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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

1

A ORALIDADE E A ESCRITA NAS AULAS DE

LÍNGUA PORTUGUESA: um estudo sobre a oralidade e a sua

interferência na escrita dos alunos de 5ª e 6ª série.

ESTER ROMANN DE SOUZA KNAUER/PDE-PR

RESUMO

Este artigo versa sobre um projeto que teve como objetivo investigar a

compreensão de língua oral e língua escrita por alunos das 5ª e 6ª séries do

Ensino Fundamental do Colégio Estadual Segismundo Falarz, na Vila Hauer.

Para tal estudo, busquei a fundamentação teórica pertinente. Percebi,

inicialmente, que os alunos não distinguiam as características das duas

modalidades de língua, deixando marcas da oralidade nos textos produzidos.

Iniciei uma proposta de atividades, que tinha como ponto de partida a

valorização da variação lingüística do educando, o seu linguajar, para depois

partir para a produção textual. A idéia foi partir da linguagem que a criança

domina para fundamentar a aprendizagem da modalidade culta da língua. Após

passar por uma série de atividades práticas, os alunos começaram a perceber

a distinção entre língua oral e língua escrita.

PALAVRAS- CHAVE: Oralidade, escrita e variedade linguística

2

ABSTRACT

This article discusses a project that aimed to investigate the influence of

orality in the writing of students from 5th and 6th grade Segismundo Falarz

State School, in Vila Hauer Elementary School. For this study, I tried reasoning

with the reading in several books. Since students could not differentiate the

orality of writing, leaving his mark on the texts produced. Began a proposal of

activities, which had as its starting point, the appreciation of linguistic variation

of the pupil, their language, and then leave for textual production, because it is

considered that taking into consideration the language that the child masters,

provides a more effective learning. It was found that the student could see the

difference in the large group, but when he produced his texts continued to use

the elements of orality.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por meta apresentar os resultados da aplicação e

desenvolvimento de meu projeto de pesquisa como professora no programa

PDE implementado pelo Governo do Estado do Paraná. O trabalho começou a

ser desenvolvido em meados de 2009. Num primeiro momento, desenvolvi um

projeto de pesquisa no âmbito de ensino da disciplina de Língua Portuguesa,

minha especialidade. Em seguida, tendo em vista a bibliografia pesquisada,

desenvolvi um projeto e, logo após, uma unidade didática, analisando o tema

que recortei no projeto, a saber, a oralidade e a escrita. Dando continuidade ao

programa, voltei para a sala de aula e apliquei o material didático desenvolvido

por mim. Este artigo, portanto, fecha o ciclo com as minhas ponderações e

avaliações a respeito dos resultados obtidos.

3

A escolha do assunto foi com base nas atividades desenvolvidas pelos

alunos da rede pública que apresentavam textos com problemas relacionados

a marcas de oralidade dentro da escrita. Ao iniciar o trabalho constatei que eles

não possuíam o hábito de diferenciar a oralidade dentro dos seus textos e a

escrita se transformava apenas numa outra forma de falar. Por isso organizei

diferentes atividades para que houvesse um reconhecimento das

características da oralidade. Essas atividades foram realizadas em dupla,

individualmente ou coletivamente, envolvendo os alunos para que realmente

existisse um aprofundamento no assunto.

A minha preocupação, nesse trabalho, foi proporcionar diferentes

momentos de reflexão e de estudo sobre essas diferenciações, valorizando

assim, o conhecimento prévio, auxiliando na transformação da linguagem

coloquial para o uso padrão da língua. Esse estudo permitiu observar com

clareza a evolução e a dimensão do trabalho com a linguagem. Um ensino de

língua materna centrado na reflexão, no desenvolvimento do raciocínio, do

senso crítico, levando os alunos a conseguir maior preparação para enfrentar

os desafios que a transformação da linguagem oral para a escrita exige. Por

isso busquei teorias e atividades que fundamentassem a pesquisa e

valorizassem o texto escrito. Trabalhei com textos que mostrassem a oralidade

e também procurei orientá-los através da reescrita dos seus próprios textos.

Assim, este artigo tem como objetivo mostrar os resultados da

investigação qualitativa decorrentes de atividades e textos produzidos e

pesquisados pelos alunos do Ensino Fundamental, atividades em que eles

buscaram compreender e perceber que existe uma diferença entre as

modalidades de língua, de acordo com as finalidades e situações

comunicativas, ampliando sua competência linguística. Foi pensando em como

a escola deve tratar a dicotomia oral/escrito que desenvolvi este projeto.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Partindo da oralidade para a

escrita.

4

Assumi nessa pesquisa que o texto, oral ou escrito, mais do que uma

unidade de sentido é um “evento discursivo” (Beaugrande, 1997,p.4), uma vez

que as pessoas precisam se comunicar e esta comunicação acontece quando

há entendimento e a interação verbal, realizada numa estrutura conversacional

ou não, é uma “atividade semântica”, isto é, um espaço de significações

(Eggins&Slade, 1997,p.5).

Para entender melhor esse processo, busquei leituras de teorias

lingüísticas que pudessem me auxiliar a encontrar novos caminhos levando

assim, os alunos a aprender a diferenciar a oralidade da escrita com

competência lingüística. O texto escrito, da mesma maneira que a fala, tem sua

própria maneira de se organizar, desenvolver e transmitir informação, pois são

distintos entre si, como afirma Marcuschi:

Embora na modalidade escrita ou na falada, o sistema linguístico seja o mesmo para a

construção das frases, as regras de sua efetivação, bem como os meios empregados,

são diversos e específicos, o que acaba por evidenciar produtos diferentes. (Marcuschi,

1986, p.62)

Existem textos escritos que se parecem com “falas”, dada a presença de

marcas de oralidade e de linguagem popular. Encontramos bastante este tipo

de texto em redações escolares. Para Sapir: “a escrita é o simbolismo visual

da fala” (1921, p.19). Para Fillmore, “A comunicação escrita é derivada da

norma conversacional face a face” (1981, p.153). E para Mattoso Câmara, “A

escrita decorre da fala e é secundária em referência a esta” (1969, p.11).

