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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Resumo: Este artigo retrata tanto a discussão internacional a respeito das novas métricas da sociedade dainformação como a exploração desse tema nos últimos anos pela Fundação Seade e, deste modo, o resultadodos esforços nos processos de obtenção, compilação e análise de dados sobre o assunto.Palavras-chave: tecnologia; informação; conhecimento.

Abstract: This article describes the international debate with regard to the new paradigms of the informationsociety, and the exploration of this subject in recent years by Fundação Seade, in order to assess the effortstowards obtaining, compiling and analyzing data on the subject.Key words: technology; information; knowledge.

VAGNER DE CARVALHO BESSA

MARCELO BATISTA NERY

DANIELA CRISTINA TERCI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 3-16, 2003

debate sobre os rumos do desenvolvimentoeconômico é impulsionado pela difusão dosparadigmas produtivos que atingem o modo

sível de reprodução em outras regiões (Schreyer, 2000),outros assinalam que o fenômeno registra uma fase dociclo de crescimento restrito à economia americana nosanos 90, desenvolvida pelos investimentos na nova infra-estrutura de telecomunicações, mas de difícil reprodu-ção em outros países.

Do ponto de vista microeconômico, por sua vez, há umentendimento generalizado e mais consensual acerca daliderança que os setores ligados às novas tecnologias exer-ceram sobre a Globalização Industrial. As fusões e alian-ças estratégicas entre grandes grupos proporcionaram aemergência de mercados e modelos de negócios nas fron-teiras das novas áreas de exploração econômica. A im-portância das redes de aprendizado se fortalecem comonovos padrões de competitividade e as informaçõesdirigidas às inovações tecnológicas e produção de conhe-cimento passam a constituir um importante insumo para oprocesso de reestruturação produtiva. Ampliam-se as pos-sibilidades para a aplicação das Tecnologias de Informa-ção e Comunicação – TICs em vários campos e a novainfra-estrutura de telecomunicações proporciona, simul-taneamente, a criação de novos produtos e a revitalizaçãode mercados tradicionais em bases tecnológicas renova-das, como nas áreas de telemedicina, de educação a dis-tância e de ação do Estado – por intermédio do governoeletrônico (Cohen et al., 2000).

de produção de bens e serviços. Existe a plena con-vicção de que os segmentos que experimentam pro-fundas mudanças, em função dos impactos das novastecnologias digitais, mostram potencial econômicopara criação de empregos qualificados e geração derenda. Impulsionado pela visibilidade da Internet e aexpansão das empresas “ponto.com”, esse processo ga-nhou amplitude e demarcou o significado das novasformas de produção, consumo e conhecimento. De fato,o que se convencionou chamar de “nova economia”envolve um conjunto distinto de significados. Currás,Nanclares e López (2001) advertem que o termo “novaeconomia” deve ser analisado em aspectos diferenci-ados. Na perspectiva macroeconômica, a noção temsido tomada como sinônimo de crescimento do empre-go e da produtividade, dentro de um contexto de bai-xas taxas de juros e inflação, internacionalização daeconomia americana e mudanças no sistema financei-ro internacional, tendo como pano de fundo a difusãodas novas tecnologias de informação e comunicação eda Internet. Entrementes, há variações nessa abordagem,pois enquanto alguns defendem que o termo reflete umamudança de ordem estrutural na economia mundial pas-

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Na ótica social, o ritmo de difusão da nova infra-estru-tura de telecomunicações mostra potencialidades inéditaspara a abertura e ampliação dos canais de participação nassociedades democráticas e para o aparecimento dos no-vos direitos no que se convencionou chamar de “socieda-de do conhecimento”. O impacto é observado no merca-do de trabalho, nas relações comerciais, no crescimentoeconômico, na forma de produzir, coordenar e distribuirbens e serviços e no cotidiano dos indivíduos; na maneiraque adquire informações, aprende, negocia, interage, etc.O vasto campo de aplicações das novas tecnologias temconduzido ao debate de como medir os impactos do de-senvolvimento e difusão das TICs sobre a vida econômi-ca e social. As instituições reclamam novas regulamenta-ções e incentivos, oferecem e demandam novos saberes.

Entretanto, leituras menos otimistas enfatizam que adifusão diferenciada das novas tecnologias, quando nãoreforça, repete os padrões de exclusão social presentes emsociedades com profundas diferenciações distributivas.Nesse contexto, a questão da “exclusão digital” ou da“infoinclusão” surge como temática privilegiada queenfatiza a necessidade de políticas públicas voltadas nãoapenas para universalização ao acesso às novas tecnologiasde comunicação e informação, mas também aos benefí-cios globais da sociedade do conhecimento.

O debate sobre a importância das TICs tem levado a umaampla discussão a respeito das alterações nas convençõesestatísticas necessárias para medir a relevância dos novos pro-cessos desenvolvidos no âmbito do que se convencionouchamar de “Sociedade da Informação” ou “Sociedade doConhecimento”. Porcaro (2001) chama a atenção para o fatode os esquemas conceituais, dos sistemas estatísticos ofici-ais, assentarem-se sobre premissas teóricas umbilicalmenteligadas a uma dada concepção em relação à realidade eco-nômica e social. Segundo a autora, os modelos estatísticosse apropriaram de constructos analíticos ligados à divisãodo trabalho da sociedade industrial e ganharam consistênciaao desenhar uma representação estatística homogênea e com-parativa de uma sociedade cujos padrões culturais, científi-cos e tecnológicos eram relativamente estáveis, assentadossobre a organização regulada, fordista e circunscrita aosmarcos dos Estados Nacionais do pós-guerra.

Os desafios para os sistemas nacionais de estatísticasão enormes porque compreendem uma agenda aberta. Oextenso campo de aplicações das novas tecnologias deinformação e comunicação, a grande heterogeneidade defontes produtoras de informações, a ambigüidade dos fe-nômenos, a constante destruição e recriação de barreiras

entre os setores de atividades, as dificuldades de mensu-rar serviços de natureza intangível e as dificuldades deregionalização de uma “economia em rede”, impõem de-safios ainda maiores. Entretanto, a despeito dessa proble-mática, há na perspectiva dos organismos internacionaise dos fóruns especializados uma certeza generalizada agin-do no intuito de que sejam estabelecidas convenções pa-dronizadas para o exercício de uma métrica dentro das prá-ticas estatísticas adequadas às novas exigências.

ESTATÍSTICAS NA SOCIEDADE DAINFORMAÇÃO

Indicadores de Compatibilidade Internacional

Proveniente da necessidade que cada país possui ementender e adaptar as tecnologias globais para as exigên-cias locais, alguns indicadores têm sido compostos paraavaliar o nível de progresso tecnológico e a capacidadedestes países em participar dessa nova era. A composiçãode tais índices auxilia as políticas de difusão em mensurara inserção de cada país em relação aos demais e, em espe-cial, verificar quais são os pontos que proporcionam seudistanciamento daqueles que estão no topo tecnológico.Muitos elementos contribuem para avaliar as realizaçõestecnológicas, mas em geral poucos são levados em consi-deração para mensuração, devido à dificuldade de obten-ção e compatibilidade encontrada.

Em estatísticas e indicadores existentes de tecnologia, es-forços são feitos, sobretudo pela Unesco, OECD e Eurostat(Unesco, 2002), para promover uma maneira sistemática demensuração, coleta e disseminação desses números, que atéo momento estão disponíveis, em sua maioria, apenas paraos países industrializados, no que se refere aos recursos hu-manos e financeiros em P&D, inovações, citações, patentes,produtos de alta tecnologia, etc. Estatísticas que vêm sendocoletadas tendo por referência os conceitos e as metodologiasinternacionais estabelecidas em documentos como o Manu-al Frascati (OECD, 1993), de Oslo (OECD, 1996) e Canberra(OECD, 1995), por exemplo.

Assim sendo, macroindicadores foram desenvolvidoscom intento de compreender o processo de produção eaplicação do conhecimento como uma série de sucessi-vos e necessários estágios que partem da pesquisa básicaaté a inovação, passando pela pesquisa aplicada e pelodesenvolvimento experimental, transformando-se freqüen-temente em um modelo para os países, principalmente paraos desenvolvidos, que procuram adaptá-los de acordo com

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suas políticas, porém que encobre as características espe-cíficas dos processos de pesquisa científica e de desen-volvimento tecnológico. Essa é uma das principais razõesdesse modelo ser intensamente questionado pelas escolas einstituições afins, e em conseqüência disso temos a buscaincessante por novos indicadores, como os de inovação.

Apesar dos vários modelos criados para mensurar TI,muitas dificuldades são encontradas para quantificar taisquestões pelo seu caráter intangível, entretanto existe umnúmero de indicadores que refletem objetivamente o graude difusão das novas tecnologias e vêm sendo investiga-dos de forma regular por organismos internacionais, comoserá abordado mais adiante.

Entretanto, existem algumas propostas apontando paraque os países em desenvolvimento se estendam além dosindicadores tradicionais de entrada (como centros de pes-quisa, pesquisadores, treinamento de pessoal com nívelcientífico e técnico, recursos financeiros) e produtos (ar-tigos publicados, licenças, patentes, número de citações,etc.), incluindo uma mensuração sistemática da capacida-de científica e tecnológica (Unesco, 2002). A questão quese sobrepõe, então, é qual a melhor maneira de desenvol-ver uma estratégia viável para mensurá-los em acordo comas prioridades políticas.

Outra interpretação dada é a realizada pelo Relatóriodo Desenvolvimento Humano (PNUD, 2002), que faz umaestimativa com relação à justiça econômica do ponto devista do uso da Internet, concluindo que no âmbito doprocesso global há a expectativa de que o número de usuá-rios de Internet aumente de 500 milhões para cerca de 1bilhão até 2005. Todavia, também é constatado que 72%dos atuais utilizadores vivem em países da OCDE, tendoelevados rendimentos e contemplando apenas 14% dapopulação mundial.

Assim como no Relatório de Desenvolvimento Huma-no, o Technology Achievement Index – TAI1 tem comopropósito servir de ponto de partida para uma avaliaçãotecnológica geral, primeiramente, para que depois sejamexaminados outros indicadores de forma mais detalhada(Sagasti et al., 2001:7), para 72 países. Os índices estabe-lecidos pelo TAI têm como alvo mensurar a tecnologia decada país, baseados em quatro dimensões: criação de no-vas tecnologias; difusão e adoção de novas tecnologias;difusão das já existentes, que ainda são básicas para aentrada de novas; e a construção da habilidade humanapara a criação e conseqüente adoção de tecnologia.

A metodologia usada para o cálculo é similar à usadapara o índice de desenvolvimento humano, entretanto não

é designada para medir mudanças no decorrer do tempo.Os dados para sua construção advêm das séries internacio-nais mais utilizadas e difundidas em relação ao uso detecnologia, porém alguns países acabam por ser subdi-mensionados pela falta de informação ou pela qualidadeda coleta.

O objetivo dessa proposição não é medir apenas qualpaís lidera o desenvolvimento tecnológico, mas sim a con-dição do país como participativo na criação e uso de tec-nologia. Para exemplificar, podem-se analisar os compo-nentes do índice, tendo como início a criação de tecnologia.O TAI usa dois indicadores para capturar o nível de ino-vação na sociedade: número de patentes concedidas percapita, para refletir a intensidade de atividades novas; e onúmero de royalties e licenças obtidas no exterior, demons-trando a evolução das inovações bem sucedidas ainda uti-lizadas e com valor de mercado.

Por fim, temos o indicador de habilidade humana queutiliza o número de anos na escola para população acimade 15 anos, que fornece uma boa medida das habilidadesproporcionadas pelo ensino básico geral da população, nãoesquecendo que a qualidade da educação é variável paracada país. Além disso, o número de graduados em ciên-cia, matemática e engenharia, possibilita igualmente umaavaliação dos esforços atuais em desenvolver e avançar oconhecimento em ciência e matemática.

Alguns outros modelos foram produzidos para mensurara difusão das novas tecnologias de informação, um deles,que merece destaque, é o modelo Inexsk (Mansell e Wehn,1998) que procura identificar indicadores para o acompa-nhamento do crescimento de uma sociedade da informa-ção nos países em desenvolvimento. Esse modelo foi de-senvolvido para analisar comparativamente a difusão deTI em diferentes países, a partir das seguintes variáveis:infra-estrutura, experiência, habilidades e conhecimento.

Segundo Mansell e Wehn, o grande desafio para a po-lítica de difusão é equilibrar os investimentos em equipa-mentos com o desenvolvimento do capital humano. Osexemplos de Taiwan e Coréia demonstram que é possívelse tornar um líder em exportações de bens de TI sem queo padrão de utilização doméstica seja muito afetado. Poresse motivo, a análise dos impactos da TI sobre o cresci-mento econômico deve abranger uma diversidade de ín-dices, tais como: índice de computadores pessoais; de li-nhas telefônicas; de produção de eletrônicos; de consumode eletrônicos; de disponibilidade de recursos humanosqualificados; de alfabetização; de hosts de Internet; e dedifusão de televisores; etc.

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Exclusão Digital e Infoinclusão

O debate sobre a difusão das novas tecnologias tem in-tensificado o debate relativo aos benefícios ou o acirramen-to das desigualdades sociais. Ao contrário de um otimismogeneralizado sobre as ondas de crescimento provocadas pelanova economia, a apropriação desigual destas tecnologiastem se traduzido em um forte debate a respeito da assimetriaentre aqueles que possuem e os que não possuem informa-ção; em que pesem as mudanças tecnológicas e o profundorompimento com o marco regulatório anteriormente existente,não há ainda um plano de políticas públicas cuja engenhariapossibilite alcançar o nível de universalização promovido peloEstado do Bem-Estar Social no caso da telefonia fixa. O sig-nificado de “serviço universal” sofre mudanças e deixa deser apresentado unicamente como acesso à infra-estrutura decomunicações, passando a ser entendido como a dispo-nibilização de recursos para a criação e disponibilidade deconteúdos informacionais aos quais todos os indivíduos de-vem ter acesso segundo suas necessidades (Tápia; Rallet,2000). Duas questões se colocam: como medir a difusão deacessos e, de outra forma, como os indivíduos estão capaci-tados para lidar com as novas tecnologias.2

Do ponto de vista das tecnologias e do pioneirismo, aspesquisas nos Estados Unidos realizadas pela AgênciaNacional de Administração de Telecomunicações e Infor-mação do Departamento de Comércio vêm se constituin-do como um marco para o monitoramento da questão deexclusão digital entre as pesquisas domiciliares. Do pri-meiro relatório publicado em 1995, “Falling through thenet: a survey of the net: new data on the digital divide”até o quarto relatório “Falling through the net: towarddigital inclusion”, em 2000, a pesquisa vem assimilandoelementos importantes referentes à metodologia deinferência da exclusão e às mudanças no âmbito das no-vas tecnologias: se, no primeiro estudo, a idéia de inclu-são se definia em função da disponibilidade de acessoresidencial de telefonia, computadores e Internet, já em2000 a pesquisa ganha uma novo âmbito: em primeirolugar, existe um suplemento para cada indivíduo do do-micílio e são investigadas a disponibilidade de Internetde alta velocidade e o uso da rede por indivíduos comdeficiências físicas e mentais (Navarro, 2001).

Outras pesquisas realizadas no âmbito da OECD mos-tram que as causas que impedem o acesso dos indivíduosàs novas tecnologias podem variar, indo de fatores relacio-nados à infra-estrutura de telecomunicações ou às dificul-dades de acesso em localidades geograficamente isoladas,

até motivações de ordem socioculturais. Segundo Navarro(2001), as inovações metodológicas das pesquisas estãoregistradas na coleta de indicadores para a construção detipologias familiares e de grupo, pois entende que as ques-tões sobre a exclusão digital não se resumem às caracte-rísticas dos indivíduos, mas às necessidades específicasde classes e grupos sociais.

No Canadá, onde as pesquisas são estruturadas pelaorientação pragmática das políticas de governo,3 a exclu-são é pensada como uma segmentação que atravessa to-dos os grupos socioeconômicos. Em adição à tradicionaldivisão entre usuários e não-usuários (first divide), há umasegunda segmentação dos não-usuários, que podem serdivididos por sua vez em dois grupos: aqueles que pos-suem interesses em estar conectados, no entanto não es-tão, em função de barreiras de custo, habilidades e capaci-dade de uso; e aqueles que possuem pouco ou nenhuminteresse nos serviços oferecidos (second divide), queresulta de uma diferença em relação à percepção de valo-res, dificuldades com a língua, de usabilidade ou de umdesestímulo em relação à pouca densidade de conteúdossociais e geração de oportunidades, como informações so-bre emprego, moradia ou capacitação (Navarro, 2001: 32).

As primeiras referências para a medição desse proces-so de exclusão digital nas estatísticas produzidas na Fun-dação Seade se remetem a Pesquisa de Condições de Vida1998.4 A pesquisa, que já trazia desde suas primeiras ver-sões (1990 e 1994) dados a respeito do número de linhastelefônicas residenciais, incorporou questões relativas àexistência de telefones celulares e computadores nos do-micílios. Esse levantamento possibilitou a formulação deindicadores sobre a disponibilidade de terminais de aces-so telefônico e computadores a partir de cruzamentos comas informações de renda do chefe da família, gênero edemais condições dos domicílios e de seus ocupantes,permitindo traçar um retrato das condições de acessibili-dade dos indivíduos às tecnologias básicas para o acessoàs redes digitais. Segundo os dados da pesquisa, para cadamil famílias com renda superior a 20 salários mínimos,havia cerca de mil computadores por domicílio (média deum para cada domicílio), enquanto para aqueles com atédois salários, a densidade era de 160 terminais para cadagrupo de mil famílias.5 Tal disparidade pode ser vista tam-bém por meio da apropriação das novas tecnologias se-gundo o grau de escolaridade dos residentes: observandoa distribuição dos indivíduos com 7 anos ou mais que fre-qüentam algum nível de ensino regular, 24% dos estudan-tes dispunham de PCs em suas residências na Região

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Metropolitana de São Paulo; entretanto, enquanto entreos estudantes de escolas públicas esse percentual era de11%, para aqueles que estudavam em escolas particula-res, esse número alcançava 62% – ou, de outra forma, 66%dos alunos que dispunham de computador em seus domi-cílios estavam no sistema privado (Bessa; Tápia, 2003).

Entretanto, se o acesso residencial contempla uma aná-lise importante sobre a disponibilidade de computadorese telefones fixos e celulares, questões que dizem respeitoa essas tecnologias fora dos domicílios, assim como asmotivações, freqüência, intensidade e barreiras para o seuuso, somente poderiam ser contempladas em uma pesqui-sa específica do tema.

A pesquisa “Hábitos de leitura e uso da Internet”, re-sultado do convênio entre a Fundação Seade e a ImprensaOficial do Estado – Imesp, foi capaz de avançar signifi-cativamente nesse campo, com uma investigação especí-fica sobre o uso da Internet em suas múltiplas dimensões.6

A pesquisa permitia avaliar, entre outras questões, o usoda rede mundial de computadores fora das residências eexplorar as barreiras que impediam os indivíduos de aces-sar as redes digitais, segundo várias segmentações (ren-da, gênero, faixa etária, cor e escolaridade).

Segundo os dados da pesquisa, a proporção de indiví-duos que acessam a Internet é de 18,9% na RMSP, sendoa proporção de domicílios com internautas de apenas 8,5%dentre aqueles com renda per capita de até meio saláriomínimo. A maior parte acessa a web nos domicílios

(61,7%) ou no trabalho (46%).7 O acesso compartilhadoem lugares públicos é utilizado por apenas 16% dos indi-víduos, sendo ainda menor o acesso pela escola e pela uni-versidade (12,3%).8 Esses dados indicam o espaço parauma política de infoinclusão, uma vez que o acesso àInternet ainda é extremamente dependente dos recursosdespendidos pelos próprios indivíduos e pelas empresas.

Conforme Bessa e Tápia (2003: 88), “a distribuição dosbens e serviços decorrentes das novas tecnologias digi-tais leva à apropriação desigual dos seus benefícios, e esseprocesso não decorre do tempo relativamente pequenoentre a chegada da Internet no Brasil e o levantamentodas informações da pesquisa, como alguns poderiam su-gerir. Mais do que isso, os dados mostram que o entrela-çamento entre a concentração de renda e o nível de es-colaridade, por um lado, e o acesso a computadores, deoutro, colocam obstáculos de fundo estrutural que podemvir a auto-reforçar os níveis de exclusão já existentes eque estão longe de ser resolvidos pelas políticas tradicio-nais.”

Governo Eletrônico

A discussão sobre Governo Eletrônico demarca umcompromisso recente de proposições na forma do exercí-cio da democracia e da administração pública. Conseqüen-temente, não há ainda uma agenda para produção de in-formações desse âmbito entre instituições estatísticas,sendo os levantamentos limitados à produção de indica-dores em relação à expansão dos serviços públicos pelaInternet, mais com a finalidade de divulgação do esforçodas administrações governamentais em produzir serviçospela WEB do que em instituir um conjunto de indicado-res com requisitos estatísticos propriamente ditos.

A Fundação Seade, além de cumprir papel estratégicono governo eletrônico como núcleo de produção de infor-mações para monitoramento das políticas públicas e trans-parência das ações governamentais, desenvolve ativida-des para o levantamento de estatísticas voltadas para açõesnessa área. As informações estão centradas na coleta deinformações diretas obtidas pela Pesquisa MunicipalUnificada – PMU e na montagem do “Guia da Oferta deInformações e Sistemas do Governo do Estado de SãoPaulo”.

Na primeira versão da PMU, a coleta destinava-se aobservar a difusão dos equipamentos de informática en-tre as várias instâncias da administração pública munici-pal. Após algumas tentativas pioneiras para a obtenção

GRÁFICO 1

Distribuição da População em Idade Ativa que usa Microcomputador, mas nãoutiliza Internet, segundo Motivo Principal para Não-Utilização da Internet

Região Metropolitana de São Paulo – 20011

Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. Suplemento da Pesquisa de Emprego e Desemprego– PED.(1) Os dados referem-se ao período de abril a agosto de 2001.

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de dados de forma mais eficiente, em 1999, chegou-se aum levantamento de informações mediado por uma con-cepção conceitual bem mais definida – passa-se da noçãogenérica de “informatização” para o conceito integradode “Governo Eletrônico”. Isso se deu em função do pró-prio amadurecimento da discussão nos núcleos de inteli-gência das administrações públicas e nos fóruns acadêmi-cos, voltados para temas estratégicos, como democracia eparticipação.9

Embora não haja ainda consenso para a definição pre-cisa de governo eletrônico (assim como para a definiçãode comércio eletrônico, como veremos adiante), já se no-tam algumas linhas de concordância sobre seus aspectosmais importantes. O governo eletrônico não significa ape-nas o uso da Internet para tornar disponíveis informaçõese serviços aos cidadãos de forma ininterrupta, onde e nomomento que eles os desejam. Governo eletrônico impli-ca o desenvolvimento de uma estratégia para implementarformas mais eficazes, descentralizadas e transparentes degerenciamento público, além de garantir a todos os bene-fícios da Sociedade da Informação dentro de uma pers-pectiva democrática e de coesão social.

Nesse sentido, a estrutura da PMU de Comunicações eInformática é organizada em torno de alguns eixos bási-cos: disseminação de serviços a distância, infra-estruturadigital, Internet, política de recursos humanos, parceriase políticas de inclusão digital e comércio eletrônico. Emum plano mais concreto, são investigados a disseminaçãodos recursos físicos ligados às tecnologias de informaçãoe à infra-estrutura de telecomunicações (parque de com-putadores, recursos multimídia, existência de redes decomunicação e da Inter e Intranet), as aplicações de re-cursos telemáticos como instrumento de gestão adminis-trativa e o esforço dos municípios no que se refere a trei-namento e capacitação na área de informática.

Além disso, investigam-se as prefeituras que dispõem depáginas na Internet, indicando as informações de utilidadepública e serviços disponíveis na página e os recursos ofere-cidos para a interação on-line entre a administração munici-pal e os cidadãos (e-mail, chats, grupos de discussão, etc.),busca-se identificar tanto a existência de diretrizes progra-máticas de difusão de novas tecnologias, como políticas deuniversalização de acesso público a redes de comunicaçãode dados e à Internet, por meio da disseminação de termi-nais on-line em quiosques, bibliotecas, postos de saúde, es-colas, etc. e verifica-se se os esforços das prefeituras na áreada política da informação são realizados mediante parceriascom o setor privado e os setores não-governamentais.

Os resultados da primeira PMU apontam para um qua-dro representativo da estrutura do governo eletrônico en-tre as prefeituras. Embora a temática relacionada ao Go-verno Eletrônico tenha importância crucial para aconstrução de novas relações entre o chamado “poder lo-cal” e os cidadãos, no Estado de São Paulo a maioria de-las ainda não assimilou importantes elementos que com-põem a agenda pública focalizada na Sociedade daInformação. A incorporação das novas tecnologias da in-formação, que parece se dar em níveis acelerados, não temrevelado os efeitos desejáveis sobre a performance do setorpúblico municipal como, por exemplo, maior transparên-cia na administração ou fortalecimento da “cidadania ele-trônica”.

O esforço para a assimilação de novas tecnologias éimpulsionado pela necessidade de informatização maisimediata de alguns setores da administração municipal,sobretudo pelas demandas da Secretaria de Finanças (dadaa necessidade de organizar a arrecadação municipal10 ), etambém nas áreas sociais, cujas relações com outras ins-tâncias governamentais (convênios, repasses, etc.) exigema informatização dos dados. Sintoma da pouca importân-cia que as prefeituras conferem ao governo eletrônico é ofato de somente 21% delas contarem com alguma estrutu-ra administrativa, formalizada e com capacitação especí-fica, voltada para a gestão da TI (núcleos, secretarias,centro de processamento de dados, etc.).

A inserção das prefeituras na web por meio de homepages alcança 19% das administrações no Estado de SãoPaulo, em relação a 83% nos Estados Unidos. Predomi-nam sites pouco estruturados em informações de serviçosde utilidade pública ou mecanismos de interatividade parao alargamento da participação popular em espaços virtuaisde discussão (fóruns, salas de debates, murais virtuais).Nesse sentido, os serviços on-line limitam-se a um centrode informações com perfil “estático” (apenas relacionan-do políticas, serviços e procedimentos). São poucos os quese estruturam em função de uma postura “dinâmica” (servi-ços realizados prontamente por meio do envolvimento detodos os setores da administração pública).

Vale notar que a discussão sobre a difusão das novastecnologias da informação e a gestão pública ganha espa-ço no âmbito das ações estratégicas do Estado em dife-rentes níveis (federal, estadual e municipal) e nas instân-cias do poder legislativo e judiciário (Takahashi, 2000).As experiências mais reconhecidas estão ligadas à decla-ração do imposto de renda pela Internet e ao sistema elei-toral em meio eletrônico, ambas de referência internacio-

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

nal.11 Entretanto, no âmbito dos governos estaduais, al-gumas experiências têm ocorrido para racionalizar o pro-cesso de compras, com a montagem de pregões eletrôni-cos e a informatização do sistema de arrecadação e gestãoorçamentária, cujos efeitos mais imediatos são: reduçãodos custos de arrecadação, diminuição do volume de tran-sações realizadas em papel e de erros de preenchimento eagilidade para a identificação de contribuintes devedoresou omissos.12

Guia da Oferta de Informações e Sistemas

Outra pesquisa realizada com objetivo de mapear ainfra-estrutura do parque de informática e a disponi-bilização de serviços públicos é o Guia da Oferta de In-formações e Sistemas13 que visa dar visibilidade ao acer-vo de informações do Estado de São Paulo por meio dadivulgação dos sistemas informatizados em operação, lo-calizados nas diversas Secretarias e órgãos vinculados.Além de mostrar quais são e onde estão as principais in-formações produzidas e armazenadas pela administraçãopública estadual, facilita o acesso às informações e esti-mula o seu uso, bem como o intercâmbio de experiênciasentre órgãos, incluindo a troca de sistemas e informaçõesoperacionais.

O Guia possui dois módulos: no primeiro, estão reu-nidas informações a respeito dos sistemas infor-matizados, fornecendo dados individuais sobre cadasistema desde as principais características dos bancosde dados e sistemas gerenciais existentes no Estado, taiscomo nome, situação atual, ano de implantação, obje-tivo, assuntos específicos, natureza, meios de acesso edisponibilização das informações, softwares utilizadose tipos de saídas possíveis, além de dados sobre o res-ponsável pelo sistema. No segundo módulo, são abor-dados os aspectos relativos aos ambientes de infor-mática, mostrando a situação da área de informática nasinstituições públicas estaduais, no que se refere a am-bientes, equipamentos, programas e recursos humanosexistentes. A constituição dos ambientes é feita de for-ma detalhada (grande e médio portes, microinformática,internet e intranet); os equipamentos, formas de cone-xão utilizadas e pessoas alocadas no setor de informáticapor tipo de atividade e nível de escolaridade tambémsão levantados.

Cabe ressaltar que a base de dados é composta de ma-neira desagregada, por secretarias e órgãos do governoestadual, contudo permite delinear o perfil da informática

no Estado constituindo um instrumento valioso para osestudos futuros.

Comércio Eletrônico

A Tecnologia da Informação e Comunicação constituium novo campo que começa a ser explorado por institui-ções como agências estatísticas e de governo, institutosde pesquisas, consultoria e planejamento e pela área aca-dêmica. Um bom exemplo dessa condição envolve as con-tradições originadas em torno do comércio eletrônico, oue-commerce.

Desde sua incursão, a definição de comércio eletrônicotem sido a fonte de muitos debates. Mediante a exigênciade conhecimento ditada pelo cenário socioeconômicointernacional, discute-se um arcabouço teórico, de medidasestatísticas e de definições a serem adotadas para melhorcompreender a interação entre tecnologia e o processo denegócios. Desse modo, discute-se sobre a identificação deoportunidades, o aperfeiçoamento das aplicações deestudos e políticas, a aquisição de maior entendimento emelhor visão de todos os atores econômicos e seusobjetivos e a revisão de pressupostos já estabelecidos.

Além disso, investiga-se a maneira mais acertada deproduzir índices que retratem a intensidade e o impactodo comércio eletrônico, possibilitando fundamentar cri-térios e diretrizes para modelos teóricos, metodológicose conceituais que permitam o incremento da comunica-ção e a colaboração entre empresas, o desenvolvimento eaperfeiçoamento de previsões para futuras necessidadesno âmbito da sociedade da informação.

Tantas incógnitas confirmam a necessidade de estabe-lecer um conjunto de conceitos que permitam compreen-der melhor a nova economia. Entrementes, segundoPorcaro, pode-se verificar que a maioria das definiçõesexistentes de e-commerce difere de alguns elementos cen-trais: abrangência das atividades e/ou os tipos de transa-ções incluídas na definição ampla (comércio, transporte,marketing, propaganda, saúde, educação, engenharia, ser-viços de informação, concorrência pública, etc.) ou res-trita (somente comércio varejista e entrega eletrônica).

O que se tem hoje são descrições, das definições muitoabrangentes às muito limitadas, que variam conforme aprocedência, ou seja, diferem de acordo com cada pes-quisa, com quem a elabora e com o local em que é feita.Com o adendo de serem freqüentemente posicionadas maispor questões políticas e/ou mercadológicas que por pro-postas práticas de mensuração.

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Isso porque os agentes econômicos têm muito a ganharcom o estabelecimento de seu envolvimento nesse novoseguimento. Conseqüentemente, os principais atores in-seridos nessa empresa também estão trazendo sua própriadefinição, dirigida exclusivamente por imperativos demarketing, visando estratégias planejadas para conseguirvantagens na economia digital.

Um desafio adicional ao esclarecimento do tema é oca-sionado pelo contínuo desenvolvimento da micro-eletrônica, da computação (hardware e software), das te-lecomunicações, da optoeletrônica e da biotecnologia,14

responsável pela alta velocidade das mudanças nas estru-turas das transações eletrônicas e na natureza dos proces-sos de negócios, produzindo transformações nas referên-cias usadas para apreender a economia eletrônica.

A respeito da novidade desse âmbito, pode-se citar adecisão da Organisation for Economic Co-operation andDevelopment (OECD), que apenas em abril de 1999 deci-diu criar um grupo para compilar definições politicamen-te relevantes e estatisticamente viáveis a respeito de co-mércio eletrônico (Colecchia et al., 2000:10). Idealmente,

a intenção desse conjunto de especialistas é desenvolveruma definição realística, facilmente compreensível emensurável, ampla o bastante para ser mantida com o de-correr do tempo, além de estreita o bastante para consti-tuir uma concepção objetiva.

Uma referência fundamental é a OECD. Estudando suasmuitas publicações torna-se evidente o tom ponderado desuas asserções. Contudo, após esclarecer a dificuldade demensurar o comércio eletrônico (a diversidade dos con-ceitos, a incompatibilidade de muitas estatísticas oficiaise a heterogeneidade das fontes privadas, etc.), a ela podeser atribuída a seguinte definição: comércio eletrônicorefere-se geralmente a toda forma de transação relaciona-da com atividades comerciais, incluindo organizações eindivíduos que estão baseados no processo e transmissãode dados digitalizados, incluindo texto, som e imagens(OCDE, 1997).

Concomitantemente, Statistics Canada descreve comér-cio eletrônico como uma forma de conduzir negócios, uma“transação”15 que compreende a transferência da posse ouda propriedade de uso de recursos tangíveis ou intangí-veis e que deve ser mediada necessariamente por meio douso de computadores. Na mesma linha a ElectronicCommerce in Canada apresenta duas definições. A defi-nição “técnica” diz ser o comércio eletrônico uma ativi-dade comercial conduzida por meio de redes que ligamdispositivos eletrônicos (principalmente computadores).Na definição “básica” o comércio eletrônico é tido comouma maneira barata de conectar computadores, a fim rea-lizar as tarefas que tradicionalmente têm absorvido muitotempo e dinheiro dos negócios. Coisas como a venda deprodutos, faturas, controle de inventários e comunicaçãocom clientes e fornecedores.16 Já o U. S. Bureau of theCensus define-o como algum processo que uma organiza-ção de negócios conduz mediado por rede de computado-res (Mesenbourg, 2001).

O Eletronic Commerce Promotion Council of Japanao questionar o que é comércio eletrônico, expõe a se-guinte resposta: comércio eletrônico suporta uma infini-dade de atividades – design de produto, fabricação, anún-cio, transações comerciais, estabelecimento de clientes –-usando uma variedade de tipos de redes de computador(ECOM, 1996 apud OCDE, 1997). Segundo a EuropeanInformation Technology Observatory,17 comércio eletrô-nico é o suporte das atividades de negócio que conduzema troca de valores por meio das redes de telecomunica-ções (EITO, 1997 apud OCDE, 1997). Para a ComissãoEuropéia, comércio eletrônico está baseado no proces-

QUADRO 1

Tipologia das Definições de Comércio Eletrônico

Fonte: OCDE (1997).

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

samento e transmissão eletrônica dos dados e abrange di-versas atividades, incluindo negociação eletrônica de bense serviços, entrega on-line dos conteúdos digitais, trans-ferência eletrônica de fundos, negociação eletrônica deações, transmissão eletrônica de notas promissórias, pes-quisas on-line, requerimento público, marketing direto aoconsumidor, serviços de pós-venda, etc. (CommissionEuropeu, 1997 apud OCDE, 1997). A World TradeOrganization (WTO), por sua vez, apresenta-o como aprodução, anúncio, venda e distribuição de produtos pormeio de redes de telecomunicação.18

Entretanto, verificaram-se diferentes enunciações atéem publicações da mesma instituição, refletindo que, naverdade, nenhuma das definições constituiu um conceitoconclusivo, o que torna ainda mais evidente a variedadede significados e amplitudes existentes tanto nos diversosgrupos que estudam o assunto como nos vários países.

Uma estratégia que parece cada vez mais consensual,dá-se no plano dos temas relevantes para a abordagem docomércio eletrônico e que seriam objeto de pesquisa di-reta. Segundo Porcaro (2001), esses temas se dão apenasem torno dos aspectos relativos a mensuração propriamentedita das transações eletrônicas, mas circunscreve um nú-cleo de questões que incidem sobre as condições de ex-pansão dessas atividades. Nesse sentido, as pesquisas de-vem comportar questões que revelem os aspectos relativosa barreiras, uso, infra-estrutura e impactos do comércioeletrônico sobre as atividades das empresas.

Barreiras – Com toda a disseminação tecnológica e in-vestimento por parte das empresas para propiciar cada vezmais a comodidade do consumidor e, conseqüentemente,ultrapassar a concorrência, vários setores ou empresasainda não adotaram o comércio eletrônico como prática.Para perceber quais são os principais empecilhos, tantono que diz respeito à infra-estrutura, quanto ao uso porparte dos consumidores e/ou fornecedores e a falta decapacitação dos funcionários com as novas tecnologias,perguntou-se às empresas quais elementos poderiam es-tar envolvidos com esses aspectos impeditivos.

As barreiras que dificultam o progresso do comércioeletrônico podem ser identificadas por aspectos como oainda restrito acesso e uso da Internet, a baixa instrução etreinamento em informática, a falta de proficiência em lín-gua estrangeira ou o simples desconhecimento do assun-to. As ações do setor público (má-coordenação ou regula-mentação, por exemplo) e as questões políticas e legaistambém constituem impedimentos para o bom desenvol-

vimento do e-commerce. Até mesmo elementos “culturais”podem representar obstáculo, visto que a comercializaçãopor esse meio depende da existência de um sentimento desegurança do consumidor que precisa depositar confian-ça na companhia da qual está comprando, ou seja, quepoderá efetuar o pagamento e o produto será entregue ouo serviço prestado, protegendo a sua privacidade e impe-dindo quaisquer tipos de contratempo. Ademais, a pró-pria confiança proporcionada pela estrutura que o supor-ta é um fator “institucional” que deve ser levado emconsideração.

Em todos esses casos, surge a necessidade de captar asinformações com um recorte apropriado no qual, em pesqui-sas domiciliares, é essencial obter os resultados por faixaetária, gênero, nível educacional, ocupação e renda.Concomitantemente, pela perspectiva das pesquisas econô-micas, o ano de constituição da empresa, características do(s)proprietário(s), segmentação por porte, receita e setor de ati-vidade, localidade em que está instalada, capacitação exigidae treinamento oferecido pelas empresas são alguns exemplosdas variáveis fundamentais a serem estudadas.

Uso – Em um quadro de crescente competitividade domercado, a eficiência torna-se um fator fundamental paradeterminar a diferenciação de produtos e serviços, esta-belecer nichos de mercado, manter e buscar novos clien-tes. Desse modo, a tendência em se optar por um tipo derelacionamento comercial via Internet aparece como umaótima alternativa.

Hoje, o volume do comércio eletrônico é relativamen-te pequeno. Entretanto, ele está crescendo rapidamente,evolução ligada a elementos como o aumento da confia-bilidade do sistema, a redução do tempo de transação ede custos operacionais, expressos em tudo aquilo que en-volve o seu uso – a intensidade, o volume, o valor, a qua-lidade, a eficiência e a natureza19 das transações.

Em vista disso, em alguns países como os EstadosUnidos investigam-se, por exemplo, o custo comparativoda aquisição e o tempo para a entrega do produto ou asatisfação do cliente e a qualidade do relacionamento como fornecedor, com o objetivo de calcular a capacidade paraa realização do comércio eletrônico.

Infra-estrutura – Todos os aspectos estão fortemente in-terligados, o comércio eletrônico exige tecnologias e ser-viços de telecomunicações eficientes e amplamente dis-poníveis e isso envolve a utilização de computadores,roteadores e outros hardwares envolvidos na interconexão,

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satélites e comunicação de redes de fibra ótica e sem fio,sistemas, aplicativos, etc.

Da mesma forma, forte impressão do impacto ocorrequando observamos o mercado de trabalho, já que parasuportar processos de negócios eletrônicos e conduzir tran-sações on-line são necessários serviços de suporte, taiscomo desenvolvimento e hospedagem de sites, con-sultorias, pagamentos eletrônicos e capital humano, comoprogramadores, analistas, projetistas e especialistas, uti-lizados nos negócios e comércios eletrônicos. Busca-se,assim, a adequação dos currículos levando em conta asmaneiras de proporcionar aos profissionais capacitaçãosuficiente para o desempenho oportuno das funções defi-nidas por essas novas formas de atividade, em um esforçode desenvolver as capacidades humanas, com ênfase naeducação e emprego, nos setores mais diretamente afeta-dos pelas TICs.

Impactos – Por fim, deve-se ressaltar que as medidas es-tatísticas sobre os impactos do e-commerce vêm receben-do, ainda, pouca atenção (Porcaro, 2001). Contudo, im-portantes exemplos de levantamentos puderam ser citadose mais poderiam ser mencionados. Desse modo, por in-termédio de tais pesquisas, a avaliação das variáveispesquisadas ajudará a responder algumas questões: o nú-mero de computadores das empresas pode indicar o graude informatização em um setor de atividade econômica.Indicadores de conectividade oferecem uma visão do ní-vel de conexão das empresas com o mundo digital. Umaanálise dos motivos que levam a empresa a não utilizar ocomércio eletrônico permite inferir onde os investimen-tos devem ser feitos. E assim por diante, envolvendo umconjunto de informações que permitem entender melhoras mudanças e diferenças nas dinâmicas, nos padrões e nadifusão das novas tecnologias.

Esses aspectos são importantes para se entender comofoi feito o levantamento de informações sobre o tema pelaPesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep. No casoda primeira versão da pesquisa, em 1996, considerava-seque o levantamento de informações sobre tecnologias deinformação e comunicação entre as empresas era um ele-mento fundamental para a descrição do processo dereestruturação produtiva, dado que esse processo vem al-terando as formas de produção e distribuição das corpo-rações empresariais.

A emergência de “novos modelos de negócios” surgena esteira da ampliação das redes corporativas e do rápi-do desenvolvimento das redes corporativas de transmis-

são de dados, que possibilitam a hierarquização das redesde valor em torno de novos modelos organizacionais.Nesse sentido, as informações sobre TICs se limitaram àcaptação de dados relativos ao parque de computadores eàs redes de transmissão de dados. O levantamento permi-tiu inferir o nível de difusão das redes digitais locais (LAN)e redes de longas distâncias – WAN entre as empresas. Aexistência de redes para transações econômicas com for-necedores, clientes e outros agentes foram abordados coma finalidade de se observar a formação de elos comerciaise produtivos na cadeia de suprimentos no que se conven-cionou chamar de supply chain management, conceito queentão organizava a abordagem da pesquisa no capítulo detecnologias de informação.

A segunda versão da pesquisa apresentava modifica-ções importantes, construídas por algumas diretrizes. Nocapítulo de tecnologia da informação o conceito de infra-estrutura é ampliado com informações sobre a velocidadede conexão de rede e aprofundam-se as questões relativasao uso da Internet. Em que pese a ausência de um consen-so sobre a melhor metodologia para a apuração do que seconvencionou chamar de “comércio eletrônico”, esse temaganha destaque e amplia sua importância na pesquisa, comum capítulo exclusivo dedicado ao tema.

Foram apropriadas questões das pesquisas realizadasem vários países, destacando-se as do Canadá e dos Esta-dos Unidos. Em termos gerais, foi construído um núcleode questões que segue de perto as recomendações obser-vadas internacionalmente: levantar informações a respei-to de barreiras, infra-estrutura e impactos, seguindo mui-to de perto a proposta canadense. Entretanto, como adefinição de comércio eletrônico do Canadá mostrou-sepor demais restrita, resumindo-se basicamente a Internet,a opção da Paep foi mais flexível, oferecendo uma defini-ção suficientemente genérica, como sugere a experiênciaamericana. A fim de superar o conflito entre definiçõesfechadas ou genéricas de comércio eletrônico, foram in-vestigados separadamente os canais mais comuns de ven-das por meio eletrônico, sejam tradicionais (cartões decrédito on-line, cheque eletrônico, etc.), sejam aquelesmais modernos (Internet, EDI, web-EDI), a fim de possi-bilitar que os pesquisadores e usuários pudessem compa-tibilizar as informações extraídas da Paep com suas op-ções metodológicas particulares.

Outro elemento fundamental apropriado pelas pesqui-sas econômicas é o peso dos setores de tecnologia quetornam a economia digital possível. Isso coloca modelosde análise para a Economia da Internet, na qual o Setor

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Informacional tem um recorte horizontal na perspectivada convergência dos setores de segmentos específicos docomércio e serviços de telecomunicações, informática eaudiovisual. Entretanto, além desses serviços, são de fun-damental importância os domínios da indústria eletro-eletrônica e informática, fornecedores de equipamentos esoftwares de rede e banco de dados, os quais determina-ram as condições de oferta de infra-estrutura das novasinfovias digitais. Entretanto, há ainda no plano internacio-nal uma intensa discussão sobre os contornos mais preci-sos desse novo arranjo de atividades (Zabelsky, 1997;Colecchia, 2001).

Esse grupo de segmentos apresenta forte concentraçãode investimentos e rápido crescimento ao longo dos anos90, impulsionando o ciclo de acumulação da economia dospaíses desenvolvidos (Departamento de Comércio, 1999),compreendendo desde a produção de computadores esoftwares até os serviços de comunicação de voz, ima-gem e dados.

CONCLUSÃO

Nos últimos 20 anos as políticas para ciência e tecno-logia desenvolveram-se substancialmente, uma vez que acompetitividade econômica clamava por uma redefiniçãodo papel do conhecimento na construção das vantagenscompetitivas das empresas e na forma de organização doEstado. Concomitantemente, a adoção de programas li-gados à Sociedade da Informação, no contexto dos paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento, reforçou a discus-são sobre a necessidade de indicadores e análises técni-cas, econômicas e sociais no âmbito das agências estatís-ticas. Todavia, seja porque as estruturas tecnológicas epatrimoniais encontram-se em pleno processo de transfor-mação, seja porque os processos relacionados à socieda-de da informação não podem ser descritos unicamente emtermos tecnológicos strictu sensu – dado que incorporamsimultaneamente determinações qualitativas de ordemsociocultural, ligadas à dimensão da experiência e ao co-nhecimento –, as dificuldades desse processo não são nadadesprezíveis.

Entrementes, questiona-se a identificação de oportuni-dades, o aperfeiçoamento das aplicações de estudos epolíticas, a aquisição de maior entendimento e melhor visãode todos os atores econômicos e seus objetivos, e a revi-são de pressupostos já estabelecidos, pois o que se temhoje, das definições muito abrangentes às muito limita-das, são descrições que variam mediante a procedência,

ou seja, que diferem de acordo com cada pesquisa, comquem a elabora e com o local em que é feita. Além disso,uma vez que os pressupostos dessa discussão estão ampa-rados em algumas transformações importantes que se dãono âmbito da sociedade e da economia, mas que não háum consenso sobre as formas de conceituar esse proces-so, há uma forte ambivalência a respeito dos melhores in-dicadores para aferir o desenvolvimento social e econô-mico dele resultante.

Existe uma tensão entre indicadores de compatibilida-de internacional e a formulação de estatísticas vinculadasàs questões políticas específicas de cada país, questõesderivadas da forma como são organizados os programaspolíticos, que por sua vez estão correlacionados a contex-tos históricos, governamentais e demográficos particula-res, que insinuam uma importância diferenciada para gru-pos imigrantes, perfil escolar da população, nível de renda,etc. Além disso, como foi observado neste artigo, é possí-vel apontar pontos comuns dentre os indicadores genéri-cos coletados sistematicamente por países de todo o mun-do. No entanto, também se verificou que um certo consensodirigido àquilo que se deveria medir não leva à homo-geneidade metodológica. Da Ásia à Europa, da África àAmérica, os governos estão discutindo e realizando alte-rações nas convenções estatísticas necessárias para mediros muitos aspectos ligados à “Sociedade do Conhecimen-to”. Com relação à condição nacional, verificam-se signi-ficativos progressos com o desenvolvimento de portais esites, a difusão de terminais de acesso público e a propa-gação de prêmios de excelência, fóruns de discussões eprojetos de inclusão digital.20 Destarte, é possível afirmarque no Brasil, como em todo o resto do mundo, as pes-quisas sobre Tecnologia da Informação ainda estão emformação.

São inúmeras as tarefas que se impõem às instituiçõespúblicas na construção dos fundamentos da sociedade doconhecimento. O processo de difusão e adoção de novastecnologias exige um conjunto de conhecimentos e servi-ços eficientes e amplamente disponíveis. Fatores que en-volvem a montagem de uma infra-estrutura regulatóriaadequada, o suporte à organização de um sistema de ciên-cia e inovação tecnológica e investimentos direcionadospara a educação de qualidade, apenas para destacar al-guns. Do mesmo modo, forte impressão do seu impactoocorre, por exemplo, quando observamos o mercado detrabalho: para suportar processos de negócios eletrônicose conduzir transações on-line são necessários serviços desuporte, tais como desenvolvimento e hospedagem de sites,

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consultorias, pagamentos eletrônicos e capital humano,como programadores, analistas, projetistas e especialis-tas, utilizados nos negócios e comércios eletrônicos. Porconseguinte, busca-se a adequação dos currículos levan-do em conta formas de proporcionar aos profissionaiscapacitação suficiente para o desempenho oportuno dasfunções definidas por novas formas de ocupação.

Nesse contexto, fica evidente a necessidade de medir acomposição física e a direção que as TICs podem estartomando. Portanto, cabe lembrar que importantes exem-plos de levantamentos podem ser citados, visto que, alémdas pesquisas realizadas pela Fundação Seade, o IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) coletadados como número de PCs e de acesso doméstico àInternet, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo) afere o número de domínios,21 oMinistério da Educação avalia o acesso à TI na escola e adisponibilidade de serviços de suporte, o Ministério doPlanejamento levanta a abrangência dos serviços públi-cos via Internet, institutos independentes estimam infor-mações como acesso à Internet no trabalho e usuários detelefonia celular, etc. Assim, de posse dos resultados, aavaliação das variáveis pesquisadas ajudará a respondera algumas questões: o número de computadores das em-presas pode indicar o grau de informatização em um setorde atividade econômica; indicadores de conectividade ofe-recem uma visão do nível de conexão das empresas como mundo digital; uma análise dos motivos que levam aempresa a não utilizar o comércio eletrônico permite in-ferir onde os investimentos devem ser feitos; e assim pordiante, envolvendo um conjunto de informações que per-mitem entender melhor as mudanças e diferenças nas di-nâmicas, nos padrões e na difusão das novas tecnologias.

NOTAS

1. Esse indicador foi desenvolvido para o Relatório de Desenvolvi-mento Humano 2001 – Making New Technologies Work for HumanDevelopment – PNUD.

2. Outro grande desafio para os estatísticos passa além da construçãode instrumentos metodológicos relativamente homogêneos capazes delidar com a disponibilidade de acessos, e alcança a questão dos con-teúdos – cujas determinações subjetivas e de difícil quantificação sãoconstituídas no campo da cultura e do conhecimento. Para uma dis-cussão sobre os indicadores nessa área ver Institut de la Statistique duQuébec e Unesco Institute for Statistics, 2002.

3. Nesse país, as agências públicas entendem que o problema de estarou não conectado tem implicações diretas sobre a inserção de deter-minados indivíduos na sociedade da informação e, ao mesmo tempo,sobre a viabilidade de alguns mercados. Ver Navarro, 2001:31 e segs.

4. Sobre a Pesquisa de Condições de Vida, ver <http://www.seade.gov.br>.

5. Dentro do escopo da nova versão da pesquisa, haverá uma amplia-ção dos itens de bens duráveis investigados, com a introdução de umaquestão sobre a posse de DVDs. Além disso, haverá uma abordagemem relação ao uso de Internet para os indivíduos escolarizados commais de sete anos.

6. Os dados para este estudo foram obtidos a partir da aplicação deum questionário complementar à Pesquisa de Emprego e Desemprego,pesquisa domiciliar realizada pela Fundação Seade desde 1985 emconvênio com o Dieese. O questionário complementar, especialmentedesenvolvido, foi aplicado durante os meses de abril a setembro de2001. Foram realizadas, aproximadamente, 45 mil entrevistas, compessoas de 10 anos e mais que sabem ler e escrever. Elas representam95% do total de pessoas com 10 anos e mais (População em Idade Ati-va – PIA) da RMSP.

7. Entretanto, é necessário ressaltar que, nesse último grupo, os meca-nismos de exclusão dentro das empresas estão subordinados às estru-turas hierárquicas, que favorecem os quadros de maior remuneração eescolaridade. Segundo dados da pesquisa, entre os indivíduos que dis-põem de cargos de planejamento, gerenciamento e direção, 73,8% têmacesso a computadores e 61,0% à Internet; entre aqueles que exercematividades operacionais, essas proporções são de 23,7% e 13,1%, res-pectivamente.

8. Considerando apenas a população de estudantes, o acesso à webpor meio das escolas alcança cerca de 35%, número, entretanto, bemmenor quando se considera a proporção de acessos realizados nos do-micílios para o mesmo universo (73%).

9. A partir de meados da década de 90, é possível acompanhar o es-forço geral dos governos na montagem do governo eletrônico (e-government). Nos EUA, a estimativa do Departamento de Adminis-tração e Orçamento do governo federal para o ano 2000 era de que75% das transações entre os indivíduos e o governo seriam efetivadaseletronicamente (Neu; Anderson; Bikson, 1999). A importância dasnovas tecnologias levou a administração Clinton/Gore a promover aInternet como política prioritária para “reinventar o governo”. Na In-glaterra, a implementação do governo eletrônico é vista como pontocentral para o aumento da governança do Estado, no plano da moder-nização das políticas públicas. Ver Britain, 1999.

10. Processo a ser reforçado pela necessidade de as prefeituras se en-quadrarem nas exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, que re-quisita a divulgação na Internet de informações sobre execução orça-mentária.

11. Em 2001, 95% das declarações de pessoas físicas foram entreguespela Internet; no caso de pessoas jurídicas esse número chegou a 100%.Ver Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (2000).

12. No caso do governo do Estado de São Paulo, o esforço para ainformatização e modernização do sistema financeiro e orçamentárioé objeto de dois programas, ambos financiados pelo BID: o Programade Modernização da Coordenação da Administração Tributária(Promocat) e o Programa de Modernização do Controle Interno e daAdministração Financeira (Promociaf). Além do pregão eletrônico, ogoverno estadual vem investindo em infra-estrutura para oferecer al-guns serviços on-line, como o Poupatempo, pagamento de IPVA, mar-cação de consultas no Hospital das Clínicas, requisição de editais,verificação de multas e cadastro de veículos, Boletim de Ocorrência,acesso a informações socioeconômicas e demográficas do Estado, oAcessa São Paulo, entre outros. Ver Prandi; Mori, 2000.

13. Esse produto é uma iniciativa da Secretaria de Governo e GestãoEstratégica e tem como executores a Fundação Sistema Estadual deAnálise de Dados – Seade e a Companhia de Processamento de Dadosdo Estado de São Paulo – Prodesp, 2001.

14. Castells (1999) definiu as tecnologias de informação como umconjunto convergente dessas tecnologias.

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SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

15. O termo “atividade” é mais usado quando se refere a e-business.

16. <http://e-com.ic.gc.ca/english/links/814.html>.

17. <http://www.eito.com>.

18. <http://www.wto.org/>.

19. Entendida como natureza dos modelos de negócios das redes quesuprem as transações.

20. Como o Programa Acessa São Paulo que o Governo do Estado deSão Paulo desenvolve. Ver <http://www.acessasaopaulo.sp.gov.br/>.

21. O segmento final de um endereço eletrônico que identifica a redelocal, a instituição ou o provedor de acesso.

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VAGNER DE CARVALHO BESSA: Geógrafo, Analista da Fundação Seade([email protected]).

MARCELO BATISTA NERY: Sociólogo, Analista da Fundação Seade([email protected]).

DANIELA CRISTINA TERCI: Economista, Analista da Fundação Seade([email protected]).

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PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL

A

PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃODE ESTATÍSTICAS

uma abordagem institucional

Resumo: Os avanços tecnológicos, o aumento e a mudança do perfil da demanda por informações estatísticase a produção de indicadores cada vez mais complexos têm obrigado a Fundação Seade, como as demais insti-tuições produtoras de informações, a reciclar-se permanentemente.Palavras-chave: informação estatística; produção de indicadores; banco de dados.

Abstract: Technological progress, the increase and changing profile of the demand of statistical informationand the production of ever more complex indicators have required Fundação Seade, as well as other statistic-producing institutions, to constantly renew them selves in order to achieve their mission.Key words: statistical information; production of indicators; database.

SINÉSIO PIRES FERREIRA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 17-25, 2003

importância da informação na sociedade contem-porânea tem sido ressaltada por diversos autoresque, de modo geral, associam-na aos progressos

há dúvidas de que governos, empresas, pesquisadores ediferentes segmentos sociais passaram a depender,crescentemente, do acesso às mais diversas fontes de in-formação para a realização de suas atividades, o que, porseu turno, tem provocado um novo impulso ao desenvol-vimento e à difusão das TICs (Alberts et al., 2002).

Um dos elementos determinantes da crescente deman-da por informações é o processo de globalização – emparte, ele próprio favorecido pela difusão das TICs –,caracterizado pela exacerbação da concorrência entreempresas que as faz buscar novos espaços para a valo-rização de seu capital, independentemente de sua loca-lização geográfica, culminando, portanto, na busca per-manente de informações. Contudo, tal como no âmbitoglobal, é igualmente crescente a importância das infor-mações no espaço local, uma vez que “se oferecem comouma âncora social a nos proteger da excessiva padroni-zação cultural que nos vem no rastro da globalização”(Senra, 1999). Assim, na visão simplificada deste au-tor, “a informação resulta dever ser um bem público damaior relevância a atrair a atenção, seja dos atores eagentes voltados ao espaço global, mais afeitos aos pro-blemas econômicos e financeiros, seja dos atores e agen-

recentes nos campos das Tecnologias de Informação eComunicação – TICs. Nesse contexto, a Fundação Seadee demais instituições de produção de informações estatís-ticas, pela própria natureza de suas atividades, estão sen-do direta e indiretamente afetadas, mas com certas parti-cularidades que este artigo busca salientar.

Entre os impactos que tais tecnologias causaram, des-tacam-se: aumento da velocidade de transmissão e de aces-so às informações; aumento da capacidade de produzir,armazenar e transmitir informações; maior flexibilidadedos formatos em que as informações podem ser produzi-das, armazenadas, disponibilizadas e acessadas; e cresci-mento da demanda por informações.

O último elemento apresenta características próprias,pois enquanto os demais derivam diretamente do desen-volvimento tecnológico, ele depende de como os usuáriosreagem às possibilidades abertas pelas TICs. Evidentemen-te, a maior demanda por informações decorre do interes-se dos usuários e da qualidade das informações disponí-veis, bem como das facilidades e do custo de acesso. Não

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tes voltados ao espaço local, mais afeitos aos proble-mas sociais” (Senra, 1999).

Outro aspecto que merece menção, decorrente, em par-te, da própria difusão das TICs, mas principalmente deavanços teóricos e metodológicos no campo da estatísticae das ciências sociais aplicadas, refere-se a todo um con-junto de novos indicadores, de construção muito mais com-plexa que os tradicionais e que exigem, além de novasfontes de informação, equipamentos, softwares e conhe-cimentos técnicos avançados. Os indicadores sintéticos,as estatísticas espaciais e o georreferenciamento das in-formações estatísticas são exemplos desse movimento.

No caso brasileiro, um conjunto de fenômenos sociais,políticos e institucionais concorrem para a crescente de-manda por informações, dando-lhe contornos próprios.Nesse contexto, podem-se mencionar a democratização dopaís, institucionalizada pela Constituição de 1988, umasérie de novos preceitos constitucionais e legais que têmlevado à descentralização da execução de políticas sociais,o crescimento dos controles das ações e dos gastos públi-cos, nas três esferas de governo, a expansão de políticassociais focalizadas, de planejamento, execução e contro-le mais complexos, e a retomada do planejamento comoinstrumento para a intervenção pública, notadamente naesfera social.

Todos esses fenômenos implicam a necessidade de in-formações, em especial estatísticas, o que tem levado asinstituições produtoras a se reaparelharem nos campostecnológico, científico e administrativo, de modo que pos-sam corresponder a tais demandas, num contexto de co-nhecidas restrições fiscais.

Na Fundação Seade, também, surgem esses desafios.O presente artigo não pretende abarcar todos os aspectosanteriormente mencionados, mas apenas destacar, numaabordagem histórica, como esses movimentos se sucede-ram, como as instituições produtoras de estatística, em par-ticular a Fundação Seade, reagiram ou se anteciparam aeles e quais os desafios que ainda deverão ser enfrenta-dos pelo Sistema Nacional de Estatística e pela Funda-ção, nesse caso, com destaque para seu sistema dearmazenamento e disponibilização de dados.

CRESCIMENTO E DIVERSIFICAÇÃODA DEMANDA PORINFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS

Atualmente, as entidades produtoras de informaçãovêem-se alvo das mais distintas e crescentes demandas por

informações. Isso as tem obrigado a se reorganizar comvista em atendê-las de modo adequado e permanente. Sãovários os elementos que explicam esse fenômeno, algunsde natureza “universal”, como o progresso tecnológico eo processo de globalização, anteriormente mencionados,outros específicos ao Brasil, estreitamente relacionadoscom sua história recente. Diante das profundas mudançaspor que nosso país tem passado, seria impossível, nesseespaço, tratar de todas elas e de seus impactos sobre aprodução de estatísticas. Assim, destacaram-se algumas,talvez as mais visíveis, mas que, certamente, revelam ape-nas parte do problema.

A primeira foi o próprio processo de democratização.Decerto, é de se esperar que governos democráticos pro-curem desenhar suas políticas com base em informaçõesestatísticas, uma vez que necessitam, permanentemente,prestar contas de suas ações à sociedade que os elegeu.Também tendem a ampliar os órgãos de controle e avalia-ção dessas ações, pois a transparência e a correção da açãogovernamental e do trato das finanças públicas estão en-tre os elementos centrais da democracia. Além disso, aagenda de atuação governamental deve ampliar-se, sobre-tudo, no campo social. Da mesma forma, novos persona-gens entram em cena, com os vários segmentos sociais esuas organizações, como sindicatos, partidos políticos eorganizações não-governamentais, que também passam autilizar, crescentemente, de informações estatísticas, sejapara definir seus focos de atuação, seja para acompanhara ação governamental.

Uma das conseqüências da redemocratização foi o pro-cesso de descentralização da ação pública, que se acen-tuou a partir dos anos 80, como uma espécie de contrapontoà grande centralização do poder político e da ação gover-namental do período autoritário. “Foi louvado como algoque, em si, resolveria todos os problemas intergoverna-mentais, sobretudo mediante a autonomia do poder locale, por conseguinte, o repasse das funções para Estados emunicípios” (Abrucio; Soares, 2001). Uma das formas pelaqual este processo se realizou, sobretudo ao longo da dé-cada de 90, foi a “municipalização” de várias tarefas pú-blicas, vale dizer, o repasse de funções, pela União e pe-los Estados, aos municípios, a quem delegam competências(Krell, 2003).

A maior proximidade entre os governantes e os cida-dãos, que caracteriza a esfera municipal, é uma das prin-cipais justificativas da municipalização. Assim, espera-se uma maior presença da sociedade na definição, nomonitoramento e na avaliação das políticas públicas. De-

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PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL

certo, é necessário que os cidadãos disponham de instru-mentos institucionais e de informações para que tais in-tenções se concretizem. Independentemente das avaliaçõesque se possa fazer dos resultados desse processo, o fato éque surge a necessidade de se dispor de um grande con-junto de informações municipais e, em muitos casos,intramunicipais.

Contudo, como observou Krell (2003), uma dascaracterísticas da realidade administrativa brasileira é asuperposição de tarefas de uma multiplicidade de órgãospúblicos, agora distribuídos nas três esferas de governo.Ademais, este autor demonstra que ainda persistem grandesambigüidades na distribuição de competências entre osentes federados. Se isso dificulta a fiscalização da atua-ção desses órgãos por parte da sociedade civil e dosorganismos oficiais de controle, amplifica em muito anecessidade de informações para o planejamento, acom-panhamento e avaliação das ações de governo, seja pelospróprios (e múltiplos) órgãos públicos responsáveis poressas ações, seja pelos diversos representantes da socie-dade civil organizada.

Outra mudança, mais recente, da forma de atuação go-vernamental, em especial no campo social, que tem im-plicado novas demandas por informações, foi a chamadafocalização das políticas sociais. Várias das ações gover-namentais passaram a eleger segmentos específicos da po-pulação como seu público-alvo, requerendo para tantoinformações detalhadas das características da população,de modo a permitir a identificação do segmento prioritário,objeto da intervenção, incluindo, em muitos casos, sua lo-calização espacial e a construção de cadastros das famí-lias ou pessoas beneficiárias.

Poder-se-iam mencionar várias outras mudanças ins-titucionais, sociais e econômicas que têm implicado au-mento e diversificação das necessidades de informações,mas as mencionadas parecem suficientes para sugerir aextensão desse fenômeno. Um aspecto adicional, porém,merece ser destacado. Para que subsidiem a elaboração,o acompanhamento e a avaliação das ações governamen-tais, as informações estatísticas, além de cobrir amploescopo temático e territorial, necessitam ser atualizadaspermanentemente. Isso significa que não bastam informa-ções censitárias, atualizadas a cada dez anos, nem as origi-nárias de pesquisas amostrais, que são mais freqüentes,mas com possibilidades de desagregação espacial limita-das. Assim, as instituições produtoras de informações têmde valer-se ou de levantamentos primários específicos àsnecessidades de seus usuários – cujo custo, em geral, é

muito elevado – ou da utilização de registros administra-tivos que, originalmente, foram construídos para outrosfins. Expandem-se, assim, suas tarefas de permanente co-leta, organização, avaliação, validação e disponibilizaçãodesses registros, ampliando significativamente o escopode atuação dessas instituições.

AVANÇOS METODOLÓGICOS

A seção anterior procurou demonstrar que a demandapor informações estatísticas elevou-se expressivamente,nos últimos anos, e que suas características se alteraram:seu escopo temático passou a ser muito mais amplo e di-versificado e seu detalhamento, no tempo e no espaço, bemmaior.

Ao lado disso, uma série de avanços teóricos e meto-dológicos na produção de estatísticas e indicadores tor-nou muito mais complexa sua elaboração. Um dos maisconhecidos foi a busca por um substituto do PIB per capitacomo medida do desenvolvimento. Desde a década de 50,há manifestações de insatisfação com este indicador. Em1954, um relatório de especialistas da Organização dasNações Unidas (ONU, 1954) sugeria que a mensuraçãodo bem-estar não deveria basear-se exclusivamente emindicadores monetários, mas em múltiplos componentesque, juntos, conformariam o nível de vida de um indiví-duo ou uma população (Erikson, 1996). Desde então, di-versos esforços têm sido realizados para atingir esse ob-jetivo. A própria Fundação Seade, no final dos anos 80,aportou sua contribuição por meio da Pesquisa de Condi-ções de Vida – PCV, em que propõe um método de clas-sificação das famílias em grupos com distintos graus devulnerabilidade, seguindo uma abordagem multimensional,em substituição à tradicional adoção da linha de pobreza(Fundação Seade, 1992).1

No entanto, foi com o Índice de Desenvolvimento Hu-mano – IDH, proposto pelo Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento – PNUD, que esta abordagem segeneralizou. Inicialmente formulado para a comparaçãodo desenvolvimento humano entre países, logo foi adap-tado para medir a situação de municípios.

No Brasil, o escritório do PNUD patrocinou o Relató-rio Nacional de Desenvolvimento Humano, em 1996, eduas edições do Atlas de Desenvolvimento Humano, em1998 e em 2003, respectivamente. Elaborado conjunta-mente pelo Ipea, IBGE e Fundação João Pinheiro, o Atlasutiliza uma medida similar ao IDH – o IDH-M – ereconstituiu sua evolução para o período de 1970 a 1991,

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na primeira edição, e atualizou-o com as informaçõescensitárias de 2000, na última. Desde sua divulgação, oIDH-M passou a ser utilizado, algumas vezes de formaimprópria, como referência para o planejamento e avalia-ção das políticas sociais no país.

A produção de um indicador composto, com a impor-tância que o IDH passou a ter, levantou, entre os produto-res e usuários de informações, uma série de questiona-mentos de ordem metodológica: por que excluir dimensõesreconhecidamente importantes como as condições habita-cionais e o meio ambiente? Que pesos atribuir às diversasdimensões consideradas? Que escalas adotar? Adicional-mente, à medida que passou a ser utilizado como instru-mento para a definição e avaliação de políticas públicas,novos problemas se colocaram: o IDH seria suficiente paraavaliar transformações de curto prazo, típicas de certaspolíticas públicas? Seria adequado para a definição ouavaliação de qualquer (ou de alguma) política?2

Tais questionamentos levaram várias instituições pro-dutoras de informações, sobretudo as de âmbito estadual,a buscar o desenvolvimento de novos indicadores sintéti-cos, inspirados no IDH, mas considerando as necessida-des e especificidades de seus respectivos Estados. Numcontexto de grande interesse por indicadores municipais,a difusão de indicadores sintéticos, com tal cobertura geo-gráfica, cresceu de forma exponencial e desarticulada.3

Também aqui a contribuição da Fundação Seade, com seuÍndice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS, foirelevante.

Assim, essas instituições passaram a ter a necessidadede se aparelhar técnica e cientificamente (inclusive com aaquisição e o domínio de pacotes estatísticos mais avan-çados e dispendiosos) para contribuir e participar do de-bate em torno dos indicadores sintéticos, assim como paraatender à demanda de diferentes usuários, interessadosnessa nova “família” de indicadores.

Além dos esforços dirigidos à elaboração de indica-dores sintéticos, em especial referidos a municípios, vá-rios outros avanços metodológicos ocorreram nos últi-mos anos. Entre eles destacam-se as estatísticas espaciaise o geoprocessamento. Também nesse caso, não foramdesprezíveis os investimentos por parte das instituiçõesprodutoras de estatísticas em capacitação de pessoal, de-senvolvimento e aquisição de informações passíveis degeoprocessamento, softwares, bases cartográficas, ima-gens de satélite e equipamentos. Note-se que esse tipode informação passou a ter interesse crescente, seja pelajá mencionada ênfase na focalização das políticas sociais

– em que a localização espacial das populações-alvo éparticularmente importante –, seja pela introdução denovos temas na agenda da produção de informações,como meio ambiente e violência urbana, em que a deli-mitação precisa da área de ocorrência dos eventos quese deseja mensurar é relevante.

Houve, portanto, em simultâneo ao grande crescimen-to da demanda por informações estatísticas, o aumento dacomplexidade dessas informações, de sua abrangênciatemática e das formas de sua análise e apresentação. Re-correndo, porém, mais uma vez, a Senra, convém ter pre-sente que “métodos e mais métodos são criados e usados,considerando todos os aspectos do processo de geraçãodas estatísticas, lançando-se mão de novas e melhorestecnologias de comunicação, de observação, de apresen-tação, de processamento. Mas, em que pese a importân-cia desses avanços, os principais ‘instrumentos’ são ain-da as massas de seres humanos: para registrar, interpretar,classificar, perguntar” (Senra, 1999). Em outros termos,tal como nas demais atividades humanas, mas com maiorênfase na produção de estatísticas, a qualidade das infor-mações é função direta da qualidade do pessoal envolvi-do em sua elaboração. Desse modo, ao se pensar sobre aspossibilidades de avanço e de aprimoramento da produ-ção de informações estatísticas este aspecto não deve sermenosprezado.

INSTITUIÇÕES PRODUTORAS DEINFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS

Quanto às instituições produtoras de informações es-tatísticas, cabe destacar alguns dos problemas com que sedefrontaram no período recente. Durante o período auto-ritário, a centralização das decisões era a regra. Portanto,a produção de estatísticas subordinava-se às necessida-des do planejamento nacional, em especial no campo eco-nômico, fazendo com que a Contabilidade Nacional e osCensos Demográficos e Econômicos constituíssem o cernedas estatísticas nacionais.

Em 1967, concebeu-se a Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílios – PNAD (Fletcher; Ribeiro, s.d.), quebuscava prover o Estado Nacional de informações neces-sárias ao planejamento socioeconômico.4 Do ponto de vistametodológico, conforme um estudo da época citado porFletcher e Ribeiro (s.d.), o advento da PNAD significou aconsagração “da técnica de amostragem como processopara obtenção de dados considerados essenciais para o de-senvolvimento de estudos básicos para estabelecimento

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PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL

dos planos e programas que deverão acelerar o desenvol-vimento econômico e social do país” (Oliveira, 1970).

A PNAD foi concebida, inicialmente, para prover infor-mações demográficas e socioeconômicas para o conjuntodo país. Ingerências oriundas de órgãos de planejamentoregional (Sudam, Sudene, Sudeco e Sudesul), que deman-davam dados da PNAD com detalhamento regional, fize-ram-na ampliar sua abrangência geográfica (Fletcher e Ri-beiro, s.d.),5 o que se refletiu no aumento de sua amostra: oplano amostral original, de 30 mil domicílios, ampliou-se,chegando a 110 mil, em 1982 e a 130 mil, em 2002.

Entre o final dos anos 60 e o início dos 80, uma sériede novas pesquisas foram introduzidas pelo IBGE, comoas pesquisas industriais, vários índices de preços e a Pes-quisa Mensal de Emprego. Assim, esse período se carac-terizou por importantes avanços técnicos e metodológicose pela grande proliferação de estatísticas que, reafirme-se, visavam muito mais atender aos interesses do planeja-mento nacional, do que dos demais entes federados e dosvários agentes econômicos e sociais. Mesmo assim, nãose pode negar o excepcional desempenho do IBGE ao lon-go desses anos. Todavia, o sucesso alcançado no períodoe o próprio caráter centralizador do governo geraram cer-ta auto-suficiência dos produtores de estatísticas (Senra,1999; Guizzardi Filho; Conti, 2001), tornando-os imper-meáveis às novas necessidades e às críticas, muitas delasoriundas do próprio governo, que não tardaram a surgir.Recorde-se que, já a partir do final dos anos 70, começa ase esboçar a crise que atingiu a economia e o Estado bra-sileiros, de que decorreram novas demandas por informa-ções, capazes de explicar essa conjuntura. A incapacida-de em atendê-las adequadamente, seja pela mencionadainflexibilidade, seja pelas próprias restrições orçamentá-rias, que se acentuaram no período, acabou minando aprópria credibilidade da instituição.

Com a redemocratização do país, já mencionada,aprofundou-se o processo de descentralização e munici-palização das ações governamentais. Ora, a multiplicaçãode centros de decisão governamental, em si mesma, ge-rou aumento das necessidades de informação, poten-cializada pelas novas oportunidades abertas pelas TICs.Desse modo, deixaram de ser suficientes as informaçõesabrangentes, de cobertura nacional ou mesmo regional.Requerem-se, agora, além de todo o cardápio de estatísti-cas nacionais, informações específicas, freqüentes e comdetalhamento municipal e, muitas vezes, intramunicipal.

As dificuldades, no entanto, não pararam aí. Ao finaldos anos 80, disseminam-se questionamentos sobre o pa-

pel do Estado e da própria eficácia do planejamento. Asdificuldades orçamentárias, associadas à descrença daprópria capacidade do Estado em definir os rumos do de-senvolvimento e mesmo de executar suas políticas, pro-vocaram efeitos deletérios sobre as instituições produto-ras de estatísticas, simbolizados pelo adiamento da coletade informações do Censo Demográfico de 1990, que sófoi a campo no ano subseqüente.

Não deixa de ser paradoxal a situação vivida naqueleperíodo: o aumento exponencial da demanda por infor-mações e das novas possibilidades tecnológicas emetodológicas aplicáveis em sua produção encontra seusprodutores oficiais numa situação de extrema fragilidade.

Apenas ao longo dos anos 90 a situação começa a seestabilizar, sobretudo no IBGE. Grandes esforços foramrealizados para sua reorganização e modernização, emtermos tecnológicos e metodológicos. A substituição doscensos econômicos por pesquisas amostrais – bem maiságeis e menos custosas e passíveis de serem complemen-tadas com “pesquisas-satélite” (mas com importantes li-mitações para seu detalhamento espacial) – simbolizamesses avanços, assim como a revisão metodológica daPNAD e, mais recentemente, da PME. Também atestamessa nova fase, entre outros avanços, o bem-sucedidoCenso Demográfico de 2000, a introdução das contagenspopulacionais na metade do período intercensitário, a in-clusão de novos temas na agenda de pesquisas do IBGE,como inovação tecnológica e meio ambiente, e as facili-dades de acesso aos resultados de suas pesquisas, inclusi-ve na forma de microdados.

Outros órgãos federais produtores de informações pri-márias ou de registros administrativos lograram obter pro-gressos importantes, ampliando significativamente a ofertae o acesso a informações de qualidade sobre diferentestemas de interesse público, como o mercado de trabalhoformal, o ensino e os serviços de saúde.

Como resultado das marchas e contramarchas que mar-caram os últimos 20 anos, sobretudo no campo da produ-ção de estatísticas, várias outras instituições públicas fe-derais, estaduais, municipais e mesmo organizaçõesprivadas, não-governamentais e acadêmicas passaram aproduzir informações estatísticas.6 O grande desafio domomento é a constituição de uma coordenação nacionaldos entes produtores de informações, papel que o IBGEdeveria assumir mais agressivamente. Em certa medida,os primeiros passos nessa direção já foram dados, como ainstituição da Comissão Nacional de Classificações –Concla e os esforços coordenados pelo IBGE, com a par-

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ticipação das instituições estaduais, para a produção dascontas regionais. Mesmo assim, falta muito a se avançarnesse campo, decisivo para que o país construa um verda-deiro Sistema Nacional de Estatística.

FUNDAÇÃO SEADE

Em meio a esse período turbulento, há 25 anos, nascea Fundação Seade, herdeira de outros órgãos da adminis-tração pública estadual que remontam ao final do séculoXIX.7 Já em seu primeiro ano de existência, passa porsérios problemas orçamentários, que a obrigam a reduzirseu quadro de pessoal e a abrangência de sua atuação. Atémeados dos anos 80, dedica-se basicamente aos estudosdemográficos e à coleta e organização de dados secundá-rios e de registros administrativos.

A partir daí, realizou um grande esforço de revisão dasmetodologias de pesquisas sobre força de trabalho – logoapós o período crítico por que passou a economia brasi-leira e paulista, com graves reflexos sobre o mercado detrabalho na Região Metropolitana de São Paulo – e, emconjunto com o Dieese, desenvolveu e levou a campo, apartir de 1984, a Pesquisa de Emprego e Desemprego –PED. Note-se que o governo de então, preocupado com asituação social do Estado e com as fortes manifestaçõessociais decorrentes da deterioração do mercado de traba-lho metropolitano, necessitava de informações sobre otema, adequadas à realidade regional, e determinou à Fun-dação Seade que as desenvolvesse.

A realização dessa pesquisa permitiu à Fundação Seadecapacitar-se, seja no campo teórico-metodológico, seja noda realização de levantamentos primários, abrindo assimuma perspectiva promissora e que foi crescentemente tri-lhada pela instituição. No final da década de 80, uma novapesquisa foi desenvolvida pela Fundação – a já mencio-nada PCV, cuja primeira tomada ocorreu em 1990 – que,ao adotar uma abordagem inovadora para a mensuração ecaracterização da pobreza, que transcendia a perspectivasimples do cálculo da linha de pobreza, demonstrou suacapacidade de intervir, com competência, na fronteira doconhecimento social da época.

Houve, assim, um primeiro ciclo de atuação da Funda-ção Seade, centrada na produção de estudos demográficos,logo enriquecidos com novos aportes de estatísticas so-ciais. Note-se que se está falando de um período em que ochamado resgate da dívida social estava no centro dasdiscussões e das propostas políticas dos primeiros gover-nadores eleitos pelo voto popular. As necessidades de

novas informações estatísticas, sobretudo sociais e comcorte regional, que não vinham sendo supridas pelo IBGEpelas razões expostas anteriormente, passaram a ser pro-duzidas, no caso do Estado de São Paulo, pela FundaçãoSeade.

No início da década de 90, após importantes inves-timentos em recursos humanos e tecnológicos, a FundaçãoSeade preparou-se para novos desafios. Com a substituiçãodos Censos Econômicos do IBGE pelas pesquisasamostrais, as possibilidades de detalhamento espacial dasinformações econômicas ficaram bastante limitadas. Alémdisso, novas questões referentes à reestruturação produtivae à introdução de inovações tecnológicas, até então apenasconhecidas por meio de estudos de casos mas cujos efeitossobre o mercado de trabalho já vinham sendo captadospela PED, necessitavam ser melhor estudadas. Nessecontexto, veio à luz a Pesquisa da Atividade EconômicaPaulista – Paep, que não só supriu o Estado de informaçõesdetalhadas sobre a atividade econômica, como permitiumensurar a extensão e as características da reestruturaçãotecnológica e gerencial por que passavam as empresaspaulistas.

Outra frente de expansão das atividades da Fundaçãofoi a coleta e produção de informações sobre as adminis-trações municipais. Na esteira da expansão da demandapor informações municipais decorrente do processo demunicipalização das ações de governo, a Fundação Seade,que já coletava informações sobre as administrações mu-nicipais, optou por reestruturar suas atividades nesse cam-po, constituindo, desde 1992, a Pesquisa MunicipalUnificada – PMU, atualmente com periodicidade bianual.Esta pesquisa coleta informações sobre as estruturas ad-ministrativas e de recursos humanos e financeiros das pre-feituras paulistas, bem como sobre a gestão municipal daspolíticas e dos serviços públicos, abarcando quase 800variáveis em seu questionário.

Diversos levantamentos primários têm sido realizadospela Fundação Seade, em geral com ênfase em temas ouregiões específicas, atendendo a solicitações de seus inú-meros parceiros e clientes. Alguns se resumem ao cadas-tramento de famílias a serem beneficiadas por determina-do programa social e outros se referem a pesquisaspropriamente ditas. Como é sabido, a coleta primária deinformações, além de dispendiosa, possui ritmo próprioque decorre das diversas fases que necessariamente temde percorrer (planejamento, coleta e tratamento dos da-dos), nem sempre adequado às necessidades dos usuários.Assim, a utilização de registros administrativos tem-se

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PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL

mostrado uma opção cada vez mais interessante para osusuários, tanto mais pela melhoria da qualidade que taisinformações experimentaram nos últimos anos.

A produção das estatísticas vitais, por exemplo, um dostemas em que a Fundação Seade goza de grande prestí-gio, faz-se por meio das informações do registro civil. Paratanto, são coletados mensalmente os dados sobre nasci-mentos, casamentos e óbitos nos 849 cartórios de registrocivil do Estado, compondo um banco de dados que incor-pora, a cada ano, cerca de 1,2 milhão de novos registros.Um subproduto desse levantamento foi a informatizaçãodos cartórios, que teve decisiva participação da Funda-ção Seade. Não por acaso o Estado de São Paulo é umadas poucas unidades da federação que possui informaçõesatualizadas e com o máximo detalhamento espacial detodas as informações demográficas relevantes, como astaxas de mortalidade por causa, sexo e idade, de fecun-didade, natalidade e nupcialidade.

Vários outros registros administrativos são coletadospela Fundação Seade (Quadro 1). Alguns são bem orga-nizados e documentados pelas instituições produtoras, masmuitos requerem um minucioso trabalho de análise, trata-mento e organização das informações em banco de dadosconsistentes e dotados de toda a documentação necessá-ria a seu manuseio.

Foi a disponibilidade de tais informações que permitiuà Fundação atender à solicitação da Assembléia Legislativado Estado de São Paulo para produzir um indicador quepermitisse o acompanhamento da situação socioeconômicade cada um dos 645 municípios paulistas, o Índice Paulistade Responsabilidade Social – IPRS. Além de um desenhometodológico inovador, com o concurso de sofisticadastécnicas estatísticas, sua construção se baseou em infor-mações do registro civil, das Secretarias da Fazenda e daEducação do Estado de São Paulo, das empresas conces-sionárias de energia elétrica, do Ministério do Trabalho eEmprego, além dos microdados do Censo Demográfico.Sua elaboração dependeu não só do conhecimento demetodologias e técnicas estatísticas, mas de todo um tra-balho de coleta e organização de bases de dados, com ori-gens e características tão distintas, que exige habilidadesespecíficas para seu manuseio. A reunião dessas compe-tências e desse acervo de informações é, sem dúvida, oprincipal ativo da Fundação Seade.

É bom lembrar que todos esses esforços se concretiza-ram em meio a uma importante crise das finanças esta-duais. Assim, ao lado de suas atividades de produção deinformações para uso geral, que se aperfeiçoaram e tive-

ram seu escopo temático ampliado, como se procurou de-monstrar, a Fundação Seade passou também a realizar umasérie de pesquisas, estudos, diagnósticos, avaliações e ca-dastros para diferentes instituições, em geral públicas,complementando, desse modo, suas necessidades de fi-nanciamento. Se isso lhe permitiu capacitar-se para no-vas funções e preservar um corpo técnico qualificado, tam-bém redirecionou capacidades e recursos para outras áreasque não a estrita produção e análise de informações esta-tísticas. Uma das áreas que mais se ressentiu da carênciade investimentos foi a de armazenamento e disponibi-lização das informações.

QUADRO 1

Bases de Dados Disponíveis da Fundação Seade Classificadas por Tema

Tema Nos Absolutos

Total 93Administração Municipal 1Administração Pública 1Agropecuária 2Comércio 1Condições de Vida 1Demografia 6Demografia (Georreferenciada) 1Desenvolvimento Humano 1Educação 20Educação (Georreferenciada) 2Eleições 1Estatísticas Municipais 2Estatísticas Vitais 8Finanças Públicas Estaduais 6Finanças Públicas Municipais 11Indústria 1Informações Socioeconômicas e Demográficas 6Infra-estrutura (Georreferenciada) 1Mapas de Setor Censitário 2Meio Ambiente (Georreferenciada) 1Mercado de Trabalho e Emprego 3Orçamento Familiar 1Saúde 12Transporte 1Transporte (Georreferenciada) 1

Fonte: Fundação Seade.

ARMAZENAMENTO E DISPONIBILIZAÇÃODE INFORMAÇÕES

A Fundação Seade realizou esforços significativos paraatualizar-se técnica e metodologicamente, tem prestadoserviços relevantes à sociedade paulista e brasileira, as-sim como para a administração pública nas três esferas de

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governo. Reuniu grande acervo de informações estatísti-cas, mas a forma de seu armazenamento e disponibilização,tanto para seu próprio corpo técnico como para usuáriosexternos, ainda requer inúmeros esforços para ser aper-feiçoada.

O Quadro 1 busca sintetizar esse acervo, revelando paracada um dos múltiplos temas o número de bancos de da-dos disponíveis. Evidentemente, esse quadro dá apenasuma visão parcial do acervo, uma vez que os bancos dedados ali mencionados possuem coberturas e detalha-mentos geográficos e temporais distintos, alguns são maisespecializados outros mais genéricos, ainda que classifi-cados no mesmo tema, e suas dimensões são muito distin-tas. Embora estejam em meio eletrônico, possuem dife-rentes formatos e alguns seriam melhor descritos comoarquivos eletrônicos e, talvez, nem possam ser chamados,estritamente, de banco de dados. Ademais, não estão con-siderados nesse quadro os arquivos com informações maisantigas, armazenadas em papel ou microfichas, que aindaesperam uma oportunidade para serem digitalizadas. É fácilperceber os esforços necessários para sua simples atuali-zação, uma vez que, além dos produzidos pela própriaFundação, foram incluídos os originários das mais distin-tas instituições.

Atualmente, esses bancos são fragmentados e geren-ciados por técnicos alocados nas diferentes áreas da Fun-dação Seade, de modo que, vistos em conjunto, asseme-lham-se muito mais a um sistema de arquivos tradicionaldo que a um banco de dados institucional e integrado.Ainda que não se pretenda fundir todos esses conjuntosde informações num único banco, muito pode ser feito paraintegrá-los e reduzir várias das desvantagens característi-cas do atual sistema. Entre suas desvantagens, podem-semencionar:- a falta de flexibilidade, pois o acesso a diferentes ban-cos de dados implica a mobilização de distintas áreas dainstituição, com suas próprias prioridades de trabalho.Assim, a produção de relatórios específicos nem semprepode ser realizada rapidamente, sem prejudicar outras ati-vidades da área responsável pelo gerenciamento do ban-co que se deseja consultar. Torna-se ainda mais difícil edemorada a produção de relatórios que envolvam infor-mações contidas em mais de um banco de dados;- a redundância dos dados, entendida como a possibili-dade de a mesma informação estar contida em mais de umbanco de dados. Além de ocupar espaços de armaze-namento desnecessários e envolver maior trabalho de atua-lização, ainda se corre o risco de, caso cada um deles ado-

tar, por exemplo, critérios próprios de arredondamento devalores fracionários, atribuir a um mesmo dado valoresdiferentes;- a falta de padronização das nomenclaturas e das classi-ficações é outro problema associado a este sistema dearmazenamento de dados. A adoção de códigos de muni-cípios diferentes em duas bases de dados, por exemplo,dificulta sua utilização conjunta, que pode ser ainda agra-vada se os nomes dos municípios também adotarem grafiasdistintas. Da mesma forma, a adoção de sistemas de clas-sificação diferentes (de setor de atividade econômica, porexemplo) torna seu uso mais complexo e tende a levar àexistência de dados com o mesmo nome associados a fe-nômenos diferentes ou, ao contrário, que um mesmo fenô-meno seja denominado de forma diferente em bancos dedados distintos;- as dificuldades de manutenção num sistema desse tiposão evidentes. Várias pessoas, pertencentes a diferentesáreas da instituição, com prioridades e ritmos de trabalhopróprios, são mobilizadas para tanto. Assim, dificilmentese dispõe de uma posição atualizada da situação de cadauma das bases da Fundação;- a multiplicidade de softwares é mais uma das desvanta-gens que este sistema apresenta, pois como cada bancoconstituiu-se independentemente, seus dados estão arma-zenados em softwares diferentes. Evidentemente, esta ca-racterística reduz a flexibilidade do sistema e eleva seuscustos de manutenção e o tempo das consultas;- por fim, um sistema fragmentado como esse dificulta aelaboração da documentação necessária à definição e des-crição da base de dados (metadados) e, portanto, o acessodireto dos usuários aos bancos de dados.

Um sistema com essas características negativas acabapor reduzir a própria capacidade de atuação do conjuntoda Fundação, impedindo-a de ampliar sua produtividadee reduzir seus custos e dificultando a elaboração derespostas rápidas a consultas ad hoc e a perguntasimprevistas, freqüentemente dirigidas a instituições comas características da Fundação Seade por seus múltiplosusuários.

Sua superação, no entanto, requer tempo, recursos hu-manos e investimentos, todos eles escassos na atual con-juntura econômica do Estado e do país. Mesmo assim, osprimeiros passos nessa direção já vem sendo dados.

Entre as primeiras providências para reduzir a fragmen-tação desse sistema está o armazenamento conjunto dosdados em um único servidor, a fim de facilitar o controle

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PRODUÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS: UMA ABORDAGEM INSTITUCIONAL

de sua atualização e manutenção e reduzir a dependênciados usuários em relação a seus atuais gerenciadores. Paratanto, será necessário padronizar nomenclaturas e classi-ficações e aperfeiçoar os metadados que, além de reduziras redundâncias e eventuais inconsistências dos dados,tornará o sistema mais flexível.

Os passos subseqüentes, que induzam, na medida dopossível, a efetiva integração desse sistema, ainda depen-dem de estudos que conduzam às decisões mais acerta-das, até para a definição de um sistema de gerenciamentoque facilite e controle, o acesso e o uso da base da Funda-ção, garantindo a flexibilidade, a integridade e a seguran-ça de seus dados.

Nos 25 anos de existência da Fundação Seade, muitose avançou, sobretudo no que diz respeito ao volume e àqualidade de seus resultados. Seu perfil se modificou, nãopodendo mais ser vista como uma instituição dedicadaexclusivamente à produção de informações estatísticas,ainda que tenha sido exatamente essa característica quelhe tenha permitido trilhar outros caminhos.

Assim, sua gestão ficou mais complexa e as necessida-des de aperfeiçoamento de seu corpo técnico e de seusrecursos tecnológicos se ampliaram. Num contexto derestrições fiscais, a Fundação Seade vem avançando, en-frentando desafios e provendo a sociedade com informa-ções fundamentais para o seu desenvolvimento.

NOTAS

O autor agradece às sugestões de Vivaldo L. Conti para a elaboraçãodeste artigo.

1. Este estudo obteve certa repercussão internacional, chegando a serpublicado, em 1994, pelo Internacional Institute for Labour Studies,em Genebra (Fundação Seade, 1994).

2. Para maiores detalhes desse debate, ver Seade (2001) e Jannuzzi(2001).

3. Um rápido e não exaustivo levantamento realizado pela FundaçãoSeade nas instituições estaduais de pesquisa, estatística e planejamentosobre a elaboração de indicadores municipais desse tipo, identificousua existência nos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, MinasGerais, Espírito Santo, Bahia, Ceará e Goiás, além de São Paulo.

4. Senra (1999) considera que o sucesso do planejamento econômiconacional, constatado no pós-guerra, levou, posteriormente, sua exten-são para o campo social, implicando novas necessidades de informa-ções estatísticas. Já nos anos 60, era reconhecido o sucesso das expe-riências norte-americana e canadense em pesquisas contínuas de po-pulação, inspiradoras da PNAD, proporcionando informações para oplanejamento socioeconômico (Fletcher e Ribeiro, s.d.).

5. Note-se que esse autores só destacam as ingerências de órgãos fede-rais de planejamento regional, não fazendo menção a qualquer inicia-tiva dos governos estaduais para o maior detalhamento espacial daPNAD, o que atesta o caráter centralizado do planejamento e das açõespúblicas no período.

6. A explosão da produção de índices de preço pelas mais diversasinstituições, sobretudo ao longo da década de 80, é um bom exemplodesse movimento.

7. Essa breve reconstituição da história da Fundação Seade se baseiano trabalho de Guizzardi Filho e Conti (2001).

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DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃOE USUÁRIOS

Resumo: A disseminação é analisada segundo a perspectiva da transferência de informação em face à reconfi-guração da idéia de cidadão e cidadania. Contextualiza a discussão focando o universo das informações esta-tísticas e mostra as ações, serviços e produtos do Seade nessa direção.Palavras-chave: informação estatística; usuário e cidadania; estatísticas públicas.

Abstract: Dissemination is analyzed from the perspective of information transfer and how it affects thereconfiguration of the notion of the citizen and his role in society. Emphasis is placed on the universe ofstatistical information and the services and products of Seade in this regard.Key words: statistical information; the end-user and the role of the individual in society; publicly availablestatistics.

MARILDA LOPES GINEZ DE LARA

VIVALDO LUIZ CONTI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 26-34, 2003

isseminar informação supõe tornar público a pro-dução de conhecimentos gerados ou organizadospor uma instituição. A noção de disseminação é

Parte-se do princípio que é importante compreender o sig-nificado da disseminação contemporaneamente, que, afe-tada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação,necessita observar a recepção de forma não monolítica.

Compreende-se como disseminação da informaçãogovernamental não só os resultados dos esforços e dasiniciativas de divulgação à sociedade das atividades pró-prias da administração pública, como também as ações quevisam a transferência de informações. Os dois tipos dedisseminação podem compreender ampla gama de infor-mações que vão desde as políticas públicas adotadas atéas que possam subsidiar os indivíduos e a sociedade civilno desenvolvimento de suas tarefas ou mesmo no acom-panhamento e cobrança da própria atividade pública. Oleque de informações disseminadas pelas instituições pú-blicas varia conforme sua atividade básica, seus objeti-vos e percepção de necessidades da sociedade.

As tecnologias de informação permitem ampliar o uni-verso de disseminação das informações governamentais,mas é prudente verificar em que medida há efetivamentetransmissão de informação e como e se ela atinge efetiva-mente a sociedade. Pode-se afirmar que existe, hoje, umnúmero maior de canais de informação à disposição das

comumente interpretada como equivalente à de difusão,ou mesmo de divulgação. Assume formas variadas, diri-gidas ou não, que geram inúmeros produtos e serviços,dependendo do enfoque, da prioridade conferida às par-tes ou aos aspectos da informação e dos meios utilizadospara sua operacionalização. Em sua base existe um cen-tro difusor – o produtor –, que, a despeito do controle exer-cido sobre o que é disponibilizado, não tem garantias quan-to aos usuários atingidos, ao sucesso das operações dedivulgação e à aplicação efetiva das informações.

Teoricamente, pela disseminação, busca-se oferecerinformações úteis, mas o conceito de utilidade nem sem-pre é bem definido. O debate sobre o uso, por sua vez,remete pari passu não só ao próprio conceito de “infor-mação” como também ao de usuário e envolve problemasde delimitação de públicos de linguagem.

Neste artigo, pretende-se introduzir o debate sobre dis-seminação de informações em geral (englobando as duasdistinções, mas enfatizando, sobretudo, o segundo senti-do) para, em seguida, discuti-la na ação governamental.

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DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS

instituições e do público, mas não estamos seguros quan-to a seu alcance: qual é a parcela da população que temacesso à Internet? Quem utiliza as informações disponi-bilizadas? Com que facilidade e nível de compreensão?Qual é o significado dessas informações para o público?Qual é a relação entre as informações divulgadas e as de-mandas informacionais da população? Que aplicação éfeita dessas informações? Perguntas do gênero devem serfeitas para que se possa aquilatar a extensão das realiza-ções concretas de disseminação, e muitas delas são váli-das mesmo nas situações em que são utilizados meios tra-dicionais de disseminação.

INFORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO

Não existe um conceito único de informação. Sua con-cepção varia de acordo com os aspectos selecionados.Numa abordagem pragmática, a informação pode ser dis-tinguida, como: processo (que se relaciona à alteração deum estado de conhecimento); conhecimento (o que é co-municado, o que concerne a algum fato, evento ou assuntoparticular, o que reduz – ou aumenta1 – a incerteza); e “coi-sa” (atributo de objetos – documentos ou dados referidoscomo informação por serem considerados “informativos”)(Buckland, 1991). A informação, como processo, relacio-na-se aos fluxos formais e informais que podem conduzira alterações de estoques de conhecimento. Se, no entanto,a ênfase for no conhecimento, ela será intangível, já quedepende de crença, opinião, concepções e conhecimentosanteriores, ou, enfim, de referências subjetivas. A infor-mação como conhecimento pode depender da “coisa”, ouda existência de documentos informativos, mas não exclu-sivamente. Nos sistemas de informação, ela, como conhe-cimento, vincula-se a sua materialidade (coisa = documento,dado = informação), conferindo-lhe um estatuto tangível.A existência de fluxos informacionais e a materialidade(ou tangibilidade), porém, não significam necessariamen-te a geração de conhecimento.

Originalmente referida com base no esquema tradicionalde comunicação – emissor, canal, mensagem, receptor –,o debate sobre disseminação da informação associado àtransferência sugere, atualmente, abandonar a unidi-recionalidade emissor-receptor para contemplar o usuárionuma dimensão mais ampla que o inclui como participanteativo do processo informacional. Essa perspectiva põe emdestaque o significado da mensagem, cuja compreensão eutilização dependem da forma como ela é veiculada e dascondições do receptor e da recepção. Quando há condições

para a assimilação, ocorre, segundo Barreto, modificaçãodo estoque de informações do indivíduo, razão pela qualo autor sugere que ela seja concebida como uma “estruturasignificante” capaz de gerar conhecimento (Barreto, 1994).

Dito de outro modo, falar em transferência da infor-mação via serviços de disseminação de informações – dis-tribuição física ou virtual de documentos e dados – supõeconsiderar que os benefícios dessa ação se relacionamdiretamente às possibilidades de geração do conhecimen-to. Caso contrário, há apenas divulgação unilateral queatinge heterogeneamente o conjunto da sociedade. Se oconhecimento é inseparável do indivíduo (sujeito do co-nhecimento), as ações de disseminação para transferên-cia devem observar os requisitos que permitam adaptar asinformações e suas formas de acesso aos veículos, públi-cos e contextos. Do mesmo modo, enfatizar os serviçosde disseminação de informações no emissor, ignorandoas características de seu público, ou concebê-lo em suacondição supostamente potencial valendo-se de referên-cias imaginadas ou idealizadas, não corrobora seu êxito.

Enfrentar essas questões não é tarefa simples. Se, teo-ricamente, os vínculos entre a emissão e a recepção sãovisualizados como necessários, sua operacionalização re-quer investimentos, a começar pela definição do usuário.

O USUÁRIO, O CIDADÃO

As atividades de disseminação formuladas pelos servi-ços e produtos, em geral e, sobremaneira, governamentais,buscam, quase sempre, a “democratização da informação”.O conceito, porém, tem sido desgastado pelo uso, particu-larmente quanto se verifica que as decisões sobre quaisinformações e em que formato divulgá-las são permeadaspor julgamentos unilaterais. As instituições nem semprese questionam sobre o que produzem, sobre a relação en-tre seus produtos e as necessidades de informação, sobreas formas de disponibilização utilizadas e, em especial,sobre seus públicos. E se o termo “democratização da in-formação” gradativamente desaparece dos discursos pú-blicos e é substituído pelos de “cidadão” ou “sociedadecivil”, tal fato não vem necessariamente acompanhado deuma análise quanto a seu significado efetivo.

O conceito de cidadão, não raras vezes, é delimitadocom base em referências hoje sob suspeita. Houve umtempo, bastante próximo, que o cidadão era incorpora-do como “cliente”, embora essa prática caracterizassemenos as instituições públicas (por um certo cuidado oupudor humanista?) em reservar o termo para relacioná-

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lo a operações que envolviam lucro. Prevalece, todavia,a imagem de cidadão desenhada de acordo com um cri-tério político-jurídico: a cidadania é reconhecida pelo Es-tado como um direito, principalmente em relação à igual-dade (mas não à diferença).

O conceito de cidadão como alguém que participa dasdiscussões e decide sobre assuntos de interesse coletivo écunhado no séc. XVIII na Alemanha e na França. Seu al-cance era restrito, reservado àqueles que liam e partici-pavam dos círculos ilustrados. Como revela Canclini(1999), a condição de participação nos debates sobre ointeresse comum e sobre o estabelecimento de uma cultura“democrática centrada na crítica racional” e limitadaàqueles que podiam informar-se lendo, compreendia “osocial a partir das regras comunicativas da escrita”.Segundo o autor, essa situação perdura até meados doséculo XX, quando os setores excluídos da esfera públicaburguesa – mulheres, operários, camponeses – eramconsiderados, no melhor dos casos, virtuais cidadãos, cujainserção nos círculos de debate dependia da assimilaçãoda cultura letrada. A alteração desse quadro é lenta, sendopercebida por políticos e intelectuais (Bakthin, Gramsci,Raymond Willians e Richard Hoggart) e referida comoidentificadora da existência de “culturas paralelas” queconstituiriam uma espécie de “esfera pública plebéiainformal” (Canclini, 1999:49). Nos dias de hoje, tende-sea reconhecer o papel dessas diferentes modalidades decomunicação, mas o mesmo não acontece com o papel queos circuitos populares demonstram no desenvolvimentode redes diferenciadas de informação e aprendizagem, nasquais o consumo dos meios de comunicação apresentampapel preponderante.

Como observa Canclini, as oportunidades criadas pe-los novos meios de comunicação são tão ou mais respon-sáveis pelas alterações do que as revoluções sociais oumovimentos alternativos políticos e artísticos. “Foramestabelecidas outras maneiras de se informar, de entenderas comunidades a que se pertence, de conceber e exerceros direitos. Desiludidos com as burocracias estatais, par-tidárias e sindicais, o público recorre ao rádio e à televi-são para conseguir o que as instituições cidadãs não pro-porcionam: serviços, justiça, reparações ou simplesatenção” (Canclini, 1999:50). Contra a lentidão dos ór-gãos públicos, a rapidez (mas não necessariamente a efi-cácia) da televisão.

Os meios massivos de comunicação corroboram umareestruturação das articulações entre o público e o priva-do e a remodelação do consumo e da vida. Entre as várias

conseqüências desse fato, destacamos a transformação doconceito de cidadão, de um “representante de uma opi-nião pública a um cidadão interessado em desfrutar umacerta qualidade de vida” (Canclini, 1999:50). Mais do quequerer participar do debate e da crítica, o novo cidadãotransforma-se em um consumidor que prefere a fruição.Essa é uma saída, a nosso ver, individual, e a despeito deseu significado distante do ideal cidadão iluminista quede certa forma também estava na base da cultura do “de-mocratizar a informação”, é uma situação real que nãopodemos ignorar. É notório verificar como a participaçãocidadã (partidos, sindicatos, associações) perde sua forçadiante da oferta da distribuição global de bens e de infor-mação proporcionados, primeiramente, pela transnacio-nalização da economia e, depois, pela globalização.

A maior oferta de informação e de bens de consumopotencializada pelos meios eletrônicos e mais recentementepela Internet e a emergência de um parâmetro de “bem-estar” e fruição não levam efetivamente ao exercício dacidadania, nem nos moldes tradicionais, nem no que res-taria desse modelo se ele pudesse ser revisado para con-templar a diferença. A generalização de direitos, projetoiluminista, no projeto neoliberal esbarra em uma concep-ção desigual de direito, já que “as novidades modernasaparecem para a maioria apenas como objetos de consu-mo, e para muitos apenas como espetáculo. O direito deser cidadão, ou seja, de decidir como são produzidos, dis-tribuídos e utilizados esses bens, se restringe novamenteàs elites” (Canclini, 1999:54).

A aproximação das idéias de cidadania e de consumoimpõe ver este último não estritamente vinculado à aquisi-ção do supérfluo, ao impulso primário e individual, mascomo algo movido por escolha e reelaboração do sentidosocial. Conseqüência da reorganização da vida social con-temporânea em função dos meios massivos de comunica-ção, consumir passa a ser selecionar bens e apropriá-loscom base no que se considera publicamente valioso. Oprocesso que relaciona cidadania e consumo não se dese-nha mais pelo reconhecimento de um estado de direito –quando os contornos da noção de cidadão passavam pelaidéia de nação, língua, etnia – mas às práticas sociais eculturais que unem e separam as pessoas. “O princípiodemocrático acha-se então transferido de uma igualdadereal, das capacidades, responsabilidades, e possibilidadessociais, da felicidade (no sentido pleno da palavra) para aigualdade diante do objeto e outros sinais evidentes do êxitosocial e da felicidade.” (Baudrillard, 1990:62). A congre-gação de indivíduos não se atém a valores tradicionais, nem

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DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS

tampouco geográficos, ela se configura em comunidadesde interesse, nas quais os participantes se reconhecemmutuamente (como, por exemplo, as tribos, conforme su-gere Maffesolli (1991), as minorias ou mesmo os gruposesporádicos formados via Internet), apoiadas em uma di-versidade multicultural. A constituição de um novo modode ser cidadão está embasada no consumo.

CIDADÃO, CONSUMIDOR E PÚBLICO(S)DA DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES

Vê-se, pelo exposto, que as características socioespa-ciais que definiam a identidade e o cidadão passam a ser,com o processo de globalização, delimitadas por traçossociocomunicacionais. A nova identidade cidadã forjadadepois do modelo moderno e iluminista (jurídico-político,postulante do direito à igualdade) não é única, una ou ho-mogênea, mas, ao contrário, difusa e múltipla. Ela se cons-titui atravessando fronteiras territoriais e de classe, e seconforma por agregações estabelecidas por vínculos deinteresse pulverizados, fugidios e, muitas vezes, esporádi-cos. O juntar/separar conhece o movimento imposto pelasregras de um contínuo fazer e desfazer, pois os interessesnão são mais permanentes. Alternam-se momentos de agre-gação e desagregação de indivíduos pela precariedade desedimentação dos vínculos que os unem. Por conseqüên-cia, perante esse novo estado de coisas, não se poderia fa-lar em usuário de forma genérica e todas as formulaçõesde serviços de disseminação nascidos de políticas de in-formação que ignoram os aspectos da pluralidade dos pú-blicos têm seu âmbito de cobertura comprometido.

A rigor, não existe o usuário da informação públicagovernamental, mas os de diferentes motivações, origem,nível de instrução e idade. Pode haver, ao mesmo tempo,os eventuais e, sistematicamente, os que procuram porinformação. Em face da gama de informações fornecidastradicionalmente, os distintos usuários escolhem determi-nados assuntos ou aspectos: alguns buscam informaçãoutilitária, relacionada à satisfação de necessidades bási-cas; outros são motivados pela necessidade de conhecerpara manter sua sobrevivência em determinados grupos;outros, ainda, procuram informação por vontade de auto-realização (Lara et al., 2002). Variam, do mesmo modo,os níveis de especificidade e de profundidade relativos àsinformações desejadas e consultadas. Quanto à forma deapresentação das informações, alguns preferem as visuais,gráficas, outros textuais. Há os que são estimulados a voltara pesquisar (numa instituição ou num sítio) e os que de-

sistem, de início, pela ausência de referenciais facilitado-res de busca e acesso. Muitos são, porém, os excluídos douniverso de usuários, por razões socioeconômicas e mes-mo culturais. Existem certamente usuários cujas necessi-dades informacionais não são cobertas ou mesmo iden-tificadas. É claro que cada instituição tem um público maisfreqüente que compartilha do mesmo universo cultural esimbólico e cujas necessidades informacionais convergemaos objetivos institucionais, mas o uso de segmentaçõestradicionais que ignoram a complexidade de formação devínculos compromete as ações de disseminação que vi-sam a transferência e a aplicação.

Teixeira Coelho (1997:324, verbete público), referin-do-se às políticas culturais, menciona a preocupação emrelação à formação do público, que pode ser estendida àdefinição de políticas de informação. A formação do pú-blico (ou para nós, dos públicos) passa pela homogenei-zação de juízos de valor, reações e usos que atuam comodenominadores comuns entre as pessoas que o constituem.Ignorar as nuances que conformam os vários públicos é,na melhor das hipóteses, continuar a conceber o usuáriomoldado à semelhança da instituição veiculadora de in-formações, isto é, um modelo moderno e iluminista.

O esforço na identificação dos gêneros de usuários ede suas necessidades tem, como implicação, a possibili-dade da própria revisão de conteúdos disseminados oumesmo produzidos, cuja ignorância ou indiferença refor-ça o dirigismo e corrobora a estagnação.

DISSEMINAÇÃO QUE VISA A TRANSFERÊNCIA:AÇÃO PEDAGÓGICA OU CRIAÇÃO DE CONDIÇÕESDE FAMILIARIDADE COM A INFORMAÇÃO?

As políticas de informação e de disseminação corremo perigo de ser desenvolvidas exclusivamente numa pers-pectiva orientada da emissão para a recepção. A modifi-cação dessa situação pressupõe considerar as alteraçõesjá apontadas e, por conseguinte, observar o espectro mul-tivariado de seus públicos. Não há, todavia, modelos paraenfrentar essa questão. Num primeiro momento, pode-sejulgar que uma ação voltada à educação dos usuários sejao caminho. A ação pedagógica, porém, é também marca-da pela moral moderno-iluminista, orientada por um de-sejo humanista que pretende salvaguardar determinadosprincípios que considera, a seu modo, fundamentais. É amesma moral que está na base da concepção da democra-tização da informação e, de certo modo, das políticas deinclusão. Supõe um processo claro, com início e ponto de

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inclusão. E se agora a obrigação não é mais ligarmo-nosaos outros, mas a nós próprios, há que se verificar que oabandono do dever não é necessariamente acompanhadodo declínio das virtudes (Lipovetsky, 1994:15-18).

Uma ação formadora desenhada em torno desse confli-to – individualismo e virtude – deve, para Lipovetsky, re-cuar o individualismo irresponsável e estimular um indi-vidualismo responsável. Não há modelos, mas diante deum moralismo insensível em relação ao individual e aosocial, e um neoliberalismo que conduz à fratura da socie-dade reforçando a oportunidade de poucos, o autor pro-põe uma “ética inteligente”, dialogada, que procura equi-líbrios entre eficácia e eqüidade, voltando-se ao respeitoao indivíduo e ao bem coletivo. Se essa ética é menos exi-gente para o indivíduo, menos categórica para os homens,deve ser mais imperativa para as organizações, numa apostana inteligência científica e técnica, política e empresarial(Lipovetsky, 1994:23). Se ela é ainda teórica, vale ao me-nos verificar o estado das políticas de disseminação públi-cas para que, apoiada em sua análise, possa nascer umareflexão que aponte algumas formas de trabalho.

DA REFLEXÃO TEÓRICA AO EXAME DAPRÁTICA: O CASO DAS AGÊNCIAS PÚBLICASDE ESTATÍSTICA

Há certamente uma distância entre a reflexão teórica euma situação concreta de disseminação de informações.Vários fatores intervêm na formulação de propostas pragmá-ticas, particularmente quando se trata de instituiçõesgovernamentais. Ao trazer o debate para situações maisconcretas, é importante tecer algumas observações quepossam auxiliar a definição de políticas de informação maisconsistentes.

Ao falar de disseminação de informações no Brasil ena América Latina, não se identificam políticas públicasclaras para o setor. Julio Cubillo aponta como principalresponsável por essa ausência o vendaval neoliberal quesoprou a partir dos anos 90 e os modelos de gestão públi-ca nele inspirados que afastaram o estado da coordenaçãodos projetos de mudança social (Cubillo, 2003). Ponde-ra-se, entretanto, que em épocas anteriores a situação nãoera muito diferente. A falta de políticas de informação nãoé novidade, já que mesmo os discursos passados de de-mocratização da informação ou de promoção da cidada-nia não eram sedimentados em bases claras e não encon-travam eco suficiente nas instituições públicas. À exceçãode iniciativas pontuais, as políticas de informação e de

chegada (numa paráfrase à situação que opõe a ação edu-cativa à ação cultural, conforme sugere Teixeira Coelho(1989:30). Não se dá conta da centralidade dessa visãoem torno de princípios apriorísticos, como não discute,hoje, o significado que está latente no conceito de inclu-são que pressupõe uma relação lógica de pertinência: in-cluir significa abranger e, por conseqüência, não compre-ende a diversidade.

Há outro discurso que é de desesperança, cético emrelação a qualquer possibilidade de ação: não se acreditana possibilidade de estabelecer vínculos entre pólos tãodistintos. Se o setor público responde formalmente por umaorientação política determinada, que possibilidades haveriade uma ação que contemplasse a diversidade?

Existirá um caminho alternativo que permita desen-cadear uma política de informação que dê conta da novareconfiguração do universo de usuários? Será contraditóriaa perspectiva que procura buscar uma ação de dissemi-nação perante uma cultura notoriamente individualista?Se essas questões não podem ser respondidas integral-mente, convém ao menos enunciá-las para explicitar oslimites de atuação das políticas de disseminação dainformação pública institucional.

Qualquer ação de formação deve ser entendida com afinalidade de renovação. A disseminação para transferên-cia e utilização, diferentemente da disseminação como“propaganda”, como divulgação ou como ato educacio-nal dirigido, objetiva mais o processo do que o objeto,pretende, antes de tudo, criar familiaridade com as infor-mações, para que os usuários sejam um pouco mais elesmesmos os motores de sua formação, numa analogia àproposta já citada (Teixeira Coelho, 1989; 1997). É, tam-bém, uma aposta que poderá exigir alterações na própriaoferta de informações produzidas. Como formulação teó-rica, está embuída de um humanismo que aspira transfor-mar a ação do dever moralista e aplacador de consciên-cias, numa conduta pautada numa “ética prudente”(expressão utilizada por Lipovetsky), que contenha, emprincípio, uma possibilidade de intervenção do Estadocomo promotor do desenvolvimento das pessoas.

Para Lipovetsky, a adoção de uma ética prudente nãosignifica uma ruptura com as leis ou uma invenção de novosvalores. Os princípios morais têm sido os mesmos ao longodo tempo: as alterações relacionam-se mais aos pontos dereferência2 e é em relação a eles que se faz necessário,agora, pensar as formas de ação. Se a moral laica manteveda moral religiosa a noção de dívida e dever, compreende-se onde estão as raízes da ação educativa e mesmo da

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DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS

disseminação (se é que se pode concebê-las como políti-cas) tendiam (e tendem) a refletir as fronteiras fluidas deum marco teórico rarefeito.

