você, cidadão; fazendo a democracia funcionar a ser favor
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Você, cidadãoFazendo a democracia funcionar a seu favor
Eduardo Graeff
Este é um livro sobre política para quem não gosta muito de política. Não parece uma receita de
best-seller, eu sei. Mas pode interessar a você. Explico por quê.
Livros sobre política costumam pôr todo foco nos políticos. Alguns, como O Príncipe de
Maquiavel, dão conselhos ao governante sobre como manter e exercer o poder. Outros, como A
Política como Vocação de Max Weber, analisam os motivos e condicionantes da ação do político
profissional. O Que Fazer de Lenin trata dos objetivos e métodos de um ator coletivo – o partido
revolucionário – que esteve no centro dos acontecimentos políticos no século passado.
Grandes líderes, chefes de governo, políticos profissionais, dirigentes e militantes partidários,
todos eles continuam atuantes e, aparentemente, dominantes na cena política. Mas a democracia
abre espaço para um novo tipo de ator: o cidadão comum, que não vive da nem para a política. Seu
papel ainda pode parecer secundário. Mas ganha importância na medida em que cada vez mais
cidadãos tomam consciência dos direitos que a democracia lhes garante e descobrem novas
maneiras de usa-los.
É para você, cidadão, que este livro foi escrito. Não espero que ele lhe desperte nenhuma súbita
paixão pela política. Se isso acontecer, por favor, não me culpe: é porque o interesse já estava aí,
dentro de você, esperando para despertar. Tudo que eu gostaria é que o livro sirva para lembrar
que é bom viver numa democracia, mesmo imperfeita, e lhe dê ideias sobre como fazer a
democracia funcionar melhor a seu favor, das pessoas com quem você se importa e das causas que
acha justas.
Chama-lo de livro é um exagero, por enquanto: são menos de vinte páginas que dá para ler em
uma hora. Espero corrigi-lo e expandi-lo aos poucos, com exemplos e questões relevantes sobre o
assunto de cada capítulo. Suas críticas e sugestões nesse sentido serão muito bem vindas.
Eduardo Graeff
São Paulo, Fevereiro de 2014
Você pode copiar e redistribuir este trabalho em qualquer suporte ou formato, nos termos da
licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Cópia da
licença pode ser consultada em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt.
Você, Cidadão
Sumário
1. Viva a liberdade 3
2. Seja você mesmo 5
3. Ganhe o mundo 7
4. Curta as diferenças 9
5. Defenda-se 11
6. Exerça seus direitos 13
7. Conecte-se 14
8. Saiba mais 16
9. Erga a voz 18
10. Debata 20
11. Delegue, mas fiscalize 22
12. Cresça 24
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1. VIVA A LIBERDADE
Liberdade, essa palavraque o sonho humano alimentaque não há ninguém que expliquee ninguém que não entenda.
Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência
Democracia quer dizer liberdade e voto.
Das duas palavras, liberdade é a que fala mais alto ao nosso coração. Nem todo mundo faz
questão de votar. Muitos preferem passar longe de tudo aquilo que vem junto com o voto: políticos,
partidos, campanhas eleitorais, longos discursos, discussões inflamadas, luta pelo poder. Mas todos
nós damos valor à nossa própria liberdade e em geral respeitamos a dos outros, ou pelo menos
concordamos que deveríamos respeitar.
Ser livre, no sentido mais básico, é não estar submetido a prisão, servidão, violência ou coação
ilegal pelo governo nem por qualquer outro grupo ou indivíduo.
Entender o que é liberdade é fácil quando ela falta. De fato ela ainda é só um sonho para grande
parte da humanidade.
No mundo, hoje, cerca de 10 milhões de pessoas estão presas. A maioria, supõe-se, porque foi
devidamente julgada e condenada por algum crime. Muitas, porém, por alguma falha da justiça, ou
porque não tiveram um bom advogado. Outras, pela simples razão de criticarem o governo – são
presos políticos ou “prisioneiros de consciência”, como os chama a Anistia Internacional.
Faz tempo que a escravidão foi legalmente abolida no mundo, mas cerca de 30 milhões de
homens, mulheres e crianças vivem em cativeiro – escravizados por dívidas, sujeitos a trabalho
forçado, vítimas de exploração sexual.
De 195 países avaliados pela Freedom House em 2011, só 87 foram considerados livres. A maioria
da população mundial vive em países classificados como “parcialmente livres” ou “não-livres”,
tendo em vista o pouco ou nenhum respeito de seus governos pelos direitos dos cidadãos.
Quem vive sob um governo ditatorial ou semidemocrático tem, no máximo, uma liberdade
condicional, precária, que pode ser diminuída ou suprimida a qualquer momento. Todo ano,
milhares de pessoas deixam seu país fugindo da opressão. Milhões ficam e lutam por liberdade.
Muitos morrem lutando todos os dias.
Mesmo em países livres, existem áreas dominadas por grupos criminosos que intimidam e
exploram pessoas indefesas, acobertados pela impotência, negligência ou cumplicidade das
autoridades.
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Opressão, às vezes violenta, faz parte do cotidiano de milhões de mulheres submetidas à
autoridade de seus pais, irmãos e maridos, segundo costumes antigos que ainda prevalecem em
diferentes regiões do planeta.
