tratamento e conversÃo de problemas aritmÉticos: experiÊncia com um objeto de aprendizagem

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TRATAMENTO E CONVERSÃO DE PROBLEMAS ARITMÉTICOS: EXPERIÊNCIA COM UM OBJETO DE APRENDIZAGEM Márcia de Oliveira MORAIS * Silvana Holanda da SILVA ** Maria Auricélia da SILVA *** Dennys Leite MAIA **** RESUMO A compreensão das estratégias desenvolvidas pelos alunos durante a resolução de situações-problema e as representações que constroem para a elaboração do seu raciocínio têm sido objeto de estudo de educadores, com vistas à elevação dos níveis de aprendizagem em Matemática. Este trabalho discute a aprendizagem de conceitos matemáticos a partir da utilização do Objeto de Aprendizagem (OA) É o Bicho! e tem como objetivo analisar os tratamentos e conversões efetuados por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental na resolução de problemas aritméticos com auxílio de um objeto de aprendizagem. O aporte teórico eleito para a fundamentação contempla a teoria de Raymond Duval quanto ao registro das representações semióticas para a resolução de problemas matemáticos. A experiência foi desenvolvida em uma escola da rede municipal de ensino de Fortaleza, com quatro alunos do 5º ano do Ensino Fundamental escolhidos aleatoriamente. O acompanhamento das atividades foi feito através da observação direta dos alunos no Laboratório de Informática Educativa durante a resolução de situações-problema utilizando o OA É o Bicho!. Observou-se que o referido objeto de aprendizagem constitui recurso favorável à apreensão dos conceitos de adição e subtração. Palavras-chave: Aritmética - Educação Matemática - Objeto de aprendizagem - Registros de Representação Semiótica. INTRODUÇÃO A compreensão dos conceitos de adição e subtração vão-se formando ao longo da vida, a partir dos primeiros contatos que a criança trava com o mundo ao seu redor. Ainda que não tenha consciência da presença dos cálculos no cotidiano, a criança é capaz de realizar diversas operações, porque a Matemática está presente na atividade humana em situações simples e complexas. Assim, quando se pensa no porquê de a Matemática fazer parte do currículo escolar, várias justificativas podem ser apresentadas: a Matemática é utilizada em atividades práticas, envolve aspectos quantitativos da realidade, desenvolve o raciocínio lógico, dentre outras. Contudo, essas expectativas nem sempre são atendidas no cotidiano escolar. Toledo e * Especialista em Tecnologias em Educação. E-mail: [email protected]. EMEIF Professor Jacinto Botelho. ** Mestre em Educação. E-mail: [email protected]. Grupo de Pesquisa Matemática e Ensino (MAES). ***Mestre em Educação. E-mail: [email protected]. Doutorado em Educação Brasileira da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Ceará (UFC). ****Pedagogo. E-mail: [email protected]. Curso de Mestrado Acadêmico em Educação (CMAE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Integrante do MAES. Bolsista CAPES.

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Trabalho apresentado no XX Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste (EPENN). Para citá-lo: MORAIS, Marcia de Oliveira; SILVA, Silvana Holanda da; SILVA, Maria Auricélia; MAIA, Dennys Leite. Tratamento e conversões de problemas aritméticos: experiência com um objeto de aprendizagem. In: Anais do XX EPENN. Manaus: VALER, 2011.

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TRATAMENTO E CONVERSÃO DE PROBLEMAS ARITMÉTICOS:EXPERIÊNCIA COM UM OBJETO DE APRENDIZAGEM

