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O TRIBUTO COMO AMEAÇA: A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA PERCEPÇÃO SOCIAL BRASILEIRA, ATRAVÉS DA ANÁLISE DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA E SUA CONEXÃO COM A ATUALIDADE. *Eric Fernando Mendes Conceição 1 1) Introdução A doutrina contemporânea do Direito Tributário nacional é unânime em definir o que vem a ser o tributo. De acordo com Ricardo Lobo Torres, um dos grandes tributaristas nacionais, o tributo é conceituado como “[...] o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição” (TORRES, 2003, p. 334). Embora não previsto sua conceituação em nossa Constituição de 1988, o legislador infraconstitucional elaborou seu parâmetro interpretativo, através do Código Tributário Nacional, que preceitua em seu artigo 3º: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda 1 Mestrando em Direito Constitucional pelo Programa de Pós- Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (PPGDC-UFF). 1

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O TRIBUTO COMO AMEAÇA: A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA

PERCEPÇÃO SOCIAL BRASILEIRA, ATRAVÉS DA ANÁLISE DA

INCONFIDÊNCIA MINEIRA E SUA CONEXÃO COM A ATUALIDADE.

*Eric Fernando Mendes Conceição1

1) Introdução

A doutrina contemporânea do Direito Tributário

nacional é unânime em definir o que vem a ser o tributo. De

acordo com Ricardo Lobo Torres, um dos grandes

tributaristas nacionais, o tributo é conceituado como

“[...] o dever fundamental, consistente em prestação

pecuniária que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob

a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade

contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade do

grupo e com a finalidade principal ou acessória de obtenção

de receita para as necessidades públicas ou para atividades

protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o

fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência

específica outorgada pela Constituição” (TORRES, 2003, p.

334). Embora não previsto sua conceituação em nossa

Constituição de 1988, o legislador infraconstitucional

elaborou seu parâmetro interpretativo, através do Código

Tributário Nacional, que preceitua em seu artigo 3º:

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda

1 Mestrando em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense(PPGDC-UFF).

1

ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada.” (BRASIL,

Lei 5.172/1966, art.3º). Assim, de acordo com a conjunção

dos ditames legais e doutrinários, podemos aferir que, por

via do tributo, o cidadão concorre para a manutenção do

Estado, assim como deve ter seus direitos fundamentais

velados pela atuação da Administração Fazendária.

A não correspondência do tributo como ato

sancionatório de ato ilícito é uma primazia do Estado

Democrático de Direito. Por via desta previsão, o cidadão

fica protegido de quaisquer interferências do Estado em

realizar a tributação como meio de perseguição ou mesmo

macular a atividade fazendária, que se dirige, unicamente,

para o sustento do Estado. Propõe-se que a atividade

tributária tenha como fator gerador, em primeira ou última

instância, a renda do contribuinte; não havendo a mera

possibilidade de quantificação da capacidade contributiva

por via de aspectos pessoais-morais do contribuinte, ou até

de uma ferocidade do Estado dirigida àqueles que descumprem

suas normas refletindo, nesse sentido, o quantus do tributo

devido.

No entanto, quando se adentra na realidade social

brasileira, observa-se que o tributo não é plenamente

entendido como uma concorrência do cidadão para a própria

viabilidade financeira do Estado. Não há uma receptividade,

uma cultura tributária que faça a maioria da população

entender que pagar tributo é, também, um exercício de

2

cidadania. Comumente o tributo, muito contribuído pela

complexa e ferina atuação da tributação nacional, é

socialmente sentido como um ato negativo, sancionador; que

não apenas limita o exercício das liberdades individuais,

mas adicionalmente pouco reflete a emergência de um Estado

democrático. Em outros termos, seu pagamento é percebido

como um ato não opcional, mais próximo do poder de um

Estado autoritário, que preconiza o não questionamento de

suas ordens.

É este sentimento socialmente compartilhado do tributo

como atividade abusiva e constrangedora do Estado que se

propõe estudar. Observaremos que o mesmo não é

característico, apenas, das reflexões do brasileiro

contemporâneo, porém assume uma historicidade que pode ser

encontrada desde nosso período colonial. Para tanto,

faremos uma análise da principal revolta colonial

tributária, a saber a Inconfidência Mineira, e como tal

sensação de manipulação e violência do Estado, a pretexto

da tributação, recepciona o imaginário brasileiro desde

períodos históricos longínquos e ainda se verifica na

atualidade.

1) A Inconfidência Mineira, o Quinto e a Derrama comoabusividade da Monarquia Portuguesa

3

A Inconfidência Mineira deve ser entendida como um

cenário em que diversas tramas e interesses estavam em

cena. Diferentes personagens, pertencentes aos mais

diversos setores formantes da sociedade mineira colonial,

assim como seus interesses pessoais e de grupo, que ora

convergiam com outros atores, ora divergiam entre si, devem

ser compreendidos a fim de realizar uma configuração

verossímil da revolta. É a compreensão que, como fato

histórico, diferentes facetas são construtoras da realidade

da rebelião e de como seu percurso e fracasso foram

intimamente influenciados por estas.