Se você vive num país livre, a salvo de opressão de qualquer espécie, agradeça sua sorte e
aproveite. Viva a liberdade. Muitos têm que lutar por ela, mas quem luta, afinal, só quer uma coisa:
poder viver em paz.
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2. SEJA VOCÊ MESMO
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros com espírito de fraternidade.
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Ser livre, num sentido mais amplo, é poder fazer o que você quiser, nos limites da lei e do bom
senso.
Liberdade implica direitos iguais. Num país livre, ninguém pode ser legalmente "mais livre" que
os outros. Igualdade de direitos implica, por sua vez, respeito pelas diferenças entre as pessoas.
Cada homem e mulher tem valor como indivíduo, com capacidades e necessidades únicas. Por isso
tem direito de viver sua vida como quiser, desde que não viole o direito dos outros.
Isso pode parecer óbvio, mas é uma tremenda novidade na história humana.
Por milhares de anos, o que as pessoas podiam ou não fazer, dizer e até pensar foi ditado por seu
grupo social – família, tribo, casta, classe, igreja, comunidade – ou mais diretamente pelos chefes
desses grupos. Afastar-se do rebanho para seguir alguma crença, desejo ou projeto pessoal era mal
visto e até arriscado. Lembre-se do triste fim de Romeu e Julieta porque se apaixonaram, passando
por cima da inimizade entre as respectivas famílias.
Liberdade, para os antigos, era algo que se perdia e ganhava em grupo, como o povo judeu
sofrendo e depois escapando do cativeiro no Egito.
O indivíduo livre para pensar e agir diferente do grupo é um ideal moderno. Shakespeare, que até
hoje nos comove com a tragédia de Romeu e Julieta, é considerado um dos inventores dessa ideia.
Dos palcos do teatro para a vida real, ela levou quatrocentos anos e escandalizou muita gente até
ser aceita. Em muitos grupos e lugares, ainda enfrenta resistência.
Você é livre? A pergunta, nos tempos modernos, embute esta outra: você ousa pensar com a
própria cabeça? Ir atrás dos próprios sonhos?
Para ser você mesmo, você não precisa desprezar a opinião dos outros, nem dar as costas a quem
se importa com você. Mas há momentos em que só você pode dizer o que é importante ou
indiferente, certo ou errado, justo ou injusto, feio ou bonito, bom ou ruim para você.
Ser livre, nessas horas, é escolher da melhor maneira que puder, ouvindo sua própria razão e
consciência, com ajuda de Deus, se você tem fé.
Às vezes isso dá medo. Porque, junto com a liberdade, vem a responsabilidade pelas
consequências das nossas decisões, para nós mesmos e para os outros. E as consequências nem
sempre são o que esperamos. Mas é preferível ser responsável pelos próprios acertos e erros do que
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sofrer passivamente as consequências das decisões de outros.
Se você também pensa assim, conhece o gosto doce-amargo da liberdade e tem o que é preciso
para lidar com as possibilidades e dificuldades da democracia.
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3. GANHE O MUNDO
Nossas malas surradas se amontoavam na calçada outra vez; ainda tínhamos muito chão pela frente. Mas não importa, a estrada é a vida.
Jack Kerouac, On the Road
Que faz você se sentir livre? Por mim, eu poderia responder, como os personagens de Kerouac: um
carro com o tanque cheio e uma estrada pela frente.
Outros bichos vão atrás de comida e chances de reprodução. O homem se espalhou pela terra em
busca de comida, parceria e aventura. A curiosidade – a atração pelo desconhecido – é um
sentimento quase tão forte quanto o instinto de sobrevivência na nossa espécie.
Sair à rua sem ser levado por um adulto, viajar sozinho, mudar-se da casa dos pais são marcos do
nosso amadurecimento como pessoa.
Mesmo quem geralmente prefere ficar sossegado no seu canto não gosta de se sentir preso a ele.
O bicho-homem precisa das duas coisas: aventura e segurança, novidade e rotina. Gosta de partir
e gosta de voltar para casa.
Viajar pelo prazer de viajar é um luxo caro. Quem pode, mesmo com dinheiro curto, experimenta.
O movimento de turistas internacionais pelo mundo chega perto de 1 bilhão de desembarques,
segundo a Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas. O turismo doméstico soma bilhões
de viagens por ano.
Para estudantes com boas notas, programas de intercâmbio mantidos por governos e
organizações privadas são uma ótima oportunidade de conhecer outro país sem gastar muito.
Mas a maioria das pessoas viaja mesmo por necessidade: regularmente, entre a casa e o trabalho
ou a escola; eventualmente, de mudança atrás de melhores oportunidades de educação e emprego.
Num mundo onde as oportunidades são escassas e mal distribuídas, a movimentação das pessoas
sofre restrições. Turistas com dinheiro para gastar são benvindos em toda parte. Mas quase todos
os países limitam a entrada de estrangeiros em busca de emprego. Dezenas de milhões de
imigrantes de países pobres vivem em países ricos como cidadãos de segunda classe, discriminados
pela sociedade, maltratados pelas autoridades. Milhares são deportados anualmente.
Por outro lado, governos ditatoriais dificultam a saída dos seus cidadãos, sabendo que muitos não
voltarão e, no exterior, podem engrossar o coro de oposição ao regime.
A China, para conter a migração do campo para as cidades, limita a circulação de pessoas dentro
de suas fronteiras.