A passagem da linguagem oral para a escrita depende de uma série de

fatores. Por exemplo, a fala apóia-se nos gestos, nos movimentos do corpo, na

expressividade do olhar, na entonação e nas expressões próprias de cada

pessoa. O texto escrito impõe uma forma mais fixa, nele é necessário respeitar

convenções e regras, além de se comunicar com uma pessoa (o leitor) que

está ausente no tempo e no espaço. Para Mary Kato(2000,p.26),

A fala padrão nada mais é do que a simulação da própria escrita. Esse tipo de

simulação tem se aperfeiçoado através do que Ong (Orality e literacy, 1982) chamou de

tecnologização da fala. Esse autor nos conscientiza para o fato de que meios

tecnológicos, como o telefone, o rádio e a TV (principalmente), sustentam uma

5

linguagem oral dependente da língua escrita, o que nos faz supor que, a longo prazo, a

chamada distinção entre linguagem falada e linguagem escrita tenderá a neutralizar-se,

deixando de ser empecilho para o acesso à linguagem prestigiada pela sociedade e,

através dela, à informação. Outro ponto importante no estudo de Brown (1981, p.166-

82) é a sua postura do grau de obediência à norma-padrão como critério definidor das

duas modalidades.

O aluno chega à escola falando, pois a fala é uma habilidade adquirida

antes de se escrever. Consequentemente, as regras gramaticais e textuais da

fala são adquiridas primeiro e formam a base do conhecimento da criança e do

uso da linguagem (KRESS,1982:33). “A linguagem oral é adquirida pela

criança à medida que é envolvida em contextos comunicativos, nos quais a

linguagem é sempre significativa para ela”. Se, por um lado, a criança adquire

a linguagem oral de forma “natural”, o mesmo não se tem dito sobre linguagem

escrita. A aprendizagem desta, normalmente, tem sido vinculada à

escolarização da criança. Não se pode negar que a criança adquire a

linguagem oral de forma não sistemática. No entanto, há que se considerar

que, apesar da forma predominantemente natural da aquisição da linguagem

oral, existem circunstâncias em que a criança pode refletir sobre a linguagem,

como, por exemplo, quando alguém a corrige. Nesses momentos, a criança

está elaborando uma reflexão metalingüística, ao confrontar a sua hipótese

com o que lhe diz o interlocutor.

A escola precisa mediar entre a escrita didática e aquela que a sociedade

usa, porque a fala veio primeiro. Para Délia Lerner(2002,p.14), “A intenção do

educador deve ser a de extrapolar as situações de escrita puramente escolares

e remeter às práticas sociais, para que a aprendizagem seja efetivada”. Com

base nisso, podemos dizer que falamos para nos comunicar em sociedade.

Embora as teorias que explicam a aquisição da língua pela criança possam ser

controversas, é incontestável que o uso da língua interfere profundamente na

nossa maneira de ser e de nos comunicar com os outros, pois ela marca a

nossa característica e é altamente individual. Quando falamos oralmente ao

próximo ou mentalmente a nós mesmos, conseguimos organizar o nosso

pensamento e torná-lo articulado e nítido. Dessa maneira, pode-se dizer, que é

através da linguagem, que nos comunicamos uns com os outros no ambiente

6

social. Enfim, a linguagem tem uma função prática imprescindível na vida

humana.

Existem dois tipos de exposição lingüística: a que pode ser falada ou

escrita. Há muito tempo que a civilização deu uma importância extraordinária à

escrita e, muitas vezes, quando nos referimos à linguagem, só pensamos

nesse aspecto. É preciso não perder de vista, que a expressão oral aparece

muito tempo antes da expressão escrita.

Quando estamos escrevendo, a força da oralidade pode marcar a própria

escrita havendo necessidade de um policiamento cada vez mais consciente por

parte do escritor. Como diz Ehrlich(1983,p.495):

“Há uma necessidade de preservar a transmissão participativa do oral, mas há

necessidade também, por parte daquele que já ingressou no mundo dos

letrados, fazer um uso funcional do código escrito para aumentar as

possibilidades de acesso independente à informação”.

Portanto precisei elaborar determinadas atividades para que o aluno

conseguisse fazer essa transição do oral para o escrito e melhorasse sua

percepção dessas diferentes modalidades da linguagem. Kato afirma que

“alguns atos simples, o texto do autor pode ser entendido tanto literal quanto

indiretamente, através de sinais convencionais discursivos ou através do

conhecimento partilhado entre escritor e leitor” (2000,p.48).

Um outro aspecto que pode ser levantado também se refere à efemeridade

da linguagem oral, pois ela desaparece tão logo é produzida; por isso, que a

conversação e a entrevista foram filmadas para que houvesse uma transcrição

da fala para a escrita, podendo assim a linguagem escrita ser preservada no

tempo. O fato de a linguagem escrita durar mais que a linguagem oral, traz a

conseqüência de ser mais conservadora. Para CHAFE, o oral traz, nele

mesmo, a transformação (CHAFE,1985,p.122).

“Pode-se dizer que uma unidade de idéia expressa o que está na memória de

curta duração do falante, ou foco de consciência, no momento em que ela é

produzida. Assim, a unidade de idéia evidencia tanto a natureza quanto a

capacidade da consciência focal. Parece que sob condições normais, um

falante não focaliza, ou não pode focalizar, sua atenção em mais informação do

7

que aquela que pode ser expressa em cerca de 6 ou 7 palavras (CHAFE &

DANIELEWICZ, 1987).”

Clark e Havilland, em S.E. Comprehensions(1977,p.4), dizem: “Procure

construir seu enunciado (ou texto) de modo que seu ouvinte (ou leitor) tenha

um e somente um antecedente direto para cada informação dada e que este

seja o antecedente pretendido.” Dessa maneira, o aluno se transformará em

um excelente orador, um leitor assíduo e um escritor completo.

3. APLICAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA

IMPLEMENTAÇÃO

As atividades em análise neste artigo foram desenvolvidas em turmas de

quintas e sextas séries do Ensino Fundamental, com alunos cuja idade varia

entre 11 e 16 anos, durante quatro meses: de agosto até novembro de 2010.