Tomando o caso das agências públicas de estatística,verifica-se que a situação é muito parecida. Não raras ve-zes, a disseminação é vista como uma conseqüência, umresultado natural da produção, mais ou menos como umapêndice ao capítulo crucial dos levantamentos e pesqui-sas que dão origem à informação. É como o final de umamaratona, no qual os atletas exauridos pelo esforçodespendido nas etapas anteriores querem apenas chegar,sem importar com a precisão ou elegância das passadas.Prova disso, além da escassa literatura existente sobre otema, é que os planos tabulares, a seleção dos recortes deinformações a serem divulgadas, as formas de saída dosdados são quase que inteiramente pré-definidas, pratica-mente à revelia da recepção.

Observa-se, ao mesmo tempo, que o debate sobre a dis-seminação é restrito, grande parte das vezes, às Tecnologiasde Informação e Comunicação – TICs. Sem desprezar suaimportância, há uma tendência em circunscrever a disse-minação ao problema da melhor escolha e combinação entrehardware, software, quando a questão é principalmente deconteúdo e de formas de instituição de elos com os públi-cos. Essa situação é, talvez, resultante do vazio criado pelafalta de uma política sólida de informação que, preenchi-do apressadamente pelas TICs, passa a subordinar, a inte-resses empresariais, o esforço das ações governamentaisde fornecer informações que possam ser transformadas emconhecimento. A tecnologia passa a pensar (e a limitar) adisseminação. Metafraseando a célebre frase sobre a guerra,cuja autoria é motivo de dúvidas, sendo atribuída ora aTalleyrand, ora a Clemenceau ou Lloyd George: “a disse-minação é uma coisa muito importante para ser deixadanas mãos dos ‘informáticos’ ”.

A expansão vertiginosa da Internet, a economia de cus-tos e agilidade que ela permite aliadas ao crescente fascí-nio das novas tecnologias têm levado as instituições a in-vestir maciçamente nessa mídia, deixando de resolverproblemas a ela anteriores concernentes às condições reaispara a transferência da informação. Como tantos aquelesque atualmente alimentam, como aqueles que formam opúblico cativo das informações conhecem e se utilizamda rede, cria-se entre esses atores a sensação do alcanceuniversal da Internet. Em conseqüência, empalidece o pres-tígio de outras mídias, esquece-se de suas diferentes lin-guagens e apaga-se quase que definitivamente a discus-são sobre o ponto nevrálgico da questão: a criação de

condições para a apropriação da informação e sua trans-formação em conhecimento.

A emergência das novas tecnologias, ao mesmo tempode sua absorção muitas vezes desacompanhada de políti-cas de informação, insere também na esfera das discus-sões a questão da inclusão. Segundo levantamentos daInternational Telecommunication Union – ITU, 14,3 mi-lhões de pessoas tinham acesso à Internet em 2002, noBrasil. No mesmo ano, os indivíduos de 10 anos e mais nopaís somavam 138,5 milhões, o que significa que 89,7%da população nessa faixa etária estavam à margem do cau-dal de informações contidas na web. Em face dos custospara se ter acesso à Internet, desde os preços dos equipa-mentos às elevadas tarifas da comunicação telefônica pri-vatizada, não é arriscado estabelecer uma relação diretaentre poder econômico e inclusão digital. Todavia, não épertinente discutir a inclusão digital sem analisar, anterior-mente, a inclusão social. Ainda que não se questione o sig-nificado de “incluir” (incluir em que, onde), há que se con-siderar que, se verifica hoje uma exclusão digital, a exclusãosocial lhe é anterior. Saber ler ou ter acesso à informaçãonão significa necessariamente a possibilidade do conheci-mento. Os números, portanto, devem ser interpretados comoum potencial teórico. As afirmações sobre exclusão digi-tal, para serem interpretadas em profundidade, deveriamtambém ser comparadas ao alcance das tiragens de publi-cações, por exemplo. A correlação de resultados poderiaindicar uma situação mais próxima do real.

No campo de ação da disseminação das informaçõesestatísticas, pode-se dizer que, de certo modo, as agên-cias disseminam para seus pares, de modo que seus atuaisusuários estão no mesmo estamento social, têm voz, po-dem realizar uma interlocução com os responsáveis pelaoferta da informação. Como quem não tem voz não recla-ma (ou mesmo que a tenha nem sempre possui os meiospara fazê-lo), não é preciso muito esforço para identificarde onde advém a impressão de que o acesso às informa-ções está universalizado, porque se entende que o “dever”foi cumprido. Na realidade, porém, o universo de usuá-rios é dessa forma e não de outra, porque nem todas aspessoas estão preparadas para receber informação (ou pelomenos a informação que está sendo divulgada e a sua for-ma), como nem sempre as informações divulgadas são asque as pessoas desejam. Pode-se dizer, portanto, que asagências estatísticas nem sempre estão suficientementeatentas quanto ao universo de usuários potenciais. É aí queuma ação de formação de públicos, em sentido amplo erenovado como já se sugeriu, pode fazer sentido.

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O grande problema da disseminação é a criação decondições para facilitar o fluxo de informações para pro-piciar o conhecimento. E ele reside na linguagem, ou maisespecificamente, nas linguagens, que requer, antes de tudo,a existência de elos de significação entre produção e re-cepção. Não se pode confundir, porém, os meios com asmensagens. Ao par da crítica à circunscrição do proble-ma da disseminação a seus aspectos tecnológicos e infor-máticos, também não se deve esquecer que os meios sãodistintos e devem ser utilizados considerando suas espe-cificidades. Do mesmo modo, cada meio (ou suporteinformacional) é caracterizado por linguagem própria.Assim como para cada tipo de usuário há uma linguageme uma informação, cada meio é mais (ou menos) apropriadopara diferentes tipos de informação.

Nesse ângulo, verifica-se que, de modo geral, os sitesdas agências estatísticas nem sempre se utilizam, de for-ma devida a linguagem específica da Internet. A organi-zação das páginas nos sites é, na maioria das vezes, ex-cessivamente elaborada na perspectiva do produtor dainformação, exigindo do usuário esforço para compreen-der sua lógica ou o conhecimento prévio do universo deinformações normalmente produzidas. Há problemas re-lacionados à linguagem, seja porque a mesma informaçãoé apresentada com diferentes denominações e não hámecanismos de compatibilização entre as linguagens, sejaporque tais denominações são excessivamente marcadaspelo jargão técnico. Não é raro verificar que os usuáriosencontram dificuldades para localizar informações, poisna construção do site e das páginas não se considera seele conhece ou não as principais pesquisas da instituiçãoou não se questiona se eles entendem a linguagem na qualas informações são veiculadas. Se ele desconhece, resta-lhe a tarefa de peregrinar pelo site na tentativa de adivi-nhar os princípios de arranjo utilizados pelo proprietárioou sua forma de expressão que, invariavelmente, deixampouco espaço à participação de quem se aventura a nave-gar nele.

Faz parte da formação do público a inclusão de estra-tégias incorporadas nas próprias páginas na web: metada-dos (definições, explicações sobre conceitos, formas demensuração de eventos, fonte), seções para públicos es-peciais (por exemplo, crianças, jovens) ou mapeamentode informações ou sites relacionados. Eles constituem re-cursos importantes para viabilizar o acesso e promover aapropriação das informações.

Observe-se, também, que uma mídia não substitui ne-cessariamente outra. O uso do CD-ROM, embora não goze

de uma possibilidade de aplicação em todos os segmen-tos da população, tem vantagens não desprezíveis, comoa grande capacidade de armazenamento de informações,a incorporação dos recursos de som e imagem e o baixocusto da mídia e da gravação. Não se deve desprezar osignificado, para os parcos recursos, que ele traz para aeconomia de pulsos telefônicos e de tempo de conexão aprovedores de acesso. O CD-ROM é um suporte extrema-mente adequado para veiculação de grandes volumes dedados, séries históricas, informações institucionais. Essascaracterísticas os tornam ideais também para utilizaçãoem locais que possuam equipamentos de informática com-partilhados por vários usuários, como escolas, bibliote-cas, associações e ONGs, por exemplo. Assim, mesmobaixas tiragens teriam potencial para alcançar um númerosignificativo de pessoas, cuja capacidade de explorar asinformações poderia ser aperfeiçoada por instruções in-cluídas no próprio CD-ROM.

A promoção de palestras, cursos e seminários tambémé um meio a ser explorado pela disseminação. Além deseu papel de divulgação institucional e de apresentação daspesquisas desenvolvidas, esses recursos podem mobilizarpúblicos inicialmente não atendidos ou previstos. Essa açãoterá maior sentido desde que sua concepção origine-se numintenso processo de negociação com os públicos-alvo: quaisseus desejos, quais suas necessidades, que familiaridadepossuem com as informações e com os meios, que utilida-de elas poderiam ter para eles, que exemplos concretospoderiam fazer sentido para o universo de expectativas dosdiferentes grupos? Percorrendo diferentes gradientes deprofundidade e realizando experiências dialogadas, even-tos, cursos ou outras formas sugeridas também pelos usuá-rios poderiam ser uma forma de trabalho. Algumas ques-tões relativas à produção poderiam surgir no decurso dessasexperiências: que significado há no espectro de informa-ções produzidas, qual seu limite representativo em face doque se observa extra-institucionalmente, que carências decoleta existem? Além disso, que observações, críticas esugestões poderiam advir desse processo? Esse pode serum investimento formador e ampliador do universo dospúblicos da informação estatística.

Em seu sentido renovado, portanto, uma política deinformação deve utilizar vários meios, aproveitar as no-vas tecnologias, observar seus limites, as característicasde linguagem das distintas mídias e suas aplicações maisadequadas. Contudo, nem a Internet, nem os CD-ROMs,nem as publicações impressas, nem a promoção de even-tos, cursos ou palestras realizam os fins de promoção do

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DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO E USUÁRIOS

conhecimento se não estiverem coordenadas numa políti-ca de informação sólida.

DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕESNA FUNDAÇÃO SEADE

O modelo de disseminação de informações adotado pelaFundação Seade é bastante semelhante aos utilizados pe-las principais agências públicas de estatística, nacionais einternacionais. A seguir, faz-se um breve relato da situa-ção atual dessa atividade e das formas e condições paraobter informações da instituição.

Os meios utilizados pela Fundação Seade para arealização da tarefa de disseminar informações são aspublicações, a Internet e a imprensa. No caso das pri-meiras, compreendem os resultados das pesquisas da ins-tituição, dos registros administrativos e, mais raramente,de estudos especiais. Em virtude da política de contin-genciamento de gastos a que estão submetidos os órgãospúblicos em geral nos últimos anos, houve uma reorien-tação da política editorial nesse segmento. Além dadiminuição da quantidade de publicações, houve umamigração do meio impresso para o eletrônico, ou seja,do papel para o CD-ROM e para a Internet. Em temposde contenção, as despesas com a produção gráfica e papeltornam-se significativas, quando comparadas com aconfecção de mesmo conteúdo em meio eletrônico.Assim, outra desvantagem adicional da mídia impressaé que elas precisam ser expedidas para que a informaçãochegue a seu destino, gerando novos custos, desta vezcom as tarifas postais.

Dessa forma, mas, evidentemente, também pelos moti-vos já apontados, a Internet foi conquistando preponde-rância e hoje é, de longe, o principal veículo de dissemi-nação das informações da Fundação Seade. No site<www.seade.gov.br>, existe um grande número de infor-mações organizadas em temas e produtos que respondempela quase totalidade da produção da instituição. Entre asausências mais significativas pode-se citar a Base de Óbi-tos por Causa e a revista São Paulo em Perspectiva. Umalacuna adicional é a falta de sistemas que permitam extra-ir resultados dos microdados de pesquisas como a Pes-quisa de Emprego e Desemprego – PED, Pesquisa de Con-dições de Vida – PCV e da Pesquisa da AtividadeEconômica Paulista – Paep. No entanto, existe uma tenta-tiva, ainda modesta, de construir linguagens que permi-tam o relacionamento entre as diversas bases da institui-ção com a inclusão de metadados, para que o usuário possa

encontrar com mais facilidade as informações e tenha oselementos necessários para sua compreensão, mesmo nãosendo iniciado nessas áreas de conhecimento.

Na imprensa, são divulgadas regularmente as prin-cipais pesquisas da instituição e também estudos eprojetos especiais. A cobertura atinge todas as mídias,com preponderância dos grandes jornais diários, revistassemanais, televisão e rádio. A divulgação é feita por pressreleases e entrevistas coletivas, procurando-se sempregarantir a isonomia no acesso à informação para todosos órgãos de imprensa, ou seja, não se fornecem infor-mações exclusivas para este ou aquele meio de co-municação.

O usuário pode dispor, ainda, de outras formas de aces-sar as informações da Fundação Seade:- atendimento presencial – na sede da instituição (Av.Cásper Líbero, 478 – São Paulo/SP), das 9 às 17 horas,de segunda a sexta-feira, é possível consultar todo o acer-vo de informações existente (Internet, biblioteca, produ-tos e bases de dados), seja oriundo de pesquisas próprias,seja produzido por outros órgãos afins. É possível, tam-bém, a assessoria de técnicos especializados na busca deinformações. A consulta é totalmente gratuita, mas cópiasreprográficas, impressões, gravação de arquivos emdisquetes ou CD-ROM e publicações são pagas.

- atendimento telefônico – no mesmo horário e dias dasemana, pelo Serviço de Orientação ao Usuário (SOU),no telefone (11) 3313-5777, no qual se obtêm referên-cias sobre, onde e como estão disponíveis informaçõessocioeconômicas, assistência técnica aos produtos daFundação Seade, esclarecimento de dúvidas acerca deinformações e produtos, encomenda de publicações e pre-parações de dados e ainda informações disponíveis naInternet. Ou se preferir, a comunicação poderá ser feitapor fax (11) 3224-1700.

- correio eletrônico – pelo endereço <[email protected]>,consegue-se os mesmos serviços prestados no atendimentotelefônico. Todas as mensagens são respondidas em, nomáximo, 24 horas.

Por meio de qualquer uma dessas entradas, o usuáriopode encomendar tabulações especiais, ou seja, constru-ção de novos cruzamentos de informações e processamentode microdados em formatos por ele definidos, de acordocom suas necessidades. Após fazer a demanda, o usuáriorecebe orçamento e prazo de execução da tabulação. Otrabalho começa a ser executado após a aprovação do in-teressado e o prazo é rigorosamente respeitado.

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A política de preços da Fundação Seade permite, atéo momento, que o acesso à Internet seja inteiramente li-vre, como estratégia para incentivar o usuário a utilizarcada vez mais essa mídia. No caso das publicações, ospreços procuram apenas cobrir os custos de produção edistribuição tanto para o impresso como para o eletrôni-co e nunca as despesas com as pesquisas e atividadesque dão origem às informações nelas contidas. Pelo mes-mo critério, nas tabulações especiais, o usuário paga so-mente o valor da mão-de-obra dos técnicos envolvidosem sua confecção.

Os diferentes grupos de usuários têm status diversosno que se refere aos preços e acesso às informações daFundação Seade:- órgãos do governo estadual – têm acesso livre aos da-dos disponíveis, mesmo os que envolvem tabulações es-peciais. As publicações podem ser doadas ou cobradas,dependendo da análise de cada caso pela diretoria. Entre-tanto, quando as informações solicitadas não existem eprecisam ser obtidas por meio de pesquisas ou levanta-mentos que impliquem dispêndios expressivos, orçamen-tos específicos são apresentados e, se aceitos, ensejamtabulações especiais e/ou a celebração de contratos remu-nerados para sua produção.- imprensa – todos os dados são colocados à disposiçãoda imprensa, desde que estejam disponíveis ou que suaobtenção não gere despesas significativas. As publicaçõessão cedidas gratuitamente.- demais usuários – compreendem vasta gama de organi-zações e indivíduos como empresas privadas, consulto-res, ONGs, instituições de ensino, órgãos do governo fe-deral e municipal, estudantes, sindicatos, associações declasse, etc. Para todos eles, publicações e tabulações es-peciais são cobradas. Contratos remunerados para obten-ção de informações de maior fôlego também podem sercelebrados dentro desse grupo. Estudantes de mestrado edoutorado podem ter descontos de até 80% em microda-dos e tabulações especiais, para obter informações queserão aplicadas em suas teses ou trabalhos de conclusãode curso. Eventualmente, alguns desses usuários que nãodisponham de recursos podem receber doações de publi-cações, dependendo do julgamento do mérito de cada pe-dido pela diretoria.

NOTAS

1. Grifo nosso.

2. A moral religiosa (Deus) foi substituída pela moral laica (1700-1950,família, sociedade, pátria), que contemporaneamente o é pela moralindividualista (o indivíduo como referência primeira). A moral laica,ao emancipar-se da religião, manteve a noção de dívida infinita, dedever absoluto. Entre a moral religiosa e a laica não aconteceu verda-deiramente senão uma transferência das obrigações: para com Deus,para com o homem e para com a coletividade ou, em outros termos, amoral moderna é a moral do de uma religião do dever laico. A lógicacontemporânea é outra, e o processo de secularização da moral acabapor dissolver socialmente a sua forma religiosa, o dever. Liquidam-seos valores sacrificiais e o dever é substituído pelo bem-estar e pelosdireitos subjetivos (Lipovetsky, 1994:15-16).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MARILDA LOPES GINEZ DE LARA: Professora da Escola de Comunica-ções e Artes da USP, Consultora da Fundação Seade ([email protected]).

VIVALDO LUIZ CONTI: Economista, Diretor Adjunto de Produção deDados da Fundação Seade ([email protected]).

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O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS

A

O ESTUDO DA METRÓPOLEE O USO DE INFORMAÇÕES

GEORREFERENCIADAS

Resumo: A participação da Fundação Seade no Centro de Estudos da Metrópole – CEM estabeleceu o uso dasferramentas do Sistema de Informações Geográficas em projetos desenvolvidos de forma direta pela Funda-ção, ou em parceria com o CEM. Duas atividades destacam-se nesse processo: a consolidação de banco dedados e mapas digitais sobre a Metrópole e o desenvolvimento de novas metodologias de coleta e difusão deinformações.Palavras-chave: sistema de informações geográficas; Região Metropolitana; análise espacial.

Abstract: The participation of Fundação Seade in the Center for the Study of the Metropolis – CEM – establishedthe use of the tools of Geographic Information System in projects developed directly by Seade, or in partnershipwith CEM. Two activities stand out in this process: the consolidation of the data bank and digitized maps ofthe metropolis and the development of new methodologies for gathering and disseminating this information.Key words: geographic information system; metropolitan region; spatial analysis.

GUSTAVO DE OLIVEIRA COELHO DE SOUZA

HAROLDO DA GAMA TORRES

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 35-44, 2003

partir de 2000, a Fundação Seade passou a inte-grar o Centro de Estudos da Metrópole – CEM,em conjunto com o Cebrap – Centro Brasileiro

são atribuições do Seade como parceiro no projeto CEM,e estão inseridas no componente Inovação e Transferên-cia de Tecnologia, cujos objetivos são:- constituir um Sistema de Informações Georreferencia-das por meio da consolidação de dados espacializados parauso de planejadores urbanos e formuladores de políticaspúblicas;- sistematizar, consolidar e disseminar informações so-bre diferentes experiências no campo da política urbana,tornando o Centro um multiplicador nessa área;- desenvolver aplicativos próprios para integrar dados dediversas origens;- treinar profissionais para o uso de dados georreferen-ciados na formulação e implementação de políticas pú-blicas urbanas.

Para tanto, a Fundação constituiu um grupo de traba-lho que foi agregado à Divisão de Geoprocessamento eEstatísticas Espaciais – Digeo, que vincula-se à Gerênciade Métodos Quantitativos – Gemec. Os trabalhos degeoprocessamento dos dois anos iniciais de estruturaçãodo CEM centralizaram-se em três frentes:- montagem do SIG georreferenciando informações ca-dastrais de equipamentos públicos (de educação e saúde)

de Análise e Planejamento, a Faculdade de Arquitetura eUrbanismo – FAU e a Escola de Comunicações e Artes –ECA da USP e o Sesc São Paulo. Trata-se de um projetofinanciado pela Fapesp, inserido no programa Centros dePesquisa, Inovação e Difusão – Cepid, cujo objetivo é de-senvolver atividades de pesquisa, transferência de conhe-cimento e difusão de informações a respeito da RegiãoMetropolitana de São Paulo – RMSP.

Uma das novidades colocadas pelo CEM no tratamentode informações sobre a metrópole paulistana refere-se aovínculo entre os resultados de pesquisas diretas (que envol-ve novas abordagens conceituais e metodológicas para asquestões metropolitanas) e a consistência de dados secun-dários (tornando-se um centro de referência para a docu-mentação e consolidação de informações e estudos sobre aRMSP). Os dados coletados e tratados são georreferencia-dos e difundidos por instrumentos como internet, seminá-rios, palestras, workshops e publicações.

A constituição e a disponibilização das bases de dadosno formato de Sistema de Informações Geográficas – SIG

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e mortalidade, existentes na Fundação, e a vetorização econsolidação da malha cartográfica digital dos setorescensitários para os 21 municípios mais populosos daRMSP, para os censos demográficos de 1991 e 2000 epara a contagem populacional de 1996;- a elaboração de projetos específicos a clientes e pesqui-sadores do CEM que envolveram a montagem de SIGs; e

- desenvolvimento de treinamentos para usuários dos SIGs(pesquisadores do CEM e do Seade e clientes do Centroque demandaram projetos georreferenciados).

A Fundação Seade habilitou-se a participar como par-ceiro do CEM no componente Inovação e Transferênciade Tecnologia, porque já vinha desenvolvendo projetosque continham em seu escopo a elaboração e estruturaçãode sistemas de informações geográficas, cujo objetivo erasuprir gestores públicos de um importante instrumento paraa tomada de decisão. De fato, alguns exemplos podem serdados, como o desenvolvimento de SIGs para a Diretoriade Planejamento da Sabesp e para a Central de Informa-ções Educacionais da Secretaria da Educação do Estadode São Paulo. Contudo, os maiores desafios e avanços douso do SIG no Seade deram-se com sua participação noCEM.1

GEOPROCESSAMENTO VOLTADOPARA POLÍTICAS PÚBLICAS

As experiências que os pesquisadores da FundaçãoSeade e do Cebrap acumularam nos estudos sobre a Re-gião Metropolitana já apontavam para a necessidade deum tratamento de dados que ultrapassavam as tradicionaisunidades administrativas, como municípios e distritos, poisalguns fenômenos só poderiam ser compreendidos quan-do se descesse à escala intradistrital. O fato é que a faltade informações nesse nível de detalhe tem dificultado aformulação de políticas, uma vez que as unidades espa-ciais tradicionalmente utilizadas para planejamento têmgrande porte. Por exemplo, alguns distritos de São Paulopossuem até 400 mil habitantes, um porte comparável aum grande município como São José dos Campos, difi-cultando a identificação dos locais com maior nível decarência.

Esse tipo de dificuldade é ainda maior naquelas situa-ções em que é preciso identificar prioridades de investi-mento quando a cobertura de uma dada política – como aoferta de água, por exemplo – atinge níveis próximos a100%. Como distinguir os 60 mil domicílios sem água

encanada, numa região com 5 milhões de domicílios? Asolução para esse tipo de problema passa por um trata-mento espacial das informações, porque somente medianteuma análise que leve em conta dados microlocalizados po-dem-se identificar as principais manchas de ocorrência doproblema a ser enfrentado.

A rigor, a utilização de sistemas de informações geo-gráficas e de indicadores microlocalizados para políticaspúblicas tende a responder um problema básico: onde agir.De fato, para qualquer política pública, tal pergunta ébastante problemática numa área metropolitana com qua-se 20 milhões de habitantes, como a RMSP. Essa ques-tão, de modo mais específico, remete a três aspectos prin-cipais:- a distribuição dos equipamentos públicos não é consis-tente com a distribuição da população demandante. Equi-pamentos podem estar localizados no centro da cidade,distantes dos locais de moradia da população mais pobre.Em outras palavras, entender a distribuição dos equipa-mentos vis-à-vis à lógica de uma demanda que varia es-pacialmente e ao longo do tempo é um desafio permanen-te do ponto de vista das políticas sociais, principalmentese o objetivo da política tem a ver com a democratizaçãodo acesso;

- o perfil da população varia ao longo da dimensão espa-cial, seja em estrutura etária e taxa de crescimento, sejaem termos socioeconômicos. Em outras palavras, em fun-ção da grande dinâmica demográfica intra-urbana podemexistir escolas em locais sem crianças e crianças em lo-cais sem escolas, mesmo se a taxa de cobertura para todoo município se aproxima de 100%. Isso indica que, atéquando existentes, equipamentos sociais têm de ser adap-tados ao perfil da população local, suas característicassociodemográficas;

- riscos sociais são cumulativos. Certas regiões agregamum conjunto significativo de problemas sociais, tais comobaixos níveis de escolaridade, domicílios precários, bai-xa renda, exposição a riscos ambientais, etc. A identifica-ção desses locais é crucial para as políticas sociais volta-das para os grupos sociais mais vulneráveis, tais como aspolíticas de transferência de renda. Isso indica tambémque o enfrentamento desse tipo de fenômeno requer polí-ticas que ultrapassem o recorte setorial.

De todo modo, para que tal tipo de análise seja possí-vel, é necessário que as informações que alimentam osestudos sejam consistidas em escalas espaciais menoresque os tradicionais municípios e distritos. Foi esse o de-

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O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS

safio a que se propôs o projeto do CEM para a RMSP:construir bases de informação na escala intramunicipal eintradistrital, a partir da localização georreferenciada doseventos estudados; e também produzir os dados que ser-virão de denominador nos estudos na escala dos setorescensitários, a qual permite uma aproximação da escalalocal. São unidades espaciais, no urbano, que correspon-dem a um conjunto de quadras, ou a quadras, ou a face dequadras, ou a um conjunto de edifícios em uma face dequadra, ou mesmo a um edifício e seus andares, depen-dendo de sua densidade demográfica.

O ESPAÇO COMO CATEGORIA

A tradição das análises espaciais nas ciências sociaise na economia conduziu a análise espacial à esfera dosestudos regionais. Os desafios postos para a solução daquestão do desenvolvimento econômico, de um lado, eos efeitos da divisão territorial do trabalho, de outro,pontuaram as discussões sobre a problemática dadiversidade do desenvolvimento econômico expressa noespaço. A região pode ser lida como a materializaçãoespacial, pela história, das relações econômicas dentroda esfera da divisão do trabalho, ou seja, as diversidadesda organização socioeconômica das sociedades, suamatriz produtiva, as trocas, o mercado de trabalho(estrutura de emprego) e a urbanidade estão gravados noespaço e expressam a forma como o capital se organiza.Assim, a diversidade regional e a maneira como as regiõesse organizam e se relacionam aparecem como umamanifestação material das desigualdades dos níveis dodesenvolvimento econômico. Procurar decifrar quais ascaracterísticas da estruturação econômica das regiõespassou a ser etapa fundamental para entender seusignificado nas relações das trocas mercantis na matrizprodutiva (regiões funcionais ou polarizadas – redes), bemcomo elucidar qual o melhor caminho para viabilizar aimplantação de políticas econômicas na escala nacional.Uma outra concepção de região é aquela associada àdivisão administrativa dos territórios pelo Estado. Frutoda organização política do Estado, essas unidades seimpõem como realidades concretas, mais pela forma comoas estatísticas oficiais são tratadas e disponibilizadas emenos pela “legitimidade” de suas fronteiras.2

O problema da análise regional é que ela somente con-segue dar conta, ou servir de subsídio, de políticas quan-do a ação visa à intervenção na escala regional. Qualquerdirecionamento para ações e recursos no objeto local não

pode se utilizar do ferramental dessa análise. Grosso modo,a análise regional dá conta de apreender as grandes dife-renças – particularidades na escala nacional e entre asnações. Ela seria um excelente “pano de fundo”, contudonão oferece a possibilidade do olhar para a tomada dedecisões em escala local. Tal passagem do olhar regionalpara o local, um dos grandes desafios para os gestorespúblicos, conta hoje com a ajuda fundamental das ferra-mentas contidas nos Sistemas de Informação Geográfica,que permitem mapear os eventos estudados onde eles real-mente ocorrem e cruzar suas informações com dados deoutra natureza, podendo ajudar na compreensão de seuconteúdo e de sua distribuição.

Foi sobre essa ordem de preocupações que o projetoCEM teve sua concepção estruturada, ou seja, avançar naescala de observação de como ocorrem os processos so-cioeconômicos, demográficos e culturais na RMSP, paraalém da totalidade metropolitana – um além para o inte-rior, voltado para o local.

DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃODE UM OLHAR ESPACIALIZADO

A construção para um “olhar espacializado” impõe anecessidade de se pensar como interpretar a relação entrea distribuição da ocorrência de um determinado fenôme-no, representado em uma determinada área (óbitos porhomicídios em distritos da capital), com as várias dimen-sões da realidade naquele espaço (como a condição deinstrução e renda dos chefes das famílias, e de qualidadedos domicílios). Quando essas informações estão agrega-das na escala municipal, ou distrital (a forma tradicionalde agregação das informações administrativas e censitá-rias), perde-se o poder de explicação, pois as correlaçõespossíveis somente poderão se dar a partir dos valoresmédios dos dados para aquela unidade espacial.

Como exemplo, vejamos a distribuição da taxa dehomicídios nos distritos do Município de São Paulo,representado no Mapa 1. As maiores concentrações deóbitos por homicídios, segundo o local de moradia dasvítimas, estão nos distritos do sul, no extremo leste dacapital e na zona norte, onde evidenciam-se os distritosde Cachoeirinha e Brasilândia. Destacam-se ainda as altastaxas nos distritos da Sé e Brás, na região central da cidade.Tais “regiões” são aquelas que também apresentam ospiores indicadores sociais (com exceção dos centrais), oque induziria à conclusão de que os homicídios estariamdiretamente ligados a essas condições socioeconômicas.

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No caso, a correlação entre o evento óbito e a realidaderenda, por exemplo, se dará a partir das médias distritaiso que causa uma série de problemas. Um deles é admitirque o comportamento dos fenômenos analisados apresenta-se de modo uniforme em todo o território observado e quea correlação dos fenômenos é verdadeira para a totalidadeda região.

No caso do exemplo apresentado, o resultado da im-plementação de políticas que venham a tratar dos efeitosda violência obviamente priorizará os distritos cujas ta-xas são elevadas. Contudo, como trata-se de territórios comáreas extensas e os recursos públicos são sempre escas-sos, o problema que se coloca é onde, no interior de cadadistrito, devem-se priorizar as ações? Nessa escala de tra-balho as prioridades vêm sendo tratadas a partir de de-mandas locais, geralmente mediadas por pressões políti-cas. Não é errado o atendimento de reivindicações sociais,contudo existe um setor da sociedade que vive em tal graude exclusão social, que não tem possibilidade de organi-zação para expor suas necessidades, e geralmente se temvisto nas políticas públicas que as populações mais orga-nizadas é que acabam sendo objeto de programas sociais.A questão da definição de critérios de priorização de in-vestimentos públicos tem surgido como uma demanda doEstado, sobremaneira pelos avanços na democratizaçãodas tomadas de decisão e pelo aprimoramento das instân-cias de participação popular. Nesse contexto, as informa-ções, como tradicionalmente eram tratadas, não respon-dem mais às necessidades dos gestores públicos; afinal,observando novamente o Mapa 1, onde naqueles distritosviolentos deve-se investir? Somente uma observação: ateoria regional de cunho crítico já alertava para o perigode fetichização do espaço, com a idéia de que sua identi-dade se daria a partir de sua característica típica. Nessemapa as regiões escuras são tipicamente violentas. A per-gunta é: será que são realmente assim?

Para responder a essa pergunta, as formas tradicionaisde tratamento dos dados espaciais devem alterar-se, e ocaminho dessa mudança passa pela fragmentação das uni-dades administrativas tradicionais (municípios e distritos)e pelo mapeamento dos eventos estudados, com a utiliza-ção das ferramentas do Sistema de Informações Geográ-ficas.

A partir das informações da localização dos eventos jáé possível identificar a concentração da violência e assimmelhor definir a que locais as ações que se desejam de-vem ser dirigidas. Esse estudo pode avançar e considerara relação entre o local de residência das vítimas de homi-

cídios e a população em seu entorno, ou seja, é possívelse reconstruir uma taxa de homicídios utilizando-se comodenominador a população total residente nos setores cen-sitários.

O SIG permite agregações de informações de basescartográficas em objetos geográficos distintos. É possí-vel transpor as informações de população que estão agre-gadas em setores censitários (um objeto geográfico cujanatureza é uma área) e as informações dos locais de resi-dência das vítimas de homicídios (cujo objeto geográficoé um ponto), para uma terceira unidade geográfica repre-sentada, por exemplo, por uma grade, cuja área, no casodo exemplo aqui tratado, é de 250.000 m2 (próxima deuma quadra). A partir daí pode-se criar uma taxa de ho-micídios para a grade e mapeá-la utilizando-se uma outraferramenta do SIG, que permite a constituição de man-chas construídas a partir de isolíneas (como curvas de ní-vel) de taxas com mesmo valor. O resultado dessa técnica

MAPA 1

Taxa de Homicídios, segundo DistritosMunicípio de São Paulo – 1998/20001

Fonte: Fundação Seade (2001).(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.

Homicídios por mil habitantes

Menos de 70,4

De 70,5 a 113,9

De 114,0 a 163,9

164,0 e mais

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O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS

bases de dados distintas e que possuem unidades espa-ciais diferentes. Isso possibilita o estabelecimento de cor-relações espaciais entre esses eventos expressos nos ma-pas e, do ponto de vista espacial, indicar com mais critérioas áreas de intervenção. O grande salto qualitativo no usoda sobreposição de cartografias digitais é a possibilidadede criação de um novo dado, que seria impossível de serelaborado por simples cruzamento de tabelas, porque asunidades espaciais de agregação das informações são di-ferentes.3

Tal possibilidade de cruzamento espacial dos dadosviabilizou a construção de uma série de indicadores ex-tremamente sofisticados, como o Índice de Vulnerabili-dade Social elaborado pelo CEM para a Secretaria deAssistência Social do Município de São Paulo.4 Contudo,mesmo não chegando a um nível mais sofisticado do usoestatístico das informações espaciais a partir de basescartográficas distintas, a simples observação do mapapermite a tomada de algum nível de decisão. No Mapa 4,observa-se um exemplo de sobreposição de cartografiasque permite uma focalização da ação. No caso está repre-sentada a mesma mancha de concentração de homicídioapresentada no Mapa 3, mas acrescida da informação dossetores censitários com maiores índices de vulnerabilida-de daquela região. Supondo que a intenção do gestor pú-blico seja a implantação de ações sociais que venhammitigar os efeitos da violência e da vulnerabilidade so-cial, ele poderá iniciar sua ação pelos locais onde ocor-ram a combinação desses eventos. No mínimo, essa in-formação poderia auxiliar uma investigação focalizadapara que daí as decisões fossem tomadas.

Como os sistemas de informação geográfica não seresumem à elaboração de cartografias, mas são, em suaessência, instrumentos que permitem a relação automá-tica entre banco de dados e sua representação espacial,os produtos elaborados no SIG não se limitam aos ma-pas, mas a um sistema de informações em que os usuá-rios têm plena possibilidade de manuseio. Dessa forma,a escolha das variáveis que serão representadas e os cru-zamentos de dados desejados para a construção de indi-cadores poderão ser feitos livremente pelo usuário, o quepermite a elaboração de vários exercícios para a confir-mação de hipóteses, ou serve como insumo para a inves-tigação desejada. É por esse motivo que uma importanteatividade do CEM, sob a responsabilidade da FundaçãoSeade, é o treinamento no uso dos SIGs – o eixo condu-tor da transferência de tecnologia dos envolvidos naspesquisas e projetos.

cartográfica está representado no Mapa 2. Pode-se cons-tatar que as áreas mais críticas em relação à ocorrência dehomicídios estão bem definidas, sendo possível observarna escala local onde elas ocorrem. Como a rigor os SIGspermitem uma ampliação dos mapas a escalas muito gran-des, é possível apontar os locais mais críticos com suasquadras e logradouros. O Mapa 3 mostra um detalhe dasáreas de maior violência do distrito de Cidade Ademar,onde é possível identificar a malha de logradouros. Paraum gestor da área de segurança essa informação é de ex-trema importância, pois lhe permite uma ação localizadae pontual.

Esse exemplo pode ser estendido para outras situaçõesem que haja interesse de investigação de processo e fenô-menos em pequenas escalas, como ocorrem nos projetose pesquisas desenvolvidos pelo CEM. Segundo o que foiafirmado anteriormente, as ferramentas do SIG possibili-tam o cruzamento de informações que se encontram em

MAPA 2

Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das VítimasMunicípio de São Paulo – 1998/20001

Fonte: Fundação Seade (2001).(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.

Homicídios por mil habitantes

Menos de 12

De 12 a 23

23 e mais

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40

Homicídios por mil habitantes

De 23 a 37

De 37 a 50

50 e mais

Av. Cupecê

Cidade Ademar

Av. Yervant Kissajikian

MAPA 4Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas e Setores Censitários muito Vulneráveis

Distrito de Cidade Ademar – 1998/20001

Fonte: Fundação Seade (2001).(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.

MAPA 3Taxa de Homicídios, segundo Local de Residência das Vítimas

Distrito de Cidade Ademar – 1998/20001

Fonte: Fundação Seade (2001).(1) Os dados são acumulados para os anos de 1998 a 2000.

Perímetro prioritário para

implementação de políticas sociais

Av. Cupecê

Av. Yervant Kissajikian

Cidade Ademar

Setores censitários

Vulneráveis

Mancha de homicídios

Mais de 23 homicídios por mil

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O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS

Destaca-se, ainda, que esse conjunto de procedimentossomente é possível se existirem dados desagregados paraa escala local associados às cartografias digitais. Por essemotivo, um dos grandes esforços da Fundação Seade e doCEM concentra-se na preparação dessas bases, tendo emvista que elas não se encontram disponíveis para o usogratuito. Mesmo aquelas existentes em órgãos públicos,como o IBGE, e no mercado apresentam alguns proble-mas de ordem técnica que necessitam ser corrigidos paraas bases serem utilizadas. Assim, dentre desses esforçoshoje realizados pelo Seade no projeto CEM, destacam-se:- a vetorização da malha dos setores censitários da RMSPde 1996 e 2000 (os setores de 2000 foram corrigidos parasua consolidação em uma base única e o problema de pro-jeção geográfica foi corrigido, o que implicou umaredigitalização das bases fornecidas pelo IBGE5);- a correção e redigitalização da malha dos setores censi-tários de 1991 da RMSP (a base fornecida pela Emplasaapresentava inconsistência dos atributos geográficos dospolígonos);- o endereçamento dos equipamentos públicos de saúdee educação na RMSP;- o endereçamento dos locais de residência dos óbitos,segundo a causa de morte no Município de São Paulo;- o endereçamento das empresas (do banco de dados daRais), segundo sua natureza, na RMSP;- a vetorização para a escala metropolitana da base am-biental de suscetibilidade à erosão, escorregamento, as-soreamento e inundação do Projeto Gaia do IPT – Institu-to de Pesquisas Tecnológicas.

Esse esforço tem continuidade com a digitalização dossetores censitários urbanos para o municípios com menosde 25 mil habitantes urbanos e para os setores censitáriosrurais da RMSP (bases não disponibilizadas pelo IBGE);e atualização da base de equipamentos públicos e dosóbitos.

SURVEY E A ANÁLISE ESPACIAL

Como apresentado anteriormente, uma das inovaçõesdo CEM, como Cepid, está no uso de metodologias ino-vadoras na aplicação e na análise de surveys. Além doconteúdo inovador das investigações sobre a metrópole,a proposta do uso das ferramentas de geoprocessamento,tanto na etapa de definição do universo pesquisado, quantona de análise dos resultados, permite uma nova aborda-gem das informações. Isso porque a existência e a possi-

bilidade de manipulação de informações em microáreaspermitem uma melhor escolha e posterior caracterizaçãodesse universo.

Um dos possíveis métodos propiciados pelo uso doSistema de Informações Geográficas é a aplicação de in-vestigações indiretas, como uso, por exemplo, de telefo-nes para realização da pesquisa. Como é viável mapear,por intermédio do georreferenciamento, os endereços dostelefones pesquisados e associar este mapa à base de da-dos coletados, é possível estabelecer quais deles serãoamostrados (a partir de critérios de localização relaciona-dos aos dados socioeconômicos dos setores censitários);observar se nos resultados obtidos ocorrem padrões espa-ciais na distribuição dos eventos; correlacionar esses re-sultados ao banco de dados dos setores censitários; e rea-lizar tratamentos desses dados utilizando as ferramentasde estatísticas espaciais existentes no SIG. Apesar dasrestrições que essa metodologia impõe (como o acesso dapopulação ao telefone), ela permite um barateamento dainvestigação, porque desobriga o trabalho de campo e porisso permite que se aumente a amostra da pesquisa tor-nando-a mais representativa. A Fundação Seade tem seutilizado dessa metodologia em algumas pesquisas e ob-tido bons resultados.

Um outro exemplo do uso das ferramentas do SIG emsurveys é a possibilidade de georreferenciar os procedi-mentos nas pesquisas diretas. No caso, o uso do SIG po-derá facilitar a definição de quem vai ser pesquisado,melhorando a escolha da amostra, porque em vez de utili-zar como unidade de pesquisa, por exemplo, os distritos,pode-se usar uma unidade menor constituída por um con-junto de setores censitários; clarear a abrangência territo-rial da pesquisa (evitando-se os erros comuns da genera-lização dos resultados encontrados para uma área em queela não seria significativa); e observar, na análise dos re-sultados, onde seria possível encontrar padrões espaciaisdos dados e investigar as correlações entre esses padrõese as informações socioeconômicas dos setores censitários.

Existe, porém, um uso potencialmente rico da associa-ção entre surveys e o georreferenciamento, que hoje já podeser realizado na Fundação Seade sem qualquer alteraçãonas metodologias existentes: o da possibilidade de incor-poração de novas informações aos dados coletados empesquisas diretas. Por exemplo, a partir do endereçamentodos domicílios pesquisados é possível acrescentar infor-mações da distância desses domicílios a qualquer outroponto relevante que se queira considerar, como a equipa-mentos públicos, a locais de consumo, ou a pontos de

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ônibus. Ou ainda relacionar as informações coletadas napesquisa com outros dados, como os censitários. Esse tipode técnica permite, sem custos elevados, o enriquecimen-to das informações coletadas no campo, criando novasvariáveis de difícil captação direta que podem auxiliar naexplicação do comportamento desses dados coletadospessoalmente.

Tais procedimentos, além de agregar vantagens e per-mitir a melhora nos resultados dos surveys, apresentam-se como um instigante desafio que começa a ser vencido.

PROJETOS COM INFORMAÇÕES ESPACIAIS

A Fundação Seade já vinha desenvolvendo projetos cujocomponente estruturador era a produção de sistemas deinformações geográficas, que tinham como objetivoinstrumentalizar gestores públicos de uma importante fer-ramenta para sua tomada de decisões. O amadurecimentodesse tipo de demanda na Fundação propiciou a criaçãoda Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais– Digeo e sua capacitação para participar do projeto CEMcomo responsável da área de Transferência de Tecnolo-gia em SIG. Dentre esses projetos envolvendo o desen-volvimento de aplicativos em SIG, destacam-se:- Projeto Priorizando Investimentos em Saneamento –elaborado para a Diretoria de Planejamento da Sabesp,cujo objetivo foi a constituição de uma base de dadosmunicipais georreferenciada, com a agregação das infor-mações por grupos de dados (por meio de análises fatoriais)e a agregação de municípios por aglomerados (análise decluster), segundo suas condições socioeconômicas, desaneamento, demográfica e de saúde. O produto final foia constituição de um relatório e de um sistema de infor-mações geográficas.- Projeto Educação – constituição de uma base de dadosmunicipais para a Secretaria de Educação do Estado deSão Paulo, com informações educacionais e demográfi-cas. O produto final foi a constituição de um relatório ede um sistema de informações geográficas.- Entidades Sociais do Terceiro Setor – mapeamento di-gital das entidades do terceiro setor da zona leste do Mu-nicípio de São Paulo, para o Sebrae.- Entidades Culturais – mapeamento digital das entida-des e instituições que desenvolvem atividades culturais naRegião Metropolitana de São Paulo.- Projeto Atlas Educacional do Estado de São Paulo –constituição de sistema de informações geográficas para

a Secretaria Estadual da Educação, no formato de um atlas,na escala de setores censitários, para 96 municípios doEstado. Cada município contou com um conjunto de 20cartogramas (em papel e em meio digital no formato SIG),em que foram representadas informações de oferta, de-manda e desempenho do sistema público de educação.- Projeto PAC – Programa de Atuação em Cortiços –constituição de um sistema de informações geográficaspara o CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habita-cional e Urbano do Estado de São Paulo, com informa-ções de uso do solo e dos dados dos cortiços levantadosem pesquisas domiciliares, na escala dos lotes. Para tan-to, formam digitalizados mais de 50 mil polígonos cor-respondentes aos lotes dos setores de atuação do progra-ma. Foi construído um aplicativo de SIG livre por meioda plataforma TerraView,6 com as bases do PAC.- Projeto Fábrica de Cultura – elaboração de mapas di-gitais para a Secretaria de Cultura do Estado de São Pau-lo, com a definição de áreas prioritárias de implementa-ção do programa Fábricas de Cultura, no Município deSão Paulo.- Projeto União de Vila Nova/Vila Nair – constituiçãode um sistema de informações geográficas para o Projetode Intervenção na Várzea do Rio Tietê, da CDHU, cominformações do levantamento socioeconômico nos domi-cílios da favela. Para isso, mantém digitalizados mais de5 mil polígonos correspondentes aos lotes, com a agrega-ção do banco de dados da pesquisa. Foram elaborados 17mapas temáticos com as informações mais relevantes dessebanco. À semelhança com o PAC, foi construído umaplicativo de SIG livre por meio da plataforma TerraView,com as bases do projeto.

A esses projetos desenvolvidos pela Fundação Seade,somam-se aqueles realizados diretamente pela equipe degeoprocessamento do CEM e que tiveram apoio da equi-pe da Digeo. Nesse caso, foram realizados mais oito pro-jetos para as prefeituras de Guarulhos (Secretaria da Edu-cação), Embu (Secretaria da Educação), prefeitura de SãoPaulo (Secretarias da Educação, Assistência Social, Ha-bitação e de Governo) e Emurb – Empresa Municipalde Urbanização da Prefeitura do Município de São Paulo.O perfil desses projetos foi a constituição de basesgeorrefenciadas de informações administrativas, adigitalização de bases cartográficas (base de favelas doMunicípio de São Paulo), o apoio ao Ressolo (da Sehab)na digitalização da base de loteamentos irregulares doMunicípio de São Paulo e a elaboração de aplicativos de

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O ESTUDO DA METRÓPOLE E O USO DE INFORMAÇÕES GEORREFERENCIADAS

SIG livre, por meio da plataforma TerraView, com as ba-ses de dados dos projetos.

DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS

Duas ordens de desafios se colocam para os próximosanos de participação da Fundação Seade no desenvolvi-mento do CEM. O primeiro refere-se à constituição debases de imagens orbitais de alta resolução para realiza-ção de análises urbanísticas e ambientais. Essa tarefa sedará com a participação da Fundação Seade no esforçoque o Governo do Estado de São Paulo vem desenvolven-do para a constituição de um banco de dados único deimagens orbitais que hoje encontram-se dispersas por vá-rios órgãos estaduais.

A aplicação no CEM vincula-se ao seu uso como ins-trumento de análise espacial para a definição de açõeslocais e como suporte para o mapeamento de componen-tes ambientais relevantes para a tomada de decisões. Doisexemplos de aplicação da análise espacial por imagens po-dem ser dados. Um foi a experiência das equipes do Seadee do CEM no uso de imagens para a indicação de áreasprioritárias para a construção de escolas para a prefeiturade Guarulhos. Sobrepostas às informações socioeconômi-cas, foram plotadas imagens das áreas mais críticas comrelação à necessidade de equipamentos de educação, queauxiliaram na busca de terrenos para a edificação das es-colas e para o estudo da acessibilidade às áreas munici-pais onde elas poderiam ser construídas. O outro exem-plo refere-se ao potencial uso das imagens para o estudoambiental de locais com indicadores sociais críticos, am-pliando o conceito de risco social para o de “riscossocioambientais”, como pode ser o caso das áreas de pro-teção ambiental e de mananciais, de inundações e escor-regamentos, associadas a favelas e loteamentos irregula-res.7

A segunda ordem de desafios refere-se ao desenvolvi-mento de aplicações das estatísticas espaciais para análi-ses socioeconômicas. A lógica matemática dos algoritmosque tratam das estatísticas por atributos espaciais traba-lha com o conceito de que a localização dos eventos noespaço explica seus atributos, e aqueles outros eventos queestão em seu entorno possuem características semelhan-tes à sua. A diferenciação dessas características dá-se peloaumento da distância. Do ponto de vista geográfico essalógica é clara, pois a altitude de um determinado objetodeve ser muito semelhante à de um vizinho próximo; omesmo também deve acontecer com a temperatura, a pres-

são atmosférica, a ocorrência mineral, o solo e até com acobertura vegetal. Contudo, dificilmente essa lógica podese reproduzir para fenômenos sociais, com exceção da áreade saúde (o contato entre pessoas produz um efeitoepidemiológico dos eventos), porque os processos socio-econômicos e culturais possuem uma espacialidade queindepende da sua condição topológica (a influência dosvizinhos é menos importante na determinação do compor-tamento de seus atributos). O uso das estatísticas espa-ciais no tratamento de dados socioeconômicos, porém,servem mais para mitigar o efeito ecológico da rigidez daorganização dos dados em unidades administrativas (con-forme visto no Mapa 1) e menos para a imputação de da-dos, como ocorre para os fenômenos da natureza. Esseuso mais “simples” das estatísticas espaciais (como naanálise de superfícies e de vizinhança) tem auxiliado so-bremaneira nos tipos de representação dos eventos anali-sados. Um exemplo disso são os Mapas 2 e 3, nos quaisfoi aplicada a técnica de análise de superfície, que pro-porciona a visualização da hierarquização da ocorrênciade eventos.

Existe ainda um outro campo de desafios no uso dasestatísticas espaciais que se refere à criação de indicado-res em microáreas. Se as metodologias de construção detaxas estão consolidadas quando há um grande número deeventos e quando o denominador utilizado é aceito uni-versalmente (uma população qualquer), elas não existemquando os dados são em menor volume (como ocorre naescala dos setores censitários). Alguns estudos já realiza-dos na Fundação Seade mostram que o cálculo das taxasde homicídio por setores censitários tem resultados nãomuito satisfatórios, porque sua variabilidade é muito gran-de. Algumas alternativas estudadas indicam que a melhorsolução é a agregação de setores, que pode-se dar de vá-rias formas, dependendo do estudo feito. Isso indica, aocontrário do que ocorria anteriormente com o uso das fer-ramentas do SIG, que se pode ter várias taxas de homicí-dio, conforme o olhar que se lance sobre o tema. Mas ofato é que essas metodologias ainda devem ser aprimora-das, pois as aparentes soluções para o efeito ecológico do“grande número” (Souza, 2000) podem se transformar emum outro problema.

NOTAS

1. A Fundação Seade também participa como colaboradora no projetoEstudos do Trabalho; para mais informações consultar o site do CEM<www.centrodametropole.org.br>.

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2. Existem inúmeros estudos que utilizam o conceito de divisão terri-torial do trabalho, mas ao discutir a diversidade regional do Brasil rei-teram as unidades macrorregionais hoje existentes, sob a alegação deque os dados disponíveis somente existem para tais unidades (mesmoquando se voltam para unidades intraestaduais, o que prevalece são asMeso e Microrregiões homogêneas – um conceito de região oriundoda “Escola Francesa”, marcadamente fisiográfico).

3. Como ocorria quando se desejava, por exemplo, criar algum tipo deindicador de saúde, porque as unidades de saúde possuíam uma áreaque não correspondia à dos distritos censitários, ou seja, não era pos-sível o estabelecimento de um denominador.

4. Ver informações no site do CEM: <www.centrodametropole.org.br>.

5. O IBGE teve papel fundamental no processo de digitalização e cor-reção das bases dos setores censitários de 1996 e 2000, pois possibili-tou o acesso aos arquivos de mapas em papel dos setores de 1996 eforneceu a base digital da malha de setores censitários de 2000, assimcomo de seu banco de dados.

6. Aplicativo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE<www.inpe.dpi.br>.

7. Os primeiros estudos avaliando a situação ambiental das porçõesmais pobres do Município de São Paulo já começaram, com o cruza-mento dos dados da condição socioeconômica dos setores censitários,das favelas mapeadas pelo CEM e dos loteamentos irregularesdigitalizados pelo Ressolo, com os dados do mapa de suscetibilidadedo Projeto Gaia.

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TORRES, H. G. Social policies for the urban poor: the role of populationinformation systems. Mexico city: UNFPA Country Support Teamfor Latin America and Caribbean. Working Papers Series, n.24,2002.

GUSTAVO DE OLIVEIRA COELHO DE SOUZA: Sociólogo e Geógrafo,chefe da Divisão de Geoprocessamento e Estatísticas Espaciais da Fun-dação Seade, Professor do Departamento de Geografia da PUC-SP([email protected]).

HAROLDO DA GAMA TORRES: Demógrafo, Coordenador do Núcleo deGeoprocessamento e Informações do Centro de Estudos da Metrópole,Consultor da Fundação Seade ([email protected]).

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ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS

T

ANUÁRIOS ESTATÍSTICOSretratos de diferentes épocas

Resumo: As estatísticas, como forma de tradução de fenômenos que o homem deseja conhecer, e os anuários,enquanto instrumentos para sua disseminação, são hoje de utilização corriqueira, sendo que muitos desconhe-cem o longo caminho percorrido para que se chegasse até eles. Este artigo discute a relação entre estatística,informação e conhecimento e apresenta um breve histórico da produção das estatísticas e dos anuários, emparticular, do Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, desde sua criação, passando pelas transformaçõesque sofreu, até seu formato atual.Palavras-chave: anuários estatísticos; informações estatísticas; disseminação.

Abstract: Statistics, as a translation of phenomena under study, and almanacs, as instruments for theirdissemination, are today widely used, although many are unaware of the long process involved in theirpreparation. This article discusses the relationship between statistics, information and knowledge, and presentsa brief history of the production of statistics and almanacs, particularly the Statistical Almanac of the State ofSão Paulo, tracing it back from its beginnings, through its many transformation, and up to its current format.Key words: statistical almanacs; statistical information; dissemination.

OSVALDO GUIZZARDI FILHO

ZILDA PEREIRA DA SILVA

ILMA EDNA PEREIRA SIDNEY

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 45-54, 2003

odo pesquisador acostumado a utilizar infor-mações estatísticas, certamente, tem como pri-meira referência para seus levantamentos uma

ESTATÍSTICA, INFORMAÇÃO ECONHECIMENTO

A informação pode ser definida como o insumo funda-mental do conhecimento. O homem, ao longo de sua vida,com base nas informações que recebe em seu dia-a-dia,apoiado na experiência das gerações que o precederam eque lhe é transmitida na convivência cotidiana com a fa-mília, a escola, o trabalho, constrói algo absolutamenteseu, individual – o conhecimento –, que lhe permite agir etransformar, de alguma forma, as condições que o rodeiam.A informação, de acordo com Barreto (1994:3), “quandoadequadamente assimilada, produz conhecimento, modi-fica o estoque mental de informações do indivíduo e trazbenefícios ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimentoda sociedade em que ele vive. Assim, como agente media-dor na produção do conhecimento, a informação qualifi-ca-se, em forma e substância, como estruturas significantes

publicação: os anuários estatísticos. Com informações sobreum tema ou um determinado espaço geográfico, eles são,sem dúvida, os meios de divulgação mais tradicionais dasagências produtoras de estatísticas, apresentando coletâneasde dados em tabelas, gráficos e mapas que facilitam emmuito o trabalho dos pesquisadores, principalmentedaqueles que se iniciam na utilização dos números comorepresentação do mundo. As estatísticas, como forma detradução de fenômenos que o homem deseja conhecer, eos anuários, enquanto instrumentos para sua disseminação,são hoje de utilização corriqueira, e muitos desconhecemo longo caminho percorrido para que se chegasse até eles.É tal caminho que este artigo pretende explorar, com umolhar especial para o Anuário Estatístico do Estado de SãoPaulo.

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com a competência de gerar conhecimento para o indiví-duo e seu grupo.”

Depois da invenção da imprensa por Gutemberg, noséculo XV, e com o progresso técnico observado desdeentão, o registro e a circulação do conhecimento produzi-do sobre as mais diferentes áreas cresceram exponen-cialmente. Numa espécie de espiral que vai continuamen-te se ampliando, um número crescente de pessoas temacesso a cada vez mais informações, o que resulta na cria-ção de novo conhecimento: é o que Wersig (1993:231)chama de despersonalização do conhecimento, fruto dodesenvolvimento das tecnologias de comunicação.

Nos tempos recentes, com as novas tecnologias de co-municação e informação, com a capacidade que possui ohomem de acessar e processar um volume sempre cres-cente de informações, existem condições para que o co-nhecimento possa ser incrementado de forma cada vez maisacelerada. Esta expansão quase que ilimitada na oferta deinformações, que chega a todos de maneira incessante pelosmais diferentes meios, coloca uma questão, já que a pro-dução do conhecimento não está diretamente associada àquantidade de informação disponível. É preciso que se se-lecionem, neste manancial, aquelas informações verdadei-ramente relevantes para o trabalho que se realiza. Con-forme afirma Sfez (1996:6), “todos os pesquisadoressabem: a coleta de documentos não é senão uma etapaembrionária do trabalho de organização que se lhe segue.A organização, sim, pode dar acesso a um determinadoconhecimento sobre o assunto”.

Com todas estas transformações, a informação e o co-nhecimento que dela resulta passaram a ser recursos pre-ciosos para o desenvolvimento de indivíduos, organiza-ções e nações, demarcando suas possibilidades de inserçãonum mundo cada vez mais competitivo. A expressão “eco-nomia baseada no conhecimento” é bastante utilizada hojepara identificar aqueles que se aproveitam do desenvolvi-mento do conhecimento, da ciência e da tecnologia, re-sultados que dependem do valor e da qualidade de inves-timentos realizados em áreas estratégicas como educaçãoe pesquisa e desenvolvimento.

No processo de geração do conhecimento, as estatísticassão um tipo muito especial de informação, pois elaboradasem centros especializados, buscam representar, através denúmeros, aspectos do mundo que se quer conhecer: a popu-lação por sexo e grau de instrução; o número de empresas; aprodução e o pessoal ocupado em determinados setores daeconomia; os alunos matriculados por faixa etária num nívelde ensino; a renda de uma determinada região; etc. Através

destas representações, que traduzem em números realidadescomplexas, compostas por quantidades enormes de indiví-duos,1 governos, empresas, cientistas sociais, sindicatos e or-ganizações não-governamentais podem planejar e controlarsuas atividades, ou conhecer aspectos determinados da vidaem sociedade que são objeto de sua atenção. A produçãodestas sínteses só é possível, no entanto, se, em algum mo-mento, for realizado um contato direto com os indivíduosque compõem os grupos que se quer estudar, sejam eles, porexemplo, a população, sejam empresas que atuam numa de-terminada atividade, operação esta que é realizada pelas or-ganizações produtoras de estatística através de suas pesqui-sas e levantamentos.

Produção de Estatísticas: Breve História

O termo estatística tem sua origem no alemão Statistike foi utilizado pela primeira vez pelo professor GottfriedAchenwall, em 1749 (Senra, 1998:10). De acordo com esteautor, a estatística “era, a essa época, considerada como aciência do Estado ou como a ciência que se referia aoEstado. Mais precisamente, referia-se aos acontecimen-tos tidos como memoráveis ao entendimento de um Esta-do, descrevendo-se seu território e sua população, com-pondo assim referências a amparar a ação de seusdirigentes. Inventariando os recursos e as forças de umEstado, oferecia-se em documentos como espelho do prín-cipe, tomando-se o príncipe como a própria encarnaçãodo Estado. Semelhante aos trabalhos dos geógrafos e his-toriadores, nesses documentos os números não são pre-dominantes, seja por não estarem sistematicamente dis-poníveis, seja também por não serem consideradosessenciais a uma boa explanação, o que significa dizer que,ao tempo que chamaríamos de sua proto-história, as esta-tísticas não estavam necessariamente associadas aos nú-meros, sendo não raro descritivas e mesmo algo literárias”.

Os números só passaram a ser identificados com a pro-dução de estatísticas com o incremento do comércio e opapel cada vez mais ativo dos Estados no controle da pro-dução e da circulação de mercadorias, que colocaram anecessidade de se dispor de informações para o controledos processos econômicos e sociais associados à geraçãoda riqueza. Aquelas que são consideradas as primeiraspesquisas estatísticas foram realizadas no século XVII, naInglaterra, tomando como base os registros de nascimen-tos e mortes. O primeiro Departamento de EstatísticasOficiais foi criado em 1695, também na Inglaterra, paracontabilizar as quantidades e os valores das mercadorias

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ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS

comercializadas (Porcaro, 2000:70-71). Nestes primórdiose durante muito tempo ainda, a fonte primeira das estatís-ticas eram os chamados registros administrativos, manti-dos por empresas, para o controle de seus negócios, e porgovernos, para monitorar a população ou a arrecadaçãode impostos. Até hoje, o registro civil constitui importan-te fonte para o acompanhamento do crescimento vegetativoda população, ou de suas causas de morte.

A partir da segunda metade do século XIX, ocorreu acriação de uma série de organismos produtores de esta-tísticas, se bem que nem sempre suas existências tenhamsido longas. No Brasil, ainda no Império, em 1871, foiinstituída a Diretoria Geral de Estatística, antecessora daatual Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica – IBGE, criada em 1936 com o nome de InstitutoNacional de Estatística. Logo no ano seguinte, em 1872,realizou-se o primeiro censo demográfico brasileiro(Guizzardi Filho; Conti, 2001:45). No Estado de SãoPaulo, a Repartição de Estatística e Arquivo, predecessorada Fundação Seade, iniciou suas atividades em 1892. Em1894, o diretor da Repartição apresentou ao secretário dosNegócios do Interior o Relatorio do Anno de 1893,considerado o primeiro Anuário Estatístico do Estado. Estetrabalho trazia, entre outras informações, o movimento deentrada e saída de imigrantes, o número de nascimentos eóbitos, o movimento dos hospitais e casas de saúde, omovimento das bibliotecas e a população da capital por cor,sexo e estado civil. Sua introdução informa a apuração de“milhares de mappas da população da ex-provincia de S.Paulo, nos tempos coloniaes, desde meiado do seculo pas-sado até a epoca da nossa independencia”, além da realização,em 1893, de um “recenseamento da população, casas e ruasda capital, que mostrasse com alguma exactidão não sómenteo total dos seus habitantes, como também a sua densidadenos diversos bairros e freguesias”. Este recenseamento foirealizado em período de estado de sítio, declarado em razãode ter-se iniciado, em 6 de setembro de 1893, uma revolta departe da marinha brasileira. Estão enunciadas nesta introduçãoduas das atribuições básicas de um organismo de estatísticas:a pesquisa e a organização da informação.

No que diz respeito à produção da informação, osregistros administrativos foram sendo substituídos pelaspesquisas primárias como principal fonte de dados dasorganizações nacionais de estatísticas. Estas pesquisas ga-nharam impulso acentuado com o desenvolvimento dastécnicas de amostragem, permitindo a coleta de dados emmenores períodos de tempo, com custos também inferiores.Estes avanços ocorreram principalmente depois da Se-

gunda Guerra Mundial, quando o planejamento deixou deser visto como técnica exclusiva dos países do blocosocialista, impondo-se, num primeiro momento, comonecessidade para a reconstrução das economias atingidaspor aquele conflito. Nos anos que se seguiram, a práticado planejamento disseminou-se, assim como a demandapor informações que o tornassem possível, o que criou ascondições para a afirmação das organizações produtorasde estatísticas e a ampliação de seus quadros técnicos edo espectro de pesquisas a que se dedicavam.

Ao longo deste caminho, foram criadas instituições depesquisa especializadas em todos os processos associadosà produção e à disseminação de informações, os quaispressupõem um trabalho permanente de organização. Estesprocessos desenvolvem-se, permanentemente, através dainteração entre as organizações e os pesquisadores que sededicam a esta produção, intercambiando informações eformando quadros com um tipo de conhecimento bastanteespecífico, dificilmente encontrado em outros tipos deorganização, o que é característico dos centros especiali-zados em pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento.

ORGANIZAÇÃO, PRODUÇÃO EDISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO

A decisão sobre a produção de informações estatísti-cas não resulta de um processo linear, totalmente técnico.Ela é o efeito de interações, conflitos e interesses que semanifestam ao longo de uma cadeia de relações que en-volvem todos os agentes associados direta ou indiretamentea esta produção, como os governos que a financiam, asinstituições e pessoas que demandam os dados e os pes-quisadores das mais diversas formações envolvidos noslevantamentos. Ela pode ter seu início quando um deter-minado agente desta cadeia de relações manifesta a ne-cessidade do conhecimento de certos aspectos da vidaeconômica e social, ou quando a própria instituição seantecipa a esta demanda, ao perceber a emergência de al-guns eventos cujas dimensões precisam ser mais bem co-nhecidas. Numa relação que se torna cada vez mais extre-mamente dinâmica, os centros de produção de estatísticassão instados a produzir informações sobre questões sem-pre novas, que vão resultando das transformações perma-nentes por que passa a sociedade. Decididas quais delasserão objeto de estudo, parte-se para a definição de umasérie de procedimentos, como a demarcação da popula-ção que será objeto da pesquisa, o tipo de levantamentoque será realizado – censitário ou amostral –, a definição

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das categorias em que serão classificados os indivíduospesquisados e a conceituação das características ou resul-tados que serão levantados. Hoje, já existe extensa biblio-grafia originada em centros de pesquisa de atuaçãointernacional voltada para a disseminação destas classifi-cações e conceitos, de modo que se disponha de estatísti-cas comparáveis no tempo e no espaço. Porém, sempre énecessário um trabalho de adequação destas classificaçõese conceitos às diferentes realidades locais. Um exemplodeste trabalho é aquele realizado pelo IBGE, através daComissão Nacional de Classificação – Concla, para a pro-dução da Classificação Nacional de Atividades Econômi-cas – CNAE, baseada na International Standard Indus-trial Classification of All Economic Activities – ISIC, 3a

revisão, das Nações Unidas, que teve sua primeira versãodivulgada no final de 1994. Este trabalho acabou por terdesdobramentos, com a criação da CNAE – Fiscal, quehoje já está sendo utilizada por uma série de órgãos dastrês esferas de governo para a identificação das institui-ções que constam de seus cadastros, unificação que abreperspectivas bastante promissoras para a produção de es-tatísticas a partir dos registros mantidos por estes órgãos.

A clareza nestas definições é fundamental, sendo ne-cessária sua disseminação entre as equipes que vão apli-car a pesquisa em campo, normalmente compostas por in-divíduos das mais diferentes formações e experiências.Elas precisam ser compreensíveis também para os que vãoresponder aos levantamentos, sem o que será muito difí-cil a produção de resultados que possam ser agregados ecomparados, bem como para os que vão utilizar as infor-mações coletadas: os recortes feitos, as limitações dosdados em razão destes recortes e as mudanças por que elespassam ao longo do tempo precisam ser explicitados, paraque os usuários não cheguem a conclusões equivocadas apartir das informações consultadas – efeito inverso ao queseria esperado delas, que é a produção de conhecimento.

Recebidos estes resultados e verificada sua qualidade,tem início um processo que, para Latour (2000), corres-ponde à elaboração de inscrições sucessivas, que vão re-finando os primeiros números coletados e extraindo delesas informações. A partir, por exemplo, da idade ou do nívelde ensino informados pelas pessoas no censo demográfico,da receita e do pessoal ocupado das empresas que respon-deram uma pesquisa econômica, das doenças que levarampacientes à internação e que são registradas nos hospitais,são delimitados conjuntos que, expressos em números,fornecerão as informações necessárias ao trabalho dosdiferentes analistas.

Afirmou-se, anteriormente, que os registros adminis-trativos foram sendo abandonados como fonte de infor-mações estatísticas, à medida que se desenvolveram aspesquisas primárias. Este abandono, no entanto, não foitotal. Continua-se levantando apontamentos feitos pelosmais diferentes tipos de organizações, e que podem for-necer informações importantes sobre um número abran-gente de áreas de estudo, tendo papel significativo para oconhecimento do que ocorre nos municípios, principal-mente no que diz respeito à economia, já que, desde 1985,o IBGE não realiza mais os censos industriais, comerciaise de serviços. Estes registros são também importantes paraa definição e o acompanhamento da realização de políti-cas públicas em áreas estratégicas como saúde, educaçãoe saneamento básico.

A geração de estatísticas a partir destes registros, quenão foram elaborados originalmente com este fim, exigea implantação de uma série de procedimentos. O primeirodeles refere-se ao estabelecimento das relações institu-cionais que garantirão o fornecimento regular dos dados,o que exige a construção de uma relação de confiança entreas partes, garantindo a manutenção do fluxo de informa-ções e de sua qualidade. Normalmente, nas verificaçõesdos dados recebidos que as organizações produtoras deestatísticas realizam, constatam-se inconsistências que sãoreportadas às fontes, exigindo, muitas vezes, checagensdas informações que não seriam necessárias caso seu usose limitasse aos fins para os quais elas foram elaboradas.Estes processos, freqüentemente, ocorrem mais de umavez, demandando a alocação de recursos humanos e ma-teriais que, na maioria das vezes, são escassos e não fo-ram previstos para a produção de informações estatísti-cas. Há que se tecer neste trabalho, necessariamente,relações institucionais em que se evidencie a importânciadas informações que dele resultam, e que vão servir a umnúmero muito mais amplo de usuários do que os normal-mente previstos quando se estabeleceu a necessidade daelaboração daqueles registros.

Levantados os dados oriundos das pesquisas e dos re-gistros administrativos, uma outra tarefa se impõe: suaorganização em bases que possibilitem o processamentodas inscrições de ordens sucessivas referidas anteriormen-te, e sua disseminação, objetivo que deve basear as açõesde instituições que trabalham com a produção de infor-mações e que vai muito além do tornar disponíveis osdados. Para que esta disseminação tenha sucesso, é preci-so que se considerem as diferenças de grupos de origem,de formação e de conhecimento existentes entre os usuá-

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ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS

rios que utilizam as informações, o que vai requerer es-forços para a definição de produtos diferenciados para oatendimento das demandas destes grupos. O desenvolvi-mento das tecnologias de comunicação e informação es-tabeleceu um novo patamar para a formulação destas de-mandas e para as possibilidades de respostas que a elaspodem ser dadas. Dispõe-se agora de recursos e ferramen-tas para a disseminação, como a Internet e bases de dadosem CDs, que colocam possibilidades quase ilimitadas deacesso e utilização das informações. Existem também ins-trumentos para seu armazenamento e processamento quefornecem aos usuários um grau de liberdade para o manu-seio dos dados inimaginável até bem pouco tempo, o quecontribui para que estes realizem exigências de informa-ções também difíceis de se prever há alguns anos.

Ao longo da história das instituições produtoras de es-tatística, os anuários são uma da formas que expressamsua organização para a geração, armazenamento e disse-minação de informações. São também um retrato de dife-rentes épocas, com suas distintas maneiras de enxergar ecategorizar o mundo, que são expressas pelas estatísticas.

OS ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS

Os anuários podem ser considerados o produto de dis-seminação mais tradicional das organizações produtorasde estatísticas, pensados para fornecer ao público umaseleção da ampla variedade de informações que elas, otempo todo, coletam, processam e analisam.

Segundo Senra (1997:1), existem referências sobre aedição de anuários estatísticos já nos séculos XVII e XVIII,quando as estatísticas ainda eram encaradas como segre-dos de Estado. Mas é a partir do século XIX, sob a égidedo liberalismo e com a afirmação da ciência como instru-mento privilegiado para o conhecimento do mundo, que aprodução de estatísticas cresce significativamente, expan-são acompanhada pela divulgação ampla dos dados empublicações cada vez mais parecidas com os atuais anuá-rios. Já foi feita referência, neste artigo, ao relatório apre-sentado em 1894, pela Repartição de Estatística e Arqui-vo do Estado de São Paulo, para o secretário dos Negóciosdo Interior, considerado o precursor dos anuários estatís-ticos paulistas. Aquela repartição os publicou até o anode 1929, quando a série foi interrompida. O Anuário Es-tatístico do Estado de São Paulo voltou a ser impressoem 1940, sob a responsabilidade do Departamento Esta-dual de Estatística, criado em 1938, que os produziu até1947, quando a publicação foi novamente suspensa: o

departamento foi extinto pela Lei no 185, de 13 de novem-bro de 1948, cujo artigo 42 autorizou o governo estaduala contratar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-ca para a apuração dos dados estatísticos que interessas-sem ao Estado.

Em 1953, quando o órgão estadual foi reinstalado, como nome de Departamento de Estatística do Estado – deno-minação que se manteria até 1978, ano de criação da Fun-dação Seade –, editou-se o anuário de 1950. Em sua in-trodução, chamada de “Nota Prévia”, este anuário informa:“desconhecidos que ficaram desde 1946 os resultados doslevantamentos efetuados, devido à interrupção das ativi-dades do nosso Departamento de 1948 a 1950, preocu-pou-nos agora a apresentação do maior repertório possí-vel de informações relativas aos 369 municípios, porconsiderarmos que o balanço numérico dessas células deveser focalizado com minuciosidades tais, que possibilitemas comparações da situação de cada uma delas em rela-ção às demais” (Departamento de Estatística do Estado,1950: vii).

A publicação voltou a ser interrompida entre 1952 e1954, sendo novamente impressa entre 1955 e 1963 e noperíodo 1966-1973. A edição seguinte, de 1979, já foiproduzida pela Fundação Seade.

O primeiro Anuário Estatístico do Brasil, dividido emtrês volumes, teve sua publicação iniciada em 1916, comdados referentes ao período 1908-12. Foi elaborado pelaDiretoria Geral de Estatística, órgão vinculado ao Minis-tério da Agricultura, Indústria e Comércio. A série foisuspensa de 1913 a 1935, retornando o anuário com in-formações para 1936, já sob a responsabilidade do Insti-tuto Nacional de Estatística que, em janeiro de 1938, pas-sou a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística. Para que se tenha uma idéia da importânciaque tinha o anuário como instrumento de divulgação dasinformações produzidas, logo na segunda página destaedição consta uma cópia do artigo 17, do Decreto no 24.609de 6 de julho de 1934, que criou o instituto e que determi-nava: “Como obrigação essencial do Instituto e sob a res-ponsabilidade direta da Diretoria de Estatística Geral e,solidariamente, da Junta Executiva, fica assentada, demodo expresso, a da publicação regular e uniforme da sériedos anuários estatísticos do Brasil”.

Embora hoje, com o desenvolvimento das tecnologiasde informação e comunicação, que potencializaram emmuito as possibilidades de disseminação das informações,os anuários tenham perdido importância como ferramen-ta para este fim, eles continuam a ter relevância por uma

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série de razões. Como já foi dito, eles sintetizam a produ-ção das organizações de estatística, servindo como pre-ciosa obra de referência para os pesquisadores, principal-mente quando existe a preocupação dos que elaboram osanuários de orientar os leitores, indicando quais são as ou-tras possibilidades de obtenção de informações de que elespodem dispor, e que não estão cobertas pelos anuários,em função de seus papéis de síntese de uma produção.Como afirma Senra (1997: 2), os anuários servem comoum guia, um “catálogo não apenas do conjunto seleciona-do de informações estatísticas nele divulgadas, mas antesde todo o sistema estatístico que lhe é subjacente, confor-me visto anteriormente. Para tanto será preciso que o anuá-rio seja equilibradamente organizado, a um só tempo ex-plicando a lógica de seu conteúdo, reportando-se ao seutodo maior, bem como explicando as razões das ausên-cias praticadas, que se há de crer conscientes, antes queinconscientes”.

Os anuários exercem também um papel importantecomo documentos reveladores das mudanças que ocorremnas organizações de estatísticas ao longo do tempo, doponto de vista da riqueza e da organização de sua produ-ção e da preocupação em fornecer aos pesquisadores oselementos necessários para que eles se situem entre a enor-me quantidade de dados divulgados, extraindo deles asinformações de que necessitam. Exercem ainda um outropapel, talvez mais significativo que o anterior, ao forne-cer pistas para o conhecimento das modificações por quepassa a sociedade ao longo do tempo do ponto de vista desua organização e de suas dinâmicas econômica e social,e das maneiras utilizadas para recortá-la, categorizá-la –para compreendê-la, enfim –, que são produtos destes di-ferentes momentos.

No Annuario Estatistico de São Paulo de 1902, porexemplo, os eleitores são classificados de acordo com asseguintes profissões: agricultores, artistas, clérigos, comer-ciantes, empregados públicos, industriais, jornalistas, le-trados, militares e operários. Observados os números re-ferentes aos casamentos, fica-se sabendo que, aos cônjuges,poderiam ser associados dois estados civis anteriores aoenlace: solteiro ou viúvo. A produção era classificada emtrês grandes grupos: agrícola, extrativa e zootécnica, sen-do que a agrícola era detalhada nos seguintes produtos:aguardente, algodão, arroz, açúcar, café, feijão, milho,tabaco e vinho. No porto de Santos carregavam e descar-regavam mercadorias de dois tipos de embarcações: va-pores e navios à vela. Já os municípios eram financiadospor receitas como o imposto de indústrias e profissões, o

imposto sobre café saído do município, as rendas do ce-mitério, do matadouro e do mercado.

O ANUÁRIO ESTATÍSTICO A PARTIR DACRIAÇÃO DA FUNDAÇÃO SEADE

Conforme colocado anteriormente, as transformaçõespor que passam os anuários revelam as potencialidades elimitações dos sistemas estatísticos que estão sendo sin-tetizados. Isso está claramente refletido nas diversas fa-ses da história do Anuário Estatístico do Estado de SãoPaulo, das quais destaca-se, a seguir, aquela ocorrida apósa criação da Fundação Seade.

Com sua edição interrompida em 1973, foi só a partirda criação da Fundação, em dezembro de 1978, que oAnuário Estatístico voltou a ser produzido de forma regu-lar e ininterrupta até os dias de hoje.

O Anuário 1979 teve o mérito de preencher a lacunaexistente na divulgação das estatísticas relevantes sobreo Estado, com apresentação de séries históricas para re-cuperar informações do período em que ficou sem sereditado. Nessa edição, ampliaram-se de forma significa-tiva os assuntos abordados até então, substituindo a orga-nização por temas abrangentes do Anuário 1973 (situa-ção econômica, social, cultural e administrativa e política)por um enfoque setorial. Os dados foram organizados em20 capítulos temáticos: Brasil e Estado de São Paulo –Indicadores Comparados, Caracterização do Território,Contabilidade Social, Demografia, Saúde, Saneamento,Emprego, Educação, Cultos Religiosos, Justiça e Segu-rança, Agropecuária, Indústria, Construção Civil, Comér-cio e Serviços, Comércio Exterior, Mercado Financeiro,Transportes e Comunicações e Energia, Preços, FinançasPúblicas e Renda.

O leque de temas cobertos por um anuário reflete oconhecimento de determinada realidade, como já foi abor-dado anteriormente: ao longo do tempo, algumas áreasperdem relevância, enquanto novas surgem ou ganhamoutro significado. No Anuário de 1973, havia um capítu-lo intitulado Silvicultura, que deixou de ser publicado eque continha, entre outros, dados agrupados no tema Abatede Árvores, com números da produção de lenha, madeirae carvão. Parte desses dados foi incorporada, como se-ção, ao atual capítulo Agricultura, que abrange um con-junto mais amplo de áreas do setor primário da economia,como produção da terra, produção vegetal e produção ani-mal. Por outro lado, na década de 90, foi incorporado ocapítulo Meio Ambiente, abordando aspectos geográficos

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ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS

relevantes do ponto de vista da qualidade ambiental e daatuação da administração pública para disciplinar as di-versas formas de intervenção no meio físico, com dados,por exemplo, de processos de Estudos e Relatórios deImpacto Ambiental (EIA/Rima).

Ao longo desses últimos 24 anos, a maior parte do con-junto de temas abordados no Anuário de São Paulo man-teve-se constante. Foram introduzidos novos capítulos einformações e retirados dos outros poucos, o que, na maio-ria das vezes, deveu-se à falta de dados por perda de im-portância da temática, como cultos religiosos, ou à difi-culdade de acesso às informações, decorrentes, porexemplo, da concessão ao setor privado dos serviços detransportes, energia e comunicações. No caso particularde energia e comunicações, isso se refletiu na ausência deinformações municipais.2

Assim, o último Anuário Estatístico divulgado (2001)está organizado nos seguintes capítulos: Caracterizaçãodo Território; Demografia; Saúde; Saneamento; Meio Am-biente; Habitação; Educação; Cultura; Justiça e Segurança;Previdência; Emprego; Contas Nacionais/Regionais; Agri-cultura; Indústria; Comércio; Energia; Transportes; Sis-tema Financeiro; Comércio Exterior e Finanças Públicas.

O primeiro Anuário publicado após a criação da Funda-ção Seade apresentava também um formato editorial muitodiverso do que ele tem hoje. Foi a partir da edição de 1980que começou a tomar corpo o formato atual, com a defini-ção de um padrão editorial e gráfico que, na sua essência,perdura até agora. Nessa edição, foram incorporados tex-tos introdutórios geral e específicos de cada capítulo, comapresentação sobre o conteúdo e a organização dos capítu-los, além de alguns conceitos e notas metodológicas. A apre-sentação tabular foi redefinida, a partir da criação de umpadrão baseado nas normas do IBGE, e o item Convençõese Critérios Utilizados foi ampliado, fornecendo informa-ções mais claras para auxílio aos usuários.

Nos anos 80, o Anuário ocupava a posição de publica-ção mais importante da Fundação Seade e era o principalmeio de disseminação das informações sobre o Estado.Visando seu aperfeiçoamento, iniciou-se, em 1988, umprocesso de avaliação que seria retomado no começo dosanos 90, revertendo no aprimoramento das edições de1991, 1992 e 1993.

Avaliações Realizadas e seus Resultados

Em 1988, foi criado um grupo que envolveu técnicosde diversas áreas da Fundação, com objetivo de elaborar

um novo projeto para o Anuário. Como resultado destetrabalho, produziu-se um exaustivo diagnóstico, que pro-pôs diversas sugestões gerais e específicas para cada ca-pítulo, que poderiam ser implementadas em curto e mé-dio prazos, compreendendo: organização geral do Anuário;adoção da nova organização político-administrativa naapresentação dos dados; medidas orientadoras sobre con-cepção geral, estrutura e conteúdo dos capítulos; amplia-ção de conteúdos; coleta dos dados; etapas de produção;fortalecimento das relações institucionais com as fontesprimárias; e ampliação das ações de divulgação do Anuá-rio (Fundação Seade, 1988).

No relatório sobre a Elaboração de Novo Projeto doAnuário Estatístico do Estado de São Paulo, em 1988,ressaltava-se também a importância de manter um grupode trabalho interdisciplinar, para acompanhar a implanta-ção de propostas, a reavaliação permanente da publica-ção e dar continuidade ao trabalho apresentado.

Novas reformulações ocorreram na edição de 1991: foirealizada uma revisão ampla de conteúdo dos capítulosexistentes – que resultou na agregação de indicadores epublicação de séries históricas –; incluíram-se novos ca-pítulos (Contas Regionais, Comércio Exterior e Previdên-cia Social, este último retomando a publicação de capítu-lo que integrou apenas o Anuário 1980); e alterou-se aforma de agregação dos dados para Regiões Administra-tivas e Regiões de Governo – até o Anuário anterior, namaior parte dos capítulos, as tabelas eram publicadas porRA e seus respectivos municípios-sede.

Na edição de 1992 do Anuário, além da ampliação deconteúdo, com a incorporação de informações sobre aPesquisa de Emprego e Desemprego – PED e a introdu-ção de dois novos capítulos (Meio Ambiente e SistemaFinanceiro) foram incluídas, em cada capítulo, notas meto-dológicas e definições de conceitos, com o objetivo defornecer aos usuários informações sobre as potencialidadese as possíveis restrições dos dados divulgados, que de-mandassem conhecimentos especializados, ou quandoocorressem modificações metodológicas que pudessem in-fluir na comparabilidade das séries históricas.

No período 1993-94, foi criado um novo grupo de tra-balho com a incumbência de avaliar e coordenar a elabo-ração do Anuário. Nessa época, estava sendo desenvolvi-da, na Fundação Seade, uma pesquisa sobre o Perfil doUsuário, em que o Anuário foi citado como o produto maisconhecido. A partir desta constatação, o GT Anuário de-mandou a realização de uma avaliação da publicação, paraidentificar o perfil do seu usuário e as expectativas com

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relação à publicação. A avaliação foi feita3 a partir deentrevistas em profundidade (pesquisa qualitativa), comtécnicos envolvidos na elaboração da publicação e usuá-rios dos setores público e privado, e por meio de questio-nários com perguntas fechadas (pesquisa quantitativa)aplicados no atendimento direto ao público e via encartedistribuído com o Anuário 1992.

Vale destacar alguns resultados deste levantamento.Na caracterização das empresas onde atuam os usuários,observou-se que, apesar da diversidade, as áreas deatuação e responsabilidade dos setores ou projetos nosquais se encontravam os entrevistados variavam em tor-no de objetivos comuns. Notou-se predomínio das áreasde sistematização e análise de dados econômicos,seguidas por aquelas ligadas a projetos de planejamentourbano municipal e regional, além daquelas responsáveispor centros de informação, dados e referências biblio-gráficas.

A maioria dos entrevistados conheceu a publicação noambiente de trabalho, vinculando-a à atividade profissio-nal e referindo-se à mesma como instrumento de traba-lho. Eram antigos usuários do Anuário, e, assim demons-travam familiaridade e fidelidade ao produto. Em relaçãoao tipo de informações utilizadas, as mais citadas foramas dos capítulos de Demografia e Finanças Públicas, se-guindo-se as de Saúde, Educação e Indústria e Emprego(Fundação Seade, 1994).

A pesquisa forneceu subsídios importantes que, soma-dos à avaliação feita pelo GT, resultaram em algumas ino-vações que foram implantadas no Anuário 1993, das quaisdestacam-se aquelas de natureza documental, com o ob-jetivo de dar maior acessibilidade ao seu conteúdo, comoo novo padrão editorial, a re-introdução de índice de as-suntos e, a mais importante, a substituição dos textosintrodutórios, com caráter de apresentação de conteúdo ede esclarecimentos metodológicos, por textos analíticos.As notas metodológicas também foram adensadas, apre-sentando maior detalhamento, e passaram a constituir umnovo capítulo, agrupando todos os temas.

Diversas Versões Produzidas desde 1979 e aSituação Hoje: versão apenas na Internet

O Anuário, como principal publicação da FundaçãoSeade nos anos 80, era o produto utilizado para intro-duzir as inovações tecnológicas do processo de produ-ção. Desde o Anuário 1979, os trabalhos de dia-gramação, fotolito e impressão eram feitos na Fundação.

Em particular, este primeiro teve sua composição feitaem linotipo – o que significava montar as matrizes dastabelas, caracter por caracter – na gráfica da Fundação,processo que foi realizado externamente no período1980-84. Em 1985, o Seade retomou a etapa de com-posição, usando tecnologia mais moderna – as máqui-nas Forma Composer. Em 1988, com a ampliação dosrecursos da microinformática (equipamentos e softwares),passou-se a utilizar o software de editoração eletrôni-ca Pagemaker na diagramação do Anuário 1987, o queagilizou a etapa de finalização da publicação, com aeliminação da diagramação feita à mão.4

A introdução dos equipamentos de microinformáticana Fundação teve impacto em todas as etapas de produ-ção do Anuário 1987: o processo de elaboração foi intei-ramente informatizado, desde o tratamento estatístico dis-pensado aos dados e variáveis primárias, passando pelasubstituição das tabelas e gráficos manuscritos, até a edi-ção final do volume. Até 1986, a produção do Anuário,com elaboração manual das tabelas e composição mecâ-nica, envolvia uma fase de conferências de sucessivas pro-vas até obter-se a versão final, trabalho que demandavatempo e equipe consideráveis. Esse novo processo avan-çou em 1993, com a instalação da rede de informática,quando passou-se a produzir o Anuário integralmente emambiente de rede, o que permitiu maior agilidade e quali-dade no seu processo de elaboração.

Nesse mesmo ano, visando fornecer uma nova formade acesso aos dados, foi elaborada a primeira versão ele-trônica (em DOS) para consulta interna dos usuários e,em 1995, foi produzida a primeira versão do Anuário(1994) em ambiente Windows, disponível ao público emgeral. Seguindo a política de comunicação/disseminaçãoadotada pela Fundação Seade, com a criação do seu site,5

inaugurou-se a fase do Anuário na Internet, em 1996,disponibilizando todas as edições a partir da de 1994. Atéo Anuário de 1998, foram mantidas as versões impressase na Internet. Porém, as edições de 1999 a 2001 foramdisponibilizadas apenas na Internet.

Com a multiplicação das linhas de trabalho da Funda-ção e a ampliação das formas de disseminação – especial-mente a partir dos recursos introduzidos pela Internet –,de forma mais intensa na segunda metade da década de90, o Anuário deixou de ser o principal meio de divulga-ção dos dados produzidos pela instituição. Isto resultouem restrição para implementar a proposta de constanteavaliação desse produto, restringindo-se, na maioria dasvezes, à avaliação dos meios de disseminação, o que, in-

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ANUÁRIOS ESTATÍSTICOS: RETRATOS DE DIFERENTES ÉPOCAS

clusive, suscitou algumas discussões sobre a pertinênciada manutenção de uma edição impressa.

O Anuário Estatístico do Estado de São Paulo é oproduto mais tradicional da Fundação Seade. Sua ela-boração sempre foi fruto de um grande esforço – ca-racterística presente na produção de todo e qualquerAnuário, dada a magnitude da tarefa – e hoje envolvecerca de 80 profissionais de diversas áreas produtorasde informações, de informática e de artes e editoraçãoda instituição.

O esforço referido é o de procurar sintetizar um siste-ma, enquanto um conjunto amplo e constantemente emexpansão, de estatísticas entendidas como necessárias àcompreensão das mais diversas dimensões de uma deter-minada realidade em um certo espaço físico. As estatísti-cas expressam conhecimento sobre a sociedade de deter-minada época, daí a importância do Anuário comodocumento, como registro concreto da história. Ele regis-tra transformações de toda ordem no cotidiano dospaulistas, como, por exemplo, na forma de viver e adoe-cer – o Anuário registrou a erradicação da poliomielite,em 1989, e o primeiro caso de Aids no país, ocorrido noEstado, em 1980 –, bem como a inauguração de um novomeio de transporte, com o início da operação comercialdo metrô, em 1974 (registrado no Anuário de 1979).

Mesmo sendo instrumentos tradicionais, que ainda ex-pressam uma forma de organização dos dados para a dis-seminação que pode ser considerada anacrônica, obser-vados os recursos que as tecnologias de informação ecomunicação propiciam atualmente – tabelas, organizadasde forma hierárquica por capítulos e seções –, os anuáriosainda têm uma função importante a cumprir, em razão dosmotivos expressos anteriormente. Torna-se necessário, noentanto, que eles sejam submetidos a processos perma-nentes de avaliação, no que diz respeito tanto aos seus con-teúdos quanto à incorporação dos recursos propiciadospelas novas tecnologias, que estão o tempo todo passan-do por mudanças, e de outros que possam facilitar a nave-gação dos usuários pelo mar de dados que eles contêm,sem perder sua característica principal, que é, como já co-locado anteriormente, a de servir como síntese da produ-ção das organizações de estatística. Estes recursos tecno-lógicos fornecem as condições, inclusive, para que sejamelaboradas versões diferenciadas dos anuários, com con-juntos de dados e ferramentas para sua recuperação tam-bém diferenciados, indo da mais tradicional, que é a im-pressa, ao CD e à Internet, atendendo às demandas dosmais diferentes tipos de usuários. Estas duas últimas mí-

dias não impõem as restrições que existem para a publi-cação impressa no que se refere ao volume de dados di-vulgados e ao seu manuseio, permitindo, por exemplo, ainclusão de bases de dados municipais – demanda antigados usuários –, cruzamento dos números divulgados paraa construção de indicadores e produção de gráficos e mapasde forma interativa.

Não se pode perder de vista, no entanto, aquele quedeve ser o objetivo final dos anuários: fornecer um amplopanorama das informações levantadas pelas instituiçõesprodutoras de estatística, não cabendo a eles, em funçãode sua periodicidade, abarcar todos os resultados destaprodução, que deve ir sendo colocada à disposição dopúblico assim que é finalizada, com o aproveitamento detodos os meios para a disseminação que hoje estão dispo-níveis. Como alerta Senra (1997), essas possibilidadesabertas pelas novas tecnologias “exige um intenso pensare repensar da questão de conteúdo, estabelecendo com pro-priedade as aproximações e os afastamentos entre os anuá-rios impresso e em meio magnético”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imensas possibilidades oferecidas pela informáticae Internet na disseminação de dados e informações nãotornam, por si só, inexorável a substituição do documentoimpresso pelo digital. Apesar dos reconhecidos ganhos nautilização das novas tecnologias – agilizam a dissemina-ção, eliminam distâncias, permitindo acesso a indivíduosem diferentes localidades, facilitam o trabalho de pesqui-sadores –, não se deve restringir a publicação do Anuárioao formato eletrônico, sob o risco de promover exclusãoao desconsiderar que esse meio se limita à parcela da po-pulação que tem acesso a essas tecnologias. É necessário,portanto, reconhecer que o livro ainda é a forma mais aces-sível para um número maior de indivíduos, além de asse-gurar um registro físico, e não apenas virtual, das infor-mações, garantindo sua preservação ao longo do tempo.Possibilitar a existência das duas formas “é almejar asse-gurar a indestrutibilidade do texto e de suas formas dedifusão, tendo a certeza de que, enquanto objetos cultu-rais, o impresso e o digital indiciam aspectos das socieda-des que os produziram (e produzem) e em que circularam(ou circulam)” (Vidal, 2002).

É reconhecida a necessidade de permanente avaliaçãodo conteúdo e da forma dos anuários, para que eles pos-sam expressar os movimentos no acervo de informaçõese de transformações da sociedade. Senra (1997) chama

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atenção para a necessidade de se captar junto à socieda-de, com maior detalhamento possível, a dimensão políti-ca – representação dos objetivos específicos – que se de-seja imprimir a um determinado anuário, traduzida naseleção de variáveis que comporão o seu conteúdo. Feitoisso, há que se estar atento às evoluções de demandas dessasociedade, de modo que o anuário possa ser sempre útil,em outras palavras, estar sempre afinado com sua dimen-são política. Como o anuário é uma obra de interesse deum público de amplo perfil, é de extrema utilidade o acom-panhamento de como esse público, nos seus mais varia-dos segmentos, recebe essa publicação, tarefa que deveser assumida por um grupo de trabalho interdisciplinar,que avalie permanentemente o conteúdo do anuário e asdemandas dos usuários, como na pesquisa realizada em1993, o que traz benefícios não só para a sua produção,mas também para a definição de agenda de pesquisas quedevem ser realizadas pela instituição.

NOTAS

1. O termo “indivíduo” deve ser entendido aqui num sentido amplo,compreendendo não apenas pessoas, mas também coisas e instituiçõesdas mais diferentes naturezas, como empresas, escolas, sindicatos, fa-mílias, etc.

2. Ressalte-se o empenho da Secretaria de Energia do Estado de SãoPaulo para retomada da série de dados municipais sobre consumo econsumidores de energia elétrica.

3. O projeto foi executado pelo Grupo de Aferição da Central de Da-dos e Referência (atual Gerência de Atendimento e Disseminação deInformações).

4. Depoimentos de Neuma Maria de B. Menegatti, Cristiane de RosaMeira e Vania R. Fontanesi.

5. Lançado em 1994.

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OSVALDO GUIZZARDI FILHO: Economista, Chefe da Divisão de Produ-ção de Indicadores da Fundação Seade.

ZILDA PEREIRA DA SILVA: Socióloga, Analista da Fundação Seade.

ILMA EDNA PEREIRA SIDNEY: Matemática, Analista da FundaçãoSeade.

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ESTATÍSTICAS DA VIDA

ESTATÍSTICAS DA VIDA

Resumo: A Fundação Seade responde pelo Sistema de Estatísticas Vitais de São Paulo, com base na PesquisaMensal de Eventos Vitais. Essas informações são produzidas desde o final do século XIX e constituem umrico acervo de dados que permitem o monitoramento das variáveis demográficas e subsidiam as atividades deplanejamento.Palavras-chave: estatísticas vitais; demografia; população.

Abstract: Fundação Seade is responsible for the System of Vital Statistics of the State of São Paulo, based onthe Monthly Survey of Vital Events. This information has been gathered since the end of the nineteenth centuryand contributes to a rich data archive that permits the monitoring of demographic variables, while helping tofund planning activities.Key words: vital statistics; demographics; population.

BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL

CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 55-66, 2003

Como a demografia pode auxiliar as atividades deplanejamento? Uma contribuição tradicional re-laciona-se com a análise e monitoramento das

diretamente com questões decisivas do desenvolvimentoeconômico e da distribuição dos benefícios alcançados.

Para atingir seus objetivos, a demografia serve-se deinformações básicas sobre a sociedade que refletem o es-tado e o movimento da população. Podem-se distinguirquatro tipos de fontes de informações básicas: os censospopulacionais, as estatísticas do registro civil, as pesqui-sas por amostra de domicílios e alguns registros adminis-trativos relevantes.

Os censos e as pesquisas amostrais proporcionam umavisão da estrutura e composição da população em um de-terminado momento e correspondem, portanto, às estatís-ticas do estado da população.

As estatísticas do registro civil e, eventualmente, deoutros registros administrativos informam sobre as mu-danças que afetam a evolução da população e se caracte-rizam como estatísticas do movimento da população. Osprincipais eventos da vida – nascimentos, casamentos eóbitos – são registrados por uma determinação legal quedá alicerce à cidadania e define direitos e responsabilida-des civis. A lei dos registros civis regulamenta também acoleta de informações para fins estatísticos, o que possi-bilita a elaboração de indicadores fundamentais para a

variáveis demográficas – fecundidade, nupcialidade, mor-talidade e migração – responsáveis pelo crescimento eestrutura da população. Tais variáveis destacam-se tantonas atividades específicas dos planejadores como no co-nhecimento da sociedade.

Da mesma forma, o volume, o crescimento, a compo-sição etária e a distribuição espacial da população sãodados fundamentais para o planejamento, desde o primei-ro diagnóstico até a avaliação final dos planos já executa-dos.

A análise demográfica e os estudos populacionais, alémde enriquecer as análises dos planejadores, fornecem ele-mentos e critérios para o balizamento do processo de pla-nificação em seus diversos estágios. Por um lado, as in-formações demográficas apontam as necessidades atuaise futuras de uma população quanto à demanda por servi-ços de saúde, educação, mão-de-obra, segurança, habita-ção, entre outros setores da esfera social.

Por outro lado, as análises demográficas específicassobre as desigualdades sociais podem ser relacionadas

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administração, o planejamento e a pesquisa científica.Essas características asseguram a fidedignidade das infor-mações declaradas e a organização da coleta dos dados.

As sociedades que tradicionalmente dispõem de bons sis-temas de estatísticas vitais apóiam-se na combinação dos da-dos originários do censo e do registro civil para a construçãodos principais indicadores demográficos, o que permite oconhecimento aprofundado das características da populaçãonas diversas unidades geográficas de seu território.

PRODUÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAISEM SÃO PAULO

A Fundação Seade responde pelo Sistema de Estatísti-cas Vitais de São Paulo, com base na Pesquisa Mensal deEventos Vitais que coleta informações sobre casamentos,nascidos vivos, nascidos mortos, óbitos gerais, óbitos in-fantis e óbitos fetais em todos os Cartórios de RegistroCivil do Estado.

Em 2002 foram processados 1.058.912 eventos comdiversas variáveis relacionadas, gerando um banco de es-tatísticas vitais com 32.419.930 informações. Essa basede dados cobre o universo dos eventos vitais ocorridos eregistrados no Estado de São Paulo, contendo informa-ções para todos os municípios paulistas e os distritos dacapital.

Cabe destacar que essas informações são produzidasdesde o final do século XIX e constituem um rico acervode dados disponível na Fundação Seade.

As bases de dados disponíveis permitem a recupera-ção de séries históricas seculares dos eventos vitais. Umexemplo dessa disponibilidade é o trabalho “Ontem, Vilade São Vicente. Hoje, Estado de São Paulo – 500 Anosde Divisão Territorial e 100 Anos de Estatísticas Demo-gráficas Municipais” que apresenta a história de forma-ção dos 645 municípios do Estado, com a série dos even-tos vitais desde a data de criação de cada município paulistaaté o ano 2000. Divulgado em forma de CD-ROM, con-tém arquivos históricos que permitem a recuperação deséries estatísticas seculares (Gráfico 1).

Com as informações do registro civil e as dos CensosDemográficos, são realizados estudos sobre a distribui-ção espacial da população; sobre as tendências: da mor-talidade por idade, sexo e causas de morte; da fecundida-de e seu impacto na estrutura etária e no processo deenvelhecimento populacional; dos fluxos migratórios; pro-jeções populacionais com diversos níveis de desagrega-ção por áreas geográficas e faixas etárias, etc.

As projeções populacionais viabilizam os estudosprospectivos de demanda em diversos setores da socieda-de e servem de denominador para a construção de índicese indicadores sociais. São fundamentais para o estudo desegmentos específicos da população relevantes para o pla-nejamento, como: população idosa, população em idadeescolar, população em idade ativa, população infantil,população feminina, etc.

METODOLOGIA DE PRODUÇÃO DASESTATÍSTICAS VITAIS

A produção das estatísticas vitais com base na coletade dados, que é feita em cartórios de registro civil do Es-tado, originou-se em 1892 sob a responsabilidade da Se-ção Especial de Estatística Demógrafo-Sanitária daSecretaria do Interior. Em 1942, com a criação do Depar-tamento Estadual de Estatística –DEE, as estatísticas vi-tais passaram a fazer parte da Diretoria de Estatísticas De-mográficas e, em 1979, as atividades do DEE foramassimiladas pela Fundação Seade.

A tradição do antigo DEE era realizar a pesquisa mensalnos cartórios de registro civil com base em dois tipos deinstrumentos de coleta: mapas estatísticos com dados espe-cíficos dos registros legais e cópias das declarações de óbito.

As causas básicas de morte eram, então, selecionadasnas declarações e associadas aos respectivos registros deóbito relacionados nos mapas estatísticos. A atribuição dacausa de morte só era possível de ser realizada após a devidavinculação de cada declaração com o respectivo registrode óbito nos mapas estatísticos de coleta nos cartórios.

Essa metodologia foi aperfeiçoada posteriormente pelaFundação Seade, que passou a aproveitar os recursos damicroinformática para agilizar o processamento e avinculação dos dois instrumentos de coleta de dados sobreóbitos e complementar a base de dados com todas asinformações disponíveis nas duas fontes. As informaçõesque eram comuns às duas fontes passaram a ser comparadaspara análise das divergências e melhoria da qualidade. Umametodologia semelhante passou a ser aplicada, poste-riormente, às estatísticas de nascimentos, com a adoção dadeclaração de nascido vivo, enviada também à FundaçãoSeade pelos cartórios de registro civil.

Assim, tradicionalmente, o Estado de São Paulo sempreprocessou de forma integrada as declarações de óbitos/nascimentos e os registros civis de óbitos/nascimentos. Avinculação dos indivíduos presentes nas duas fontes permitiaa unificação de todas as variáveis demográficas e epidemio-

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ESTATÍSTICAS DA VIDA

GRÁFICO 1

Evolução das Estatísticas VitaisEstado e Município de São Paulo – 1900-2002

lógicas em uma única base de dados, aprimorada por umarotina de verificação de consistência das variáveis baseadana comparação das informações comuns às duas fontes.

A experiência de vinculação dessas duas fontes resul-tou, ao longo do tempo, no conhecimento detalhado daslimitações e potencialidades das informações básicas e foidecisiva no aperfeiçoamento das estatísticas vitais de SãoPaulo. Assim, por exemplo, as informações sobre sexo do

recém-nascido e a idade ao morrer são de boa qualidade,mas, quando há divergências, os dados provenientes doregistro civil geralmente contêm a informação correta. Issoacontece porque os registros são regulamentados por lei eas características declaradas dos indivíduos são utiliza-das na elaboração de documentos básicos da cidadania,na transmissão de direitos, na comprovação de responsa-bilidades civis, etc.

Fonte: Fundação Seade. "500 Anos de Divisão Territorial e 100 Anos de Estatísticas Demográficas Municipais".

195019

60Anos

19001910

1920

193019

401970

1980

19901950

1960Anos

1900

1910192

01930

19401970

1980

1990

2000

1950196

0Anos

19001910

19201930

1940

1970198

019

902000

19501960

Anos

19001910

19201930

19401970

1980

19902000

2000

Em mil

Casamentos

250

200

150

100

50

0 0

100

200

300

400

500

600

700

800

900Em mil

Nascidos Vivos

0

50

100

150

200

250Em mil

Óbitos Gerais Óbitos Menores de 1 Ano

0

10

20

30

40

50

60

Estado de São Paulo Município de São Paulo

Em mil

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Um outro exemplo é o endereço de residência do indi-víduo – endereço habitual do indivíduo que morreu ou damãe do recém-nascido – que constitui uma informação-chave para a classificação municipal e regional dos even-tos vitais. É por meio dessa informação que os sistemasestatísticos conseguem definir a relação de pertinência deum evento vital a uma determinada área ou unidade admi-nistrativa e re-classificar todas as ocorrências observadas,em estatísticas, conforme o local habitual de residência.Esse procedimento é fundamental para a análise adequa-da dos fenômenos demográficos e epidemiológicos, evi-tando os efeitos das “invasões” e “evasões” dos eventosvitais – nascimentos e óbitos – que interferem na qualida-de dos indicadores produzidos. Essas dificuldades exis-tiam nas estatísticas elaboradas até meados do século XX.A era da informática contribuiu para superar, em parte,essa dificuldade. Permaneceu, todavia, o problema da “in-vasão disfarçada”, que decorre da declaração intencional-mente errada do endereço de residência habitual com afinalidade de justificar o acesso a unidades de saúde emcidades diferentes daquela da residência habitual. Váriasrazões estruturais, interesses ou conveniências pessoais,induzem a essa prática que resulta no preenchimento ina-dequado do endereço de residência, principalmente nadeclaração de nascimento.

Os dados do registro civil são menos afetados por essefenômeno e, freqüentemente, em caso de divergências nosendereços, o cartório exige, no momento do registro donascimento, uma explicação por escrito. A vinculação dasfontes na Fundação Seade permite identificar as divergên-cias nos endereços, representando assim um fator de me-lhoria da classificação por local de residência.

Essa tradição de integração sistêmica entre duas fon-tes de dados, demográfica e epidemiológica, é inédita noPaís e foi decisiva na evolução da qualidade das estatísti-cas vitais de São Paulo.

Cabe destacar que as estatísticas são elaboradas paracada um dos 645 municípios do Estado e para cada umdos 96 distritos da Capital, por uma equipe especializadade codificadores que aplica a todos os municípios e dis-tritos, os mesmos critérios de codificação e análise, ga-rantindo assim o mesmo grau de qualidade e compara-bilidade aos indicadores construídos para todas as unidadesadministrativas do Estado.

A codificação das causas de morte, por exemplo, ativi-dade crucial na produção de estatísticas de mortalidade,pode sofrer graves distorções causadas por erros de natu-reza subjetiva do técnico codificador. O bom desempe-

nho depende muito do nível de treinamento e da estabili-dade da equipe técnica que possibilita o acúmulo de ex-periência ao longo dos anos. Na Fundação Seade, essaexperiência vem-se consolidando há mais de 25 anos e éobjeto de rigoroso controle de qualidade e da avaliaçãocrítica permanente por parte de uma equipe formada porestatísticos/demógrafos e médico sanitarista especializa-do em classificação de causas de morte.

A plena utilização dos recursos da informática, em to-das as etapas do processo de produção das estatísticas,possibilitou a automatização e a agilização de vários pro-cedimentos de controle, codificação e processamento dasinformações, resultando em redução dos prazos e permi-tindo disponibilizar as estatísticas mensais dos municípiospaulistas e dos distritos da capital, em cerca de 60 dias.

Outro aspecto relevante no desenvolvimento dessasestatísticas deve-se à integração entre as atividades deprodução e as atividades de análise. A utilização imedia-ta dos dados produzidos com a finalidade de construirindicadores, a realização de análises de tendência das va-riáveis demográficas e o desenvolvimento de projetos di-versificados de pesquisa, asseguraram um contínuofeedback em avaliação e crítica para o aperfeiçoamentodos dados.

Nesse sentido, também foi decisivo o enfoque multi-setorial que orienta a produção e análise das estatísticasvitais, atendendo, igualmente, as demandas do planeja-mento governamental e dos mais diversos setores dasociedade, envolvendo temas que se relacionam comsaneamento, saúde, previdência, educação, segurança,transportes, etc.

APLICAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS VITAIS

Um primeiro projeto de pesquisa, no final da década de70, no âmbito do recém-criado Grupo Especial de AnáliseDemográfica e com o apoio da Fundação Ford, teve comoobjetivo o estudo da nupcialidade paulista, explorandodetalhadamente as estatísticas de casamentos do registro ci-vil. Também data dessa época a incorporação das bases dedados de mortalidade do Seade no sistema nacional coorde-nado pelo Ministério da Saúde.

No final da década de 70, foram desenvolvidos esfor-ços a fim de aperfeiçoar o sistema tradicional de classifi-cação da causa básica de morte, com a implementação deum sistema de classificação de causas múltiplas, em par-ceria com o Centro Brasileiro de Classificação de Doen-ças em Língua Portuguesa da Organização Mundial da

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ESTATÍSTICAS DA VIDA

Saúde. Após vários testes de processamento, os dados deóbitos por causas múltiplas passaram a ser produzidoscomo rotina, a partir de 1983.

Com apoio da Fundação Ford e da Associação Bra-sileira de Estudos Populacionais – Abep foi realizadauma pesquisa, no início da década de 80, que visava oestudo da mortalidade infantil, com base nas estatísti-cas vitais, e o teste de um modelo de declaração de nas-cimento em São Paulo. O resultado da pesquisa susci-tou a criação de um grupo de trabalho na Secretaria deEstado da Saúde com especialistas da área e coordena-do pelo Seade, com o objetivo de testar o modelo deforma mais ampla. Na década de 90, o Ministério daSaúde formou um grupo de trabalho, com participaçãodo Seade, para introduzir o documento em todo o terri-tório nacional. Desse modo, a base de dados sobre nas-cidos vivos, produzida pelo Seade, passou a integrar osistema nacional sobre informações de nascidos vivoscoordenado pelo Ministério da Saúde, tal como já vi-nha ocorrendo com o banco de mortalidade.

Ainda nos anos 80, o Ministério do Interior, dentrodo Programa de Migrações Internas, firmou um convêniocom a Fundação Seade, para um estudo mais aprofundadoda dinâmica demográfica paulista dentro do projeto

“Repercussões do Pró-Álcool na dinâmica migratória doEstado de São Paulo”. As estatísticas vitais foramdecisivas na caracterização demográfica da RegiãoAdministrativa de Ribeirão Preto e no dimensionamentode forma indireta dos saldos migratórios nas décadas de60 e 70. O conhecimento das características demográficasregionais permitiu o delineamento de uma pesquisaamostral adicional, que foi realizada em 1981, com aaplicação de questionários domiciliares em 17 municípiosda região estudada, valendo-se de cadernetas dosrecenseadores do Censo Demográfico de 1980. Os resul-tados do projeto trouxeram mais elementos para a com-preensão do padrão regional de sazonalidade dos deslo-camentos populacionais.

A tradição de São Paulo na produção de estatísticasvitais e as grandes disparidades nacionais em qualidadedessas estatísticas motivaram o desenvolvimento de umprojeto na Fundação Seade, com o apoio do InternationalDevelopment Research Centre – IDRC, do Canadá, como objetivo de adaptar e aplicar o “método do filho pré-vio” para monitorar a mortalidade infantil, em três Esta-dos do Nordeste do Brasil. Essa experiência de coleta eanálise de dados sobre a mortalidade infantil com baseem procedimentos metodológicos simples e de baixo cus-

DIAGRAMA 1

Acervo das Estatísticas Vitais

Fonte: Fundação Seade.

- Casamentos

- Nascidos Vivos

- Óbitos

- Óbitos Fetais

1894 a 1929

1980 a 2003

1970 a 1979

1930 a 1969

Anuários eBoletins

Micro-filmes

Micro-fichas

Tabelas Manuscritas

Estados

Interior

Capital

Municípios

Estado

Interior

Capital (distritos)

Reg. Admin.

Reg. Governo

Municípios

Idade

Sexo

Causas de Morte

Cor

Naturalidade

Ocupação

Grau de Instrução

Mun. Residência

Mun. Ocorrência

etc.

Evento Ano Base FísicaAbrangência Geográfica Variáveis

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to operacional representou uma alternativa valiosa e fac-tível para as instituições públicas de regiões que não dis-põem de boas estatísticas.

A experiência acumulada com análises demográficasprospectivas e a elaboração de projeções populacionaisregionais e para pequenas áreas, detalhadas por idade esexo, estão relacionadas com a demanda crescente do pla-nejamento. Os exemplos mais eloqüentes estão nas expe-riências com a área da educação, em projeções da popu-lação em idade escolar, nas parcerias firmadas com aSabesp, a fim de caracterizar a demanda em saneamento,e na área da saúde para a estimativa da população-alvodas campanhas de vacinação.

No primeiro exemplo, as projeções da demanda esco-lar foram detalhadas por nível de ensino e desagregadaspor municípios. A evolução dos efetivos escolares nosdiferentes níveis de ensino está associada à dinâmica de-mográfica, por um lado, e às taxas de escolarização, poroutro. Em geral, nas idades que se caracterizam por umataxa de escolarização próxima aos 100%, os efetivos es-colares decorrem basicamente do fator demográfico. Oprocesso de redução da fecundidade repercute diretamenteno número de nascimentos e, portanto, na evolução dasnovas gerações escolares. Considerando que esse proces-so é regionalmente bastante diferenciado, a Secretaria deEstado da Educação solicitou ao Seade projeções da de-manda escolar conforme distintos cenários demográficose de escolarização.

A Sabesp, tendo em vista a necessidade de um novomodelo de gestão descentralizado em unidades regiona-lizadas e de um planejamento baseado em informaçõesadequadas, requisitou o Seade, em vários momentos, paradesenvolver projeções demográficas que subsidiassem odimensionamento da demanda por saneamento básico noEstado. Dessa forma, foram firmados convênios em 1988,em 1996 e em 2002 com o objetivo de viabilizar o estudoprospectivo da dinâmica demográfica paulista por meioda elaboração, para todos os municípios paulistas, da pro-jeção da população residente e flutuante, de domicíliosocupados, vagos e de uso ocasional, de acordo com ascondições de localização urbana e rural.

O terceiro exemplo mencionado relaciona-se com cam-panhas na área da saúde pública. O público-alvo das cam-panhas nacionais de vacinação realizadas todos os anos éa população infantil, menor de cinco anos, pertencente àsgerações de nascimentos ocorridos nos cinco anos anterio-res que sobreviveram até a data das campanhas. Para res-ponder a essa demanda específica da Secretaria de Esta-

do da Saúde, a Fundação Seade desenvolveu uma meto-dologia para estimar a população infantil que consideraos dados do Sistema de Estatísticas Vitais, e subsidia, dessaforma, a organização das campanhas anuais de vacinaçãoe a estimativa das respectivas coberturas, em cada muni-cípio paulista.

