei-ro, uma coleção de projetos de pontadesenvolvidos na década de 80, induziua formação de pessoal altamente capa-citado e a estruturação de modernos la-

boratórios de bioquí-mica. A Rede ANSP,por sua vez, criadano final dos anos 80para interligar a co-munidade acadêmicanacional e internacio-nal, tornou-se o em-brião da Internet no

Brasil. Foi a materialidade dessa redeque permitiu à Fundação montar umamalha eletrônica de cooperação, inte-grada hoje por mais de 60 laboratóriosdisseminados pelo estado, a chamadaRede ONSA (Organization for Nucleoti-de Sequencing and Analysis), que co-necta todos os pesquisadores envolvi-dos com os projetos Genoma.

Inspirado no mesmo arcabouço foicriado, em 1999, o Programa BIOTA-Instituto Virtual da Biodiversidade,que reúne dezenas de projetos articu-lados entre si e do qual participamcerca de 400 pesquisadores paulistasligados pela Internet. Considerado oprograma brasileiro mais ambiciosona área ambiental, o BIOTA visa a pro-dução de conhecimentos que servirãopara montar um banco de dados vir-

tual sobre a biodiversidade paulista.Toda a fauna, flora e microrganismosdo estado estarão ali catalogados. Comessas informações pretende-se elabo-rar políticas públicas de conservação euso sustentável dos recursos ambien-tais das várias regiões paulistas. Os pri-meiros dados já estão disponíveis nainternet – um avanço na democrati-zação da informação científica.

m outro claro exemploda subversão de para-digmas a que Perez serefere são os programasde inovação tecnológica,

estruturados com base na encomendade pesquisas por empresas – ProgramaParceria para Inovação Tecnológica-PITE, lançado no final de 1994 – ou nofinanciamento direto à pesquisa dentroda empresa – Programa de InovaçãoTecnológica em Pequenas Empresas –PIPE, criado em 1997. “Nos anos 70 e80, havia na academia e nos setores go-vernamentais ligados à área científico-tecnológica a ilusão de que pesquisa sefazia na universidade, a qual, além deproduzir ciência, também produziria

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 27

de São Carlos, uma das integrantesdo centro. O Liec firmou uma parce-ria com o sindicato local, que pôde,assim, reativar seu laboratório, do-tando-o da infra-es-trutura necessária paraa realização de pesquisaaplicada. Introduziu-setecnologia de ponta noprocesso, a matéria-prima foi substituída ecriou-se, entre outrosaperfeiçoamentos, umbanco de dados de co-res, para conferir ho-mogeneidade aos lotesdo produto.

Modelados sob ainspiração de uma pro-posta americana – osvinte Centros de Ciên-cia e Tecnologia (STCem inglês) mantidospela National ScienceFoundation – os Ce-pids paulistas adotamuma idéia inovadora,

concretizada a partir de fórmulas játestadas por vários dos programasdesenvolvidos pela FAPESP em par-ceria com diferentes atores. Segundo

o diretor cientí-fico José Fernan-do Perez, os cen-tros – sempresediados em am-bientes acadêmi-cos – consolidamas três principaisdiretrizes de atua-ção da agência:pesquisa multi-disciplinar; trans-ferência de co-n h e c i m e n t o(base dos progra-mas de PolíticasPúblicas, PITE ePIPE); e progra-mas de educação,Ensino Público ePró-Ciências.

Os dez cen-tros em funcio-

namento contam com recursos de R$15 milhões anuais. Além de pesquisasmultidisciplinares avançadas e tec-nologias de ponta, os Cepids tam-bém desenvolvem projetos capazesde subsidiar a formulação de políti-cas públicas, em vários níveis gover-namentais. Visam ainda a estimular aformação de pequenas empresas queincorporem os resultados das pes-quisas e promover atividades educa-cionais, incluindo, além dos cursosclássicos de graduação e de pós-gra-duação, atividades em educação bási-ca, incluindo treinamento para alu-nos e professores de segundo grau.

A FAPESP vai apoiar as atividadesdos Cepids por um prazo máximo de11 anos. Os contratos poderão ser re-novados no quinto e no oitavo anosde funcionamento, sempre por umperíodo de mais três anos. No final doprocesso, espera-se que os centros te-nham cumprido a missão para o qualforam criados, ou que adquiram au-tonomia plena e sejam capazes demanter-se sozinhos.

Centros em funcionamento

■ Centro de Estudos do Sono(Unifesp)■ Centro de Biologia MolecularEstrutural (USP-São Carlos/Laboratório Nacional de LuzSíncroron-LNLS)■ Centro de ToxinologiaAplicada (Instituto Butantan)■ Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos(UFScar/Unesp)■ Centro de EstudosMetropolitanos (CentroBrasileiro de Análise ePlanejamento-Cebrap)■ Centro de Estudos daViolência (USP)■ Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (USP-São Carlos/Unicamp)■ Centro Antônio Prudente de Pesquisa e Tratamento do Câncer (Hospital do Câncer)■ Centro de Pesquisa em Terapia Celular (USP-Ribeirão Preto)■ Centro de Estudos do Genoma Humano (USP)

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inovação, transformando conhecimen-to em produtos”, diz Brito Cruz.

O PITE sinalizou claramente que aFAPESP entendia a empresa como lo-cus preferencial da inovação e que que-ria levá-la a compartilhar custos e as-sumir riscos. Dado o ineditismo daproposta, ela levou cerca de quatroanos até, finalmente, deslanchar – atu-almente, 62 projetos são apoiados peloprograma. O PIPE, por sua vez, apro-fundou a experiência que a Fundaçãoestava realizando em pesquisa parainovação tecnológica. Brito Cruz clas-

sifica o programacomo revolucioná-rio, porque, pelaprimeira vez noBrasil, uma agênciade fomento decidiafinanciar a pesqui-sa diretamente dentro da empresa, semimpor a participação da universidade.Não se exigem credenciais acadêmicasdo pesquisador responsável pelo proje-to. O que vale, de fato, é sua experiênciaem inovação num ambiente empresari-al. Atualmente, o programa – a ação

“mais inovadora” da FA-PESP, na avaliação de seudiretor científico – temuma carteira de quase200 projetos em anda-mento, mostrando que aspequenas empresas apos-

tam no conhecimento como fonte deriqueza, de desenvolvimento e criaçãode empregos qualificados.

Se a idéia estratégica de parceriaapareceu pela primeira vez na FAPESP,com o PITE, nos anos subseqüentesela tornou-se uma palavra-chave,

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Máquina sem burocraciaro de funcionários (que não passava de18, em 1962) cresceu a um ritmo bemmenor (177%), passando de 69 para191. Conclusão importante é a gran-de evolução na “produtividade”do tra-balho: em 1986, havia 51 processospor funcionário; em 2001, esse nú-mero subiu para 83.A manutenção deuma equipe relativamente pequenaé, aliás, um imperativo: por lei, a FA-PESP não pode ultrapassar 5% do seuorçamento com todos os gastos ope-racionais. Mas, segundo Engler, taisgastos têm sido ainda menores, osci-lando ao redor de 3,5%.

Engler sublinha também o papeldos assessores externos, que com-põem uma rede de 7 mil pesquisado-res, a maior parte dos quais em SãoPaulo. Eles são selecionados pelascoordenadorias da diretoria científi-ca para análise de propostas e elabora-ção de pareceres. Todas as solicitaçõesde auxílio ou bolsa encaminhadas àFAPESP, enquadradas em quais-quer de seus programas, são avalia-das por assessores ad hoc (os “pa-res”), cientistas ou especialistas dereconhecida competência, que nãorecebem remu-neração (a não serem casos especia-líssimos, quandose contratam as-sessores fora doestado ou mesmointernacionais).

A “máquina”da FAPESP é co-

mandada por um Conselho Superior(CS) e um Conselho Técnico Admi-nistrativo (CTA). O primeiro é res-ponsável pela orientação geral daFundação e pelas decisões de políticacientífica, administrativa e patrimo-nial. Esse Conselho é formado por 12membros, com mandato de seis anos.Seis deles são de livre escolha do go-vernador do estado e os demais sãoindicados também pelo governador,a partir de listas tríplices enviadas pe-las universidades estaduais paulistase pelas instituições e ensino e pesqui-sa, públicas e particulares, com sedeno estado de São Paulo. O presiden-te e o vice-presidente do ConselhoSuperior são indicados, para manda-tos de dois anos, pelo governador doEstado, a partir de listas tríplices elei-tas pelos conselheiros. O presidenteda Fundação – e seu representantelegal – é também presidente do CS.

O Conselho Técnico Adminis-trativo da Fundação constitui suadiretoria executiva e é formado pelodiretor presidente, diretor científicoe diretor administrativo. Com man-datos de três anos, os diretores são

indicados pelo go-vernador, a partir delistas tríplices elabo-radas pelo ConselhoSuperior. Sob o co-mando das três dire-torias funcionam asassessorias e gerên-cias específicas decada área.

Enxuta, dinâmica e focada nopesquisador: esta é a base sobre a quala FAPESP opera a rotina administra-tiva desde o início de sua atuação. Aproposta desse modelo simples, fun-cional e desburocratizado, aprimora-do ao longo dos anos, é “atender, daforma mais eficiente possível, às ne-cessidades do pesquisador”, observao diretor administrativo da Fundação,Joaquim José de Camargo Engler. Ospedidos de financiamento para pro-jetos de pesquisa, em todas as moda-lidades ofertadas pela agência, dãoentrada pela diretoria administrativa.Depois de autuados, são encaminha-dos para a diretoria científica,que ava-lia o mérito dos projetos. Se aprova-dos, voltam para o setor administrativopara a elaboração dos contratos (re-centemente, os bolsistas da FAPESPpassaram a ter acesso aos serviços deprestação de contas informatizados,por meio do qual podem registrar osgastos à medida em que são efetua-dos – no final, basta anexar os com-provantes e apresentar o relatório).

Nos últimos anos, as atividadesadministrativas aumentaram bas-tante, especialmente em função dosurgimento da linha de programasespeciais da década de 90 – e exigin-do equipes cada vez mais preparadastecnicamente. Uma avaliação dessaexpansão pode ser feita por meio donúmero de processos analisados,que se elevou de 3.529, em 1986, para15.868, em 2001 (crescimento de350%). No mesmo período, o núme-

Engler, diretor-administrativo Baixo custo operacional

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aplicável a boa parte dos programasespeciais. Assim, o Programa de Apoioao Ensino Público, lançado em 1996,por exemplo, implica parceria depesquisadores com escolas e profes-sores da rede pública paulista de ensi-no fundamental e médio. E o Pro-grama de Pesquisa em PolíticasPúblicas, iniciado em 1998, envolveparceria com organismos públicos, es-taduais e municipais, e instituições doterceiro setor, como cooperativas, fun-dações e organizações não-governa-mentais. Em um pouco mais de detal-hes, o primeiro destina-se a estimularprojetos em escolas da rede pública vi-sando à introdução de experiênciaspedagógicas inovadoras; com cerca de60 projetos aprovados, a Fundação in-vestiu no programa mais de R$ 11 mi-lhões em auxílios à pesquisa, bolsaspara professores, aquisição de compu-tadores e reequipamento de laborató-rios. O segundo financia pesquisaspara o aprimoramento e a implemen-tação de políticas públicas socialmen-te relevantes; com mais de cem proje-tos em andamento, o programa jáenvolveu investimentos superiores aR$ 5,5 milhões, destinados a áreas tãodiversas quanto saúde pública, meioambiente, agricultura, gestão financei-ra, emprego e violência urbana.

ma contribuição funda-mental da política daFAPESP, nos anos maisrecentes, para a con-tinuidade da formação

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 29

O perfil dos investimentosjetivo é a obtenção de resultados denatureza tecnológica. A terceira en-volve Pesquisa em Políticas Públicas(PP), ou seja, pesquisa aplicada quevisa à obtenção de resultados rele-vantes para a definição ou imple-mentação de políticas públicas. Final-mente, a quarta categoria, PesquisaTecnológica/Políticas Públicas (T/PP),refere-se à pesquisa aplicada cujosresultados têm potencial de aplica-ção tecnológica e, também, de con-tribuição para políticas públicas.

Os resultados, segundo as novascategorias, podem ser lidos na tabelaabaixo. No ano passado, por exem-plo, a FAPESP investiu R$ 161,1 mi-lhões. Desse total, 69% dizem res-peito a aplicações na categoria amplade Pesquisa Básica (B). Consideran-do-se somente pesquisa básica nosentido estrito (B/AC), sua partici-pação chegou a 23%; os demais 46%significam investimentos nas trêsoutras categorias da pesquisa básica.Somando-se essas subcategorias dapesquisa básica às categorias refe-rentes à pesquisa estritamente apli-cada (T, PP e T/PP), constata-se que77% dos recursos investidos pelaFAPESP em 2001 destinaram-se aprojetos que têm maior ou menorgrau de aplicação tecnológica ou re-ferem-se à orientação e formulaçãode políticas públicas.

Os projetos submetidos à FA-PESP tradicionalmente eram classi-ficados apenas de acordo com a áreade conhecimento em que se inseriam(biológicas, engenharia, saúde, porexemplo). Nesse esquema, perdiam-se informações preciosas a respeitoda contribuição da agência. Por isso,a partir de 2000, a Fundação adotouum critério adicional, baseado numametodologia que permite avaliaçõesmais precisas, sem influenciar a de-cisão de apoiar ou não determinadoprojeto.

A nova metodologia leva em con-ta o enquadramento dos projetos emquatro categorias. A primeira de-las representa a Pesquisa Básica (B),abrangendo as subcategorias B/AC(básica, voltada exclusivamente parao avanço do conhecimento); B/T (bá-sica,voltada para o avanço do conhe-cimento, mas com potencial de apli-cação tecnológica); B/PP (básica,voltada para o avanço do conheci-mento,mas com potencial definido decontribuição para a formulação depolíticas públicas); e B/T/PP (básica,voltada para o avanço do conheci-mento, mas com potencial de apli-cação tanto no setor público comono privado).

A segunda categoria refere-se àPesquisa Tecnológica (T), quer dizer,pesquisa aplicada cujo principal ob-

CLASSIFICAÇÃO INOVADORAInvestimentos da FAPESP segundo categorias e sub-categorias de pesquisa básica e pesquisa aplicada - Valores em R$ milhões

PESQUISA BÁSICA TECNOLÓGICA POLÍTICAS TECNOLÓG./ TOTALANO** Básica/Avanço Básica/Aplicação Básica/Políticas Básica/Apl. Tec./ (T) PÚBLICAS POL. PÚBLIC.

do Conhecimento Tecnológica Públicas Polít. Públicas (PP) (T/PP)(B/AC) (B/T) (B/PP) (B/T/PP)

% do % do % do % do % do % do % do Valor total Valor total Valor total Valor total Valor total Valor total Valor total

2001 37,9 23 63,9 40 7,3 5 2,1 1 38,4 24 10,0 6 1,4 1 161,12000 53,3 26 84,0 40 17,2 8 5,0 2 34,0 16 13,1 6 1,6 1 208,21999 54,2 25 90,2 41 14,6 7 4,3 2 39,1 18 17,0 8 1,0 0.5 220,41998 27,3 24 21,8 19 17,9 16 3,7 3 29,5 26 10,8 10 1,8 2 112,7

OBS: Os dados referem-se a auxílios à pesquisa regulares, projetos temáticos, programas Apoio a Jovens Pesquisadores, Biota, PITE, PIPE, Ensino Público, Pró-Ciências, Políticas Públicas e Genoma(*) O total de recursos inclui concessões, suplementações, anulações e transferências de exercício desde a concessão até 28/02/2002(**) Ano da concessão inicial

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de recursos humanos de alto nível,para sua fixação em São Paulo, e a con-seqüente formação de novos núcleos egrupos de pesquisa no estado, é o Pro-grama de Apoio aos Jovens Pesquisa-dores, lançado em 1995. Nesse âmbitojá foram aprovados 416 projetos e 260encontram-se hoje em andamento(ver detalhes na página 67). Três anosdepois, a Fundação aprofundaria radi-calmente sua determinação de estimu-lar a formação de fortes grupos de ex-celência em pesquisa, em diferentesáreas, com o programa dos Centros dePesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).O programa resultou no surgimentode dez centros (depois de um dificíli-mo trabalho de seleção entre 112 can-didatos) multidisciplinares para realizarpesquisas originais e de vanguarda; alémdelas, os Cepids desenvolvem projetosde estímulo à criação de pequenas em-presas de base tecnológica e de subsí-dio à formulação de políticas públicas.Essas “ilhas de excelência” – dedicadasainda a atividades educacionais quevão de cursos de treinamento aos depós-graduação –, estão distribuídaspelas áreas de biologia molecular es-trutural, desenvolvimento de materiaiscerâmicos, estudos metropolitanos, te-rapia celular, genoma humano e estu-dos do sono (leia o quadro da página26). “O maior desafio da política cien-tífica e tecnológica é propor uma visãointegrada da atividade de pesquisa, coma transferência do conhecimento paraos setores público e privado e tambémpara a educação”, observa Perez a res-peito dos Cepids.

Num registro de menor visibilida-de, mas de profundo alcance científi-co, increve-se o Programa de Infra-Es-trutura – outro ponto de inflexão natrajetória da entidade. Criado em 1994,esse programa rompeu um dogma: ode que as agências de fomento deve-riam financiar exclusivamente bolsas eauxílios à pesquisa, mas não a reformae a modernização de laboratórios. Dian-te do quadro de sucateamento das ins-talações de pesquisa, no entanto, frutode duas décadas de parcos investimen-tos em sua conservacão, a Fundaçãoresolveu injetar recursos nessa área.Até agora foram investidos cerca de R$505 milhões para financiar 4.474 pro-jetos de recuperação de infra-estrutu-ra, apresentados por todas as universi-

dades públicas, algu-mas privadas e insti-tutos de pesquisa lo-calizados no Estadode São Paulo. Alémdos laboratórios, oprograma deu apoiotambém à renovaçãoe reforma de biblio-tecas (ampliando seuacervo), reforma emanutenção de bioté-rios, museus, arquivose redes locais de in-formática.

Os programas es-peciais se inserem“nos novos paradig-mas ligados à produ-tividade e à qualida-de, como base para aobtenção da competividade, únicaforma de defesa do mercado interno eda conquista do mercado externo”, dizo diretor presidente da Fundação,Francisco Romeu Landi. No contextogeral da globalização e da aberturaeconômica do país, a entidade, “coladaa essa realidade, também incorporouuma visão mais internacionalizada”,observa ele.

Os avanços concretizados pelaFAPESP refletem-se no volume deinvestimentos aplicados à pesquisa emSão Paulo. No ano passado, por exem-plo, os investimentos totais realizados

pela Fundação alcan-çaram a cifra de R$599,48 milhões. Dessevalor, R$ 397,28 mi-lhões foram desem-bolsados no ano parafinanciar bolsas (con-cedidas no ano), au-xílios e programas es-peciais e R$ 202,18milhões estão compro-metidos com gastosfuturos de apoio abolsas, as quais, pelasua própria natureza,se estendem por al-guns anos. Do total doinvestimento, 52% fo-ram para bolsas (nestecaso das bolsas, 18% sereferem a 2001 e 34%

a exercícios futuros), 33% paraauxílios e 15% para programas espe-ciais. De acordo com Joaquim José deCamargo Engler, diretor administrati-vo da FAPESP, considerando-se os au-xílios e bolsas concedidos em anos an-teriores, com dispêndios em 2001, odesembolso total no ano foi de R$ 493milhões, sendo 35,44% destinados abolsas; 38,39% a auxílios regulares;11,82% a programas especiais; e14,35% a projetos de inovação tecno-lógica. Esse perfil de investimentos in-dica uma firme manutenção do apoioà pesquisa básica e, ao mesmo tempo,

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Landi, diretor-presidenteProdutividade e qualidade

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A memória da instituiçãoinstituição e a segunda, o relato deseus personagens-chave, precedido denotas biográficas. Além da própriaAmélia, participaram das entrevistas oprofessor Shozo Motoyama, do Depar-tamento de História da Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanasda USP, e os historiadores Marilda Na-gamini, Lincoln Taira, Francisco Quei-roz e Walkiria Chassot.

Na jornada de “redescobrir” a FA-PESP – à qual é unida por laços anti-gos como membro da comunidade ci-entífica paulista – Amélia conta quepôde aprofundar suas reflexões “e am-pliar as perspectivas de discussões dasquais participei ativamente ao longo

As experiências que marcaram avida da FAPESP, desde suas origens,foram registradas num trabalho querecupera e analisa sua trajetória.Trata-se do livro Fronteira da PráticaCientífica no Brasil: FAPESP Institui-ção e Memórias, a ser brevemente pu-blicado pela Fundação. Editada pelaprofessora Amélia Império Hambur-ger, a obra reúne mais de 20 depoi-mentos de lideranças paulistas queimplantaram e conduziram a Funda-ção entre 1962 e 2002, ditaram seusrumos e imprimiram o selo de serie-dade e excelência científica às suas li-nhas de ação. A primeira parte dotexto contém uma apresentação da

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da Internet Avançada (Ti-dia), lançado em 2001. Aidéia baseia-se na realizaçãode projetos cooperativosque interconectem univer-sidades, institutos e empre-sas trabalhando em torno dapesquisa básica e de temasligados a segmentos pro-missores do ponto de vistatecnológico, como teleme-dicina, educação à distân-cia, desenvolvimento deequipamentos e análise desegurança, entre vários ou-tros. Prevê-se também oaprofundamento das pro-postas de alianças entre

universidade e empresa, que vêm sen-do estimuladas pela FAPESP desdemeados dos anos 90. A partir do su-cesso do PITE, por exemplo, a Funda-ção modelou dois spin offs: os Con-sórcios Setoriais para a InovaçãoTecnológica (ConSiTec), para apoio àformação de consórcios empresariais emparceria com instituições acadêmicase o Parceria para Inovação em Ciênciae Tecnologia Aeroespacial (PICTA). •

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 31

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AR Governador Covas e o

presidente da FAPESP,Brito Cruz, no lançamento do PIPE, em 1997

de minha carreira deprofessora e pesqui-sadora do Institutode Física da USP, des-de os anos 50”.

Foi um estímulotambém o fato dehaver convivido in-tensamente com al-gumas personalidadesque tiveram partici-pação decisiva na cria-ção e estruturação da FAPESP. Nomescomo Mário Schenberg, MarcelloDamy, Abrahão de Moraes, Omar Ca-tunda, Cândido da Silva Dias, ElzaGomide e Paulo Saraiva de Toledo,dos quais foi aluna, e Oscar Sala, comquem trabalhou na construção doelevador eletrostático do (então) De-

partamento de Fí-sica da Faculda-de de Filosofia,Ciências e Letras.A experiência naorganização dosarquivos históri-cos desse Depar-tamento reforçousua identificaçãocom o empreen-dimento editorial

da FAPESP. “Pelas características dainstituição, por sua ligação com a co-munidade, podemos perceber como otrabalho de pesquisa e ensino podepromover novos espaços culturais, so-ciais e políticos”, observa Amélia.

O livro compõe um amplo projetoda Fundação historiografia e sua pró-

pria ciência e tecnologia no país. Essapreocupação já resultou na edição dedois volumes: FAPESP – Uma Históriade Política Científica e Tecnológica ePara uma História da FAPESP – Mar-cos Documentais, de 1999, ambos orga-nizados por Motoyama. Encontram-seno prelo, de responsabilidade do mes-mo autor, os livros 50 Anos do CNPqContados pelos seus Presidentes, quereúne depoimentos e entrevistas dos20 presidentes do órgão, desde a suafundação, até hoje, e Prelúdio para umaHistória – Ciência e Tecnologia no Brasil:um amplo painel da ciência e tecnolo-gia no país desde os primeiros anos dodescobrimento até os dias atuais, rela-cionando descobertas e realizaçõescom as demandas da sociedade e omomento sociopolítico e econômico.

Edições FAPESP, um compromissocom a divulgação científica

to dos programas já existentes, to-mando fôlego para outro salto à frente.

Um dos bons exemplos dessa dire-triz é o estudo deredes de comunica-ção digital cada vezmais velozes e com-plexas, objetivo doPrograma Tecnolo-gia da Informaçãono Desenvolvimento

uma grande preocupação com os re-sultados práticos das centenas de pro-jetos apoiados (como se lê no quadroda página 29).

Daí a sonda-gem cuidadosa denovos cenários. Jo-sé Fernando Perezassinala que a idéiaagora é centrar-seno aperfeiçoamen-

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uando se fala em Revolução paulistatodo mundo pensa na Revolução de1932, aquela que deu origem ao obelis-co do Parque Ibirapuera e deu nome àAvenida 9 de Julho com o feriado cor-respondente. Todo mundo, que digo, é

exagero. Eu diria que os que assim reagem são os daminha geração, que viram nos céus de São Paulo oscombates aéreos entre vermelhinhos e federais ouperderam parentes nas trincheiras da Mantiqueira.Os jovens de hoje, se perguntados, dirão que 9 de Ju-lho “é por causa do shopping de mesmo nome” oucoisa parecida. E têm razão. Porque a verdadeira revo-lução paulista deu-se em 1960, com a criação da FA-PESP – a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estadode São Paulo. Foi com a FAPESP que São Paulo saiuda Idade Média, que a Universidade deixou de ser umClube onde se reuniam ilustres médicos, engenheirose advogados para trocar idéias, que a indústria e aagricultura paulistas encontraram o apoio e a basepara um desenvolvimento tecnológico auto-sustentá-vel, que a Economia, as Ciências Humanas e as Letrasforam reconhecidas como atividades válidas e úteis,que, enfim, a pesquisa nas Ciências, nas Técnicas enas Atividades Culturais fora reconhecida como ele-mento-chave do progresso da sociedade. Dizer issohoje é fácil. A televisão e a mídia nos enchem ouvidose olhos com os milagres da Ciência, das técnicas ele-trônicas e informáticas, das biotecnologias, dos novosmateriais e da terapia gênica.

Pensar isso nos anos 50, 60, na Vila Clementino ouno Bom Retiro, era privilégio de algumas raras cabe-ças. Então, se me perguntarem quem foi o homem,qual foi a principal cabeça, responsável por essa ver-dadeira revolução eu diria sem pestanejar: “Foi o pro-fessor Ceccone”. Como um historiador, perguntadosobre a Revolução, de 1932, responderia: “Foi Pedro

de Toledo”. Não que o professor Ceccone tenha feitotudo sozinho. Seria impossível. Mas o Pedro de Toledotambém não fez sozinho a Revolução de 1932. Cecco-ne teve antecessores e sucessores. Seus sucessores to-dos conhecem. Foram o governador Carvalho Pintoe o reitor da USP, Antônio Barros de Ulhôa Cintra,que assinaram em 18 de outubro de 1960 a Lei decriação da FAPESP; foi o Plínio Arruda Sampaio, queserviu de intermediário entre o professor Ceccone e ogovernador; foram os deputados que aprovaram a lei;foram os pesquisadores Adriano Marchini e Luiz Meil-ler, que assessoraram os deputados; fomos nós, os mi-litantes da Associação dos Docentes da Universidadeque, liderados por Alberto Carvalho da Silva, fizemoshoras e horas de sitting na Assembléia, pressionandoos deputados. Os antecessores de Ceccone são tam-bém conhecidos, embora menos citados. Foram, so-bretudo, Caio Prado Júnior e Mário Schenberg, essadupla única de pesquisadores em Ciências Humanas eem Ciências Físicas que, como membros da bancadacomunista na Assembléia Constituinte Paulista de 1947,fizeram incluir na Constituição a célebre emenda dabancada, pela qual a Carta paulista estabeleceu em seuartigo 123: “O amparo à pesquisa científica será pro-piciado pelo Estado, por intermédio de uma funda-ção organizada em moldes a serem estabelecidos porlei”. Determinando ainda que: “Anualmente, o Estadoatribuirá a essa fundação, como renda especial de suaprivativa administração, a quantia não inferior a meiopor cento de sua receita ordinária”. Sem se esquecerque, em 1988, na redação da nova Constituição pau-lista, os deputados Aloysio Nunes Ferreira e Anto-nio Reski fizeram aprovar uma emenda aumentandoessa alíquota para 1% e determinando o repasse men-sal de recursos, o que eliminava efeitos negativos dainflação da época. Mas tudo isso teria ficado no papelse não fosse o professor Ceccone. Vocês pensam que

O professor Ceccone e a revolução paulista

C R Ô N I C AC R Ô N I C A

“Na vida real, verdadeira, na esfera do poder político(…) raramente são as figuras superiores,as pessoas das idéias puras que decidem, e sim uma categoria muito inferior,

porém mais hábil: os personagens dos bastidores.”

LUIZ HILDEBRANDO PEREIRA DA SILVA*

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Stephan Zweig. Joseph Fouché,retrato de um homem político

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estou brincando? Então vejam essa história. Ela co-meça com um telefonema… Em março de 1960.

– Alô! É você, Luiz? – Apesar do tom angustiadoreconheci a voz de meu cunhado Mauro, e o tomjustamente me fez despertar mais rapidamente dasonolência matinal. Não eram ainda 7 horas da ma-nhã (como verifiquei olhando o despertador desoslaio), e um chamado a essa hora era no mínimopreocupante.

– Sim, sou eu. O que é que há. Alguma coisa gra-ve? Ruth? As crianças?

– Não! Não se inquiete! Vai tudo bem desse lado.Estou te telefonando por causa de um problema como professor Ceccone.

– O professor Ceccone? Mas ele já não partiu devolta para a Itália? O que houve? Naufrágio do navio?

– Não! Quer dizer… Justamente. Na últimahora a Universidade recusou-se a pagar a passagemde volta dele e da família. O navio em que ele fez asreservas vai partir de Santos depois de amanhã eeles não poderão embarcar!Você acha que se pode fazer al-guma coisa?

– Escuta, Mauro. Estou aindameio dormindo. É melhor vocêvir aqui em casa e me explicarisso direito.

Depois de tomar uma boa chu-veirada para terminar de acordar,desci e fui preparar o café, que euainda estava tomando quandoMauro chegou esbaforido. Fi-losentar à mesa e servi-lhe um ca-fezinho para se acalmar. Depoispropus que retomasse a históriadesde o início, sugestão que eleadotou, relembrando mesmo fatosque eu já conhecia. Em resumo, oprofessor Ceccone, matemáticoitaliano ilustre, fora contratadopela USP, em 1956, para lecionar na Escola de Enge-nharia de São Carlos. Mauro, que era jovem matemá-tico, assistente da Escola Politécnica, fora trabalharcom ele e se achava no sétimo céu. Considerava Cec-cone um gênio. Ceccone era seu guru. O contrato erade dois anos, renovável, e fora realmente renovadouma vez. Ceccone, que estava de licença da universi-dade italiana, fora entretanto nomeado para assumiruma cadeira na Universidade de Gênova e, segundo oque autorizava o contrato, pedira, com a devida antece-dência, rescisão do mesmo, o que o permitiria viajar devolta à Itália no início do ano 1960 e assumir a cadei-ra em Gênova. Solicitou então as passagens de volta,para ele e familiares…

– Como rezava o contrato – perguntei, interrom-pendo.

– Não! Justamente. Isso não constava do contrato,assinado apenas quando ele já estava aqui, mas constava

da carta-convite, assinada pelo Diretor de São Carlos.– E quem pagou a viagem de vinda?– A USP, naturalmente. Para ele, a mulher e os

três filhos…– … O que não precisava constar do contrato, pois

ele já estava aqui. Isso quer dizer que, se a carta-con-vite valeu para fornecer a passagem de vinda, deveriavaler para fornecer a passagem de volta.

– Exatamente – disse Mauro.Acontece, porém, que a Administração da USP

não tinha entendido dessa maneira, e respondeunegando as passagens, alegando que o compromis-so não constava do texto do contrato. O diretor deSão Carlos pediu então ao reitor que o autorizasse apagar as passagens com recursos da Faculdade, maseste respondeu que não tinha autoridade para tal eque consultaria o Conselho Universitário. O Conse-lho Universitário fora adiando a decisão. Transfe-rindo de uma sessão para outra. Depois vieram asférias de fim de ano. O professor Ceccone, esperan-do a decisão do Conselho, reservara lugares no na-

vio italiano Humberto I, quesaía de Santos para Gênova.Chegava-se assim à razão da vi-sita intempestiva de Mauroàquela hora matinal: o Conse-lho Universitário examinara opedido na véspera e o dera pordesfavorável! Depois das expli-cações, Mauro implorou, comolhos úmidos de emoção:

– Você, com suas relaçõespolíticas, não podia fazer algu-ma coisa? Intervir? Pressionar oreitor?

Mauro tinha um mau enten-dimento da política universitá-ria. Aliás, da política em geral.Vivia sempre nas nuvens dasabstrações matemáticas. Como

“Foi com a FAPESPque São Paulo saiu

da Idade Média e a Universidade

deixou de ser um Clube de

ilustres médicos,engenheiros

e advogados”

*Militante do antigo PCB e professor da USP, Luiz Hilde-brando exilou-se em 1964 na França, onde construiu no-tável carreira no Instituto Pasteur de Paris. Voltando aoBrasil em 1997, está hoje radicado em Rondônia, ondededica-se a estudos sobre a malária.

**O professor Ceccone e a revolução paulista inCrônicas de Nossa Época, HILDEBRANDO, Luiz, Paz eTerra, São Paulo, 2001, págs. 61-73.

Este texto faz parte do segundo livro de crônicas-memó-rias de Luiz Hildebrando Pereira da Silva, que narra asarticulações que resultaram tanto na criação da FAPESP,quanto na escolha, em 1960, do novo reitor da USP, queveio a presidir o primeiro Conselho Superior da Funda-ção. Dessas articulações participou ativamente o sociólogoFernando Henrique Cardoso, então representante dos pro-fessores-assistentes no Conselho Universitário – e também,por sinal, “revisor desta crônica”, segundo o autor.

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sabia que eu me metia nas eleições do Conselho Uni-versitário, na Associação dos Docentes da USP e nosmovimentos pela reforma universitária, pensavaprovavelmente que eu fosse um elemento influente.Ora, o problema era exatamente o inverso. Eu era in-fluente sim, mas na oposição. Tínhamos formado aAssociação dos docentes, pressionávamos as velhasestruturas da Universidade, tínhamos conseguidomesmo a reforma do regimento do Conselho, com ainclusão de representantes de alunos, funcionários,assistentes e docentes livres, mas tudo isso na base dapressão. Pressão de base. Oposição firme ao feudalis-mo da Universidade, dominada pelo grupo de cate-dráticos ligados às tradicionais Faculdades profis-sionais: Direito, Medicina, Engenharia. O reitor,professor da Escola de Veterinária, era um pau-mandado dos manda-chuvas. Nessas condições, qual-quer intervenção minha seria negativa. Não quis en-tretanto desanimar Mauro. Trateiprimeiro, com ele, de resolver asituação imediata da famíliaCeccone, que já fechara casa emSão Carlos e estava hospedada emuma pensãozinha vagabunda emSão Paulo, aguardando os recursospara a viagem de volta. Consegui-mos, com simples consulta tele-fônica, transferir a família para acasa de meus pais, que tinha quar-tos vazios depois do casamentodos filhos. Isso feito, o que nosdava tempo, disse a Mauro:

– Vá com Ruth se ocupar damudança e instalação da família.Vou ver o que se pode fazer. Tele-fono mais tarde para casa dosmeus pais para dar notícias.