Para começar as atividades precisei recorrer às habilidades que são ler,

escrever, falar e escutar – elas nos permitem agir no mundo que nos cerca e

com ele interagir. Colocamos em prática essas habilidades por meio da

linguagem. Por isso, quanto mais conhecermos a linguagem e as inúmeras

possibilidades de usá-la, tanto melhor nos expressaremos e compreenderemos

a expressão do outro.

Ninguém escreve sem ter uma intenção. Escrevemos sempre com um ou

mais objetivos que podem ser percebidos ou não pelos leitores. Entre outras

finalidades, um texto pode servir para informar, documentar, divertir,

emocionar, criticar ou convencer. Escolhemos as ideias, a linguagem e o tipo

de texto que serão empregados. Qualquer atividade deve ser debatida para

que não haja dúvida, quanto a sua realização. Pensando nessas idéias que

criei o texto “Ninando" para mostrar uma variante da língua padrão. Os alunos

puderam perceber uma linguagem diferente. O choque foi grande, pois

estavam acostumados a escrever inconscientemente, usando a oralidade e,

quando tiveram que ler e estudar a poesia, perceberam as palavras diferentes

e falaram que não escreviam assim, mas quando foi pedido que fizessem uma

8

produção de texto, as palavras apareceram quase iguais às do poema. Só

assim, confrontando a teoria com a prática, eles perceberam como usavam a

oralidade nos seus escritos.

CONVERSAÇÃO

Era necessário que houvesse uma atividade envolvendo a conversação,

pois a partir daí, é que acontece uma adequação da linguagem, podendo ser

percebida quando os colegas conversam com os outros, pois é através da

conversação que aprendemos a falar, uma vez que a tecnologia permite

também o diálogo entre as pessoas distanciadas espacialmente. O que iniciou

esse distanciamento foi o telefone, que resultou numa série de regras para o

seu uso. Maneiras de cada um se identificar, duração de uma ligação, quem

deve tomar a iniciativa de mudar de assunto e de encerrar uma conversa.

Depois vieram os programas de computador como: ICQ, MSN MESSENGER e

outros, que possibilitaram a ocorrência de uma conversação na modalidade

escrita. Também os CHATS – ou bate-papos via internet, estão produzindo um

conjunto de normas de escrita compartilhadas pelos usuários. São normas

diferentes da ortografia oficial da língua, cheias de abreviações e outros

recursos, que buscam uma maior velocidade na produção escrita e incorporam

novas formas de expressão. Muitos dos alunos estavam usando a linguagem

virtual em seus textos e puderam perceber que existe uma linguagem para

cada situação. A partir dessa conversa os alunos tiveram acesso a um quadro

que mostra as principais abreviações que são usadas nessas salas de bate-

papo e puderam complementar com as suas experiências, depois montaram

um texto para mostrar a linguagem dos “chats” usadas por eles. Também

fizeram uma simulação como se estivessem conversando com o colega

informalmente, assim puderam perceber a linguagem usada por todos na sala.

Através dessa atividade puderam compartilhar com os colegas as suas

experiências, normalmente usadas, nessas salas de bate-papo.

BLZ = Beleza TC = quer Teclar ? VC = Você KDVC = Cadê você? UIN = nº do ICQ

9

TB = Também

PCO = Parceiro (em sites de jogos) KKKKK = Gargalhada Fazer CIA = Fazer

Companhia Q = Que

BLZ = Beleza TC = quer Teclar ? VC = Você KDVC = Cadê você? UIN = nº do ICQ

TB = Também

PCO = Parceiro (em sites de jogos) KKKKK = Gargalhada Fazer CIA = Fazer

Companhia Q = Que

[]'s Abraços :-D Alegre :-* Beijo |-O Bocejando ¦ ( Chateado :'-( Chorando (@@)

Espanto :-) Feliz :-)))) Gargalhando :-@ ou : -V Gritando ;-) Piscando o olho :-( Triste

|-) Ficando com sono :-P Mostrando a língua ::-) Uso óculos :-(#) Uso aparelho

dentário X-) Tímido

Abraços :-D Alegre :-* Beijo |-O Bocejando ¦ ( Chateado :'-( Chorando (@@) Espanto

:-) Feliz :-)))) Gargalhando :-@ ou : -V Gritando ;-) Piscando o olho :-( Triste |-)

Ficando com sono :-P Mostrando a língua ::-) Uso óculos :-(#) Uso aparelho dentário

X-) Tímido”

Os alunos chegaram à conclusão que nem todas as pessoas falam da

mesma maneira. As diferenças na fala das pessoas ocorrem devido à classe a

que pertencem, à idade que possuem, à região do país onde elas moram e

outros motivos. Os alunos discutiram que existe uma maneira correta e uma

incorreta de falar. As maneiras de falar não são melhores nem piores, apenas

diferentes. Respeitar o modo de falar de cada pessoa é uma questão de

consciência, uma vez que falar de maneira informal numa situação formal está

errado. Da mesma maneira que falar de modo formal numa situação informal

também está errado. Além disso, conhecer as diferentes formas de linguagem

é necessário para que possamos compreender o assunto tratado.

Vale a pena salientar que há diversas situações de conversações: para

que haja uma conversação é necessário que exista uma interação entre pelo

menos dois falantes, com pelo menos uma troca de papéis; os participantes

10

interagem em uma sequência de ações coordenadas, em que cada um leva em

conta a intervenção de temas comuns ao longo da interação.

A conversação requer uma interação cooperativa, onde os falantes mantêm

um determinado assunto. É muito repetido que a conversação é uma arte, e

este dito deve ser levado a sério. Como arte, a conversação não é julgada pela

qualidade informativa, mas sim, pela qualidade dos sentimentos que desperta,

se eles aproximam ou afastam os interlocutores. É interessante evitar modos

que criam antipatia, descobrir e praticar os modos que, ao contrário, induzem

simpatia e felicidade no convívio. Nesse sentido, existem coisas a serem

evitadas na conversação, coisas a valorizar e praticar.