A sociedade aurífera colonial foi marcada pela

ascensão de uma elite política e econômica que direcionava,

com certa permissividade da Coroa portuguesa, as dinâmicas

locais. Seus privilégios eram centralizados no cotidiano da

vida mineira, refletindo-se perante os poderes locais, que

muitas vezes revelaram ser as escolhas políticas, meros

interesses pessoais dos “magnatas do ouro”. A vida política

mineira era assim o cenário ideal para a observação da

prevalência de interesses privados encastelados nas

estruturas administrativas e de como uma “elite” aurífera

se fez preponderante na vida da Capitania das Minas Gerais

(AZEVEDO, 2005, p. 2).

O cenário político da capitania em questão era

marcado, além da personalização da administração local, por

um forte jogo de relações sociais. A dinâmica da vida

política era enaltecida pela existência de uma densa rede

de relações de amizade e parentesco, que fazia com que os

4

atores políticos se vissem intimamente entrelaçados. Redes

de clientelismo eram típicas no Brasil colonial, no qual se

enveredavam nas estruturas sociais e, também, refletidas no

poder mineiro, criando um grupo poderoso formalmente

homogêneo.

A nomeação de um novo governador da capitania pelo

poder real foi o estopim para a reorganização das elites

mineiras. Com a chegada de Luís da Cunha Meneses ao cargo,

a administração local sofreu um novo arranjo, que teve como

consequência a substituição de homens componentes da então

elite da capitania por outros de confiança do novo

governador. A perda de prestígio e de influência dos

antigos “senhores das minas” ensejou um amplo

descontentamento, provocando reações diversas.

Sem o amparo do poder que os protegia e os privilégios

sendo transferidos para partidários de Cunha Meneses, o

outrora poder local se viu insatisfeito e incapaz de

realizar a interferência política necessária para fomentar

a tolerância de Portugal com os impostos atrasados. O medo

se alastrava, não apenas entre os setores mais abastados,

como também entre a população local, de que o governador e

sua rede clientelista agora formalizada na Administração,

seriam o elo para a cobrança temida. Porém, este medo não

se realizou, sendo apenas cobrados os tributos de pequena

monta devidos (AZEVEDO, 2003, p.6).

5

Com a substituição de Marques de Pombal2 do comando

efetivo do reino português por Martinho de Melo e Castro,

um novo posicionamento foi adotado pela Coroa quanto às

dívidas oriundas das regiões auríferas. O entendimento

contumaz do reino era a necessidade de cobrança dos

impostos atrasados, concordando que a queda de arrecadação

que se verificava correspondia ao aumento do contrabando,

graças à permissividade dos governos locais. Fazia-se

necessário agir, conter os desvios tributários locais e

conformar a colônia mineira com sua obrigação pecuniária.

A posse do novo governador Luís Antônio Furtado de

Mendonça- o Visconde de Barbacena, substituto de Cunha

Meneses, efetivou os desejos reais. Ficou a seu cargo

“moralizar” a tributação da Capitania, combater o

contrabando e a cobrança das dívidas quanto ao “Quinto” e,

se necessário, proclamar a “Derrama” para que os súditos

cumprissem seus deveres para com o Reino. A partir de

então, um novo posicionamento das autoridades locais foi

instituído, levando o medo e o terror das cobranças para

toda a população das Minas Gerais.

O Quinto representava o imposto específico na qual

todo o ouro produzido das regiões auríferas deveria ser

retido em 20% para seu pagamento. Para a efetividade de tal

cobrança, foram reativadas as Casas de Fundição pelo Alvará

de 3 de setembro de 1750, que instituía também a proibição

2 Embora tenha sido no governo do Marques de Pombal que seinstituiu o Alvará de 1750, que previa o retorno do quinto e daderrama, foi em seu sucessor, Martinho de Melo e Castro que houve umposicionamento mais veemente da Coroa Portuguesa quanto às cobrançasdos tributos atrasados.

6

de circulação do ouro “in natura”, quer dizer, o ouro em

pó. Ou seja, houve a estratégia real de tornar obrigatório

o ouro fundido, no qual, reflexamente, se exigia seu envio

prévio às Casas de Fundição e assim potencializava a

cobrança tributária.