Márcia de Oliveira MORAIS*

Silvana Holanda da SILVA**

Maria Auricélia da SILVA***

Dennys Leite MAIA****

RESUMO

A compreensão das estratégias desenvolvidas pelos alunos durante a resolução de situações-problema e as representações que constroem para a elaboração do seu raciocínio têm sido objeto de estudo de educadores, com vistas à elevação dos níveis de aprendizagem em Matemática. Este trabalho discute a aprendizagem de conceitos matemáticos a partir da utilização do Objeto de Aprendizagem (OA) É o Bicho! e tem como objetivo analisar os tratamentos e conversões efetuados por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental na resolução de problemas aritméticos com auxílio de um objeto de aprendizagem. O aporte teórico eleito para a fundamentação contempla a teoria de Raymond Duval quanto ao registro das representações semióticas para a resolução de problemas matemáticos. A experiência foi desenvolvida em uma escola da rede municipal de ensino de Fortaleza, com quatro alunos do 5º ano do Ensino Fundamental escolhidos aleatoriamente. O acompanhamento das atividades foi feito através da observação direta dos alunos no Laboratório de Informática Educativa durante a resolução de situações-problema utilizando o OA É o Bicho!. Observou-se que o referido objeto de aprendizagem constitui recurso favorável à apreensão dos conceitos de adição e subtração.

Palavras-chave: Aritmética - Educação Matemática - Objeto de aprendizagem - Registros de Representação Semiótica.

INTRODUÇÃO

A compreensão dos conceitos de adição e subtração vão-se formando ao longo da

vida, a partir dos primeiros contatos que a criança trava com o mundo ao seu redor. Ainda que

não tenha consciência da presença dos cálculos no cotidiano, a criança é capaz de realizar

diversas operações, porque a Matemática está presente na atividade humana em situações

simples e complexas.

Assim, quando se pensa no porquê de a Matemática fazer parte do currículo

escolar, várias justificativas podem ser apresentadas: a Matemática é utilizada em atividades

práticas, envolve aspectos quantitativos da realidade, desenvolve o raciocínio lógico, dentre

outras. Contudo, essas expectativas nem sempre são atendidas no cotidiano escolar. Toledo e

* Especialista em Tecnologias em Educação. E-mail: [email protected]. EMEIF Professor Jacinto Botelho.

** Mestre em Educação. E-mail: [email protected]. Grupo de Pesquisa Matemática e Ensino (MAES).

***Mestre em Educação. E-mail: [email protected]. Doutorado em Educação Brasileira da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

****Pedagogo. E-mail: [email protected]. Curso de Mestrado Acadêmico em Educação (CMAE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Integrante do MAES. Bolsista CAPES.

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Toledo (1991, p. 10) apresentam algumas razões desse descompasso com as seguintes

possibilidades: “método de ensino inadequado, falta de uma relação estreita entre a

Matemática que se aprende nas escolas e as necessidades cotidianas; ou defasagem da escola

quanto aos recursos tecnológicos mais recentes”.

É suficiente observar que os alunos frequentam o mesmo modelo de Escola do

Século XVIII, tanto sobre o aspecto do espaço físico, quanto das práticas pedagógicas. É

necessário que a escola procure adequar-se ao contexto tecnológico a qual a sociedade está

inserida. No caso da Matemática, diversas pesquisas atestam que os conceitos matemáticos

podem ser melhor introduzidos com auxílio de recursos digitais. Borba e Penteado (2010)

observam que a informática educativa pode proporcionar mudanças significativas na prática

educativa, otimizando as aulas de Matemática.

Para tanto, as práticas educativas devem ser pautados em teorias de aprendizagem

que as fundamentem. Na Educação Matemática, a proposta cognitivista de Raymond Duval

tem ganhado espaços nas discussões sobre a aprendizagem Matemática. Para o teórico para a

compreensão de um conceito é imprescindível uma representação do objeto matemático. A

Matemática só se dá a conhecer através de suas representações semióticas. Este processo é

permeado por três atividades cognitivas, quais sejam: formação, tratamento e conversão.

Considerando que estes processos cognitivos também são contemplados pela

informática educativa, compreende-se que é necessária uma investigação no sentido de

evidenciar como elas ocorrem. Para tanto, neste trabalho, objetiva-se analisar os tratamentos e

conversões efetuados por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental na resolução de problemas

aritméticos com auxílio de um objeto de aprendizagem.

