valor com valor se paga - n.19 - 2000

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6 HSM Management 19 março-abril 2000 Promissor como todos os inícios, o ano 2000 parece ser uma ótima oportunidade para explorar as tendências que marcarão o novo milênio. Num mundo caracterizado pela globalização e pela Internet, qual tende a ser o comportamento dos mercados? Com o cliente como protagonista e o acionista como tesoureiro, qual a responsabilidade do marketing na geração de valor? Para discutir essas grandes questões, HSM Management promoveu uma mesa-redonda inédita com espectadores privilegiados, autoridades como Philip Kotler, Al Ries, Chuck Martin e John Stanton, sob coordenação do diretor editorial da revista, José Salibi Neto. Enquanto Kotler e Ries são mais generalistas, Martin é um dos pioneiros do marketing interativo e Stanton especializado em marketing de nichos. Os especialistas discorreram, entre outros assuntos, sobre empresas locais versus companhias globais, o “vender experiências”, a necessidade de os países se avaliarem como negócios, o sucesso obtido sem despesas com publicidade e promoção, as marcas de produtos tecnológicos, a diferença entre os empresários da Internet e os tradicionais etc., citando exemplos reais de marcas famosas e grandes empresas, de Gillette a Frito Lay, de Amazon a Wal-Mart. Mesa-redonda exclusiva com os grandes especialistas Philip Kotler, Al Ries, Chuck Martin e John Stanton debate a responsabilidade do marketing na geração de valor MARKETING A última década trouxe grandes impulsionadores de mudanças radicais na forma de fazer negócios. De que maneira fatores como a globalização ou a Internet influem no marketing dessa nova Era Digital? Al Ries – O grande desafio atual do marketing está em passar do que é hoje para o que quer ser. É publicidade, promoção, desenvol- vimento e projeto de produtos, estratégia de preços, vendas. Isso é marketing, embora na prática perca de vista seu objetivo: cons- truir uma marca na mente do consumidor. Com essa finalidade, é preciso definir o preço, programar a campanha publicitária, desenvol- ver novos produtos. Por isso, creio que o principal desafio nessa área Valor com valor se paga com valor

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H S M M a n a g e m e n t 1 9 m a r ç o - a b r i l 2 0 0 0

Promissor como todos os inícios, o ano 2000 parece ser uma ótimaoportunidade para explorar as tendências que marcarão o novo milênio.Num mundo caracterizado pela globalização e pela Internet, qual tende aser o comportamento dos mercados? Com o cliente como protagonista e oacionista como tesoureiro, qual a responsabilidade do marketing nageração de valor?Para discutir essas grandes questões, HSM Management promoveu umamesa-redonda inédita com espectadores privilegiados, autoridades comoPhilip Kotler, Al Ries, Chuck Martin e John Stanton, sob coordenação dodiretor editorial da revista, José Salibi Neto. Enquanto Kotler e Ries sãomais generalistas, Martin é um dos pioneiros do marketing interativo eStanton especializado em marketing de nichos.Os especialistas discorreram, entre outros assuntos, sobre empresas locaisversus companhias globais, o “vender experiências”, a necessidade de ospaíses se avaliarem como negócios, o sucesso obtido sem despesas compublicidade e promoção, as marcas de produtos tecnológicos, a diferençaentre os empresários da Internet e os tradicionais etc., citando exemplosreais de marcas famosas e grandes empresas, de Gillette a Frito Lay, deAmazon a Wal-Mart.

Mesa-redonda exclusiva com os grandes especialistasPhilip Kotler, Al Ries, Chuck Martin e John Stanton debatea responsabilidade do marketing na geração de valor

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A última década trouxe grandesimpulsionadores de mudançasradicais na forma de fazernegócios. De que maneira fatorescomo a globalização ou a Internetinfluem no marketing dessanova Era Digital?Al Ries – O grande desafio atualdo marketing está em passar doque é hoje para o que quer ser. Épublicidade, promoção, desenvol-vimento e projeto de produtos,estratégia de preços, vendas. Issoé marketing, embora na práticaperca de vista seu objetivo: cons-truir uma marca na mente doconsumidor. Com essa finalidade, épreciso definir o preço, programara campanha publicitária, desenvol-ver novos produtos. Por isso, creioque o principal desafio nessa área