Em regra, as câmaras municipais das regiões mineiras,

apresentavam-se a favor da justiça da cobrança do Quinto,

que tinha como base contributiva o valor arrecadado por

cada mineiro. Sua intenção era a substituição do sistema

tributário da Capitação, mal quisto, no qual o valor do

tributo pessoal era definido de acordo com a quantidade de

escravos de cada mineiro, que levou diversos componentes

sociais à miséria. O descontentamento, no entanto, se

fomentou, uma vez que se direcionava pelo terror advindo,

com a também previsão no mesmo alvará, da Derrama. O

abrupto meio de cobrança deste imposto realçava às

percepções da população mineira quanto a dilaceradora e

despótica ação do Governo Real para com seus colonos

(COHEN, 2010, p. 5998).

A Derrama foi instituída pelo Reino Português como

meio tributário autoritário de cobrança dos tributos

vencidos. A crença da Coroa de que o contrabando e

ilicitude dos colonos em sua obrigação de súditos de enviar

o imposto do Quinto à Coroa era uma realidade e que

precisava ser contornada. A quantidade global de

arrecadação vinha caía continuamente e, diferente da

percepção dos mineiros locais de que tal era fruto da

diminuição da própria exploração aurífera que se

7

direcionava ao esgotamento, para a Coroa portuguesa esta

era consequência da permissividade dos poderes locais (DA

SILVA, 2003, p. 205).

Para tanto, a derrama se identificou como uma cobrança

total baseada na estimativa de envio de cem arrobas de ouro

como forma de pagamento, pelos vassalos, dos direitos reais

de extração. O que se propunha era um pagamento estanque,

presumido, no qual cada uma das 4 sedes da capitania teria

este percalço, não se captando as reais capacidades

exploratórias das regiões mineiras. Assim, quando não fosse

atingido a obrigação, constituía-se a dívida real, que era

o fato gerador da derrama. Em outros termos, um verdadeiro

contrato de risco no qual as câmaras municipais das regiões

mineiras assumiam o risco: se atingissem uma exploração

maior que a devida; ganhavam; se fosse aquém do exigido,

endividavam-se e justificam a atuação da Derrama pelas

autoridades locais (GASPAR, 2010, p.52).

Diferentemente das concordâncias e sensação de

“justiça” da cobrança do quinto, auferida de acordo com a

capacidade de contribuição de cada mineiro, a derrama

revelava a desproporcionalidade de atuação monárquica. Sua

cobrança era tida como avassaladora, uma vez que

representava o confisco direto sobre os bens da população,

desprezando-se a real situação das minas, os descaminhos do

ouro e o endividamento dos mineiros (CONHEN, 2010, p.

5998). Neste sentido, diversas foram as reclamações

oriundas das comarcas mineiras, representativas dos

interesses dos colonos locais, quanto à sua existência,

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buscando, então, dialogar com os representantes do Poder

Real acerca da sua inconveniência e o terror sócio-

psicológico que causava. Podemos observar a Representação

da Câmara de Vila Rica, principal comarca dos tempos áureos

da exploração mineira e, quando escrita, em 24 de abril de

1751, em pleno declínio, objetivava opinar acerca da melhor

forma de tributação (que ao seu ver, era por meio da

tributação sobre a circulação de mercadoria) e de como a

derrama tornou a vida na comarca insegura, de acordo com

estudos realizados por Marilda Santana da Silva:

Dessa forma, nas duas primeirasdécadas da crise aurífera, a desgraça queameaçava assolar os habitantes das Minasnão passou despercebida aos camaristas deVila Rica. Nesse período, iniciam-se asqueixas ao sistema tributário como umtodo, o que pode ser apreendido dasrepresentações escritas pelos oficiais daCâmara de Vila Rica. Tanto o quinto comoos impostos extraordinários (subsídiosvoluntários) foram objeto de atenção doscamaristas que, analisando-osindividualmente, podiam argumentar commais clareza sobre a política fiscalfadada ao insucesso pelas contradições queela mesma gerava. Se não se avolumassemtantas cobranças e se não fosse precisopagar o quinto, o dízimo, as entradas, aspassagens e os subsídios voluntários,talvez a arrecadação sobre o ouroestivesse em melhor condição. O Senado daCâmara de Vila Rica e as várias outrascâmaras da Capitania questionavam aimposição da derrama e a tributação doouro a partir de uma cota preestabelecida.Para os camaristas de Vila Rica, o maiscorreto seria pagar pelo ouro "que sairanualmente da terra, sem que fiquemos

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sujeitos à quota certa, como sucede àsdemais Capitanias". No entanto, énecessário destacar que, em 1750, quandofoi estipulada a derrama, ela não apareciatão excessiva para os moradores das Minas,talvez porque na região ainda se extraíamuito ouro, ou porque era a chance de severem livres do sistema da capitação que aantecedeu gerando muitas discórdias (DASILVA, 2005, p.205).

