a criação do taco de hóquei e seus desdobramentos

ONA, D. de S. A criao do taco de hquei e seus desdobramentos

A CRIAO DO TACO DE HQUEI E SEUS DESDOBRAMENTOSDaniela de Souza Ona1 RESUMO: Em 1998 e 1999, Mann, Bradley e Hugues publicaram estudos de reconstrues climticas indiretas (o grfico conhecido como taco de hquei) que sugeriam que as temperaturas registradas no sculo XX, na dcada de 1990 e no ano de 1998 so anormalmente elevadas no contexto do ltimo milnio, constituindo assim uma forte evidncia da influncia das atividades humanas sobre o processo de aquecimento global. Estes estudos foram empregados pelo IPCC na confeco de seu terceiro relatrio (2001) e receberam amplo destaque e divulgao. Aps ter se tornado um verdadeiro cone de propaganda do aquecimento global, o taco de hquei foi desmentido em uma seqncia de artigos iniciada em 2003 por Stephen McIntyre e Ross McKitrick, que descobriram graves falhas na seleo de dados e na programao do grfico (sendo a mais notvel o episdio das sries de Sheep Mountain, na Califrnia), falhas estas que so as verdadeiras responsveis por seu formato caracterstico. De acordo com os dados disponveis, as temperaturas registradas no sculo XX no podem ser consideradas anmalas nem nos valores e nem na variabilidade, pois so superadas em larga medida pelo Optimum Climtico Medieval. Entretanto, o taco de hquei reapareceria com nova roupagem no relatrio de 2007 do IPCC, revelando novas fraudes e o modo peculiar de fazer pesquisa desta organizao. Palavras-Chave: aquecimento global, fraude cientfica, IPCC.

INTRODUO Quando entramos em contato com os relatrios de avaliao periodicamente lanados pelo IPCC, parece-nos, primeira vista, que ele rene as mais recentes teorias e descobertas sobre as mudanas climticas globais, ainda que a partir de uma posio tendenciosa. No entanto, uma observao um pouco mais cautelosa revelar que os avanos das cincias do clima no so exatamente o foco dessas publicaes. John Christy, cientista ctico do aquecimento global, conhecido por suas pesquisas sobre as temperaturas da baixa troposfera a partir de dados de satlites, afirma que, durante seu trabalho como autor principal na redao do terceiro relatrio do IPCC, vrios dos1

Aluna do programa de ps-graduao em Geografia Fsica da Universidade de So Paulo. 214

1 SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008 ISBN: 978-85-88454-15-6


autores principais declararam-lhe que o relatrio deveria fornecer as evidncias necessrias persuaso de governantes para adotar o Protocolo de Kyoto (CHRISTY, in MICHAELS, 2005, p. 74). Fica bastante clara, ento, a funo primordialmente poltica deste relatrio, enquanto que o real estado das pesquisas sobre mudanas climticas globais de interesse mais reduzido. Uma dessas evidncias para persuaso pela assinatura do acordo de Kyoto envolve o conhecido grfico taco de hquei, que provava que o clima do sculo XX pode ser considerado incomum e, assim, muito provavelmente determinado por influncias antropognicas. Vejamos sob quais circunstncias ele foi confeccionado, publicado, divulgado e desmascarado. A CRIAO DO TACO DE HQUEI E SEUS DESDOBRAMENTOS Em seu primeiro relatrio, e de acordo com o conhecimento estabelecido at ento, o IPCC publicou um grfico mostrando a evoluo da temperatura mdia global desde o ano 900 at o presente:

Figura 1 Estimativas da evoluo da temperatura mdia global ao longo do ltimo milnio (IPCC, 1990, citado por DALY, 2000).