Depois que Mauro se foi, pus-me a meditar. Que fazer? Criar um escândalo? Con-vocar assembléia dos docentes, denunciar o buro-cratismo, o provincianismo e a mediocridade damedida que comprometeria, sem dúvida, os progra-mas de colaboração científica com a Itália, talvezcom a Europa toda e cobriria a Universidade de ridí-culo? Convocar a imprensa? Dar entrevista coletiva?Tudo isso era possível, teria repercussão, desmorali-zaria a direção do Conselho Universitário e o reitor,o que era de nosso interesse. Mas não traria soluçãoimediata ao problema da família Ceccone. E, se nãoresolvêssemos isso, o desprestígio seria da Universi-dade em seu todo. Recairia não apenas sobre os feu-dais, mas sobre toda a Universidade. De repente veio-me a inspiração. Olhei o relógio e vi que eram 9horas. Hora já de expediente. Passei a mão no telefo-ne e disquei informações. Pedi o número do gabine-te do governador no Palácio dos Campos Elíseos, queme passaram sem demora. Com uma certa ansieda-de disquei o número e:

– Alô! Palácio do Governo. Que deseja?

– Quero falar com o doutor Plínio Arruda Sampaio.– Quem está falando, por favor?– O doutor Luiz Hildebrando.Depois de numerosas transferências de secretária

em secretária e de longas esperas, ouvi finalmente avoz de Sampaio:

– Hildebrando, meu velho, que prazer. Há quan-tos anos! Que posso fazer por ti?

– Prazer também em ouvi-lo, Plínio. Como sei quevocê é muito ocupado, vou rápido ao assunto. Que-ria que você me recebesse alguns minutos a respeito deum problema extremamente grave (e acentuei o ex-tremamente) da Universidade.

Senti Sampaio hesitar. Em seguida ele retomou aconversa:

– Se for realmente por alguns minutos, pode virimediatamente que o recebo.

– Obrigado, meu velho, estou chegando.Saí correndo de casa, pulei no

meu Fusca e saí à toda, rumo aoPalácio dos Campos Elíseos.Sampaio tinha reagido como euesperara, e contente de aceder aum pedido meu. Eu nunca tinhapedido nada a ele, ao contrário,só lhe tinha causado dissabo-res. Plínio Arruda Sampaio ti-nha sido meu cordial inimigono tempo de estudante. Fazia jáalguns anos. No tempo, ele forachefe da Juventude UniversitáriaCatólica, enquanto eu chefiava aJuventude Comunista. Respeitá-vamo-nos de longe, mas não nospoupávamos. Tínhamos nos en-frentado em numerosas batalhas,com resultados favoráveis alter-nados, ora a um, ora a outro. Es-

távamos agora em 1960. O tempo de estudante anda-va longe e eu não o vira desde então. Após a eleiçãode Carvalho Pinto ao governo de São Paulo, Sampaiofora chamado pelo governador para chefiar o gabi-nete. Era o seu primeiro cargo político. Chegando aogabinete de Sampaio, depois de atravessar numerosasbarreiras de secretárias e serventes, fui direto ao as-sunto. Insisti no aspecto desmoralizante para a Uni-versidade de São Paulo daquela medida que poderiacomprometer nossas relações científicas com a Euro-pa. Carreguei nos tons, reforçando com caretas eares de desolação profunda. Sampaio pareceu com-preender perfeitamente o problema, fez algumasanotações e despediu-se dizendo:

– Olha aqui, Hildebrando, o governador está emaudiência e não posso incomodá-lo, mas vou tratar dis-so assim que ele se liberar. Onde posso encontrá-lo?Dê-me seu telefone.

Voltei para casa e pus-me à espera. Eram já 11h30,e engoli rapidamente um sanduíche com um copo decerveja,enquanto lia os jornais para passar o tempo e ali-

“Plínio Sampaio tinha sido meu

cordial inimigo notempo de estudante.Ele chefiava a JUC e eu, a Juventude

Comunista.Respeitávamo-nos

de longe”

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EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 35

viar a expectativa. O telefone soou às 14h35. EraSampaio ao telefone:

– Hildebrando? O governador manda pedir des-culpas ao professor Ceccone e manda igualmente di-zer-lhe para comparecer ao Palácio amanhã a partir das9 horas. Ele não sabe se terá possibilidade de saudaro professor e agradecer-lhe pessoalmente pelos serviçosprestados ao país, mas pede-me que eu o faça se ele es-tiver impossibilitado. A passagem aérea dele, da es-posa e dos filhos estará à disposição em meu gabinete.Passe bem, um abraço! E veja se me procura um outrodia com mais calma.

A solução do problema tinha exigido apenas 5horas e 35 minutos. O professor Ceccone pensa se-guramente, até hoje, que eu sou um homem muitoinfluente no governo do estado de São Paulo.

* * *

A solução relâmpago do pro-blema do professor Ceccone nãotermina aí. Na verdade, foi ape-nas um começo. O começo deuma verdadeira Revolução Pau-lista. Mas não chegamos ainda aela. Por enquanto, nos dias que seseguiram à partida do professorCeccone com a família, eu degus-tava, apenas com felicidade e umaponta de sadismo, a humilhaçãoimposta ao Conselho Universitá-rio e ao Reitor. Nossos agentesinfiltrados na Reitoria nos ti-nham relatado a atmosfera deperplexidade que provocara amedida relâmpago do governadore a reação entre colérica e desen-xabida do reitor. Discretamente,ele nomeara uma comissão de fiéis para esclarecer asvias misteriosas por onde teria chegado ao governa-dor a notícia que provocara a decisão. Eu, portanto,não esperava aquele novo telefonema de Sampaio,que veio uma semana depois:

– Hildebrando? Aqui é o Sampaio. Plínio Sam-paio. Como vai você?

– Vou muito bem, principalmente depois do quevocê fez pelo professor Ceccone.

– Isso é nossa obrigação. Corrigir erros da Admi-nistração. A propósito, ele deu notícias?

– Claro, já chegou a Gênova. Está radiante! E agra-decidíssimo! Ganhou 15 dias substituindo a viagem denavio por avião. Manda agradecer “de joelhos”. Vocêseguramente ganhou ao menos dez pontos na suacaderneta de entrada no céu.

Sampaio riu-se e depois, em tom hesitante, retomouo diálogo. Começou por dizer que tinha conversadomuito com o governador sobre a Universidade depoisdo incidente Ceccone. Disse que o governador tinha re-cebido, por vias indiretas, várias queixas sobre a me-

dida que tomara,que desautorizava o reitor e os respon-sáveis da Universidade. Entretanto, o governador tinharecebido também, ainda por vias indiretas, as felicitaçõesde outros membros eminentes da Universidade pelamedida que salvava a sua honra. Continuou, informan-do que o governador estava preocupado com a nomea-ção do próximo reitor, sem saber em quem se apoiar,e finalizou dizendo que ele, Sampaio, gostaria de con-versar comigo sobre aquilo tudo.

Não me fiz de rogado e marcamos data e hora. Aconversa dessa vez foi longa. Sentados nas confortáveispoltronas de couro na sala do Chefe de Gabinete, numfim de tarde, trocamos idéias sobre a Universidade,a filosofia feudal dominante na época, os objetivos einteresse do Governo, as proposições da Oposição, oconflito de gerações e de corporações presentes, asestruturas de poder, a correlação de forças em pre-sença no Conselho Universitário, enfim, um pouco

de tudo. Verificávamos pouco apouco certa convergência de ob-jetivos. O governador CarvalhoPinto, como advogado, mas espe-cializado em economia, tinhainteresse em modernizar a Uni-versidade. Desenvolver e estimu-lar sua maior integração social, asatividades de pesquisa, em parti-cular no setor tecnológico, masentendia que isso exigia igual-mente o desenvolvimento dasCiências básicas. Além disso,como homem culto que era, elevalorizava as atividades intelectu-ais, culturais e humanistas. Tinha,portanto, uma visão aberta e di-nâmica da Universidade e consci-ência de sua estrutura arcaica depoder, baseada nos velhos cate-

dráticos, aferrados às posições. Subitamente, sem fa-zer pausas, Sampaio avançou para a ponta da poltro-na, olhando-me nos olhos e me interrogou de chofre:

– Como é que você acha que se pode mudar a si-tuação?

– Nomeando um reitor competente e indepen-dente – respondi no taco a taco.

– Com que perfil? – retrucou ele– Homem de Ciência, mas que seja igualmente um

intelectual.– E vocês têm nomes a indicar?Aquele “vocês” era ambíguo. Por um lado indicava

que o governo, ou ao menos ele, Sampaio, estava dis-posto a fazer aliança com a esquerda para liquidar o po-der feudal na USP. Mas, por outro lado, quando ele dizia“vocês” não ficava claro se ele se referia ao Partido ou àoposição no seu conjunto,o que revelava desconhecimen-to, tanto da correlação de forças no Conselho, como danossa força real, que era na verdade bastante limitada:dispúnhamos de dois membros do Partido no Con-selho,um professor da Faculdade de Farmácia e o repre-

“Plínio me perguntou

o que fazer (para modernizar a

Universidade).Respondi: nomeando

um reitor competente e

independente”

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sentante dos estudantes, mais um simpatizante fiel re-presentando uma Faculdade do interior. Três votosapenas em cinqüenta e quatro conselheiros. Resolvi,entretanto, alongar o “suspense”e ironizar um pouco:

– Se você fala do Partido a resposta é “ainda não”.Não temos ainda condições de tomar o poder. Se vocêfala da oposição acadêmica, é claro que se pode pensarem nomes válidos, competentes, sérios e aceitáveis pelogoverno e fazê-los entrar na lista tríplice do Conselho.Será difícil entretanto que ele seja um primeiro maisvotado.

– Se for um nome aceitável – diz Sampaio – pelo queconversei com o governador, será nomeado mesmose for o terceiro da lista.

* * *No dia seguinte pela manhã, depois de noite mal-

dormida, povoada de sonhos de complôs, fui procu-rar nossa gente do Partido naFaculdade. Reunidos comAbraão F., Erney C. e Luiz R. fi-zemos as contas: além dos trêsvotos de que dispúnhamos noConselho, podia-se contar comocertos os votos do representantedos assistentes, Fernando Henri-que Cardoso, e o dos docentes,Erasmo Garcia Mendes. Soma-vam-se ainda os votos da Facul-dade de Arquitetura e da Faculda-de de Filosofia Ciências e Letras,tradicionalmente na oposição, evotos esparsos de Ribeirão Preto,São Carlos e Piracicaba. Sampaiohavia-me dito que os represen-tantes da Faculdade de Economiae Administração eram amigos dogovernador. Perfaziam-se já cerca15 a 20 votos seguros. Um bom começo. Precisava-seencontrar um nome que conquistasse novas áreas.Da Escola Politécnica, nem pensar. Os representan-tes no Conselho eram parte do núcleo do poder feu-dal. Da Faculdade de Filosofia, impossível. Apesar decontar com nomes importantes, nenhum deles passa-ria no Conselho onde, entre sorrisos debochados episcadelas maliciosas, se falava da Faculdade como“escolinha de moças casadoiras”.

– Já sei – gritou Abraão. – Nosso candidato é oUlhôa!

Antônio de Barros Ulhôa Cintra era professor daFaculdade de Medicina.Clínico,portanto,mas tambémcientista, desenvolvendo atividades de pesquisa empatologia clínica e muito bem considerado nacional einternacionalmente. A proposição de Abraão era en-genhosa, porque Ulhôa era primo de Pedro de Alcân-tara, professor de Pediatria que, no momento, repre-sentava a Faculdade de Medicina no Conselho. Se aMedicina apresentasse Ulhôa como candidato carrega-ria os votos da Odontologia, da Enfermagem, da

Veterinária, além dos da Filosofia e da Farmácia.Chegava-se assim a mais de 30 votos,bom começo.Pre-cisávamos consultar os companheiros do Hospital dasClínicas. Eles conheciam bem as qualidades e defeitosdos professores do setor clínico. Promoveu-se assimreunião plenária da célula, em que Reinaldo Chiave-rini, Antônio Branco Lefévre e Mário Taques Bitten-court se encarregaram de analisar a personalidade e odesempenho de Ulhôa Cintra. O balanço final foipositivo: Ulhôa Cintra era um democrata, com per-sonalidade forte, mas atento e acessível à crítica e aoconselho. Intelectual culto, amigo das artes e ao mes-mo tempo cientista, valorizando a pesquisa médicae atento aos progressos da Ciência em geral. Agnós-tico, mas tolerante. Politicamente não era homem deesquerda, mas não tinha preconceitos e era certa-mente um liberal. Saiu, portanto, aprovado. Por una-nimidade.

Faltava a consulta à direção dabase que se reunia todas as quin-tas-feiras, à noite, na casa de MárioSchenberg, na Rua São Vicente dePaula. Nesses dias, nós do secreta-riado íamos chegando a partirdas 19 horas e Barbara, sua mu-lher, nos acomodava no salão dabiblioteca. Mário acordava em ge-ral por essas horas. Seus hábitos dedormir à tarde e trabalhar noitea-dentro eram conhecidos. Elenos recebia de pijama, cabelosdesgrenhados, olhos ainda empa-puçados, puxando a fumaça doseu primeiro charuto do dia, oumelhor, primeiro charuto da noite.A reunião se iniciava molemente,sem nenhum formalismo, comum bate-papo sobre a atualidade

do dia e da semana. Mário Schenberg se interessavapor tudo, mas tinha dois pólos dominantes: políticainternacional e vida cultural do país. Assim, antes deabordar as questões políticas de nossa alçada direta,fazíamos grandes digressões em torno das questõesas mais diversas. O bate-papo era o momento, mui-tas vezes prolongado, do prazer diletante das conver-sas com Mário Schenberg, o homem mais inteligenteque encontrei em minha vida. Ele era capaz de incur-sões sobre estética e estratégia política ou militar, teoriado conhecimento ou epistemiologia das ciências, filo-sofia budista ou teoria quântica. Nossas reuniões seprolongavam assim pelos temas, os mais variados, eera necessário, com freqüência, a intervenção dobom senso de Sebastião Baeta Henriques para nostrazer de volta à nossa realidade terra-a-terra. No secre-tariado, naquele ano, éramos cinco: além de Mário,Sebastião e eu mesmo, havia Ely S., físico, AlbertinoRodrigues, sociólogo e economista, e Klaus Vogel, ad-vogado. Cada um de nós coordenava, em princípio, aatividade política dos militantes do Partido em um se-

36 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

“Além dos votos de que o Partido

dispunha, podíamos contar com

Fernando HenriqueCardoso, o

representante dos professores assistentes”

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tor da Universidade. Militantes é maneira de dizer.Melhor seria dizer aderentes, cerca de quarenta nos di-ferentes Institutos e Faculdades da USP e federais, alémdo Instituto Butantan. Aderentes fiéis, mas poucodisciplinados, que se guiavam em suas ações mais peloinstinto e inspirações de momento do que por nor-mas ou decisões partidárias. Nossa influência, entre-tanto, era maior do que a que se podia deduzir donúmero relativamente reduzido de aderentes. Tínha-mos influência decisiva na Associação de Docentesda USP e certo peso na seção local da Sociedade Bra-sileira para o Progresso da Ciência e no próprio Con-selho Universitário, graças a uma política de largasalianças com outros setores da esquerda.

Aquela reunião do secretariado se fez, entretanto,ampliando o número de participantes: Abraão F., Er-ney C., Antônio Lefévre e Mário Taques vieram refor-çar a representação do setor médico, por razões óbvias.Paulo Camargo, professor da Fa-culdade de Farmácia, nosso com-panheiro, membro do ConselhoUniversitário, fora convocado. Oarquiteto Vilanova Artigas tam-bém compareceu.Naquele dia nãohouve bate-papo. Foi-se direta-mente ao assunto: eleição doReitor e candidatura proposta deUlhôa Cintra. Mário Schenberg eAlbertino, que não confiavammuito em médicos e farmacêuti-cos para dirigir a Universidade,questionaram o perfil de Ulhôa.Artigas manifestou-se contrárioao apoio a um médico, mesmocientista, dizendo que tinha che-gado o momento de valorizar-mos o setor cultural e humanistapara a direção da Universidade,provocando imediatamente a réplica de Schenberg:

– E desde quando Ciência não faz parte do “setorcultural”?

Era um caminho perigoso. Debate e confrontaçãoentre Artigas e Schenberg eram freqüentes em nossasreuniões e levavam em geral a impasses. Foi necessárioque interviéssemos para explicar que o problema nãopodia ser colocado naqueles termos, mas, de manei-ra muito mais pragmática, em termos de viabilidadede candidatura. A candidatura do Ulhôa era viável, nãoporque fosse científica, mas por razões conjunturaisdas representações no Conselho.

– Vocês acham que com ele se pode forçar o gover-no a regulamentar o artigo 123 para criação da Funda-ção de Apoio à Pesquisa? – perguntou Mário Schen-berg, que vivia pensando nisso.

Os “médicos” foram categóricos em afirmar queUlhôa seria seguramente um agente engajado e ativonesse sentido. Com isso, Mário Schenberg e AlbertinoRodrigues e, finalmente, mesmo Artigas, acabaram seconvencendo e votaram todos a favor. Faltava instru-

mentar a ação.Abraão F. e eu fomos nomeados para asnegociações.

No dia seguinte fomos, os dois, à casa de FernandoHenrique Cardoso, representante dos assistentes noConselho Universitário, e expusemos o projeto. Fer-nando entusiasmou-se e, bom conhecedor do Conse-lho, nos disse que, se o nome fosse bem-visto pelo go-vernador e se isso chegasse aos ouvidos dos conselheiros,ele carregaria os votos de todos os eternos indecisos.

– Vocês já consultaram o Ulhôa? – perguntouFernando.

Abraão e eu nos entreolhamos. Naquela vaga de ex-citação tínhamos esquecido o principal. Será que UlhôaCintra estaria disposto a aceitar o encargo? Com to-dos os dissabores, conflitos e aborrecimentos de umareitoria? Largar sua posição tranqüila de pesquisadorclínico e professor da Faculdade para enfrentar cate-dráticos atrasados no Conselho Universitário?

– Precisamos saber se ele topa– concluiu Fernando Henrique.

No dia seguinte, Abraão e eufomos procurar Ulhôa Cintra emseu gabinete do 8º andar do Hos-pital das Clínicas. Abraão não foipor meios caminhos e perguntoudiretamente:

– Professor, o senhor quer serreitor da USP?

Eu sempre admirei a sinceri-dade brutal e meio truculenta deAbraão. Ele, jovem assistente,como eu, da Faculdade de Medi-cina, lançava a pergunta como setivesse o Conselho Universitárionas mãos. E era tão convincenteque Ulhôa Cintra pareceu consi-derar normal a questão. Sem res-ponder sim ou não Cintra pas-

sou a discorrer sobre sua visão da Universidade,como se já estivesse em campanha eleitoral. Depois,em nova sondagem de Abraão, sobre suas relaçõespessoais com o governador, revelou que eram co-nhecidos. Se não podiam se considerar amigos, aomenos respeitavam-se mutuamente. Saímos da en-trevista para voltar correndo à casa de FernandoHenrique e informá-lo:

– O homem aceita. E parece que se dá bem como governador.

– Nesse caso – disse Fernando – deixem comigo.Deixamos. Isto é, eu deixei. Abraão F., não. Estava

mordido pela trama do complô. Ele e Fernando Hen-rique tomaram nas mãos as demoradas negociaçõesentre os Campos Elíseos e o Conselho Universitário.As semanas se passaram. Uma noite, eu estava tran-qüilamente lendo meu jornal em casa quando o tele-fone soou:

– Luiz? Sou eu, Fernando. Acabamos de sair doConselho. O Ulhôa Cintra entrou na lista tríplice. Emprimeiro lugar!

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“Fernando Henriqueme ligou

dizendo: Luiz,acabamos de sair

da reunião do Conselho. O Ulhôa

Cintra entrou na lista em

primeiro lugar!”

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Nasce um projetode vanguarda

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

AS ORIGENS

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(FAPESP) nasceu em meio a uma atmosfera – na expressãodo médico e pesquisador Antonio Barros de Ulhôa Cintra,primeiro presidente do Conselho Superior – de liberdade,encantamento e entusiasmo. E foi nesse clima que deu

seus primeiros passos, no início dos anos 60, nas mãos de Ulhôa Cintra,reitor da Universidade de São Paulo (USP) entre 1960 e 1963 – um demo-crata e amigo das artes, segundo seus contemporâneos.“A FAPESP foi cria-da para amparar a ciência que se quisesse realizar. A ciência é que ia baterà porta da instituição”, relata ele em entrevista que integra a obra FAPESP– Fronteira da Prática Científica no Brasil: A Instituição e Memórias, co-letânea de depoimentos sobre a história da agência, editada pela físicaAmélia Império Hamburger, que deverá ser publicada brevemente pelaFundação. Sob a liderança de Ulhôa Cintra, participaram da implantaçãoda agência nomes ilustres como Florestan Fernandes, Crodowaldo Pavan,Paulo Emílio Vanzolini e Alberto Carvalho da Silva, membros do primei-ro Conselho Superior (Pavan e Carvalho da Silva viriam depois a presidiro Conselho Técnico-Administrativo nos períodos 1981/1984 e 1984/1993).

O tempo e a experiência exigiram algumas mudanças nos rumos dainstituição para ajustá-la ao dinamismo científico-tecnológico das últimasdécadas. É verdade que enfrentou dificuldades, teve sua sobrevivênciaameaçada por razões políticas e financeiras – e a comunidade acadêmi-ca lutou muito para preservá-la. Mas, na essência, a FAPESP soube man-ter-se fiel ao modelo traçado há 40 anos, dando toda a primazia ao pes-quisador e à qualidade de seu trabalho, enquanto ampliava o escopo

A

A comunidade acadêmica lutou para mostrar que investir em ciência é fundamental para o país;surge a FAPESP em 1962

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certos círculos, especialmente entre osmilitares, a convicção de que era precisotornar o Brasil mais autônomo do pontode vista de equipamentos e material béli-co. Além do que, ciência e tecnologiaestavam em alta no resto do mundo, sobo efeito das explosões da bomba atômi-ca norte-americana, de descobertas naárea de física nuclear e raios cósmicos, dautilização do radar e de foguetes.

esse quadro, preocupa-dos com a baixa priori-dade que as autoridadesreservavam à atividadecientífica (embora ani-

mados com os resultados obtidos pelosFUP), alguns pesquisadores resolverammobilizar-se para pleitear, na AssembléiaConstituinte paulista de 1947, apoio ex-plícito e concreto para a pesquisa. Reu-nidos num grupo de trabalho, essesprofessores e pesquisadores da USP de-cidiram dar sua “contribuição de homensdo laboratório e da cátedra”, produzin-do em abril de 1947 um notável e aindaatual documento intitulado Ciência ePesquisa, cuja redação final ficou a car-go de Adriano Marchini (da Escola Po-litécnica), com a colaboração de JoãoLuiz Meiller. O documento fazia umaanálise do quadro mundial do pós-guer-

ra, examinava o tratamento prioritárioque os quatro grandes (Estados Unidos,Inglaterra, França e União Soviética) da-vam à ciência e defendia mais presençado Estado nesse campo. O autor teve atéo cuidado de repetir, a cada fim de ca-pítulo, um bordão com as providênciasque achava necessárias para estimular apesquisa: “apoio, orientação, recursos,homens, continuidade, cooperação”. Eterminava por propor a constituição“pela USP” de um Conselho de Pesqui-sas Científicas, que teria, para sua “ad-ministração privativa”, no mínimo 0,5%do “total da receita orçada do Estado”.

Nada mais moderno e apropriadopara um Estado que liderava a economiae cujas elites haviam montado, em plenaditadura Vargas, o mais ambicioso pro-jeto intelectual do período, a Universi-dade de São Paulo, em 1934. Tanto é as-sim que a idéia ganhou grande apoio naConstituinte paulista, na qual tinham as-sento intelectuais da estirpe do historia-dor Caio Prado Júnior e do físico MárioSchenberg (ambos do Partido Comunis-ta Brasileiro-PCB, então na legalidade).Daí surgiu, com poucas mudanças emrelação ao original (retirada da mençãoà USP, troca do Conselho por Funda-ção), o artigo 123 que afinal foi aprova-do em 9 de julho de 1947.

40 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

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Figuras marcantes na história

■ Engenheiro, primeirosuperintendente do IPT, foium dos principais auto-res do documento Ciênciae Pesquisa, de 1947, peça-chave para convencer osconstituintes paulistas de1947 a criar uma funda-ção de amparo à pesquisacientífica, origem da FA-PESP.

■ Professor da Faculdadede Medicina, reitor daUSP (1960/1963), secre-tário paulista da Educa-ção no governo de AbreuSodré, participou de todoo processo de criação eimplantação da FAPESP,tendo sido o primeiro pre-sidente do Conselho Su-perior (1961/1973).

Cinco personalidadesdo mundo acadêmico es-tão profundamente liga-das à história da FAPESP.A Fundação os homena-geou numa solenidaderealizada em 8 de dezem-bro de 1999.

Adriano Marchini Antonio Barros de Ulhôa Cintra

Jayme Arcoverde de AlbuquerqueCavalcanti

■ Professor da Faculda-de de Medicina da USP,participou do grupo quediscutiu a elaboração dodocumento Ciência e Pes-quisa e dos fundos uni-versitários de pesquisacriados durante a segun-da guerra. Foi o primeirodiretor-presidente da FA-PESP (1962/1976).

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dos projetos e abria-se também para apesquisa tecnológica. Suas linhas básicasde atuação continuam ancorando-se naautonomia, flexibilidade nas decisões,pluralidade no atendimento à demandae num rigor quase obsessivo pela prá-tica da “boa”ciência.

Criada em 1960, a Fundação foi ins-tituída formalmente em 1962. Mas suasraízes são muito mais antigas: remontamaos anos 40 do século passado. Durantea Segunda Guerra,começou a ganhar for-ça a idéia de planejamento, no âmbitogovernamental, e de pesquisa, na esferaacadêmica. Em 1942, Jorge Americano,então reitor da USP, criou os FundosUniversitários de Pesquisa para a Defe-sa Nacional (FUP), com recursos aporta-dos por industriais e pelos governos es-tadual e federal. Embora voltadas para apesquisa aplicada, principalmente de or-dem militar, as dotações dos FUP foramtambém canalizadas para estudos acadê-micos, concedendo-se bolsas a figuras doporte do físico José Leite Lopes.

Logo após a guerra, porém, o entu-siasmo crescente pela pesquisa própria epela capacitação nacional se esvaneceu,enquanto avançava rapidamente – fron-teiras recém-abertas – o consumo deprodutos importados, melhores e maisbaratos. Apesar disso, predominava em

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os tempos de JuscelinoKubitschek, da constru-ção de Brasília, do Cine-ma Novo, da Bossa No-va, da Copa da Suécia –enfim, havia um certoclima de alegria que de-corria, em grande parte,da sensação de que o pro-gresso seria inexorável.

São Paulo, que come-morava o Quarto Cente-nário, também vivia ummovimento de inovaçãoda cultura nessa fase pro-digiosa: construía-se oparque Ibirapuera, comprojeto de Oscar Nie-meyer, e realizava-se a 2a

Bienal de Artes Plásti-cas, com mais de 4 mil

obras de artistas internacionais moder-nos e consagrados. É desse período tam-bém a criação do Museu de Arte de SãoPaulo e do Museu de Arte Moderna.Diante desse quadro, e até mesmo decrescimento da Universidade, é no mí-nimo intrigante que a comunidade cien-tífica de São Paulo não conseguisse con-cretizar uma obra de peso como FAPESP.Os estudiosos alinham algumas razõespara isso. Entre elas, a extraordináriatransformação industrial que teve porbase a chamada política de substituiçãode importações, ancorada numa maci-ça importação de tecnologia. Além dis-so, parte dos reclamos da comunidadeacadêmica estava sendo atendida com acriação de instituições federais, especial-mente o CNPq. Havia ainda a questãoda visão prático-imediatista, uma carac-terística do empresariado nacional, e ofato de que, apesar da boa vontade, os go-vernantes não estavam realmente inte-ressados no campo científico-tecnológi-co, pontuado de empreendimentos delonga maturação e resultados incertos.

Somente em 1959, o assunto daemenda 123 foi retomado, na gestão dogovernador Carvalho Pinto. Shozo Mo-toyama, organizador do livro FAPESP –Uma História de Política Científica eTecnológica, alerta, contudo, que paraentender a criação da FAPESP é neces-sário associar, à eleição deste represen-tante da burguesia paulista ilustrada,outros fatores presentes no contexto daépoca. Entre eles, o crescimento da co-munidade científica, a disponibilidade

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 41

de incorporar à Fundação representan-tes do setor privado.

A década de 50, os chamados anosdourados, assistiu ao surgimento de ini-ciativas importantes, como a criação doCentro Técnico Aeroespacial (CTA), ins-talado em São José dos Campos (SP) em1950, do Conselho Nacional de Pesqui-sas (atual Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico –CNPq) e da Coordenação do Aperfei-

çoamento de Pessoalde Nível Superior(Capes), ambos cria-dos em 1951. Maselas só vieram aproduzir resultadosdécadas depois. Opanorama do paíscomeçou a mudarem várias direções:a economia crescia,a sociedade urbani-zava-se, a indústriase expandia, puxadapelo segmento auto-mobilístico que des-pertou a região doABC em São Paulo.Havia, nos círculosmais intelectualiza-dos, um intenso de-bate de idéias quedepois foram se ma-terializando em no-vas instituições, nasartes, na política ena economia. Eram

■ Historiador, deputadopelo Partido ComunistaBrasileiro na Constituintede 1947, teve participaçãodecisiva (junto com a ban-cada de seu partido) naaprovação do artigo quecriou a fundação. Semprese empenhou para garan-tir plena autonomia paraa futura entidade.

■ Sociólogo, professor daUSP, conselheiro da FA-PESP de 1961 a 1963, foideputado federal pelo Par-tido dos Trabalhadores(PT). Na Constituinte de1988, propôs a emenda quepermite aos Estados vin-cular parcela dos impos-tos ao fomento ao ensinoe pesquisa.

Caio Prado Júnior Florestan Fernandes

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O amparo à pesquisacientífica será propiciadopelo Estado, por intermé-dio de uma fundação, or-ganizada em moldes queforem estabelecidos por lei.

Parágrafo único. A-nualmente, o Estado atri-buirá a essa fundação,como renda especial desua privativa administra-ção, quantia não inferiora meio por cento do totalde sua receita ordinária.

O que parecia o fim deuma luta e o começo deuma promissora trajetó-ria, porém, conheceriaum período de amargaespera. Não que faltassedebate; ao contrário. Opróprio Caio Prado Jr., com apoio dabancada comunista, propôs em outu-bro de 1947, na regulamentação do arti-go 123, a criação da Fundação Paulistade Pesquisas Científicas. E os governa-dores Adhemar de Barros e Lucas No-gueira Garcez (ele próprio um uspiano,da Politécnica) encaminharam projetosà Assembléia. As discussões invadiramos anos 50, emperradas, entre outrascoisas, pela proposta (afinal vencida)

O governador Carvalho Pinto assina a lei que criou a FAPESP

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responsável pela gestão. A primeira di-retoria,que iniciou suas atividades em ju-nho de 1962, foi composta por AntonioBarros de Ulhôa Cintra (presidente doConselho), Jayme Arcoverde de Albu-querque Cavalcanti (presidente do CTA),Warwick Estevam Kerr (diretor cientí-fico) e Raphael Ribeiro da Silva (diretoradministrativo). Inicialmente, a institui-ção ocupou um pequeno espaço na Rei-toria da USP, depois algumas salas noquarto andar do edifício de laborató-rios da Faculdade de Medicina e, a par-tir de agosto de 1962, o 14º andar do

de recursos do Estado paulista e a reafir-mação da importância da C&T em razão,sobretudo, da corrida espacial disputa-da entre russos e americanos no contex-to da Guerra Fria.Em junho daquele ano,o governador nomeou uma comissãopara estudar o assunto, composta pelossecretários da Fazenda, Educação, Agri-cultura, Saúde, Viação e pelo reitor daUSP. Elaborado o projeto, a tramitaçãodesta vez foi rápida. Em 18 de outubro de1960, o governador promulgou a Lei Or-gânica nº 5.918, que autorizou a criaçãoda FAPESP, mantendo desde logo seu ca-ráter público e sua autonomia – até onome é o mesmo.A entidade foi instituí-da pelo decreto 40.132, de 23 de maio de1962, tendo sido nomeado o professorUlhôa Cintra para presidir sua instala-ção. Ele determinou que, além das ver-bas anuais, a FAPESP já deveria contarcom um patrimônio que a protegesse defuturas intempéries; para a formaçãodesse patrimônio, Carvalho Pinto trans-feriu a dotação que seria corresponden-te aos anos de 1956 a 1960.

A arquitetura institucional entãoimaginada para a FAPESP vigora atéhoje. Seus estatutos definiram um Con-selho Superior, responsável pelos obje-tivos estratégicos da entidade, e um Con-selho Técnico-Administrativo (CTA),

Edifício Pasteur, na Avenida Paulista.“O conceito do modelo em si é, prin-

cipalmente, trabalho do Paulo EmílioVanzolini. O conceito em prática teve in-fluência muito grande do Ulhôa Cintra,do Warwick Kerr, do Jayme Cavalcanti.Participei ativamente como membro doConselho Superior. Trabalhamos emconjunto para flexibilizar e para implan-tar o modelo, porque o que está na lei,no estatuto, pode ser gerenciado de mo-dos diferentes”, depõe Alberto Carvalhoda Silva, figura importante na históriada FAPESP, diretor-presidente do CTA

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Um formato que permanece atualgovernador), respon-sável pelo Plano deAção do governo, umcara ótimo. E o Plíniodisse que, se alguém ti-vesse uma idéia, quetrouxesse, porque iafazer um grupo de pla-nejamento. Nesse tem-po, um grupo reunia-seno Instituto AdolfoLutz (...), principal-mente o pessoal doButantan, para fazerum movimento daclasse científica para re-gulamentar o disposi-

tivo da Constituição estadual que re-servava não menos que meio porcento da receita ordinária de impostospara estabelecer uma fundação. Eu

representava o Museu (de Zoologia)nessas reuniões e dei a idéia. Aí oCarvalho Pinto me mandou estudaro assunto, fui para os Estados Uni-dos, conversei com o pessoal dasfundações Guggenheim, da Ford.Me vali muito das conversas quetive com o Henri Allen Moe, secre-tário do Guggenheim, essa idéia dedesburocratizar (a FAPESP) veio delá. Entrou também muito da minhaexperiência pessoal de pesquisadorprofissional e pobre. (...). Fiz o pro-jeto de lei, que passou na Assembléia”.

José Boni-fácio Cou-tinho No-

gueira, que era meuamigo, me disse quese o Carvalho Pintoganhasse a eleição(para governador),ele seria secretárioda Agricultura eperguntou se eu tra-balharia com ele. Eudisse sim. Dessa for-ma, tornei-me seuassessor científico.No dia 2 de janeirode 1959, houve umareunião no edifício Ester, na Praçada República, coordenada pelo Plí-nio de Arruda Sampaio (socialistacristão e subchefe da Casa Civil do

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Ata da primeira reunião do Conselho Superior, em 15 de maio de 1961 ...

Depoimento feito a esta revista por PauloEmílio Vanzolini, assessor da comissão queredigiu o anteprojeto de criação da FAPESP,membro do primeiro Conselho Superior daentidade e conselheiro entre 1961-1967;1977-1979;1986-1993.