Esse pavor na população local, quanto à possibilidade

da aplicação da derrama nas comarcas minerais produziu uma

densa rede de boatos e murmúrios quanto ao assunto. Um

verdadeiro panorama especulativo se constituiu nas zonas

mineiras, onde a população local debatia quando seria

outorgada, quais seriam os valores cabíveis a cada um e

como se faria cumprir seu pagamento. Fatores que aguçaram

ainda mais a sensibilidade social quanto ao tema fiscal e a

recepção do tributo como meio de violência monárquica,

tendo como consequência imediata o aumento das

animosidades. (GASPAR, 2010, p. 59). A soma de todos estes

fatores, quais sejam, as mudanças da governança local que

afetou diretamente o poderio das elites mineradoras

precedentes, o medo quanto à proclamação da derrama, a

contestação quanto ao funcionamento das Casas de Fundição e

o estímulo aos boatos (inverídicos e sem respaldo em

qualquer documento legal da Coroa) foram o estopim para o

descontentamento a projetar-se em ação: a revolta conhecida

como Inconfidência Mineira.

10

1.2) A historiografia da Inconfidência Mineira- a

historiografia clássica de Kenneth Maxwell e o revisionismo

de João Pinto Furtado

A Inconfidência Mineira sempre foi um tema de destaque

na historiografia nacional, existindo inúmeros trabalhos

científicos dedicados ao tema. Kenneth Maxwell,

brasilianista, representa uma referência obrigatória para

os estudos da Inconfidência ou, também conhecida,

Conjuração Mineira. Em seu livro de maior destaque, “A

Devassa da devassa”, o historiador observa os liames

intrínsecos presentes no cenário imperial português

concatenado com o mineiro, que foram fatores decisivos para

a formalização da rebelião. Em um contexto

macroconjectural, o Império Português, por via do Marques

de Pombal e posteriormente pelo seu sucessor, buscava

reorganizar o reino através de medidas típicas do

Despotismo Ilustrado: era necessário rever o comportamento

da metrópole com a colônia, aguçando a eficiência da

cobrança tributária, a fim de reorganizar financeiramente a

Coroa. Para tanto, uma nova política organizativa seria

posta, na qual todos os contratos auríferos seriam revistos

e a captação da tributação deixaria de ser realizado por

meios indiretos e passaria a ser cobrada de forma direta.

Era também importante garantir a eficiência do retorno das

Casas de Fundição, uma vez que desde 1750 a gleba de 100

11

arrobadas devidas por cada região mineradora não havia sido

alcançada, tendo diminuição contínua de arrecadação

(MAXWELL, 1989, p. 11).

Quando deparado às especificidades da capitania das

Minas Gerais, as disputas de poder, oriundas da organização

administrativa exigidas pela Coroa, fez com que a

“plutocracia” presente na sociedade mineira se alarmasse

pela perda de prestígio. É justamente neste setor social,

que o autor identifica como “magnatas”, onde se iniciou as

discussões da futura rebelião. Dentre os conspiradores,

destacavam-se os famosos Dragões, o Dr. José Alvares

Maciel, filho do capitão-mor de Vila Rica, o padre José da

Silva de Oliveira Rolim, filho do principal administrador

do Distrito Diamantino, o alferes Joaquim José da Silva

Xavier, Carlos Correia, vigário de São José, e o ex-ouvidor

e coronel de milícias Alvarenga Peixoto (MARXWELL, 1989, p.

16). Foram estes seis, pertencentes das elites mineradoras,

homens de renomes das diferentes zonas da capitania, que se

conjecturou todos os planos da rebelião e feita as

subdivisões de tarefas necessárias para o sucesso do

levante.

De acordo com o projeto inicial, o levante armado

contra a Coroa portuguesa se daria assim que fosse

instituído a nova derrama, que era prometida para fevereiro

de 1789. Nas idealizações dos conspiradores este momento

seria cume, uma vez que instaurado o terror preconizado

pela cobrança despótica do tributo, a população estaria em

plena efervescência e insatisfação. Momento ideal que

12

facilitaria o desejado motim, útil para o assassinato do

governador e a proclamação da república.

A Insurreição republicana por essência possuiu uma

clara influência dos iluministas e da Revolução Americana.

A república pensada era de inspiração americana, sendo as

ideias previstas para a Constituição subsequente àquelas

proclamadas pelos maiores pensadores ilustrados do período

e, principalmente, àquelas presentes nas constituições

americanas, sobretudo da Virgínia, responsável pela

Declaração dos Direitos do Cidadão de Jefferson. Neste

sentido, confirma o eminente historiador:

A missão deles era a de elaborar asleis e a constituição do novo Estado,articulando a justificativa ideológicado rompimento com Portugal. Eram homensbem-informados e tinham ótimasbibliotecas. Mais rapidamente recebiamlivros e informações do que chegavam àsautoridades coloniais os despachosoficiais de Lisboa. A biblioteca docônego Vieira contava com a Histoire del'Amérique, de Robertson, aEncyclopédie e as obras de Bielfeld,Voltaire e Condillac31. Cláudio Manuelda Costa era tido por tradutor daRiqueza das Nações, de Adam Smith32.Entre os inconfidentes, circulava oRecueil de Loix Constituitives desÉtats-Unis de 1'Amérique, publicado naSuíça em 1778, e que incluía os artigosda confederação e das constituições dePensilvânia, Nova Jersey, Delaware,Maryland, Virgínia, Carolinas eMassachusetts, sendo particularmente

