panorama da estereoscopia, da animaÇÃo e da animaÇÃo estereoscÓpica

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1 Panorama da Estereoscopia, da Animação e da Animação Estereoscópica Leonardo A. de Andrade 1 , Tiago E. dos Santos 2 Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Artes e Comunicação Rod. Washington Luiz, Km 235 São Carlos, São Paulo, Brasil [email protected] 1 , [email protected] 2 Resumo A capacidade do homem em interpretar pares de ilustrações ou fotos de uma mesma cena, visualizados por ângulos ligeiramente diferentes, é chamada de estereoscopia, e teve seus fundamentos lançados no século XIX. De forma análoga, no mesmo século a exploração de imagens em movimento através de diversas invenções deu inicio a arte conhecida como animação. Com o surgimento do cinema e seu desenvolvimento no século XX, a animação utilizou-se das técnicas estereoscópicas para apresentar realidades fantásticas na qual a sensação da profundidade foi explorada. Este trabalho apresenta um breve histórico da estereoscopia e da animação, assim como da animação estereoscópica, mostrando como a evolução tecnológica possibilitou a ampliação dos horizontes artísticos de imagens em movimento, onde a percepção da profundidade passou a ser explorada. Palavras-chave: Animação, Estereoscopia, 3D. Abstract Man's ability to interpret pairs of illustrations or photos of the same scene, viewed by slightly different angles, is called stereoscopy, and had its foundations laid in the nineteenth century. Similarly, in the same century exploitation of moving images through various inventions marked the beginning of art known as animation. With the emergence of cinema and its development in the twentieth century, the animation was used stereoscopic techniques to present realities in which the fantastic sensation of depth was exploited. This paper presents a brief history of stereoscopy and animation, and stereoscopic animation, showing how technological developments allowed the expansion of the artistic horizons of moving images where depth perception began to be exploited. Keywords: Animation, Stereoscopic, 3D. 1. Introdução O ser humano perseguiu por quase toda sua história uma maneira de poder visualizar e dar vida à sua imaginação, vê-la acontecendo, seja pela forma de pinturas, esculturas ou literatura. Representar e interpretar sua própria percepção, sua visão do mundo, contar história, este desejo humano impulsionou a arte durante séculos.

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Panorama da Estereoscopia, da Animação e da Animação Estereoscópica

Leonardo A. de Andrade1, Tiago E. dos Santos

2 Universidade Federal de São Carlos,

Departamento de Artes e Comunicação

Rod. Washington Luiz, Km 235

São Carlos, São Paulo, Brasil

[email protected], [email protected]

2

Resumo

A capacidade do homem em interpretar pares de ilustrações ou fotos de uma mesma cena, visualizados por ângulos ligeiramente diferentes, é chamada de estereoscopia, e teve seus fundamentos lançados no século XIX. De forma análoga, no mesmo século a exploração de imagens em movimento através de diversas invenções deu inicio a arte conhecida como animação. Com o surgimento do cinema e seu desenvolvimento no século XX, a animação utilizou-se das técnicas estereoscópicas para apresentar realidades fantásticas na qual a sensação da profundidade foi explorada. Este trabalho apresenta um breve histórico da estereoscopia e da animação, assim como da animação estereoscópica, mostrando como a evolução tecnológica possibilitou a ampliação dos horizontes artísticos de imagens em movimento, onde a percepção da profundidade passou a ser explorada. Palavras-chave: Animação, Estereoscopia, 3D.

Abstract

Man's ability to interpret pairs of illustrations or photos of the same scene, viewed by slightly different angles, is called stereoscopy, and had its foundations laid in the nineteenth century. Similarly, in the same century exploitation of moving images through various inventions marked the beginning of art known as animation. With the emergence of cinema and its development in the twentieth century, the animation was used stereoscopic techniques to present realities in which the fantastic sensation of depth was exploited. This paper presents a brief history of stereoscopy and animation, and stereoscopic animation, showing how technological developments allowed the expansion of the artistic horizons of moving images where depth perception began to be exploited. Keywords: Animation, Stereoscopic, 3D.