A curva reflete a existncia de dois perodos climticos distintos e bastante conhecidos e documentados, o Optimum Climtico Medieval e a Pequena Idade do Gelo. A evidncia da curva bastante clara: o Optimum Climtico Medieval, aproximadamente entre os anos 1000 e 1300, foi mais quente do que o sculo XX com o pequeno detalhe de que, quele tempo, no s o desenvolvimento industrial no era exatamente comparvel ao de hoje, como no h evidncias de que esse aquecimento tenha sido acompanhado por qualquer alterao na concentrao atmosfrica de gases estufa. Dessa forma, o perodo atual, que pode ser considerado uma espcie de retorno


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normalidade aps os rigores da Pequena Idade do Gelo, foi precedido por um perodo ainda mais quente sem a interferncia do presumido efeito estufa antropognico (LEROUX, 2005, p. 207-208). O relatrio de 1990 dizia ainda:Conclumos que apesar das grandes limitaes na quantidade e na qualidade dos dados histricos de temperatura disponveis, a evidncia aponta consistentemente para um aquecimento real, porm irregular, durante o ltimo sculo. quase certo que um aquecimento global de maior magnitude ocorreu ao menos uma vez desde o fim da ltima glaciao sem qualquer incremento aprecivel de gases estufa. Como ns no compreendemos os motivos desses eventos passados de aquecimento, ainda no possvel atribuir uma proporo especfica do pequeno e recente aquecimento a um aumento nos gases estufa (IPCC, 1990, citado por HOLLAND, 2007, p. 954).

O inconveniente dessas consideraes bastante bvio: se temos na histria recente um exemplo de um perodo de cerca de 300 anos mais quente que o atual sem a interferncia de gases estufa antropognicos, como poderemos ter certeza de que o aquecimento supostamente verificado no sculo XX devido a esses gases e, o que mais grave, como poderemos rotular esse suposto aquecimento de incomum? Tais perguntas representavam uma verdadeira ameaa ao futuro da viso catastrofista das mudanas climticas globais. O Optimum Climtico Medieval frustrava expectativas. J no segundo relatrio (lanado em 1995), porm, verifica-se uma mudana de mentalidade em relao a estes perodos mais quentes que a atualidade, especialmente quanto ao Optimum Climtico Medieval: com base nas observaes incompletas e nas evidncias paleoclimticas disponveis, parece improvvel que as temperaturas mdias globais se elevaram em 1oC ou mais em um sculo em qualquer momento ao longo dos ltimos 10.000 anos (IPCC, 1995, citado por HOLLAND, 2007, p. 955). Edwards e Schneider afirmaram que a remoo de expresses de dvida no segundo relatrio do IPCC foram demandadas pela poltica do momento e, dessa forma, era justificada ou seja, perfeitamente justificvel forjar um consenso cientfico de acordo com os interesses polticos de determinados grupos (HOLLAND, 2007, p. 956). A soluo definitiva para esse impasse apareceria em dois artigos de autoria de Michael E. Mann, Raymond S. Bradley e Malcolm K. Hugues. O primeiro deles foi publicado na edio de 23 de abril de 1998 da revista Nature, discutindo a evoluo das temperaturas globais nos ltimos seis sculos, reconstrudas principalmente a partir de dados dendroclimticos da Amrica do Norte e secundariamente de geleiras, corais e registros histricos recolhidos predominantemente na Amrica do Norte e na Europa ocidental, mas tambm em pontos isolados da sia, Austrlia e Andes para os anos1 SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008 ISBN: 978-85-88454-15-6 216