13

importante a constituição do estado deVirginia, pois esta continha adeclaração dos direitos de cidadãos. Edizia ainda: "Nenhuma autoridadepolítica, quer tenha sido criada ontemou há mil anos atrás, está livre de sersuprimida em dez anos ou amanhã(MAXWELL, 1989, p. 29).

Quanto às intenções concretas formuladas pelos

insurgentes, teve-se a preocupação de mecanismos que

possibilitasse o desenvolvimento da região, que teria em

São João Del-Rei a capital no novo país. As manufaturas,

outrora proibidas durante o governo pombalino, seriam

incentivados, assim como a exploração de minério de ferro,

e criada uma fábrica específica de pólvora. Propôs-se a

separação entre Igreja e Estado, permitindo-se aquela a

cobrar o dízimo, desde que comprovasse atividades

beneficentes; a existência de um parlamento em cada região

autônoma, a impossibilidade de exércitos permanentes (ideia

diretamente oriunda do pensamento norte-americano) e

criação de uma universidade na cidade de Vila Rica. Porém,

a grande inovação, que não encontrava ampla aceitação,

porém era majoritária, foi a definição da abolição da

escravatura (proposta não prevista ou conhecida em nenhum

documento insurgente até então), muito embora restrita aos

escravos e mulatos nascidos no Brasil (MARXWELL, 1989, p.

21). Observa-se, com isto, as propostas avançadas previstas

entre os inconfidentes, porém limitadas quando adentrassem

em seus interesses diretos; o que foi bem visto pela

restrição do fim da escravatura desejada.14

Como é sabido, a Inconfidência fracassou, a derrama

prometida não se concretizou, houve traição e seus

principais líderes foram punidos com morte, degredo ou

prisão simples. A Conjuração Mineira se revelou como uma

rebelião, de cunho claramente elitista e privativo, no qual

os inconfidentes tinham como principal causa da

independência a perda de prestígio com as reformas reais e,

principalmente, a ameaça da derrama e de suas próprias

fortunas pessoais, caso fosse efetivada. Era, nos dizeres

do próprio historiador, a panaceia fomentada por setores

abastados da sociedade mineradora, que se configuravam como

devedores da Coroa e viam na proclamação da independência

(não se sabe exatamente se apenas da Capitania das Minas

Gerais ou de todo a colônia portuguesa), um meio de escapar

do cumprimento de suas obrigações súditas, sejam elas

coerentes ou não (MAXWELL, 1978, p. 156). Quer dizer, uma

revolta tributarista por excelência, exercitada pelas

principais lideranças mineiras, no qual o povo apenas se

configurada como possível meio de concretização, muito

embora seus anseios não fossem literalmente representados

nem fossem eficazmente participantes da insurgência em si.

Discordando da perspectiva impetrada por Maxwell, Joao

Pinto Furtado, em seu livro “O mundo de Penélope” argumenta

a inexistência de interesses mútuos entre os revoltos. Em

sua argumentação, o “liberalismo”, “república” e

“iluminação” vistos pela historiografia tradicional não se

coadunam, uma vez que múltiplos intentos, muitas vezes até

mesmo excludentes entre si, caracterizaram a Insurreição,

15

dando-lhe caráter disforme e heterogêneo. Resumidamente,

refletindo a própria dinâmica da sociedade mineradora

setecentista, a Inconfidência Mineira não foi palco de um

projeto uníssono de libertação marcado pela coesão, nem

mesmo ideologicamente, mas sim a concorrência de várias

perspectivas de mundo e objetivos presentes nas trajetórias

individuais e de grupo de cada um dos insurgentes (LIMA E

FONSECA, 2003, p. 263). Exemplo desta realidade era a

proposta abolicionista limitada identificada por Maxwell,

que Furtado identifica como minoritária e que acabou sendo

vencida, sendo bem provável que a “nova república” adotasse

a escravidão de forma clara e legalizada (FURTADO, 2002,

p.82).

Dentre os erros mais comuns encontrados na histografia

clássica, consiste na identificação do movimento como

nacionalista ou mesmo republicano. Furtado observa a

necessidade de se estudar o levante e seus ideais

geralmente identificados (que como já afirmou, não havia

unidade), não pelas construções conceituais contemporâneas,

mas sim concatenados espaço-temporalmente. A liberdade e

república proclamadas não significariam uma aproximação

ideológica com os preceitos estadunidenses presentes no

pós-independência, embora não se negue alguma influência.