1. Introdução

O ser humano perseguiu por quase toda sua história uma maneira de poder

visualizar e dar vida à sua imaginação, vê-la acontecendo, seja pela forma de pinturas,

esculturas ou literatura. Representar e interpretar sua própria percepção, sua visão do

mundo, contar história, este desejo humano impulsionou a arte durante séculos.

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A animação foi uma das formas encontradas para se dar vida ao movimento que

residia na imaginação dos artistas tendo em sua criatividade uma das únicas barreiras.

Tudo pode ganhar vida e personalidade nesta arte: objetos, bonecos, modelos virtuais ou

desenhos revelam-se capazes de exprimir sentimentos, de manifestar vontades, de agir e

de reagir. O inorgânico torna-se orgânico, a imaginação torna-se palpável.

Contudo, para que a animação se tornasse possível, foi necessária uma série de

equipamentos que possibilitassem sua confecção e visualização, para que o artista se

apropriasse dos meios de produção e transformasse sua capacidade em arte. Vários

inventos e experimentos de imagens em movimento foram realizados ao longo do

século XIX, até que em 1900 a animação passa a ser desenvolvida com equipamentos

cinematográficos.

Em paralelo à evolução da animação, a possibilidade de utilizar uma técnica de

representação da informação e sua posterior visualização com a sensação de

profundidade, foi descoberta em 1838 por Wheatstone, inicialmente utilizando um par

de ilustrações. Não tardou para que a fotografia, cuja descoberta data de meados do

século XIX, portanto posterior à descoberta de Wheatstone, passasse a utilizar essa

técnica para produção de imagens fotográficas estereoscópicas. Tal invenção tornou-se

mesmo uma espécie de padrão popular para a fotografia entre os anos de 1850 e 1880; e

muitos dos ícones fotográficos do século XIX, eram na verdade estereogramas. Cartões

fotográficos estereoscópicos, com seus respectivos visores eram comercializados e

tomaram conta do mercado nas classes média e alta (ADAMS, 2001). Os estereogramas

entraram em declínio comercial a partir do final do século XIX, mas encontraram

aplicações científicas na fotogrametria e fotointerpretação (GODOY, 2005).

A técnica estereoscópica proporcionou um modo de utilizar uma tela plana de

duas dimensões para visualizar as obras audiovisuais em três dimensões, utilizando-se

de uma particularidade da visão humana. Através dela, tornou-se possível a

representação e exploração do espaço de forma única, impulsionando explorações

artísticas inicialmente em ilustrações e fotografias, e posteriormente no cinema. Curtas

como "Plastigrams" (1923), "Lumiere 3D tests" (1934) e o filme "The Power of Love"

(1922) contribuíram muito para o desenvolvimento do cinema 3D, pois estão entre as

primeiras obras que se apropriaram dos fundamentos do aparelho estereoscópico

aplicando-o a câmeras de filmagem.

No final da década de 1930 a estereoscopia começa a ser utilizada com a

animação, criando assim um espaço midiático com visualização tridimensional, onde a

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exploração das realidades do imaginário artístico pudesse ser realizada explorando a

percepção da profundidade. Neste trabalho será apresentado um panorama histórico do

surgimento da animação, da estereoscopia e enfim da animação estereoscópica, desde

seu início no século XIX até a atualidade, que inclui a utilização de recursos

computacionais para seu desenvolvimento. A seção 2 descreve um breve histórico da

estereoscopia e apresenta seus fundamentos. As seções 3 e 4 apresentam o histórico da

animação e da animação estereoscópica e por fim a seção 5 apresenta as conclusões do

estudo realizado.