Também com a Secretaria de Estado da Saúde, em 1995/96 o Seade desenvolveu um projeto de acompanhamentocontínuo da mortalidade infantil, mortalidade materna ecaracterísticas do recém-nascido.

Mais recentemente, uma nova parceria com a Secreta-ria de Estado da Saúde teve por objetivo a avaliação daqualidade dos dados de nascimentos e óbitos, produzidospelas administrações municipais de saúde para o controledas ocorrências municipais e a vigilância epidemiológicalocal. A comparação entre os arquivos de ocorrências ela-borados nos municípios, por um lado, e a base de dadosda Fundação Seade, por outro, permitem a identificação eanálise da regularidade, cobertura e qualidade dos dadosproduzidos pelos municípios. Essa prática vem delinean-do um novo papel para o Seade no monitoramento da qua-lidade dos arquivos de dados municipais.

No âmbito das estatísticas de causas de morte, a Secreta-ria da Segurança utiliza as informações municipais sobremortes por afogamentos, queimaduras e outros acidentes combase na classificação dos óbitos por causas múltiplas, parasubsidiar as atividades de planejamento do Comando doCorpo de Bombeiros. Nessa mesma linha de interesse, osdados de mortes por acidentes de transporte, em cada muni-cípio paulista, são utilizados pelo Detran.

Os dados sobre mortalidade por causas são informa-ções utilizadas, também, pelo Conselho Regional de Me-dicina de São Paulo, que estabeleceu um convênio com oSeade para a análise das informações sobre óbitos de pro-fissionais médicos.

A disseminação de indicadores demográficos e a ela-boração de indicadores específicos constituiram-se, aolongo do tempo, em uma atividade crescente que contri-buiu na elaboração do Plano Plurianual – PPA do Gover-no do Estado de São Paulo e na composição do ÍndicePaulista de Responsabilidade Social – IPRS, elaboradoespecialmente para a Assembléia Legislativa do Estadode São Paulo e no Índice de Vulnerabilidade Juvenil ela-borado para a Secretaria da Cultura.

O conhecimento adquirido com a exploração e análisede registros administrativos resultou no desenvolvimentode novos desafios metodológicos de relacionamento debancos de dados distintos, por meio das técnicas de vin-

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ESTATÍSTICAS DA VIDA

culação de registros que foram aplicadas em dois impor-tantes projetos.

No primeiro, a busca de uma alternativa para solucio-nar o problema da inexistência de uma fonte de dados maiscompleta sobre os casos fatais de acidentes do trabalhoresultou em duas parcerias entre a Fundacentro e a Fun-dação Seade, com o apoio do Ministério do Trabalho, ten-do como um dos objetivos a vinculação das informaçõesdas duas principais fontes de dados sobre esse tema: re-gistros do INSS e registros de óbitos do Estado de SãoPaulo. Essa pesquisa resultou em avanços metodológicosimportantes que permitem a análise mais aprofundadasobre saúde dos trabalhadores.

O segundo projeto foi desenvolvido com o Centro deVigilância Epidemiológica de Aids, da Secretaria de Es-tado da Saúde, com financiamento da Unesco, com oobjetivo de melhorar o dimensionamento e a caracte-rização de todos os casos de Aids ocorridos no Estado.Procurando ampliar o universo de casos notificados dadoença, foi realizada a recuperação histórica de todosos óbitos ocorridos nos municípios paulistas, por meiodas informações constantes no Sistema de EstatísticasVitais da Fundação Seade, e realizada a vinculação dosregistros desse banco de óbitos com os registros do bancode dados de notificação dos casos de Aids elaborado noCRT-DST/Aids.

Mais recentemente, foi firmado um contrato com o Ins-tituto de Previdência do Estado de São Paulo – Ipesp, parao monitoramento demográfico dos pensionistas cadastra-dos nesse órgão por meio da vinculação dos registros dasbases demográficas do Seade, com os registros das basesdo Ipesp. Essa metodologia abre uma nova perspectivade utilização das estatísticas do registro civil, produzidasno Seade, como subsídio para os processos administrati-vos relacionados com aposentadoria e pensão.

As potencialidades dessas estatísticas também ficamevidentes com os novos desafios metodológicos introdu-zidos pela análise espacial e a possibilidade de georre-ferenciamento dos óbitos e nascimentos por logradouros.Esse tipo de abordagem torna possível a análise mais de-talhada do espaço geográfico e permite o inter-relaciona-mento das variáveis pertencentes a diferentes bancos dedados. A participação da Fundação Seade no ProjetoCEM – Centro de Estudos da Metrópole, com sede noCebrap e apoio da Fapesp, vem possibilitando um acú-mulo de experiência no campo do georreferenciamento dasestatísticas vitais que se revela promissor na exploraçãofutura dessas estatísticas.

Visando o aperfeiçoamento da coleta de dados nos car-tórios de registro civil do Estado de São Paulo, a Funda-ção Seade e o IBGE firmaram um convênio de coopera-ção técnica com o intuito de unificar a coleta dos dadosnos cartórios, desonerando, assim, essas instituições in-formantes, e somando esforços para melhorar a qualidadedas estatísticas do registro civil. A experiência vem de-monstrando maior agilidade na coleta e na instalação denovas tecnologias de transmissão dos dados. Além disso,o trabalho conjunto das duas instituições resultou na inte-gração de experiências que potencializam a capacidadede pesquisa e análise.

Também nessa linha de preocupação, o convênio entrea Fundação Seade e a Associação dos Registradores dePessoas Naturais de São Paulo – Arpen-SP favoreceu ointercâmbio entre as duas instituições com intuito dainformatização e automação de vários processos na trans-missão de dados e no balanço periódico do movimento deregistros de cada cartório do Estado.

Finalmente, cabe assinalar as consultas freqüentes dassecretarias da administração municipal, de instituiçõesprivadas, das universidades, da mídia e do poder ju-diciário a respeito de casamentos, nascimentos e óbitos,encontrando nos bancos de dados do Seade uma fontecentralizada, ágil e completa sobre os registros da ci-dadania.

Essa síntese demonstra, por um lado, a multiplicidadetemática que envolve o uso das estatísticas vitais e, poroutro, a demanda crescente de informações por institui-ções responsáveis direta ou indiretamente por atividadesde planejamento no âmbito governamental.

EVOLUÇÃO RECENTE DASESTATÍSTICAS VITAIS

O ano de 2002 caracterizou-se por um pequeno recuo donúmero de nascimentos e de aumento dos totais de casamen-tos e de óbitos ocorridos no Estado de São Paulo.

As informações enviadas mensalmente pelos 855 car-tórios de registro civil do Estado durante o ano de 2002permitiram contabilizar o nascimento de 631,8 mil crian-ças contra 646,0 mil ocorridos no ano de 2001. Da mes-ma forma, registraram-se 185,9 mil casamentos em 2002e 185,0 mil em 2001. Além disso, os registros indicamque morreram 236,7 mil pessoas, contra 234,0 mil em2001, entre os residentes no Estado de São Paulo com-postos de cidadãos brasileiros naturais de São Paulo, ci-dadãos brasileiros não-naturais e estrangeiros.

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A diferença entre o volume de nascimentos e óbitos,no valor de 395,0 mil, sugere o crescimento vegetativoda população paulista nesse ano, podendo-se considerar,adicionalmente, o saldo migratório anual, resultante dobalanço entre as entradas e saídas de migrantes, paracontabilizar a população residente no Estado de SãoPaulo.

As migrações não são objeto de registro contínuo(salvo em alguns países europeus) como é o caso dos nas-cimentos, casamentos e óbitos mas podem ser analisadascom base nos recenseamentos ou estimadas indire-tamente.

A composição das mortes, conforme as característicasdos indivíduos, reflete a composição da população pau-lista e sua dinâmica intrínseca associada com os proces-sos migratórios. Do total de mortos, 63% eram paulistasde nascimento, 31% eram naturais de outros Estados e 4%eram originários de outros países. Entre os naturais deoutros Estados, 32% eram mineiros, 20% baianos, 12%pernambucanos e 7% paranaenses.

Da mesma forma, entre os casamentos registrados tam-bém se observa a influência da migração na constataçãoda naturalidade dos cônjuges: em 59% dos casamentosambos são paulistas, em 15% as mulheres são paulistascom homens não-paulistas e em 12% inverte-se a compo-sição. Cerca de 14% dos casamentos registrados são deambos os cônjuges não-naturais do Estado. Assim, em 86%dos casamentos legais ocorridos em São Paulo, pelo me-nos um dos cônjuges é paulista de nascimento. Esse últi-mo panorama se reflete, evidentemente, na composiçãodos nascimentos segundo a naturalidade dos pais ou seja:na maioria dos nascimentos ocorridos em 2002, o pai e/ou a mãe são naturais de São Paulo.

A população do Estado de São Paulo continua cres-cendo em um ritmo que acrescenta, a cada ano, cerca demeio milhão de habitantes, basicamente em conseqüênciade seu crescimento natural, apesar da fecundidade baixae próxima do nível de reposição das gerações. A dinâmicado crescimento da população paulista beneficia-se de umadistribuição por idade favorável que assegura um númerorelativamente elevado de nascimentos, apesar de os casaiscontinuarem a diminuir sua descendência final.

A evolução demográfica intrínseca do Estado nos últi-mos 20 anos está marcada por mudanças radicais: a fecun-didade sofreu um acelerado movimento de queda. A mor-talidade infanto-juvenil regrediu sensivelmente e amortalidade adulta por causas externas aumentou rapida-mente.

VIDAS EVITADAS

O impacto da queda da fecundidade sobre a populaçãopaulista foi intenso o suficiente para reduzir progressi-vamente o ritmo anual de crescimento dos nascimentos etambém diminuir seu número absoluto.

O maior número de nascimentos já ocorrido no Estadode São Paulo aconteceu em 1982, com 771,8 mil nasci-dos vivos. A partir de 1983, os valores diminuíram ouoscilaram para mais e para menos sem recuperar a cifrade 1982. O maior registro desse período recente foi de734,5 mil nascimentos em 1998.

Uma questão que se coloca é a de qual teria sido o acrés-cimo populacional hoje se os nascimentos tivessem con-tinuado a crescer, caso a taxa de fecundidade tivesse per-manecido no mesmo patamar de 1982? A manutençãodessa taxa de fecundidade indica que o número de nasci-mentos teria alcançado em 2002 o volume de 1,13 milhãode nascidos vivos em vez de 631,8 mil (Gráfico 2) e adiferença acumulada desde 1982 indica que a populaçãohoje seria superior em, aproximadamente, 5 milhões dehabitantes.

Caso a fecundidade não tivesse declinado, haveria umapopulação adicional jovem, com menos de 20 anos de ida-de, compondo um efetivo suficientemente grande para pres-

GRÁFICO 2

Evolução do Número de Nascidos VivosEstado de São Paulo – 1950-2002

Fonte: Fundação Seade; Sistema de Estatísticas Vitais.

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ESTATÍSTICAS DA VIDA

culados com os observados concluiu-se que 280,8 milcrianças foram poupadas da morte em conseqüência daqueda rápida da mortalidade infantil nos últimos 20 anos.

Relacionando-se esse resultado com o total anterior, ve-rifica-se que do total de vidas poupadas em todas as faixasetárias, 62% corresponde a crianças menores de um ano queforam beneficiadas pelo declínio da mortalidade infantil.

As tendências da mortalidade em todas as faixas etáriasrevelam um saldo de 293,6 mil vidas femininas e de 172,6mil vidas masculinas poupadas. O número menor de vidaspoupadas na população masculina está associado principal-mente às perdas por causas de morte violentas e Aids, queaumentaram sensivelmente no período considerado, incidindoprincipalmente na população masculina, e representam grandedesperdício de vidas por morte precoce.

VIDAS DESPERDIÇADAS

Se os últimos 20 anos foram caracterizados por progres-sos significativos nas condições de saúde, reduzindo a mor-talidade por causas naturais e poupando vidas, também fo-ram marcados por um aumento na mortalidade por causasexternas (acidentes de trânsito, agressões, etc.), desperdiçandovidas no Estado de São Paulo. Essas mortes se concentramprincipalmente na faixa etária masculina dos adultos jovens.Somam-se, ainda, nessa faixa etária as mortes decorrentesda epidemia de Aids, que surgiu no mesmo período conside-rado. Observou-se que nas faixas etárias do intervalo de 15 a44 anos da população masculina não há ganhos de vidas mas,pelo contrário, há perdas adicionais.

No período analisado (1983 a 2002), o total de mortespor Aids, em todas as faixas etárias, no Estado de SãoPaulo, atingiu a cifra de 70,6 mil óbitos. O total de mortespor agressões foi de 206,7 mil; por acidentes de transpor-tes de 139,7 mil e para o conjunto de todas as causas ex-ternas de 548,7 mil.

Se o nível da mortalidade por causas externas de 1982tivesse permanecido constante ao longo dos últimos 20anos, as mortes anuais esperadas por essas causas teriamsido sistematicamente menores que as mortes observadas.O número de óbitos esperados nessa situação para o totalde causas externas teria 110,6 mil mortes a menos do queo volume realmente observado. Isso indica que o númerode vidas poupadas poderia ter sido maior, nessa ordem degrandeza, se o nível da mortalidade por essas causas nãotivesse se deteriorado tanto.

sionar o sistema escolar por mais vagas, desde a pré-escolaaté o segundo ciclo e parte do terceiro, ou pressionando omercado de trabalho por mais postos de trabalho. Na área dasaúde significaria mais demanda por vacinas e por atençãomaterno-infantil nos postos, nas clínicas, etc. As repercus-sões seriam infindáveis caso fossem contabilizados todos osdemais setores da sociedade.

VIDAS POUPADAS

O impacto da queda da mortalidade nos últimos 20 anos,sobre a população do Estado de São Paulo, pode ser ava-liado pelo cálculo do número de vidas poupadas de 1983a 2002 em conseqüência da redução dos riscos de morte.Se o nível da mortalidade de 1982 tivesse permanecidoconstante ao longo dos últimos 20 anos, o número demortes teria superado o número de óbitos registrados nomesmo período. O resultado dessa simulação indicou queaproximadamente, 454,3 mil vidas foram poupadas demorte precoce em decorrência do declínio das taxas demortalidade observado desde 1983 (Gráfico 3).

Nesse mesmo período analisado, as taxas de mortali-dade infantil apresentaram um grande recuo, caindo de umpatamar de 47,9 óbitos de menores de um ano por mil crian-ças nascidas vivas em 1982 para 15,0 por mil em 2002.Assim, aplicando-se o mesmo método de simulação demanter constante a taxa de 1982 e comparar os óbitos cal-

Fonte: Fundação Seade. Sistema de Estatísticas Vitais.

GRÁFICO 3

Óbitos Observados e Óbitos EsperadosEstado de São Paulo – 1982-2002

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COMENTÁRIOS FINAIS

Essas tendências analisadas dão uma idéia do processode transição demográfica que vem ocorrendo em São Paulo,nos últimos 20 anos, pela ótica do movimento das estatísti-cas vitais. As quantidades apresentadas são significativas doimpacto dessas transformações na sociedade paulista. Combase nessas variáveis, podem ser desenvolvidos diversos in-dicadores específicos que atendem a determinadas necessi-dades dos diversos setores de planejamento socioeconômi-co.

O uso das estatísticas vitais no Seade vem-se renovan-do em função das novas e crescentes demandas, o que re-presenta um constante desafio para a produção e análisedessas estatísticas. A grande diversidade de usuários, dediferentes setores e de temas envolvidos, implica cuida-dos especiais na produção de indicadores adequados e nainterpretação dos resultados. A multisetorialidade da de-manda é uma característica crescente que exige aborda-gens metodológicas mais complexas e sintonias mais fi-nas de acordo com a finalidade desejada. O antigoparadigma da qualidade dos dados ressurgiu, com maisnitidez, diante dos desafios de regularidade, cobertura ecoerência dos dados produzidos. O fato da produção es-tar organicamente integrada às atividades de análise asse-gurou a retroalimentação contínua de observações críti-cas e valiosas para o aperfeiçoamento das estatísticas vitaisproduzidas na Fundação Seade.

A evolução da qualidade das estatísticas vitais no Es-tado de São Paulo está, também, associada à tradição deintegrar informações demográficas (registro civil) eepidemiológicas (declarações de óbitos e nascimentos).Essa prática resultou em conhecimento acumulado e pos-sibilitou o desenvolvimento de novas experiências de re-lacionamento entre bases de dados distintas, buscando aampliação do universo pesquisado, o enriquecimento doconjunto de variáveis contempladas e a expansão do po-tencial de análise.

Da mesma forma, a experiência de georreferenciamentodas estatísticas vitais, segundo os logradouros, potencia-liza essas informações e amplia a capacidade de compreen-são da dinâmica populacional.

Diante da evolução das atividades de planejamento naárea governamental, a implementação dessas metodolo-gias de pesquisa abre novas perspectivas no âmbito da pro-dução de informação e análise demográfica que subsidiamo planejamento.

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BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL: Estatística e demógrafa, Gerentede Indicadores e Estudos Populacionais da Fundação Seade([email protected]).

CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA: Demógrafo, AssessorTécnico da Gerência de Indicadores e Estudos Populacionais da Funda-ção Seade ([email protected]).

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO

O

PROJEÇÃO DA POPULAÇÃOPAULISTA COMO INSTRUMENTO

DE PLANEJAMENTO

Resumo: Projeções populacionais para o Estado de São Paulo realizadas pela Fundação Seade, a partir dosestudos detalhados sobre os componentes da dinâmica demográfica: fecundidade, mortalidade e migração. Ametodologia utilizada considera a interação desses três componentes e a formulação de hipóteses de compor-tamento futuro.Palavras-chave: projeção da população; componentes demográficos; crescimento populacional.

Abstract: Projections of the population of the State of São Paulo were carried out by Fundação Seade, basedon detailed studies of the components of the demographic dynamic: fertility, mortality, and migration. Themethodology used considers the integration of these three components and the formulation of hypotheses offuture behavior.Key words: population projection; demographic components; population growth.

BERNADETTE CUNHA WALDVOGEL

CARLOS EUGENIO DE CARVALHO FERREIRA

LÚCIA MAYUMI YAZAKI

RUTE EDUVIGES GODINHO

SONIA REGINA PERILLO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 67-79, 2003

conhecimento do tamanho e da composição dapopulação, por idade e sexo, constitui instrumen-to fundamental para todas as esferas de planeja-

pulação, como as estatísticas vitais do Registro Civil e asprojeções de população.

A elaboração e o aprimoramento de metodologias paraprojetar a população, com diversos níveis de desagrega-ção por áreas geográficas e faixas etárias, representam umadas atividades mais importantes nos estudos de aborda-gem demográfica desenvolvidos na Fundação Seade.

Seu procedimento metodológico, para projetar a po-pulação paulista, é o método dos componentes demográ-ficos, que foi aplicado pela primeira vez ainda com os re-sultados do Censo Demográfico de 1970 e tem sidorenovado com os sucessivos Censos de 1980 e 1991, eagora com o Censo de 2000.

Procurando aumentar a precisão das projeções realiza-das para áreas menores, como os municípios, em diferentescontextos de crescimento populacional, foram desenvol-vidos, na Fundação Seade, procedimentos metodológicospara adaptar o método dos componentes demográficos nocampo municipal (Waldvogel, 1989) e técnicas aprimora-das para projetar cada componente demográfico (Funda-ção Seade, 1999).

O estudo demográfico para o total da população paulis-ta, ora apresentado, foi desenvolvido no Projeto “Projeção

mento, tanto na administração pública quanto privada. Comessa informação, é possível uma melhor previsão das de-mandas de necessidades básicas, como saúde, habitação,educação, previdência, emprego, transporte, entre outros.São informações decisivas no cálculo de indicadores, queauxiliam nas estratégias de tomadas de decisão e nos es-tudos de caráter científico.

A construção de cenários demográficos futuros torna-se relevante e primordial para a orientação de políticaspúblicas que necessitem quantificar o público-alvo con-forme as características da população. Esses cenários re-presentam simulações das tendências demográficas futu-ras baseadas na análise de tendências históricas, nodiagnóstico das realidades regional e estadual, e na cons-trução de hipóteses de comportamento futuro para os com-ponentes do crescimento populacional.

A Fundação Seade, órgão vinculado à Secretaria deEconomia e Planejamento do Estado de São Paulo, temcomo uma de suas funções fornecer, aos mais diferentesusuários, informações relativas ao movimento anual da po-

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da População e dos Domicílios para os Municípios do Esta-do de São Paulo, até 2025”, realizado em parceria com aCompanhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo– Sabesp. Seu objetivo foi subsidiar essa companhia na apli-cação de seus serviços de abastecimento de água e esgota-mento sanitário. O intercâmbio entre a Sabesp e o Seade,iniciado em 1988 e renovado em 1997, foi novamente in-tensificado no projeto realizado em 2002/2003, consolidandoa atuação conjunta das duas instituições governamentais.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A Fundação Seade realiza a Pesquisa Mensal de Esta-tísticas Vitais nos Cartórios de Registro Civil de todos osmunicípios do Estado de São Paulo, coletando informa-ções minuciosas sobre o registro legal dos eventos vitais –nascimentos, casamentos e óbitos –, que possibilitam oacompanhamento contínuo da dinâmica demográfica parao total do Estado de São Paulo, bem como de forma desa-gregada por regiões, municípios e distritos da capital.

Estes dados, combinados com as informações dos re-censeamentos populacionais realizados pelo IBGE, pos-sibilitam o cálculo de uma série de indicadores demográ-ficos que definem o perfil da população e suas principaiscaracterísticas. Entre eles pode-se destacar as taxas de mor-talidade infantil e mortalidade por causas, as estimativasde esperanças de vida ao nascer, as taxas de fecundidadetotal e por idade, os saldos migratórios e respectivas ta-xas de migração, por exemplo.

Esse conjunto detalhado de informações habilita a Fun-dação Seade a aplicar uma metodologia de projeção que,conceitualmente, soma uma série de vantagens em rela-ção a outros métodos de extrapolação matemática. Trata-se do método dos componentes demográficos, processoanalítico que destaca o papel da fecundidade, da mortali-dade e da migração no crescimento populacional, permi-tindo a construção de hipóteses de projeção mais segurase mais eficazes para a área-alvo a ser projetada. Essa me-todologia permite, também, certo controle sobre o resul-tado final, em que os efeitos e as conseqüências na com-posição e no volume da população podem ser explicadosdemograficamente, mediante hipóteses formuladas para ocomportamento futuro dos componentes populacionais.

O método de projeção de população pelos componentesdemográficos, por si só, não representa grande vantagemsobre os métodos tradicionais de extrapolação matemáti-ca. Se a formulação das hipóteses sobre o comportamen-to futuro das variáveis demográficas se limitar a uma sim-

ples extrapolação de tendências passadas, o método per-de seu caráter analítico e se equipara àqueles tradicionais.Sua principal vantagem reside na flexibilidade de estabe-lecer hipóteses baseadas em uma análise pormenorizadada dinâmica demográfica regional.

O primeiro passo para a operacionalização desta me-todologia, que projeta a população por idade e sexo, é obteras funções de fecundidade, mortalidade e migração reque-ridas neste modelo, referentes ao período base. Em segui-da, formulam-se hipóteses de comportamento futuro paraas tendências demográficas.

O método consiste em projetar qüinqüenalmente a po-pulação por grupos etários, por meio da aplicação de pro-babilidades de sobrevivência, e acrescentar (ou subtrair)aos sobreviventes, assim calculados, a migração correspon-dente a cada grupo. Estas operações são realizadas dentrode cada coorte independentemente, em etapas qüinqüenaissucessivas, de tal forma que a população final da primeiraetapa constitua a população inicial da segunda e, assim,sucessivamente, até se alcançar o período total desejado.A cada etapa da projeção surge uma nova coorte, formadapelos nascimentos do período considerado.

O Estado de São Paulo, acompanhando uma tendênciaobservada em todo o Brasil, está passando por rápidas trans-formações em sua dinâmica demográfica. A elaboração dashipóteses apresentadas a seguir, para cada componente de-mográfico, procurou considerar todos os elementos dispo-níveis até o presente, como os últimos recenseamentos po-pulacionais realizados pelo IBGE (1980, 1991 e 2000), eos indicadores demográficos produzidos pelo acompanha-mento contínuo de eventos vitais da pesquisa tradicional-mente realizada pela Fundação Seade.

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVASDA MIGRAÇÃO

As últimas décadas foram marcadas por transformaçõessocioeconômicas e políticas profundas, tanto em âmbitomundial como nacional. Essas mudanças tiveram desdo-bramentos importantes, alterando os padrões da redistri-buição espacial da população, nos anos recentes.

Segundo alguns especialistas da área econômica, atéos anos 70, a dinâmica e a localização das atividades in-dustriais pautavam, em grande medida, os possíveis ca-minhos da população no Estado de São Paulo (Cano, 1994;Caiado, 1996; Pacheco, 1998).

Na década de 80, o poder de atração exercido pela in-dústria paulista diminuiu consideravelmente, repercutin-

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO

do de forma pronunciada no mercado de trabalho e nosmovimentos populacionais. A recessão, que abalou o país,atingiu predominantemente a atividade industrial, provo-cando queda generalizada nos níveis de atividades, de em-prego e de renda. Tendo em vista que grande parte da eco-nomia industrial do país concentrava-se na Região Sudeste,sobretudo no Estado de São Paulo, os efeitos dessa criseeconômica incidiram fortemente no território paulista(Cano, 1994; Unicamp/Nepo, 1997).

Nos anos 90, novos fatores passaram a interferir na di-nâmica econômica e migratória estadual. Com a aberturacomercial e financeira e a conseqüente internacionaliza-ção da economia, a política econômica vigente induziu aprocessos de reestruturação da base produtiva. Os princi-pais setores que compunham o parque industrial busca-ram novos mercados e incrementaram a produtividade comestratégias de competitividade. Esse movimento provocounão apenas a “liberalização econômica” como também foiresponsável pela quebra de empresas, transferências pa-trimoniais, mudanças nos padrões tecnológicos, alteraçãodos métodos e modelos de gestão e eliminação de empre-gos, entre outros (Negri e Pacheco, 1993; Negri, 1996).Neste período, em continuidade com a década anterior,mesmo em menores proporções, verificou-se um proces-so de interiorização econômica e populacional do Esta-do. Segundo Araújo (1992), esse processo ocorreu em umespaço concentrado num raio de aproximadamente 150 kma partir do centro da metrópole, abrangendo as regiões deCampinas, São José dos Campos, Santos e Sorocaba.

Considerando-se as estimativas dos saldos migrató-rios, resultantes das entradas e saídas de migrantes doEstado de São Paulo, nas últimas décadas, é possível ava-liar o impacto desse cenário econômico na dinâmica de-mográfica paulista. Essas estimativas foram realizadascom base nas diferenças entre o crescimento populacio-nal proveniente dos censos demográficos (IBGE) e osaldo vegetativo calculado com os nascimentos e óbitosdisponíveis no Sistema de Estatísticas Vitais (FundaçãoSeade).

No tocante à dinâmica migratória, observou-se que, de-pois de registrar um arrefecimento bastante acentuado damigração nos anos 80, o Estado voltou a exibir ganhosmigratórios na década de 90. Nesse período, o volume demigração estadual foi de 147 mil migrantes ao ano, ou seja,praticamente triplicou em relação ao registrado entre 1980e 1991 (51 mil). A taxa anual do Estado passou de 1,8migrante por mil habitantes, entre 1980 e 1991, para 4,3por mil, entre 1991 e 2000 (Gráfico 1).

Apesar da recuperação migratória nos anos 90, em ter-mos prospectivos, dificilmente o ritmo de migração re-tornará aos patamares atingidos até os anos 70, quando amigração chegou a responder por 42% do crescimentopopulacional paulista.

Comparativamente aos anos 80, a Região Metropolita-na de São Paulo – RMSP apresentou diminuição nas per-das migratórias, revertendo o saldo anual migratório ne-gativo de 26 mil migrantes, registrado entre 1980 e 1991,para um saldo anual positivo de 24 mil migrantes, entre1991 e 2000. A capital caracterizou-se como a grande áreade evasão de população do Estado, exibindo uma perdade 68 mil pessoas ao ano, entre 1980-1991. Nos anos 90,verificou-se lenta diminuição da evasão populacional dacapital e um ganho migratório dos outros municípios daRMSP, que passaram a registrar a maior taxa de migra-ção do Estado: 11,4 migrantes ao ano por mil habitantesnos anos 90.

O interior demonstrou ganhos migratórios importantes:o saldo migratório anual que era de 77 mil pessoas entre1980 e 1991, passou a ser de 123 mil pessoas, entre 1991e 2000, o que representou um aumento de 60% no volumede migração no período 1980-2000.

Mediante as considerações estabelecidas, pode-se di-zer que, mesmo diante de um contexto de grandes trans-formações econômico-sociais, o Estado de São Paulo con-

GRÁFICO 1

Evolução da Taxa Anual de MigraçãoEstado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo

e Interior – 1980-2000

Fonte: Fundação Seade.(1) Corresponde ao Estado de São Paulo, excluindo os municípios da Região Metropolitanade São Paulo.

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tinuou protagonizando o processo de redistribuição da po-pulação no território brasileiro, destacando-se como aprincipal área de atração populacional do país.

Refletir sobre as tendências prospectivas da migração,para o Estado de São Paulo, é uma tarefa de extrema com-plexidade. Na verdade, diante da estreita relação que os des-locamentos populacionais guardam com outras dimensõeseconômicas, sociais e culturais, a construção de hipótesespara o comportamento futuro da migração torna-se um exer-cício de reflexão sobre os rumos a serem seguidos pela eco-nomia das áreas envolvidas nos fluxos migratórios.

A seleção das hipóteses de comportamento futuro damigração procurou vincular e aproximar as tendências eco-nômicas e populacionais, tomando-se como base as taxasanuais de migração. Ressalte-se que as taxas de migraçãoconstituem um indicador bastante refinado para se pensara projeção da migração, pois ao relacionar o volume dossaldos migratórios com a população total, essa taxa ex-pressa o impacto da migração na população de cada área.

A elaboração das hipóteses futuras de migração para oEstado de São Paulo teve, como cenário, os supostos for-mulados para a RMSP e o interior.

Para a metrópole, supôs-se lenta redução das taxas mi-gratórias ao longo do período da projeção. Essa tendênciaestaria relacionada a uma redução da evasão populacionalda capital e a uma diminuição das taxas migratórias recen-tes observadas nos demais municípios metropolitanos.

Para o interior do Estado, considerou-se que as regiõesmais dinâmicas, situadas no entorno metropolitano, ten-deriam a exibir uma diminuição das taxas migratórias aolongo do período da projeção. Para as regiões situadas aoeste do Estado, a tendência seria de uma manutenção oumesmo uma lenta recuperação nas taxas migratórias, demodo que estas áreas reduziriam a perda populacional econseguiriam reter mais a população, e para as regiõescentrais supôs-se uma manutenção das taxas migratóriasdurante todo o período da projeção.

Dessa forma, as hipóteses resultantes para o total doEstado de São Paulo foram de redução das taxas migrató-rias registradas no período 1991-2000, de modo que, nohorizonte de 2025, contaria com uma taxa de 1,6 migran-te ao ano por mil habitantes.

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVASDA FECUNDIDADE

A disponibilidade de dados de nascimentos produzi-dos pela Fundação Seade, cuja qualidade tem sido reco-

nhecida há vários anos, tem permitido obter estimativasconfiáveis dos níveis e das estruturas de fecundidade paraEstado de São Paulo e suas regiões desde os anos 60. EmSão Paulo, o uso das estatísticas do Registro Civil asso-ciado à aplicação, na década de 90, da Declaração de Nas-cidos Vivos, apresenta grande vantagem em relação àsestimativas obtidas pelos dados censitários. Com os pri-meiros bancos de dados, a fecundidade é calculada diretae anualmente, ao contrário dos censos, cujas estimativassão para intervalos de aproximadamente dez anos. A par-tir da década de 90, a PNAD tem permitido estimar a fe-cundidade anualmente, porém sua amostra não permitedesagregações para áreas menores como regiões adminis-trativas ou municípios. A importância do Censo Demo-gráfico e da PNAD, fontes de informação produzidas peloIBGE, é, entretanto, imensurável em muitas regiões bra-sileiras, nas quais foram e ainda são a única fonte confiá-vel para estimar a fecundidade. Além disso, são, de formageral, as que permitem revelar o comportamento repro-dutivo das mulheres conforme características, como ins-trução, raça/cor ou renda, que denunciam as diferençasda população de acordo com os grupos sociais.

Assim, o Estado de São Paulo conta com estimativasde fecundidade calculadas com estatísticas do Registro Ci-vil desde os anos 60 e sua evolução tem sido analisadapor diversos autores (Camargo e Yazaki, 2002; Campa-nário e Yazaki, 1994; Wong, 1986; entre outros), e é pos-sível acompanhar o processo de transição da fecundidadedas mulheres paulistas, assim como projetar tendênciasfuturas para esse comportamento.

A diminuição da fecundidade no Estado de São Pauloé observada desde os anos 60, entretanto as quedas forammais acentuadas no início das décadas de 70 e de 80, de-sencadeando alterações importantes no ritmo de cresci-mento da população, bem como alterações em sua estru-tura etária.

A Taxa de Fecundidade Total – TFT, no período 1960-1980, passou de 4,7 a 3,4 filhos por mulher, uma reduçãode aproximadamente 27% (Gráfico 2). No início da déca-da de 80, foi registrada nova queda importante e esta ten-dência foi contínua até o início dos anos 90, quando seobservou uma estabilização da taxa em torno de 2,3 fi-lhos por mulher. Ao final dessa década, foi registrado umpequeno aumento nas taxas de fecundidade, para, em se-guida, apresentar uma diminuição no período 1998-2002.Assim, em 2000, a fecundidade foi de 2,2 e em 2002 che-gou a 1,9 filho por mulher, valor inferior ao nível de re-posição.1

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO

Cabe lembrar que essa diminuição reflete as quedasocorridas em todas as regiões, independentemente de seusníveis de desenvolvimento socioeconômico, indicando quea queda é universal. Contudo, os dados censitários e depesquisas demográficas evidenciam que as alterações ocor-ridas a partir dos anos 80 refletem, sobretudo, as diminui-ções da fecundidade dos grupos que estavam menos avan-çados no processo de transição, ou seja, dos grupos menosfavorecidos da população (população rural, menos instruí-da, etc.).

Os estudos sobre os determinantes da queda da fecun-didade no país apontam que a transição foi resultado deum complexo conjunto de transformações econômicas,sociais, culturais e institucionais (Carvalho; Wong, 1996;Campanário; Yazaki, 1994, entre outros). Destacam tam-bém que essa queda deveu-se principalmente à utilizaçãode dois métodos anticoncepcionais: a pílula e a esteriliza-ção, cujas prevalências entre as mulheres unidas alcan-çam 55% nas décadas de 80 e 90, no Estado de São Paulo(Bemfam-IRD, 1986; Bemfam-DHS, 1996).

As mudanças nos níveis de fecundidade são acompa-nhadas pelas alterações em suas estruturas por grupos deidade, isto é, a fecundidade diminui em todas as faixasetárias, mas, em especial, nas mulheres com mais de 30anos, concentrando-se, assim, entre 20 e 30 anos, comomostra o Gráfico 3.

No Estado de São Paulo, como em todo o país, a fe-cundidade das adolescentes de 15 a 19 anos é elevadaquando comparada à de outros países (Europa ou Japão).Assim, a fecundidade em São Paulo caracteriza-se poratingir níveis baixos, com uma estrutura jovem, em que ataxa mais elevada é observada entre 20 e 25 anos, confi-gurando uma curva com cúspide do tipo precoce.

Entre 1960 e 2000, a redução da fecundidade em todasas faixas etárias foi bastante importante, com exceção dogrupo de 15 a 19 anos. Nele, a fecundidade diminuiu en-tre 1960 e 1980, mas depois se manteve praticamente nomesmo nível, ao redor de 70 filhos para cada mil jovens esomente a partir de 2000 tem mostrado sinais de redução.Na faixa de 20 a 24 anos, cuja fecundidade oscilava emtorno de 240 nascimentos por mil mulheres, na década de60, passou para 188 nascimentos, em 1980, e atualmenteregistra uma taxa de 104 nascimentos, apresentando re-duções importantes no período: 23% e 45%, respectiva-mente. Nos grupos etários seguintes, 25 a 29 e 30 a 34anos, a variação chegou a ultrapassar os 60%. Dos 35 a39 anos, a fecundidade é mais baixa e registrou queda deaproximadamente 70% no período; nos grupos etáriosseguintes, a fecundidade, já bastante reduzida, diminuiupara menos de 10 filhos por mil mulheres, no grupo de 40a 44 anos, e para menos de um filho, no de 45 a 49 anos.

GRÁFICO 2

Evolução da Taxa de Fecundidade TotalEstado de São Paulo – 1960-2002

Fonte: Fundação Seade.

GRÁFICO 3

Taxa de Fecundidade, por Idade da MãeEstado de São Paulo – 1960-2002

Fonte: Fundação Seade.

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Esta análise da evolução da fecundidade em São Pau-lo, brevemente apresentada, serviu de insumo para a ela-boração das hipóteses de comportamento feitas para o nívele a estrutura da fecundidade até 2025.

Embora a diminuição da fecundidade pareça ser contí-nua no início dos anos 2000, espera-se que essa tendêncianos próximos anos seja de desaceleração, tendendo à es-tabilização, pois muitas das regiões em que se subdivideo Estado já registram valores bem baixos (em torno de1,5 filho por mulher), próximos dos níveis verificados empaíses europeus; como por exemplo, 1,7 filho por mulherna França, em 1993, 1,5 na Holanda, em 1993, 1,3 na Itá-lia, em 1991 (Nações Unidas, 1995; 1999), países em quea fecundidade registra valores abaixo do nível de reposi-ção há algum tempo.

A projeção das taxas de fecundidade por idade seguiuum modelo que utiliza a relação existente entre o nível defecundidade e sua estrutura etária. O modelo baseia-se narelação decrescente existente entre as taxas específicas defecundidade e a diminuição das respectivas TFTs, em to-dos os grupos etários, com exceção do primeiro, de 15 a 19anos. Neste grupo, as taxas são praticamente constantes coma queda das TFTs, como foi observado anteriormente. En-tretanto, análise dos dados e de tendências de outros paísesrevelou que a tendência deste grupo jovem de mulheres se-ria decrescente ou de estabilização. Dessa forma, estima-se que as mulheres, no Estado de São Paulo, tenderão a com-por suas famílias em idades mais jovens, com a maiorconcentração no grupo etário entre 20 e 24 anos.

Para a projeção dos níveis de fecundidade, isto é, dasTFTs, considerou-se que a fecundidade tenderá a níveisbaixos e estáveis. Por um lado, esta redução deverá ser for-temente influenciada pelo timing da queda no período 1980-2000, queda esta que, ao que tudo indica, continuará exis-tindo em ritmo mais lento. Por outro lado, no futuro, o nívelda fecundidade deverá alcançar um limite baixo. Para aprojeção dos valores da TFT, no período 2000-2025, ad-mitiu-se um cenário em que as mulheres paulistas assumi-riam uma fecundidade de 1,8 filhos por mulher.

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVASDA MORTALIDADE

A evolução da esperança de vida no Estado de SãoPaulo, no período 1940-2000, caracteriza-se por ganhosimportantes de anos de vida média, nas décadas de 40 e50, e por uma diminuição sistemática desses ganhos aolongo das décadas subseqüentes (Tabela 1).

É conhecido o impacto positivo sobre as condições desaúde, durante as décadas de 40 e 50, causado pelas me-didas adotadas na área de saúde pública e saneamentobásico, pela introdução dos antibióticos e conseqüenteredução da incidência e letalidade, ou mesmo erradica-ção de diversas doenças infecciosas e parasitárias. A po-pulação infantil, que em geral representa o setor popula-cional mais sensível às agressões do meio ambiente, foibeneficiada pela diminuição bastante rápida dos riscos demorte por doenças infecciosas. Dessa forma, as mortes pre-coces foram reduzidas substancialmente, com reflexos di-retos sobre a vida média da população.

Durante a década de 60 e a primeira metade dos anos70, os fatores determinantes desse processo já não produ-ziam os mesmos efeitos. Em primeiro lugar, foi alcança-da uma redução importante da incidência das doenças in-fecciosas, de forma que os ganhos, a partir daí, passarama ser sistematicamente menores. Em segundo, o rápidocrescimento populacional das cidades não foi acompanha-do pela expansão, no mesmo ritmo, da infra-estrutura ur-bana de serviços básicos, acarretando um rápido proces-so de deterioração da qualidade de vida nos setoresperiféricos das grandes cidades e aumentando sensivel-mente os diferenciais de mortalidade entre o centro e aperiferia urbana.

Como reflexo direto desses fatores e do agravamentodas condições socioeconômicas, a mortalidade infantilinverteu a tendência histórica e passou a apresentar au-mentos sistemáticos desde meados da década de 60 até aprimeira metade dos anos 70. No entanto, ainda na déca-da de 70, as intervenções governamentais na área da saú-de, com ênfase na rede de serviços básicos, de atendimentomédico-sanitário, da cobertura de vacinas, etc., trouxeramganhos visíveis com os indicadores de saúde. Este novocomportamento interferiu, de forma direta, na diminuiçãodas taxas de mortalidade infanto-juvenil e adulta e no au-mento da esperança de vida estimada para 1980.

Durante a década de 80, a permanência da tendênciade redução dos riscos de morte da população infanto-ju-venil representou uma contribuição importante para o cres-cimento da esperança de vida ao nascer. Nas demais fai-xas etárias, observou-se aumento da mortalidade dapopulação masculina com idades entre 15 e 39 anos e re-lativa estabilidade naquelas acima dos 40 anos; enquantopara a população feminina, registrou-se redução da mor-talidade em todas as idades.

No período mais recente, 1991 a 2000, o aumento dasprobabilidades de morte nas idades entre 15 e 39 anos se

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO

contrapôs aos ganhos obtidos pela população infantil, e aesperança de vida ao nascer, no Estado, aumentou em 2,1anos.

Os diferenciais de tendência da mortalidade resultaramno aumento inferior da esperança de vida masculina emrelação à feminina. Enquanto a mortalidade para as mu-lheres diminuiu em praticamente todas as idades, para oshomens os ganhos obtidos com a redução da mortalidadeinfanto-juvenil foram parcialmente anulados pelo forteaumento da mortalidade dos adultos jovens. A ampliaçãoda diferença entre a esperança de vida feminina e mascu-lina passou de 2,39 anos, em 1940, para 8,82 anos em 2000.

A origem da concentração das diferenças entre os adul-tos jovens fica mais nítida quando se observam as tendên-cias dos riscos de morte em cada faixa etária, tanto para apopulação masculina como para a feminina, no período1950-2000. Foram representadas, no Gráfico 4, as proba-bilidades de morte q(x) masculinas e femininas para to-das as idades.

O conjunto de curvas demonstra as alterações no pa-drão etário da mortalidade masculina causadas pela ten-dência de aumento da mortalidade nas faixas etárias de15 a 39 anos. Nas idades entre 15 e 24 anos, as probabili-dades de morte q(x), em 2000, superam os níveis obser-vados 50 anos antes. Trata-se de um retrocesso muito in-tenso nos níveis de mortalidade, que distorce o padrãoanterior da mortalidade masculina, diferenciando-o for-temente do padrão feminino, que mantém aproximadamen-te a mesma estrutura das décadas anteriores.

TABELA 1

Evolução da Esperança de Vida ao Nascer, por SexoEstado de São Paulo – 1940-2000

Homens Mulheres DiferençaAno entre os Sexos

e0 Incremento e0 Incremento e0 (fem.) - e0 (masc.)

1940 44,29 46,68 2,398,46 9,21

1950 52,75 55,89 3,146,29 7,78

1960 59,04 63,67 4,630,28 1,81

1970 59,32 65,48 6,163,98 4,54

1980 63,30 70,02 6,721,57 3,22

1991 64,87 73,24 8,371,88 2,33

2000 66,75 75,57 8,82

Fonte: Fundação Seade.

GRÁFICO 4

Probabilidades de Morte q(x), por SexoEstado de São Paulo – 1950-2000

Fonte: Fundação Seade.

Examinou-se, mais detalhadamente, as tendências dasprincipais causas de morte no Estado, com o objetivo decaracterizar melhor o comportamento evolutivo de cadauma delas, em especial do grupo de causas externas e daAids. Foram elaboradas taxas de mortalidade para a faixaetária de 15 a 39 anos, adotando-se, como critério de clas-sificação para as causas de morte, uma compatibilizaçãodos Capítulos da Classificação Internacional de Doenças,relativas à nona e décima revisões. Foram selecionadosalguns capítulos de maior peso para efeito de compara-ção com aquele das causas externas. A mortalidade porAids foi considerada isoladamente, devido a sua elevadaincidência e rápido crescimento nesta faixa etária.

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No caso da mortalidade masculina, verifica-se o papelpredominante das causas externas com relação aos demaiscapítulos, tendo sua tendência de aumento ocorrido emduas etapas: de 1980 a 1989, seguindo-se um curto perío-do de decréscimo até 1992; e de 1993 a 2002, quandoforam registrados aumentos sucessivos, atingindo o nívelmáximo em 1999. Os anos de 2000 e 2002 já indicam umaquebra de tendência com redução visível no Gráfico 5. Éimportante salientar que a taxa de mortalidade por causasexternas passou de um patamar de 150 por 100 mil habi-tantes, em 1980, para um outro próximo de 245 óbitos por

100 mil, em 1999, diminuindo para 222 em 2002. Esseaumento das mortes por causas externas foi decisivo natendência geral da mortalidade masculina no grupo etáriode 15 a 39 anos. Entre as causas externas que atingem essapopulação, os homicídios aparecem em primeiro lugar,seguidos pelos acidentes de veículo a motor. Com rela-ção às demais causas de morte agrupadas nos capítulosselecionados, não se verifica uma tendência nítida de au-mento, prevalecendo certa estabilidade ou pequeno decrés-cimo, como, por exemplo, as doenças do aparelho circu-latório, a partir de 1989.

GRÁFICO 5

Taxa de Mortalidade da População de 15 a 39 Anos, por Sexo, segundo Grupos de Causas de MorteEstado de São Paulo – 1980-2002

Fonte: Fundação Seade.

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO

Resta, então, o caso da epidemia de Aids, que se desta-ca pela rápida ascensão entre 1988 e 1994, representandoum outro fator de risco importante que se soma àquelesassociados com as causas externas. A taxa de mortalida-de por Aids, a partir de 1991, passou a superar todas astaxas calculadas por capítulo, com exceção daquelas re-ferentes às causas externas. Em 1995 ocorreu uma inver-são de tendência da mortalidade por Aids, diminuindoefetivamente até 2002.

Para a população feminina, o panorama é muito distin-to do anterior. Primeiramente, os níveis de mortalidadesão bem inferiores aos dos homens, tornando necessáriauma adaptação da escala do Gráfico 5 para uma melhorvisualização das tendências. Em segundo, as taxas porcausas externas, além de bem inferiores, oscilam muitoao longo do período de observação: identifica-se um acrés-cimo sistemático, entre 1980 e 1986, e um posterior de-créscimo até 1992, voltando a apresentar taxas crescentesentre 1993 e 1996, tal como se verificou para a populaçãomasculina. Assim, as taxas mudaram a tendência e decli-naram até 2002. Entre as causas externas que atingem apopulação feminina, as de maior peso são os acidentes deveículos a motor e os homicídios. Quanto aos demais ca-pítulos selecionados, há uma nítida tendência de quedaobservada nas taxas de mortalidade por doenças do apa-relho circulatório: em 1980, igualavam-se ao nível do ca-pítulo das causas externas, diminuindo sistematicamenteaté 2002. As taxas por neoplasmas apresentaram certaestabilidade com algumas flutuações e os demais capítu-los registraram pequeno declínio.

As taxas de mortalidade por Aids da população femi-nina cresceram rapidamente a partir de 1988, superandoos níveis de vários capítulos e se igualaram, em 1994, àstaxas de mortalidade por neoplasmas. Nos anos de 1995 e1996, a taxa de mortalidade por Aids, na faixa etária de15 a 39 anos, passou a superar todas as demais causas,com exceção daquelas referentes às causas externas. Onível de mortalidade permaneceu praticamente constantenesses dois anos, e passou a cair sistematicamente em se-guida, apresentando a mesma quebra de tendência já ob-servada para os homens.

A evolução da mortalidade no modelo de projeção de-mográfica para o Estado de São Paulo foi operacionaliza-da por intermédio de pressupostos sobre as mudanças fu-turas da esperança de vida ao nascer, por sexo, e peladeterminação de probabilidades de sobrevivência, poridade e sexo, coerentes com a evolução esperada para acomposição das causas de morte da população paulista.

Para medir a evolução da esperança de vida ao nascer,seguiram-se os parâmetros do modelo desenvolvido pe-las Nações Unidas sobre a evolução da mortalidade. Talmodelo, desenvolvido com base na evolução da mortali-dade observada em uma grande quantidade de países, apre-senta ganhos qüinqüenais de esperança de vida de acordocom o nível inicial. Na medida em que a esperança de vidaaumenta, os ganhos diminuem sistematicamente.

As probabilidades de sobrevivência, por idade e sexo,correspondentes às esperanças de vida projetadas, foramdeterminadas por meio de interpolações nas tábuas-mode-lo de mortalidade elaboradas para o Estado de São Paulo.Foram consideradas as alterações do padrão etário provo-cadas pela influência das causas externas de mortalidade.

A evolução futura da esperança de vida, até 2025, parao Estado de São Paulo, considerou que a população femi-nina viveria, em média, 80,38 anos, e a masculina viveria72,25 anos.

CENÁRIOS FUTUROSDA POPULAÇÃO PAULISTA

A população residente no Estado de São Paulo era com-posta de 36.974.378 pessoas, na data do Censo Demográ-fico de 2000 (IBGE), concentrando 22% da populaçãobrasileira. O ritmo de crescimento observado na últimadécada foi de apenas 1,82% ao ano, praticamente a meta-de do registrado na década de 70. Em trinta anos, a popu-lação paulista mais que dobrou (Tabela 2).

O modelo de projeção adotado pela Fundação Seade,que considera a interação dos três componentes demográ-ficos: fecundidade, mortalidade e migração na simulaçãodos possíveis cenários futuros para a população paulista,

TABELA 2

Evolução da População ResidenteEstado de São Paulo – 1970-2000

População Crescimento Taxa AnualAno 1o de julho Absoluto de Crescimento

Anual (%)

1970 17.670.013728.323 3,51

1980 24.953.238589.367 2,12

1991 31.436.273615.345 1,82

2000 36.974.378

Fonte: Fundação Seade; IBGE.

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já previa essa desaceleração no ritmo de crescimento, comas hipóteses formuladas ainda com as informações dispo-níveis na década de 80. A confirmação dessa tendênciadescarta, definitivamente, as afirmações recorrentes na-quele momento sobre a expectativa de “vertiginoso cres-cimento populacional” do Estado de São Paulo.

As hipóteses de comportamento elaboradas para oscomponentes demográficos no futuro, com base no Cen-so Demográfico de 2000 (IBGE) e das estatísticas vitaisrecentes (Fundação Seade), deverão resultar na continui-dade deste processo de desaceleração do ritmo de cresci-mento. A população paulista deverá atingir um volume de48.974 mil habitantes, em 2025. A redução gradativa dastaxas de crescimento esperadas responderá por um ritmode crescimento populacional de aproximadamente 0,73%ao ano, no qüinqüênio 2020-2025.

Essas alterações na dinâmica populacional definirãodiferentes estruturas etárias, nos primeiros 25 anos do sé-culo XXI. Trata-se de um conjunto de informações deci-

sivas para adaptação e formulação de políticas públicasespecíficas para os contingentes populacionais relativosa cada grupo etário.

Na tentativa de ressaltar a relevância das informaçõesdecorrentes das projeções populacionais, tornando-as maisúteis para aqueles que refletem sobre os impasses da in-tervenção pública em um país como o nosso, de muitacarência e poucos recursos para investir na área social, osresultados são aqui apresentados de duas formas. A pri-meira é a pirâmide etária populacional projetada, que re-vela uma população marcadamente adulta, em pleno pro-cesso de envelhecimento populacional (Gráfico 6). Asegunda é a evolução do volume populacional em cincograndes grupos etários, que explicita a tendência diferen-ciada de crescimento de cada um deles e indica a pressãodemográfica resultante em diversos setores da sociedade(Gráfico 7).

O envelhecimento populacional fica mais explícito aose comparar a evolução da idade mediana da população pau-

Fonte: Fundação Seade; IBGE.

GRÁFICO 6

Pirâmide Etária da População Residente, por SexoEstado de São Paulo – 2000-2025

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PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO PAULISTA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO

lista. No ano 2000, a divisão populacional em volumes iguaisestava concentrada na idade de 25 anos. Já em 2025, essecorte deverá ser registrado na idade de 35 anos. Outro dadointeressante, que confirma as alterações na estrutura etária,é relativo ao grupo etário de maior destaque em volume.Em 2000, esse grupo era de 15 a 19 anos, enquanto em 2025esse destaque deverá ficar com a parcela populacional comidades entre 40 e 44 anos, que representa justamente o gru-po etário de 15 a 19 anos, 25 anos depois.

A população idosa, representada pelo contingente commais de 65 anos, será a parcela que mais crescerá. Seuritmo de crescimento, nos próximos 25 anos, deverá ser,em média, 3,8% ao ano. A principal conseqüência será aelevação da participação desse contingente na populaçãototal que deverá dobrar, passando de 6%, em 2000, para12% em 2025. O contingente populacional correspondentedeverá atingir um volume de 5.734 mil pessoas, o que sig-nifica um aumento de 2,5 vezes em relação aos 2.261 milrecenseados em 2000. As mulheres idosas continuarãosendo maioria neste grupo etário.

Uma conseqüência dessa evolução pode ser percebidana razão de dependência da população idosa, calculada pelarelação entre este grupo etário e a população potencialmentemais ativa, entre 15 e 64 anos. Em 2000, esse indicador era9,1, enquanto em 2025 passa a 17,0, demonstrando umimportante aumento na pressão que os idosos terão em re-lação à população contribuinte, por exemplo, para a Previ-dência Social. Outro importante impacto será na área da

saúde, em que o volume crescente de idosos demandarãomaior número de consultas, exames e internações.

A segunda parcela que mais crescerá nos próximos anosé a população de 50 a 64 anos. Seu ritmo de crescimentodeverá ser de 3,2% ao ano, nos próximos 25 anos. Con-centrará cerca de 18% da população paulista e deverá atin-gir um total de 8.727 mil pessoas. Nesse grupo, as mulhe-res também serão maioria, mas a razão entre os sexos nãoserá tão diferenciada: 1,1 mulher para cada homem.

A população adulta, entre 30 e 49 anos, será a parcelaa apresentar o maior volume: 14.836 mil pessoas, concen-trando 30% da população total residente no Estado de SãoPaulo. Nesse grupo, deverá existir um equilíbrio popula-cional entre os dois sexos. A taxa média de crescimentoesperado para os próximos 25 anos deverá ser de 1,4% aoano, aproximando-se mais do ritmo de crescimento do totalda população (1,1%).

Os contingentes populacionais com menos de 30 anosdeverão manter, aproximadamente, o mesmo volume até2025, apresentando taxas médias de crescimento negati-vas, mas muito próximas de zero. Também neste grupo oequilíbrio entre a população para ambos os sexos seráperfeito: uma mulher para cada homem.

O grupo jovem-adulto, com idades entre 15 e 29 anos,deverá ser composto por 10.246 mil pessoas em 2025,volume bastante semelhante ao registrado em 2000, queera de 10.366 mil. Esse comportamento deverá manterestável a pressão por novos empregos, no futuro.

GRÁFICO 7

População Residente, por Faixas EtáriasEstado de São Paulo – 1980-2025

Fonte: Fundação Seade; IBGE.

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Já a população com menos de 15 anos deverá contarcom 9.430 mil pessoas em 2025, decrescendo em média,0,12% ao ano. Esta redução é conseqüência direta da ten-dência decrescente esperada para os níveis de fecundida-de. Nesse grupo, é possível separar duas parcelas que de-mandam necessidades distintas: as crianças com menos de4 anos e a população em idade escolar, entre 7 e 14 anos.

Esse comportamento demográfico permite dizer que, nofuturo, não haverá aumento da pressão resultante na áreade educação, cuja resposta deste setor, para garantir a co-bertura da população com idade regular para cursar o en-sino fundamental, poderá trabalhar com uma perspectivasegura de manutenção dos níveis de demandas em um pa-tamar estável e constante. Contudo, a área de saúde infan-til também contará com volumes uniformes nos próximos25 anos, auxiliando no planejamento de serviços especiaispara essa população infantil, como o dimensionamentoestável de doses de vacina e serviços de saúde materno-infantil, por exemplo.

As análises realizadas decorrem de projeções que guar-dam implícitas em seus resultados hipóteses de compor-tamento esperado para os componentes demográficos. Asinformações apresentadas pretendem servir de subsídiosaos encarregados pelas formulações de políticas públicase para planos específicos, que considerem a populaçãoresidente no Estado de São Paulo como público-alvo.

O conhecimento da ordem de grandeza da populaçãono futuro e sua composição por sexo e idade, consideran-do aspectos apontados que sinalizam a dinâmica da popu-lação e o processo de mudança de seu perfil, torna possí-vel trabalhar com um retrato mais aproximado para estecomeço de século. A concentração de esforços, para umpreparo antecipado para atender às demandas emergentesda população, pode reduzir, quando não for possível evi-tar, os problemas e as dificuldades a serem enfrentadaspela população paulista amanhã.

NOTA

1. Nível de reposição é um índice que corresponde ao número médiode filhos que cada mulher deveria ter durante sua vida fértil para repo-sição de sua geração, calculada em 2,1 filhos por mulher.

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INDICADORES SOCIAISpor que construir novos indicadores como o IPRS

Resumo: O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a experiência da Fundação Seade na construção deindicadores sociais, particularmente o Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRS e seu sistema deindicadores. Também são apresentados os resultados do IPRS 2000.Palavras-chave: indicadores sociais; dados estatísticos; desenvolvimento humano.

Abstract: This article describes the experience of Fundação Seade in creating social indicators, particularlythe São Paulo Index of Social Responsibility – IPRS and its system of indicators. It includes a presentation ofthe results of IPRS 2000.Key words: social indicators; statistical data; human development.

HAROLDO DA GAMA TORRES

MARIA PAULA FERREIRA

NÁDIA PINHEIRO DINI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 80-90, 2003

ntre as aspirações das agências produtoras de da-dos e informações estatísticas – como o Seade –uma das mais importantes talvez seja a de que os

concretizando. Responder a esse desafio não é trivial. En-volve não apenas a organização de bancos de dados e seutratamento, mas a compreensão de como a informação éapreendida e utilizada pelos usuários. Existe relativo con-senso de que a melhor (e mais arriscada) forma de “co-municar” complexos fenômenos sociais de modo mais sim-ples tem sido pela utilização de indicadores, no que peseas dificuldades e os problemas metodológicos envolvidosna elaboração desses instrumentos.

Nesse sentido, a proposta deste artigo é produzir umareflexão a respeito da produção de indicadores, seus ris-cos e suas possibilidades. Em particular, descrevemos aquia experiência da instituição no processo de construção deindicadores sintéticos de desenvolvimento em nível mu-nicipal, especificamente os que compõem o sistema deindicadores do Índice Paulista de Responsabilidade So-cial – IPRS. Esses indicadores foram criados no FórumSão Paulo – Século XXI, por solicitação de seus compo-nentes, que requereram a construção de indicadores sin-téticos que permitissem captar, de forma contínua, a pro-gressão do desenvolvimento dos municípios paulistas emdireção à sociedade desejada e discutida amplamente nesseFórum.

Eformuladores de políticas públicas utilizem efetivamentea sua produção para o planejamento e a avaliação de po-líticas. Em tese, a utilização de informações e resultadosestatísticos, tanto na definição de metas como napriorização e direcionamento das intervenções, possibili-tariam mais rapidez e eficiência ao gestor público paraatingir seus diferentes objetivos. Entre outras coisas, asestatísticas constituem instrumento importante para: de-senvolver melhor as políticas sociais, permitindo o acom-panhamento e a evolução dos processos; aumentar o con-senso social sobre as difíceis escolhas diante do semprepresente constrangimento dos recursos; revelar e criar res-ponsabilidades dos diferentes atores envolvidos nesses pro-cessos; e incluir na agenda de políticas sociais temas muitasvezes negligenciados no campo de ação de determinadapolítica setorial (como a questão racial, por exemplo).

Atualmente, é crescente a demanda que a FundaçãoSeade recebe tanto de órgãos públicos como da mídia parafornecer e organizar estatísticas. Portanto, essa procura éum indício de que essa aspiração e esse desafio vêm-se

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INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Um dos principais responsáveis por esse renovado in-teresse por estatísticas para políticas sociais é o Índice deDesenvolvimento Humano – IDH, lançado no início dosanos 90 e que, rapidamente, tornou-se a mais conhecidadas medidas de desenvolvimento. Valendo-se do impres-sionante sucesso do IDH, as Nações Unidas tornaram-secapazes de sinalizar aos governantes dos diversos paísese regiões em desenvolvimento, a proposição de que bus-car crescimento não é sinônimo exclusivo de fazer aumen-tar a produção. No bojo desta questão, tem sido possívelconstituir um considerável debate internacional a respei-to de que, pelo menos, a melhoria das condições de saúdee educação da população deve também ser considerada comoparte fundamental do processo de desenvolvimento.

A construção desse novo indicador de desenvolvimen-to reflete a estreita relação com os debates em torno damensuração da qualidade de vida. A rigor, um indicadorsobre esse tema se baseia na admissão de que a qualidadede vida não se resume à esfera econômica da experiênciahumana. A grande questão que se coloca quando se pre-tende avaliar o nível de prosperidade ou qualidade de vidade um país, região ou município é como fazê-lo. Quais asinformações necessárias? E talvez o mais importante, quaisos critérios verdadeiramente significativos para o desen-volvimento humano.

É possível que a medida de qualidade de vida mais di-fundida, até o surgimento do IDH, tenha sido o PIB percapita. No entanto, conhecer o PIB per capita de um paísou região não é suficiente para avaliar as condições devida de sua população, uma vez que, também, é necessá-rio conhecer a distribuição desses recursos e como se dáo acesso a eles.

Esse entendimento, de que o PIB per capita é umamedida insuficiente para avaliar a qualidade de vida daspessoas, já estava evidente na década de 50, quando em1954 um grupo de especialistas das Nações Unidas pro-pôs que, além da dimensão monetária, outras dimensõesdeveriam ser consideradas na avaliação da qualidade devida das pessoas.

Essa idéia se baseia no pressuposto de que o progressode um país ou localidade não pode ser mensurado apenaspelo dinheiro que possuem (ou carecem) seus cidadãos,mas também em sua saúde, na qualidade dos serviçosmédicos e em sua educação. Essas medidas deverão serconsideradas não só pela disponibilidade mas também pelaqualidade. Da mesma forma, é necessário conhecer as

condições de trabalho, quais direitos legais e políticosusufruem seus cidadãos, que liberdades possuem paraconduzir suas relações sociais e pessoais, como seestruturam as relações familiares e entre os gêneros e comoestas estruturas promovem ou dificultam outros aspectosda atividade humana. E, sobretudo, saber de que forma asociedade em questão permite às pessoas imaginar, mara-vilhar-se e sentir emoções, o que efetivamente faz comque a vida seja mais do que um conjunto de relações co-merciais (Nussbaum e Sen, 1998).

A ênfase em diferentes componentes para a mensuraçãoda qualidade de vida implica considerar vários aspectos,que não são transferíveis entre si. Não é suficiente conhe-cer somente as condições econômicas, também deve-seter informações sobre a saúde, conhecimento e habilida-des, relações sociais, condições de trabalho, etc., paramedir o nível de vida. O IDH propôs-se a enfrentar estedesafio, sintetizando em um único indicador dimensõesde renda, longevidade e escolaridade.

Apesar de o sucesso alcançado pelo IDH, a escolha dasdimensões cobertas pelo índice bem como as estratégiasde ponderação e de operacionalização das diferentes di-mensões têm provocado bastante desconforto na comuni-dade produtora de dados. Não poderia ser diferente, poisquem lida com estatísticas sociais sabe que ao reduzir emum único número a complexa evolução e dinâmica dodesenvolvimento social e econômico, faz-se uma série dereduções e simplificações, muitas vezes difíceis de seremcaptadas por não-especialistas ou mesmo aplicadas noâmbito do senso comum.

Apesar dessas objeções, é inegável a importância doIDH como medida catalisadora, que introduz na agendatemas em que as Nações Unidas gostariam de ver ventila-das. Nas palavras de Sen “... o índice imperfeito falou altoe claro e recebeu uma atenção inteligente e, através desseveículo, a realidade complexa contida no Relatório1 en-controu também uma audiência interessada”1 (PNUD,1998).

Simultaneamente ao processo de difusão do IDH nosanos 90, há uma nova ênfase em políticas sociais descen-tralizadas, focalizadas e que envolvem a participação deatores não governamentais. Isso reforça a demanda pordiferentes tipos de indicadores ao nível nacional e local.Com o advento do IDH, há um verdadeiro boom na pro-dução de indicadores sintéticos para países, Estados, mu-nicípios e até distritos ou bairros em diferentes países emdesenvolvimento, como Índia, Honduras, Guatemala,Costa Rica e Brasil (PNUD, 1999; PNUD, 2000).2

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Uma vez que, com o avanço da descentralização, a men-suração do desenvolvimento tornou-se mais central para osgovernos locais e nacionais que pretendem introduzir políti-cas de desenvolvimento social e econômico no local. O prin-cipal motivo desse comportamento parece ser o fato de queos indicadores são vistos como poderosas ferramentas, nãosomente para o planejamento, mas também como formas dosgovernos democráticos se relacionarem com a opinião pú-blica e a mídia e com as pressões vindas dos políticos tradi-cionais e demais forças locais (PNUD, 2000).

Existe pouca certeza a respeito de que indicador ouindicadores seriam adequados ou suficientes, especialmen-te se o pesquisador considera a questão do ponto de vistade uma política pública específica quanto ao local(Inforegio, 2000). Assim, quando um gestor de políticaspúblicas pretende utilizar um indicador como ferramentade avaliação e acompanhamento da política social, algu-mas questões importantes precisam ser analisadas: Comoproduzir um indicador para pequenas áreas? Este indica-dor será sensível a variações de curto prazo? Ou seja, écondizente com o tempo de execução da política social?Estas são apenas algumas das várias questões que surgemquando os gestores públicos e a sociedade tornam-sedemandantes de indicadores que serão utilizados para to-madas de decisões e avaliações.

Em geral, deve-se considerar que:- a percepção de que algumas regiões são desenvolvidase outras não está no centro dos principais dilemas daspolíticas nacionais e internacionais do último século, par-ticularmente desde o processo de descolonização. No en-tanto, a construção de medidas de desenvolvimento não ésimples. Ela implica identificar, medir e comparar as di-mensões que caracterizam esse fenômeno, bem como suastransformações ao longo do tempo;- apesar de serem na teoria ferramentas ideais para polí-ticas públicas, os indicadores criados dificilmente pos-suem, ao mesmo tempo, os atributos classicamente tidoscomo indispensáveis a um bom indicador, como: credi-bilidade, simplicidade, desagregação espacial, reprodu-tibilidade, comparabilidade, periodicidade, acurácia, baixocusto e sensibilidade;- muitas políticas sociais são planejadas e aplicados paraum período relativamente pequeno, em geral um mandatogovernamental. Assim, os indicadores deveriam poderexpressar as variações ocorridas nesse intervalo de tem-po, o que não é fácil, diante da lógica do processo de co-leta e produção de dados;

- a maioria dos indicadores construídos refere-se a valo-res agregados para áreas específicas, tais como médias derenda ou de anos de estudo. Isso pode encobrir importan-tes desigualdades existentes dentro das áreas, ou mesmosituações de segregação. Nesse caso, a unidade geográfi-ca é muito importante, uma vez que, quanto menor o ta-manho da área maior a possibilidade de identificar situa-ções de desigualdades e/ou segregação. Esse fato éparticularmente importante quando se constrói índices paramunicípios de diferentes portes populacionais com a pre-tensão de compará-los;- em regimes democráticos, o processo de formulação depolíticas envolve convencimento e geração de consensos.Assim, as variáveis utilizadas para orientar as estratégiasde uma particular política social devem ser simples e des-frutar de muita credibilidade no governo, tanto internacomo externamente.

Em síntese, a demanda por novos índices parece serparte de uma tendência dos governantes de tornar cadavez mais racionais os processos de tomadas de decisão.Soma-se a isso a maior utilização dos indicadores pelasociedade civil e pela mídia, que os utilizam para traçarum panorama da questão social nacional ou local.

Assim, ao passarem também a produzir indicadores, emespecial os sintéticos, várias organizações produtoras dedados entenderam que, apesar de suas limitações, elespodem transformar-se em mensagens fortes e, nesta con-dição, tornarem-se aliadas na criação de uma cultura deresponsabilidade e na realização efetiva dos direitos hu-manos, ambos comportamentos indispensáveis para a cons-trução de sociedades que anseiam por um desenvolvimentosustentável e com a democratização da sociedade do co-nhecimento. No entanto, estamos bem longe de produzirindicadores que respondam efetivamente a todos os re-quisitos desejáveis do ponto de vista de sua perfeita utili-zação por parte dos gestores públicos. A seguir, algunsesforços realizados pelo Seade nesse campo.

POR QUE CONSTRUIR O IPRS

O Índice Paulista de Responsabilidade Social – IPRSpassou a ser desenvolvido pela Fundação Seade em 2000,após uma encomenda de um índice que refletisse o desen-volvimento e a qualidade de vida dos municípios paulistas.A construção desse indicador partiu, a princípio, de umaavaliação das experiências com outros indicadores muni-cipais, particularmente o IDH-M (o IDH desenvolvido paramunicípios do Brasil). Avaliou-se que este indicador, no

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INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS

caso de São Paulo, apresentava pouca diferenciação en-tre as diversas situações socioeconômicas observadas nosmunicípios paulistas, e não era adequado aos objetivos daAssembléia Legislativa.

Uma das primeiras tarefas na construção do IPRS re-feria-se ao problema de como combinar as diferentes di-mensões (renda, escolaridade, etc.) que se deseja repre-sentar no índice. O IDH tinha optado pela média aritmética,opção simples mas arbitrária. Contudo, dentro doparadigma adotado para a construção do IPRS, no qual amensuração da qualidade de vida pressupõe considerarvários aspectos não transferíveis entre si, nenhuma dasdimensões poderia ser utilizada para substituir a outra, nemhierarquizável. Dessa forma, não existe forma objetiva ouimparcial pela qual seria possível decidir qual de duaspessoas está melhor, se uma delas possui, por exemplo,uma saúde deficiente, porém melhores condições socio-econômicas que a outra.

A rigor, ao se considerar a qualidade de vida comomultidimensional, duas questões surgem. A primeira é ofato de que não existe nenhuma teoria universal que apontequais componentes são essenciais para a mensuração daqualidade de vida. É desejável que esses componentes re-flitam os problemas que afetam todas as condições de vidae sejam de tal importância que em todas as sociedades sefaçam esforços organizados e coletivos para combatê-los.Erikson (1998), discutindo a experiência sueca, alerta parao fato de que esses componentes dependem da situação ecultura do lugar. Destaca também o caráter político das es-colhas, selecionando-se somente os componentes passíveisde sofrerem intervenção pelas políticas públicas.

A segunda questão é o fato de que a multidimensiona-lidade implica tornar impossível a elaboração de um úni-co indicador ordenável de condições de vida. Assim, umadas formas de contornar esse “problema” seria a descri-ção das condições de vida feita com base em um conjuntode indicadores que expressariam a situação da populaçãoestudada para cada uma das dimensões consideradas namensuração da qualidade de vida. A desvantagem dessetipo de abordagem é o grande número de indicadores ne-cessários e a dificuldade na visualização de uma imagemgeral das condições de vida.

Uma alternativa a esse enfoque é a criação de umatipologia que permita distinguir as diferentes situações queconfiguram as condições de vida de uma população. Ob-serve-se, entretanto, que esse procedimento de classifica-ção, mesmo incapaz de ordenar essas situações, permitedistingui-las claramente, o que, com certeza, é o que im-

porta quando se pensa no desenho de políticas públicasespecíficas para cada grupo de municípios.3

O sistema de indicadores IPRS, cujo objetivo é permi-tir a caracterização e o acompanhamento da evolução dosmunicípios paulistas, foi organizado valendo-se da idéiade que a tipologia de municípios é um modo mais trans-parente de hierarquizar as diferentes situações sociais ob-servadas do que por qualquer estratégia arbitrária de pon-deração. Ele é originalmente composto por um conjuntode indicadores sintéticos que mais à frente derivam dife-rentes tipos de municípios. Pelo IPRS, é possível o agru-pamento de municípios de acordo com as característicasrelevantes para a definição de prioridades de ação e, nointerior de cada grupo, a construção de rankings de muni-cípios, segundo os indicadores específicos. Outra carac-terística do sistema IPRS é permitir a identificação dosproblemas que colocam os municípios em situação devantagem ou desvantagem em relação aos demais muni-cípios do Estado de São Paulo.4

Índice Paulista de Responsabilidade Social

Tomando-se por base esses desafios, considerou-se queo indicador a ser construído deveria conter certasespecificidades. A primeira seria preservar as três dimen-sões que compõem o IDH – renda, longevidade e escola-ridade –, tendo em vista o interesse em se manter consis-tente com o paradigma do desenvolvimento humanoproposto pelo PNUD. A segunda, a inclusão de variáveiscapazes, na medida do possível, de captar mudanças decurto prazo e os esforços dos municípios em relação àstrês dimensões consideradas. Em terceiro lugar, basear-seprioritariamente em registros administrativos, por causada cobertura e periodicidade dessas fontes de dados, o quepermitiria a atualização do indicador para os anos entreos censos demográficos e para todos os municípios doEstado de São Paulo. Assim, as variáveis escolhidas paracompor são distintas daquelas empregadas no cálculo doIDH, apesar de representarem as mesmas dimensões: ren-da, longevidade e escolaridade.

Para cada uma das três dimensões consideradas, foramcriados, para 1992, 1997 e 2000, indicadores sintéticosque permitem a hierarquização dos municípios paulistasconforme seus níveis de riqueza, longevidade e escolari-dade. Esses indicadores estão expressos em uma escalade 0 a 100 e se constituem em uma combinação linear dasvariáveis selecionadas para compor o indicador sintético.A estrutura de ponderação foi obtida de acordo com um

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modelo de análise fatorial, em que se estuda a estruturade interdependência entre diversas variáveis. O Quadro 1apresenta as variáveis que compõem os três indicadoressintéticos e a estrutura de ponderação obtida para cadauma das dimensões consideradas.

O indicador riqueza municipal procura captar, ao mes-mo tempo, a riqueza do município (por intermédio dasvariáveis: consumo de energia elétrica na agricultura, nocomércio e em serviços e valor adicionado per capita) e arenda familiar (por meio das variáveis: consumo de ener-gia elétrica residencial e rendimento médio dos emprega-dos no setor privado com carteira assinada e setor públi-co). Esse indicador pode ser reproduzido anualmente, umavez que isso ocorre também nas variáveis que o compõem.As fontes de informação utilizadas foram os registros ad-ministrativos fornecidos pelas Secretarias de Estado dosNegócios da Fazenda e da Energia do Estado de São Pau-lo e do Ministério do Trabalho e Emprego.

O indicador de longevidade, expresso pela combinaçãode quatro taxas de mortalidade específicas a determinadasfaixas etárias – mortalidade perinatal, infantil, de adultos de15 a 39 anos e a de pessoas de 60 anos e mais – pretendeudestacar as dimensões da mortalidade consideradas relevan-tes para o estudo da qualidade de vida no Estado de São Paulo.Assim, devido às especificidades do Estado, com crescentemortalidade de adultos e significativos problemas de óbitosmaternos e perinatais, que abrange os natimortos, enfatizou-se essas dimensões. As fontes de informação utilizadas fo-

ram os dados do registro civil, organizados e disponibilizadospela Fundação Seade.

A opção por um indicador fundamentado em quatrotipos de mortalidade, em detrimento da esperança de vidaque, a rigor, permite captar as condições médias da mortali-dade de determinada região para todos os diferentes gruposde idade, baseou-se no fato de que a esperança de vidacarrega forte componente inercial e, portanto, de poucasensibilidade a variações conjunturais e incapaz de revelaras particularidades da mortalidade em diferentes regiões.

Na construção do indicador de escolaridade, enfatizou-se a situação escolar dos adolescentes e jovens. As razõespara isso foram, em primeiro lugar, o fato de que o nívelde escolaridade dos jovens e adolescentes reflete, commaior precisão, a situação geral do sistema de ensino nosúltimos anos. Em segundo lugar, como os jovens compo-rão no futuro a força de trabalho. Os locais com menorescolaridade de jovens tendem e tenderão a ter, em geral,mais problemas no que diz respeito à inserção desses in-divíduos no mundo do trabalho, uma vez que esse mercado écrescentemente seletivo de acordo com a escolaridade.

Diferentemente dos indicadores de riqueza municipale longevidade o de escolaridade é embasado em dadosprimários: censos demográficos e contagem da população.A principal razão para isso foi a ocorrência de mudanças,na década de 90, no questionário do censo escolar – fontealternativa para a produção desses indicadores – que difi-cultou a construção de séries históricas.

QUADRO 1

Síntese das Variáveis Selecionadas e Estrutura de Pesos Adotada,segundo Dimensões do IPRS

Dimensões Variáveis

Riqueza Municipal Consumo de energia elétrica residencial (44%)

Consumo de energia elétrica na agricultura, no comércio e em serviços (23%)

Rendimento médio dos empregados com carteira assinada e do setor público (19%)

Valor adicionado per capita (14%)

Longevidade Mortalidade infantil (30%)

Mortalidade de adultos de 60 anos e mais (20%)

Mortalidade de adultos de 15 a 39 anos (20%)

Mortalidade perinatal (30%)

Educação Porcentagem de jovens de 15 a 19 anos que concluíram o ensino fundamental (26%)

Porcentagem de jovens de 20 a 24 anos que concluíram o ensino médio (24%)

Porcentagem de crianças de 10 a 14 anos alfabetizadas (24%)

Porcentagem de jovens de 15 a 24 anos alfabetizadas (23%)

Porcentagem de matrículas de ensino fundamental oferecidas pela rede municipal (3%)

Fonte: Fundação Seade. IPRS.

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INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS

O indicador de escolaridade é bastante assemelhadoao IDH, que combina as taxas de matrícula nos ensinosfundamental, médio e superior com os níveis de analfabe-tismo adulto. De modo geral, as taxas de conclusão refle-tem as condições gerais de ensino, enquanto as de analfa-betismo, que inclui as pessoas analfabetas e com até 1 anode estudo, indicam a proporção de indivíduos totalmenteexcluídos do sistema escolar, apontando para a questãodos níveis de exclusão.

Com a combinação dos três indicadores, foi criada umatipologia que classifica os 645 municípios do Estado deSão Paulo em cinco grupos com características similaresde riqueza municipal, longevidade e escolaridade. Atipologia de municípios criada constitui-se em ferramen-ta analítica que permite identificar a situação de cada umdos municípios paulistas em cada uma das três dimensõesda análise. Da mesma forma, nenhuma delas é privilegia-da a despeito de outra.

A construção dessa tipologia baseou-se em técnicasestatísticas multivariadas (Seade, 2001) que agrupammunicípios de acordo com a similaridade existente entreeles nas três dimensões consideradas. Para fins de simpli-ficação da descrição dos grupos criados e sua posterior

reprodução, sintetizou-se os três indicadores sintéticos deriqueza municipal, longevidade e escolaridade em esca-las categóricas, que expressam o “padrão geral” dos gru-pos criados. Para os indicadores de longevidade e escola-ridade, foram identificadas três categorias – Baixa, Médiae Alta – e para o de riqueza municipal duas categorias –Baixa e Alta. O Quadro 2 apresenta a descrição dos cincogrupos de municípios.

Resultados do IPRS 2000

Os Mapas de 1 a 3 apresentam a distribuição dos mu-nicípios conforme os indicadores sintéticos de riqueza,longevidade e escolaridade, principais resultados obtidospor meio da reprodução da tipologia de municípios em2000.

Por estes mapas, é possível observar em primeiro lugara concentração dos municípios mais ricos na RegiãoMetropolitana de São Paulo, em parte do litoral e no eixoem torno das rodovias Anhangüera e Presidente Dutra(Mapa 1). Para o indicador de longevidade, Mapa 2, nota-se uma grande concentração de municípios localizados nasregiões sul e leste, incluindo partes do Vale do Paraíba,com baixos níveis de longevidade. A maior parte dosmunicípios do Estado apresenta níveis médios e altos delongevidade, com grande concentração no oeste de muni-cípios com altos níveis de longevidade. No indicador deescolaridade, Mapa 3, observa-se um padrão semelhante aoapresentado pelo indicador de longevidade, destacando-se omelhor perfil do Estado em relação a este indicador.

O Mapa 4 apresenta as distintas situações existentesentre os municípios paulistas, e é possível traçar um per-fil dos municípios que compõem cada um dos cinco agru-pamentos:- Grupo 1: composto por 81 municípios localizados aolongo das principais rodovias do Estado de São Paulo –Presidente Dutra e Anhangüera. É o maior grupo na ques-tão populacional com aproximadamente 23 milhões dehabitantes. Fazem parte deste grupo os municípios de SãoPaulo, Campinas, Ribeirão Preto, São José dos Campos,Sorocaba e Santos entre outros. Os municípios desse gru-po se destacam em relação aos demais municípios do Es-tado por apresentar, ao mesmo tempo, níveis mais eleva-dos de riqueza e nos indicadores sociais.- Grupo 2: formado por 48 municípios, cerca de 5 mi-lhões de pessoas, localizados sobretudo no entorno dasRegiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas e Bai-xada Santista, caracteriza-se por apresentar um perfil de

QUADRO 2

Síntese dos Critérios Adotados para a Formação dos Grupos de Municípios

Grupos Categorias

Grupo 1 Alta riqueza, média longevidade e alta escolaridade

Alta riqueza, média longevidade e média escolaridade

Alta riqueza, baixa longevidade e alta escolaridade

Alta riqueza, alta longevidade e baixa escolaridade

Alta riqueza, alta longevidade e média escolaridade

Alta riqueza, alta longevidade e alta escolaridade

Grupo 2 Alta riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade

Alta riqueza, média longevidade e baixa escolaridade

Alta riqueza, baixa longevidade e média escolaridade

Grupo 3 Baixa riqueza, média longevidade e média escolaridade

Baixa riqueza, alta longevidade e média escolaridade

Baixa riqueza, média longevidade e alta escolaridade

Baixa riqueza, alta longevidade e alta escolaridade

Grupo 4 Baixa riqueza, baixa longevidade e média escolaridade

Baixa riqueza, baixa longevidade e alta escolaridade

Baixa riqueza, média longevidade e baixa escolaridade

Baixa riqueza, alta longevidade e baixa escolaridade

Grupo 5 Baixa riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade

Fonte: Fundação Seade. IPRS.

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MAPA 1

Indicador Sintético de Riqueza Municipal2000

Fonte: Fundação Seade. IPRS.

Fonte: Fundação Seade. IPRS.

MAPA 2

Indicador Sintético de Longevidade 2000

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INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS

MAPA 4

Índice Paulista de Responsabilidade Social2000

MAPA 3

Indicador Sintético de Escolaridade2000

Fonte: Fundação Seade. IPRS.

Fonte: Fundação Seade. IPRS

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

Grupo 4 Grupo 5

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relativa riqueza municipal e situação social inadequadacom precárias condições de longevidade e escolaridade.Identificam-se, neste conjunto de municípios, três impor-tantes segmentos: 1) municípios industriais, como Mauá,Cubatão, Diadema e Guarulhos, localizados nos entornosdas regiões metropolitanas, cuja riqueza municipal podeser considerada elevada devido, sobretudo, à presença deindústrias de grande porte; 2) municípios que abrigamcondomínios de alto padrão, como Barueri, Cotia eItapecerica da Serra; 3) municípios turísticos, tais comoGuarujá, Campos do Jordão, Ilhabela, Ibiúna e Atibaia.- Grupo 3: engloba 211 municípios; em geral, são depequeno porte, baixo nível de riqueza municipal e eleva-das condições de escolaridade e de longevidade, quandocomparados ao restante do Estado de São Paulo. Locali-zam-se nas regiões norte e oeste do Estado, com uma po-pulação de 3,5 milhões de habitantes, ou uma média de16,7 mil habitantes. Quanto ao porte populacional, as ex-ceções são Franca e Santa Bárbara d’Oeste, ambos commais de 100 mil habitantes. Entre as possíveis explica-ções para a emergência destas localidades está seu pequenotamanho populacional, que, em tese, é um elemento quepoderia tornar mais transparentes e eficazes os instrumen-tos de política de descentralização em saúde e educação.Além disso, os dados demográficos disponíveis apontampara a continuidade do padrão histórico de emigraçãonestas áreas. Em princípio, esse elemento torna menospremente a necessidade de investimentos em infra-estru-tura viária para a urbanização de novas áreas.- Grupo 4: agrega 191 municípios, com 3,5 milhões dehabitantes, que, de modo geral, apresentam baixo nívelde riqueza municipal e níveis intermediários de escolari-dade e/ou longevidade. Esses municípios estão localiza-dos em quase todas as regiões do Estado, com destaquepara áreas tradicionalmente consideradas problemáticas.- Grupo 5: formado por localidades tradicionalmentepobres, caracterizadas por baixos níveis de riqueza muni-cipal, longevidade e escolaridade. Este grupo concentraos piores municípios do Estado, tanto em riqueza comonos indicadores sociais. Seus 114 municípios localizam-se em áreas bem específicas do Estado, como o Vale daRibeira e as Serras do Mar e da Mantiqueira. Sua popula-ção total é de apenas 2 milhões de habitantes.

Entre os resultados apresentados, é possível identifi-car os perfis específicos de cada um dos cinco agrupa-mentos e também perceber padrões espaciais que demons-tram que os indicadores gerados caracterizam, de forma

efetiva, a heterogeneidade regional do Estado de São Pau-lo. Segundo essa classificação, os municípios pertencen-tes ao Grupo 1 localizam-se principalmente ao longo doeixo das Rodovias Dutra e Anhangüera, e têm o Municí-pio de São Paulo como vértice; os municípios do Grupo 2concentram-se nos entornos metropolitanos de São Pau-lo, Campinas e Baixada Santista; já os municípios do Gru-po 3 encontram-se, principalmente, no oeste do Estado;enquanto os municípios dos Grupos 4 e 5 tendem, por suavez, a ficar mais concentrados nos bolsões de pobreza doVale do Ribeira e das Serras do Mar e da Mantiqueira.

Quando se comparam esses resultados com os obtidosem 1997, observa-se a permanência do padrão já identifi-cado naquele ano. Apesar de não ser objeto deste artigo acomparação da evolução dos indicadores setoriais entreesses dois períodos, é interessante salientar os expressi-vos progressos nas dimensões de longevidade e, princi-palmente, escolaridade. Quanto aos níveis de riquezamunicipal, praticamente, não houve alteração entre os anos1997 e 2000.5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O IPRS compartilha com o IDH a perspectiva de que odesenvolvimento é um processo que, além dos aspectoseconômicos, necessita incorporar dimensões da vida so-cial e da qualidade de vida dos indivíduos.

O IPRS, idealizado como um diálogo com o IDH e como paradigma do desenvolvimento humano, incorpora cer-tas especificidades decorrentes das condições particula-res do Estado de São Paulo:- priorização de indicadores que produzem variações numperíodo de quatro ou cinco anos, que corresponde ao tempode uma gestão governamental, constituindo-se assim emuma importante ferramenta para o monitoramento de po-líticas públicas;- criação, não de um único índice, mas de uma tipologiade municípios que agregam características comuns, pos-sibilitando a identificação dos principais problemas eco-nômicos ou sociais de um município;- indicadores do IPRS são fundamentados em critérios re-lativos, definidos com base na situação apresentada pelopróprio Estado. Este fato permite a construção de um qua-dro muito mais heterogêneo da diversidade paulista do queo proporcionado pelo IDH, que utiliza escalas ajustadas àheterogeneidade observada na comparação entre os diver-sos países.

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INDICADORES SOCIAIS: POR QUE CONSTRUIR NOVOS INDICADORES COMO O IPRS

Assim, esse conjunto de indicadores fornece mais sub-sídios para se refletir a respeito dos elementos que indu-zem diferentes performances econômicas e sociais dosmunicípios paulistas. No entanto, a continuidade dessaproposta apresenta novos e importantes desafios, e um dosmais importantes é a compreensão sobre a heterogeneidadeexistente no interior do município. Pois, apesar de o IPRSrevelar a heterogeneidade existente entre os municípios,há também uma heterogeneidade no interior de cada mu-nicípio, implicando desafios às políticas públicas estaduaise municipais, em especial no campo do combate à pobre-za. Uma vez que, mesmo os municípios mais ricos doEstado, como São Paulo e Campinas, apresentam em seuinterior significativos bolsões de pobreza, que constituemrecorrente dificuldade para uma satisfatória resolução deseus problemas sociais.

Nesse sentido, vêm sendo desenvolvidos, em uma se-gunda etapa do IPRS, estudos que objetivam captar aheterogeneidade intra-urbana, utilizando-se dos SetoresCensitários, como unidade geográfica e dos dados dosCensos Demográficos. Da mesma forma, está se buscan-do a criação de indicadores que permitam captar os esfor-ços municipais para melhorar a situação de seus habitan-tes nos campos da saúde e educação.6

NOTAS

1. Trata-se do Relatório de Desenvolvimento Humano publicado anual-mente pelo Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD).

2. No Brasil, existem mais de 10 diferentes índices produzidos paramunicípios (PNUD et al., 1998; Seade, 2001) e intramunicipais paragrandes cidades como São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Santo André,Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Campinas e Brasília. Parte dessaprodução pode ser encontrada na Internet em: <www.pbh.gov.br>;<www.ipea.gov.br> e <www.undp.org.br>.

3. Ressalte-se, porém, que a opção pela criação de um único indica-dor, no caso do IDH, mostrou-se bastante adequada a seu objetivo deordenar de forma simples e inteligível unidades geográficas, segundoo grau de desenvolvimento humano.

4. A Fundação Seade já possuía experiência na criação de tipologias,como os grupos socioeconômicos da Pesquisa de Condições de Vidana Região Metropolitana de São Paulo, realizada em 1990.

5. Uma análise detalhada da evolução dos indicadores IPRS está apre-sentada no relatório do IPRS (Fundação Seade, 2003a).

6. Para maiores detalhes ver relatório do IPRS (Fundação Seade, 2003b; c).

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________________________HAROLDO DA GAMA TORRES: Demógrafo, Pesquisador do Cebrap e doCentro de Estudos da Metrópole, Consultor da Fundação Seade.

MARIA PAULA FERREIRA: Estatística, Analista da Fundação Seade, Con-sultora do Centro de Estudos da Metrópole.

NÁDIA PINHEIRO DINI: Estatística, Gerente de Métodos Quantitativos daFundação Seade.

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SPMULHERES EM DADOS

N

SPMULHERES EM DADOS

Resumo: A conquista de direitos formais para as mulheres parece diluída na persistência de práticas discrimi-natórias tanto no espaço público como no privado. A informação é um dos elementos indispensáveis ao exer-cício da plena cidadania e ferramenta para a formulação de políticas públicas. O artigo trata de um sistema deinformações sobre temas estruturantes na vida das mulheres no Estado de São Paulo que permite diagnosticardiversos processos em curso nas relações de gênero.Palavras-chave: políticas públicas; gênero; mulheres paulistas.

Abstract: The achievement of formal rights by women is diluted by the persistence of discriminatory practicesboth in the public and private spheres. Information is one of the essential elements towards full social participationand is a tool in the formulation of public policy. This text discusses a system of information on the state ofwomen in São Paulo State and permits a diagnosis of the diverse processes underway in gender relations.Key words: public policy; gender; women of São Paulo State.

MARIA CECÍLIA COMEGNO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 91-103, 2003

as últimas décadas, registraram-se avanços sig-nificativos nas relações entre homens e mulhe-res, mas persistem ainda práticas discriminató-

Cabe, ainda, ressaltar que quando se focaliza a ques-tão das desigualdades sociais as soluções tornam-se ain-da mais problemáticas, uma vez que a capacidade dosEstados de sustentar políticas de bem-estar social e, des-se modo, garantir a universalidade dos direitos sociais, estáaltamente comprometida com a reestruturação do sistemaeconômico mundial, das economias nacionais e do gastopúblico. Acresce-se a esse quadro a expansão da popula-ção economicamente ativa, uma das mais importantestransformações sociais ocorridas no país desde os anos70, que deriva das mudanças demográficas, culturais esociais manifestadas no Brasil e tem como base a necessi-dade econômica e as oportunidades oferecidas, afetandoem particular esse contingente populacional.

A criação legal do Conselho Estadual da CondiçãoFeminina – CECF, em 1986, pelo governo do Estado deSão Paulo, mas que por decreto funcionava desde 1983,iniciou o processo de formulação e implementação depolíticas públicas dirigidas às mulheres, com base na açãoconjunta de entidades femininas e de órgãos executores.À medida que o CECF ampliava sua área de atuação, coma multiplicação dos conselhos municipais, e crescia a de-manda por subsídios para a aplicação de políticas locais,

rias, tanto no espaço público como no privado. Essas prá-ticas foram mundialmente reconhecidas pela necessida-de de ampliação do conceito de direitos humanos, queadquiriram significado e alcance novos quando a IV Con-ferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, rea-lizada em Pequim (1995), declara que “os direitos hu-manos das mulheres e das meninas são parte inalienável,integrante e indivisível dos direitos universais”. Essa con-cepção foi incorporada aos tratados e acordos assinadosnos anos 90 entre nações, com efeitos diretos no âmbitointerno dos países signatários das convenções, como é ocaso do Brasil, colocando novos desafios e oportunida-des para os órgãos institucionais de direitos da mulherno que diz respeito à definição de políticas públicas degênero. Nesse sentido, um dos mais importantes instru-mentos que introduz essa visão é a Convenção sobre aEliminação de Todas as Formas de Discriminação con-tra a Mulher – Cedaw, ratificada pelo Brasil em 1984 epromulgada pelo Decreto no 4.377, de 13 de setembrode 2002.

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tornou-se evidente a carência de informações sistemati-zadas sobre a situação das mulheres paulistas. Apesar dealgumas iniciativas pontuais, persistia a dispersão e a frag-mentação das informações.

A Fundação Seade, desde 1993, trabalha em parceriacom o Conselho para suprir tal carência. Nesse mesmoano, foi firmado entre ambos um convênio de prestaçãode serviços técnicos especializados de produção de da-dos e indicadores sobre a mulher paulista. E desde 1996,valendo-se de um contrato de cooperação técnica ajusta-do com a Agência Canadense para o Desenvolvimento In-ternacional/Fundo para Eqüidade de Gênero, a FundaçãoSeade vem trabalhando para a produção de indicadoressobre a mulher e o mercado de trabalho na Região Metro-politana de São Paulo.

Em 2000, essa parceria se repetiu no Programa de Po-líticas Públicas, com apoio da Fapesp, para produzir umsistema de informações que permite diagnosticar a situa-ção da mulher paulista, e, ao mesmo tempo, propiciar aformulação de políticas e programas públicos pela óticade gênero.

Intitulado SPMulheres em Dados e formatado em pa-drão Internet, esse produto acolhe uma antiga reivindica-ção do CECF: dispor de estatísticas quanto à situação damulher no Estado em suas áreas prioritárias de atuação.

O projeto inscreve-se no campo do fortalecimento dosmecanismos de promoção da mulher, para integrar suasdemandas nos programas governamentais e ao mesmotempo identificar os aspectos críticos na trajetória daconstrução das políticas de gênero no Estado de SãoPaulo.

A concepção da parceria apresentada neste projeto teve,entre outros objetivos, a introdução de uma alteração qua-litativa e inovadora nos trabalhos do CECF, pois, ao seapropriar de um sistema de informações selecionadas combase em seu centro de interesse, passa ele a ter um diag-nóstico da situação da mulher no Estado de São Paulo, oque lhe permite propor políticas públicas prioritárias earticuladas, sob a perspectiva de gênero, como tambématender a seus diferentes usuários – secretarias estaduaise municipais, conselhos municipais da condição femini-na, entidades de mulheres, etc.

ABORDAGENS TEMÁTICAS DIFERENCIADAS

O ponto de partida para estabelecer o referencial te-mático do SPMulheres em Dados foi a leitura de diversosdocumentos, cujos signatários comprometeram-se com a

luta pela implementação da Plataforma de Ação aprova-da na IV Conferência Mundial das Mulheres.1

Procurou-se, assim, voltar-se para temas que se referemàs áreas prioritárias de atuação do CECF, sobretudo seusaspectos que incorporam a perspectiva de gênero comofator transversal em suas respectivas ações programáticas.Foram, então, selecionados os seguintes temas: demo-grafia, saúde e direitos reprodutivos, educação, trabalho,violência e participação política. Essa escolha deveu-se,também, ao fato de eles serem estruturantes na vida dasmulheres e abrirem caminhos para mudanças necessárias.É preciso salientar que a complexidade que envolve aquestão dos direitos humanos relativos à mulher abrangeum campo de preocupações muito mais amplo do que oproposto neste projeto, como é o caso, por exemplo, dosefeitos da globalização sobre a vida das mulheres nas áreasambiental, cultural e de acesso a novas tecnologias deinformação e comunicações. De toda forma, esses temasainda estão praticamente ausentes da agenda do movimentode mulheres como também da agenda de pesquisas degênero – o que demonstra a baixa capacidade da sociedadecivil e do Estado em pautar tais demandas e propor ações.

A problemática das relações sociais de sexo exige umaleitura da sociedade de tal forma que desenvolva a per-cepção da hierarquia entre masculino e feminino e queessas relações não sejam neutras. A relação social de sexoou a noção de gênero é um conceito recente que aindaapresenta inúmeras controvérsias, mas, graças à produçãoacadêmica e à emergência dos movimentos feministas,após os anos 70, acumulou-se uma série de abordagensconceituais fundamentais que orientam a leitura docotidiano das mulheres.

Perfil Demográfico

As estatísticas demográficas constituem elemento dediagnóstico importante para identificar as desigualdadesentre os sexos. Embora a variável sexo esteja presente naspesquisas e nos recenseamentos, não necessariamente re-vela as relações socialmente valorizadas e prescritas en-tre homens e mulheres que permitam, por sua vez, com-preender os mecanismos que determinarão os diferentescomportamentos.

Em sua reflexão quanto às metodologias quantitativasem pesquisas sobre relações de gênero, Bruschini (1992:291) assinala que uma “abordagem feminista é o examecrítico das relações sociais tendo em vista a existência deum recorte de gênero, que também define desigualdades

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sociais”. Não se trata, portanto, de estudo tradicional so-bre as mulheres, e a diferença estaria no exame das rela-ções de gênero e na busca de uma resposta à opressão damulher pelo gênero. Em análises demográficas, é impor-tante o conhecimento de quem decide o quê, tanto em re-lação à fecundidade, à saúde como à migração, mas as es-tatísticas são incapazes de responder corretamente a essasquestões com perguntas individuais e “fechadas”.

Outros autores (Moreira, 1994; Goldani, 1994-2000;Alves, 1994) têm assinalado as dificuldades para incor-porar nos determinantes da fecundidade (ou de outra va-riável) as relações de gênero, utilizando dados censitáriose pesquisas demográficas e de saúde, devido, basicamen-te, à ausência de informações diretas capazes de consubs-tanciá-las. Para dimensionar todos os aspectos da discri-minação feminina, Goldani (2000) incorpora a seu estudotanto as práticas como as representações individuais, se-lecionando algumas áreas específicas para captar os indi-cadores de (des)igualdade de gênero nas famílias: a es-trutura diferencial da divisão de trabalho de produção ereprodução na família, as formas de divisão do poder etomadas de decisão pelos membros da família, a sexuali-dade e os comportamentos sexuais, redes de apoios fami-liares, violência doméstica, representações de casamen-to, filhos e família. Esse estudo sinaliza a complexidadede se construir e obter indicadores adequados para estu-dos de gênero; na prática, aproximações e adequações sãorealizadas utilizando-se os dados e as fontes de informa-ção disponíveis.

Apesar dessas considerações, as informações demográ-ficas são importantes instrumentos para o conhecimentodo perfil das populações feminina e masculina, assim comopara avaliar sua modificação ao longo do tempo, e é umindicador da persistência ou não da desigualdade entrehomens e mulheres. Principalmente para o planejamentoe a elaboração de políticas públicas referentes ao segmentofeminino, elas permitem quantificar as populações-alvo ecaracterizar as formas de desigualdade de gênero que emer-gem, sobretudo, quanto aos seus efeitos sobre a saúde dasmulheres e para os quais é preciso elaborar intervenções.

De fato, nas últimas décadas, observam-se modifica-ções no perfil demográfico das mulheres paulistas queacarretam novas demandas de políticas voltadas para essesegmento populacional. Elas são principalmente urbanas,adultas-jovens, diminuíram o tamanho de suas famílias evárias declaram ser chefes das mesmas.

Ao tratar das especificidades da mulher, é fundamen-tal considerar as desigualdades raciais e de gênero como

resultado do processo histórico que conformou a socie-dade brasileira. Estudiosos produziram ampla literaturamostrando que, no Brasil, as mulheres são mais discrimi-nadas racialmente do que os homens, o que pode ser tra-duzido em acessos e oportunidades desiguais, gerandoformas freqüentemente perversas de exclusão.

Quando se faz o recorte etário, a população adolescen-te-jovem constitui uma das maiores preocupações de so-ciedades, governos e organismos internacionais, visto quese encontra entre os grupos sociais mais atingidos pelasrápidas e profundas mudanças da pós-modernidade. Paraeste segmento, destacam-se problemas específicos da gra-videz e maternidade precoce, que estariam limitando suasoportunidades de inserção social numa sociedade compe-titiva.

As mudanças projetadas na pirâmide demográfica tam-bém indicam preocupações sobre o envelhecimento po-pulacional e colocam a questão da feminização da velhi-ce, exigindo um olhar atento às relações de gênero.

Existem, ainda, outros problemas relacionados com oestado conjugal das mulheres, tais como: casamento emidade sistematicamente inferior à do homem, aceito emesmo imposto cultural e socialmente no país; casamen-to precoce, que muitas vezes alija a mulher do trabalhofora do lar; viuvez, divórcio e separação que, em geral,afetam mais a mulher. Nas zonas urbanas, e em especialnas áreas metropolitanas, constata-se um número crescentede mulheres que vivem sem cônjuge e com filhos ou sim-plesmente sozinhas.

Saúde e Direitos Reprodutivos

Na área da saúde, a literatura registra diferenciais en-tre homens e mulheres com relação às seguintes dimen-sões: necessidades especiais de atenção à saúde; riscosespecíficos ligados a atividades ou tarefas definidas comomasculinas ou femininas; percepção da doença; condutasde busca de serviços de saúde; grau de acesso e controleexercido sobre os recursos básicos de atenção a saúde,tanto no nível intrafamiliar como público; e, no nívelmacrossocial, prioridades na distribuição de recursos pú-blicos destinados à saúde e investigação dos problemasque afetam diferente ou exclusivamente um dos sexos(Gomez Gomez, 1993).

Nesse sentido, uma análise de gênero reconhece o im-pacto específico que os problemas de saúde têm em ho-mens e mulheres e procura entender de que modo, pelasrelações e pela ideologia de gênero vigentes, são diferen-

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tes as experiências/ percepções/ necessidades/ papéis dehomens e mulheres com respeito à saúde e seu acesso aosrecursos e benefícios dela própria e ainda como as insti-tuições, estatais ou privadas, encarregadas dos serviçosde saúde, encaram o processo de reforçar ou questionaros papéis atribuídos socialmente a homens e mulheres(Casas et al., 1998).

Com a ampliação dos movimentos de mulheres e asresoluções adotadas pelas diferentes conferências mundiaisde que os direitos reprodutivos são reconhecidos comodireitos humanos, as relações de gênero incorporaram-seàs pautas de debate dos serviços de saúde, propondo alte-ração no eixo do atendimento, que passa a trabalhar como conceito de saúde integral da mulher em todas as fasesda vida, não só no período reprodutivo. Embora esse con-ceito tenha sido incorporado, desde 1986, como políticapelo Ministério da Saúde, com o Programa de AtençãoIntegral à Saúde da Mulher – Paism, “existem ainda gran-des distorções e desigualdade de gênero no atendimentoà saúde sexual e reprodutiva, e a qualidade do atendimen-to ainda deixa muito a desejar” (Galvão; Diaz, 1999: 17).

A saúde reprodutiva é conceituada como um estado decompleto bem-estar físico, mental e social e não apenas aausência de doenças ou incapacidades, em todas as ques-tões relacionadas ao sistema reprodutivo.

É preocupante a precocidade cada vez maior do inícioda vida sexual, detectada pelo aumento da gestação naadolescência (Fundação Seade, 1998a) e que apresentagrandes riscos, em comparação a outros grupos etários.

O aumento da esperança de vida, especialmente paraas mulheres, deve ser acompanhado por uma maior quali-dade nas condições de saúde da população idosa, o quesignifica assegurar orientação adequada e prevenção dedoenças decorrentes do envelhecimento, além da garan-tia de acesso aos serviços de saúde com atendimento es-pecializado.

Um estudo de gênero da morbimortalidade implicanecessariamente a análise dos diferenciais entre os sexospor causas específicas. No Brasil, estima-se que o câncerdo colo do útero seja o segundo mais comum na popula-ção feminina, representando 15% de todos os tumores ma-lignos em mulheres, superado apenas pelo de mama.

Embora não existam estatísticas nacionais confiáveis,foram realizadas várias investigações sobre a mortalida-de materna. No Brasil, o risco de morte ou de lesões per-manentes em conseqüência de um aborto clandestino de-pende, em última instância, não só da clandestinidade emsi, mas do poder aquisitivo da mulher (Bacha; Grassioto,

1994). Mulheres pobres, cuja qualidade de vida já estámarcadamente prejudicada pela dificuldade de acesso àeducação, à alimentação e aos cuidados básicos de saúde,são as que engrossam as estatísticas de mortalidade poraborto.

É considerável o número de doenças transmitidas se-xualmente, representando um grave problema por suasrepercussões médicas, sociais e econômicas. Além dasDoenças Sexualmente Transmitidas – DSTs, existe aindaa alta incidência de infecção pelo vírus HIV em mulhe-res, e a vulnerabilidade depende de inúmeros determinantessociais, remetendo às formas como homens e mulheresrelacionam-se em nossa sociedade (Simões Barbosa,1999).

Pouco se conhece acerca do impacto do trabalho sobrea saúde da mulher. Pesquisadores esclarecem que a apli-cação do conceito de gênero contribui e alarga a compreen-são do fenômeno do processo saúde-doença ao introduzir“a dimensão de poder crivada pela desigualdade sexualpara explicar os diferentes impactos que a exposição aosmesmos riscos químicos, ergonômicos e psíquicos noslocais de trabalho provocam no homem e na mulher” (Oli-veira; Barreto, 1997).

No Brasil, também não existe a dimensão exata do fe-nômeno da violência doméstica, conjugal e intrafamiliarna saúde das mulheres. Este ainda é um fato pouco escla-recido, em razão do silêncio feminino e da ausência deescuta social. Apesar da implantação da Norma Técnicado Ministério da Saúde para a “Prevenção e Tratamentodos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mu-lheres e Adolescentes” (1998), os serviços de saúde nãoestão preparados para reconhecer a violência de gênerocomo causa dos problemas de saúde das mulheres, espe-cialmente no atendimento médico.

O recorte por grupos raciais também é de suma impor-tância nos estudos de saúde, uma vez que além de predis-posições de ordem biológica, fatores ligados a condiçõessocioeconômicas e padrões culturais podem trazer umavulnerabilidade maior em relação a determinadas doenças.

Situação Educacional

No Brasil, como em vários países do mundo, menos oumais desenvolvidos, as mulheres – desde a escola primá-ria até a universidade – apresentam melhores resultadosescolares que os homens. De fato, o combate à desigual-dade envolve a oferta de serviços sociais básicos, públi-cos e de caráter universal como mostra o exemplo da edu-

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cação pública em que as mulheres são as maiores benefi-ciárias da universalização do acesso ao ensino fundamen-tal. No entanto, o paradoxo permanece: se as mulheresapresentam melhor rendimento escolar, por que os homens,com o mesmo nível educacional que as mulheres, rece-bem melhor salário no mercado de trabalho?

As discussões relevantes na temática “mulher e educa-ção” convergem para os seguintes pontos:- a educação da mulher como importante fator de mudançasociocultural;

- a ampliação do leque de escolha do curso superior avan-çando para áreas tradicionalmente masculinas; e

- a problemática das diferenças e significados do desem-penho escolar de acordo com o sexo.

A educação da mulher é motivo de preocupação paradeterminados organismos internacionais, já que seu avançoé um fator de mudança sociocultural. Todos recomendameliminar os estereótipos de gênero das práticas, matérias,materiais, currículos e instalações educacionais; e elimi-nar as barreiras que impedem o acesso à educação de ado-lescentes grávidas ou mães jovens à educação.

Há consenso de que investimentos na educação damulher exercem importante papel social, contribuindo paraa melhoria de suas condições de vida ao dotá-la de baga-gem cultural que lhe permite agir positivamente na buscade melhores oportunidades.

A oferta de cursos superiores, tradicionalmente mas-culinos, ganha força em um cenário de crescentes inova-ções tecnológicas, em que exigências por novas compe-tências e habilidades colocam-se ao cidadão, superandocada vez mais restrições definidas a priori, tais como aque-las associadas ao sexo.

Quanto às diferenças de desempenho escolar observa-das entre os dois sexos, Madeira (1996) observa que des-de a metade dos anos 70 os indicadores educacionais sãoligeiramente favoráveis às meninas, o que requer novasabordagens para identificar as desigualdades existentes.No caso do Brasil, é fundamental agregar, além do recor-te de gênero, o de raça para visualizar o quadro de desi-gualdade existente, uma vez que pesquisas indicam dife-renças nas taxas de analfabetismo e número de anos deestudo entre brancos e negros.

Ainda que relevantes, essas discussões, não podem ca-minhar isoladamente, já que o melhor desempenho da po-pulação feminina em relação à população masculina esta-ria longe de representar uma conquista (Madeira, 1996).Ou seja, as jovens, sobretudo as de baixa renda, ainda que

sofram menos reprovações que os meninos de mesma con-dição social, nem por isso deixam de ser atingidas pelosreveses do sistema em face da tarefa de promover a for-mação básica para a cidadania. E, mais grave, as explica-ções para o insucesso feminino (Abramowicz, 1991) mos-tram-se diferenciadas daquelas consideradas para osegmento masculino. Para este segmento, enquanto a re-tenção é vista e, em alguma medida, aceita como “coisa demoleque”, a interpretação para o mesmo fenômeno entreas meninas é bem menos condescendente, prevalecendocolocações que reacendem velhos preconceitos relativos àcapacidade intelectual da mulher, influenciando negativa-mente sobre sua auto-estima e sugerindo uma inserção so-cial restrita.

Por fim, perpassando as discussões mencionadas, asexplorações relativas à articulação mulher/educação re-metem a uma outra, de natureza diferente, mas nem porisso de menor importância, que decorre da correlaçãopositiva existente entre a escolaridade das mães e os ele-vados níveis médios de anos de estudo e a alta freqüênciaà escola dos filhos, fenômeno regular, que ocorre com osalunos dos ensinos fundamental e médio. Esta recorrên-cia sugere a idéia de que mudanças acentuadas nos níveisde escolaridade da população também dependem de ci-clos geracionais, isto é, da emergência de gerações de mãesinstruídas, demandando e facilitando a aquisição de nívelde escolaridade mais elevado para seus filhos (FundaçãoSeade, 1998b).

Nessa perspectiva, ressalta-se a importância dos equi-pamentos coletivos como as instituições de educação in-fantil – creches e pré-escolas –, para que os filhos nãoconstituam entraves ao engajamento da mulher no merca-do de trabalho, compartilhando, assim, com toda a socie-dade, o direito à reprodução, sem punir a mulher no quese refere à descontinuidade no trabalho e conseqüente re-flexo em sua qualificação, competitividade e qualidade devida.

Inserção no Mercado de Trabalho

O trabalho, como principal atividade humana, é um dosfundamentos da organização social, tanto no nível econô-mico como nas relações entre grupos sociais. Por sua vez,a noção de divisão do trabalho, de acordo com o sexo,constitui uma das dimensões relevantes da divisão socialdo trabalho e, conseqüentemente, da organização e dofuncionamento de cada sociedade (Hirata; Kergoat, 1994).A relação entre divisão social e divisão sexual do traba-

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lho, entretanto, não é automática, porque não está condi-cionada unicamente às formas de produção ou de relaçõesdo trabalho, mas é influenciada também pelas representa-ções e padrões de conduta determinados para cada sexo,ou seja, pelas relações de gênero criadas no âmbito dafamília, cultura, religião, etc.

Ao entrar no mercado de trabalho, as mulheres o fazemem condições absolutamente desiguais, porque sua exis-tência e habilitação para o trabalho são vistas pelo filtroda imagem do gênero dominante na consciência dos mem-bros da sociedade, que até parece natural, isto é, biológi-ca. Para elas estão reservadas, primordialmente, funçõesassociadas à vida privada, ao cuidado com a família e, porisso, sua inserção profissional seria uma extensão da vidadoméstica, sobretudo nas atividades de cuidado com crian-ças e adolescentes (professoras), ou adultos (enfermeiras,psicólogas, terapeutas, etc.), e de manutenção de espaçosdomésticos ou empresariais (empregadas domésticas, pres-tadoras de serviços de limpeza, etc.). Diversas análisessobre as mulheres no mercado de trabalho indicam umatendência à conformação de nichos ocupacionais, espaçosde inserção predominantemente femininos, criados pelasobreposição de alguns processos sociais ou pela dinâmi-ca do mercado de trabalho (Costa, 1996; Leone, 1998).

As diferenças são visíveis ao se contrapor a remunera-ção de mulheres e homens, em qualquer momento da his-tória brasileira, sem dúvida um exercício de demonstra-ção da inferioridade do primeiro segmento e a existênciade discriminação que resultam da interação de vários fa-tores, cujas causas devem ser identificadas (Alves et al.,1996; Fundação Seade, 1997; Bruschini, 1998).

Um dos aspectos está diretamente relacionado a políti-cas de enfrentamento da pobreza. É certo que um dos prin-cipais determinantes da pobreza seja a baixa disponibili-dade de renda per capita,2 e a participação das mulheresna força de trabalho pode ser um importante fator de re-dução desse fenômeno. A inserção das mulheres no mer-cado de trabalho, sejam cônjuges ou filhas, agrega umafonte adicional de renda à família, e quanto maiores emelhores suas oportunidades, maior impacto terão sobreas condições de vida familiares. Quando a mulher é che-fe, essa relação se aprofunda ainda mais, pois sua capaci-dade de geração de renda é fundamental para compor orendimento familiar.

Quanto à situação da mulher brasileira, de modo parti-cular da que vive no Estado de São Paulo, os estudos acu-sam sua crescente participação no mercado de trabalho(Bruschini, 1998; Wajnman; Rios Neto, 2000; Fundação

Seade, 2002), embora também cresça o contingente dasque permanecem desempregadas e o das que têm obtidotrabalho em condições menos favoráveis no contexto dareestruturação econômica, não apenas pela segmentaçãodo mercado mas pelo tipo de remuneração e de condiçõesde trabalho (Segnini, 2000).