anteriores a 1900, com margens de incerteza que diminuem conforme nos aproximamos do presente; a partir de 1900, os dados so de termmetros de superfcie. A concluso a que os autores chegaram a de que, mesmo levando-se em considerao as margens de incerteza, os anos 1990, 1995 e 1997 foram os mais quentes desde 1400 no hemisfrio norte, sendo razovel supor que o foramento devido aos gases estufa seja o responsvel por essas temperaturas to altas, bem como desponte como um fator cada vez mais dominante na definio das temperaturas do sculo XX (MANN; BRADLEY; HUGHES, 1998, p. 779; 783-785). O segundo foi publicado na Geophysical Research Letters em 15 de maro de 1999, com a mesma temtica e metodologia, porm agora relativo apenas ao hemisfrio norte e com as temperaturas recuando at o ano 1000. A concluso um pouco mais ousada que a do artigo anterior: no contexto do ltimo milnio, o sculo XX mesmo anmalo, a dcada de 1990 foi a dcada mais quente e o ano de 1998 quando ocorreu um forte El Nio, no nos esqueamos... foi o ano mais quente do ltimo milnio (MANN; BRADLEY; HUGHES, 1999, p. 762). Nos dois anos seguintes, e num momento de rara parcialidade na divulgao de descobertas cientficas, Michael Mann integraria a equipe de autores principais do segundo captulo (Observed climate variability and change) do terceiro relatrio do IPCC, publicando nele um grfico conclusivo de suas pesquisas:


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ONA, D. de S. A criao do taco de hquei e seus desdobramentos Figura 2 Anomalias de temperaturas do hemisfrio norte relativas mdia de 1961 a 1990 (vulgo taco de hquei). Em azul, a reconstruo por dados indiretos; em vermelho, dados diretos; em cinza, as margens de incerteza (IPCC, 2001, p. 134).

A curva de Mann et al, chamada no meio climatolgico de taco de hquei (hockey stick), por causa de seu formato, exibe as variaes de temperatura da superfcie do hemisfrio norte ao longo do ltimo milnio (1000-2000). A curva faz simplesmente desaparecer os contrastes do Optimum Climtico Medieval e da Pequena Idade do Gelo e substitui-nos por uma tendncia mais linear, de um leve resfriamento interrompido por volta de 1900, quando se inicia uma gritante tendncia de aquecimento sem precedentes nos nove sculos anteriores (LEROUX, 2005, p. 208). Construdo dessa forma, o taco de hquei ignora uma grande quantidade de pesquisas extensas e srias que atestam a ocorrncia em todo o planeta dos dois perodos climticos diferenciados do ltimo milnio e faz o aquecimento do sculo XX parecer realmente dramtico e incomum (LEROUX, 2005, p. 210). Para o IPCC, tanto o Optimum Climtico Medieval quanto a Pequena Idade do Gelo configuraram-se como mudanas de temperatura bastante modestas, fenmenos isolados, concentrados na regio do Atlntico Norte, e no podem ser considerados mudanas climticas em nvel global.evidncias atuais no apiam perodos globais e sincrnicos de aquecimento e resfriamento anmalo ao longo desse intervalo, e os perodos convencionados Pequena Idade do Gelo e Optimum Climtico Medieval parecem ter utilidade limitada na descrio de tendncias de mudanas de temperaturas mdias hemisfricas ou globais nos sculos passados. Com os dados indiretos mais disseminados e reconstrues multi-indiretas de mudanas de temperaturas atualmente disponveis, o carter espacial e temporal dessas reputadas pocas climticas pode ser reavaliado (IPCC, 2001, p. 135).

O novo grfico foi aceito pelo IPCC com uma velocidade impressionante, fazendo-o esquecer as concluses de relatrios anteriores e convertendo-se em mais um maravilhoso cone da mquina da propaganda do aquecimento global (LEROUX, 2005, p. 209). O grfico aparece em duas verses no segundo captulo do terceiro relatrio, ocupando uma pgina inteira, e tambm no amplamente divulgado Summary for Policymakers, a partir de onde seria reproduzido em um sem-nmero de livros, artigos de divulgao e palestras pelo mundo.


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ONA, D. de S. A criao do taco de hquei e seus desdobramentos Em toda cincia, quando promulgada uma reviso to drstica do conhecimento anteriormente aceito, acontecem considerveis debates e um ceticismo inicial, com a nova teoria enfrentando um conjunto de desafios composto de crticas e intensas revises. Somente se uma nova idia sobrevive a esse processo ela se torna largamente aceita pelos poderosos grupos cientficos e pelo pblico em geral. Isto nunca aconteceu com o taco de hquei de Mann. O golpe foi total, incruento e veloz, com o artigo de Mann sendo aclamado por um coro de aprovao acrtica da indstria do efeito estufa. No intervalo de apenas 12 meses, a teoria tornou-se introjetada como uma nova ortodoxia (DALY, 2000).