2. Breve Histórico e Fundamentos da Estereoscopia

A questão da representação do espaço tridimensional foi talvez a mais

importante contribuição do período renascentista às artes plásticas. A descoberta do

método de representação do espaço tridimensional no espaço bidimensional vem de

Filippo Brunelleschi (1387–1446) e Leon Batista Alberti (1404 – 1472), denominada de

perspectiva artificiallis. A técnica de representação teve sua origem em projetos de

arquitetura desenvolvidos pelos dois autores. Está ligado à origem da perspectiva um

pequeno aparato denominado tavolleta, que servia ao desenvolvimento daqueles

projetos (GODOY, 2001).

Durante o século XIX, foi inventado o primeiro aparato de visualização que

permitia a sensação de profundidade da visão binocular humana. Data de 1838 a

invenção de Sir Charles Wheatstone, o estereoscópio, constituído de um jogo central de

espelhos que refletiam dois desenhos de um objeto, cada qual retratando ângulos

ligeiramente diferentes um do outro, de modo que a observação através dos espelhos

permitia a sensação de profundidade, um esquema do aparelho pode ser observado na

Figura 1.

Figura 1 – Aparelho Estereoscópico concebido por Charles Wheatstone

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A visão tridimensional que temos do mundo é resultado da interpretação, pelo

cérebro, das duas imagens bidimensionais que cada olho capta a partir de seu ponto de

vista e das informações sobre o grau de convergência e divergência dos olhos. Os olhos

humanos estão em média a 65 milímetros um do outro e podem convergir de modo a

cruzar seus eixos em qualquer ponto a poucos centímetros à frente do nariz, ficando

estrábicos; podem também divergir ou ficar em paralelo quando se foca algo no infinito.

Além de receber as imagens, o cérebro também coordena os movimentos dos

músculos dos globos oculares e recebe informações sobre o grau de convergência ou

divergência dos eixos visuais, o que lhe permite auferir a distância em que os olhos se

cruzam em um determinado momento (FONTOURA, 2001). O cérebro usa as

informações que recebe dos olhos para auferir distâncias e perceber a profundidade.

Podemos dizer que “um visor estereoscópico é um sistema óptico cujo componente

final é o cérebro humano” (STEREOGRAPHICS, 1997). Isto porque, é o cérebro que

faz a fusão das duas imagens (o par estéreo) resultando em noções de profundidade,

como é ilustrado na Figura 2. São capturadas duas imagens ligeiramente diferentes

relativas à mesma cena, da mesma maneira que vemos o mundo real.

Figura 2 – Visões de cada olho da mesma cena.

Uma conseqüência imediata da diferença das imagens capturadas pelos dois olhos é

o espaçamento entre o mesmo ponto projetado nas duas retinas, chamado de disparidade

na retina. Na Figura 3, o olho da esquerda vê a árvore (marrom) à esquerda do pinheiro

(verde), enquanto o olho direito a vê à direita.

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Figura 3 – Visões da mesma cena pelos dois olhos.

Estas duas imagens chegam ao cérebro, onde é feita uma superposição, resultando

na sensação ilustrada pela Figura 4. A disparidade é interpretada pelo cérebro para a

fusão de apenas uma imagem, resultando na sensação de profundidade.

Figura 4 – Superposição das imagens e a disparidade na retina.

A paralaxe é a distância entre os pontos correspondentes das imagens do olho

direito e do esquerdo na imagem projetada na tela. Em resumo, disparidade e paralaxe

são duas entidades similares, com a diferença que paralaxe é medida na tela do

computador e disparidade, na retina. É a paralaxe que produz a disparidade, que por sua

vez, produz a sensação da profundidade. Os três tipos básicos de paralaxe são:

• Paralaxe zero: conhecida como ZPS (do inglês Zero Paralax Setting). Um ponto

com paralaxe zero se encontra no plano de projeção, tendo a mesma projeção para os

dois olhos (Figura 5(A)).