Valorcom valorse pagacom valor

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Fot

os:

Div

ulga

ção

está em desligar-se do “fazer” parase concentrar na meta, porque,nessa superestrutura de complexi-dades que o processo de marketinggera, perde-se de vista o objetivode construir a marca. É muito fácilcair na armadilha e fazer exata-mente o contrário, isto é, prejudi-car ou destruir a marca.Philip Kotler – Concordo, mascreio que por trás desse objetivo háoutro: ganhar dinheiro. Estamosmais interessados em fazer comque os consumidores compremuma grande quantidade de nossosprodutos, em conseguir participardo mercado, do que na marca.Falamos da arte de obter clientesfiéis, que durante toda a vidacomprem os produtos que vende-mos. Não creio que uma empresa

possa ficar satisfeita com o quevende, mesmo num nicho, ouquando sua superioridade sobreo resto for notória. Por isso estouconvencido de que um dos desafiosestá, antes de mais nada, emtransformar os homens de marke-ting em planejadores financeiros,porque fazer marketing nãosignifica planejar valor, massim lucros.

A Colgate, por exemplo, pro-põe-se a atender todas as necessi-dades relacionadas com os dentes:fio dental, pasta de dentes, escovas.O que o marketing tem de fazer éconverter a Colgate na autoridadenesse assunto. Sua imagem deveser a de referência para qualquerproblema dentário. A arte domarketing, sem dúvida, está em

construir uma marca. Contudo,mais do que a da construção em si,é a arte de dar-lhe vida em tornode categorias e estilos de vida.Ries – Sua objeção é válida, maso que me preocupa é o alcance.Será que isso significa que nofuturo será preciso sempre depen-der dessa marca? Eu acredito nasmarcas múltiplas, e é isso quesugiro às empresas que me confes-sam que não querem ficar amarra-das a um só produto ou serviço.O exemplo da Colgate envolve umconflito. A Colgate poderia ser alíder com marcas múltiplas.Kotler – Não faz sentido todos osprodutos levarem a marca Colgate?Lembro-me do caso da Johnson edo creme de barbear Edge. Poucodepois apareceu a loção pós-barba,

Da esquerda para

a direita: Martin, Ries,

Kotler e Stanton

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também Edge. Não há problema,nem que lancem as lâminas debarbear Edge; seriam tão donosdo barbear como a Gillette, e emplena concorrência. Por outro lado,não poderiam levar essa marcapara uma pasta de dentes, porquenão tem nada a ver com o ato de sebarbear. Principalmente quandose entra na área de supermercados,o que se quer é ser o dono da cate-goria. Como a Procter & Gamble emdetergentes: não podem faltarem nenhuma gôndola. É muitomelhor ser dono de uma categoria.Ries – São duas questões distintas.Posso concordar com ser dono deuma categoria. A Frito Lay é umbom exemplo: é a dona dessa

categoria, mas não com umamarca, e sim com muitas.

Se escolhermos a opção dasmarcas múltiplas no lugar daampliação da linha, o processode globalização se complica?Chuck Martin – Creio que emmarketing deparamos com outrodesafio, muito mais amplo que oda marca e do posicionamento.Estou totalmente de acordo com oconceito de marcas múltiplas. Noentanto, parece-me que a questãomais premente é definir em queponto o marketing constrói acadeia de valor na nova era daeconomia de redes. Antigamentea proposição de valor estava na

concepção do produto, em suacriação, fabricação, distribuição,marketing e promoção. No final,por meio de pesquisa de mercado,melhorava-se o produto e iniciava-se novamente o processo. No novocenário, esse esquema entra emcurto, e a proposição de valor setransforma. O consumidor diz: “Sr.Michael Dell, faça este computadorpara mim”, e o computador é feitosegundo seu pedido.