Os documentos em reanálise revelam justamente as limitações

conceituais do que era proclamado, uma vez que muitas das

estratégias de combate e insurreição expunham métodos mais

próximos do Antigo Regime do que dos pensamentos

revolucionários (CARVALHO, 2008, p. 5). A essência da

16

revolta era de cunho tributário e seu meio de combate

passava mais por questões econômicas do que efetivamente

uma tentativa de derrubada da Coroa portuguesa ou mesmo a

edificação de uma república brasileira (basta lembrar que

não era comum um pensamento “nacionalista” na América

portuguesa, até mesmo pela realização regional da colônia).

Neste sentido:

“Se por um lado, ‘cortar a cabeça’ e ‘não necessitar mais de governadores’ são atos que poderiam sinalizar para a efetiva constituição da pequena república mineira,por outro lado ‘gritar uma noite inteira pelas ruas de Vila Rica’ e ‘conduzir o governador para fora dos limites da capitânia’ sinalizam para outro sentido: oda ritualística típica dos motins do Antigo Regime, que mesmo com a chegada de novos governadores, acabam sempre afirmando a autoridade real.” (FURTADO, 2002: 212).

A grande contribuição de Furtado ao tema proposto foi

a possibilidade de revisitar e reconstruir preposições até

então estanques na historiografia da Inconfidência Mineira.

A desmitificação da revolta leva a tentativa de captá-la de

forma mais sóbria, no qual as personagens e as tramas

desenvolvidas são coerentes com sua dinâmica espaço-

temporal. Assim sendo, mesmo configurando-se como um dos

temas mais clássicos da historiografia brasileira, Furtado

revela a possibilidade de novas formulações e novos olhares

quanto sua dinâmica histórica.

17

Através dos estudos do movimento rebelde, observou-se

que tanto a população aurífera quanto o governo (neste caso

a Coroa Portuguesa), referendam às percepções quanto à

dinâmica tributária na colônia, sensibilidade social

historicamente fomentada e que se perpetua até os dias

atuais. O tributo, assim como na Inconfidência Mineira,

ainda é percebido como meio violento e ameaçador de ação do

Estado, no qual adentra-se nas riquezas privadas para

satisfazer seus interesses, independente da concordância ou

não do súdito que, no caso do Estado democrático de

Direito, é formalizado pela figura do cidadão.

2) O tributo como ameaça

É consenso na doutrina dogmática tributarista que o

tributo não pode ter como antecedente um ato jurídico

ilícito, sendo, como visto, inclusive prevista tal

proibição no Código Tributário Nacional: centro normativo

do direito tributário brasileiro. No entanto, quando

adentramos nas especificidades que a matéria tributária

assume no Brasil, observa-se que, muito embora não se

confesse a possibilidade de sancionar o cidadão por via do

tributo, se conclui fenômenos extrajurídicos de ameaça ao

contribuinte.

O Brasil se qualifica como um dos países

contemporâneos com a maior carga tributária do mundo,

chegando a mais de 36% do Produto Internacional Bruto

18

(AMARAL, 2013, p.3). Não é difícil concluir que muitos são

os “fatores geradores” capazes de fazer nascer o tributo em

terras tupiniquins, a fim de satisfazer a fome de captação

de recursos dos Poderes Públicos. Convém observarmos, além

das especulações, como o tributo brasileiro pode assumir

papel extrajurídicos de ato ilícito, que pela via reflexa,

fomenta essa percepção de ameaça que a contribuição pode

assumir. Quer dizer, como o tributo além de sua

qualificação precípua de concorrência dos cidadãos para a

vitaliciedade do Estado, também pode exercer um papel

coativo que denota a obrigatoriedade imoral da contribuição

prevista. Passemos, então, a analisar a estrutura jurídico-

tributária nacional, na qual se observa a marginalidade do

ato ilícito como fato gerador implícito.

A relação tributária, no qual se tem o Estado como

credor e o cidadão como devedor, envolve uma relação de

poder. De um lado, o Estado, com seu poder inerente,

constrange o cidadão para que satisfaça os anseios

tributários, sob ameaça de ação coercitiva. Até então, está

relação é natural, uma vez que o Estado necessita de

recursos para sua existência, sendo sua principal fonte de

captação monetária, a arrecadação tributária. Todavia, o

que vemos desde a colônia, e por isso uma típica “tradição”

do Estado brasileiro, é o abuso na cobrança, sendo este

referendado como meio de castigo (ou seja sanção de ato

ilícito), denotando uma prática fazendária comum que em

nada se comforta com o Estado democrático de direito

contemporâneo. Neste sentido, cita-se Maria Luiza Jansen Sá

19

Freire de Souza, juíza federal que vivencia a práxis

abusiva da Fazenda Pública em sua ação tributária:

Como forma oblíqua de recebimento decréditos tributários, são comuns ocometimento de sanções políticas, como: aapreensão de mercadorias, a suspensão dainscrição do contribuinte junto ao entetributante, a interdição deestabelecimento comercial, a recusa paraimprimir notas fiscais, a proibição deemissão de estampinhas, a recusa defornecer certidão negativa quando nãohouver lançamento consumado contra ocontribuinte, entre outras (SOUZA, 2010,p.118).