• Paralaxe negativa: significa que o cruzamento dos raios de projeção para cada

olho encontra-se entre os olhos e a tela de projeção, dando a sensação de o objeto

estar saindo da tela (Figura 5 (B)).

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• Paralaxe positiva: o cruzamento dos raios é atrás do plano de projeção, dando a

sensação de que o objeto está atrás da tela de projeção (Figura 5 (C)).

Figura 5 – Tipos de paralaxe: a) Paralaxe zero (ZPS), b) Paralaxe negativa e c) Paralaxe

positiva.

A sensação de profundidade é obtida devido à disparidade nas duas imagens.

Com isso, para criar a sensação de profundidade, é necessário que cada olho receba uma

imagem de uma perspectiva diferente da cena.

Na próxima seção, são apresentadas as invenções que permitiram o surgimento

da animação, além dos artistas pioneiros nessa forma de arte, antes e depois de sua

exploração cinematográfica.

3. O Início da Animação

Podemos dizer que umas das primeiras invenções importantes para o surgimento

da animação seja o taumatrópio criado entre 1820-1825. Um cartão com uma ilustração

na frente e outra distinta no verso, amarrada por dois cordões que quando manipulados

fazem o cartão girar gerando uma combinação das duas imagens.

Alguns anos depois, em 1832, Joseph Antoine Ferdinand Plateau cria um

aparelho que além de combinar imagens, também propiciava a ilusão de movimento, o

fenaquistoscópio. Este invento seria o predecessor de outros dois inventos muito

importantes, que seriam a base da animação por muito tempo: o zootrópio e o

praxinoscópio. Esses se utilizavam de um círculo com imagens sequenciais que, quando

em movimento a certa velocidade, produziam uma pequena animação. Na Figura 6

podemos ver uma representação dos três equipamentos.

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A B C

Figura 6 – A: Fenaquistoscópio; B: Zootrópio; C: Praxinoscópio.

É com base no praxinoscópio que Charles Emile Reynaud desenvolverá o seu

Teatro Óptico, com o qual consegue projetar animações mais ou menos extensas se

utilizando de uma combinação de equipamentos para tal (cerca de um minuto de

apresentação, em alguns casos). A figura 7 ilustra esse equipamento,

Figura 7 – Ilustração que demonstra o funcionamento do Teatro Óptico.

Quando os irmãos Lumière apresentam o cinematógrafo, em 1895, todos os

equipamentos anteriores já haviam criado uma nova forma de pensar, a qual tinha na

compreensão, simulação ou análise do movimento o seu intuito e a suas preocupações

fundamentais. Porém, é apenas com o cinematógrafo que as condições para o

surgimento do cinema de animação como o conhecemos são criadas.

A história da animação propriamente dita é também uma história de pioneiros

que aqui relataremos resumidamente.

J. Stuart Blackton, um inglês erradicado nos EUA, pode ser considerado um dos

primeiros animadores, realizando pequenos filmes animados como “Enchanted

Drawing”, de 1900. No entanto, esta animação recorre ainda à filmagem convencional

se utilizando em conjunto de momentos animados. É apenas em 1906, com “Humorous

Phases of Funny Faces”, que Blackton consegue realizar uma obra completamente

animada, considerada o primeiro desenho animado.

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Entretanto, na Europa, outros realizadores também se empenharam em

desenvolver esta nova forma de arte. Na França, Émile Cohl, desenhista de tiras de

quadrinhos se utilizando de papel arroz e nanquim, faz suas experimentações, sendo que

um dos mais conhecidos é o curta “Fantasmagorie” de 1908, no qual recorre ao desenho

de figuras que se metamorfoseiam das mais diversas maneiras e nas mais diversas

situações, não sendo jogadas de forma irresponsável na tela, pois Émile Cohl integrava

desde 1880 o grupo “Os Incoerentes” (de filosofia iconoclasta, antiburguesa,

antiacadêmica e violentamente antirracional). Na Rússia, Ladislas Starevich concebia

animações em stop-motion (técnica de animação que consiste em fotografar um objeto

ou boneco em uma posição, alterando-a gradativamente, para que quando projetada

sequencialmente construa a ilusão de movimento) de grande sofisticação como “The

Cameraman’s Revenge”, de 1911.