A análise de programas de intermediação de mão-de-obra e capacitação profissional (Fundação Seade, 2000)mostra que as mulheres têm oportunidades bastante ex-pressivas de acesso a esses programas e a outros de cará-ter variável, como microcrédito e frentes de trabalho nasregiões metropolitanas.

Diferentemente de outros países, mesmo latino-ameri-canos, essa situação ocorre em um contexto de políticasde acesso universal que apenas de forma secundária pri-vilegia a inserção feminina, mas apesar de esses progra-mas não terem sido desenhados explicitamente com a pers-pectiva de gênero, o certo é que obtiveram como resultadogrande participação feminina.

Violência Contra a Mulher

Os estudos sobre violência contra a mulher, tradicio-nalmente, têm enfatizado duas ordens de fenômenos: aviolência sexual e a conjugal. Esses tipos de violência sin-gularizaram-se, destacaram-se da massa indiferenciada deatos violentos, adquiriram face própria e, desse modo,politizaram-se (Heilborn, 1987).

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir eErradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pelaAssembléia Geral da Organização dos Estados America-nos, em 1994, e ratificada pelo Brasil em 1995, introdu-ziu conceitos importantes, com vista em melhorar a pro-teção legal dos direitos das mulheres. Entre esses,destacam-se o reconhecimento da categoria “gênero”, anoção de “direito a uma vida livre de violência”, a visibi-lidade da violência sexual e psicológica e a consideraçãodos âmbitos público e privado como espaços de ocorrên-cia de atos violentos contra mulheres.

Além dessas preocupações mais amplas, vários movi-mentos sociais voltados para a questão da violência con-tra a mulher também enfatizam temas pontuais, relacio-nados a mulheres que pertencem a grupos que as colocamem situação de maior fragilidade: presidiárias, negras,pobres, etc.

Da mesma forma, o tema violência contra a mulher fir-mou-se como um “problema de gênero”, configurando-secomo “(...) um conjunto de papéis que são conferidos à

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mulher como obrigatórios e dos quais ela não pode afas-tar-se, sob pena de perder as condicionantes que justifi-cam o ‘respeito’ que a sociedade lhe deve dedicar”(Pimental et al., 1998).

Embora haja avanços legais alcançados nas últimasdécadas, o que se tornou visível ao sistema de justiça fo-ram questões incorporadas em debates mais amplos, rela-cionadas aos direitos da cidadania. Permanece invisívelao sistema boa parte da violência praticada contra a mu-lher, seja porque não é por ele percebida como problema,pois escapa a suas categorias e tipificações (especialmen-te, lesões de natureza psicossocial), seja porque as pró-prias vítimas se calam perante os poderes instituídos, tan-to por medo de vingança de seus agressores, quanto pordesacreditarem nesses poderes como instrumentos legíti-mos e eficazes de resolução de conflitos.

Não obstante a criação das Delegacias de Defesa daMulher – DDM tenha facilitado o registro de queixas,continuam havendo graves empecilhos para apresentarquadros mais detalhados e amplos e ao mesmo tempo ca-pazes de caracterizar a complexidade das violências pra-ticadas contra as mulheres.

Participação Política

O tema da relação das mulheres com o poder remete,prioritariamente, à questão da baixa presença feminina nasinstâncias de representação política, apesar de o Brasilestar entre os primeiros países da América Latina a insti-tuir, em 1932, o direito da mulher de votar e ser votada.

Fatores estruturais e culturais concorrem para o redu-zido acesso da mulher ao poder: desigual divisão do tra-balho, atitudes preconceituosas conscientes ou incons-cientes contra a mulher, incorporadas até por ela, hábitostradicionais e práticas discriminatórias presentes nos par-tidos políticos e nas estruturas governamentais, estereóti-pos sociais negativos sobre funções da mulher e do ho-mem, reforçando a tendência de as funções políticaspermanecerem no domínio masculino. As responsabilida-des com a família e a criação dos filhos trazem um eleva-do custo para as mulheres que aspiram a cargos públicose conservá-las significa um fator de desestímulo a futurascandidaturas.

Organismos e fóruns internacionais sobre a mulher vêmreafirmando a necessidade de se adotarem medidas quevisem a compensar a discriminação e acelerar a igualda-de no plano político entre homens e mulheres.3 Dessa for-ma, a luta das mulheres pela ampliação de seus direitos

de participação política adquire uma perspectiva própriacom o deslocamento das prioridades do movimento femi-nista: uma postura de denúncia dos mecanismos gerado-res da exclusão e de crítica da natureza do Estado presen-te até os anos 80, para formulação de políticas que visama ampliação dos espaços da mulher no poder (OliveiraAraújo, 1999).

É nesse cenário que surge, nas últimas décadas do sé-culo XX, a formulação e a adoção, em diferentes partesdo mundo, da política de cotas para mulheres ou de cotaspor sexo a fim de reequilibrar a participação das mulhe-res na política.

Embora em diversos países essa política tenha sidoadotada ao mesmo tempo em diferentes instâncias priva-das e públicas, no Brasil, ela teve início nos partidos po-líticos e sindicatos e consolidou-se pela legislação eleito-ral, com a Lei no 9.100/95, quando foi aprovada aregulamentação para as eleições de 1996, assegurando umacota mínima, em cada partido ou coligação, de 20% decandidaturas de mulheres para as Câmaras Municipais. ALei no 9.504/97 ampliou essa reserva para um mínimo de30% e máximo de 70% para os candidatos de cada sexo atodas as instâncias legislativas, eleitos pelo voto propor-cional nas eleições de 1998. No entanto, as disposiçõestransitórias da Lei no 9.504/97 que regulamentaram as elei-ções de 1998 introduzem uma mudança significativa aoestabelecer proporcionalidade mínima de 25% e máximade 75% para a candidatura de qualquer dos sexos. Comoobserva Malheiros (2000), deixa de ser uma medida com-pensatória para as mulheres e passa a ser uma medida deredistribuição de poder, a partir de parâmetros mínimosde eqüidade e universalidade.

Apoiada em experiências de países europeus, essa le-gislação abre um espaço de intervenção que nem os parti-dos políticos e nem as próprias mulheres estão prepara-dos para ocupar, levando a bancada feminina e diversasentidades governamentais e não-governamentais a intro-duzir em suas agendas a preparação e capacitação demulheres para a disputa de cargos eletivos.

Mesmo não correspondendo à capacidade de lideran-ça exercida pelas mulheres em organizações comunitáriase não-governamentais, a questão da participação da mu-lher nas estruturas de poder, e particularmente no poderlegislativo local ou nacional, ganhou centralidade e prio-ridade na agenda dos órgãos oficiais formuladores de po-líticas públicas, não apenas pela aprovação de leis re-gulamentando cotas para as mulheres nas candidaturaspartidárias e criando a oportunidade de acompanhar sua

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eficácia, mas também pela existência de um hiato impor-tante entre a conquista formal dos direitos e a possibilida-de de seu desfrute real.

Nesse sentido, a política de cotas, efetivando-se em umespaço caracterizado como atividade estruturada, ao me-nos nos períodos eleitorais, apresenta-se como uma polí-tica pública institucional que pode ser analisada com basenas características de seu processo e dos resultados obti-dos com base em indicadores objetivos.

Metodologia de Construção do Banco de Dados

Com vista em produzir indicadores de gênero compa-ráveis, partiu-se de uma avaliação do que é proposto pe-las instituições públicas produtoras de dados estatísticos,centros de pesquisa universitários, organizações governa-mentais nacionais e internacionais. Merece destaque aproposta – Uso de Indicadores de Gênero no Desenvolvi-mento de Políticas Públicas – desenvolvida pela UnidadeMulher e Desenvolvimento/Divisão de Estatísticas daComissão Econômica para o Desenvolvimento da Améri-ca Latina e Caribe – Cepal (2001), em maio de 1999, porter como base a seleção das principais dimensões em quese expressam as desigualdades de gênero, identificadaspelo “Programa de Acción Regional para las Mujeres deAmérica Latina y el Caribe, 1995 – 2001 y la Plataformade Acción de Beijing”, a comparação entre países e a va-lidada pela Cepal e organismos internacionais especiali-zados. Ao contrapor a proposta da Cepal ao elenco deindicadores usualmente utilizados no Brasil, evidenciaram-se dois tipos de problemas: inadequação de alguns indi-cadores às situações específicas vivenciadas pelas mulhe-res brasileiras, demandando, portanto, o desenvolvimentode novas medidas; e a limitação das informações disponí-veis para a captação da dimensão gênero e políticas pú-blicas.

A construção de uma abordagem quantitativa e multis-setorial da situação da mulher, relevante para os que de-vem tomar decisões práticas na condução das políticaspúblicas, esbarra na compartimentação das pesquisas, comobjetos e metodologias diferentes, e na própria padroni-zação das ações públicas, cujos registros são adequadosàs condições específicas de reprodução do objeto de suaação, mas esses critérios comprometem a comparação comoutros registros, que, por sua vez, apresentam as mesmascaracterísticas, de aspectos interferentes na vida das pes-soas e sobretudo das mulheres.

Na exploração dos microdados oriundos das pesquisasquantitativas e informações fornecidas pelos registrosadministrativos, procurou-se estabelecer os seguintes cri-térios comparativos intersetoriais: recorte de idade, va-lendo-se de cruzamentos de variáveis com comportamen-to diferenciado para cada ciclo de vida e inserção social,pela natureza substantiva do fenômeno ou do programasetorial de política pública, a fim de fornecer uma visãomultidimensional das populações-alvo; recorte espacialpela agregação dos dados para Estado, regiões adminis-trativas e municípios, com algumas informações de saúdeapresentadas por Direção Regional de Saúde – com o ob-jetivo de diagnosticar tendências distintas na reproduçãodas relações de gênero e regiões prioritárias de interven-ção e definir ações públicas que podem ser implementa-das por iniciativas regionais, prefeituras, conselhos mu-nicipais da condição feminina e comunidades.

Na determinação de potencializar a relação entre pro-dutores (Fundação Seade) e usuários de estatísticas(CECF), adotou-se um modelo de recuperação de infor-mações flexível e amigável para garantir o acesso de usuá-rios que guardam entre si naturezas diferentes: de forma-ção no manuseio de estatísticas; de interesse ou motivaçãocom fins individuais ou coletivos; demandas de informa-ções básicas ou mais desagregadas, para grandes aglome-rações ou localizadas espacialmente, de utilização ime-diata, ou, ainda, uma série histórica para uma reflexão maisprofunda. Assim, o sistema de recuperação de informa-ções contém: banco de tabelas, que oferece um conjuntode indicadores que retratam a realidade captada no tempoe no espaço, a fim de fornecer informações previamenteelaboradas; acesso de dados numéricos selecionados emtabelas, – resultado de um cruzamento, com intuito de umrecorte mais restrito no enfoque do plano tabular; bancode variáveis para que o usuário possa no espaço e no tem-po desejados criar seu próprio plano tabular; mecanismosde localização das informações disponíveis com lista dostemas e assuntos, índice alfabético dos títulos de tabelas evariáveis e índice de palavras-chave.

Algumas Observações Empíricas

Ao agregar informações dispersas e fragmentadas dasmais diferentes fontes de dados, descortina-se um mundode reflexão em cada área temática, e, ao apresentar umconjunto de variáveis por municípios, abrem-se caminhospara o fortalecimento de ações de gênero em âmbito lo-cal. Para efeito deste artigo, alguns indicadores foram

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analisados para explicitar as tendências observadas, naúltima década, na situação das mulheres no Estado.

As tendências observadas no comportamento demográ-fico da população feminina são subsídios importantes parao planejamento de políticas públicas em setores, comosaúde, educação, lazer, entre outros, pois implicam alte-rações nas demandas da população. A pirâmide etária, queilustra, ao mesmo tempo, a distribuição da população porsexo e grupos de idade, vem, desde 1991, apresentandoum estreitamento devido à redução da fecundidade e umalargamento de seu topo, em conseqüência do aumentoda sobrevida da população, indicando crescimento da par-cela mais velha da população. Essas mudanças alteram oformato da representação, ou seja, dentro de alguns anos,a estrutura da população por sexo e idade se assemelharámais a um barril que a uma pirâmide. As Regiões Admi-nistrativas de Registro e de São José do Rio Preto repre-sentam os extremos neste processo de mudança. Em 1991,a pirâmide etária de Registro possuía uma base mais lar-ga, afunilando-se à medida que alcançava o topo, o queindica uma estrutura mais jovem, enquanto a de São Josédo Rio Preto, em 2000, apresentava estrutura mais enve-lhecida, pois o afunilamento da base já era percebido hátrês qüinqüênios e a parte correspondente à populaçãoidosa é maior. De fato, o crescimento do segmento de ido-sos é uma tendência generalizada não só no país, como noEstado de São Paulo, em que a população com mais de 60anos correspondia a 7,7% do total em 1991, passando a9% em 2000. Nessa faixa etária, o contingente femininopossui participação superior, por causa da sobrevivênciamaior. Assim, em 2000, as mulheres idosas respondiampor quase 10% da população feminina, enquanto os ho-mens idosos representavam 9% da masculina.

Se alguns indicadores na área de saúde e direitos re-produtivos reafirmam tendências já bastante conhecidas,eles são valiosos para qualificar o ritmo e a distribuiçãoespacial dessas tendências. Como é o caso da redução dafecundidade, cujo ritmo foi mais lento na década de 90,mas chegando em 2000 a 2,16 filhos por mulher, muitopróxima ao nível de reposição. Das 15 regiões adminis-trativas, dez já registravam fecundidade inferior ao dareposição. A RA de São José do Rio Preto apresenta amenor fecundidade do Estado (1,64 filho por mulher),muito próxima ao nível observado em diversos paíseseuropeus, enquanto a de Registro possui a maior (2,71 fi-lhos por mulher).

A gravidez na adolescência, fenômeno bastante conhe-cido, indica crescimento preocupante: no Estado, as mães

adolescentes correspondiam a 16,3% da totalidade dosnascimentos ocorridos em 1990, aumentando para 18,8%em 1995 e para 19,2% em 2001. Em outros termos, apro-ximadamente em cada mil adolescentes de 15 a 19 anos,75 tiveram filhos na década de 90.

A esperança de vida ao nascer da população paulistaaumentou de 69 para 71 anos, entre os censos de 1991 e2000, fruto da diminuição da mortalidade. As mulheresainda registram uma esperança maior (75,6 anos) em re-lação à dos homens (66,8 anos) com uma diferença dequase nove anos. Isso se deve a vários fatores, mas desta-ca-se a elevada mortalidade masculina por violência, queprovoca o crescimento da sobremortalidade masculina napopulação de jovens e adultos.

Na análise dos determinantes por sexo da mortalidade,no Estado, verificam algumas novas tendências: as doen-ças do aparelho circulatório eram a primeira causa de mortenos triênios 1993-95 para mulheres e homens. Já no triê-nio 1999-01 permanece a mesma causa para as mulheres,passando os homicídios a ser a primeira causa para a po-pulação masculina. Quando se comparam as taxas demortalidade de homens e mulheres, nota-se que em todasas regiões do Estado as taxas masculinas são aproxima-damente 50% maiores que as femininas. Essa diferençadeve-se principalmente às altas taxas por causas externasentre os homens.

Para as mulheres, o segundo agrupamento mais freqüentecomo causa de morte corresponde aos cânceres, sendo ode mama o que possui as maiores taxas (14,5 por 100 milmulheres)4 e no período 1980 a 2001, houve um aumentode 60% desse tipo de câncer. O câncer do colo do útero,doença passível de ser prevenida, tem apresentado, noEstado de São Paulo, taxas de mortalidade inalteradas desde1980, em torno de 4,5 por 100 mil mulheres, número bas-tante alto quando comparado com os dos países desenvol-vidos.5 É importante lembrar o aumento da mortalidade porAids entre as mulheres; essa doença representa a principalcausa de morte da população feminina entre 15 e 44 anose, ao incidir predominantemente na população em idadereprodutiva, a Aids tem assumido um papel desestabiliza-dor nos níveis de mortalidade feminina.

A tendência à “cirurgificação” dos eventos reproduti-vos, em especial a prática de partos cesáreos, com taxasde 51,6% em 1995 e 49,2% em 2001, continua pouco de-clinante no conjunto do Estado e diferenciando-se espa-cialmente. São ainda bastante elevados os valores apresen-tados, em 2001, nas Regiões Regionais de Saúde deAraçatuba, Araraquara, Barretos e São José do Rio Preto

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(superiores a 58,3%) e nota-se, entre 1995 e 2001, peque-na redução dessa prática em regiões como Ribeirão Preto,Campinas e Taubaté. Já a proporção de partos cesáreos,realizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, continuaalta (32%) e apresenta pequena elevação em relação a 2000(29%), diferentemente da tendência de queda observadadesde 1995 (41%). Em 2001, os partos de adolescentesrepresentavam 24% do total realizado pelo SUS.

Quanto à morbidade hospitalar, o grupo de causas maisfreqüentes de internação no SUS da população de 15 anose mais decorre da gravidez, parto e puerpério que respon-de por 44% das internações femininas, incluindo partosnormais e cesáreos, e por 27% do total de internações. Nadiferenciação entre os sexos, destacam-se as causas ex-ternas que representam as internações vinculadas a aci-dentes e violências e que, em números absolutos, são, em2001, 2,5 vezes maiores entre os homens.

A morbidade por Aids, apesar de ter uma incidênciamaior para os homens, apresenta situação preocupante emvirtude do aumento de casos, expresso na vertiginosa di-minuição da relação de casos masculinos/femininos que,em 1985, era de 27/1, passou para 5/1, em 1991, e desde1997 é de 2/1. A principal forma de transmissão para asmulheres é a heterossexual, que, em 2000, respondia por89% dos casos femininos com transmissão definida. Aexpansão do número de casos deu-se também em termosterritoriais: dos 132 municípios com casos femininos deAids notificados, em 1991, o Estado passou a ter 255, em2000.

A morbidade percebida pelos indivíduos, medida pelacondição de saúde, inatividade e prevalência de doençascrônicas, evidenciam diferenciais por sexo e idade e indi-cam diferentes graus de necessidades e de demandas porserviços de saúde. Em 1998, segundo o Suplemento Saú-de da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –PNAD, a proporção de pessoas que referiram melhor con-dição de seu estado de saúde cai gradativamente confor-me a faixa etária, passando de 91,8%, entre os adolescen-tes e jovens (de 15 a 24 anos), para 45%, entre os idososcom 65 anos e mais. Os homens referem, em média, me-lhor situação (81,6%) que as mulheres (75,2%).

Também bastante conhecido, o fenômeno, observadosobretudo no último quarto do século XX, de aumentocontínuo da presença feminina no mercado de trabalho nãoé acompanhado de melhores relações de trabalho, persis-tindo, ainda, desigualdades de tratamento entre homens emulheres, e a mais evidente é a discriminação salarial.Basta observar, no Estado de São Paulo, a distribuição

dos salários mais elevados registrados em 2001: eles seencontram entre as mulheres empregadas no setor de ser-viços, com 40 a 49 anos de idade, percebendo em médiaR$ 1.346,61 e entre os homens, da mesma faixa etária, eocupados na indústria, totalizando R$ 2.107,21.

Apesar do ingresso de mulheres em ocupações que, atéhá pouco tempo, eram monopólio dos homens e da cres-cente participação feminina no emprego industrial e emocupações de direção e planejamento, nichos ora privile-giados do emprego masculino, sua maior representaçãose dava no setor de serviços, correspondendo a 24,8% dototal dos empregados, em 2001, e somente 6,5% e 6,1%,respectivamente, no comércio e indústria. Já os homensrespondiam por 27,1%, 17,5% e 10,5% do empregado, nosmesmos setores. No entanto, cresceu a proporção de mu-lheres ocupadas com vínculo não formalizado, represen-tando, no mesmo período, cerca de 40% dos ocupados, osserviços domésticos são fonte importante de inserção ocu-pacional.

Conforme os dados dos censos demográficos para oEstado de São Paulo, houve aumento do número de mu-lheres chefes de domicílio: em 2000, elas eram 24% dototal; em 1991 esse percentual era de 17%. Identificou-se, ainda, a persistência de acentuada desigualdade derendimentos, com elevada proporção de chefes de domi-cílio que recebiam até dois salários mínimos.

Vale destacar que o valor do rendimento feminino, emproporção ao masculino, tende a mostrar menor desigual-dade nos municípios menos dinâmicos economicamente,encobrindo situações de extrema necessidade de renda,enquanto as maiores diferenças são constatadas nos mu-nicípios-pólo, que são fonte da oportunidades de trabalhomais diversificadas tanto para homens quanto para mu-lheres e também de maiores rendimentos médios.

Apesar de serem as grandes beneficiárias do processode universalização do acesso ao ensino fundamental, mes-mo em declínio entre os períodos censitários, as mulheresapresentam taxas de analfabetismo ligeiramente superio-res a dos homens. Em 1991, registraram-se taxas de anal-fabetismo das mulheres de 15 anos e mais de 11,8% e paraos homens de 8,6%, em 2000, 7,5% e 5,7%, respectiva-mente.

É interessante observar que, em 1991, as mulheres apre-sentaram taxas de analfabetismo ligeiramente inferiores ados homens nos seguintes grupos etários:15 a 19 anos(2,5%), 20 a 24 (3,8%), 25 a 29 (4,6%); no grupo de 30 a39 anos, delineou-se a inversão desse quadro, taxa de 6,9%para as mulheres e 5,8% para os homens, atingindo no

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grupo de idade de 60 anos e mais valores de 36,1% e23,9%, respectivamente.

Em 2000, diminui o analfabetismo em todos os gruposetários: nas faixas de 15 a 19, 20 a 24 e 25 a 29 anos, astaxas para as mulheres eram de 1,1%, 1,7% e 2,4% e paraos homens de 1,7%, 2,6% e 3,3%. Já no grupo de 30 a 39anos, diferentemente do observado em 1991, verifica-sevalor menor para as mulheres (3,8%) do que para os ho-mens (4,3%), ocorrendo a reversão de tendência apenasna faixa etária de 40 a 49 anos, em que se observaramtaxas de 6,6% para as mulheres e de 5,3% para os homens.Na população idosa – 60 anos e mais –, as taxas eram de26,3% para o contingente feminino e de 17,2% para omasculino.

Ao analisar a instrução da população de 10 anos pelosrecortes sexo e raça/cor, evidenciam algumas desigualda-des: em 2000, 17,7% das mulheres brancas e 12,5% dasnegras tinham 11 anos de estudo; entre os homens, os per-centuais são de 16,6 % para os brancos e 10,9% para osnegros. A categoria de 12 anos e mais de estudo escanca-ra o quadro de desigualdade racial existente no Estado,uma vez que, apenas 3,1% de mulheres e 2,7% dos ho-mens negros atingiram esse patamar de escolaridade emcontrapartida aos 12,7% de mulheres e 13% de homensbrancos.

Reforçar a promoção da igualdade de gênero e a me-lhoria da condição da mulher passa pela avaliação dosprogramas de atendimento à criança de 0 a 6 anos, sobre-tudo, no Brasil, quando a Constituição de 1988 e a Lei deDiretrizes e Bases de 1996 estabeleceram competências ediretrizes para a educação infantil em colaboração comos Estados e municípios. Os dados do Censo de 2000, queinformam o atendimento de crianças nessa faixa etária,indicam sua pouca abrangência: em mais da metade dosmunicípios paulistas (379) a rede de creches e de educa-ção infantil cobrem entre 20,1% e 40% das crianças de 0a 6 anos e apenas 53 deles atendem mais de 50%.

Nos últimos anos, observa-se que os registros de cri-mes de natureza sexual possuem certa estabilidade em suamagnitude. Isso pode significar tanto a existência de umdeterminado padrão de incidência na sociedade paulistacom relação aos crimes sexuais, como pode refletir maisa capacidade do Estado em captar e processar os crimesdesta natureza do que o real movimento dessa criminali-dade. A taxa de estupros/tentativas por 100 mil mulheres,crimes que juridicamente vitimam somente as mulheres,passou, no Estado de São Paulo, de 29,18 em 1997 para26,90 em 2001. As Regiões de Governo de São Carlos,

Adamantina e Marília apresentaram as menores taxasmédias de estupros/tentativas, por 100 mil mulheres, en-tre 1997 e 2001, em contrapartida, as Regiões de Gover-no de Registro, Caraguatatuba e Itapeva registraram asmaiores taxas médias no período. Apesar de termos so-mente 126 Delegacias de Defesa da Mulher para 645municípios, elas continuam ocupando papel de destaqueno atendimento de vítimas de violência sexual, pois sãoas que mais processam, proporcionalmente, casos dessanatureza. Afinal, trabalhando concomitantemente aos dis-tritos policiais, elas são responsáveis por quase 50% dosregistros policiais relativos aos crimes de estupros exis-tentes no Estado.

As informações que têm por base os dados do sistemade mortalidade, indicam que em 2001 o grupo de mortespor causas externas para a população feminina com maisde 10 anos ocupa o quinto lugar entre as causas de mortemais freqüentes, com um dado surpreendente: consideran-do-se o período de 1980 e 2001, o índice de homicídiosaumentou 120%. Para os triênios 1993-95 e 1999-01, astaxas de homicídio apresentaram elevação de 4,5 para 5,6por 100 mil mulheres, reproduzindo o fenômeno obser-vado para o sexo masculino. Ainda em relação aos homi-cídios, sua distribuição em relação ao total de óbitos, passade 4,4% para 6,4% para o sexo feminino no Estado e de19,7% para 29,6% para o sexo masculino.

A participação das mulheres nas candidaturas partidá-rias continua extremamente desigual mesmo com a intro-dução da política de cotas no processo eleitoral, que, des-de 1997, prevê que partido ou coligação deverá reservaro mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturasde cada sexo nas eleições para a Câmara dos Deputados,Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e CâmarasMunicipais.

Nas eleições para deputados federais de 2002, o nú-mero de candidaturas femininas aumentou 27,9% em re-lação às eleições anteriores. Em 1998, dos 30 partidos queapresentaram candidatos, nove não registraram candida-turas femininas e, em 2002, oito não o fizeram. Mesmonão atingindo a indicação da política de cotas, alguns par-tidos tiveram melhoria dessa participação entre as duaseleições, como PFL, PV, PCB, PDT, PAN, PTB, PSTU,PSD, enquanto outros reduziram-na, como PSDB, PMDB,PT e Prona. Outros partidos aumentaram o número totalde candidatos, mas não melhoraram a proporção da re-presentação feminina entre as candidaturas, como, porexemplo, o PSB. Dessa forma, somente quatro mulheresse elegeram deputadas federais, em 1998 e seis, em 2002.

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Dos 1.465 candidatos à Assembléia Legislativa do Es-tado de São Paulo em 2002, 242 eram mulheres, repre-sentando 15,5% do total. Em termos absolutos, houveaumento significativo de 37,5% na participação das mu-lheres entre as duas últimas eleições legislativas estaduais,uma vez que, em 1998, elas totalizavam 176. Quanto àparticipação relativa das mulheres nos partidos, em 2002,somente o PSDC e o PCO, cuja expressão política é bas-tante reduzida, cobriram a cota de 30% com candidaturasfemininas. Também são os partidos de pequeno porte quetêm participação feminina de candidaturas entre 20% e30%. Entretanto, observa uma relação inversa entre volu-me de candidatos e participação feminina: PT, PMDB,PSDB, PDT, PSB, PPS, PMDB e PSDB estão entre ospartidos com maior número de candidatos e com cotas decandidatura feminina inferiores a 20%. As únicas exce-ções foram o PV e o PTB, que apresentaram cotas entre20% e 30%. Observa-se, entretanto, certa correlação en-tre mulheres eleitas para deputadas estaduais e força polí-tica de seu partido: em 2002, foram eleitas dez mulheres(elas eram sete no período legislativo de 1997/2002), etrês delas são filiadas ao PSDB e três, ao PT.

Mesmo não atingindo as cotas femininas previstas decandidaturas por partido, é maior a participação das mu-lheres na disputa pelo poder legislativo municipal com-parativamente às outras Câmaras. Em 2000, 13.317 mu-lheres candidataram-se a cargos de vereadores dosmunicípios paulistas, representando 20,07% do total. Dos30 partidos que concorreram às câmaras municipais, 13registraram proporções de participação feminina entre 18%e 26%. A correlação aumenta entre os partidos com maiorrepresentação em termos absolutos de candidaturas femi-ninas e sua expressão política, tais como PSDB, PMDB,PFL e PTB, que agregaram quase 40% das candidaturasfemininas. São esses mesmos partidos que elegeram pro-porcionalmente mais vereadoras: das 812 eleitas em 2000,quase 60% são filiadas ao PSDB, PMDB, PTB e PFL. Éinteressante notar que alguns partidos melhoraram suaparticipação feminina em relação à masculina entre omomento das candidaturas e das eleições. As proporçõesde candidatas e de eleitas foram, respectivamente, de:11,0% e 21,6% no PSDB; 9,8% e 14,2% no PMDB; 9,2%e 11,5% no PTB; 6,5% e 9,1% no PT; 6,9% e 8,3% noPPB. Esses resultados apontam que: os canais de partici-pação das mulheres aos postos legislativos são mais per-meáveis quando se trata de eleições locais, em que os cus-tos das campanhas eleitorais são menores; a dispersão devotos entre as candidaturas femininas é provavelmente

menor do que nas eleições para deputados; e, finalmente,há uma aproximação maior entre candidatas e eleitores oque pode abrandar as resistências culturais contra o votofeminino.

NOTAS

Este artigo foi possível graças aos trabalhos setoriais desenvolvidosno âmbito do projeto sob minha coordenação dos seguintes analistasda Fundação Seade: Catarina Guarnieri Silverio, Cecília PolidoroMameri, Eliana B. Trindade Bordini, Guiomar de Haro Aquilini, Lú-cia Mayumi Yazaki, Paula Montagner, Renato Sérgio de Lima,Rosileide de Lima Rosendo e Zilda Pereira da Silva.

1. Resoluções adotadas pela IV Conferência Mundial das Nações Uni-das sobre a Mulher, 1995; Relatório Geral sobre a Mulher na Socieda-de Brasileira/1994; Relatório Nacional Pequim + 5 apresentado à Ses-são Especial da Assembléia das Nações Unidas “Mulher 2000: Igual-dade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”; Progra-ma de Ação Regional para as Mulheres da América Latina e Caribe,1995-2001, aprovado pela Cepal durante a VI Conferência Regionalsobre a Integração da Mulher no Desenvolvimento Econômico e So-cial da América Latina e Caribe/1994; protocolos de cooperação assi-nados pelo CECF e secretarias estaduais para a implementação de po-líticas públicas referentes a educação, saúde, trabalho, segurança pú-blica, administração penitenciária, justiça e defesa da cidadania.

2. A pobreza individual ou familiar não se esgota no montante de ren-da disponível para atender aos gastos de consumo, mas se expressatambém pelas condições de moradia, de acesso diferenciado ao siste-ma educacional e aos serviços de saúde. Embora a insuficiência derenda seja a face mais visível do fenômeno, políticas de combate aoproblema devem intervir em suas várias dimensões. A abordagem dapobreza como fenômeno multissetorial é uma preocupação norteadorada Pesquisa de Condições de Vida – PCV, cujos resultados para o Es-tado de São Paulo estão disponíveis na Fundação Seade (FundaçãoSeade, 1992).

3. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948; Convenção dosDireitos Políticos, 1952 e 1960; a Convenção para a Eliminação detodas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979; a Conferên-cia de Nairobi, 1985; a VI Conferência Mundial sobre a Mulher,1995.

4. Essas taxas referem-se ao triênio 1999-01 para o Estado de São Paulo.

5. As taxas de mortalidade por câncer do colo do útero na Itália, Japãoe Estados Unidos são respectivamente de 0,8, 1,8 e 2,6 por 100 milmulheres.

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MARIA CECÍLIA COMEGNO: Socióloga. Coordenadora de Projetos deGênero na Fundação Seade. Foi responsável pela Diretoria Adjunta deProdução de Dados desta Fundação ([email protected]).

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D

PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADAinstrumento para o estudo

da gestão municipal

Resumo: A Pesquisa Municipal Unificada – PMU, realizada pela Fundação Seade desde 1992, disponibilizaum grande conjunto de informações sobre gestão municipal, possibilitando análises de todos os municípiospaulistas. O artigo apresenta as principais características da PMU e desenvolve um tema com estatísticas cons-truídas a partir daquela base de dados.Palavras-chave: gestão municipal; incentivos municipais; localização industrial; guerra fiscal.

Abstract: The Unified Municipal Survey – PMU – carried out by Fundação Seade since 1992, provides a largebody of information regarding municipal governance, making possible an analysis of all of São Paulo State’smunicipalities. The article presents the PMU’s principal characteristics and develops a theme using statisticsbuilt from that data base.Key words: municipal governance; municipal incentives; industrial localization; tax war.

AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 104-114, 2003

esde a década de 90, tem-se ampliado a atençãoe os estudos sobre os municípios, notadamenteno que se refere à gestão municipal. Com a pro-

No entanto, a nação assistiu, durante os anos 90, à im-plementação de propostas liberalizantes que redundaramna redução da presença do Estado, flexibilização e desre-gulamentação das regras de concorrência, abertura domercado e privatização de ativos públicos, com impactossignificativos na gestão municipal, sobretudo em municí-pios de grande ou médio portes.

Em síntese, uma miríade de fatores – aqui só foram lis-tados os mais importantes – contribuiu para que houvessegrandes alterações no padrão de gestão municipal na últi-ma década do século XX. Esse “novo padrão”, ainda emprocesso de constituição e consolidação, pode ser obser-vado pela análise da estrutura e da forma de articulaçãoda ação nos diversos setores executores de políticas pú-blicas.

Para acompanhar esse processo e fornecer à sociedadepaulista informações estruturadas sobre a gestão de cadaum de seus municípios, a Fundação Seade, em 1992, uni-ficou as diversas pesquisas setoriais de abrangência mu-nicipal, adaptando os diversos instrumentos de coleta aum mesmo padrão metodológico e consolidando-os emuma pesquisa única, denominada Pesquisa MunicipalUnificada.

mulgação da Constituição Federal, em 1988, os municí-pios adquiriram status de entes federativos além de am-pliadas suas competências e estabelecidos os processosde descentralização de ações e do poder decisório. A des-centralização possibilitou, aos municípios, acesso a maiorparcela de recursos públicos, mas, ao mesmo tempo, aatuação direta foi ampliada em áreas que antes eram deresponsabilidade do governo estadual ou federal.

Com as novas responsabilidades e atribuições especí-ficas assumidas pelos municípios, aumentaram tanto asexigências de profissionalização da gestão municipal quan-to a necessidade de instituição de controles democráticos/populares da ação pública.

A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LeiComplementar no 101, de 4 de maio de 2000), que fixalimites para gastos públicos, nas três esferas de governo,ampliou ainda mais a necessidade de profissionalização etransparência na gestão pública, em particular na munici-pal, e requereu esforço adicional de “enxugamento” damáquina pública.

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PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...

PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA

A heterogeneidade dos 645 municípios paulistas reper-cute na configuração de suas organizações administrati-vas e na complexidade e abrangência das ações públicasmunicipais.1 Igualmente diferenciadas são a capacidade ea disponibilidade política das prefeituras e das comuni-dades perante novas atribuições. O grande desafio da equi-pe técnica da PMU foi estruturar uma pesquisa que desseconta da heterogeneidade e diversidade de ação dos mu-nicípios e, ao mesmo tempo, fosse flexível o suficientepara acompanhar as mudanças e transformações na ges-tão. Essas duas dimensões tornam estratégica a PMU, sejapara contemplar a profunda diferenciação das realidadesmunicipais, seja pela crescente importância da instânciamunicipal na gestão das políticas públicas.

A pesquisa tem por campo de ação o município e é censi-tária, com informações coletadas em todos os municípiospaulistas. Os informantes são as prefeituras municipais, in-cluindo os órgãos da administração direta e indireta, o quegarante informações precisas e possibilita aquilatar o desem-penho delas diante do novo papel que os municípios vêmassumindo na administração das políticas públicas, princi-palmente as de cunho social. A amplitude dos assuntos cap-tados, a profundidade das questões levantadas, bem com agrande interface existente entre elas, permitem análises so-bre as principais questões da gestão pública e podem orien-tar a formulação de políticas públicas.

A pesquisa está organizada em 13 grandes temas, cadaqual com um questionário dirigido à área ou setor especí-fico da prefeitura. Os questionários são: Assistência eDesenvolvimento Social; Comunicações e Informática;Cultura, Esporte e Turismo; Educação; Estrutura Admi-nistrativa; Estrutura Urbana; Finanças Públicas Munici-pais; Guarda Municipal; Habitação; Limpeza Pública;Saneamento Básico; Saúde; e Transportes Municipais. Estásendo estudada a inclusão de dois novos temas: Abasteci-mento e Segurança Alimentar; e Incentivo ao Desenvol-vimento Econômico e Empreendedorismo.

É importante ressaltar que as questões referentes aomeio ambiente são coletadas em três questionários distin-tos: saneamento básico, limpeza pública e estrutura urba-na, porque esse tema é tratado por mais de uma instâncianas prefeituras e a estratégia da pesquisa é encaminhar umquestionário específico para cada setor responsável porrespondê-lo.

Outra questão importante a ser ressaltada é a estraté-gia adotada pela pesquisa de só perguntar o que não está

disponível em outra fonte pública de informações. Issotem permitido certa redução no número de questões, semprejuízo da qualidade das análises.

O amplo espectro de questões, em torno de 200 per-guntas, possibilitaram a organização de uma base de da-dos com mais de duas mil variáveis para cada município.Essas informações estão disponíveis na página do Seadena Internet, no <http://www.seade.gov.br/pmu/> e têmapoiado a elaboração de vários produtos nos últimos anos,com destaque para o Índice Paulista de ResponsabilidadeSocial – IPRS, feito em parceria com a Assembléia Le-gislativa do Estado de São Paulo.

São bem amplas as possibilidades de estudos sobregestão municipal, valendo-se das informações coletadaspela PMU. Neste artigo, optou-se por apresentar uma aná-lise sobre a atuação dos municípios na atração de novosinvestimentos produtivos. Tema de grande atualidade, oesforço direto dos municípios por atração de novos inves-timentos tem-se ampliado nos últimos anos, quase numareprodução, ao nível local, da “guerra fiscal” praticadapor estados e a PMU é a única fonte de dados que possi-bilita análises desagregadas por porte e por localizaçãoregional dos municípios.2

INSTRUMENTOS MUNICIPAIS DE INCENTIVOE RESTRIÇÃO À INSTAURAÇÃO DEEMPREENDIMENTOS3

A concessão de benefícios fiscais para a atração deinvestimentos é uma prática relativamente antiga que seintensificou na década de 90, transformando-a em verda-deira guerra na disputa entre Estados e localidades, prin-cipalmente entre 1993 e 1994. Dessa forma, os governossubnacionais têm buscado influenciar a decisão locacio-nal dos investimentos privados, com um verdadeiro “lei-lão de localização” em que Estados e municípios dispu-tam acirradamente a instalação de uma nova empresa emseus territórios.

Estudos comprovam que as decisões de investimentosprivados são tomadas independentemente dos incentivosfiscais. Alguns fatores determinam essas decisões: a qua-lidade da infra-estrutura viária e de telecomunicações,proximidade com o mercado consumidor, qualificação damão-de-obra local, etc. (Prado; Cavalcanti, 1998). Combase nesses critérios, a empresa escolhe um local “ótimo”para a instalação da unidade industrial. Assim, para acei-tar a condição de uma localização afastada, ela exige umvolume de benefícios que cubra não apenas o “custo de

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afastamento” mas também ofereça um “prêmio” adicio-nal pelos riscos de uma opção que passa a depender doscompromissos assumidos por um governo. Como os go-vernos locais não conhecem a preferência alocativa dasempresas, abre-se espaço para o leilão. Além disso, “éelemento central da estratégia privada da guerra fiscalconstruir a imagem do ‘empate’ entre locações alternati-vas, a fim de remeter para a competição entre incentivoso papel decisório final” (Prado; Cavalcanti, 1998: 44). Talpostura obriga Estados e municípios a maximizarem osincentivos oferecidos.

Isso significa que os incentivos fiscais até podem pro-mover o deslocamento de um investimento dentro do paísou de um Estado, no entanto isso se dá com elevado custofiscal. Se o investimento já estava programado para serrealizado em determinado Estado/município, o desloca-mento é feito com o desperdício de recursos públicos, poisabre-se mão de receita tributária e de recursos orçamen-tários para assegurar a instalação de um investimento quejá ocorreria (Varsano, 1997). Mesmo se o investimentofor bem-sucedido, com efeitos positivos para a economialocal, acarretará prejuízo a toda sociedade, pois a arreca-dação e a receita orçamentária global passarão por redu-ção. Além disso, o caso extremo pode ocorrer se a loca-ção preferencial for a mesma em que a empresa decida seinstalar após a disputa fiscal. Utilizando o argumento dosautores citados, em tal caso extremo, os incentivos fiscaisrepresentariam apenas um generoso prêmio para a empresa,

transferência líquida de recursos públicos para empresasprivadas (Caiado, 2002).

No caso do Estado de São Paulo, o governo pratica-mente esteve fora do “leilão locacional” pois, em muitossetores industriais, o denominado “ótimo locacional” de-finido pela empresa já é o Estado. Contudo, tem-se acir-rado a disputa entre os municípios paulistas, com amplia-ção da oferta de incentivos.

A PMU apresenta, desde 1995, informações sobre osprincipais mecanismos de incentivo à instalação de em-preendimentos utilizados pelos municípios paulistas, tor-nando-se importante referência para análise do tema. Alémdisso, a pesquisa contribui para o entendimento da formacomo os municípios inserem-se no processo geral de guerrafiscal.

É crescente e significativa a parcela dos municípios doEstado que se valem de algum mecanismo de incentivo àinstalação de empreendimentos (Tabela 1). Em 1995, 37%dos municípios existentes utilizavam esses mecanismos e,em 1999, 51%. Os incentivos são ofertados, sobretudo,por municípios de médio ou grande portes. Em 1999, maisde 70% dos municípios com mais de 50 mil habitantespossuíam instrumentos de incentivo à instalação de em-preendimentos. O uso desses instrumentos concentra-se,principalmente, nos municípios com mais de 500 mil ha-bitantes. Dos oito municípios nessa faixa de população,em 1999, somente São Bernardo do Campo não possuíanenhum instrumento com esse propósito. No entanto, é

TABELA 1

Municípios com Mecanismos de Incentivo à Implantação deEmpreendimento, segundo Porte Populacional

Estado de São Paulo – 1995-1999

Número de Municípios Mecanismos de Incentivo à Implantação de Empreendimentos

População1995 1999

1995 1999

Possui % Possui %

Total 625 645 231 37 329 51

Até 5 Mil Hab. 167 180 36 22 66 37

Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 32 27 47 41

Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 43 36 62 53

Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 54 47 70 60

Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 33 66 39 74

Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 22 67 29 73

Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 8 57 10 71

Mais de 500 Mil Hab. 6 8 3 50 6 75

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...

preciso observar que mesmo entre os municípios peque-nos é alta a freqüência da aplicação de incentivos nos doisperíodos pesquisados.

A utilização de incentivos a novos empreendimentosapresenta baixa diferenciação regional, de acordo com asRegiões Administrativas – RAs. Em 1995 mais da metadedos municípios das Regiões Metropolitanas de São Paulo– RMSP e da Baixada Santista – RMBS utilizou-os, sendotambém expressiva a participação nas RAs de Campinas(46% dos municípios) e Bauru (45% dos municípios). Em1999, mais da metade dos municípios da RMBS e RMSP edas RAs de Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Pre-to, Sorocaba, São José dos Campos e Bauru utilizavam al-gum tipo de incentivo. Nas demais regiões, a parcela demunicípios que o utilizavam também se mostrou elevada.Estes resultados indicam que os incentivos fiscais são in-tensamente utilizados em todas as regiões do Estado, con-forme pode ser observado na Tabela 2 e no Mapa 1.

A existência de Distritos Industriais – DI, em muitosmunicípios, é componente importante do programa de in-

centivos municipais, e a oferta de subsídios, às vezes, estácondicionada à instalação do empreendimento nos limi-tes do Distrito. Entre 1995 e 1999, ampliou-se de 24%para 36% a parcela de municípios que possuía DI regula-mentado.

Até 1995, os DIs existiam principalmente em municí-pios de médio e grande portes. Entre os municípios commais de 50 mil habitantes, mais de 40% o possuíam, en-quanto naqueles com até 5 mil habitantes apenas 7% (11,em 167 municípios). Em 1999, a maior freqüência de DIfoi verificada nos municípios da faixa populacional com-preendida entre 20 mil e 50 mil habitantes. Houve varia-ções significativas na participação dos municípios comaté 5 mil habitantes, cuja parcela de municípios com DIaumentou de 7% para 19% entre 1995 e 1999. Nos mu-nicípios com mais de 500 mil habitantes, a participaçãodos municípios com Distrito Industrial caiu de 50% em1995 para 25% em 1999. O número absoluto de Distri-tos aumentou de 208 unidades para 347, no período (Ta-belas 3 e 4).

TABELA 2

Municípios com Mecanismos de Incentivo à Implantação de EmpreendimentoEstado de São Paulo – 1995-1999

Número de Municípios Mecanismos de Incentivo à Implantação de EmpreendimentosRegiões Administrativas e

1995 19991995 1999

Regiões MetropolitanasPossui % Possui %

Total 625 645 231 37 329 51

RA de Araçatuba 40 43 14 35 19 44

RA de Barretos 19 19 3 16 8 42

RA de Bauru 38 39 17 45 21 54

RA de Campinas 90 90 41 46 56 62

RA Central 24 26 8 33 11 42

RA de Franca 23 23 7 30 11 48

RA de Marília 48 51 18 38 16 31

RA de Presidente Prudente 51 53 17 33 22 42

RA de Registro 14 14 3 21 4 29

RA de Ribeirão Preto 23 25 7 30 14 56

RM da Baixada Santista 9 9 5 56 6 67

RM de São Paulo 39 39 20 51 26 67

RA de São José do Rio Preto 92 96 31 34 53 55

RA de São José dos Campos 38 39 12 32 20 51

RA de Sorocaba 77 79 28 36 42 53

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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MAPA 1

Existência de Distritos Industriais1999

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

TABELA 3

Municípios com Distritos Industriais Regulamentados, segundo Porte PopulacionalEstado de São Paulo – 1995-1999

Número de Existência de Distrito Número de DistritosCessão de Terrenos Doação de TerrenosMunicípios Industrial Regulamentado Industriais

População

1995 19991995 1999

1995 19991995 1999 1995 1999

Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui %

Total 625 645 153 24 229 36 208 347 96 15 152 24 150 24 195 30

Até 5 Mil Hab. 167 180 11 7 34 19 12 35 16 10 41 23 27 16 41 23

Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 19 16 31 27 21 37 14 12 23 20 25 21 32 28

Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 31 6 47 40 31 64 17 14 32 27 29 24 45 38

Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 45 39 65 56 57 94 20 17 36 31 36 31 44 38

Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 23 46 26 49 37 51 17 34 17 32 19 38 21 40

Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 15 45 18 45 34 56 8 24 3 8 10 30 11 28

Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 6 43 6 43 11 6 3 21 0 0 3 21 1 7

Mais de 500 Mil Hab. 6 8 3 50 2 25 5 4 1 17 0 0 1 17 0 0

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...

MAPA 2Mecanismo de Incentivo

1999

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

TABELA 4

Municípios com Distritos Industriais RegulamentadosEstado de São Paulo – 1995-1999

Número de Existência de Distrito Número de DistritosCessão de Terrenos Doação de TerrenosMunicípios Industrial Regulamentado Industriais

Regiões Administrativas eRegiões Metropolitanas

1995 19991995 1999

1995 19991995 1999 1995 1999

Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui %

Total 625 645 153 24 229 36 208 347 96 15 152 24 150 24 195 30RA de Araçatuba 40 43 6 15 11 26 8 16 8 20 12 28 10 25 11 26RA de Barretos 19 19 4 21 7 37 5 12 1 5 7 37 3 16 6 32RA de Bauru 38 39 14 37 18 46 18 30 11 29 17 44 14 37 16 41RA de Campinas 90 90 24 27 37 41 35 61 11 12 17 19 17 19 25 28RA Central 24 26 7 29 12 46 11 23 4 17 5 19 7 29 8 31RA de Franca 23 23 8 35 9 39 7 9 1 4 7 30 5 22 8 35RA de Marília 48 51 9 19 19 37 14 29 8 17 7 14 13 27 10 20RA de Presidente Prudente 51 53 14 27 13 25 20 16 8 16 13 25 14 27 17 32RA de Registro 14 14 4 29 3 21 4 4 1 7 2 14 3 21 1 7RA de Ribeirão Preto 23 25 7 30 15 60 7 22 4 17 8 32 3 13 8 32RM da Baixada Santista 9 9 1 11 2 22 1 2 0 0 1 11 0 0 0 0RM de São Paulo 39 39 7 18 8 21 9 11 6 15 1 3 5 13 2 5RA de São José do Rio Preto 92 96 23 25 44 46 40 70 12 13 28 29 28 30 41 43RA de São José dos Campos 38 39 7 18 4 10 8 7 5 13 6 15 8 21 14 36RA de Sorocaba 77 79 18 23 27 34 21 35 16 21 21 27 20 26 28 35

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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Em 1999, mais de 40% dos municípios das RAs de Bau-ru, Campinas, Central, Ribeirão Preto e São José do Rio Pretopossuíam DI. Neste ano, a menor participação foi verifica-da na RA de São José dos Campos, com 10% dos municí-pios, principalmente pela ausência nos municípios das Re-giões de Governo de Caraguatatuba e Cruzeiro (Mapa 2).

As isenções podem envolver a totalidade ou uma par-cela do imposto. No segundo caso, a porcentagem isentado tributo varia entre 1% e 80%.

Em 1995, 27% dos municípios paulistas isentavam to-talmente do pagamento do Imposto Predial e TerritorialUrbano – IPTU dos novos investimentos. Essa participa-ção aumentou para 36% em 1999, e, nos municípios commais de 50 mil habitantes, mais de 50%. O prazo de isen-ção total do IPTU tem sido de até 35 anos. Observa-se, noentanto, que a isenção parcial do IPTU é pouco utilizada.Também neste caso se verifica que os municípios maioresutilizavam mais intensivamente o benefício (Tabela 5).

Mais de 30% dos municípios das RAs de Bauru, Cam-pinas, RMBS e RMSP ofereciam isenção total de IPTUem 1995. As três primeiras regiões também usavam maisintensivamente as isenções parciais de IPTU, em mais de10% de seus municípios. Em 1999, os municípios das RAsde Bauru, Campinas, Ribeirão Preto e RMBS continua-vam sendo, proporcionalmente, os principais ofertantesde isenção total de IPTU.

As informações sobre concessão de incentivo pela isen-ção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza –ISS estão disponíveis, na PMU, somente para 1999, e in-dicam que 29% dos municípios a concediam. As maioresocorrências foram verificadas nos municípios com maisde 500 mil habitantes e na RMBS, RMSP, RA de Campi-nas e RA de Franca. Também eram significativas as par-celas dos municípios das RAs de São José dos Campos eSorocaba (Tabela 6).

A isenção de taxas municipais é uma prática de incen-tivo que vem-se ampliando, ocorrendo em 20% dos mu-nicípios, em 1995, e em 30%, em 1999. O tempo de fruiçãodesse benefício varia de um a 20 anos. Tanto em 1995quanto em 1999, os municípios com população superior a50 mil habitantes utilizavam mais intensamente este ins-trumento, e a menor freqüência residia no grupo commenos de 5 mil habitantes.

Quanto à distribuição regional, em 1995, mais de 25%dos municípios da RA de Campinas e da RMSP isenta-vam de taxas municipais os novos empreendimentos. Em1999, as Regiões Administrativas que mais aplicaram esserecurso foram: Barretos, Campinas, Sorocaba, São Josédos Campos e RMSP. Observa-se que em 1995 nenhummunicípio da RMBS lançou mão desse benefício e, em1999, quatro o concediam (44% dos municípios dessaregião).

TABELA 5

Municípios que Oferecem Isenção Total e Parcial de IPTU, segundo Porte PopulacionalEstado de São Paulo – 1995-1999

Número de Isenção Total Isenção ParcialIsenção de ISS Isenção de TaxasMunicípios de IPTU de IPTU

População

1995 19991995 1999 1995 1999 1999 1995 1999

Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui %

Total 625 645 168 27 235 36 46 7 56 9 190 29 124 20 194 30

Até 5 Mil Hab. 167 180 24 14 47 26 7 4 8 4 38 21 20 12 35 19

Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 22 18 31 27 8 7 6 5 26 22 19 16 32 28

Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 28 24 44 38 9 8 10 9 34 29 16 13 32 27

Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 41 35 48 41 8 7 17 15 35 30 28 24 40 34

Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 27 54 30 57 4 8 4 8 26 49 23 46 30 57

Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 19 58 24 60 6 18 6 15 20 50 15 45 19 48

Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 5 36 7 50 2 14 2 14 5 36 2 14 4 29

Mais de 500 Mil Hab. 6 8 2 33 4 50 2 33 3 38 6 75 1 17 2 25

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...

A Doação de Terrenos tem sido outro instrumento bas-tante utilizado. Em 1995, 24% dos municípios doavam. Estaparcela aumentou para 30%, em 1999. No entanto, esseincentivo não foi adotado em municípios de grande porte,ou seja, com mais de 500 mil habitantes. Outro recursoutilizado, nesse mesmo período, foi a Cessão de Terrenos,mas não por municípios com mais de 250 mil habitantes.

Em 1995, mais de 20% dos municípios das RAs de Bau-ru e de Sorocaba cediam terrenos a novos empreendimen-tos. A doação era utilizada por 37% dos municípios da RAde Bauru e 30% dos municípios da RA de São José do RioPreto, naquele ano. Em 1999, a Cessão de Terrenos era,sobretudo, utilizada pelos municípios das RAs de Bauru,Barretos e Ribeirão Preto e a Doação de Terrenos, pelasRAs de São José do Rio Preto, Bauru e São José dos Cam-pos. Nesse mesmo ano, destaca-se a baixa participação dosmunicípios da RMBS, RMSP e RA de Registro, no uso desseinstrumento como atrativo de novos investimentos.

Essas observações sugerem que a doação e a cessão deterrenos têm sido utilizadas, em especial, por municípiosmais afastados da RMSP, à exceção da RA de Sorocabaonde significativa parcela dos municípios dispunha dessesdois mecanismos de incentivo nos dois anos considerados.

Além de dispor de mecanismos de incentivo e apoio anovos investimentos, os municípios também recorrem, com

menor intensidade, aos mecanismos de restrição à edifi-cação de empreendimentos. Procuram evitar, de algumaforma, os investimentos que agridam o meio ambiente. Em1999, 17% dos municípios mantinham esse cuidado. Amaior ocorrência foi verificada nos municípios com po-pulação superior a 50 mil habitantes. Contrariamente, nosmunicípios com menos de 5 mil habitantes (180 municí-pios), apenas dez declararam utilizar algum mecanismode restrição à instauração de empreendimentos em 1999,o que representa apenas 6% dos municípios dessa faixa.Os municípios que mais adotam tal restrição estão nas RAsde Campinas, Ribeirão Preto, RMBS, RMSP, São José dosCampos e Sorocaba (Tabelas 7 e 8).

Entre os mecanismos de restrição à instauração de novosempreendimentos, a PMU permitiu observar que a legis-lação municipal é mais utilizada do que a tributação. Em1999, 15% dos municípios do Estado declararam utilizara legislação como mecanismo de restrição, principalmenteos municípios com mais de 50 mil habitantes. Já osmunicípios com população superior a 500 mil habitantes,63% deles utilizam esse tipo de legislação específica. Naadoção desse sistema, destacam-se as RAs de Campinas,RMBS e RMSP (Mapa 3).

A tributação municipal, como instrumento de restriçãoà implantação de empreendimentos, não só é pouco

TABELA 6

Municípios que Oferecem Isenção Total e Parcial de IPTUEstado de São Paulo – 1995-1999

Número de Isenção Total Isenção ParcialIsenção de ISS Isenção de TaxasMunicípios de IPTU de IPTU

Regiões Administrativas eRegiões Metropolitanas

1995 19991995 1999 1995 1999 1999 1995 1999

Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui %

Total 625 645 168 27 235 36 46 7 56 9 190 29 124 20 194 30RA de Araçatuba 40 43 10 25 14 33 2 5 1 2 8 19 10 25 12 28RA de Barretos 19 19 1 5 6 32 0 0 1 5 6 32 1 5 8 42RA de Bauru 38 39 13 34 19 49 5 13 2 5 12 31 9 24 13 33RA de Campinas 90 90 31 34 43 48 8 9 6 7 35 39 25 28 35 39RA Central 24 26 7 29 6 23 2 8 2 8 5 19 4 17 3 12RA de Franca 23 23 6 26 9 39 1 4 2 9 9 39 4 17 6 26RA de Marília 48 51 14 29 5 10 1 2 4 8 6 12 10 21 8 16RA de Presidente Prudente 51 53 10 20 17 32 2 4 2 4 12 23 6 12 14 26RA de Registro 14 14 3 21 4 29 0 0 2 14 0 0 2 14 1 7RA de Ribeirão Preto 23 25 4 17 11 44 3 13 3 12 6 24 4 17 7 28RM da Baixada Santista 9 9 4 44 5 56 1 11 2 22 5 56 0 0 4 44RM de São Paulo 39 39 14 36 14 36 8 21 9 23 19 49 10 26 14 36RA de São José do Rio Preto 92 96 21 23 36 38 6 7 6 6 28 29 15 16 26 27RA de São José dos Campos 38 39 8 21 15 38 2 5 6 15 13 33 8 21 14 36RA de Sorocaba 77 79 22 29 31 39 5 6 8 10 26 33 16 21 29 37

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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TABELA 7

Municípios com Mecanismos de Restrição à Implantação de Empreendimentos, segundo Porte PopulacionalEstado de São Paulo – 1995-1999

Mecanismos de RestriçãoUtilização de Legislação Utilização de Tributação

Mecanismo de Restrição àNúmero deà Implantação de

como Restrição à como Restrição àImplantação de IndústriaMunicípios

EmpreendimentosImplantação de Implantação de

PoluidoraPopulação Empreendimentos Empreendimentos

1995 1999 1995 1999 1995 1999 1995 1999 1995 1999

Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui %

Total 625 645 108 17 108 17 93 15 95 15 8 1 6 1 104 17 97 15

Até 5 Mil Hab. 167 180 11 7 10 6 9 5 8 4 0 0 1 1 11 7 10 6

Mais de 5 Mil a 10 Mil Hab. 120 116 13 11 12 10 9 8 11 9 1 1 0 0 11 9 12 10

Mais de 10 Mil a 20 Mil Hab. 119 117 11 9 18 15 9 8 15 13 0 0 1 1 10 8 14 12

Mais de 20 Mil a 50 Mil Hab. 116 117 26 22 19 16 23 20 15 13 2 2 0 0 26 22 16 14

Mais de 50 Mil a 100 Mil Hab. 50 53 26 52 19 36 23 46 19 36 3 6 2 4 26 52 16 30

Mais de 100 Mil a 250 Mil Hab. 33 40 11 33 19 48 10 30 17 43 0 0 1 3 10 30 19 48

Mais de 250 Mil a 500 Mil Hab. 14 14 6 43 6 43 6 43 5 36 1 7 1 7 6 43 5 36

Mais de 500 Mil Hab. 6 8 4 67 5 63 4 67 5 63 1 17 0 0 4 67 5 63

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

TABELA 8

Municípios com Mecanismos de Restrição à Implantação de EmpreendimentosEstado de São Paulo – 1995-1999

Mecanismos de RestriçãoUtilização de Legislação Utilização de Tributação

Mecanismo de Restrição àNúmero deà Implantação de

como Restrição à como Restrição àImplantação de IndústriaRegiões Administrativas e Municípios

EmpreendimentosImplantação de Implantação de

PoluidoraRegiões Metropolitanas Empreendimentos Empreendimentos

1995 1999 1995 1999 1995 1999 1995 1999 1995 1999

Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui % Possui %

Total 625 645 108 17 108 17 93 15 94 15 8 1 6 1 104 17 97 15

RA de Araçatuba 40 43 3 8 2 5 2 5 2 5 0 0 1 2 3 8 2 5

RA de Barretos 19 19 0 0 2 11 0 0 2 11 0 0 1 5 0 0 2 11

RA de Bauru 38 39 2 5 2 5 2 5 2 5 0 0 0 0 2 5 2 5

RA de Campinas 90 90 31 34 34 38 27 30 30 33 0 0 0 0 28 31 31 34

RA Central 24 26 1 4 1 4 1 4 1 4 0 0 0 0 1 4 1 4

RA de Franca 23 23 1 4 1 4 1 4 1 4 0 0 0 0 1 4 1 4

RA de Marília 48 51 5 10 2 4 4 8 2 4 0 0 0 0 5 10 2 4

RA de Presidente Prudente 51 53 5 10 3 6 4 8 3 6 1 2 0 0 4 8 2 4

RA de Registro 14 14 2 14 1 7 2 14 1 7 0 0 0 0 2 14 1 7

RA de Ribeirão Preto 23 25 4 17 7 28 3 13 5 20 0 0 0 0 4 17 5 20

RM da Baixada Santista 9 9 4 44 4 44 4 44 4 44 2 22 1 11 4 44 4 44

RM de São Paulo 39 39 13 33 16 41 13 33 15 38 2 5 0 0 13 33 13 33

RA de São José do Rio Preto 92 96 8 9 8 8 6 7 6 6 0 0 0 0 8 9 8 8

RA de São José dos Campos 38 39 11 29 10 26 10 26 10 26 2 5 1 3 11 29 9 23

RA de Sorocaba 77 79 18 23 15 19 14 18 11 14 1 1 2 3 18 23 14 18

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

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PESQUISA MUNICIPAL UNIFICADA: INSTRUMENTO PARA O ESTUDO...

aplicada no Estado de São Paulo como também é reduzida.Em 1995, apenas 8 dos 625 municípios declararam dispordesse mecanismo: Tarabaí na RA de Presidente Prudente,Cubatão e São Vicente na RMBS, Poá e Guarulhos naRMSP, Taubaté na RA de São José dos Campos e Mai-rinque na RA de Sorocaba. Em 1999, somente seismunicípios recorriam a esse mecanismo: Penápolis na RAde Araçatuba, Avaré e Itapetininga na RA de Sorocaba,São Vicente na RMBS e Caçapava na RA de São José dosCampos.

A proporção de municípios que responderam afirmati-vamente à questão referente à utilização de mecanismosde restrição à implantação de indústria poluidora decli-nou ligeiramente durante os anos considerados, passandode 17% em 1995 para 15% em 1999.

Estes mecanismos são mais utilizados nos municípiosde maior porte, em especial naqueles com população su-perior a 500 mil habitantes (67% dos municípios em 1995e 63% em 1999). Nesta faixa, apenas os municípios deRibeirão Preto, Santo André e Osasco não apresentavammecanismos de restrição à criação de indústrias poluido-ras, em 1995 e 1999. A maior intensidade de aplicação

desses instrumentos foi observada nas RAs de Campinas,RMBS e RMSP, sendo também significativa em São Josédos Campos e Sorocaba, nos dois anos considerados.

A razão para maior concentração da utilização dessesmecanismos em municípios com mais de 500 mil habitan-tes e nas regiões mais industrializadas do Estado é facil-mente identificável. É porque esses municípios são indus-trializados, e em alguns casos com condições ambientaisjá bastante afetadas, e exigem maior atenção com a dete-rioração da qualidade de vida.

A instalação de uma unidade de indústria extrativamineral, como no caso de indústria poluidora, pode com-prometer seriamente as condições ambientais, razão pelaqual os municípios maiores e mais industrializados têm-se mostrado mais preocupados em estabelecer restriçõesquanto à adoção desse tipo de empreendimento. Entretanto,essa prática é pouco expressiva nos municípios paulistas.Em 1995 apenas 7%, tendo esta participação aumentadoapenas um ponto percentual em 1999. Observa-se, tam-bém, que a maior freqüência é de municípios com mais de500 mil habitantes. Nessa faixa, apenas Ribeirão Preto,Santo André e Osasco não dispunham desse mecanismo.

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Municipal Unificada – PMU.

MAPA 3

Mecanismo de Restrição1999

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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Em contraste, ele é muito pouco utilizado pelos municí-pios com menos de 20 mil habitantes. É curioso o fato deque, na faixa até 5 mil habitantes, apenas Águas de SãoPedro, Macedônia, Álvares Florence e Tuiuti declararamutilizar esse tipo de instrumento.

Da mesma forma que os instrumentos de restrição àinstalação de indústrias poluidoras, as RAs que mais uti-lizavam esse mecanismo são Campinas, RMBS e RMSP,seguidas pelas RAs de São José dos Campos e Sorocaba.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais da metade dos municípios paulistas oferece al-gum tipo de incentivo a novos empreendimentos, não seobservando um padrão espacial definido, visto que umaparcela significativa dos municípios de todas as regiõesdo Estado dispõe desses mecanismos.

Quando se desagregam os principais instrumentos deincentivo, verifica-se que as isenções de IPTU, ISS e isen-ções de taxas municipais – mecanismos estritamente tri-butários –, são utilizadas, sobretudo, pelos municípiosmaiores e/ou próximos à RMSP. Já as concessões e doa-ções de terrenos são utilizadas, em especial, pelos muni-cípios menores e/ou mais afastados do eixo mais indus-trializado do Estado.

Os mecanismos de restrição à instalação de empreen-dimentos são mais utilizados pelos municípios das RAsmais industrializadas e por municípios de médio e grandeportes. Estes, em sua maioria, já enfrentam sérios proble-mas ambientais e por isso têm que se mostrar mais vigi-lantes quanto à instalação de investimentos que possamimpactar negativamente o meio ambiente. Os municípiosbuscam impedir, em particular, a instalação de unidadesindustriais poluidoras. O principal instrumento, para tan-to, é a legislação específica. O instrumental tributário épouco utilizado com esse propósito.

Observa-se, em síntese, que tem crescido a disputa nasmunicipalidades, com generalização de políticas munici-pais de atração industrial. Todavia, os incentivos munici-pais, ainda menos que os estaduais, não são suficientespara uma estratégia bem-sucedida a longo prazo. A re-cente decisão da Embraer de realizar grande investimen-to em Gavião Peixoto, pequeno município da região deAraraquara, reforça esta hipótese, ao mesmo tempo emque não desmonta a afirmação de que estão sendo privile-giados os municípios pólos regionais ou seus entornosimediatos.

Nos setores intensivos em conhecimento, cada vezmais deixam de ser preponderantes, para a estratégia em-presarial de localização, os ganhos de escala – tão co-muns no “regime fordista” de produção em massa. A lo-calização passa a ser determinada pela existência demão-de-obra qualificada, pela possibilidade de consti-tuição de rede de fornecedores, por ganhos de escopo,pela proximidade do mercado consumidor, pela possibi-lidade de uma qualidade de vida “amena” para seus fun-cionários, entre outros.

Esses são os motivos que justificam a escolha da loca-lização de novos empreendimentos em municípios demédio porte do interior paulista. É provável que num fu-turo próximo continuem prevalecendo esses mesmos fa-tores e que incentivos fiscais municipais permaneçam comum peso reduzidíssimo no processo de decisão locacio-nal. Essa lógica prevalece sobretudo para a grande indús-tria de bens de consumo duráveis, responsável por parce-la significativa dos novos investimentos.

NOTAS

1. Sobre a heterogeneidade dos municípios paulistas, ver Caiado (1995).

2. Sobre “guerra fiscal” entre Estados da Federação, ver Fundap (1999)e Alves (2001).

3. Este subitem foi escrito em parceria com Maria Abadia da Silva Alves.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, M.A.S. Guerra fiscal e finanças federativas no Brasil: o casodo setor automotivo. 2001. Dissertação (Mestrado) – Universida-de Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2001.

CAIADO, A.S.D. Desconcentração industrial regional no Brasil(1985-1998): pausa ou retrocesso? Tese (Doutorado) – Institutode Economia da Universidade de Campinas, Campinas, 2002.

________ . Dinâmica socioespacial e a rede urbana paulista. SãoPaulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v.9, n.3, p.46-53, jul./set.1995.

FUNDAP. Guerra fiscal no Brasil: três estudos de caso: Minas Ge-rais, Rio de Janeiro e Paraná. São Paulo: Fundap, 1999.

PRADO, S.; CAVALCANTI, C.E.G. Aspectos da guerra fiscal noBrasil. São Paulo: Ipea/Fundap, 1998.

VARSANO, R. A guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde.Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, Ipea, n.15, p.13-18,1997.

AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO: Arquiteto, Analista da FundaçãoSeade e Professor da Universidade de Sorocaba.

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FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...

P

FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO?um olhar sobre os processos socioespaciais

Resumo: O artigo discute alguns processos socioespaciais em curso em municípios do Estado de São Paulo,tais como a conurbação, metropolização e a expansão da ocupação urbana em áreas oficialmente definidascomo rurais, para mostrar que não existe mais a velha dicotomia urbano-rural e que a definição oficial doIBGE não mais dá conta de explicar a diversidade de usos, carecendo de redefinição.Palavras-chave: política urbana; urbanização; rural-urbano.

Abstract: This article discusses some of the socio-spatial processes underway in the cities of the State of SãoPaulo, such as conurbation, metropolitanization and the expansion of urban occupation in areas officiallydefined as rural, to demonstrate that the old rural-urban dichotomy is no longer valid and that the officialIGBE definition no longer explains the diversity of usages, and is in need of being re-elaborated.Key words: urban policy; urbanization; rural-urban.

AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO

SARAH MARIA MONTEIRO DOS SANTOS

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 115-124, 2003

ara procurar avançar na discussão das definiçõesde rural e urbano, com vistas à análise do desen-volvimento regional, parte-se do princípio que os

lazer e indústrias, e sobre processos de conurbação comoutros municípios. A análise desses dados segundo infor-mações sobre legislações municipais, mostra a extensãodo fenômeno no Estado e faz refletir sobre a necessidadede buscar novos instrumentais de análise que represen-tem a complexa realidade de uma sociedade urbana, cadavez mais metropolitana. Para tanto o artigo está divididoem três itens. O primeiro discute as principais caracterís-ticas da rede urbana paulista e a redução do peso das ati-vidades agrícolas na área rural. O segundo apresenta osresultados da PMU/1999 sobre a existência de ocupaçõesurbanas em áreas rurais e o terceiro traz alguns comentá-rios finais.

A REDE URBANA PAULISTA

A rede de cidades do Estado de São Paulo é a maiscomplexa do país. Sua constituição remonta ao século XIX,quando, a partir do dinamismo econômico impulsionadopelo complexo cafeeiro, o território passou por processocontínuo e permanente de ocupação (Caiado, 1995).

O recorte tradicional usado em estudos sobre urbaniza-ção, que partia da dicotomia existente entre cidade e cam-

conceitos formais de rural e urbano, baseados nos limitesadministrativos (lei do perímetro urbano), já não são su-ficientes para explicar os complexos processos socioeco-nômicos e socioespaciais em curso no Estado de São Paulo.

Nas últimas décadas, a principal característica das trans-formações socioespaciais é o crescimento da conurbaçãoem aglomerações metropolitanas ou não-metropolitanas,concentrando parcela crescente da população. Por outrolado, o fenômeno de redução do peso das atividades agrí-colas no emprego e na renda das pessoas que habitam omeio rural, que tem sido registrado em países desenvolvi-dos, apresenta tendência crescente em São Paulo.

Com vistas a reunir informações sobre o crescente pro-cesso de transformação e diversificação das espacialida-des presentes no Estado de São Paulo, analisam-se infor-mações coletadas pela Pesquisa Municipal Unificada daFundação Seade – PMU/1999,1 em todos os municípiospaulistas, sobre a existência de ocupações urbanas em áreasrurais, tais como: loteamentos sem aprovação, loteamen-tos aprovados por lei especial, grandes equipamentos de

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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po (moderno e atrasado) e estudava a rede urbana paulistadistinguindo a área metropolitana da capital do restante doEstado – denominado interior –, não consegue mais expli-car os diversos processos de integração produtiva, funcio-nal e física em curso fora da Região Metropolitana de SãoPaulo. Esta continua sendo a principal metrópole do país ea principal cidade mundial da América do Sul, pelas arti-culações econômicas com os demais centros nacionais ecom as principais metrópoles internacionais. Entretanto,no que diz respeito ao padrão de urbanização vigente noEstado, com a interiorização do desenvolvimento, as rea-lidades territoriais tornaram-se mais complexas, engen-drando formações espaciais que refletem o caráter contra-ditório do dinamismo econômico.

As maiores cidades do interior estão localizadas nasregiões mais industrializadas e de maior desenvolvimen-to, demonstrando a relação entre a dinâmica populacio-nal e o crescimento econômico no Estado de São Paulo.A localização das atividades econômicas e da populaçãoprivilegiou as sedes regionais e/ou seus entornos imedia-tos, notadamente as Regiões Administrativas de Campi-nas, Santos, Sorocaba, São José dos Campos e RibeirãoPreto, fortalecendo o papel daqueles centros na rede ur-bana estadual e levando para o interior um padrão de ur-banização até então vigente somente na metrópole.2

A estruturação e a ampliação do mercado imobiliário,articulado e organizado em suas diversas etapas de repro-dução do capital mercantil (parcelamento, construção, in-corporação, financiamento e vendas), ampliaram o processode verticalização das cidades, com a construção de resi-dências multifamiliares e de edifícios de escritórios. Fa-voreceram, também, o surgimento dos condomínios fecha-dos horizontais para a classe média, de bairros periféricossem infra-estrutura urbana e favelas em quase todas as ci-dades do interior, independentemente de seu porte, expres-sões visíveis desse padrão contraditório de urbanização.Esse processo expressa-se em uma dinâmica socioespacialque se repete nas diversas realidades territoriais comoambientes construídos pelo capital e para o capital.

A principal característica da rede urbana estadual, nasúltimas décadas, é a conurbação, produzindo aglomera-ções metropolitanas ou não-metropolitanas e concentran-do parcela crescente da população.3 Além da grande di-versidade e da alta densidade de centros, apresenta asinterações espaciais mais intensas e complexas de todo opaís. Isso se reflete em padrões espaciais que variam se-gundo as especificidades das diferentes regiões do Esta-do e compreendem, nas suas escalas superiores:4

- metrópoles de caráter mundial, nacional e regional;- aglomerações urbanas que se desenvolveram a partir deum núcleo;- aglomerações urbanas constituídas de centros urbanoscom complementaridade funcional, que dividem as funçõespolarizadoras e, espacialmente, se articulam com algumacontigüidade, muitas vezes ao longo de eixos viários;- aglomerações urbanas constituídas por centros urbanosque dividem as funções polarizadoras sem possuir conti-güidade espacial, formando um conjunto de cidades arti-culadas;- centros urbanos que polarizam sozinhos os municípios deseu entorno desempenhando o papel de centro regional.

Essas espacialidades nem sempre são perfeitamenteidentificáveis ou passíveis de serem isoladas, dada a com-plexidade da rede e as múltiplas inter-relações. Em regiõesmais dinâmicas e de maior densidade de centros, as rela-ções socioeconômicas se dão segundo diferentes vetores,fazendo com que as articulações, quer de subordinaçãoquer de complementaridade, aconteçam entre centros dediferentes aglomerações. Isso é facilmente evidenciado nosmunicípios próximos da RMSP. Além da forte atraçãoexercida por aquela metrópole, os processos de conurba-ção e integração produtiva existentes na região de Jundiaí,por exemplo, e sua articulação com municípios da RegiãoMetropolitana de Campinas – RMC e da AglomeraçãoUrbana de Sorocaba dificultam o estudo e a delimitaçãoda aglomeração. O mesmo pode ser dito em relação àsAglomerações Urbanas de São José dos Campos, deSorocaba e de Guaratinguetá.

O crescimento urbano tem ampliado a divisão de fun-ções urbanas entre algumas cidades e a atração que algunscentros exercem sobre o território. A existência de três áreasmetropolitanas, onze aglomerações urbanas e várias cida-des de porte médio são a face de uma estrutura territorial,cuja contraface está no grande número de municípios compopulação urbana inferior a 20 mil habitantes.

É um Estado urbano, com 75% da população residindoem regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas.No conjunto as RMs e AUs tiveram crescimento médioanual de 1,9%, entre 1991 e 2000, acima, portanto, damédia estadual.

A rede de cidades paulistas se estrutura em subsiste-mas que se constituíram vis-à-vis os processos econômi-cos das regiões onde se localizam e que possuem caracte-rísticas diversificadas. Fortemente polarizada pela capital,a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP é a princi-

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FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...

pal metrópole e, a despeito do processo de diminuição deseu ritmo de crescimento, continuava abarcando em 2000quase metade da população estadual, 17.852 mil habitan-tes (48,3%).

As outras principais aglomerações estão situadas noentorno da metrópole paulistana, principalmente ao lon-go de quatro eixos principais a partir da capital:- o eixo Anhangüera/Bandeirantes em direção ao interior,passando por Campinas, indo até Ribeirão Preto;- o eixo formado pelas rodovias Carvalho Pinto/PresidenteDutra que liga São Paulo ao Vale do Paraíba;- aquele formado pelas rodovias Castelo Branco e RaposoTavares, que articula as cidades da Região de Sorocaba; e- as rodovias Anchieta e Imigrantes, que ligam a capitalà Baixada Santista.

A Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS,instituída pela Lei Complementar no 815/96, tem 1.473mil habitantes (4,0%) e a Região Metropolitana de Cam-pinas – RMC, instituída pela Lei Complementar no 870/2000, 2.332 mil habitantes (6,3%).

As três regiões metropolitanas juntas abrigam 58,6%da população estadual (21.659 mil hab.) e tiveram taxamédia anual de crescimento de 1,81% entre 1991 e 2000,praticamente igual à média estadual (1,82%). A única RMque cresceu abaixo da média estadual foi a RMSP (1,68%).As outras – RMBS e RMC – tiveram taxa média de cres-cimento demográfico superior à média estadual (2,17% e

2,59%, respectivamente) e ampliaram suas participaçõesno total da população estadual (Tabelas 1 e 2).

As 11 aglomerações urbanas existentes, envolvendo 58municípios, tiveram crescimento médio de 2,2% e somenteas AUs de Araçatuba e Guaratinguetá tiveram crescimen-to abaixo da média estadual (1,7% e 1,2%, respectivamen-te) entre 1991 e 20005 (Tabela 2).

Os demais municípios paulistas não pertencentes àsaglomerações urbanas (RMs ou AUs), num total de 520municípios, tiveram crescimento abaixo da média estadual(1,6%). Desse conjunto, os pequenos, com população até20 mil habitantes, que somam 396 municípios e abrigam7,7% da população estadual, tiveram taxa negativa de cres-cimento (-0,5 a.a.) com perda populacional de 144 milhabitantes, entre 1991 e 2000. Aqueles com populaçãoentre 20 mil e 50 mil (86 municípios) cresceram a umataxa média equivalente à média estadual, 1,8% a.a. Os nafaixa entre 50 mil e 100 mil habitantes (27 municípios)tiveram crescimento médio medíocre, de 0,5% a.a., en-tretanto essa taxa é explicada pela mudança de faixa devários municípios que passaram a ter mais de 100 milhabitantes em 2000. Isso explica, também, a elevada taxade crescimento dos municípios com população de maisde 100 mil habitantes, em 2000 (7,5% a.a.).

Em síntese, há forte concentração demográfica em áreasurbanas de maior complexidade (RMs e AUs) ou em mu-nicípios isolados considerados pólos regionais.6 Cabe sa-lientar que nas regiões metropolitanas as sedes tiveram

TABELA 1

Rede Urbana– SínteseEstado de São Paulo – 1991-2000

Número de População EstimadaTotal Taxa Média DistribuiçãoRede Urbana Municípios Anual

(2000) 1991 2000 1991/2000 1991 2000

Regiões Metropolitanas 67 18.437.098 21.659.537 1,8 58,6 58,6Aglomerações Urbanas 58 5.124.364 6.254.044 2,2 16,3 16,9Demais Municípios 520 7.874.811 9.060.797 1,6 25,1 24,5

Municípios Isolados por Faixa de TamanhoAté 5 mil Habitantes 179 602.832 577.031 -0,5 1,9 1,6De 5 a 10 mil Habitantes 111 818.396 788.021 -0,4 2,6 2,1De 10 a 20 mil Habitantes 106 1.572.708 1.484.541 -0,6 5,0 4,0De 20 a 50 mil Habitantes 86 2.212.397 2.600.029 1,8 7,0 7,0De 50 a 100 mil Habitantes 27 1.733.091 1.818.775 0,5 5,5 4,9De 100 a 250 mil Habitantes 9 657.998 1.176.596 6,7 2,1 3,2Mais de 250 mil Habitantes 2 277.389 615.804 9,3 0,9 1,7

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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TABELA 2

Rede UrbanaEstado de São Paulo – 1991-2000

Número de População EstimadaTotal Taxa Média DistribuiçãoRede Urbana Municípios Anual

(2000) 1991 2000 1991/2000 1991 2000

ESTADO DE SÃO PAULO 645 31.436.273 36.974.378 1,8 100,0 100,0

Região Metropolitana de São Paulo 39 15.369.305 17.852.637 1,7 48,9 48,3

São Paulo 9.610.659 10.426.384 0,9 30,6 28,2

Demais Municípios 5.758.646 7.426.253 2,9 18,3 20,1

Região Metropolitana de Campinas 19 1.852.813 2.332.988 2,6 5,9 6,3

Campinas 843.516 968.160 1,5 2,7 2,6

Demais Municípios 1.009.297 1.364.828 3,4 3,2 3,7

Região Metropolitana da Baixada Santista 9 1.214.980 1.473.912 2,2 3,9 4,0

Santos 417.114 417.975 0,0 1,3 1,1

Demais Municípios 797.866 1.055.937 3,2 2,5 2,9

Aglomeração Urbana de São José dos Campos 6 1.002.477 1.209.640 2,1 3,2 3,3

São José dos Campos 439.231 538.298 2,3 1,4 1,5

Demais Municípios 563.246 671.342 2,0 1,8 1,8

Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto 9 615.390 739.857 2,1 2,0 2,0

Ribeirão Preto 428.377 504.162 1,8 1,4 1,4

Demais Municípios 187.013 235.695 2,6 0,6 0,6

Aglomeração Urbana de Sorocaba 10 813.202 1.040.967 2,8 2,6 2,8

Sorocaba 376.513 492.245 3,0 1,2 1,3

Demais Municípios 436.689 548.722 2,6 1,4 1,5

Aglomeração Urbana de Jundiaí 6 453.917 561.931 2,4 1,4 1,5

Jundiaí 288.228 323.056 1,3 0,9 0,9

Demais Municípios 165.689 238.875 4,1 0,5 0,6

Aglomeração Urbana de São José do Rio Preto 3 324.251 417.413 2,8 1,0 1,1

São José do Rio Preto 279.507 357.705 2,8 0,9 1,0

Demais Municípios 44.744 59.708 3,3 0,1 0,2

Aglomeração Urbana de Araraquara/São Carlos 5 358.911 433.576 2,1 1,1 1,2

Araraquara 158.934 182.240 1,5 0,5 0,5

São Carlos 157.549 192.639 2,3 0,5 0,5

Demais Municípios 42.428 58.697 3,7 0,1 0,2

Aglomeração Urbana de Araçatuba 2 226.699 263.185 1,7 0,7 0,7

Araçatuba 152.018 169.087 1,2 0,5 0,5

Demais Municípios 74.681 94.098 2,6 0,2 0,3

Aglomeração Urbana de Bauru 4 365.880 439.455 2,1 1,2 1,2

Bauru 259.504 315.493 2,2 0,8 0,9

Demais Municípios 106.376 123.962 1,7 0,3 0,3

Aglomeração Urbana de Limeira/Rio Claro 6 523.436 634.235 2,2 1,7 1,7

Limeira 206.456 248.618 2,1 0,7 0,7

Rio Claro 137.041 167.902 2,3 0,4 0,5

Demais Municípios 179.939 217.715 2,1 0,6 0,6

Aglomeração Urbana de Guaratinguetá 3 195.488 216.903 1,2 0,6 0,6

Guaratinguetá 92.077 104.101 1,4 0,3 0,3

Demais Municípios 103.411 112.802 1,0 0,3 0,3

Aglomeração Urbana de Mogi Guaçu/Moji Mirim 4 244.713 296.882 2,2 0,8 0,8

Mogi Guaçu 100.237 123.984 2,4 0,3 0,3

Moji Mirim 64.523 81.293 2,6 0,2 0,2

Demais Municípios 79.953 91.605 1,5 0,3 0,2

Municípios Não Pertencentes a RMs ou AUs 520 7.874.811 9.060.797 1,6 25,1 24,5

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

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FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...

- atividades derivadas da disponibilidade de mão-de-obraexcedente no meio rural, que inclui o trabalho em domi-cílio e o trabalho complementar daqueles que exercemoutra atividade não-agrícola remunerada;- expansão dos serviços públicos no meio rural;- demanda por terras para uso não-agrícola pelas (agro)indústrias e empresas prestadoras de serviços;- demanda da população urbana de baixa renda por ter-renos para autoconstrução de suas moradias em áreas ru-rais situadas nas proximidades das cidades;- demanda da população urbana de alta renda por áreasde lazer e/ou segunda residência, bem como pelos servi-ços a elas relacionados;- consumo não-agrícola da população urbana, que é cons-tituído por bens e serviços realizados no meio rural (arte-sanato, turismo ecológico, etc.);- “novas atividades agropecuárias”, que buscam nichosde mercado.

Em resumo, já não se pode caracterizar o meio ruralpaulista somente como agrário. O comportamento doemprego no meio rural não pode mais ser explicado ape-nas a partir do calendário agrícola e da expansão/retraçãodas áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjuntode atividades não-agrícolas que responde, cada vez mais,pela nova dinâmica populacional do meio rural paulista.

OCUPAÇÃO URBANA EM ÁREA RURALNOS MUNICÍPIOS PAULISTAS

As diferenças na caracterização das áreas urbanas e ru-rais nos diversos países do mundo fazem com que não existauma definição de população urbana aplicável a todos. Asdefinições nacionais de população urbana são mais comu-mente baseadas no tamanho da localidade. A população ruralestá sendo definida por exclusão: aquela que não habita asáreas urbanas (United Nations Statistics Division, 2002).

Na América Latina, para os 20 maiores países,9 cercade 35% utilizam o tamanho da localidade como parâme-tro na definição de população urbana, sendo que o tama-nho mínimo varia de 1.500 a 2.500 habitantes. Algunspaíses acrescentam a esse parâmetro a existência de ser-viços ou outras características urbanas. Cerca de 30% uti-lizam a categoria de sede de municípios e/ou de distritos;e outros utilizam leis para a definição da área urbana.

Verifica-se que de 1960 até os dias atuais muitos paí-ses alteraram sua definição de população urbana para efeitodos censos demográficos, quer acrescentando caracterís-

crescimento baixo (São Paulo e Campinas) ou nulo (San-tos), mas os demais municípios metropolitanos cresceramacima da média estadual, inclusive na RMSP.

É importante destacar que não só as áreas urbanas têmmudado suas feições. No que diz respeito à área rural, aagropecuária paulista é predominantemente de alto padrãotecnológico, com um expressivo segmento moderno, res-ponsável por uma parcela significativa da produção delavouras comerciais que demandam cada vez menos tra-balhadores, e cujo perfil exigido é diferente do tradicio-nal “homem do campo” e com algum nível de instrução.Também persiste, em algumas regiões, uma agropecuáriatradicional e de baixo padrão tecnológico.

Entretanto, apenas as tradicionais atividades produti-vas agrícolas e pecuárias não conseguem mais explicar adinâmica do emprego e da população rural do Estado. Épreciso incluir outras variáveis rurais não-agrícolas, de-correntes da crescente urbanização do meio rural, taiscomo: hospedagem, turismo, lazer e outros serviços, ati-vidades de preservação do meio ambiente, além de umconjunto de atividades intensivas em mão-de-obra, comoolericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultu-ra e criação de pequenos animais (rãs, canários, aves exó-ticas, etc.) que buscam “nichos de mercado” específicos(Graziano da Silva, 1999; Balsadi; Borin; Julio, 2001).

Do total de pessoas ocupadas com residência rural, maisde 50% já estavam ocupadas em atividades não-agrícolasem 1999. Chama a atenção o ritmo desse processo nosanos 90, pois entre 1992 e 1997 houve uma clara inversãoa favor do emprego rural não-agrícola no Estado de SãoPaulo.7

Houve redução no número de pessoas ocupadas ematividades agrícolas no Estado, de 1.211 mil, em 1992,para 927 mil, em 1999. O total de pessoas com domicíliorural e ocupado em atividades não-agrícolas em 1999 erade 472 mil, superando o total ocupado em atividades agrí-colas (455 mil pessoas).8

As principais dinâmicas que influenciam o crescimen-to de ocupações não-agrícolas no meio rural podem serresumidas da seguinte forma:- atividades vinculadas à produção agropecuária, princi-palmente a produção direta de bens e serviços agropecuá-rios, e a indireta, relacionada com sua comercialização,processamento e transporte;- atividades derivadas do consumo da população rural,que incluem a produção de bens e de serviços não-agro-pecuários, tanto de origem rural quanto urbana e os servi-ços auxiliares a eles relacionados;

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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ticas específicas, qualificadoras do espaço urbano, queraumentando a exigência de aglomeração (população mí-nima), chegando-se em alguns casos a definições comple-xas e com muitas exceções. 10

O desenvolvimento mundial e a urbanização crescentedas populações resultam nessa complexidade presente naatualidade para a identificação do rural e do urbano.

No Brasil, cabe ao município definir o limite oficialentre as zonas urbanas e zonas rurais de seu território atra-vés da Lei de Perímetro Urbano.

Em 1999, 67,1% dos municípios brasileiros possuíamLei de Perímetro Urbano, a lei mais encontrada em nos-sos municípios (Bremaeker, 2001). Para o Estado de SãoPaulo esse percentual era de 57% em 1992 e passou a 65%em 1999, segundo dados da PMU/Seade.

Analisando as datas das leis de perímetro urbano, in-formadas pelas prefeituras paulistas, verifica-se a sua pe-quena incidência até o final da década de 70, quando daaprovação da Lei Lhemam (no 6.766/79).11 Na década de80, o número de municípios que aprovaram leis de perí-metro urbano cresceu e, na década de 90, esse número tri-plicou. Isso ocorreu paralelamente à expansão das áreasurbanizadas, freqüentemente sem controle, das municipa-lidades. As leis vieram muitas vezes a reboque do proces-so (Gráfico 1).

Com efeito, o crescimento desordenado de nossas cida-des vem acontecendo em muitos municípios através de uma

expansão que extrapola os limites urbanos definidos porlei, avançando sobre áreas rurais em detrimento da produ-ção agrícola e algumas vezes com conseqüências negativaspara o meio ambiente. Essa expansão tem ocorrido tantopor meio de loteamentos populares que expandem as peri-ferias com urbanização precária, quanto através de condo-mínios de alto padrão destinados à população com alto poderaquisitivo, que busca melhor qualidade de vida em áreasmenos densas e afastadas dos centros urbanos.

Cerca de um terço dos municípios paulistas afirmarampossuir algum tipo de ocupação urbana em área rural emseus territórios, em 1999. Para 75% dos maiores municí-pios, população superior a 500 mil habitantes, a respostafoi afirmativa; para aqueles com população entre 50 mil e500 mil esse percentual é de 45% (Tabela 3).

O tipo mais freqüente de ocupação urbana em área ru-ral é o loteamento sem aprovação da prefeitura, observa-do em 19% dos municípios paulistas, num total de 1.051loteamentos nessa situação em todo o Estado. A incidên-cia é de 75% nos grandes municípios, está entre 23% e35% nos municípios com população entre 50 mil e 500mil habitantes, e é de 12% nos pequenos municípios (po-pulação inferior a 5 mil habitantes).

Existem ainda, localizados em área rural, cerca de 300loteamentos aprovados por legislação especial em todoEstado, situados em 12% dos municípios. As maiores in-cidências estão nos municípios das faixas de população

GRÁFICO 1

Número de Municípios, segundo Lei de Perímetro UrbanoEstado de São Paulo – 1970-99

Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

Data da Lei

Nº de Municípios

19701971

19721973

19741975

19761977

19781979

19801981

19821983

19841985

19861987

19881989

19901991

19921993

19941995

19961997

19981999

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FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...

de 20 mil a 50 mil habitantes e de 100 mil a 250 mil habi-tantes (17% dos municípios, em cada grupo).

Por outro lado, 12% dos municípios afirmaram possuirindústrias em área rural, não sendo possível no entantoidentificar o tipo de indústria, se agroindústria ou não.

A distribuição regional mostra uma ligeira concentra-ção do fenômeno na região mais urbanizada do Estado, mastambém a presença nas demais regiões paulistas. Verifica-se que mais de 60% dos municípios de Regiões de Gover-no próximas à metrópole paulistana declararam possuirocupações urbanas em área rural. São elas as Regiões deGoverno – RG de São José dos Campos e Taubaté, perten-centes à Região Administrativa – RA de São José dos Cam-pos; na RG de Sorocaba, pertencente à RA de Sorocaba;nas RGs de Campinas, Jundiaí e Bragança Paulista, da RAde Campinas; e na RG de Jaú, da RA de Bauru. Do conjun-to de 42 RGs paulistas, apenas nas RGs de Caraguatatubano litoral e de Dracena no extremo noroeste não existemocorrências de ocupações urbanas em área rural.

Na RA de São José dos Campos, a maior parte das ocu-pações diz respeito a loteamentos sem aprovação. O maiornúmero de loteamentos sem aprovação está na RG de SãoJosé dos Campos, seguida da RG de Sorocaba. A RA deSão José dos Campos, seguida da RA de Campinas, re-

gistra o maior número de indústrias localizadas em árearural.

No caso da RG de Jaú as ocorrências se dividem entreindústrias e loteamentos aprovados por lei especial, comapenas um caso de loteamento sem aprovação.

Em apenas sete das 42 regiões de governo paulistas nãose registram loteamentos sem aprovação localizados emárea rural: Caraguatatuba, Rio Claro, São João da BoaVista, Lins, Jales, Votuporanga, Dracena e Tupã.

Para os loteamentos aprovados por lei especial, o maiornúmero é observado na RA de Campinas, seguida da RAde Sorocaba, não tendo sido registrado nenhum na RA deMarília e apenas um na RA de Santos.

Analisando a incidência da ocupação urbana em árearural vis-à-vis a rede urbana paulista, constata-se uma forterelação entre o número de eventos e a localização domunicípio em regiões metropolitanas, aglomerações ur-banas ou nos principais centros. Localizam-se nos 134 mu-nicípios de maior hierarquia da rede, cerca de 64% dosloteamentos sem aprovação, 76% dos loteamentos apro-vados por lei especial, 60% das indústrias localizadas emárea rural e 56% dos grandes equipamentos de lazer loca-lizados fora dos perímetros urbanos municipais (Tabela 4e Mapa 1).

TABELA 3

Ocupação Urbana em Área RuralEstado de São Paulo – 1999

Mais de Mais de Mais de Mais de Mais de Mais de Mais deTipologia Total Até 5 Mil 5 Mil 10 Mil 20 Mil 50 Mil 100 Mil 250 Mil 500 Mil

a 10 Mil a 20 Mil a 50 Mil a 100 Mil a 250 Mil a 500 Mil

Número de Municípios 645 180 116 117 117 53 40 14 8

Ocupação Urbana em Área RuralPossui 211 36 39 40 42 24 20 4 6% 32,7 20,0 33,6 34,2 35,9 45,3 50,0 28,6 75,0Loteamentos sem AprovaçãoPossui 123 21 21 26 19 12 14 4 6% 19,1 11,7 18,1 22,2 16,2 22,6 35,0 28,6 75,0Loteamentos de Lei EspecialPossui 74 13 10 16 20 5 7 2 1% 11,5 7,2 8,6 13,7 17,1 9,4 17,5 14,3 12,5IndústriaPossui 75 8 14 11 18 10 10 2 2% 11,6 4,4 12,1 9,4 15,4 18,9 25 14,3 25LazerPossui 36 7 3 6 9 7 2 1 1% 5,6 3,9 2,6 5,1 7,7 13,2 5,0 7,1 12,5

Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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TABELA 4

Número de Ocupações Urbanas em Área RuralEstado de São Paulo – 1999

Regiões Metropolitanas, Aglomerações Número de Número de Loteamentos Número de Loteamentos Número Equipamentose Centros Urbanos Municípios sem Aprovação Aprovados por Lei Especial de Indústrias de Lazer

ESTADO DE SÃO PAULO 645 1.051 1.270 289 74Total das Regiões Metropolitanas 140 25 72 9

Região Metropolitana de São Paulo 39 106 11 26 6São Paulo 1 ... 6 ... ...Demais Municípios 38 ... 5 ... ...Região Metropolitana de Campinas 19 29 13 45 3Campinas 1 17 0 0 0Demais Municípios 18 12 13 45 3Região Metropolitana da Baixada Santista 9 5 1 1 0Santos 1 0 0 0 0Demais Municípios 8 5 1 1 0

Total das Aglomerações Urbanas 453 939 94 7Aglomeração Urbana de São J. dos Campos 6 200 3 71 0São José dos Campos 1 141 0 22 0Demais Municípios 5 59 3 49 0Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto 9 3 0 4 0Ribeirão Preto 1 2 0 0 0Demais Municípios 8 1 0 4 0Aglomeração Urbana de Sorocaba 10 66 4 5 1Sorocaba 1 3 3 4 0Demais Municípios 9 63 1 1 1Aglomeração Urbana de Jundiaí 6 78 912 2 0Jundiaí 1 56 11 0 0Demais Municípios 5 22 901 2 0Aglomeração Urbana de São J. do Rio Preto 3 100 0 0 2São José do Rio Preto 1 100 0 ... 2Demais Municípios 2 0 0 ... 0Aglomeração Urbana de Araraquara/São Carlos 5 2 10 0 0Araraquara 1 0 0 0 0São Carlos 1 2 10 0 0Demais Municípios 3 0 0 0 0Aglomeração Urbana de Araçatuba 2 4 0 0 0Araçatuba 1 4 0 0 0Demais Municípios 1 0 0 0 0Aglomeração Urbana de Bauru 4 0 0 0 0Bauru 1 0 0 0 0Demais Municípios 3 0 0 0 0Aglomeração Urbana de Limeira/Rio Claro 6 0 0 4 0Limeira 1 ... 0 4 0Rio Claro 1 0 ... ... 0Demais Municípios 4 0 ... 0 0Aglomeração Urbana de Guaratinguetá 3 0 0 6 4Guaratinguetá 1 0 0 0 0Demais Municípios 2 0 0 6 4Aglomeração Urbana de Mogi Guaçu/Moji Mirim 4 0 10 2 0Mogi Guaçu 1 ... 1 1 0Moji Mirim 1 0 6 1 0Demais Municípios 2 0 3 0 0

Total dos Centros Urbanos (1) 9 76 6 7 0Demais Municípios 511 382 300 116 58

Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.(1) Inclui os municípios de Botucatu, Bragança Paulista, Catanduva, Franca, Itapetininga, Jaú, Marília, Piracicaba e Presidente Prudente.

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FIM DA DICOTOMIA RURAL-URBANO? UM OLHAR SOBRE OS PROCESSOS...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analistas que estudam a dinâmica do setor agrícola têmchamado a atenção para a mudança de padrão do trabalhono campo, com o crescimento de atividades não-agríco-las. Para desenvolver seus estudos, reclassificam as infor-mações estatísticas coletadas pelo IBGE, segundo localde moradia, para fugir da clássica divisão entre rural eurbano e, mesmo considerando rural somente os morado-res que habitam em áreas isoladas, constatam a mudançado padrão e a existência de um novo rural (Projeto rurbano,2002).

Este trabalho procurou analisar o outro lado da ques-tão, ou seja: o avanço da ocupação tipicamente urbanaem áreas oficialmente consideradas rurais. A conclusãoa que chegamos é consentânea àquela da equipe do Pro-jeto Rurbano e aponta para a necessidade de rediscutir

os conceitos de área urbana e área rural, adotados peloIBGE.

Além disso, pode-se dizer que uma das principais carac-terísticas da rede urbana paulista é o processo de conur-bação, com formação de aglomerações urbanas e regiõesmetropolitanas. Nessas áreas registra-se com mais freqüên-cia conurbações entre dois ou mais municípios, constituindomancha urbana única, o que reforça o argumento danecessidade de se analisar e principalmente de constituirestruturas de planejamento para as aglomerações, tratando-as como espaço urbano único de interrelações complexas.

Por fim é importante alertar para a necessidade de oplanejamento municipal abarcar todo o território do mu-nicípio e não somente a área considerada urbana, regu-lando o uso e a ocupação do solo no município de sorte aevitar o surgimento e expansão de ocupações ilegais, amargem do poder público.

MAPA 1

Municípios com Ocupação Urbana em Área Rural1999

Fonte: Fundação Seade. PMU/1999.(1) Não respondeu à PMU/1999.

Limite Municipal

Loteamento com aprovação especial

Loteamento sem aprovação

Indústria

Grandes equipamentos de lazer

Centro Urbano

Aglomeração Urbana

Região Metropolitana

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NOTAS

1. A PMU é uma pesquisa aplicada em todos os municípios paulistasdesde 1992.

2. São consideradas sedes regionais as sedes das regiões administrati-vas. O Estado de São Paulo tem uma divisão administrativa em 15 re-giões, sendo 14 Regiões Administrativas – RAs e a Região Metropoli-tana de São Paulo. As RAs são as seguintes: RA de Registro, RA deSantos, RA de São José dos Campos, RA de Campinas, RA de Sorocaba,RA de Ribeirão Preto, RA de Bauru, RA de Marília, RA de São Josédo Rio Preto, RA de Presidente Prudente, RA de Araçatuba, RA deFranca, RA de Barretos e RA Central. A Região Metropolitana da Bai-xada Santista coincide com a RA de Santos e a Região Metropolitanade Campinas compreende 19 dos 90 municípios da RA de Campinas.

3. Cerca de 11% dos 645 municípios paulistas apresentam-se conur-bados, segundo a PMU/1999. O processo de conurbação é uma reali-dade consolidada nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Cam-pinas e nos eixos das Rodovias Anhangüera e Dutra. O tipo mais fre-qüente de conurbação é o da mancha urbana principal contínua emdois ou mais municípios, que ocorre em sete dos oito municípios commais de 500 mil habitantes existentes no Estado, e em 43% dos muni-cípios com população entre 250 mil e 500 mil habitantes. A conurba-ção do tipo mancha urbana de um município que extrapola para o mu-nicípio limítrofe está mais presente entre os municípios com popula-ção variando entre 100 mil e 500 mil habitantes.

4. Sobre os padrões espaciais da rede urbana paulista ver Caiado eSantos, 2001.

5. As aglomerações urbanas estão assim distribuídas: três na RA deCampinas (AU de Limeira/Rio Claro e AU de Jundiaí, AU de MogiGuaçu/Moji Mirim); duas na RA de São José dos Campos (AU de SãoJosé dos Campos e AU de Guaratinguetá); uma na RA de Sorocaba(AU de Sorocaba ), uma na RA de São José do Rio Preto (AU de SãoJosé do Rio Preto); uma na RA de Ribeirão Preto (AU de RibeirãoPreto); uma na RA Araçatuba (AU de Araçatuba), uma na RA Central(AU de Araraquara/São Carlos); uma na RA de Bauru (AU de Bauru).

6. Os principais Centros Urbanos Isolados têm a seguinte distribui-ção, por RA: Franca na RA de Franca; Piracicaba e Bragança Paulistana RA de Campinas; Itapetininga e Botucatu na RA de Sorocaba; Jaúna RA de Bauru; Catanduva na RA de São José do Rio Preto; e Presi-dente Prudente e Marília situadas em RAs de mesmo nome.

7. Do total de pessoas ocupadas na agricultura paulista, praticamente50% têm residência urbana e 50%, residência rural (ou seja, a quedado emprego também terá fortes efeitos nas cidades, onde reside boaparte dos trabalhadores rurais).

8. O número de pessoas ocupadas com domicílio rural teve uma que-da de apenas 0,3% ao ano no período 1992-99, comportamento quesó não foi pior devido ao excelente desempenho das atividades não-agrícolas, que apresentaram crescimento de 6,1% ao ano no númerode pessoas ocupadas, passando de 326 mil pessoas ocupadas, em 1992,para 472 mil, em 1999. O total de ocupados na agropecuária resi-dentes no meio rural teve redução significativa de 5,0% ao ano, va-lor próximo ao observado para aqueles com residência urbana (4,9%ao ano).

Os principais ramos de atividade não-agrícola responsáveis pela ocu-pação da PEA rural foram: prestação de serviços, indústria de trans-formação, indústria da construção, comércio de mercadorias e servi-ços sociais. Em 1999, esses cinco ramos de atividade respondiam por90% do total das ocupações não-agrícolas no interior.

9. Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equa-dor, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua,Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela.

10. Conforme informações do Centro Latinoamericano y Caribeño deDemografia – Celade/Cepal, Boletim Demográfico n.63 de janeiro de1999, que traz as definições de população urbana e rural utilizadasnos censos demográfico de países da América Latina a partir de 1960.

11. Lei federal que discorre sobre o parcelamento do solo urbano eexprime a exigência da definição de perímetro urbano para a aplica-ção da mesma.

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AURÍLIO SÉRGIO COSTA CAIADO: Arquiteto, Analista da FundaçãoSeade e Professor da Universidade de Sorocaba.

SARAH MARIA MONTEIRO DOS SANTOS: Engenheira-Urbanista, Analis-ta da Fundação Seade.

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PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO

A

PLANO AMOSTRALPesquisa de Emprego e Desemprego

Resumo: Discussão dos aspectos principais do plano amostral de uma pesquisa domiciliar, a PED – Pesquisade Emprego e Desemprego, realizada mensalmente pela Fundação Seade e pelo Dieese desde 1985. Abordam-se questões metodológicas, teóricas e práticas e as soluções para elas adotadas, bem como procura-se avaliara contribuição da realização dessa pesquisa para o desenvolvimento da Fundação Seade.Palavras-chave: plano amostral; pesquisa domiciliar; painel rotativo.

Abstract: A discussion of the principle aspects of the sampling plan of a household survey, the PED – Surveyof Employment and Unemployment, conducted monthly by Fundação Seade and Dieese since 1985.Methodological, theoretical and practical issues, as well as adopted solutions, are addressed. An attempt ismade to evaluate the contribution of this survey to the development of Fundação Seade.Key words: sampling plan; household survey; rotating panel.

WILTON DE OLIVEIRA BUSSAB

NÁDIA PINHEIRO DINI

SILVIA REGINA MANCINI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 125-134, 2003

PED surgiu em 1984, a partir de um convêniofirmado entre a Fundação Seade – Sistema Es-tadual de Análise de Dados – e o Dieese – De-

tral predefinido, e entrevistam-se todos os moradores des-ses domicílios.

CARACTERÍSTICAS DO PLANO AMOSTRAL

A descrição de um plano amostral probabilístico deveespecificar o universo de investigação, as unidadesamostrais, os critérios de estratificação, os procedimen-tos de sorteio das unidades amostrais, as probabilidadesde inclusão, os estimadores e os respectivos errosamostrais. Desse modo, saberemos do que e de quemestamos falando e avaliando os desvios esperados para asestimativas (Bolfarine; Bussab, 2000).

Outros aspectos e decisões operacionais também pre-cisam ser considerados a fim de se obter um planejamen-to amostral eficiente, em relação a custo e precisão, e bemajustado aos propósitos da investigação a ser realizada.Esses objetivos só serão alcançados com um estudo deta-lhado das informações e recursos disponíveis para a rea-lização da pesquisa. Após a identificação e conhecimentodo cenário à disposição, pode-se escolher o plano amostrale respectivos estimadores que melhor respondam aos in-teresses do levantamento.

partamento Intersindical de Estatística e Estudos Só-cio-Econômicos, com o objetivo principal de acom-panhar a inserção da população em idade ativa – PIAno mercado de trabalho da Região Metropolitana deSão Paulo, caracterizado por grande heterogeneidadee por tênues limites entre as possíveis condições deatividade dos indivíduos (ocupação, desemprego einatividade).

Desde seu início, a pesquisa buscou ser fonte de in-formações que subsidiem a formulação de políticas eco-nômicas e sociais, em especial de emprego e de renda,através da geração de indicadores referentes à medi-ção de desemprego, às características dos postos detrabalho e aos rendimentos do trabalho, entre outros(Troyano, 1990).

Para melhor atender a esses objetivos, a pesquisa érealizada em caráter contínuo e através de entrevistas di-retas com a população da Região Metropolitana de SãoPaulo. Selecionam-se, para tanto, domicílios particularesde maneira probabilística, de acordo com um plano amos-

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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Universo da Pesquisa

A população-alvo ou universo inicial de interesse eraa população em idade ativa moradora na área urbana daRegião Metropolitana de São Paulo, que em 1984 era cons-tituída por 37 municípios. Também tinha-se como acor-dado que as informações seriam obtidas nos domicíliosparticulares que, portanto, constituiriam a última unidadeamostral, qualquer que fosse o plano amostral adotado.

Sistema de Referência

O uso de amostras probabilísticas exige uma listagemdas unidades amostrais, ou seja, um sistema de referênciadas unidades amostrais. Em 1984, momento de implanta-ção da pesquisa, consideraram-se, como possíveis fontesde informação, os cadastros telefônicos, de suprimento deágua ou ainda de energia elétrica. Além da dificuldade deacesso a esses cadastros, eles excluíam parcelas impor-tantes da população urbana da Região Metropolitana deSão Paulo, como, por exemplo, aquela moradora em fa-velas, além de parcelas de domicílios que ainda não esta-vam cobertos por esses serviços e apresentavam caracte-rísticas indesejáveis de identificação, como falta de clarezaentre consumidores comerciais e residenciais e outrasespecificidades. Optou-se, então, por usar as informaçõesfornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística – IBGE – por meio dos Censos Demográficos naRegião Metropolitana de São Paulo, detalhadas ao nívelmenor de Setor Censitário – SC. Tais setores censitárioscorrespondem a regiões geográficas delimitadas com cer-ca de 300 domicílios cada uma, definidas previamente àrealização de cada Censo Demográfico para todo o terri-tório nacional. Desse modo, tem-se cobertura total de to-dos os municípios por setores censitários, com a vanta-gem adicional de que, em regiões de elevada densidadedemográfica, como é o caso da Região Metropolitana deSão Paulo, esses setores são geograficamente pequenos,o que facilita muito o trabalho de um entrevistador aopercorrê-los a pé.

A escolha de tal sistema de referência geográfico obri-ga-nos à utilização de planos amostrais em múltiplos es-tágios, modelo bastante difundido em pesquisas amostraisdomiciliares. Assim, em uma primeira etapa serão sele-cionados SCs e dentro deles serão sorteados domicílios.

O cadastro de setores censitários urbanos do CensoDemográfico de 1980 do IBGE constituiu o sistema dereferência original por ocasião da implantação da pesqui-

sa. Esse sistema é atualizado à medida que as informa-ções dos censos mais recentes são disponibilizadas. Inde-pendentemente da atualização do cadastro de setores atra-vés do Censo, procede-se regularmente a uma renovaçãodos setores que compõem a amostra, selecionando-se no-vos setores para substituí-los. Mensalmente, uma peque-na parcela dos setores da amostra é substituída, o que amantém atualizada e ao mesmo tempo evita impactos brus-cos às séries de dados.

Organização do Cadastro

Conhecer bem e trabalhar o sistema de referência éimportante para aumentar a precisão dos resultados depesquisas amostrais. Um dos recursos bastante comunspara isso é a utilização de estratificação, ou seja, a orga-nização do sistema de referência adotado em subgruposou estratos de tal forma que esses estratos sejam ao mes-mo tempo bastante homogêneos internamente quanto acertas características relacionadas ao que se busca medir,e tão heterogêneos quanto possível entre si, no que se re-fere a essas mesmas características.

No caso da PED, um dos indicadores cujo erro se pre-tendia controlar é a taxa de desemprego, que serve debase para todo o planejamento da amostra. As informa-ções disponíveis no Censo Demográfico mais relaciona-das a esse indicador são aquelas referentes à inserção damão-de-obra no mercado de trabalho, tais como a distri-buição dos ocupados por setor de atividade econômica eo rendimento dos chefes de domicílio, que foram utili-zados para a estratificação do sistema de referência. Pormeio de técnicas estatísticas multivariadas como a aná-lise de agrupamentos, produziram-se regiões homogêneasdemunicípios ou distritos (dez regiões em 1980 e seteregiões em 1991) (Bussab; Dini, 1985). Cada uma des-sas regiões pode ser caracterizada pela maior ou menorpresença de sua mão-de-obra ocupada em cada um dosprincipais setores de atividade econômica. Como exem-plo, um dos resultados da aplicação dessa técnica aosdados de 1980 foi a obtenção de uma região que incluíaos principais municípios do ABC paulista, além de Caiei-ras e de Cajamar, com forte presença de mão-de-obrainserida no setor industrial, refletindo a realidade dessaregião naquele momento.

A análise dos tipos de SC existentes no Censo sugeriueliminar do cadastro os setores rurais e alguns setores es-peciais, entre eles os quartéis, as cadeias, os asilos e asaldeias indígenas. Desse modo, a população de referên-

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PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO

cia da pesquisa passou a ser constituída pelos moradoresde domicílios particulares em setores censitários urbanose suburbanos da RMSP, inclusive aqueles de favelas e dealojamentos. Deve-se salientar que a quase totalidade dosdomicílios dessa região é considerada urbana (cerca de98%).

Determinação do Tamanho da Amostra

Estudos realizados com o objetivo de balancear o cus-to da pesquisa com a precisão desejada para seus princi-pais indicadores (dos quais considerou-se principalmentea taxa de desemprego desagregada em seus tipos – total,aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desa-lento) previam amostras de 9 mil unidades domiciliares aserem selecionadas trimestralmente. Após analisar as di-ficuldades operacionais de treinamento e aplicação dequestionários de forma não-contínua, decidiu-se alterar oprocedimento inicial de uma única tomada a cada trêsmeses, e dividi-la em três tomadas a cada mês, com cercade 3 mil domicílios entrevistados em cada tomada. Esseprocedimento implicou propor novos parâmetros e esti-madores, bem como a decisão do uso de acúmulo de infor-mações para a produção de estatísticas de tendências.

Amostras Selecionadas com ProbabilidadeProporcional ao Tamanho

O principal cuidado a ser tomado com planos amostraisem múltiplos estágios é o controle do tamanho final daamostra, que pode ser conseguido com sorteio do conglo-merado (SC) com probabilidade propocional ao tamanho(PPT) e, no segundo estágio, selecionar um número fixode domicílios (Bolfarine; Bussab, 2000). Assim, o planoamostral pode ser resumido como a seleção de “a” seto-res censitários com probabilidade proporcional ao tama-nho, e “b” domicílios com igual probabilidade dentro decada SC sorteado. Usou-se como medida do tamanho doSC o número de domicílios ocupados no Censo Demo-gráfico à disposição. A probabilidade de seleção do do-micílio i dentro do setor j, passa a ser:

Pij=(aNj/T)(b/Nj) = ab/TNj =número de domicílos no setor jT = total de domicílios no Censo

Ou seja, com esse procedimento cada domicílio teria amesma probabilidade de pertencer à amostra, pelo menosteoricamente.