O mesmo ocorre com outrosprodutos. As calças jeans,por exemplo: eu não quero terum jeans Levi’s, quero ter “o meu”jeans Levi’s. Do nada, a Amazonse transformou em uma marcamundial em quatro anos; fezapenas marketing de vendas comtecnologia de informática. Hoje seconsegue avaliar os resultados domarketing imediatamente. Asfunções de marketing estão indopara a parte superior da empresa,onde está o orçamento real. Porsua vez, esse orçamento real estátentando ingressar na área demarketing. Portanto, creio que ogrande desafio dos responsáveispelo marketing é obter maiscontrole sobre esse processo doque possuem hoje.John Stanton – Em minha opinião,as possibilidades que a tecnologia dásão impressionantes. Quem sinteti-za bem isso é o anúncio da IBMem que se vê um casal de Clevelandem uma lojinha nos Alpes italianos;quando a dona do local comentaque tem outros clientes de Cleve-land, o casal reage com a perguntalógica: “Também vieram até aqui?”“Não, compram pela Internet”é a resposta, também lógica nosdias de hoje.Kotler – O que me intriga é saberque volume de negócios passarápara a Internet.Martin – Segundo estimativas doForrester Group e do GartnerGroup para o ano 2003, o comér-cio eletrônico movimentará umpouco mais de US$ 360 bilhões, eno setor de business-to-business, porvolta de US$ 1,7 trilhão em 2002.Stanton – Tomemos como exem-plo a <amazon.com>, que atual-Chuck Martin

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Martin – Mas compraria da<drugstore.com>, empresa daqual a Amazon possui 40%.Stanton – De qualquer forma, aquestão não é determinar o tama-nho da Internet, porque nenhumde nós conseguiria fazê-lo. O temaé marketing. Será diferente naInternet? Deduz-se, pelo que foidito, que o departamento demarketing terá uma posiçãodiferente.Martin – Está mudando o critériopara se designar o responsável.Os presidentes esxecutivos, de JackWelch para baixo, limitam-se aobservar o panorama de tarefas–o site, a intranet, a extranet– e apedir que se contrate um “czar”que se encarregará de tudo.Aparece essa pessoa que controlao marketing no cyberspace; algomuito diferente do gerenciamentotradicional da marca. Trata-se dereposicionar o marketing, comoentidade, dentro da empresa.Kotler – Não concordo com essavisão “departamental” do marke-ting. Para mim, o departamento demarketing não tem sentido ne-nhum. A empresa, no conjunto,deveria fazer marketing, porque omarketing é uma função. O proble-ma que vejo no fenômeno daInternet é que cada vez maisempresas se unem e querem cobriro maior território possível, o queas levará a perder o foco. Como nocaso de suas marcas. No princípio,a Amazon era sinônimo de livros;agora significa muito mais. OQuicken era somente um softwarede gerenciamento; hoje tambéminclui fundos de investimento eoutras aplicações financeiras.Ries – Creio que cada negóciodiferente exige uma marca diferen-te. A mim não incomoda a<drugstore.com>; o que mepreocupa, sim, é a <amazon.com>,que vende medicamentos.Martin – Mas na <drugstore.com>não há nenhum indício de quea empresa que vende seja a<amazon.com>.Kotler – Suponhamos que, nessecaso, se tenha feito o correto.Então, vale a pena analisar o

mente possui 2,5% do negócio devenda de livros. Quanto podechegar a crescer?Martin – O que muda é a forma dese determinar o valor. Este ano, aAmazon venderá mais de US$ 1bilhão. Isso não representa muitoem relação ao total de livros vendi-dos. No entanto, ela vende tambémremédios, produtos para animais deestimação, entrou no negócio deleilões, coleta dados, constrói perfisde hábitos de consumo e bancos dedados. Possui 9 milhões de usuáriosregistrados e todas as informaçõessobre cartões de crédito, hábitos decompra, preferências pessoais.Ao cruzar essas informações comseus bancos de dados, elaborou o

perfil de 20 milhões de pessoas.Esse é o ponto: não se trata apenasde livros.Kotler – Não creio que possacrescer da mesma maneira navenda de remédios. Eu não com-praria remédios na Amazon.