Para as primeiras plateias, o desenho que se movia era parte da nova magia do

cinema, porém em dez anos (de 1908 a 1917), a animação deixa de ser um feito técnico

e torna-se uma arte autônoma.

Winsor McCay é outra figura chave deste período inicial da animação,

conceituado ilustrador, foi ousado ao manter seu estilo de desenho com muitos detalhes

na animação. Suas principais obras são: “Little Nemo in Slumberland”, de 1907; “The

Story of a Mosquito”, de 1912 e “Gertie the Dinossaur”, lançado em 1914, onde ele

redesenhou o cenário mais de cinco mil vezes, sendo um marco da animação. McCay

aplicou personalidade a seus personagens, abrindo assim caminho para uma lógica de

antropomorfização que determinaria em grande medida o sucesso da animação daquele

que seria uma das maiores figuras da história desta arte, Walt Disney.

Definitivamente é Walt Disney quem realiza a maior evolução na animação seja

estética ou industrial, mesmo que outros nomes como John Bray (inventor do processo

de animação em acetato, chamado originalmente cel animation, que se tornaria o

processo dominante ao longo dos anos) ou os irmãos Fleischer (criadores, entre outros,

de personagens como Betty Boop e Popeye, cujo estúdio seria um dos primeiros a

experimentar a rotoscopia) devem ser igualmente considerados nestas primeiras décadas

da animação. No entanto, foi Walt Disney o responsável por elevar os patamares da

animação a níveis antes inimagináveis, em parte devido à produção de grande qualidade

que o seu estúdio, criado em 1923, apresentaria ao longo do século XX.

Com Disney a animação atingiu a sua maturidade e entrou naquilo que muitos

veem como a sua época de ouro, os anos 1940. A ele se devem a criação do chamado

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pencil test (que consiste em desenhar a lápis, em papel, uma sequência de animação

antes de avançar para a sua representação e pintura em acetato), o primeiro curta-

metragem de animação com som sincronizado, em 1928, “Steamboat Willie”, a

introdução do technicolor (processo de colorização), em 1932, em “Flowers and Trees”,

e a criação da câmera de múltiplos planos, em “The Old Mill”, em que figuras e fundos

são desenhados em superfícies de vidro diferentes que se colocam umas atrás das outras,

desse modo criando uma impressão de perspectiva mais realista e permitindo trabalhar

de forma autônoma sobre os diversos elementos, uma representação desta câmera pode

ser vista na Figura 8.

Figura 8 – Representação da Câmera de Múltiplos Planos.

Estavam então criadas as condições para o surgimento do primeiro longa-

metragem da Disney, “Branca de Neve e os Setes Anões”, em 1937, que se tornaria um

marco decisivo desta arte. Nas décadas posteriores o estúdio Disney continuou lançando

sucesso atrás de sucesso e contribuindo decisivamente para a evolução da animação, até

os dias de hoje, quando o estúdio adota em parte a Computação Gráfica para suas

animações.

Ressaltamos que paralelamente à produção da Disney ao longo do século XX,

houve uma enorme diversidade de autores que, recorrendo à vasta pluralidade de

técnicas, concretizaram suas visões. Para eles, um dos pontos fundamentais era gerar e

concretizar formas de expressão e perspectivas artísticas bem pessoais, trabalhando

conceitos e temas das mais distintas naturezas de uma forma inédita.