A democracia lhe permite circular livremente em seu país e fora dele, desde que você tenha meios
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para isso e outros países o recebam.
A passeio ou a trabalho, por uns dias ou de mudança, longe ou perto, é bom conhecer lugares e,
principalmente, pessoas e culturas diferentes. Descobrir e apreciar as diferenças entre as pessoas
faz de você uma pessoa melhor e um cidadão mais preparado para exercitar outros direitos que a
democracia lhe garante.
Escolha seus caminhos, e vá em frente!
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4. CURTA AS DIFERENÇAS
Quando você pergunta a pessoas criativas como elas fizeram algo, elas ficam meio sem graça porque realmente não fizeram, só enxergaram algo. Depois de um tempo aquilo lhes pareceu óbvio. Isso porque foram capazes de ligar experiências que tiveram e sintetizar coisas novas. E a razão por que foram capazes disso é que tiveram mais experiências ou pensaram mais que os outros sobre suas experiências.
Steve Jobs
Alguns dos lugares mais excitantes do planeta, como metrópoles globais, universidades de ponta,
pólos de indústrias criativas, têm uma coisa em comum: portas abertas para gente de todas as
origens, cores e credos com vontade de experimentar, aprender e empreender.
Você não precisa se mudar para o Vale do Silício para ter acesso a esse mundo. Um computador
ligado à internet ajuda. Saber um pouco de inglês também, enquanto ele funcionar como língua
global.
Mas o principal é: cabeça aberta. A diversidade da experiência humana está em toda parte. É só
ter olhos para ver e imaginação para entender as diferenças.
Por alguma razão o computador pessoal e a internet surgiram num lugar ensolarado e livre como
a Califórnia e não, por exemplo, na Sibéria. As pessoas são mais felizes e criativas quando não
receiam ser discriminadas por causa da cor da sua pele, a comunidade a que pertencem, a fé que
professam, a maneira como amam ou seja o que for que as distinga da maioria. Inovações podem
florescer em climas frios. Em lugares onde grupos, ideias e comportamentos divergentes são
perseguidos, não tem jeito: a criatividade congela.
Buda, Confúcio, Sócrates, Jesus e outros guias espirituais da humanidade deram lições de
tolerância. “Amai-vos uns aos outros” pode se traduzir como: sejam gentis com seus vizinhos.
Reconheçam em cada um deles seu semelhante, por muito diferente que pareça.
Mais fácil dizer do que fazer. Preconceito, desprezo, medo, raiva do estrangeiro, herege,
pervertido, subversivo, traidor, inimigo do povo, ou qualquer nome feio que se dê ao “outro”, têm
sido constantes na história da humanidade. Intolerância leva à violência. Cinco mil anos de história
escrita e muitos milhares mais para trás, segundo os arqueólogos, registram uma sucessão quase
ininterrupta de guerras e massacres.
A democracia é a primeira tentativa bem sucedida de organizar a convivência humana em larga
escala de maneira a reduzir ao mínimo a violência entre pessoas e grupos diferentes. Para isso, ela
abraça a tolerância como um valor moral, como os antigos mestres ensinaram. E faz dela uma
obrigação legal, que é algo novo na história. Países livres têm leis que protegem e cidadãos que
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respeitam grupos, ideias e comportamentos divergentes.
Certos preconceitos são muito fortes; algumas pessoas custam muito a se livrar deles. Às vezes é
preciso usar o bom senso para saber quando desafiar, quando contornar o preconceito dos outros.
Exerça seu direito de ser diferente com cautela – mas exerça! E não perca oportunidade de
mostrar tolerância em relação às diferenças dos outros. Antes de condenar algo ou alguém,
pergunte a você mesmo:
– Será que isso realmente me prejudica?
– Não haverá algo de bonito, certo ou pelo menos compreensível nisso que à primeira vista me
parece totalmente feio, errado ou esquisito?
A vida fica mais fácil, interessante e, às vezes, mais criativa quando vivemos e deixamos os outros
viverem.
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5. DEFENDA-SE
Na primeira noite eles se aproximame roubam uma flordo nosso jardim.E não dizemos nada.Na segunda noite, já não se escondem:pisam as flores,matam nosso cão,e não dizemos nada.Até que um dia,o mais frágil delesentra sozinho em nossa casa,rouba-nos a luz, e,conhecendo nosso medo,arranca-nos a voz da garganta.E já não podemos dizer nada.
Eduardo Alvez da Costa, No Caminho com Maiakóvski
Tolerante não quer dizer submisso. Para respeitar os outros, você não precisa nem deve deixar que
desrespeitem você.
A humanidade ainda não descobriu a cura da tendência de o mais forte – seja mais rico,
poderoso, esperto ou agressivo – abusar do mais fraco. Mas a democracia tem meios de conter os
abusos. O meio básico é a lei, desde que ela seja igual para todos e aplicada com rigor, “doa a quem
doer”.
A polícia e a justiça são braços fortes da lei – aqueles que podem obrigar alguém a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa contra a sua vontade. Isso não as torna em geral muito populares. Mas, em
países livres, sua missão é proteger todos os cidadãos, sua vida e seu patrimônio, sem perseguir
nem favorecer ninguém. Elas são como o hospital ou consultório do dentista: você prefere passar
longe, mas é bom saber que estão lá numa emergência.