Paulo Vanzolini:“Fiz o projeto de lei”

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sariado não foi despertado. Um qua-dro bem típico da época, em que a in-dustrialização do país – agora acele-rada pelos militares que tomaram opoder no golpe de 1964 – vivia sob asasas protetoras do Estado e em que atecnologia era comprada fora e não de-senvolvida internamente.

O regime militar mexeu funda-mente com a vida do país. Prisões,cassações, aposentadorias forçadas,exílio atingiram os meios universitá-rios e intelectuais. Como entidade, aFAPESP soube resistir, mas viu a repres-são atingindo muitos de seus mem-bros. Em 13 de dezembro de 1969 ogoverno baixou o Ato Institucional nº5 (AI-5), que restringiu mais direitosindividuais e cassou novas levas de in-telectuais, políticos, cientistas e artis-tas. O então diretor científico da FA-PESP, Alberto Carvalho da Silva, foiaposentado compulsoriamente comoprofessor da Faculdade de Medicina.Pouco depois afastou-se da Fundação,indo trabalhar na Fundação Ford, noRio Janeiro, onde permaneceu pormuitos anos sem nunca ter sido inco-modado pelos integrantes dos gover-nos militares. •

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por dez anos (1984/1993), além de di-retor científico. Os pilares centrais as-sentavam-se sobre a autonomia finan-ceira e administrativa da Fundação (ena obrigação que os fundadores seauto-impuseram de limitar os gastosadministrativos a 5% do orçamento).

ão logo instalada, a Fun-dação passou a responderaos pedidos da comunida-de concedendo bolsas eauxílios à pesquisa. O jul-

gamento das propostas, feito por asses-sores especializados (incluindo estran-geiros), levava em conta unicamente aexcelência científica das demandas – eum competente sistema de acompa-nhamento zelava para que os relatóriosnão fossem peças de ficção. Esse com-portamento representou uma oxigena-ção na atmosfera da época, dominadapela figura poderosa do catedrático, o“dono” do ensino e da pesquisa em suaárea de atuação. Professores e assisten-tes talentosos puderam libertar-se des-sa tutela e apresentar suas propostas deforma independente.

Sem prejuízo do forte apoio a pro-jetos individuais de capacitação dospesquisadores, houve, desde os pri-meiros anos, a preocupação de adotarum enfoque interdisciplinar no dire-cionamento dos estudos, bem como in-centivar a participação de várias insti-tuições em torno de projetos – modeloque foi se aprimorando com o tempo.Exemplos disso são a pesquisa do can-cro cítrico (do Instituto Biológico), acriação dos laboratórios de microele-trônica e de biotecnologia industrial

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Comprando com descontoEntão, Paulina,reduza o preçoem 15%; esse di-nheiro vai darpara pagar maisuns dois ou trêsprojetos”. O ven-dedor achou queWarwick tinhaentendido male ele respondeu:“Foi assim queentendi e qual-quer coisa dife-rente disso vaino tapa!” O ra-

paz saiu de lá e juntou os outrosvendedores para dizer que a FA-PESP era uma organização ho-nesta e que, dali para a frente, elessempre informassem nas propos-tas o valor do abatimento concedi-do à Fundação.

Warwick Estevam Kerr,primeiro diretor cientí-fico da FAPESP, relem-bra, em depoimento aoDossiê FAPESP, maté-ria publicada pela re-vista do Instituto deEstudos Avançados daUSP (nº 28, de 1996),uma tentativa de cor-rupção que sofreu emsua gestão. O pivô foi abalança analítica Met-tler, uma grande novi-dade naquele tempo epara a qual havia mui-tos pedidos de compra. Um dia, en-trou em sua sala um vendedor comuma proposta: em cada balançaaprovada, Kerr receberia 15%.“Cha-mei a Paulina (secretária) e pergun-tei-lhe quantas balanças eu já haviaautorizado. ‘Creio que 20’, disse ela.

(na Escola Politécnica), a pesquisa so-bre a planta Stevia rebaudiana (quereuniu Instituto de Botânica, InstitutoButantan, Instituto Agronômico e vá-rias escolas da USP). Também procu-rou incentivar iniciativas ligadas ao se-tor tecnológico e industrial, tentandoarticular a constituição de cooperati-vas de pesquisas em setores da indús-tria, como têxtil e farmacêutico, idéiainspirada em viagem de Warwick Kerrà Noruega. Mas o interesse do empre-

Warwick Kerr,primeiro diretor-científico

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... assinada, entre outros, por Ulhôa Cintra, Florestan Fernandes e Vanzolini

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Você faz Parte II

Nelson Leirner

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Evoluindo emtempos de crise

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A TRAVESSIA

ma época de trevas para a inteligência nacional, de eva-são de cientistas e de dinheiro curto para tocar as ativi-dades de pesquisa. Sinteticamente, esse foi o saldo amar-go do período compreendido entre os anos 70 e iníciodos 80, na visão de seus “sobreviventes”, entre os quais

cientistas, professores e funcionários de instituições acadêmicas. Masfoi também um período de intensa mobilização da comunidade aca-dêmica para defender a FAPESP, tanto no que diz respeito à sua auto-nomia, quanto aos recursos de que dispunha.

De um lado, as lutas se travavam no plano político. Freqüente-mente, entre 1964 e 1973 – conta Shozo Motoyama no livro FAPESP– Uma História de Política Científica e Tecnológica – dirigentes da en-tidade iam aos quartéis para liberar pesquisadores presos. Mas o re-gime militar não invadiu diretamente o cotidiano da Fundação. Hou-ve, é verdade, tentativas de intimidação e interferência (até paraconseguir endereços de bolsistas “de esquerda”) – pressões a que a di-retoria soube resistir. “Grupos que diziam ‘fulano vai entrar com pe-dido aqui, mas ele é de esquerda, então não pode ser apoiado”, relataWilliam Saad Hossne, diretor científico duas vezes (1964/1967 e1975/1979), além de membro do Conselho Superior (1983/1989).Em depoimento a outro livro (FAPESP – Fronteira da Prática Cientí-fica no Brasil: a Instituição e Memórias, a ser publicado pela Funda-ção), Hossne diz que foi preciso deixar claro, de maneira categórica,que a agência não era de direita nem de esquerda, era uma fundaçãoque amparava a pesquisa.

Apesar das sombras daditadura militar e das crises que marcaram os anos 70,a FAPESP resistiu a pressões e continuou a crescer

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De outro lado, era neces-sário reagir contra a limitaçãode recursos financeiros quepunha em risco a pesquisacientífica paulista (ainda maisporque a demanda cresciaconstantemente). Foi o que acomunidade acadêmica fez,também com sucesso. Na vi-rada dos anos 70/80, seminá-rios e debates saíam das salasde aula e pesquisa e ganhavama opinião pública por meio damídia. Em 1981, o geneticistaCrodowaldo Pavan assumiracomo diretor-presidente daFAPESP (ele que fora mem-bro do primeiro conselho su-perior da entidade). Comum mandato que duraria até 1984, Pa-van (que também presidiu o CNPq e aSociedade Brasileira para o Progressoda Ciência-SBPC) participou de todoesse esforço de convencimento de lide-ranças e autoridades.

O nó das dificuldades financeiras,desde o começo dos anos 70, estava norepasse das verbas (0,5% da arrecada-ção de impostos líquidos do Estado),feito com dois anos de atraso – o que erafatal num período de recrudescimentoinflacionário. No ano de 1973 a inflaçãotinha caído a 15%; a partir de então, po-rém, voltou a subir, chegando a 110%em 1980 e a 211% em 1983.A defasagemdaí decorrente, aliada ao fato de que, namaioria dos anos, o Tesouro excluía dabase de cálculo a cota transferida aos mu-nicípios, resultou em um valor médiode 0,217%, em vez do mínimo de 0,5%.

Para não atrasar o pagamento das bolsase auxílios,a FAPESP utilizava as rendas deseu patrimônio, evitando com isso maio-res prejuízos ao andamento dos trabalhos.

Nessa etapa de sua trajetória, soba direção científica de Oscar Sala(1969/1975) e depois de William SaadHossne, a Fundação observou um cresci-mento considerável do número de soli-citações de bolsas. Esse foi um dos refle-xos das mudanças introduzidas pelareforma universitária de 1969, que pas-sou a exigir títulos de mestre e doutorpara os professores assistentes e adjun-tos. Com isso, a pós-graduação galgounovos patamares,expandindo-se a ta-xas expressivas nopaís. Só para darum exemplo, a FA-PESP concedeu 646

bolsas de estudo em 1969;esse ritmo foi crescendo anoa ano, até chegar ao númerode 1.016 bolsas em 1982.

Paralelamente a isso, aFundação procurava mantersuas atividades, como os pro-jetos de auxílios à pesquisaindividual e os programas in-terdisciplinares. Impunha-se,porém, estabelecer rigorosasprioridades. Entre 1970 e1988, segundo Alberto Car-valho da Silva, a FAPESP lan-çou sete projetos especiaisatendendo a propostas degrupos de pesquisadores, emgrande parte dos casos, filia-dos a diferentes instituições.

Várias dessas propostas foram analisa-das por especialistas do exterior. Em de-poimento registrado no livro FAPESP –Fronteira da Prática Científica no Brasil:A Instituição e Memórias, a ser publicadopela Fundação, Oscar Sala diz que elanão se limitou a ser uma espécie de bal-cão de recepção de projetos.“Tomamosa iniciativa (...) em áreas que precisavamde maior desenvolvimento e maior aten-ção.Cito dois exemplos de projetos: o Ra-dar Meteorológico e o BIOQ-FAPESP”.

Este último, implantado em 1971 eencerrado formalmente em 1980, podeser considerado uma “pequena revolu-

ção”, porque induziu a for-mação de recursos huma-nos de altíssimo nível embioquímica, permitiu umsalto à frente no setor e ge-rou uma enorme força mul-

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Uma idéia revolucionáriaapresentaria por-que havia umaporção de espiõesdentro da Aero-náutica, da Ma-rinha, do Exér-cito, dentro domundo inteiro.Evidentemente isso me causoucerta estranheza e prossegui a en-trevista. Logo depois me foi dadoperceber, talvez por ser médico,que havia um componente evidente-

mente psiquiátrico nocomportamento des-sa pessoa. E logo emseguida a família che-gou, pediu desculpase disse que ele tinhafugido de casa e que játinha apresentado es-sa idéia revolucioná-ria em vários locais”.

William Saad Hossne, diretor científico pordois períodos (1964/1967 e 1975/1979), emdepoimento registrado no livro FAPESP –Fronteira da Prática Científica no Brasil:A Instituição e Memórias.

Na fase inicial, em que nãose conhecia exatamente aFAPESP, houve fatos pito-

rescos como o de um pesquisadorque me procurou pedindo uma en-trevista e me disse que queria queo projeto dele fosse apoiado por-que era um projeto revolucioná-rio, de extrema importância emmatéria de aeronáutica. E eu disseque apresentasse o projeto para serestudado pelo setor competente.Ao que ele me respondeu que não

Saad Hossne:recebendo pedidos heterodoxos

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Carvalho da Silva: figuracentral na vida da FAPESP

Crodowaldo Pavan:na luta por mais recursos

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contrário, projetos de peso, em áreascomo agricultura e nutrição, recebe-ram suporte na década de 70. Além dis-so, houve investimentos em infra-es-trutura e no setor de processamento dedados. Mais ainda, a Fundação já nãocabia nas instalações da Avenida Paulis-ta – e com os frutos do rendimento deseu patrimônio, construiu a atual sede emudou-se,em 1977,para a Rua Pio XI,naLapa. Não pôde, porém, ampliar, comogostaria, a base de atuação e apoiar no-vas iniciativas. O quadro só viria a mu-dar decisivamente na década de 80. •

tiplicadora. A partir dele, pipocou aformação de grupos independentes dosoriginais, que montaram laboratóriosde pesquisa e disseminaram as ativida-des por vários centros no interior doestado. Segundo avaliação de seus inte-grantes – bioquímicos da Universidadede São Paulo e da antiga Escola Paulis-ta de Medicina – o BIOQ-FAPESP con-tribuiu para que a cidade de São Paulose convertesse no maior centro do paíspara pesquisa e treinamento nesse setor.

Quanto ao projeto Meteorologiacom Radar (Radasp I e II), instalado

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em 1974, o objetivo foi modernizaruma área de interesse fundamentalpara a agricultura, especialmente numpaís das dimensões do Brasil, com ummosaico diversificado de climas. O ra-dar foi instalado no Instituto de Pes-quisas Meteorológicas da FundaçãoEducacional de Bauru e posteriormen-te incorporado à Universidade Estadu-al Paulista (Unesp).

O quadro financeiro adverso – querdizer, o descompasso entre a demandae a oferta de recursos – impôs dificul-dades, mas não paralisou a FAPESP. Ao

Prédio da Faculdade de Medicina, primeira sede da Fundação Jornal da Tarde, 1981: a mobilização chega à mídia

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A expansão provoca mudança: desde 1977, a FAPESP ocupa as instalações da Rua Pio XI, na Lapa

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José Leonilson

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Os bons frutos da democracia

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A RECUPERAÇÃO

m plena turbulência econômica dos anos 80 e ainda sob opeso do regime militar, a FAPESP inaugurou uma nova faseem que, a um só tempo, confirmou sua vocação empreende-dora no âmbito científico e alargou os limites de sua presen-ça na área tecnológica. Duas batalhas foram decisivas para

isso: a mudança no sistema de liberação de verbas, em 1983, e a reafirma-ção dos objetivos da entidade na Assembléia Constituinte paulista de 1989.

No começo da década, as nuvens estavam cinzentas. Sob o impactodo segundo choque do petróleo (de 1979), a economia desacelerou-se, oendividamento externo cresceu, a inflação começou a disparar (chegan-do a 235% anuais em 1985), fazendo nascer o Plano Cruzado (em 1986)– e o país entrou em moratória pouco depois. As atividades de pesqui-sa sofreram baques consideráveis. Os investimentos minguaram, os sa-lários eram baixos, equipes se desmantelavam, laboratórios ficaram àbeira do sucateamento. Foi nesse clima que a FAPESP reforçou a luta pelaretomada da pesquisa. Pesquisadores, professores e políticos junta-ram-se nessa cruzada, inicialmente para evitar que eles fossem engolidospela inflação. Era preciso regularizar o repasse das verbas e garantirque isto fosse feito mensalmente (em duodécimos). Ganhou corpo,então, a idéia de uma emenda constitucional.

O autor da proposta de emenda foi o então deputado FernandoVasco Leça do Nascimento, hoje titular da Secretaria do Emprego e Re-lações do Trabalho e membro do atual Conselho Superior da FAPESP.Ele recorda que se interessou vivamente pelo assunto quando partici-pou, entre 17 e 18 de agosto de 1983, de um simpósio realizado na As-

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A Constituinte paulista de 1989 duplicou o orçamento e preservou a autonomia.A FAPESP se estruturava para vencer novos desafios

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sembléia Legislativa.“Participei dessa jorna-da em que a questão FA-PESP foi muito recor-rente, abordando-se aredução dos recursos e aincerteza quanto aos re-passes”, rememora o se-cretário. Advogado, elemergulhou nos mean-dros da questão e elabo-rou a proposta que, apre-sentada duas vezes emplenário, foi finalmenteaprovada em 16 de de-zembro de 1983. Consa-grando os duodécimosno artigo 130 da Consti-tuição então em vigor,tornou-se conhecida como EmendaLeça.

Em tempos de abertura política, jáno fim da década, os investimentos empesquisa ganharam outro considerávelestímulo, dissipando-se as nuvens dadécada anterior. Seis anos depois da

Emenda Leça, o espec-tro científico paulistauniu-se novamente, noâmbito da AssembléiaConstituinte do estado,para obter a duplicaçãoda verba orçamentáriada Fundação, uma an-tiga aspiração da co-munidade, que agoracontabilizava 50% dospesquisadores do país emais de 50% de toda aprodução científica bra-sileira.

A urdidura políticaque permitiu essa vitó-ria foi trabalhosa. Mui-tas entidades (de associ-

ações de docentes a órgãos empresariais)compareceram com sugestões. Se todasconcordavam quanto à elevação dos re-cursos, diferiam em aspectos ligados àdestinação de verbas, a mudanças naestrutura e na política interna da Fun-dação e à participação de representan-

tes do meio científico e empresarial noConselho da entidade. Nessa fase deintensos debates, parecia ameaçada aautonomia da FAPESP: muitas pro-postas não continham a expressão “pri-vativa administração” de recursos cons-tante da Constituição de 1947; outrassubordinavam a FAPESP ao Conselho Es-tadual de Ciência e Tecnologia; houveaté mesmo quem propusesse aumentar,não para 1%, mas para 2% o repasse deverbas, desde que elas fossem investidasem empresas,“de preferência” nacionais.

A atuação da comunidade foi fun-damental – à frente Alberto Carvalho daSilva, então diretor presidente da FAPESP– para preservar a estrutura e a missãooriginais da Fundação. Chegou-se, fi-nalmente, a um consenso, com o apoio,entre outros,dos deputados constituintesFernando Leça (mais uma vez ao ladodos pesquisadores), de José Dirceu (atualpresidente do PT e deputado federal) ede Aloysio Nunes Ferreira Filho (ex-mi-nistro e deputado federal pelo PSDB),que apresentara uma emenda ao projetoda Constituição paulista. O artigo 271dobrou a dotação orçamentária da FA-PESP, para aplicação em “desenvolvi-mento científico e tecnológico” (nãomais somente em “pesquisa científica”)e manteve sua autonomia e o caráter deinstituição pública. Ficou assim redigido:

Artigo 271 – O Estado destinará omínimo de um por cento de sua receitatributária à Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de São Paulo, como ren-da de sua privativa administração, paraaplicação em desenvolvimento científicoe tecnológico.

50 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

Uma conversa de bastidorescom o Aloysioe batalhar pe-lo aumento dopercentual’. Eassim foi fei-to. Me lembrotambém que odr. Alberto e odr.Fava de Mo-raes iam muitoà Assembléia,para articular.Os deputados,em geral, nãogostam de vin-cular recursos,

mas me recordo que havia um cli-ma favorável (à proposta). O gover-nador Quércia tinha muita força naAssembléia e o Aloysio (então noPMDB) trabalhou muito bem”.

Depoimento feito a esta revista por LuizGonzaga de Mello Belluzzo, secretário daCiência e Tecnologia no governo OrestesQuércia e conselheiro da FAPESP entre1992 e 1995.

O aumento dopercentual foiuma reivindica-

ção do CTA da FAPESP,cujo diretor presidenteera o dr. Alberto Carva-lho da Silva (1984-1993).Ele me procurou e eudisse: ‘Está perfeito, achoque temos de batalharpor isso’. Estávamos naépoca da Constituinte.O líder do governo naAssembléia era o AloysioNunes. Aí eu falei com ogovernador sobre o as-sunto e ele quis mais informaçõessobre os trabalhos da FAPESP. Melembro bem quando fomos à Fun-dação para uma apresentação, por-que foi no dia seguinte ao enterrodo ex-ministro Dílson Funaro (daFazenda, comandante do PlanoCruzado) com quem eu havia traba-lhado. O governador ficou impres-sionado e na saída me disse: ‘Estábem, você tem razão, vamos falar

Belluzzo: participando das articulações

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Leça: peça-chave para o aumento das verbas e regularização dos repasses

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ANSP (An Academic Network at SãoPaulo), embrião da Internet no Brasil.Fincavam-se os alicerces sobre os quaisse assentariam, mais tarde, programascomo o Genoma-FAPESP, desenhadopara funcionar como um consórcio deinstitutos virtuais.

A Fundação acertava o passo com amodernidade e afiava-se para encarar asprofundas transformações que se avizi-nhavam, provocadas especialmente pelaabertura comercial de 1990. Os empre-sários nacionais passaram a competirnão apenas no exterior, mas tambéminternamente, enfrentando a invasão demercadorias estrangeiras e sofrendo ochoque da globalização – como o de-senvolvimento industrial brasileiro dasúltimas décadas, sobretudo nas grandesempresas, baseara-se na compra deknow-how externo, o aparato tecnológi-co encontrava-se defasado em váriossetores. O panorama econômico era umcampo aberto e desafiador a novas pro-postas, entre as quais despontava a arti-culação academia-empresa. Um novocaminho começaria a ser trilhado. •

Parágrafo único – A dotação fixadano caput, excluída a parcela de transferên-cia aos Municípios, de acordo com o art.158, IV, da Constituição Federal, será trans-ferida mensalmente, devendo o percentualser calculado sobre a arrecadação do mês dereferência e ser pago no mês subseqüente.

Essa injeção de recursos regularesrepresentou um ponto de inflexão navida da FAPESP, que pôde delinear no-vas modalidades de fomento à pesquisa,sem abandonar a concessão de bolsas eauxílios individuais – o número de bol-

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sas e auxílios (somados) passou de 2.400,em 1984, para 8 mil em 1996. O alcan-ce dos projetos especiais ampliou-se esurgiram os projetos temáticos de equi-pe, categoria de financiamento criadaem 1990 para apoiar pesquisas multi-disciplinares, com equipes mais nume-rosas e metas mais ambiciosas que ostrabalhos isolados. Rompia-se o para-digma da pesquisa individual. Até hoje,a Fundação apoiou 634 temáticos.

Pelo pioneirismo e potencial inova-dor, um projeto ícone do período foi a

Ciência,marketing e tecnologia “não digo umshow”, mas umamostra do grandesignificado desseprojeto, com umaexplicação detalha-da de como as re-des internacionaisoperavam e comose trocavam men-sagens com os bol-sistas do exterior.

Além de expora Quércia o impac-to dessa tecnologiar e v o l u c i o n á r i apara a época, Favaapresentou uma bateria de projetosda história da FAPESP que uniamrelevância científica e apelo de mar-keting. Entre eles, o do cancro cítri-

co, cuja erradicaçãoelevou as exportaçõesde suco de laranja, e ode levantamento daságuas subterrâneas noestado de São Paulo.“E assim, naquele dia,o governador Quérciadeclarou que dava to-do apoio do Executivoà reivindicação da co-munidade científica dedobrar a dotação orça-mentária da FAPESP.O secretário da Fazen-da, Frederico Mazzu-chelli, também apoi-

ou”, arremata Fava, em depoimentoao livro FAPESP – Fronteira da Prá-tica Científica no Brasil: A Instituiçãoe Memórias.

Diretor-científico da FAPESP entre1985 e 1993, Flávio Fava de Moraes(depois reitor da USP), rememora avisita de Orestes Quércia à entidade,na fase de convencimento do gover-nador à causa da duplicação da do-tação orçamentária, que tramitariana Assembléia Constituinte paulis-ta.“Quando recebemos o sinal verdede que o governador aceitava a tese,começamos a trabalhar uma estra-tégia para criarmos um aconteci-mento em que ele pudesse exteriori-zar sua aprovação”, conta Fava. Istoaconteceu no prédio da FAPESP,numa reunião do Conselho Superiorque comemorava a inauguraçãoda Rede ANSP (embrião da Internetno Brasil). De acordo com Fava, foimontado, no Centro de Processa-mento de Dados da instituição,

Fava de Moraes:sinal verde do governador

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Assembléia Constituinte de São Paulo, 1989: apoio aos pleitosda comunidade acadêmica

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Onça Pintada, nº1

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Chega o tempo da colheita

CIÊNCIA

EXPANSÃO

egundo Louis Pasteur, “não existe uma categoria de ciência àqual se pode dar o nome de ciência aplicada. Há a ciência e asaplicações da ciência, ligadas tal qual o fruto à árvore que ocarrega”. O sábio cientista francês certamente ficaria muitosatisfeito ao ver, no trabalho realizado por pesquisadores pau-

listas, a definitiva comprovação de sua tese. Numa terra aberta a golpesde machado e trabalhada em meio a intempéries de ordem econômi-ca e política, a FAPESP colhe os resultados mais visíveis de 40 anosde trabalho de fomento à ciência e de apoio aos pesquisadores. Ino-vou nos conceitos, mostrando que a pesquisa pode ao mesmo tempocontribuir para o avanço do conhecimento e ter grandes perspecti-vas de aplicações práticas (como fizera Pasteur na microbiologia).Inovou na forma de atuação, juntando grupos multidisciplinares einterinstitucionais por meio de redes virtuais, sem precisar gastar di-nheiro com tijolo e cimento para a construção de novos laboratóri-os. Ganhou inédito reconhecimento internacional para instituições epesquisadores brasileiros. Dos espaços infindos da astrofísica às di-mensões microscópicas da nanotecnologia, da biodiversidade aosmistérios da genômica, a Fundação tem apoiado todas os campos doconhecimento científico. Os resultados atingidos nos últimos dezanos se concretizam não apenas na construção de um capital huma-no de primeira linha, mas na forma de produtos e serviços.

Os vários projetos oriundos do Genoma-FAPESP, por exemplo,superaram as melhores expectativas. Da ousada rede virtual de la-boratórios de seqüenciamento genético resultou o mapeamento

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Descobertas, produtos e umcapital humano de primeiralinha: nos últimos dez anos,a FAPESP vê resultadosconcretos de seus esforços

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que atacam a videira e a espirradeira.“Buscamos padrões que se repetem den-tro das proteínas. Pode ser que um agru-pamento de genes comum a todas as bac-térias seja o responsável pelas doenças”,sugere a pesquisadora. Somente a partirdo seqüenciamento foi possível come-çar a formular hipóteses como essas e,conseqüentemente, encontrar respostasque poderão gerar formas de combate amales que atingem plantas e pessoas.

a área de medicina, pro-jetos financiados pelaFAPESP resultaram empatentes que poderãomudar os rumos dos

tratamentos convencionais. O Institu-to do Coração (Incor) da Universidadede São Paulo, patenteou a partícula LDE(low density emulsion ou emulsão de bai-xa densidade). Desenvolvida pelo endo-crinologista Raul Maranhão, é uma li-poproteína artificial que pode ser usadacomo veículo para medicamentos usa-dos no combate ao câncer. E o Centrode Toxinologia Aplicada depositou, noInstituto Nacional de Propriedade In-dustrial (INPI), a patente do princípioativo de um protótipo molecular queserá usado na produção de um medi-camento contra hipertensão. O Centrode Toxinologia Aplicada é um dos dezCentros de Pesquisa, Inovação e Difu-são (Cepids) que a FAPESP aprovou noano de 2000 para desenvolver pesqui-sas em várias áreas do conhecimento etransmiti-las à sociedade.

A área de física também deu a suacontribuição para a medicina com a pro-dução de lasers pelo Centro de Óptica eFotônica, outro Cepid. E acena para ofuturo estudando os microscópicos na-

nofios de ouro, que, de acordo com asdescobertas de uma equipe de três físi-cos da USP e Unicamp, poderão ser usa-dos como componentes dos substitutosdos atuais chips de silício. Os biólogosdo projeto Flora Fanerogâmica, por suavez, já podem ostentar com orgulho apublicação de um catálogo com todasas 458 gramíneas de São Paulo, primei-ro volume de uma série de 17 volumesque listará todas as plantas com flores –as fanerógamas – do estado. Esse levan-tamento, iniciado em 1994, abasteceráos bancos de dados do Programa Biota,a rede virtual da biodiversidade, aindamais ambicioso, que está catalogandotoda flora e fauna paulistas.

Na verdade, qualquer lista dos avan-ços científicos de uma década tão pro-dutiva quanto os últimos dez anos daFAPESP seria temerária. Pode-se, quan-do muito, apresentar um painel assumi-damente incompleto, mas variado o su-ficiente para retratar, com alguma justiça,esse momento de vida da instituição.Ao se avaliar os relatórios, é sintomáti-co notar que, ao longo de 2001, mais de80% dos recursos investidos em auxíliosregulares à pesquisa, temáticos, BIOTA,Apoio a Jovens Pesquisadores, PITE,PIPE, Ensino Público, Pró-Ciências,Pesquisa em Políticas Públicas e Geno-ma-FAPESP foram para projetos comimediata ou potencial aplicação tecno-lógica. Não significa um abandono dapesquisa básica, que faz jus a seu nome:“A pesquisa básica será, cada vez mais, asustentação da pesquisa aplicada”, pre-vê Rogério Meneghini, coordenador doPrograma Rede de Biologia MolecularEstrutural e um dos assessores-adjun-tos da diretoria científica da Fundação.Uma receita com o aval de Pasteur. •

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completo dos quase 2,7 milhões de pa-res de bases nitrogenadas da bactériaXylella fastidiosa. Feito divulgado comdestaque: nenhuma equipe de pesquisaem todo o mundo jamais havia feito umsequenciamento de fitopatógeno. OProjeto Genoma Humano do Câncer,iniciado em abril de 1999, conseguiuidentificar, em menos de um ano detrabalho – e seis meses antes do prazoprevisto – 1 milhão de seqüências de ge-nes de tumores mais freqüentes no Bra-sil. Em janeiro de 2001 foi concluído osequenciamento genético da bactériaXanthomonas citri, causadora do can-cro cítrico (devidamente registrado pelarevista inglesa Nature, na edição de 23de maio), e o mapeamento de mais de 80mil genes da cana-de-açúcar. E mais:ultrapassaram a linha do Equador, che-gando à Califórnia norte-americana,cujas videiras sofrem ataques de pragacausada por uma variedade da nossaconhecida Xylella fastidiosa.

O Departamento de Agricultura dosEstados Unidos propôs à FAPESP, emagosto de 2000, uma parceria para se-quenciar a Xylella da videira. Tendo àfrente as pesquisadoras Marie-Anne VanSluys e Mariana Cabral de Oliveira, daUniversidade de São Paulo (USP), eJoão Paulo Kitajima, da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp), otrabalho – celebrado pela mídia norte-americana – foi concluído um ano de-pois. Inicia-se, agora, uma nova e maiscomplexa fase: as análises funcionaisdos genes. A equipe de Marie-Anne, porexemplo, está agora comparando aXylella da laranja com outras linhagens

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Trecho do genoma da Xylella:primeiro fitopatógeno mapeado

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amba, futebol e...genômica. Alista de coisas pelas quais o Bra-sil é reconhecido subitamenteampliou-se”. Essa foi a man-chete bem-humorada que a

revista inglesa The Economist destacou emsua edição de 20 de julho de 2001, quan-do pesquisadores brasileiros acabavamde realizar mapeamento genético da bac-téria Xylella fastidiosa. O artigo científi-co, elaborado por 116 dos 192 cientistasque participaram do projeto Genoma-FAPESP, ganhou a capa da revista Nature(edição 6.792, de 13 de julho de 2000).Uma honra inédita: foi a primeira vez,nos 131 anos de existência dessa concei-tuada publicação científica, que um arti-go produzido por pesquisadores brasi-leiros mereceu destaque na capa.

Além do inédito seqüenciamento deum fitopatógeno, os pesquisadores bra-sileiros descobriram fatos intrigantes:muitos dos genes da bactéria são intei-ramente novos, enquanto outros só eramconhecidos em animais. “Cerca de 40%dos genes da Xylella jamais foram des-critos antes. E 10% são genes que só ha-viam sido identificados infectando ani-mais, geralmente com papel específicoem mecanismos de patogenicidade, ouseja, de adesão às células do hospedeiro”,revelou Andrew Simpson, coordenadordo projeto de seqüenciamento. Em suaopinião, a presença, numa planta, de ge-nes similares aos que infectam mamíferossugere que possa haver uma correlaçãoentre a forma como as bactérias infectamplantas e animais.Assim, o estudo da Xy-lella, como de outros fitopatógenos, po-deria ajudar a compreender até mesmoinfecções que afetam os seres humanos.

A bactéria Xylella fastidiosa é umapraga que ataca pés de laranja, base da

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O Brasil na vitrineG E N Ô M I C AG E N Ô M I C A

O seqüenciamento inédito de umfitopatógeno confere reconhecimentointernacional à ciência brasileira

A ação destrutiva da bactéria Xylella fastidiosa: carregada pela

cigarrinha (acima), ela se multiplica na laranjeira e obstrui

lentamente os vasos da planta (ao alto), que acaba

produzindo frutos duros e ácidos

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desse executar esse trabalho.Nos perguntamos, então, oque poderia ser feito. Man-dar jovens estudar fora? Cri-ar um instituto de notáveis?”,lembra Perez.

A solução surgiu na formade uma grande rede de laboratórios, ir-manados em torno de um projeto co-mum. A rede virtual ONSA, sigla paraOrganization for Nucleotide Sequencingand Analysis e um trocadilho com o no-me do belo felino brasileiro, acabou semostrando, realmente, o pulo do gato

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Genoma Estrutural:o próximo saltoseu modus operandi. Mas, para saberqual é a função de um determinadogene, é preciso, primeiro, identificar suaestrutura. A semelhança com o bandi-do pára por aqui. Entre os seres hu-manos, quem vê cara não vê coração.Entre os genes, a aparência – nessecaso, a forma tridimensional – podedizer tudo. Por isso, o Programa Redede Biologia Molecular Estrutural, lan-çado em dezembro de 2000 pela FA-PESP, carrega consigo grandes expec-tativas. Ninguém espera a rapidez dos

seqüenciamentos, mas, a longo prazo,descobertas definitivas para a soluçãode grandes problemas da humanida-de. O bioquímico Rogério Meneghini,que coordena o programa, explica queo trabalho parte da clonagem do geneda proteína que se quer estudar. De-pois, ele é inserido no chamado “vetorde expressão”, uma bactéria que irásuperexpressar o gene, produzindograndes quantidades da proteína. Aterceira etapa é a purificação por cro-matografia, obtendo-se a proteína pu-

O seqüenciamento de um fitopa-tógeno ou de um tecido tumoral éuma conquista sem precedentes paraa ciência brasileira – mas é, em con-trapartida, apenas a primeira etapa deum longo processo, quando se vis-lumbra, como meta final, a solução deuma praga agrícola ou a cura de umcâncer. Depois de descobrir quem sãoos genes que compõem o material es-tudado, é preciso saber como eles agem.É como o detetive que, depois de iden-tificar os bandidos, começa a delinear

citricultura paulista – fastidiosa porqueé de maneira lenta e silenciosa que elarouba a saúde da planta, quase como sesentisse tédio pela destrutiva rotina diá-ria. Não se pode atribuir a mesma carac-terística aos cientistas que a estudaram.

enhuma equipe de pes-quisa em todo o mundojamais havia feito umseqüenciamento de fito-patógeno. Junta-se, então,

um grupo de pesquisadores de um paíssem projeção na área de biologia mole-cular, e o trabalho surge concluído empouco mais de dois anos. Oprograma teve início em1998. Em 6 de janeiro de2000, quatro meses antes doprazo previsto, já apresenta-va o mapeamento completoda bactéria, embora o traba-lho tenha se revelado maiordo que se imaginava. Comquase 2,7 milhões de paresde bases nitrogenadas ounucleotídeos em seu cro-mossomo, a bactéria é umterço maior do que os pes-quisadores imaginavam.