Daly pergunta-se o que teria levado a comunidade de pesquisadores em Climatologia a aceitar o taco de hquei to rpida e acriticamente. Sim, fato que vez por outra aparece em cincia alguma descoberta um tanto duvidosa ou mesmo falsa; no entanto, elas costumam ser rapidamente esquecidas ou refutadas. Por que no foi este o caso? A resposta de Daly a de que o taco de hquei foi aceito pela indstria da mudana climtica apenas por um simples motivo: ele dizia exatamente aquilo que eles queriam ouvir (Daly, 2000, grifo no original). Mas o taco de hquei no passaria impunemente por muito tempo. Stephen McIntyre e Ross McKitrick, ao notarem alguns erros nos dados empregados por Mann et al, empreenderam uma reviso de todas aquelas sries de dados. O resultado foi um artigo publicado na revista Energy & Environment em 2003 (pesquisa para a qual os autores declaram no ter recebido financiamento de qualquer espcie), no qual a farsa do taco de hquei foi finalmente desmascarada. Os autores concluram que os dados empregados por Mann et al continham uma srie de erros, truncagens e extrapolaes injustificadas, dados obsoletos, clculos de componentes principais incorretos, localizaes geogrficas incorretas e outros defeitos graves, que afetaram substancialmente os ndices de temperaturas encontrados. Dados que se afirmava serem de Boston eram na realidade de Paris. Dados de temperatura da Inglaterra central foram truncados, eliminando seu perodo mais frio. Anlise de componentes principais (PCA) foi realizada de maneira incorreta. O formato de taco de hquei era devido a um erro de programao que dava um peso maior no grfico a sries de dados mais variveis em comparao com sries mais homogneas. Quando descobriram essa programao, McIntyre e McKitrick testaram os algoritmos empregando dados dendroclimticos aleatrios. Novamente, os resultados obtidos eram todos grficos tacos de hquei posto que as sries aleatoriamente mais variveis recebiam um peso muito maior no clculo. O resultado dessa seleo e dessa


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programao inevitavelmente seria um grfico de pouca variabilidade at o final da srie, quando denota uma subida acelerada. Empregando-se dados corrigidos e atualizados (muitos deles j disponveis quando o artigo de Mann foi redigido) e evitando-se cometer os erros, extrapolaes e truncagens cometidos pelos autores, McIntyre e McKitrick chegaram concluso de que o formato de taco de hquei do grfico de Mann et al era artificial, um simples resultado dos erros cometidos, e apresentam o grfico corrigido, comparado ao incorreto:

Figura 3 Acima: ndices de anomalias de temperaturas (oC) de 1400 a 1980 no hemisfrio norte de acordo com Mann et al. Abaixo: o mesmo grfico com os dados corrigidos por McIntyre e McKitrick (McINTYRE; McKITRICK, 2003, p. 765).

A principal concluso a que se pode chegar observando o grfico corrigido de McIntyre e McKitrick a de que as temperaturas registradas no sculo XX no so anmalas nem nos valores, nem na variabilidade no contexto dos ltimos 600 anos, pois so superadas por boa parte das temperaturas do sculo XV, fazendo-se pois1 SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008 ISBN: 978-85-88454-15-6 220


incorretas as concluses de que o sculo XX, a dcada de 1990 e o ano de 1998 foram os mais quentes do milnio, conforme afirmaram Mann et al e o IPCC. A seguir, os autores apresentam esses dois grficos sobrepostos, usando uma mdia de 20 anos, para ilustrar melhor as incongruncias.

Figura 4 O grfico anterior, com as curvas sobrepostas, usando uma mdia de 20 anos (McINTYRE; McKITRICK, 2003, p. 766).