Entre as diversas formas da conversação na sociedade, a de maior

interesse é a informal, pois é a mais utilizada pelos falantes. Passamos a maior

parte do dia conversando informalmente. Na conversação, os participantes se

alternam nos papéis de falante e de ouvinte, cada mudança de interlocutor

corresponde a um papel. Marcuschi (1986,p.19) define nos seguintes termos a

organização da conversação:

A regra geral básica da conversação é: fala um de cada vez. Pois, na

medida em que nem todos falam ao mesmo tempo (em geral um

espera o outro concluir) e um só não fala o tempo todo (os falantes se

alternam), é sugestivo imaginar a distribuição dos turnos entre os

falantes como um fator disciplinador da atividade conversacional.

Com isso, a tomada de turno pode ser vista como um mecanismo-

chave para a organização estrutural da conversação, para a qual

podemos imaginar :

A:fala e pára;

B:toma a palavra, fala e pára;

A: retoma a palavra, fala e pára;

Esse princípio da fala é frequentemente desrespeitado, isso não quer dizer

que não existam regras. Na conversação telefônica, quem faz a ligação tem a

obrigação de se identificar e de verificar se está falando com o interlocutor

desejado e tem prioridade para indicar o tema da conversa.

Quando nos comunicamos oralmente, fazemos uso de um conjunto de

recursos além das palavras: a expressão facial, os gestos, o tom de voz, a

velocidade, a ênfase. Além disso, a conversação está repleta de hesitações,

repetições, pausas, interrupções dos interlocutores, superposições de fala.

11

Assim ao registrarmos a conversação, deparamo-nos com vários recursos que

não têm correspondentes no sistema gráfico. Os alunos conversam o tempo

todo e nem se dão conta do que estão dizendo e nem que fazem uso de todos

esses recursos, para que eles pudessem perceber, fizemos algumas filmagens,

mostrando conversas informais, diálogos, entre os colegas da sala. Essas

conversações foram registradas em vídeo e depois mostradas, assim todos

puderam perceber o conjunto de recursos usado na comunicação oral.

Ficou bem claro que é através da conversação que os laços são

estabelecidos, consolidados e modificados.

Num outro momento os alunos foram levados a gravar uma conversa, em

primeiro lugar entre os próprios colegas da sala e, num segundo momento,

entre os familiares, para analisar e ver as diferenças que ocorrem quando

passa da fala para um texto escrito. Após a gravação transcreveram as

conversas usando a tabela abaixo. Perceberam como representar mais

detalhadamente recursos da fala na escrita.

Ocorrências Sinais

1- Indicação dos falantes Os falantes devem ser indicados em linhas, com

letras ou alguma sigla convencional

2- Pausas ...

3-Ênfase MAIÚSCULAS

4-Alongamento de vogal : ( pequeno)

:: (médio)

::: (grande)

5- Silabação -

6- Interrogação ?

7- Segmentos incompreensíveis ou ininteligíveis ()

(ininteligível)

8- Truncamento de palavras ou desvio sintático /

9- Comentário do transcritor (())

10- Citações ""

11- Superposições de vozes [

12- Simultaneidade de vozes [[

13-Ortografia De acordo com a fala dos informantes

12

Essa atividade foi válida uma vez que eles puderam perceber a riqueza da

linguagem oral e a dificuldade de expressar os sentimentos no papel.

Para desenvolver diversas estratégias envolvendo a fala e a escrita

foram feitas várias atividades como o estudo da variedade lingüística, uma vez

que a língua não constitui um sistema acabado, mas está em constante

evolução, sofrendo transformação, comprovando assim que a língua não é

usada por todos os seus falantes de modo homogêneo. O uso varia de época

para época, de região para região, de classe social para classe social e assim

por diante. Nem individualmente podemos dizer que o uso seja igual para

todos.

VARIEDADE LINGUÍSTICA

Era necessário mostrar para os alunos que existe uma língua portuguesa

que é usada de diferentes maneiras, oralmente ou por escrito. Essas

diferenças podem se manifestar no vocabulário, na pronúncia, no modo como

organizamos e combinamos as palavras nas frases, etc.

Existem muitas variações, pois nenhuma língua permanece uniforme em

todo o lugar e ainda em um só local apresenta diferenciações de maior ou

menor amplitude. Porém essas variações não prejudicam a língua ou a

consciência daqueles que a utilizam.

A variedade que um indivíduo usa é determinada por quem ele é. Todo o

indivíduo aprendeu a variedade falada em sua comunidade lingüística e essa

variedade é uma das manifestações da língua que ele fala, um de seus

dialetos. As variedades podem ser de cunho geográfico, social e individual, já

que as pessoas usam a língua da maneira que lhes convêm.

Depois da explicação sobre variedade lingüística, os alunos leram o

texto ”O jogo” e refletiram sobre ele, percebendo que nem todos falam da

mesma maneira; também leram e fizeram um estudo da poesia “O namoro”,

onde perceberam a variedade lingüística.

13

O quadro abaixo mostra as ocorrências mais freqüentes das variações

lingüísticas na fala, como toda a fala pode ser escrita, isso pode retratá-la.

Abaixo, estão alguns exemplos de como a língua pode variar.

Uso de “r” pelo “l” em final de sílaba e nos grupos consonantais: pranta/planta; broco/bloco.

Alternância de “lh” e “i”: muié/mulher; véio/velho.

Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas: arve/árvore; figo/fígado.

Redução dos ditongos: caxa/caixa; pexe/peixe.

Simplificação da concordância: as menina/as meninas.

Ausência de concordância verbal quando o sujeito vem depois do verbo: “Chegou” duas moças.

Uso do pronome pessoal tônico em função de objeto (e não só de sujeito): Nós pegamos “ele” na hora.

Assimilação do “ndo” em “no”( falano/falando) ou do “mb” em “m” (tamém/também).

Desnasalização das vogais postônicas: home/homem.

Redução do “e” ou “o” átonos: ovu/ovo; bebi/bebe.

Redução do “r” do infinitivo ou de substantivos em “or”: amá/amar; amô/amor.

Simplificação da conjugação verbal: eu amo, você ama, nós ama, eles ama.

Quando não se tem conhecimento sobre as variações lingüísticas,

normalmente costuma-se considerá-las formas “erradas” de comunicar-se.