Dois anos antes, quan-do o bioquímico FernandoReinach, do Instituto deQuímica da USP, sugeriu ao diretor-científico José Fernando Perez que se fi-zesse o seqüenciamento completo de ummicrorganismo, ninguém imaginavaque o resultado alcançaria tamanha re-percussão. Afinal, a promissora área debiotecnologia era uma das poucas em

que o Brasil situava-se aquém em rela-ção a grupos internacionais. “Antes doprojeto Genoma, chegou-se a mandarvírus de sarampo para ser seqüenciadoem Atlanta – algo que se faz em um dia,pois os vírus são estruturas mais sim-ples – porque aqui não havia quem pu-

NAndrew Simpson e Fernando Reinach (à esquerda):liderança premiada

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o primeiro orientandodele no Brasil”, orgulha-se) desenvolveu uma téc-nica inovadora de se-qüenciamento genético,a ORESTES, sigla paraOpen Reading FramesEST Sequences, que foiamplamente utilizada noprojeto Genoma Câncer.Em vez de ler o gene apartir das pontas, comoos métodos tradicionais,o método Orestes prio-riza a leitura das infor-mações que se encon-tram na região central damolécula de RNA men-sageiro. E essa área cen-tral tem importância fun-damental para o estudo

funcional do gene: é nela que se concen-tra a região codificadora de proteínas,ou seja, as informações do código gené-tico que se traduzem em proteínas e,conseqüentemente, os segredos que oscientistas buscam desvendar. “No lan-çamento do projeto Genoma Humanodo Câncer, Reinach disse que, na Xylel-la, buscava-se estudar um organismoque ninguém ainda havia estudado, pormeio de uma técnica conhecida. Era umaforma de alcançar competência técnica.Apenas um ano e meio depois, o Brasiliria pesquisar o organismo mais estuda-do do mundo com uma técnica nova”,destaca Dias Neto.

O salto de coragem e competência éuma opinião unânime entre todos osintegrantes dos projetos do Programa

EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 57

desse projeto, o segredode sua eficiência: quaseduas centenas de pesqui-sadores trabalhando, cadaqual no seu laboratório,mas entrosados com o es-pírito de montagem de li-nha industrial, todos soba coordenação precisa deum especialista. Nessa fun-ção, estava o bioquímicoSimpson, do InstitutoLudwig de Pesquisas so-bre o Câncer, que hoje co-ordena o Projeto Geno-ma Brasileiro (BRGene,do CNPq), integrando 25laboratórios vinculados ainstitutos de pesquisa,universidades federais eestaduais.

O organismo deveria ser uma bac-téria, complexa o suficiente para desafiare gerar competência. A área agrícola foiuma escolha quase natural, uma vez quea saúde já era competitiva demais. A elei-ta foi a Xylella, bactéria identificada em1987 pela pesquisadora Victória Rossetti,do Instituto Biológico de São Paulo.A Xy-lella quase foi excluída, pois ninguémsabia cultivá-la. Mas, a convite do FundoPaulista de Defesa da Citricultura (Fun-decitrus), que também apoiou o proje-to, veio ao Brasil o pesquisador francêsJoseph Bové,que já havia trabalhado coma bactéria e sabia fazer a cultura.“Ele foibastante convincente do ponto de vistatécnico”, diz Perez. Em 14 de outubro de1997, foi feito o anúncio oficial do Ge-noma-FAPESP e seu primeito projeto.

“E em dezembro a Copersucar nos pro-curou para fazer o Genoma Cana”,lembra Perez. Surgia outra rede de co-operação, coordenada pelo pesquisa-dor Paulo Arruda, da Unicamp – agoratambém trilhando o caminho empresa-rial ao tornar-se um dos sócios da Al-lelyx, nova empresa de biotecnologia.

s projetos de seqüencia-mento da Xanthomonascitri, bactéria responsávelpelo cancro cítrico, e doCâncer, logo se soma-

riam. “Tivemos um salto em termos deautoconfiança. Ficamos mais corajosos”,brinca o biólogo molecular EmmanuelDias Neto. Sob orientação do pesquisa-dor Andrew Simpson, Dias Neto (“fui

rificada. Depois, vem a cristalização, quedesvenda sua estrutura tridimensio-nal. De acordo com a estrutura, a funçãoda proteína pode ser a de carregar oxigê-nio para as células, mediar a entrada deglicose ou catalisar reações químicas.

“Com o cristal, é possível elucidara estrutura com o raio X. Trabalhamosjunto com o Laboratório Nacional deLuz Síncrotron (LNLS), que emite luzde diferentes comprimentos de onda,inclusive raio X de alta energia. Elepenetra no cristal e projeta imagemde difração. Então, por métodos ma-temáticos e científicos, dessa imagemchega-se à estrutura tridimensional”,

explica o bioquímico. Ao definir a es-trutura, os pesquisadores podem de-senhar um inibidor dessa proteína,uma substância que se encaixe perfei-tamente nela, anulando sua ação. É,por exemplo, o papel do inibidor deprotease do vírus HIV, base do co-quetel que tem aumentado a sobrevi-da de pacientes com Aids. Meneghinialerta que o trabalho não é fácil. Aprotease, por exemplo, demorou trêsanos para ser cristalizada. Mas a cris-talografia, que permite estudar a es-trutura por difração de raio X, não éo único método. Junto com o lança-mento do programa foi inaugurado o

Laboratório de Ressonância Magné-tica Nuclear, com dois equipamentosde grande alcance. Com eles, é possí-vel elucidar a estrutura da proteínaem solução, o que dispensa a necessi-dade de cristalização, etapa que fun-ciona como um gargalo no trabalho.O método tem uma limitação: nãoconsegue estudar a estrutura de pro-teínas acima de certo tamanho. Asproteínas maiores têm que ser crista-lizadas. Mas cerca de 10 a 15% dasproteínas estudadas atualmente po-dem se beneficiar desse método, quepula a etapa da cristalização e acelerao trabalho.

A rede virtual ONSA: o pulo dogato do Genoma-FAPESP

Primeira vez: pesquisa brasileira na capa da Nature

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Genoma. Mas todos concordam, tam-bém, que foi um salto feito a partir debase sólida. “Capitalizamos em cimade uma competência já instalada”, afir-ma Perez.

Um exemplo incontestável dessaafirmação é a carreira da geneticistaMayana Zatz, que participou do seqüen-ciamento da Xyllela. Nos anos 70, a cien-tista já montava, na USP, um serviço deaconselhamento genético para as famílias.Nos anos 90,destacou-se por seu trabalhona identificação de um gene responsávelpela Distrofia de Cintura, enfermidadeque deforma músculos de braços e per-nas, impedindo a locomoção. Graças aesse trabalho pioneiro e à participação noprograma Genoma-FAPESP, Mayanafoi uma das cinco vencedoras do Prê-mio L´Oreal/Unesco Women in Science de2001. Atualmente, é diretora do Cen-tro de Estudos do Genoma Humano, umdos dez Cepids criados pela FAPESP, quejá apresenta resultados promissores. Sobcoordenação da pesquisadora MariaRita Passos-Bueno, a equipe do Centrode Estudos do Genoma Humano acabade concluir um estudo no qual revela queuma mutação genética pode aumentarem até duas vezes e meia o risco para ocâncer de próstata. A alteração de umúnico nucleotídeo no gene COL18A1,situado no cromossomo 21, pode alterar

a produção de endostatina, cuja ação é ade inibir a formação de vasos sangüíne-os que alimentam os tumores sólidos.As-sim, o gene alterado pode se transformarnuma espécie de marcador da doença.

área de bioinformática, crucialpara a genômica, é um bomexemplo. Havia uma terrívelcarência de recursos hu-manos e chegou-se a pro-

por a contratação de um especialista defora. Mas os organizadores do projetosouberam da existência de dois jovenspesquisadores da Unicamp trabalhan-do nessa área: João Meidanis e João Se-túbal, aos quais se somaria depois umterceiro João, o Kitajima. “Nós já reali-závamos pesquisa em bioinformática,do ponto de vista teórico. Minha tesede doutorado, defendida em 1992, nosEUA, foi sobre problemas computacio-nais em seqüenciamento de genomas eanotação de genes,mas nem todos conhe-ciam o nosso trabalho”, lembra Meidanis.Foi nessa equipe que eles apostaram,com retorno mais do que compensador.E hoje, o governo federal, por intermé-dio do Conselho Nacional de Desenvol-vimentoCientífico e Tecnológico (CNPq),segue o exemplo: está investindo R$ 3milhões na implementação de núcleosde bioinformática em todo o país. “Naminha opinião, o grande desafio é atrairos melhores profissionais de computa-ção para esta área de atuação. E isso se

faz investindo na área, criando empre-gos e posições de pesquisa, não só emuniversidades, mas também em empre-sas”, diz Meidanis, que também optoupor trilhar o caminho empresarial comoum dos sócios da recém-criada Scylla,que atuará em bioinformática – área queserá, cada vez mais, uma ferramenta bá-sica para a genômica.

Após as bem-sucedidas experiên-cias de seqüenciamento, os pesquisadoresbrasileiros enveredam pela complexida-de da função desses genes mapeados.Para isso, serão determinantes as desco-bertas advindas do Programa Rede deBiologia Molecular Estrutural, lançadopela FAPESP em parceria com o Labora-tório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).“Pela análise da estrutura tridimensionalda proteína, podemos determinar suafunção nas células”, explica o coordena-dor do projeto, o bioquímico RogérioMeneghini, diretor do Centro de Biolo-gia Molecular Estrutural do LNLS.Como resultado, pode-se ter a melhoriada qualidade da cana-de-açúcar e o de-senvolvimento de plantas mais resisten-tes à ação de bactérias, como a do cancrocítrico. Busca-se, também, obter varie-dades de canas resistentes a pragas comoa bactéria Leifsonia xyli e o fungo-do-car-vão. E há quem sonhe mais alto, com apossibilidade de utilizar a cana-de-açúcarpara produzir não apenas açúcar e álcool,mas compostos químicos de interessepara a indústria farmacêutica. •

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O colmo de umacana sadia: vasos condutores (pontosmais escuros) distribuídos demodo uniforme permitem a passagem de nutrientes e do corante vermelho (detalheao lado)

Cana infectada:vasos distribuídos de modo irregularencontram-se entupidos por colônias de bactéria Leifsonia xyli, que impedem a passagem docorante (ao lado)

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A partir do Genoma Cana, a perspectiva de melhoramento genético

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Os mapas do tesouro MEIO AMBIENTE

Conhecer para preservar:cientistas catalogam a biodiversidade brasileira

CIÊNCIA

Abrangência: a Mata Atlântica é um dos ecossistemas mapeados no Programa BIOTA

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odo mundo já ouviu falarem nossos “tesouros na-turais” ou na “riqueza danossa biodiversidade”. Pois,agora, pesquisadores de di-

versas instituições paulistas resolveramquantificar essa riqueza toda na ponta dolápis. A primeira iniciativa surgiu em1994, com o projeto temático Flora Fa-nerogâmica do estado de São Paulo. Vin-te e três instituições uniram-se para ca-talogar todas as plantas com flores – astais fanerógamas – do estado. As fane-rógamas são a imensa maioria da florade uma região. São os vegetais que pos-suem seus órgãos reprodutores nas flo-res, ao contrário das criptógamas, quenão se reproduzem por meio de flores eapresentam órgãos reprodutores ocul-tos. Assim, tirando musgos, líquens, sa-mambaias, algas e fungos, tudo o maistinha que ser catalogado.

O esforço já frutifica: foram identi-ficadas 44 novas espécies de plantas ecoletadas 118 espécies que só haviamsido registradas em outros estados bra-sileiros. E, em setembro de 2001, foi pu-blicado o primeiro volume do livro FloraFanerogâmica do estado de São Paulo,dedicado às 458 espécies de gramíneasexistentes apenas no estado de São Paulo(parte de uma coleção que terá 17 títu-los). O ambicioso trabalho foi iniciadosob coordenação do professor Hermó-genes de Freitas Leitão Filho, pró-reitorde pós-graduação da Unicamp, que fa-leceu durante uma atividade de campo,como ele disse que gostaria:“No chão deuma mata, sem perceber”. Hoje, a coor-denação geral está com a botânica Mariadas Graças Lapa Wanderley, do Institu-to de Botânica da Secretaria do MeioAmbiente do Estado de São Paulo, que,além dos pesquisadores e instituições

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diretamente envolvidos no pro-jeto, conta com a colaboração deum batalhão de voluntários, en-tre biólogos, estagiários e estu-dantes, para coleta e análise domaterial. Ainda há muito que serfeito. Mas os primeiros resultadosdesse imenso catálogo compi-lado pelo projeto temático daFlora Fanerogâmica já estão àdisposição dos pesquisadores etambém abastecerão os bancosde dados do BIOTA-FAPESP –um programa especial que, comotal, é mais ambicioso, pois estácatalogando toda a flora, faunae microrganismos do Estado deSão Paulo.

riado em março de1999,o BIOTA(Pro-grama de Pesqui-sas em Conserva-ção Sustentável da

Biodiversidade) também leva otítulo de Instituto Virtual da Biodiversida-de. Tal como o Genoma-FAPESP, trata-se de uma rede de cooperação na qualpesquisadores envolvidos com o atualís-simo tema da biodiversidade têm um ca-nal de comunicação e ajuda mútua. Essaarticulação entre pesquisadores teve iní-cio em 1996, a partir de uma reunião or-ganizada pela Coordenação de CiênciasBiológicas e pela Diretoria Científica daFAPESP, com cerca de 40 lideranças. Ho-je reúne quase 400 pesquisadores de di-versas instituições, coordenados pelo bió-logo Carlos Alfredo Joly, da Unicamp,no esforço comum de criar um gigan-

tesco banco de dados sobre todos os as-pectos da biodiversidade e disponibili-zar descobertas em tempo real.

Os resultados são bastante consisten-tes. Já está no ar o SinBiota, Sistema deInformação Ambiental do Programa Bio-ta-FAPESP.Pelo site www.biota.org.br/sia,pode-se acessar cerca de 4 mil espéciesde plantas, animais e microrganismosregistrados no estado. Mais importante,também é possível localizar, nummapa do estado de São Paulo ou deuma sub-região, as áreas onde se regis-trou a presença de cada espécie. Até2004, a base de dados do BIOTA estará

abastecida com a maioria dosprojetos temáticos vinculadosao programa, como, por exem-plo, o minucioso levantamentodas áreas de cerrado realizadono projeto temático Viabilidadede conservação dos remanes-centes de cerrado do estado deSão Paulo, coordenado por Ma-risa Dantas Bitencourt, do Ins-tituto de Biociências da Uni-versidade de São Paulo. Osdados preliminares registram aperda de 34% de áreas de cer-rado. É uma informação preo-cupante: o cerrado é o hábitatde 4.400 espécies endêmicas deplantas, 800 de pássaros, 120 derépteis e 150 de anfíbios. E ain-da vivem nele espécies ameaça-

das de extinção, como o lobo-guará e otamanduá-bandeira. As possibilidadesde utilização dessas informações são ili-mitadas. É possível, por exemplo, esta-belecer regiões e espécies prioritáriaspara preservação, delimitar zonas deexpansão agrícola ou apontar para quelado uma cidade pode se expandir semprejudicar a biodiversidade.

Mas a repercussão do SinBiota já sesente desde seu lançamento. Com maiorvisibilidade, o programa teve um signi-ficativo aumento na procura pela vin-culação de novos projetos.E,o que é maisinteressante, já se articula com outras

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O estudo da digestão de insetos pode levar à produção de plantas mais resistentes

Um atlas virtual ao alcance das mãosrios paulistas e por coleções de espéciescatalogadas por instituições de outrosestados e do exterior, por meio de apoiose convênios que estão sendo firmados.A meta é ousada: o coordenador do pro-grama, Carlos Alfredo Joly, espera que,em poucos anos, seja possível acessarmapas com rios, cobertura vegetal edistribuição geográfica de qualquerespécie animal ou vegetal catalogadaem qualquer lugar do mundo. O pri-meiro passo nesse sentido já foi dado:graças a um convênio com a Universi-

dade do Kansas, Estados Unidos, oSinBiota se integrará ao Species Analyst,sistema mundial que já reúne 20 cole-ções biológicas, com cerca de 50 milhõesde registros da ocorrência de animais,vegetais e microrganismos na Américado Norte e na Europa.

Para facilitar o trabalho dos pes-quisadores que consultam o SinBiota,foi criado um Atlas virtual, compostode 430 mapas justapostos na escala1:50.000. Pontos de ocorrência da espé-cie pesquisada são facilmente localiza-

Quatro mil espécies de plantas, ani-mais e microrganismos encontradosem São Paulo já estão ao alcance da co-munidade científica no Sistema deInformação Ambiental do ProgramaBIOTA-FAPESP (SinBiota).Além das in-formações provenientes dos 32 projetosem andamento do programa BIOTA, quemapeia a bidoversidade do estado de SãoPaulo, o site www.biota.org.br/sia tam-bém será alimentado por dados cole-tados das antigas coleções de flora efauna mantidas por museus e herbá-

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áreas de conhecimento, como a socio-logia, antropologia e etnociências, paraa compreensão e solução dos problemasambientais levantados pelos pesquisa-dores. O diretor científico da FAPESPacha que é só uma questão de tempo paraa rede Biota se entrelaçar com a redeGenoma:“Os dois programas vão se ar-ticular num futuro próximo, pois a bio-diversidade será cada vez mais analisadado ponto de vista genético”, prevê Perez.

as pesquisas conduzidaspelo bioquímico Terra,do Instituto de Químicada USP, e pelo biólogomolecular Márcio de

Castro Silva-Filho, da Escola Superiorde Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), química e genética já se colocama serviço do meio ambiente. Os estudosde Walter Ribeiro Terra permitirão odesenvolvimento de plantas mais resis-tentes à gula dos gafanhotos, lagartas,pulgões e outros insetos devoradores.

O segredo da planta está no próprioinseto. Terra, um dos cientistas brasileirosmais citados na Web of Science, o bancode artigos científicos organizado peloInstitute for Scientific Information, dosEstados Unidos, estudou profundamen-te os mecanismos de digestão dessas pra-gas. A partir desse conhecimento, é pos-sível criar espécies vegetais transgênicascom a capacidade de produzir inibidoresde enzimas digestivas, substâncias quebloqueiam a digestão dos insetos: assim,eles acabam morrendo de inanição.

O biólogo molecular Márcio de Cas-tro Silva-Filho já está aplicando esses

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conhecimentos na Esalq: desenvolveuma cana-de-açúcar mais resistente àinfestação pela broca. A associação dapesquisa básica sobre enzimas digesti-vas com os experimentos mais práticosda biologia molecular pode livrar omeio ambiente de cerca de 20 mil to-neladas anuais de inseticidas que dei-xam resíduos altamente tóxicos.

Poluição também é a preocupaçãodo físico Paulo Artaxo Netto, da Univer-sidade de São Paulo. Ele fez uma desco-berta surpreendente: as queimadas dei-xam o ar da Amazônia mais poluído doque o da cidade de São Paulo. Segundoa pesquisa, durante a época das queima-das, que vai dos meses de junho a outu-bro, o ar da Amazônia apresenta con-centrações de até 500 microgramas departículas em um metro cúbico, quan-do o normal da região seria de até 20microgramas por m3 de ar. Em São Pau-lo, atinge-se estado de alerta quando éregistrado 150 microgramas/m3.

No projeto temático Caracterizaçãode gases e partículas de aerossóis da at-mosfera amazônica e seu relacionamen-to com processos de transporte e emissõesde queimadas, que contou com a parti-cipação de pesquisadores do InstitutoNacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),Artaxo confirmou, também, a presençade aerossóis (partículas em suspensão)e areia, provenientes do deserto do Saa-ra, na África, que são transportadaspara a Amazônia por meio de correntesde ar de alta altitude. A análise dos ele-mentos químicos e orgânicos presentesno ar da Amazônia foi realizada noacelerador nuclear do Instituto de Fí-sica. Hoje, Paulo Artaxo participa doprograma Institutos do Milênio, cria-do pelo Ministério da Ciência e Tecno-logia para realizar pesquisa em áreasestratégicas do desenvolvimento do país.Ele coordena o projeto Mudanças cau-sadas pelo uso do solo na Amazônia, quereúne 95 pesquisadores de 13 institui-ções para estudar os impactos causa-dos pelo uso do solo amazônico noclima, na qualidade da água e nos ci-clos biogeoquímicos essenciais à ma-nutenção da floresta. •

Só no estado de São Paulo, existem 458

espécies de gramíneas

dos por meio de um zoom. É possível,ainda, saber quando, onde e quem feza coleta da espécie catalogada. Os qua-se 400 pesquisadores envolvidos noprojeto preenchem uma ficha-pa-drão de coleta de dados, indicandolatitude e longitude, medidas poraparelho de GPS (Sistema de Posi-cionamento Global). Outra iniciativade difusão de conhecimento foi acriação da revista eletrônica BiotaNeotropica, que publica resultadosde pesquisas vinculadas ou não aoprograma Biota e visa a atingir umpúblico mais amplo do que a comu-nidade acadêmica.

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Da pesquisa à patenteMEDICINA & SAÚDE

Novas vacinas, métodos de diagnóstico e remédios:cientistas no ataque

CIÊNCIA

m fevereiro de2001, o endocrino-logista Raul Mara-nhão, diretor doLaboratório de Lí-

pides do Instituto do Coração(Incor), da Universidade deSão Paulo (USP), viu se fecharum ciclo que ele iniciou nosanos 80, quando começou apesquisar o quilomícron, umalipoproteína ligada à ateros-clerose. Desses primeiros es-tudos, resultou a criação dapartícula LDE (sigla para lowdensity emulsion, ou emulsãode baixa densidade), uma li-poproteína artificial que podeser usada como veículo paramedicamentos usados nocombate ao câncer. Em 1996,Maranhão obteve a patenteinternacional da LDE e, em2001, o Incor firmou um acor-do com a iCell TherapeuticsCorp, empresa criada por em-presários norte-americanos ecanadenses, para a comerciali-zação do invento. Pelo acordo,o Incor cede a patente comosua parte no capital e, em tro-ca, tem participação acionária e repre-sentação na diretoria da empresa. Háótimas expectativas em relação à LDE:a partícula tem a capacidade de se ligara receptores celulares e, assim, pode le-var quimioterápicos diretamente ao in-terior de células cancerígenas, poupandoas sadias dos efeitos tóxicos dessas dro-gas. Mas se esse ciclo pesquisa básica-pa-tente-comercialização está praticamen-te encerrado, para Maranhão começaum novo. Com o temático Lipoproteí-

nas artificiais na investigação das dislipi-demias e no tratamento do câncer, que se-gue até 2003, Maranhão quer verificar ouso da LDE para testar precocementedistúrbios metabólicos que não apare-cem num simples exame de sangue.

Outro resultado direto da pesquisamédica financiada pela FAPESP é a pa-tente do Evasin, nome genérico de umprincípio ativo de um protótipo mole-cular que será utilizado na produção deum medicamento contra hipertensão.

Obtido a partir do veneno dacobra Bothrops jararaca, ele foidesenvolvido pelo Centro deToxinologia Aplicada (CAT),do Instituto Butantan,que é umdos dez Centros de Pesquisa,Inovação e Difusão (Cepids)apoiados pela FAPESP. O Eva-sin, ou endogenous vasopepti-dase inhibitor, será produzidoem parceria com um consórcioformado pelos laboratóriosbrasileiros Biolab-Sanus, Bio-sintética e União Química. Fal-tam só os testes clínicos. Eletem a capacidade de inibir aação das enzimas angiotensi-na, ou ACE, e endopeptidaseneutra, conhecida como EP,que, em níveis acima dos nor-mais, provocam a hipertensãoarterial.

O combate à hipertensãoganhou ainda mais um reforçoa partir das pesquisas encabe-çadas pela bióloga molecularDulce Casarini, do Grupo deNefrologia da UniversidadeFederal de São Paulo (Unifesp),e pelo médico José EduardoKrieger, diretor do Laborató-

rio de Genética e Cardiologia Molecu-lar do Incor. Os pesquisadores descobri-ram que uma forma alternativa daenzima conversora de angiotensina I,ou ECA (que a própria Dulce havia des-coberto em 1982), pode funcionarcomo um marcador biológico para ahipertensão. Há fortes evidências deque os portadores da ECA de peso mo-lecular de 90 kDa (quilodáltons) sãocandidatos a desenvolver o mal. A par-tir desse conhecimento, as equipes de

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Lesões cerebrais semelhantes causam doenças diferentes: neurologistas da Unifesp descobrem as razões

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Dulce e Krieger, junto com as de Eduar-do Cilli e de Adriana Carmona, do De-partamento de Biofísica da UniversidadeFederal de São Paulo (Unifesp), desen-volveram um método para diagnóstico dahipertensão – um kit para medir a pre-sença da enzima na urina – e tambémpediram o registro de propriedade.

s pesquisas desenvolvidas pe-la equipe do neurologistaÉsper Cavalheiro, da Uni-fesp, certamente, não ge-rarão nenhum produto a

ser patenteado a médio ou longo prazo.Nem por isso deixam menosentusiasmada a comunidadecientífica brasileira. Afinal decontas, Cavalheiro está desven-dando um dos maiores misté-rios da neurologia: por quedois cérebros com lesões prati-camente idênticas podem de-senvolver doenças distintas?Por que a morte de neurôni-os pode gerar tanto epilepsiaquanto derrame? Segundo opesquisador, que coordena umprojeto temático voltado aoestudo do rearranjo das célu-las nervosas após lesões cere-brais, a resposta pode estarno motivo que gerou a dano:lesões iguais resultantes deprocessos diversos fazem oscircuitos cerebrais se reorga-nizarem de maneira diferente.Conhecendo melhor os me-canismos de morte neuronal eda reorganização do sistemanervoso será possível, no fu-turo, interferir no processo,acreditam os pesquisadores.

Outro grupo que vem de-senvolvendo um sólido traba-lho de pesquisa básica é o li-derado pelos pesquisadoresWalter Colli e Maria Júlia Manso Al-ves, do Instituto de Química da USP.Tomando como alvo o Trypanosomacruzi, a dupla tem gerado conhecimen-to e formação acadêmica da melhorqualidade desde a década de 70, quan-do começou a estudar formas não in-fecciosas desse protozoário. Hoje elesdesenvolvem o projeto temático Trypa-nosoma cruzi: interação parasita-célulahospedeira, sob coordenação de MariaJúlia, no qual se dedicam a desvendar

coloca para fora e adere ao peptídeo”,diz Colli. Por que isso acontece? Essa éuma pergunta que os cientistas aindaterão que responder, assim como terãoque estudar outros artifícios do proto-zoário, pois tudo indica que existemvários mecanismos de adesão que atu-am concomitantemente. Afinal, conhe-cer o inimigo é a melhor estratégia paracombatê-lo.

Em Rondônia, o alvo de pesquisa-dores do Instituto de Ciências Biomé-

dicas (ICB), da USP, e do Centro de Pes-quisas em Medicina Tropical de PortoVelho (Cepem), é o protozoário causadorda malária. Ele é um inimigo astuto que,no Brasil, apresenta-se sobretudo na for-ma de dois personagens: o Plasmodiumvivax, espécie que causa cerca de 80%dos casos da doença no país, e o Plasmo-dium falciparum, espécie mais letal,que responde pelos 20% restantes. LuizHildebrando Pereira da Silva, diretorcientífico do Cepem e autoridade mun-dial em doenças tropicais, ao lado dospesquisadores Erney Plessmann deCamargo, ex-professor do ICB e diretor

do Instituto Butantan, e Fa-biana Alves, do ICB, são oscombatentes. Essa equipe depesquisadores é responsávelpor uma descoberta surpre-endente e estratégica para ocombate da malária no nortedo país: há portadores assinto-máticos do Plasmodium vivax.E eles podem estar servindocomo perigosos reservatóriosda doença. Agora, os pesquisa-dores atacam em duas frentes:descobrir o que leva à imuni-dade natural dos portadoresassintomáticos – um caminhopara a cura da doença – e tra-tá-los, antes que eles sirvamcomo vetores do inimigo.

Batalha semelhante estásendo travada na Faculdade deSaúde Pública da USP peloepidemiologista Oswaldo Pau-lo Forattini. Só que, lá, o alvoé a família dos culicídeos, comoo Aedes aegypti, inseto trans-missor da dengue. Desde seuprimeiro projeto temáticoCulicidae do agro-ecossistemairrigado e seu significado epi-demiológico, de 1991 a 1995,Forattini constatou que as in-

tervenções humanas no campo estão fa-vorecendo o aumento de insetos poten-cialmente transmissores de doenças.Desde então, ele vem estudando pro-fundamente o fenômeno, chamado desinantropia ou domiciliação – a adap-tação desses insetos às condições ambi-entais criadas pela interferência huma-na. O risco, agora, é o da febre amarelaurbana: considerada oficialmente erra-dicada, ela também é transmitida peloAedes aegypti. Basta, portanto, que um

O coração sobrecarregado no peito de um hipertenso:um novo kit de diagnóstico deve prevenir esse mal

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os mecanismos pelo qual o parasitatransmissor da doença de Chagas inva-de a célula de mamíferos como o serhumano. Colli explica que o protozoá-rio tem, nas células de sua superfície,cerca de mil glicoproteínas envolvidasna penetração dentro da célula hospe-deira. Em todas essas glicoproteínas,existe um grupo de 18 aminoácidos eum peptídeo, que seria o responsável pelaligação do parasita na célula.“Ele se ligaa uma molécula da célula, a citoquera-tina. Normalmente, a citoqueratina si-tua-se dentro do citoplasma mas, quan-do o Trypanossoma se aproxima, ela se

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indivíduo infectado por febre amarelasilvestre seja picado por um mosquitourbano para desencadear outra tragé-dia. O risco está sendo avaliado pelopesquisador Eduardo Massad, profes-sor de Informática e Métodos Quanti-tativos e vice-diretor da Faculdade deMedicina da USP, que elabora modelosmatemáticos capazes de prever cenári-os epidemiológicos.

Se o cenário que os epidemiologis-tas vislumbram no futuro assusta – ealerta para a necessidade de ações deprevenção –, outras áreas da ciênciavêem a solução de problemas que hojeparecem insolúveis. Quem poderia ima-

ginar que a vítima deuma lesão grave nasvértebras poderia vol-tar a se movimentare, mais ainda, recupe-rar a sensibilidade demembros paralisados?As pesquisas de Al-berto Cliquet Junior,professor do Departa-mento de EngenhariaBiomédica da Facul-dade de EngenhariaElétrica e Compu-tação da Universi-dade de Campinas,apontam para essapossibilidade, e numfuturo mais próximodo que possa pare-cer. Por meio de esti-

mulação elétrica e neuromuscularcontrolada por computador, Cliquet jáobteve a recuperação total de um tetra-plégico e a recuperação parcial de vá-rios pacientes. Ele utiliza sensores elé-tricos para ativar a comunicação entrepartes sadias do corpo e os membrosparalisados. Os sensores transmitem si-nais elétricos aos nervos que, assim, po-dem recuperar parte da sensibilidade econtratura muscular. A recuperação dasensibilidade é fundamental para o pa-ciente executar movimentos com maissegurança. Para se beneficiar do pro-grama de reabilitação da Unicamp, noentanto, é preciso que o sistema ner-voso periférico do paciente tenha semantido intacto. Então, à medida quesão estimulados artificialmente, há ca-sos em que os músculos reaprendem ase movimentar por conta própria, dis-pensando os aparelhos. •

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Veneno decobra contrahipertensão

Prevenção mais eficazEm nível internacional, isso já temsido feito com a ajuda de entidadescomo a Global Alliance for Vaccinesand Immunization (Gavi), que re-cebe recursos da Fundação Bill Ga-tes e da Fundação Rockefeller parafinanciar pesquisa nos países maiscarentes. O Brasil chegou a estarsob os olhos dessa entidade, mas elaachou que,“por termos bons proje-tos, não precisávamos de ajuda”,explica Célio Lopes Silva, pesqui-sador da Faculdade deMedicina de RibeirãoPreto, da USP, uma dasmaiores autoridades bra-sileiras em tuberculosee coordenador da RedeBrasileira de Pesquisaem Tuberculose (Rede-Tb). Sem a ajuda externa,os pesquisadores brasi-leiros resolveram juntaresforços internamente edaí surgiu o Instituto doMilênio, rede de pes-quisa criada pelo Minis-tério da Ciência e Tec-nologia, com apoio doCNPq.

A Rede-Tb é formada por 170pesquisadores e 47 institutos depesquisa em todo o país, trocandoinformações sobre novas vacinas,medicamentos e testes para o di-agnóstico da doença. Estabeleceu aambiciosa meta de erradicar a do-ença no Brasil – e têm condiçõespara atingi-la. Foi durante umprojeto temático apoiado pela FA-PESP e coordenado por Lopes Sil-va que se desenvolveu a primeiravacina gênica contra tuberculo-se. A vacina é baseada num pedaçodo código genético da Mycobacteri-um tuberculosis, agente causadorda tuberculose. Inoculado no pa-ciente, esse DNA induz a produ-ção de proteína antigênica queage no sistema imunológico, fa-zendo com que o próprio orga-nismo combata a doença. Dessaforma, tem ação não apenas pre-ventiva, mas curativa.

Mais do que curar doenças,hoje a medicina esforça-se por evi-tá-las, buscando formas mais efi-cientes de imunização contra agen-tes infecciosos. O Instituto Butantan,além de sua reconhecida importân-cia como centro de produção desoros antipeçonhentos, tem se es-merado na produção de vários ti-pos de vacinas, como a que com-bate a hepatite B, doença que podecausar cirrose e câncer de fígado echega a atingir 12% da populaçãonos estados do norte do país.

No Incor, a novidade é o de-senvolvimento de uma vacina con-tra febre reumática. Os pesquisa-dores Luiza Guilherme Guglielmi eJorge Kalil, com apoio da FAPESPe do Laboratório Teuto-Brasileiro,empresa farmacêutica nacional comsede em Goiás, estão estudando asproteínas da bactéria responsávelpor uma infecção de garganta apa-rentemente banal, mas que, nosindivíduos susceptíveis, provocauma grave reação imunológica. Abactéria é a Streptococus pyogenes,também conhecida como estrep-tococo do Grupo A. Sem trata-mento, a amigdalite que ela provocagera uma resposta auto-imune queataca o tecido do coração. A des-truição do tecido cardíaco podeser grave o bastante para danificaras válvulas mitral ou aórtica – eexigir uma cirurgia para troca des-sas válvulas. As crianças são asmaiores vítimas: cerca de 90% dascirurgias cardíacas infantis feitasno Brasil se devem à febre reumá-tica. Assim, uma futura vacinacontra essa bactéria poderá evitarum alto custo à saúde pública.

Outra doença que causa gran-de preocupação aos médicos sani-taristas é a tuberculose, que atinge129 mil pessoas por ano, a maioriajovens entre 15 e 20 anos. Nos paí-ses em desenvolvimento, como oBrasil, os óbitos por tuberculose re-presentam 25% de toda a mortali-dade evitável. Para evitar essa tra-gédia, é necessário somar esforços.

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Na linha de frenteFÍSICA

físico Carlos Ourívio Es-cobar, professor do Depar-tamento de Raios Cósmi-cos da Unicamp, divideseu tempo entre as aulas

dadas no populoso município de Cam-pinas e as viagens a uma região semi-desértica na Cordilheira dos Andes.Escobar é coordenador do projeto temá-tico Observatório Pierre Auger, o observa-tório que está sendo instalado em PampaAmarilla, Argentina, por 250 cientistasde 19 países. “É simplesmente o maior

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Participação em projetos internacionais e visão de futuro: sinais de progresso

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Nanofios de ouro: possívelsubstituição dos atuais chips de silício

Detalhe da estrutura do Observatório Pierre Auger: participação brasileira em projeto internacional que estudará misteriosos raios cósmicos

laboratório de estudo de raios cósmi-cos do mundo”, anima-se o pesquisa-dor. Tem o desafio de decifrar as mis-teriosas partículas de altíssima energiaque viajam 150 milhões de anos-luzantes de atingir a Terra, como um chu-veiro cósmico – daí a importância daparticipação brasileira. “Só em SãoPaulo, temos oito pós-doutores combolsa da FAPESP, cinco docentes e seispós-graduandos da Unicamp, e umdocente da USP participando desse te-mático”, enumera.