“Creio que cadanegócio diferenteexige uma marcadiferente”Al Ries

Al Ries

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negócio de música da Amazon. Aínão se mudou a marca e vende-semais que todos os selos de grava-doras juntos na Internet. Alémdisso, desbancou uma antecessoraespecializada como a CDNow.Neste caso, trabalha sob o guarda-chuva do valor da marca.Martin – Na realidade, debaixodo guarda-chuva de seu público.Possuem milhões de compradores.Ries – Isso pode funcionar naInternet, mas não funcionou com aBlockbuster quando tentou fazê-lo.A idéia era a mesma: se as pessoasque alugam fitas de vídeo tambémcompram discos, por que entãonão vender discos também?Stanton – Creio que estamosfalando de níveis distintos.A Amazon é a empresa, o nívelmais abrangente. Por baixodeveria haver uma marcapara cada negócio novo:<drugstore.com>, <music.com>e assim sucessivamente.Ries – A questão é que a Amazonjá é uma marca que significa livros.Stanton – Não vejo em queo fato de a Amazon ser aproprietária afeta as pessoasque compram medicamentosna <drugstore.com>.

Neste ponto poderíamos relacio-nar a idéia de marca, mundial evirtual, e o fato de que o marketingestá se integrando ao planejamentofinanceiro das empresas, interes-sadas em gerar tanto valorcomo lucro.Martin – A General Electric estánesse processo. Não quer arriscar areputação de seu nome, por issoprocura obter a convivência pacífi-ca dos padrões de qualidade elucratividade com a Internet.Simplesmente, busca a forma demanter seus padrões em tudo quefaz e, por sua vez, transformar abase que a sustenta. O desafio é omesmo que a Amazon traçou paraos negócios estabelecidos em suaseara. Ser a primeira fez com que aAmazon se tornasse “a marca”, eque a Barnes & Noble, por exem-plo, fosse uma empresa que vendelivros em lojas; sua presença na

Internet não é transcendente. Oerro da Barnes & Noble foi ape-gar-se ao modelo antigo. Assim,enquanto ela avaliava que parte doorçamento destinaria à Internet, aAmazon investia US$ 40 milhõesem publicidade e ganhava aparada, e a Barnes & Noble conti-nuava projetando cenários. Asfórmulas do passado não funcio-nam nesse novo meio. Talvezfuncionem no futuro, mas nomomento não servem.Kotler – É possível construiruma marca na Internet sem gastarUS$ 30 milhões ou US$ 40 milhões?Martin – Creio que já não seconsegue mais. Contudo, a Mirabi-lis, empresa israelense, fez issocom o ICQ. Possui 11 milhões deassinantes sem haver gasto umcentavo em promoção e publicidade.Stanton – Como as pessoas fica-ram sabendo?Martin – Pela Internet.

A publicidade na Internet setornou uma questão polêmica.Como reagem as empresas–e as agências– a essa novapossibilidade?Martin – O habitual é que, quandodecidem fazer publicidade naInternet, saiam comprando ban-ners. Entretanto, o sucesso dapublicidade não está nos banners:está na televisão, nas revistas, naimprensa, que faz com que aspessoas entrem na Internet. Fazerpublicidade na Internet é trivial, atal ponto que uma agência depublicidade propôs a um clientedisposto a mudar suas campanhasna rede: “Se deixarem em nossasmãos o orçamento de publicidade,criaremos para vocês algo mais que

banners”. A resposta não demorou:“Criem algo mais do que banners eterão o orçamento”.Kotler – Espero que essa fórmulasuperior não sejam os anúncios.Cada vez que visitamos umapágina na Internet, somos obriga-dos a passar por uma série depáginas cheias de anúncios, que éo que a America Online fazia nocomeço. De qualquer forma,independentemente do meio emque estiverem colocando seusinvestimentos publicitários, é bomlembrar que um grande número deempresas começou a tomar cons-ciência de que está gastandodinheiro demais em publicidade.Stanton – A propaganda, nosentido mais abrangente, é amenos aproveitada das ferramen-tas. Também os patrocínios sãosubexplorados.Kotler – Muitos começaram amudar de critério na hora deencarar novas campanhas publici-tárias. A Heinz, na Grã-Bretanha,decidiu enxugar o orçamentopublicitário e ampliar o marketingdireto e outros recursos paraconstruir uma relação com sua basede clientes. A Procter & Gambleestá pensando em destinar maisdinheiro para a Internet.