REPRESENTAÇÕES SEMIÓTICAS E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

A Teoria dos Registros de Representação Semiótica foi desenvolvida por

Raymond Duval (1995). Nela o autor discute a noção de representação com a finalidade de

analisar a influência do registro dos objetos matemáticos sobre a sua compreensão, o que está

diretamente vinculado aos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática. O

funcionamento cognitivo do pensamento considera as mudanças de registros de representação

semiótica, em sua importância, tanto no aprendizado da Matemática quanto da língua materna.

A peculiaridade da aprendizagem da Matemática faz com que as atividades

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cognitivas requeiram o uso de sistemas de expressão e de representação específicos do que os

de língua natural ou imagens.

Os Registros de Representação Semiótica (RRS) utilizam diferentes linguagens ou

sistemas simbólicos para representar o objeto matemático e efetivar a sua compreensão. Essas

representações podem dar-se no registro dos números, da língua materna ou natural, das

gravuras, das figuras geométricas, da álgebra, dos gráficos, das tabelas das linguagens formais

(SOUSA, 2009).

De acordo com Barreto e Sousa (2009, p. 6), as representações semióticas, são

entendidas como

(…) produções constituídas pelo emprego de signos, utilizadas para expressar, objetivar e tratar as representações mentais, isto é, o conjunto de concepções de um indivíduo acerca de um objeto ou situação. Segundo o autor, o objeto matemático somente se dá a conhecer por meio de suas representações, em distintos registros de representação.

Duval (1995) anuncia que para a compreensão do funcionamento cognitivo do

pensamento há que se considerarem dois elementos indispensáveis: a semiósi (representação

do objeto matemático) e a noési (compreensão do objeto matemático). Não existe nóesi sem

semiósi. Assim, para que haja aprendizagem matemática faz-se necessária a articulação entre

as diferentes formas de representação provocando avanços sobre a compreensão do objeto

matemático, por parte do sujeito cognoscente. Duval apresenta ainda três atividades cognitivas

favorecidas pelas representações semióticas: formação, tratamento e conversão.

A primeira atividade, diz respeito à formação de representações num registro

semiótico particular, seja para “exprimir” uma representação mental, seja para “evocar” um

objeto real (DUVAL, 2009). Para formar uma representação é necessário respeitar as regras de

conformidade, característica do registro específico em que se está trabalhando, isto é, “aquelas

que definem um sistema de representação e, por consequência, os tipos de unidades

constitutivas de todas as representações possíveis num registro (DUVAL, 2009, p. 55). Não é

possível, por exemplo, formar um registro fracionário, se não se seguem as regras que

estabelecem as relações entre todo e parte, entre numerador e denominador.

A segunda atividade cognitiva é a de tratamento. Duval atesta que:

Um tratamento é a transformação de uma representação obtida como um dado inicial em uma representação considerada como terminal em relação a uma questão, a um problema ou a uma necessidade, os quais fornecem o critério de parada na série de transformação de representação interna a um registro de representação ou a um sistema (DUVAL, 2009, p. 56-57).

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Essa atividade consiste, portanto, na realização de transformações que acontecem

internamente a um registro e obedecem a regras de expansão. São regras que permitem a

expansão da informação, favorecendo outra representação, mas ainda no mesmo registro que o

de partida. Por exemplo, a resolução da expressão aritmética 1/2 + 1/4 impõe o conhecimento

de regras próprias, sem as quais não se resolverá a contento a expressão, não chegando à

resposta 3/4. A proposta inicial do problema foi colocada no registro aritmético e a sua resposta

se encontra no mesmo registro, podendo-se falar que houve apenas um tratamento.

A terceira atividade é a conversão. Segundo Duval (2009, p. 58) converter é

“transformar a representação de um objeto, de uma situação ou de uma informação dada num

registro em uma representação desse objeto, dessa mesma situação ou da mesma informação

num outro registro”. A conversão diferentemente do tratamento, acontece externamente em

relação ao registro de partida.