O Pierre Auger estudará um fenô-meno astrofísico raro: as partículas dealtíssima energia chegam à Terra nafreqüência de apenas uma por século,por quilômetro quadrado. Um con-junto de 1.600 detectores vão captá-las,fornecendo subsídios para o estudodesse fenômeno ainda bastante desco-nhecido pela ciência.

Segundo o professor Escobar, o Pier-re Auger é um projeto de ponta que agre-ga várias áreas de conhecimento, comoastrofísica, cosmologia e física de partí-

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culas. Por isso, tem enorme potencial deformação de recursos humanos, o quesempre foi prioridade nos projetos fi-nanciados pela FAPESP. Foi por inter-médio de projetos como esse, avalia Es-cobar, que se formaram alguns dos físicosmais atuantes que temos hoje nas univer-sidades. Ele toma como exemplo o pro-jeto 93/05607 (o número ainda está na pon-

ta da língua) de física de altas partículasque desenvolveu com apoio da FAPESP,em 1993. “Coordenei o primeiro grupobrasileiro a levar instrumentação feitatotalmente no Brasil para um projeto noexterior”, lembra Escobar. Na época, con-ta o pesquisador,os projetos temáticos nãoabrigavam pós-doutores.“Tive que desen-volver todo o projeto só com alunos deiniciação científica”, o que, hoje, lhe é mo-tivo de orgulho: “Com exceção de doisalunos, que mudaram de área, todosestão dando aula em faculdade”.

Não é só por essa iniciativa, porém,que a física brasileira vem recebendoreconhecimento internacional. A Phy-sical Review Letters, uma das publicaçõesespecializadas de física mais importan-tes do mundo, reservou, em dezembro de2001, sua capa para o pioneirismo detrês físicos brasileiros. Edison Zacariasda Silva, da Unicamp,Adalberto Fazzio eAntônio Roque da Silva, ambos da Uni-versidade de São Paulo, foram capazesde desvendar o comportamento de áto-mos de nanofios de ouro, estruturas

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O Centro de Pesquisa em Ópticae Fotônica desenvolve feixes de laser com aplicação médica

Vanguarda e aplicação:receita de equilíbrioatividades educacionais. Um bom exem-plo dessa atuação é o Centro de Pesqui-sa em Óptica e Fotônica, formado porpesquisadores do Instituto de Física daUniversidade Estadual de Campinas(Unicamp), do Instituto de Física daUniversidade de São Paulo (USP), emSão Carlos, e do Instituto de PesquisasEnergéticas e Nucleares (Ipen). Pensa-do, a princípio, como dois centros au-tônomos, óptica e fotônica uniram-separa estudar juntos os fenômenos da

óptica e suas aplicações nas áreas detelecomunicações, biologia, medicinae física atômica.

No Instituto de Física da USP-SãoCarlos, o pesquisador Vanderlei Bag-nato lidera um grupo de quase 30 pes-soas, entre físicos, médicos e biomédi-cos, que desenvolve um feixe de laserpara ser usado em terapia fotodinâmica,um novo método terapêutico empre-gado no tratamento de pacientes de cân-cer. A terapia fotodinâmica pode ser

Aliar pesquisa de ponta com forma-ção educacional é, hoje, uma das me-tas mais arrojadas da Fundação, siste-matizada por meio de seus Centros dePesquisa, Inovação e Difusão (Cepids).Em número de dez, atualmente, essescentros terão a responsabilidade dedesenvolver pesquisas inovadoras e mul-tidisciplinares em várias áreas do co-nhecimento e transmiti-las à socieda-de, seja contribuindo para a formaçãode novas empresas, seja promovendo

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que medem bilionésimos de metro.Por meio de uma simulação de com-putador – única maneira de trabalharcom fenômeno em escala tão pequena– eles demonstraram a maneira comoos nanofios de ouro se rompem quan-do são estirados além do limite: par-tem de uma estrutura hexagonal parauma única linha com cinco átomos atéo rompimento. A pesquisa tem impor-tância estratégica para a próxima gera-ção de computadores. A ductibilidadedo ouro – sua capacidade de ser estira-do longamente sem se partir – é umdos fatores que podem torná-lo mate-rial perfeito para formar os contatos elé-tricos entre os novos componentes quesubstituirão os chips de silício. Alémda descoberta em si, a própria ferra-menta do estudo, a simulação compu-tacional, é um importante passo rumoao futuro: além da nanotecnologia,será fundamental para as áreas de na-noquímica e nanobiologia. •

usada em alguns casos para substituircirurgias e até em tratamentos porquimioterapia e radioterapia, evitan-do os efeitos colaterais indesejáveisdesses métodos terapêuticos conven-cionais. O laser atinge o tumor semdeixar cicatrizes nem provocar perdade cartilagem ou afundamento dolocal tratado.

No Laboratório de Fotônica daUnicamp, dirigido pelo físico Car-los Henrique de Brito Cruz, reitor daUnicamp e presidente da FAPESP, osrecursos do laser também foram uti-lizados para produzir “ferramentas”de grande interesse para o setor bio-médico. Elas se baseiam na capacida-de que os feixes de laser têm de cap-turar, mover ou recortar componentesde uma célula.Além de permitir a ma-nipulação de células vivas sem causarnenhum dano, o laser também podeser usado para medir propriedadesmecânicas e forças muito pequenasem sistemas biológicos, como a visco-sidade de fluidos e a elasticidade demembranas celulares. O coordena-dor do estudo, professor Carlos LenzCésar, espera expandir a técnica douso da pinça e do bisturi óptico, quepode se tornar uma ferramenta bási-ca na área de biotecnologia.

A força do jovem pesquisadormio internacional na área de ópti-ca refrativa: o primeiro lugar na ca-tegoria Divisão Artística da versão2000 do Diffractive Beauty Contest(Concurso de Beleza Difrativa), re-alizado em Quebec, no Canadá, epromovido pela Optical Society ofAmerica (OSA). O trabalho que elecoordenou chamou tanto a atençãodos participantes da mostra queformou fila na demonstração. Asduas imagens projetadas (uma bor-boleta e uma cabeça de águia) cria-das com a utilização de um feixe deluz laser, tinham uma qualidade in-comum para a tecnologia empre-gada. A óptica difrativa utiliza técni-cas que modificam um feixe de luzpara criar uma nova fonte lumino-sa. Ela permite desenvolver tecno-logias para fabricar, por exemplo,fotodetectores de câmaras fotográ-ficas digitais, hologramas impres-sos em cartões de crédito, imagensartísticas e publicitárias.

■ Projeto: Estudo do EquilíbrioPostural e da Marcha de Idosos emAmbiente Terrestre e Aquático ■ Autor: Marcos Duarte, professorda Faculdade de Educação Física daUSP

Baseado na teoria do caos, o fí-sico Marcos Duarte propôs ummodelo pelo qual se pode ensinarum robô a controlar uma bolinhade tênis. A habilidade da máqui-na equipara-se a de uma criançade dois anos. E já está ótimo as-sim. O movimento corporal hu-mano, principal foco dos estudosde Duarte, é extremamente com-plexo. Os experimentos realizadoscom máquinas, portanto, têm aju-dado o cientista a compreendermelhor os mecanismos de contro-le da postura e equilíbrio huma-nos. Sua meta, agora, é entendera progressiva perda de controleque acompanha o envelhecimen-to, principalmente dos indivíduosque não praticam uma atividadefísica regular.

Criado em 1995, o Programa deApoio a Jovens Cientistas em CentrosEmergentes, ou Apoio a Jovens Pes-quisadores, concede bolsas a dou-tores que acabaram de se formar. Oobjetivo é incentivar sua permanên-cia no estado e contribuir para a for-mação de novos núcleos de pesquisaem centros emergentes. Os projetosaprovados podem ter a duração deaté quatro anos e representam o co-meço da carreira-solo de pesquisado-res que, até pouco tempo, tinham orespaldo de seus orientadores. Porisso, eles trazem a especial dedicaçãode quem quer se firmar na carreira,buscando qualidade com criativida-de. A seguir, uma pequena amostrados projetos apresentados:

■ Projeto: Pesquisa em Visão Ci-bernética■ Autor: Luciano da Fontoura Cos-ta, professor da Universidade de SãoPaulo, campus de São Carlos.

O engenheiro eletrônico comespecialização em física dedicou-sea estudar modelos biológicos paradesvendar a visão e depois ensiná-la a um computador. Hoje, comolíder do Grupo de Pesquisa em VisãoCibernética, ele já produziu váriaspublicações sobre o assunto e tra-balhos instigantes, como os neurô-nios virtuais, que criam vida pró-pria dentro do ambiente virtual epodem ser controlados de acordocom as regras inferidas da pesquisacom células reais. Sua equipe tam-bém já construiu um olho mecâni-co com base no sistema visual deuma aranha. Atualmente, traba-lham no desenvolvimento de umsistema de diagnóstico de leucemia.

■ Projeto: Implementação de Mi-croelementos Ópticos Difrativos■ Autor: Luiz Gonçalves Neto, pro-fessor da Escola de Engenharia deSão Carlos e Escola Politécnica, am-bas da Universidade de São Paulo.

Gonçalves Neto conduziu doisgrupos de pesquisadores a um prê-

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vida de Oscar Sala confunde-se com a história da FAPESP.

Como revela a historiado-ra Amélia Hambúrguerno livro FAPESP – Fron-

teira da Prática Científica no Brasil: AInstituição e Memórias (no prelo), Salaparticipou de todas as instâncias deinfluência e deliberação desde os anosde implantação da Fundação. Foi con-selheiro entre 1967 e 1969 e entre 1983e 1995; diretor científico de 1969 a 1975e presidente do Conselho Superior de1985 a 1995. Foi protagonista de situa-ções de crises e garantiu a continuida-de da Diretoria Científica, em 1969,quando Alberto Carvalho da Silva foiafastado do cargo por causa da con-juntura político-militar. Aliando-se aSaad Hossne, Paulo Vanzolini e Alber-to Carvalho da Silva – seus pares nasabedoria e visão de futuro – formouum grupo ativo e influente por maisde trinta anos.

Oscar Sala é, também, um físico deprodução respeitada, o que sempreconferiu grande respeitabilidade àssuas opiniões e avaliações. Nascido naItália em 26 de março de 1922, foi cria-do na cidade de Bauru, onde estudoumúsica como seu pai e se preparou paraseguir a carreira de engenheiro. Masencantou-se com a física de raios cós-micos e, desde o início dos anos 40,dedicou-se com afinco à pesquisa ex-perimental. Junto com R.G. Herb, pes-quisador da Universidade de Wiscon-sin, foi um dos autores do projeto doacelerador Van de Graaff, construído naUniversidade de São Paulo (USP). Maistarde, nos primeiros anos da décadade setenta, dirigiu a montagem doacelerador Pelletron. Os programas depesquisa dos quais participou foramdeterminantes para a formação depesquisadores em física nuclear de SãoPaulo e de outros estados do Brasil.

Conhecer as opi-niões desse renoma-do cientista é tam-bém conhecer umpouco dos parâme-tros que norteareama atuação da FA-PESP em todos essesanos. As idéias dessehomem que perso-nifica uma institui-ção é o que apresen-tamos a seguir. Sãotrechos de entrevis-tas concedidas a Sho-zo Motoyama, Amé-lia Hambúrguer eMarilda Nagamini,gentilmente cedidospara esta edição especial da revista Pes-quisa FAPESP.

■ Como foi sua primeira gestão naFAPESP?– Em 1969, peguei a FAPESP num pe-ríodo razoavelmente difícil, quandohouve problemas políticos no país. Aprimeira coisa importante a salientar éque, apesar de todas as pressões, a FA-PESP sempre teve posição muito clarade não permitir qualquer ingerência po-lítica em sua ação. Na decisão das con-cessões de auxílio ou de bolsas, está oponto alto, que é o julgamento pelos pa-res, isto é, o tercista. Felizmente, a FA-PESP o pratica desde o primeiro dia – éa única instituição brasileira que adota– essa metodologia que, de certa forma,obriga seus assessores a entenderem co-mo a Fundação funciona e analisaremde forma adequada. Após a análise, osespecialistas da área enviam todas as in-formações ao diretor científico, a quemcabe, se julgá-las suficientes, tomar umadecisão ou obter mais informações.

Essa é a primeira etapa, extremamen-te importante, porque é o julgamento

feito pelos pares. Naocasião em que fuidiretor científico, tí-nhamos mais oumenos 800 pessoasque consultávamos,assessores no país efora do país. É as-sessor da Fundaçãoqualquer pesquisadorqualificado, de SãoPaulo, de fora do es-tado ou do exterior.O acompanhamentodo desenvolvimentoda bolsa ou do pro-jeto de pesquisa é osegundo aspecto fun-damental. O papel

do assessor é no sentido de garantir quea pesquisa seja realizada dentro de pa-drões de qualidade, que o treinamentodo estudante seja feito dentro de pa-drões elevados, que ele não seja usadocomo mão-de-obra por um orientador.Não é exercer uma vigilância policial,mas sim mostrar que a FAPESP se preo-cupa com a formação de novos pesqui-sadores e com a qualidade da pesquisa.

Na minha gestão, a Fundação nãose limitou a ser uma espécie de umbalcão de recepção de projetos que es-tuda e analisa. Tomamos a iniciativa emáreas que precisavam de maior desen-volvimento, maior atenção. Cito doisexemplos. Um é o projeto do radarmeteorológico, de fundamental impor-tância para a agricultura e para a econo-mia. Resolvemos patrocinar um grupoque formasse gente usando técnicasavançadas. Outro programa que teveum sucesso enorme, inclusive interna-cional, foi o chamado BIOQ/FAPESP.Escolhemos a bioquímica, uma áreabastante interdisciplinar, de impor-tância, e decidimos desenvolver essaárea de uma forma integrada na cidade

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O cientista fora da redoma As idéias do homem que personifica a instituição

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Oscar Sala: atuação serena e decisiva por mais de 30 anos

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DEPOIMENTO: OSCAR SALA

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de São Paulo, com a Universidade deSão Paulo, Escola Paulista de Medicina,Instituto Butantan e outras institui-ções. Foi, então, formado um ComitêNacional e um Comitê Internacional depesquisadores de altíssimo nível, o in-ternacional tinha até prêmio Nobel,que se reuniam com freqüência.

Mostrou-se que o problema não ésó da competência do pesquisador, mastambém que é preciso existir infra-es-trutura compatível com a pesquisa cien-tífica, coisa que nós, infelizmente, nãoencontramos nas universidades e noscentros de pesquisa do país. Até recen-temente,em viagens ao exterior,encontreipessoas que se recordavam do exemplomagnífico, até em nível internacional,de como organizar todo um sistema deapoio à pesquisa científica.

Na minha opinião, esse é o verda-deiro sentido de uma política científica.Não acredito que, num país como onosso, em desenvolvimento, as coisasmudem rapidamente, pois ainda nãoencontramos infra-estrutura. Enfim,estamos nos programando para umfuturo. Assim, a política que executá-vamos era uma política científica deano para ano, não acredito em políticacientífica a longo prazo. Verificar, emcada área, quais são as necessidades,quais são os problemas, o que a FA-PESP deve atender a fim de melhorara qualidade, a produção. É problemade recursos humanos? É problema deequipamento? É problema de infra-es-trutura? Essa análise freqüente, a cur-to prazo, é que nos permitiu, de anopara ano, tomar certas decisões decomo seria a melhor forma de utilizar-mos os recursos da FAPESP. É a minhavisão de uma política científica, bas-tante modesta, mas pragmática.

■ Seu envolvimento com a FAPESPcomeçou antes de assumir a DiretoriaCientífica?– Sim, estive na FAPESP desde o co-meço, como assessor. Acompanhavacada processo, o desenvolvimento deestudantes, reuni um verdadeiro ar-quivo. E minha interação tinha im-portância, embora da forma incógnita,como é feita na FAPESP, para maiorliberdade dos assessores em seus pare-ceres. Fui também membro do Conse-lho Superior quando o presidente erao professor Ulhôa Cintra. O Conselho

Um aspecto, nem sempre focalizado,é o das avaliações da FAPESP serem mui-to rigorosas. Pelo menos, era sempre essaintenção. E tinham tanto rigor, que quan-do se dizia não e se explicava o por quênão, resultavam pouquíssimos proble-mas. Negamos até auxílios a Secretariasde Estado que acabavam aceitando a coi-sa. Isso por quê? Porque a FAPESP adqui-riu um respeito, inclusive na comunida-de. O ponto importante é a FAPESP tersempre achado válido o diretor científicoser um pesquisador ativo, um pesquisa-dor respeitado, porque é a pessoa quetem que dizer não. Tivemos índice derejeição muito elevado. Mas o resultado éque, às vezes, se o pesquisador tinha umprojeto que não era lá essas coisas, nãomandava para a FAPESP, mandava paraoutra instituição. Ele próprio fazia umafiltragem. É um resultado natural decomo a Fundação sempre agiu, que im-pôs, naturalmente, uma consciência.

■ Como esteve a situação financeira emsua gestão de diretor científico? – Tivemos, no começo, problemas mui-to sérios. Mantivemos a Fundação comseus fundos próprios no primeiro e se-gundo ano da nossa gestão porque ogoverno não pagava as parcelas que de-via. Apesar disso, não atrasamos os pa-gamentos um dia sequer, fizemos questãodisso. Nossa posição era que, na hora queesgotássemos o último níquel dos fun-dos, se o governo não pagasse, fecharía-mos a Fundação. Mas o governo reconhe-ceu, melhorou a situação. O governadorLaudo Natel foi um governo excepcio-nal para a Fundação, realmente de umaatenção incomum. Depois de algumasconversas ele compreendeu o que era aFundação, pode pôr em ordem as finan-ças e não atrasava absolutamente nada.Naquela ocasião, a FAPESP estava liga-da à Casa Civil do Governo.

O custeio administrativo, que é deaté 5% do orçamento da Fundação, eratirado dos rendimentos e não do orça-mento do Estado, que ia todo para a pes-quisa.Essas dificuldades que tivemos mos-tram como é extremamente importanteuma Fundação como a FAPESP ter seusfundos e gerenciá-los bem.

■ O senhor ficou muitos anos na FA-PESP...– Fui presidente do Conselho duranteo tempo máximo permitido, ou seja,

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“Mostrou-se que oproblema não

é só da competência do pesquisador.É preciso existir infra-estrutura

compatível com apesquisa científica”

Superior, na ocasião, encomendou umestudo sobre os problemas da área tec-nológica que foi feito por uma ou duaspessoas. Esses estudos foram aprovei-tados pelo dr. Alberto Pereira de Cas-tro, do Instituto de Pesquisas Tecnoló-gicas (IPT), que realizou alguns dosprojetos. A idéia de que a FAPESP nãoatende à área tecnológica não é ver-dadeira. Quando fui diretor científico,

apoiamos vários projetos tecnológicos,do IPT. Um exemplo é o estudo das vi-brações e pressurização do avião Bra-sília, cuja parte estrutural foi feitapelo Gaspar Ricardo, professor de Es-trutura da Escola de Engenharia Mauá.As reuniões do Conselho eram muitoagradáveis, as discussões muito inte-ressantes e vivas sobre o problema datecnologia.

■ Houve muitas tentativas de pressãopolítica na FAPESP nesse período?– Houve tentativas no começo. Porexemplo, a polícia queria saber ende-reço do pesquisador, etc., etc., e nós nãodávamos. Houve mais uma tentativadizendo que estávamos dando auxíliospara comunistas. Foi na ocasião em queconversei com o Secretário da Seguran-ça, na época, dr. Hely Meirelles, e disseque essa era uma parte que não cabia,a mim, analisar. Se era o caso de um bompesquisador, não me interessava. Se erabranco ou preto, católico, judeu, de es-querda ou direita. Não tinha condiçõespara julgar isso. Daí para diante, come-çaram a sossegar.

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doze anos. Foram seis anos e fui reelei-to por mais seis. E fui também diretorcientífico. Conheço bem a FAPESP. Pas-samos momentos difíceis. Olha aqui,deve-se dizer que governo nenhumatrapalhou a FAPESP, o orçamento foientregue. Era 0,5% e passou para 1%.O governo reconhece o papel e a FA-PESP cumpre a sua tarefa. Digo issobaseado nos fatos. Em primeiro lugar,o governo não interfere nas decisões daFAPESP. Segundo, o governo paga osduodécimos corretamente, quer dizer,cumpre a tarefa dele e não mexe... Ape-sar de a FAPESP ser um órgão gover-namental, o governo sabe que de ciên-cia é o cientista que entende, e elerespeita isso.

■ E quanto à política científica e tec-nológica, há interação positiva com aSecretaria de Ciência e Tecnologia? – Há. A FAPESP não se submete. A FA-PESP vai às reuniões da Secretaria e dizo que pensa e acabou, porque é um por-ta-voz da comunidade científica do es-tado de São Paulo. Se estamos de acordocom as propostas da Secretaria, esta-mos de acordo, se somos contrários,somos contrários, isso é dito com todosos efes e erres.

■ Como o senhor vê a importância datécnica e da tecnologia nos laboratóriosexperimentais para a formação de pro-fissionais?– A ciência experimental tem uma im-portância muito grande porque ela co-leta os dados que a natureza nos colo-ca. Nós não inventamos. Então, aciência experimental tem uma impor-tância, para mim, muito grande por-que ela trabalha com os dados apresen-tados pela natureza. Hoje a tecnologiaestá cada vez mais se aproximando daciência básica. Por quê? De um lado, aciência básica está se utilizando cadavez mais do que é colocado pela tecno-logia a serviço da ciência, que são osinstrumentos cada vez mais aperfeiçoa-dos, mais sofisticados e mais abrangen-tes. De outro lado, a tecnologia se utili-za cada vez mais do conhecimentocientífico, da interpretação que a ciên-cia dá a fatos da natureza. Sempre mepreocupei com a parte experimental,mas também não descuidei de que éimportante ter um apoio teórico. Tan-to é que eu sempre trouxe vários teóri-

dade desse universitário. Então, temque haver um casamento de interesses.

■ O senhor acha que isso está bem com-preendido na Universidade?– Acho que está razoavelmente com-preendido. Cito um exemplo muito im-portante: durante a guerra, quem deuuma contribuição para a defesa nacional?Físicos como Marcello Damy e PaulusAulus Pompéia. Pararam o que estavamfazendo e foram desenvolver sonares,instrumentação para detecção de ruí-dos submarinos, quer dizer, deram umacontribuição da maior importância.Esse exemplo mostra que o bom pes-quisador, na hora em que é chamadoem outra área, tecnológica, sabe o quefazer. E eles deram uma contribuiçãofantástica para o país, para a defesa detodo o nosso país. Quer coisa mais im-portante que isso?

■ O que o senhor diz desses programasespeciais da FAPESP, de inovação tec-nológica e da relação Universidade-em-presa?– Olha, eu vejo que a FAPESP está en-tendendo e está procurando uma apro-ximação maior e mais rápida entre omeio produtivo, a indústria e os labora-tórios de pesquisa. Eles podem se abra-çar, que um não vai atrapalhar o outro.

■ Mas as formas de produção são dife-rentes, não é?– São. E é bom que sejam, cada um temo seu caminho, seu objetivo. É bom se-rem diferentes, mas há coisas comunsaos dois e que têm de ser buscadas.Nesse patamar comum, nós podemoscontribuir, eles podem contribuir, masé importante que seja localizado, postoem evidência.

■ E isso seria um papel da FAPESP, pôrem evidência, descobrir primeiro?– Não. Não é ela que tem que fazerisso, é o pesquisador. Quando falo isso,veja bem, não estou me referindo so-mente ao pesquisador da ciência bási-ca, mas também o da ciência aplicada,da indústria, somos nós que temosque dizer. A FAPESP só dá os meios, ascondições, não é ela que tem que dizercomo fazer, e eu acho isso muito im-portante e sábio. Ela não coloca umacamisa de força, simplesmente, ajuda aempurrar, dá os meios. •

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cos para o Departamento (de Física, daUSP). Mas a linha mestra, a tônica, alinha principal do Departamento, eraexperimental, que é defeito de minhaformação. Eu acredito que a gente temque indagar a natureza e quem faz issoé o experimental.

Eu me sinto feliz porque algunsdos meus estudantes continuaram napesquisa básica, importantíssima, masoutros foram, com sucesso, para asáreas tecnológicas, até mesmo montan-

do suas próprias empresas. Mostran-do, portanto, que o cientista não estánuma cápsula de vidro, mas ele atuatambém. O que é importante na Uni-versidade, no Instituto de Física? É daruma formação sólida e deixar o indiví-duo fazer o que ele quer, o que ele gos-ta, o que ele acha importante. A pes-quisa não coloca uma campânula noindivíduo, mas ele se comunica com omeio, com a sociedade, com os labora-tórios, com a indústria e com os seuscolegas cientistas.

■ O que o senhor fala em termos de indi-víduos vale também para a Universidade?– Claro. Ela tem que atuar assim. AUniversidade é um laboratório imen-so que pode dar uma ajuda fantástica.Alguns setores fazem, outros não, masisso o tempo corrige, não adianta for-çar. A aproximação do elemento ex-terno com a Universidade depende damentalidade dele. Assim como a apro-ximação do universitário com a indús-tria depende, um pouco, da mentali-

“Hoje a tecnologiaestá se aproximando

da ciência básica.Ela coloca a serviço

da ciência instrumentos cada

vez mais sofisticados e abrangentes”

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Garra e improviso PIONEIRISMO

os primeiros anosde vida da Funda-ção, muitas vezes, oimproviso foi fer-ramenta do profis-

sionalismo. Quando Victória Ros-setti, pesquisadora do InstitutoBiológico,precisou de um carro pa-ra seus estudos sobre o cancro cí-trico, o diretor científico WarwickKerr não teve dúvida: entregou-lhe as chaves de uma caminhone-te que a Fundação havia compra-do para ele. Anos depois, já comouma das maiores autoridades emdoenças de citros do mundo, Vic-tória seria a responsável por iden-tificar a bactéria Xylella fastidiosa(leia quadro). A mesma Xylella cu-jo seqüenciamento pioneiro pro-jetaria o país no competitivo ce-nário da biotecnologia.

Muitos dos projetos que aFundação apoiou em seus primei-ros anos reverteram-se em servi-ços, tecnologias e formação aca-dêmica da maior qualidade. Foi oque aconteceu, por exemplo, naárea de eletrônica, que viveu umaverdadeira revolução na décadade 60, com a miniaturização deseus componentes. E a Universi-dade de São Paulo (USP) acompanhou o nascimento do chip de silí-cio, inaugurando, em 19 de abril de 1970, o primeiro Laboratório deMicroeletrônica (LME) da América do Sul, como resultado de umprojeto criado em 1965.

Sob a direção de Carlos Américo Morato de Andrade, o LME produ-ziu os primeiros dispositivos de semicondutores e circuitos integradosbrasileiros e disseminou conhecimento em nível nacional. SegundoAlberto Carvalho da Silva, ex-diretor presidente da FAPESP, o LME con-tribuiu para a instalação do Laboratório de Eletrônica da Universidade

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Nos primeiros anos da FAPESP,dedicação e criatividade compensaram a escassez de recursos

CIÊNCIA

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Laboratório de Químicade Produtos Naturaisnos anos 70:estudos pioneiros

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Estadual de Campinas(Unicamp), do Laborató-rio de Sistemas Integrá-veis na Escola Politécnicada USP, do Instituto deMicroeletrônica do CTI,em Campinas, e para aformação de grupos depesquisa nas universida-des federais do Rio de Ja-neiro, Rio Grande do Sule Paraíba. Não se pode di-zer que o Brasil tenha setornado independente emmicroeletrônica, pois, ain-da hoje, quase não pro-duz componentes eletrô-nicos. Mas talvez tenha aoportunidade de dar umpasso além: pesquisas rea-lizadas hoje por físicos daUSP e Unicamp estão a-brindo perspectivas paranovos materiais que po-derão substituir o silícionos computadores.

O setor de químicatambém esteve bem re-presentado nessa década, com o surgi-mento de dois grandes pólos geradoresde ciência e tecnologia: o Laboratóriode Biotecnologia Industrial e o Labora-tório de Química de Produtos Naturais.

seus estudos sobre fer-mentação alcoólica contí-nua, em colaboração comIPT e Esalq. Sob sua in-fluência, surgiram novosgrupos de biotecnologia in-dustrial na USP, Escola deEngenharia Mauá, Facul-dade de Engenharia Indus-trial, Instituto de PesquisasTecnológicas e Compa-nhia de Tecnologia de Sa-neamento Ambiental. Já oLaboratório de Química deProdutos Naturais, criadoem 1967 por iniciativa dePaschoal Senise, passou afazer parte do Instituto deQuímica da USP em 1970.Sob a coordenação de OttoRichard Gottlieb, especi-alizou-se no estudo dasmicromoléculas sinteti-zadas pela planta em seu

metabolismo (produtos amplamenteempregados na fabricação de corantes,perfumes e medicamentos) e foi o pal-co do nascimento de uma nova disci-plina, a taxonomia química.

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Victória Rossetti e as lembranças na parede e hoje é usado nomundo todo, sob asigla CVC. “Cha-mei-a assim porqueas manchas amare-ladas na folha apre-sentam-se de formavariegada, não con-tínua”, explica.

Victória conta que,em 1987, chamaram-na para identificaruma doença nova naFazenda Ana Prata,região de Bebedouro.“Eu não sabia o queera”. Ninguém sabia.Aos poucos, a pesquisadora foi des-vendando o mistério. Cobrindo algu-mas plantas com telas e comparan-

do-as, depois, com asque estavam expostas,ela descobriu que o ve-tor da doença era uminseto: as plantas co-bertas continuaram sãs.Para testar a hipótesedo entupimento dosvasos da planta – aação destrutiva da Xy-lella – Victória criouum equipamento tãosimples quanto enge-nhoso: tubos transpa-rentes por onde eramintroduzidos galhos daplanta. Depois, eles

eram cheios com água. Nos tubos quecontinham galhos saudáveis, sur-giam muitas bolhas, como resultado

As paredes do apartamento deVeridiana Victória Rossetti guardamum pouco da história da pesquisabrasileira. As muitas medalhas e pla-cas com seu nome gravado – justashomenagens de alunos, colegas, as-sociações de classe e governos – dis-putam espaço com quadros e souve-nirs dos vários países onde esteve emviagens de estudo ou congressos. Lem-branças por todo canto. É claro que,aos 83 anos de idade e tantas expe-riências vividas, nomes e datas às ve-zes lhe fogem da memória. Mas asinformações científicas não. Estasestão bem vívidas. Impossível con-fundir as características do cancrocítrico, por exemplo, com o amareli-nho, ou melhor, clorose variegada doscitros, termo que ela mesma cunhou

Victória: primeira agrônoma da Esalq

O Laboratório de Biotecnologia Indus-trial foi instalado na Escola Politécnicada USP sob a direção de Walter Borza-ni, pesquisador considerado o introdu-tor da engenharia química no Brasil por

O primeiro laboratório de Microeletrônica, na Poli

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do ar que saía dos vasos da planta.Nos tubos contendo plantas doen-tes, a água borbulhava bem menos,prova de que os vasos estavam en-tupidos. Para identificar a bactériacausadora da doença, Victória foi àFrança, onde teve a ajuda de Jo-seph Bové, especialista em fitopa-tologia. Até hoje, são grandes ami-gos. Quando ele e a esposa Colette– com quem Victória também tevea oportunidade de trabalhar – vêmao Brasil, hospedam-se em suacasa. A pesquisadora já foi presi-dente da Organização Internacio-nal de Virologistas de Citros e jádeve ter participado de uns 14 con-gressos só dessa entidade, pelassuas contas. No último, realizadoem Chipre, não pôde comparecerpor motivos de saúde. “Mas elesme mandaram uma lembrança delá”, alegra-se.

O professor itinerante

pela FAPESP e que não teria umvínculo direto com nenhuma uni-dade da Universidade. Fiquei bas-tante motivado e entusiasmado pe-la proposta, pois ela estava baseadanaquilo que sempre acreditei e de-fendi em toda a minha carreira, acriação e fomentos a grupos de pes-quisa”, afirma.

As atividades iniciaram-se em1967, com a colaboração de Rai-mundo Braz Filho, que Gottliebconvidou para chefiar o laboratórioem tempo integral. “Naquela épocaeu pertencia ao quadro de professo-res da Universidade Federal Ruraldo Rio de Janeiro e também orien-tava alunos na Universidade Fede-ral de Minas Gerais e, portanto, di-vidia meu tempo entre as trêsinstituições. Algumas vezes a Uni-versidade Federal de Pernambucotambém era incluída nesse percursosemanal. Impossível esquecer os en-jôos causados pelas viagens semanaisentre Belo Horizonte e São Paulofeitas nos aviões Samurai”, lembra opesquisador. “Eu abria a porta daagência de passagens em Belo Ho-rizonte e o funcionário imediata-mente preenchia a passagem. Essesconstantes deslocamentos me vale-ram o título de ‘professor itinerante’dado por Paschoal Senise”.

Em 1735, o na-turalista sueco Carlvon Linné, ou Lineu,como ficou conheci-do, publicou um sis-tema de classificaçãodos seres vivos ba-seado em caracterís-ticas morfológicas,ou seja, em aspectosexteriores. Esse mé-todo ainda é indis-pensável. Mas já épossível distinguiras plantas por meiodas substâncias quí-micas que elas pro-duzem graças aosestudos de sistemá-tica bioquímica de-senvolvidos pelo cientista OttoGottlieb. O pesquisador descobriuque mesmo plantas da mesma es-pécie podem produzir diferentessubstâncias químicas conforme a ida-de ou ambiente em que foram cria-das. Esse surpreendente achado, defundamental importância para a in-dústria farmacêutica, tornou Got-tlieb conhecido internacionalmente.