Como crêem que será esse pano-rama dentro de cinco anos?Martin – As empresas já começa-ram a repensar suas linhas deprodutos para transformá-lossegundo as possibilidades quea tecnologia proporciona.Kotler – Em que direção? Estãotrabalhando mais em e-businessou em e-commerce?Martin – Na realidade, na constru-

“Muitas empresas começaram a tomarconsciência de que estão gastandodinheiro demais em publicidade. A Heinz,por exemplo, decidiu investir mais emmarketing direto” Philip Kotler

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ção da infra-estrutura mundialnecessária para ambos; na identifi-cação e na associação com fornece-dores que possam responder emtempo real; na logística da atençãoao cliente, do gerenciamento dospedidos e da cobrança.Ries – Minha conclusão é que, naInternet, tudo depende do produtoou do serviço. Creio que a Procter& Gamble cometeu um erroquando resolveu entrar na Internetsó porque muitas empresas esta-vam fazendo isso. Afirmar que aInternet será o veículo para todosos produtos me parece um erro.É bastante simples, quase óbvio,determinar quais produtos eserviços estão padronizados e são

bons para a Internet e quais nãosão. Creio que tanto uns comooutros vão conviver, cada qualcom sua mídia.Stanton – Como ocorreu com avenda por catálogo. No início,alguns disseram: “É o fim dosvarejistas. Ninguém mais vai sairde casa para fazer compras”.Ries – Mas a realidade demonstrouo contrário: os negócios de varejocontinuam bem e seguem cons-truindo marcas no estilo tradicional,convivendo com os catálogos.Stanton – O que significa, a meuver, que existirão negócios pelaInternet e haverá comunicaçãocom os clientes por outras vias.Continuarão construindo marcas

à moda antiga. Até os catálogossobreviverão, porém o mix poderiaevoluir e, por sua vez, configurar-se de maneira diferente, conformea categoria.

Apesar das dúvidas e das opiniõesconflitantes, a Internet se tornouum tema inexorável e, paramuitos, uma expectativa mais quevaliosa. Em que estão apostandoos investidores?Kotler – Creio que se trata de umabolha. Warren Buffet disse que, empoucos anos, de cada dez empresasque existem hoje, apenas umasobreviverá. De maneira alguma éfácil prever qual delas será. Achoque, de certa forma, joga-se com ailusão de se enriquecer rapidamen-te. As pessoas vêem que as açõesdas empresas de tecnologia estãosubindo, e querem comprar. É umimpulso do qual ninguém escapacom facilidade. Algo muito pareci-do com o que aconteceu com astulipas na Holanda no século XVIou com o preço do metro quadra-do em Tóquio.Stanton – Ou como essa insólitaproposta de negócio que estácirculando pelo mundo: um convitepara ficar rico em uma semanacriando avestruzes sem investirmuito; basta comprar os ovos.Ries – Não creio que seja justocolocar no mesmo saco o negócioda Internet e o dos avestruzes. AInternet veio para ficar. É um meiode comunicação, como a televisãoou o rádio, porém com característi-cas próprias.Stanton – Nisso estamos deacordo.

Embora existam marcas fortes ecom potencial para se globalizar,ou pelo menos se regionalizar,os empresários latino-americanosnem sempre o fazem. Como seglobaliza uma marca a partirde um país emergente?Kotler – Algo que sempre defendoé que os governos façam umlevantamento das melhores empre-sas do país, daquelas que realmen-te tenham algo fora do comum, eque as apóiem e promovam regio-Philip Kotler