Entretanto, quanto mais a pesquisa se afasta da data doCenso, mais desatualizadas vão ficando as informaçõesdos SCs, o que recomenda a recontagem do número dedomicílios dentro dos setores sorteados (relistagem dosSCs). Como o número de domicílios pode crescer ou de-crescer, a recontagem usualmente altera o número exis-tente para um novo número N*j, necessitando-se, então,corrigir a probabilidade de seleção. Em tais casos, costu-ma-se alterar o número de domicílios sorteados dentro dossetores de tal modo que se mantenha a probabilidade deseleção inicial, ou seja,

b/Nj = bj/N*j

Com essa alteração, perde-se um pouco o controle so-bre o tamanho final da amostra, mas de um modo geralnão são modificações dramáticas.

Deve-se enfrentar agora a questão de como alocar aamostra pelos SCs e domicílios, ou seja, quantos setorese quantos domicílios selecionar para obter a amostra finalde cerca de 3 mil domicílios por mês.

Para melhor definir esses dois números, devem ser con-siderados aspectos como os custos associados à inclusãode cada setor censitário na amostra e à realização das en-trevistas em cada unidade domiciliar e o grau de correla-ção entre as informações de unidades domiciliares per-tencentes a um mesmo setor censitário, a chamadacorrelação intraclasse.

Quanto maior o número de setores censitários na amostra,maiores as despesas com seu arrolamento e com os desloca-mentos dos pesquisadores para a realização das entrevistas.

Por outro lado, espera-se uma forte correlação entre asinformações de domicílios dentro de um mesmo setor;assim, quanto maior a correlação entre as informações deunidades domiciliares pertencentes a um mesmo setorcensitário, menor deverá ser o número de unidades domi-ciliares selecionadas por setor censitário. Entretanto, comoa correlação é desconhecida até que o levantamento sejade fato efetuado, procura-se, nessa fase, utilizar a expe-riência proveniente de outras pesquisas e o senso comumpara se estabelecer a divisão mais conveniente do tama-nho total previsto para a amostra entre setores censitáriose unidades domiciliares por setor censitário. Experiênciaanterior e simulações de custos sugeriram que a alocaçãoda amostra deveria ser feita em 600 SCs e 15 domicíliosem cada um, perfazendo um total de 9 mil domicílios tri-mestralmente. Com essa escolha, a fração amostral pas-sou a corresponder a cerca de um domicílio sorteado paracada 500 existentes na RMSP.

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Como já mencionado, a fim de realmente garantir quetodos os domicílios tenham a mesma probabilidade deseleção, é necessário que cada um dos setores censitáriosselecionados seja arrolado por completo e o número es-perado de unidades domiciliares para cada setor (15) sejaajustado proporcionalmente às alterações encontradasentre o tamanho presumido do setor e o observado emcampo no momento do arrolamento. Dessa forma, setoresque apresentem, no arrolamento, um número maior dedomicílios do que o divulgado no Censo deverão tambémter um acréscimo às 15 unidades domiciliares esperadas,e esse acréscimo deverá ser proporcional ao crescimentoobservado no setor. Inversamente, setores que apresen-tem menos domicílios no arrolamento do que no Censodeverão ter um número proporcionalmente menor de uni-dades domiciliares selecionadas. Tais alterações no tama-nho do setor são comuns em uma região dinâmica como ametrópole paulistana, onde são freqüentes fenômenoscomo o brusco aumento do número de residências graçasà verticalização ou a sua redução devido ao surgimentode grandes eixos comerciais em áreas anteriormenteresidenciais. Assim, devem-se realizar esforços constan-tes para a manutenção de arrolamentos atualizados.

Quando a implantação da pesquisa ocorre em um mo-mento outro que o do Censo Demográfico, convém que ocálculo inicial do tamanho da amostra leve em considera-ção as estimativas do crescimento populacional anual ocor-rido, evitando-se, assim, a indesejada perda de controledo tamanho final.

Sistema de Ponderação

O sistema de referência (setores censitários) foi ini-cialmente agrupado de acordo com as regiões homogêne-as definidas. Em seguida, dentro de cada região homogê-nea, foi ordenado por município e distrito e, dentro des-tes, por rendimento médio dos chefes de domicílio. A partirdo sistema assim ordenado, realizou-se o sorteio de seto-res censitários em pares aleatórios, o que garantiu umaestratificação implícita da amostra. Isso quer dizer que adistribuição da amostra pelos estratos considerados coin-cide com aquela da população, sem outro esforço adicio-nal para se obter essa característica.

Além disso, a utilização de uma fração amostral cons-tante, ou seja, o fato de que todas as unidades domicilia-res têm a mesma chance de ser incluídas na amostra, ga-rante que os dados sejam autoponderados, não havendo,portanto, a necessidade de criação de pesos para o

processamento dos indicadores. Esse aspecto é bastantevantajoso para uma pesquisa de caráter contínuo, pois, sehouver necessidade de pesos, o cálculo exato destes não étrivial e exige informações extras sobre a distribuiçãopopulacional, podendo estar sujeito a distorções à medi-da que a pesquisa se distancia de seu sistema de referên-cia, ou seja, do último Censo Demográfico disponível.Além das facilidades computacionais que advêm daautoponderação, existe outra vantagem adicional expres-sa em menores erros amostrais. A teoria de amostragemdetermina que quanto maior a diferença entre as fraçõesamostrais utilizadas e, conseqüentemente, entre os pesosposteriormente atribuídos aos dados, maiores os errosamostrais dos indicadores calculados.

Com a autoponderação, a maioria dos indicadores di-vulgados pode ser calculada diretamente a partir dos da-dos amostrais; já para os indicadores de contingentespopulacionais preferiu-se adotar um sistema misto: utili-zam-se os resultados da amostra aplicados a dados exter-nos, ou seja, projeções populacionais produzidas pelaGerência de Demografia da Fundação Seade.

Periodicidade da Coleta

O tamanho inicial definido para a amostra (9 mil domicí-lios) por trimestre, por razões já mencionadas de custo, nãoé levantado em um único mês, mas em três meses, com acoleta de 3 mil domicílios por mês. Para tanto, divide-se onúmero total de setores censitários sorteados em três painéisdistintos rotulados de A, B e C. Nos três primeiros meses dapesquisa, levantam-se as informações dos painéis A, B e C,respectivamente. No quarto, sétimo e décimo mês da pes-quisa, utilizam-se novamente os setores censitários do pai-nel A, selecionando-se, entretanto, novas unidades domici-liares nesses setores. No quinto, oitavo e décimo primeiromês, repetem-se os setores censitários do painel B, ao passoque o painel C serve de base para o sorteio do sexto, nono edécimo segundo mês. A partir do décimo terceiro mês, repe-te-se esse esquema, sempre com a seleção de novas unida-des domiciliares a cada novo mês. Dessa forma, podem-seaproveitar os custos despendidos no processo de arrolamen-to dos setores censitários e ao mesmo tempo obter amostrasmensais independentes (Figura 1).

Divulgação das Informações

Embora o levantamento seja realizado todos os meses,para garantir a precisão desejada, o cálculo dos indicadores

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PLANO AMOSTRAL: PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO

é efetuado com a amostra acumulada do trimestre. Comoserá apresentado a seguir, a independência das amostrasmensais permite esse acúmulo, bem como a divulgação,todos os meses, de novos resultados obtidos a partir detrimestres móveis, uma vez que incluem sempre os trêspainéis definidos. Dessa forma, é possível acompanharmensalmente a tendência dos principais indicadores di-vulgados, entre os quais se destacam as estimativas doscontingentes de ocupados, desempregados e inativos, astaxas de desemprego total, por tipo e por atributos pes-soais, a distribuição dos ocupados por setor de atividadeeconômica e por posição na ocupação e os rendimentosmédios da população ocupada e assalariada.

Cálculo dos Indicadores

Conforme já mencionado, o plano amostral em dois está-gios, utilizado com a seleção, no primeiro estágio, de con-glomerados (setores censitários) e, no segundo, de domicí-lios dentro dos setores previamente selecionados, faz comque o tamanho da amostra a cada mês possa oscilar, depen-dendo do crescimento ou da diminuição do SC sorteado.Desse modo, a maioria dos indicadores produzidos tais comotaxas, distribuições de freqüências e médias, é calculada pormeio de estimadores do tipo razão, ou seja, pelo quocientede duas variáveis aleatórias ou características. Por exemplo,a taxa de desemprego total divulgada corresponde aoestimador razão combinado no trimestre, expresso pelo quo-ciente entre o número total de desempregados obtido em trêsmeses de pesquisa e o número total de pessoas economica-mente ativas obtido no mesmo período.

O cálculo das estimativas é obtido diretamente dosdados acumulados no banco de dados, ao passo que o doserros amostrais, sendo bastante complexo, requer a utili-zação de softwares específicos, como PCCARP, SAS eSudaan. Atualmente, a Fundação Seade vem utilizando osoftware SAS para o cálculo dos erros.

Controle de Qualidade dos Resultados

O tamanho da amostra foi calculado a fim de garantir aprecisão desejada para alguns indicadores, considerando-se principalmente a taxa de desemprego total. Para garan-tir a confiabilidade de todos os resultados divulgados, querem estudos de caráter conjuntural, quer de caráter estru-tural, determinou-se que sejam disponibilizados de formarotineira apenas os indicadores cujo coeficiente de varia-ção seja no máximo 7,5%. Estudos com erros superioresa esse limite só são divulgados em casos muito especiais.

Erros Não Amostrais

Além do esforço para controlar os erros amostrais, atra-vés da determinação do tamanho de amostra adequado paraa precisão desejada e da divulgação de indicadores comcoeficiente de variação de no máximo 7,5%, a PED tam-bém realiza diversos procedimentos a fim de controlar oserros de origem não amostral, entre eles os relacionados acobertura, coleta e processamento de informações.

Uma equipe de checagem investiga aproximadamente30% do material coletado pela PED, verificando tantoaspectos de cobertura, ou seja, da realização da entrevis-

FIGURA 1

Esquema de Coleta de Dados da PED

Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Painéis A B C A B C A B C A B C

trim. 1

trim. 2

trim. 3

trim. 4

trim. 5

Base para trim. 6

Cálculo dos Indicadores trim. 7

trim. 8

trim. 9

trim. 10

Fonte: Fundação Seade. PED.

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ta no domicílio preestabelecido, como de qualidade dasprincipais informações levantadas. Uma equipe interna decrítica analisa todos os questionários preenchidos, dandoatenção especial à coerência das informações e à existên-cia de possíveis viéses devidos à atuação dos entre-vistadores. Após a entrada eletrônica dos dados, efetuadacom programa específico para minimizar erros, realiza-se o controle final pela execução de um programa de con-sistência eletrônica de dados, que busca eliminar possí-veis erros ocorridos durante a entrada dos mesmos eincoerências que tenham passado despercebidas no pro-cesso de crítica.

Tipo de Amostra

Levantamentos amostrais periódicos envolvem decisõesmetodológicas difíceis e controversas, principalmenteaquelas relativas ao uso de painéis fixos, amostras inde-pendentes, rotacionadas ou de outras combinações. Maio-res informações podem ser encontradas em Duncan eKalton (1987).

Amostras independentes são aquelas em que, a cadanovo momento ou tomada do levantamento, sorteiam-seunidades domiciliares que nunca haviam sido selecionadas.Por outro lado, o uso de painéis fixos implica a utilizaçãodas mesmas unidades amostrais em todas as tomadas dolevantamento, ao passo que as amostras rotacionadas com-binam parcela de unidades amostrais que permanecem naamostra por um número predeterminado de tomadas (sen-do substituídas findo esse prazo) e parcela de novas uni-dades, daí a referência à rotação em seu nome.

Um dos principais guias para orientar a opção por umou outro plano amostral deve ser o objetivo primário parao levantamento das informações. Freqüentemente, as pes-quisas contínuas são utilizadas para estimar parâmetrospontuais e ao mesmo tempo avaliar as mudanças ocorri-das entre um instante e outro, como nas pesquisas sobredesemprego, por exemplo. Isso poderia sugerir o uso depainéis, rotacionados ou não, devido à menor variabilida-de das estimativas entre uma tomada e outra, o que garan-te a confiabilidade da informação. A variabilidade de ummomento a outro tende a ser menor, já que toda a amos-tra, no caso de painéis fixos, ou parcela dela, no caso deamostras rotacionadas, é composta pelas mesmas unida-des domiciliares, onde pode-se esperar que, para interva-los relativamente curtos entre uma tomada e outra, comono caso de levantamentos mensais, os entrevistados nãotenham sofrido alterações substanciais em sua condição

de atividade. Por exemplo, é mais provável que um entre-vistado que já se encontrava ocupado no mês anterior depesquisa continue nessa situação no mês atual do que umdesempregado se torne ocupado, no mesmo intervalo detempo. Ou seja, existe correlação, quase sempre positiva,nas partes fixas dos painéis. A utilização desse recursotambém pode contribuir para reduzir custos, se houver apossibilidade, para a parte fixa da amostra, de simplificara coleta das informações, como por exemplo, através darealização da entrevista inicial, pessoalmente, e das sub-seqüentes, por telefone.

As vantagens potenciais desse esquema de coleta dedados, entretanto, são muitas vezes suplantadas pelas sé-rias dificuldades em sua aplicação, que não devem serdesconsideradas no momento do planejamento. Uma de-las reside em se efetuarem análises estatísticas que tiremo justo proveito desses modelos mais complexos deamostragem. Outra, não menos importante, deve-se à jámencionada dinâmica das metrópoles e a conseqüente di-ficuldade de localização dos domicílios que compõem aparte fixa da amostra – é comum que, embora a mesmaunidade domiciliar seja entrevistada em dois momentosdiferentes, os moradores já não sejam mais os mesmos ouque simplesmente não seja possível localizar exatamentea mesma unidade domiciliar, em áreas de rápido cresci-mento e mudanças, como favelas, por exemplo.

Um dos problemas mais sérios desse método de cole-ta, todavia, encontra-se no aumento da taxa de recusa dosmoradores em responder à pesquisa, que tende a ocorrerjustamente quando se localiza a unidade domiciliar pro-curada e ela continua habitada pelos mesmos moradores.Isso se deve a um desgaste natural produzido pela reali-zação de entrevistas consecutivas com os mesmos indiví-duos. Outro efeito prejudicial comum é o condicionamentodos entrevistados, ou seja, suas respostas passam a serinfluenciadas pelo conhecimento prévio do que lhes seráperguntado. Finalmente, pode haver discrepâncias impor-tantes e difíceis de serem contornadas entre as respostasoferecidas pelos mesmos entrevistados em tomadas dife-rentes.

As amostras independentes, por outro lado, permitemque se realizem estimativas pontuais e também que seavaliem as alterações ocorridas entre duas tomadas deter-minadas, sem as dificuldades e desvantagens das amos-tras de painéis, embora com uma variabilidade maior paraas comparações entre tomadas distintas. No entanto, caberessaltar que a PED, ao divulgar seus indicadores basea-dos em trimestres móveis, controla a variabilidade das

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comparações entre trimestres consecutivos graças à pre-sença, nesses trimestres, de dois meses com as mesmasinformações.

Além disso, as amostras independentes são particularmenteinteressantes quando se deseja acumular informações de vá-rias tomadas. O acúmulo de dados coletados em momentosdiversos constitui uma boa alternativa para o estudo de fenô-menos raros pois, sem esse recurso, seria necessário o levan-tamento de uma única amostra suficientemente grande paratal, cujo custo poderia, muitas vezes, inviabilizar por com-pleto o estudo desses fenômenos. Entretanto, ao utilizar oacúmulo de informações, é importante ter sempre em mentequestões relacionadas à estabilidade das populações em es-tudo. Por exemplo, quando o fenômeno de interesse é bas-tante mutável com o passar do tempo, não é conveniente quese acumulem dados referentes a longos períodos de coleta,sob pena de se obterem resultados e conclusões distorcidos.Por outro lado, se os fenômenos ou características que sepretende estudar apresentam relativa estabilidade ao longodo tempo, os resultados dos dados acumulados são bastanteconfiáveis.

Outra importante utilização das amostras independen-tes encontra-se na construção de bancos de dados quepossam servir como uma amostra mestra para o planeja-mento de amostras futuras, como será visto a seguir.

A PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE e aLFS (Labor Force Survey – Pesquisa de Mão-de-Obra)do Canadá constituem exemplos de pesquisas sobre mer-cado de trabalho realizadas com painéis rotacionados.Além da PED, outro exemplo de pesquisa que se serve deamostras independentes é a U.K. General HouseholdSurvey, pesquisa geral domiciliar do Reino Unido.

Utilização da Amostra da PED

Para o planejamento da PED, optou-se pela utilizaçãode amostras independentes graças a duas grandes vanta-gens que ela apresenta: a possibilidade de acumular in-formações e a de utilizar a amostra da PED como umaamostra mestra para outras pesquisas.

Acúmulo de informações – A PED serve-se do acúmulode informações oferecido pelas amostras independentesde três formas distintas. A primeira refere-se ao acúmulodos próprios dados levantados pelo questionário-padrãoda pesquisa, seja para análises conjunturais, com a divul-gação mensal de indicadores produzidos a partir dos da-dos de trimestres móveis, como mencionado anteriormente,

seja para análises de caráter mais estrutural, por meio doacúmulo de informações ao longo de períodos mais ex-tensos, em geral um ano ou biênio. Diversos estudos des-se tipo foram e continuam sendo realizados periodicamentecom os dados acumulados da PED. Destacam-se os perfistraçados de importantes grupos de mão-de-obra, entre elesos jovens, os idosos, os negros e as mulheres e de diver-sas categorias profissionais como metalúrgicos, trabalha-dores nos serviços creditícios e financeiros, na constru-ção civil e nos serviços domésticos. Estudam-se tambémos desempregados, sua estrutura familiar e seus meios desobrevivência utilizados, os ocupados e sua inserçãosetorial, jornada de trabalho e rendimentos recebidos.

A segunda forma de aproveitar a possibilidade de acú-mulo de dados oferecida pelas amostras independentesconsiste em coletar, além dos dados normalmente levan-tados pela PED através de seu questionário-padrão, in-formações adicionais nos mesmos domicílios selecio-nados para entrevista, por questionários complementaresdesenhados com o objetivo de colher informações queajudem a aprofundar as análises normalmente realizadas,possibilitando um melhor entendimento ou detalhamentode questões relacionadas à mão-de-obra da região. Comoexemplos, podem ser citados os questionários referentesà mobilidade ocupacional da população em idade ativa eà formação profissional. Tal procedimento mostra-se bas-tante adequado, uma vez que certos aspectos relaciona-dos ao mercado de trabalho urbano, embora relevantes,não justificam a coleta permanente de informações a seurespeito e sua conseqüente sobrecarga nos custos e pra-zos da pesquisa.

A terceira forma consiste na obtenção de dados refe-rentes a novas dimensões normalmente não investigadas,por meio de questionários suplementares ao da PED. Cons-tituem exemplos já realizados a pesquisa sobre hábitos deleitura e acesso à Internet e a pesquisa sobre renda e po-breza e acesso a programas sociais.

Esses questionários complementares ou suplementaressão geralmente aplicados durante um período predetermi-nado, como um ano ou um semestre, podendo repetir-se oprocesso a grandes intervalos de tempo, a fim de se obte-rem parâmetros de comparação.

A PED como amostra mestra – Devido ao tamanho daamostra mensal da PED (aproximadamente 3 mil novosdomicílios a cada mês) e também ao fato de vir sendo rea-lizada ininterruptamente desde 1985, tem-se, hoje, umgrande conjunto de domicílios já selecionados que pode,

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por sua vez, servir como base para a seleção de novasamostras. Esse fim também pode ser alcançado aprovei-tando-se o arrolamento de domicílios dos 600 setores cen-sitários que totalizam cerca de 300 mil domicílios. Ou seja,a PED pode ser utilizada como uma amostra mestra paraoutras pesquisas, entre as quais se destacam a de Condi-ções de Vida – PCV na Região Metropolitana de São Pauloe a de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

A extensão do banco de dados acumulado da PED tam-bém permite que ele seja considerado como universo paraestudos de simulação (Figura 2).

Disponibilização dos Microdados

Todas as informações coletadas pela PED desde seuinício estão disponíveis aos usuários que tenham interes-se em estudá-las mediante recortes diferentes daquelesnormalmente divulgados. Os dados encontram-se em ban-cos estruturados anualmente e extensivamente documen-tados, com o objetivo de simplificar sua utilização.

Embora os microdados estejam disponíveis, a privaci-dade dos entrevistados está completamente protegida gra-ças a diversas características desses bancos de dados: nãoconstam os nomes nem os endereços dos entrevistados eas informações referentes aos setores censitários encon-tram-se descaracterizadas, servindo apenas para o cálcu-lo de erros amostrais.

Resumo do Plano Amostral

Conforme o apresentado, podemos resumir que o pla-no amostral utilizado na PED é:- uma amostra probabilística estratificada obtida em doisestágios dos moradores da RMSP localizados nos setorescensitários urbanos do IBGE listados no último Censo dis-ponível;- o uso de dois critérios de estratificação: um explícito,resultante de agrupamentos homogêneos segundo as ca-racterísticas do emprego, e outro implícito, obtido da or-denação geográfica e por renda dos SCs;

FIGURA 2

Utilização da Amostra da PED

Fonte: Fundação Seade. PED.

ACUMULAÇÃO DEINFORMAÇÕES

AMOSTRAMESTRA

Pesquisa sobreHábitos de Leitura eAcesso e Usos da

Internet

Pesquisa sobreMobilidade

Ocupacional da PIA

Posição sobreFormação

Profissional

Pesquisa sobreRenda e Pobreza e

Acesso a ProgramasSociais

Pesquisa de Empregoe Desemprego

(PED)

Pesquisa deCondições de Vida

(PCV)

Pesquisa sobreAcidentes de Trabalho

e DoençasProfissionais

Pesquisa OrçamentoFamiliar(POF)

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- sorteio dos SCs com probabilidade proporcional aonúmero de domicílios residenciais ocupados na época doCenso, e este número é atualizado antes do sorteio dosdomicílios;- sorteio dos domicílios com igual probabilidade dentrode cada SC;- sorteio mensal dos SCs, conjugado em três painéisrotativos.

CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTODA FUNDAÇÃO SEADE

No momento da implantação da PED, a Fundação Seadenão dispunha de um corpo técnico especializado na ela-boração de planos amostrais de pesquisas domiciliares, oque a levou a buscar profissionais acadêmicos com esseperfil. Além da realização do plano amostral, a necessi-dade de acompanhamento permanente da pesquisa, devi-da ao seu caráter de levantamento contínuo, fez com quealguns desses profissionais passassem a integrar o corpode funcionários da Fundação.

A incorporação desses técnicos e a experiência adquiri-da com a realização da PED possibilitaram à FundaçãoSeade o desenvolvimento e a realização de diversas outraspesquisas domiciliares e não-domiciliares por amostragem.Além disso, o desafio de obter controle de qualidade prati-camente total nos resultados da pesquisa, que só poderiaser superado com o trabalho integrado de todas as equipesenvolvidas em sua produção, levou a uma nova consciên-cia e a um novo padrão de trabalho, por sua vez tambémestendido a futuras pesquisas e estudos realizados.

Um dos aspectos de controle de qualidade das infor-mações que merece destaque é o da opção por divulgarapenas indicadores com confiabilidade fixada (coeficien-te de variação de no máximo 7,5%), o que garante a pre-cisão de todos os dados que vêm a público, e permite queespecialistas ou leigos utilizem os resultados da pesquisadivulgados sem a necessidade de cuidados adicionais.

Outra contribuição importante oferecida pela PED à ins-tituição foi a introdução e incorporação de técnicas estatísti-cas até então pouco exploradas, por exemplo, os métodosmultivariados, como análise de agrupamentos (clusters),discriminante e outras. A familiarização dos analistas comtais técnicas permitiu a geração de indicadores capazes derefletir diversas dimensões de uma realidade. A análise deagrupamentos foi utilizada com sucesso na Pesquisa de Con-dições de Vida, na qual se procura classificar as famílias com

base em sua condição de vida, avaliada em dimensões dis-tintas, como características da moradia e educação, rendi-mento, inserção no mercado de trabalho e saúde dos mem-bros da família. Outro exemplo de seu uso encontra-se nageração do IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade So-cial, que tem o objetivo de analisar os municípios do Estadode São Paulo por meio de indicadores sintéticos que abran-gessem diversas dimensões de riqueza dos municípios e deeducação e saúde de seus habitantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como em sua parte conceitual, a PED busca aten-der a questões específicas da realidade brasileira, como agrande heterogeneidade dos mercados de trabalho urba-nos e a dificuldade de se estabelecerem limites específi-cos entre as possíveis condições de atividade da popula-ção em idade ativa, no que se refere ao levantamento daamostra também foi considerada a especificidade regio-nal, bem como a experiência internacional, a fim de seobter um planejamento eficiente e condizente com os re-cursos disponíveis.

A limitação de recursos financeiros e a necessidade deum tamanho mínimo de amostra para garantir a confia-bilidade dos resultados levaram à solução de se realiza-rem levantamentos trimestrais com divulgação mensal dedados, obtendo-se, assim, a possibilidade de acompanha-mento conjuntural do mercado de trabalho com uma amos-tra mensal relativamente pequena e custos menores.

A adoção de amostras independentes, além de simpli-ficar o procedimento de coleta dos dados, permitiu que seacumulassem informações por períodos mais extensos e,dessa forma, se realizassem análises estruturais ou estu-dos de fenômenos raros. Tal possibilidade de acúmulo dedados, combinada à longa duração da pesquisa, realizadaininterruptamente desde sua origem em 1985, faz com quea amostra da PED possa, por sua vez, ser considerada umaamostra mestra para futuros estudos.

A organização de todos os dados até hoje coletados embancos estruturados e bem documentados garante a faci-lidade de acesso da sociedade às informações que bus-cam retratar alguns de seus aspectos importantes.

Finalmente, a realização da PED exigiu a formação deuma equipe interna com um novo perfil profissional quepôde servir-se da experiência adquirida nessa pesquisa parao desenvolvimento e a realização de outras investigações,domiciliares ou não, e para a geração de indicadores so-ciais inovadores.

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PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO...

A

PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGOsua importância como metodologia de pesquisa

Resumo: A importância da desenvolvimento da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED para a RegiãoMetropolitana de São Paulo ultrapassa a capacidade de gerar informações sobre um mercado de trabalho hete-rogêneo. Além da inovadora construção teórica, a PED criou uma metodologia de dados que complementa aspercepções dos analistas e que pode ser reproduzida para outros temas e localidades.Palavras-chave: pesquisa domiciliar; mercado de trabalho; coleta de informações.

Abstract: The importance of the development of the Survey on Employment and Unemployment – PED – forthe São Paulo Metropolitan Area goes beyond the capacity to generate information about the heterogeneouslabor market. Aside from the innovative theoretical construction, the PED created a data methodology thatcomplements the perceptions of analysts and that can be adapted to other subjects and locations.Key words: household research; labor market; data gathering.

PAULA MONTAGNER

ATSUKO HAGA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 135-141, 2003

realização de uma pesquisa domiciliar contínuaé uma das experiências marcantes pelas quais aFundação Seade, e seu corpo técnico e diretivo,

entidades de pesquisa ligadas ao movimento sindical, para arealização de uma pesquisa domiciliar contínua na RegiãoMetropolitana de São Paulo, são relativamente conhecidos.Como decorrência da profunda crise econômica dos doisprimeiros anos da década de 80, havia um consideráveldescompasso entre as estatísticas oficiais de desemprego e ademanda por postos de trabalho da população na região. Atensão social do período manifestou-se de forma organiza-da, por meio do apoio dos sindicatos combativos que busca-vam ativamente sua reorganização e a articulação com auto-ridades do governo estadual – que representavam grupospolíticos mais progressistas –, mas também por manifesta-ções sociais menos organizadas, tal como o saque a super-mercados e a outras formas de comércio em áreas em que seconcentravam as pessoas que procuravam trabalho sem en-contrar. Com efeito essa era a primeira crise urbana experi-mentada no país depois de quase 40 anos de crescimento pra-ticamente ininterrupto e ocorria na área mais fortementeindustrializada do país, invertendo assim o sinal de atraçãopopulacional que fora uma de suas mais fortes marcas dadécada anterior.

Inicialmente buscava-se apenas acesso a informaçõessobre a questão do desemprego, de modo que se pudesse

têm passado nos últimos 20 anos. A relativa unanimidadedo papel fundamental que essa pesquisa teve para a defi-nição dos rumos dessa instituição, que mantém destacadopapel na geração de informações sociais, demográfica eeconômicas, decorre da percepção de que apenas adqui-rindo o domínio da elaboração de metodologias e datecnologia de produção de informação, as instituiçõespúblicas podem cumprir seu papel de gerar informaçõesde qualidade destinadas a subsidiar políticas públicas eapoiar o funcionamento pleno da cidadania.

Este artigo procura demonstrar como a realização daPesquisa de Emprego e Desemprego – PED permitiu nãoapenas o desenvolvimento de uma metodologia inovado-ra quanto às questões do trabalho, mas também estruturarum conjunto de pesquisas quantitativas, que podem seradaptadas e reproduzidas em diferentes localidades, paradiferentes temas socioeconômicos.

Os motivos que levaram o governo do Estado de São Paulo,no início dos anos 80, a combinar esforços mediante parce-ria de pesquisadores do setor público, de universidades e de

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quantificar o número de desempregados e seu perfil e ava-liar a necessidade de postos a serem gerados. No entanto,as primeiras experiências de coleta e análise das informa-ções realizadas pelo Dieese, conforme suplemento de pes-quisa de orçamentos familiares do Município de São Pau-lo – PPVE (Dieese, 1984), sugeriam que a heterogeneidadede situações encontradas mereciam aprofundamento ana-lítico, a fim de bem descrever o desemprego maciço, fe-nômeno inédito no cenário nacional, e também as dife-rentes formas de inserção encontradas entre os que aindanão eram assalariados.

O desenvolvimento da nova metodologia para concei-tuar as situações de trabalho e de desemprego/desocupa-ção foi uma decorrência da experiência vivida no iníciodos anos 80, mas que não se refletia nas estatísticas ofi-ciais, que seguiam as normas preconizadas pela OIT, es-tabelecidas no início dos anos 50, para a coleta de infor-mações sobre o emprego, que tem por modelo países emque o assalariamento de há muito constituía a forma lar-gamente majoritária de inserção ocupacional, sendo usu-al acordos que determinavam o número de horas traba-lhadas similar para as várias categorias de trabalhadorese uma escala salarial em que as diferenças não eram ex-cepcionalmente elevadas. As possibilidades de ocupaçãonaquele período do pós-guerra eram relativamente sim-ples, pois nas áreas em que havia investimentos para a re-construção de infra-estrutura faltava mão-de-obra, e apermanência em situação de desemprego era curta, e na-quelas em que o crescimento era menor, havia a possibili-dade de migrar para áreas em que a situação permitia tra-balhar e gerar melhores condições de vida.

A reprodução das recomendações internacionais decor-rentes desse contexto social e econômico particular im-punha problemas para sociedades e economias como aslatino-americanas em que a industrialização era recentee, em muitos casos, envolvia apenas alguns tipos de ativi-dades. O crescimento econômico experimentado pelo Bra-sil representava um caso particular, pois, em pouco maisde 40 anos, a população havia experimentado grande trans-formação, passando de majoritariamente rural (dois ter-ços, segundo o Censo Demográfico de 1940), para majo-ritariamente urbana (dois terços da população, CensoDemográfico de 1980). No entanto, essa transformaçãoera espacialmente desigual, com crescente concentraçãode atividades econômicas e populacionais na Região Su-deste, enquanto a Região Nordeste permanecia desindus-trializada, economicamente dependente de atividadesagrárias, e com um grande segmento populacional em pro-

priedades de pequeno porte, que mal proviam a subsis-tência de seus moradores. Com o crescimento da necessi-dade de mão-de-obra no Sudeste, essa população pobre ecom baixa escolaridade migrou para o Sudeste em buscade melhores condições de vida, encontrando trabalho nasatividades urbanas, na indústria, na construção civil, co-mércio e prestação de serviços.

O trabalho encontrado, no entanto, nem sempre cor-respondia ao assalariamento, reproduziam-se nas áreasurbanas experiências de informalidade dos vínculos queeram comuns nas áreas rurais, ao arrepio da lei, que nãoera suficientemente fiscalizada. Nos anos 70, acreditava-se que esse era um mal menor diante da elevada rotati-vidade da mão-de-obra que, em geral, permitia trajetóriasascendentes à maioria dos trabalhadores.

A crise dos anos 80 interrompeu esse processo, evi-denciando os aspectos negativos, como: demissões semjusta causa por parte dos empregadores; utilização do pro-cesso inflacionário para invalidar o crescimento dos salá-rios, mantendo a participação destes como uma parcelareduzida do custo de produção. No entanto, naquele pe-ríodo, não apenas se interrompia a dança das cadeiras, masalgumas deixaram de existir e com isso parcela expressi-va da população deixou de ter emprego em que pese estanova situação, a figura do desempregado, enquanto gru-po social, era, pode-se dizer, inexistente. As pessoas queviviam na Região Sudeste, em especial na Região Metro-politana de São Paulo, a desconheciam, pois uma realida-de diferente havia conformado as duas últimas décadas –a figura do desempregado não era uma designação facil-mente admitida, ao contrário do que supunham asmetodologias utilizadas para mensurar a situação de de-semprego.

Entre os elementos novos trazidos pela PED, destaca-se a utilização dos procedimentos operacionais, que pas-saram a ser adotados pela OIT a partir dos anos 80 (ILO,1983), para o desemprego aberto, ao tomar como referên-cia o período de 30 dias anterior à pesquisa e não apenaso de sete dias que havia sido utilizado até então, mas quejá se mostravam insuficientes para caracterizar situaçõesde desemprego em países industrializados, que haviampassado por recente período de desaceleração de suas ati-vidades econômicas, com elevação de preços e crise emsuas matrizes energéticas, devido ao aumento do petróleoimposto pelos países produtores na segunda metade dosanos 70.

Aproveitando a flexibilidade contemplada pelas reco-mendações internacionais da OIT, a PED passou também

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PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: SUA IMPORTÂNCIA COMO...

a identificar os indivíduos que estavam desalentados, poistendo procurado trabalho por um longo período haviampercebido que não havia espaço para sua inserção no mer-cado de trabalho e deixavam de fazer procura de traba-lho, embora reconhecessem sua necessidade e disponibi-lidade de tempo para trabalhar.

De forma crítica aos procedimentos usuais no país e àspróprias normas internacionais, buscou-se resgatar umaparcela da população que realizava alguma atividade re-munerada com ganhos avulsos, descontínua e instável,enquanto procurava por um novo trabalho, situação típi-ca da realidade do nosso mercado de trabalho, marcadopor grande heterogeneidade e elevada concentração derenda, que dificultam a sobrevivência dos trabalhadoresnos períodos de desemprego. Ainda hoje, é fundamentalinsistir que essas pessoas não desejam continuar nessa si-tuação, posto que sabem da descontinuidade e precarie-dade da atividade exercida e buscam efetivamente umposto de trabalho que lhes permita alterar sua condiçãode inserção no mercado de trabalho.

Desta forma, a PED passou a identificar três situaçõesde desemprego: desemprego aberto com procura de tra-balho aferida nos últimos 30 dias; desemprego oculto pelodesalento; e desemprego oculto pelo trabalho precário, queconstituem o conjunto dos desempregados.

Para uma adequada captação dessas três situações di-ferenciadas de desemprego, foi fundamental bem definiros parâmetros classificatórios da condição de atividadeda população em idade ativa, ou seja, da população emidade de trabalhar.

Em mercados de trabalhos heterogêneos, existe umobscurecimento dos limites que separam as situações detrabalho – com ou sem vínculo formalizado – das situa-ções de não trabalho, e de procura e não procura de traba-lho, que deviam ser traduzidas na classificação dos indi-víduos como ocupados, desempregados ou inativos, quepor envolver hipóteses simplificadoras dessa realidadetendem a privilegiar a classificação dos indivíduos comoocupados.

Vencer esses obstáculos conduziu à formulação de umquestionário diferente do habitual, evitando que o entre-vistado fosse classificado a partir de uma única questão,utilizando apenas a combinação dos parâmetros mencio-nados (trabalho e não trabalho, procura e não procura)(Fundação Seade – Dieese, 1995). Pelo contrário, inves-tiga-se com detalhes a procura de trabalho (providênciastomadas e motivos da procura, bem como a disponibili-dade para trabalhar) e suas diversas formas de associação

com o exercício de trabalho, privilegiando-se a identifi-cação das formas de trabalho descontínuas/instáveis deauto-ocupação para redefinir as fronteiras dos subcon-juntos de trabalhadores ocupados, desempregados e ina-tivos.

Uma vez identificadas as três situações de condição deatividade, detalham-se, para os ocupados, informaçõessobre as características dos seus postos de trabalho e dosrendimentos auferidos; para os desempregados, as carac-terísticas do seu último trabalho e os meios de sua sobre-vivência; e, para os inativos, a principal situação de inati-vidade. Adicionalmente são caracterizadas as atividades/trabalhos eventuais realizados pelos desempregados ouinativos nos últimos 30 dias, que permitem não só confir-mar a captação da sua condição de atividade, como tam-bém preservar as variáveis mínimas para caracterizaçãodo trabalho exercido.

Definidas as questões anteriores, um novo conjunto dedecisões se impunha: como coletar essas informações comqualidade e agilidade numa pesquisa contínua com divul-gação mensal. Entre os problemas mais conhecidos daspesquisas quantitativas, na área socioeconômica, este per-manece sendo o que merece destaque, pois exige elabora-dos procedimentos a serem perseguidos por toda equipe,em especial dos pesquisadores de campo, na tentativa deenquadrar a multiplicidade do real vivida pelas pessoasentrevistadas e as simplificações necessárias para finsclassificatórios.

A solução encontrada foi dupla: por um lado, buscou-seum desenho de questionário que combinasse, para algumasquestões, a possibilidade de descrição da resposta do entre-vistado e o seu enquadramento nas alternativas pré-codifi-cadas; por outro, estabeleceu-se um sistema de controle dequalidade, que perpassa todas as atividades no âmbito dapesquisa, sustentado por um trabalho interativo das diversasequipes de campo e apoiado por manuais (pesquisador,supervisor, crítica, checagem e consistência eletrônica) queorientam essas atividades, bem como uma discussãometodológica permanente de situações particulares, nãoprevistas nas codificações das respostas às questões levanta-das, e consistência eletrônica dos dados.

Um sistema informatizado de controle de atividade decampo permite acompanhar diariamente o aproveitamen-to da amostra, de tal forma a garantir ao final do levanta-mento mensal a representatividade desejada das informa-ções levantadas.

A equipe responsável pela coleta da PED é incentiva-da a recolher informações adicionais que considerar mais

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relevantes nos domicílios em que realiza as entrevistas.Essas são avaliadas pelas equipes responsáveis pela exe-cução da coleta de dados e pela aplicação da metodologiada pesquisa para o correto tratamento/enquadramento docaso diferenciado, descrito de acordo com os critériosclassificatórios da pesquisa, expressos nos seus instrumen-tos de coleta. Este procedimento permite um saudáveldebate entre entrevistadores, críticos, analistas, estatísti-cos e integrantes do grupo metodológico, sobre as situa-ções inusitadas que o campo recolhe.

Após muitos anos de pesquisa, são conhecidos os ca-sos de situações em que a percepção de que havia altera-ções em curso no mercado de trabalho regional decorreude informações que foram constatadas inicialmente entreos entrevistadores e cuja generalização levou a que novascodificações fossem estabelecidas para medir a importân-cia do fenômeno observado. Como esperado, na maioriados casos, tratava-se de situações particulares que nãoatingiam parcelas significativas da população.

A capilaridade representada pela interação do entrevis-tador com entrevistados e os demais profissionais que in-tegram a equipe de pesquisa representam, sem prejuízoda objetividade dos critérios de classificação, a sempresaudável interação entre as equipes com suas variadasexpertises e a realidade social que se pretende apreendere mensurar, mediante conceitos e indicadores, que tendema ser preservados ao longo do tempo, para garantir sérieshistóricas que são a base de estudos estatísticos que en-volvem modelagem simplificadora da realidade concreta.

Ao longo dos anos foi possível, com a experiência daPED-RMSP, garantir um conjunto de desdobramentos,alguns esperados, como a possibilidade de trazer novosaspectos para o âmbito da investigação, por exemplo emsuplementos especiais.

A existência da PED permitiu a notável possibilidadede rapidamente avaliar a introdução de uma nova legisla-ção de contratação por tempo determinado (1998), umacaptação mais abrangente dos rendimentos individuais efamiliares e acesso a programas sociais (InformaçõesComplementares sobre Rendimentos e Acesso a Progra-mas Sociais – 1999, Informações Complementares sobreRenda – 2003) e um suplemento sobre mobilidadeocupacional da PIA (População em Idade Ativa com Ex-periência de Trabalho nos Anos 90 – 1996). Ainda nessecampo podem ser contabilizadas as experiências de aten-dimento a demandas de outras secretarias de Estado eoutras instituições públicas que buscavam informaçõesespecíficas para melhor atender o público. Destacam-se

estudos realizados em São Paulo sobre: acidentes de tra-balho (Informações Suplementares sobre Acidente de Tra-balho – 1994); a situação dos jovens estudantes e recém-egressos do ensino médio e suas ambições de continuidadede formação escolar e necessidades de capacitação (In-formações Suplementares sobre Formação Profissional –1997); o novo perfil demandado pelos empregadores emtermos de requisitos de seleção e contratação (Informa-ções Suplementares sobre Formação Profissional – 1997);e o estudo sobre acesso e uso da Internet por parte dapopulação metropolitana e suas demandas para sites pú-blicos (Hábitos de Leitura, Acesso e Usos da Internet –2001).

A existência da PED e o reconhecimento de suametodologia propiciaram também a possibilidade de par-ticipar de uma pesquisa comparativa internacional, em quepesquisadores de outros países – França, Japão e Brasil –buscam comparar as semelhanças e as diferenças entre osdesempregados e as trajetórias de seus ocupados paraaveriguar a importância das experiências regionais e desuas diferentes instituições, tal como as agências deintermediação de mão-de-obra e outras políticas de em-prego e proteção social, com a inclusão de um novo su-plemento especial sobre mobilidade ocupacional (Infor-mações Complementares sobre Mobilidade Ocupacionalda PIA com Experiência nos Últimos Oito Anos – 2001).

Um desdobramento de certa forma menos esperado foia reprodução da metodologia PED em outras regiões dopaís. Há, nesse caso, experiências amplamente exitosascomo as de Porto Alegre, Salvador, Recife, Belo Hori-zonte, Distrito Federal e aquelas que por interferênciasexternas, em geral de ordem financeira, foram menos fa-voráveis, como as de Curitiba e Belém. Em todas essasregiões, no entanto, a situação de emprego e desempregoda população urbana foi investigada e incorporados as-pectos regionais relevantes.

Com o reconhecimento da PED como parte do sistemanacional de informações sobre o trabalho por parte doConselho do Fundo de Amparo do Trabalhador, que fi-nancia parte dos custos dessa pesquisa, um novo estágiofoi almejado e vem sendo construído desde então, com aarticulação de ações das diferentes equipes regionais a fimde que haja um crescente ajuste de tempos e de temas deanálise, além da troca crescente de experiências, para quese possa construir de fato, um sistema de informaçõesregionalizado e capacitado a apoiar políticas públicas comdesenho nacional e local. Este sem dúvida é um dos gran-des desafios de nossas equipes que para atingir esse fim

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devem avançar nos processos de integração, tanto nosmétodos de trabalho, quanto nos projetos analíticos, alémda integração de suas bases de dados regionais.

Um outro aspecto importante que merece ser destacadocom relação à PED, é a possibilidade de aprofundamentoanalítico sobre aspectos especiais da estrutura do mercadode trabalho metropolitano, além do acompanhamento mensalda sua evolução conjuntural. A amostragem da pesquisa(objeto de artigo específico) propicia a acumulação de dadose permite que aspectos estruturais do mercado de trabalho efenômenos raros sejam objeto de estudos específicos. Há,pelo menos, alguns segmentos populacionais que vêm sendomotivo de recorrente estudo ao longo dos anos: a inserçãoda mulher no mercado de trabalho; a situação da populaçãode raça/cor negra; os jovens; os migrantes; os arranjosfamiliares; os ocupados com menor rendimento; e algunsgrupos ocupacionais formados pelos ocupados nas indús-trias metalúrgicas, têxtil e vestuário e os bancários, que têmsido objeto de análise ao longo dos anos, principalmente porparte de pesquisadores universitários, mas também pelossindicalistas que negociam as pautas de reivindicações dessestrabalhadores.

No caso das situação das mulheres, a demanda socialcrescente por informações, associada à presença de finan-ciamento internacional, propiciada pelo Fundo para aIgualdade de Gênero, do Canadá, originou um conjuntode publicações que sistematiza as informações sobre ainserção da mulher no mercado de trabalho regional, dis-seminando a necessidade de gerar igualdade de oportuni-dade de trabalho e de remuneração para ambos os sexos ecom isso melhorando a qualidade do debate em curso parauma sociedade mais justa e eqüitativa, também do pontode vista dos gêneros, esperando-se que venha a ser possí-vel avançar igualmente, pelo menos quanto à sistemáticadisseminação que diz respeito à situação desigual entrepessoas de cor negra e não-negra.

Dos estudos especiais realizados pela PED que já evi-denciavam a estreita relação entre inserção no mercadode trabalho e desigualdades sociais e a percepção de quea renda não era a única dimensão da pobreza, surgiu apossibilidade de um entendimento multidimensional, destefenômeno ainda no final dos anos 80. A corrosão dos ren-dimentos do trabalho, propiciada pelas elevadas e recor-rentes variações dos preços que caracterizavam os anos80, e a tentativa de estabelecer novas bases para políticassociais compensatórias, destinadas a diminuir para toda apopulação as dimensões mais notórias da desigualdade deoportunidades, obrigavam a construção de instrumentos

de coleta adequados a novos indicadores. Provêm, pelomenos parcialmente, dessas percepções as pistas que le-varam à formatação e execução da Pesquisa de Condiçõesde Vida – PCV, realizada em 1990, 1994 e 1998, pela Fun-dação Seade, apoiada grandemente nas experiênciasmetodológicas e de execução adquiridas com a PED.

Do ponto de vista metodológico, pode-se dizer que nestapesquisa se manteve a pressuposição de que deveria serpossível agregar às informações usuais as que averigua-vam situações locais não generalizáveis, expandindo con-ceitos para além dos marcos típicos das pesquisas inter-nacionais, intencionalmente buscando caracterizaraspectos novos que haviam se tornado essenciais para acompreensão das necessidades e carências da populaçãomenos favorecida. Em vez de partir para elementos sinté-ticos, o final dos anos 80 já faziam antever a necessidadede procurar novos aspectos para as questões centrais dascarências da população. Foi um período de estimulanteavanço para expandir a compreensão do trabalho e da ren-da, em quadro mais amplo de necessidades sociais, emque se destacam a educação, a saúde e a habitação, emespecial.

A PCV nos seus levantamentos periódicos também pro-porcionou a coleta de informações sobre outros aspectosrelevantes, como: acidentes de trabalho e doenças profis-sionais; associativismo; violência e vitimização; e desloca-mentos urbanos para as atividades de trabalho e estudo.

O levantamento de informações sobre acidentes de tra-balho e morbidade na PCV (1994) indicaram ainda a ocor-rência de acidentes de trajeto e de trabalho entre os traba-lhadores com vínculo informalizado, para os quais, emgeral, não ocorre a informação do acidente, uma vez queos empregadores tendem a não preencher a notificação daocorrência. Com efeito, o número estimado de acidentesseria o dobro daquele oficialmente notificado, observan-do-se incidência similar entre empregados com vínculoformalizado e entre os trabalhadores sem vínculo forma-lizado.

Com a experiência acumulada por equipes crescen-temente especializadas em geração de metodologia depesquisa, estatística e análise na PED e mais recentemen-te na PCV, foi possível aos técnicos da Fundação Seadeparticiparem também de novos tipos de pesquisas deman-dadas por outros organismos fora do âmbito estadual, talcomo foi o caso das pesquisas sobre saúde e acidentes demotoristas de ônibus nas regiões de São Paulo e BeloHorizonte, demanda pela Fundacentro – Fundação para aSaúde do Trabalhador. Em ambos os casos, foram reali-

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zadas junto a motoristas pesquisas que permitiram ava-liar os principais problemas de saúde e de trabalho dessacategoria que, sendo vital para a ampliação do volume eda qualidade do transporte público, permanece entre aque-las em que mais claramente se manifestam problemas desaúde ocupacional, decorrentes das condições do exercí-cio do trabalho, em veículos que nem sempre se encon-tram em condições ideais, resultando além dos conheci-dos problemas osteomusculares, graves problemas desurdez e outros de ordem física e psíquica.

O impacto dessas pesquisas foi importante, uma vezque, combinadas com aquelas realizadas com outros pro-fissionais do transporte (motoristas de táxi, caminhões emotocicletas), elucidaram bem as transformações a seremimplementadas nos transportes públicos e alertaram parao crescimento da violência, uma vez que, pelo menos, 35%desses profissionais, em ambas as regiões, tinham passa-do por uma situação de assalto armado em seu veículo,nos doze meses anteriores à pesquisa.

A participação e a experiência adquirida pela FundaçãoSeade no desenvolvimento de pesquisas de campo, como aPED e mais recentemente a PCV, foram e continuam funda-mentais para que outros levantamentos de informações pri-márias sejam realizados, com a finalidade de gerar indica-dores de novos e velhos problemas enfrentados pelostrabalhadores e pela população em geral inseridos em umarealidade sujeita a constantes transformações.

Para melhor compreensão dessas situações, como tam-bém para subsidiar a formulação e a avaliação de políti-cas públicas relacionadas, cabe destacar alguns exemplosdestas possibilidades de pesquisas específicas já realiza-das pela Fundação Seade, tais como: levantamento nacio-nal de informações sobre execução e resultados deTelecursos para subsidiar a avaliação do programa deensino à distância (Avaliação Externa e Acompanhamen-to de Egressos do Telecurso 2000 – 2000/2001); avalia-ção e acompanhamento da participação do jovem e daempresa contratante no programa jovem cidadão – meuprimeiro trabalho (Avaliação do Programa Jovem Cida-dão – Meu Primeiro Trabalho – início em 2000); cadas-tramento de entidades da sociedade civil que atuam naregião Leste do Município de São Paulo (Cadastro de En-tidades Sociais sem Fins Lucrativos – Zona Leste do Mu-nicípio de São Paulo – 2001); cadastramento de entida-des sociais que atuam na área cultural ou esportiva naRegião Metropolitana de São Paulo (Cadastro de Entida-des Sociais que Atuam na Área Cultural ou Esportiva naRMSP – 2001); levantamento de informações sobre os

usuários dos diversos programas habitacionais da CDHUpara subsidiar as ações de planejamento habitacional doGoverno do Estado de São Paulo (Levantamento Cadas-tral e Pesquisa Socioeconômica – Programa de Atuaçãoem Cortiços – PAC – 2000/2001/2002; Cadastramento So-cioeconômico e Levantamento Físico/Cadastral – VilaPantanal – 1998; Mapeamento dos Setores, Pichação eAplicação da Pesquisa Socioeconômica das Favelas deUnião de Vila Nova e Vila Nair – 1999/2002; Pesquisade Situação Pós-Ocupacional – 1999; entre outros); le-vantamento censitário de informações do funcionalismomunicipal de São Paulo relacionadas a seu perfil, avalia-ção dos procedimentos e locais de trabalho (Censo doFuncionalismo Público – 2002); informações sobre os des-locamentos da população residente na Região Metropoli-tana de São Paulo, para subsidiar a avaliação da políticade transporte metropolitano (Aferição da Pesquisa Ori-gem e Destino na RMSP – 2002).

Por último, cabe mencionar a participação da Funda-ção Seade na produção de informações primárias para oprojeto Fábrica de Cultura integrante do Programa Cultu-ra e Cidadania para Inclusão Social – PCCIS desenvolvi-do pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo deSão Paulo, com a parceria do Banco Interamericano deDesenvolvimento – BID.

Os fundamentos que permitem acreditar nesse tipo deafirmação encontram-se na reiterada possibilidade de re-produzir procedimentos que garantam a qualidade dasinformações coletadas e analisadas e na ousadia de não selimitar aos indicadores consagrados, mas na permanenteexperimentação, o que garante a possibilidade de que osmembros das equipes possam ser integrados com base emsuas idéias, garantindo que as experiências venham a serpostas a serviço do conhecimento comum.

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PAULA MONTAGNER: Economista, Gerente de Análise e Estudos Especiaisda Fundação Seade.

ATSUKO HAGA: Socióloga, Gerente de Métodos e Pesquisa da FundaçãoSeade.

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Resumo: Este artigo tem por finalidade reconstituir a trajetória da Pesquisa de Condições de Vida – PCV,levantamento socioeconômico por amostragem de domicílios, concebido pela Fundação Seade, no final dadécada de 80. Tomando por base publicações oficiais que constituem a memória técnica da PCV, procurar-se-á evidenciar a importância relativa desta pesquisa na estratégia de desenvolvimento institucional recenteda Fundação Seade.Palavras-chave: pobreza; pesquisa domiciliar; políticas governamentais; estatística aplicada.

Abstract: This article seeks to reconstruct the history of the Survey of Living Conditions (PCV), a socio-economic study based on the sampling of households, created by Fundação Seade in the late 1980s. Usingofficial publications that constitute the technical memory of the PCV, an attempt is made to highlight therelative importance of this survey in the recent institutional development of Fundação Seade.Key words: poverty; household research; governmental policies; applied statistics.

OLAVO VIANA COSTA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 142-150, 2003

Pesquisa de Condições de Vida – PCV é um le-vantamento por amostragem de domicílios, con-cebido pela Fundação Seade, no final da década

trução, emprego e renda, possibilitaram, em 1990, a divi-são do conjunto das famílias da Região Metropolitana deSão Paulo em quatro grupos com perfis socioeconômicosdistintos: Grupos A, B, C e D. O Grupo D, que reuniapouco mais de 20% das famílias, foi considerado em situa-ção de pobreza, por apresentar, em comparação aos trêsoutros grupos socioeconômicos identificados pela pesqui-sa, os piores índices de instrução, emprego e renda. Par-cela expressiva das famílias classificadas no Grupo D(10%) apresentava carência simultânea em moradia, ins-trução, emprego e renda, sendo, por isso, considerada emsituação de miséria. Caso fosse utilizada a “linha de po-breza” tradicional, baseada exclusivamente na disponibi-lidade de renda para a aquisição de produtos e serviçosde consumo corrente, cerca de 50% das famílias da Re-gião Metropolitana de São Paulo teriam sido classifica-das como pobres.

Estimativas tão díspares, cuja utilização implica clas-sificar como pobres contingentes populacionais bastanteexpressivos, ilustram bem as dificuldades associadas àmensuração desse fenômeno social complexo, tanto peladiversidade de critérios de mensuração da pobreza, quan-to pelos problemas, de natureza qualitativa, referentes à

de 80, com o objetivo de suprir a ausência de fonte pri-mária de dados para a realização periódica de análises einterpretações sobre características demográficas esocioeconômicas, determinantes das condições de vida dapopulação, que explicam a magnitude e a distribuição dapobreza nas áreas metropolitanas e nas aglomerações ur-banas não-metropolitanas de maior concentração popu-lacional no Estado de São Paulo. Inovadora em váriosaspectos, a pesquisa foi a campo pela primeira vez entrejunho e agosto de 1990. Adotando perspectiva diversa dasinvestigações tradicionais – centradas em um único indi-cador, geralmente a renda –, foram coletadas, por meiode questionário especialmente elaborado para essa finali-dade, informações sobre habitação, patrimônio familiar,freqüência à escola, inserção no mercado de trabalho, ren-dimentos e utilização de serviços de saúde em uma amos-tra de aproximadamente 5.500 domicílios na Região Me-tropolitana de São Paulo.

Técnicas estatísticas multivariadas, aplicadas à análi-se dos indicadores sintéticos de carência em moradia, ins-

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própria definição do que é ser pobre. Na ausência de umconceito teórico de pobreza claramente formulado, aspesquisas sobre o tema costumam trabalhar apenas comdefinições normativas, apoiadas em referências quanto aopadrão de vida desejável em determinada sociedade. Ametodologia adotada pela PCV, ao organizar as famíliaspor tipo e sobreposição de carências, procurou exatamentefugir das definições normativas e aprofundar mais o co-nhecimento sobre as características empíricas do fenô-meno.

Sete volumes, lançados pela Fundação Seade em de-zembro de 1992, comprovaram o acerto da metodologiada PCV e a riqueza de sua base de dados. Os cinco pri-meiros – Educação, Habitação, Mercado de Trabalho, Ren-da e Saúde – descrevem os procedimentos utilizados paraa definição de “linhas de pobreza” em cada um dessesaspectos. O sexto – Definição e Mensuração da Pobreza:uma abordagem multissetorial – detalha a metodologia declassificação socioeconômica que permite dividir as fa-mílias em grupos homogêneos quanto às suas caracterís-ticas de moradia, instrução, emprego e renda. O sétimo –Principais Resultados – resume o conjunto das informa-ções estudadas, descrevendo as características mais im-portantes de cada grupo socioeconômico identificado pelapesquisa.

Amplamente noticiadas e comentadas, essas publica-ções motivaram a Fundação Seade a voltar a campo umasegunda vez, entre maio e outubro de 1994, para a execu-ção de um projeto ainda mais ambicioso: a ampliação daabrangência territorial da amostra, mediante a incorpora-ção dos municípios do interior do Estado de São Paulocom mais de 80 mil habitantes na área urbana. No decor-rer daqueles meses, pesquisadores da Fundação Seadevisitaram cerca de 14 mil domicílios, recolhendo, alémdas informações sobre habitação, patrimônio familiar, fre-qüência à escola, inserção no mercado de trabalho, rendi-mentos e utilização de serviços de saúde investigadas em1990, dados sobre associativismo, meios de transportecoletivo, acidentes do trabalho e doenças profissionais.Inédita em levantamentos domiciliares, a investigação dequestões relativas a esse último tema atendeu a uma de-manda da Fundacentro, órgão do governo federal respon-sável pela execução de programas de segurança e medici-na do trabalho.

A definição da amostra também obedeceu a procedi-mento inovador: os domicílios pertencentes à RegiãoMetropolitana de São Paulo foram selecionados valendo-se do cadastro de endereços da Pesquisa de Emprego e

Desemprego – PED, realizada mensalmente, desde 1984,pela Fundação Seade em parceria com o Dieese. A ausên-cia de cadastro similar para o interior do Estado de SãoPaulo condicionou o sorteio dos domicílios à estratificaçãodos 37 novos municípios incorporados à amostra, forman-do-se dois anéis concêntricos em relação à Região Me-tropolitana de São Paulo. No caso de Campinas, graças aum acordo de cooperação entre a prefeitura e a FundaçãoSeade, a amostra totalizou cerca de 2.100 domicílios, pos-sibilitando a divulgação de informações desagregadas parao município.

Buscando guardar a periodicidade quadrienal da PCV,a Fundação Seade realizou um terceiro levantamento decampo, entre junho e novembro de 1998. Neste levanta-mento, além de coletar informações em todos os municí-pios da Região Metropolitana de São Paulo, a PCV am-pliou sua cobertura no interior do Estado de São Paulo,incorporando à amostra os 73 municípios paulistas commais de 50 mil habitantes na área urbana. Com isso, pas-sou a fornecer informações socioeconômicas sobre a com-posição e a evolução diferenciada de uma das áreas geo-gráficas mais importantes do país que, paradoxalmente,não tem sido objeto de levantamentos sistemáticos de in-formações, salvo os Censos Demográficos.

Em 1998, a amostra da PCV foi planejada para aten-der a sete agrupamentos urbanos, cobrindo 83% da popu-lação urbana do Estado de São Paulo. A Região Metropo-litana de São Paulo formou um domínio da amostra,enquanto os outros seis – Central, Leste, Região Metro-politana da Baixada Santista, Norte, Oeste e Vale doParaíba – englobavam os 73 municípios do interiorpaulista. Para cada agrupamento, selecionou-se uma amos-tra probabilística de domicílios, tendo sido sorteadas emtorno de 4.500 unidades habitacionais na Região Metro-politana de São Paulo e cerca de 1.700 para os demaisdomínios, perfazendo um total de aproximadamente 15.000domicílios na amostra.

Outra inovação foi a substituição de temas investiga-dos, atendendo às necessidades da agenda social em nívelnacional. Na PCV-98 foram excluídas questões relativasaos temas associativismo, usos de meios de transporte co-letivo, acidentes do trabalho e doenças profissionais, sen-do incorporadas informações sobre o acesso da popula-ção a bens e serviços coletivos, total ou parcialmentesubsidiados pelo poder público, conforme demanda doPNUD e do Ipea – instituições às quais a Fundação Seadeassociou-se no âmbito do projeto “Avaliação da Incidên-cia e do Impacto Distributivo dos Gastos Público e Social

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por Estratos de Renda”. Além disso, alguns quesitos so-bre indivíduos portadores de deficiências e ocorrência deroubos, furtos e agressões físicas foram incorporados aoquestionário da PCV-98 por iniciativa da própria Funda-ção Seade, levando em conta a grande demanda por in-formações sobre tais assuntos de diferentes instituiçõespúblicas e privadas.

A IMPORTÂNCIA DA PCV

Na configuração da estratégia de desenvolvimento ins-titucional recente da Fundação Seade, a importância daPCV pode ser avaliada por referência a três grandes ques-tões: a tendência ao aumento da pobreza em aglomera-ções urbanas no interior paulista; o potencial da aborda-gem metodológica da PCV para a mensuração destatendência; e a possibilidade de utilização do banco dedados da pesquisa para subsidiar as atividades de plane-jamento e avaliação de políticas públicas de corte social,bem como a realização de estudos e pesquisas acadêmi-cos.

Tendência ao Aumento da Pobreza emAglomerações Urbanas no Interior Paulista

Desde meados dos anos 80, têm ganhado relevância osestudos e pesquisas voltados ao levantamento da situaçãode pobreza, indigência e exclusão social no Brasil. Em-bora essas temáticas já viessem sendo tratadas nas uni-versidades e figurassem como objeto de investigação e aná-lise nos órgãos ligados ao planejamento público desde ofinal dos anos 60, foi com a crise e a estagnação econômi-ca na década de 80 – e seus efeitos sobre o empobreci-mento de diversos segmentos sociais – que elas começa-ram a comparecer com maiores freqüência e profundidadena literatura acadêmica e na agenda política. Assim, pas-saram a disputar a centralidade do debate social com osestudos sobre distribuição de renda e constituição do mer-cado de trabalho urbano – temáticas privilegiadas no con-texto do aumento generalizado e desigual da renda e docrescimento econômico acelerado da população urbana nosanos 70. Diferentes abordagens analíticas vêm sendo em-pregadas, desde então, para mensuração da pobreza, des-tacando-se três perspectivas principais: estudos voltadospara o dimensionamento da pobreza como expressão dainsuficiência de renda disponível para o consumo de umacesta de produtos e serviços básicos; análises ancoradasna percepção da pobreza como ausência de satisfação de

necessidades básicas monetárias e não-monetárias dosindivíduos; e estudos que consideram a pobreza um fenô-meno de privação relativa de renda e outras dimensõessocioeconômicas.

Pobreza como síndrome de insuficiência de renda pa-rece constituir a abordagem mais largamente dissemina-da e empregada pelos organismos estatísticos oficiais, naesfera internacional, para dimensionar a população emsituação de pobreza. Nessa perspectiva metodológica, umafamília – unidade de análise preferencial nesta abordagem– é considerada pobre se sua renda disponível ou dispên-dio total é menor que um dado valor monetário norma-tivamente estabelecido (a linha de pobreza), o qual re-presentaria o custo de todos os produtos e serviçosconsiderados básicos para satisfazer as necessidades desobrevivência e consumo de todos os membros da famí-lia. O conjunto de necessidades a atender, o grau de satis-fação mínimo, bem como a escolha dos produtos e servi-ços adequados à satisfação dessas necessidades, podemapresentar grande variabilidade em âmbito internacional,em especial entre países desenvolvidos, onde a uni-versalização do acesso a alguns produtos básicos já foiatingida há muito tempo, e aqueles em desenvolvimento,onde parcela considerável da população não tem sequeracesso a recursos mínimos para garantir alimentação ade-quada.

A abordagem da pobreza como resultado de um con-junto de necessidades básicas insatisfeitas representa umaconcepção complementar à da pobreza como insuficiên-cia de renda, uma vez que identifica as famílias sujeitas àprivação absoluta de patamares mínimos – também nor-mativos – de bens e serviços (públicos e privados) neces-sários à sobrevivência. Acesso a água potável, esgotamentosanitário, tipo de habitação, alimentação (quantidade ediversidade adequadas) e grau de assistência escolar sãoelementos que compõem algumas das dimensões passíveisde avaliação mediante essa abordagem analítica, que temsido recomendada por organismos internacionais em ra-zão da possibilidade de identificação de carências espe-cíficas e de grupos-alvo para intervenção da política so-cial.

O conceito de pobreza relativa refere-se à desigualda-de de acesso dos indivíduos e famílias a bens ou serviçosou de disponibilidade de renda. Não se trata de quantificaras pessoas que não dispõem de determinado nível de ren-da para consumo de uma cesta de produtos (como na abor-dagem da linha de pobreza) ou que não têm acesso a umpadrão mínimo de habitação e serviços públicos (como

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na abordagem de necessidades básicas insatisfeitas), massim de avaliar como se distribuem os recursos públicos eprivados pela sociedade, na forma de renda, bens ou ser-viços, e como eles são apropriados pelos estratos de ren-dimento mais baixo. Em geral, os pobres são tomados comoos indivíduos que integram os decis de renda per capitamais baixa ou aqueles que integram os grupos de acessomais precário a bens ou serviços. É uma perspectiva maisadequada a países desenvolvidos, onde os níveis mínimosde subsistência estão garantidos para parcela majoritáriada população e, portanto, a ênfase da política social vol-ta-se para a redução da desigualdade social entre grupospopulacionais, e é menos freqüente em países em desen-volvimento.

Além dessas abordagens analíticas, começam a ganharimportância nas instituições de pesquisa os estudos depobreza baseados na construção de indicadores derivadosde quesitos de autodeclaração de pobreza, que alguns au-tores denominam estudos de pobreza subjetiva. Nos estu-dos tradicionais, a pobreza era dimensionada de acordocom a resposta dos entrevistados a quesitos relacionadosà capacidade de cobrir gastos para manutenção do domi-cílio e os custos correntes da vida cotidiana. Em estudosmais recentes, o escopo das informações para caracteri-zar o fenômeno é mais amplo, abordando quesitos relacio-nados ao nível de satisfação de necessidades básicas, mastambém de necessidades e aspirações socioculturais.

Um dos maiores avanços da PCV está na possibilidadeda realização de estudos e análises baseados nas diferen-tes abordagens de pobreza mencionadas, abrindo a possi-bilidade de diagnósticos mais precisos a respeito de te-mas sociais em geral e da pobreza em especial. O primeirolevantamento da PCV, realizado em 1990, focalizou ex-clusivamente a Região Metropolitana de São Paulo, porser, até meados da década de 80, o principal espaço urba-no de destino de milhares de famílias e indivíduos que sedeslocavam no Brasil, gerando enormes espaços destina-dos a pobres e miseráveis – favelas e periferias. No en-tanto, a tendência à desconcentração da atividade indus-trial em direção aos principais centros urbanos do interiordo Estado de São Paulo – sobretudo Campinas e São Josédos Campos – motivou a Fundação Seade a ampliar aabrangência territorial da PCV nos dois levantamentos sub-seqüentes, realizados em 1994 e 1998, a fim de verificarem que medida as transformações estruturais da econo-mia no interior paulista repetiam ou não o padrão de de-senvolvimento observado na Região Metropolitana de SãoPaulo nas últimas décadas.

Potencial da Abordagem Metodológica da PCV paraa Mensuração da Tendência ao Aumento da Pobrezaem Aglomerações Urbanas no Interior Paulista

Excetuando-se o Censo Demográfico, realizadodecenalmente pela Fundação IBGE em todo o territórionacional, nenhuma outra fonte de dados secundários pos-sibilita a desagregação de informações estatísticas para aavaliação das condições de vida e pobreza da populaçãoresidente na Região Metropolitana de São Paulo e nosmunicípios do interior paulista com mais de 50 mil habi-tantes em sua área urbana. No entanto, o alto custo finan-ceiro e a complexidade logística das operações de coleta,processamento e análise de dados obrigam a FundaçãoIBGE a limitar o escopo temático do Censo Demográficoà investigação de um conjunto reduzido de característicasda população e dos domicílios particulares permanentes.

A PNAD, realizada anualmente pela Fundação IBGE,embora investigue um conjunto mais amplo de caracterís-ticas da população e dos domicílios particulares perma-nentes em todo o território nacional, possibilita a desa-gregação de informações estatísticas exclusivamente paraa avaliação das condições de vida e pobreza da popula-ção residente na Região Metropolitana de São Paulo. Issoporque a amostra da PNAD não permite a desagregaçãode informações similares para os municípios do interiorpaulista, o que inviabiliza sua utilização como fonte al-ternativa para subsidiar as atividades de planejamento,execução, controle e avaliação de políticas públicas nes-se nível de abrangência geográfica.

Nesse contexto, para enfrentar o desafio de medir apobreza por um enfoque multidimensional, a PCV desen-volveu um conjunto de instrumentos de coleta de dadosque possibilitam, além da caracterização do domicílio ede cada um de seus moradores, a investigação de variá-veis relativas a situação de moradia, instrução, emprego,renda e utilização de serviços de saúde. Considerou-se quea investigação simultânea desses temas permitiria cons-truir um amplo painel das condições de vida em cada es-paço regional pesquisado, pois as variáveis levantadas pos-sibilitariam avaliar o grau em que as necessidades básicasda população estariam sendo atendidas, qualificar o aces-so dos indivíduos e famílias ao mercado de consumo con-forme sua disponibilidade de renda e estimar as necessi-dades de ampliação da oferta de trabalho em face dasdemandas populacionais em um momento específico.

Ainda que a PCV utilize três unidades de coleta dedados distintas – domicílios, famílias e pessoas –, a uni-

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dade de análise adotada na pesquisa é a família. Consen-sual entre os estudiosos da pobreza, essa opção tornou obri-gatória a construção de indicadores capazes de resumir,da perspectiva familiar, as quatro dimensões privilegia-das para a mensuração da pobreza: moradia, instrução, em-prego e renda. No caso da moradia, o indicador sintéticode 1990 leva em conta, além do tipo de edificação e domaterial empregado em sua construção, o espaço internodisponível e sua utilização pelos moradores. No que dizrespeito à instrução, a medida construída considera a con-dição de freqüência à escola, os anos de escolaridade e ocorrespondente grau de ensino obtido pelos indivíduos desete anos de idade ou mais. No que se refere ao emprego,a classificação adotada resume, além da disponibilidadepara o trabalho, a condição de atividade econômica e asprincipais características dos postos de trabalho ocupa-dos pelos indivíduos de dez anos de idade ou mais. Quan-to à renda, o indicador construído expressa valores percapita em reais, correspondentes aos rendimentos do tra-balho e de outras fontes declarados pelos indivíduos dedez anos de idade ou mais.

Passo intermediário na construção metodológica da PCV,os indicadores sintéticos construídos em 1990 definem re-quisitos ou exigências materiais que, se não são atendidosde modo adequado, revelam a existência de privações oucarências em moradia, instrução, emprego ou renda. Suasversões resumidas, com apenas duas categorias de análise,traduzem para o plano operacional noções de “pobreza ab-soluta” em cada um desses aspectos, possibilitando identifi-car, separadamente, as famílias por segmentos: as que vivemem moradias insatisfatórias; aquelas que apresentam nívelde instrução precário; as que têm inserção vulnerável nomercado de trabalho; e as que não dispõem de renda sufi-ciente para a aquisição de bens e serviços de consumo cor-rente. Há, porém, versões mais desagregadas desses mesmosindicadores, com múltiplas categorias ou valores.

O uso dos indicadores sintéticos da PCV, em suas escalasresumidas ou desagregadas, influi decisivamente na defini-ção dos parâmetros para a mensuração da pobreza. Isso por-que, ao contrapor situações de carência e não-carência nasvárias dimensões pesquisadas, a escala resumida impede apercepção de diferenças entre as famílias que ocupam posi-ções intermediárias na escala desagregada, imediatamenteacima ou abaixo do ponto de corte utilizado nas definiçõesoperacionais de “pobreza absoluta” em moradia, instrução,emprego e renda.

Para avaliar o impacto dessas diferenças de escala, aPCV definiu classificações socioeconômicas distintas,

utilizando aqueles indicadores tanto em suas versões re-sumidas, com apenas duas categorias, quanto em suasversões desagregadas, com múltiplas categorias ou valo-res. No primeiro caso, identificou grupos de famílias quese diferenciam pelo tipo de carência – Grupos I, II, III eIV. No segundo caso, formou grupos de famílias que sediferenciam não somente pelo tipo, mas também pelo graude carência – Grupos A, B, C e D.

Se as diferenças de escala fossem pouco relevantes paraa mensuração da pobreza, os agrupamentos resultantes dasclassificações adotadas pela PCV deveriam apresentar dis-tribuições percentuais e perfis socioeconômicos assemelha-dos. A análise dos dados apontou em sentido contrário, re-velando que famílias originalmente incorporadas ao GrupoI, resultante da classificação por tipo de carência, foram pos-teriormente redistribuídas nos Grupos A, B e C, obtidos con-forme classificação por grau de carência. O mesmo ocorreupara as famílias reunidas nos demais agrupamentos da pri-meira classificação, com exceção daquelas pertencentes aoGrupo IV, as quais foram integralmente incorporadas aoGrupo D, resultante da segunda classificação.

Apesar das dificuldades de ordenação dos agrupamen-tos resultantes da análise simultânea dos indicadores demoradia, instrução, emprego e renda, com múltiplas cate-gorias ou valores, a Fundação Seade decidiu utilizar a clas-sificação socioeconômica por grau de carência como tra-dução operacional da metodologia da PCV, voltada paraa mensuração da pobreza de uma perspectiva multidimen-sional. Para minimizar aquelas dificuldades em 1990, fo-ram definidas como pobres as famílias pertencentes aoGrupo D, o de pior situação relativa em instrução, empre-go e renda. Além disso, foram consideradas como mise-ráveis aquelas que apresentavam carência simultânea emmoradia, instrução, emprego e renda.

A realização do segundo levantamento de campo, en-tre maio e outubro de 1994, trouxe novos desafios para aPCV. Em decorrência da ampliação da abrangênciaterritorial da amostra, que passou a incluir também osmunicípios do interior do Estado de São Paulo com maisde 80 mil habitantes em sua área urbana, foi necessáriorevalidar a metodologia de classificação socioeconômicaadotada em 1990. A despeito das implicações associadasa esse procedimento, que abstrai mudanças sociais impor-tantes no tempo e no espaço, decidiu-se gerar grupos defamília com características de moradia, instrução, empre-go e renda similares às dos agrupamentos que haviam sidodeterminados quatro anos antes, exclusivamente para aRegião Metropolitana de São Paulo.

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Os novos agrupamentos socioeconômicos da PCV fo-ram obtidos mediante funções de classificação definidascom o auxílio de técnicas de análise estatística mul-tivariada. Em 1990, a utilização dessas funções revelouter sido menor que 3% a probabilidade de classificaçãode uma família em outro grupo socioeconômico que nãoaquele originalmente resultante da análise simultânea desuas características de moradia, instrução, emprego e renda.

Reutilizadas em 1994, essas funções permitem inferir quefamílias com alto nível de instrução tiveram maior probabi-lidade de classificação no Grupo A – o de melhor situaçãosocioeconômica –, da mesma forma que aquelas com baixaqualidade de inserção no mercado de trabalho tiveram maiorprobabilidade de classificação no Grupo D – o de pior situa-ção relativa em instrução, emprego e renda. Não satisfazendoos requisitos acima, famílias com condições habitacionaissatisfatórias tiveram maior probabilidade de classificação noGrupo B – cuja situação de moradia é comparável à do Gru-po A, ainda que apresente níveis de instrução mais elevados.Da mesma forma, aquelas com condições habitacionais in-satisfatórias tiveram alta probabilidade de classificação noGrupo C – o de pior situação relativa quanto a esse aspecto,ainda que registre condições de emprego mais favoráveis secomparado ao Grupo D.

Possibilidade de Utilização do Banco de Dados daPCV para Subsidiar as Atividades de Planejamentoe Avaliação de Políticas Públicas de Corte Social,bem como Estudos e Pesquisas Acadêmicos

A divisão das famílias do Estado de São Paulo em gru-pos socioeconômicos que se diferenciam pelo tipo e graude carência em moradia, instrução, emprego e renda éapenas uma das possibilidades de exploração analítica dabase de dados da PCV. Tendo em vista a utilização detrês unidades de coleta distintas (domicílios, famílias epessoas) e cobertura de duas áreas territoriais comcaraterísticas socioeconômicas e demográficas diversas (aRegião Metropolitana de São Paulo e os municípios dointerior paulista com mais de 50 mil habitantes em suaárea urbana), a pesquisa amplia significativamente o con-junto de informações disponíveis tanto para o planejamentoe avaliação de políticas públicas de corte social quantopara a realização de estudos e pesquisas acadêmicos. Comoapontado, esse leque de possibilidades para sua utiliza-ção decorre das inovações metodológicas introduzidas acada tomada, que envolvem tanto a renovação temáticacomo a ampliação da abrangência espacial da pesquisa.

De fato, além de perseguir objetivos específicos, rela-tivos à mensuração da pobreza como fenômeno multidi-mensional, a PCV considera diferentes aspectos das con-dições de vida do cidadão paulista, permitindo, assim,subvencionar ações públicas em diversos setores sociais,notadamente nas áreas de habitação e focalização de pro-gramas sociais. No caso da habitação, os dados obtidospela PCV permitiram realizar estimativas mais precisasdo déficit habitacional para o Estado de São Paulo, auxi-liando, inicialmente as atividades do Fórum ParlamentarSão Paulo Século XXI e, posteriormente, aperfeiçoadas,subsidiando as ações de planejamento da CDHU, órgãoresponsável pela execução da política estadual de habita-ção popular. A interação das diferentes equipes especia-lizadas que trataram o tema de acordo com essa base dedados conduziu à realização de uma pesquisa com carac-terísticas similares à da PCV em aglomerações urbanasnão-metropolitanas com até 50.000 habitantes, cujas ca-racterísticas da pobreza são notadamente distintas daque-las observadas para as cidades próximas às metrópoles.Trata-se da Pesquisa de Condições Habitacionais – PCH,recentemente concluída, que abrangeu uma amostra deaproximadamente 3.000 domicílios na Região Adminis-trativa de São José do Rio Preto. As alterações introduzidasno questionário de habitação da PCH, para atender à de-manda da CDHU, quando incorporados à nova PCV, de-verão contribuir para a formulação de indicadores capa-zes de detectar novas formas de morar mal, já visíveis nasáreas mais urbanizadas do Estado, em decorrência dasalterações profundas na paisagem dos grandes centrosurbanos, que implicam, entre outros desafios analíticos, anecessidade de redefinir conceitos tradicionais, como ode favela e de cortiço, cujas características originais fo-ram encobertas pelo uso de novos materiais e pela buscade urbanização determinada por políticas públicas.

No que diz respeito à focalização de programas sociais,as inovações metodológicas da PCV serviram de base paraa inclusão de questionário suplementar sobre rendimen-tos e acesso a programas sociais no campo de ação da PEDna Região Metropolitana de São Paulo. O suplementocontemplou a coleta de informações sobre rendimentosfamiliares (provenientes de aluguel, doações, retiradas depoupança, etc.), assim como rendimentos individuais com-plementares não coletados na PED (como PIS/Pasep),benefícios indiretos do trabalho e acesso a programas so-ciais específicos de combate à pobreza (doação de cestasbásicas, merenda escolar, bolsa-escola, renda-mínima,frente-de-trabalho, etc.). Também incluiu-se um quesito

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sobre gasto com aluguel ou prestação do imóvel, com oobjetivo de conseguir, em etapa posterior, implementaruma eventual imputação de renda adicional àqueles quedispunham de casa própria. A introdução de quesitos so-bre o acesso a programas sociais de combate à pobreza,benefícios indiretos do trabalho e rendas não monetáriaspermitiu averiguar a importância dessas fontes para aná-lises mais precisas do comportamento da renda e da efeti-vidade das políticas, uma vez que algumas das políticaspúblicas de combate à pobreza podem implicar transfe-rências não monetárias (distribuição de cestas, merendaescolar, vale-transporte para desempregados, por exem-plo) que não figurariam nas estatísticas convencionais derenda familiar. Com a inclusão de quesitos similares nosinstrumentos de coleta de dados da nova PCV, a Funda-ção Seade espera garantir a produção de indicadores eanálises sobre renda familiar e pobreza para todo o Esta-do de São Paulo, bem como avaliar o impacto de políticaspúblicas específicas de combate à pobreza e à indigêncianos principais centros urbanos do interior paulista.

Cabe também destacar que a PCV foi, e continua sen-do, importante fonte de dados empíricos para dissertaçõese teses acadêmicas em diferentes áreas do conhecimento.Em tese de doutorado em sociologia, apresentada à Fa-culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP,que se propôs a uma reflexão circunstanciada sobre asrelações entre saúde e assistência médica no Brasil, o bancode dados da PCV serviu de fonte primária para o desen-volvimento de um modelo de análise sobre a demanda porserviços de saúde na Região Metropolitana de São Paulo.Levando em consideração exigências relacionadas à ne-cessidade de atendimento, à facilidade de ser atendido e àsatisfação dos usuários, definidas operacionalmente pormeio de variáveis levantadas pelo questionário específi-co da PCV sobre utilização de serviços de saúde, o referi-do modelo permitiu aferir, tal como prevê a ConstituiçãoFederal, se o sistema de saúde da Região Metropolitanade São Paulo garante acesso universal e igualitário, inde-pendentemente dos atributos pessoais e da condição so-cial dos usuários. Inicialmente, aceitou-se a hipótese re-ferente à universalização do acesso aos serviços de saúdena Região Metropolitana de São Paulo, pois as medidasde associação estatística obtidas de acordo com a análiseda distribuição de freqüência relativa da condição e doresultado da procura de atendimento, segundo sexo, ida-de, cor, nível de escolaridade e classe de renda familiarper capita, revelaram não haver associação significativaentre as variáveis consideradas, levando à conclusão que

tanto a condição como o resultado da procura independemdos atributos pessoais e da condição social dos entrevis-tados. Em seguida, confirmou-se a importância da possede convênio ou plano de saúde como fator de diferencia-ção do acesso aos serviços de saúde na Região Metropo-litana de São Paulo, uma vez que as medidas de associa-ção estatística obtidas na análise da distribuição defreqüência relativa das principais variáveis de utilizaçãode serviços de saúde da PCV revelaram haver associaçãosignificativa com os níveis de escolaridade e as classes derenda familiar per capita considerados, concluindo quetanto a condição de posse de convênio médico quanto otipo de serviço utilizado são dependentes da condiçãosocial dos entrevistados. Por fim, rejeitou-se a hipótesereferente à igualização do acesso aos serviços de saúdena Região Metropolitana de São Paulo, porque as medi-das de associação estatística calculadas pelo modelo re-velaram que o tipo de serviço de saúde utilizado no perío-do de referência da PCV exerce influência decisiva sobreas variáveis que traduzem para o plano operacional a no-ção de facilidade de atendimento (Costa, 1999).

O banco de dados da PCV foi também utilizado comofonte primária em dissertação de mestrado na área demedicina preventiva. Apresentada à Faculdade de Medi-cina da USP, essa dissertação investigou a prevalência eos fatores associados a acidentes de trabalho referidos pelapopulação em idade ativa, com experiência de trabalho,residente na Região Metropolitana de São Paulo. Foi de-senvolvido um modelo de determinação para explicitar arelação entre ocorrência de acidentes de trabalho nos úl-timos 12 meses e nos últimos 30 dias e variáveis relativasà estrutura do processo de trabalho (atividade econômi-ca, tamanho da empresa e tipo de empresa), à inserçãoindividual no processo de trabalho (posição na ocupação,registro em carteira, tipo de ocupação, nível de instrução,sexo e idade) e ao ambiente de trabalho (uso de equipa-mentos de proteção coletiva e uso de equipamentos de pro-teção individual, cargas de trabalho e desgaste referidoao final da jornada de trabalho) (Ribeiro, 2000). Concluiu-se que o uso da PCV como inquérito domiciliar para de-terminar a prevalência e os fatores associados a acidentesde trabalho atendeu a duas demandas: produzir informa-ções relevantes sobre a realidade do acidente de trabalhoem áreas metropolitanas, que podem ser utilizadas poraqueles que formulam políticas de saúde; e desvelar inte-ressantes associações do acidente do trabalho que mere-cem outras investigações, a fim de monitorar a relação entresaúde e trabalho.

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Outra tese de doutorado na área de ciência políticatambém utilizou, como fonte primária, o banco de dadosda PCV. Apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas da USP, esse estudo teve como núcleode análise a centralidade da vida pública no pensamentopolítico-social como chave heurística para equacionar aconfiguração do espaço público no país. Partindo dapremissa que a ambigüidade semântica é característicada noção “público”, a primeira parte do trabalho objetivoumontar um cenário em que pudessem ser elaborados tantoa relação entre o espaço e a vida públicos quanto oconjunto de determinações do próprio espaço público aescapar dessa relação. Ainda na primeira parte, há umaseção de transição entre as balizas teóricas mais gerais eos condicionantes históricos que permitem compreendera recorrência da vida pública no pensamento político-social. Uma vez preparado o caminho, a segunda partetranscorre por inteiro no nível do exame das idéias, dandotratamento pormenorizado ao surgimento e à lógica internada caracterização mais difundida do espaço público noBrasil ao longo do século XX. Nos últimos anos, a vidapública reapareceu com renovado vigor nos estudossociológicos, agora tematizada de outra perspectiva: aemergência de uma nova sociedade civil. A terceira partedesenvolve balanço amplo dessa perspectiva e entabulaum diálogo com ela, tomando por base os resultados daPCV sobre participação da população residente na RegiãoMetropolitana de São Paulo em associações civis.Concluiu-se que, embora exista consenso na produçãoacadêmica dos anos 80 e 90 quanto ao vertiginosocrescimento do associativismo civil e quanto à di-versificação dos tipos de interesses organizados, os dadosdisponíveis acusam o peso modesto dos atores re-presentativos da nova sociedade civil em face da expansãode outras formas associativas de índole tradicional:sindicatos, lazer e, sobretudo, cultos e igrejas (Lavalle,2001).

Outros estudos acadêmicos, em nível de pós-gradua-ção, que também utilizam a PCV como fonte de dados,encontram-se atualmente em fase de conclusão, o que levaa reafirmar a convicção de que a crescente disseminaçãodas novas tecnologias de informação, as quais permitemo acesso on-line aos microdados de levantamentos domi-ciliares, tornará o banco de dados da PCV ainda mais aces-sível aos analistas, atraindo o interesse de novos usuários,tanto na universidade como fora dela. Reiterando essa per-cepção, resta lembrar que a Fundação Seade tem atendi-do sistematicamente inúmeras solicitações externas em

busca de indicadores gerados pela PCV, de modo que estafonte de dados tem sido amplamente utilizada por pesqui-sadores, consultores e profissionais de mídia.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

Embora sua trajetória esteja intimamente ligada à men-suração da pobreza como fenômeno multidimensional, aPCV busca complementar as pesquisas domiciliares reali-zadas pelo IBGE no país. Em relação à PNAD – únicapesquisa domiciliar de âmbito nacional que é realizadaanualmente –, a PCV diferencia-se basicamente pelaabrangência geográfica da amostra. Enquanto a PNADdivulga resultados agregados para o Estado de São Pauloe a Região Metropolitana de São Paulo, a PCV permite,além deles, resultados desagregados para seis aglomera-dos urbanos do interior paulista, formados pela reunião dosmunicípios com população urbana igual ou superior a 50mil habitantes. Em relação ao Censo Demográfico, que é aúnica pesquisa domiciliar que possibilita a desagregaçãode resultados para todos os municípios brasileiros, a PCVdiferencia-se fundamentalmente por dois aspectos: menorperiodicidade de coleta de dados e maior amplitudetemática. Enquanto o Censo Demográfico é realizado dedez em dez anos, a PCV vai a campo de quatro em quatroanos, investigando, em cada levantamento, além de carac-terísticas sociodemográficas usualmente pesquisadas peloCenso Demográfico, informações indispensáveis para ca-racterização das condições de vida da população e formu-lação de políticas e programas sociais.

Para avançar na linha de complementaridade com oslevantamentos realizados pelo IBGE, sem perder acomparabilidade com as tomadas anteriores, a FundaçãoSeade busca atualmente fontes alternativas de financia-mento para ampliar substancialmente a amostra da PCV.Caso seja bem-sucedida nesta empreitada, o próximo le-vantamento de campo da pesquisa, a ser iniciado aindaem 2003, deverá disseminar informações para o Estadode São Paulo, as Regiões Metropolitanas de São Paulo(destacando-se a Região do ABC), de Santos e de Campi-nas, as Regiões Administrativas de Ribeirão Preto, SãoJosé do Rio Preto, Araçatuba/Presidente Prudente, Bauru/Marília, São José dos Campos e Sorocaba e para os muni-cípios-sede de Araçatuba, Bauru, Presidente Prudente, SãoJosé dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba, Campinas,Jundiaí, São José do Rio Preto e Santos.

Além disso, o aperfeiçoamento da metodologia de aná-lise multivariada, que organizou a população em grupos

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diversificados segundo tipos de carências, permitirá veri-ficar com mais elementos e clareza como elas vêm-se trans-formando ou se superpondo em cada um desses grupos.Nesse sentido, será especialmente inovadora a possibili-dade de explorar as informações relativas às aglomera-ções urbanas não-metropolitanas dos quase desconheci-dos interior e litoral paulistas, com destaque para osprocessos capazes de explicar a concomitância entre ri-queza e pobreza.

Na organização dos temas abordados pela PCV, per-manecem aqueles tradicionais, como habitação, patrimôniofamiliar, freqüência à escola, inserção no mercado de tra-balho, rendimentos e utilização de serviços de saúde, de-vendo ser os respectivos questionários atualizados paraampliar a ótica de novos aspectos percebidos como rele-vantes com base nos resultados anteriores e na agenda deprogramas públicos. Já as novidades são de duas nature-zas: o aperfeiçoamento decorrente do intenso diálogo quea Fundação Seade vem mantendo com a CDHU, que re-sulta em uma busca por detalhar a demanda habitacionalno interior do Estado de São Paulo, além de avançar nacaracterização de aspectos empíricos que permitam repen-sar o espaço urbano das metrópoles; e os temas que ga-nham destaque na agenda social contemporânea, como odetalhamento da organização do cotidiano da mulher quetrabalha, o associativismo em suas diferentes dimensões– política, sindical, religiosa, de lazer e outras –, a parti-cipação voluntária em entidades do terceiro setor, o aces-so aos novos meios de comunicação da informação e apercepção subjetiva da pobreza.

Finalmente, em virtude do enorme avanço na área detecnologia de captação, organização das informações eacesso público às bases de dados, pode-se prever, de umlado, uma importante reorganização dos processos de pla-nejamento, execução e controle dos trabalhos de campoda PCV, mediante inovações gerenciais e tecnológicas quepossibilitem, além da descentralização das atividades derecrutamento, seleção, treinamento, contratação e paga-mento de pesquisadores, a informatização dos procedimen-tos de controle de entrevistas, entrada de dados e verifi-cação e crítica das informações obtidas por meio daaplicação do questionário. De outro lado, pretende-se ga-rantir o acesso on-line aos microdados das pesquisas, de

modo que se agilize o atendimento das demandas dos usuá-rios, em especial dos pesquisadores que se encontram forada cidade de São Paulo.

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PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001

PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS EINOVAÇÃO TECNOLÓGICA

PAEP 1996-2001

Resumo: Mapeamento da gênese e do ciclo evolutivo do debate metodológico e conceitual contemporâneoliderado pelas principais agências multilaterais e instituições internacionais produtoras de informações sobreinovação tecnológica à luz da experiência e do esforço de convergência metodológica da Fundação Seade naprodução de pesquisas e novas métricas estatísticas que mensurem a criação e difusão do conhecimento naeconomia.Palavras-chave: surveys de inovação; tecnologia; indicadores intersetoriais de produção do conhecimento.

Abstract: This article traces the genesis and evolutionary cycle of the contemporary methodological andconceptual debate being led by the principle multilateral international agencies and institutions that produceinformation on technological innovation, with concomitant consideration given to the methodologicalconvergence practiced by Fundação Seade in the production of research and new statistical tools that measurethe creation and dissemination of knowledge in the economy.Key words: innovation surveys; technology; intersectorial indicators of the production of knowledge.

ROBERTO BERNARDES

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 151-167, 2003

Opropósito deste artigo é sistematizar o históri-co institucional e a discussão contemporâneasobre produção, bem como a construção de

cipais aprendizados e desafios futuros para a produçãode estatísticas de inovação e difusão tecnológica noBrasil.

GÊNESE E EVOLUÇÃO DOS SURVEYS DEINOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO PÓS-GUERRA

Desde o pós-guerra, com o reconhecimento do progres-so tecnológico como força motriz do crescimento econô-mico, as agências governamentais, organizações multila-terais e instituições produtoras de informações têmmobilizado grandes esforços no sentido de construirmetodologias capazes em mensurar a nova dinâmica e anatureza da mudança tecnológica nas economias hege-mônicas. Além da valorização das informações sobreCT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação para planejamentopúblico e refinamento dos instrumentos de gestão para odesenvolvimento, tem se tornado candente o debate sobrea criação de novos indicadores que mensurem a produçãodo conhecimento, a participação das indústrias e dos ser-viços high-tech na economia e a alta correlação territorialdos processos de inovação e capacitação tecnológica dasnações. As evidências sinalizam que as economias con-

séries intertemporais de estatísticas de inovação e di-fusão tecnológica no âmbito da OECD, da perspectivade países em desenvolvimento, tendo como parâmetroa experiência da implementação da Paep – Pesquisa daAtividade Econômica Paulista, concebida pela Funda-ção Seade no Estado de São Paulo. O artigo estáestruturado essencialmente em três partes. Na primei-ra, é operado um histórico da evolução das instituiçõesprodutoras de estatísticas, descrevendo o aperfeiçoa-mento dos conceitos e das metodologias de indicado-res tecnológicos. A segunda parte é dedicada a relatara experiência da Fundação Seade na implementação daPaep (aplicada no Estado de São Paulo) e da Paer –Pesquisa da Atividade Econômica Regional, realizadaem todas as Unidades Federativas do Brasil. As duaspesquisas de natureza econômica captaram informaçõessobre inovação e novas tecnologias na economia. Nes-te tópico, é registrada a metodologia aplicada, assimcomo os procedimentos de composição amostral e al-guns resultados obtidos. Por fim, são retratados os prin-

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temporâneas são cada vez mais baseadas no conhecimen-to e no aprendizado proporcionado pela interação social.Com efeito, o regime de acumulação econômico tornou-se mais interdependente das competências criadas pelodesenvolvimento científico e tecnológico e por seus sis-temas nacionais de inovação.1

As pesquisas estatísticas sobre CT&I nas economiascêntricas e em desenvolvimento inserem-se nesse contex-to de crescente valorização conferida pelos respectivosgovernos e policy makers, que em estimulam, por meiode ações públicas, novos instrumentos e arranjos ins-titucionais direcionados para a promoção do progresso daCT&I, e pelo conhecimento das performances de suaseconomias. Na década de 50, surgiram as primeiras inicia-tivas para a mensuração dos inputs (insumos), basicamenteinvestigando as variáveis relacionadas às atividades deP&D – Pesquisa e Desenvolvimento, entendidas como umaproxy dos esforços de inovação tecnológica. Esta agendade pesquisa era orientada pela noção de um “movimentolinear no processo de inovação”, compreendido como pro-duto de um modelo lógico seqüencial expresso nas fases:invenção-inovação-difusão. A referência teórica do pro-cesso de inovação sustentava-se no modelo linear, cujacadeia seqüencial de atividades seria a pesquisa básica,pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, produ-ção, mercado e marketing. De acordo com as preposiçõesde Kline e Rosemberg (1986), a inovação ocorreria a par-tir de uma seqüência linear de causas e efeitos, na qual odesenvolvimento da pesquisa básica desencadeia outrasetapas para geração da inovação. Nesse modelo, essas eta-pas são distintas e isoladas, pressupondo uma divisãoinstitucional e uma separação entre os atores institucionais.Esse modelo, que vigorou como compreensão do proces-so de inovação nas décadas de 50 e 60, influenciou insti-tuições na definição de políticas públicas e corporativasde P&D.

Em 1963, a OECD – Organização para Cooperação doDesenvolvimento Econômico, editou o Manual Frascati2

escrito por experts da comunidade européia e da divisãode análise econômica e estatísticas desta organização,dando origem a uma família de manuais metodológicospara mensurar as atividades de inovação tecnológica, como objetivo de sistematizar e harmonizar a construção deséries estatísticas intertemporais e internacionalmentecomparativas. Os surveys de inovação acompanharam ociclo evolutivo das transformações econômicas, tecno-lógicas e sociais, alterando-se ao longo do tempo seusconceitos, metodologias e instrumentos de captação des-

tes fenômenos, mas seguindo as recomendações de pre-servação da comparabilidade internacional destas infor-mações. Nesse aspecto, os manuais metodológicos foramas principais referências para a harmonização destas pes-quisas (Quadro 1). Os surveys pioneiros realizados nadécada de 60 para elaboração de indicadores de C&T(ciência e tecnologia) tinham como referência o ManualFrascati e objetivavam, a partir de pesquisas estatísticas,a construção de indicadores de intensidade de P&D (nú-mero de pessoas alocadas e gastos), privilegiando aindainformações sobre o desenvolvimento experimental, en-tre outros. Adquire “status paradigmático”, neste perío-do, a experiência da National Science Foundation,3 loca-lizada nos EUA, que se consolidou como a instituição depesquisa pioneira na produção de indicadores sobre gas-tos e pessoal alocado em atividades de P&D.

Nas décadas de 70 e 80, foram introduzidos os indicado-res de balanço de pagamentos tecnológico4 – os indicadoresde output (resultados) –, como os de produções científica(bibliometria) e tecnológica (patente). Os indicadoresbibliométricos são as informações sobre os artigos publica-dos nas revistas indexadas pelo Institute for ScientificInformation – ISI, com sede nos Estados Unidos.5 As paten-tes formam até hoje o principal indicador de produçãotecnológica nos países centrais e o número delas é uma me-dida que auxilia a avaliação da capacidade de inovação. Entreas atividades patentárias,6 a modalidade mais relevante paraindicar o surgimento de novas tecnologias é aquela concedi-da para o privilégio de invenção (propriedade intelectual).7

Com o objetivo de mensurar a participação das atividadesbaseadas em conhecimento na geração de riqueza nos paísesindustrializados desenvolveu-se neste período a primeiraproposta da OECD8 para a classificação de produtos indus-triais segundo uma taxonomia setorial privilegiando a inten-sidade tecnológica.

No final da década de 80 e mais particularmente na de90, a partir da ação conjuntas das agências produtoras deestatísticas internacionais inicia-se uma nova etapa das pes-quisas estatísticas de inovação com a revisão da metodolo-gia, incorporando e ampliando os conceitos, não restringin-do-os exclusivamente às atividades de P&D. A percepçãode que o processo de inovação e aprendizado tecnológico éresultado de uma pletora complexa de interações (learningby interaction) entre os diversos atores institucionais, em-presas, fornecedores, usuários e agências de fomentos queintegram o sistema de CT&I e, por isso, implicando em tra-jetórias tecnológicas sistêmicas e não-lineares, exigiu o aper-feiçoamento da metodologia e em novos indicadores que

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dimensionassem estes novos fenômenos relacionados às eco-nomias de aprendizado (Lundvall, 1992). Esta nova agendade pesquisas passou a interpretar a inovação não mais comoum resultado absoluto e restrito às rotinas de P&D, mas comoum fenômeno oriundo dos processos de aprendizagem e, porisso, dependente de outras esferas produtivas e institucionais.Assim, tornaram-se imperativas a elaboração e a captaçãode indicadores de difusão de novos equipamentos, de recur-sos humanos,9 do uso de novas tecnologias de informação ecomunicação, da adoção e adaptação de novos processos edas formas de interação entre as empresas, usuários e insti-tuições de CT&I.

A noção de que os processos de capacitação e difusãotecnológica na economia constituem fundamentos para odesenvolvimento econômico e social implicou a criação dedois novos indicadores: o TAI – Technology AchievementIndex e, mais recentemente, o ArCo – Capacitação Tecno-lógica para o Desenvolvimento. Ambos visam construir in-dicadores de inovação e capacitação tecnológica para paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento a partir de algumas di-mensões: criação, difusão e adoção de novas tecnologias;difusão das tecnologias existentes, que constituem base paraa introdução de novas; idade das redes de TIs; construção dahabilidade dos recursos humanos para a geração e uso detecnologia; e infra-estrutura tecnológica.10

Com o consenso entre os especialistas que o setor deserviços representa cada vez mais um elo crítico no pro-cesso de integração econômica setorial, principalmentepela função de geração de emprego e renda, assim comopelo crescente peso destas atividades tecnológicas na suainterface com a indústria para o fomento do progresso e acriação da riqueza social nas economias industriais avan-çadas, iniciaram-se esforços por parte das agências pro-dutoras de estatísticas na implementação de surveys deinovação neste segmento (Quadro 2).

SURVEYS DE INOVAÇÃO:TIPOS DE ABORDAGEM

A aplicação dos surveys ou da construção dos indica-dores de inovação pode ser elaborada a partir de duasabordagens de mensuração: o objeto econômico, no casodo resultado ou produto da inovação; e o sujeito econô-mico, no caso da inovação na empresa.

A Abordagem Baseada no Objeto

A construção de indicadores a partir da abordagembaseada no objeto tem como base a mensuração por meioda contagem e a análise dos resultados da inovação. A

QUADRO 1

Documentos Metodológicos de Mensuração para Construção de Indicadores de CT&I

Ano Documento

1963 Manual Frascati

1978 Unesco. Recommendation concerning the International Standardization of Statistics on Science and Technology, Paris, 27 November

1984 Unesco. Manual for statistics on scientific and technological activities (Unesco Division of Statistics on Science and Technology, Office of Statistics ST-84/WS/12)

1992 TEP – The Technology-Economy-Productivity Program – The Key Relationships

1994 Using Patent Data as Science and Technology Indicators – Patent Manual

1994 Manual de Oslo (5ª edição)

1994 Manual de Canberra

1995 The Measurement of Scientific and Technological Activities Manual on the Measurement of Human Resources Devoted to S&T “Canberra Manual”

1997 Manual de Oslo (2ª Versão). Proposed Guidelines for Collecting and Interpreting Technological Innovation

1997 Revision of the high-technology sector and product classification

1997 Committee for information, computer and comunication policy: measuring eletronic commerce, Paris, OECD/GD(97)185.

1998 Mesuring intangible investiment. Intangible investiment in the statistical frameworks for the collection and comparison of science and technology statistics.2000 Stuz, J. “Las encuestas de innovación latinoamericana: un análisis comparativo de las formas de indagación”. Trabajo preparado para el Proyecto

Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina, OEA, Junio.

2000 Manual de Bogotá – Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina y el Caribe – OEA Organización de Estados Americanos –

Ricyt, Colciencias, Cyted, OcyT.

2000 Brisolla, S. y Quadros, R. Innovaciones en los indicadores de innovación. Un estudio de las metodologías adoptadas en los países en vías de desarollo. Trabajopreparado para el Proyecto Normalización de Indicadores de Innovación Tecnológica en América Latina. OEA, Junio.

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maior parte dos surveys realizados foi ocasional e, por isso,apresentando algumas desvantagens para exercícios decomparações internacionais. Neste grupo incluem-se asestatísticas de P&D, as informações sobre patentes, indi-cadores bibliométricos, informações sobre os fluxos co-merciais de produtos de alta tecnologia, balanço de paga-mento tecnológico e indicadores de recursos humanos dealta qualificação. A principal crítica a este tipo de abor-dagem reside no argumento de que a captação destas in-formações limita-se apenas às inovações bem sucedidas,não comparando as empresas inovadoras e as não-inova-doras (Archibugi; Sirilli, 2000:09).

A Abordagem Baseada no Sujeito

O foco da abordagem baseada no sujeito é basicamen-te a empresa (o sujeito). Os instrumentos de coleta sãoestruturados com a finalidade de investigar questões quan-titativas e qualitativas sobre as atividades de inovação,

abrangendo as empresas inovadoras e as não-inovadoras.Desde 1970, estes surveys apresentavam uma periodici-dade ocasional e irregular e as iniciativas eram financia-das por instituições acadêmicas de pesquisa. Somente nadécada de 80, a partir das iniciativas da OECD, é que fo-ram estabelecidos três vetores de organização para a con-secução permanente deste surveys: periodicidade regular;padronização da metodologia estatística; e padronizaçãodos questionários.

Nos anos 90, a implementação de pesquisas de inovaçãocom este tipo de abordagem tem prevalecido em larga esca-la na Europa e nos países não-europeus, após a publicaçãodo Manual de Oslo e a aplicação dos três CommunityInnovation Surveys (CIS). Alguns dos fatores que favorece-ram a consecução dos CISs e deste tipo de abordagem são àalta potencialidade de comparação internacional das estatís-ticas, a organização de séries temporais e uma investigaçãomais ampla e representativa dos processos de surgimento dainovação e do aprendizado tecnológico.

QUADRO 2

Evolução dos Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Pós-Guerra

Indicadores Décadas de 50 e 60 Década de 70 Década de 80 Década de 90

Principais indicadores P&D P&D P&Dutilizados P&D

Patentes Patentes PatentesBalanços de Balanços de pagamentos tecnológicos Balanços de pagamentos tecnológicospagamentostecnológicos Classificação de produtos por intensidade Classificação de produtos por intensidade

e conteúdo tecnológico conteúdo tecnológicoBibliométricos BibliométricosRecursos humanos Recursos humanos (ocupações científicas)Surveys de inovação na indústria Surveys de inovação nos serviços

Inovações citadas na literatura científicasSurveys de tecnologias de produçãoSuporte público para tecnologias industriaisInvestimentos intangíveisIndicadores de tecnologias de informação ecomunicação (TCIs)Matriz de insumo-produtoCapital de risco (venture capital)Fusões e aquisições, joint venture, aliançasestratégicasProdutividade

Conceito e padrãode inovação LINEAR INTEGRADO EM CADEIA SISTÊMICO

Função dos experts e Fornecedores de dados, metodologias,instituições produtoras análises; integração de vários tipos dede estatísticas na área Fornecedores de metodologias e dados indicadores, análise conjunta e complementarde indicadores de CT&I com indicadores socioeconômicos

Fonte: Archibugi; Sirilli (2000).

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PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001

MANUAL DE OSLO: CONCEITOS E MEDIDAS

As iniciativas para mensurar a natureza da mudançatecnológica conduziram ao longo dos anos 80, ao desen-volvimento de pesquisas baseadas no tipo de abordagemque privilegia os sujeitos (as empresas), buscando identi-ficar qualitativa e quantitativamente suas atividadestecnológicas. Em particular, os surveys de inovação, comosão denominadas estas pesquisas, cuja metodologia decoleta e análise está sistematizada no Manual de Oslo,11

investigam os setores industrial e de serviços.É neste contexto que foi desenvolvido pela OECD, em

conjunto com a Eurostat (Comunidade Européia) e DG-XIII do European Innovations Monitoring System, o Ma-nual de Oslo em 1992 (revisado posteriormente em 1996),com o objetivo de harmonizar a coleta e as análises desurveys de inovação na Europa, com base no principalsujeito do processo inovativo: as empresas. Com o apoioda Eurostat (Statistical Office of the EuropeanCommunities), foram revisados os conceitos de inovaçãotecnológica e sua metodologia de mensuração. As revi-sões do Manual de Oslo foram operadas, sobretudo, apósa avaliação das experiências de implementação dos surveysna Europa, em 1993 (CIS-I), 1998 (CIS-II) e 2001 (CIS-III) (Costa, 2003:77). Na revisão de 1996, não foram fei-tas mudanças significativas, mas forte ênfase foi conferidaà orientação dos procedimentos de coleta das informaçõesrelevantes para a promoção de políticas e para as caracte-rísticas do estudo da inovação. Definiu-se mais precisa-mente a distinção entre as inovações tecnológicas e aque-las puramente estéticas e organizacionais, identificandocom maior rigor a origem, o principal agente da inovaçãoe o nível de originalidade da inovação para o mercado. Amaior novidade consistiu na inclusão do setor de serviçosnos surveys de inovação.

A primeira pesquisa de inovação baseada no Manualde Oslo foi o Community Innovation Survey – CIS-I, rea-lizado em 1993 (para o período-base 1992-93). Neste pri-meiro levantamento, foram incluídas aproximadamente40.000 empresas de 13 países europeus: Bélgica, Alema-nha, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Irlanda, Luxem-burgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e Norue-ga (Archibugi; Sirilli, 2000).

Apesar dos esforços realizados no CIS-I, permanece-ram as dificuldades de harmonização entre os países. OManual de Oslo foi então revisado em 1996 e adotadocomo base metodológica para um segundo CommunityInnovation Survey – o CIS-II. O CIS-II foi conduzido em

1998, para o período 1994-96, sendo respondido por apro-ximadamente 55.000 empresas dos setores manufatureirose de serviços de 15 países europeus: Áustria, Bélgica,Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, França, Itália,Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Rei-no Unido e Noruega. Além de alterações na elaboraçãodo questionário, este segundo survey de inovação na Eu-ropa incluiu o setor de serviços. A metodologia propugnadapelo programa CIS se entendeu por outros países da Eu-ropa Central e do Leste, da América Latina (entre outros,o Brasil), Canadá, Austrália, Coréia do Norte, México,Suíça e Turquia. Em 2002, foi iniciado o terceiroCommunity Innovation Survey – CIS-III, coletando da-dos para o período 1998-2000 (Costa, 2003:78).

Segundo o Manual de Oslo, o conceito de inovaçãotecnológica corresponde à introdução no mercado de umproduto (bem ou serviço) novo ou significativamentemelhorado, ou à introdução, por parte da empresa, de pro-cessos novos ou significativamente melhorados. A inova-ção pode ser baseada em novos desenvolvimentostecnológicos, em novas combinações de tecnologias exis-tentes, ou na utilização de outro tipo de conhecimentoadquirido pela empresa. A metodologia faz uma distin-ção entre inovação de produto e de processo. A inovaçãode produto corresponde à introdução no mercado de umproduto (bem ou serviço) novo ou significativamentemelhorado relativamente às suas características fundamen-tais, às suas especificações técnicas, ao software ou ou-tros componentes imateriais incorporados, às utilizaçõespara que foi concebido, ou à facilidade de utilização. Ainovação tem que ser nova para a empresa; não tem queser necessariamente nova no mercado servido pela em-presa. A inovação pode ter sido desenvolvida tanto pelaempresa como fora dela.

A inovação de processo corresponde à adoção de mé-todos de produção novos ou significativamente melhora-dos, assim como de meios novos ou significativamentemelhorados de fornecimento de serviços e de distribuiçãode produtos. O resultado da inovação de processo terá queter um impacto significativo na produção, na qualidadedos produtos (bens ou serviços) ou nos custos de produ-ção e de distribuição. A inovação tem que ser nova para aempresa; não tem que ser necessariamente nova no mer-cado servido pela empresa. O Manual sugere um conjun-to de exemplos de inovação tecnológica, a saber:- inovação de produto: módulos para a área da ciênciada vida produzidos através de engenharia biológica; pro-grama de estabilização eletrônica para veículos a motor

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(ESP); linhas de alta tensão isoladas com gás; digitalizaçãode processos de impressão; novos tipos de sistemas de lâ-minas para produção de aparas de madeira (wood chips);novo modelo de unidade de remoção e recuperação deágua; medição de partículas por sensores em exaustão degases; novo tipo de papel para impressoras específicas;novos tipos de motores em navios, e linhas de alta tensãoisoladas com gás;- inovação de processo: novos sistemas de CAD; novossistemas de distribuição da informação; interligação desistemas de processamento de dados, software para com-putadores em rede; introdução de métodos de assistência/auxílio e/ou baseados em computador para desenvolvimen-to de produto; introdução de programas de simulação combase em elementos finitos para otimização de componen-tes; recurso ao comércio eletrônico interligado com a pro-dução (ex. bancos eletrônicos com ofertas personalizadas,compras via Internet); disponibilização de canais diretosde comunicação entre o cliente e o produtor; controle dotempo e fase de execução da produção pela Internet, en-tre outros;- exemplos de não inovações tecnológicas: melhorias emprodutos com o propósito de torná-los mais atrativos aosconsumidores sem mudança em suas característicastecnológicas, como as inovações estéticas ou de estilo(como mudança de cor, alterações superficiais, um novocorte de tecido, etc.), muito comuns nas indústrias têxteisou de vestuário e calçados, entre outras – nestes segmen-tos, deve ser considerada inovação tecnológica a aplica-ção ou desenvolvimento de um novo tecido (fibra), queimplique pesquisa e desenvolvimento de um novo mate-rial –; pequenas mudanças tecnológicas (melhorias nãosubstanciais) de produtos e processos, modificações quenão apresentam grande novidade, mudanças puramenteorganizacionais; modificações de produtos e processoscuja novidade não diz respeito às características objeti-vas de uso ou desempenho dos produtos, ou da maneirapela qual eles são produzidos ou distribuídos, mas antesàs suas qualidades estéticas ou subjetivas. A imple-mentação das normas ISO 9000 só deve ser consideradauma inovação tecnológica se a sua introdução implicou odesenvolvimento de uma nova tecnologia ou gerou umavanço tecnológico significativo em produto ou proces-so12 (Quadro 4).

De acordo com o conceito propugnado pelo Manualde Oslo, o indicador de desempenho inovador das empre-sas ou de um determinado setor é sua taxa de inovação,

medida como a participação percentual das empresas ino-vadoras, seja em número de empresas seja em valor, na-quele setor. Portanto, a taxa de inovação, em períodosselecionados, mensura a participação das empresas queintroduziram produtos e/ou processos tecnológicos novosou substancialmente modificados, no total das empresas.

PRODUÇÃO DE INDICADORESESTATÍSTICOS DE INOVAÇÃO EM PAÍSESEM DESENVOLVIMENTO

Na América Latina e na Central, em particular no Bra-sil, a elaboração de metodologias e a construção de sérieshistóricas de indicadores a partir da aplicação de surveysde inovação eram ações institucionais pouco exploradasnas pesquisas estatísticas até a década de 90. Como ob-servou Quadros et al. (2003:3), “desde os trabalhos pio-neiros de Erber, Dahlman e Katz (1987), até estudos bemrecentes, como os de Figueiredo (2001), os estudos de casoe setoriais têm sido decisivos para apontar a naturezaincremental, cumulativa e variada em escopo, da capaci-tação tecnológica das empresas industriais. No entanto,esses estudos se referem a um número limitado de setorese não permitem generalizações”.

A partir da segunda metade dos anos 90, registram-sealgumas iniciativas importantes na América Latina, nocampo dos surveys de inovação no setor industrial, tra-tando-se em sua maioria de pesquisas focadas nas abor-dagens baseadas no sujeito, mas nem sempre adotando oManual de Oslo como referencial metodológico básico.Entretanto, a ampla cobertura amostral proporcionada porestas pesquisas permitiu a elaboração de exercícios decomparação dos resultados. São exemplos as pesquisas doMéxico (1997), Colômbia (1996), Venezuela (1997), Ar-gentina (1997) e Chile (1995). Deste conjunto de pesqui-sas implementadas, nos casos de México, Colômbia eChile, foram seguidas as recomendações do Manual deOslo, enquanto as da Venezuela, Uruguai e Argentina in-vestigaram aspectos sobre a capacidade tecnológica e ino-vadora das empresas e a do Uruguai partiu de um escopomais abrangente, investigando, além destas variáveis, ele-mentos sobre os recursos humanos na indústria manu-fatureira (Stuz, 1999).