O tempo que leva para a polícia atender a um chamado ou a justiça resolver uma demanda são
medidas do bom ou mau funcionamento da democracia para o cidadão comum. Poucos minutos
podem fazer toda a diferença para alguém que precisa da proteção da polícia. A justiça é
geralmente mais lenta. Dizem que ela “tarda mas não falha”. Mas, se tardar muito, acaba falhando
e deixando pessoas à mercê da lei do mais forte.
Há outros braços especializados da lei para defender seus direitos de trabalhador, consumidor,
contribuinte, cliente de serviços públicos e privados etc. Órgãos de fiscalização, agências
reguladoras, tribunais administrativos – a lista é impressionante. A proteção efetiva que eles dão,
nem tanto, nem sempre. Como a polícia e a justiça, eles podem ser lentos demais, ocupados
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demais. Pior, podem ser presa de favoritismo ou corrupção, que são formas de os mais ricos,
poderosos e inescrupulosos torcerem a lei a seu favor.
Por honestos e atentos que sejam os múltiplos braços da lei, uma coisa eles geralmente não
fazem: não se mexem sozinhos. Têm que ser acionados por alguém. Saber qual deles acionar, e
como, aumenta sua chance de ser atendido.
Às vezes isso não é tão óbvio. Quando alguém tenta forçar a porta da sua casa, você liga para a
polícia. Mas o que fazer quando, por exemplo, aparece um débito a mais na sua conta de telefone
ou um crédito a menos no seu salário, e a empresa responsável se recusa a corrigir o erro?
Além de saber a qual autoridade recorrer, é importante fazer isso sem demora. Os advogados têm
um ditado: “O direito não socorre ao que dorme”. Perdeu o prazo, perdeu a causa. Obviamente, o
direito também não socorre a quem desconhece o direito que tem, ou não consegue provar que
tem.
Não perca o sono antecipando abusos, mas não durma no ponto se um abuso ocorrer. Conheça
seus direitos. Na dúvida, procure um advogado. Junte documentos, testemunhas. E recorra a
tempo aos meios que a democracia lhe garante para se defender. Defender-se até mesmo, se for
preciso, da negligência ou má-fé de quem é pago para ser guardião da lei.
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6. EXERÇA SEUS DIREITOS
Toda vez que você estiver em dúvida, ou com o ego inchado, aplique o seguinte teste. Lembre-se do rosto do homem mais pobre e mais fraco que você já viu, e pergunte a si mesmo se o passo que você está pensando em dar vai ter alguma utilidade para ele. Ele vai ganhar alguma coisa com isso? Isso vai devolver-lhe algum controle sobre sua própria vida e destino? Em outras palavras, isso vai contribuir para a emancipação dos milhões de famintos e espiritualmente carentes? Então você verá suas dúvidas e seu ego se dissolverem.
Mahatma Gandhi
Pouco vale ser livre mas faminto, doente, analfabeto, sem emprego nem teto. A miséria priva as
pessoas da capacidade de controlar sua própria vida. Sem isso, que resta da liberdade?
Um país livre e democrático não se limita a reconhecer teoricamente os direitos de seus cidadãos.
Também lhes dá – ou tenta dar – condições básicas para exercer efetivamente esses direitos. Isso
inclui cuidar da saúde de todos, educar os jovens, ajudar os desempregados e incapacitados e
garantir aposentadoria para os velhos.
A lista de direitos sociais varia conforme o nível de renda e a história de cada país. Os países
escandinavos (Suécia, Dinamarca, Noruega), ricos e especialmente preocupados com a igualdade,
são o modelo acabado de “estado de bem-estar”, que cuida bem das pessoas do começo ao fim da
vida. Outros países ricos se aproximam, uns mais, outros menos, desse ideal.
Países pobres e emergentes lutam para, pelo menos, livrar seu povo da miséria. O número de
pessoas em situação de extrema pobreza no mundo tem diminuído mas ainda é imenso: 1 bilhão,
ou 1/7 da humanidade, segundo o Banco Mundial. Alguns países têm conseguido bons resultados
com pequenos auxílios em dinheiro para os mais carentes, como a “bolsa-família” do Brasil.
O estado de bem-estar valoriza tanto a independência das pessoas quanto a solidariedade entre
elas. Prepara-as para garantir o próprio sustento e as apóia na adversidade. Quanto mais êxito tiver
no primeiro, menos precisará gastar no segundo.
Em países livres mas muito desiguais, como Brasil, Índia, África do Sul, tudo isso ainda é mais
promessa que realidade. Cidadãos conscientes e exigentes dos seus direitos, no entanto, podem
aproximar a realidade da promessa.
Os direitos sociais não são um favor do governo nem de qualquer político ou funcionário. São
exatamente o que o nome diz: direitos. Benefícios garantidos por lei, custeados pelos impostos que
você e todos pagam.
Lembre-se disso ao matricular seu filho ou você mesmo numa escola pública, procurar
atendimento num hospital público, requerer seguro-desemprego ou aposentadoria. Saiba
exatamente quais são os benefícios a que você tem direito. E não se acanhe de reclamar se não for
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7. CONECTE-SE
Se vocês querem melhores salários, eu lhes digo o que fazer;Falem com seus colegas na fábrica;Organizem um sindicato, fortaleçam-no,Se todos se unirem, então, não demora.Vocês vão conseguir menos horas de trabalho,Melhores condições,Férias remuneradas,Levem seus filhos à praia.