Já no âmbito normativo, muito embora reforçada a

proibição do tributo ter como antecedente o ato ilícito, ou

seja, tendo como fato gerador um ato contrário ao Direito

pelo contribuinte, constata-se a existência de diversos

tributos com tal qualificação e, portanto, divergente da

descrição jurídica da doutrina majoritária e do próprio

CTN. Nestes tributos “sancionadores”, a relação de

submissão do contribuinte escapa ao mero concorrente às

despesas do Estado, ensejando uma obrigação de tributo, ou

maior oneração do mesmo, simplesmente pela configuração

“ilícita”, “imoral” ou “inconveniente” de ato praticado.

Nestes, a relação de poder tributária alcança liames

máximos, agindo o Estado além da análise da capacidade

contributiva ou de retributividade do cidadão, adentrando

20

com mecanismos de coerção que nada advém dos princípios

tributários enaltecidos pela lógica jurídica.

A nossa Carta Constitucional, âmbito normativo máximo

de um Estado constitucional democrático, prevê a incidência

de alguns tributos sancionadores. O constituinte objetiva,

através da sanção reflexa na obrigação tributária,

resguardar princípios, direitos ou garantias caros à

Constituição. Neste sentido, justificada pela prevalência

de objetivos considerados superiores, a norma

constitucional denota tributos em que a maior oneração se

dá por questões extrafiscais, no qual o contribuinte, se

não cumprir uma previsão socialmente adequada, é penalizado

por maior quantidade do tributo. Podemos citar a

configuração constitucional do Imposto incidente sobre

propriedade territorial rural (ITR) e o Imposto sobre

propriedade predial e territorial urbana (IPTU) como

realidade deste pensamento.

O artigo 153 de nossa Constituição, onde ocorre a

previsão do ITR como imposto federal, preceitua, em seu

parágrafo quarto, inciso primeiro, que este “será

progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a

desestimular à manutenção de propriedade improdutiva

(BRASIL, 1988). Em análise dinâmica, observamos a previsão

do quantum tributário do referido imposto é balizada pela

perspectiva da função social da propriedade, princípio

também previsto constitucionalmente e que centraliza a

percepção qualitativa do direito de propriedade nacional ao

defini-lo dentro do capítulo dos “direitos e garantia

21

fundamentais” (art. 5º, XXIII). O que baliza este imposto

não são princípios tributários inerentes, como o

caracterizado pela capacidade contributiva, onde o

contribuinte será onerado de acordo com sua capacidade de

contribuir, mas sim a realização social do contribuinte com

sua propriedade. Assim, se destinar a produtividade de sua

propriedade rural, tende a ter menor incidência tributária

e, inversamente, se destiná-la à improdutividade, a

oneração será máxima. Em síntese, uma penalização cabal

quanto às perspectivas do uso da propriedade e a pretensão

de que as terras rurais não permaneçam improdutivas, sob

pena de sanção.

Já o IPTU é previsto como imposto de competência

municipal e também de acordo com as diretrizes

constitucionais, estabelece-se que poderá ser progressivo

em razão do valor do imóvel ou ter alíquotas diferentes de

acordo com a localização e o uso do imóvel (Art. 156, §1º,

I e II). Aqui se instrui implicitamente o prestígio da

capacidade contributiva do proprietário, uma vez que o

imóvel é onerado de acordo com seu valor, localização e

uso, fatores que qualificam sua condição econômica.

Entretanto, no capítulo constitucional destinado à política

urbana, existe a possibilidade do ente municipal utilizar a

tributação como constrangimento ao proprietário, a fim de

que este siga a correta função social do seu imóvel urbano.

O artigo 182, § 2º, preceitua que a função social do

imóvel urbano será cumprida, quando atender as exigências

fundamentais do plano diretor do município ao qual se

22

localiza. Quanto este não for realizado ou a propriedade se

encontrar não edificada, subutilizada ou não utilizada,

possibilita o constituinte que o poder municipal aplique

sucessivamente: 1) o parcelamento ou edificação

compulsórios, 2) imposto progressivo no tempo e 3)

desapropriação de acordo com os tramites constitucionais.

Ora, a mera previsão de progressividade do imposto de

acordo com o cumprimento ou não da função social atribuída

pelo constituinte atribui ao imposto um papel de “justiça

social” que enaltece a coercitividade estatal como

parâmetro tributário em desfalque com os nortes tributários

e expectativas inerentes à tributação. Qual seja, o

sustento do Estado e de suas necessidades de recursos

monetários é o cerne da tributação e não seu papel social,

que melhor se adequa melhor às outras áreas do direito,

instituindo um “tributar a qualquer custo”.