A adoção do Manual de Oslo em surveys de inovaçãoem países em desenvolvimento tem suscitado um conjun-to de indagações quanto à aderência de metodologias de-senvolvidas em economias avançadas e aplicadas em paí-ses em desenvolvimento que apresentam um padrão

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PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001

QUADRO 3

Formas de Abordagens dos Surveys de Inovação

Características da Abordagem Abordagem Baseada no Objeto Abordagem Baseada no Sujeito

Unidade de análise Inovação tecnológica EmpresaMétodo de coleta da informação Coleta de informações realizada de diferentes fontes Coleta de informações no âmbito da empresa pela

produtoras públicas e privadas, surveys especializados aplicação de questionários ou entrevistas diretas.e detalhados. São exemplos as informações sobrepatentes, P&D, bibliometria, etc.

Forma de captação da inovação Registro de informações sobre o resultado (output) do Registro de informações sobre os insumos (input) doprocesso de inovação processo de inovação.

Periodicidade Surveys ocasionais Surveys periódicos e intertemporais para a construçãode séries estatísticas através do programa CIS(Community Innovation Survey)

Cobertura Amostra de inovações bem-sucedidas Amostra de inovações bem e mal-sucedidas.Empresas inovadoras e não-inovadoras, abrangendoos setores da indústria e dos serviços

Critérios de classificação Área tecnológica Tamanho da empresaProduto Tipos de inovaçãoAtividade econômica principal da empresa Formas de cooperação e interação

Atividade econômica principal da empresaExemplos típicos Small bussiness administration, EUA Surveys de inovação

(Acs & Audretsch, 1991) (CIS – Communitty Innovation Surveys)(Guellec and Pattinson, 2002)

Fonte: Archibugi; Sirilli (2000).

Fonte: Manual de Oslo.(1) Pode ser geograficamente nova para o país ou região.

ITPP Outro tipo de inovação Não-inovação

QUADRO 4

Tipo e Grau da Novidade e Definição da Inovação

Inovação Não-Maximum Intermediária Minimum InovaçãoNova para (1) Nova parao Mundo Empresa

ProdutoInovação Tecnologica-Tecnológica de mente nova Processo de produção

Produto e Processo de distribuiçãoProcesso Produto(ITPP) Melhoria

tecnológica Processo de produçãosignificativa Processo de distribuição

Outra inovação Puramente organizacional

ProdutoNão-Inovação Mudança não

significativa Processo de produçãoMudança semnovidade ououtro

Processo de distribuição

melhoramentocriativo Puramente organizacional

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diferenciado da mudança tecnológica. Na ótica destas in-dagações, a Ricyt – Red Iberoamericana/Interamericanade Indicadores de Ciencia e Tecnología desenvolveu oManual de Bogotá (Jaramillo et al., 2000), resultado deum esforço conjunto de pesquisadores latino-americanospara contornar dificuldades da adoção do Manual de Osloem pesquisas de inovação na América Latina. Como ob-servou Costa (2003:89), apesar dos esforços, muitas dascríticas ao Manual de Oslo não foram superadas peloManual de Bogotá, que acabou por não alcançar uma una-nimidade entre os especialistas enquanto status referencialde um manual metodológico de inovação para a AméricaLatina.13

No Brasil, a literatura econômica acumulou consi-derável estoque de conhecimento empírico, baseado emestudos setoriais e em estudos de caso de empresas,14

mas eram poucas as iniciativas de estudos analíticos paraa compreensão da natureza da inovação, difusãotecnológica e de seus impactos, sob uma perspectivatransversal e intersetorial na economia. A Anpei – As-sociação Nacional de Desenvolvimento das EmpresasIndustriais desenvolveu no Brasil, a partir de 1992, umapesquisa pioneira inspirada na experiência da NationalScience Foundation, uma base de indicadores empre-sariais de P&D. Constituída a partir de um painel decerca de 365 empresas, esta base reúne informaçõessobre P&D e engenharia não rotineira. A pesquisa, desdeo início, contou com o apoio do governo federal atra-vés do Pacti – Programa de Apoio à CapacitaçãoTecnológica da Indústria e de agências, como Finep eSebrae. Saliente-se que o inquérito da Anpei não se en-quadra nos padrões dos surveys de inovação da OECD,sendo uma pesquisa focada na P&D das empresas.15

PAEP/SEADE: CONVERGÊNCIA E INOVAÇÃONA PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS

Diante da complexidade da nova agenda de pesquisasestatísticas, a Fundação Seade dedicou-se, desde 1992, àarquitetura de uma nova metodologia, buscando captar osnovos processos econômicos e inovativos, parcialmenteeclipsados pela ausência de informações, no Estado de SãoPaulo. O objetivo de iluminar e mensurar o real dimen-sionamento dos impactos derivados das transformaçõesmacroeconômicas sobre a estrutura produtiva paulista emparticular, somado à inexistência de dados atualizados,motivou a elaboração da Pesquisa da Atividade Econô-mica Paulista – Paep.

Recorde-se que, desde 1960, a produção de estatísticaseconômicas no Brasil esteve fortemente ancorada narealização dos censos econômicos pelo IBGE, com perio-dicidade qüinqüenal a partir de 1970 até 1985, quandoforam suspensos. Saliente-se que a disposição do IBGEem não mais implementar censos econômicos deveu-senão somente à crise do sistema estatístico nacional (SEN),mas também a uma decisão estratégica como forma demodernização e redução dos custos de monitoramentoda economia, aliada à política de descentralização emcurso naquele órgão desde a missão Canadá (1994/95).16

Naquele momento eram poucas as iniciativas estaduaisou municipais na produção de informações econômicase tecnológicas, mesmo nas localidades que eram providasde instituições públicas de produção de estatísticas. Asincertezas geradas pelo protelamento do Censo Demográ-fico de 1990 para 1991, a não realização do Censo Econô-mico de 1990, o atraso na divulgação das pesquisas anuais(PIA – Pesquisa Industrial Anual, PAC – Pesquisa Anualdo Comércio, etc.) e as dificuldades de acesso aos resulta-dos do Censo Econômico são alguns dos exemplos desteperíodo. Simultaneamente, entrava em ebulição ointeresse no cenário nacional conferido aos movimentosempresariais de reestruturação, difusão tecnológica e naemergência das cidades e dos espaços territoriaisenquanto locus privilegiados para a compreensão dosprocessos de inovação e aprendizado e, por isso,reacendia-se o debate sobre a necessidade de mensuraçãodos novos indicadores de conhecimento na economia enas diferentes regiões do Estado. Os novos indicadoresseriam estratégicos para a análise da economia paulistae para a definição de políticas públicas de desenvol-vimento regional.17

Em sintonia com a nova agenda de pesquisas contempo-râneas, a Fundação Seade acumulou ao longo destes anosuma significativa experiência na concepção e gestão depesquisas de inovação tecnológica, tendo como parâmetrosa experiência internacional de produção de estatísticas.Nesse sentido, a aplicação da Paep consagrou-se como umapesquisa econômica estrutural que incorporava em seuprojeto o primeiro survey de inovação realizado no Brasil,18

adotando o referencial conceitual recomendado peloManual de Oslo e tendo como universo de investigaçãoas empresas industriais do Estado de São Paulo. Além destesurvey, foram incluídos no questionário da Paep trêscapítulos destinados aos estilos de gestão da produção, àautomação industrial e à difusão de novas tecnologias deinformação e comunicações, permitindo avaliar a magni-

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tude e amplitude da base tecnológica e informacional dasempresas industriais.

De forma geral, os indicadores setoriais de inovaçãotecnologia da Paep foram construídos a partir de cincoperspectivas:- esforço de inovação, captado para a indústria e os ser-viços, medido através de um conjunto de informações ten-do como base duas variáveis constantes no questionário,referentes especificamente a essa temática: algum tipo deinovação tecnológica na empresa, seja de produto, sejade processo; e se a empresa, nesse período, desenvolveuatividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D);- difusão de novas tecnologias, medida por meio de umconjunto de variáveis intersetoriais que investigavam a am-plitude da utilização de equipamentos de automação, da uti-lização de técnicas de controle de qualidade e produtividadee da utilização de computadores: uso de técnicas de produti-vidade e qualidade (just-in-time, engenharia simultânea, usode minifábricas, etc.); uso de equipamentos de automaçãocom base microeletrônica; uso de sistemas CAD/CAE/CAM(tecnologias utilizadas na engenharia de projeto); uso deequipamentos de automação de processos; uso de computa-dores; uso de redes de informação corporativa aplicadas àengenharia de projeto e produção; entre outras;- uso da tecnologia, entendido como estilos de gestão,complementar ao processo de difusão da inovaçãotecnológica. As variáveis escolhidas para esta caracteri-zação são: se os computadores das empresas estavam li-gados em rede, configurando um sistema de troca de da-dos interno; uso de sistemas de troca e consulta eletrônicade dados externa (rede de longa distância, e-commerce,19

EDI, Internet, etc.); informações quantitativas e de perfildo uso de computadores, entre outros;- origem e fontes das novas tecnologias: nacionalidadedo capital controlador; origem do agente que desenvol-veu a inovação; nacionalidade do agente que realizou acor-dos de cooperação para o desenvolvimento da inovação;fontes de informação para as atividades de inovaçãotecnológica; entre outras;- impactos da tecnologia: participação na receita dosnovos produtos; informações sobre patentes, indicadoresde produtividade; entre outras.

A Experiência do Survey de Inovação na Paep

A Paep foi uma iniciativa pioneira no cenário de pro-dução estatística nacional, na qual pesquisou-se um uni-

verso representativo de mais de 40.000 empresas indus-triais no Estado de São Paulo, incluindo no questionáriodeste setor um capítulo composto por nove questõesdedicadas às atividades inovadoras e rotinas de P&D des-tas empresas. A metodologia utilizada para o survey deinovação na Paep foi a mesma recomendada pelo Manualde Oslo, tendo como parâmetro o questionário da CIS-I –Community Innovation Survey, assegurando assim acomparabilidade dos indicadores com outros surveys deinovação. As questões mais semelhantes ao CIS-I referiam-se a:- adoção ou não de, pelo menos, uma inovação tecnológicapela empresa, de produto e/ou de processo;- classificação da importância dos motivos da adoção deinovações;- classificação da importância das fontes de informaçãoutilizadas pela empresa para a inovação;- indicação pela empresa do percentual das vendas de-corrente de novos produtos;- dispêndios e número de funcionários empregados em ati-vidades de P&D, com a discriminação do subconjunto deempregados em P&D com curso universitário completo.

A Paep combinou a investigação de variáveis econô-micas comuns em pesquisas estruturais com a abordagemde variáveis quantitativas e qualitativas relacionadas àdifusão tecnológica. A definição das variáveis de difusãotecnológica foi diferenciada de acordo com o setor de ati-vidade econômica.

As informações foram coletadas em 1997, tendo 1996como ano-base para a atividade econômica, e o período1994-1996, para as questões que se referiam a intervalosde tempo para inovação. A Paep investigou uma amostraestratificada de empresas, identificadas e selecionadas combase nas informações contidas no cadastro. Para a consti-tuição da amostra, as empresas da população de referên-cia (empresas do cadastro) foram divididas em dois estra-tos: certo e aleatório. O primeiro abrange as empresasclassificadas como industriais, com 30 ou mais emprega-dos e que, em 1995, possuíssem sua sede, ou ao menosuma unidade produtiva, em operação e 30 ou mais pes-soas ocupadas no Estado de São Paulo. O estrato aleató-rio compreendeu somente empresas de pequeno porte (en-tre 5 e 29 empregados), que possuíam sede no Estado SãoPaulo. Com base nestes critérios, selecionou-se uma amos-tra inicial de 19.334 empresas industriais, sendo 12.476do estrato certo e 6.858 do estrato aleatório. A amostrafinal (efetiva) da Paep totalizou 10.658 empresas indus-

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triais e, expandida, correspondeu ao universo de 41.466empresas.

Fizeram parte da Paep/96 todas as empresas dos segmentosda indústria de transformação, da extrativa, da construçãocivil, de serviços de informática, bancos e comércio. Aconstrução civil foi incluída, após estudos realizados junto aentidades de classe, devido à importância que este segmentotem como absorvedor de mão-de-obra e por estar sendo alvode processos de reestruturação técnico-produtiva. Tendo emvista a integração com o Sistema de Estatísticas Nacional(SEN), buscou-se maximizar a comparabilidade entre a Paepe as pesquisas econômicas produzidas por outras fontes. Paraassegurar maior homogeneidade entre os vários segmentosestudados, adotou-se o sistema da CNAE/95 – ClassificaçãoNacional de Atividades Econômicas, com a disponibilizaçãodas informações do Cadastro do IBGE de 1996. Comple-mentarmente, para o detalhamento da análise de algunssegmentos mais relevantes do ponto de vista econômico edos processos de reestruturação produtiva do Estado de SãoPaulo, estabeleceu-se uma agregação especial, denominadaCaepaep – Classificação de Atividade Econômica específicada Paep, que orientou a amostragem da pesquisa. A base deinformações da Paep, devido à sua ampla cobertura e repre-sentatividade estatística, permitiu que se explorasse ainfluência das características econômicas das empresas sobreseu comportamento inovador. Outro fator que contribuiu paraa grande representatividade das informações foi o índice deresposta da pesquisa, ou seja, a resposta aos questionáriosfoi da ordem de 84%, sendo o índice de recusa de cerca de16%.

As informações da Paep apontaram que, no nível agre-gado, a taxa de inovação da indústria paulista, no período1994-96, foi de 24,8%, ou seja, cerca de um quarto detodas as empresas industriais paulistas introduziu algumainovação de produto ou processo nesse período. A expres-são econômica das empresas inovadoras paulistas é aindamaior: elas foram responsáveis por 68% do valor adicio-nado pela indústria de transformação no Estado de SãoPaulo (Gráfico 1). Com base nas informações captadaspela Paep, em 1996, havia 8.870 pessoas de nível supe-rior alocadas em P&D, na indústria de transformação pau-lista. Os setores que mais se destacavam eram a indústriaautomobilística, com 2.803 pessoas de nível superioralocadas em P&D, seguida pela química (956) e outrosequipamentos de transporte, que incluem a indústria ae-ronáutica (613), entre outras.

As informações sugeriam que o maior volume em P&D20

da indústria paulista (e brasileira) estava concentrado em

segmentos industriais não intensivos em ciência, que apre-sentavam menores oportunidades tecnológicas. As indústriasprodutoras de bens intermediários e algumas metal-mecâni-cas e elétricas convencionais compõem o grupo de indús-trias brasileiras mais competitivas, e estão entre aquelas quedesenvolveram uma considerável capacitação tecnológica.

O Survey de Inovação na Paer

A partir da avaliação da importância da Paep, a Funda-ção Seade foi convidada pelo Ministério da Educação – MEC,no âmbito do Programa de Expansão da Educação Profis-sional – Proep, a apresentar uma proposta para a realizaçãode uma pesquisa similar, para ser aplicada em todos os Esta-dos do Brasil, visando a reformulação do ensino profissio-nalizante do país. Aceita a proposta, a Fundação Seade ini-ciou, em 1998, o levantamento de campo das primeirasinformações da Pesquisa da Atividade Econômica Regional– Paer, que incorpora, em grande medida, um subconjuntode variáveis (sobretudo qualitativas) da Paep, além de umdetalhamento dos requisitos de contratação, requisitos paraas rotinas de trabalho e instrumentos de seleção dos recursoshumanos, bem como investigação sobre o relacionamento dasempresas com as escolas técnicas e suas perspectivas de in-vestimento e contratação de mão-de-obra. A Paer foi aplica-da em todos os Estados do Brasil, levantando cerca de 19.038unidades locais, distribuídas entre a indústria (10.583) e osserviços (8.455). A pedidos do MEC, a Fundação Seade en-viou àquela instituição uma proposta para a realização daPaer/SP, cujo levantamento de campo foi realizado para oano de 2001, ou seja, concomitante ao da Paep. Na Paer,para todos os Estados, a coleta de informações para a pes-quisa se deu entre 1998 e 1999.

Na Paer, foi realizado um novo survey sobre inovaçãotecnológica. As informações sobre as atividades de inova-ção foram coletadas tendo como referência, em geral, o in-tervalo de 1995 a 1999. O universo de investigação destapesquisa foi de 3.150 unidades locais da indústria com maisde 100 pessoas ocupadas, considerando a articulação destesegmento com o ensino técnico destas regiões. A repre-sentatividade destas informações, a exemplo da experiênciada Paep, foi elevada, pois o índice de resposta foi da ordemde 95%. Aproveitou-se o aprendizado metodológico adqui-rido através das atividades operacionais e de análise da Paep,no Estado de São Paulo, cujos principais avanços constituem-se em dois aspectos centrais: atualização e inclusão de no-vas questões no instrumento de coleta, com base na versãodo CIS-II, o questionário da pesquisa de inovação da Eurostat

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(Statistical Office of the European Communities); e aprimo-ramento conceitual e metodológico das definições sobre ino-vação tecnológica, implicando maior rigor nos critérios deidentificação e classificação das empresas inovadoras e, aomesmo tempo, assegurando uma comparabilidade sub-nacional e internacional das informações obtidas. Baseando-se nas novas questões do CIS-II, foram introduzidas as se-guintes questões: solicitação à empresa da descrição daprincipal inovação de produto e/ou processo, que se mos-trou apropriada para o trabalho de verificação da consistên-cia da ocorrência de inovação e, portanto, para aperfeiçoar origor da pesquisa; identificação do principal agente do de-senvolvimento do novo produto ou processo; indicação, pelaempresa, se ela introduziu produtos que fossem tecnolo-gicamente novos não apenas para ela, mas para o seu merca-do. Tendo em vista a experiência da Paep, em que se verifi-cou que o universo amostral das empresas inovadoras é

composto majoritariamente por empresas de grande e médioportes, decidiu-se pela inclusão de um suplemento ao ques-tionário da indústria da Paer, que foi aplicado nas empresascom 100 ou mais pessoas ocupadas e que possuíam sua sedelocalizada nos Estados investigados.

As performances das taxas de inovação das empresasindustriais brasileiras com 100 ou mais empregados reve-laram uma estrutura produtiva e um comportamentotecnológico regional heterogêneo. As pesquisas aplicadasentre 1994 e 1999 demonstram que o Estado de São Pau-lo apresentou uma taxa de inovação de cerca de 56%, pró-xima à performance inovativa das empresas do Estado deSanta Catarina (54,4%) e relativamente superior ao Ama-zonas (45,9%), considerando particularmente a região deManaus, e ao Rio Grande do Sul (46,7%).

Quando comparada a participação relativa das em-presas destes Estados em relação à sua importância nas

GRÁFICO 1

Empresas Inovadoras (1) e sua Participação no Valor Adicionado, segundo Atividades IndustriaisEstado de São Paulo – 1996

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.(1) Correspondem às empresas que desenvolveram ou introduziram alguma inovação de produto ou de processo (incremental ou significativa).(2) Agregam as divisões: 16 - Fab. de Produtos do Fumo; 20 - Fabricação de Produtos de Madeira; e 36 - Fab. de Móveis e Indústrias Diversas.Nota: Refere-se às empresas com sede no Estado de São Paulo.

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empresas inovadoras no país, a discrepância da re-presentatividade regional é latente. O Estado de SãoPaulo respondia por 62,6% das empresas inovadoras noBrasil, enquanto Santa Catarina (7,1%), Amazonas (1%)e Rio Grande do Sul (9,6%) apresentam participaçãosignificativamente menores.

As informações produzidas pela Paer revelaram que em-presas inovadoras com participação de capital multinacionalcom mais de 100 pessoas ocupadas e que desenvolvem ro-tinas de P&D são geograficamente concentradas no Estadode São Paulo. As informações evidenciaram a importantefunção que estas empresas desempenham no desenvolvi-mento tecnológico regional e nacional (Gráfico 2).

O Survey de Inovação na Paep/2001:a inclusão do setor de serviços

Com um importante apoio institucional e financeirode agentes públicos, como Fapesp, MEC, Secretaria de

Ciência e Tecnologia e Secretaria de Economia e Pla-nejamento do Estado de São Paulo, foi realizado umnovo levantamento da Paep. Desta vez, a pesquisa foirealizada num período mais curto, captando informa-ções sobre o ano-base de 2001 (para as informaçõesquantitativas e financeiras) e o período entre 1999 e2001 para as questões de inovação tecnológica, sendoo campo realizado entre agosto de 2002 e fevereiro de2003. Para a execução da Paep/2001, foi utilizado ocadastro de empresas fornecido pelo IBGE – Cempre(jun./2001), do qual foram selecionados 1.006.037 re-gistros de empresas de acordo com o âmbito Paep/2001.Consideraram-se todas as empresas com sede no Esta-do de São Paulo e empresas com sede fora do Estadocom 30 ou mais pessoas ocupadas (PO) no Estado. Paraos setores da indústria, instituição financeira e cons-trução civil, foram consideradas as empresas com pelomenos cinco pessoas ocupadas. Já para os setores decomércio e serviços incluíram-se todas as empresas.

GRÁFICO 2

Taxa de Inovação da Indústria de TransformaçãoEstados Selecionados – 1994-1999

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep; Pesquisa da Atividade Econômica Regional – Paer.(1) Refere-se ao período de 1994 a 1996.(2) Refere-se ao período de 1994 a 1998.(3) Refere-se ao período de 1994 a 1999.Nota: Participação percentual do número de empresas industriais com 100 e mais empregados com sede no Estado,que realizaram inovação de produto e/ou processo sobre o total de empresas industriais com as mesmas características.

Em %

11,3

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Para a definição da amostra, as empresas da populaçãode referência foram divididas em dois estratos: certo ealeatório. O estrato certo abrangeu as empresas com sedefora do Estado de São Paulo e que possuíam 30 ou maispessoas ocupadas no Estado de São Paulo. O número depessoas ocupadas foi contabilizado apenas nas unidadeslocais cujo setor era o mesmo que o da sede; foramconsideradas as sedes no Estado de São Paulo dos setoresda indústria, construção civil, comércio e instituiçãofinanceira com 30 ou mais pessoas ocupadas e dos serviçoscom 100 ou mais pessoas ocupadas. Para bancos, o recortefoi censitário, sendo entrevistados todos os bancos queoperaram no Estado de São Paulo até 31 de dezembro de2001.

Após o encerramento dos trabalhos de campo, a Paep/2001 obteve como resultado final cerca de 27.602 milquestionários. Considerada a amostra inicial de 43.013empresas, a quebra de cadastro foi da ordem de 12,7%. Oíndice de recusa da coleta foi de 16,0%, que pode ser con-siderado baixo no segmento de pesquisas econômicas. Osnúmeros apresentados demonstram a abrangência e a mag-nitude do banco de dados construído. No caso dos ban-cos, os resultados finais da pesquisa revelaram que os in-formantes representam cerca de 85% do ativo total dosistema bancário em 2001, podendo-se concluir que o re-sultado geral do campo foi satisfatório.

Na Paep/2001, além dos demais setores da pesquisa ante-rior, foram incluídas todas as atividades de serviços. O fatode a Fundação Seade ter desenvolvido uma metodologia depesquisa sobre micro e pequenas empresas (Pecompe) sobreo setor de serviços para o Sebrae21 permitiu a apropriação deum grande conhecimento sobre o cadastro das informaçõesdas empresas, bem como definir com maior precisão umaclassificação de atividades econômicas neste segmento. Olevantamento do setor de serviços tornou-se um desafiometodológico devido a uma série de problemas de classifi-cação, ao agregar sob uma mesma divisão de atividades di-versas, que somente poderiam ser pesquisadas com instru-mentos de coleta diferentes. Assim, se nos demais setores háuma comparação direta com a CNAE (em dois ou três dígi-tos), no caso dos serviços a classificação foi compatibilizadacom outros levantamentos realizados pela Paer nos Estadosdo Brasil e com outros levantamentos do gênero (por exem-plo, a Pesquisa Anual de Serviços, do IBGE). A classifica-ção proposta pela Paep/2001 sugere uma divisão básica de47 ramos, que poderão posteriormente ser desagregados: 21industriais; quatro da construção civil; nove comerciais e 13de serviços.

Na Paep/2001, para a formulação das questões deinovação, foi utilizado como referência o conjunto dequestões organizadas no CIS-III, sendo que as questõesrelativas a automação e tecnologias de informação e co-municação foram elaboradas com base em outros surveystemáticos implementados pela OECD e Canadá.22 O blocode questões sobre inovação foi concebido através deintensa colaboração com os técnicos do IBGE, no sentidode harmonizar a metodologia e proporcionar uma comple-mentariedade das informações geradas pela pesquisaindustrial Pintec – Pesquisa de Inovação Tecnológica.23

As questões relativas à composição de custos financeirosda inovação, tais como dispêndios em P&D interno eexterno, treinamentos, aquisição de equipamentos parainovação, etc., não foram captadas pela Paep/2001 paraque não se sobrecarregasse o questionário excessivamente,mas considerou-se a possibilidade de comparação com asinformações captadas pela Pintec, que organizou um blocoespecífico e detalhado sobre estas questões.

De acordo com as recomendações do Manual deOslo , da OECD, e já incorporando as discussõesconcluídas por essa organização no encontro de julhode 2001, este potencial analítico foi acrescido significa-tivamente com a Paep/2001, mediante a aplicação doprimeiro survey de inovação de serviços no Brasil.Ademais, na Paep/2001, os indicadores de inovaçãoforam construídos a partir das possibilidades decruzamento segundo os setores de atividade (indústria,construção civil, comércio, serviços, bancos e insti-tuições financeiras), elevando ainda a possibilidade daregionalização das informações tecnológicas de ino-vação24 para as regiões administrativas do Estado de SãoPaulo. As empresas dos setores de indústria, comércioe serviços foram classificadas segundo a sede daempresa nas seguintes oito regiões que consistem emagregações de regiões administrativas do Estado de SãoPaulo: Região Metropolitana de São Paulo (excetoregião do ABC); ABC; Litoral (Santos e Registro); SãoJosé dos Campos; Sorocaba; Campinas; Norte (RibeirãoPreto, São José do Rio Preto, Central, Barretos e Fran-ca); Oeste (Bauru, Araçatuba, Presidente Prudente e Ma-rília).

A Paep/2001 será divulgada no final de dezembro de2003. Entretanto, alguns resultados preliminares já de-monstram a alta concentração no padrão de localizaçãodos laboratórios na Região Metropolitana de São Paulo,que abriga também uma robusta infra-estrutura de CT&I(Mapa 1).

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CONCLUSÕES

Neste artigo, espera-se ter demonstrado de forma sintéti-ca o grande desafio e o esforço coletivo institucional queconsistiram a concepção, a gestão operacional e a dispo-nibilização das informações de inovação nas Paeps e na Paer.Embora reconhecendo o longo caminho ainda a ser percor-rido na produção de informações estatísticas, contabilizandoos erros, acertos e as dificuldades reveladas pela pesquisa,parece que o balanço geral é positivo. A Paep e a Paer re-presentaram um avanço no conhecimento institucional na pro-dução de estatísticas econômicas e tecnológicas e na refle-xão metodológica sobre as implicações e os resultados daaplicação dos conceitos de inovação recomendados peloManual de Oslo, possibilitando uma visão mais detalhada eintegrada, assim como desenhar a cartografia do comporta-mento econômico e tecnológico empresarial nas diversasregiões do território nacional. Os resultados concluem queas informações da Paep e da Paer possibilitam a análisedesagregada de um amplo conjunto de variáveis que permi-

tem caracterizar os processos de difusão e inovação tecnoló-gica nas empresas e nos territórios produtivos. Os desafiosfuturos na produção de estatísticas de inovação sinalizam paraalguns pontos críticos: calibrar mais finamente a captaçãoda inovação, qualificando melhor sua natureza, ou seja, o graude novidade para o mercado; identificar o papel das multina-cionais nos processos de aprendizagem e inovação local,mapeando os fluxos de origem da inovação (se partem deum centro de excelência nacional ou externo); compreendermelhor a relação das empresas inovadoras com os centros depesquisa e universidades locais, entre outros.

A experiência destas pesquisas demonstrou que é possí-vel inovar na produção metodológica, desde que sejam con-siderados pelo menos três fatores estratégicos: o conhecimentoda demanda e a interação com os usuários de informações; oestabelecimento de parâmetros de comparabilidade, sejameles internacionais, nacionais ou subnacionais; e a própriacontinuidade destas novas séries históricas estatísticas. Umadas contribuições fundamentais da Paep é a disponibiliza-ção aos usuários de um amplo, sofisticado e diversificado

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep.

MAPA 1

Infra-estrutura de CT&I e Localização dos Laboratórios de P&D das Empresas Industriais2001

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PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PAEP 1996-2001

banco de dados com informações convencionais e inéditassobre a economia regional paulista contemporânea. Nestaótica, da base de informações econômicas e cadastrais daPaep, poderão frutificar vários produtos analíticos ou proje-tos de pesquisas temáticas e acadêmicas. Com o novo proje-to, será possível seqüenciar os gens que dão vida e vêm trans-formando a economia paulista, a partir do mapeamento ecodificação das informações registradas entre as milhares deempresas que integram este complexo e diverso organismo.Através desta lente microscópica analítica, será possívelmapear a evolução biológica das empresas, a arquitetura dascadeias produtivas, os padrões de inovação e aprendizadotecnológico, a interação das empresas com o sistema de CT&Ie sua distribuição geográfica no Estado de São Paulo. Esteuniverso de questões poderá ser elucidado a partir dos resul-tados a serem apresentados pela Paep/2001.

NOTAS

1. A formulação de expressões como “economias baseadas em conhe-cimento”, “sociedade da informação”, “economia do aprendizado” e“capitalismo de alianças, relacional e coletivo” tenta retratar, grossomodo, a transição de um modelo linear de CT&I para um modelo deligações em cadeia (chain linked model), e posteriormente, alterando-se para um padrão, no qual a idiossincrasia, diversidade e seletividadedos ambientes e das instituições, e os sistemas e redes (networks) deconhecimentos locais, regionais ou transterritoriais adquirem efeitossinergéticos e sistêmicos mutuamente reforçantes ou excludentes emrelação às oportunidades tecnológicas e à inserção dos espaços locaisdiante do processo de globalização econômica. Essa nova perspectivateórica tenta traduzir o significado da produção, distribuição e do usodo conhecimento e da informação acelerados pelas novas tecnologiasde informação e comunicação (TICs) como elementos nucleares paraa mudança social, progresso tecnológico e o desenvolvimento econô-mico das nações avançadas (OECD, 1996; Johnson e Lundvall, 2000).

2. O manual Frascati foi revisado até 1993, quando foi lançada a quin-ta edição sob o título “The proposed Standard Practice for Surveys ofResearch and Experimental Development, Frascati Manial” 1993. Asprincipais críticas aos indicadores de P&D podem ser sumarizadas nosseguintes tópicos: as rotinas de inovação são restritas às atividades deP&D; avalia de forma inadequada a atividade inovativa nas pequenase médias empresas, que não têm rotinas formalizadas, laboratórios ouunidades específicas para a condução destas atividades; não capta aeficiência dos esforços; o conceito de P&D não é preciso; subestimaatividades inovativas relacionadas à mudança de processo (Archibugi;Sirilli, 2000).

3. Informações sobre a história e o acesso ao banco de indicadores or-ganizados por esta instituição podem ser encontrados no site: <http://www.nsf.gov/od/lpa/nsf50/history.htm>.

4. O Balanço de Pagamentos contempla o conjunto das transações eco-nômicas de um país com os demais. Essas transações envolvem pro-dutos (balança comercial), serviços (balança de serviços) e movimen-tos de capitais (investimentos diretos e de natureza financeira). O con-ceito de Balanço de Pagamentos Tecnológico inclui os fluxos de pro-dutos e serviços com conteúdo tecnológico de um país.

5. Ver os comentários críticos sobre a base ISI no Relatório Fapesp deIndicadores de Ciência e Tecnologia em São Paulo, 1998 e Livro Verde,publicado pelo MCT, Brasília, julho, 2001. No Brasil, merece destaque a

base de dados sobre publicações científicas internacionais do ISI, a baseScientific Electronic Library Online – Brazil – SciELO (que está sendodesenvolvida com o apoio da Fapesp), assim como a base de dados doDiretório dos Grupos de Pesquisa e do Sistema de Currículos Lattes doCNPq. Os indicadores de impacto da produção científica são constituí-dos pelas citações desses artigos, compiladas pela base de dados do ISI noScience Citation Index – SCI. As críticas quanto à representatividade latino-americana na base do ISI referem-se a algumas áreas específicas, comociências humanas e ciências agrárias, por exemplo, estão sub-representa-das, comprometendo significativamente as análises sobre produção cien-tífica. Devem ser registradas as iniciativas de aperfeiçoamento dessas in-formações por meio de parcerias institucionais via Ricyt – Rede Ibero-americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia e outras instituiçõesque estão implementando iniciativas pioneiras para superar tais limita-ções. Um desses projetos denomina-se Latindex, organizado pela Univer-sidade Nacional Autônoma do México – Unam.6. No Brasil são duas as principais instituições que regulam as infor-mações sobre as atividades de patentes e os fluxos tecnológicos. Aprimeira é o Inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, quese responsabiliza pelo controle dos contratos de transferência de tec-nologia e registro de marcas, direitos autoriais e patentes, averbandoas estimativas plurianuais de fluxos de remessas conforme expressasnos atos contratuais. A segunda é o Banco Central do Brasil, que atuano registro de todas as transações cambiais que compõem o Balançode Pagamentos, contabilizando os ingressos e remessas associados aosatos de fechamento do câmbio dos contratos de transferência de tec-nologia, além de cuidar de outras tarefas, como o registro do capitalestrangeiro, que mantêm correlação com esses contratos.

7. As estatísticas de patentes possibilitam a construção de indicadoresde avaliação da produção inventiva ao longo do tempo, de mudançatecnológica e de mensuração da competição tecnológica. As vantagense limitações desses indicadores são apresentadas resumidamente a se-guir: a) nem todo conhecimento economicamente útil é codificável,sobretudo o conhecimento tácito; b) nem toda inovação é patenteável,com referência às exigências legais mínimas; c) devido ao item ante-rior, há outros mecanismos de apropriação que podem ser considera-dos mais adequados em função da invenção; d) setores industriais va-riam consideravelmente suas propensões a patentear, sendo desacon-selhável comparar essas taxas de efetividade ou eficiência entre in-dústrias; e) pode haver inconsistência de qualidade, isto é, as inova-ções patenteadas não possuem, necessariamente, o mesmo valor eco-nômico.

8. Dois indicadores são utilizados para a classificação dos setores indus-triais por intensidade tecnológica: Intensidade direta – relação entre ograu dos dispêndios sobre o valor adicionado; e Intensidade indireta –relação entre os gastos de P&D sobre o valor adicionado, multiplicadospelos coeficientes técnicos dos setores obtidos a partir da matriz insumo-produto. Este procedimento se justifica pela incorporação de tecnologia,que, para um determinado setor, ocorre pela P&D incorporada na comprade bens e equipamentos e bens intermediários. Esta abordagem, entretan-to, traz consigo inúmeras limitações, a saber: os recortes de intensidadetecnológica (alta, média-alta, média-baixa e baixa) são na maior parte dasvezes arbitrários; as trajetórias de aprendizado e inovação setorial variammuito entre os países, setores e as firmas, não sendo captados por estesindicadores. OECD (1996) e Ferri e Martin (2001).9. O Manual de Camberra é a principal publicação metodológica in-ternacional que orienta as pesquisas sobre os recursos humanos e ocu-pações científicas de alta qualificação que contribuem para a produ-ção da ciência, tecnologia e inovação nas economias baseadas em co-nhecimento ou em desenvolvimento. O objetivo deste manual é pro-porcionar o referencial metodológico e conceitual básico para o acom-panhamento dos dados de estoque e fluxos de recursos humanos em-pregados e do perfil da estrutura ocupacional nestas economias.

10. Para os critérios de cálculo do TAI e ArCo, ver: Desai et al. (2003)e Archibugi e Coco (2003).

11. A primeira versão do Manual de Oslo foi publicada em 1992, se-guida por uma segunda versão em 1996, após revisões e inclusão do

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setor de serviços. O Manual de Oslo traz definições e orientaçõesmetodológicas para a coleta e a análise de informações, recomendan-do seis áreas prioritárias para investigação: estratégia corporativa; papelda difusão; fontes de informação e obstáculos para inovação; insumospara inovação; o papel das políticas públicas na inovação industrial; eresultados e impactos da inovação (Ver: <http://www.oecd.org/pdf/M00018000/M00018312.pdf>.

12. Na América Latina, no âmbito da Ricyt, tem sido desenvolvidoum amplo debate metodológico sobre a necessidade de se rever as re-comendações do Manual de Oslo para os critérios de inovação. De-fende-se nesta vertente de autores latinos a necessidade de uma distin-ção entre as mudanças organizacionais na produção (uma vez que elassão elementos críticos para a inovação) e as não-inovações tecnológi-cas. Para uma discussão detalhada, ver Lugones e Peirano (2003).

13. Uma especificidade dos sistemas de aprendizados do continente quenão foi explicitamente considerada nesta versão latino-americana doManual de Oslo é a presença considerável de multinacionais estrangeirascomo agentes importantes do processo de mudança tecnológica e de cap-tação de recursos para inovação nestes sistemas. Outra especificidade doManual de Bogotá refere-se à inclusão da mudança organizacional noconceito de inovação tecnológica. Ver Costa (2003:78).

14. Uma das iniciativas mais significativas nesta área, entre outras,foi o estudo conduzido por Coutinho e Ferraz (1994).

15. Destaque-se o atual esforço do Diretório da Pesquisa Privada (DPP)na organização de um banco de dados sobre a natureza da mudançatecnológica e da organização P&D no Brasil. O DPP foi concebidocomo um sistema de informação auxiliar na definição e implementaçãodas políticas brasileiras de desenvolvimento de CT&I. O objetivo ésubsidiar as tomadas de decisões pelos organismos nacionais de fo-mento (Finep e MCT), propiciando uma alocação mais eficiente dosrecursos e financiamento. Ver: <http://www.finep.gov.br/portaldpp/>.

16. O novo modelo de produção estatísticas proposto pelo IBGE adotouuma estratégia estruturada em alguns pontos críticos, a saber: elaboraçãoe publicação de uma nova Classificação Nacional de Atividades Econô-micas (CNAE); realização da Pesquisa do Censo Cadastro; reformulaçãodas pesquisas anuais (PIA e PAC); e reação de pesquisas satélites, comsubstanciais ganhos de flexibilidade e agilidade operacionais.

17. Para maiores detalhes ver o texto de Proença Soares (1999).18. Os exercícios de análise dos resultados desta pesquisa foramregistrados em diversos trabalhos, entre eles ver: Quadros et al. (2001);Quadros, Bernardes e Franco (2002); entre outros. Para uma discus-são crítica sobre a validade e os limites da análise de resultados deindicadores de inovação e capacitação tecnológica a partir de surveysde inovação, ver o trabalho de Ionara Costa (2003).19. No que diz respeito aos indicadores de comércio eletrônico, foramanalisados e adaptados os conceitos atribuídos pela OECD, StatisticsCanada – E-commerce Definition, U.S. Bureau of the Census, EuropeanInformation Technology Observatory – Eito. Ver: <http://www.eito.com>.20. A análise dos dados da Paep/96 permitiu estabelecer uma compara-ção entre o número de pessoas alocadas em atividades de P&D na indús-tria paulista e em outros países. Assim, a despeito das diferenças tempo-rais e conceituais envolvidas na obtenção deste tipo de indicador pela Paepe por outras estatísticas internacionais que adotaram a mesma metodologia,verifica-se o hiato entre o volume de esforço em P&D produzido por paí-ses industrializados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha e França, epor países em desenvolvimento, como Brasil, México, Espanha e Hungria.Ver: Quadros, Furtado, Bernardes e Franco (1999).21. Para maiores informações sobre esta pesquisa consultar o site:<http://www.sebraesp.com.br/>.22. Ver o estudo metodológico sobre medidas e conceitos sobre pes-quisas internacionais sobre inovação tecnológico elaborado por GiorgioSirilli (1998).

23. A referência conceitual e metodológica da Pintec segue o Oslo ma-nual: proposed guidelines for collections and interpreting

technological innovation data 1997. A pesquisa se inspirou na expe-riência do modelo harmonizado proposto pelo Eurostat, a terceira ver-são da Community Innovation Survey. Seguindo tais referências, asinformações da Pintec concentram-se na inovação tecnológica de pro-dutos e processos, sendo adotada a abordagem do “sujeito”, ou seja,as informações obtidas são relativas ao comportamento, às atividadesempreendidas aos fatores que influenciam a empresa. A maioria dasvariáveis qualitativas refere-se a um período de três anos consecuti-vos, de 1998 a 2000, e as informações quantitativas são para o ano de2000. A pesquisa abrangeu todas as empresas industriais do territórionacional. As informações da Pintec estão disponibilizadas no site doIBGE: <http://www.ibge.gov.br/>.

24. No Brasil, avanços recentes no sentido de regionalizar as informaçõesforam empreendidos pela RedeSist (Rede de Pesquisa em Sistemas Pro-dutivos e Inovativos Locais), uma rede de pesquisa interdisciplinar, for-malizada desde 1997, sediada no Instituto de Economia da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro. A RedeSist produziu e disponibilizou em seusite um Banco de Indicadores Georreferenciados – BIG organizado pelaprópria RedeSist sistematizando bases de dados de diversas fontes e indi-cadores de elaboração própria, em especial, referentes aos municípiosbrasileiros e aos arranjos e sistemas produtivos pesquisados pela RedeSist.Ver: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>.

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V

TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NOESTADO DE SÃO PAULO

Resumo: A Pesquisa de Investimento no Estado de São Paulo acompanha as tendências econômicas pela cap-tação das intenções de investimentos anunciados e, ao apresentar os dados desagregados espacial e regional-mente, permite a identificação e a localização de segmentos empresariais mais dinâmicos, particularmenteaqueles de base tecnológica e de maior potencial de consumo.Palavras-chave: investimento produtivo; atividade econômica; atração de negócios.

Abstract: The Survey of Investment in the State of São Paulo tracks economic trends as reflected by statedinvestment plans. The presentation of the loose data in spatial and regional terms allows for the identificationof the most dynamic business sectors and their locations, especially those with a technological base and largeconsumer potential.Key words: productive investment; economical activity; attraction of businesses.

MARIA CECÍLIA COMEGNO

LUÍS ANTONIO PAULINO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 168-176, 2003

isando acompanhar os efeitos deletérios da guer-ra fiscal entre os Estados brasileiros sobre a ca-pacidade de São Paulo de atrair novos investi-

mentos e a do governo paulista de contra-arrestar tais efei-tos, através do desenvolvimento de vantagens competiti-vas genuínas, o então governador Mário Covas, ainda emsua primeira gestão à frente do Executivo paulista, deman-dou à Secretaria de Ciência, Tecnologia, DesenvolvimentoEconômico e Turismo a Pesquisa de Investimentos noEstado de São Paulo com o objetivo de monitorar as ten-dências do investimento produtivo no território paulista.Dada a necessidade de manter, de forma sistemática, umlevantamento de dados que permitisse acompanhar as ten-dências setoriais e regionais das intenções de investimen-to, essa tarefa passou, em julho de 1998, a ser realizadapela Fundação Seade.

Se essa pesquisa nasceu num clima de guerra fiscal,como foi batizada a disputa entre governos estaduais pelaatração de investimentos diretos, ela transformou-se noprincipal instrumento à disposição do governo e prefeitu-ras paulistas para acompanhar a evolução das intençõesde investimentos do setor privado no Estado de São Pau-lo e a resposta dos empreendedores aos esforços do go-

verno e das prefeituras, no sentido de criar um ambientefavorável à tomada de decisões de investimento. Comotrata de intenções de investimentos, ela é uma das únicasfontes de dados de tipo prospectivo e, nesse sentido, pro-picia informações importantes para as ações de planeja-mento público, em particular as do Plano Plurianual deGoverno e as múltiplas ações desenvolvidas pela Secre-taria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômicoe Turismo, que requerem contínuo acompanhamento dastendências econômicas no Estado de São Paulo. Além dis-so, essa pesquisa, ao captar as tendências setoriais e es-paciais e os tipos de investimento, proporciona a identifi-cação de segmentos empresariais mais dinâmicos,particularmente aqueles de base tecnológica e maior po-tencial de crescimento, bem como os segmentos carentesde apoio governamental, mas com perspectivas de auto-sustentação a médio prazo. O conhecimento das intençõesde investimentos permite orientar as políticas públicas,possibilitando a concentração de esforços e coordenaçãode recursos, com o objetivo de promover o desenvolvi-mento integrado do Estado nos planos regional e setorial.

A Pesquisa de Investimentos subsidia, igualmente, aação do investidor privado. As decisões de investimento

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TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

não são tomadas de maneira isolada. Dependem, namaioria das vezes, de investimentos anteriores em setoresestratégicos como energia, infra-estrutura de transportese telecomunicações. Uma decisão de investimentodesencadeia outras complementares e ao longo da cadeiaprodutiva. Ao dar publicidade a essas decisões de inves-tir, a pesquisa contribui para corrigir assimetrias de infor-mação e dar maior eficiência aos mecanismos demercado. As decisões de investir são tomadas sempre combase em expectativas de demanda futura que, se frus-tradas, implicam quase sempre prejuízos. A possibilidadede se entrar e sair de determinados mercados sem custosirrecuperáveis é apenas teórica, prevista na chamadateoria dos mercados contestáveis, mas sem contrapartidana realidade. Por isso, um ambiente institucional seguro,um horizonte claro e compromissos críveis dos parceirospúblicos são ativos da maior importância para os empre-endedores privados. A longo prazo, o que conta naatração de investimentos é a presença ou não de fatoresfavoráveis e facilitadores para a escolha da localizaçãodo investimento. Nesse sentido, a Pesquisa de Inves-timentos no Estado de São Paulo é um desses ativos queo governo paulista oferece também ao investidor privado.Ao dar maior transparência ao ambiente geral de negóciosexistente no Estado, aumenta o grau de visibilidade emrelação ao futuro, incerto por sua própria natureza.

O investimento produtivo é uma variável-chave paraconhecer o comportamento da economia. Num momen-to em que no Brasil se discute com intensidade o retornoao desenvolvimento, mostra-se como variável bastanteimportante a ser monitorada tendo em vista auxiliar asdecisões privadas de investimento. Dados recentementedivulgados pelo IBGE revelam que a taxa de investimentodo país atingiu, no segundo trimestre deste ano, o menoríndice trimestral em dez anos. A taxa, que mede a parti-cipação dos investimentos públicos e privados no Pro-duto Interno Bruto (PIB), foi de 17,88%. Restrições fis-cais limitam o investimento público a não mais que 3%ou 4% do PIB e não há perspectiva de que esse quadrose altere substancialmente em futuro próximo. Dessemodo, para que a taxa de investimento alcance os 25%do PIB, valor considerado, pela maioria dos analistas,necessário para que o Brasil retome uma trajetória firmede crescimento, o investimento privado precisa elevar-se, no mínimo, em sete ou oito pontos percentuais nospróximos anos.

Além disso, pode-se também avaliar se a desconcen-tração da economia brasileira decorre exclusivamente da

guerra fiscal ou de mudanças do seu padrão produtivo,bem como conhecer o movimento de alocação espacialdas atividades produtivas, já apontado por vários estudos,na direção ao interior do Estado de São Paulo.

Apesar de uma certa descentralização da atividadeprodutiva brasileira, o Estado de São Paulo continuaapresentando melhores condições para produzir, tais como,maior centro industrial, comercial e financeiro da Américado Sul, melhor infra-estrutura de transporte, tele-comunicações e energia do Brasil, maior concentração decentros de conhecimento tecnológico no país, alto nívelde qualificação da mão-de-obra local, ampla rede deserviços de apoio, maior mercado consumidor e qualidadede vida de suas cidades. De fato, o Estado de São Paulopermanece na liderança do ranking dos Estados brasileiroscom maior captação de investimentos estrangeiros.Comparando os dados acumulados pela pesquisa realizadaem todos os Estados brasileiros pela Simonsen Associa-dos, nos períodos de 1995-2001 e 2002, a região Sudestepermanece liderando as intenções de investimento e,segundo Simonsen Jr., “os investimentos no Estado de SãoPaulo continuam altos em valor, mas em porcentual os deoutras regiões cresceram rápido” (www.estadao.com.br,24/9/2003).

A produção e a disponibilização permanentes de in-formações sobre as decisões dos investidores passam, as-sim, a ser instrumento fundamental para o acompanha-mento da dinâmica econômica do Estado de São Paulo epara a formulação de uma estratégia de desenvolvimen-to do Estado, que permita ao poder público manter umaatitude pró-ativa em relação a esse processo de transfor-mação, seja estimulando fatores e características queimpulsionem tal desenvolvimento, seja se antecipandona eliminação dos gargalos que possam vir a dificultá-lono futuro.

METODOLOGIA DA PESQUISA

A metodologia atualmente utilizada pela FundaçãoSeade para realizar o levantamento das intenções de in-vestimentos no Estado de São Paulo, desenvolvida a par-tir daquela originalmente empregada pela Secretaria daCiência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico –SCTDE, consiste em captar diariamente as informaçõesprimárias – anúncios de investimentos privados – na grandeimprensa (Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo), empublicações especializadas (Gazeta Mercantil, Diário doComércio & Indústria, Valor Econômico, inclusive nos

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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sites desses jornais) e nas versões on-line de diversos jor-nais das regiões do Estado, de modo a abranger todas asregiões administrativas. Uma vez coletada a notícia, é feitoum levantamento em listas telefônicas para o pré-cadas-tramento das empresas. Com o objetivo de confirmar averacidade das informações divulgadas pela imprensa epara se obterem outros dados, é efetivada consulta àsempresas por telefone, fax e/ou e-mail, com base em umquestionário contendo as seguintes questões: valor a serinvestido; tipo de investimento (implantação, ampliação,modernização); origem do capital (nacional ou estrangei-ra); município onde será realizado o investimento (sãoconsiderados apenas aqueles localizados no Estado de SãoPaulo); e complementação ou correção das informaçõescadastrais da empresa. Depois de confirmados, os dadossão consistidos com as informações disponíveis para evi-tar dupla contagem e para eliminar os anúncios de inves-timentos referentes a transferências de patrimônio atra-vés de privatizações e de fusões de empresas privadas,marketing, treinamento de recursos humanos, investimen-tos no mercado de capitais, compra de bens duráveis, cons-trução de imóveis residenciais e feiras, congressos, lei-lões e outros eventos. Todos os dados consistidos sãoorganizados segundo a Classificação Nacional de Ativi-dades Econômicas – CNAE e por região administrativa ede governo. Os valores anunciados em reais são converti-dos para dólares pela taxa de câmbio média do mês emque foi publicado o anúncio. Em seguida, as informaçõessão digitadas no banco de dados e mensalmente são emi-tidos relatórios em que os investimentos anunciados sãototalizados e classificados por setor de atividade e regiãodo Estado.

Deve-se ressaltar que o objetivo desta pesquisa é cole-tar apenas os anúncios de investimentos produtivos, ouseja, aqueles que, uma vez realizados, aumentarão a ca-pacidade produtiva da economia, passando a contribuirpara o crescimento da produção de bens e serviços e, con-seqüentemente, para a geração de empregos em caráterpermanente. Dessa forma, estão excluídos da coleta to-dos os investimentos anunciados na construção de imó-veis residenciais. Destaca-se, ainda, que, atendendo a re-comendações da ONU e do próprio IBGE para o cálculoda taxa de investimento do setor privado nas contas na-cionais, as empresas estatais, por ofertarem bens e servi-ços no mercado segundo a mesma lógica das empresasprivadas, foram equiparadas a estas para efeito da coletade anúncios de investimentos.

PRINCIPAIS TENDÊNCIAS

Nos últimos quatro anos a economia paulista, não di-ferentemente da brasileira, apresentou dois movimentosdo ponto de vista da atração de investimentos. O primei-ro, que vem no esteio dos processos de privatização e deabertura da economia (1999-2001), caracterizou-se poruma forte atração de investimentos. É importante desta-car que, apesar dos acontecimentos que abalaram a eco-nomia mundial e latino-americana ao longo de 2001 (cri-se na Bolsa de Nova York e recessão nos Estados Unidos,atentados terroristas de 11 de setembro, crise na Argenti-na), provocando uma expectativa de queda de intençõesde investimentos produtivos anunciados pelas empresasprivadas, a economia paulista manteve praticamente amesma capacidade de atração de investimentos.

GRÁFICO 1

Anúncios de InvestimentosEstado de São Paulo – 1999-2002

Fonte: Fundação Seade.

Já o segundo movimento, ocorrido em 2002, represen-tou a queda de 38,28% nos anúncios de investimentos,refletindo certamente as conjunturas internacional e na-cional desfavoráveis ao investimento produtivo. No âm-bito internacional, 2002 foi um ano de contração de in-vestimentos, com reflexos negativos sobre a economiabrasileira. Basta lembrar a expectativa criada pelo recru-descimento dos conflitos internacionais no rastro dos aten-tados terroristas de setembro de 2001, os escândalos cor-porativos ocorridos na Europa e nos Estados Unidos, quelevaram muitos investidores a descobrirem de forma amar-ga que seu dinheiro não estava em aplicação tão seguraquanto imaginavam, e o baixo crescimento da economiamundial (2,4% nos EUA e 0,9% na EU). Esses fatos pro-

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TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Fonte: Fundação Seade.

vocaram um brutal recuo no fluxo de investimento diretoestrangeiro em todo o mundo e particularmente para aAmérica Latina (redução de 42% em 2002). No Brasil,não foi diferente: baixo crescimento da economia em 2002(1,5%), falta de recursos de investimentos estrangeiros –ingresso de US$ 16,6 bilhões, valor 26% inferior aos US$22,5 recebidos em 2001 – e aumento da incerteza asso-ciada ao processo eleitoral.

Tendências Setoriais

Pela análise da distribuição setorial, observa-se que, entre1999 e 2002, houve predominância dos anúncios deinvestimentos voltados para a indústria, trajetória que sófoi interrompida em 2001, quando foram superados pelosserviços, impulsionados basicamente por três subsetores:telecomunicações, transporte aéreo e atividades imobiliárias.

GRÁFICO 2

Investimentos Anunciados, por Setor de AtividadeEstado de São Paulo – 1999-2002

Do total dos investimentos anunciados entre 1999 e 2002,55% destinaram-se à indústria, somando US$ 45,3 bilhões,42% foram para os serviços, num total de US$ 34,1 bilhões,e o comércio ficou com 2,7% ou US$ 2,2 bilhões.

Na indústria, o subsetor que apresentou maior volumede intenções de investimento foi o serviço industrial deutilidade pública de produção, transmissão e distribuiçãode eletricidade: US$ 11,6 bilhões, o que representa 14,2%do total dos anúncios de investimentos no período.

Essa posição de destaque explica-se por três fatores: aprivatização do setor; a construção do gasoduto Bolívia-

Brasil; e o chamado “apagão”, como ficou conhecida acrise de abastecimento no setor ocorrida em 2001, devidoao baixo nível dos reservatórios.

O setor de geração e distribuição de energia elétricafoi privatizado no final dos anos 90. Desde então, as no-vas concessionárias privadas têm anunciado inúmeros in-vestimentos para modernização e ampliação das ativida-des de geração e distribuição.

A construção do gasoduto Bolívia-Brasil, também nofinal dos anos 90, tinha por propósito mudar a matriz ener-gética nacional, dando mais peso para a geração de ener-gia a partir do gás natural, em face do esgotamento dopotencial hídrico na região Sudeste. Tão logo o gasoduto,cujo traçado percorre praticamente todo o Estado de SãoPaulo, entrou em funcionamento, foram anunciados inú-meros investimentos para geração termelétrica em inúme-ros municípios servidos pelo gás natural. Alguns deles,por questões ambientais e pela elevação do custo do gásapós a desvalorização do real em 1999, ainda não foramviabilizados.

Por último, o chamado “apagão”, como ficou conheci-da a crise de abastecimento elétrico em 2001 por causado baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricasna região Sudeste e das deficiências nos sistemas de trans-missão que interliga as diversas regiões do país, levou aoanúncio de novos investimentos, particularmente na áreade geração termelétrica em função da oferta do gás natu-ral boliviano. Não é de se estranhar, portanto, que o setorde eletricidade tenha estado, em todo o período, entre osque mais atraíram novos investimentos (1o lugar em 1999;3o lugar em 2000; 1o lugar em 2001; 2o lugar em 2002).

A indústria automobilística foi o segundo subsetor in-dustrial que mais anunciou novos investimentos no perío-do. Foram US$ 7,4 bilhões ou 9% do total. Essa posiçãode destaque deve-se, principalmente, ao enorme peso destaindústria no parque industrial paulista e brasileiro. Há quese considerar ainda que, ao longo da década de 90, prati-camente todas as grandes montadoras mundiais de auto-móveis que não estavam instaladas no Brasil resolveramfazê-lo, motivadas pelo potencial do mercado nacional epelos processos de integração regional e hemisférica emcurso. Isso levou a investimentos tanto por parte dos no-vos concorrentes quanto das empresas já estabelecidas,visando preservar sua liderança de mercado. Observe-se,entretanto, que no período considerado pode-se distinguirdois momentos distintos. Entre 1999 e 2000, ocorreramgrandes anúncios de investimentos na indústria automo-bilística, tendo ocupado respectivamente o quarto e o pri-

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TABELA 1Investimentos Anunciados, segundo Setores e Subsetores de Atividade Econômica

Estado de São Paulo – 1999-2002

Posição 1999 2000 2001 2002Setores e Subsetores de Atividade 1999 2000 2001 2002 Valor Valor Valor Valor

(US$ % (US$ % (US$ % (US$ %milhões) milhões) milhões) milhões)

Total 21.135,08 100,00 22.978,03 100,00 23.376,40 100,00 14.431,40 100,00Transporte Terrestre 38 40 6 1 25,79 0,12 19,63 0,09 1.675,48 7,17 1.898,78 13,16Eletricidade, Gás e Água Quente 1 3 1 2 3.958,96 18,73 2.717,68 11,83 3.551,92 15,19 1.394,79 9,66Atividades Imobiliárias 3 6 4 3 2.612,56 12,36 1.238,45 5,39 2.259,53 9,67 1.273,21 8,82Papel e Celulose 19 5 34 4 238,94 1,13 1.272,61 5,54 38,27 0,16 1.148,67 7,96Refino de Petróleo e Álcool 21 17 12 5 209,97 0,99 249,10 1,08 544,91 2,33 1.134,13 7,86Produtos Químicos 5 4 11 6 1.515,50 7,17 1.559,76 6,79 548,84 2,35 967,60 6,70Material Eletrônico e Equip. Comunicação 6 18 16 7 1.097,38 5,19 237,39 1,03 350,31 1,50 858,70 5,95Aeronáutica (1) 40 7 46 8 9,52 0,05 1.035,44 4,51 2,29 0,01 807,44 5,60Telecomunicações 2 2 2 9 2.799,62 13,25 4.028,55 17,53 3.371,40 14,42 574,70 3,98Alimentos e Bebidas 8 13 14 10 553,38 2,62 388,28 1,69 448,32 1,92 443,62 3,07Automotiva 4 1 9 11 2.120,54 10,03 4.264,58 18,56 611,83 2,62 400,65 2,78Ativ. Aux. Transportes e Ag. Viagens 17 8 17 12 300,89 1,42 904,54 3,94 230,71 0,99 383,99 2,66Alojamento e Alimentação 7 10 10 13 694,63 3,29 730,25 3,18 555,23 2,38 338,91 2,35Varejo e Reparação de Objetos 12 11 13 14 403,75 1,91 567,97 2,47 463,40 1,98 303,49 2,10Minerais Não-Metálicos 24 33 38 15 140,43 0,66 40,19 0,17 24,95 0,11 289,43 2,01Metalurgia Básica 15 9 8 16 346,87 1,64 760,47 3,31 624,98 2,67 277,03 1,92Limpeza Urbana e Esgoto 35 49 32 17 29,48 0,14 42,60 0,18 264,63 1,83Atividades Recreativas, Culturais eDesportivas 11 25 18 18 416,52 1,97 78,80 0,34 198,39 0,85 210,89 1,46Educação 33 30 19 19 40,54 0,19 44,25 0,19 171,24 0,73 157,18 1,09Captação, Trat. e Distrib. de Água 50 53 5 20 - - - - 1.833,44 7,84 130,34 0,90Produtos Farmacêuticos (1) 20 23 24 21 237,43 1,12 93,55 0,41 111,32 0,48 107,31 0,74Atividades de Informática 32 12 28 22 62,36 0,30 526,04 2,29 65,82 0,28 101,10 0,70Saúde e Serviços Sociais 18 19 29 23 246,75 1,17 180,44 0,79 65,18 0,28 84,50 0,59Ativ. Juríd., Cont. e de Asses. Empresarial 13 20 27 24 374,92 1,77 103,74 0,45 80,16 0,34 83,75 0,58Com. e Rep. Automotores e Varejode Combustível 26 36 23 25 118,85 0,56 29,68 0,13 122,95 0,53 70,93 0,49Têxtil 37 24 36 26 26,07 0,12 84,39 0,37 32,88 0,14 66,28 0,46Intermed. Financ. (excl. seguros e prev. priv.) 16 14 15 27 301,71 1,43 382,50 1,66 374,64 1,60 63,92 0,44Borracha e Plástico 10 21 20 28 441,58 2,09 102,04 0,44 162,22 0,69 53,27 0,37Produtos de Metal (exclusive máq. e equip.) 30 22 22 29 93,34 0,44 94,38 0,41 153,21 0,66 51,62 0,36Máq. Escrit. e Equip. Informática 25 26 25 30 133,05 0,63 59,51 0,26 101,98 0,44 50,42 0,35Outros Equip. de Transporte 48 31 40 31 2,40 0,01 43,47 0,19 22,47 0,10 45,03 0,31Atacado 36 37 35 32 28,97 0,14 28,94 0,13 36,64 0,16 43,36 0,30Edição, Impressão e Gravações 29 38 37 33 93,74 0,44 26,56 0,12 30,96 0,13 43,18 0,30Pesquisa e Desenvolvimento 46 52 55 34 3,70 0,02 - - - - 42,58 0,30Máquinas e Equipamentos 14 34 30 35 347,15 1,64 39,80 0,17 64,52 0,28 40,74 0,28Reciclagem 42 50 41 36 7,11 0,03 - - 19,80 0,08 39,22 0,27Transporte Aéreo 41 32 3 37 9,34 0,04 41,99 0,18 3.078,13 13,17 29,34 0,20Madeira 22 16 50 38 156,55 0,74 371,22 1,62 0,51 0,00 25,21 0,17Construção 34 28 7 39 38,21 0,18 49,88 0,22 910,79 3,90 19,95 0,14Atividades Associativas 49 46 26 40 2,00 0,01 0,82 0,00 83,87 0,36 19,71 0,14Máq., Aparelhos e Materiais Elétricos 27 15 21 41 98,55 0,47 372,70 1,62 160,16 0,69 19,08 0,13Móveis e Indústrias Diversas 28 41 39 42 95,46 0,45 19,35 0,08 24,27 0,10 16,49 0,11Vestuário e Acessórios 53 45 44 43 - - 1,42 0,01 4,40 0,02 16,28 0,11Extração de Carvão Mineral 51 54 56 44 - - - - - - 11,34 0,08Serviços Pessoais 45 44 42 45 3,93 0,02 2,61 0,01 13,96 0,06 9,36 0,06Aluguel Veíc., Máq. e Equip. e Obj. Pessoais 47 47 33 46 2,72 0,01 0,08 0,00 41,33 0,18 4,95 0,03Agropecuária e Pesca 23 27 31 47 146,15 0,69 52,21 0,23 51,45 0,22 4,84 0,03Seguro e Previdência Privada 54 29 49 48 - - 45,89 0,20 0,78 0,00 3,66 0,03Couro e Calçados 39 42 48 49 13,38 0,06 18,47 0,08 1,39 0,01 3,37 0,02Equip. Médicos, Ópticos, de Automaçãoe Precisão 31 39 43 50 74,20 0,35 23,45 0,10 5,46 0,02 2,28 0,02Ativ. Aux. Intermediação Financeira 43 35 52 51 5,19 0,02 33,91 0,15 0,22 0,00 0,15 0,00Transporte Aquaviário 55 55 45 52 - - - - 4,30 0,02 - -Fumo 52 43 47 53 - - 11,06 0,05 2,19 0,01 - -Extração de Minerais Não-Metálicos 44 51 51 54 5,00 0,02 - - 0,32 0,00 - -Outras Atividades 56 56 53 55 - - - - 0,08 0,00 - -Extração de Minerais Metálicos 9 48 54 56 450,00 2,13 - - - - - -

Fonte: Fundação Seade.(1) Por se caracterizarem como de alta intensidade tecnológica, as indústrias aeronáutica e de produtos farmacêuticos foram desagregadasdos subsetores Outros Equipamentos e Produtos Químicos.

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TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

meiro lugares no ranking geral dos setores que mais anun-ciaram investimentos. Já em 2001 e 2002, os anúncios deinvestimentos apresentaram uma queda expressiva (9o e11o lugares), reflexo da crise mundial no setor e, princi-palmente, do fato de os investimentos no Brasil, nos anosanteriores, terem, aparentemente, superestimado a deman-da potencial existente.

A indústria química e a de papel e celulose foram, res-pectivamente, o terceiro e quarto subsetores industriais quefizeram mais anúncios de investimentos no período. Aindústria química divide com a automobilística a lideran-ça na produção industrial paulista. Durante o período emestudo, 2001 foi o único ano em que o setor não esteveentre os três setores da indústria que mais anunciaram in-vestimentos no Estado de São Paulo. A indústria de papele celulose, por sua vez, tem o ritmo de investimentos de-terminado apenas em parte pelo mercado interno, uma vezque é um setor muito voltado para exportação. Dessa for-ma, os anúncios de investimentos são condicionados, emgrande medida, pelo comportamento do mercado interna-cional. Depois de realizar grandes investimentos no iní-cio da década de 90, com a crise asiática, em 1997, e suarepercussão mundial, os investimentos refluíram no finalda década, ocupando a 19a posição no ranking geral em1999. Com a melhora do mercado mundial, em 2000 osinvestimentos voltaram, ocupando o quinto lugar noranking geral. Em 2001, com a crise americana, os inves-timentos novamente regrediram para a 34a posição, vol-tando, em 2002, a figurar no quarto lugar.

O subsetor de material eletrônico e equipamentos detelecomunicações aparece em quinto lugar na lista dossetores que mais anunciaram intenções de investimentono Estado de São Paulo entre 1999 e 2002. O comporta-mento desse setor está intimamente relacionado com osetor de telecomunicações. Desse modo, no rastro do pro-cesso de privatização do setor no final da década de 90,com enorme expansão do parque instalado de telefoniamóvel e fixa, o setor de equipamentos experimentou umagrande expansão nos anúncios de investimentos, tendoocupado, em 1999, a sexta colocação no ranking geral dossetores que mais investiram no país. Em 2000 e 2001, re-flexo do fim das privatizações, da crise americana e dosescândalos corporativos envolvendo grandes conglome-rados mundiais de telecomunicações, o setor entrou emrefluxo, ocupando respectivamente a 18a e a 16a posiçõesno ranking geral. Em 2002, os anúncios de investimentosretornaram aos patamares do final da década, impulsio-nados principalmente pelos fabricantes de telefones celu-

lares para atender tanto ao mercado interno quanto à ex-portação, obtendo grande impulso em função do câmbioextremamente favorável nos últimos dois anos.

Os outros setores industriais que merecem destaque sãoo de refino de petróleo e álcool, metalurgia básica, capta-ção, tratamento e distribuição de água, indústria aeronáu-tica e indústria de alimentos e bebidas, que ocuparam,respectivamente, a 6a, 7a, 8a, 9a e 10a posições entre ossubsetores industriais no período analisado. Os investi-mentos da Petrobrás em refino de petróleo têm sido cons-tantes no Estado de São Paulo, nas refinarias de Paulínia,Cubatão e São José dos Campos. O setor alcooleiro, de-pois de um período de crise em meados da década de 90,retomou parcialmente os investimentos em função dasmedidas de incentivo do governo do Estado para o setor.

Os investimentos na captação, tratamento e distribui-ção de água são de responsabilidade quase exclusiva deuma empresa estatal, a Sabesp. Falta ainda um marcoregulatório consistente para atração de investimentos pri-vados para o setor, que certamente demandará grandesinvestimentos nos próximos anos, diante da perspectivade escassez de fornecimento de água, principalmente naRegião Metropolitana de São Paulo.

A indústria aeronáutica, embora afetada pela crisemundial do setor resultante dos atentados terroristas de2001, vem apresentando um grande desempenho expor-tador, basicamente em função da Embraer, localizada emSão José dos Campos. Essa empresa tem uma carteira deexportação de jatos regionais de vários bilhões de dólarese um programa de investimentos no Estado de São Pauloque, apenas nos quatro anos considerados, alcança quaseUS$ 2 bilhões.

Finalmente, o subsetor de alimentos e bebidas tem pre-sença difusa em todo o Estado de São Paulo e, segura-mente, é o setor industrial com maior capacidade de gera-ção de empregos. Por ser um setor mais intensivo emmão-de-obra do que em capital, tem figurado nos últimosanos em posições intermediárias quando se analisa o mon-tante dos investimentos anunciados. É, contudo, por es-sas mesmas características, o setor que mais tem geradoempregos formais no interior do Estado, estando presenteem praticamente todas as regiões do Estado. O bom de-sempenho exportador do setor agroindustrial brasileiro temimpulsionado esse subsetor em todo o interior do Estadode São Paulo.

Em serviços, o subsetor de telecomunicações foi o que,depois de eletricidade, mais atraiu investimentos no Esta-do de São Paulo entre 1999 e 2002. Foram anúncios de

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investimentos no valor de US$ 10, 8 bilhões, o que repre-senta 13,2% do total de investimentos anunciados no Es-tado de São Paulo, no período considerado. No rankinggeral dos subsetores que mais atraem investimentos, man-teve-se de 1999 a 2001 sempre em segundo lugar, tendocaído, em 2002, para a nona posição.

Tal desempenho está associado, por um lado, ao pro-cesso de privatização do setor iniciado em meados dadécada de 90 e, por outro, ao fato de o Estado de São Paulopossuir a mais densa rede de telecomunicações do país. Amaior parte dos investimentos ocorreu no setor de telefo-nia, fixa e móvel, praticamente universalizando o acessoem todo o Estado de São Paulo. Também houve grandesinvestimentos em redes de fibras óticas que comunicamgrande parte dos municípios paulistas entre si e com asdemais grandes cidades do país. Os chamados serviços devalor adicionado no setor de telecomunicações, como oacesso à Internet por banca larga, também apresentaramgrande impulso, estando disponíveis em todos os municí-pios do Estado. Os serviços de TV a cabo ou por mini-parabólicas estão presentes em todos os 645 municípiospaulistas.

Atividades imobiliárias corresponderam ao segundosegmento no setor de serviços que mais atraiu investimen-tos, respondendo por anúncios no valor de US$ 7,4 bi-lhões, o que equivale a 9% do total dos investimentosanunciados no Estado de São Paulo, no período em ques-tão. Esse desempenho do setor imobiliário deve-se basi-camente a dois fatores: grande número de novos empre-endimentos imobiliários de alto padrão tecnológico parainstalação de escritórios, bancos e sedes de grandes em-presas, principalmente na cidade de São Paulo, com so-fisticados serviços de telecomunicações, informática,heliponto, etc.; e a enorme expansão de grandes shoppingcenters em praticamente todo o Estado de São Paulo, prin-cipalmente nos municípios de médio e grande portes.Mesmo em cidades tradicionais do interior do Estado, apraça central, geralmente a da Igreja Matriz, perdeu hámuito para os shopping centers seu papel de centro deencontro e convivência social.

Transportes terrestre e aéreo foram os subsetores queficaram, respectivamente, em terceiro e quarto lugares emvolume de investimentos no setor de serviços. Enquantoo primeiro atraiu anúncios de investimentos no valor deUS$ 3,6 bilhões no período (4,4% do total), o segundoregistrou anúncios de US$ 3,2 bilhões (3,9% do total). Nosubsetor de transporte terrestre, a maior parte dos investi-mentos concentrou-se na capital e na Região Metropoli-

tana de São Paulo. Os investimentos em Metrô e em redesde trens urbanos responderam pela maior parte dos anún-cios. Ocorreram também investimentos, mas bem menossignificativos, em serviços de ônibus urbanos. No setorde transporte aéreo, o auge foi em 2001, quando a disputaacirrada entre as duas maiores empresas do setor levou aoanúncio de grandes investimentos, principalmente na aqui-sição de novas aeronaves. Depois dos atentados de 11 desetembro de 2001, o setor aeronáutico entrou em crisemundial com reflexos sobre as principais empresas brasi-leiras. Os investimentos em 2002 caíram praticamente azero.

O subsetor de alojamento e alimentação foi, entre ossubsetores de serviços, o quinto em volume de investi-mento. Entre 1999 e 2002, foram anunciados investimentosde US$ 2,3 bilhões, o que corresponde a 2,8% do totalanunciado no Estado para o período. Os principais respon-sáveis são os grandes empreendimentos no setor hoteleiro,com a implantação das principais bandeiras do setorhoteleiro mundial não só na cidade de São Paulo, comotambém em número crescente de municípios do interior.

Houve também investimentos significativos em outrasáreas de serviços, tanto pessoais quanto os prestados aempresas, destacando-se: atividades auxiliares de trans-portes e agências de viagens; intermediação financeira;atividades recreativas, culturais e desportivas; e ativida-des de informática.

Distribuição Regional dos Investimentos

Quando se observa a distribuição espacial dos anún-cios de investimentos no período 1999-2002, chama a aten-ção a continuidade da expansão da mancha de concentra-ção de investimentos para além das regiões contíguas àRegião Metropolitana de São Paulo. De fato, nos últimosanos, o processo de reestruturação da indústria paulistaprovocou deslocamento de indústrias para o interior doEstado, sobretudo para as regiões de Campinas, São Josédos Campos, Santos e Sorocaba, que já tinham tradiçãomanufatureira e mão-de-obra qualificada. Somente em2001, a RMSP ultrapassou o interior em volume de in-vestimentos anunciados. Entretanto, se considerados aque-les anúncios localizados em diversos municípios – origi-nários de empresas com atuação em mais de um município,sem especificação do investimento por localidade e queestão espalhados por todo o Estado – no período analisa-do, o interior tem mostrado uma força crescente na atra-ção de investimentos.

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TENDÊNCIAS DE INVESTIMENTOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

É preciso, entretanto, matizar a clivagem RMSP/inte-rior, pois a designação genérica interior já não dá contadas múltiplas realidades existentes fora da Região Metro-politana de São Paulo. Vale lembrar que o interior abrigamunicípios de grande porte e até mesmo duas regiõesmetropolitanas (Baixada Santista e Campinas), ao lado deáreas rurais com baixo grau de desenvolvimento econô-mico, como o Vale do Ribeira. Considere-se, ainda, que adistribuição dos investimentos pelo interior do Estado nãoé uniforme, ao contrário, está fortemente concentrada nosmunicípios e regiões mais próximos da capital, configu-rando uma mancha que se estende num raio de cerca de150 quilômetros da capital do Estado. É bem verdade queesta pesquisa tem captado, nos últimos dois anos, um cer-to alargamento desta mancha, com a inclusão de municí-pios e regiões não contíguas à Região Metropolitana deSão Paulo no rol dos municípios com boa capacidade deatração de investimentos. O fato concreto a se observar éque esta mancha compreende o resultado de movimentoscomplexos. No caso da RMSP, há uma força centrífugarepresentada pelas deseconomias de aglomeração (polui-ção, trânsito, violência, custo de terreno, impostos, etc.),que tende a deslocar empreendimentos já existentes e anão atrair novos investimentos, e uma força centrípetarepresentada pelas economias de aglomeração (tamanhodo mercado consumidor, oferta de mão-de-obra, rede deserviços, proximidade com clientes e fornecedores), quemantém os que já estão instalados e atraem outros. No casodo interior, há um movimento com sentido oposto. A qua-lidade de vida, o custo da mão-de-obra e a boa infra-es-trutura de transporte e telecomunicações atraem novosempreendimentos para essas regiões. A distância dos prin-cipais mercados consumidores, dos fornecedores ou dosprincipais clientes atua no sentido oposto. Da interação

TABELA 2Investimentos Anunciados

Estado de São Paulo – 1999-2002

1999 2000 2001 2002Regiões Valor Valor Valor Valor

(US$ milhões) % (US$ milhões) % (US$ milhões) % (US$ milhões) %

Estado de São Paulo 21.171,36 100,00 23.478,03 100,00 23.381,90 100,00 14.432,33 100,00

RM de São Paulo 8.301,78 39,21 5.898,76 25,12 9.860,49 42,17 4.735,93 32,81

Interior do Estado 8.503,56 40,17 11.785,60 50,20 9.061,65 38,75 8.721,72 60,43

Demais Municípios (1) 4.366,02 20,62 5.793,67 24,68 4.459,76 19,07 974,68 6,75

Fonte: Fundação Seade.(1) Empresas com atuação em mais de um município, sem definição do investimento para cada município.

dessas forças surge uma resultante que, em última instân-cia, acaba por beneficiar aquelas regiões e cidades quenão estão tão longe da RMSP a ponto de dificultar o aces-so ao mercado, clientes e fornecedores, mas que permi-tem às empresas livrar-se dos seus graves problemas ur-banos. Conclusão: o equilíbrio entre essas forças acabapor determinar o tamanho da mancha de concentração daatividade econômica e, portanto, dos investimentos. Des-te modo, quanto maiores as deseconomias de aglomera-ção associadas à RMSP e quanto mais vantagens ofereci-das pelas demais regiões em termos de infra-estrutura,estrutura produtiva e tamanho de mercado, maior dispo-sição terão as empresas de ir cada vez mais longe da RMSP.Mantidas as tendências atuais, portanto, é de se esperarque essa mancha vá se espalhando a uma velocidade quedependerá, de um lado, da taxa de crescimento da econo-mia e, de outro, da capacidade ou não do poder públicode fazer frente aos graves problemas que afetam a metró-pole vis-à-vis a capacidade das grandes cidades do inte-rior de atrair novos investimentos sem degradar o meioambiente e a qualidade de vida local.

O movimento de atração de anúncios de investimentospor regiões administrativas também indica que a rigor nãohouve uma mudança significativa no ranking das regiões.As cinco primeiras regiões em valor de anúncios de in-vestimentos continuam a ser as mesmas desde 1999, comexceção do ano 2000, quando a Região AdministrativaCentral (São Carlos e Araraquara) ocupou a quarta posi-ção, ultrapassando a Região Metropolitana da BaixadaSantista e a Região Administrativa de Sorocaba, enquan-to a região de São José dos Campos ocupou a segundaposição, passando a região de Campinas. Exceto naqueleano, a ordem tem sido exatamente a mesma, ou seja, aRegião Metropolitana de São Paulo permanece em pri-

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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TABELA 3Investimentos Anunciados

Estado de São Paulo – 1999-2002

Posição 1999 2000 2001 2002Regiões Metropolitanas e 1999 2000 2001 2002 Valor Valor Valor ValorRegiões Administrativas (US$ % (US$ % (US$ % (US$ %

milhões) milhões) milhões) milhões)

Total 21.171,36 100,00 23.478,03 100,00 23.389,30 100,00 14.561,57 100,00

RM de São Paulo 1 1 1 1 8.301,78 39,21 5.898,76 25,12 9.867,89 42,19 4.729,93 32,48

RA de Campinas 2 3 2 2 4.086,37 19,30 3.816,76 16,26 3.736,36 15,97 2.797,48 19,21

RA de São José dos Campos 3 2 3 3 1.569,28 7,41 4.635,95 19,75 1.754,58 7,50 2.702,74 18,56

RM da Baixada Santista 4 5 4 4 1.193,90 5,64 654,07 2,79 1.361,33 5,82 752,12 5,17

RA de Sorocaba 5 6 5 5 953,70 4,50 651,01 2,77 698,74 2,99 558,20 3,83

RA de Araçatuba 11 8 11 6 39,87 0,19 215,42 0,92 34,52 0,15 479,57 3,29

RA Central 7 4 8 7 136,22 0,64 1.080,73 4,60 86,07 0,37 191,37 1,31

RA de Bauru 8 7 6 8 99,37 0,47 457,70 1,95 619,88 2,65 165,13 1,13

RA de Ribeirão Preto 6 9 7 9 219,11 1,03 102,42 0,44 565,43 2,42 108,67 0,75

RA de São José do Rio Preto 9 12 9 10 86,67 0,41 33,17 0,14 85,04 0,36 61,16 0,42

RA de Marília 10 11 10 11 77,45 0,37 53,52 0,23 66,12 0,28 56,18 0,39

RA de Franca 13 13 14 12 13,20 0,06 14,67 0,06 8,64 0,04 37,40 0,26

RA de Barretos 14 14 12 13 12,18 0,06 5,17 0,02 33,82 0,14 25,76 0,18

RA de Presidente Prudente 12 10 13 14 16,24 0,08 65,02 0,28 10,22 0,04 8,86 0,06

RA de Registro 15 15 15 15 - - - - 0,90 0,00 - -

Diversos Municípios (1) 4.366,02 20,62 5.793,67 24,68 4.459,76 19,07 1.887,00 12,96

Fonte: Fundação Seade.(1) Empresas com atuação em mais de um município, sem definição do investimento para cada município.

meiro lugar, seguida pelas regiões administrativas de Cam-pinas, São José dos Campos, Região Metropolitana daBaixada Santista e Região Administrativa de Sorocaba.

O bloco que compõe a mancha de concentração de in-vestimentos formada pela Região Metropolitana de SãoPaulo e seu entorno (regiões administrativas de Campi-nas, São José dos Campos, Sorocaba e Região Metropoli-tana da Baixada Santista) respondeu por quase 74,0% dosanúncios de investimentos coletados entre 1999 e 2002.É nessa mancha que se concentra o parque industrial pau-lista, com diversas vantagens locacionais que favorecema recente renovação industrial e, ao mesmo tempo, cons-tituem fatores de atração de novas indústrias e de expan-são daquelas existentes. Essa mancha mostra-se como umpólo receptor de grandes volumes de capital, mas tambémcomo destino para investimentos tecnologicamente deponta pelas vantagens comparativas de proximidade aogrande mercado consumidor da metrópole, mão-de-obraqualificada, densidade da malha urbana, infra-estrutura detransporte, telecomunicações e energia, serviços sofisti-cados de apoio, grande complementariedade industrial e

concentração de centros de conhecimento tecnológico. Nasdemais regiões do Estado, chama atenção o fato de quevárias delas mantêm-se ao longo período variando muitopouco a sua posição no ranking das regiões que registra-ram anúncios de novos investimentos, tais como Bauru,Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Marília, Franca,Barretos, Presidente Prudente e Registro. Outras, comoCentral e Araçatuba, destacam-se pela sua variação noranking, pois a primeira recebeu, em 1999, importantesinvestimentos no subsetor automobilístico no municípiode São Carlos e a segunda, em 2002, em virtude de umgrande investimento na construção de usina termelétricano município de Andradina.

MARIA CECÍLIA COMEGNO: Socióloga, Coordenadora de Projetos deGênero na Fundação Seade. Foi responsável pela Diretoria Adjunta deProdução de Dados desta Fundação ([email protected]).

LUÍS ANTONIO PAULINO: Engenheiro, Analista da Fundação Seade([email protected]).

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O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR

O

O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DOTERCEIRO SETOR

Resumo: O presente texto traz as experiências que a Fundação Seade vem desenvolvendo a fim de contribuirpara a quantificação e qualificação de informações estatísticas relacionadas ao Terceiro Setor.Palavras-chave: produção de dados estatísticos; terceiro setor; cadastro georreferenciado.

Abstract: This text presents those experiments being carried out by Fundação Seade aimed at contributing tothe quantification and the qualification of statistical information related to the Third Sector, Non-GovernmentalOrganizations.Key words: data production; third sector; geo-referenced registry.

FELÍCIA REICHER MADEIRA

MIRIAM RIBEIRO BIANCARDI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 177-184, 2003

Terceiro Setor é considerado hoje, ao lado do Es-tado e do setor privado, um importante sustentá-culo da sociedade moderna. Muito embora as or-

A verdade é que a questão do Terceiro Setor vem ga-nhando muita importância e destaque no contexto do de-bate acadêmico e político atual sobre o papel da socieda-de civil. De fato, embora a reflexão sobre a sociedade civiltenha sido sempre corrente nestes debates, nos últimos anosesta reflexão revestiu-se de novas e precisas especifica-ções conceituais, passando a ser reconhecida agora sob arubrica de “a nova sociedade civil”. Esta concepção ino-va basicamente ao referir-se à emergência de novos ato-res sociais, imbuídos de qualificações e que são conside-rados indispensáveis para a implementação de umdesenvolvimento sustentável.

Como eco desta reflexão internacional, processo se-melhante vem acontecendo no Brasil. As entidades dasociedade civil sem fins lucrativos dedicadas a açõessociais têm longa existência no país, entretanto, nas úl-timas décadas, têm se multiplicado com rapidez e alte-rado suas características no que diz respeito tanto à suaconstituição como à sua ação e aumentando a sua visibi-lidade. Cada vez mais elas vêm se consolidando em umformato que as distancia da tradicional dedicação à fi-lantropia e à caridade, para focalizar sua atuação noâmbito de um espaço mais politizado da sociedade or-

ganizações da sociedade civil de caráter público existamdesde há muito tempo, estas, curiosamente, não eram reco-nhecidas como pertencentes a um setor específico da eco-nomia. Somente a partir do início da década de 90 é queestas organizações passaram a ser conceituadas e mensura-das como um setor específico da economia, revelando suaimportância tanto social como econômica. A explicação paratal omissão são várias, mas uma dificuldade importante estána metodologia do cálculo das Contas Nacionais, conceitomacroeconômico que, dividindo as atividades humanas emagrícolas, industriais e de serviços, incluía as organizaçõesda sociedade civil nesta última classificação sem, no en-tanto, destacar suas características próprias. Neste concei-to econômico, pertencem ao item educação, por exemplo,tanto as organizações privadas como as públicas e as doTerceiro Setor. Ao conceituar o Terceiro Setor como o con-junto das organizações constituídas por agentes privados,mas com finalidade de produzir bens e serviços públicos,foi possível dar-lhe uma identidade distinta dos outros se-tores, permitindo sua visualização.

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ganizada e na busca de ampliação e racionalização dasua ação social. De fato, o crescimento do associativis-mo e de participação da população brasileira vem ama-durecendo em simultâneo à idéia de fragmentar a socie-dade em espaços de ação política que não mais seconfundem com as formas de representação, mas quepodem formar redes que se conectam solidariamente epotencializam as ações de proteção sociais. Essas novasformas de organização da sociedade têm sido recebidase, mais do que isto, muito estimuladas, devido também areflexões que vêm se reforçando na área de economiainstitucional e que apontam para o fato de que o asso-ciativismo é um forte indutor do desenvolvimento eco-nômico/social.

Certamente é este cenário, ou, mais que isto, esta cren-ça que faz com que estas novas entidades ou novas asso-ciações com serviços dedicados ao público venham setornando atores cada vez mais presentes tanto nas açõesmais gerais de desenvolvimento social (sobretudo na áreade geração de renda e alívio da pobreza), quanto nas açõesmobilizadoras de interlocutores mais qualificados nosfóruns de debates e discussões de políticas mais gerais,adquirindo por este motivo crescente visibilidade junto àmídia e ao público em geral.

A discussão internacional, com forte impacto sobre aagenda nacional, tem sido um reforço constante na ques-tão da importância da co-responsabilidade social e de com-plementaridade entre as ações efetivadas pelos diversossetores e atores que atuam no campo social. Existe a com-preensão, quase um consenso, de que a interação de açõese agentes que implementam políticas públicas propicia umatroca de conhecimento sobre as distintas experiências, oque acaba por proporcionar maior racionalidade, criativi-dade, qualidade e eficácia às ações desenvolvidas em to-das as instâncias envolvidas, sobretudo por evitar as su-perposições de recursos e competências.

A crescente aposta na importância da co-responsabi-lidade, por sua vez, tem impulsionado a constituição dafigura das parcerias, que implica reconhecer, entender eencontrar as formas de relacionamento entre agentes comlógicas distintas de atuação em torno de objetivos co-muns, sem perda de identidade e desvio de suas missõesinstitucionais. Na verdade, as significativas diferençasentre as lógicas de governo, de mercado e da sociedadecivil organizada são entendidas como complementares ecada vez mais necessárias e produtivas nas tarefas deformulação e implementação de uma estratégia de de-senvolvimento sustentável.

Pois bem, apesar do consenso em torno da relevânciado Terceiro Setor no desenvolvimento social, são cres-centes os desafios enfrentados pelos três setores para ga-rantir a eficiência esperada neste novo arranjo. Estes de-safios se traduzem por necessidades de redefinição de suasfunções tradicionais, novos formatos de organização in-terna, adequação de conformações jurídicas, melhorias nacapacitação de recursos humanos e na gestão institucio-nal, em busca da eficiência, transparência, avaliação equalidade de resultados e reconhecimento e legitimidadejunto à sociedade.

Várias ações têm sido desenvolvidas no sentido de en-frentar estes desafios, sobretudo para qualificar melhor asentidades e torná-las capazes de captar recursos, elaborar egerir os projetos, desenvolver metodologias de avaliação deresultados qualitativos e financeiros, etc. Entretanto, persisteainda um conjunto de dúvidas e incertezas sobre este mode-lo de atuação: como escolher a entidade mais adequada paraa realização de determinada parceria? A presença ou ausên-cia de uma parceria com entidades comunitárias faz dife-rença? Se faz, quanto e de que tipo? Quais são e como men-surar e reproduzir os efeitos benéficos?

Para começar a encaminhar respostas a estas e a outrasquestões, é absolutamente consensual a idéia da impor-tância e da urgência de organizar tanto um bom cadastroque atue com instrumento gerencial, como o desenvolvi-mento de uma pesquisa que qualifique e quantifique me-lhor o que vem sendo genericamente chamado de Tercei-ro Setor. Ocorre que, talvez, o maior desafio seja mesmoconstruir este cadastro.

O objetivo central deste texto é relatar três experiênciasda Fundação Seade relacionadas ao tema Terceiro Setor,explicitando as dificuldades, as limitações e as formas en-contradas para enfrentar e/ou contornar as dificuldades:- Cadastro das Entidades da Sociedade Civil da RegiãoLeste do Município de São Paulo, que serviu como subsí-dio para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas – Sebrae implementar o projeto Integração Leste;

- Censo/Cadastro Georreferenciado de Entidades Sociaisque atuam na área de cultura do Estado de São Paulo, quesubsidiou o projeto Fábrica de Cultura em Áreas de Vio-lência Juvenil, desenvolvido em parceria com o BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID);

- Guia do Terceiro Setor, que está em fase de desenvol-vimento, em parceria com a Fundação Mário Covas eUnicamp. As duas experiências anteriores oferecem pis-tas decisivas para o aperfeiçoamento deste projeto.

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O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR

DEMANDAS QUE CHEGAMÀ FUNDAÇÃO SEADE

Há algum tempo a Fundação Seade vem se qualifican-do para enfrentar, de forma competente, os desafios colo-cados para gerar, administrar e analisar um Cadastro deEntidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos, maisconhecidas como Terceiro Setor. Entende-se como Primei-ro Setor aquele no qual a origem e a destinação dos recur-sos são públicas, isto é, correspondem às ações do Estado.Já o Segundo Setor refere-se ao capital privado, sendo aaplicação dos recursos revertida em benefício próprio. Aatuação do Terceiro Setor ocorre na esfera pública não-estatal, formada a partir de iniciativas privadas, voluntá-rias, sem fins lucrativos, e no sentido do bem comum.

Por se tratar de tarefa importante, demandada insisten-temente por diferentes setores da sociedade, a FundaçãoSeade decidiu enfrentar este desafio, mesmo tendo pre-sente as enormes dificuldades de levar a cabo tal ativida-de. Como órgão estatal responsável pela produção e dis-seminação de estatísticas para a sociedade em geral, aFundação Seade está atenta às novas e crescentes deman-das de informação colocadas pela agenda social mais atua-lizada, contribuindo para a transparência das ações de in-teresse público e social. Neste sentido, a instituição estáciente da importância deste produto para todos aquelesque necessitam de instrumentos de gestão para programassociais e que atuam notadamente nos campos de planeja-mento, implementação e avaliação de políticas públicas.

A situação vivenciada hoje, de enorme lacuna de in-formações sistematizadas e organizadas do Terceiro Se-tor, decorre de três fatores: inexistência de um cadastroqualificado, já que os disponíveis foram idealizados paraoutras finalidades, são de difícil acesso e restringem-se,muitas vezes, a áreas de atuação específicas, além de ra-ramente atualizados; os cadastros existentes quase nuncacontêm dados que permitam qualificar adequadamente estesetor; e, muito especificamente, as dificuldades para seconceituar o que é, afinal, o Terceiro Setor, uma vez quea denominação abriga uma grande variedade de institui-ções da sociedade civil com objetivos e estratégias dis-tintas, cujos elementos de identidade correspondem à au-sência de fins lucrativos e à promoção de interessespúblicos. Nesse universo, incluem-se instituições filantró-picas, entidades profissionais, associações religiosas e debairros, fundações, etc.

A intenção é gerar e disponibilizar na Internet um con-junto de informações que contribuirá fortemente para tor-

nar mais fácil e eficiente o esforço de responsabilidadesocial que vem ganhando força no Brasil e, de modo es-pecial, em São Paulo. A idéia é trazer à tona e dissemi-nar informações sobre a atuação das entidades do Ter-ceiro Setor e seu papel social, tais como: tipo de açõesdesenvolvidas; população atendida; história das parce-rias; etc. Seria interessante também dar um tratamentoespecial aos aspectos econômicos relativos a receitas,despesas, fontes de financiamento, características dosseus colaboradores, bem como remuneração e jornadade trabalho dos funcionários. Finalmente, é importantetentar coletar e organizar as informações de modo a setornarem minimamente comparáveis com os levantamen-tos internacionais.

RELATO DAS EXPERIÊNCIAS

Cadastro das Entidades da Sociedade Civil daRegião Leste de São Paulo

O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Metropoli-tano – Prodem – Integração Leste, concebido pelo Sebrae-SP, tinha como objetivo central a promoção de ações in-tegradas de políticas voltadas para o desenvolvimentosocioeconômico sustentável do grande e problemáticoaglomerado urbano que é a região Leste do Município deSão Paulo. Em sua concepção, o Prodem apostava – emconsonância com o conceito que predomina hoje: o poderda “nova sociedade civil” – que a melhor forma de imple-mentar um projeto desta natureza seria através da forma-ção de parcerias com agentes locais da sociedade civil.Ou seja, considerava-se que a integração das micros epequenas empresas com outras formas de organizações dasociedade civil – cooperativas, empresas de participação,empresas de autogestão, associações, entidades de repre-sentação, ONGs, instituições de ensino, etc. – seria de vitalimportância para a economia local e para a construção denovos espaços sociais de geração de ocupação e renda deforma sustentável. Assumida essa postura conceitual, umadas ações prioritárias passou a ser a elaboração de umCadastro das Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lu-crativos desta área do Município de São Paulo.

Na verdade, tal demanda vinda do Sebrae, para o de-senvolvimento do projeto Integração Leste, repetia umasolicitação constante e insistente, que chegava ao Seade,de órgãos públicos e privados que lidam com implemen-tação de ações na área genericamente conhecida comodesenvolvimento social.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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Diante desta constante demanda, a Fundação Seadeaceitou a tarefa proposta pelo Sebrae de cadastrar todasas Entidades da Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos daZona Leste do Município de São Paulo, buscando levan-tar tanto dados puramente cadastrais como algumas indi-cações sobre a atuação das mesmas no ano de 2000: obje-tivos, âmbito de atuação, número de funcionários ouprestadores de serviços, número de voluntários, fontes derecursos, atividades principais, beneficiários, etc. Consi-derou-se importante também, para o bom andamento doprojeto, que o cadastro de endereços pudesse contar como recurso de georreferenciamento e que, além disso, osmesmos fossem plotados sobre uma base digitalizada desetores censitários, o que possibilitaria agregar importan-tes informações demográficas e socioeconômicas ao ca-dastro. Organizado e apresentado nesta forma, ou seja,somando a visualização geográfica do conjunto de enti-dades que atua em uma determinada região a informaçõessociodemográficas disponíveis para os setores censitários,o cadastro seria uma ferramenta poderosa para se chegarde forma direta e pontual à entidade desejada, bem comoao público-alvo, tornando muito mais eficientes e trans-parentes tanto as ações quanto o processo de escolha dasentidades.

O primeiro problema que se colocou para a nossa equipefoi exatamente responder à questão: o que é Terceiro Se-tor? Após uma consulta bibliográfica nacional e interna-cional, discutindo inclusive a pesquisa desenvolvida pelopessoal do Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS/FGV e aplicada em Jaboticabal, tomou-se a primeira de-cisão: em face da fragilidade dos estudos teóricos encon-trados e da diversidade de situações nacionais apontadas,a investigação seria estendida a todas as entidades semfins lucrativos (exceto cartórios e condomínios), de modoa identificar, em toda sua complexidade, a situação en-contrada no país.

O cadastro inicialmente utilizado foi uma combinaçãodos cadastros IBGE-97 e Rais MTE-98, selecionando-seas entidades sem fins lucrativos e também cooperativas eentidades com natureza jurídica pública atuando em açõessociais, para averiguar se pertenciam ou não ao TerceiroSetor. Aí também se apresentou outra dificuldade, que eracomo separá-las segundo sua organização jurídica.

A idéia inicial era contatar, por telefone, as entidadeslocalizadas pelos cadastros. Entretanto, esta proposta foiinviabilizada dada a mudança dos prefixos dos númerosde telefones que acontecia, exatamente naquele momen-to, em todo o Estado de São Paulo. Além disso, os pri-

meiros telefonemas mostraram que os responsáveis pelasentidades tinham enorme interesse em nos contatar pes-soalmente para relatar com maior precisão a complexida-de de sua ação.

Decidiu-se, então, realizar uma pesquisa por meio devisitas às entidades, o que mostrou ser de grande valia paracomeçar a entender melhor este complexo universo. En-tre março e junho de 2001, pesquisadores treinados pelaFundação Seade realizaram visitas aos locais de funcio-namento das entidades arroladas, procedendo ao levanta-mento dos dados cadastrais e demais informações já rela-cionadas.

O primeiro exercício de georreferenciamento do cadas-tro obtido via comparação/compatibilização dos cadastrosIBGE e Rais mostrou a existência de inesperados vazios,exatamente em áreas habitadas pelas populações de maisbaixa renda, que deveriam ser o alvo das ações do Sebrae.Ocorre que, empiricamente, era do conhecimento doSebrae que, naquela área, havia um número expressivo deassociações em funcionamento. Para investigar o porquêda ocorrência desses vazios, foram tomadas duas decisões:coletar cadastros de diferentes entidades que realizavamparcerias com entidades na RMSP – fundações, associa-ções, secretarias, etc. –; e realizar uma busca de endere-ços individuais através das consultas ao Cadastro Nacio-nal de Pessoa Jurídica, da Secretaria da Receita Federal.Retiradas as duplicidades, o cadastro preexistente foiampliado em cerca de 25% (em torno de 1.100 novas en-tidades foram encontradas, somando-se a um cadastrooriginal de cerca de 4.000 entidades).

O levantamento foi a campo com um Cadastro Base de5.047 entidades. Deste total, cerca de 26,2% das entre-vistas não foram realizadas por diversos motivos, comoexposto na Tabela 1. Entre estes, destaca-se o problemarelativo à atualidade do cadastro, comum em levantamen-tos desta natureza, que foi responsável por cerca de 18%dos questionários não respondidos. O produto final é cons-tituído por 3.501 Entidades da Sociedade Civil Sem FinsLucrativos da Zona Leste do Município de São Paulo,sendo que 3.341 contam com informações integrais e 160somente com os dados cadastrais.

As entidades sem fins lucrativos cadastradas, que esta-vam ativas na Zona Leste, em 2000, totalizam 3.388 eforam distribuídas segundo sua natureza jurídica (Tabela2). As Associações representam a maioria das entidadessem fins lucrativos pesquisadas na Zona Leste (49,5%),seguidas pelas Instituições Religiosas e/ou entidadesConfessionais (31,7%). As formas consideradas mais

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O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR

modernas de organização, ONGs e Oscips, correspondema cerca de 2% do universo pesquisado. Ainda de maneiraexpressiva aparecem as Associações de Pais e Mestres(15,4%).

De maneira geral, observou-se que grande parte dasentidades atua há longo período, pois mais da metade de-senvolve suas atividades há dez anos. Cerca de um terçodelas foi fundado a partir de 1991. Entre estas, 53,8% noperíodo entre 1991 e 1995 e as demais entre 1996 e 2001.

Em resumo, estas experiências mostram que organizarum cadastro qualificado das entidades da sociedade civilsem fins lucrativos foi e persiste sendo uma tarefa desa-fiadora, com grandes obstáculos, entretanto, perfeitamentefactível, contrariando o freqüentemente enunciado. Asprincipais dificuldades compreendem:- obtenção dos diferentes cadastros pertencentes a diver-sas instituições, já que estes são percebidos pelas mes-mas como uma espécie de fonte de poder;

- enorme quantidade e heterogeneidade dos cadastrosparciais disponíveis: quanto à linguagem, aos critérios deseleção e à superposição ou duplicação de informações;

- organização e formatação das questões que compõem oquestionário. Nesse sentido, o cadastro gerado ultrapassaem muito a simples coleta e agrupamento de cadastros jáexistentes, uma vez que envolve ampla tarefa de padroni-zação, normatização e estruturação da linguagem para afácil e rápida recuperação desses registros.

Cadastro da Área Cultural e Esportivana Região Metropolitana de São Paulo

Trata-se de uma demanda da Secretaria de Cultura doEstado de São Paulo e o objetivo foi cadastrar e georrefe-renciar as entidades sem fins lucrativos que atuam na áreade cultura, esporte e lazer na Região Metropolitana de SãoPaulo. Esta informação foi utilizada para subsidiar o pro-jeto Fábricas de Cultura, realizado com o financiamentodo BID e que pretende desenvolver equipamentos e açõesculturais em áreas periféricas do Município de São Pau-lo, onde se concentram as áreas de maior índice de vio-lência juvenil.

A base do cadastro foi novamente o Cadastro Centralde Empresas – Cempre, organizado pelo IBGE, para 1999,com dados referentes a 1998. Através deste cadastro, che-gou-se a uma relação de 1.743 entidades sem fins lucrati-vos, definidas segundo a natureza jurídica da empresa.Com a atualização realizada através do cadastro de 2000,

TABELA 1

Distribuição das Entidades da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos,segundo Levantamento da Pesquisa

Zona Leste do Município de São Paulo – 2000

Levantamento da PesquisaNúmeros

%Absolutos

Cadastro Original 5.047 100,0

Entrevistas Realizadas Completas 3.341 66,2

Entrevistas Realizadas só a Parte Cadastral 160 3,3

Entrevistas Não Realizadas 1.321 26,2

Fechada 607 12,0

Mudança para Local Desconhecido da Zona Leste 175 3,5

Duplicidade no Cadastro 169 3,3

Mudança para Local Fora da Zona Leste 112 2,2

Recusa 136 2,7

Sem Informação 122 2,4

Entidades Excluídas Posteriormente (1) 225 4,5

Entidades Novas (2) 33

Fonte: Sebrae/Fundação Seade. Cadastro das entidades da sociedade civil sem fins lucrati-vos da Zona Leste do Município de São Paulo.(1) Entidades privadas com fins lucrativos; telemínios, escolas e pessoas físicas.(2) Não estão incluídas no Cadastro Original.

TABELA 2

Distribuição das Entidades da Sociedade Civil sem Fins Lucrativos Ativas,segundo Natureza Jurídica

Zona Leste do Município de São Paulo – 2000

Natureza JurídicaNúmeros

%Absolutos

Total Geral 3.388 100,0

Associações 1.676 49,5

Associação sem Fins Lucrativos 1.603 47,3

Organização Não-Governamental – ONG 64 1,2

Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público – Oscip 9 1,9

Fundação ou Instituto 41 1,2

Igrejas – Instituição Religiosa / Entidade Confessional 1.073 31,7

Associação de Pais e Mestres 522 15,4

Outros 76 2,2

Cooperativa 6 0,2

Entidade Sindical de Trabalhadores 39 1,2

Sociedade de Advogados 3 0,2

Órgão Público dos Poderes Executivo,

Legislativo ou Judiciário 1 0,0

Outra Natureza 23 0,7

Entidade Sindical Patronal 4 0,1

Fonte: Sebrae/Fundação Seade. Cadastro das entidades da sociedade civil sem fins lucrati-vos da Zona Leste do Município de São Paulo.

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foram incorporadas 140 novas entidades. A seleção da áreade atuação – esporte, cultura e lazer – foi definida segun-do a atividade principal e baseou-se na Classificação Na-cional de Atividades Econômicas – CNAE. Da combina-ção dos cadastros do Cempre 1998 e 1999 com a CNAEem cultura e esportes, chegou-se a um total de 2.287 enti-dades (1.743 do cadastro original; 146 novas entidadesda atualização do cadastro Cempre/1999; 430 classifica-das, por meio da CNAE, como “possíveis entidades comatuação em cultura e esportes”; excluindo-se 32 que ha-viam encerrado suas atividades, conforme apurado pelapesquisa “Cadastro de Entidades Sem Fins Lucrativos daZona Leste”). Desse total, excluíram-se 344 entidadesdevido à falta ou erro de informação sobre o endereço,totalizando 1.943 entidades no cadastro. Dessas, foramrealizadas, entre agosto e outubro de 2001, 1.129 entre-vistas completas, 36 apenas o bloco cadastral e 802 nãoforam realizadas. Note-se que foram acrescidas 24 enti-dades que não faziam parte do cadastro original, mas fo-ram localizadas nos endereços investigados e se enqua-dravam nos critérios do levantamento, perfazendo 1.967instituições no universo pesquisado.

Com a distribuição espacial das entidades na RegiãoMetropolitana de São Paulo, observaram-se, ao mesmotempo, enorme concentração de equipamentos culturais eentidades que trabalham com cultura nas áreas centraisdo Município de São Paulo e grandes “vazios” de entida-des culturais no espaço da Região Metropolitana de SãoPaulo. Em seguida, buscou-se localizar novos equipamen-tos culturais junto à população jovem em uma das áreasperiféricas em que há elevada incidência de violência: oJardim Ângela, na Zona Sul do Município de São Paulo.

Considerou-se relevante mencionar a enumeração depessoas que realizam trabalho voluntário – 75 mil na ZonaLeste (1,9% da população local) e cerca de 8 mil em enti-dades culturais, esportivas e de lazer.

A importância da construção de um cadastro das enti-dades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para a pro-moção da cultura, é ratificada pelo reconhecimento cres-cente da importante participação dessas entidades comoparceiras ou protagonistas no desenvolvimento e inserçãode atividades, programas e políticas das áreas social ecultural. Esse reconhecimento é um fenômeno mundial evem sendo objeto de investigação de diversos organismose instituições internacionais.

Deve-se ressaltar que se buscou ampliar a pesquisapara além da atualização de cadastro, disponibilizandoinformações abrangentes sobre o perfil e a forma de atua-

ção destas entidades. Além dessa ampliação do escopodo trabalho, apresentam-se também as informações geor-referenciadas, que proporcionam uma outra dimensão naanálise dos resultados, uma vez que possibilitam locali-zar espaços de atuação das entidades culturais e identi-ficar em que medida esses espaços de atuação na áreacultural substituem, complementam ou se sobrepõem aação governamental.

O padrão de atuação do Estado nessa área tem-se pau-tado não mais exclusivamente pela atuação direta, mas peloincentivo às entidades não-governamentais (privadas comou sem fins lucrativos) no estímulo às atividades cultu-rais. As leis de incentivo nos âmbitos federal, estadual oumunicipal são instrumentos que possibilitam efetivar aestratégia de descentralização e de fortalecimento da par-ticipação da sociedade civil na definição de ações na áreacultural.

Guia do Terceiro Setor

Trata-se de um projeto que ambiciona disponibilizarna Internet, no formato georreferenciado, um conjuntosignificativo de entidades do Terceiro Setor que atuam noEstado de São Paulo. Este modelo de disseminação dasinformações possibilitará localizar no espaço das cidadesas organizações cadastradas, além de caracterizá-las se-gundo um conjunto de informações básicas: nome, ende-reço, telefone, endereço eletrônico, natureza jurídica, datada fundação, atividade principal, existência de computa-dor com acesso à Internet, número de funcionários e vo-luntários, ocorrência de parcerias com o setor público eprivado, principal fonte de recursos e público-alvo. O pro-jeto prevê ainda a atualização anual do cadastro.

O desenvolvimento de um instrumento de gestão deprojetos sociais de tal envergadura e sua disponibilizaçãona Internet certamente tornariam mais fácil e muito maiseficiente o esforço de responsabilidade social que vemganhando força no Brasil e, de modo especial, em SãoPaulo. Particularmente beneficiados serão os organismospúblicos, em geral, e as secretarias estaduais e munici-pais, em particular, que firmam parcerias com redes deentidades da sociedade civil, além de instituições do se-tor privado que desenvolvem ou pretendem desenvolverprojetos sociais que incluam redes de Organizações Não-Governamentais da sociedade civil.

Apesar da experiência acumulada nos trabalhos ante-riores, e que sugeriam a importância do contato direto coma entidade a ser cadastrada, a metodologia para realizar o

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O DESAFIO DAS ESTATÍSTICAS DO TERCEIRO SETOR

Guia do Terceiro Setor deverá seguir um outro caminho.O principal motivo desta correção de rumo é o acesso re-cente ao Cadastro da Receita Federal. De acordo com estecadastro, existem no Estado de São Paulo cerca de 130.000entidades da sociedade civil sem fins lucrativos.

Destaca-se que o universo de pesquisa foi compostopelo Cadastro da Receita Federal (CNPJ – Cadastro Na-cional de Pessoas Jurídicas da Receita Federal) e tambémpelos cadastros da Rais – Relação Anual de InformaçõesSociais, do Cempre – Cadastro Central de Empresas, doIBGE, cadastros de diferentes secretarias estaduais e mu-nicipais e até os vários cadastros das entidades e institui-ções públicas e privadas que atuam no Terceiro Setor. AFundação Telefônica contribuiu com a doação de uma basede dados que associou aos CNPJs disponíveis cerca de25% de números telefônicos, o que, infelizmente, é umpercentual pouco expressivo, inviabilizando uma aborda-gem somente telefônica às entidades.

Essa unificação e consolidação possibilitou, ainda queem caráter preliminar, um conjunto bem interessante deresultados, como o já observado, de que estamos tratandode um universo com a magnitude de quase 130.000 enti-dades da sociedade civil, formalmente constituídas e ins-taladas no Estado de São Paulo. Dessas, quase 60% estãodispersas no interior do Estado. Já a Região Metropolita-na de São Paulo participa com mais de 40%, ou seja, apro-ximadamente 60 mil entidades. O Município de São Pau-lo destaca-se no abrigamento de mais de 40 mil instituiçõessem fins lucrativos, em 2002. Desse total, cerca de 70%correspondem a organizações religiosas, entidades des-portivas e outras associações.

Essas informações serão objeto de inúmeras checagense consistências. Adicionalmente, o Guia do Terceiro Se-tor pretende desvelar alguns dos tantos aspectos, tais como:questionamentos sobre as respectivas áreas de atuação;segmentos sociais que costumam atender; fontes de finan-ciamento; relações de parcerias; etc.

Desse modo, em função da magnitude do universo pes-quisado e dos altos custos que decorreriam de uma inves-tigação em campo (à propósito do que ocorreu com osprojetos Sebrae e Secretaria de Estado da Cultura) com ocontato direto dos pesquisadores junto aos representantesdas associações, a Fundação Seade e parceiros decidirampor um novo conjunto de procedimentos para coleta deinformações:- disponibilização, no site do Seade e da Fundação Má-rio Covas, de informações oriundas do atual cadastro uni-ficado e sistematizado pela Fundação Seade e, concomi-

tantemente, apresentação de um formulário eletrônico quepoderá ser acessado pelas instituições por meio de umasenha (CNPJ), para que as mesmas, mediante seu repre-sentante legal, confirmem seus dados cadastrais e respon-dam a resposta a uma pesquisa de qualificação dos dadosda instituição. Obviamente, procedimentos específicosserão utilizados para tratar com as novas instituições (nãoconstantes do cadastro inicial) que acessem os sites, demodo a incluí-las e qualificá-las;- desenvolvimento de uma estratégia de divulgação emarketing junto aos mais relevantes agentes relacionadosao Terceiro Setor, desde rádios comunitárias, jornais re-gionais e de bairro, até prefeitos dos municípios paulis-tas, redes como RITS – Rede de Informação do TerceiroSetor, Setor 3 do Senac, Abong – Associação Brasileirade ONGS, Conselho Regional dos Contabilistas, Funda-ção Telefônica, Instituto Ethos, entre outros. Nossos es-forços serão no sentido de tê-los como agentes de divul-gação e parceiros estratégicos na construção do Guia, comcontribuições que poderão traduzir-se na cessão de vo-luntários para ações específicas, investimento de recur-sos financeiros ou intercâmbio de expertises;- aplicação de um sistema de controle e consistência dosdados coletados pela Internet, por intermédio de uma equi-pe de telepesquisa, especialmente treinada para contatostelefônicos e checagem da veracidade das informaçõesobtidas remotamente;- retroalimentação do site do Seade e da Fundação Má-rio Covas com os dados cadastrais e de qualificação dasentidades, num processo cumulativo e de aperfeiçoamen-to permanente do Guia do Terceiro Setor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos que serão muitas as dificuldades, desdecompor parcerias eficazes e sensibilizar dirigentes do se-tor sobre a importância e fidedignidade das informaçõesrelativas às suas entidades, até desenvolver e aperfeiçoarinstrumentos eletrônicos de coleta de dados, solucionarproblemas metodológicos conceituais (como, por exem-plo, decidir sobre a melhor forma de classificar as ativi-dades desenvolvidas pelas entidades), oferecer treinamentoespecializado em pesquisa telefônica e analisar, especial-mente de forma criteriosa, os aspectos relevantes paradivulgação.

Entretanto, como comprova a trajetória que a Funda-ção Seade escolheu fazer desde a primeira vez em que foi

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solicitada a produzir informações estatísticas sobre o Ter-ceiro Setor, não faltarão empenho, flexibilidade e criati-vidade para alcance desse objetivo.

O desenvolvimento de um instrumento de gestão deprojetos sociais de tal envergadura e sua disponibilizaçãona Internet certamente tornarão mais fácil e muito maiseficiente o esforço de responsabilidade social que vemganhando força no Brasil e, de modo especial, em SãoPaulo.

Particularmente beneficiados serão os organismos pú-blicos, em geral, e as secretarias estaduais e municipais,em particular, que firmam parcerias com redes de entida-des da sociedade civil, além de instituições do setor priva-do que desenvolvem ou pretendem desenvolver projetossociais que incluam redes de organizações não-governa-mentais da sociedade civil.

O propósito é que ao longo do tempo, ao se cristalizaruma metodologia de captação e organização de dados doTerceiro Setor, especialmente aquela parcela que envol-ve as pequenas entidades comunitárias, a Fundação Seadee seus parceiros venham a se tornar, via Internet, centrosde referência para coleta e consultas mais detalhadas deinformações relativas ao Terceiro Setor, sobretudo aque-le de perfil mais comunitário.