Embora qualquer manifestação da língua seja lícita, é preciso que se conheça

a variante formal, ou seja, o padrão culto que a escola irá ensinar. Somente

conhecendo a variedade culta da língua é que se pode ter acesso ao

conhecimento acumulado pela humanidade, por exemplo.

Outro ponto fundamental a considerar é que se o aluno percebe a escrita

como transcrição da fala, em casos como o citado acima. Ao referir-se a essa

questão, CAGLIARI (op.cit. p.31) defende que se a escola distinguisse

claramente os problemas de fala dos problemas de escrita, veria essas escritas

como escritas de fala, e feitas com uma propriedade fonética tão grande que

chega a ser comovente a consciência que as crianças têm do modo como

falam. O professor deve sempre interferir quando perceber que a criança não

14

está conseguindo processar a passagem da fala para a escrita, pois há muitos

modos de falar, mas apenas um de escrever.

Após o estudo dos textos, os alunos produziram os seus próprios.

Observaram na sua produção de texto e na de seus colegas a variedade

lingüística da sala e os problemas apresentados em relação ao domínio da

escrita. Na reescrita, foram observadas algumas situações:

- Dificilmente as palavras eram acentuadas como: beija-lo, romantico, ciume,

ate, amazonia, la, voce, entre outras.

- Marcas da oralidade como: pegar ele, levar ela, resoveu, di, encomodar,

arepiado, pessadelo, tubem, agente, fui na casa, ir no, tabom, te do, feis, livos,

chau, tabom, tou, ta, te, nois, parecie, agetado, camioneiro,intão, migo,

dumingo, mami, acustumados, iveja,decha, senviço, nomal,loca, com sigo,

virge, tembe, vo toma banho, a gente vamos, soto, muito, feze se, tambeim,

queto, interomperam, entam, tava, vai ir, poco, tenque, mucho, dinhero, beim,

xau, saindu, atarde, fais, dexa, tamem, baxando, tu tava, vô lava loca, onte,

purinquanto, pravim, tabom, colpa, se encontramo, pêra ai, vaim, e outras.

- Dificuldade em usar letra maiúscula.

- Retirada do r final: trabalha (trabalhar), compra (comprar) e outras.

- Retirada do s final: vamo assisti ele, e outras.

Há algumas situações que decorrem da variedade lingüística e outras da

insegurança em relação à escrita.

A escrita que apresentam é uma reprodução da fala, pois, se alguma

palavra apresenta um determinado fonema (som) que na escrita é

representado por outro grafema (como nos exemplos de /s/ acima citados), a

tendência é escrevê-la de acordo com sua fala, não dominando a convenção.

Todas as palavras foram retiradas das redações dos próprios alunos.

GÍRIA

Quando comecei a questionar os alunos a respeito da gíria, nem todos

sabiam o que significava e muito menos se eles falavam ou não. Então

expliquei o significado do termo: variedade estilística, fala de um determinado

grupo ou situação social. A gíria é um fenômeno tipicamente sociolingüístico,

15

que pode ser estudado sob dois modos: a primeira chamada gíria de grupo,

que é um vocabulário de grupos sociais restritos, cujo comportamento se afasta

da maioria, seja pelo inusitado, seja pelo conflito que estabelecem com a

sociedade. São grupos ligados à música, à dança, às diversões, aos esportes,

aos pontos de encontro nos shoppings, à universidade e outros; há os grupos

comprometidos com as drogas e o tráfico, com a prostituição, com o roubo e o

crime e outros, que usam a gíria como uma linguagem secreta, sendo uma

defesa do grupo e, às vezes, configurando posição de superioridade, tendo que

ser mudada, tão logo se torne conhecida por outras pessoas que não

pertencem ao grupo, perdendo assim, a sua verdadeira significação.

A gíria faz parte das mais diferentes situações interacionais. E jovens e

adultos empregam vocábulos gírios, às vezes, nem se dão conta de que o

fazem. Na linguagem falada, a gíria constitui um recurso simples para

aproximar os interlocutores, quebrar a formalidade, forçar uma interação mais

próxima dos interesses das pessoas que dialogam. Essa situação, também,

ocorre na imprensa, onde o envolvimento com o leitor requer que se

empreguem, às vezes, recursos da oralidade.

Na vida urbana moderna, ao lado do rádio e da TV, a imprensa está na

linha de frente das transformações lingüísticas, em particular na luta pela

concorrência das formas populares com as cultas. Depois dessa explicação foi

feita uma pesquisa na sala para ver quais eram as gírias mais usadas e depois

no colégio. Foram dadas algumas gírias como ponto de partida para a

pesquisa.

animal: pessoa muito legal ou agressiva.

avião: mulher bonita.

comer pelas beiradas: chegar de mansinho.

crescer o olho: cobiçar alguma coisa.

dar um gás: fazer alguma coisa rapidamente.

dar um rolê: dar uma volta, passear.

do bem: alguém que é confiável.

ficar: namorar sem compromisso.

firmeza: pessoa legal.

16

jaburu: mulher feia.

maneiro: algo bem interessante.

mina: menina, garota.

tigrão: garoto bonito, esperto.

Dar um rolê: passear, sair

Gostosa: mulher bonita, sensual

Porrada: soco, murro

Pipoco: tiro

Mocréia: mulher feia

Bater um fio: fazer um telefonema

Os alunos se reuniram em equipes e foram entrevistar os colegas.

Primeiro os da sala e depois do colégio, para saber qual era o tipo de gíria que

eles usavam com mais frequência e a conclusão foi:

“ fecho - liga – to de boa – truta – na moral – comu – treta – susse – zuera –

oloko – noia – role – baia – soh – abacache – to de face – zuera - pides – grilo

– loko – foi mau, cara – mano – beleza – massa – capais – bera – tirambaço –

mina – brother – galera – nais – roele – puts ferro – me ferrei – hora do rango –

grog – na naio por aí – feixou – sarro – de dá dó – é nois que ta – noiado – nóia

– dorgas – a só – affê – cabaço – loka – grude – se liga – truta – na moral –

comu – treta”

Depois da pesquisa feita, chegou-se à conclusão que no Colégio os

alunos usam o mesmo tipo de gíria, uma vez que houve repetições.