Aps a publicao do artigo de McIntyre e McKitrick, acirraram-se as disputas em torno do taco de hquei entre os cticos e os global warmers, com adeptos dos dois lados escrevendo em blogs na internet que no paravam de crescer. Diante das presses, e depois de todas as crticas e acusaes de erros de clculo, a revista Nature solicitou a Mann e seus co-autores no comeo do ano de 2004 que apresentassem uma correo de seu artigo de 1998 para ser publicada na revista e que disponibilizassem num site um banco de dados suficientemente claro para permitir a reproduo de seus resultados. Ento, em 1o de julho de 2004, a Nature publicou o corrigendum de Mann, Bradley e Hugues, onde eles reconheceram os erros cometidos, mas ainda assim, cinicamente, mantiveram a confiana em sua pesquisa, afirmando ao final da correo que Nenhum


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desses erros afeta nossos resultados anteriormente publicados (MANN; BRADLEY; HUGHES, 2004, p. 105). Tambm foram disponibilizados os dados empregados por Michael Mann em seu estudo. Finalmente Stephen McIntyre e Ross McKitrick teriam a oportunidade de investigar o verdadeiro banco de dados de Mann, e esta possibilidade revelaria surpresas ainda maiores. O formato de taco de hquei no era devido somente a erros de programao; a prpria seleo de dados conteria erros ainda mais graves. Sries que exibiam um declnio no sculo XX, mesmo constando no banco de dados de Mann, como a figura 5, inexplicavelmente (ou no) no foram empregadas na confeco do grfico.

Figura 5 Estao 6, que no entrou na confeco do taco de hquei de Mann (McKITRICK, in MICHAELS, 2005, p. 37).

Conforme j vimos, a programao do grfico dava um peso maior a sries mais variveis em relao s mais homogneas. Como exemplo, McKitrick expe, na figura 6, a srie de dados de Sheep Mountain, na Califrnia, que, por ter um formato de taco de hquei, recebeu um peso de nada menos que 390 vezes o da srie de menor peso, de Mayberry Slough, no Arkansas:


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Figura 6 Acima: srie de dados dendroclimticos obtidos em Sheep Mountain (Califrnia), a mais varivel. Abaixo: srie de dados dendroclimticos obtidos em Mayberry Slough (Arkansas), a menos varivel (McKITRICK, in MICHAELS, 2005, p. 38).

As sries de Sheep Mountain, por sinal, eram os nicos taquinhos de hquei disponveis no banco de dados de Mann, e sua influncia foi to inflada que eles representariam, a partir de ento, o sinal climtico de todo o hemisfrio norte (McKITRICK, in MICHAELS, p. 41). Convm agora fazer uma pequena pausa para relatar de onde vieram os dados de Sheep Mountain. Em 1993, Donald A. Graybill e Sherwood B. Idso publicaram um artigo na edio de maro da revista Global Biogeochemical Cycles intitulado Detecting the aerial fertilization effect of atmospheric CO2 enrichment in tree-ring chronologies. Os autores estudaram as variaes no crescimento de algumas espcies de pinheiros bastante longevos tpicos das Montanhas Rochosas (Pinus aristata, Pinus balfouriana, Pinus flexilis e Pinus longaeva). A longevidade destas espcies em parte explicvel por meio de uma estratgia de sobrevivncia conhecida como strip-barking: aps vrias centenas de anos de crescimento, algumas pores das razes e do tronco morrem; em algumas rvores, o tronco ativo chega a medir apenas uns poucos centmetros. O tronco morto, por sua vez, continuar oferecendo sustentao para a planta sem que esta tenha que gastar muita energia e nutrientes para tal. Desta forma, esses pinheiros conseguem sobreviver por milhares de anos em um ambiente hostil, com atmosfera seca e solos pouco desenvolvidos.