Portanto, essa contribuição será decisiva ao fortale-cimento do Terceiro Setor para a evolução e o aperfei-çoamento da implementação de políticas compensatórias,visando as populações mais necessitadas, e para a ma-

croeconomia, uma vez que permitirá o conhecimento dasestatísticas reais de um importante segmento da ativida-de econômica, geração de emprego e cidadania.

O legado mais importante da realização deste trabalho,contudo, talvez seja o de instalar a transparência das açõesrealizadas em parcerias com o setor público. De fato, umavez instalado o Guia do Terceiro Setor na Internet, pro-blemas graves e freqüentes, como o desconhecimento dodesempenho da entidade para a qual se está repassandoverba, das fontes de financiamentos a que ela teve acesso,da sua capacidade de gerenciamento dos mesmos e da suainserção na comunidade do entorno, poderão ser natural-mente minimizados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BNDES. Terceiro Setor e desenvolvimento social. Brasília: jul. 2001.(Relato setorial, n.3).

FERNANDES, R.C. Privado porém público – o Terceiro Setor na Amé-rica Latina. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

SALAMON, L.M.; HELMUT, K.A. The emerging nonprofit sector –an overview. Manchester, UK: Manchester University Press, 1996.

FELÍCIA REICHER MADEIRA: Socióloga, Demógrafa, Diretora Executi-va da Fundação Seade ([email protected]).

MIRIAM RIBEIRO BIANCARDI: Economista, Analista da Fundação Seade([email protected]).

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AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...

A

AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAISbalanço das experiências

e contribuição para o debate

Resumo: O artigo recupera as avaliações de programas sociais desenvolvidas pela Fundação Seade. Inicia-secom os pressupostos teóricos e metodológicos que orientam a atividade de avaliação de programas e recuperaas principais experiências existentes, com ênfase nos aspectos metodológicos.Palavras-chave: programas sociais; metodologias de avaliação.

Abstract: This article revisits the evaluations of social programs elaborated by Fundação Seade. It takes as itsstarting point the theoretical and methodological assumptions that guide program evaluation, and addressesthe principal prevailing experiences, with an emphasis on methodological aspects.Key words: social programs; evaluation methods.

SONIA NAHAS DE CARVALHO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 185-197, 2003

avaliação de políticas públicas na Fundação Seadedata de período recente e a experiência acumula-da até o momento consiste na avaliação de pro-

trução permanente com, pelo menos, dois sentidos com-plementares. O primeiro refere-se às metodologias de ava-liação e consiste no aperfeiçoamento contínuo de mode-los de análise, técnicas e instrumentos. O segundo defineos objetivos que orientam a promoção dessa atividade que,mantendo-se técnica, destina-se ao aprimoramento daspolíticas sociais em seus propósitos de solucionar proble-mas e atender a carências. Com base nas experiências de-senvolvidas e na literatura sobre o tema, alguns pressu-postos vêm orientando a construção dessa atividade.

O campo mais geral de entendimento da avaliação pres-supõe a noção de que políticas públicas consistem emprocesso contínuo de decisões, que se alteram permanen-temente. Em realidade, “o objeto central da avaliação é oprocesso das políticas públicas. (...) Parece-nos mais apro-priado, do ponto de vista empírico, e sem dúvida maisconsistente com a proposição relativa à onipresença dapolítica, ver o sistema das políticas públicas como umprocesso em fluxo (grifo nosso), que se caracteriza porconstantes barganhas, pressões e contrapressões, e não raropor redefinições do próprio objeto das decisões”. Doisaspectos devem ser destacados. “Um, o processo tempo-ral da constante redefinição dos objetos em jogo, como

gramas sociais específicos para atender a demandas dis-tintas e baseadas em orientações metodológicas hetero-gêneas. Apresentar essa experiência tem por propósito con-tribuir para a discussão do significado da avaliação noprocesso das políticas públicas e para o aperfeiçoamentode metodologias de avaliação, com ênfase nas políticassociais. Os projetos de avaliação escolhidos foram: pós-ocupação de conjuntos habitacionais ofertados pela Com-panhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano –CDHU; Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Traba-lho, de coordenação da Secretaria Estadual do Emprego eRelações do Trabalho; Programa Telecurso 2000, execu-tado pela Federação das Indústrias do Estado de São Pau-lo em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego;e os programas estaduais Atuação em Cortiços e Fábricasde Cultura, desenvolvidos pela CDHU e Secretaria daCultura, com apoio financeiro do Banco Interamericanode Desenvolvimento.

Além de recente, a avaliação de programas sociais naFundação Seade é uma atividade em processo de cons-

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produto de decisões anteriores. Outro, o processo pelo qualse altera a própria definição do que é ou não objeto dedecisão política; ou seja, o processo pelo qual objetos antescongelados ou tidos como parâmetros não negociáveisdeixam de sê-lo.” (Lamounier, s.d.:3-4).

Se o sistema das políticas públicas é um processo emfluxo, por associação uma dada política pública não podeconfigurar-se como seqüência linear de etapas. De for-ma distinta de interpretações anteriores,1 que tratavam aspolíticas públicas como etapas estanques e sucessivas deformulação, implementação e avaliação de decisões pre-viamente tomadas, a abordagem que melhor expressa oquadro real das políticas públicas é as que a consideracomo processo contínuo de decisões que, se de um ladopode contribuir para ajustar e melhor adequar as ações aoseu objeto, de outro, pode alterar substancialmente umapolítica pública.

Consoante esse entendimento, a avaliação é parte cons-titutiva do processo da política pública. Ou seja, ele nãoé unicamente formulação e implementação de ações. Aavaliação integra-se a esse processo como atividade per-manente que acompanha todas as fases da política públi-ca, desde a identificação do problema da política até a aná-lise das mudanças sociais advindas da intervenção pública.

Se, na aparência, a formulação e a implementação depolíticas ou programas são vistas como fases distintas, poisentendidas, respectivamente, como diagnóstico de proble-mas e propostas para sua solução e como execução depassos previamente definidos e organizados, em realida-de elas não se distinguem tão facilmente. A própria im-plementação de ações é, e de fato assim ocorre, um cons-tante (re)definir das decisões, recomendadas pela políticaem momentos anteriores de seu processo.

A avaliação, por sua vez, não se confunde com a se-qüência final desse processo. “De princípio, é preciso fri-sar que a avaliação deve ser remetida strictu senso à no-ção de análise. Isso quer dizer que a avaliação se dá aolongo de todo o processo, seja na formulação, seja naimplementação, ou mesmo nos impactos ou efeitos pro-vocados pelas duas etapas anteriores” (Carvalho; Costa,1986:8).

Integrar a avaliação ao processo das políticas públicasnão significa, contudo, que ela deva ser promovida pelasagências responsáveis por sua implantação. Ao contrário,a posição que a avaliação ocupa no processo das políticaspúblicas é externa aos agentes gestores e executores e sin-gular em face de seus propósitos. Semelhante aos estu-dos feitos em outras instituições, na Fundação Seade a

avaliação de políticas públicas visa ajustar ou validar ob-jetivos, metas e focos sociais, adequar os meios utiliza-dos aos fins propostos, quantificar e qualificar o atendi-mento realizado e os benefícios gerados, identificar osimpactos ou efeitos das ações nas condições de vida dosbeneficiários diretos e indiretos. Diante desses objetivos,a avaliação distingue-se nas modalidades avaliação deprocesso e avaliação de impacto, estruturadas, em geral,em metodologias de análise comparada entre o “antes” eo “depois”, entre o “proposto” e o “realizado” e entre“meios” e “fins”.

A avaliação de processo visa acompanhar e avaliar aexecução dos procedimentos de implantação dos progra-mas e políticas e diferencia-se em avaliação de eficácia ede eficiência. O objeto central dessa modalidade é avaliara adequação dos meios e recursos utilizados perante osresultados parciais ou finais, referenciados aos objetivose metas propostos pela política ou programa. Ressalve-se, contudo, que avaliar processo não pode se confundircom monitorar programas, uma ferramenta de gerencia-mento aplicada durante sua execução.

A avaliação de impacto é aquela que focaliza os efei-tos ou impactos produzidos sobre a sociedade e, portan-to, para além dos beneficiários diretos da intervençãopública, avaliando-se sua efetividade social. Dois pressu-postos orientam a avaliação de impacto. O primeiro reco-nhece propósitos de mudança social na política em análi-se e, neste caso, faz sentido estruturar a investigação paramensurar seus impactos. O segundo pressuposto é o queestrutura a análise com base em uma relação causal entrea política ou programa e a mudança social provocada.Pode-se constatar empiricamente mudanças, proceder àsua diferenciação, à sua quantificação, etc. Contudo, parase analisar o impacto dessas mudanças, é preciso estabe-lecer a relação causa–efeito entre estas e a ação públicarealizada por meio da política. Em suma, não basta cons-tatar a ocorrência da mudança; é preciso provar que foicausada pelo programa.

Por fim, a avaliação é instrumental de análise paraavaliar a eficiência, a eficácia – e, portanto, o processo dapolítica ou programa – e a efetividade – ou seja, os im-pactos das ações promovidas pela política ou programa.Nessa perspectiva, a avaliação inscreve-se no campo dasCiências Sociais Aplicadas e se organiza e se desenvolveapoiada nos referenciais conceituais das diferentes Ciên-cias Sociais. As abordagens podem ser da Microeconomiacom conceitos como os da maximização de benefícios eminimização de custos, da Ciência Política apoiando-se

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AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...

na teoria dos conflitos e em conceitos como o da forma-ção de arenas decisórias e das formas institucionais degoverno, ou da Sociologia e os referenciais conceituaispara a elaboração de diagnósticos, reconstrução de pro-cessos sociais, etc.

Como instrumental de análise, a avaliação vale-se tam-bém dos métodos próprios da pesquisa social. A sua es-colha, contudo, não é aleatória nem mesmo predetermi-nada, pois o pressuposto é que seja conforme aos objetivos,explícitos e implícitos, estabelecidos pela política em aná-lise. De acordo com Deutscher, citado por Figueiredo eFigueiredo (1986:109), “a escolha do método a ser utili-zado decorre mais do objetivo da política ou programasob observação e de seu escopo social do que da prefe-rência intelectual do analista. O mais importante nessa dis-cussão é o estabelecimento das conexões lógicas entre osobjetivos da avaliação, os critérios de avaliação e os mo-delos analíticos capazes de dar conta da pergunta básicade toda pesquisa de avaliação: a política ou programa so-cial sob observação foi um sucesso ou um fracasso?”

PÓS-OCUPAÇÃO DE CONJUNTOSDE HABITAÇÃO POPULAR

O estudo de pós-ocupação de conjuntos habitacionais,encomendado pela CDHU em 1999, estruturou-se com opropósito de contribuir para explicar a inadimplência nasunidades habitacionais, classificada em três tipos: finan-ceira, de atraso no pagamento das prestações de financia-mento habitacional; contratual, com a transferência doimóvel a outras famílias não mutuárias da CDHU; econdominial, de atraso no pagamento do condomínio.Tratava-se, portanto, de um projeto para avaliar interven-ções públicas realizadas, com benefícios já concedidos aopúblico-alvo da política.

Os pressupostos para o estudo consideraram o modelode solução única da política habitacional paulista no aten-dimento das necessidades da população de baixa renda.Esse modelo caracteriza-se pela provisão de casa própria,em conjuntos habitacionais, em geral de grande porte, des-tinada às famílias entre um e dez salários mínimos de ren-da familiar que assumem um contrato de financiamentopor um período de 25 anos, passível de subsídio de acor-do com a capacidade de pagamento das famílias.2

Diante de parâmetros uniformes e rígidos, o estudoinvestigou a existência de diferenciações no comportamen-to dos mutuários nos aspectos em que a política guardaalguma flexibilidade, qual seja, de sua implantação. As-

sim, para a escolha dos empreendimentos consideraram-se as alternativas de tipologia de edificação (casa ou apar-tamento) e de construção (por empreitada ou mutirão).Além dessas variáveis, tal escolha levou em conta a datade entrega do empreendimento: anterior e posterior a 1994.

Dois procedimentos foram adotados para a execuçãodo projeto. O primeiro baseou-se na exploração de basede dados de fiscalização e cobrança, disponível na CDHU,que, contudo, mostrou-se inadequada em face de proble-mas de consistência e confiabilidade dos dados. O segun-do procedimento consistiu na investigação em campo.Diante do conhecimento não sistematizado sobre o fenô-meno da inadimplência, optou-se pela realização de estu-dos de caso, tendo sido escolhidos cinco empreendimen-tos habitacionais implantados no município de São Pauloa partir da combinação das variáveis tipo de edificação,tipo de construção e data de entrega.3

O desafio inicial para a investigação referiu-se à ina-dimplência contratual, uma vez que os mutuários origi-nais – que haviam firmado contrato com a CDHU – nãoeram mais localizados e, portanto, não seria possível pes-quisar as razões que os levaram à transferência do imó-vel. Para superar esse desafio, as alternativas foram a delevantar informações indiretas, obtidas com os mutuáriosresidentes, e a de identificar o perfil do novo mutuário,comparando-o ao mutuário original.

Os pressupostos para a análise da inadimplência defi-niram os temas de investigação, considerando-se as va-riáveis sociodemográficas, para classificação dos mutuá-rios segundo as situações de adimplência, a participaçãoem associações e na administração condominial, graus eníveis de satisfação com a moradia, o conjunto e o entor-no urbano, e estrutura de despesas, identificados como pa-râmetros de qualificação dos empreendimentos e da po-pulação residente. Com a clareza de que dados quanti-tativos não seriam suficientes para se entender o fenôme-no, dados qualitativos foram também coletados por meiode entrevistas estruturadas feitas com lideranças, síndi-cos e alguns moradores. O questionário, composto em per-guntas fechadas, foi aplicado a todas as famílias residen-tes nos empreendimentos habitacionais selecionados.

A análise feita seguiu duas abordagens. Na primeira, oempreendimento foi a unidade de análise e se procurouapontar a especificidade de cada empreendimento em re-lação aos aspectos demográficos, socioeconômicos, departicipação em associações e administração do condo-mínio, níveis de satisfação, estrutura de despesas e situa-ções de adimplência contratual, condominial e financei-

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ra. A segunda abordagem considerou o domicílio comounidade de análise e buscou explicar as situações de ina-dimplência financeira, condominial e contratual a partirda análise do comportamento de variáveis socioeconômi-cas selecionadas. A inadimplência financeira foi tambémexaminada considerando-se os “fatores de risco” à ina-dimplência dos mutuários. Assim, o risco à inadimplên-cia (atraso superior a três meses) ou ao atraso no paga-mento das prestações (atraso de até três meses) foianalisado tendo-se por referência o nível médio de rendadomiciliar, a estrutura de despesas, a posição socioocupa-cional do chefe do domicílio e sua situação de trabalho efatores não estritamente econômicos.

PROGRAMA JOVEM CIDADÃO:MEU PRIMEIRO TRABALHO

De iniciativa do governo do Estado de São Paulo ecoordenado pela Secretaria do Emprego e Relações doTrabalho, o Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Tra-balho visa proporcionar, aos estudantes de 16 a 21 anosda rede pública estadual de ensino médio, a primeira opor-tunidade de experiência profissional no mercado de tra-balho, preparando-os para o exercício da cidadania. Obenefício oferecido consiste em aprendizado e práticaprofissional, de preferência em empresas do setor priva-do, concedendo-se aos jovens admitidos uma bolsa de, nomínimo, R$130.4 Decidida sua implantação, a execuçãodo programa restringiu o atendimento aos alunos das es-colas estaduais de ensino médio localizadas na RegiãoMetropolitana de São Paulo, situação em que se encontraatualmente.

O projeto de avaliação desse programa pretendia cons-truir uma metodologia e produzir indicadores destinadosao aperfeiçoamento e à aferição dos resultados obtidos.Alguns aspectos distinguem o processo desenvolvido. Emprimeiro lugar, a participação da Fundação Seade deu-sedesde a concepção inicial do programa, com a elaboraçãode metodologia para a classificação dos estudantes ins-critos segundo carência social, destinada à escolha dosbeneficiários do programa. A contribuição localizada nes-sa definição pode ser interpretada já como parte do pró-prio processo de avaliação e vista como recurso paraauxiliar a identificação de instrumentos de implementa-ção do programa.

A segunda característica refere-se à simultaneidadeentre a implementação e a avaliação do programa. Estacomeçou ainda em 2000, poucos meses após o início do

programa, e se estende até os dias atuais. Por decorrência,o foco principal da avaliação tem sido o de acompanhar eavaliar o processo de desenvolvimento do programa e seestrutura em torno de dois campos: analisar resultados àmedida que o programa é executado; e identificar,qualificando, as atribuições de fato exercidas pelos agentesde implementação do programa em relação aos objetivosdo programa.5 Para dar conta desse foco, a estratégiametodológica escolhida foi, de um lado, a de analisar osgrandes números que mostram o desempenho quantitativodo programa e, de outro, de privilegiar a investigação dosprincipais atores, compreendendo mais intensamente osbeneficiários finais, as empresas que aderiram ao pro-grama, os monitores e as escolas parceiras na implantaçãodo programa. Em face dos pressupostos da análise deavaliação, os instrumentos de coleta têm sido diver-sificados e adequados à natureza das informaçõesrequeridas, incluindo questionários, entrevistas estru-turadas e grupos de discussão.

A análise dos resultados do programa segue dois pro-cedimentos analítico-metodológicos distintos e comple-mentares. O primeiro, destinado ao acompanhamento con-juntural, desenvolve-se mediante a exploração analítica deindicadores especialmente construídos com base no regis-tro de alunos inscritos e de empresas.6 Editado na formade boletins, esse acompanhamento foi mensal entre outu-bro/2000 e dezembro/2002, passando a ser trimestral em2003. Ao final de cada ano, um novo produto é editado,consolidando-se a análise de desempenho do programa.

Como produto, os boletins atendem ao objetivo de dis-seminação do programa e, com isso, oferecem à socieda-de meios para conhecer e controlar a ação pública. Aspossibilidades de realização desse propósito foram am-pliadas em 2003 com a divulgação dos boletins na páginada Fundação Seade na Internet.7

Já na perspectiva de seu conteúdo, os boletins expõema evolução da inscrição de estudantes e da oferta e preen-chimento de vagas, qualificada segundo dados gerenciaisdisponíveis como idade e sexo dos alunos inscritos, portee setor de atividade das empresas, conclusão de estágio emotivos para a não-conclusão em relação às vagas preen-chidas, bem como a distribuição espacial segundo as Di-retorias de Ensino existentes na Região Metropolitanade São Paulo. A análise feita permite avaliar, de um lado,os rumos adotados pelos agentes de implementação doprograma, sugerindo capacidades e recursos existentes paraa colocação dos estudantes em uma vaga de estágio e, deoutro, os efeitos que o comportamento do mercado de tra-

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AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...

balho, com rebatimentos diferenciados no espaço metro-politano, possa ter sobre um programa como o Jovem Ci-dadão, que articula a geração de benefícios sociais à ofer-ta de vagas para estágio pelo setor privado. Em suma,analisar o programa mediante os indicadores de desem-penho apontados possibilita avaliar a extensão em que osobjetivos e metas são realizados em relação ao atendimentodo público-alvo.8

A avaliação do programa é também realizada com baseem informações colhidas com os estudantes atendidos comuma vaga de estágio. Complementar à análise de desem-penho, avalia-se, da ótica dos beneficiários, se o progra-ma cumpre os objetivos de oferecer a oportunidade deprática e aprendizado profissional e de atender aos social-mente mais carentes dentre os estudantes inscritos. Paraalém dessas dimensões, a investigação com os estagiárioscontribui também para avaliar os efeitos imediatos pro-duzidos sobre suas condições sociais e perspectivas futu-ras. Essa é uma dimensão que, apesar de se referir a efei-tos sociais decorrentes da ação pública executada, não deveser confundida com a avaliação de impacto.

Para atender a esses propósitos, os estagiários vêm sen-do tratados segundo suas diferentes situações, que sãomúltiplas, de inserção no programa. Com a clareza de quetodas essas situações ainda não foram investigadas, a ava-liação já realizada restringiu-se aos estudantes que haviamsido bem-sucedidos de acordo com os objetivos do pro-grama, ou seja, contemplados com uma vaga de estágio.9

Nas pesquisas realizadas adotaram-se procedimentosde investigação distintos, diante da natureza das infor-mações que se queria levantar e do tratamento analíticoa ser dado a elas. O primeiro procedimento destinou-seà análise comparada entre grupos de beneficiários dis-tinguidos por tempo de estágio. Para cada grupo apli-cou-se um questionário composto de perguntas comunssobre características pessoais e familiares e diferencia-das por tempo de estágio quanto às características, ex-pectativas e proveitos do estágio.10 As coletas foram re-alizadas em abril/2001, agosto/2001 e setembro/2002 ea análise foi desenvolvida da perspectiva da compara-ção dos segmentos de estudantes pesquisados. A partirda segunda coleta, a comparação foi também feita entreos grupos que passaram pelo programa nos diferentesmomentos de coleta.

Vale destacar os principais indicadores elaborados. Noque se refere ao perfil do estagiário, consideram-se osindicadores que identificam o grupo social atendido peloprograma. Em relação ao estágio oferecido, os indicado-

res são de dois tipos: os relacionados aos mecanismosoperacionais do programa, como o pagamento em dia dabolsa-estágio e do vale-transporte e a duração da jornadadiária de estágio; e os relacionados ao aprendizado, comotreinamento recebido, atividades realizadas, nível de sa-tisfação e relações construídas no ambiente de trabalho.A análise dos efeitos sobre as condições de vida e expec-tativas futuras é feita com base em indicadores que incluemas possibilidades de efetivação na empresa, melhorias paraa vida escolar e relacionamento social e familiar, contri-buições para escolhas profissionais e para a continuidadedos estudos.

O segundo procedimento de investigação visou levan-tar informações com ex-estagiários. Esse segmento eraformado por jovens que concluíram o estágio entre oito e12 meses da data de realização da pesquisa e foram esco-lhidos dentre os que haviam respondido às pesquisas deabril e agosto de 2001. Nesse caso, a proposta foi essen-cialmente qualitativa, pois se pretendia explorar e apro-fundar aspectos fundamentais para o aprimoramento doprograma. Por se tratar de um público composto por jo-vens, a técnica utilizada foi a de grupos de discussão, apli-cando-se “dinâmicas que estimulam e facilitam a mani-festação dos participantes, como simulações e jogos,tornando a pesquisa quase lúdica. Tais dinâmicas ajudama atenuar dificuldades como inibição, timidez, descon-fiança de determinados públicos. Isso é particularmenteútil no caso de jovens, segmento que geralmente se carac-teriza por falas lacônicas, em código, em especial diantede adultos.” (Fundação Seade, junho 2002:2).

A utilização de métodos de investigação qualitativa noprojeto de avaliação do programa justifica-se por sua ade-quação para captar dados de percepção dos beneficiáriosem relação aos benefícios obtidos, ao significado da ex-periência realizada e ao potencial do programa como com-ponente de uma política para jovens, contemplando a opor-tunidade de contato com o mercado de trabalho e aconstrução da cidadania. Os resultados reforçaram os al-cançados pelas pesquisas quantitativas anteriores, comoo tipo de atividade mais freqüente desenvolvida pelos es-tudantes no estágio, permitiram aprofundar outros aspec-tos, como o dos efeitos do programa para a vida profis-sional e pessoal dos jovens, e identificar novas dimensões,como a possibilidade de existir discriminação de raça/core de sugestões para o aprimoramento do programa, comoa revisão do período de seis meses para a experiência deestágio e a interrupção do atendimento público assim queconcluída esta experiência.

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Ao lado do beneficiário final, outro ator importante,podendo-se dizer estratégico, para o programa são asempresas ofertantes de vagas para estágio. Desde a suaconcepção, o mecanismo de adesão das empresas ao pro-grama é voluntário, com a restrição relativa ao número devagas proporcional ao número de empregados da empre-sa. Com esse segmento, foram utilizadas duas técnicas depesquisa. A primeira, aplicada no início de 2001, consis-tiu em questionário de autopreenchimento enviado porcorreio a todas as empresas participantes do programa.Além do retorno não ter sido alto (cerca de 33% do uni-verso), as informações obtidas não foram suficientemen-te satisfatórias para uma análise que visava identificar acompreensão das empresas sobre o programa e os estagiá-rios em treinamento, as condições de trabalho e os pro-gressos alcançados em seu processo de formação. A críti-ca à época feita concluiu que o próprio instrumento decoleta – um questionário – não era adequado para atendera tais objetivos. Uma segunda técnica de pesquisa foi in-troduzida, com a coleta de dados qualitativos obtidos pormeio de entrevistas estruturadas realizadas com empresasescolhidas segundo critérios predefinidos de classificação.Nesse caso, alcançaram-se resultados analíticos mais sa-tisfatórios, que permitiram reconhecer a heterogeneidadede comportamento das empresas em relação ao programae das razões para sua adesão, bem como qualificar a in-serção do estagiário quanto a treinamento, aprendizageme atividades desenvolvidas na empresa.

Por fim, a avaliação compreende também analisar ofuncionamento do programa, tendo-se por “propósito iden-tificar aspectos críticos e gargalos que se interpõem naatuação dos agentes envolvidos. É, normalmente, por meiodesse tipo de análise que questões aparentemente mini-mizadas por exigências práticas ou mesmo encobertas porrotinas de trabalho se intensificam, adquirindo a relevân-cia que em geral lhes cabe perante a realização dos obje-tivos do programa.” (Fundação Seade, novembro 2002:3).

Para atender a esse propósito, foram investigados osagentes centrais no processo de implementação, quais se-jam: o monitor, responsável pelo contato direto com apopulação-alvo do programa; e a escola, na figura do res-ponsável pelo programa, elo na divulgação do programae no apoio à inscrição dos alunos no programa. A pesqui-sa com esses agentes visou levantar informações qualita-tivas e se realizou por meio da aplicação de roteiros es-truturados para entrevista.

Em relação aos monitores, são relevantes os indicado-res de tempo de permanência na função e, em especial, de

capacitação para compreender as implicações dos objeti-vos gerais do programa para a execução de suas ativida-des rotineiras e realização dos objetivos específicos decada etapa de funcionamento. Quanto às condições infra-estruturais para o exercício das atividades, chamaram aatenção os indicadores de adequação dos espaços físicosde trabalho, a oferta de linhas telefônicas, de computado-res e de acesso à Internet.

Quanto às escolas, a pesquisa permitiu apontar limitese problemas existentes, como a relação entre o número deestudantes inscritos e de vagas para estágio, descompas-so que se acentua quando são considerados o perfil socialda população-alvo e a localização da escola/residência doaluno no território metropolitano. A isso se somam o tipoe grau de participação ou envolvimento da escola no pro-grama que pouco incorpora a facilidade que a escola ofe-rece de contato diário com os estudantes.

TELECURSO 2000

A primeira avaliação do Telecurso 2000, como partedo Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador –Planfor,11 elaborado e coordenado pela Secretaria de Po-líticas Públicas de Emprego – SPPE do Ministério do Tra-balho e Emprego – MTE, foi feita em 2000,12 objeto decontrato com a Federação das Indústrias do Estado de SãoPaulo – Fiesp, entidade coordenadora do programa. Noano seguinte o programa foi novamente avaliado, consi-derando-se a execução de 2001. A oportunidade dessa ex-periência veio carregada de desafios, que permitiram acu-mular novos conhecimentos à Fundação Seade. Em brevespalavras, tratava-se de um projeto de avaliação a ser exe-cutado em um prazo de apenas cinco meses, com coletade dados em diferentes locais do território nacional e quepressupunha assimilar e aplicar a metodologia elaboradapelo MTE/SPPE, com definição das dimensões e dos pro-cedimentos de avaliação.

Para a agência coordenadora do Planfor, programasprecisam ser supervisionados e avaliados, atividades aserem realizadas com entidades ou equipes diferentes, poisse distinguem em dimensões fundamentais, como objeti-vos e foco. De acordo com o MTE/SPPE, a supervisãotem por objetivo “monitorar ou medir a eficiência”13 deum programa e constitui “ferramenta gerencial” que visa“orientar e corrigir o processo, durante a execução do pro-grama, e apoiar ou aprimorar sua gestão”. A avaliação,sempre externa aos agentes executores, focaliza-se na“mensuração da eficácia e da efetividade social de um

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programa”,14 e constitui “subsídio para a política públi-ca” para “orientar o aprimoramento metodológico e con-ceitual do Planfor e prestar contas à sociedade”. Com pro-pósitos diferentes, a supervisão desenvolve-se somentedurante a execução das ações e a avaliação externa ocor-re também após o término do programa, procedendo-seao acompanhamento dos beneficiários (MTE, 2000:10).

Em face do foco proposto e dos objetivos visados, ametodologia de avaliação dos programas só poderia serabrangente, compreendendo diferentes dimensões para semedir a eficácia e a efetividade social, assim identifica-das: foco na demanda do mercado de trabalho; atendimentoda população-alvo; adequação dos programas ofertados;adequação das entidades executoras; produtividade e cus-tos; gestão da parceria (ou do PEQ); gestão do Planfor;impactos para os treinandos; e impactos como políticapública.15

Essa metodologia, contudo, estruturou-se a partir dosPlanos Estaduais de Qualificação – PEQs, de oferta decursos de capacitação ou requalificação profissional detrabalhadores para que obtenham ou melhorem sua inser-ção no mercado de trabalho. Os cursos oferecidos restrin-gem-se aos residentes de cada Estado brasileiro de atua-ção das Secretarias do Trabalho. O Telecurso 2000, porsua vez, diferencia-se dos PEQs por visar a elevação daescolaridade de jovens e adultos que não conseguiramconcluir o ensino básico na idade adequada, oferecendocursos de educação supletiva à distância. Assim, a des-peito da influência que um maior nível de instrução possater para a inserção profissional dos indivíduos, reconhe-cia-se que esse não era um resultado a ser dimensionadode forma específica como o seria no caso de cursos deformação profissional. Além disso, o Telecurso 2000 com-preendia a instalação de telessalas espalhadas por dife-rentes regiões brasileiras.

Em decorrência, adaptações e ajustes precisaram serintroduzidos. Em primeiro lugar, o projeto de avaliaçãodefiniu hipóteses de investigação e, por decorrência, pro-cedimentos metodológicos, fontes e instrumentos de co-leta orientados pelo objetivo do Telecurso 2000 de elevara escolaridade da população. As análises baseadas emdados secundários deram prioridade à segmentação dapopulação segundo o nível educacional em relação ao aces-so ao ensino supletivo e ao grau de ensino concluído. E asanálises dos dados primários foram feitas após a adequa-ção dos instrumentos de coleta para investigar as percep-ções e efeitos em diferentes dimensões pessoais e sociaisrelacionadas à elevação da escolaridade.

A metodologia do MTE/SPPE sugeria também que aavaliação considerasse amostras representativas do uni-verso de atendimento do programa. A dispersão nacionaldas telessalas, combinada a razões operacionais de custoe tempo para execução do projeto, forçou a introdução deum segundo ajuste na metodologia proposta. Para a ava-liação de 2000, adotou-se, como critério, a combinaçãoentre concentração espacial de telessalas e representati-vidade dos agentes parceiros da Fiesp, responsáveis re-gionais pela execução do programa. Para a de 2001, ocritério foi o de realizar as pesquisas em outros locais ecom outras entidades, distintos dos pesquisados em 2000.16

Se, por um lado, as escolhas feitas impediram que osdados para análise fossem representativos do universo deatendimento do Telecurso 2000, por outro, permitiram ainvestigação aprofundada e o melhor entendimento dosprocessos de implementação existentes. Além disso, aescolha de bases territoriais distintas para 2000 e 2001permitiu acumular conhecimento sobre o programa, emdecorrência da maior diversidade de situações e da am-pliação da oportunidade de comparação entre os proces-sos de implementação.

As dimensões consideradas para avaliação, por sua vez,demandaram esforços de investigação distintos quanto àsfontes, procedimentos e instrumentos de coleta. Os dadosde fonte secundária compreenderam os documentos con-tratuais, instrucionais e orientadores do Planfor e doTelecurso 2000, a base de dados da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (IBGE) e o Registro dos AlunosInscritos no programa. Nos dois anos de avaliação enfren-taram-se dificuldades no manuseio dos dados cadastraisdos alunos do programa, decorrentes de problemas de pre-enchimento dos campos de informação sobre os inscritos,de conceituação das variáveis de caracterização dos mes-mos, de atualização dos dados cadastrais e de ausência decontrole da data de entrada das informações.17

A organização da coleta em fontes primárias foi prece-dida da identificação dos agentes de implementação doprograma e de suas atribuições básicas, conformando ummodelo de implantação, a priori construído, hierárquicoe vertical no processo de tomada de decisões. A recupe-ração e confirmação desse modelo em campo considerouos agentes em todos os níveis da estrutura identificada,utilizando-se de instrumentos de coleta especificamenteelaborados para atender aos propósitos de avaliar a eficá-cia e efetividade do Telecurso 2000.

Tendo-se por referência as atribuições dos agentes deimplementação, foram realizadas entrevistas estruturadas

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com o propósito de verificar o cumprimento dos objeti-vos e metas do programa e de identificar o funcionamen-to quanto à existência de dificuldades na execução, às ar-ticulações entre agentes de níveis diferentes e às formasde relacionamento estabelecidas com a clientela potenciale efetiva. Considerados os dois anos de avaliação, a cole-ta qualitativa foi feita com a entidade de coordenação(Fiesp), os parceiros responsáveis, com atuação nacional(Fundação Roberto Marinho, Serviço Nacional de Apren-dizagem Industrial – Senai, Confederação Nacional daIndústria e novamente a Fiesp), os parceiros organizado-res, com atuação regional (Senai regionais, Instituto Su-perior de Administração e Economia da Amazônia e VivaRio) e os parceiros executores, com atuação local, consti-tuídos por associações comunitárias ou de moradores,órgãos públicos, sindicatos, cooperativas, etc. Ao ladodestes, foram também entrevistados supervisores do pro-grama e orientadores de aprendizagem.

Em relação aos beneficiários, a metodologia de ava-liação recomendava a investigação com treinandos e egres-sos dos programas. O tempo de implantação do programacomo parte do Planfor exigiu novas adaptações. A primeirafoi a de ajustar a denominação treinandos – mais adequa-da para cursos de capacitação profissional – à real clien-tela do Telecurso 2000, ou seja, alunos de ensino supleti-vo de níveis fundamental e médio. A segunda adaptaçãodecorreu do calendário de implantação do programa e deduração dos cursos, pois o Telecurso 2000 não dispunhade beneficiários que atendessem ao requisito de 90 a 180dias após o término do curso e pudessem, assim, ser con-siderados egressos. Na avaliação de 2000, toda a cliente-la do programa freqüentava telessala. E para a de 2001 jáse contava com pequena parcela de beneficiários com tér-mino de curso, porém em prazo inferior ao requerido paraserem egressos. Alterando o foco de investigação paraconcluintes, posto que mais adequados à real situação, foiestruturado um novo grupo de pesquisa que considerouos efeitos imediatos produzidos com o término do cursosobre as condições pessoais e sociais dos beneficiários.

As informações levantadas nas diferentes fontes per-mitiram chegar a resultados analíticos sobre a eficácia e aefetividade social do Telecurso 2000, apresentados emrelatório organizado segundo as dimensões de avaliaçãodemandadas pela metodologia, não sem ajustes em rela-ção às recomendações do Guia de Avaliação do Planfor.

A avaliação da eficácia do programa foi atingida, vali-dando os procedimentos adotados para a captação e aná-lise dos dados. Diferentemente da orientação do Guia de

Avaliação de utilização de medidas de eficácia relaciona-das à inserção no mercado de trabalho e níveis de renda,os indicadores utilizados para avaliar a eficácia doTelecurso 2000 representaram o esforço de se adequar àavaliação aos objetivos desse programa, dando-se ênfasea indicadores relativos à elevação ou recuperação da auto-estima e à formação básica e cidadã.

Complementar à análise da eficácia, a avaliação incluiua análise da eficiência do programa. Ou seja, a avaliaçãodo Telecurso 2000 não só procurou dar conta da análisesobre o cumprimento das metas físicas e financeiras soli-citadas pelo Guia de Avaliação em capítulo específicosobre otimização de custos, como compreendeu tambéma exploração das condições organizacionais existentes dosagentes envolvidos e dos recursos físicos como parte daavaliação. A própria opção metodológica que privilegioua investigação segundo agentes regionais/locais possibi-litou um ganho analítico adicional que confirma o pressu-posto de que a implementação não constitui mera etapaque operacionaliza decisões ou definições anteriores, to-madas na fase da formulação de programas. Não obstanteo modelo vertical de implantação do Telecurso 2000, osagentes e as estruturas regionais/locais de implementaçãoinfluenciam os resultados do programa, em decorrênciade diferenças de recursos, dos mecanismos utilizados edas formas de articulação com outros agentes e de mobi-lização da população.

A avaliação da efetividade social do programa não foiplenamente atingida, mesmo se considerada a pesquisa comos concluintes em 2001. Ao lado de indicadores, tambémconstruídos para os alunos, relativos aos níveis de satis-fação alcançados e do significado da elevação da escola-ridade para sua vida pessoal, familiar e social, além daprofissional, com os concluintes a ênfase recaiu sobre osindicadores de comparação entre as situações anterior eposterior à realização do curso quanto a renda, inserçãoprofissional e alguns aspectos da vida familiar e social.Longe de se considerar tais indicadores como de impac-to, porque não seria de fato possível, a comparação feitasimplesmente mostrou as condições existentes em doismomentos e, somente por hipótese, estabeleceu-se algu-ma relação causal entre a situação então atual e as açõesdo programa.

A análise da efetividade social de um programa comobjetivos como os do Telecurso 2000 compreendeu tam-bém o significado social da promoção de ações para a ele-vação do nível de escolaridade da população para a ex-pansão da cidadania e como parte constitutiva de uma

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política pública de emprego e renda. Conforme as con-clusões apresentadas, “a execução do Telecurso 2000 con-verge na direção dos objetivos do Planfor, expressando,de fato, avanço conceitual, ao integrar ações que visamelevar a escolaridade em uma política nacional de gera-ção de emprego e renda”. Um avanço identificado em trêsdimensões: “ao promover um bem público de caráter uni-versal às populações que não tiveram oportunidade socialde concluir a educação básica na idade adequada; ao pro-piciar a elevação do estoque de capital humano e, porconseguinte, aumento da produtividade da mão-de-obrae, portanto, aumento da competitividade da economia bra-sileira; e ao ampliar o escopo do sistema público de em-prego para além de atividades de capacitação profissio-nal e intermediação de mão-de-obra.” (Fundação Seade/Fiesp, 2001:108).

ATUAÇÃO EM CORTIÇOSE FÁBRICAS DE CULTURA

Os programas Atuação em Cortiços e Fábricas de Cul-tura, promovidos pela CDHU e Secretaria Estadual deCultura, respectivamente, são reunidos em um mesmo itemdevido a seguirem a mesma metodologia de elaboração eexecução de projetos recomendada pelo Banco Interame-ricano de Desenvolvimento – BID, parceiro no financia-mento. Para a Fundação Seade, essas experiências se di-ferenciam das anteriores em alguns aspectos que serãoenfatizados.

Dispor dos recursos financeiros do BID é também es-truturar projetos seguindo parâmetros razoavelmente rígi-dos, definidos em metodologia complexa e ampla, deno-minada metodologia do marco lógico.18 Em linhas gerais,a estruturação dessa metodologia parte da concepção depolíticas públicas como processo e estabelece os recursosmetodológicos que articulam a política pública, seus pro-gramas e projetos, e inter-relacionam o que seriam as eta-pas de um mesmo programa, desde o diagnóstico da popu-lação-alvo até a definição de critérios para intervenção.Segundo seus pressupostos, a avaliação é constitutiva eintegrada ao próprio processo da política pública, progra-ma e projeto. Para tanto, a ferramenta de base estrutura-seem forma de matriz – a matriz do marco lógico – de orga-nização, de um lado, dos objetivos, indicadores, meios deaferição e fatores externos a influenciar os resultados doprograma e, de outro, da especificação dos objetivos gerale específicos, componentes e atividades. Dentre os com-ponentes, inclui-se, em geral, o desenvolvimento institu-

cional, com atividades de fortalecimento institucional dasagências de um programa e de definição e montagem desistemas de acompanhamento e de avaliação.

A metodologia do marco lógico e a de avaliação doPlanfor se distinguem pela forma como se relacionam aoprograma que delas faz uso, com forte associação ao pró-prio momento de seu desenvolvimento e aplicação. Semdesconsiderar o fato de que desde sua origem haveria umcomponente de avaliação, a metodologia dos programasintegrados ao Planfor só se definiu em momento poste-rior ao início da sua implantação. Se nessa forma de con-dução da política há um aspecto positivo de construçãoem processo da metodologia com a contribuição de di-versos atores, não sem polêmicas, permanece também asombra da dissociação entre a avaliação e as demais ati-vidades dos programas. Apesar desse aspecto, tal meto-dologia se destaca pela clareza na distinção dos conceitosde avaliação e de monitoramento e das atividades reque-ridas para seu desenvolvimento, bem como na proposi-ção de dimensões para avaliação, possibilitando resulta-dos analíticos baseados em uma interpretação integradado comportamento dos agentes, das atribuições das ins-tâncias de implementação e da interação com as popula-ções potencial e beneficiária.

Em relação à metodologia do Planfor, salientamos doisdiferenciais da metodologia recomendada pelo BID.19 Oprimeiro reside no momento em que é montada a matrizdo marco lógico, simultânea à fase de definição do proje-to de intervenção e anterior ao início de sua implantação.Trata-se de um esforço que pode dar maior clareza aosobjetivos do programa, dos instrumentos e recursos ne-cessários e de antecipação, pelo menos teórica, dos riscose oportunidades para atingir os resultados esperados. Osegundo diferencial dessa metodologia é o esforço de fa-zer da avaliação parte, de fato constitutiva, do processodas políticas públicas. Ao introduzir, desde a montagemda matriz, requerimentos para o diagnóstico das condi-ções existentes e a definição de critérios para interven-ção, o modelo metodológico recomendado propõe as ba-ses que integram a avaliação às demais ações de umprograma. Uma integração que se constrói em duas dire-ções. A primeira baseia-se na hipótese de que diagnosti-car a realidade sobre a qual se pretende intervir já é parteda avaliação. E a segunda funda-se no suposto de que essediagnóstico prévio é a condição para o acompanhamentodas mudanças nas condições sociais gerais e dos benefi-ciários de um programa após iniciada sua execução e aoseu término. No atendimento desses requisitos é que se

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identifica a contribuição feita até o momento pela Funda-ção Seade para os programas Atuação em Cortiços e Fá-bricas de Cultura.

A parceria com a CDHU inicia-se com a colaboraçãotécnica na montagem da matriz do marco lógico do pro-grama, feita por técnicos da própria Companhia e do BID.Na continuidade do processo, a participação da Funda-ção Seade foi sistemática, com a realização de levanta-mentos, pesquisas e estudos de diagnóstico de cortiços.Em Santos, as atividades restringiram-se à coleta e análi-se socioeconômica dos cortiços identificados pela CDHUcom base em mapeamento de uso do solo urbano já dis-ponível. Em São Paulo, as atividades foram diversifica-das e de maior extensão, compreendendo também a cole-ta e análise socioeconômica da população encortiçada,precedida por levantamento cadastral de uso do solo paraidentificação dos imóveis encortiçados. Essas atividadessomente se realizaram após a definição dos parâmetrosde estruturação da proposta de intervenção relativos àsalternativas de solução, aos mecanismos de acesso dapopulação e à escolha das cidades com a delimitação dossetores de intervenção.

As técnicas utilizadas para o levantamento cadastral epesquisa socioeconômica seguem as usuais, à exceção dosprocedimentos adotados para a identificação dos imóveisclassificados como cortiços.20 A relevância da experiên-cia, porém, residiu sobretudo nos esforços para integraras atividades desenvolvidas e os produtos elaborados àsnecessidades do programa, a fim de subsidiar as etapassubseqüentes de elaboração dos projetos para interven-ção em um único setor, em Santos, e em nove setores de-limitados em São Paulo.

Os dados cadastrais e socioeconômicos receberam tra-tamento georreferenciado, em formato Maptitude, conten-do a identificação, lote a lote, do uso urbano. Nos lotesclassificados como cortiços foram adicionados dados decaracterização física dos imóveis e socioeconômicos dapopulação residente, além de fotos. Os dados socioeco-nômicos foram também analiticamente tratados com baseem indicadores construídos para expressar o perfil socio-demográfico e educacional, as condições de renda e deinserção no mercado de trabalho, estrutura de despesas ecomprometimento da renda, condições de moradia e ava-liação da moradia atual. Dos resultados encontrados sur-preendeu a elevada presença de famílias unipessoais, ten-do sido objeto de análise mais aprofundada.21

A participação da Fundação Seade no programa Fábri-cas de Cultura, de implantação ainda não iniciada, foi

posterior à definição de seu objetivo de “buscar a inser-ção social, familiar e cidadã de crianças e jovens social-mente vulneráveis mediante a promoção de atividadesculturais”, mas simultânea às definições dos instrumen-tos de intervenção e escolha das áreas de atuação.

Consoante a uma estratégia de intervenção localmentefocalizada, mediante parcerias com entidades sociais exis-tentes, reforma de instalações e construção de “fábricasde cultura” em distritos do município de São Paulo comconcentração de população infantil e jovem e elevadosíndices de violência, o ingresso da Fundação Seade noprojeto foi fundamental, pois atendeu aos requerimentostécnicos para a escolha das áreas para implantação do pro-grama. Assim, com base em metodologia especialmentecriada, a Fundação Seade elaborou o que se denominouíndice de vulnerabilidade juvenil (IVJ), construído a par-tir das variáveis: taxa anual de crescimento populacionalentre 1991 e 2000; percentual de jovens, de 15 a 19 anos,no total da população dos distritos; taxa de mortalidadepor homicídio da população masculina de 15 a 19 anos;percentual de mães adolescentes, de 14 a 17 anos, no to-tal de nascidos vivos; valor do rendimento nominal mé-dio mensal, das pessoas com rendimento, responsáveispelos domicílios particulares permanentes; e percentualde jovens de 15 a 17 anos que não freqüentam escola.Como resultado, foram classificados todos os distritos dacapital segundo uma escala de 0 a 100 pontos, em que o100 representa o distrito de maior vulnerabilidade, agru-pados em cinco categorias. Do grupo cinco, com 19 dis-tritos de maior vulnerabilidade juvenil, foram escolhidosos nove distritos para intervenção. 22

Da mesma forma que as análises sobre os cortiços, acriação desse índice, integrando-o às necessidades do pro-grama das Fábricas de Cultura, introduz a avaliação aoprocesso desses programas como atividade que tambémanalisa e identifica as condições sociais existentes da po-pulação a ser objeto de intervenção pública. Seja com acoleta de dados para aprofundar e sistematizar o conheci-mento da população, seja valendo-se do tratamento analí-tico e estatístico de dados, essas experiências são exem-plos que podem contribuir para rever procedimentos, coma incorporação do uso adequado de dados e informaçõespara fundamentar as decisões tomadas na definição depropostas de intervenção pública.

A continuidade das atividades previstas para a Funda-ção Seade atende às demandas do programa Fábricas deCultura de estruturação de sistemas de acompanhamentoe avaliação. Ao lado da própria criação desses sistemas,

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segundo uma concepção que incorpora variáveis de ges-tão física e financeira do programa, essas atividades in-cluem a elaboração de instrumentos de cadastro dos agen-tes do programa – beneficiários, entidades sociais eeducadores de arte – e a realização de coleta domiciliar eanálise de dados socioeconômicos das nove áreas previs-tas para intervenção, acrescidas de uma décima, definidapara acompanhamento e controle das mudanças sociaisprovocadas pela ação pública.23 Como resultado, essasatividades possibilitarão construir, na linguagem do BID,a “linha de base” do programa, seja com o diagnósticosocial prévio dos distritos, seja com o cadastramento dosagentes à medida que ingressam no programa, condiçãotécnica necessária para o acompanhamento e avaliação nafase intermediária de execução, final e após 12 meses detérmino do programa, previsto para quatro anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As avaliações das ações públicas de provisão habita-cional, intervenção em cortiços, oferta de educação su-pletiva a distância, estágio para estudantes de ensino mé-dio e atividades culturais para populações socialmentevulneráveis, mostram singularidades e regularidades quese somam às reflexões sobre metodologias de avaliação,em particular no campo das políticas sociais e sobre o lu-gar da avaliação no processo das políticas públicas. Nolugar da síntese dessas experiências, dois ou três pontosdevem ser colocados a título de conclusão.

O primeiro parte da constatação de fragilidade dos cri-térios utilizados no registro e armazenamento dos dadosdos programas públicos, dificultando e, por vezes impos-sibilitando seu acompanhamento e avaliação. Quadro se-melhante ao que enfrentamos na utilização dos dados ca-dastrais no estudo de pós-ocupação habitacional e naavaliação do Telecurso 2000, os analistas de políticas pú-blicas sistematicamente também se deparam, dificultan-do a avaliação de processo, além de, muitas vezes, com-prometer o acompanhamento gerencial dos programas.

Provocar a discussão para promover mudanças dessequadro pressupõe dois referenciais: de ordem conceitual,relativo ao entendimento do significado da “informação”no processo das políticas públicas; e ordem operacional,referente aos instrumentos que organizam os dados paraque possam ser recuperados segundo unidades de análisepadronizadas e com recortes temporais adequados. Assim,coletar dados, que se materializam na forma de cadastrosou registros de naturezas distintas (inscrições, ações exe-

cutadas, metas físicas, metas financeiras, resultados apre-sentados, etc.), não pode ser confundido com produzir in-formações. Estas requerem procedimentos de coleta, comoa definição conceitual das variáveis, regras de consistên-cia, com padronização e sistematização dos dados. Alémdisso, recuperar informações exige procedimentos ágeispara que se possa acompanhar a execução de programas eidentificar os problemas em seu processo de implementa-ção. Portanto, dispor de indicadores de acompanhamentoe, se possível, organizados em sistemas estruturados porvariáveis estratégicas à avaliação de processo, é disporde instrumental que permita introduzir ajustes para ade-quar metas originalmente propostas, rever procedimentosde execução, mobilizar novos recursos ou redirecionarrecursos alocados, dentre outros mecanismos que venhama contribuir para ampliar a eficácia e a eficiência de polí-ticas ou programas públicos.

A metodologia de acompanhamento e avaliação pro-posta pelo BID e o registro informatizado de inscritos eempresas do Jovem Cidadão são subsídios à revisão deconceitos e de procedimentos que podem conduzir à trans-formação de dados em informações. E se, além disso, opropósito for o de tornar a avaliação atividade constituti-va do processo das políticas públicas, é preciso avançarnas discussões para a estruturação de sistemas de infor-mações para o acompanhamento e a avaliação das políti-cas públicas.24

O segundo ponto é menos um questionamento e maisum reforço do fato de que a atividade de avaliação serealiza pela utilização de diferentes métodos da pesquisasocial. De acordo com Figueiredo e Figueiredo (1986:109),os estudos de avaliação podem incluir “a pesquisa de po-pulações por amostragem, a análise de dados agregados(também chamada de contabilidade social), a análise deconteúdo e a observação participante.” Na avaliação deum programa ou política específica, contudo, não são to-dos os métodos de pesquisa social que devem ser utiliza-dos; ao contrário, a sua escolha é feita por adequação aosobjetivos da política ou programa em análise, aos objeti-vos da avaliação e, algumas vezes, à especificidade dopúblico beneficiário. Diante dos propósitos da avaliaçãoe do programa, os estudos do Programa Jovem Cidadãoincluem a análise dos dados do programa, a pesquisa cen-sitária de grupos de estagiários, entrevistas estruturadas egrupos de discussão, por se considerar a necessidade deinformações qualitativas aprofundadas e pelo fato de opúblico jovem ser mais refratário a entrevistas individuais.E a avaliação do Telecurso 2000 incluiu a percepção do

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pesquisador dos ambientes regionais diferenciados decor-rentes do modelo de sua implantação.

Por fim, a última questão reconhece que a posição ocu-pada pela avaliação situa-se na fronteira entre a produçãode conhecimentos e a sua aplicação prática para o aper-feiçoamento do sistema das políticas públicas, notadamen-te no campo das sociais.25 Os estudos realizados permi-tem identificar distinções, por vezes conflituosas, deconceitos fundamentais à atividade de avaliação, com re-percussões operacionais, e sugerem o aprofundamento dasnoções de eficiência, eficácia e efetividade na avaliaçãode políticas públicas e, de forma correlata, de resultados,efeitos, mudanças e impactos. Em um outro plano, essaquestão também diz respeito às prioridades das modali-dades de avaliação a serem desenvolvidas no interesse daspróprias prioridades da ação pública. Para tanto, é opor-tuno o questionamento de Vilmar Faria (2002:76) ao co-locar que “mais importante talvez do que a avaliação deimpacto seja a avaliação de processo de uma política àmedida que ela vai sendo desenvolvida”.

NOTAS

Este artigo é o resultado do trabalho coletivo de pesquisadores, analis-tas e funcionários da Fundação Seade e, em especial, dos técnicos daDivisão de Estudos Especiais. Agradecemos em particular a Lilia Belluzzoe Stella Christina Schrijnemaekers que leram versões preliminares.

1. Essas interpretações foram, em especial, desenvolvidas pelas Ciên-cias da Administração que, nas primeiras fases da produção das polí-ticas públicas, assumiram posição de preponderância por sua naturezaagregadora dos vários conhecimentos necessários à consecução de ati-vidades burocrático-organizacionais. Ver Carvalho e Costa (1986).

2. Ao seu lado, o governo do Estado de São Paulo promove iniciativasde outra natureza, como a urbanização de favelas, recuperação de áreasde mananciais e, no período mais recente, de recuperação de cortiçosem grandes centros urbanos. Contudo, a escala dessas intervenções estámuito distante da oferta de novas unidades habitacionais que continuasendo predominante.

3. O atendimento do critério data de entrega ficou parcialmente preju-dicado em face de o predomínio da produção de moradias no municí-pio de São Paulo ter ocorrido somente em período mais recente.

4. Ver Decreto estadual no 44.860, 27 abr. 2000.

5. Cabe observar que, em seu desenho original, a proposta de avalia-ção elaborada incluía também o esforço de investigação dos impactosdiretos e indiretos sobre a população beneficiária. Como se verá, a ava-liação restringiu-se aos efeitos produzidos sobre os beneficiários doprograma.

6. O gerenciamento do programa é feito pela Companhia de Processa-mento de Dados do Estado de São Paulo – Prodesp e os dados são or-ganizados em duas bases: de alunos inscritos e de vagas ofertadas.

7. Ver <www:seade.gov.br>.8. Ao longo desse período, vários aperfeiçoamentos foram introduzidosnos boletins como resultado do diálogo com os gestores do programa ede ajustes na base gerencial dos dados de inscritos e empresas.

9. No momento de elaboração deste artigo, nova pesquisa estava emandamento, considerando-se os estudantes inscritos no programa nomesmo período e encaminhados para uma vaga de estágio, distinguidosem alunos admitidos em estágio e que não foram aceitos para estágio.

10. O procedimento de coleta é o autopreenchimento, para o que temsido fundamental a parceria com a Coordenadoria de Ensino da Gran-de São Paulo, da Secretaria Estadual da Educação, que se responsabi-liza pela distribuição e pelo retorno dos questionários.

11. O Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador foi, em sua ori-gem em 1995, estruturado para ser implementado por meio de PlanosEstaduais de Qualificação (PEQs), executados pelas Secretarias Esta-duais do Trabalho e parcerias regionais ou nacionais firmadas paraprojetos ou estudos específicos. À medida que era implantado, outrasparcerias foram sendo estabelecidas com heterogeneidade de ações,como a firmada com a Fiesp para oferecer ensino supletivo de níveisfundamental e médio para jovens e adultos.

12. O processo de avaliação estruturado pelo MTE/SPPE compreen-deu, até 1999, somente os Planos Estaduais de Qualificação. A par-tir de 2000, os programas das parcerias foram incorporados a esseprocesso.

13. Eficiência é “entendida como grau de aproximação entre o previs-to e o realizado, em matéria de treinandos, carga horária, abrangênciaespacial e setorial, aplicação de recursos, etc.” (MTE, 2000:8).

14. Eficácia “se expressa pelo benefício das ações de educação profis-sional para os treinandos, traduzido em obtenção ou manutenção detrabalho, geração ou elevação de renda, ganhos de produtividade equalidade, integração ou reintegração social”. E efetividade social dizrespeito aos “impactos do Planfor como política pública, do ponto devista mais amplo das populações, comunidades ou setores focaliza-dos” (MTE, 2000:8).

15. Para a avaliação de 2001, o Guia de Avaliação do Planfor redefi-niu algumas dimensões de avaliação sem, contudo, os seus objetivos eparâmetros básicos.

16. Em 2000, a pesquisa foi feita nos municípios da região metropoli-tana, exceto a capital, e do interior do Estado de São Paulo e do Esta-do do Rio de Janeiro, e nas cidades de Manaus/AM e Campina Gran-de/RN e, em 2001, nas cidades de São Paulo e Sorocaba e em cidadesdas Regiões Norte e Nordeste.

17. O esforço do MTE/SPPE de montagem do Sistema de InformaçõesGerenciais sobre Ações de Emprego (Sigae), apesar de bastante abran-gente em relação aos programas executados, não incluía o Telecurso2000 no período em que foi feita a avaliação.

18. Ver Banco Interamericano de Desarrollo, 1997.

19. Não é nosso propósito discutir a metodologia do marco lógico, quecontém outras vantagens e mesmo desvantagens, e nos ativemos ex-clusivamente à identificação de alguns aspectos e à forma como se temdado a participação da Fundação Seade.

20. Ver Fundação Seade/CDHU, maio de 2003.

21. Com base na metodologia do marco lógico, a Fundação Seade de-senvolveu também projeto que detalha a metodologia de avaliação parao Projeto Setorial Pari, no município de São Paulo, correspondente àprimeira fase de implantação do programa.

22. A metodologia para a criação do IVJ e os resultados obtidosestão disponíveis na página da Fundação Seade na Internet<www.seade.gov.br>.

23. Essa pesquisa vale-se da experiência acumulada pela FundaçãoSeade com a Pesquisa de Condições de Vida (PCV), realizada desde1990, orientada para a investigação das condições de pobreza da po-pulação urbana.

24. Complementar, com perspectivas de integração, à montagem des-ses sistemas somam-se os cadastros únicos de beneficiários potenciaisimplantado pelo governo federal em 2001, articulado aos programas

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AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS SOCIAIS: BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS E...

sociais de transferência de renda e em elaboração pelo governo do Es-tado de São Paulo, com o Cadastro Pró-social.

25. Ou, como propôs Vilmar Faria (2002), de reestruturação do siste-ma das políticas sociais às condições socioestruturais do período maisrecente.

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A

PLANEJAMENTO INSTITUCIONALcapacidade de conduzir ações

Resumo: O texto aborda a demanda cotidiana por planejamento no ambiente de trabalho, a necessidade dedesenvolver diretrizes de desenvolvimento institucional e a eficiência na produção e gestão. Associam-se, aodesempenho da atividade de planejar, a capacidade de coordenação, a persistência e a motivação.Palavras-chave: desenvolvimento institucional; coordenação; gestão.

Abstract: This text addresses the daily need for planning in the workplace, developing institutional guidelinesand obtaining efficiency in production and management. Associated with the activity of planning is the capacityto coordinate, and the qualities of persistence and motivation.Key words: institutional development; coordination; management.

MARIA JOSEFA DEL CARMEN MARTINEZ SOTO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 198-204, 2003

Em suma, a consciência tem de estar presentepara que os sentimentos influenciem o indivíduo

que os tem, além do aqui e agora imediato

Damásio (2000)

Os planejadores têm que sair para o mundo. Uma vez lá fora,eles precisam olhar para a sua empresa e se perguntar:

que relevância essas forças externas que vemos podem terpara o mundo mais limitado de nossa própria empresa?

Geus (1998)

tuições, a ação cotidiana pode não refletir as expectativasde evolução; em organizações maduras, idéias de desen-volvimento estão refletidas em suas ações. A existênciade um corpo visível de políticas e de um plano viável demédio prazo, resultado de muitas interações e avaliações,pode ser o instrumento capaz de efetivamente promoveresta identidade.

É necessário precisar os objetivos, perguntar pelo seusignificado dentro da instituição, como é entendido, comoé gerado, em que tempo é possível obter resultados, qualo impacto esperado e custo de adiar, quais as dificulda-des esperadas e a experiência exigida. Este trabalho deexplicitar e explicar os problemas reorganiza o entendi-mento das questões, integra os diversos pontos de vista,traduz as tendências em planos de ação concretos epotencializa a experiência prática e as oportunidades demelhoria.

PLANO DE TRABALHO E CONSCIÊNCIAORGANIZACIONAL

O grau de atenção à percepção e organização de novasidéias, à qualidade dos resultados e aos fatos do ambiente

necessidade de planejar – mesmo vagamente de-clarada como “precisamos nos organizar para” –pressupõe objetivos e demanda por coordenação.

Uma instituição se transforma em uma organização namedida em que é capaz de perceber e organizar a experiên-cia e as expectativas sobre o futuro, integrando cotidiana-mente o conhecimento, o conteúdo da comunicação, sele-cionando questões e inserindo ações em torno de objetivosprecisos que orientem as competências, os processos deprodução, as relações e as parcerias. A falta de clarezaalimenta uma cultura desordenada de enunciados sobredemandas e insatisfações à espera de atenção. Nas insti-

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PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES

interno e externo, que desafiam a forma como estamosatuando e exigem adaptações e ajuste de diretivas, revelaa disposição em planejar e ser propositivo na experiên-cia. É objetivo do planejamento conhecer o grau de com-plexidade das situações, identificando, por vezes, o“estresse” que o adiamento dos problemas já causou, con-figurar uma organização de equipes capazes de reconhe-cer os desafios e torná-los seus, desenvolver espaços deaprendizado e propostas adequadas e estabelecer realiza-ções no tempo e representá-las em um projeto para a or-ganização.

O plano de trabalho pode ser entendido como a “cons-ciência organizacional atualizada e disseminada” sobreimportâncias, objetivos, metas, recursos, resultados e pra-zos que orientam a gestão e norteiam a composição e aharmonização da agenda interna e externa.

A construção desta consciência resulta do esforço con-tínuo em relacionar a multiplicidade de problemas singu-lares que se apresentam, eleger prioridades, comunicar eexplicar as necessidades e tendências do ambiente de pro-dução e da demanda, atribuir responsabilidades e nego-ciar compromissos dentro de uma visão de desenvolvimen-to. Este ideal do planejamento, muitas vezes, é alcançadono âmbito de algumas funções da gestão ou da produçãoe decorre da atenção que gerentes e funcionários atribuemà captação, integração e avaliação da experiência local,desenvolvendo ilhas de excelência. São sucessos pontuais,dependentes de empenhos personalizados e de lutas diá-rias no sentido de comprometer os recursos institucionaiscom produtos e prazos.

A qualidade do planejamento, entretanto, não se de-senvolve da soma de planos pontuais e isolados bem-su-cedidos, mas se evidencia no grau de responsabilidade ecoordenação constante com que a organização seleciona,atribui e monitora um conjunto integrado de realizações.A determinação de objetivos estratégicos, operacionais ede coordenação é essencial, porém, insuficiente, sendonecessário ainda, o interesse dos funcionários e da dire-ção, a motivação em persistir e ter presente um saudávelsentido de urgência. A motivação para o planejamento temorigem no real reconhecimento das situações insatisfatóriasque envolvem insegurança e incerteza e para as quais énecessário somar esforços e coordenar impaciências, emface do impacto no futuro da instituição. A motivação tam-bém pode vir da convicção de que é possível encontrar,pela reflexão e pela arte de atuar em conjunto, uma visãosatisfatória e responsável, passível de ser traduzida emações. O sistema de planejamento em uma organização

pode ser avaliado pelo nível de coordenação e foco dasagendas – estratégica, gerencial e operacional –, pela agi-lidade e acuidade com que se antecipam desafios e inova-ções necessárias, pela capacidade de dimensionar, captare garantir os recursos exigidos e pela capacidade deenvolvimento e comprometimento responsável e integra-do das competências diretivas e técnicas das principaisfunções, que em instituições produtoras de informaçãotécnica e estatística podem ser resumidas como: identifi-cação de necessidades de informação; proposição de no-vos projetos e produtos; desenvolvimento de metodologiade pesquisa; captação e organização de dados e informa-ções; análise; disseminação; comunicação interna e exter-na; adequação e inserção de tecnologia na otimização deprocessos; e desenvolvimento das competências institucio-nais e individuais.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANEJAMENTOEM INSTITUIÇÕES PRODUTORAS DEINFORMAÇÃO

O primeiro resultado da atividade de planejamento éselecionar objetivos e avaliar sua pertinência. Para isso, énecessário iniciar pelo estabelecimento de diretrizes parao desenvolvimento institucional, para a qualidade da coor-denação e para a efetividade do sistema de informaçõesem suas funções básicas: produção e disseminação da in-formação; e capacitação da produção. A demanda de pro-dução tem origem em solicitações de informações por parteda comunidade social e do governo. Para a comunidade,é necessário que o sistema de produção seja pró-ativo eestabeleça uma agenda que acompanhe a demanda porexplicação das principais questões e assegure o seu cum-primento. Com o governo é preciso negociar políticas,conhecer os planos e desenvolvimentos esperados queprecisam de apoio de informações.

A atualidade do papel das instituições na geração, in-tegração e disseminação de informações é referência paradeterminar diretrizes, em cada estágio da sua maturidadeinstitucional. A atualidade se evidencia na relevância dainformação produzida, na integração do sistema de infor-mações, no conhecimento antecipado das necessidades dogoverno e usuários – resultantes de preocupações sociais,econômicas ou governamentais –, nos esforços de inte-gração e coordenação com outras fontes produtoras de in-formação, na disponibilidade da informação para aquelesque têm sob sua responsabilidade a tomada de decisões,nas inovações metodológicas de investigação estatística

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e no uso adequado de padrões e instrumentos de trabalho.Esta avaliação tem como objetivo a indicação das fragili-dades acumuladas, dos aspectos restritivos e críticos e dascompetências e oportunidades, subsidiando a formulaçãodas diretrizes para o desenvolvimento e a maturidade ins-titucional aqui entendida como: capacidade de investimen-to em produtos e pesquisas; desempenho da produção juntoaos usuários; aproveitamento da experiência institucional;e capacidade de articular parcerias com usuários e forne-cedores de informação.

A aplicabilidade, o uso e o custo da informação produ-zida e a natureza e a freqüência com que as necessidadesdos usuários são atendidas definem a efetividade da pro-dução de informações. Demandas mal enunciadas, falta dediretórios de bases de dados e documentação da informa-ção disponível, resultados da comparação entre crono-gramas e custos reais e previstos e inadequações funcio-nais ou estruturais têm impacto no custo da informaçãoproduzida. A falta de conhecimento sobre o programa dedisseminação das informações, a indisponibilidade dasbases de micro, macro e meta-dados, o acesso à informa-ção e a falta de clareza nas diretrizes para a função de dis-seminação se refletem no uso da informação. Escassez deformulações de uso das informações para atender à lógicade decisão das políticas públicas, desequilíbrio napriorização e na atribuição de recursos aos projetos, faltade decisões sobre medidas e objetivos de integração e coor-denação entre as informações produzidas e reações dosusuários à resposta de suas necessidades são alguns fato-res que têm impacto na aplicabilidade da informação. Éimpossível enfrentar todos os desafios de uma só vez. Pla-nejar é, antes de tudo, saber fazer escolhas viáveis.

Objetivos estratégicos bem definidos orientam a esco-lha das metas operacionais. Se os objetivos estratégicossão expressos por um conjunto de indicadores, os proble-mas da produção provavelmente estarão entre as causascríticas que conformam os indicadores insatisfatórios.Estas causas críticas, analisadas e detalhadas sobre o as-pecto da experiência, dos recursos exigidos e da viabili-dade, organizados e orçados por projetos, fundamentamo plano de trabalho. Na demanda por coordenação, têm-se os objetivos da gestão: capacidade de prover e articu-lar recursos de informação e conhecimento, recursosorganizativos, políticos e financeiros em função do tem-po, prioridades estratégicas e operacionais concretamen-te estabelecidas no plano de trabalho, detalhado em pro-jetos. O plano de trabalho em forma de projetos exigecapacitação, metodologia e sistemas de gestão.

Estabelecida a estratégia de desenvolvimento para ascompetências organizacionais, é necessário completá-lasestabelecendo objetivos para as competências individuaise das equipes: desenvolvimento, remuneração, avaliação,processo de ascensão, dimensionamento e adequação doquadro de pessoal. Estas condições são difíceis de se ga-rantir em se tratando de instituições públicas. Entretanto,tais restrições não devem inibir a criação de um processoresponsável de avaliação de possibilidades e formas de res-posta, que devem ser contempladas no plano.

EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO SEADE

No período de 1991 a 1994, a Fundação Seade desen-volveu ações de planejamento, partindo do problema “Ousuário é pouco valorizado”. A explicação deste proble-ma, usando a metodologia PES – Planejamento Estratégi-co Situacional, desenvolvida por Carlos Matus,1 revelouseis fatores críticos, entendidos como causa da situação“O usuário é pouco valorizado”. Estes novos problemasforam enunciados como:- conhecimento pouco preciso do mercado que se queratingir;- inadequação dos mecanismos de disseminação das in-formações;- inadequação dos métodos de tratamento de informações;- não existe “data-fatal”;- informação não é considerada produto;- não são claras as prioridades.

Este trabalho harmonizou de tal forma o entendimentosobre a necessidade de atuar dentro desses objetivos quesuscitou novo impulso na comunidade Seade, uma novaetapa do seu desenvolvimento. Esta experiência positivamotivou a Fundação Seade a contratar o Prof. Carlos Matuspara ministrar um curso de PES, de 9 a 20 de maio de1994. Um corte no orçamento, em 1995, resultou numaquebra deste processo e conseqüente desmonte da equi-pe. Como legado, permaneceu uma cultura de pensar porproblemas, de estar atento a todos os pontos de vista dosenvolvidos, de analisar a governabilidade das situações,de levantar o conhecimento sobre as questões de formaparticipativa, subsidiando os responsáveis pelas decisões.

Em 2001, a Fundação Seade coordenou e desenvolveuo plano de trabalho “Ações para o DesenvolvimentoInstitucional”. Este projeto elegeu como diretriz duas qua-lidades essenciais às instituições públicas que produzeminformação socioeconômica: credibilidade social – garantir

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PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES

a relevância, a fidedignidade, a qualidade e a dispo-nibilização atualizada das informações necessárias à ca-racterização da dinâmica socioeconômica de um Estadocom a complexidade de São Paulo –; e aplicabilidade euso das informações produzidas – desempenho da produ-ção Seade junto aos governo, parceiros institucionais, ór-gãos similares de pesquisa e atores sociais envolvidos como uso de informações.

O processo de trabalho se desenvolveu numa agendade conversações orientada por um roteiro que fundamentoua dinâmica das reuniões e garantiu a identificação, oaprofundamento e a seleção das questões relevantes quese constituíram referência para analisar alguns aspectosdo desenvolvimento da Fundação Seade. “Prioridades epreocupações” foram inicialmente identificadas e orga-nizadas segundo temas: missão, indicadores de avaliaçãoexterna, modelo organizacional, receita própria, infra-estrutura, indicadores de avaliação interna, desenvol-vimento do corpo técnico e administrativo, convivência,seminários e eventos culturais. A cada âmbito de proble-mas foi aplicado um protocolo de questões em que seprocurou identificar o nível – alto, médio e baixo – dasdificuldades e da experiência da Fundação Seade. Anecessidade de amadurecer um modelo de organização quepudesse compatibilizar a missão Seade e o atendimentode projetos sob demanda, desenvolver visões integradasentre os diversos grupos temáticos, divulgar a FundaçãoSeade e desenvolver plano de carreira foram questõesclassificadas como: dificuldade alta e experiência baixa.Por outro lado, verificou-se que as questões pré-produzire disponibilizar resposta às demandas já conhecidas eaperfeiçoar o diálogo entre as decisões da direção e docorpo técnico, apesar de serem classificadas como baixadificuldade e alta experiência, continuavam sendo pro-blemas não resolvidos. À criação de condições para estudo,intercâmbio de conhecimento e atualidade foi atribuídadificuldade baixa e experiência baixa. A aplicação desteprotocolo para conhecer a relação cognitiva do grupo diretivocom os problemas foi de grande valia para ajustar aconsciência real sobre os desafios. As classificações nemsempre se revelaram válidas no momento de atuar, mas foramoportunas para construir uma nova compreensão sobre asdificuldades.

Os atores, que de alguma forma tinham gover-nabilidade sobre as ações projetadas, também foramidentificados: atores internos (diretores, governo, con-selho curador, gerentes, técnicos, funcionários) e atoresexternos (usuários, fornecedores de informação –

prefeituras, empresas, secretarias, ministérios, cartórios,fontes de informação –, instituições similares no país eno exterior e agências de fomento). Numa segunda etapa,as importâncias da direção foram apresentadas ao Fórumde Gerentes, que pôde, então, conhecer e contribuir comas ações propostas. A colaboração dos gerentes e asses-sorias reafirmou a necessidade de pensar o Seade futuro,fazer um esforço de antever a instituição nos próximosdois e quatro anos, avaliar os eixos estruturantes doconhecimento e das competências, desenvolver um novopapel dentro do governo, universidades e institutos depesquisa.

O Plano Ações para o Desenvolvimento Institucionalpriorizou a gestão de projetos, o aperfeiçoamento do mo-delo de organização e a adequação da infra-estrutura:- Ação 1 – Desenvolver a gestão por projetos;- Ação 2 – Adequar a infra-estrutura:

2.1 – pessoas (ações de atualização em pesquisasocial, políticas públicas, economia regional e cons-trução de indicadores, capacitação avançada emanálise multivariada e amostragem e capacitaçãobásica em estatística para técnicos envolvidos compesquisa e não estatísticos);2.2 – ambiência (disponibilizar um espaço de con-vivência e adequação do mobiliário);2.3 – processamento (treinamento básico e avan-çado e programa de desenvolvimento de informá-tica: organização e tratamento de bases de dados,Internet, tecnologia, sistemas, hardware e software,comitê consultivo de Internet, de tecnologia da in-formação, de avaliação de softwares estatísticos eorganização de bases de dados);

- Ação 3 – Aperfeiçoar um modelo de organização como objetivo de melhorar a sinergia entre a missão Seade e oatendimento de projetos demandados;- Ação 4 – Atuar na gestão de pessoal (concurso público,programa de estágio, programas de incentivo a demandaspor capacitação técnica e gerencial);- Ação 5 – Desenvolver a comunicação interna e externa(seminários, pesquisa interna de opinião, matérias na mídiae Internet, sala de imprensa na Internet, agenda de even-tos comemorativos, palestras para públicos externos so-bre a produção de informações, comunicação com o usuá-rio, divulgação do publishop e do site do Seade).

Na seqüência, estabeleceu-se uma rede de facilitado-res que se responsabilizaram por detalhar as ações e mo-nitorar sua execução, subsidiando sistematicamente a di-

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reção colegiada com indicadores de resultados e avalia-ções do nível de dificuldade encontrado.

Para o propósito deste artigo, cabe destacar o desen-volvimento da gestão de projetos. A Fundação Seade con-centrou esforços no sentido de desenvolver conhecimen-tos, habilidades e instrumentos, visando incentivar acoordenação de compromissos dentro de uma visão inte-grada, otimizar e acompanhar a alocação dos recursos,coordenar e integrar as funções técnicas e funções admi-nistrativas para o melhor desempenho dos projetos. Acapacitação das gerências dentro de uma visão de con-junto da administração de projetos, do entendimento dopapel do gerente de projetos, da compreensão das carac-terísticas individuais e seu impacto no desempenho dasequipes de projetos também foi contemplada.

Entre agosto e dezembro de 2002, profissionais doSeade, sob a orientação de uma equipe de professores daFIA/USP, foram capacitados no modelo referencial degestão de projetos proposto pelo guia PMBoK – ProjectManagement Body of Knowledge – do PMI – ProjectManagement Institute. Para consolidar este aprendizadoe adequar sua utilização às especificidades dos projetosSeade, o Comitê Seade de Gestão de projetos, em reuniõescoordenadas pela Fundação Instituto de Administração(FIA), desenvolveu, no período de março a abril de 2003,o Manual de Gestão de Projetos Seade, que define e deta-lha uma metodologia estruturada, buscando assegurar queos vários elementos do projeto sejam coordenados. Oobjetivo é oferecer um conjunto de diretrizes e procedi-mentos e identificar papéis (responsabilidades e autori-dades) que possam servir de referência básica na condu-ção das atividades da gestão de projetos.

O Manual de Gestão de Projetos Seade estabelece oentendimento comum do que é um projeto, caracteriza ostipos de projetos da Fundação Seade, estuda o ciclo devida dos projetos (Quadro 1), avalia a complexidade dosprojetos e estrutura uma metodologia identificando pro-cessos (Quadro 2), fluxos de trabalho e decisões, respon-sabilidades e desenvolvimento de funções para a organi-zação de um sistema de informações que possa apoiar agestão por projetos.

Neste trabalho, o estudo sobre os fatores críticos quetêm impacto na complexidade dos projetos resultou nosseguintes critérios:- origem da demanda: governamental, institucional, in-terna e externa;

- complexidade técnica: metodologia (continuidade, adap-tação, inovação); execução (desenho amostral – pequeno,médio, grande –, estratégia operacional – continuidade,adaptação, inovação) e tecnologia (existente, adaptação,nova);

- recursos humanos: disponibilidade segundo o crono-grama do projeto (disponível, não-disponível) e númerode pessoas alocadas no projeto (pequeno, médio, alto,muito alto);

- áreas técnicas envolvidas: internas (uma gerência, maisde uma gerência) e externas (não existem, existem insti-tuições externas envolvidas na execução do projeto);

- custos: baixo, médio, alto;

- duração: pequena, média, grande;

- dificuldade de obtenção de recursos materiais: pouca,média, alta (regras das instituições públicas).

QUADRO 1

Manual de Gestão de Projetos Seade: Ciclo de Vida dos Projetos

Fases do Gerenciamento dos Projetos

Fase Operacional

(comum a todos os tipos de projetos)

Planejamento

Execução

Controle

Iniciação Encerramento• Desenvolvimento da metodologia da pesquisa (elaboração do instrumental de coleta, consistência de dados e qualidade)• Coleta de dados, desenvolvimento do plano de análise e plano tabular• Geração das bases de dados e processamento do plano tabular• Análise dos resultados• Elaboração dos produtos finais• Disseminação das informações

Fonte: Fundação Seade.

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PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL: CAPACIDADE DE CONDUZIR AÇÕES

O manual também descreve e detalha as responsabili-dades de cada “papel”, identificando, para cada proces-so, o tipo de atuação: se executa, gerencia, apóia, aprovaou acompanha. Convencionou-se definir “papéis” comoum conjunto de atribuições de trabalho ou roteiros orga-nizados de modo a garantir a execução dos procedimen-tos. Em sua maioria, os papéis adotados no manualindependem da estrutura organizacional formal e são ocu-pados por profissionais do quadro, alocados temporaria-mente, de modo exclusivo ou não. Os papéis podem sersubdivididos em decisórios, operacionais e de suporte. Osdecisórios são as atribuições de decisão sobre o projeto eimplica, necessariamente, que tenha correspondência comas funções diretivas, ou com suas delegações formais. Ospapéis operacionais são as atribuições operacionais dire-tas da gestão e da execução do projeto, que tendem a serpreenchidas por profissionais das áreas técnicas. Os pa-péis de suporte são atribuições de suporte e apoio admi-nistrativo à gestão e à execução do projeto, que tendem aser preenchidas por profissionais das gerências e assesso-rias. O Sistema de Informações da Gestão de Projetos,ferramenta fundamental para o sucesso da gestão de pro-jetos, também é descrito nas suas funcionalidades: devesuportar os aspectos do projeto desde o início até o en-cerramento; pode incluir tanto sistemas manuais comoautomatizados; deve ser integrado com os sistemas já exis-tentes; e consolidar informações para a direção providen-ciando diversos níveis de informação.

Estão em fase de detalhamento as próximas ações: trei-namento e teste da metodologia; aplicações-piloto paracada tipo de projeto; atualização da versão atual do ma-nual de gestão de projetos a partir do aprendizado nasaplicações-piloto; adequação e expansão do atual sistemade informações para suportar as funcionalidades da me-todologia; e implantação do escritório de projetos.

Este trabalho de planejamento contribuiu ainda para osignificativo esforço de capacitação técnica, programasde incentivo a novas especializações e atualização datecnologia da informação. Hoje, está em processo deimplementação o espaço de convivência e a diretoria re-tomou a demanda “Aperfeiçoar o modelo de organizaçãoda Fundação Seade”.

NOTA

1. Economista, ministrou a cátedra de Política Econômica nos cursosde pós-graduação em Planejamento da Cepal e do Instituto Latino-Ame-ricano de Planificación Y Desarrollo (Ilpes) das Nações Unidas. Autorde vários livros sobre planejamento. Presidiu a Fundación Altadir, Ca-racas, Venezuela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DAMÁSIO, A. O mistério da consciência. São Paulo: Ed. SchwarczLtda., 2000. 474p.

QUADRO 2

Manual de Gestão de Projetos Seade: Fases e Processos

1. Iniciação 2. Planejamento 3. Execução e 5. Encerramento4. Controle

1.1 Analisar oportunidades 2.1 Definir equipe de planejamento 3.1 Detalhar o plano do projeto 5.1 Encerrar projeto

1.2 Autorizar o projeto 2.2 Detalhar o escopo do projeto 3.2 Executar o plano operacional 5.2 Finalizar a aceitação

2.3 Definir recursos e aquisições externas 3.3 Solicitar e acompanhar aquisições 5.3 Documentar aprendizado

2.4 Identificação de riscos 3.4 Executar plano de comunicação

2.5 Desenvolver cronograma

2.6 Estimar custos e preço 4.1 Controle de desvios de desempenho

2.7 Validar plano do projeto 4.2 Controle de alterações

2.8 Encaminhar decisão sobre o projeto

2.9 Preparar e acompanhar solicitações

de financiamento

2.10 Encaminhar decisão sobre o projeto

2.11 Preparar e acompanhar proposta técnica

2.12 Encaminhar decisão

Fonte: Fundação Seade.

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TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

TENDÊNCIAS RECENTESNO MERCADO DE TRABALHO

Pesquisa de Emprego e Desemprego

Resumo: Análise do mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo (1995-2002), associando-o àsdiversas transições socioeconômicas, tecnológicas e demográficas que vêm ocorrendo no Brasil, desde o iní-cio da década de 90. Para tanto, o autor utiliza-se da PED da Fundação Seade como fonte de informações.Palavras-chave: mercado de trabalho; pesquisa de emprego e desemprego; informalidade.

Abstract: Analysis of the labor market in the Metropolitan Region of São Paulo (1995-2002), with considerationgiven to the various socio-economic, technological and demographic transitions taking place in Brazil sincethe early 1990s. For this purpose, the author draws on the Survey on Employment and Unemployment byFundação Seade.Key words: labor market; survey of employment and unemployment; unrecorded economic activity.

JOSÉ PAULO ZEETANO CHAHAD

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 205-217, 2003

E ste texto examina as tendências recentes do mer-cado de trabalho na Região Metropolitana de SãoPaulo, utilizando como fonte de informações a

Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, da FundaçãoSistema Estadual de Análise de Dados – Seade.1 Ele con-templa dois objetivos. O primeiro busca revelar a evolu-ção e o comportamento do mercado de trabalho paulista,associando-o, quando possível, às diversas transições so-cioeconômicas, tecnológicas e demográficas que vem ocor-rendo no Brasil, e suas regiões, desde o início da décadade 90.

De fato, em parte como imperativo da globalização dosmercados e em parte pelo caminho natural de uma socie-dade que busca continuamente, mesmo com pouco suces-so, crescer permanentemente, o país tem experimentadovárias transições, entre as quais, a abertura comercial, areforma do papel do Estado, a estabilidade de preços, oavanço tecnológico, a integração em blocos econômicos,o surgimento de formas atípicas de contrato de trabalho,o avanço da negociação coletiva, a busca da flexibilidadenas relações de emprego, as quais, entre outras, têm afe-tado significativamente o mercado de trabalho. Nesse sen-tido, a escolha do período, de 1995 até 2002, visou con-

templar a época recente, em que algumas dessas transi-ções devem ainda estar produzindo seus efeitos definiti-vos, ou mesmo completando-se, com resultados importan-tes de serem verificados.

O segundo objetivo é o de revelar a importância da PEDcomo fonte de dados para investigações, pesquisas, testesestatísticos e análises econométricas, assim como os maisvariados estudos que pretendam investigar o mercado detrabalho de São Paulo, o que a torna muito mais impor-tante do que reduzi-la à polêmica da taxa de desempregocom a qual, algumas vezes, ela é identificada.2 De fato,trata-se de uma ampla base de dados, com uma grande ri-queza temática, que a torna uma rica fonte de informa-ções, prestando-se a investigar os mais variados temassobre o mercado de trabalho, desde a evolução dos prin-cipais indicadores até as estratégias de sobrevivência dosdesempregados.3

Visando atingir esses objetivos, este texto foi estrutu-rado da seguinte forma: a primeira seção resenha, sucin-tamente, as principais transições pelas quais tem passadoo país, desde o final dos anos 80, e início da década de90, as quais produziram impactos no mercado de traba-lho. A segunda seção mostra as flutuações do PIB brasi-

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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leiro e paulista indicando que o impacto dessas transições,ocorrido no mercado de trabalho brasileiro, deve ter acon-tecido também em São Paulo. A terceira seção mostra aevolução da PEA. A quarta seção revela as tendências daocupação. A quinta seção focaliza o desemprego aberto esua incidência entre os grupos populacionais. Na sextaseção, apresenta-se a evolução do rendimento real dosocupados e a sétima seção traz as principais conclusões.

PRINCIPAIS TRANSIÇÕES BRASILEIRASNA DÉCADA DE 90

Observando-se a evolução recente da economiabrasileira, especialmente a partir do início da década de90, é possível destacar um rol de importantes transiçõeseconômicas, sociais, demográficas e tecnológicas, comprofundas implicações para a evolução do mercado detrabalho e para as mudanças nas relações de emprego.Essas transições devem ser entendidas como indo muitoalém de sua influência sobre o nível das principais variáveisque compõem o mercado de trabalho, afetando-lhe,também, a dinâmica e as estruturas regional, setorial eocupacional.

Tais transições produzem certamente efeitos em prati-camente todas as regiões e estados brasileiros, inclusivenas áreas metropolitanas, onde se concentram os pólos maisdinâmicos da economia brasileira, caso da Região Metro-politana de São Paulo – RMSP, objeto de análise nestetexto. Embora com impactos diferenciados quanto à suaintensidade, e defasados no tempo, essas transições estãopresentes na evolução, no comportamento e nos resulta-dos observados para o mercado de trabalho da RMSP,razão pela qual elas são a seguir sumariadas.

A primeira transição, e talvez a mais importante, refe-re-se à passagem de uma economia inflacionária para ou-tra, na qual se convive com a estabilidade de preços. Ocontrole dos altos níveis de inflação, que adveio do PlanoReal, trouxe consigo o fim do “imposto inflacionário”, comimplicações positivas para a diminuição dos índices depobreza. Por outro lado, o controle da inflação, por meioda política monetária – altas taxas de juros, e controle dodéficit fiscal restringindo o crescimento econômico –,originou taxas de desemprego aberto maiores, assim comoum aumento do trabalho informal.

A passagem de um regime de altas taxas inflacionáriaspara outro de estabilidade de preços acarretou, para a so-ciedade brasileira, outros impactos sobre o mercado detrabalho além da elevação do desemprego e da informali-

dade. O fim da inflação melhorou a distribuição da rendaem direção ao maior consumo de bens e serviços das clas-ses mais pobres. Certamente um novo perfil de consumi-dor conduz a um novo perfil de produção que, embora nãoseja radicalmente diferente, determina o surgimento edesaparecimento de postos de trabalho específicos, comimplicações para a estrutura do emprego.

A segunda transição diz respeito à passagem de umaeconomia fechada para uma economia aberta. O processode abertura comercial teve impactos setoriais bastante ní-tidos. Por exemplo, o setor industrial passou por uma for-te reestruturação produtiva e organizacional, que levou àperda de dinamismo da economia brasileira e uma dimi-nuição sensível da mão-de-obra absorvida pelos seus di-ferentes ramos industriais, implicando profundas transfor-mações na geração de empregos, em sua qualidade e nasrelações de emprego.

Além disso, destaca-se que a liberalização da econo-mia vem acompanhada de um conjunto de característicasque afetam também, de forma indireta, o mercado de tra-balho. A maior abertura provoca um aumento na elastici-dade-preço da demanda dos bens, assim como os avançostecnológicos vindos do exterior são fortemente poupado-res de mão-de-obra. Esses são fatores que afetam o mer-cado de trabalho com conseqüências sobre o mercado debens e serviços.

A terceira transição refere-se ao surgimento e prolife-ração de formas atípicas de ocupação e de novos contra-tos de trabalho, requerendo mudanças institucionais emtodos os campos da vida econômica, originando um ex-tenso e profundo processo de informalidade, o qual, nomercado de trabalho, tem contribuído para a flexibiliza-ção das relações de trabalho. Uma das razões para tal in-formalidade, além das pressões advindas das mudançastecnológicas, diz respeito ao fato de a reforma trabalhis-ta, a tributária e a previdenciária não terem se completa-do na última década no Brasil.

As dificuldades políticas, devidas ao conflito deinteresses entre empregadores, trabalhadores e governo,resultaram em uma modificação parcial das leis traba-lhistas. As alterações efetuadas, muitas inicialmente pormeio de Medidas Provisórias do Poder Executivo, trataramdos principais componentes do contrato de trabalho, horase remuneração, introduzindo ou ampliando a adoção decontratos alternativos ao contrato-padrão. O avanço daspráticas de flexibilização no mercado de trabalho, sem aparticipação ativa dos sindicatos, tem limitado a padroni-zação das novas regras e a ressonância dos seus efeitos

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TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

positivos, além de cooperar para o aprofundamento doprocesso de informalidade, causando ainda uma diminui-ção das receitas do sistema de seguridade social público.

A quarta transição diz respeito a uma lenta modificaçãodo papel do Estado na sociedade, antes marcado por fortesestímulos à promoção direta da produção, tanto no setorpúblico quanto no setor privado, e agora mais orientadopara a fiscalização e regulação da economia. Em particular,o processo de privatizações promoveu ajustes no estoquede mão-de-obra das empresas privatizadas, com implica-ções ainda incertas para o mercado de trabalho, quandoobservado numa perspectiva de médio e longo prazos.Existem ainda os efeitos indiretos decorrentes dessatransição, pois na medida em que ocorre essa redefiniçãoda atuação do Estado limita-se a capacidade de formaçãode poupança interna, comprometendo, conseqüentemente,a capacidade de investimentos do país, com comprometi-mentos danosos para a absorção de mão-de-obra.

A quinta transição refere-se ao processo de inovaçãotecnológica implementado no Brasil desde o início dadécada de 90, nos primórdios da abertura comercial, comoinstrumento de resposta às crescentes pressões por maiorcompetitividade e mais produtividade das empresas, de-correntes da globalização dos mercados. Por se tratar deum dos principais fatores determinantes do grau de com-petitividade entre países, setores e organizações empre-sariais, essas inovações tornaram-se condição indispen-sável ao desenvolvimento econômico-social, sendoprocessadas em níveis cada vez mais intensos, que leva-ram as empresas a repensar o modo de organização doprocesso produtivo e as formas de gestão da produção,causando impacto no emprego, na estrutura ocupacional,no conteúdo do trabalho e nas relações de emprego.

Outro ponto que merece destaque na análise dosreflexos das novas tecnologias sobre a dinâmica do em-prego refere-se à capacitação dos trabalhadores, cujo nívelde exigência de qualidade, pelas empresas, torna-se cadavez mais intenso. Os trabalhadores com pouca escolaridadevão sendo excluídos do mercado de trabalho e substituídospelos mais capacitados e a com maior gama de com-petências.

A sexta transição refere-se ao elemento demográfico.Embora o crescimento populacional venha diminuindosensivelmente há várias décadas, a pressão demográficaherdada do passado ainda foi muito forte na década de90, e continuará sendo até o final da primeira década doterceiro milênio, quando os demógrafos afirmam que seencerrará a atual transição demográfica brasileira.

O ainda forte crescimento da PEA brasileira, na últimadécada, continuou trazendo dificuldades para a absorçãode mão-de-obra pelo setor formal, com impactos nomercado de trabalho. O primeiro deles refere-se àcontribuição demográfica para a ocorrência de altas dastaxas de desemprego, notadamente nas áreas urbanas dopaís, onde se concentra grande parte das ocupaçõesbrasileiras. O segundo refere-se ao surgimento da chamada“onda jovem”, decorrente do nascimento, em décadaspassadas, de um grande número de pessoas, que agoraafluem à força de trabalho. Nesse contexto, na ausênciade um sistema de proteção social adequado aos desem-pregados, pressiona-se, simultaneamente, o desempregoe a informalidade.

EVOLUÇÃO DO PIB

Esse conjunto de transições tem seu principal reflexona evolução da atividade econômica, tanto em âmbitonacional como regional, inclusive em Estados e municí-pios. Em qualquer caso, a evolução do PIB condiciona aevolução do mercado de trabalho, afetando seu compor-tamento e suas modificações ao longo do período em con-sideração.

Relativamente ao Estado de São Paulo, com grande pesona economia brasileira, o impacto dessas transições deveser semelhante ao que ocorreu no país, o que pode serobservado no Gráfico 1, no qual se verifica grande ade-rência entre as taxas de variação do PIB real brasileiro e

GRÁFICO 1

Variação Real Anual do Produto Interno BrutoBrasil e Estado de São Paulo – 1992-01

Fonte: IBGE; Fundação Seade.

-0,54

4,92

5,85

4,22 2,66

3,27

0,13

0,81

4,36

1,51

-2,50

2,65

3,84

0,31

0,36

3,70

2,80

6,18 5,94

4,68

-3,00

-2,00-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Brasil Estado de São Paulo

Em %

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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o paulista. Nota-se, ainda, que as transformações ocorri-das ao longo da década de 90 e início da primeira décadado século XXI causaram a redução das taxas de cresci-mento e o aumento do grau de volatilidade do nível deatividade econômica, fatos que têm condicionado o fun-cionamento do mercado de trabalho brasileiro (Chahad,2003).

Diante dessas amplas transformações pelas quais pas-sou, e continua passando, a economia, qual teria sido ocomportamento do mercado de trabalho paulista? Quaismudanças têm ocorrido na absorção de mão-de-obra? Ondea estrutura do emprego se modificou? Quais grupos po-pulacionais perderam espaço e quais aumentaram sua par-ticipação no emprego? O que ocorreu com a qualidade doemprego? Como evoluiu a remuneração entre setores eentre categoriais ocupacionais? Quais são os grupos quecompõem o conjunto dos desempregados, especialmenteaqueles em situação de desemprego aberto? Quais são ostrabalhadores mais penalizados pelo desemprego aberto?Essas e outras questões requerem uma análise das infor-mações fornecidas pela PED.

O COMPORTAMENTO DA PIA, DA PEAE DOS INATIVOS4

Em 1995, a PIA da RMSP era de aproximadamente 13,3milhões de pessoas, sendo 8,1 milhões de economicamenteativos e 5,2 milhões de inativos. De acordo com o Gráfi-co 2, entre 1995-2002, houve crescimento desses três gru-pos populacionais, mais acentuadamente da PEA (14,5%),vindo a seguir a PIA (10,2%) e os Inativos (3,4%), fazen-do com que a PIA passasse para 15,1 milhões de habitan-tes, a PEA para 9,6 milhões, e os Inativos para 5,5 mi-lhões de habitantes.

Tais cifras indicam que, apesar do agravamento dascondições do mercado de trabalho, houve um aumento dataxa de participação na força de trabalho (relação PEA/PIA) de 61,1%, em 1995, para 63,5%, em 2002. Isso sig-nifica um maior engajamento da população na atividadeeconômica, independentemente das condições adversas porela experimentada. Esse resultado não significa, contudo,que o aumento da participação ocorreu em todos os gru-pos populacionais.

De fato, o Gráfico 3 mostra que o impacto da atividadeeconômica, assim como decorrentes de fatores sociocul-turais, fez crescer mais rapidamente a PEA feminina, ados cônjuges,5 a dos indivíduos acima de 18 anos, assimcomo a PEA do pessoal semiqualificado e qualificado. Em

contraposição, cresceu menos a PEA dos homens, a doschefes, havendo ainda decréscimo na PEA dos jovens eda população analfabeta.6

GRÁFICO 2

Evolução da PIA, da PEA e dos InativosRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

GRÁFICO 3

Crescimento da PEA, segundo Atributos Pessoais (1)Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados.(2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens.Fundamental Completo e Ens.Médio Incompleto; 3:Superior Completo.

110,2

108,9

107,5

106,2105,1

103,5

100,0101,7

114,5

112,1

110,0

108,1

106,0

104,5

102,9

99,9

101,9103,8 103,2 103,6 103,9 103,4

99,0

101,0

103,0

105,0

107,0

109,0

111,0

113,0

115,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

PIA PEA Inativos

Índice (Base: 1995=100)

11,8

17,7

-23,0 -19,6

27,7

33,1

22,2

29,2

19,6

10,2

-30,0

-20,0

-10,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

Mul

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10 a

17

anos

18 a

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anos

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Esco

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)Em %

Hom

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TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

EVOLUÇÃO DO PESSOAL OCUPADO

O comportamento da ocupação global encontra-se noGráfico 4. Verifica-se que houve um crescimento muitopequeno, em torno de 6,9% no período, abaixo, portanto,do crescimento da PEA, que foi de 14,5%. Esse fraco cres-cimento do emprego parece ser um dos responsáveis pelogrande aumento do desemprego nesse período, juntando-se às pressões demográficas decorrentes de altas taxas denatalidade verificadas em passado recente, as quais pro-moveram a chamada “onda jovem”, com significativoscontingentes de indivíduos ainda jovens ingressando ma-ciçamente na força de trabalho, em condições de baixonível de absorção de mão-de-obra.

GRÁFICO 4

Evolução da PEA e da OcupaçãoRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

Atributos Pessoais

O lento crescimento da ocupação global mascara umaevolução bastante diferenciada entre os grupos que com-põem a população ocupada, conforme indica o Gráfico 5.A ocupação feminina, dos cônjuges, dos adultos e dosindivíduos com ensino médio (pessoal semiqualificado)cresceram bem acima da ocupação total. Em contraposi-ção, os jovens entre 10 e 17 anos e os analfabetos tiveramum crescimento negativo em sua ocupação. Claramente,o impacto das transformações socioeconômicas causou adiscriminação do trabalho jovem e do não-qualificado.

GRÁFICO 5

Crescimento dos Ocupados, segundo Atributos Pessoais (1)Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados.(2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens. Fundamental Completo e Ens. Médio Incompleto; 3:Superior Completo.

No caso do trabalho jovem, adiciona-se, ainda, o avançoda legislação procurando coibir o trabalho infantil, com aelevação da idade mínima para ingressar no mercado detrabalho, além dos esforços em aumentar a taxa de ingressoescolar, elevar a taxa de permanência na escola e reduzira taxa de evasão escolar (Chahad; Portela Souza, 2003).

Ainda que de forma menos articulada, mas em volumecrescente, as transferências de recursos às famílias carentesdevem ter contribuído para a redução do trabalho infantile dos jovens em geral. No caso do trabalho não-qualificado,trata-se de um imperativo das novas tecnologias queexigem trabalhadores cada vez mais educados e mais bemtreinados para exercer qualquer ocupação. Nessa pers-pectiva, até mesmo o próprio exercício da cidadaniasomente pode ocorrer em sua plenitude com níveiscrescentes de educação.

Comportamento da Ocupação segundo aAtividade Econômica

Aqui aparecem mudanças profundas no mercado detrabalho. De acordo com o Gráfico 6, enquanto o empre-go no setor privado expandiu-se pouco, houve uma dimi-nuição absoluta do emprego no setor público paulista, daordem de 2,8%, indicando um relativo sucesso no ajustedo emprego público empreendido pelo governo estadual.

114,5

112,1

110,0

108,1

106,0

104,5

102,9

106,9106,5

104,4

100,599,9

101,1100,7

100,0

PEA Ocupação

99,0

101,0

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109,0

111,0

113,0

115,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Índice (Base: 1995 = 100)

5,9

12,4

-42,0

-25,1

17,222,6

13,9 15,0

8,9 7,7

-50,0

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-30,0

-20,0

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0,0

10,0

20,0

30,0

Mul

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Che

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Côn

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10 a

17

anos

18 a

59

anos

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1 (2

)

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larid

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)

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Em %

Hom

ens

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210

Essa situação é mais dramática quando se observa aevolução do emprego de acordo com os ramos da ativida-de econômica: enquanto os Serviços cresceram bem aci-ma da média, o emprego no Comércio praticamente ficouestagnado entre 1995 e 2002, e a Indústria sofreu um de-clínio em sua ocupação de cerca de 13,5%.

te o contingente de trabalhadores informais. Dentre es-ses, os grupos que mais cresceram na RMSP foram os detrabalhadores autônomos e, principalmente, os de assala-riados sem carteira de trabalho assinada, conforme revelao Gráfico 7. Nota-se que o crescimento da absorção demão-de-obra na forma de carteira de trabalho assinadaocorreu em praticamente todos os tamanhos de estabele-cimentos, mas em maior percentual nas grandes empresasconforme mostra o Gráfico 8.

GRÁFICO 6

Crescimento dos Ocupados, segundo Setores de AtividadeEconômica (1) e Setores de Ocupação

Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Setores de atividade econômica selecionados.

Parte desse declínio pode ser atribuído à mudança nopadrão de emprego que acompanha o surgimento de umasociedade de Serviços, mas a explicação mais plausível éa do impacto da abertura comercial e a conseqüente intro-dução de tecnologias poupadoras de mão-de-obra, queobrigaram as empresas industriais a reorganizar sua es-trutura de emprego, buscando tornar-se mais competiti-vas, tanto no plano interno, quanto, principalmente, nocomércio internacional.

Trabalho Assalariado e Jornada de Trabalho

Seguindo uma tendência que tem se verificado desdemeados da década de 80, as mudanças na atividade pro-dutiva, associada a outros aspectos, como baixo nível deescolaridade da força de trabalho, pressão demográfica,desequilíbrios regionais, distribuição desigual da renda epolíticas incipientes de amparo aos desempregados, têmdeterminado o surgimento de formas atípicas de ocupa-ção, muitas de qualidade precária, aumentando rapidamen-

GRÁFICO 7Evolução dos Assalariados com Carteira esem Carteira Assinada e dos Autônomos

Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

GRÁFICO 8Participação dos Assalariados do Setor Privado,

segundo Tamanho da Empresa (1) e Tipo de Contratação,sobre o Total de Assalariados do Setor PrivadoRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Tamanhos da empresa selecionados.

4,67,0

27,5

0,9

4,6

8,1

23,2

1,8

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,01995 2002

Até 5 Empregados Com Carteira

Assinada

Até 5 EmpregadosSem Carteira

Assinada

500 Empregadosou Mais Com

Carteira Assinada

500 Empregados ou ou Mais Sem

Carteira Assinada

Em %

-13,5

1,2

6,8

16,8

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-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

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Indústria

ComércioServiços

Setor Privado

Setor Público

Em %

95,392,6 92,7

91,093,5

98,699,9100,0

100,9

114,5

109,0

117,0

135,7135,8 134,8

122,7

108,0

108,1

115,2118,3

125,8

129,6

90,0

100,0

110,0

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130,0

140,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Com Carteira Assinada Sem Carteira Assinada Autônomos

Índice (Base: 1995 = 100)

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TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

Deve-se observar, também, que a ocupação com car-teira de trabalho assinada, de natureza formal, após caircontinuamente até 1999, voltou a se recuperar, mesmo semum crescimento muito vigoroso da atividade econômica.Isso se deve a dois fatos: a retomada das exportações logoapós a desvalorização cambial ocorrida em janeiro de 1999e, principalmente, o impacto do programa Simples dogoverno federal, de unificação de tributos e redução dealíquotas, o qual trouxe benefícios na contratação comcarteira assinada para as pequenas e médias empresas(Chahad; Macedo, 2003).7

Além do forte crescimento dos assalariados sem car-teira de trabalho assinada houve outros efeitos sobre ostrabalhadores, particularmente sobre a jornada de traba-lho na economia paulista. De fato, de acordo com as in-formações do Gráfico 9, cresceu, nos principais ramos daatividade econômica, o grupo de ocupados assalariadostrabalhando mais que a jornada de trabalho legal determi-nada pela Constituição Federal.

A Forma de Inserção Ocupacional e a Terceirização

O pequeno crescimento da ocupação global, da ordemde 6,9% oculta um crescimento bastante diferenciado quan-do observado do ponto de vista da inserção ocupacionaldos trabalhadores, conforme mostra o Gráfico 10, ou daevolução dos trabalhadores terceirizados (subcontratados)em relação aos demais trabalhadores, apresentada no Grá-fico 11. Ademais, percebe-se uma evolução também dife-renciada ao longo do tempo.

GRÁFICO 9

Assalariados Trabalhando Mais que a Jornada Legal,segundo Setores de Atividade (1)

Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Setores de atividade selecionados.

Na realidade, é possível que tal resultado reflita o pró-prio crescimento do trabalho assalariado sem carteira detrabalho assinada, no qual, possivelmente, as restriçõeslegais à jornada de trabalho estão menos presentes. Dequalquer forma, a jornada de trabalho acima da legalmentedeterminada, parece ser uma prática comum em determi-nados setores, como, por exemplo, no Comércio e na Cons-trução Civil, em que, regra geral, mais de 50,0% dos as-salariados encontram-se nesta condição de trabalho.

GRÁFICO 10

Evolução dos Ocupados, segundo Grupos de Ocupação (1)Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Grupos de ocupação selecionados.

GRÁFICO 11

Evolução dos Ocupados Terceirizados do Setor PrivadoRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

145,5150,0

119,6

115,0

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Subcontratados Demais

Índice (Base: 1995= 100)

55,1

55,156,0

57,5

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59,2

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38,2 38,8

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Comércio Construção Civil Serviços

Em %

103,6103,0

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110,0

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Tarefas de Direção, Gerência e PlanejamentoTarefas de ExecuçãoTarefas de Apoio

Índice (Base 1995 = 100)

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212

De fato, embora o conjunto dos ocupados em Tarefasde Direção, Gerência e Planejamento tenha acrescido cercade 16,5% entre 1995 e 1998, sua absorção declinou bas-tante desde então até 2002. Em contraposição, após umaestagnação até 1998, cresceu bastante o emprego de tra-balhadores nas Tarefas de Execução, bem como o empre-go daqueles em Tarefas de Apoio.

Tal comportamento deve representar um ponto de in-flexão no chamado “ajuste produtivo” a que se submeteuo setor produtivo nacional, notadamente após a aberturacomercial ocorrida no início dos anos 90. A isso se somao processo de inovação tecnológica experimentado pelopaís, e já mencionado neste texto. Em ambos os casos, oreflexo inicial parece ter sido o de preservar a mão-de-obra mais treinada, mais educada, mais experiente, utili-zando-a inclusive em maior proporção, tendo em vista areorganização dos recursos humanos da empresa. Apósessa fase, houve uma recuperação do emprego dos traba-lhadores mais diretamente ligados ao processo produti-vo, principalmente após a desvalorização cambial de 1999,quando a economia voltou a crescer, ainda que modesta-mente.

A evolução dos trabalhadores terceirizados revela umcrescimento vigoroso de cerca de 45,5% entre 1995 e 2002,bastante acima do crescimento verificado para o total deocupados, ou mesmo dos assalariados ocupados. Dentreas possíveis explicações, duas se destacam. Em primeirolugar, um fenômeno estatístico: em 1995, os subcon-tratados representavam apenas 2,4% do total de assala-riados ocupados e somente 4,3% do total de assalariadosdo setor privado. Ou seja, com uma base inicial pequena(pequena participação relativa), o crescimento dos tercei-rizados foi superdimensionado. A explicação mais impor-tante, entretanto, diz respeito ao crescimento da subcon-tratação como expediente para contornar questões relativasaos custos do trabalho, em direção a flexibilizar ainda maisas formas de contratação da mão-de-obra (Zockun;Chahad, 2003).

TENDÊNCIAS DO DESEMPREGO ABERTO

Dentre as categorias de desemprego investigadas pelaPED (total, aberto, oculto pelo trabalho precário e ocultopelo desalento), o desemprego aberto merece destaque,pois se refere à situação mais dramática do ponto de vistade sobrevivência de quem se encontra nesta condição: odesempregado não está envolvido em nenhuma atividadeque lhe garanta alguma renda, podendo, eventualmente,

estar recebendo os benefícios do seguro-desemprego, porum prazo bastante limitado.8

As informações da PED indicam, após a estabilizaçãotrazida com o advento do Plano Real, um crescimentoacelerado do desemprego aberto, da ordem de 53,9%, noperíodo 1995-2002 (Gráfico 12). Com o fim da inflação,ele passou a ser o vilão da economia brasileira, a preocu-pação da maioria dos trabalhadores e um mal a ser com-batido pelo governo. Apesar da magnitude dessa cifra, asituação é mais dramática quando se investiga a incidên-cia do desemprego aberto segundo com as característicasdos trabalhadores nessa situação.

GRÁFICO 12

Evolução da PEA e dos Desempregados emSituação de Desemprego Aberto

Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

Atributos Pessoais

Pela evolução do desemprego aberto segundo essesatributos (Gráfico 13), pode-se constatar que os gruposmais penalizados foram os de mulheres, cônjuges, traba-lhadores adultos (com mais de 18 anos), e pessoal comeducação intermediária e superior.

Destaca-se, também, o forte crescimento do desempregodos chefes de família, que, em parte, explica o crescimen-to igualmente forte do desemprego dos cônjuges, uma vezque o chamado “efeito-renda” negativo, decorrente daqueda abrupta nos ganhos dos maridos (devido ao desem-prego), induz mais mulheres casadas a ingressar na força

114,5112,1

110,0108,1

106,0104,5

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153,9

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119,6

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

PEA Desempregados

Índice (Base: 1995 = 100)

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213

TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

de trabalho buscando complementar o orçamento familiare acabam por se tornar, também, desempregadas, dianteda escassez generalizada de oportunidades de emprego.

O aumento do “desemprego de longo prazo” deve-se,principalmente, a razões de natureza estrutural no merca-do de trabalho. Uma delas refere-se ao baixo nível de es-colaridade da força de trabalho brasileira, dificultando suaabsorção num contexto de rápido avanço tecnológico, emque as empresas necessitam de trabalhadores cada vez maiseducados, mais bem treinados e mais versáteis. Em ou-tros termos, existe um descompasso entre o perfil de tra-balhador requerido pelo setor produtivo e o conjunto derequisitos existentes na oferta de trabalho, o que acaba setransformando em “desemprego de longa duração”.

GRÁFICO 13

Crescimento dos Desempregados em Situação deDesemprego Aberto, segundo Atributos Pessoais (1)

Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Posição no domicílio, faixa etária e escolaridade selecionados.(2) Escolaridade: 1: Analfabeto; 2: Ens.Fundamental Completo e Ens.Médio Incompleto; 3:Superior Completo.

A Procura por Trabalho9

Além do forte crescimento do desemprego aberto, bemcomo da sua incidência em grupos específicos da PEA,alguns entre os mais vulneráveis, verificou-se um agrava-mento ainda maior das condições de desemprego na me-dida em que o tempo médio de procura por trabalho pas-sou de 22 semanas, em 1995, para 51 semanas, em 2002,ou seja, um aumento de cerca de 150,0% no tempo neces-sário para a obtenção de um novo emprego (Gráfico 14).

Ademais, elevou-se substancialmente o conjunto detrabalhadores que compõem o chamado “desemprego delonga duração”, referente àqueles desempregados há maisde um ano buscando trabalho. De fato, de acordo com oGráfico 15, a participação desse grupo, que correspondiaa 6,4% do total de desempregados, em 1995, passou para24,1%, em 2002. Diminuiu bastante, portanto, a partici-pação dos desempregados obtendo uma nova ocupação emmenos de 30 dias: em 1995 eles eram 29,9% do total, pas-sando para 14,6% em 2002.

GRÁFICO 14

Tempo Médio de Procura por TrabalhoRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.

GRÁFICO 15

Participação dos Desempregados, segundoClasses de Tempo de Procura por Trabalho (1)Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Classes de tempo de procura por trabalho selecionadas.

45,2

70,0

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Em semanas

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17,7

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Procurando há até 30 dias Procurando há mais de 1 ano

Em %

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

214

Outro problema diz respeito à falta de estrutura de ser-viços de apoio para atender o trabalhador desempregadoem sua busca por trabalho. Em primeiro lugar, o país nãodispõe de um conjunto bem desenvolvido de políticas ati-vas que complementem o programa de seguro-desempre-go brasileiro.10 Em segundo lugar, apesar dos esforços dogoverno federal na década de 90, o país não conta aindacom um sólido Sistema de Emprego, cujo papel é articu-lar as diversas políticas (ativas e passivas) voltadas parao mercado de trabalho. Isso possibilitaria melhorar o pro-cesso de intermediação da mão-de-obra com a finalidadede oferecer uma assistência mais eficiente ao trabalhadorbuscando um novo emprego. Por último, parte desse de-semprego estrutural decorre das dificuldades em se orga-nizar adequadamente a oferta de treinamento profissio-nal, a fim de reduzir o descompasso entre oferta e demandade trabalho.

COMPORTAMENTO DO RENDIMENTOMÉDIO REAL DOS OCUPADOS

A evolução dos ganhos reais dos trabalhadores paulis-tas na RMSP revela um quadro dramático de queda acen-tuada durante todo o período analisado. Ao final de 2002,os rendimentos reais tinham se reduzido cerca de 28,4%,não havendo qualquer recuperação durante este período.11

Forma de Contratação e Ramo deAtividade Econômica

Houve uma significativa queda no rendimento real(Gráfico 16) em praticamente todos os grupos de traba-lhadores que compõem o conjunto dos ocupados da eco-nomia paulista. Também setorialmente esta queda ocor-reu de forma indiscriminada. No caso das formas decontratação ou ocupação dos trabalhadores, os autônomostiveram a maior queda (40,6%), bastante acima da quedaobservada para os assalariados em geral (21,5%) e, den-tre estes, os assalariados com carteira de trabalho assina-da (21,8%).

Em relação à atividade econômica, pode-se verificarque as quedas foram significativas em praticamente todosos ramos do setor produtivo, com destaque para o Comér-cio, cujo ganho real do trabalhador declinou 39,4%, en-quanto os demais ramos – Indústria, Serviços e Constru-ção Civil – tiveram queda semelhante. Ainda com respeitoao nível setorial, a queda foi mais acentuada na esferaprivada (21,8%) do que na esfera pública (17,3%).

GRÁFICO 16

Crescimento do Rendimento Médio Real dos Ocupados, segundo Posição na Ocupação, Forma de Contratação,

Setor de Ocupação e Setor de Atividade EconômicaRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Assalariados do setor privado.(2) Assalariados totais.

GRÁFICO 17

Crescimento do Rendimento Real Médio, dos Assalariados do Setor Privado,e dos Ocupados Totais, segundo Grupos de Ocupação (1)

Região Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Grupos de ocupação selecionados.

Ganhos Reais: Terceirização e Grupos de Ocupação

Vimos anteriormente que o fenômeno da subcontratação,indicativo da terceirização da mão-de-obra, cresceubastante na RMSP, embora represente uma parcela diminutada mão-de-obra ocupada. Com freqüência essa prática temsido apontada como indicativa da crescente flexibilizaçãodas formas de contratação, com impactos negativos nascondições de trabalho e no nível de remuneração real dostrabalhadores com esta forma de contrato.