Conseguimos identificar o tipo de gíria falada por aquela comunidade.

A FALA NA ESCRITA

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Fiz também atividades de conversação com o objetivo de estudar a variedade

lingüística e as gírias. Considerei que os alunos já estavam prontos para

identificar a fala na escrita através de textos. Eles leram os textos e tinham que

identificar e retirar as marcas de oralidade fazendo as devidas modificações.

Como diz no primeiro capítulo de seu livro “Da Fala Para a Escrita”, Luís

Antonio Marcushi propõe, antes de tudo, um esclarecimento sobre o tema que

pretende abordar. Ele afirma que muito mais do que apenas uma distinção

entre a “fala e escrita”, é entender que, na verdade, são práticas sociais muito

distintas, cada uma delas com suas possibilidades, necessidades

funcionalidades.

Marcushi deixa muito claro em seu livro o quanto é equivocada a

“supervalorização da escrita” na nossa sociedade, mostrando que “o homem é

um ser que fala e não é um ser que escreve” e que, portanto, a língua se faz no

uso e não por regras predeterminadas.

Sem querer elevar a oralidade a um patamar superior ao da escrita, o autor

explica como ambas têm sua importância e papel social definido e que,

portanto, consistem de dois tipos diferentes de “modalidades de uso da língua”,

não sendo uma nem melhor e nem pior que a outra, apenas que uma é mais

adequada para determinadas situações, enquanto a outra tem diferentes usos.

Desta maneira devemos escolher qual usar mediante a situação

apresentada, como, por exemplo, o âmbito escolar.

Tendo isso em vista, conduzi algumas atividades de reescrita para que os

alunos pudessem perceber as marcas da fala e foram feitas adequações, a fim

de melhorar o entendimento do texto na forma padrão. Essa atividade foi muito

proveitosa, pois puderam perceber as marcas da oralidade como a repetição

do e, uso de daí, repetições de palavras, que poderiam ser substituídas por

sinônimos ou por pronomes, o uso de né?, Fazendo essas modificações para a

linguagem padrão. Observaram-se as dificuldades em relação à escrita dos

educandos e não deixando de valorizar a variedades lingüísticas trazida pelo

convívio familiar.

18

LINGUAGEM FORMAL E INFORMAL

Sei que é muito importante distinguir a linguagem formal da informal, uma

vez que as variedades (a variedade padrão, as variedades regionais,

estilísticas) podem se apresentar de modo formal ou informal. O uso da

variedade padrão ou de outra variedade, as expressões regionais, gírias,

jargões e os graus de formalidade e informalidade dependem do contexto, da

situação de comunicação.

A maneira mais elaborada de falar ou escrever é chamada linguagem

formal. A linguagem formal é mais usada na escrita e em situações orais

formais, como palestras, seminários entrevistas de alguns tipos de emprego,

entre outras.

A maneira mais simples e descontraída de falar ou escrever é chamada de

linguagem informal. Nós a usamos quando temos mais intimidade com nosso

interlocutor ou quando queremos nos aproximar dele. Ex: E aí tudo bem?

Podemos usar uma linguagem menos ou mais formal, de acordo com a

situação e a pessoa com quem interagimos.

Os alunos desenvolveram várias atividades com base em textos onde ficou

bem clara essa informalidade em alguns momentos e em outros a formalidade,

como interpretação de texto e algumas situações envolvendo a linguagem

adequada para ser usada em um discurso, um bilhete, uma conversa ou até

mesmo entrevista.

Foram criadas diferentes situações, para que na prática, os alunos,

pudessem perceber o uso da linguagem formal e informal. Essa atividade foi

muito bem aceita, pois eles não percebiam que existia essa diferença e quando

ela deveria ser usada ou não.

ENTREVISTA

O ponto culminante deste material foi a entrevista, pois movimentou o

colégio todo, uma vez que entrevistaram desde os colegas até a diretora, pois

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a entrevista constitui um processo de interação que se constrói com marcas do

empenho dos participantes na negociação da significação. Tal processo não

pode ser avaliado como um simples ato de produzir enunciados a um falante

da mesma língua, e sim como uma forma de organizar a fala para compreender

e se fazer compreender, envolvendo características tanto da fala como da

escrita.

A entrevista é uma conversa entre duas ou mais pessoas, situação em que

algumas questões são levantadas para obterem-se informações. Segundo

Marcuschi(2000):

“Há eventos que parecem entrevistas por sua estrutura geral

de perguntas e respostas, mas distinguem-se muito disso. É o

caso da tomada de depoimento na justiça ou do inquérito

policial. Ou então um exame oral em que o professor pergunta

e o aluno responde. Todos esses eventos distinguem-se em

alguns pontos (em especial quanto aos objetivos e a natureza

dos atos praticados) e assemelham-se em outros”.

Segundo Marcushi, pode-se dizer que o gênero entrevista possui itens gerais

comuns a todos os gêneros entrevista, como a sua estrutura que será sempre

caracterizada por perguntas e respostas, envolvendo pelo menos dois

indivíduos; o papel do entrevistador caracteriza-se por abrir e fechar a

entrevista, fazer perguntas, pedir a palavra ao outro, orientar na transmissão de

informação, introduzir novos assuntos, orientar e reorientar; já o entrevistado

responde e fornece informações pedidas; gênero oral, podendo ser transcrito

para ser publicado em revistas, jornais ou sites.

Portanto é preciso deixar claro que, numa entrevista, os direitos dos

participantes não são os mesmos, pois o entrevistador faz as perguntas e

oferece, em seguida, o turno ao entrevistado. Na verdade, as relações de

poder entre eles, deixa-os em diferentes condições de participação no diálogo,

havendo um direcionamento maior ou menor na interação... (FÁVERO, 2000, p.

80). Segundo Fávero (2000), é possível também ocorrer o inverso, ou seja, o

entrevistado pode dirigir a entrevista. E, em casos menos frequentes, os dois

interagem em situação ideal, sem que haja direcionamento.