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Uma das localidades estudadas pelos autores Sheep Mountain, localizada a 37 22N e 118o13O, a 3475 metros de altitude, e cuja espcie escolhida foi a Pinus longaeva. uma das duas nicas localidades do estudo que possui, a menos de 10 quilmetros de distncia, duas sries de registros instrumentais de temperatura, uma entre os anos 1949 e 1977 e outra entre 1953 e 1980, o que permite uma comparao dos registros de temperatura com o desenvolvimento dos anis das rvores (GRAYBILL; IDSO, 1993, p. 85-87). Graybill e Idso compararam as cronologias das rvores estudadas com as de rvores de laboratrio submetidas a diferentes concentraes atmosfricas de CO2 e aos dados meteorolgicos disponveis, e concluram, atravs da semelhana das curvas, que o aumento das concentraes de CO2 deve ser o fator mais importante a explicar o crescimento dessas rvores a partir da segunda metade do sculo XX, pois elas denotam um crescimento muito exagerado em relao ao que seria esperado pela elevao das temperaturas, ao passo que a curva controle de crescimento por fertilizao por carbono bastante semelhante das rvores estudadas. Os autores observaram tambm diferentes taxas de crescimento entre as rvores, e levantaram a hiptese de que essas diferenas tm menos a ver com a espcie e mais com a forma da rvore e, conseqentemente, com a maneira de estocar carbono de cada uma delas. Como exemplo, os autores escolheram as sries de Sheep Mountain, dividindo-as em formato strip-bark (com o tronco morto) e formato full-bark (com o tronco preservado). Os resultados esto ilustrados na figura 7, com a linha contnua representando o crescimento das rvores strip-bark e a linha pontilhada o das rvores full-bark.o


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Figura 7 sries de dados de anis de rvores strip-bark (linha contnua) e full-bark (linha pontilhada) em Sheep Mountain ao longo dos anos (GRAYBILL; IDSO, 1993, p. 89).

As duas sries so praticamente indistinguveis at prximo a 1870; a partir da, porm, a srie strip-bark inicia um notvel crescimento, enquanto a srie full-bark denota um crescimento mais lento. Como o carbono disponvel para os dois tipos de rvores o mesmo, os autores sugerem que as rvores strip-bark esto empregando o carbono no crescimento do tronco vivo que lhe resta, enquanto as rvores full-bark possuem uma quantidade muito maior de razes, tronco e folhas para sustentar. Conseqentemente, a deteco da mudana no crescimento radial das rvores em resposta fertilizao por dixido de carbono pode ser significativamente obscurecida nas rvores full-bark, enquanto prontamente evidente nos espcimes strip-bark (GRAYBILL; IDSO, 1993, p. 89). Retomemos agora a investigao do taco de hquei. A descoberta mais nefasta de McIntyre e McKitrick no banco de dados de Mann foi uma pasta com o sugestivo ttulo BACKTO_1400-CENSORED, que os deixaria bastante intrigados. A tal pasta continha todas menos 20 das 212 sries de dados empregadas no artigo de 1998. Ao elaborar um grfico com estas sries censuradas, o resultado era muito semelhante ao obtido por McIntyre e McKitrick em seu novo estudo (figura 8), que no apenas no um taco de hquei como denota temperaturas do sculo XV mais elevadas que as do


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sculo XX, suscitando a hiptese de que o formato de taco de hquei teria relao com as sries desaparecidas.

Figura 8 MBH98: o taco de hquei original; Mean: mdia simples dos valores; MM04: nova reconstruo de McIntyre e McKitrick; Censored: grfico elaborado com os dados da pasta BACKTO_1400-CENSORED (McKITRICK, in MICHAELS, 2005, p. 42).