4. Animação Estereoscópica

O próprio Wheatstone juntamente com Plateau e Duboscq fazem experimentos

com animação e o estereoscópio, entre 1849 e 1852, porém somente em 1939 é que a

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animação estereoscópica alcança o público em geral, na feira mundial de Nova Yorque,

que apresentava inovações tecnológicas em várias áreas, da ciência a arte. Nesta feira

John Norling lança um curta animado ("In Tune with Tomorrow") feito com o processo

de stop-motion, que se utiliza de bonecos fotografados quadro a quadro e

posteriormente colocados em sequência. A animação representa um carro sendo

construído peça a peça e captado com uma câmera estereoscópica. A animação fez tanto

sucesso na feira que em 1940 foi refeita em cores e lançada mais tarde, em 1953, sob o

nome de "Motor Rhythm". Na Figura 9 podemos observar um quadro desta animação

estereoscópica, para a visualização 3D é necessário a utilização de um óculos

vermelho/ciano.

Figura 9 – Quadro da animação “Motor Rhythm”

Ao final do período em que o cinema estereoscópico era novidade, os

fundamentos técnicos tinham se tornado amplamente conhecidos e inúmeras câmeras já

estavam à disposição dos cineastas.

Porém o desenvolvimento da aplicação estereoscópica na animação aconteceu

somente quando Norman McLaren, animador conhecido pela sua exploração e criação

de novas técnicas de animação, aplicou os fundamentos da estereoscopia a seus

trabalhos, criando assim a base para a animação 3D.

Durante a década de 1950 este animador fez explorações fundamentais para que

anos mais tarde a animação acompanhasse o estouro de produções 3D que houve no

cinema como um todo.

O aclamado estúdio Walt Disney lança "Melody" em 1953. Também nesse ano,

personagens que se consagrariam mais tarde na televisão são lançados em 3D, como

Pica-Pau, com o curta "Hick Hypnotic", de Don Patterson e Popeye, com "Popeye, The

Ace of Spades", de Seymour Kneitel. Na Figura 10 podemos ver um cartaz que anuncia

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a animação “Melody”. Podemos observar que erroneamente, como forma de

propaganda, o estúdio Disney divulga ser a primeira animação em 3D.

Figura 10 – Cartaz de Divulgação da animação “Melody”.

Após o boom da década de 1950, as audiências diminuíram e o 3D entrou em

uma espécie de calmaria durante os anos de 1960 e 1970, retomando algumas produções

na década de 1980, porém em menor número das vistas em 1950. Alguns autores

argumentam que a diminuição da audiência do 3D se deve as obras que começaram a

“exagerar” na aplicação da estereoscopia de forma a causar tonturas e mal estar nas

plateias.

Paralelamente a evolução da estereoscopia, na década de 1950, a animação 2D

contou com a popularização da televisão, pois diversas animações tomaram este veículo

como forma de expressão.

E com a introdução da técnica de animação digital o horizonte de possibilidades

se ampliou consideravelmente, pois o apoio computacional para a técnica tradicional e

as facilidades de manipulação da imagem digital permitiram inicialmente seu uso em

animações bidimensionais, e a partir dos anos 1990 para animações tridimensionais.

Com o advento da técnica computacional de animação, a estereoscopia começa a

ganhar novo fôlego, e isso facilita de diversas formas a aplicação de seus fundamentos.

Podemos destacar como precursor desta nova fase do cinema estereoscópico o longa de

animação "Starchaser: The Legend of Orin" de Steven Hahn, lançado em 1985, além de

retomar o uso da estereoscopia na animação foi também um dos primeiros filmes

animados a misturar a técnica tradicional com a técnica computacional de animação. Na

Figura 11 podemos conferir um quadro da animação, para a visualização do 3D é

necessário o uso de óculos vermelho/ciano.

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Figura 11 – Quadro da animação "Starchaser: The Legend of Orin".

Com a popularização da exibição em 3D, surge um novo boom de produções a

partir do início do século vinte e um. E as animações são parte fundamental e precursora

do crescente número de produções que se utilizam da estereoscopia.