Na sua maioria, os tipos de entrevista vão além da interação eu – tu,

pois o ouvinte, telespectador, leitor vai influenciar indiretamente a função do

entrevistador/entrevistado. Por exemplo, se o entrevistador fizer oposição a um

20

determinado governo, poderá deixar claro para o público no tipo de perguntas

que fará. Na língua falada o planejamento e a produção são simultâneos, ou

quase. O que não ocorre na escrita, pois essa é passível de inúmeras revisões.

As entrevistas orais (no rádio e TV) mantêm as marcas da oralidade

(hesitações, falsos começos, repetições, paráfrases, etc.). As entrevistas que

são publicadas por escrito acabam sendo despidas dessas marcas.

Outro elemento que precisa passar por análise séria é o par dialógico

Pergunta- Resposta (P-R), levando em conta o contexto de ocorrência e a sua

função sociodiscursiva.

Nem sempre acontece a P seguida de R. Uma pergunta pode ser

sucedida por outra pergunta. Uma entrevista normalmente constitui-se de

vários tópicos. O entrevistador normalmente faz uma P para iniciar a entrevista

e a cada novo tópico uma nova P. As P-R também dão prosseguimento aos

tópicos já iniciados. Às vezes ocorre o desvio do tópico, aí o interlocutor poderá

redirecioná-lo através de uma P. Pode ocorrer também uma P para que haja

mudança no tópico, se o mesmo já está esgotado ou não se quer mais falar

sobre ele. A função básica, principalmente da entrevista jornalística, é a busca

de informações, mas ao considerar o par P-R, Fávero (2000) aponta, ainda,

que se fazem perguntas para obter informações, que podem ser seguidas por

outra P para obter a confirmação dessa informação. Ainda pergunta-se para

obter esclarecimento, principalmente na parte oral da entrevista, pois na escrita

esta parte poderá ser eliminada.

São recorrentes ainda as “perguntas retóricas” feitas apenas para

manter o turno, uma vez que se conhece a resposta. Portanto: o par dialógico

P-R se configura como elemento imprescindível na organização do texto da

entrevista, prestando-se a consolidar ou a modificar as relações entre os

interlocutores (entrevistador, entrevistado, audiência), imprimindo um caráter

vivo ao evento discursivo. (FÁVERO, 2000, p. 96)

Considerar a entrevista como um evento de comunicação e

comunicação oral na sua essência, justifica sua escolha como corpus do

presente trabalho. A intenção aqui não é a de esgotar uma teorização com

relação ao gênero em questão, mas apenas destacar os aspectos mais

relevantes desse evento comunicativo tão presente em todos os setores sociais

da vida moderna.

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Foram trabalhadas, com os estudantes, algumas características como a

postura e a ética do entrevistador. Vasconcelos (2007) nos esclarece quanto ao

respeito sobre o que foi proferido pelo(s) entrevistado(s), ou seja, mesmo que o

material original passe por um processo de editoração, o entrevistador precisa

cuidar para não desvirtuar as informações dadas pelo(s) entrevistado(s). O

autor também nos apresenta algumas outras questões relevantes de serem

estudadas, como: autorização para gravar ou registrar os dados da entrevista;

respeito ao entrevistado e a sua cultura; distância audível entre entrevistado e

entrevistador; adequação do vocabulário; e postura/imagem corporal do

entrevistador. O quadro mostra como fazer a passagem da linguagem oral para

a escrita.

OCORRÊNCIA SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO

Segmentos ou palavras

incompreensíveis

ou ininteligíveis

( ) ) bora gente... tenho aula... ( )

daqui

Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o

gravador)

Truncamento de palavras ou

desvio sintático

/ / eu... pre/ pretendo comprar

Entoação enfática (ênfase) MAIÚSCULA porque as pessoas reTÊM moeda

Alongamento de vogal ou

consoante :(pequeno)

::(médio)

:::(grande)

eu não tô querendo é dizer:: é: o

eu fico

até:: o: tempo todo

Silabação _ Do-minadora

Interrogação ? e o Banco... Central... certo?

Qualquer pausa ... são três motivos... ou três razões

Comentários descritivos do

transcritor ((minúscula)) M.H... é ((rindo))

Comentários que quebram a

seqüência

temática da exposição; desvio

temático

– – – – ... ... a demanda de moeda – –

vamos dar essa

notação – – demanda de moeda

por

motivo...

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Superposição de vozes

[

H28. é... existe... [você...

M33. [pera aí... você acha...

Simultaneidade de vozes [[ mas eu garanto

H28 [[ eu acho é...

Citações “ “ “mai Jandira eu vô dize a Anja”

– Símbolos utilizados na transcrição de textos orais

FONTE: KOCH (1992, p. 73-74); DIONÍSIO (2001, p. 76)

Essas marcas pretendem codificar na escrita certos recurso da linguagem

falada. No entanto, se a entrevista for publicada, deve-se traduzir a linguagem

falada para a linguagem escrita. Esse é um excelente exercício para se

entender a diferença entre as duas modalidades.

Foram organizadas equipes e escolhido o entrevistado; as perguntas

foram elaboradas e a entrevista foi filmada; a escolha das palavras, a maneira

de elaborar as frases foram compreensíveis à pessoa que estava sendo

entrevistada. A apresentação foi feita em forma de vídeo e depois de analisada,

por escrito, eles transcreveram, fazendo referência a várias normas indicadas

pelo quadro que demandam eficiência no uso oral para o escrito da língua.

Após essa atividade, os alunos elaboraram “O jornal da TV”, que é uma

forma de notícia, que foi apresentada em equipe. Foi necessário apresentar a

notícia, pensando nas características de seus espectadores, que eram pessoas

da escola e da comunidade. A linguagem foi clara, objetiva e compreensível,

relatando fato ou acontecimento atual do interesse das pessoas, formando

assim, um vídeo e um jornal. Desse modo, fez-se uma transposição da língua

oral para a língua escrita ao se editar o texto.