Continuando a investigar o banco de dados de Mann, McIntyre e McKitrick descobriram que, das 20 sries que no constavam da pasta CENSORED, uma era a srie Gasp, em que apenas uma rvore responde pelo perodo de 1404 a 1421 e apenas duas respondem por 1421 a 1447, e seus dados foram extrapolados at o ano 1400. As outras 19 sries eram adivinhem justamente as sries strip-bark de Sheep Mountain da pesquisa de Graybill e Idso. Justamente as sries cujo crescimento foi considerado pelos autores no apenas conseqncia de fertilizao por CO2, como tambm foi mais acelerado que em sries de rvores full-bark em razo da fisiologia vegetal. Tudo, menos resposta a um aquecimento do planeta (McKITRICK, in MICHAELS, p. 39-42; HOLLAND, 2007, p. 961). O fato de estas sries de qualidade duvidosa no constarem da pasta induz-nos a crer que o prprio Michael Mann duvidava de sua qualidade. E a prova dessa dvida est num trecho do artigo de 1999: Algumas das cronologias das mais altas elevaes do oeste dos Estados Unidos efetivamente parecem, no entanto, terem exibido aumentos no crescimento em longo prazo que so mais dramticos do que pode ser explicado226



pelas tendncias de temperaturas instrumentais nessas regies, e mencionam a explicao de Graybill e Idso sobre fertilizao por dixido de carbono! (MANN; BRADLEY; HUGHES, 1999, p. 760). Os fatos sugerem que a seqncia dos acontecimentos deve ter sido a seguinte: Mann tinha diversas sries dendroclimticas a sua disposio. Algumas delas a srie Gasp e as 19 sries strip-bark de Sheep Mountain eram de m qualidade e por isso foram excludas. O grfico elaborado sem estas sries, porm, no era um taco de hquei e portanto no serviria para corroborar a hiptese de que as temperaturas registradas no sculo XX so anmalas, sendo por isso censurado. As sries Gasp e strip-bark de Sheep Mountain foram ento inclusas no estudo e geraram um taco de hquei, justamente o que os autores procuravam. O que nos conduz concluso de que a falsificao das temperaturas do ltimo milnio no foi simplesmente um erro involuntrio de clculo. Foi uma falsificao proposital. O time de hquei iniciaria, ento, uma seqncia de novos artigos que corroboravam o estudo original. Um deles, publicado no Journal of Climate 18 (13), 2005 contava entre seus autores os trs elaboradores do estudo original, mas trazia como autor principal Scott Rutherford, uma espcie de scio de Michael Mann. A UCAR anunciou em uma conferncia pblica em maio de 2005 que seu funcionrio Caspar Ammann, antigo aluno de Michael Mann e contribuidor do quarto relatrio do IPCC, juntamente com Eugene Wahl, havia produzido dois novos artigos, um submetido Geophysical Research Letters (que no foi aceito para publicao!!) e outro submetido Climatic Change (que somente seria publicado em novembro de 2007!!), que concluam que as crticas ao taco de hquei eram infundadas. Tais manuscritos foram citados, no intuito de desacreditar o trabalho de Stephen McIntyre e Ross McKitrick pela European Geosciences Union em 4 de julho de 2005 perante o Comit Norte-americano sobre Energia e Comrcio da Cmara dos Representantes e por Sir John Houghton, presidente do terceiro relatrio do IPCC, em 21 de julho de 2005 em testemunho ao Comit Senatorial Norte-americano sobre Energia e Recursos Naturais (HOLLAND, 2007, p. 958-959). Quando Michael Mann se recusou publicamente a ser intimidado a liberar seus cdigos computacionais, o Comit de Energia e Comrcio da Cmara dos Representantes norte-americana decidiu investigar o taco de hquei. O resultado foi um relatrio intitulado Committee on Surface Temperature Reconstruction for the last 2000 years, lanado pelo Conselho Nacional de Pesquisa (NRC) norte-americano em 2006,1 SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008 ISBN: 978-85-88454-15-6 227