Pete Seeger, Talking Union
Para exercer seus direitos e alcançar seus objetivos, você conta, em primeiro lugar, com seu próprio
esforço e inteligência. Mas não esqueça: a união faz a força. Há coisas que uma pessoa sozinha não
consegue. Há coisas que pode conseguir mais e antes unida a outras pessoas.
Cada um de nós tem sua rede pessoal de família, amigos, vizinhos, colegas, conterrâneos, igreja.
Você sabe como é importante poder contar com o apoio deles. Uma rede de relações ampla e
variada aumenta sua capacidade de resolver problemas. Uma das piores coisas da vida é se ver
sozinho, sem ter a quem pedir ajuda numa hora difícil.
A democracia lhe permite reforçar sua rede social com outros laços importantes. Com
trabalhadores do mesmo ramo de atividade, por exemplo.
Nas fábricas enfumaçadas do começo do século XIX, um operário trabalhava 12 horas ou mais
por dia, seis ou sete dias por semana, por um salário de fome, sem direito a férias nem
aposentadoria. O sindicato foi o grande instrumento de luta para mudar essa situação. O próprio
direito de organizar sindicatos e reivindicar melhorias foi conquistado com muita luta, que custou
o emprego, a liberdade e, no limite, a vida de muitos trabalhadores.
Mesmo em países democráticos, como os Estados Unidos, greves foram duramente reprimidas
até meados do século passado. Em países não-democráticos, elas são reprimidas até hoje;
sindicatos, quando permitidos, são controlados pelo governo ou pelo partido no poder.
Na medida em que reivindicações básicas dos trabalhadores viraram direitos, os sindicatos
perderam importância. Hoje, na maioria dos países, menos de 1/3 dos trabalhadores é
sindicalizado.
Ao mesmo tempo, multiplicaram-se organizações em defesa de outras causas: direitos dos
consumidores, preservação do meio ambiente, igualdade de oportunidades para as mulheres e
minorias desfavorecidas, melhorias dos serviços públicos e assim por diante.
Seja qual for sua preocupação, do buraco na rua ao aquecimento do planeta, é mais que provável
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que haja outras pessoas e organizações pensando e querendo o mesmo que você. A internet ajuda a
encontra-las, onde quer que estejam.
A conexão faz a força. Redes virtuais, como Facebook e Twitter, são uma forma divertida de
compartilhar experiências e informações com seus amigos. Mas podem ser mais que isso: um meio
poderoso de ampliar sua rede social real, aumentar sua capacidade de exercer seus direitos e
alcançar seus objetivos.
Leis e instituições democráticas são importantes mas não são tudo. A democracia funciona
melhor quando os cidadãos são capazes de se unir e agir organizadamente por seus objetivos
comuns, seja diante do governo, seja de outros grupos e organizações poderosas.
Use suas liberdades de reunião e associação para dar e receber apoio de outras pessoas com os
mesmos interesses. Assim você fortalece a democracia e a você mesmo como cidadão.
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8. SAIBA MAIS
Nos tempos antigos, aqueles que sabiam praticar o Tao não o usavam para esclarecer o povo, mas sim para mante-lo na ignorância. A dificuldade de governar as pessoas vem de elas terem conhecimento demais.
Lao Zi
A árvore da liberdade não se dá bem na sombra; precisa da luz do conhecimento para crescer e
florescer. A ignorância é uma prisão invisível, sem paredes, mas também sem janelas. Saber e,
principalmente, ser capaz de aprender coisas novas alarga o horizonte daquilo que você pode
querer e fazer.
Informação é a matéria-prima do conhecimento. A democracia garante seu direito de dar, buscar
e receber informação por todos os meios. Protege – ou deveria proteger – o sigilo da sua
comunicação privada por carta, telefone e internet. Manda o governo a publicar toda informação
relevante sobre suas próprias ações e decisões. E estende essa obrigação a empresas e outras
organizações privadas que detêm informações de interesse público.
A mãe do direito à informação é a liberdade de imprensa. No passado, ela se referia à divulgação
de notícias e opiniões por meios impressos propriamente ditos, como panfletos, jornais, revistas e
livros. Hoje, inclui a transmissão de informação por meios eletrônicos, como rádio, televisão e
internet.
Para a democracia, liberdade de imprensa é tão fundamental quanto eleições livres. Ditaduras
podem até ter eleições, mas não toleram imprensa independente. Com os meios de comunicação
sob seu controle, é mais fácil para um ditador encenar eleições sem risco de perder.
Em 2012, apenas 14% da população do planeta viviam em países com imprensa livre, e outros
43% em países com imprensa parcialmente livre, de acordo com a Freedom House.
Ditaduras suprimem a liberdade de imprensa violentamente, fechando meios de comunicação ou
censurando seu conteúdo. Governos semi-democráticos usam seu poder financeiro e outras formas
de pressão para garantir apoio e silenciar a crítica dos meios de comunicação.
Liberdade não combina com monopólio. Se você tem acesso a uma única fonte de informação, só
vai saber das notícias que ela der, do jeito que der. Para estar bem informado, é importante ter
fontes diferentes e independentes e, na dúvida, checar umas com as outras. Países democráticos
geralmente têm leis para evitar que uma ou poucas empresas controlem os principais meios de
comunicação.