Voltando ao exemplo anterior da soma das frações 1/2 + 1/4, pode-se optar por

converter a escrita fracionária em uma escrita decimal. Assim a expressão se transformaria em

0,5 + 0,25. Entretanto, recorrer à mudança de registro exige conhecer regras de conversão,

sem as quais os elementos trazidos de um registro para o outro serão desvirtuados. A falta de

domínio das regras de conversão pode levar indivíduos a converterem a primeira expressão,

em algo como: 1,2 + 1,4, sem perceber que já não se trata mais dos mesmos objetos

matemáticos registrados originalmente.

A compreensão Matemática está relacionada com a diversificação de registros de

representação. Essa diversidade permite uma compreensão global do objeto matemático e

rompe com o enclausuramento da aprendizagem em um único registro de representação

(monorregistro), possibilitando aos aprendentes fazer associações conceituais e não confundir

o objeto matemático com sua representação. Todavia, Duval (2009, p. 63) assegura que “a

conversão das representações semióticas constitui a atividade cognitiva menos espontânea e

mais difícil de adquirir para a grande maioria dos alunos”. Assim, o autor considera que a

atividade de conversão é tão fundamental quanto às atividades de formação e tratamento, e

que, no entanto, a Escola não lhe dá a devida atenção, por acreditar que ela se dá de forma

espontânea.

O autor reitera que o uso de vários sistemas semióticos de representação é

indispensável para a realização de necessárias atividades cognitivas na construção conceitual

de um objeto matemático. Entretanto, é preciso diferenciar um objeto matemático de sua

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representação. Por exemplo, o número “meio” pode ser representado em forma decimal,

fracionária, língua materna ou desenho. No entanto, compreender efetivamente esse número é

perceber que, em cada uma destas representações está presente o mesmo número, a mesma

ideia. Para Duval (2009), a confusão entre um objeto e sua representação, provoca perda na

sua compreensão.

Diante da relevância das conversões para a aprendizagem da Matemática, é

necessário considerar os problemas específicos ligados a elas: os fenômenos da

congruência/não-congruência. Estes fenômenos estão relacionadas à proximidade ou

distanciamento estabelecidos entre o registro de partida e o registro de chegada.

Numa situação de congruência há uma correspondência semântica e não existe a

presença de palavras que levariam à confusão na interpretação da situação e consequente

resolução da mesma. A correspondência do enunciado com desenho facilita a obtenção da

resposta. Por sua vez, uma situação de não-congruência pode levar à compreensão errônea do

problema, já que não promove uma relação direta do enunciado com a organização de solução

da situação.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada numa escola pública da rede municipal de Fortaleza,

tendo como sujeitos da investigação quatro alunos do 5º ano do Ensino Fundamental

escolhidos aleatoriamente.

A aplicação do OA É o Bicho! aconteceu no Laboratório de Informática Educativa

da referida escola. O aplicador explicou para cada aluno o funcionamento do OA e propôs as

situações-problema, que foram resolvidas individualmente. À medida que os alunos iam

resolvendo as atividades, as telas eram capturadas através do Print Screen para posterior

análise. Vale salientar que os alunos não apresentaram dificuldades na manipulação do OA e

demonstraram bom nível de leitura.

O objeto de aprendizagem utilizado foi desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa e

Produção de Ambientes Interativos e Objetos de Aprendizagem (PROATIVA) da

Universidade Federal do Ceará. O grupo desenvolve objetos de aprendizagem (atividades

multimídia, interativas, na forma de animações e simulações) e realiza pesquisas sobre a

utilização desses objetos na escola1.