A flora brasileira sempre estevepresente na vida desse tcheco natu-ralizado brasileiro. Foram os negó-cios de exportação de café de seuavô materno que trouxeram a fa-mília para o Brasil. O pai montouuma fábrica para produzir subs-tâncias químicas puras extraídas deóleos essenciais da Amazônia, ondeGottlieb trabalhou por 10 anos, de-pois de sua formatura como quími-co industrial pela Universidade doBrasil no Rio de Janeiro, em 1945.Em 1955, começou a carreira aca-dêmica na seção de fitoquímica doInstituto de Química Agrícola do Riode Janeiro. Depois, esteve em váriasinstituições brasileiras até assumira coordenação do Laboratório deQuímica de Produtos Naturais noentão recém-inaugurado Conjuntodas Químicas da USP.“Tive a honrade ser convidado para coordenaresse Laboratório que seria mantido

O grupo de Gottlieb isolou eidentificou numerosas substânci-as naturais de diversas espéciesvegetais nos diferentes ecossiste-mas brasileiros. Várias categoriasnovas de produtos naturais foramdescritas por esses pesquisadores,como as neolignanas, substânciascaracterísticas de plantas da Ama-zônia com enorme potencial far-macológico por sua atividade antin-flamatória. Ao lado dos trabalhosexperimentais, Gottlieb lançou asbases de uma nova disciplina cien-tífica baseada nos estudos daconstituição química vegetal: aEvolução, Sistemática e EcologiaQuímica, hoje já reconhecida peloCNPq como uma nova especiali-dade da Química Orgânica. Acriação de uma nova classificaçãodas plantas a partir de suas carac-terísticas químicas e a sólida car-reira em pesquisa científica leva-riam o professor Gottlieb a umaindicação para o Prêmio Nobelde Química no ano de 1999. Masos inúmeros pesquisadores e mes-tres que ajudou a formar portodo o país nem precisariam des-sa indicação para reconhecer ovalor do cientista: suas própriasvidas o atestam. •

Gottlieb: criador da sistemática bioquímica e indicado ao Nobel de Química de 1999

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Difícil sobrevivência

RESISTÊNCIA

ara fazer ciência é preciso espaço, um horizonte bem am-plo para se enxergar à distância e muitos caminhos para es-colher. Ou seja, ciência pressupõe liberdade de pensamen-to. É possível imaginar, então, que efeitos podem ter umaditadura na produção científica de um país. Na década de

70, muitos cientistas deixaram o Brasil ou deixaram a ciência. Mas,como em toda crise, também é possível contabilizar ganhos nesse pe-ríodo. A FAPESP manteve sua firmeza no propósito de apoiar a pes-quisa científica por seu critério de qualidade, independente da orien-tação política de seu autor, ajudando a fixar no Brasil talentosimprescindíveis. Surgiram, nesse período, grupos de pesquisa que se-riam responsáveis pelo desenvolvimento de materiais superconduto-res, técnicas de replicação de DNA e radares meteorológicos, apenaspara citar três exemplos da ciência e tecnologia que insistiu em perma-necer e frutificar no país.

Graças à permanência do físico Rogério Cerqueira Leite no Brasil,por exemplo, foi possível o surgimento de um forte grupo de física ex-perimental na Universidade Estadual da Campinas (Unicamp) estudan-do a fundo o campo da física do estado sólido. Baseada no estudo dosestados da matéria em que os átomos constituintes estão bastante próxi-mos e em constante interação, a física do estado sólido gerou importan-tes inovações tecnológicas, como os materiais supercondutores e as fi-bras ópticas. Um resultado direto desse trabalho foi o desenvolvimentoda tecnologia de produção de fibras ópticas, repassada para a Telebrás.“É resultado desse esforço coerente o desenvolvimento de tecnologiaseletro-ópticas, que teve como principal conseqüência a criação da Asgapelo professor Ripper (José Ellis Ripper Filho)”, afirma Cerqueira Leite.

O estudo, pioneiro na época, também levou o centro de pós-gra-duação em física da Unicamp a alcançar prestígio nacional. O pesqui-sador conta que seu interesse inicial era formar um grupo de física doestado sólido na Universidade de São Paulo (USP). Em 1969, quandoCerqueira Leite ainda estava nos Estados Unidos, onde viveu por oitoanos, ele recebeu e hospedou o físico Mário Schenberg, que, já comodeputado constituinte em 1946 pelo antigo Partido Comunista Brasi-leiro, tivera participação decisiva na criação de uma fundação de pes-quisas, que resultou na FAPESP. Foi quando Schenberg o informou deque estava para ser cassado. Leite ajudou o amigo a estender o visto depermanência por mais dois ou três meses. Durante esse curto períodode reclusão, Leite e Schenberg discutiram um plano para ampliar ocampo da física do estado sólido na USP, o que foi feito com o apoiodo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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Durante a ditadura,a FAPESP ajudou a manterpesquisadores no país

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(CNPq) e da FAPESP. Mas o pesquisa-dor não permaneceu na USP. Sua con-tratação como professor titular não foiconfirmada pela reitoria, e um dosmembros do grupo, Nelson de JesusParada, foi desligado da universidade.“Resolvi, então, ir para a Unicamp”,lembra Leite.

ascia, assim, o grupo defísica da Unicamp. Umgrupo de física experi-mental no Brasil? Nin-guém acreditava que

seria possível, pela eterna carência derecursos humanos, equipamentos e ver-bas. Para viabilizar o ousado projeto, ospesquisadores resolveram concentrar es-forços em um único capítulo da física damatéria concentrada, os semiconduto-res. E, para combater o isolamento, de-senvolveram um intenso programa deintercâmbio, com apoio da FAPESP.“Obrigávamos nossos recém-doutora-dos a um estágio de pós-doutorado noexterior por dois anos pelo menos”,diz Leite.

O desenvolvimento de outro setorestratégico, a bioquímica, também teveorigem nessa década. Em 1969, o Con-selho Superior da FAPESP decidiu quejá era hora de cuidar de projetos de vul-to e não apenas de iniciativas individuaisde curto prazo. Dentre os chamados Pro-jetos Especiais, o BIOQ-FAPESP, co-mo ficou conhecido, foi o que recebeu

maior verba, com investimentos, en-tre 1970 e 1978, de US$ 2,6 milhões.

“A idéia partiu de Francisco Lara,que procurou o diretor científico daépoca, Oscar Sala, para incentivar o se-tor de bioquímica. Tínhamos a sensa-ção de que estávamos ficando para trás”,conta Rogério Meneghini, da USP,um dos caçulas do BIOQ-FAPESP. Aos29 anos, já com doutorado, Meneghinidesenvolveu um projeto de estudo dereplicação de DNA em células de cro-mossomo politênico, um tipo comumem células das glândulas salivares de al-guns insetos, como drosófila (mosca-da-fruta). Hoje, é diretor do Centro deBiologia Molecular do LaboratórioNacional de Luz Síncrotron (LNLS) ecoordenador do programa Rede deBiologia Molecular Estrutural. ParaMeneghini, um dos grandes méritosdo projeto foi ter aberto portas paraque jovens pesquisadores se tornassemliderança ainda no início de suas car-reiras, montando seus próprios labora-tórios e projetos de pesquisa. Bastavater um bom projeto, que seria avaliadopor seu próprio mérito. O sistema des-burocratizado permitia que jovens dou-tores recebessem financiamento direto,sem se reportar ao professor catedráti-co, o que estimulava a independência ecriatividade.

Tal como Meneghini, todos os par-ticipantes tiveram êxito em suas carrei-ras, vários deles enveredando pela bio-

logia molecular. “Naquela época, aindanão se associava muito a bioquímica àbiologia molecular, mas boa parte dospesquisadores já estava interessadanesse novo campo, mesmo que aindanão fizesse idéia do que surgiria de-pois. Nosso maior objetivo, naquelemomento, era formar uma base sólidade pesquisa. A preocupação tecnoló-gica veio mais recentemente, com oavanço da biotecnologia, que terá cres-cimento exponencial nos próximosanos”, diz ele.

Por sua própria natureza, outrosprojetos desse período já nasceram comaplicação tecnológica e vínculos com ainiciativa privada. Foi o caso dos rada-res meteorológicos da Unesp de Bauru,projeto que nasceu em 1974 com o títu-lo Radar de objetivos múltiplos parapesquisas meteorológicas no estado deSão Paulo, coordenado por RobertoCalheiros. Outros dois radares se segui-ram: um em Presidente Prudente, ope-rado também pela Universidade Esta-dual Paulista (Unesp), e um terceiro emPonte Nova/Salesópolis, operado peloDepartamento de Águas e Energia Elé-trica (DAEE). •

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Os físicos Cerqueira Leite (à esquerda) e Schenberg:incentivadores de grupos de pesquisa na USP e Unicamp

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Arrumando a casa

CONSOLIDAÇÃO

rise generalizada, maxidesva-lorização da moeda, reces-são. Costuma-se dizer que osanos 80 foram a década per-dida. Mas foi nessa década

que a FAPESP começou a receber recursosmês a mês e teve o aumento de sua dotaçãode 0,5% para 1% das receitas tributárias doEstado. Recursos que foram vitais parasustentar a grande mudança de paradig-ma que começaria a se delinear: a forma-ção de redes de cooperação acadêmica.Como quem arruma a casa para a festa,comprando mais copos e lustrando o chão,vários laboratórios e grupos de pesquisaempenharam-se em projetos de infra-es-trutura e formação de recursos humanospara os anos mais brilhantes que viriamdepois. Começaram a surgir uniões emtorno de um objetivo comum.

O Centro de Bioterismo (Cemib) daUniversidade Estadual de Campinas (Uni-camp) é um resultado desse período. É oúnico da América Latina credenciado peloInternational Council for Laboratory AnimalScience (Iclas) e tem ajudado a formar re-cursos humanos especializados. Criado em1984, sob responsabilidade do pesquisadorHumberto Araújo Rangel, ele atendeu auma necessidade urgente: a reestruturaçãodos biotérios, viveiros de animais emprega-dos em experiência de laboratório, segun-do padrões internacionais. Se, hoje, questi-ona-se a qualidade de vida e conforto dosanimais de laboratório, desde o século pas-

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Infra-estrutura e recursoshumanos: a década de 80 se prepara para o salto

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Centro de Bioterismo:exemplo brilhante de uma

década que não foi perdida

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publicação de dez traba-lhos científicos, a apre-sentação de 29 trabalhosem congressos e simpó-sios, a elaboração de 36teses de mestrado, 24 dedoutorado e 27 bolsas deiniciação científica. Alémda consolidação dos gru-pos de pesquisa, busca-va-se avançar em umestudo de importânciavital para o planejamen-to hídrico de um estadocomo São Paulo: as águassubterrâneas. Alimenta-das, principalmente, pe-las infiltrações de águada chuva e excedentes deirrigação, as águas sub-terrâneas circulam atra-vés dos poros das rochasaqüíferas e alimentam osrios durante os períodosde estiagem.

O trabalho foi dividido em quatrosubprojetos: o Departamento de Hi-dráulica da Escola de Engenharia deSão Carlos estudou o sistema aqüíferoBotucatu; o Instituto de Geociências daUniversidade Estadual Paulista (Unesp)de Rio Claro dedicou-se à bacia hidro-gráfica do rio Capivari; os Departamen-tos de Geologia, Física e Matemática daUSP de Ribeirão Preto estudaram a ba-cia hidrográfica do rio Pardo; e o Cen-tro de Pesquisas de Águas Subterrâne-as, do Instituto de Geociências da USP,fez vários estudos de casos compreen-dendo hidrodinâmica, hidroquímica eprocessos de poluição de aqüíferos. •

sado já se sabia da importância da qua-lidade dos modelos animais para a ob-tenção de dados confiáveis na pesquisa.

Nos biotérios, podem ser criadas li-nhagens de animais obesos, diabéticos,hipertensos, portadores de distúrbiosimunológicos e neurológicos ou, por ou-tro lado, livres de patógenos específicospara o estudo de patologias humanas.Os biotérios brasileiros, no entanto, es-tavam jogando contra. Publicações detrabalhos na área de biomédica já esta-vam sendo recusadas por causa da ado-ção de modelos animais inadequados àpesquisa. O Cemib foi desenvolvido portrês instituições: o Biotério Central da

Unicamp, o Biotério de CamundongosIsogênicos da Universidade de SãoPaulo (USP) e o Biotério Central da Es-cola Paulista de Medicina. Os recursosrecebidos foram utilizados para instala-ção de barreiras contra infecção, medidasde controle ambiental, como adequaçãoda temperatura, umidade e nível de ru-ído, e capacitação profissional.

Águas sob o chão - Outro estudo dig-no de nota naquele período foi o pro-jeto Ação programada em águas subter-râneas. Por conta dele, a formaçãoprofissional refletiu-se em números res-peitáveis: entre 1984 e 1987, houve a

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Bolsas:termômetro de crescimentotatou que, de um grupo de 166 alu-nos que concluíram o curso de gra-duação com regularidade, 53 dos 64(89,6%) que haviam obtido bolsaentraram na pós-graduação e84,5% concluíram o mestrado ematé três anos. Para os 102 que nãotiveram bolsa de iniciação científicao desempenho foi bem inferior:38,2% e 60,5%, respectivamente.Em um grupo de 40 doutores, ex-alunos do Instituto de Física da

Universidade de São Paulo (USP),comparou-se o desempenho cientí-fico de 17 que receberam bolsa deiniciação científica com os demaisestudantes. Na comparação, feitapor um comitê de 21 físicos dosprincipais centros do país, recebe-ram classificação de “cientista pro-dutivo de projeção internacional”11 (64,7%) ex-bolsistas de iniciaçãocientífica e apenas 4 (17,4%) dooutro grupo.

Entre 1984 e 1989, a demandapor bolsas e auxílios esteve em cur-va ascendente, o que é um ótimo si-nal para o desenvolvimento do país.Alberto Carvalho da Silva, que foidiretor científico da FAPESP de1984 a 1993, realizou um estudoque ilustra a importância dessasbolsas, as de iniciação científica, emparticular. Em 1987, Silva fez umaanálise dos programas de bolsas deiniciação científica em física e cons-

Áreas onde se desenvolveu o projeto Ação Programada em Águas Subterrâneas

1 Bacia do Rio Pardo2 Sistema aqüífero de Botucatu3 Bacia do Rio Capivari, Grupo Tubarão

4 -5 Poluição pos solventes orgânicos em Porto Feliz (4) e por aterros sanitários em Taubaté (5)

Planejamento hídrico

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Cachoeira

Carmela Gross

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Pesquisa em buscade resultados

TECNOLOGIA

INOVAÇÃO

uando se fala em inovação tecnológica, com aberturapara parcerias e participação de empresas, a década de90 da FAPESP começa em 1994. A exemplo da cronolo-gia consagrada pelo historiador inglês Eric Hobsbawm,que determina um breve século 20 fora dos limites cro-nológicos convencionais, o Programa Parceria para Ino-

vação Tecnológica (PITE) inaugura, na Fundação, um período deintensas transformações. A partir do PITE, definem-se parâmetros querompem com os paradigmas anteriores no financiamento e na organi-zação da pesquisa científica no Estado de São Paulo. Os ensaios antesobservados no sentido de estimular a aplicação prática dos projetos,que revertam para ganhos sociais e econômicos, passam então a tercontornos bem distintos. O programa põe dentro das universidadespaulistas empresas interessadas em avanços tecnológicos dirigidos aomercado e que resultem em lucros.

A filosofia que orienta as escolhas para a concessão de verbas nosanos 90 não difere dos critérios que sempre pautaram a atuação daFundação ao longo de seus 40 anos. O rigor na seleção de projetos esolicitações permanece o mesmo. “Nossas regras têm muita flexibili-dade, o que não tem flexibilidade é a qualidade a ser atingida. Aí, nãohá compromisso possível”, afirma José Fernando Perez, diretor-cientí-fico da FAPESP. O que muda, na busca de conquistas tecnológicas, éuma maior proximidade com a realidade econômica e as necessidadesda sociedade contemporânea. “Inovação é a palavra-chave que abre asportas do futuro”, na opinião de Jacques Marcovitch, ex-reitor da Uni-

Os projetos apoiados buscam maior proximidade com a realidade econômica e as necessidades da sociedade

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fundo VotorantimVentures que dispo-nibilizará R$ 30 mi-lhões nos próximosquatro anos para aconstituição de em-presas de base tecno-lógica. Outra: comapoio da mesma Vo-torantim, é a criaçãoda Scylla, destinada aatuar na área de bi-oinformática. “A idéiasempre foi essa – esti-mular a excelência”,afirma Perez.

Tomado como umponto de partida, oPITE abriu caminhopara o Programa deInovação Tecnológicaem Pequenas Empre-sas (PIPE). Criadoem 1997, o PIPE pas-sou a liberar recursosaos que tinham umaboa idéia, mas nãodispunham sequer de uma câmera namão para realizar um filme instigante,como pregava o cineasta baiano Glau-ber Rocha em favor da criatividade. Tra-tava-se, assim, de apoiar iniciativas queainda não seduziam o empresariadoque tem capital para investir na gera-ção de riqueza. Divisores de águas na

atuação da FAPESP, os programas PITEe PIPE motivam a comunidade cien-tífica a voltar-se para projetos queagreguem valor – o que é crucial numpaís como o Brasil, onde a atividadeempresarial não investe em tecnolo-gia. A maior parte das inovações in-corporadas pela sociedade tem saído

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versidade de São Paulo (USP) e atualsecretário do Planejamento do governopaulista. Ao participar das come-morações do centenário do Instituto dePesquisas Tecnológicas (IPT), realizadasna sede da FAPESP em abril de 1999, eleexplicou: “O inovador despreza o inves-timento especulativo, e não faz isso por-que é um bom sujeito. Mais do que fa-zer um gesto construtivo, ele adota umaopção inteligente: as inovações gerammuito mais lucro do que as meras es-peculações comerciais. A taxa média deretorno de 17 invenções de sucesso nosEUA, durante uma década, foi de 56%,enquanto a dos demais investimentosda economia norte-americana, nos últi-mos 30 anos, ficou em 16%”.

esde que saiu efetiva-mente do papel, em1995, o PITE vem acu-mulando méritos, daformação em escala de

recursos humanos ao despertar de in-vestidores fora do universo acadêmico.Duas experiências recentes consolidamessa trajetória. Uma está no nascimen-to da Alellyx, no começo deste ano; aempresa, voltada ao desenvolvimentode produtos de biotecnologia, foi cons-tituída por pesquisadores patrocina-dos pela FAPESP em outros projetos,caso do bem-sucedido Genoma, e to-talmente financiada com recursos do

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As raízes do espírito de inovaçãogia) e construções oceânicas (platafor-mas de petróleo).

Adnei Melges de Andrade, da USP,ativo participante da experiência dolaboratório de Microeletrônica, res-salta do pioneirismo que foi a destina-ção de recursos para a montagem deum ambiente dedicado a pesquisascom semicondutores e silício. “Naépoca o laboratório que implantamosera do mesmo nível do existente emprestigiadas universidades estrangei-ras”, conta ele. “Tínhamos fornos dedifusão, metalizadores e equipamen-tos de fotomáscaras de primeira quali-dade; isso permitiu que o laboratóriodesenvolvesse o primeiro circuito in-tegrado do Hemisfério Sul, o que

poucas universidades tinham conse-guindo até então”.

Os recursos para a continuidadedo projeto começaram a escassear, se-gundo Andrade, por volta de 1975,como decorrência direta da política en-tão adotada – o fechamento do merca-do à informática. “O Brasil e a Coréiaestavam em pé de igualdade, mas naÁsia a opção foi pela abertura do mer-cado ao capital externo, com fortes in-vestimentos em formação de recursoshumanos e joint-ventures”, lembra oprofessor.“Isso fez da Coréia uma po-tência no setor”. Apesar da falta de es-tímulo, Andrade destaca que o labora-tório contribuiu para a preparação deprofissionais, que, posteriormente, de-cidiram montar suas próprias empresas,citando o caso de dois ex-alunos do la-boratório que fundaram empresas

Os rumos que a pesquisa na áreade tecnologia iria tomar ainda erammuito difusos, quando algumas inicia-tivas com a participação efetiva da FA-PESP ganharam destaque nos seusprimeiros anos de vida. A montagem,em 1968, do Laboratório de Microele-trônica da Escola Politécnica da Uni-versidade de São Paulo (USP) foi umadelas. Outra, a implantação da rede deradares meteorológicos, em 1974, coor-denada pela Universidade EstadualPaulista (Unesp). Além deles, mui-tos projetos do Instituto de PesquisasTecnológicas (IPT) tiveram, desde1962, apoio da Fundação – nas áreasde celulose e papel, madeiras, biotec-nologia (fontes alternativas de ener-

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dependência direta dosfundos setoriais públicospara financiar a pes-quisa tecnológica em se-tores estratégicos comece

a mudar de rumo. O Ministério daCiência e Tecnologia (MCT) aguarda aaprovação pelo Congresso, ainda esteano, da Lei da Inovação, na tentativa deestreitar as relações entre o universoacadêmico e o setor privado.

A FAPESP sempre financiou, semqualquer perspectiva de retorno, proje-tos de ciência pura, assim como de tec-nologia pura, ou de ciência e tecnologiadentro de seus programas regulares.“Oque aconteceu de diferente na década de90 foi a adoção de pesquisas envolven-do empresas no processo”, explica Cou-tinho. “Outra diferença é que agoraexistem pesquisas encomendadas”, com-pleta. Mas não há recusa por parte daFundação em conceder auxílio aopesquisador que, tendo uma boa idéia,não encontre eco imediato no mercado– nem demérito para o pesquisador.Edgar Dutra Zanotto, assessor-adjuntoda diretoria científica e coordenador doNúcleo de Patenteamento e Licencia-mento em Tecnologia (Nuplitec), porexemplo, pensou em desenvolver umvidro específico capaz de reter o calordas indispensáveis lâmpadas utilizadaspor dentistas durante o tratamento deseus pacientes. A proposta era eliminar

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das universidades, com 80% dos re-cursos de origem nos cofres públicos.Em países desenvolvidos, como Esta-dos Unidos e Japão, quase 70% dos in-vestimentos em ciência e tecnologia sãofeitos pelas indústrias. “Toda a inteli-gência brasileira está concentrada den-tro da universidade, o que é mortal

para o desenvolvi-mento do País”, dizFrancisco Antônio Be-zerra Coutinho, co-ordenador de Inova-ção Tecnológica naFAPESP. “A pesquisadentro da universida-de gera saber, a pes-quisa fora da univer-sidade gera lucro, oque resulta em cresci-mento econômico.Nos EUA, o indivíduosai da universidade emonta o seu negócio.Aqui não há esse mo-vimento espontâneo,o que confere um pa-pel importante a pro-gramas de estímulonessa direção”.

As últimas estatísticas disponíveisindicam que o Brasil elevou os gastoscom Ciência & Tecnologia de 0,6% doPIB para os atuais 0,87%. A média dospaíses desenvolvidos está bem acimadisso, alcançando 2,7% do PIB nosEstados Unidos e 3,1 % do PIB japonês.No Brasil, as perspectivas são de que a

ainda atuantes: Aegis Semicondutorese Héliodinâmica.

O projeto Radasp, sigla de Radarde São Paulo, nasceu pelas mãos dofísico Oscar Sala (diretor científico de1969 a 1975 e presidente da FAPESPde 1985 a 1995) para desenvolver asentão carentes informações meteoro-lógicas disponíveis no Brasil. O localescolhido para o implantação do pri-meiro radar foi a Fundação Educacio-nal de Bauru. Os radares detectavamchuvas, sua intensidade e a velocidadedo vento que as acompanhava. “Assimcomo o olho humano, que tem capa-cidade de receber sinais luminosos, oradar registra a energia luminosa queretorna da chuva”, explica o coordena-dor do projeto, Roberto Calheiros. “Adiferença é que ele é um sensor ativo,que ilumina o alvo, emite sinal lumi-

noso e o recebe de volta por reflexão”.O resultado é uma técnica de quantifi-cação hoje reconhecida internacional-mente. A relevância das informaçõescoletadas para os agronegócios, porexemplo, é indiscutível. Desde o início,o programa contou com a participa-ção da iniciativa privada. “Quem sus-tentou o radar pioneiro foi a Rádio El-dorado, por meio de um convêniofirmado com a Fundação Educacionalde Bauru”, relembra Calheiros.

Essas experiências importantes são,porém, exemplos de um período noqual a distinção entre ciência básica eciência aplicada não constituía umapreocupação entre os cientistas. Viabi-lidade de aplicação ou possibilidade deganhos futuros não motivavam esses(talvez românticos) pesquisadores. Eraa curiosidade o grande motor da pes-

quisa, como diz Alberto Carvalho daSilva, diretor-presidente da FAPESPpor dez anos (1984/1993) e diretor ci-entífico por outros dois.“Naquele tem-po, queríamos fazer pesquisa em novasáreas do conhecimento”, afirma, citan-do sua própria história para demons-trar como funcionava a cabeça do pes-quisador: “Trabalhei no laboratório defisiologia com nutrição de gato, porqueera uma área em que, praticamente,ninguém sabia nada. Percebi que esseanimal tem elevados requisitos de trip-tofano e colina e uma tendência a de-senvolver anemia, que se cura com vi-tamina B12. Após 7 anos de trabalho,publiquei minhas conclusões no exte-rior. Poderia ter formado uma empre-sa de nutrição de gato e ficado rico. Efoi isso o que os americanos fizerampouco tempo depois...”

Tecnologia: uma forma de enfrentar a dura concorrência global

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base tecnológica por seu dinamismotransfere os novos conhecimentos doambiente acadêmico para o empresarialcom agilidade, o que hoje é consensointernacional”, esclarece Perez. Diferen-te do PITE, que financia a parte da pes-quisa sob responsabilidade da instituiçãoou universidade envolvida, enquanto aempresa parceira oferece a contraparti-da, o PIPE é bancado diretamente pelaFAPESP. “Nem poderia ser diferente,porque a pequena empresa não tem re-cursos para pesquisa”, ressalta o diretorcientífico. Até dezembro de 2001, o PIPEcontabilizava 185 projetos aprovados –isto significa investimentos de R$ 16,8milhões mais US$ 3,6 milhões. Dessetotal, 52 projetos foram aprovados du-rante 2001, a um valor médio por pro-jeto de R$ 171,4 mil.

Consolidados, tanto PITE como PIPEseguem agora seus destinos, deixando

o desagradável aqueci-mento que o foco de luzprovoca sobre o rosto dequem está na cadeira dodentista. Apesar decurioso e, para muitosconsumidores, certa-mente reconfortante, oestudo de Zanotto aindanão teve repercussão co-mercial.

A pesquisas enco-mendadas começaramtimidamente a partir deidéias nascidas e discuti-das dentro da própriaFundação. O primeiropasso concreto, dado em1994, optou pela im-plantação de um progra-ma de apoio à pesquisaem parceria entre insti-tuições de pesquisa (asuniversidades, entre elas)e empresas. Até dezem-bro de 2001, o PITE jáhavia aprovado 58 pro-jetos (seis dos quais só noano passado), sendo queas empresas bancam, emgeral, 60% dos custos to-tais. A FAPESP respondepelo restante (acumu-lando ao longo do perí-odo investimentos de R$8,2 milhões mais US$7,2 milhões). “A relevân-cia do co-financiamento está em exporo efetivo comprometimento da empre-sa com o projeto”, salienta Coutinho.“Seria até fácil obter uma carta de reco-mendação de algum industrial de-monstrando simpatia por um estudo”,diz. “O difícil mesmo é fazê-lo colocara mão no bolso. Logo, se está dispostoa tanto, fica nítido seu envolvimentocom o resultado”, acrescenta.

O PIPE, por sua vez, nasceu sob orespaldo de uma sólida experiência in-ternacional, o Small Business Inovati-on Research (SBIR), programa criadopor lei nos EUA. Conhecedor do SBIRem detalhe, a partir de seus estudospara o aperfeiçoamento da própria FA-PESP, Perez explica que as instituiçõesde fomento nos EUA concedem entre2,5% e 5 % de seu orçamento para oprograma, que chega a atingir cifras deUS$ 1 bilhão. “A pequena empresa de

caminho aberto paraoutras inovações. Umadelas diz respeito a no-vos modelos de atuação:a natural evolução dosprogramas de parceria eda convivência com o ca-pital de risco privado aca-bou desembocando naidéia de obter alguma re-muneração para os recur-sos disponibilizados –uma boa forma de en-gordar o cofre para futu-ras aplicações em outrosprojetos de inovação. Ou-tra diz respeito ao nasci-mento de alguns filhotes.Em 2000, mais dois pro-gramas específicos fo-ram montados, em funçãodo volume de recursosque mobilizam e do por-te das empresas envolvi-das: para atender às de-mandas da Embraer, foicriado o programa Par-ceria para Inovação emCiência e Tecnologia Ae-roespacial (PICTA) e, paraampliar o apoio à forma-ção de consórcios em-presariais com instituiçõesacadêmicas, criaram-seos Consórcios Setoriaispara Inovação Tecnoló-gica (ConSiTec).

Dos programas voltados aos avan-ços tecnológicos, a trilha escolhida in-dica o pronto enriquecimento das pes-quisas relacionadas à rede mundial detráfego de informações via computa-dores – uma tendência que, no Brasil,é liderada pela própria FAPESP, desdeque criou, em 1988, a rede ANSP, em-briã da Internet brasileira. A Fundaçãofoi pioneira na constituição do Pontode Troca de Tráfego (PTT), conectandoprovedores e operadoras de telecomu-nicações (cerca de 30 empresas de gran-de porte, como Telefónica, Telemar,UOL e Terra, entre outras). Agora, dámais um passo: lançou, no ano passa-do, um programa especial ao qual cha-mou de Tecnologia da Informação noDesenvolvimento da Internet Avança-da (Tidia).“Nós queremos marcar o anode 2002 como o ano Internet na FA-PESP”, diz entusiasmado Perez. •

O Tidia vai estudar em detalhes a Internet, pesquisando a fibra ópticadesde a passagem do laser aos protocolos de transmissão

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ada é mais revelador dosucesso de uma investidado que o fato de os sóciosna empreitada ficaremigualmente satisfeitos

com os resultados obtidos. A fórmulaengendrada na concepção do programaParceria para Inovação Tecnológica(PITE) requer a satisfação das três pon-tas envolvidas na tarefa de gerar inova-ção tecnológica. De um lado, estão asuniversidades ávidas por recursos quepossibilitem o aprofundamento do co-nhecimento com a intensificação depesquisas. Do outro, as empresas em-penhadas para que haja o máximo apro-veitamento das descobertas efetivadas

por meio de palpáveis resultados comer-ciais. E, por fim, a FAPESP, em seu papelde intermediar os contatos, oferecendorecursos e estimulando o desenvolvimen-to da aplicação direta da ciência em be-nefício do desenvolvimento social e eco-nômico do país.

A noção de que o conhecimentotornou-se legítima riqueza das nações érecorrente. Disseminá-los assumiu, as-sim, um certo caráter de emergência.“Para a FAPESP, o desafio não significaabandono das realizações anteriores,como agência eficaz no desenvolvimen-to do conhecimento fundamental”,ressalta Carlos Henrique de Brito Cruz,presidente da Fundação e reitor da Uni-

versidade Estadual de Campinas (Uni-camp).“Ao contrário, a partir da aceita-ção vertiginosa do avanço das fronteirassem fim da ciência e da intensificaçãoda dependência da tecnologia em rela-ção aos desenvolvimentos científicos,tornou-se natural para a Fundaçãoexercer esse novo papel como promoto-ra e indutora das aplicações da ciência”,acrescenta.

Os casos bem-sucedidos dão respal-do ao projeto implantado pela FAPESPa partir de 1995, numa época em quehavia poucas iniciativas similares. Entreeles, há dois constantemente citados,por resumir na prática o que se esperavado PITE: envolvem tecnologia aplicada a

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Benefícios da parceria

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A arte de intermediar os interesses entre universidades e empresas

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Softwares que trouxeram ganhos de produtividade para a Petrobras: sinônimo de sucesso do PITE

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Produção de aços elétricos na CSN:pesquisa conjunta com IPT

softwares, em benefício de ganhos deprodutividade dentro da operação daPetrobras, parceira da FAPESP no fi-nanciamento dessas pesquisas – situam-se, portanto, num campo de fundamen-tal importância para a economia e parao bem-estar de milhões de brasileiros.Umfoi desenvolvido pelo Departamento deEngenharia Química da Escola Politéc-nica da Universidade de São Paulo (USP).O outro, pelo Centro de Pesquisas emPetróleo da Unicamp.

O primeiro resultou num sistemacapaz de otimizar a produção em dez dasrefinarias da companhia de petróleo eainda numa usina de processamento dexisto,como descreveu a revista Pesquisa FA-PESP em sua edição 58, de outubro de2000. A solução encontrada atualizou oSistema de Controle Avançado (Sicon),da Petrobras, garantindo, logo de início,um ganho adicional de US$ 0,25 porbarril – ganho que cresceria com a con-tinuação das pesquisas e poderia resul-tar, levando em conta a produção da em-presa, numa economia diária de US$ 900mil. O software foi gerado a partir de ma-trizes de algoritmos estudados na USPsob a coordenação de Cláudio Augusto

Outra experiência vitoriosa, dessasque viram case digno de constar emmanuais de administração, envolveu umaparceria entre a Itautec, empresa de tec-nologia da holding Itaúsa, dona do Ban-co Itaú, a FAPESP e as três universida-des paulistas, Unicamp, Unesp e USP.Gerou um inovador programa de revi-sor gráfico e gramatical para a línguaportuguesa. O ineditismo da iniciativaatraiu a gigante norte-americana Mi-crosoft, que procurou a Itautec paranegociar o produto resultante das pes-quisas. O software acabou incorporadoao Office 2000, vendido globalmentepela multinacional.

O Revisor da Itautec foi licenciadopor três anos a um valor de US$ 421 mil,resultados que surpreendeu a própriaempresa brasileira. O projeto inicial eradesenvolver um revisor gramatical quesubstituísse, em profundidade e qualida-de, o disponível no mercado interno: umsoftware criado em Portugal, que com-portava apenas 200 mil palavras. O resul-tado da parceria incentivada pelo PITEatingiu, em uma primeira etapa, 1,5 mi-lhão de palavras, uma façanha das equi-pes envolvidas na procura de soluções.Para chegar ao Revisor, a Itautec investiuR$ 78 mil e a contrapartida da FAPESPfoi de US$ 9,2 mil e R$ 17,9 mil.

Oller do Nascimento, do Departamen-to de Engenharia Química da Escola Po-litécnica. A proposta era de adaptação dosestudos para a realidade de uma unidadede refino – e seus resultados incorpora-ram-se à rotina da empresa. O aporte derecursos por dois anos de pesquisa foida ordem de R$ 573 mil por parte da Pe-trobras e de US$ 167,9 mil e mais R$ 22mil pela FAPESP.

segunda pesquisa, desenvol-vida na Unicamp a cargo deDenis Schiozer, da Facul-dade de Engenharia Me-cânica, resultou em um

programa de computação paralelo des-tinado à área de extração de petróleo.Com ampla aplicação em análises docomportamento de reservatórios anti-gos, o software – que distribui as tarefascomputacionais – vem sendo utilizadoem controle de poços no Nordeste. Ser-ve para o acompanhamento das neces-sidades de injeção de fluidos e desloca-mentos subterrâneos, e possibilitou umaeconomia de tempo de até 85% em rela-ção ao método antes usado. O projetomobilizou recursos da Petrobras, queinvestiu R$ 261 mil, e da FAPESP, divi-didos em duas etapas de US$ 160 mil emais R$ 1,3 mil.

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Em geral, os projetos doPITE são bem-sucedidos e asfalhas, raras. Até o momentoapenas duas experiências nãoprosperaram, por desistênciadas empresas parceiras – umbaixíssimo índice de erro que,mesmo assim, não satisfazFrancisco Antônio BezerraCoutinho, coordenador deInovação Tecnológica na Fun-dação, para quem é possívelalmejar 100% de acerto, di-ante das cautelas tomadasantes e durante o processo deseleção. Além disso, grandeparte dos programas surpre-ende pelo enorme potencialdas descobertas neles embu-tidas. Os PITEs, em geral,têm parcerias de grandes gru-pos interessados em aperfei-çoar seus sistemas produtivos.Muitas vezes, as empresas es-tão somente preocupadas comos ganhos imediatos de pro-dutividade em técnicas de fa-bricação. Em outros casos,porém, começam também abuscar a inovação tecnológicaem si, embora o predomínio,neste caso, ainda seja das pe-quenas empresas.