Parece evidente que a quarta era do cinema estereoscópico começou em 4 de novembro de 2005, com o lançamento de Chicken Little 3-D em 84 cinemas digitais 3D, em simultâneo com seu lançamento em 2.500 cinemas convencionais. (ZONE, 2007, p.4)

Temos o curta "Shrek 4-D" lançado em 2003 e os filmes da continuação dessa

franquia sendo lançados com versões estereoscópicas, tendo grande sucesso e aceitação

por parte do público e da crítica.

Filmes estereoscópicos, juntamente com alguns outros fatores estão conduzindo a uma proliferação de cinemas digitais. Em novembro de 2006, havia 250 cinemas 3-D nos Estados Unidos. Espera-se que hajam mais de 1.000 no verão de 2007. (ZONE, 2007, p.4)

Com a utilização da técnica computacional de animação a aplicação

estereoscópica ganha novo fôlego, pois sua aplicação se torna mais fácil e explorável se

comparada a técnica tradicional de animação. Uma vez que possibilita a utilização de

câmeras virtuais, na qual os ajustes de parâmetros da estereoscopia podem ser feitos

com mais liberdade e precisão, possibilitando experimentar varias paralaxes e posições

de câmera sem maiores trabalhos.

"Coraline" de Henry Selick e "Monstros vs. Alienígenas" de Rob Letterman e

Conrad Vernon, ambos lançados em 2009, são exemplos do casamento da técnica de

animação digital com a estereoscopia. Nos últimos anos parece evidente que a

estereoscopia chegou a um novo ápice, com o lançamento de quase todas as grandes

produções se utilizando deste tipo de visualização.

[CS1] Comentário: Rever essa passagem pois Coraline é filme em stop-motion cuja parte digital está na captura das imagens e pós-produção.

[CS2] Comentário: Penso que este trecho está exagerado e ainda é preciso ser dito que os filmes não são lançados somente na versão em estereoscopia. Em geral há copias com esse recursos e outras não. Repare que o diretor do filme mais recente do Batman (Chris Nolan) não aprecia a estereoscopia nos filmes, veja: http://screenrant.com/christopher-nolan-3d-batman-3-dark-knight-rises-rob-95386/

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5. Conclusão

Na história da animação observa-se que esta forma de arte tem certa facilidade

em conviver com o irrealismo, em contraponto ao cinema convencional, no qual a

impressão de realidade tende a ser bem mais comum. Este irrealismo pode ser

identificado na facilidade que a animação parece ter em suspender, manipular, subverter

ou desafiar leis e convenções do mundo como o conhecemos. Porém a animação sempre

buscou por uma representação que se assemelhasse mais a percepção humana, mesmo

que esta fosse posteriormente subvertida ou essa tendência ao irrealismo buscasse

formas de instigar e emocionar como o cinema convencional faz. E a estereoscopia foi a

forma encontrada para se trabalhar com mais verossimilhança a profundidade, ganhar

novos campos de representação e levar de volta as plateias para a sala de cinema.

A aplicação estereoscópica não é uma novidade técnica, pois conta com mais de

180 anos de exploração e esteve presente no cinema e na animação ao longo de sua

história. É importante o conhecimento de suas obras para que possamos conhecer e

compreender sua aplicação. Muito já foi explorado e parte de sua linguagem está

baseada em fortes alicerces.

O cinema estereoscópico ganhou novo impulso nas últimas duas décadas,

ultrapassando em número de produções o boom da década de 1950. Esse novo

entusiasmo da indústria cinematográfica em elaborar filmes para exibição

estereoscópica, bem como o crescente número de salas de exibição digital que

incorporam esta tecnologia, colocam o tema em evidência mais uma vez. E um olhar

acerca de seu desenvolvimento ao longo da história, assim como as especificidades

técnicas e de linguagem da estereoscopia e da animação se faz necessário.

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