1 Informações disponíveis em: <http://www.proativa.vdl.ufc.br>. Acesso em 13jun2011.

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O objeto de aprendizagem É o Bicho! tem como objetivos: interpretar e refletir

sobre os resultados das situações-problema; relacionar as atividades de adição e subtração

como algo indissociável; comparar as relações entre tabelas e gráficos; ler e interpretar dados

(tabelas e gráficos); estimular contagem um a um e contagem por agrupamento; representar

quantidades (com símbolos arbitrários e convencionais); registrar quantidades usando os

símbolos numéricos; quantificar: mais, menos, igual, total; trabalhar com ideias de

classificação, ordenação e seriação; estabelecer relações entre número e quantidade.

O É o Bicho!2 utiliza representação numérica, figural e escrita na língua materna.

Tem como tema os animais da fauna brasileira em extinção e se divide em quatro atividades,

denominadas da seguinte forma: peixe-boi, tamanduá bandeira, onça pintada e macaco

barrigudo. Na atividade do peixe-boi, o aluno classifica os animais de acordo com sua

espécie; em seguida compara e faz a união dos elementos, trabalhando com soma e subtração;

na atividade do tamanduá bandeira, o aluno utiliza setas para levar o tamanduá até o

formigueiro e, em seguida, conta quantas vezes andou para baixo, para cima, para a esquerda

e para a direita; na atividade da onça pintada o aluno ajuda a limpar o rio para que a onça

pintada possa beber água. Para isso, pega os objetos que estão no rio e os separa em uma

tabela que se encontra à esquerda da tela. Após separar todo o material, responde alguns

desafios sobre essa atividade; finalmente, a atividade do macaco barrigudo possui duas etapas

com o objetivo de trabalhar com adição e subtração das partes. Na primeira etapa, o aluno

precisa equilibrar um dos lados da árvore, montando a estrutura da adição e, na segunda, para

equilibrar os galhos, ele monta uma estrutura de subtração.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A análise dos dados discutidos, neste artigo, considerou os conceitos apresentados

por Duval (1995) no tocante às transformações de tratamento e conversão, bem como aos

níveis de congruência apresentados nos problemas apresentados aos alunos. Na realização da

atividade de conversão, é necessário atender, inicialmente, os níveis de congruência existentes

entre o problema inicial de partida (no registro escrito) e o registro de chegada (registro

numérico).

Os alunos registraram suas respostas no próprio objeto de aprendizagem

2 Informações disponíveis em: <http://www.proativa.vdl.ufc.br/oa/ehobicho/guia_ehobicho.pdf> Acesso em 13jun2011.

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escolhido, É o Bicho!, fazendo uso das ferramentas funcionais presentes no recurso. Em todas

as situações, os registros escolhidos pelos alunos analisados para tratar os problemas, ou seja,

para o qual eles os converteram, foi apenas o aritmético.

Na introdução ao uso do objeto de aprendizagem É o Bicho!, existem quatro

animais a serem escolhidos e conhecidos pelo usuário do recurso (Figura 01). De acordo com

a opção escolhida, são apresentadas, além de curiosidades sobre os animais, situações-

problema de Matemática para serem respondidas. Sobre essas questões propostas é que

repousam as análises deste trabalho.

Figura 01: Tela inicial do OA É o Bicho!

Iniciando pelo peixe-boi, a proposta da atividade é que os alunos arrastem os

filhotes de animais para junto de suas respectivas mães, salvando-os das redes de pescadores.

Todos os alunos realizaram com êxito essa primeira ação (Figura 02). Em seguida, foi

solicitado aos participantes que quantificassem cada espécie de filhote. Nesse caso, também, o

sucesso dos alunos foi unânime. Somente a partir da proposição de problemas envolvendo

esses dados, é que foi possível perceber dificuldades em encontrar a solução.

Figura 02: Atividade com o peixe-boi.

Nessa situação, o conhecimento das relações de ordem temporal indicadas nos

enunciados foi identificado como necessário à conversão do registro escrito para o numérico

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no tratamento aditivo. A análise da atividade revelou que os sujeitos não tiveram dificuldade

de entender o conceito envolvido na operação de adição, mas esbarraram no baixo nível de

congruência do enunciado.