Exemplo disso está numainiciativa que surgiu comodesdobramento do programaGenoma. Em fevereiro de2002, o programa de seqüen-ciamento parcial do genomado eucalipto – bancado pelaFAPESP em parceria comquatro grandes empresas dosetor de papel, celulose e ma-deira (Votorantim, Ripasa, Su-zano e Duratex) – terminoua primeira etapa achando6.800 genes novos. “A maio-ria deve ser específica do euca-lipto”, explica a coordenadorado projeto, Helaine Carrer, daEscola Superior de Agricul-tura Luiz de Queiroz (Esalq),da USP. Na fase inicial do

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Eucalipto: genoma seqüenciado em pesquisaapoiada por quatro empresas

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projeto, a FAPESP desembolsou US$ 530mil e o consórcio de empresas, R$ 500mil. Na busca por genes de importânciaeconômica para a indústria florestalque venham a ser úteis no aumento deprodutividade e na redução de custosna fabricação do papel, a pesquisa vaiempregar a metodologia dos chamadoschips de DNA. A técnica deve revelardetalhes sobre resistência a doenças, àescassez de água e ao frio. Resultaránum conhecimento mais aprofundadosobre o eucalipto.

a mesma linha, há a apli-cação dada pelo Insti-tuto de Pesquisas Tec-nológicas (IPT) aos seusestudos conduzidos por

Fernando José Landgraf sobre as fa-mílias de aços elétricos, de importânciafundamental para motores e equipa-mentos eletrodomésticos. Como esseinsumo não era produzido no Brasil,os estudos despertaram o interesse daCompanhia Siderúrgica Nacional(CSN). E a FAPESP, por meio do PITE,viabilizou a ligação das duas pontas,dando ao IPT condições de avançar ain-da mais em suas pesquisas sobre essacategoria de aços. Concluído o proje-to, já em 1997 a CSN pôde vender maisde 10 mil toneladas de aços elétricos e fa-turar com os novos produtos US$ 5milhões, conforme a reportagem daedição 36, de outubro de 1998, deNotícias FAPESP, publicação que geroua atual revista Pesquisa FAPESP. Vale ci-tar mais alguns exemplos, todos descri-tos no Notícias FAPESP: os fungos paracombater plantas aquáticas que provo-cam prejuízos para as hidrelétricas, pes-quisados pela Universidade Estadual Pau-lista (Unesp) em parceria com a CESP;as válvulas de pericárdio bovino queaumentam a sobrevida de pacientes,pesquisadas na USP de São Carlos emparceria com a Braile Biomédica, em-presa de São José do Rio Preto; o domí-nio da tecnologia de produção de gálio,o metal estratégico na indústria de in-formática e telecomunicações, pesqui-sado pela Escola Politécnica da USPem parceria com a Companhia Brasi-leira de Alumínio (CBA); ou ainda odesenvolvimento de novas categoriasde cilindros de aço para laminação, queuniu IPT e USP em parceria com a em-presa Aços Villares. •

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oram nove anos articulandouma maneira de voltar. OPrograma de Inovação Tecno-lógica em Pequenas Empre-sas (PIPE) deixou o sonho

mais próximo. Criado há cinco anos, oprograma deu ao químico Antônio Cé-sar Ferreira, que morava e trabalhavanos Estados Unidos, a oportunidade deretornar a sua cidade natal, Cajobi, pró-xima a São José do Rio Preto. O firmepropósito de Ferreira é desenvolver com-ponentes para células de combustível.Teve sua solicitação de recursos aprova-da pelo PIPE, recebeu verbas de R$ 197mil e US$ 77 mil, quando ainda estavanos EUA, e montou a UniTech.

A experiência de Ferreira atribui for-ma concreta às iniciativas do PIPE, quefinancia projetos de inovação tecnológi-ca sem nenhuma exigência de contra-partida. Ou melhor, como gosta de en-fatizar o diretor científico da instituição,José Fernando Perez, a única condição é ocompromisso com a qualidade. Na ceri-mônia de lançamento do PIPE, em ju-nho de 1997, o governador Mário Covasreforçou a proposta que orienta o pro-grama, lembrando que a população doEstado entrega à FAPESP 1% do ICMSque arrecada e fica gratificada ao ver essedinheiro reverter, no mínimo, em estí-mulo ao emprego quando apóia a pe-quena empresa.“A FAPESP deve se man-ter assim, agressiva, ou seja, não aguardara demanda de pesquisa, mas sim estimu-lar, antecipar e incentivar a sua realiza-ção, fornecendo os recursos”, enfatizouentão Covas. Na mesma cerimônia, opresidente da FAPESP, Carlos Henriquede Brito Cruz, ressaltou que “a Fundaçãopretende cada vez mais apoiar a pesquisaacadêmica, mas reconhece que o investi-

O modem óptico da AsGa, desenvolvido com recursos da FAPESP, pode chegar à Ásia

existentes no exterior”, comemora Fran-cisco Antônio Bezerra Coutinho, coor-denador de Inovação Tecnológica daFAPESP, responsável pelo atendimentodireto aos pequenos empresários queprocuram o PIPE.

Entre as solicitações feitas ao PIPE,algumas merecem referência constantepelos resultados conquistados. Uma dasprimeiras empresas a se candidatar, aAsGa Microeletrônica, de Campinas,inventou um sistema multicanal comtransmissão de fibra óptica que se reve-lou um sucesso no segmento de teleco-municações. Fundada por um grupo deex-professores da Universidade Estadu-al de Campinas (Unicamp), comanda-da por José Ellis Ripper, a AsGa é a pro-va da ótima aplicação dos benefícios doconhecimento em favor do desenvolvi-mento econômico do país.O equipamen-to que criou para transformar sinais elé-

mento em ciência precisa levar ao de-senvolvimento econômico e social. Aciência brasileira precisa virar PIB”.

O PIPE prevê duas etapas e atende aempresas com, no máximo, cem empre-gados. Na primeira, o idealizador da pro-posta testa sua viabilidade técnica e eco-nômica, recebendo da Fundação até R$70 mil para colocar a proposta no papel(há cinco anos esse valor estava estipu-lado em R$ 50 mil). Na segunda fase,após apresentar um protótipo do seuprojeto, o pequeno empresário pode re-ceber até R$ 300 mil. O regulamentoadotado pelo programa brasileiro é bas-tante similar ao utilizado nos EstadosUnidos, onde as agências de fomento àpesquisa são obrigadas a manter orça-mentos destinados às pequenas empre-sas.“O que mais me surpreende é comotem dado certo, em particular, quandocomparado aos programas do gênero

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Pequenos gigantes

PIPE

Apoio direto, a fórmulapara incentivar a ousadiado empreendedor

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dades sociais, o PIPE cresce ano a ano esupera as mais otimistas previsões, tantopelos números, como pela qualidade dosprojetos encaminhados. “O que, nopassado, representou o colonialismo e oimperialismo vai ser substituído pelasociedade do saber e do conhecimen-to”, disse Covas. “O importante não vaiser mais onde o investimento se dá, masonde a tecnologia é produzida”.

Até o fim de 2001, a carteira do PIPEreunia 185 projetos, alguns deles res-ponsáveis por ganhos sociais relevan-tes. É o caso da fabricação, no Brasil, dehormônio do crescimento e da manta

trado pela placenta que provoca a icte-rícia em crianças recém-nascidas e podelevar à surdez, além de danos no siste-ma nervoso, despertou o interesse daempresa Komlux, sediada em Campinas,e conquistou recursos do PIPE. O desen-volvimento de um equipamento parafototerapia neonatal, baseado em fibrasópticas, recebeu, numa primeira etapa,investimentos de R$ 50 mil e um crédi-to adicional de R$ 200 mil. No Brasil,cerca de 200 mil bebês apresentam icte-rícia ao nascer e são tratados pelosequipamentos convencionais, queusam luz fluorescente – método que

provoca muito calor para acriança. O mal, descoberto,em 1956, pela observaçãode uma enfermeira ingle-sa, J. Ward, tem um trata-mento mais eficaz com o co-bertor de fibras ópticas daKomlux, que não transferecalor para a criança. Melhorainda é fato de o equipa-mento custar um terço dosmodelos importados encon-trados na rede hospitalar.

Sob o guarda-chuva doPIPE, cabem as mais variadaspropostas. Na carteira de so-licitações, há um arco-íris deinventividade nacional. Damedicina ao competitivo seg-

mento de telecomunicações, passandopelas mais diversas áreas de engenharia,a inovação tecnológica não encontra li-mites. Exemplo disso está numa peque-na empresa de São Carlos, interior deSão Paulo, a Opto Eletrônica, responsá-vel por um produto de interesse da com-panhia Vale do Rio Doce. A Opto de-senvolveu cinco pequenas caixas que,instaladas ao longo dos trilhos da linhade trem, permitem à Vale posicionarsuas caçambas e descarregar minério deferro com maior segurança. Com inves-timentos da FAPESP da ordem de R$233 mil, a empresa criou um medidor alaser com blindagem especial para poei-ra e água de chuva, que funciona comoum radar informando a distância entreemissor e alvo. Com uma estrutura en-xuta, seis sócios e uma divisão dedica-da à P&D, a Opto especializou-se emfabricar implementos a laser e compo-nentes ópticos de precisão. É maisuma entre tantas outras iniciativasamparadas pelo PIPE. •

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de fibra óptica usada no combate à icte-rícia que ataca recém-nascidos.

O lote inicial de hormônio do cres-cimento HGH (Human Growth Hormo-ne), produzido pela Genosys Biotecno-lógica, começou a ser pesquisado em1997, com dinheiro do PIPE, e chega aomercado ainda este ano. Estimativas in-dicam que uma em cada 15 mil criançasapresentam deficiência de crescimento nomundo. A Genosys, empresa de capitalnacional, baseia-se na técnica do DNArecombinante, surgida na década de 70,que faz a clonagem do gene codificadordo hormônio em bactérias geneticamen-te modificadas. A proposta da empresaé produzir o hormônio até 30% mais ba-rato do que o importado. O investimen-to no projeto, de R$ 66 mil na primeirafase e mais US$ 101 mil na complemen-tar, inclui a compra de equipamentos.

O combate ao elevado índice de bi-lirrubina no sangue de recém-nascidosganhou um cobertor de fibras ópticas deum intenso azul. O pigmento biliar fil-

tricos em sinais luminosos, na versãomais atual, o MMO16xE1, além de abas-tecer gigantes do mercado interno comoTelefonica, Telemar e Telecentrosul, deveser exportado para a Ásia. A empresaentrou em concorrência na Malásia etem chances de sair vitoriosa, como in-forma Ripper (leia entrevista na página90). Com 13 anos de vida, a AsGA foipioneira no país na produção e comer-cialização de multiplexadores ópticos,aparelhos que fazem transmissão de si-nais (desde ligações telefônicas a pro-cessamento de dados), e hoje detémcerca de 70% do mercado. Já o modemóptico que agora pretende ex-portar, desenvolvido com re-cursos da Fundação, tornou-se o carro-chefe da empresa eresponde pela maior parte desua atual receita de R$ 73 mi-lhões para este ano.

a mesma li-nha de ga-nhos signifi-cativos numhorizonte de

médio prazo, está o projetoda célula de combustível quegera energia elétrica a partirdo hidrogênio – essa é apos-ta de Ferreira. Montadoras doporte da Daimler-Chrysler,Honda e BMW já testam o potencialdessas células de combustível, porque,além de silenciosas, não poluem – umtrunfo no mundo de hoje. O coração doprojeto de Ferreira está nos separadoresbipolares de polímero, condutor iônicoque faz a transformação química de hi-drogênio em eletricidade. Seu objetivoé colocar no mercado, ainda este ano,equipamento com capacidade de 100kW (quiloWatts), adequado a pequenasindústrias, utilizando gás natural co-mo combustível, mas com possibilida-de, após adaptações, de usar tambémetanol. Apontadas como o gerador ener-gético do futuro, as células de combustí-vel ainda produzem energia considera-da premium. Feliz por ter realizado aambição de uma vida, Ferreira costu-ma dizer: “Apelo para que outras enti-dades se mirem na FAPESP e financiempequenas empresas”.

Capaz de incentivar a cultura deP&D nas empresas, estimular o cresci-mento econômico e reduzir as desigual-

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A célula de combustível na rota da UniTech

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oram mais de 20 anos aoquadro-negro na Universi-dade Estadual de Campinas(Unicamp). A formação ori-ginal registra a função de

engenheiro, mas a vida prática deu-lhea credencial de físico, com a qual, aliás,ele mais se identifica. “Minha vida foipautada por decisões que deram certopelos motivos errados”, brinca o profes-sor e empresário José Ellis Ripper Filho.Na presidência da AsGa S.A., empresaaté o momento voltada para o desen-volvimento de equipamentos e sistemasde telecomunicações com transmissãode fibra óptica, ele foi um dos primeirosparticipantes, em 1997, do Programade Inovação Tecnológica em PequenasEmpresas (PIPE). Depois de abasteceras grandes empresas de telecomunica-ções do Brasil, a AsGa, sediada em Pau-línia, interior de São Paulo, enveredaalém-fronteiras. Entrou em disputadaconcorrência na Ásia para a exportaçãodo MMO16xE1, um equipamento quetransforma sinais elétricos em lumino-sos, utilizado nas transmissões telefôni-cas via fibra óptica.

A boa capacidade de adaptação docarioca Ripper, com uma leve pitada dealemão na já distante ascendência, é arazão por ele apontada para a trajetóriaque o levou à vida empresarial. Aos 63anos, formado em engenharia elétrica,morou e estudou por nove anos nos Es-tados Unidos, tendo feito doutoradono Massachusetts Institute of Techno-logy (MIT). A retração econômica quedesde o ano passado tomou conta doplaneta, atingiu também a AsGa, masRipper espera fechar este ano com omesmo faturamento do ano passado,de R$ 73 milhões. Para ampliar a clien-tela e conquistar novos mercados, aempresa investe em outra linha de pro-dutos. Um deles é destinado à comuni-cação direta pela atmosfera, feita por

meio de equipamen-tos batizados de freespace optic – seriauma espécie de lei-tura moderna dostradicionais sinais defumaça, consagradospela comunicação in-dígena. Assim comoos antepassados, nãohá fios, – a bem daverdade, nem fuma-ça, apenas a luz. Édestes planos e desua relação com aFAPESP que Ripperfala na entrevista aseguir.

■ Ao olhar para as conquistas da AsGahoje, qual é sua sensação?– A AsGa é um lugar onde costuma serextremamente divertido trabalhar. Nãosó pelo razoável sucesso empresarial,mas por termos gerado um ambientegostoso. É, naturalmente, uma vidamuito diferente da acadêmica. A em-presa surgiu por meio de profissionaiscom carreiras em parte desenvolvidasna Unicamp. Cinco dos diretores daAsGa, além de mim, saíram de lá.

■ No cenário brasileiro, há certa tradiçãona manutenção da divisão entre a vidaacadêmica e a empresarial. A AsGa furao esquema. Por que essa cultura resiste?– No Brasil, o processo tem sido maiscomplicado do que no resto do mundo.A Universidade de São Paulo (USP)foi a primeira grande universidade dopaís. No resto, havia escolas isoladas emque os catedráticos eram profissionaisliberais que usavam o prestígio obtidona função educacional para o exercíciode suas atividades. Quando a USP foicriada, surgiu uma reação que resultounuma espécie de mito do sacerdócio –

o estímulo à práticado tempo integral.Esse processo foi-seaprofundando, de-pois até por razõessalariais com a cria-ção da gratificaçãopela dedicação ex-clusiva e fez comque os professoresnão tivessem sequerinteresse por qual-quer outra atividadefora da universidade.

■ Foi a própria es-trutura acadêmicabrasileira que acabouafastando o interesse

do pesquisador por qualquer atividadeempresarial?– De certa forma sim, mas há diversascausas que venho tentando estudar háquase 30 anos. Na verdade, criou-seuma cultura de isolamento, pautadapelo processo da vocação. Um fenôme-no muito estimulado no meio educa-cional brasileiro. Na França e nos EUA,por exemplo, existe uma interação forte,em particular, através do mecanismodas consultorias. Lá, elas não são consi-deradas um desvio da vida acadêmica.Estudei muito tempo lá fora e quandoretornei tentei combater esse preconcei-to. Ainda acho que as consultorias sãouma grande alternativa para o apro-fundamento da relação entre as univer-sidades e as empresas. Há muito medodentro da universidade de sair do siste-ma para cair no mundo real. Estimulara consultoria pode ser um caminho decontato que venha a facilitar a passagemdo pesquisador do câmpus para a rua.

■ Em que momento começou a passagemdo sua atividade universitária para aempresarial?

90 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP90 ■ JUNHO DE 2002 ■ PESQUISA FAPESP ■ EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS

Vencendo barreiras culturaisO caminho bem-sucedido da universidade para a empresa

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O engenheiro e físico pensa numterceiro projeto do PIPE

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DEPOIMENTO: JOSÉ ELLIS RIPPER FILHO

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– Houve um convite de direção paraum cargo público que não se viabilizouno meio do caminho. Na preparaçãopara a função, percebi que, embora eupermanecesse professor em tempo in-tegral, psicologicamente já tinha deixa-do a posição. Foi um momento difícilda minha vida. Passei uns meses na fos-sa até chegar à conclusão de que minhacarreira de cientista brasileiro tinhaacabado. Na fase de procurar o que fa-zer, recebi o convite de uma empresa, aElebra, para justamente cuidar da áreade desenvolvimento tecnológico. Nofim do Plano Cruzado, os juros explo-diram, a inflação voltou e houve umacrise cambial. Como a Elebra estava en-dividada e ficou numa situação bem di-fícil, teve que se desfazer de patrimônio.Vendeu divisões de negócios, entre asquais uma de ópticos-eletrônicos, coma qual acabei ficando, já que se tratavade uma oferta em condições bastantefavoráveis. Custei para achar um sócio,mas foi nesse momento que começou anascer a AsGa.

■ Quando ela muda de nome e ganha apersonalidade AsGa?– Foi em 1989. O nome escolhido –AsGa, vem do símbolo químico doselementos presentes nos semiconduto-res – mostra que o nosso sonho era fa-zer uma grande empresa de compo-nentes para a indústria de informática.Só que, com a abertura de mercado fei-ta no então governo Collor, a empresapraticamente quebrou, já que a políti-ca adotada acabou com as indústriasde componentes. Com a farta importa-ção, ninguém mais queria usar os nos-sos e tivemos que recriar a empresa.Resolvemos então desenvolver equipa-mentos para nós mesmos usarmos osnossos próprios componentes. Apesardo empenho, aos poucos também abri-mos mão de fabricá-los e hoje somosimportadores do produto.

■ O governo parece bastante preocupadocom o peso desse tipo de importação ecom o desequilíbrio que acaba causandona balança comercial.– Não adianta apenas estimular a im-plantação de fábricas de componentesno Brasil. O que precisa ser observadoé a necessidade de investimento emtecnologia nacional, em engenharia lo-cal de equipamento. A indústria de

que multiplicava por quatro essa capa-cidade, ou seja, 16 por um. Esses equi-pamentos são hoje a principal fonte defaturamento da AsGa. O segundo pro-jeto, o outro PIPE, envolveu nossa en-trada em uma outra tecnologia emtransmissão, o SDH. Todos os equipa-mentos usam certos padrões de nívelmundial para que um possa falar comoutro. Os originais usam uma hierar-quia PDH que é muito eficiente paratrabalhar a comunicação em árvore. ASDH trabalha em anel, o que gera maissegurança no sistema em caso de defi-ciência em uma das linhas de trans-missão.

■ O modem de acesso, seu principal pro-duto, é totalmente voltado para a indús-tria da telecomunicação, que passa porum momento complicado. Como fica asituação da AsGa?– Nosso mercado deu uma paradamuito forte. Imaginávamos uma re-tração, mas nada tão grande, o quenos surpreendeu. A estratégia paraenfrentar a atual crise, que não é sóbrasileira, mas é também externa,está em buscar outros produtos comdesenvolvimento próprio ou com par-cerias, além de abrir mercados lá fora.Em 2000, a AsGa faturou R$ 31 mi-lhões. No ano passado, mais que do-brou, R$ 73 milhões. Este ano esta-mos torcendo para repetir o resultadodo anterior. A AsGa cresceu tornando-se muito eficiente num nicho de mer-cado e terá de ampliar seu leque deatuação. Importar produtos que com-plementem a nossa linha também vi-rou uma possibilidade. Estamos tra-zendo tecnologia de fora para umsistema de comunicação que, em vezde usar fibra óptica, transmite diretopela atmosfera. A vantagem desseequipamento é não depender da ne-cessidade de passagem da fibra óptica,o que às vezes pode ser muito onero-so. Ele permite uma comunicação rápi-da, que funciona como se fosse onda derádio, só que transmitida por luz. Temalcance pequeno, mas uma capacida-de enorme de transmitir grandes vo-lumes da dados com grande seguran-ça. Atende empresas que precisam decomunicação de curta distância com omáximo de sigilo, já que a transmis-são por onda de rádio sofre interfe-rência externa. •

PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 91EDIÇÃO ESPECIAL 40 ANOS ■ PESQUISA FAPESP ■ JUNHO DE 2002 ■ 91

“Há muito medo dentro

da universidade.Medo de sair do aconchego

do sistema para enfrentaro mundo real”

componentes está muito ligada ao de-senvolvimento de equipamentos. Temque projetar e operar junto. À distância,não se obtém produtividade. Paraconstruir efetivamente esse cenário, opaís vai levar, no mínimo, uma década.

■ Como o senhor vê o papel da FAPESPde estímulo à inovação tecnológica? – A FAPESP tem tomado algumas ati-

tudes bastante positivas, inovando aobuscar a interação entre universidade eempresa. Há barreiras culturais muitofortes a ser vencidas. Os mecanismoscriados pela FAPESP, por meio de seusprogramas de inovação tecnológica,são exceção.

■ Qual a importância para a AsGa dosdois PIPEs que a empresa solicitou? – A AsGa se especializou nos equipa-mentos chamados de acesso óptico. Emtelecomunicações, há uma separaçãoem dois grandes blocos. Um deles seriauma espécie de esqueleto da estrutura eresponde pela ligação entre si, com ascentrais e as ligações interurbanas. Ooutro bloco são os equipamentos queficam na periferia do sistema e que per-mitem aos clientes comunicar-se com aoperadora. Esses são os equipamentosde acesso aos quais a AsGa se dedicou,escolhendo os que enviam feixe de luz.O primeiro PIPE foi utilizado na am-pliação da capacidade de um aparelhoque pegava quatro sinais de dois mega-bits, juntava e enviava pela fibra óptica.Nós desenvolvemos a geração seguinte,

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Antônio Henrique Amaral

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Conhecimento com arte

HUMANIDADES

CENÁRIO

área de Humanidades, que engloba Ciências Humanas, Arquite-tura e Economia, tem uma peculiaridade dentro da FAPESP. Ofinanciamento dos bolsistas sempre foi maior do que os auxí-lios à pesquisa. Isso decorre de uma característica própria dasHumanidades: as investigações nessa área exigem menos in-

vestimentos. Em 2001, os auxílios responderam por apenas 5,4% do totalfinanciado pela Fundação, enquanto as bolsas foram responsáveis por15,2%. Os projetos temáticos, linha de pesquisa instituída em 1990, tambémapontam nesse sentido: dos 634 aprovados, apenas 68 (10,7%) são dosetor. “O tratamento dado à Humanidades é exatamente o mesmo que deoutras áreas”, afirma Luís Henrique Lopes dos Santos, coordenador adjun-to da diretoria científica da FAPESP.“E, cada vez mais, o apoio da FAPESPse dá em forma de auxílios a projetos de médio e grande porte, o que é im-portante para abertura de linhas de pesquisa que provocam grandes ex-pectativas.” As reportagens a seguir tratam de projetos que resultaram emproduções artísticas. Mas não se pode deixar de mencionar importantesprojetos de pesquisa que resultaram em reflexões fundamentais nas Ciên-cias Humana: por exemplo, um estudo de lingüística sobre classes grama-ticais e lexicais no português falado no Brasil, de Ataliba Teixeira de Cas-tilho, da Universidade Estadual de Campinas; Maria Luiza Tucci Carneiro,da Universidade de São Paulo, trabalha no inventário do acervo do Depar-tamento de ordem Política e Social (Deops); e Luiz Henrique Proença Soa-res, da Fundação Seade, está na segunda pesquisa sobre a atividade eco-nômica paulista. São todos trabalhos de fôlego, que se juntam ao quede melhor se produz nas universidades paulistas em Humanidades. •

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Financiamento para pesquisadores são mais freqüentes do que os auxílios a projetos de pesquisa

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crítico e ensaísta Anto-nio Candido de Mello eSouza tem qualidadesconhecidas e decanta-das em qualquer lugar

do Brasil onde haja laivos de inteligên-cia. A capacidade como professor, es-critor e sua influência na interpretaçãoda literatura brasileira é sempre louva-da. O que pouco se sabe é a participa-ção decisiva que ele teve nos primeirosfinanciamentos da FAPESP para a áreade Humanidades. Sem a iniciativa, a in-sistência e o prestígio do pesquisador,os bolsistas certamente levariam maistempo para receber apoio financeiro.Para si, o professor, de 84 anos, nuncapediu auxílio ou bolsa – o fez apenaspara alunos que tinham pesquisa rele-vante a ser feita.

A trajetória do crítico começou nointerior de Minas Gerais. Carioca criadoem Cássia e em Poços de Caldas, cidadesmineiras, Antonio Candido não fre-qüentou a escola primária. “Aprendi aler tarde. A minha mãe tinha idéia quenão se podia cansar a cabeça das crian-ças. Então, comecei a ler sozinho e meupai disse a minha mãe: ‘É bom você co-meçar a ensinar a esse menino senãoele vai chegar naquele estilo que se lê ômé-ni-nó che-gou na ca-sa’”, contou eleem entrevista à revista Investigações –Lingüística e Teoria Literária, da Univer-sidade Federal de Pernambuco, em1995. Mais tarde, cursou o ginásio emPoços de Caldas e em São João da BoaVista, em São Paulo. A vida acadêmicateve início na década de 30, quando in-gressou na Faculdade de Direito (aban-donada no último ano) e na de Filoso-fia, na seção de Ciências Sociais.

Tornou-se professor assistente de so-ciologia em 1942 e ficou no cargo até1958, quando resolveu se dedicar ape-nas à literatura. Antes, em 1954, obteveo título de doutor em ciências sociais

com a tese Os parcei-ros do rio Bonito, quedepois se tornariareferência obrigatóriana área.“Esse foi umlivro que teve sorte”,diz o pesquisador.“Onde já se viu umaobra de sociologiaalcançar nove ediçõesno Brasil?”, ironiza.A última delas, pu-blicada em 2001, trazas fotos tiradas naépoca da pesquisa.

Embora tivessecomo origem a so-ciologia, sempre fezcrítica literária emjornais e revistas. “Decidi prestar umconcurso de literatura brasileira na Uni-versidade de São Paulo (USP) para mu-dar de área assim que tivesse umachance”, conta. Ele passou no concursoem 1945, aos 27 anos, e ganhou o títu-lo de livre-docente, que trazia embuti-do, na época, o grau de doutor. A opor-tunidade de lecionar apenas literaturaveio em 1958 quando surgiu a Faculda-de de Filosofia de Assis, posteriormen-te incorporada à Universidade Estadu-al Paulista (Unesp). Em 1961, voltou àUSP para assumir como professor co-laborador a nova disciplina de teoria li-terária e literatura comparada, da qualse tornaria titular em 1974. Trabalhoupor dois anos na Universidade de Paris,entre 1964 e 1966, e um ano na Univer-sidade Yale (1968), nos Estados Uni-dos – não por acaso, eram anos dechumbo no Brasil. No anos 70, coorde-nou o Instituto de Estudos da Lingua-gem da Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp).

Antonio Candido sempre escreveuna imprensa. Foi crítico da revista Cli-ma (1941-44), dos jornais Folha da Ma-

nhã (1943-45) e Di-ário de São Paulo(1945-47) e em 1956preparou o projetodo prestigiado Su-plemento Literário deO Estado de S. Paulo.Entre 1973 e 74 foium dos dirigentesda revista Argumen-to, proibida pelo re-gime militar. Tam-bém participou daluta contra a ditadu-ra do Estado Novo,entre 1943 e 45, eum dos fundadoresda União Democrá-tica Socialista, trans-

formada em 1947 no Partido Socialis-ta Brasileiro. Em 1980, participou dafundação do Partido dos Trabalhadores.

Mestre da teoria literária, autor daobra seminal Formação da LiteraturaBrasileira, Antonio Candido inaugurouuma nova interpretação da literatura.Para ele, há uma clara distinção entre aliteratura e o sistema literário. Ou seja,ele não está interessado em estudar fe-nômenos isolados, mas o cruzamentode fenômenos. “A literatura é um pro-cesso histórico, de natureza estética, quese define pela inter-relação das pessoasque a praticam, que criam uma certamentalidade e estabelecem uma certatradição”, disse à revista Investigação.“Quando isso acontece, a literatura estáconstituída.” O crítico comprou algu-mas brigas ao reafirmar a tese de que aliteratura brasileira não nasceu no sé-culo 16 – na realidade, veio de Portugal.Assim, a carta de Pero Vaz Caminha e ospoemas de José de Anchieta são mani-festações de uma literatura madura, queé a portuguesa. Por conta dessas idéias,foi acusado de ser dono de uma visãoexcessivamente européia. O pesquisador

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O pioneirismo do mestreA história da concessão das primeiras bolsas para Humanidades

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Antonio Candido: apoio da FAPESP foi decisivo para o setor

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DEPOIMENTO: ANTONIO CANDIDO

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se orgulha pelo fato de um dos grandescríticos da literatura latino-americana, ouruguaio Angel Ralna, ter adotado o seuponto de vista e passado a aplicá-lo sis-tematicamente à America Latina.

Foi contemporâneo e amigo de in-telectuais do calibre de Décio de Almei-da Prado, Sérgio Buarque de Holanda,Paulo Emílio Salles Gomes e FlorestanFernandes. Formou uma geração bri-lhante no primeiro ano em que voltouà USP para ensinar teoria da literatura,em 1961: Celso Lafer, Roberto Sch-wartz, Walnice Nogueira Galvão, VictorKnoll e Mariano Carneiro da Cunha,entre outros. Na entrevista abaixo, An-tonio Candido fala especificamente so-bre como a FAPESP começou a apoiara área de Humanidades.

■ O senhor foi a primeira pessoa a conse-guir da FAPESP uma aprovação de bol-sas para a área de humanas e, especifica-mente, para literatura. Por que era difícilobter essas bolsas?– Tenho a impressão de que a FAPESPfoi concebida como fonte de auxílio pa-ra as ciências propriamente ditas. E tal-vez, devido à origem de seus primeirosdirigente, com maior peso para o ladodas biológicas. Não creio que tenha ha-vido preconceito, mas sim a resultantede uma determinada concepção, expres-sa no peso do nome: o amparo era àsCiências, e as Humanidades não eramconsideradas como algo do âmbito des-tas. Chego a pensar que me concederamuma bolsa para Letras porque o diretorcientífico me conhecia e tinha confian-ça em mim. Como era eu que pedia...

■ Como ocorreu o processo?– Se me lembro bem, solicitei essa pri-meira bolsa ali por 1963, para a licenci-ada em Letras Pérola de Carvalho, queseguia o meu curso de especialização(não se falava ainda em pós-gradua-ção), a fim de realizar no Rio de Janei-ro pesquisas sobre as fontes inglesas deMachado de Assis. Ela fez um trabalhonotável, reunindo material enorme esignificativo, sempre louvada pelos as-sessores. Infelizmente, acabou desistin-do e não terminou a tarefa.

■ Como foram conseguidas as demaisbolsas?– Animado por este precedente, pediem seguida bolsas para três estudantes

dos anos e até hoje no IEB. A partir deentão, não tive dificuldade em obterbolsas, graças ao exemplo que foi o ren-dimento excelente das primeiras bolsis-tas. Elas mostraram à FAPESP que naárea de humanas, inclusive Letras, o tra-balho pode ser sério e produtivo.

■ As bolsas estavam vinculadas a algumprojeto de pesquisa do qual o senhor erao coordenador ou a projetos da pós-gra-duação em que o senhor funcionavacomo orientador?– No meu caso, o objetivo era predomi-nantemente a pós-graduação. Nuncasolicitei auxílio ou bolsa para trabalhospessoais.

■ Em que medida o apoio da FAPESP defato ajudou na formação de pesquisado-res de alto nível na área de literatura, emSão Paulo?– O apoio da FAPESP foi decisivo.Creio que, sem ele, não teria sido pos-sível desenvolver o trabalho que enri-queceu de maneira notável a produçãoda USP e de outras instituições emmatéria de estudos literários. Pude-mos, além das bolsas, ter a oportuni-dade de contratar professores estran-geiros como visitantes, mandar algunsestudantes ao exterior, disciplinar otrabalho intelectual graças à exigênciarigorosa dos relatórios, receber auxíliopara publicações, etc. No tempo emque solicitava bolsas, isto é, até 1978,contei sempre com o apoio dos diri-gentes da FAPESP, à qual a USP e ou-tras instituições devem, sem dúvida, ascondições necessárias para mostrar àcomunidade acadêmica a pertinênciado trabalho em nosso setor.

■ O senhor acredita que esse apoio pro-porcionou alguma mudança importantedentro da universidade?– Nesse sentido, penso que a FAPESPteve papel importante na mudança doshábitos mentais e na própria concepçãodo trabalho universitário. No começo,lembro que quando se falou de tempointegral para o setor de Humanas (alipor 1946-47), várias importantes per-sonalidades universitárias se mostra-ram escandalizadas: tempo integral pa-ra quem não usava laboratórios nemfazia experimentações? Passadas as re-ticências iniciais, a FAPESP foi decisivapara mudar essa visão obsoleta. •

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“As primeirasbolsistas

mostraram que,na área de

humanas, inclusiveletras, o trabalho

pode ser sério e produtivo”

de especialização fazerem o levanta-mento das anotações marginais da Bi-blioteca Mário de Andrade, ainda nacasa onde vivera. O pedido foi recusa-do, pois naturalmente acharam que euestava abusando e querendo mais exce-ções... As moças começaram a pesquisasem qualquer auxílio. Tempos depoisencontrei numa recepção o dr. CelsoAntonio Bandeira de Mello, secretário

geral da FAPESP, e ele me perguntoupor que eu não tinha mais feito solici-tações. Contei a recusa e ele me aconse-lhou a insistir. Insisti e (naturalmente,por intermédio dele) recebi as bolsas.

■ Do que se tratava?– Foi uma pesquisa de conseqüênciasimportantes, efetuada por Maria Hele-na Grembecki, Nites Teresinha Feres eTelê Ancona Lopez. Durante alguns anoselas fizeram a localização e transcriçãosistemática da marginália de Mário deAndrade, de que resultaram as suas dis-sertações de mestrado. Mais tarde, Ni-tes e Telê fizeram, também a partir dasua experiência nessa investigação, asteses de doutorado, sempre com bolsasda FAPESP. O material que colheramfoi todo recolhido ao Instituto de Estu-dos Brasileiros (IEB), onde se encontra,e essa pesquisa foi a semente a partir daqual se formou uma equipe especializa-da na obra de Mário de Andrade, cujoacervo acabou incorporado ao IEB. Foicertamente a investigação de maioresconseqüências dentre as que orientei.Basta verificar os seus frutos ao longo

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ato raro entre projetos depesquisa ocorreu na primei-ra metade dos anos 90 naUniversidade de São Paulo(USP). Um grupo da Escola

de Comunicações e Artes (ECA) da USP,liderado pelo professor e cineasta Jean-Claude Bernardet, se propôs a fazer umestudo que contribuísse para resgatar edivulgar o patrimônio cinematográficopaulistano. Tratava-se de estudar a ci-nematografia sobre São Paulo em doisdocumentários usando como base fil-mes que têm a cidade como protago-nista ou cenário de determinada histó-ria. Ao final de quatro anos, entre 1991e 1994, ficaram prontos São Paulo –

apresentar um projeto temático para aFAPESP, com uma proposta mais am-pla de pesquisa”, conta Bernardet. Otrabalho não seria apenas levantar e fi-char os filmes com o tema escolhido, masfazer algo mais: levar adiante a críticacinematográfica.