cuja leitura completa no deixa dvidas de que o taco de hquei invlido. Durante suas audincias pblicas, o NRC teve uma apresentao de Hans von Storch, autor principal do captulo 10 do primeiro volume do terceiro relatrio do IPCC, crtico no apenas do taco de hquei e da proeminncia dada a ele pelo IPCC como tambm do fato de autores principais do painel citarem seus prprios trabalhos, como foi o caso de Michael Mann. Diante de todo o escndalo envolvendo o taco de hquei, o relatrio de 2007 do IPCC faria ligeiras modificaes em seu discurso e confeco. Michael Mann no mais autor principal de nenhum captulo. A incerteza associada a estimativas de temperatura de anos individuais no permite avaliar o significado ou a precedncia de anos quentes, como 1998 ou 2005, diferentemente do que foi afirmado em 2001. De acordo com o painel, as evidncias atualmente disponveis indicam que as temperaturas mdias do perodo entre os anos 950 e 1100 foram altas no contexto dos dois ltimos milnios, e ainda mais altas quando comparadas ao sculo XVII (tambm o contrrio do que se afirmou em 2001), mas no foram to ou mais altas do que as registradas no sculo XX, especialmente suas duas ltimas dcadas (esta parte do discurso, claro, no mudaria). O grfico que ilustra a reconstruo indireta das temperaturas dos ltimos 1300 anos (o novo taco de hquei, j chamado no meio ctico de espaguete) uma composio de vrios autores, no apenas de Michael Mann, e indicam maior variabilidade nas tendncias de escalas de sculos, ou at menores, ao longo do ltimo milnio do que era aparente no relatrio anterior. A total discordncia entre as curvas uma indicao significativa de que ainda no dispomos de um sinal climtico preciso a partir de dados indiretos e que ainda temos um longo caminho a percorrer.


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Figura 9 Reconstrues indiretas de temperaturas do hemisfrio norte do ano 700 at o presente em relao mdia do perodo 1961-1990 por vrios autores (vulgo espaguete) (IPCC, 2007, p. 467).

Ainda assim, o IPCC mantm f no taco de hquei original, citando o estudo de Wahl e Ammann da Climatic Change (ento no publicado, e de modo to atrapalhado que em um momento citado seu ano de publicao como 2007 e logo em seguida como 2006, esquecendo-se o segundo n de Ammann) como bem sucedido na reproduo dos resultados de Mann. De acordo com o IPCC, o insucesso de McIntyre e McKitrick em reproduzir os resultados de Mann se deve a diferenas no mtodo empregado e na seleo dos dados... Outros detalhes, como uma rede de cronologias de anis de rvores no oeste norte-americano, pode at ter algum fundamento terico, mas, de acordo com Wahl e Ammann, o impacto na reconstruo final pequeno, de cerca de 0,05oC... (IPCC, 2007, p. 466-474). CONCLUSO uma grande ironia o fato dos dados publicados por Sherwood Idso, um dos maiores cticos deste mundo, reaparecerem anos depois rotulados de prova do aquecimento global devido a erros de seleo e programao por um dos autores principais do IPCC. Os dados disponveis para Mann et al, analisados sem esses erros e selees, no conduzem concluso dos autores e do IPCC de que as temperaturas registradas no sculo XX so anmalas. Ao contrrio da afirmao do IPCC de que os


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amplamente documentados e aceitos perodos do Optimum Climtico Medieval e da Pequena Idade do Gelo foram fenmenos pontuais, foi seu to aclamado taco de hquei que se provou irreal e pontual. Infelizmente, o desmascaramento do taco de hquei no recebeu tanta publicidade quanto o grfico original, fazendo persistir na Climatologia a idia de que o sculo XX apresentou temperaturas anormais e que estamos vivenciando um perodo de aquecimento global antropognico. O caso do taco de hquei demonstra que muito da cincia climtica em que somos levados a crer tendenciosa e protegida de exposies pelo encobrimento de dados e de metodologia. Este episdio deve servir de alerta para que nossa cincia no seja mais guiada por dados incorretos, por concluses inverdicas, por cientistas desejosos de promover suas carreiras nem por ideologias, modismos e projetos polticos disfarados de cincia.

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a criação do taco de hóquei e seus desdobramentos

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