Nas questões em que se indagava: “qual o total?”, “ao todo quantos?”,

“quantos...?”, não houve nenhum obstáculo de resolução por parte dos alunos. No entanto,

quando as perguntas usavam a expressão: “quanto a mais que...?” todos os alunos envolvidos

confundiram-se e realizaram uma soma, quando deveriam ter feito a operação inversa da

adição, a subtração.

Em outro momento dessa mesma atividade, o OA permitiu que os alunos

analisassem suas respostas e consertassem o erro. O recurso dos desenhos auxiliou os alunos

na análise comparativa que envolvia a questão. Assim, após analisarem o erro cometido, os

alunos A1 e A4 conseguiram chegar ao resultado, o que não aconteceu com os alunos A2 e

A3.

Na atividade envolvendo o tamanduá, os alunos deveriam ajudar o animal a

chegar ao formigueiro, indicando o caminho mais curto (Figura 03).

Figura 03: Atividade do tamanduá.

O tamanduá se locomove através dos comandos das setas do teclado e, durante seu

movimento, a cada passo dado aparece um quadrado marcando o caminho realizado. Após a

chegada ao formigueiro, são lançadas três perguntas: “Quantos passos o tamanduá deu para

cima? Para baixo? Para a direita?” Para registrar suas respostas, os alunos têm um espaço no

canto superior esquerdo da tela, como fez A1 (Figura 04).

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Figura 04: Resposta de A1 para a atividade do tamanduá.

Nessa atividade, os tratamentos efetuados pelos alunos consistiam em conferir na

figura as setas, relacionando-as com a posição para, em seguida, realizar a operação de adição.

Os alunos A1 e A2 obtiveram êxito em todas as respostas. Os dois não tiveram dificuldade em

entender os comandos apresentado em registro escrito e em utilizar as informações gravadas

pelo OA durante o registro do caminho percorrido pelo tamanduá. Tampouco encontraram

obstáculos para efetuar as somas, demonstrando, assim, compreender bem a noção de adição.

Nota-se nessa situação que a alta congruência dos enunciados das questões é auxiliada ainda

pelo registro do desenho presente no OA. Por outro lado, os alunos A3 e A4 não obtiveram

êxito em suas respostas.

O aluno A3 demonstrou imaturidade para relacionar todas as informações contidas

na questão. Primeiro, não compreendeu as informações pelo registro de partida (escrito) nas

quais deveriam contabilizar as setas e realizar a soma. Suas respostas indicaram que realizou a

soma pelo número de vezes em que visualizava cada seta no desenho e não pelo número que

indicava quantas vezes caminhou em cada direção.

Por sua vez, o aluno A4 falhou em uma única questão na qual totalizou os passos

dados pela direita. Possivelmente, esse aluno confundiu-se com o número de parcelas

utilizadas no cálculo total: “3 + 3 + 2 + 2 + 2”, já que efetuou o cálculo mentalmente,

podendo ter deixado escapar uma unidade, ocasionando a sua resposta 11 ao invés de 12, que

seria a quantidade correta.

Em outra atividade proposta pelo OA, os alunos tinham a onça como animal a ser

explorado. Nessa situação, foi proposto que cada aluno limpasse o rio, retirando o material

que o poluía (latas, garrafas e pneus) para ajudar a onça a beber água (Figura 05). Nessa

primeira etapa, todos obtiveram sucesso, arrastando o lixo para seu devido lugar e

contabilizando o material coletado.

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Figura 04: Atividade da onça.

Na etapa seguinte dessa mesma atividade, os alunos deparam-se novamente com

uma situação de alta congruência do enunciado, como na atividade do peixe-boi. No entanto,

nessa situação, os alunos não tiveram dificuldade em responder, e todos acertaram as

respostas. Nesse caso, é possível que as várias tentativas de achar a resposta na atividade 1

tenham auxiliado os alunos a superarem a dificuldade presente no enunciado quando utiliza a

palavra “mais” para perguntar e os alunos deveriam diminuir para acertar.