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nalmente, dos países vizinhospara o mundo.Ries – Minha reflexão se refere àsempresas que se conformam emser bem-sucedidas em seu paísde origem. Parece-me oportunoadverti-las de que, se não saírempara o exterior, se não decidiremtornar-se internacionais imediata-mente, as de fora serão as que vãoentrar e destruir seu negócio local.Martin – A StarMedia (veja tambémpágina 132) está fazendo exatamen-te isso. Visa toda a América Latinaa partir de Nova York. ComUS$ 100 milhões de financiamen-to, está trabalhando para fortale-cer sua posição na região.Ries – De qualquer forma, é certoque as marcas, embora sejammundiais, têm uma identidadenacional. Coca-Cola é uma marcainternacional, mas o mundo apercebe como uma marca norte-americana. Não seria estranho queas pessoas preferissem Coca-Colaou Levi’s justamente por seremoriginárias dos Estados Unidos.Segundo esse critério, se pensásse-mos em construir uma marcamundial na Argentina, por exem-plo, teríamos de escolher produtose categorias que consideramos demuito boa qualidade, como ocouro, as roupas, a carne, todosaqueles produtos de alta qualidadeidentificados com a Argentina.Stanton – Embora não se trate deuma marca mundial, refletem esseconceito as churrascarias, que semultiplicaram nos Estados Unidose na Europa; algo semelhante àsparrilladas argentinas, onde a carneassada é o carro-chefe do cardápio.Em Tampa também copiaram umaforma diferente de preparar acarne, que ficou consagrada comoo “churrasco brasileiro”. O que meinteressa frisar –e nisso concordocom Ries– é que o que possuiidentidade nacional, como osrestaurantes e as comidas típicas,pode sair e percorrer o mundo.

Quando se fala em países emer-gentes, costuma-se associá-losa categorias em vez de marcas:vinho chileno, carne argentina,

se a vendê-lo em grande volume.Tinham um bom modelo, porémpreferiram não segui-lo.Ries – Sem dúvida, não faz sentidofalar de marcas. Os países têmde falar de categorias e de produtos.Isso significa que a marca, a meuver, deve ser o último passo. Paracomeçar, deveriam pensar nosatributos característicos do país.Volto ao exemplo da Argentina: ocouro, por exemplo; especifica-mente, a roupa de couro. É precisodefinir a estratégia para se diferen-ciar da Itália e de outros produto-res de renome. Como? Poderiamcriar um estilo característico: oestilo gaúcho, digamos, semcolocar nome até chegar ao produ-

fruta brasileira. Essa associaçãofaz parte de um processo evoluti-vo ou é decorrência de umaquestão cultural?Stanton – A Colômbia é umexcelente exemplo de um país quefez de seu café uma marca comidentidade nacional. O café daColômbia é bom, porém nãomelhor do que outros, como, porexemplo, o do Brasil. Apesar disso,quando fiz degustações, pudeconstatar que a legenda de maiorimpacto que se podia pôr numrótulo era “100% café da Colôm-bia”. É lógico, na região não serepetiu essa estratégia. O Brasilcontinua vendendo laranjas comocommodities. Quanto ao café, limita-

John Stanton

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to final. Depois se trabalham oproduto, a categoria, a identidade,no processo completo de marke-ting. A marca mundial é a últimaaspiração. Os australianos sãoconhecidos por seu amor à vidaao ar livre, à diversão em espaçosabertos. E nada reflete melhor issodo que Outback, sinônimo dosertão australiano. Foi por issoque escolheram esse nome paraa cadeia de restaurantes.Kotler – Cada nação deveria auto-avaliar-se como negócio, descobrirseus pontos fortes reais e potenciaise construir em cima disso. Paísescomo o Brasil ou a Argentinadeveriam fazer um trabalho deidentificação de seus setores-chave.Isso não significa afirmar que euacredito em planejamento nacio-nal. Em seu nome podem serfeitos maus investimentos emsetores equivocados. Creio, porém,que a análise destes quatro fatores–pontos fortes, oportunidades,pontos fracos, ameaças– aplica-seaos países e que os paísesdeveriam começar a gerenciar asi próprios como empresaspotencialmente rentáveis.Ries – Nesse ponto surge umgrande tema. Não se pode fazer omarketing de um produto ouserviço global de dentro de umpaís para outro. Se não se conheceo cliente, é impossível satisfazê-lo;são poucos os empresários cientesdisso. O grupo mais numeroso queassistiu à conferência de Chicagosobre marketing de alimentos foio dos brasileiros. Em segundo veioa delegação japonesa.Kotler – Sim, mas para importartecnologias novas, não como objetivo de levar o Brasilao mundo.Stanton – Pergunto-me se énecessário ter presença nos Esta-dos Unidos para se ter uma marcamundial…Martin – Creio que o realmentenecessário é ser internacional alongo prazo, e é aí que aparece aimportância da Internet. Se asempresas não se projetarem nomundo, a Internet as vai eliminar.Precisamente, é uma excelente

ferramenta para as pequenasempresas.