O Código Tributário Nacional paradoxalmente à sua

definição do tributo, também exibe em seu artigo 134 a

tributação sancionadora. Este artigo sujeita a

responsabilidade tributária aqueles que tenham uma

obrigação prévia de cuidado com bens ou pessoas. A saber:

I - os pais, pelos tributos devidospor seus filhos menores.

II - os tutores e curadores, pelostributos devidos por seus tutelados oucuratelados;

III - os administradores de bens deterceiros, pelos tributos devidos porestes

23

IV - o inventariante, pelos tributosdevidos pelo espólio;

V - o síndico e o comissário, pelostributos devidos pela massa falida ou peloconcordatário;

VI - os tabeliães, escrivães e demaisserventuários de ofício, pelos tributosdevidos sobre os atos praticados por eles,ou perante eles, em razão do seu ofício

VII - os sócios, no caso deliquidação de sociedade de pessoas.

Nestes casos, a sanção consequente dá-se devido a um

descuido pretérito do cidadão com alguém ou algo que tinha

obrigação de resguardar. O legislador previu que caso não

se cumpra o zelo necessário com aquilo que detinha

responsabilidade, cabe à solidariedade, ou seja,

concorrência mútua do contribuinte original e deste

responsável, para o pagamento do tributo precisado. Neste

artigo, vemos a clara fluência do pagamento do imposto “a

qualquer preço”, um permissivo legal que possibilita à

Fazenda Pública adentrar no patrimônio daquele que se

tornou responsável por algo ou alguém e, reflexamente,

obtém a responsabilidade implícita do pagamento tributário.

Em uma análise sóbria, é a realização do Estado

avassalador, que impõe à satisfação da cobrança tributária,

mesmo que o agente não tenha provocado o fato gerador. É a

máxima literal do “dinheiro não tem cor, nem cheiro”.

Diversas exemplificações ainda podem ser dadas na

legislação ordinária como fundamento do exercício do

tributo com funções de coerção. É o caso do IOF (Imposto

sobre operações financeiras) que prevê o aumento da

24

quantidade devida se houver irregularidade na transação

realizada (Art. 14, Decreto 4494/02), a previsão da antiga

Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão

de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira

- CPMF; no qual instituições que não cumpriam com

obrigações perante a Receita Federal deveriam pagar o

imposto (Ato Declaratório Interpretativo nº 33, de 17 de

maio de 2000 da Secretaria da Receita Federal), entre

outros. Vemos, enfim, um verdadeiro arcabouço normativo

tributário que visa, além da captação de recursos e

concorrência do contribuinte para o mantimento financeiro

do Estado, a penalização do cidadão pelo tributo, impondo

uma relação de poder Estado-contribuinte, desproporcional e

desraigada dos próprios princípios tributários. Em outras

palavras, a transformação do cidadão em mero súdito do

Estado, como em tempos coloniais, sendo implacavelmente

molestado pela ação coercitiva do Poder Público, até mesmo

em zonas normativas em que a ação de penalização não

deveria ser atribuída, como a tributária.

3) Conclusão

O tributo, desde o período colonial, como visto pela

observação histórica da dinâmica mineira, por via da

Inconfidência e dos traumas ocasionados pela derrama, é

recepcionado socialmente no Brasil como um meio de ação

25

violenta estatal para o levantamento de recursos. Embora

atualmente estejamos em uma sociedade democrática de

direito, no qual diversas garantias e proteções são

instituídas aos cidadãos como protetivas à ação do Estado,

este, ainda, se comporta abusivamente, fomentando a

percepção contemporânea, mas historicamente construída, de

que o Poder Público constrange a vida privada e os bens

acumulados pelo cidadão, apresentando-se como uma força

irresistível que nada pode deter. É a legitimação,

inclusive por meios constitucionais e normativos, de um

Estado que se coloca acima da sociedade e de seus

interesses, buscando saciar sua ânsia monetária. Todo este

disparate social e desconformidade jurídica, que muitas

vezes é referendada pela própria doutrina jurídica e

jurisprudência nacional, desfoca a construção de uma

educação tributária, no qual o cidadão entende sua

participação, por via do pagamento do tributo, para a

viabilidade financeira do país. Ademais, reforça-se o

justificado sentimento popular de que o tributo nada mais é

do que um exercício desregulado e ilimitado estatal, que

cria múltiplos fatos geradores de sua incidência, inclusive

sendo utilizado como exercício de coerção. É a configuração

do tributo como ameaça e a assimilação do cidadão como

súdito de um Estado ilimitado em suas cobranças

tributárias.

26

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