Ouvir somente notícias e opiniões que confirmam aquilo em que você acredita pode ser cômodo,
mas não é inteligente. Informações erradas ou tendenciosas dificilmente levam a decisões certas.
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Ouvir o outro lado não é só uma questão de justiça, mas de bom senso.
A internet dá acesso instantâneo a uma vasta quantidade de informação sobre qualquer assunto,
de qualquer lugar do planeta. E, diferentemente dos meios de comunicação mais antigos, é uma via
de mão dupla: permite a qualquer pessoa transmitir informação com uma velocidade e amplitude
que antes eram exclusivas de grandes redes de rádio e televisão. Para governos ditatoriais, isso é
uma ameaça. Mesmo governos democráticos ainda não sabem bem como lidar com o poder que a
internet dá ao cidadão comum.
Na era da internet, informação é o que não é falta. O difícil, muitas vezes, é selecionar e entender
o que lhe interessa no meio da imensidade de informações ao alcance de um clique.
Para transformar informação em conhecimento é preciso, no mínimo, saber ler e escrever. Cerca
de 16% da população adulta do mundo são analfabetos. A porcentagem de analfabetos funcionais,
que soletram palavras mas não conseguem entender nem escrever textos simples, é ainda maior,
mesmo em alguns países desenvolvidos. Para eles, as portas da aquisição de conhecimento
permanecem fechadas, ou no máximo entreabertas. Esse é o maior obstáculo à igualdade de
oportunidades que a democracia promete.
Use bem, e sempre, os meios e capacidades que você tem para obter informação, checa-la e
transforma-la em conhecimento.
Seu poder como cidadão aumenta na razão direta da informação que você domina, multiplicada
pelas pessoas e grupos com quem você se conecta.
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9. ERGA A VOZ
Se liberdade significa realmente alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir.
George Orwell
Você já deve ter visto essa cena no cinema: nos Estados Unidos, a polícia, quando prende um
suspeito, deve informa-lo que ele tem direito de permanecer em silêncio para não se
autoincriminar.
Há outras situações, menos dramáticas, em que o direito de calar é mais importante que o de
falar. Quem sempre fala tudo que pensa é um tolo. Mas quem nunca abre a boca não é ouvido
quando precisa.
A democracia lhe permite expressar livremente suas demandas, reclamações e opiniões, com a
ressalva de sempre: desde que suas palavras não violem o direito dos outros.
Quando o governo se faz de surdo, o cidadão comum precisa falar mais alto. O grito dos
governados serve para lembrar o governante democrático das suas promessas e obrigações, que o
exercício do poder às vezes leva a esquecer. Da mesma forma, os ricos e poderosos precisam
eventualmente ser lembrados que não estão acima da lei.
Os meios de comunicação são os alto-falantes da sociedade moderna. Nada como uma onda de
matérias negativas no rádio, televisão, jornais e revistas de grande circulação para conter a
arrogância de uma pessoa ou empresa poderosa, ou acordar um governante desatento.
Governos, empresas e pessoas poderosas têm acesso mais ou menos fácil aos meios de
comunicação. É um caso de ovo e galinha: eles têm acesso aos meios de comunicação porque são
poderosos, e são poderosos porque, entre outras coisas, têm acesso aos meios de comunicação.
Você, cidadão comum, que não tem a mesma facilidade para se fazer ouvir, pode ganhar espaço
nos meios de comunicação se for personagem ou testemunha de alguma história impactante. Se
não for, tem pelo menos duas alternativas.
Primeiro, você pode somar sua voz à de movimentos e organizações interessados na mesma
causa. As formas de conseguir audiência variam: mensagens para autoridades ou para os próprios
meios de comunicação, abaixo-assinados, manifestações de rua. Nem sempre é preciso reunir
multidões nem fazer discursos. “Uma imagem vale mais que mil palavras”. Atos de protesto,
mesmo de poucas pessoas, podem gerar imagens com forte impacto na mídia. Há alguns anos,
cenas de ativistas da Greenpeace em lanchas tentando impedir barcos muito maiores de caçar
baleias se espalharam pelo mundo, chamando atenção para a causa da preservação da natureza.
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Segundo, você pode usar a internet. Por ser um meio de comunicação de mão dupla, que serve
para receber e transmitir informação, a internet é cada vez mais importante para divulgar causas e
mobilizar pessoas. Nenhum governo ou grupo privado é tão poderoso que consiga ignorar uma
reclamação quando ela se espalha feito vírus por e-mail e nas redes sociais. Se a causa for relevante,
apresentada de uma forma que fale à razão e/ou à emoção das pessoas, pode atrair milhões de
apoiadores, sem ter necessariamente por trás nenhuma organização permanente. Isso acaba
chamando atenção dos outros meios de comunicação, o que realimenta a repercussão na internet.
As alternativas não são excludentes. Para ter mais chance de ser ouvido, você pode apostar nas
duas: unir-se a movimentos e organizações existentes, e usar a internet para engrossar ou começar
um movimento a favor de uma causa importante para você.
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10. DEBATA
Não posso ensinar nada a ninguém. Só posso faze-los pensar.
Sócrates
Você pode ser mais um apoiando uma causa, e isso é importante. Agora, se quiser influenciar mais
o curso das ações a favor dessa causa, vai precisar fazer mais que simplesmente dizer sim ou não.
Vai ter que estar preparado para expor e defender suas ideias para os outros interessados.