Como se pode usar a Internetpara vender uma “experiência”como a do Hard Rock Café?Martin – Creio que a Internetpode, de fato, criar a forma defazê-lo. As empresas on-line verda-deiramente bem-sucedidas são asque souberam oferecer valor, e nãosó publicidade. O valor da Amazoné seu serviço de “um clique”: comum clique do mouse, o compradorevita fornecer novamente seusdados, o número do cartão decrédito, as condições e o lugar deentrega. Foram os pioneiros nageração desse tipo de vantagem.

cuidar de seus clientes como secuida de bebês. Aproximar-se dacasa do cliente, estudar o terreno,a luz, a umidade, os costumes dafamília e logo apresentar sugestõesalternativas para o projeto dojardim. O Wal-Mart não poderiafazer isso.Martin – As grandes empresastambém podem fazê-lo. A HomeDepot, por exemplo, fez da cons-trução sua especialidade e setornou uma referência. Podemchegar, com a mesma facilidade,à residência do cliente ou à obra.O Wal-Mart poderia terceirizaresse serviço de atendimento e fazercom que seus clientes de jardinagemrecebessem orientação de especia-listas sobre o projeto de seuscanteiros ou as variedades detrepadeiras.Kotler – Então, as grandes empre-sas sempre vão ganhar.Ries – Depende da categoria. Bastaobservar o que ocorreu com ospostos de gasolina. Nos EstadosUnidos, quando eu era criança, agrande maioria dos postos eraindependente; não tinham marca.Atualmente, a situação é o oposto.Kotler – Então, deveriam reconhe-cer a derrota de imediato e venderantes do golpe final?Stanton – Alguns desses empresá-rios, com resignação, me confessa-ram: “O Wal-Mart não nos tirou donegócio; nós o perdemos”. Naverdade, admitiam um erro estra-tégico: desafiaram o Wal-Mart empreço, o único terreno em que oWal-Mart sempre ganha. A idéia é,precisamente, fazer aquilo que osgrandes não querem fazer. Algunssupermercados tentaram. É verda-de que seu volume de negócioscaiu de 10% a 15%, porém conti-nuam em atividade: a única coisaque fizeram foi concentrar-senaquilo que o Wal-Mart e similaresnão podiam imitar com a mesmarentabilidade que os pequenos.Ries – E os médicos e os dentistas?A clínica independente sobrevive-rá? Insisto: depende da categoria.Stanton – Muitos ficarão pelocaminho; não por incapacidade,mas por terem escolhido mal o

“A idéia é,precisamente,fazer aquiloque os grandesnão queremfazer”John Stanton

O segredo não está no livro, mas,sim, no que envolve a compra:criaram um valor que se percebeimediatamente. Converteram-senuma organização que merececredibilidade imediata.Kotler – A propósito, Chuck, paraonde as pequenas empresas locaisque enfrentam as grandes multina-cionais deverão dirigir seu marke-ting? Como a Internet poderiaajudá-las? Minha impressão é que–e espero não estar enganado– aempresa local está mais pertoculturalmente. As grandes multina-cionais são obrigadas a gerar valor,mas, na realidade, não podemoferecer coisas muito especiais. Porexemplo, no caso de jardinagem.Uma empresa pequena pode

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campo de jogo, a categoria na qualtravar a batalha.Ries – Esses são fatores determi-nantes. Não só a Internet. Parece-me exagero afirmar –alguém disseisso– que quem não estiver na redeno ano que vem deixará de existir.Martin – Nenhuma afirmaçãose aplica a todos. Isso nos leva aotema da segmentação. Ninguémvai muito longe se for se movimen-tar sempre em apenas umadireção.Kotler – Voltemos aos livros.Poderíamos dizer que a Barnes &Noble afetou o negócio das peque-nas livrarias. Elas costumavamentulhar o estabelecimento delivros; não se podia andar sem terde tirar algo do chão. Quandoalguém tomou consciência de que,na verdade, as pessoas deveriamcurtir a compra de livros, aslivrarias tradicionais perderama guerra. Tudo porque a Barnes& Noble mudou seu campo debatalha quando decidiu fazer comque as pessoas se sentissem àvontade em suas lojas. Não creioque muitas das livrarias “clássicas”consigam fazer a mudança deestrutura mental que necessitampara alcançar isso. Ainda há