Na última atividade proposta, o animal apresentado foi o macaco barrigudo. Nessa

situação, os alunos deveriam auxiliar os macacos a se deslocarem na árvore, descobrindo

quantos macacos faltavam para que os galhos ficassem com a mesma quantidade (Figura 05).

Figura 05: Atividade macaco barrigudo

Nessa situação, os alunos realizaram várias somas com o apoio do recurso dos

desenhos. Foi proposto que cada um realizasse até cinco somas antes de avançar para a

próxima fase na qual eles realizariam subtrações. Juntamente com o suporte dos desenhos, os

alunos contavam ainda com uma expressão numérica, com mostrou a Figura 05. Nessa

situação, os alunos deveriam escolher quais números completavam a sentença e equilibravam

os galhos.

Apesar de todos os alunos terem acertado as proposições, eles necessitaram de

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explicação para iniciar a atividade, não conseguindo efetuar a resolução a partir das

informações presentes no discurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de resolução de situações-problema utilizando o OA É o Bicho!

demonstrou que os alunos ainda estão presos ao registro aritmético, mesmo quando têm a

possibilidade de fazer uso das representações figurais, como no uso do referido OA. Essa

situação pode estar relacionada ao trabalho realizado na escola, em que o algoritmo tem

privilégio sobre os demais tipos de representação.

O nível de congruência das situações propostas interfere diretamente no êxito dos

alunos quando de sua resolução. Muitas vezes os alunos compreendem os conceitos

envolvidos, mas a alta congruência do problema desvia o aluno da resposta correta. Contudo,

as representações figurais e a língua materna presentes no OA É o Bicho! favorecem a solução

das situações-problema pelos alunos.

Além dos aspectos citados, esse objeto de aprendizagem favorece a retomada das

situações mediante o refazimento dos problemas, oportunidade em que o aluno repensa as

soluções e faz novas tentativas, mediante os vários tipos de representação presentes no OA.

Diante disso, percebe-se que o tratamento e a conversão de problemas aritméticos

pode ser favorecida pelo uso de objetos de aprendizagem, especialmente o OA É o Bicho!, a

partir das situações propostas e da apresentação de diversos tipos de representação presentes

nesse recurso.

REFERÊNCIAS

BORBA, M. de C.; PENTEADO, M. G. Informática e Educação Matemática. 4a. Ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. 104p. (Coleção Tendências em Educação Matemática).

BRASIL. Guia do Professor - SEED – Secretaria de Educação a distância – RIVED – Rede interativa Virtual de Educação. <http://www.proativa.vdl.ufc.br/oa/ehobicho/guia_ehobicho.pdf>. Acesso em 13/06/2011.

DAMM, R. F. Registros de Representação. In: MACHADO, S. D. A. et al. Educação Matemática: uma introdução. São Paulo: EDUC, 1999.

DUVAL, R. Sémiosis et pensée humaine: registres sémiotiques et apprentissages

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__________. Semiósis e Pensamento Humano: registros de representação semióticos e aprendizagens intelectuais (fascículo I). São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009.

__________. Registros de representações semióticas e funcionamento cognitivo da compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. (Org). Aprendizagem em Matemática. Campinas, SP: Papirus, 2003.

SOUSA, A. C. G. Experiência de Formação de professores das séries iniciais da escolarização: a Matemática e as representações semióticas. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual do Ceará, 2009.

_________________.; BARRETO, M. C. Conversões de problemas aritméticos com baixa congruência por professoras das séries iniciais. In: 19º Encontro de Pesquisa Norte e Nordeste, 2009, João Pessoa. Anais do 19º Encontro de Pesquisa Norte e Nordeste, 2009.

TOLEDO, M.; TOLEDO, M. Como dois e dois: a construção da Matemática. São Paulo: FTD, 1997.