As cidades da Grécia antiga que inventaram a palavra e a prática da democracia tinham uma
praça, chamada “ágora”, onde todos os cidadãos podiam discutir e votar diretamente assuntos do
governo da cidade. Isso seria praticamente impossível hoje, em países ou mesmo cidades com
milhões de habitantes. Ainda que houvesse espaço para reuni-los, não se descobriu como organizar
discussões com tanta gente. Pela internet, talvez, mas por enquanto isso é só uma ideia.
A democracia moderna é representativa: as decisões do governo não são tomadas diretamente
pelo povo, mas por seus representantes eleitos. Isso não nos impede de discutir assuntos de
interesse comum com familiares, vizinhos, amigos, colegas, membros da igreja etc. Acrescente a
isso múltiplos fóruns de discussão sobre os mais variados assuntos na internet, e é como se
tivéssemos acesso, não a uma, mas a várias ágoras.
Discussões informais entre amigos podem ser divertidas ou chatas, calmas ou inflamadas,
esclarecedoras ou confusas, mas não têm que ser necessariamente conclusivas. Se o objetivo da
discussão, no entanto, é chegar a alguma conclusão prática, convém seguir certas regras: esperar
sua vez de falar, não falar demais para dar vez aos outros, manter-se dentro do assunto em
discussão, não ofender nem provocar gratuitamente quem pensa diferente etc. Uma discussão
assim pode ser chamada de debate, para diferenciar do mero bate-papo.
A democracia pode ser definida como governo pelo debate, mais até que pelo voto. Como o
debate livre deixa as divergências entre as pessoas aparecerem, as decisões da democracia muitas
vezes parecem confusas e são, em geral, mais demoradas. Está longe de ser uma forma de governo
perfeita. Mas ainda não se inventou nada melhor que o debate para homens e mulheres livres
buscarem soluções razoáveis para seus problemas comuns.
Numa ditadura, o chefe supremo não precisa ouvir ninguém antes de decidir seja o que for; só
ouve se quiser, a quem quiser. A experiência mostra que essa é uma forma de governo imbatível
para tomar decisões rápidas. O problema é que essas decisões são quase sempre injustas,
frequentemente desastradas e difíceis de voltar atrás.
Debater não é só falar: é principalmente ouvir. Quem sabe ouvir e entender os outros tem mais
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Você, Cidadão
chance de ser ouvido e entendido.
Saber ouvir é uma aplicação do princípio democrático da tolerância. Ele supõe que as opiniões
dos outros, por muito diferentes que sejam das minhas, podem conter um grão de verdade, e que
esse grão pode servir de base para chegarmos a algum acordo, ainda que parcial.
Não é preciso ser político para exercitar a arte do debate. Pratique-a você também, sempre que a
ocasião se apresentar. Ouça com boa vontade as opiniões dos outros, tentando entender as
preocupações deles, e exponha as suas com tranquilidade. Disponha-se a ceder um pouco para
chegar a um meio-termo aceitável, mesmo que não seja o ideal para você.
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Você, Cidadão
11. DELEGUE, MAS FISCALIZE
Quando não se colocam limites aos representantes do povo, eles não são defensores da liberdade, mas candidatos à tirania.
Benjamin Constant
Então chega o dia da eleição e você talvez se pergunte:
– Por que me dar ao trabalho? Se a democracia me garante a liberdade, não sou livre para
escolher não votar?
De fato, você é. Em países onde o voto é opcional, como os Estados Unidos, o não-
comparecimento pode chegar perto dos 50% do eleitorado. Mesmo em países onde o voto é
obrigatório, como o Brasil, a penalidade para quem não comparece às urnas é em geral simbólica,
como uma pequena multa.
Se você quer razões para votar, em todo caso, aqui vai uma importante: eleição é sua chance de
mudar pacificamente um governo que você desaprova, ou manter um que você aprova. Essa é uma
vantagem da democracia: ela prevê e facilita a alternância no poder. Em regimes não-
democráticos, sem eleições limpas, mudar de governo é uma operação arriscada, que passa
frequentemente por conspirações, golpes de estado, levantes populares, conflitos sangrentos,
espalhando insegurança e prejuízos por toda a sociedade.
Quem passa muito tempo no poder começa a se achar seu dono; acaba ficando acomodado ou
prepotente, ou ambos. Ter prazo certo para disputar eleições faz o governante lembrar suas
obrigações para com os governados. Quando a maioria está insatisfeita, pode votar na oposição.
Um governo pelo menos passável tem chance de continuar, ainda mais se a oposição não
apresentar candidatos que pareçam capazes de fazer melhor.
Na prática, as pessoas escolhem um candidato por motivos variados, dos mais razoáveis aos mais
tolos. Isso não faz diferença na hora de contar os votos. Uma regra fundamental da democracia é:
“um homem (ou mulher), um voto”. Todos os cidadãos são iguais diante da urna.
Uma boa escolha pode fazer diferença, porém, na hora que o candidato eleito assume o cargo. O
voto é uma espécie de procuração que você passa para alguém manejar recursos que você e todos
os cidadãos entregam ao governo por meio dos impostos. É você quem acaba pagando pelos erros
de um “procurador” ou representante mal escolhido.
Para evitar decepções, convém fazer algumas perguntas básicas sobre qualquer candidato:
– Ele merece minha confiança? Tem boa reputação?