livrarias que enviam cartas comnovidades para seus clientes parapoupar-lhes uma viagem até ocentro, mesmo que os clientesestejam esperando que lhes dêemboas razões para ir até lá.Stanton – Sem dúvida, estou deacordo com a idéia de categoria;no entanto, continuo pensandoque há espaço em cada uma delaspara que alguém jogue contra os“mata-categorias” (category-killers,em inglês).Ries – Como consultores de marke-ting e marcas, frequentementeconstatamos que muitos executivosreagem com prudência excessiva–até com medo– a propostasinovadoras. Por exemplo, fizemoscom que a General Foods notasse

que, com sua política de ampliaçãode linha, o crescimento era paulati-no demais. Há 28 anos no merca-do, precisava fazer algo; não podiase preocupar tanto em “cuidar donegócio”. Era preciso fazer algogrande. Bill Gates não é um gênio;fez o que tinha de fazer. Emboraalgumas vezes se engane, e muito,como quando disse que a Amazonpoderia vender qualquer coisa.

Já que Ries menciona os em-preendedores da Internet, emque eles se diferenciam dosempresários tradicionais? Poderãoconviver uns com os outros?Martin – Não creio que a relaçãose coloque no sentido de luta.Sem dúvida, os empresários“tecnológicos” estão convencidosde que os empresários tradicionaistrazem valor, mas cumprem umpapel diferente na organização,mais operacional e funcionalque estratégico.

A verdade é que a maioria dosnovos números 1, embora pais degrandes idéias, não possuem operfil egocêntrico de seus anteces-sores, para quem era quase impen-sável perder a posição dominante.Para eles, não é problema vender90% da participação na empresase a meta for crescer.Stanton – Entretanto, a vida deuma empresa não deveria girarexclusivamente em torno de seuvalor na Bolsa. Creio que para omundo dos negócios –não só demarketing– o grande desafio éconseguir que as empresas mante-nham o foco no consumidor, noslucros reais, e não na opinião deWall Street. Essa pressão da Bolsaé que as está impelindo a vendermarcas, a liquidá-las, exclusiva-mente para satisfazer os acionistas.Kotler – O resultado dessa pressãoé um horizonte de curto prazo. Nãose pensa em construir uma empresa.Stanton – É hora de pensar maisnas velhas áreas centrais dascidades, na vida e nos costumesdas pessoas, e menos na “city”financeira. Senão, o orientador daestratégia não será o valor para ocliente, e sim o valor das ações.

Philip Kotler. É reconhecidocomo referência mundialmáxima em marketing. Acabade publicar Marketing para o SéculoXXI (ed. Futura), um apanhadosobre as tendências atuaisnessa área.Chuck Martin. Foi um dosprimeiros do marketing nonovo mundo interativo.Fundador e presidente darevista Interactive Age, propõeem seu livro O Futuro da Internet(ed. Makron Books) a melhormaneira de aproveitar a forçada rede mundial para garantirum lugar privilegiado nofuturo. Também é autor deO Patrimônio Digital, publicado

pela mesma editora.Al Ries. Consagrado especialistaem marketing e marcas, retrata emseus livros –desde Posicionamento(ed. Pioneira) até As 22 ConsagradasLeis de Marcas (ed. Makron Books)–o interesse permanente pelaexploração e reformulação dosconceitos tradicionais.John Stanton. Doutoradoem marketing pela SyracuseUniversity, é um reconhecidoespecialista em marketingde nichos. É consultor e autorde vários livros, como obest seller Marketing de Nichos:Uma Estratégia Vencedora (ed.Makron Books), escrito comRobert Linneman.

Saiba mais sobre os debatedores

“Ninguém vaimuito longe sefor se movimentarsempre em apenasuma direção”Chuck Martin