A sala foi dividida em equipes, cada uma ficou encarregada de montar,

produzir um jornal. O primeiro passo foi montar as perguntas para fazer a

entrevista. Cada equipe ficou encarregada de entrevistar 3 pessoas, da escola

ou fora dela. Os assuntos seriam relacionados ao momento atual. Eles teriam

que filmar a entrevista e depois passar para os colegas como se fossem

repórteres. Enquanto alguns montavam as entrevistas, os outros membros da

23

equipe escolhiam as matérias que seriam colocadas no jornal. Nos dias da

apresentação, os “jornalistas” apresentavam o jornal e os “repórteres”

mostravam as suas entrevistas. Após a apresentação, os alunos perceberam

as marcas da oralidade, uma vez que transcreveram as entrevistas. A atividade

foi válida, pois eles nem sabiam que existia uma diferença tão grande entre a

oralidade e a escrita.

Prosseguindo nesse eixo, foram feitas algumas tentativas de transcrição

conversacional, utilizando os marcadores conversacionais da teoria da Análise

da Conversação (AC), segundo Marcuschi (2006). Partimos, finalmente, para a

retextualização, atividades de escrita que partiram do texto oral ouvido, depois

já transcrito até chegarmos à modalidade escrita culta.

Os alunos quiseram refazer o “laboratório de entrevistas” para comparar as

falas e as superações de dificuldades. Nas posteriores avaliações escritas

expuseram as descobertas feitas com relação às exigências da fala em

momentos mais formais e o quanto das marcas dos textos orais eles levam

para seus textos escritos. Valorizei mais a entrevista, pois foi nela que o aluno

realmente mostrou o que aprendeu. No final tiveram que fazer a transcrição

retirando todas as marcas de oralidade que aprenderam.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do desenvolvimento das atividades, foi percebido o quanto a

criança trabalha naturalmente com a oralidade e a escrita. Fora do ambiente

escolarizado, os alunos conseguem se expressar com naturalidade e

desenvoltura. Isso mostra como é importante a valorização da oralidade para

que o aluno possa ter segurança no processo de transcrição para a escrita. Por

outro lado, é extremamente útil e necessário refletir sobre a escrita, pois

somente assim os alunos começam a observar as suas características.

Os resultados obtidos foram significativos, porque as atividades

desenvolvidas contribuíram para uma reflexão da prática pedagógica. Buscou-

se sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como

sistema de representação da linguagem oral das crianças. “É um momento

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transitório de passagem da oralidade para a escrita. (Franchi, 2003). Essa foi

uma mediação necessária porque assim ganharam espaço e se fortaleceram

todas as formas de manifestação na escrita.

Respeitando essa mediação, notou-se nas crianças o gosto e a

confiança na oralidade, mostrando o prestígio de sua arte verbal e não tendo

medo de produzir uma escrita totalmente subjetiva.

Foi necessário esclarecer ao aluno que existem diferentes formas de

usar a língua oral e que essas maneiras são contextualmente definidas. Desse

modo ele poderá monitorar o seu estilo, adequando sua linguagem à

circunstância de fala.

A escrita não consegue reproduzir a fala. Esta tem sua entonação,

timbre, altura, ênfase, pausas e velocidade de enunciação que são parcamente

reproduzidas na escrita pelos diversos sinais gráficos. Essas diferenças

apontam para as diferentes situações de comunicação. Um ato de fala implica,

necessariamente, o contato entre os interlocutores, sendo ele indireto no caso

da escrita. Um ato de fala apóia-se em recursos extralingüísticos como gestos,

expressões faciais, postura, elementos facilitadores de uma comunicação.

Em termos lingüísticos, a língua falada apresenta com mais intensidade

repetição de palavras, emprego de gíria e neologismos, maior uso de

onomatopéias, emprego restrito de certos tempos e aspectos verbais e

colocação pronominal livre. De forma diferente acontece com a escrita, cujo

vocabulário tende a ser mais rico e vocabulário próprio com emprego de

sinônimos, emprego de termos técnicos, vocábulos eruditos, substantivos

abstratos, empregos de tempos verbais como pretérito-mais-que-perfeito e

futuro do pretérito e colocação pronominal de acordo com a gramática.

Em primeiro lugar, a fala é relativamente não-planejável de antemão.

Isso é fruto de sua natureza interacional, pois ela precisa ser planejada e

replanejada localmente, a cada novo “lance” do turno conversacional. Isso

mostra que o texto falado se constitui “em se fazendo”, ou seja, na sua própria

gênese, no processamento de sua construção. Exatamente o oposto do texto

escrito, cuja elaboração requer mais tempo do produtor, que o planeja, faz

rascunhos, revisa, corrige, atualiza. No caso do texto falado, essas operações

são quase que simultâneas à enunciação.

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Na fala, ocorrem freqüentes descontinuidades, derivadas de uma série

de fatores de natureza cognitivo-interacional, justificadas, pois, por razões

relevantes de natureza pragmática. Apesar de suas especificidades, o texto

falado tem como pano de fundo a sintaxe geral da língua.

O texto escrito, de forma diferente do falado, é resultado de uma

produção pensada, planejada, articulada de forma minuciosa. É, portanto, um

produto estático.

Procurou-se, neste trabalho, trazer algumas reflexões que possam levar

a uma renovação metodológica nas aulas de língua portuguesa a fim de que

possam contemplar realmente a prática discursiva da oralidade como conteúdo

estruturante previsto pelas DCEs.

A oralidade e a escrita possuem inter-relações e diferenças, mas muitas

vezes fica difícil estabelecer limites entre elas, portanto sem priorizar nenhuma

das modalidades, ambas devem ter seu lugar dentro da disciplina de Língua

Portuguesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PRETI, Dino. Estudos de Língua Falada: variações e confrontos. 1ª edição. São Paulo. Humanitas, publicações. 1999. CAMARA Jr., J. Mattoso. Manual de expressão oral& escrita. 26ª edição. Petrópolis. Editora Vozes. 2009. PRETI, Dino. Estudos de língua oral e escrita. 1ª edição. Rio de Janeiro. Editora Lucerna. 2006.

MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In. DIONÍSIO, A.P; MACHADO, A.R; BEZERRA, M.A. (Org) Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro, Lucerna, 2003.

26

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação.Luiz Antônio Marcuschi.

1991- São Paulo: Ática

STEINBERG, Martha. Os elementos não–verbais da conversação (Martha

Steinberg. 1 ed – São Paulo: Atual,1988.

Há várias citações no texto que não estão na bibliografia