– Tem experiência e competência compatíveis com o cargo que quer ocupar?
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Você, Cidadão
– Suas crenças e opiniões são parecidas com as minhas?
– Suas propostas atendem às minhas necessidades e preocupações?
As perguntas valem tanto para candidatos ao Executivo (prefeito, governador, presidente) como
ao Legislativo (vereador, deputado, senador).
Mesmo quem preenche os requisitos para o cargo pode sair da linha se não tiver que prestar
contas a ninguém. A democracia parte do princípio que todo governante é falível, como qualquer
ser humano. Por isso, evita que um só indivíduo ou grupo concentre todo o poder. Divide-o entre
vários ramos do governo (Executivo, Legislativo, Judiciário) e manda uns controlarem os outros.
Mas ninguém melhor que você mesmo, cidadão-eleitor, para fiscalizar aqueles a quem você deu
seu voto (ou não deu, mas que assumem obrigações para com todos os cidadãos quando são
eleitos).
Cada uma das liberdades e direitos que discutimos antes servem para isso, entre outras coisas.
Permitem a você dizer alto e claro aos seus representantes o que você espera deles; conferir o que
fizeram e deixaram de fazer no exercício do cargo; aplaudir quando acertarem e reclamar quando
forem incompetentes, negligentes ou desonestos.
Você não precisa nem quereria, suponho, viver metido em reuniões, assinando petições,
participando de manifestações públicas. Para exercer seu papel de cidadão-eleitor, no entanto, você
precisa se dispor a fazer isso às vezes, na hora certa, quando sentir que sua voz pode ajudar a
estimular o governo da sua cidade, região ou país a fazer a coisa certa, ou dissuadi-lo de fazer a
coisa errada.
E se o governo, mesmo assim, não ouvir ou for incapaz de responder? Não desanime: espere a
próxima eleição e vote para manda-lo embora.
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Você, Cidadão
12. CRESÇA
A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.
Winston Churchill
Liberdade e voto são bons mas não enchem barriga.
Mesmos países ricos com tradições democráticas sólidas têm problemas de pobreza,
desigualdade, desemprego, desamparo, inflação, poluição, doenças, drogas, crime, violência.
Em muitos países, as próprias instituições democráticas têm problemas graves de corrupção,
abuso de poder, discriminação de grupos e regiões, paralisia das decisões, eleições tumultuadas,
apatia dos eleitores.
De fato, a democracia está longe de ser um remédio mágico para os males da política e da
sociedade. A pergunta é: você a trocaria por outra forma de governo que prometa resolver esses
problemas?
Em tempos de crise econômica ou instabilidade política, o apoio à democracia diminui. Mesmo
em circunstâncias mais normais, o nível de confiança nos políticos, partidos e parlamentos tende a
ser baixo.
Apesar disso, pesquisas mostram que a maioria das pessoas, em diferentes partes do mundo,
concordaria com Churchill: prefere viver numa democracia, com todos os seus defeitos e
limitações.
Há pelo menos duas razões para essa preferência. Primeiro, se governos democráticos não são
necessariamente melhores para promover o crescimento econômico, são em geral melhores para
cuidar das pessoas. Quando se descuidam, a cobrança da oposição, da imprensa e da sociedade os
obriga a pelo menos tentar fazer melhor. Governos não-democráticos, imunes a esse tipo de
cobrança, ignoram mais facilmente as aflições de seu povo. Na China de Mao Tsé-Tung, milhões
morreram de fome entre 1958 e 1961, sem que o governo nem o povo tomassem conhecimento da
catástrofe em toda sua extensão.
Segundo, as pessoas preferem viver numa democracia porque se sentem mais respeitadas, além
de mais seguras e apoiadas. A história registra exemplos – raros, é verdade – de tiranos
benevolentes com seu povo. Mas só a democracia trata seus cidadãos como agentes livres, com
inteligência e autonomia para definir seus próprios objetivos e tomar suas próprias decisões. A
diferença não está só nem tanto no que o governo faz ou deixa de fazer. O mais importante é o que
a democracia permite a você, cidadão, fazer por você mesmo, pelas pessoas com quem você se
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Você, Cidadão
importa e pelas causas que acha justas.
Não abra mão da sua liberdade em troca de promessas que depois você não terá chance de cobrar
de um governo não-democrático.
A democracia é uma forma de convivência pacífica entre homens e mulheres imperfeitos. Exerça
os direitos que ela lhe assegura com tranquilidade e amor ao próximo. Cada gesto de tolerância e
solidariedade que você fizer para um concidadão, ou receber dele, é um passo a mais da sua
comunidade na longa estrada da civilização, deixando a violência para trás.
A democracia é uma aposta na nossa capacidade de aprender com os próprios erros. Use as
oportunidades que ela lhe oferecer com ousadia e criatividade para superar seus próprios limites,
vencer obstáculos, resolver problemas e crescer como pessoa. Crescer, principalmente, na
qualidade e variedade dos pensamentos, sentimentos e experiências que puder compartilhar com
outras pessoas.
A democracia é uma das mais belas invenções da humanidade. Uma forma de governo imperfeita,
às vezes instável, mas flexível e sempre possível de melhorar. Aproveite o que ela tem de bom e
retribua. Nossos filhos e netos agradecerão o que fizermos, como cidadãos ativos, para preservar e
enriquecer essa herança para eles.
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