Roteirista, escritor, ensaista e críticode cinema, Bernardet sabe que a críticaliterária permite citar frases e trechosde um livro. Para isso, basta copiar.Ocorre que não se pode fazer o mesmoquando se trata de filmes – só é possí-vel ao crítico descrever uma cena, algocompletamente diferente de assisti-la.“Com os nossos documentários, mos-tramos que é possível fazer uma análise

Sinfonia e Cacofonia e São Paulo – Cine-macidade, média-metragens de 40 mi-nutos cada. A pesquisa resultou emduas obras de arte, apresentadas e apre-ciadas em festivais e mostras de cinemauniversitário do mundo inteiro.

A idéia original previa apenas umprojeto comum de pesquisa a ser de-senvolvido e estudado dentro da uni-versidade, que deveria resultar em umcatálogo ou livro sobre os filmes de te-mática paulistana. Mas ganhou umadimensão maior ao envolver tambémtrês arquitetos – dois da Faculdade deArquitetura e Urbanismo (FAU/USP) eum da prefeitura paulistana – e estu-dantes da ECA. “Foi quando decidimos

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Ensaio poético paulistanoCINEMA

Dois documentários contribuem para resgatar o patrimônio cinematográfico de São Paulo

HUMANIDADES

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A Voz do BrasilWalter Rogério

Fogo e Paixão, 1987Isay Weinfeld e Márcio Kogan

A Marvada Carne, 1984André Klotzel

SuspenseCarlos Adriano

São Paulo S/A, 1964Luiz Sérgio Person

Absolutamente Certo, 1957Anselmo Duarte

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Os diretores tinham um excelentematerial à disposição. Os 350 filmesfichados são histórias ficcionais, docu-mentários, noticiários e peças publici-tárias e governamentais, que, no con-junto, mostram bem a cidade no século20. Bernardet diz que São Paulo semprefoi muito filmada.“Há registros sobre aRua Direita já em 1904”, afirma. “De-pois, especialmente nas décadas de 20,50, 60 e 80, a cidade ganhou uma di-mensão cinematográfica muito gran-de.” Os cineastas que trabalharam sobreo tema viam o espaço urbano não sócomo pano de fundo para uma açãoqualquer, mas também, em muitos ca-sos, como algo que tem vida própria e éa própria razão de ser da ação. “É porisso que fez todo o sentido estudar essetema e fazer um filme que mostrasse apoética urbana de São Paulo capturadaao longo dos anos por outros diretores.”

Para executar o documentário peloqual ficou responsável, o pesquisadorelegeu cenas de 104 filmes, entre os 350,e decidiu usar uma trilha sonora exclu-siva que pudesse unir tantos fragmen-tos. A preferência recaiu sobre LivioTragtenberg, compositor de músicaspara cinema, teatro, dança, orquestra egrupos instrumentais. Por quatro me-ses, Bernardet apresentou a ele filmesantigos e amostras da montagem que

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Anhangabaú, e realizar outra filmagempara mostrar como está o local hoje”,conta Bernardet. Também cogitaramem utilizar um ator que tivesse traba-lhado por muitos anos no cinema pau-lista, como Gianfrancesco Guarnieri.Mas desistiram das duas idéias. “Porfim, optamos por utilizar, no primeirodocumentário, Sinfonia e cacofonia,apenas fragmentos de outros filmes,sem filmagem adicional.”

m Cinemacidade, tambémforam usadas cenas de fitas,mas mescladas com tomadasfeitas pelos pesquisadores.A decisão mostrou-se acer-

tada. Como a pesquisa era a mesma, seos dois aproveitassem exatamente omesmo material, não haveria sentido emfazer dois trabalhos, porque eles ficari-am muito parecidos. Nesse momentoda pesquisa, os realizadores do projetotiveram de tomar uma decisão. Seriaimpossível levar o trabalho a termo den-tro dos prazos estabelecidos se toda aequipe opinasse no momento de esco-lher as cenas a serem usadas. Decidiu-se,então, que Bernardet seria diretamenteresponsável por Sinfonia e Cacofonia, eAloysio Raulino, também da ECA, porCinemacidade, junto com as urbanistasRegina Meyer e Marta Dora Grostein.

de estilo usando não só texto, mas ima-gens. Produzimos uma crítica visual deum trabalho cinematográfico”, explica.Esse é um dos méritos da pesquisa, queabriu caminho para algo diferente, nãovisto até então no Brasil.

Depois que a FAPESP concordouem financiar o projeto da equipe lide-rada por Bernardet, em 1991, os pes-quisadores começaram a catalogar to-dos os filmes conhecidos em que acidade de São Paulo tivesse uma fortereferência. Começaram puxando pelamemória – como quase todos traba-lhavam com cinema de uma forma oude outra, conseguiram lembrar degrande parte dos títulos. Em seguida,partiram para a consulta de catálogoslivros e usaram a Cinemateca Brasilei-ra como a principal referência, em ra-zão de a maioria dos filmes nacionaisestarem depositados lá. No total, fo-ram fichadas 350 fitas. A equipe assis-tiu a todas, discutiu uma por uma e se-lecionou as mais significativas, cujascenas poderiam ser usadas nos doisdocumentários que seriam feitos den-tro do projeto.

No início, os pesquisadores não ti-nham um formato pronto. “Pensamosem escolher um ponto de referência dacidade que tivesse sido muito filmadopor outros cineastas, como o Vale do

Fragmentos da Vida, 1929José Medina

Alma Corsária, 1994Carlos Reichenbach

A Sogra, 1953Armando Couto

Desordem em Progresso, 1988Carlos Reichenbach

Uma Pulga na balança, 1953Luciano Salce

O Homem que Virou Suco, 1979João Batista de Andrade

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já vinha sendo feitapor Maria Dora Mou-rão, outra integrantedo projeto. Era impor-tante para o músicoconhecer as sonorida-des usadas em pelícu-las de outras épocas pa-ra evitar compor umatrilha que tivesse a carade apenas um tempo.Tragtenberg optou portrabalhar sobre o temade Claudio Petraglia,do filme São Paulo S/A(1965), de Luiz SérgioPerson, criando umatrilha que incorporou alguns compas-sos de músicas de outros filmes.

Os autores dos filmes foram procu-rados por Bernardet e aceitaram cederas imagens gratuitamente, desde que odocumentário não se tornasse um pro-duto comercial. Como o projeto pre-via, desde o início, sua apresentaçãoapenas em festivais, mostras de cine-ma universitário e TVs educativas, o pes-quisador não teve problemas. Houveapenas duas exceções, que vieram para obem. O filme rendeu algum dinheiroquando passou no Espaço Unibanco deCinema e foi exibido pela TV Culturade São Paulo.“Pedi que a féria da bilhe-teria e o pagamento da televisão fossemdepositados no laboratório para que ti-véssemos uma cópia a mais do filme”,diz Bernardet. Foi uma boa providên-cia: uma cópia ficou no Brasil e a outrafoi para a Europa.

Sinfonia e Cacofonia ficou pronto nofinal de 1994, mas Bernardet decidiudatá-lo como uma obra de 1995, anoem que o cinema completou cem anos.“Foi uma maneira de promover o fil-me, especialmente no exterior”, conta ocineasta. Na Europa, foi apresentado naItália, França, Alemanha e Espanha;nos Estados Unidos, durante um cursona Universidade do Texas, em Austin; etambém no Uruguai e na Austrália. Acarreira da fita continua bem-sucedidaainda hoje. Este ano, estão previstasapresentações em institutos culturais,como o Goethe, em São Paulo, e emuniversidades, como na Federal do Riode Janeiro (UFRJ).

Outro filme feito dentro do projetotemático não alcançou o mesmo suces-so. Enquanto Sinfonia e cacofonia é feliz

ao mostrar a São Paulo cinematográfi-ca e inovar ao ser inteiramente feitocom imagens de outros, Cinemacidadeparece um tanto hermético na tentativade expor a história da estruturação doespaço urbano do município. “Emboracom construções diferentes, os dois tra-balhos têm muitas semelhanças”, dizAloysio Raulino. “Sinfonia é mais umacompilação enquanto Cinemacidade sepreocupa em mostrar alguns atributosda cidade.” O diretor usou cenas de 36filmes – tem 20 minutos de fragmentose 10 de imagens feitas pela equipe. Ascenas antigas são intercaladas com asnovas, de acordo com os cinco temasescolhidos pelos idealizadores (trans-formação, anonimato, multidão, preca-riedade e dimensão).

ara conseguir realizar osdois documentários, foinecessário comprar equi-pamento de som digital euma moviola para monta-

gem. Todos os aspectos técnicos exigi-dos pelos filmes resultaram em provei-tos para os alunos. O material de som,em especial, foi fundamental para quealguns deles se especializassem na área.“Eduardo Santos Mendes, responsávelpela sonoridade dos dois filmes, abriuum novo curso na ECA”, diz Bernar-det. O material necessário foi adquiri-do com o financiamento da FAPESP.A Secretaria de Estado da Cultura co-laborou com o projeto ao pagar a tri-lha sonora de Livio Tragtenberg, a rei-toria da USP bancou a cópia final e aRiofilme fez a versão dos poucos diá-logos para participação nos festivaisinternacionais.

Na área teórica, osefeitos também foramsatisfatórios. Além dafilmografia referente àcidade de São Paulo eda catalogação do ma-terial iconográfico, oprojeto possibilitou umcurso regular de pós-graduação sobre a ci-nematografia paulista-na. “Conseguimos fazerum curso em que, a ca-da aula, tínhamos qua-tro professores dentroda sala para explicar,assistir a filmes e deba-

ter com os estudantes.” Embora sem-pre enfrentando problemas de agendapara conciliar a presença dos quatrodocentes juntos, o curso teve a dura-ção de quatro semestres, com umaaula por semana.

Os projetos temáticos da FAPESPsempre envolvem uma equipe grande:são multidisciplinares e geradores dediversos produtos associados, comocursos, teses e mais projetos. Esse, lide-rado por Bernardet, teve todas essasconseqüências, mas acabou por ganhartambém um caráter muito pessoal. Oresultado é o que o jargão cinematográ-fico chama de filme de autor – aqueleque elabora, acompanha e comandapasso a passo todo o processo criativo.A concepção, a produção executiva e adireção de Sinfonia e Cacofonia são deBernardet. A primeira idéia de fazer umfilme sobre São Paulo também é dele.“Além de querer mostrar e divulgar amemória cinematográfica paulistana,sou apaixonado por esta metrópole”,diz o pesquisador, de 66 anos, imigran-te francês que chegou a São Paulo aos12, de Paris. “E a minha sensibilidadeem relação à cidade também foi forma-da pelos filmes feitos aqui.” Por isso, eleclassifica o trabalho como um ensaiopoético sobre a cidade. O fato de o filmemostrar paisagens e situações ásperasreflete o modo quase sempre tenso comque os cineastas vêem a capital paulis-ta. O aspecto individual não impediuque o projeto caminhasse na direção aque se propôs: fazer filmes e aproveitaressa experiência para aulas, seminários,teses e conferências e usar a infra-estru-tura adquirida para treinar alunos ecriar novos produtos culturais. •

Jean-Claude Bernardet: paixão pela metrópole e pelo cinema

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associação da arte com a tec-nologia e a intervenção po-pular na obra de arte ren-deram dois excelentesmomentos de criação

artística nas últimas décadas. Os tra-balhos são completamente diferentesna proposta, na forma e no público-al-vo. Mas têm, em comum, o desejo deampliar o próprio conhecimento e decompartilhar descobertas.O primeiro trata-se de umprojeto de auxílio à pesquisavisando à união da tecnolo-gia usada em holografia coma poesia e as artes plásticas.Já o segundo estudo previaestimular comunidades ca-rentes a usar desenhos feitospelos próprios moradorescomo estampa de paredes.Ambos cumpriram seus ob-jetivos com folga.

Quando Julio Plaza deci-diu apresentar um projeto àFAPESP, em 1987, pedindofinanciamento para seu gru-po trabalhar com hologra-fia, essa tecnologia aindaengatinhava no Brasil. “Po-dia-se contar nos dedos asexposições realizadas na-quela época”, diz o pesqui-sador. O artista alemão Die-ter Jung foi o primeiro aexpor hologramas no Brasil,em 1975, no Museu de Artede São Paulo (Masp). De-pois, na década de 80, houvealgumas outras poucas ex-posições na capital paulista:uma internacional, em 1982,no prédio da Bienal; a de

em 1986, chamada Triluz, com um gru-po altamente qualificado, para criar emontar a exposição Idehologia.“Para seter uma idéia do custo, um único ho-lograma no formato 70 por 50 centí-metros custava por volta de US$ 1 milnaquela época”, conta o professor es-panhol naturalizado brasileiro.

Junto com Plaza estavam os poetasAugusto de Campos e Décio Pignatari

(então também professor ti-tular da Faculdade de Arqui-tetura e Urbanismo da Uni-versidade de São Paulo USP),o hológrafo Moysés Baums-tein (pioneiro da técnica deimagens em três dimensões),o artista plástico e arquitetoWagner Garcia e o próprioPlaza, que, além de docenteda Escola de Comunicaçõese Artes da USP, já tinha umextenso currículo de obras,exposições e publicações noBrasil e no exterior. O objeti-vo era fazer o casamento depalavras e imagens com luze criar diferentes formas deexpressão. A mostra Triluz,apresentada no Museu daImagem e do Som (MIS), foio começo da pesquisa, levadaa termo no ano seguinte comIdehologia, explica Plaza.

Embora as implicaçõesna arte tenham ganhado re-levância nas últimas duas dé-cadas, a técnica em hologra-fia tem mais de 50 anos. Ela

Wagner Garcia, em 1983, com traba-lhos feitos por ele em Londres; a deMoysés Baumstein, em 1984; a do pró-prio Julio Plaza, em 1985, e a do poetacarioca Eduardo Kac, também em 1985.Como essa modalidade de arte é mui-to cara e havia necessidade de se fazerpesquisa para entender e aprender autilizar os hologramas, Plaza decidiucontinuar com uma experiência feita

Caminhos distintos

ARTES PLÁSTICAS

Tecnologia e intervenção popular resultam em bons projetos nos anos 80 e 90

HUMANIDADES

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Cozinha na Vila Rhodia:pintura fora e dentro de casa

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No holograma, a imagem registradaganha profundidade: é possível veratrás dos objetos que estão na frente daimagem. Cada ponto do hologramaguarda informações gravadas de umainfinidade de pontos de vista de uma

imagem, permitindo que océrebro reconstrua o efeitotridimensional original. Afotografia registra apenasum único ponto de vista daimagem, de forma plana.

A tridimensionalidade,as diferenças de cor e volume,a multiplicidade dos ângu-los de visão, o ponto de fuga,a fragmentação da imagemem diversos planos, a dançados relevos, o obscurecimen-to e a dissolução das imagensencantaram os artistas queconheceram essas possibili-dades de trabalho em artesplásticas. O grupo que mon-tou a mostra Idehologia apre-sentou 15 trabalhos no Mu-seu de Arte Contemporânea(MAC), em 1987: dois deWagner Garcia (Céu e men-te, Gag), dois de Décio Pig-natari (Speacetime, Joystick),três de Moysés Baumsteim(Papamorfose, Máscaras, Vo-yeur), quatro de Augusto deCampos (Rever 1 e 2, Risco,

completamente diferentes. A única se-melhança entre as duas técnicas é queambas usam a luz para impressionarum material fotos sensível. A fotografiamantém a imagem fixa por qualquerângulo que se olhe, em duas dimensões.

foi desenvolvida em 1947, quando o fí-sico húngaro Dennis Gabor criou umaforma de melhorar a resolução de ima-gens geradas por microscopia eletrôni-ca. A idéia era registrar uma imagemcontendo toda a informação luminosado objeto observado e re-construí-la por meios óti-cos. Para isso, era necessárioutilizar ondas luminosas,que na fotografia tradicionalé completamente perdida,porque ela só grava a ampli-tude delas. Mas, se fosse adi-cionada uma referência lu-minosa padrão à montagem,haveria um ponto de com-paração para se reconstruira frente de ondas original.Gabor levou a experiênciaadiante, mas não conseguiumelhorar a microscopia ele-trônica. Em compensaçãofez o primeiro hologramacom uma luz filtrada deuma lâmpada de mercúrio.Com o surgimento do laser,nos anos 60, foram resolvi-dos os problemas iniciaiscom relação à monocroma-ticidade e ocorreu um boomde pesquisas na área. Vinte etrês anos depois, o físico ga-nhou o Nobel de Física porsuas descobertas.

A freqüente comparaçãoda holografia com a fotogra-fia é equivocada – os hologra-mas têm propriedades físicas

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Casa de palafita em Beruri:beleza melhora saúde mental

Risco, poema holográfico de Augusto de Campos Arco-íris no Ar Curvo, de Julio Plaza

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Poema-bomba), três de Julio Plaza (Ar-co-íris no Ar Curvo, Cubos, Limite docorpo) e um feito conjuntamente entrePlaza e Campos (Mudaluz). Todos foram“holografados”por Baumsteim, um pau-listano autodidata que se tornou ummestre nessa arte. A exposição viajoupor Portugal e Espanha e inspirou ou-tros trabalhos dentro da universidade,como a primeira tese de doutorado so-bre o tema, de Márcio Minoru, da ECA.

Além da arte, a holografia vem ga-nhando grandes aplicações práticas.Selos holográficos em cartões de crédi-to, por exemplo, já se tornaram uma in-dispensável medida de segurança porserem muito difíceis de falsificar. Sãotambém úteis em simulações de vôos etreinamento de pessoal em aviação (épossível projetar instrumentos no cam-po de visão do piloto) e em máquinasleitoras de código de barras. A utiliza-ção em arte foi apenas a mais bonitaforma de usar essa tecnologia.

A artista plástica Mônica Nador ca-minhou no sentido inverso ao de JulioPlaza. No decorrer de sua tese de mes-trado, orientada pela professora daECA e também artista plástica ReginaSilveira, Mônica decidiu partir paratrabalhos em lugares onde as condiçõesmínimas de sobrevivência são quaseum luxo e a alta tecnologia, como holo-grafias, não se conhece nem de ouvirfalar. “Apostei na vocação curativa ebalsâmica da arte”, diz. A pesquisadorapercebeu que poderia trabalhar de for-ma diferente ao ser convidada parapintar uma parede no Museu de Arte

Moderna (MAM), em 1996. “Pedi aju-da de um grafiteiro para aprender atécnica e pintei padronagens islâmicasna parede”, conta.

ônica considerava odebate sobre artedentro das institui-ções um tanto estra-tosférico, sem muita

ligação com a realidade. Ao fazer apintura no MAM, pensou que aquilopoderia ser feito também por outraspessoas e teria um efeito benéfico. Aidéia era continuar a pintar paredesnas ruas, mas não em centros como aAvenida Paulista, onde já havia um ex-cesso de informações. O ideal, acredi-tava, era fazer o mesmo trabalho emcomunidades carentes, excluídas doscircuitos das artes e desprovidas dequalquer equipamento cultural. “Essaspinturas seriam feitas nas paredes pú-blicas possíveis dessas áreas”, explica.Como o projeto acabou não vingandoem São Paulo, ela viajou em 1988, jácom bolsa da FAPESP, com o progra-ma Comunidade Solidária, do gover-no federal, que atende aos 1.200 mu-nicípios mais pobres do país.

A pesquisadora viajou para duas ci-dades do interior da Bahia e uma noAmazonas. “Eu chego nos lugares, vejoonde posso trabalhar e peço para osmoradores desenharem”, explica. No co-meço, sempre é difícil arrancar o queeles têm de melhor. “Em Beruri (AM),por exemplo, um lugar onde as pessoasmal têm dentes, eles desenhavam coisas

como o logotipo da Nike”, diz Mônica.“Aí, intervenho e peço para lembrarem dopassado e da cultura local, informaçõesque têm a ver diretamente com eles.” Naverdade, ela os estimula a buscar a suaprópria representação simbólica.

Às vezes, ela esbarrava em dificul-dades primárias. Em Beruri, não haviaparedes de alvenaria, com exceção dealguns poucos órgãos municipais. Lo-go, a artista resolveu pintar uma casade palafita. Pediu para uma própriamoradora fazer um desenho, que resul-tou numa casinha. Mônica então gra-vou o desenho em uma máscara de pa-pel e, com a ajuda de moradores,aplicou-o na fachada de palafita. Tam-bém fez trabalhos semelhantes em umacampamento de sem-terra em Itape-tininga, no interior de São Paulo, e naVila rhodia, um lugar carente de SãoJosé dos Campos. “Na Vila Rhodia, osmoradores da região gostaram tantodo resultado que pintaram as paredesexteriores e interiores da casa”, conta.Mônica diz que seu trabalho não temnenhuma pretensão de fazer denúnciaou chamar a atenção para os proble-mas sociais brasileiros. O que ela quer édeixar os lugares mais bonitos, por-que acredita que a beleza é indispensá-vel para a saúde mental de todos. “Mi-nha intenção é tornar a dimensão dobelo acessível ao maior número depessoas possível.” A artista terminousua dissertação em 1999, mas continuacom o trabalho. Agora, ela quer patro-cínio para fazer a mesma experiênciaem um favela de São Paulo. •

Spacetime/Espaztempo, de Décio Pignatari Papamorfoses, de Moysés Baumstein

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m um espetáculoteatral, todos osolhos estão, natu-ralmente, volta-dos para o palco.

É no ator que se concentra aatenção e a emoção da pla-téia. Para estudar os mistériosque cercam a arte do ator,Suzi Frankl Sperber, docentedo Instituto de Estudos daLinguagem e do Instituto deArtes da Universidade Esta-dual de Campinas (Uni-camp), propôs fazer um tra-balho mais específico e delonga duração com o núcleode pesquisas teatrais, que jávinha realizando experiên-cias sobre o tema. A partir de1997, começou a ser reali-zado um projeto temático,previsto para terminar emagosto deste ano. “O núcleo,chamado Lume, é ligado àuniversidade e faz um im-portante trabalho de pesqui-sa que produz numerososoutros projetos associados”,diz Suzi, ela própria uma dascoordenadoras do Lume.

O cerne da pesquisa é estudar a artede ator em profundidade e usar o co-nhecimento adquirido para treinar ou-tros atores. Como o Lume tem 17 anosde atuação ininterrupta, já foram cria-das uma metodologia própria para de-senvolvimento de técnicas pessoais derepresentação para o ator, modos seutilizar comicamente o corpo e umatécnica batizada de Mímeses Corpórea,de imitação das ações do cotidiano, en-tre outras experiências. Suzi explicaque o grande problema do ator é aqui-

terminar seu doutorado. Ele passouoito anos na Europa estudando comEtienne Decroux, criador da mímicacorporal, e trabalhou com EugenioBarba, Philippe Gaulier, Jacques Lecoq,Ives Lebreton, Jerzy Grotowski e comteatro oriental. Na volta ao Brasil, criouo Lume dentro da Unicamp, com osatores e pesquisadores Denise Garcia,Carlos Simioni e Ricardo Puccetti. Aintenção do núcleo difere de outrosprojetos de dramaturgia porque o inte-resse primordial não é a montagem tea-

lo que eles chamam de organicidade.“Se dois atores fazem o mesmo gesto,um pode ser convincente e o outro não.Estudamos as razões pelas quais istoocorre”, explica. A pesquisadora afirmaque as diferenças de um ator para outrodecorrem de alguma mudança interior,fundamental, que precisa ser descober-ta por eles. “Esse é o grande desafio.”

A origem do trabalho partiu dopesquisador, ator e diretor Luís OtávioBurnier, morto precocemente aos 38anos, em 1995, alguns meses depois de

Interpretação reinventada

TEATRO

Atores-pesquisadoresfazem experiências com a arte da atuação

HUMANIDADES

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OLa Scarpetta, montagem de 1997: núcleo Lume realiza pesquisas teatrais desde 1985

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tral ou a produção artísti-ca, mas o ator em situaçãode representação. O grupode pesquisa se concentra nocomo fazer, porque acreditaque a técnica e a criação sãoinseparáveis.

m projeto co-mo esse temdiversas ver-tentes e ob-jetivos. Um

deles, já finalizado, foi com-parar as técnicas desenvol-vidas pela atriz e bailarinajaponesa Anzu Furukawadentro do Butoh, do teatrojaponês, com a MímesisCorpórea, criada pelos atores-pesqui-sadores do Lume. O encontro resultounuma montagem baseada no livro CemAnos de Solidão, de Gabriel García Már-ques, por sugestão de Anzu, morta nofinal do ano passado. Os atores via-jaram para a Amazônia, região maispróxima do universo descrito porMárques, para coletar material e imi-tar ações físicas e vocais dos povosdaquela região. A técnica Mímesisconsiste em observar o que deseja serimitado e repetir exatamente o que foivisto. O espetáculo foi encenado em1997 com o nome Afastem-se Vacas quea Vida é Curta, com direção da própriaAnzu. O mesmo material coletado deuorigem a outra montagem, chamadaCafé com Queijo.

O contato com o Butoh rendeu ain-da outros trabalhos, também de com-paração entre o que é feitono Japão e no Brasil. Osidealizadores confronta-ram o método da dançari-na japonesa Natsu Nakaji-ma com a pesquisa DançaPessoal – a elaboração ecodificação de uma técnicade representação que temcomo base a dinamizaçãodas energias potenciais doator. Isto é, essa técnica dáforma às diferentes tona-lidades e nuances que com-põem corpo e voz de cadaator. Em seguida, o núcleodirigiu-se para outras imer-sões para tentar encontrarqualidades como sutileza,

delicadeza, ingenuidade e aceitaçãodo ridículo. Dessa tentativa surgiuuma outra linha de pesquisa: a artedo clown, a mais antiga das artes dopalhaço.

Suzi Sperber dá o mote para enten-der a técnica e a diferença entre ator eclown: “O clown precisa se despir; oator precisa se vestir”. A técnica é usadapara que o ator se revele e não simples-mente para aprender a ser palhaço.“Hávárias linhas de clown, que satirizam asi mesmo, por exemplo. Outras o fazemcom o cotidiano, uma espécie de papeldesmascarador do que é quase um se-gredo”, explica.

Um grupo como esse não se furta àsperformances pelas ruas das cidades eem eventos. O Lume criou a Parada deRua, um espetáculo cênico-musical iti-nerante, em forma de cortejo, que bus-

ca a teatralização em lugaresnão convencionais, onde o tea-tro não chega. A intenção é in-teragir livremente com o pú-blico, provocando e divertindoao mesmo tempo.

As numerosas experiênciasfeitas pelo Lume têm geradomuitos outros trabalhos dentroda Unicamp. Parte do atores donúcleo está cursando mestra-do e doutorado. A professoraSuzi, também uma das coor-denadoras do núcleo, usa o co-nhecimento acumulado emsuas aulas. Foram lançados,até agora, dois livros. O pri-meiro é a tese de doutoradode Luís Otávio Burnier, A arte

de ator – Da técnica à representação(Editora Unicamp). O segundo é A artede não interpretar como poesia corpó-rea do ator (Editora Unicamp), de Rena-to Ferracini, um dos mais importantesintegrantes do Lume. Um CD-ROM in-terativo com vários exercícios acom-panha o livro.

O projeto temático, financiado pelaFAPESP, junto com investimento daUnicamp, proporcionou também acompra de equipamentos para o núcleopoder trabalhar como um centro de re-ferência de documentação videográfi-ca, fotográfica e de pesquisa. Foram ad-quiridos equipamento de som, vídeo,informática e iluminação, entre outros,o que permite aos pesquisadores teracesso a material escrito e de audio-vi-sual. É possível, ainda, apresentar ostrabalhos na própria sede do Lume pa-

ra a população acadêmica.Toda a pesquisa e as expe-

riências que vêm sendo feitapelo núcleo geraram numero-sos espetáculos teatrais e parti-cipações em festivais inter-nacionais. O intercâmbio comatores, diretores e pesquisa-dores estrangeiros é intenso.O núcleo ministra tambémworkshops sobre suas técnicas eorienta novos atores. “Os fi-nanciamentos foram impor-tantíssimos para o núcleo”, dizSuzi Sperber. “Mas, mais im-portante ainda, é o trabalho deator, que vai continuar sendodesenvolvido aqui, sem prazopara acabar.” •

Café com Queijo: pesquisa aproveitada de outro espetáculo

Parada de Rua: performance cênico-musical pela cidade

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tradição de cautela na tomadade decisões nas universida-des e agências de fomentofoi salutarmente atrope-lada em meados de mar-

ço de 1999. Naquele mês, graças a umaoperação relâmpago entre a FAPESP, aEscola de Comunicações e Artes (ECA)e o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB),ambos da Universidade de São Paulo(USP), a partitura original da primeiraópera de Carlos Gomes, A Noite do Cas-telo, foi comprada antes de ir a leilão.Hoje ela está no arquivo do IEB, dispo-nível para pesquisadores.

O documento estaria em mãos par-ticulares e, portanto, praticamente per-dido para estudo, se o maestro RonaldoBologna, na época na Orquestra da USP,não tivesse avisado ao pianista e profes-sor José Eduardo Martins, do Departa-mento de Música da ECA, de que a par-titura seria posta em leilão pelo seuproprietário, João Leite Sampaio FerrazJúnior. Sem dinheiro para resolver oproblema, Martins procurou o diretorcientífico da FAPESP, José Fernando Pe-rez, e expôs o problema.

“Em menos de 24 horas foram to-madas todas as providências, na FA-PESP, para a compra do manuscrito”,contou Martins. Ele levou, então, umaproposta para o dono dos originais e oscomprou por R$ 20 mil, evitando quefossem a leilão e os preservando paraestudos na universidade. Tudo foi tãorápido que o professor escreveu o pro-jeto à mão, na sala ao lado da diretoriacientífica, para ganhar tempo. “A Fun-

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Operação relâmpago

MÚSICA

Ação rápida entre instituiçõesresgatou manuscrito daprimeira ópera de Carlos Gomes

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O compositor quando jovem:ópera feita aos 25 anos

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Após a morte do diplomata, seusherdeiros retiraram os originais do de-pósito e os colocaram a venda em umsebo, em Paris, onde foram compradospela mãe de Sampaio Ferraz, em 1961.De volta ao Brasil, os manuscritos fica-ram com a família até que ela decidiulevar a leilão, em março de 1999. Foiquando Martins ficou sabendo da his-tória e pediu ajuda da FAPESP.

A Noite do Castelo é uma ópera es-crita a partir do libreto de Antônio JoséFernandes dos Reis, com base em umanovela de Antônio Feliciano de Casti-lho. Era um drama bem ao gosto daépoca e talvez aí esteja a razão de seusucesso. Trata-se de uma ação passadadurante a Idade Média e conta a histó-ria de uma noite de festa no castelo doconde Orlando. Leonor, sua filha, eranoiva de Henrique, sobrinho do conde.Henrique parte para uma cruzada na

Terra Santa e é dado comomorto. Leonor então ficanoiva de outro cavaleiro, Fer-nando. A festa é para come-morar esse noivado. Mas nomeio da noite chega ao caste-lo um cavaleiro mascarado. ÉHenrique, disfarçado. Leo-nor fica dividida entre osdois. Henrique mata Fer-nando. O conde surpreendeHenrique e mata o mascara-do, só depois percebendoquem era. Leonor morre dedesgosto.

Na opinião de Martins,na música de A Noite do Cas-telo “há um frescor, apesar doitalianismo dominante, e pro-cedimentos que denotam suabrasilidade”. Flávia Toni vaialém. “A composição dessaópera está em perfeita con-sonância com os moldes ita-lianos da época, mas é per-ceptível, no prelúdio e nosprimeiros compassos de mui-tas áreas, um certo ar modi-nheiro, das melodias que Go-mes fazia naquele tempo,que traem o sabor melódicodo cancioneiro luso-itálo-brasileiro”, analisa. Agora,resta a outros pesquisadoresum extenso trabalho paradecifrar e entender cada par-te do manuscrito. •

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órgão e violino. Apresentada em 1861no Teatro Lírico Fluminense do Rio deJaneiro, A noite do castelo foi funda-mental para a carreira do compositorporque se tornou um grande sucessode público e impulsionou sua carreira.

Depois da morte do compositor, em1896, a filha Ítala deu os originais depresente para seu tio, o músico José Pe-dro de Sant’Anna, que mandou encader-ná-lo em dois volumes. Mas o materialnão ficou muito tempo com a família.O marido de uma sobrinha de Gomeso deu de presente ao vice-cônsul da Itá-lia em Campinas, Ugo Tommasini. Eleprometeu que, quando voltasse à Euro-pa, deixaria os dois volumes no Brasil.O vice-cônsul não só não cumpriu otrato como o deixou em Paris, a cami-nho da Itália, em um guarda-móveis,no qual abandonou tudo o que consi-derou como excesso de bagagem.

dação não fez mais que cumprir seuobjetivo teleológico, que é a pesquisa”,disse Perez.

o começo de maio, hou-ve uma cerimônia deapresentação pública dapartitura da ópera, en-cerrada com um recital

do pianista José Eduardo Martins. Opianista executou, obviamente, a aber-tura de A Noite do Castelo, além de ou-tras peças brasileiras. O documento, porsua vez, foi levado para os laboratóriosdo IEB, no qual passou por um proces-so de limpeza e hoje está à disposiçãode estudiosos de música e de Carlos Go-mes. De acordo com a musicóloga epesquisadora do IEB Flávia Toni, a par-titura está em perfeitas condições.“Masainda precisa ser estudada e montada”,afirmou. Ela explica que o trabalho aser feito é enorme.

“Mal comparando, é co-mo se o pesquisador tivessede fazer um projeto genomado manuscrito”, explicou Flá-via. Ele está dividido em doisvolumes, com 276 e 324 pági-nas, encadernados em couroe traz as marcas do composi-tor, como anotações em lápise a tinta. O documento deveser cuidadosamente remon-tado por alguém que saibamuito do compositor e sejaum profundo conhecedor demúsica. “Não dá para ummaestro pegar a partitura co-mo está hoje e ler direto.”

Carlos Gomes, um dosmais importantes composi-tores brasileiros do século 19,escreveu A Noite do Castelocom 25 anos. Foi a únicaópera em que ele fez em por-tuguês. Na época ele estavahá um ano na Corte, vindoda Vila São Carlos, antigonome de Campinas, ondenasceu em 1936. Conhecidoapenas como um composi-tor de modinhas, aspirava es-crever óperas como as do ita-liano Giuseppe Verdi, autorde Il Trovatore, cuja partituraganhou quando criança dopai, Manuel José Gomes,professor de piano, canto,

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Martins: problema resolvido em 24 horas

Partitura de A Noite do Castelo: sucesso de público em 1861

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