-0,22 -0,26

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TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

Se, por um lado, tal prática pode ser condenada porembutir uma redução de custos originada pela supressãode direitos trabalhistas, por outro, revela-se um expedienteem que os trabalhadores sofreram menos com a quedageneralizada dos ganhos reais. De fato, enquanto para ototal dos assalariados do setor privado a redução de ren-dimentos reais foi de aproximadamente 15,5%, para osterceirizados essa redução não passou de 2,1%, num pe-ríodo de oito anos.

No caso dos grupos de ocupação, verifica-se que ostrabalhadores nas Tarefas de Apoio tiveram queda menor(18,0%) em relação aos trabalhadores nas Tarefas de Exe-cução (26,1%) e nas Tarefas de Direção, Gerência e Pla-nejamento (26,0%).

Tamanho do Estabelecimento e Tempode Permanência na Empresa

Segundo a evolução dos rendimentos médios reais dosassalariados do setor privado, de acordo com o tamanhodo estabelecimento e tempo de empresa (Gráfico 18), ve-rifica-se que os trabalhadores em pequenos estabelecimen-tos do setor privado (com até cinco empregados) experi-mentaram uma queda em seus ganhos reais da ordem de11,2%, bastante próxima das grandes empresas (acima de500 empregados), que foi de 13,6%. Tais cifras são bemmenores que aquelas verificadas para o total de ocupados(28,4%) e mesmo para os ocupados assalariados no setorprivado (21,8%), anteriormente apresentadas.

Quanto ao tempo de permanência dos trabalhadores naempresa, um indicativo da experiência no trabalho, ésurpreendente que os assalariados mais penalizados coma queda dos rendimentos reais foram exatamente aquelescom maior tempo de serviço na empresa.

Isso evidencia uma grave distorção no mercado de tra-balho brasileiro, na medida em que o investimento emcapital humano realizado pelas empresas, ou pelos traba-lhadores, através de educação formal, treinamento profis-sional ou treinamento na função, tem contribuído poucopara elevar a produtividade do trabalhador, com implica-ções danosas para a evolução dos seus rendimentos reaise para a própria distribuição de renda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a década de 90, intensificou-se o processo detransições experimentado pelo Brasil, com efeitos na es-trutura produtiva e, conseqüentemente, no mercado de tra-

balho nacional. A abertura comercial, a estabilidade depreços, as privatizações, as inovações tecnológicas e ofenômeno demográfico atuaram conjuntamente na promo-ção de transformações na estrutura, no funcionamento ena evolução do mercado de trabalho brasileiro, inclusiveem um dos seus pólos mais dinâmicos, a RMSP.

Utilizando as informações da PED/Seade, pode-se des-tacar algumas das principais tendências verificadas no mer-cado de trabalho após a segunda metade da década de 90:- crescimento contínuo da PEA, fruto de fortes pressõesdemográficas;

- crescimento lento da ocupação total, em virtude, espe-cialmente, das restrições ao trabalho infantil e do jovem(legislação mais severa), e das limitações impostas ao tra-balho dos não-qualificados (inovação tecnológica e am-biente empresarial altamente competitivo);

- queda no emprego industrial decorrente do ajuste pro-dutivo (conseqüência da abertura comercial) e aumentono emprego do setor Serviços (rota para uma sociedademoderna);

- estagnação do emprego com carteira assinada e aumentode formas atípicas de contratação (assalariado sem carteiraassinada) e ocupação (autônomos), em parte refletindo ademanda por flexibilização nas relações de emprego e,também, decorrente da pobreza e miséria, mas, em ambosos casos, originando um aumento da informalidade no mer-cado de trabalho;

GRÁFICO 18

Crescimento do Rendimento Real Médio dos Assalariados do SetorPrivado, segundo Tamanho da Empresa (1) e

Tempo de Permanência no Atual EmpregoRegião Metropolitana de São Paulo – 1995-02

Fonte: Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED.(1) Tamanho da empresa e tempo de permanência no atual emprego, ambos selecionados.

-11,2

-21,0

-13,6

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-27,8-30,0

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216

- aumento no conjunto de assalariados trabalhando maisque a jornada legal de trabalho, outro reflexo da busca daflexibilização, especialmente devido à estrutura rígida deencargos trabalhistas;- avanço da terceirização da mão-de-obra, determinado,igualmente, pela busca de relações menos rígidas deemprego que permitam uma redução do custo da mão-de-obra;- forte crescimento do desemprego aberto decorrente tan-to das crises de natureza conjuntural, com o intuito depreservar a estabilidade de preços ou defender-se de cri-ses internacionais, quanto de natureza estrutural, fruto dodesajuste entre o perfil de mão-de-obra demandada e aqualidade da oferta de trabalho existente;- elevação do chamado “desemprego de longo prazo”, sejapelo agravamento das oportunidades de emprego deriva-do do ambiente competitivo imposto pela globalização,seja pela inexistência de um sólido Serviço de Empregoque permita assistir o desempregado em sua busca por tra-balho, com uma ampla oferta de serviços;- queda acentuada, e generalizada, do rendimento real dotrabalhador ocupado assalariado (com ou sem carteira);absorvido pelo setor público ou privado, terceirizado ounão, atuando em atividades de Direção, ou de Execuçãoou de Apoio; empregado em pequenas ou grandesempresas; ou possuindo pouca ou muita experiência naempresa. Parte dessa queda dos ganhos reais pode seratribuída à relativa estagnação do PIB, ou ao declínio daatividade econômica, existindo ainda os que acreditamtratar-se da continuidade do processo de flexibilização domercado de trabalho, na ausência de uma reformatrabalhista ampla.

De qualquer forma, o lento crescimento da economia ea grande volatilidade dos níveis de produto têm impostomudanças no funcionamento e no perfil do mercado detrabalho, inclusive na RMSP, os quais são captados pelaPED com grande grau de detalhe, tornando-a uma fonteextremamente útil para os estudiosos da área, bem comopara fornecer importantes subsídios na formulação depolíticas sociais, demográficas e trabalhistas pelas auto-ridades governamentais.

NOTAS

Texto elaborado especialmente para a São Paulo em Perspectiva, porocasião da edição comemorativa dos 25 anos da Fundação Seade. Oautor agradece a dedicação e competência do estagiário Leandro de

Souza Ribeiro pelo trabalho de levantamento, organização e tabula-ção dos dados. Agradece, também, a Ana Maria Penza Ferri pela for-matação da versão final.

1. A PED é realizada em colaboração com o Departamento Intersindicalde Estatística e Estudos Sócio-Econômicos – Dieese, desde janeiro de1985.

2. O autor reconhece a existência dessa polêmica, tendo tomado partedela em algumas ocasiões. Contudo, não será aqui abordada, uma vezque não se enquadra no espírito deste texto.

3. Além das séries históricas, e suas desagregações correspondentes, aFundação Seade passou, recentemente, a disponibilizar os microda-dos da PED, aumentando bastante o potencial de análises sobre o mer-cado de trabalho paulista. Com base nessas fontes, os pesquisadoresdo Departamento de Economia da FEA-USP e da Fipe desenvolveramalguns estudos para o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil.Picchetti, Chahad e Orellano (2002) investigaram as decisões relacio-nadas à rotatividade da mão-de-obra no Brasil; Picchetti e Zylberstajn(2003) e Fernandes (2003) analisaram, com versoões diferentes, asfontes de recursos e as estratégias de sobrevivência do trabalhador de-sempregado na RMSP; e Menezes-Filho e Picchetti (2003) estudarama duração das relações de emprego em São Paulo. Embora a base geo-gráfica da PED seja a Região Metropolitana de São Paulo, essas pes-quisas permitiram verificar que, dentro de certos limites, é possívelinvestigar fenômenos do mercado de trabalho que tenham abrangên-cia nacional, e outros que representem comprovações de hipóteses te-óricas sobre o comportamento de determinadas variáveis do mercadode trabalho.

4. De acordo com as notas metodológicas da PED, a PIA representa aPopulação em Idade Ativa com 10 anos e mais. A PEA é a PopulaçãoEconomicamente Ativa, representada pela parcela da PIA que está ocu-pada ou desempregada. Os Inativos representam a parcela da PIA commais de 10 anos que não estão nem ocupados nem desempregados.

5. Certamente este resultado pode ser atribuído ao fato de o grupo doscônjuges é composto basicamente de mulheres.

6. A desagregação dos dados indica que houve um forte aumento dataxa de participação na força de trabalho das mulheres, dos gruposetários adultos (25 a 39 anos), dos cônjuges e filhos, dos mais qualifi-cados, e uma queda na taxa de participação dos homens, dos chefes defamília, dos jovens entre 10 e 14 anos, e dos analfabetos.

7. O Simples é o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Con-tribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, instituí-do pelo Governo Federal através da Lei no 9.317, de 5 de dezembro de1996. Entrou em vigor em 1/1/1997.

8. Atualmente o seguro-desemprego é concedido, por tempo limitado,ao trabalhador despedido sem justa causa, inclusive a indireta, que,entre outros requisitos, tenha tido vínculo empregatício durante seismeses ou mais, nos últimos 36 meses que antecederam sua dispensa.A duração do benefício varia entre três e cinco parcelas mensais, de-pendendo do tempo de serviço exercido no emprego que originou adispensa.

9. Esta subseção se refere ao desemprego total computado pela PED,englobando o desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalhoprecário e o desemprego oculto pelo desalento.

10. As políticas ativas compreendem um amplo conjunto de medidasvoltadas para melhorar o acesso dos desempregados ao mercado detrabalho, bem como às vagas de emprego, além de aspectos referentesà qualificação da mão-de-obra. Regra geral, elas contemplam os se-guintes programas: serviço de emprego, treinamento, apoio aos jovens,subsídios ao emprego, medidas para os incapacitados, assistência àprocura por trabalho, criação direta de emprego no setor público eauxílio para os desempregados se estabelecerem em negócio próprio.As políticas passivas compreendem os gastos com benefícios do se-guro-desemprego e outros benefícios a ele relacionados, em especialos referentes à aposentadoria precoce.

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TENDÊNCIAS RECENTES NO MERCADO DE TRABALHO: PESQUISA ...

11. A observação da evolução do rendimento médio real, ano a ano,permite verificar que, para a maioria das categorias ocupacionais des-ta seção, ele se manteve relativamente estável entre 1995 e 1997, co-meçou a declinar com a queda do nível de atividade em 1998, sofren-do uma queda abrupta a partir de então, especialmente depois da des-valorização cambial de 1999.

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JOSÉ PAULO ZEETANO CHAHAD: Professor da FEA-USP, Pesquisador daFundação Instituto de Pesquisas Econômicas.

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A

REDISTRIBUIÇÃO ESPACIALDA POPULAÇÃO

tendências e trajetória

Resumo: Análise das transformações ocorridas a partir dos anos 80 que tiveram importantes conseqüências noprocesso de urbanização, nos sistemas urbanos e nos padrões de assentamentos humanos no Brasil, com ênfa-se especial ao desempenho do Estado e da Região Metropolitana de São Paulo neste processo. Para tanto,foram utilizados os dados dos Censos Demográficos de 1980 a 2000.Palavras-chave: distribuição espacial da população; urbanização; migração interna; metropolização.

Abstract: An analysis of the transformation that occurred beginning in the 1980s and that had importantconsequences for the process of urbanization, in the urban systems and patterns of human settlement in Brazil,with special emphasis on the role played by the State and the Metropolitan Region of São Paulo in this process.Data from the Demographic Censuses of 1980 and 2000 were used for this purpose.Key words: spatial distribution of the population; urbanization; internal migration; metropolitanization.

JOSÉ MARCOS PINTO CUNHA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 218-233, 2003

ssim como observado para quase toda a AméricaLatina, a partir dos anos 80 as dinâmicas econô-mica, social e demográfica brasileiras passaram

Janeiro, foram os que mais sofreram não apenas com acrise econômica, mas também com as novas tendênciaslocacionais da atividade produtiva que, de uma forma oude outra, também tiveram impactos sobre a redistribuiçãoespacial da população.

A partir de análise dos dados censitários de 1970 a 2000,pretende-se mostrar que, embora real, a desconcentraçãodemográfica, em particular desde as metrópoles, é apenasrelativa e, mais que isso, praticamente circunscrita ao cen-tro dinâmico do país situado no Sudeste brasileiro. Alémdisso, enfatizando o papel do conjunto das regiões metro-politanas nesse processo, são mostradas a força que o fe-nômeno metropolitano ainda tem sobre a dinâmica nacio-nal e a forma como as características deste tipo deassentamento humano se repetem no país.

Finalmente, conclui-se este estudo com uma avaliaçãodo papel do Estado e da Região Metropolitana de SãoPaulo nas tendências redistributivas observadas no Bra-sil. Com ênfase nas principais mudanças nos processosmigratórios destas áreas, busca-se mostrar a importânciaque ainda hoje a dinâmica paulista possui sobre os rumosda mobilidade da população brasileira, mesmo conside-rando a situação de crise pela qual vem passando. O re-

por significativas transformações que tiveram profundasimplicações nos seus processos de redistribuição espacialda população e urbanização, sendo uma delas a interrup-ção do ímpeto concentrador que, durante décadas, carac-terizou a dinâmica demográfica nacional.

Além disso, não apenas diversificaram-se as formas deassentamentos humanos, como também ganharam impor-tância, na dinâmica demográfica nacional, novos espaçosregionais e outros tipos de mobilidade populacional, comclaras conseqüências nos padrões locacionais da popula-ção dentro e fora dos grandes centro urbanos, caracteri-zando, assim, uma relativa desconcentração demográfica.Em termos econômicos, a questão da desconcentração noBrasil também suscitou um cadente debate (Azzoni, 1986;Diniz, 1993; Pacheco 1998; Lencioni, 1996), cujas teses,sem negar a manutenção do papel do núcleo hegemôniconacional (São Paulo), diferiam tanto na intensidade quan-to na abrangência espacial do fenômeno.

De qualquer maneira, o fato é que o país transformou-se. Estados da Região Sudeste, como São Paulo e Rio de

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REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA

crudescimento de certos fluxos migratórios, em particu-lar aqueles originados no Nordeste, e a redução da dife-rença entre os crescimentos demográficos da metrópole edo interior, a despeito da continuidade das perdas migra-tórias líquidas da primeira para o segundo, são alguns dosaspectos relevantes revelados pelos dados do CensoDemográfico de 2000 e que marcam inequivocamente opapel central da Região Metropolitana de São Paulo parase entender processos inter e intra-estaduais.

REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAPOPULAÇÃO NO BRASIL

Os dados do Censo Demográfico de 1991, assim comoos mais recentes de 2000, revelaram uma redução genera-lizada no ritmo do crescimento demográfico das regiõesbrasileiras, fruto não apenas da queda da fecundidade (decerca de 4 filhos por mulher em 1980 para 2,3 no momen-to atual), mas também de alterações significativas nas ten-dências migratórias.

Para o conjunto da população nacional, observa-se que,de uma taxa de crescimento correspondente a 3,05% a.a.no período 1950-60, o país passou para 2,48% a.a. nosanos 70, diminuindo para 1,93% a.a. entre 1980 e 1991.De 1991 a 2000, a taxa de crescimento da população bra-sileira chegou a 1,62% a.a. (Tabela 1).

Quanto às regiões do país, o Norte destacou-se no pe-ríodo 1980-1991 por apresentar a taxa de crescimentopopulacional mais elevada (4% a.a.), demonstrando aimportância da fronteira agrícola nos anos 80 comocanalizadora de importantes fluxos migratórios para asáreas rurais, particularmente para os Estados de Rondônia

e Pará. Essa região também ganhou peso relativo na dis-tribuição de sua população no total do País: respondia por4,43% da população nacional em 1970, passando para5,57% em 1980, e alcançando 6,53% em 1991.

Esse enorme crescimento populacional da Região Norteesteve condicionado, sem dúvida, aos fluxos migratóriosque para lá se dirigiram do final da década de 70 até me-tade dos anos 80. Entretanto, como aponta Martine (1994),o ímpeto de ocupação da região reduziu-se significativa-mente, coincidindo com o fim de programas e subsídiosgovernamentais, além de dificuldades operacionais etecnológicas para desenvolver a região. De fato, entre 1991e 2000, a taxa de crescimento da população do Norte di-minuiu para 2,62% a.a., apesar de ser ainda a mais eleva-da entre as regiões.

No período 1980-91, as Regiões Nordeste e Centro-Oeste registraram taxas de crescimento da população(1,82% a.a. e 2,99% a.a., respectivamente) superiores àsdas Regiões Sudeste (1,76% a.a.) e Sul (1,38% a.a.).

No caso do Nordeste, a constituição de algumas “ilhasde produtividade” (Pacheco, 1998) com o dinamismo li-gado ao Pólo Petroquímico de Camaçari (no Estado daBahia), a implantação de novas plantas industriais emEstados como Ceará, Pernambuco e Bahia, as atividadesturísticas, a agricultura irrigada para exportação, o em-prego público, etc. ampliaram e diversificaram a estrutu-ra econômica nordestina, contribuindo tanto para a absor-ção de uma população que potencialmente migraria, quantopara incentivar fluxos migratórios de retorno, oriundosprincipalmente do Sudeste (Cunha; Baeninger, 2000; Cano,1998). Nota-se, no entanto, que nos anos 90 o crescimen-to demográfico nordestino teve uma das reduções maispronunciadas do país, fato que, como se verá adiante, co-incide com um incremento de sua emigração, fato, aliás,já prenunciado por Cano (1998) ao reconhecer a reduçãodos impactos dos investimentos do II PND, além das cri-ses na produção industrial, do setor público em particularnas maiores aglomerações.

Considerando a Região Centro-Oeste, o crescimentopopulacional relativamente elevado observado no perío-do 1980-91 esteve condicionado à sua situação de fron-teira agrícola, à dinamização das atividades agropecuáriasvoltadas para o complexo grãos/carne e também ao im-portante efeito das atividades de garimpo, que tiveram forteação no processo de ocupação regional no final dos anos80 até começo dos 90. Contudo, como se percebe na Ta-bela 1, este mesmo desempenho não foi repetido nos anos90, uma vez que vários dos condicionantes de ocupação

TABELA 1

Taxa de Crescimento Médio Anual, segundo Grandes RegiõesBrasil – 1940-2000

Em porcentagem

Grandes 1940/ 1950/ 1960/ 1970/ 1980/ 1991/Regiões 1950 1960 1970 1980 1991 2000

Brasil 2,35 3,04 2,89 2,48 1,93 1,62

Norte 2,30 3,40 3,47 5,02 3,85 2,86

Nordeste 2,23 2,12 2,40 2,16 1,82 1,31

Sudeste 2,11 3,11 2,67 2,64 1,76 1,61

São Paulo 2,40 3,50 3,30 3,50 2,02 1,79

Minas Gerais 1,50 2,33 1,49 1,54 1,48 1,42

Sul 3,19 4,14 3,45 1,44 1,38 1,42

Paraná 5,61 7,16 4,97 0,97 0,93 1,40

Centro-Oeste 3,30 5,45 5,60 3,99 2,99 2,38

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1940 a 2000.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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anteriores – como subsídios governamentais para o pro-cesso de colonização e a atividade garimpeira – já nãomais estavam presentes.

Na Região Sudeste percebe-se que, nos anos 90, suataxa de crescimento demográfico continuou em queda,muito embora em ritmo bem inferior ao observado na dé-cada de 80, certamente em função da menor redução rela-tiva da fecundidade e da migração. Há de se notar que,como sustenta Pacheco (1993), foi esta a região que maissofreu os impactos do processo de reestruturação edesconcentração produtiva, uma vez que, particularmen-te no caso do Estado de São Paulo, detinha parcela signi-ficativa de produção e emprego industrial.

Para a Região Sul, o período 1980-1991 apresentou amenor taxa de crescimento populacional (1,38% a.a.), re-fletindo, em grande medida, sua taxa negativa de cresci-mento da população rural (-2,0% a.a.), devido ao grandeêxodo rural do Paraná, que se iniciou nos anos 70 e seestendeu aos 80. Contudo, entre 1991 e 2000, a RegiãoSul apresentou uma significativa recuperação de seu cres-cimento demográfico, refletindo os efeitos do desempe-nho da atividade industrial, particularmente no caso doParaná, que foi beneficiário importante do processo dedesconcentração da industria nacional. Como mostraramos dados, de fato, este Estado, após duas décadas de cres-cimento demográfico pífio, recuperou-se significativamen-te nos anos 90.

Distribuição Espacial da População e Urbanização

Como já se adiantou, a distribuição espacial da popu-lação brasileira esteve pautada, pelo menos até o iníciodos anos 80, pela progressiva concentração demográficana Região Sudeste, sobretudo em São Paulo, e, em menormedida, pelo crescimento da importância relativa das re-giões de fronteiras agrícolas. Desde 1950, o Sudeste con-centra mais de 40% da população nacional, sendo quesomente o Estado de São Paulo abrigou em média, noperíodo, 19% dos brasileiros. Em termos das principaistendências entre 1950 e 2000, o que se observa é que ape-nas as Regiões Norte e Centro-Oeste aumentaram seuspesos relativos, comportamento que espelha a ocupaçãode suas áreas de fronteiras agrícolas e, no caso do Centro-Oeste, da ocupação progressiva e intensa do Distrito Fe-deral e seu entorno.

A despeito de todos os movimentos de população ocor-ridos ao longo de várias décadas, na verdade, o padrãoconcentrador que sempre caracterizou a dinâmica demo-

gráfica brasileira pouco tem se alterado, sobretudo quan-do se consideram as duas últimas décadas. De fato, de 1970a 2000, poucas foram as modificações nos pesos relativosda população de cada um dos Estados (Tabela 2). Mesmocom uma ligeira diminuição relativa de sua população nototal nacional (de 43,5% nos anos 70 para 42,6% em 2000),o Sudeste ainda detém o maior volume populacional dopaís. De maneira especial, percebe-se que, no caso doEstado de São Paulo, o seu peso relativo continuou au-mentando, muito embora em ritmo bem menos acentua-do, refletindo a redução do impacto da migração no seucrescimento demográfico.

Tendo em vista os diferenciais regionais de fecundidadeainda existentes no Brasil – com as áreas mais desenvol-vidas do Sudeste e Sul registrando taxas de fecundidade,em média, 25% menores que as mais pobres –, pode-sededuzir facilmente que o efeito da migração foi decisivonesse processo de distribuição espacial da população bra-sileira.

Pelo menos até os anos 70, impulsionada pela intensaimigração, a Região Sudeste, em particular o Estado deSão Paulo, cresceu a taxas significativamente maiores queo país, fato não observado nos anos 80 e 90. A contrapar-tida para essa situação pode ser percebida pelo compor-tamento das taxas de crescimento das regiões histo-ricamente “fornecedoras” de migrantes, como Paraná,Minas Gerais e o Nordeste. Nesses casos, constata-se quea diminuição das taxas de crescimento da população foibem menor que no Sudeste ou mesmo no Brasil, o quemostra que a emigração sofreu uma significativa redução(Cunha; Baeninger, 2000). Contudo, isso não significa que

TABELA 2

Distribuição da População Total, segundo Grandes RegiõesBrasil – 1970/2000

Em porcentagem

Grandes Regiões 1970 1980 1991 2000

Brasil 100,00 100,00 100,00 100,00

Norte 4,43 5,57 6,83 7,62

Nordeste 30,18 29,25 28,94 28,12

Sudeste 42,79 43,47 42,73 42,62

Minas Gerais 12,34 11,24 10,71 10,54

Rio de Janeiro 9,66 9,49 8,70 8,49

São Paulo 19,09 21,04 21,47 21,84

Sul 17,71 15,99 15,08 14,79

Paraná 7,43 6,41 5,75 5,65

Centro-Oeste 4,89 5,72 6,42 6,85

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1970 a 2000.

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REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA

a evasão demográfica destas áreas tenha se esgotado, hajavista que as taxas de crescimento registradas para os anos80 foram ainda muito baixas (Tabela 1).

Já o crescimento demográfico acima da média nacio-nal apresentado pelas regiões Norte e Centro-Oeste mos-tra que ainda nos anos 80 e 90 essas áreas registraramsaldos migratórios positivos, que certamente foram maisimportantes na primeira região, em especial nos Estadosde Roraima, Amapá e Amazonas, que ainda cresciam naúltima década a taxas elevadas, da ordem de 4,6%, 5,8%e 3,3% a.a., respectivamente.

A Migração Interestadual

Com base nos dados da Tabela 3, observam-se váriasalterações na migração interestadual no Brasil na décadapassada. Em primeiro lugar, chama atenção que o volumede pessoas residindo há menos de dez anos nas váriasUnidades da Federação aumentou significativamente, su-gerindo, a princípio, um crescimento da mobilidade in-terna no país.

Esta visão geral deixa, contudo, de considerar compor-tamentos importantes, tais como:- a redução significativa das perdas populacionais de Esta-dos historicamente emissores de migrantes, como MinasGerais e Paraná;- o importante recrudescimento da emigração em váriosEstados do Nordeste, particularmente Bahia, Piauí, Mara-nhão e Alagoas; nos demais chama também a atenção a manu-tenção dos patamares de perdas demográficas dos anos 80;- em certo sentido como contrapartida do anterior, o in-cremento, nos anos 90, do volume de imigração registra-do no Sudeste, não apenas em São Paulo, mas também noRio de Janeiro e Minas Gerais;- o aumento da imigração no Centro-Oeste, processo este,contudo, visivelmente “desconectado” da fronteira agrí-cola, tendo em vista que tal comportamento deve-se mui-to mais à performance do Distrito Federal e de Goiás; nocaso do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a tendênciados anos 80 de redução da imigração mantém-se; aindanestes dois casos, a emigração do decênio 1990-2000manteve os patamares elevados atingidos na década ante-rior, o que mostra a continuidade de um processo dedesaceleração da ocupação da fronteira nestes Estados;- a significativa recuperação dos volumes de imigraçãodos três Estados da Região Sul, acompanhada por umaredução ou certa estabilização das perdas populacionais.

Portanto, os diferentes ritmos de crescimento da popu-lação brasileira regional, apontados anteriormente, reve-lam que, a partir dos anos 80, ocorreram significativasmudanças no quadro migratório nacional, algumas já es-peradas em função de tendências passadas, como o casoda fronteira e a recuperação da Região Sul, e outras, senão surpreendente, no mínimo, merecedoras de uma maislonga e ampla reflexão. Este é o caso do recrudescimentoda migração nordestina justamente num momento em queas grandes transformações produtivas no país levavam aapostar num arrefecimento deste tipo de migração. Nesteparticular, vale lembrar reflexões como as de Cano(1995:131): “Sob o ponto de vista do nosso processo deurbanização, os efeitos da reestruturação produtiva sob aégide de políticas neoliberais serão igualmente danosos ecomplexos para a economia e a sociedade brasileiras. Coma reconcentração industrial e com a falta de empregospouco qualificados que surgiriam, os fluxos migratóriosinter-regionais, notadamente os originários do Nordeste ede Minas Gerais e orientados principalmente para SãoPaulo, diminuiriam ainda mais, fazendo com que osmigrantes do mundo rural devessem ter guarida nas cida-des médias e grandes da própria periferia nacional”.

De fato, tendo em vista a inequívoca redução das al-ternativas nas áreas de fronteira agrícola, bem como osimpactos da crise econômica dos anos 80 e o processo dereestruturação produtiva sobre o aparato industrial, espe-cialmente do Estado de São Paulo, era de se esperar umaredução dos movimentos populacionais interestaduais.

Na verdade, se, por um lado, o “fechamento” das fron-teiras significou o estreitamento das possibilidades deredistribuição espacial da população no país, por outro,os processos de reestruturação econômica tiveram impli-cações decisivas na geração de emprego (e, por conse-guinte, no crescimento do desemprego), na deterioraçãodas relações de trabalho (Dedecca; Baltar, s.d.) e, conse-qüentemente, nas possibilidades concretas de absorção dosmigrantes, inaugurando o que Faria (1992) chamou deperíodo de “mobilidade travada”. Nesta mesma linha deraciocínio, podem ser incluídas as hipóteses de Pacheco(1993:22) para quem “o bloqueio à mobilidade, representa-do pela redução do crescimento econômico, pode tanto terincentivado uma menor migração em direção às principaismetrópoles, como favorecido a migração de retorno”.

A relativa desconcentração industrial para Estadoscomo Minas Gerais e Paraná, o crescimento da agricultu-ra e agroindústria no Centro-Oeste e a conseqüente “ur-banização da fronteira agrícola” também foram fatores que

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contribuíram para o redirecionamento de certos fluxos mi-gratórios.1

Não obstante as considerações anteriores e seus graus devalidade ou veracidade, fica claro que parte das tendênciasreveladas pelo Censo Demográfico de 2000 no que se refereà mobilidade espacial da população ainda carece de melhorinterpretação, especialmente ao se levar em conta que o pro-cesso migratório sempre tem “duas pontas”, ou seja, não

depende apenas da situação nos destinos, mas também nasorigens. No caso do Nordeste, em particular, haveria que seconsiderar outros elementos que tenham atuado no sentidode, mesmo em condições pouco favoráveis nas áreas “atrati-vas”, sua emigração ter se incrementado.

Embora fuja do escopo deste artigo, algumas especula-ções poderiam ser feitas. Em primeiro lugar, deve-se con-siderar os impactos de certos problemas estruturais cujas

TABELA 3

População com Menos de 10 Anos de Residência, por Condição Migratória, segundo Unidade da FederaçãoBrasil – 1970-2000

Unidades da Federação1970/80 1981/91 1990/2000

Imigrante Emigrante Imigrante Emigrante Imigrante Emigrante

TOTAL 9.587.459 10.614.223 12.478.790

Norte 812.090 294.520 1.327.603 797.813 1.305.242 958.921

Rondônia 285.670 39.672 411.802 157.957 197.589 152.867

Acre 16.640 19.080 29.245 30.550 36.070 30.993

Amazonas 73.353 55.151 113.399 96.782 189.953 119.703

Roraima 18.300 4.122 62.579 13.526 87.975 23.283

Pará 395.378 165.773 508.412 340.289 475.891 451.819

Amapá 22.749 10.722 43.152 14.006 98.842 29.106

Tocantins - - 159.015 144.702 218.922 151.150

Nordeste 1.452.763 3.229.734 2.140.462 3.668.244 2.574.710 4.033.524

Maranhão 182.825 329.057 236.891 498.083 262.555 573.807

Piauí 92.677 227.224 161.234 287.566 196.658 320.115

Ceará 150.434 464.781 292.914 519.712 388.399 434.086

R.G. do Norte 99.802 167.322 159.248 165.447 174.915 152.213

Paraíba 124.518 363.650 208.521 356.296 245.653 364.182

Pernambuco 280.279 654.491 370.588 657.833 410.619 654.965

Alagoas 98.635 192.261 133.852 212.367 151.187 283.325

Sergipe 73.122 103.133 122.046 94.040 125.552 117.034

Bahia 350.471 727.815 455.169 876.900 619.172 1.133.797

Sudeste 4.921.007 3.243.050 4.322.510 3.331.922 5.236.890 3.407.631

Minas Gerais 613.732 1.218.957 797.879 1.016.120 910.447 887.733

Espírito Santo 201.156 204.985 269.063 197.134 296.248 180.482

Rio de Janeiro 855.230 531.360 576.399 623.739 775.806 549.872

São Paulo 3.250.889 1.287.748 2.679.169 1.494.930 3.254.389 1.789.544

Sul 923.255 1.884.734 1.151.959 1.649.104 1.522.397 1.353.429

Paraná 523.856 1.329.474 588.088 1.081.535 754.178 798.265

Santa Catarina 245.628 242.877 329.917 271.443 458.614 285.084

R.G. do Sul 153.771 312.383 233.954 296.126 309.605 279.080

Centro-Oeste 1.478.344 935.421 1.671.688 1.167.140 1.839.551 1.180.535

M.G. do Sul 292.914 224.978 262.612 237.424 236.030 206.103

Mato Grosso 326.148 151.093 541.742 244.438 420.296 249.423

Goiás 383.475 408.237 518.145 345.179 758.863 341.856

Distrito Federal 475.807 151.113 349.189 340.098 424.362 383.153

Fonte: IBGE. Censos Demográfico 1980, 1991 e 2000 (tabulação especial Nepo/Unicamp).

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REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA

intensificações cíclicas ou sazonais podem agir de maneiramais aguda em certos momentos, como, por exemplo, aseca; outro elemento diz respeito às questões fundiárias,particularmente aquela relacionada à redução da pequenapropriedade, que podem ter se agudizado em certas re-giões;2 finalmente, a crise, nos moldes do ocorrido no su-deste, também nas maiores aglomerações urbanas regio-nais, particularmente nas metropolitanas que, como sesabe, constituem importantes pontos de chegada para partedo contingente liberado no interior destes Estados.

Neste último caso, as considerações de Cano sugeremque, após um período de recuperação apoiado na matu-ração de investimentos e um processo de industrializaçãoperiférica, o Nordeste volta a apresentar maus resultadosem termos de seu crescimento econômico, o que pareceter tido impacto no seu poder de retenção populacional,em especial no caso de suas maiores aglomerações urba-nas. O autor sustentava, por um lado, que “os grandes in-vestimentos do II PND, a partir de 1985, já haviammaturado, diminuindo assim seus impactos adicionais naperiferia” (Cano, 1998:331) e, por outro, que o Nordesteteria perdido peso relativo na produção industrial entre1985 e 1995, “principalmente pela continuidade do retro-cesso de Pernambuco, pela crise de indústria química na-cional, que também afetou a Bahia, e pela contração so-frida pelos setores Têxtil e Confecções em quase toda aregião” (Cano, 1998:329).

O Processo de Urbanização

Apesar das mudanças nos fluxos migratórios interesta-duais, o processo de urbanização brasileiro seguiu seucurso, impulsionado pelo êxodo rural sem precedentes dosanos 60 e 70, quando cerca de 13,5 e 15,6 milhões depessoas, respectivamente, saíram da área rural (Camargo;Martine, 1984). Inclusive nos anos 80, pela primeira vez,a população rural brasileira reduziu-se em números abso-lutos. Nesse processo, o país chegou em 2000 com maisde 81% das pessoas vivendo nas cidades.

É interessante observar, no entanto, as diferenças in-ternas existentes em algumas das regiões: no caso do Su-deste, registram-se situações como a do Rio de Janeiro eSão Paulo, com 96% e 93% de população urbana, respec-tivamente, e a de Minas Gerais com 82%; no Centro-Oes-te, as disparidades são ainda maiores, quando compara-dos o Distrito Federal (95,6%) e o Mato Grosso (79,4%).Evidentemente, tais situações se explicam pelas diferen-ças em termos das estruturas produtivas de cada Estado.

Um olhar mais pormenorizado do grau de urbanizaçãoda população brasileira permite apreciar um elemento que,no calor da interpretação e estudo do processo de urbani-zação brasileiro, acaba sendo negligenciado por boa par-te dos estudiosos: a significativa parcela de população ruralque ainda existe no país e sua importância relativa emâmbito regional.

Ainda hoje, no país, mais de 31,8 milhões de pessoasvivem no campo, sendo que quase metade desse total(46,4%) reside na Região Nordeste que, como já mencio-nado, tem sido historicamente a principal área de evasãodemográfica do país. Além disso, em outros Estados,mesmo com pequena participação na população nacional,a importância do contingente rural é clara, por exemplo,no Acre e em Rondônia, na Região Norte (mais de 33%),ou no Piauí e Maranhão, no Nordeste (superior a 37%).

Mesmo nas regiões mais urbanizadas do país, algunsEstados se destacam pela parcela significativa de popula-ção rural, como Espírito Santo e Santa Catarina. Contu-do, não se pode esquecer que parte significativa da popu-lação dita “rural” encontra-se, na verdade, dentro ou nasáreas de influência das grandes aglomerações urbanas e,portanto, pouco reflete a realidade do fenômeno rural,sendo em vários casos muito mais expressões da expan-são urbana.

Entretanto, é interessante notar que a Região Centro-Oeste, a despeito de ter seu processo de ocupação intima-mente ligado à expansão da fronteira agrícola, registra umelevado percentual de população urbana, mesmo quandose desconsidera o Distrito Federal que, como se sabe, jus-tifica o grau de urbanização por sua função de capitaladministrativa do país. O fenômeno que vem sendo cha-mado de “urbanização da fronteira” (Ipea/IBGE/Nesur,1999) espelha claramente a forma como a atividade agro-pecuária vem se estruturando há algumas décadas no país

TABELA 4

Taxa de Urbanização, segundo Grandes RegiõesBrasil – 1950/2000

Em porcentagem

GrandesRegiões 1950 1960 1970 1980 1991 2000

Brasil 36,2 44,7 55,9 67,6 75,5 81,2

Norte 31,5 37,4 45,1 51,7 59 69,9

Nordeste 26,4 33,9 41,8 50,5 60,7 69,1

Sudeste 47,5 57 72,7 82,8 88 90,5

Sul 29,5 37,1 44,3 62,4 74,1 80,9

Centro-Oeste 24,4 34,2 48 67,8 81,3 86,9

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950 a 2000.

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e, infelizmente para a população rural e pequenos proprie-tários agrícolas, como prescinde destes últimos. De fato,nessa região, o setor terciário e a atividade industrial es-tão fortemente atrelados ao dinamismo agropecuário comreflexos importantes na configuração urbana regional, sen-do, aliás, a única opção para boa parcela dos migrantes(Cunha, 2000b).

Um fato curioso se observa a partir da taxa de cresci-mento demográfico da população rural. Nesse caso, per-cebe-se que o crescimento mais intenso da população ru-ral brasileira, nos anos 90, foi observado em duas áreasdiametralmente opostas em termos de suas característicaseconômicas, sociais e demográficas: nos Estados do Nor-te, como Amazonas, Acre e Rondônia, e em São Paulo eno Distrito Federal. Enquanto nos primeiros Estados talcomportamento se justificaria pela estrutura produtiva eforma de ocupação dos mesmos, nos últimos claramenteos dados apresentados denunciam uma “anomalia”provocada, na verdade, pela natureza do dado coletado.3

Nesse sentido, hoje ainda há uma grande discussãosobre a natureza da urbanização brasileira, em particularsobre a forma como os assentamentos humanos são clas-sificados pelas estatísticas oficiais. Como se sabe, a defi-nição de urbano e rural no Brasil é ainda hoje uma maté-ria normativa, dependendo muito mais de decisõesadministrativas do que considerações substantivas do sig-nificado e função destas áreas. Ao que tudo indica, a im-portância do rural brasileiro ainda não pode ser bem ava-liada pelos dados oficiais devido a, pelo menos, doismotivos: o primeiro deles é de ordem teórica, consideran-do-se as novas relações existentes entre a cidade e o cam-po; e o segundo é de ordem operacional, tendo em conta aforma como são classificadas, no Brasil, as áreas urbanase rurais.

Veiga (2002:3), por exemplo, sustenta que o rural bra-sileiro é muito maior do que aquele apontado pelos dadosdo IBGE e esta subestimação deve-se à definição vigentede urbano no Brasil – com apenas algumas modificações,a mesma desde 1938 –, que “transformou em cidades to-das as sedes municipais existentes, independentemente desuas características estruturais e funcionais”, e, portanto,“foram consideradas urbanas todas essas sedes, mesmo quenão passassem de ínfimos vilarejos ou povoados”. Estesfatos, ainda segundo o autor, levaria a profundas distorçõesda rede urbana brasileira.

Além disso, há que se reconhecer que as diversidadesregionais no país fazem com que os problemas derivadosdessa dificuldade de mensuração não impliquem dificul-

dades de mensuração do fenômeno rural ou urbano sem-pre na mesma direção. Se, por um lado, como sustentamElgler (2001) e Veiga (2002), o “rural” em várias partesdo país fora do eixo industrial é muito maior que aquelemostrado pelos dados censitários, por outro, no contextodas grandes aglomerações urbanas o seu tamanho certa-mente é menor do que os dados sugerem.

Seja qual for o tamanho real da população urbana, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se urbanizou, apopulação brasileira também se concentrou espacialmen-te, muito embora com um grau de heterogeneidade regio-nal menor que qualquer país da América do Sul. Em tra-balho anterior (Cunha, 2001), pôde-se mostrar que o Brasilse diferencia em grande medida de países como Argenti-na, Chile e Uruguai, onde o peso da região metropolitanaformada ao redor da capital do país chega a representarmais de 40% da população nacional.

A verdade é que, no Brasil, a maior região metropoli-tana (São Paulo), além de não ter se formado a partir daCapital Federal, responde por pouco mais de 10% da po-pulação total do país. Segundo Pacheco (1993:22), “ocaráter relativamente desconcentrado do sistema urbanobrasileiro se deve às origens históricas de seu processo deocupação”, caracterizando-se pela formação de “uma redede cidades dispersa, em comparação a outras experiên-cias latino-americanas”.

Mesmo assim, e aceitando a existência, nas últimas duasdécadas, de uma tendência de desconcentração relativa, arede de cidades brasileira está muito longe de se caracteri-zar como “equilibrada”, uma vez que é patente a concen-tração da população nos municípios de maior tamanho.

Assim, em 2000, quase três quartos dos municípiosbrasileiros (com menos de 20 mil habitantes) respondiampor menos de 20% da população nacional, enquanto me-nos de 0,6% deles (aqueles com mais de 500 mil habitan-tes) abrigavam quase 30% dos brasileiros. Entre 1970 e2000 o peso relativo dos municípios pequenos na popula-ção brasileira caiu de 32% para menos de 20%, enquantoo grupo que mais ganhou peso relativo foi o correspon-dente aos municípios médios (de 100 a 500 mil habitan-tes), que elevou sua participação de 14,5% para 23,4%nestas três décadas.4

Tomados em conjunto, os municípios com mais de 100mil habitantes, embora representando apenas 4% do to-tal, abrigavam em 2000 mais de 51% dos habitantes nopaís. Observando apenas os municípios “milionários”(0,24% do total de municípios e 20,27% da populaçãonacional), nota-se que estes também aumentaram sua par-

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ticipação, com exceção daqueles com mais de 5 milhõesde habitantes (somente São Paulo e Rio de Janeiro), cujaexpansão foi “apropriada” pelos municípios periféricos desuas respectivas áreas metropolitanas, ou por processosde desconcentração regional ou interiorização das respec-tivas populações estaduais.

Assim, embora os dados possam sugerir a existênciano país de uma desconcentração desde as “megacities” emdireção aos municípios médios e intermediários, no en-tender deste autor, tal conclusão necessita de alguns re-paros ou, pelo menos, deve ser relativizada.

Primeiro porque esse fenômeno não necessariamentesignifica o fim ou redução da aglomeração demográfica emterritórios específicos, já que boa parte dessa “descon-centração” acaba implicando o surgimento de outras –menores é bem verdade – concentrações urbanas; segundoporque parte significativa desta “perda” de peso relativo das“megacities” dá-se em favor de seus próprios “hinterlands”ou do interior de seus próprios Estados.

Portanto, deve-se reconhecer o caráter ainda poucodisperso deste processo, bem como o fato de que o termo“desconcentração/concentrada”, utilizado por Baeninger(1997) para descrever o caso do Estado de São Paulo,talvez pudesse ser aplicado para o caso das tendênciasatuais da rede urbana brasileira.

O Fenômeno Metropolitano

Como já se adiantou, a afirmação de existência de umprocesso de desconcentração demográfica desde as me-trópoles no Brasil, com o conseqüente crescimento daslocalidades não metropolitanas, sobretudo as de tamanhomédio (Baeninger, 2000a), embora inegável, acaba tendoque ser ao menos relativizada ao serem considerados osdados a partir da perspectiva do conjunto das áreas me-tropolitanas do país.

Considerando as RMs oficialmente instituídas no mo-mento da realização do Censo 2000,5 constata-se que cer-ca de 50% do crescimento demográfico brasileiro (cercade 11 milhões de pessoas) ocorreu dentro dessas aglome-rações, que, inclusive, aumentaram sua participação rela-tiva na população nacional na década de 90 em quase 1,3ponto percentual (38,6% para 39,9%), ganho incrementadoainda mais quando se retiram do grupo São Paulo e Riode Janeiro.

Além disso, como se percebe na Tabela 5, estas RMsabrigavam cerca de 40% dos municípios de 100 a 500 milhabitantes e quase dois terços daqueles entre 500 mil e 1

milhão de habitantes, categorias de tamanho que, comose mostrou, foram as que amealharam boa parte da des-concentração demográfica.

O que se pretende mostrar, na verdade, é que a realida-de da desconcentração metropolitana é apenas visível, etambém relativa, no grande centro econômico e demográ-fico do país, representado pelos Estados de São Paulo eRio de Janeiro, fortemente afetados pela grave crise eco-nômica que assolou o país nos anos 80. Uma das conse-qüências foi a redução significativa do crescimento de suasáreas metropolitanas, em função de uma redução impor-tante da imigração e também de um aumento da emigra-ção intra e interestadual.

Assim, pode-se dizer que, a não ser no caso dos Esta-dos anteriormente mencionados, o processo de metro-polização brasileiro continuou com significativo fôlegono resto do país. No contexto de uma pequena, mas, se-gundo Pacheco (1998), efetiva desconcentração econômicae da crise e reestruturação da economia paulista, os anos80 e 90 presenciaram a emergência e/ou consolidação devárias outras regiões metropolitanas que, como Curitiba(Estado do Paraná), Belo Horizonte (Estado de MinasGerais), ou algumas áreas do Nordeste como Salvador(Bahia), Recife (Pernambuco) e Fortaleza (Ceará), aca-baram abrigando parcela significativa dos fluxos migra-tórios que potencialmente poderiam dirigir-se para o cen-tro dinâmico nacional.

A Tabela 6, que traz as dez principais RegiõesMetropolitanas, permite observar a evolução do cres-cimento demográfico das mesmas e constatar o que foidito até aqui. Basta observar o comportamento das duasprincipais áreas metropolitanas do país (São Paulo e Riode Janeiro) para perceber que tanto a redução do cresci-mento da população metropolitana no Brasil como a perda

TABELA 5

Participação dos Municípios das Regiões Metropolitanas Oficiais e suasRespectivas Populações no Conjunto de Municípios Brasileiros,

segundo Faixas de TamanhoBrasil – 1991-2000

Em 1.000 hab.

Tamanho dos Municípios 1991 2000

Municípios População Municípios População

100 a 1.000 40,7 47,6 42,7 50,4

100 a 500 37,7 40,1 40,4 43,6

500 a 1.000 73,3 69,4 66,7 72,0

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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de seu peso relativo espelham basicamente o que aconteceunessas regiões.

De fato, embora outras RMs tenham apresentado umapequena redução de seus crescimentos demográficos e Re-cife tenha perdido peso relativo na população nacional, foisem dúvida naquelas duas áreas que a dinâmica metropolita-na foi mais abalada. A maioria das demais RMs experimen-tou ainda nos anos 90 um significativo crescimento demo-gráfico e, por conseguinte, incrementou sua participação napopulação brasileira, o que mostra o caráter “localizado” doprocesso de desconcentração metropolitana no país.

Desta forma, conclui-se que a desconcentração metropo-litana no Brasil é apenas “relativa” e um fenômeno vigentesomente em parte da Região Sudeste. Mesmo assim, os da-dos mostram que boa parte dessa desconcentração ocorre nointerior dos próprios Estados. No Estado de São Paulo, em1980, 50,3% da população residia em municípios metropo-litanos, enquanto em 1991 e 2000, esta cifra se reduziu para48,9% e 47,7%, respectivamente.6 No Rio de Janeiro, paraesses mesmos anos, os valores foram 77,8%, 76,6% e 75,7%.

Metropolização e “Periferização”

No Brasil, o fenômeno da metropolização teve comocorolário um marcante processo de “periferização” de boaparte da população nacional. De fato, a maioria das re-giões metropolitanas brasileiras havia apresentado, no pe-

ríodo 1970-80, taxas de crescimento mais elevadas em seusmunicípios periféricos.7 Nos anos 80, a despeito do pro-cesso de desconcentração populacional e do fato de assedes metropolitanas terem registrado decréscimos em suastaxas de crescimento populacional, o processo deperiferização intensificou-se ainda mais, com os municí-pios não centrais exibindo taxas elevadas e superiores àsdo núcleo metropolitano (Gráfico 1).

Assim, embora existindo diferenças importantes entreos “momentos” em que se encontra cada uma das RMsem termos da expansão de suas periferias, a verdade é queem todas elas o processo de “espraiamento” do centroprincipal é notável e progressivo.

No plano interno dos Estados, a dinâmica demográficadessas áreas apresentou características bastante peculia-res, sendo que, ao longo do tempo, observou-se um cres-cimento cada vez mais intenso das áreas periféricas emdetrimento das zonas centrais. Estudos realizados a esserespeito (Cunha, 2000a; Lago, 1998; Matos, 1995; Rigotti,1994) mostraram que, além do maior crescimento vegeta-tivo da periferia em função de maior fecundidade da po-pulação de baixa renda, o grande crescimento das áreasmais distantes ao centro esteve estreitamente associadocom a migração intrametropolitana de pessoas predomi-nantemente dos estratos sociais mais baixos.

Há que se reconhecer que, não obstante o crescimentomais intenso das zonas periféricas, esse diferencial não

TABELA 6

População Residente e Taxa Média Anual de Crescimento DemográficoRegiões Metropolitanas – 1980-2000

População Taxa de Crescimento (%) Porcentagem na

Região Metropolitana (Nos Absolutos) 1980/91 1991/2000 População Nacional

1980 1991 2000 RM Estado RM Estado 1980 1991 2000

Total 36.099.417 45.112.785 53.243.381 2,05 - 1,88 - 30,32 30,71 31,45

São Paulo (SP) 12.588.749 15.444.941 17.627.965 1,88 2,12 1,49 1,78 10,57 10,51 10,41

Rio de Janeiro (RJ) 8.772.277 9.814.574 10.871.970 1,03 1,13 1,15 1,31 7,37 6,68 6,42

Belo Horizonte (MG) 2.618.801 3.445.574 4.331.180 2,53 1,48 2,60 1,99 2,20 2,35 2,56

Curitiba (PR) 1.489.351 2.051.307 2.725.505 2,95 0,98 3,24 1,39 1,25 1,40 1,61

Porto Alegre (RS) 2.305.552 3.051.575 3.715.430 2,58 1,48 2,23 1,21 1,94 2,08 2,19

Distrito Federal 1.557.211 2.161.709 2.851.557 3,03 3,15 2,77 1,31 1,47 1,68

Belém (PA) 1.021.473 1.401.305 1.794.981 2,92 3,64 2,81 1,99 0,86 0,95 1,06

Fortaleza (CE) 1.592.665 2.325.300 2.974.915 3,50 1,70 2,80 1,72 1,34 1,58 1,76

Recife (PE) 2.386.600 2.919.979 3.331.552 1,85 1,35 1,49 1,17 2,00 1,99 1,97

Salvador (BA) 1.766.738 2.496.521 3.018.326 3,19 2,08 2,15 1,09 1,48 1,70 1,78

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.

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REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA

implicou necessariamente uma redução considerável daprimazia do município central em relação aos periféricosem muitas das regiões. Na verdade, ainda em 2000 nasRMs nordestinas, com exceção de Recife, mais de 70%da população regional estava concentrada no municípiocentral, o mesmo ocorrendo no Paraná, no caso da regiãode Curitiba, e também no Distrito Federal/Entorno, ondea capital nacional representava 71% da população dessasáreas. Tal primazia era menos intensa nas Regiões Sudes-te e Sul.

É bom que se reconheça, no entanto, que, em funçãoda natureza dos dados aqui analisados, pelo menos no quetange à sua dimensão espacial, o processo de expansãodemográfica/espacial da metrópole é captado apenas par-cialmente. Os dados organizados em âmbito municipal fa-zem com que a análise simplifique muito a realidade dotecido urbano, uma vez que se restringe às divisões admi-nistrativas que, como se sabe, são totalmente arbitráriasquando se trata de áreas altamente integradas e, em gran-de medida, conurbadas, como as observadas em uma aglo-meração metropolitana.

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E URBANIZAÇÃO:O PAPEL DO ESTADO E DA RMSPNO CENÁRIO NACIONAL8

Como fica claro na análise até aqui realizada, o papeldo Estado de São Paulo e, em particular, de sua principalregião metropolitana, no processo de redistribuição espa-cial da população brasileira, foi e continua sendo a chavepara o entendimento da dinâmica nacional neste particu-lar. Como se notou, mesmo tendo sofrido fortes impactosdo processo de desconcentração econômica, do surgimentode algumas “ilhas de produtividade” (Pacheco, 1998) eefeitos de investimentos nas áreas periféricas do país(Cano, 1998), São Paulo tem aumentado lenta mas pro-gressivamente o seu peso relativo na população nacional,chegando, em 2000, a abrigar mais de um quinto dos bra-sileiros em seu território, metade dos quais vivendo emsua principal região metropolitana.

Particularmente ao longo dos anos 90, parece que oEstado ressurgiu no cenário nacional como uma renovadacapacidade de atração demográfica, a despeito da conti-

Fonte: IBGE. Censo Demográfico.(1) Para a Região Metropolitana do Pará, o valor real para o crescimento da periferia, em 1991/2000, é 14,3%, contudo, este não foi considerado de modo a tornar a escala do gráfico maisadequada para visualização dos demais dados.

GRÁFICO 1

Taxa de Crescimento da População no Centro e na PeriferiaRegiões Metropolitanas Selecionadas – 1980-2000

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nuidade da queda de seu crescimento demográfico e doseu pífio desempenho em termos do crescimento econô-mico e do seu mercado de trabalho.

Mesmo antes de serem liberados os dados do Censo 2000,já existiam claras evidências da continuidade da redução docrescimento demográfico do Estado e da Região Metropoli-tana de São Paulo – RMSP, que se justificavam, por um lado,pela manutenção da queda da fecundidade e, por outro lado,pela expressiva redução de fluxos imigratórios tradicionais,como os de Minas Gerais e Paraná e, em menor medida, doNordeste (Cunha; Baeninger, 2000).

De fato, como mostram os dados da Tabela 7, o cresci-mento médio anual do Estado e de sua principal região me-tropolitana, nos anos 90, continuou sua escalada de descenso,chegando a níveis próximos a 1,8% ao ano. Claro que estecrescimento não reflete a heterogeneidade observada na com-paração entre “metrópole” e “interior” e muito menos entre“município central” e “periferia”. Como se nota, particular-mente nesse último caso, há uma visível diferença entre oque foi a dinâmica demográfica de ambos os subespaços.

Percebe-se que, enquanto o Município de São Paulocresceu, na década de 90, a menos de 1% a.a., a periferiametropolitana ainda mostrava grande pujança, alcançan-do níveis de incremento demográfico da ordem de 2,8%a.a., fato que, como já se comentou, reflete a continuida-de do processo de expansão da mancha metropolitana queincorpora espaços cada vez mais distantes.

Já na comparação entre área metropolitana e interior,embora se perceba uma superioridade deste último emtermos do ritmo de crescimento demográfico apresentadoao longo dos vinte anos considerados na tabela, fica pa-tente o fato de que o nível da discrepância verificada, nosanos 80, reduziu-se bastante na década seguinte. Assim,enquanto a RMSP crescia a pouco menos de 1,7% a.a., as

demais regiões no seu conjunto expandiram-se não maisque 2%, fato que, se não descaracteriza a continuidade dapequena, mas progressiva, desconcentração demográficafruto do processo de interiorização do Estado (Cano;Pacheco, 1992; Baeninger, 2000b), no mínimo sugere umaredução do seu ímpeto.

Uma análise dos dados recentes sobre migração divul-gados pelo IBGE permite, de certa forma, entender a ten-dência anterior, uma vez que mostram um recrudescimentoda migração para o Estado de São Paulo e, em particular,para a sua mais importante região metropolitana.

Estes dados apontam para uma certa recuperação dopoder atrativo pelo menos do Estado de São Paulo e, par-ticularmente, de sua principal Região Metropolitana. Cál-culos elaborados pela gerência de estudos populacionaisda Fundação Seade já haviam mostrado que a migraçãolíquida do Estado e da RMSP tinha sofrido, nos anos 90,uma clara inflexão em sua tendência a declínio: “Na dé-cada de 90, a recuperação migratória do Estado de SãoPaulo deve-se, em grande medida, às tendências veri-ficadas na Região Metropolitana. Comparativamente aosanos 80, a RMSP mostrou recuperação das perdas migra-tórias, revertendo o saldo anual migratório negativo daordem de -26 mil pessoas, registrado entre 1980 e 1991,para um saldo anual positivo de 24 mil pessoas, na últimadécada” (Perillo, 2002:2).

De fato, os dados são claros. Mesmo não tendo sidosuficiente para aumentar a sua taxa média anual de imi-gração (Gráfico 2), o contingente de imigrantes recebi-

GRÁFICO 2

Taxa Média Anual de ImigraçãoEstado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970/2000

TABELA 7

População Residente e Taxa Média de Crescimento AnualEstado de São Paulo – 1980-2000

População Residente Taxa de

Regiões Crescimento

1980 1991 2000 80/91 91/00

Estado de São Paulo 25.042.074 31.588.925 37.032.403 2,12 1,83Região Metropolitanade São Paulo 49,21 47,86 47,22 1,86 1,68

Município de São Paulo 33,23 29,93 27,60 1,15 0,92

Outros Municípios 15,98 17,93 19,62 3,20 2,85

Interior 51,72 53,00 53,89 2,36 1,97

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000; Fundação Seade. Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000.

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REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA

TABELA 8

Pessoas Não-Naturais e Residentes há Menos de 10 Anos no Estado de São Paulo, por Período de Migração, segundo Residência AnteriorEstado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970-2000

Estado de São Paulo Região Metropolitana de São PauloRegião de Residência Anterior

1970/80 1981/91 1990/2000 1970/80 1981/91 1990/2000

TOTAL 3.325.430 2.774.245 2.927.147 2.253.327 1.641.718 1.690.265

Norte 24.911 59.555 58.446 17.552 28.314 26.071

Nordeste 1.381.697 1.362.859 1.672.647 1.181.358 1.085.308 1.231.954

Piauí 58.315 80.976 109.354 52.451 68.894 86.079

Alagoas 96.893 94.287 142.461 79.481 68.419 96.417

Ceará 175.062 191.384 163.811 52.451 68.894 86.079

Pernambuco 366.585 327.338 331.071 79.481 68.419 96.417

Bahia 447.928 443.439 652.208 387.478 355.215 483.370

Sudeste 811.478 628.732 530.762 490.488 299.877 228.377

Minas Gerais 661.652 482.124 411.584 392.596 216.622 166.500

Sul 854.935 500.527 406.353 418.188 140.746 105.105

Paraná 799.053 446.634 347.392 379.719 111.761 76.689

Centro-Oeste 165.346 166.112 168.239 73.212 44.041 44.873

Outros (1) 87.062 56.460 90.700 72.529 43.432 53.895

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000. Tabulações Especiais, Nepo/Unicamp.(1) Incluem estrangeiros e sem declaração.

dos por São Paulo, na década de 90, foi bem maior queaquele registrado nos anos 80; o mesmo pode ser dito comrelação à RMSP.

Constata-se, com os dados mais recentes do Censo2000, que tanto o Estado quanto a RMSP experimenta-ram um recrudescimento de seus volumes de imigração,para o que contribuíram decisivamente os fluxos originá-rios no Nordeste, em especial nos tradicionais Estados daBahia, Pernambuco e Ceará, além do Piauí e Alagoas.

Como explicitado em outro estudo (Dedecca; Cunha,2002), é bastante curioso o fato de que tal incremento daimigração interestadual justamente se dê em uma décadaem que as condições em termos econômicos, em especialdo mercado de trabalho no Estado e, particularmente, naRMSP, não levariam a sugerir a ocorrência de tal fenô-meno.

Assim, ao mesmo tempo em que se pode afirmar quedificilmente o Estado de São Paulo volte a apresentar umaperformance migratória como no auge de seu crescimen-to econômico, é arriscado prever em que medida estainflexão possa ser sustentada ao longo do tempo. Na ver-dade, para uma análise mais profunda dessa questão, tam-

bém devem ser considerados os condicionantes que atéentão, teoricamente, vinham reduzindo os fluxos em dire-ção a São Paulo e incrementado a emigração, particular-mente a de retorno (Cunha; Baeninger, 2000): desempre-go, precarização do trabalho, empobrecimento, etc.

Entretanto, tampouco se observam, nas áreas tradicio-nalmente de evasão, grandes modificações que implicas-sem o aumento de seus poderes de retenção, sobretudoapós a maturação de vários investimentos lá realizados nasáreas industriais, petroquímica, etc. (Cano, 1998); em es-pecial, haveria de se perguntar em que medida o efeito dacrise nas regiões metropolitanas ou maiores aglomeraçõesdos Estados emissores também não estariam contribuin-do para uma redução do poder de fixação dos migrantesnativos. Também não se pode perder de vista que o “fe-chamento das fronteiras” é uma outra realidade que temcontribuído para a redução das alternativas dos migrantesno país, incrementando, portanto, a procura pelos maio-res centros ou aglomerações urbanas do país.9

Assim, pode-se dizer que, embora os dados registremuma certa recuperação demográfica do Estado e da Re-gião Metropolitana de São Paulo, ainda é muito cedo para

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se apostar numa tendência consistente e continuada. Emtodo caso, é sempre importante se ter em conta que auto-res como De Mattos (2001), analisando o caso de Santia-go de Chile, mostram que esta tendência à reconcentraçãonas metrópoles primazes10 já é uma realidade em algunspaíses e se justifica, em outros elementos, pelas grandestransformações pelas quais passam estes países em ter-mos de reestruturação produtiva, inserção no mercadoglobal, etc. No entanto, não é isso que os dados parecemsugerir para São Paulo.

É verdade que a RMSP, nos anos 90, não apenas redu-ziu – ou interrompeu – abruptamente a trajetória de per-das demográficas à qual vinha sendo submetida, mas tam-bém, em certo sentido, até se recuperou ao apresentar taxade migração líquida positiva (Tabela 9). Contudo, ao seobservarem outros dados, fica claro que esta recuperaçãoestá muito mais vinculada ao recrudescimento da imigra-ção interestadual, em particular de nordestinos, do que aum possível movimento de reconcentração que, neste caso,deveria envolver não apenas Estados que se beneficiaramdo processo de dispersão de décadas anteriores, comoParaná e Minas Gerais, mas também do interior do pró-prio Estado.

Como se percebe na Tabela 10, assim como ocorria nosanos 80, a metrópole continua a amargar perdas popu-lacionais nas trocas migratórias intra-estaduais. Assim, se,por um lado, ela ainda respondia por cerca de 58% deimigração proveniente de outros Estados na década de 90(74% no caso da migração nordestina), por outro, sua perdalíquida para outras regiões do Estado de São Paulo man-tinha-se em patamares significativos da ordem de mais de320 mil pessoas.

Em suma, o que fica claro dos dados sucintamente ana-lisados nesta seção é que o Estado de São Paulo e sua prin-

cipal região metropolitana incrementaram, nos anos 90,suas posições como destinos preferenciais para novas le-vas de migrantes, em particular aqueles provenientes doNordeste. Neste sentido, fica evidente que a RMSP conti-nua a ser a principal porta de entrada de migração externano Estado, muito embora seu papel como âmbito intra-estadual, aparentemente, pouco tenha se modificado comrelação ao que já se assistia na década de 80.

À GUISA DE CONCLUSÕES

Após algumas décadas marcadas por grande crescimentoe concentração econômica e populacional, a partir dos anos80, o Brasil passou por grandes transformações, atingido poruma forte crise e pelas tendências de reestruturação edesconcentração produtiva que afetaram de maneira signifi-cativa seu centro mais dinâmico localizado no Sudeste.

Também coincidindo com um período de forte redu-ção das oportunidades nas áreas de fronteiras agrícola, àpopulação brasileira somente restou urbanizar-se aindamais, muito embora com clara tendência a uma dispersãorelativa ao longo do território, o que beneficiou não ape-nas as emergentes aglomerações metropolitanas do país,mas também os municípios de porte intermediário no in-terior dos Estados, em detrimento do centro hegemônico.

Dentro deste quadro, o sistema urbano brasileiro tor-nou-se ainda mais complexo, apresentando, em termosespaciais, novas e diversificadas modalidades de assenta-mentos humanos. Modificaram-se claramente as relaçõesentre urbano e rural, surgiram novas territorialidades, in-tensificaram-se ou ganharam importância relativa os mo-vimentos de mais curta distância, em particular os de tipourbano-urbano, e ampliaram-se as alternativas de ocupa-ção econômica e demográfica.

TABELA 9

Volume e Taxa Média Anual de Migração LíquidaEstado de São Paulo e Região Metropolitana de São Paulo – 1970-2000

Saldos Migratórios Taxa Média Anual

Área GeográficaMédios Anuais de Migração Líquida

1970/ 1980/ 1991/ 1970/ 1980/ 1991/1980 1991 2000 1980 1991 2000

Estado de São Paulo 228.700 50.584 147.443 1,07 0,18 0,43

RM de São Paulo 229.576 -26.405 24.399 2.22 -0,19 0,15

Município de São Paulo 114.395 -68.578 -50.824 1,59 -0,76 -0,51

Outros Municípios 115.181 42.173 75.223 3,66 0,86 1,14

Fonte: Fundação Seade.

TABELA 10

Volume de Migrantes Maiores de Cinco Anos de Idade e Taxa Média Anualde Migração, segundo Fluxos Migratórios

Região Metropolitana de São Paulo – 1986/91 – 1995/00

Fluxos 1986/1991 1995/2000

Migratórios Volumes Taxas Volumes Taxas

Do Interior 110.391 0,04 128.866 0,04

Para o Interior 382.728 0,13 468.296 0,14

Trocas (1) -272.337 -0,09 -339.430 -0,10

Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000.Tabulações Especiais, Nepo/Unicamp.(1) Trocas negativas significam perdas líquidas para a RMSP no intercâmbio com o Interior.

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REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: TENDÊNCIAS E TRAJETÓRIA

No âmbito dos estudos populacionais, questões comoa pendularidade (commuting), a segregação ou segmen-tação socioespacial, o espraiamento urbano, a interio-rização da população, etc. começaram a despertar os in-teresses que, durante as décadas anteriores, estiverammuito mais voltados para a migração rural-urbana e de maislonga distância e suas conseqüências.

De um lado, a partir de uma análise que privilegiou osaspectos relativos ao crescimento e redistribuição popu-lacional, a constituição da rede de cidades e o papel das RMsno processo de urbanização brasileiro, este estudo sustentouque, a despeito dos claros indícios de desconcentraçãodemográfica, mais que “desmetropolizar”, o período pós anos80 parece ter reforçado ou disseminado o fenômeno metro-politano em outras regiões de seu território – em certa medi-da, à custa da crise do Sudeste – e, com ele, todas as ques-tões próprias desta forma de assentamento: “periferização”,empobrecimento e precarização do trabalho, segmentaçãosocioespacial, etc.

Não obstante deva-se reconhecer que o padrão concen-trador que dominou a história de ocupação do território bra-sileiro tenha perdido seu ímpeto após os anos 80, é impor-tante não perder de vista que boa parte da população brasileiraainda vive e se reproduz em grandes aglomerações urbanas.Esse fato, que se desprende claramente da análise quantitati-va dos dados, faz com que a desconcentração sugerida pelaredução do crescimento das grandes metrópoles do Sudestedeva ser considerada apenas relativa, parcial e muito locali-zada em termos regionais.

De outro lado, em um primeiro e sucinto escrutínio dosdados sobre migração disponível no Censo 2000, mostrou-se que, ao mesmo tempo em que se observou um aumentoda mobilidade interestadual da população na década de90, também ficou caracterizado um recrudescimento daemigração de áreas historicamente emissoras de popula-ção, como o Nordeste, tendo como contrapartida uma certarecuperação dos volumes de imigrantes que chegavam aoSudeste, em especial a São Paulo.

Embora este Estado não tenha sido o único a se benefi-ciar do incremento de emigração nordestina, já que o Dis-trito Federal e Goiás (muito provavelmente a RM deGoiânia e o entorno de Brasília) também registraram au-mentos significativos dos seus volumes de imigração, nãoresta dúvida que o fenômeno experimentado por São Paulo,no mínimo, contradiz a clássica associação entre migra-ção e trabalho (Dedecca; Cunha, 2002), uma vez que ocorreem um período de péssimo desempenho regional nesteparticular. Muito provavelmente esta relação estaria se des-

locando para uma associação com a riqueza (ou renda)existente em São Paulo, o que permitiria ao migrante ga-rantir sua reprodução social ainda que em condições ex-tremamente precárias quanto à sua inserção produtiva(Cunha; Dedecca, 2000).

Assim, este comportamento sugere que, mais do queas oportunidades de São Paulo, a migração estaria simrefletindo a exaustão dos impactos de investimento emvários Estados nordestinos, em especial em suas maioresaglomerações urbanas e, portanto, das oportunidades láexistentes. Do mesmo modo, o quase “fechamento dasfronteiras” também poderia ser mencionado como fatorde restrição em termos das alternativas migratórias.

Não se pode perder de vista que, a despeito do aumen-to de imigração, a emigração desencadeada em São Paulotambém sofreu um incremento nada desprezível, sugerin-do que a hipótese da circulação11 ainda se sustenta diantedos mais recentes dados censitários.

É neste quadro que a RMSP, após uma década de re-tração relativa, volta a apresentar ganhos populacionaislíquidos e a reduzir sua distância com relação ao cresci-mento demográfico do interior paulista. Embora muitosugestivo e evidente, tal comportamento não pode serconsiderado uma mudança radical naquilo que se vinhasendo constatado na década anterior. Em primeiro lugarporque, com relação aos processos interestaduais, tantoesta região quanto o Estado não recuperaram seu poderde atração com relação àqueles Estados que mais se be-neficiaram com o processo de desconcentração industrial,ou seja, Paraná e Minas Gerias; em segundo lugar por-que, como se mostrou, nos anos 90, a metrópole paulistanão apenas repetiu perdas líquidas migratórias em suastrocas com o interior, como também as incrementou, mui-to embora em termos relativos (ou seja, quanto às taxas)esse aumento tenha sido praticamente desprezível.

Enfim, ao mesmo tempo em que os dados não deixamdúvidas quanto ao crescimento da imigração para SãoPaulo, eles não configuram definitivamente claras e níti-das mudanças no processo migratório estadual, seja por-que os fluxos predominantes não se modificaram, sejaporque as perdas populacionais via emigração sofreramum importante incremento.

Se houve mudanças, certamente estas não ocorreramno “padrão migratório” nacional, mas sim nas condiçõesespecíficas das principais áreas de origem dos movimen-tos. Não se pode esquecer, no entanto, que várias outrasquestões emergem contemporaneamente no nível intra-estadual ou intra-regional: configuração de novos

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subespaços e de novas relações entre o rural e o urbano;surgimento de formas diversificadas de mobilidadepopulacional e de assentamentos humanos; processos com-plexos de diferenciação socioespacial; etc. Entretanto,estas seriam motivos para outras reflexões.

NOTAS

1. Uma discussão mais detalhada sobre as transformações econômicasno Brasil nas últimas décadas, bem como seus impactos sobre o pro-cesso de urbanização, pode ser encontrada em Ipea/IBGE/Nesur (1999).

2. Em trabalho recente sobre a migração em Sergipe, Oliveira (2003:64)considera a questão da modificação da estrutura fundiária como im-portante para se entender, ainda nos anos 90, a situação migratóriaestadual.

3. Para uma discussão mais detalhada desta questão ver Cunha (2003).

4. A análise da rede de cidades no Brasil torna-se mais complexa pelogrande número de desmembramentos municipais ocorridos nos anos80 e 90. Nesse período, mais de 2.000 novos municípios foram cria-dos, sendo os seus territórios subtraídos de outros municípios maisantigos. De forma a minorar esse problema, os dados aqui analisadosconsideram os desmembramentos ocorridos e reconstituem a popula-ção, para 1970 e 1980, dos municípios criados até 1991. Infelizmentenão se pode completar esta reconstituição até o ano 2000 por falta dainformação necessária. Estes dados somente foram possíveis graçasao esforço conjunto do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (Nesur)e Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp.

5. No Brasil a constituição das Regiões Metropolitanas é determinadapor legislação estadual. Assim sendo, não há necessariamente um pa-drão para determinar as condições necessárias para que uma aglome-ração urbana seja dessa maneira rotulada. Para que se tenha uma idéia,hoje no país existem oficialmente mais de 20 destas áreas, completa-mente heterogêneas em termos de composição, tamanho e função. Alémdisso, Estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarinapossuem mais de uma RM em seus territórios.

6. Sobre o processo de “interiorização” no Estado de São Paulo, verBaeninger (2000a), Ipea/IBGE/Nesur (1999) e Fundação Seade (1992).

7. Núcleo é o município-sede da área metropolitana ou região e perife-ria compreende os demais. Admite-se, contudo, que esse procedimen-to implica uma grande simplificação da realidade, tendo em vista aheterogeneidade interna dos municípios e a possibilidade da existên-cia de aglomerações policêntricas, como certamente é o caso da RMde São Paulo.

8. Esta seção se beneficia de reflexões já realizadas em outro estudo(Dedecca; Cunha, 2002) e em sua revisão elaborada em 2003.

9. Além de São Paulo, os dados do Censo 2000 também mostram niti-damente o incremento da imigração em direção ao Distrito Federal eseu entorno.

10. Na verdade, o grau de primazia de metrópoles como Santiago,Buenos Aires, Montevidéu, etc. em relação ao restante da rede urbananacional é imensamente maior que o caso da RMSP em relação aoBrasil.

11. Esta hipótese, sugerida em Cunha e Baeninger (2000), consideraque somente um processo de contínuo ir e vir poderia explicar a co-existência de altos volumes de imigração e emigração, particularmen-te no caso dos fluxos envolvendo São Paulo e o Nordeste. Neste parti-cular, a intensificação da migração de retorno, fruto da incapacidadedo Estado em absorver e “estabilizar” seus migrantes, seria uma dasmodalidades de deslocamento que permitiria, em boa medida, justifi-car as volumosas perdas populacionais apresentadas por São Paulo.

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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4) 2003

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A

A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRADE OCUPAÇÕES

anotações de uma pesquisa empírica

Resumo: Abordagem da revisão da classificação brasileira de ocupações (CBO), recentemente promovida peloMinistério do Trabalho e Emprego, em parceria com algumas instituições de pesquisa, entre as quais a Funda-ção Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da USP. A discussão apresenta uma breve caracterização docontexto em que ocorreram as mudanças por que passou o mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas.Palavras-chave: classificação brasileira de ocupações; ocupações; famílias ocupacionais.

Abstract: A survey of the revision of the Brazilian Classification of Occupations (CBO), recently carried outby the Ministry of Labor and Employment, in partnership with research institutions, among them FundaçãoInstituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) of the University of São Paulo. The discussion presents a briefdescription of the changes in the Brazilian labor market in recent decades.Key words: Brazilian Classification of Occupations; occupational clusters.

NELSON HIDEIKI NOZOE

ANA MARIA BIANCHI

ANA CRISTINA ABLAS RONDET

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 234-246, 2003

atividade de revisão da Classificação Brasileirade Ocupações foi conduzida no âmbito da Co-missão Nacional de Classificação, sob a coor-

cionais. Fecharemos o artigo com algumas consideraçõesfinais, decorrentes da análise empreendida nas sessõesanteriores.

O CONTEXTO

Nas últimas décadas, o mercado de trabalho brasileiroviu-se submetido a intenso processo de mudanças eco-nômicas, culturais, sociais e políticas, cujas manifestaçõesse fizeram visíveis no âmbito da estrutura das ocupações,dos requerimentos de recrutamento e contratação deprofissionais, da condição e vínculos de exercício profis-sional e das funções desempenhadas sob dada deno-minação ocupacional.

Tais mudanças, mais acentuadas nos dois últimos lus-tros do século findo, têm sido relacionadas a uma gamavariada de fatores, dentre os quais sobressaem a introdu-ção de novas tecnologias – em especial da informática einternet –, a adoção de novas modalidades de organiza-ção produtiva e de gestão, a abertura de mercados nacio-nais ao capital estrangeiro, o aumento da concorrênciainterna e o declínio do desempenho econômico do país.2

Como sabido, tais fenômenos levaram à adoção de medi-das técnicas e administrativas de contenção de custos, por

denação do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.Em articulação com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística, reviu-se a classificação das ocupaçõesbrasileiras tendo em vista sua compatibilização com a clas-sificação internacional de ocupações (CIUO 88), definidapela Organização Internacional do Trabalho. Para dar contada tarefa, o MTE estabeleceu parcerias com algumas insti-tuições brasileiras dedicadas à pesquisa socioeconômica, entreas quais a Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômi-cas, da Universidade de São Paulo.1

As páginas que se seguem relatam a experiência daFipe na empreitada de revisão da CBO. A discussão estáorganizada em três partes principais: na primeira delascaracterizaremos brevemente o contexto em que ocorre-ram as mudanças por que passou o mercado de trabalhobrasileiro nas últimas décadas; na sessão seguinte des-creveremos o conjunto de famílias ocupacionais e ocu-pações revistas pela Fipe, bem como o método adotadona coleta e atualização dos dados referentes às mesmas;na terceira sessão focalizaremos o ciclo de vida das ocu-pações, segundo os grandes grupos de famílias ocupa-

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A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...

sua vez determinantes de redução do nível de emprego edos postos formais de trabalho.

O resultado desse amplo conjunto de transformaçõesfoi o aumento na discrepância entre a Classificação Bra-sileira de Ocupação – CBO, publicada em 1994, e a reali-dade de nosso mercado de trabalho. Como qualquer clas-sificação, trata-se de um documento mediante o qual sepretende reconhecer, nomear e codificar os títulos e des-crever as características das ocupações do mercado de tra-balho. No Brasil, a CBO é utilizada na codificação doemprego do mercado de trabalho. Seu código ocupacionalé a chave de identificação do emprego, juntamente com aClassificação Nacional de Atividade Econômica – CNAEe da natureza jurídica dos estabelecimentos. O MTE uti-liza esses códigos na Relação Anual de Informações So-ciais – Rais, no Cadastro Geral de Empregados e Desem-pregados – Caged, no Seguro-Desemprego, dentre outrosregistros administrativos, e no controle da imigração.Ademais, a CBO é usada no rastreamento de vagas dosServiços de Intermediação de mão-de-obra, na elabora-ção de currículos e no planejamento da educação profis-sional. No setor público, porém fora do âmbito desse mi-nistério, é utilizada nas estatísticas de mortalidade doMinistério da Saúde e na identificação da ocupação noImposto de Renda Pessoa Física – IRPF pela Secretariada Receita Federal.

Desde a edição pioneira de 1982, a CBO viu-se sub-metida a alterações pontuais, sem modificações estrutu-rais e metodológicas de monta. A decisão de submetê-la auma revisão, de sorte a torná-la mais consentânea com arealidade do mercado de trabalho, foi tomada em fins dos

anos 90, e o produto desse esforço foi dado a público noúltimo ano findo. Além da revisão e atualização completade seu conteúdo, a edição 2002 faz uso de uma nova me-todologia de classificação. Esta versão contém as ocupa-ções do mercado brasileiro, organizadas e descritas porfamílias ocupacionais – também denominadas grupos debase –, cada uma delas correspondente a um conjunto deocupações similares que integram um domínio de traba-lho mais amplo do que aquele da ocupação.

O trabalho de modernização da CBO contou, em suaetapa de descrição, com a participação de quatro entida-des, dentre as quais inclui-se a Fipe. O presente artigopretende resgatar, ainda que superficialmente, alguns as-pectos julgados relevantes da participação da FundaçãoSeade nesta experiência inovadora e de profunda impor-tância para os estudiosos de nosso mercado de trabalho,administradores de recursos humanos e gestores eformuladores de políticas trabalhistas.

FAMÍLIAS OCUPACIONAIS E OCUPAÇÕESDESCRITAS PELA FIPE

A Fipe responsabilizou-se pela descrição de 181 famí-lias ocupacionais, número equivalente a pouco menos deum terço do total de famílias da nova versão da CBO.Mediante aquelas famílias previa-se dar conta da descri-ção de 636 ocupações. A Tabela 1 discrimina os grandesgrupos em que se enquadram as diferentes famíliasocupacionais constantes da CBO.

De acordo com a Tabela 1, pode-se verificar que asocupações descritas pela Fipe distribuíram-se por oito dos

TABELA 1

Distribuição das Famílias Ocupacionais e Ocupações Descritas pela Fipe, segundo Grandes GruposBrasil – 2002

Grandes Grupos Famílias Ocupacionais Ocupações

Nos Absolutos % Nos Absolutos %

Total 181 100 636 100

1. Membros Superiores do Poder Público, Dirigentes de Organizações deInteresse Público e de Empresas, Gerentes 36 20 135 21

2. Profissionais das Ciências e das Artes 26 14 109 17

3. Técnicos de Nível Médio 42 23 119 19

4. Trabalhadores de Serviços Administrativos 15 8 68 11

5. Trabalhadores dos Serviços, Vendedores do Comércio em Lojas e Mercados 36 20 131 20

7. Trabalhadores da Produção de Bens e Serviços Industriais 9 5 43 7

9. Trabalhadores em Serviços de Reparação e Manutenção 5 3 8 1

10. Membros das Forças Armadas, Policiais e Bombeiros Militares 12 7 23 4

Fonte: Fipe.

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dez Grandes Grupos de famílias que estruturam a CBO2002, com acentuada concentração nos grupos 3 (Técni-cos de Nível Médio), 5 (Trabalhadores dos Serviços, Ven-dedores do Comércio em Lojas e Mercados), 1 (MembrosSuperiores do Poder Público, Dirigentes de Organizaçõesde Interesse Público e de Empresas, Gerentes) e, em me-nor grau, 2 (Profissionais das Ciências e das Artes).3 Fi-caram de fora, tão-somente, os grupos concernentes àsfamílias que albergam ocupações rurais, incluídas asextrativas e industriais. Em ambos os casos, todavia, ainstituição encarregou-se da descrição das ocupações re-ferentes aos cargos de direção e gerência.

No tocante àqueles descritos, verifica-se que a Fipe tevesob sua responsabilidade parcela importante de algunsgrandes grupos. Assim, no Grande Grupo 0 (Membros dasForças Armadas, Policiais e Bombeiros Militares), a fun-dação descreveu mais de três quartos das 13 famílias; aparticipação correlata no caso do Grande Grupo 4 (Tra-balhadores de Serviços Administrativos) situou-se em tor-no dos dois terços: 14 das 21 famílias do grupo. Os fatosrelatados neste capítulo dizem respeito, portanto, à des-crição das famílias mencionadas, atividade levada a caboentre maio de 2000 e o segundo semestre de 2002.

Previamente à realização da atividade de descriçãopropriamente dita, os integrantes da equipe da Fipe foramtreinados no método Dacum, em fins de fevereiro e iníciode março de 2000.4

O processo de descrição das famílias ocupacionais pelosfacilitadores teve como ponto de partida o estudo do es-copo, atividade realizada a partir dos arquivos magnéti-cos disponibilizados pelo MTE ao final da primeira fasedo Projeto de Modernização da CBO. Nessa etapa, inicia-da em 1996 e completada três anos depois, foi reunida adocumentação primordial para o trabalho das entidadesconveniadas, a saber:- Nomenclatura da nova CBO, com cerca de 600 famíliasocupacionais. Reagrupa as ocupações e os sinônimos daCBO94, bem como as novas ocupações e títulos surgidosposteriormente. Elimina ocupações e sinônimos totalmenteextintos e ocupações que se transformaram em atividadesde uma nova ocupação;- Revisão do índice ampliado, também conhecido comosinônimos, com cerca de 30 mil títulos;- Descrição sumária, em caráter provisório, redigida a partirde fontes secundárias (CBO/94, CIUO/88, dentre outros).

Nessa documentação era possível obter uma descriçãosumária de cada família ocupacional, o rol de ocupações

nela contemplado e, para cada ocupação, os respectivossinônimos. No que concerne às famílias trabalhadas pelaFipe, a documentação oriunda da primeira fase do Proje-to de Modernização antecipava a inclusão de 143 ocupa-ções na nova CBO e a supressão de outras 46 que figura-vam da versão de 1994. 5 Estas foram mantidas apenas parafins de composição da série histórica. Dentre as ocupa-ções incorporadas, quase a metade enquadra-se no Gran-de Grupo 1, justamente aquele onde também se verificoua maior parcela de supressões. Apenas na família dos Di-retores Gerais (1210), foram suprimidas 35 ocupações, oequivalente a mais de três quartos daquele total. No de-correr do estudo de escopo, todavia, nem todas essasmudanças viram-se corroboradas. Assim, ocupações comoas de Corretor Especializado em Locais para Antenas (siteacquisitor) e de Remarcador acabaram por ficar de forada CBO 2002, apesar de constarem da documentação daprimeira etapa do Projeto de Modernização da CBO. Ade-mais, durante as investigações que precederam a realiza-ção dos painéis, bem como durante a sessão de descrição,novas mudanças no mercado de trabalho acabaram sendoidentificadas.

Pelo que ficou dito acima, pode-se verificar que essematerial constituiu um conjunto fundamental de informa-ções, que balizou o trabalho de rastreamento dos profissio-nais a serem convidados para integrar os comitês de espe-cialistas, permitiu identificar o aparecimento de ocupaçõespróximas (parentes) e, no caso de empresas, orientar osresponsáveis pelas sessões do pessoal ou de recursos hu-manos na indicação dos empregados. Para as ocupaçõesformais, seu uso foi complementado com os dados da Rais-Identificada, que propicia conhecer, para cada ocupação,o número de postos de trabalho existentes em determina-da empresa, bem como seu endereço. Os dados da Raispermitem verificar, por exemplo, a distribuição espacialdas ocupações no território brasileiro e, assim, garantircerto grau mínimo de representatividade regional.6

O estudo dos escopos das famílias ocupacionais foirealizado mediante entrevistas em empresas, órgãos e as-sociações de classe e os próprios profissionais. Tambémos informes disponíveis na internet foram amplamenteconsultados nesta fase do trabalho.

Uma vez concluído o estudo do escopo, seguia-se oextenuante processo de agendamento dos especialistas. Emmédia, a presença de um especialista envolveu aproxima-damente dez tentativas frustradas. Grande parte da difi-culdade adveio da duração das reuniões, que se estendianormalmente por dois dias, e do fato de tratar-se de ativi-

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A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...

dade não remunerada para os especialistas convocados.No caso de algumas famílias do Grande Grupo 1, especial-mente aquelas referentes aos cargos de Diretores e Ge-rentes, buscou-se reduzir a duração das reuniões median-te o uso de “descrições-tronco”. Este recurso consiste emdetalhar, em sessões de apenas um dia, uma matriz Dacumcom as competências e habilidades gerais e comuns àque-les cargos, elaborada a partir de um conjunto de gráficosobtidos pelo método convencional. Em situações de ab-soluta inviabilidade, por exemplo, dos Diretores Gerais(1210), as reuniões foram substituídas por entrevistas (nomínimo cinco) no próprio local de trabalho, de duraçãovariável. Em tais ocorrências, o painel de validação nãofoi realizado. A implementação de ambos os procedimen-tos ocorreu sob supervisão e orientação do MTE.

Os óbices enfrentados no agendamento dos profissio-nais vinculados ao setor bancário requereram um longoesforço, do qual resultou a formação de uma comissãoconstituída sob os auspícios da Assessoria de RecursosHumanos da Febraban e integrada por representantes dosindicados por alguns estabelecimentos bancários, peloMTE e pela Fipe.7 As dificuldades no agendamento esti-veram relacionadas, de um lado, ao zelo com o sigilo quenormalmente cercam as operações bancárias. Além disso,o setor sofreu, durante a segunda metade dos 1990, umintenso processo de fusão e mudança de controlador, fe-nômeno marcado por uma ampla privatização e por maci-ço ingresso de capital estrangeiro. Por fim, somou-se ofato de ser o segmento financeiro, em especial o bancá-rio, aquele para o qual a antiga CBO se mostrava profun-damente inadequado: cerca de dois quintos de suas infor-mações ocupacionais na Rais, obrigatoriamente fornecidasem consonância com a CBO, eram enquadradas na cate-goria outros (antigo código 90).

A comissão formada junto à Febraban com o objetivode diminuir esse descompasso incumbiu-se de avaliar aestrutura de títulos das famílias ocupacionais específicasdo setor bancário, suas ocupações e sinônimos, compa-tibilizar os títulos de cargos dos bancos participantes empostos e ocupações da CBO94 e a nova CBO. Deste es-forço resultou uma consolidação preliminar dos títulos decargos dos bancos participantes, classificados segundocinco domínios – seguros, crédito, comercial, câmbio emercado de capitais –, cuja descrição foi majoritariamen-te colocada sob a responsabilidade da Fipe.

Ao se iniciar a segunda etapa do projeto de moderni-zação da CBO, já com a participação da Fipe, os títulosforam novamente consolidados e reclassificados, desta

feita a partir da nova estrutura da CBO. Obtiveram-se,assim, dois conjuntos de famílias ocupacionais: umconcernente àquelas específicas e outro pertinente às trans-versais do setor bancário. O primeiro conjunto ficou for-mado por 7 e o segundo, por 5 famílias, distribuídas pelosquatro primeiros Grandes Grupos da CBO 2002.8 Ao tér-mino dessa tarefa, tais famílias passaram a ser descritasmediante a aplicação do método Dacum. As dificuldadesno agendamento foram superadas mediante a convocaçãodos especialistas de 13 instituições bancárias, por inter-médio da Febraban. Mesmo assim, os Diretores Gerais(1210) e os Diretores de Operações de Serviços em Insti-tuição de Intermediação Financeira (1227) acabaramsendo descritos mediante entrevistas. Tais desdobramen-tos fizeram com que a segunda fase do processo de des-crição se alongasse por cerca de dois anos.

Os fatos relatados nos parágrafos precedentes, ao mes-mo tempo em que evidenciam algumas modalidades deresistência enfrentadas pelos facilitadores da instituição,permitem aquilatar a magnitude do esforço e da persis-tência envolvidos na superação das mesmas. A seção se-guinte registra as observações colhidas pelos facilitadoresno curso das descrições das diversas famílias. A percep-ção das mudanças ocorridas no mercado de trabalho bra-sileiro foi acentuada entre os especialistas que participa-ram dos painéis organizados pela Fipe. A freqüência comque estes profissionais mencionavam a necessidade de“Manterem-se Atualizados”, durante a montagem da sualista de Competências Pessoais constitui evidência cabaldo vulto das mudanças a que precisaram adequar-se parapermanecer no mercado de trabalho.

A sessão que se segue descreve o ciclo de vida dasocupações, retratando movimentos de extinção e desapa-recimento das mesmas.

O CICLO DE VIDA DAS OCUPAÇÕES

O mundo das ocupações é complexo e altamente dinâ-mico, permanentemente afetado pelo contexto social e eco-nômico mais amplo e, ao mesmo tempo, capaz de afetaresse próprio contexto. Como os seres vivos, as ocupaçõesparecem estar sujeitas a um ciclo de vida. Elas nascem,crescem, transformam-se e eventualmente declinam emorrem.

No que diz respeito ao mercado de trabalho brasileiro,as grandes transformações pelas quais este vem passandonas últimas décadas refletiram-se diretamente em sua es-trutura ocupacional. Enquanto várias ocupações simples-

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mente desapareceram, ou estão a caminho disso, outrasvêm sofrendo uma reestruturação de suas funções, que levaà definição de novos perfis profissionais. Esse processoestá associado, como já foi visto, às modificaçõestecnológicas ocorridas na economia, inclusive aquelas queafetam a organização do trabalho dentro de empresas pú-blicas e privadas. De uma maneira geral, estão sendo pre-senciadas mudanças cuja natureza não é auto-evidente, mascuja direção é importante entender para a definição de po-líticas públicas adequadas.

A presente sessão focaliza o ciclo de vida das ocupa-ções, que se exprime na emergência de novas ocupações,na extinção de outras e na transformação de muitas. Asinformações em que se baseia a análise provêm, como ob-servado anteriormente, de depoimentos colhidos entre osespecialistas que colaboraram na pesquisa da Fipe, em trêsmomentos sucessivos: durante o trabalho preliminar dedefinição do escopo de cada família, no painel de descri-ção e no de validação.

O conceito de ocupação emergente foi definido de for-ma ampla e não necessariamente isenta de ambigüidades.Assim, as ocupações qualificadas como tal podem ser efe-tivamente novas no mercado de trabalho, como seria dese esperar. Abrangem ainda, porém, aquelas que são no-vas do ponto de vista da CBO; ou aquelas que, emboramuito antigas, sofreram transformações substanciais ouviram crescer significativamente o número de postos detrabalho a elas associados; finalmente, podem ser novasapenas no mercado de trabalho brasileiro, mas não nomercado de trabalho mundial como um todo.

A unidade de análise considerada compreende as fa-mílias ocupacionais e as ocupações propriamente ditas.Alguns processos afetam todo o agrupamento profissio-nal, manifestando-se no âmbito da família; outros são maiscircunscritos, cingindo-se a ocupações específicas dentrode uma família ocupacional, sem afetar de modo signifi-cativo as demais categorias que a compõem.

A ordem adotada para a exposição segue a seqüênciados Grandes Grupos definidos pela CBO 2002. Para cadaum desses grandes conjuntos, serão abordadas simultanea-mente as famílias e ocupações em processo de extinção eas emergentes.

Dentre as ocupações classificadas na nova Classifica-ção Brasileira de Ocupações (CBO) como pertencentesao Grande Grupo 1, ou seja, “Membros Superiores doPoder Público, Diretores de Organizações de InteressePúblico e de Empresas e Gerentes”, existem poucas ocu-pações realmente novas. No entanto, dada a reestruturação

por que vêm passando diversas empresas, principalmenteno setor privado, muitas delas extinguem postos de dire-toria e gerência, fazendo com que os diretores e gerentesremanescentes acumulem funções diferentes.

Nesse contexto, merece destaque a inclusão de umanova ocupação na família ocupacional dos Gerentes ad-ministrativos, financeiros e de riscos (1421). Trata-se doGerente de riscos. De acordo com os especialistas pre-sentes ao painel de covalidação, essa ocupação ainda nãoatingiu no Brasil o nível de importância encontrado empaíses como os Estados Unidos, onde existe um númerosignificativo de cursos regulares de graduação, pós-gra-duação e MBA na área do chamado Risk Management.Trata-se, portanto, de uma ocupação em ascensão, queacompanha uma tendência de mercado bastante forte noexterior, embora ainda em fase preliminar de expansão noBrasil.

Cabe acrescentar que muitas vezes o gerente de riscosnão ocupa um cargo com esse nome, embora atue comotal. Segundo os especialistas, as funções desse profissio-nal diferem daquelas executadas pelos engenheiros de se-gurança industrial, de tempos e métodos, de qualidade,de riscos ou dos técnicos de seguros, principalmente noque diz respeito aos compromissos objetivos e mensuráveisa partir dos resultados operacionais da empresa. As ativi-dades desenvolvidas pelo gerente de riscos não se carac-terizam como atividades gerenciais por excelência, umavez que estão mais voltadas às atividades desenvolvidasdentro de um processo produtivo, o que lhes dá um cunhomais executor.

O Grande Grupo 2 (“Profissionais das Ciências e dasArtes”) reúne ocupações cujas tarefas demandam conhe-cimentos profissionais de alto nível de competência liga-do ao ensino superior, além dos profissionais das artes edesportos. Dentro desse grupo existem diversas famíliasocupacionais que possuem uma ou mais ocupações novasou em processo de reestruturação.

É o caso, por exemplo, dos Professores de artes do en-sino superior (FO 2349), que congregam as seguintes ocu-pações: Professor de artes do espetáculo, Professor de artesvisuais e Professor de música no ensino superior. Emboranão possa ser considerada uma família ocupacional emer-gente, o mercado de trabalho brasileiro tem especificidadesque o distinguem do mercado de países onde o ensinosuperior nessa área está sedimentado há mais tempo. Se-gundo os especialistas presentes aos painéis de descriçãoe validação, houve mudanças substanciais em um períodorelativamente recente no Brasil, com a implementação de

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inúmeros cursos superiores de graduação na área de ar-tes, que compreendem os segmentos de artes visuais, tea-tro, dança e música. Isso gerou a necessidade de uma rá-pida e por vezes radical adaptação no perfil dos professoresque lecionam nesses cursos. Antigamente, a arte era aces-sível a poucas pessoas e era ensinada principalmente emateliês dos próprios artistas. A mudança assinalada afe-tou esse padrão. Hoje em dia, nem sempre um professorde artes é efetivamente um artista, ele pode ser um espe-cialista em determinada área e com isso qualificar-se paratransmitir seus conhecimentos aos alunos.

Merece destaque também a família ocupacional das Se-cretárias executivas e bilíngües (FO2523), que congregaas ocupações de Secretária executiva, Secretária bilíngüee Secretária trilíngüe.9 Segundo o relato dos especialis-tas, não se observa a tendência de extinção da profissão.Na prática, grande parte das secretárias ainda executa ta-refas tradicionais, às vezes atendendo mais de um diretorou até mesmo toda uma área. Nos últimos anos houve umadiminuição significativa no número de postos de trabalhode secretária nas empresas, devido basicamente a doismotivos: informatização e reestruturação funcional, dian-te da necessidade de reduzir custos operacionais. Com adifusão dos computadores de uso pessoal, os executivospassaram a executar fácil e rapidamente tarefas antes de-legadas às secretárias, cujo perfil profissional sofreu alte-rações significativas, levando-as a atuar cada vez maiscomo assessoras do executivo. Isso significa que a profis-são foi afetada por um duplo movimento, de diminuição donúmero de postos de trabalho associada a alguma perda defunções tradicionais, mas, ao mesmo tempo, à absorção denovas funções e à ampliação de responsabilidades.

A família ocupacional dos Locutores, comentaristas erepórteres de rádio e televisão (FO 2617) reúne profissio-nais cujo perfil apresentou modificações bastante impor-tantes nos últimos anos, que afetaram as ocupações com-ponentes da família: Âncora, Comentarista, Locutor,Narrador e Repórter de rádio e televisão. Como em outrossetores da economia, houve uma série de alterações econô-micas e tecnológicas, associadas a um processo de reorgani-zação funcional, em que as empresas enxugaram considera-velmente o número de funcionários em seus quadros.

Nesse contexto, a própria definição das atividadesprecípuas de um Locutor de rádio e televisão mudou subs-tancialmente. Atualmente, as atividades de locução são de-sempenhadas por jornalistas, que não mais simplesmente lêemas notícias, como no modelo anterior. Eles tornaram-se pro-fissionais multifuncionais e multimídia, para os quais não

basta – nem mesmo chega a ser necessário – ter uma belavoz. Eles atuam no processo desde a produção da notícia atésua apresentação. A tendência do mercado é substituir o lo-cutor tradicional por um profissional com formação em jor-nalismo capaz de atuar indiscriminadamente em rádio, tele-visão e outros meios de comunicação.

No caso do rádio, as mudanças tecnológicas nos equi-pamentos utilizados facilitaram a operação de equipamen-tos. Assim, as tarefas técnicas, como a de operador detransmissões externas no rádio, podem ser hoje tambémdesempenhadas pelo próprio locutor, quando este atua forada sede da emissora. O advento das rádios FM e das TVspor assinatura também foi um importante fator na induçãodas mudanças observadas.

Cabe acrescentar que a partir da década de 90 o locu-tor clássico passou a chamar-se “Âncora”, por influênciados Estados Unidos, onde existia há muito tempo. Essadiferença, que à primeira vista parece indicar uma meramudança de terminologia, reflete uma transformação maisprofunda no perfil profissional dos especialistas que exer-cem essa função.

No domínio da informática, ainda no Grande Grupo 2,existem diversas ocupações emergentes e em reestru-turação. Isso se deve principalmente ao fato de que omercado de trabalho ligado a esta área ser relativamentenovo e encontrar-se em fase de consolidação. Assim,muitos profissionais possuem uma atuação mais abran-gente, executando diversas tarefas, padrão que não neces-sariamente será mantido no futuro próximo.

É o caso, por exemplo, do Web master, profissionalresponsável pela manutenção de um website, que entendeo site de forma global e o administra. É ele quem garanteo contato entre as diversas áreas: produção de conteúdo,design, desenvolvimento e manutenção do site. Os espe-cialistas presentes aos painéis relataram que, com osurgimento do ambiente web, muitas vezes este profissionalacumulava funções que iam desde a elaboração de textosaté o gerenciamento dos sites. No entanto, com a especia-lização do mercado, as funções foram aos poucos sediferenciando e se tornando mais específicas, embora oweb master tenha de certa forma mantido sua característicade programador. Trata-se, portanto, de um profissionalrelativamente novo no mercado, que exerce funções bas-tante híbridas e muito variáveis de uma empresa para outra.

Já a figura do Web Designer surgiu com o aparecimen-to dos recursos visuais dentro do ambiente web. Ele é oresponsável pela parte visual dos sites, fazendo inclusiveinterface com a animação. É ele quem desenha e define

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as cores e o design das páginas ou dos sites. A formaçãodesse profissional tende a ser bastante heterogênea, umavez que é atualmente integrada por indivíduos com dife-rentes origens profissionais, entre eles arquitetos, artistasgráficos e profissionais da indústria gráfica, entre outros,que decidiram aproveitar as oportunidades abertas graçasao surgimento do ambiente web.

Finalmente, os especialistas mencionaram a figura do WebEditor, profissional responsável pelo conteúdo dos textosapresentados nos sites. A maioria deles possui formação emjornalismo, relações públicas ou publicidade, entre outras.Na verdade, observa-se aqui um fenômeno parecido com oque determinou a mudança do perfil do locutor, acima rela-tada: trata-se de um jornalista que exerce suas funções emum meio de divulgação diferente do usual.

O Grande Grupo 3 (“Técnicos de Nível Médio”) com-preende aquelas ocupações cujas atividades requerem umnível de conhecimento técnico para sua execução. É inte-ressante notar a presença de indivíduos com formaçãouniversitária nesse grande grupo, que reúne um grandenúmero de famílias ocupacionais. Essa presença é cres-cente, embora, em tese, a execução das atividades nãorequeira escolaridade de nível superior. Na prática, con-tudo, observa-se a exigência cada vez maior de formaçãouniversitária para preenchimento das vagas oferecidas nomercado de trabalho. Essa exigência pode ser atribuída auma gama de fatores, inclusive o aumento do nível dedesemprego, que leva o indivíduo a aceitar tarefas aquémde sua qualificação formal.

Vale mencionar, a propósito, a existência de três famí-lias ocupacionais ligadas à educação que vêm passandopor uma série de modificações. Aqui existe uma mesclade processos de extinção de ocupações e criação de no-vas, bastante difícil de descrever. A mudança afeta as fa-mílias dos Professores de nível médio na educação in-fantil (FO 3311), Professores de nível médio no ensinofundamental (FO 3312) e Professores leigos no ensinofundamental (FO 3321).

As três famílias citadas reúnem professores cuja for-mação foi adquirida na prática ou em cursos de, no máxi-mo, nível médio, que atuam na educação infantil e no en-sino fundamental (antigos primário e ginásio). Houve umamudança legal segundo a qual, a partir de 2007, somentepoderão habilitar-se a preencher os postos de trabalhoassociados a essas ocupações indivíduos com diplomauniversitário ou formados por treinamento em serviço.10

Isso significa que aqueles que não tiverem concluído osegundo grau até 2007 não poderão continuar lecionan-

do. Perante essa exigência, os docentes vêm se atualizan-do para poder continuar no exercício de suas funções quan-do da aplicação da nova lei.

O caso dos professores leigos merece destaque, umavez que são profissionais que não possuem a formaçãomínima já exigida por lei, o que poderá determinar aextinção dessa categoria. Vale mencionar, porém, que amaioria desses profissionais participa de programas doMEC (como o Proformação – Programa de Formação deProfessores em Exercício), cujo objetivo é a formação deprofessores leigos num nível equivalente ao do magisté-rio. Esses programas beneficiam prioritariamente as Re-giões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A família ocupacional dos Profissionais de direitos au-torais e de avaliação de produtos dos meios de comuni-cação (FO 3524) também sofreu modificações profundasem sua estrutura, que resultaram na convergência de pro-cessos de extinção e emergência. Inicialmente, antes dotrabalho de definição de seu escopo, foi identificada peloMTE como a família dos Agentes de Fiscalização de Es-petáculos e Meios de Comunicação, composta apenas pelaocupação de Técnico em Censura, tristemente associadaao período da ditadura militar no Brasil. Com a aboliçãodesse tipo de censura, a ocupação deixou formalmente deexistir no mercado de trabalho. Persistem, porém, os pro-fissionais que atuam na área de direitos autorais, na fisca-lização de espetáculos de música, dança, etc. Por outrolado, os especialistas apontaram a necessidade de orien-tação do público a partir da definição de faixas etárias paraas quais diversos tipos de produtos culturais são adequa-dos. Além dessa tarefa, algumas empresas que atuam nes-se segmento sentiram a necessidade de recrutar profissio-nais incumbidos da avaliação qualitativa do programa, queabrange funções relacionadas à avaliação dos meios decomunicação do ponto de vista ético, educativo e artísti-co, sendo que os profissionais podem realizar a classifi-cação indicativa e qualitativa da programação.

Os participantes dos painéis destacaram que, enquantoas ocupações de Agente de Direitos autorais e Ouvidor demeios de comunicação (ombudsman) são bem definidasno mercado de trabalho, a ocupação de Avaliador de pro-dutos do meio de comunicação, que define o responsávelpela avaliação e classificação, qualitativa e indicativa dosprogramas, ainda é relativamente nova e encontra-se emfase inicial de estruturação, não estando efetivamenteimplantada na maioria das empresas.

Um fenômeno interessante foi observado em relação àocupação de Radiotelegrafista, enquadrada pela CBO 2002

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na família ocupacional dos Operadores de rede de telepro-cessamento e afins (FO 3722), ao lado do Operador derede de teleprocessamento. No período de definição doescopo e na convocação para os painéis, o facilitador tevegrande dificuldade de recrutar radiotelegrafistas, tendo defazê-lo na Região Norte, por intermédio da Funai. Valenotar que na estrutura original da CBO, que balizou apesquisa do facilitador da Fipe, o título dessa família foidefinido como sendo “Técnicos em operação de máquinasde transmissão de dados”, prevendo-se que compreendiaoito ocupações distintas. Contudo, após a investigaçãodetalhada de sua situação atual no mercado de trabalho,esse número ficou reduzido a dois, sendo que, no caso doradiotelegrafista, observou-se sensível perda de especi-ficidade. Os especialistas presentes aos painéis confirma-ram a existência desse processo: embora tenham mantidoa ocupação na família, apontaram sua tendência à extinção.

No caso da família ocupacional dos Técnicos emnecrópsia e taxidermistas (FO 3281), os especialistas tam-bém registraram a ocorrência de uma alteração interes-sante no perfil das atividades executadas pelos profissio-nais da área. O título da família ocupacional propostoinicialmente pelo MTE (Embalsamadores e Taxidermis-tas) foi modificado pelos especialistas no painel de vali-dação. De acordo com o comitê, a alteração justifica-sepelo fato de que o embalsamamento é apenas uma das téc-nicas de conservação de corpos. Optaram, contudo, porpreservar o título de Embalsamador para designar uma dasocupações da família, pois este é o termo utilizado nomercado de trabalho, embora o referido profissional uti-lize outras técnicas além do embalsamamento. Os especia-listas relataram ainda que a ocupação de Embalsamador éhoje pouco expressiva no mercado de trabalho, uma vezque, oficialmente, a atividade deve ser desenvolvida porum médico patologista. O médico é responsável por assi-nar a liberação do corpo embalsamado, embora, na práti-ca, ele costume ensinar as operações técnicas ao pessoalde apoio, que as executa.

A segunda ocupação que integra a família é a de Taxi-dermista. A Taxidermia é uma especialização da Biolo-gia, e conta ainda com um pequeno número de profissio-nais no mercado de trabalho brasileiro. Trata-se de umaatividade auxiliar da biologia, cuja finalidade é a conser-vação de animais mortos, utilizando somente a pele curti-da do exemplar. Existe ainda a Taxidermia Artística e aCientífica, desenvolvida em Universidades e Museus, como objetivo de catalogar espécies para a preservação da his-tória natural.

Cabe ainda ressaltar que, por motivos técnicos, foi eli-minado o sinônimo “Empalhador de Animais”. De acor-do com os especialistas, esse termo é incorreto, pois astécnicas de taxidermia utilizam uma infinidade de mate-riais além da palha (a que o sinônimo eliminado faz refe-rência) na recomposição do corpo do animal a partir desua pele.

O Mecânico de vôo, que integra a família ocupacionaldos Pilotos de aviação comercial, mecânicos de vôo e afins(FO 3411), é outra ocupação do Grande Grupo 3 que estáperdendo expressão no mercado de trabalho em decor-rência de mudanças tecnológicas. O profissional com essetipo de formação e experiência era recrutado apenas paratrabalhar nas aeronaves de grande porte. As aeronavesmodernas, porém, que possuem computador de bordo,prescindem de seu trabalho. Os raros remanescentes daocupação têm deixado o País, acompanhando antigosaviões vendidos para outros países, principalmenteafricanos.

Quanto às ocupações emergentes, cabe mencionar a fa-mília ocupacional dos Técnicos de odontologia (FO 3224),que reúne as ocupações de Técnico em higiene dental,Protético dentário, Atendente de consultório dentário eAuxiliar de prótese dentária. O trabalho prévio de defini-ção de escopo e os painéis realizados apontaram osurgimento de uma nova ocupação, o Técnico em higienedental, que atua majoritariamente em órgãos públicos, soba supervisão de um cirurgião-dentista.

Durante os trabalhos da fase de descrição da famíliaocupacional dos Técnicos de seguros e afins (FO 3517),os especialistas presentes ao painel de descrição identifi-caram uma ocupação emergente, a do Técnico de Inspe-ção Veicular. De acordo com os participantes, esse pro-fissional pode passar a existir em larga escala no mercadode trabalho num futuro próximo, em função das exigên-cias dos Detran estaduais e das seguradoras de veículos.Trata-se de um profissional que realiza inspeções em veí-culos que passaram por alterações em sua estrutura origi-nal, sofreram sinistros ou foram reformados e, portanto,necessitam de aprovação para transitar. Vale acrescentar,porém, que essa ocupação não foi reconhecida pelo co-mitê de validação e, portanto, não aparece na versão finalda família ocupacional.

Na mesma família, outra ocupação “descoberta” duranteos trabalhos, mantida após a validação, foi a do Técnicode Resseguros, que negocia, administra e controla os con-tratos com o IRB (Instituto de Resseguros Brasil), órgãoque possui o monopólio dos resseguros no país. Como

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existem estudos no sentido de quebrar esse monopólio,poderá vir a ocorrer uma expansão dos postos de trabalholigados a essa ocupação no futuro.

Na família ocupacional dos Técnicos em secretariado,taquígrafos e estenotipistas (FO 3515), vale destacar quea nova denominação do Estenógrafo, consagrada pelomercado, na verdade desdobra-se em duas ocupações: oTaquígrafo, que procede manualmente às atividades deregistro, tanto no setor público quanto privado (depoimen-tos, discursos, etc.); e o Estenotipista, cujas atividadesrefletem o avanço tecnológico na área de comunicações,já que faz uso do computador no exercício de suas fun-ções, possibilitando o registro dos fatos em tempo pre-sente (close caption, mensagens para deficientes auditi-vos na televisão, atividades que necessitem de legendas).

A família ocupacional dos Acupunturistas, podólogos,quiropraxistas e afins (FO 3221) agrupa duas ocupaçõesjá existentes na CBO 94 (Acupunturista e Quiropraxista),ao lado de uma nova ocupação definida no âmbito da novaCBO: o Podólogo. Inicialmente havia sido definida comoocupação também o Técnico em Fisioterapia, que com-punha o título da família. No entanto, durante o estudo deescopo, essa denominação mostrou-se inadequada.11

Na verdade, os profissionais que prestam serviços nessaárea, em geral conhecidos como atendentes, não são re-conhecidos como técnicos em fisioterapia. Entre os moti-vos alegados destacam-se: o fato de que estes profissio-nais não possuem formação na área de saúde, tampoucoformação específica em fisioterapia; não prescrevem exer-cícios ou verificam se os mesmos estão sendo realizadoscorretamente (o que é feito pelo fisioterapeuta). Suas fun-ções consistem apenas em instalar os pacientes em apare-lhos específicos, utilizando-os sob constante supervisão;também cuidam da limpeza e organização da clínica. Ou-tra razão que levou à solicitação de exclusão da denomi-nação “técnico em fisioterapia” foi o fato de não ter sidolocalizada nenhuma instituição de ensino que ministrasseo curso de fisioterapia em nível médio.

Os especialistas que representaram a ocupação dosPodólogos destacaram que sua prática advém da medici-na ortodoxa, e seus procedimentos direcionam-se à saúdedo pé. Tratam de afecções, infecções, patologias dos pése deformidades podológicas, utilizando-se de instrumen-tal pérfuro-cortante, medicamentos de uso tópico, órtesese próteses. Com a multiplicação de clínicas especializadasnos grandes centros urbanos brasileiros, há indícios de queessa ocupação venha conquistando um lugar de maiordestaque no mercado de trabalho brasileiro.

Ainda dentro do Grande Grupo 3, os Recreadores (FO3714) constituem uma família ocupacional relativamentenova no mercado, que tende a ser mais valorizada. Segundoos especialistas, isso vem ocorrendo principalmente de-pois que hotéis e resorts reconheceram a importância desseprofissional como diferencial para atrair um maior núme-ro de clientes. Apesar de existirem alguns cursos na área– desde cursos técnicos pertencentes ao sistema Senai/Senac até cursos de graduação em Gestão de Lazer e Even-tos –, a maioria dos profissionais não possui formaçãoespecífica. Nesse sentido, seu nível de escolaridade variamuito, indo desde o segundo grau incompleto até o nívelsuperior, este nem sempre na área específica).

O Grande Grupo 4, “Trabalhadores de Serviços Admi-nistrativos”, compreende as ocupações ligadas ao traba-lho burocrático, com ou sem contato constante com o pú-blico.

Dentro desse grande grupo, merece destaque a famíliaocupacional dos Apontadores e conferentes (FO 4142).No trabalho inicial de definição do escopo, a facilitadoraentrevistou vários empresários e diretores de recursoshumanos do setor industrial que relataram a extinção daocupação de Apontador de Produção, decorrente de mu-danças tecnológicas. No prosseguimento do trabalho, foipossível constatar que as atividades dessa área foram in-corporadas por outras ocupações, porém o redesenho dotrabalho, quando da reestruturação produtiva, diferia deempresa para empresa e de setor para setor. Na constru-ção civil, os apontadores de produção e de mão-de-obrasão ainda numerosos, e provavelmente ainda o serão pormuito tempo. Também permaneciam, segundo os entre-vistados, em atividades de apontamento de produção deserviços públicos. Durante a realização dos painéis, veri-ficou-se, de um lado, a tendência ao desaparecimento daocupação de Apontador (seja de produção, seja de mão-de-obra), devido à incorporação de novas tecnologias aoprocesso produtivo, que levam ao esvaziamento das fun-ções exercidas; de outro lado, porém, os trabalhadoresremanescentes vêm acumulando funções tradicionalmen-te exercidas por trabalhadores de outros cargos. A ten-dência seria assim a transformação do apontador em umencarregado que tem, entre outras tarefas, a função deapontador de mão-de-obra e/ou de produção.

Ainda nessa mesma família ocupacional, foi incluídauma ocupação inexistente na CBO 94, embora antiga nomercado de trabalho: o Conferente de carga e descarga,que atua na área portuária e anota tudo o que diz respeitoao embarque e desembarque de mercadorias nos portos e

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terminais portuários (avarias, tipo de carga, volume, peso,etc.). Ao conferir, o profissional toma nota e/ou aponta,realizando tarefas muito semelhantes às executadas pelosapontadores, o que justificou sua inclusão nessa famíliaocupacional.

Entre os Operadores de telefonia (FO 4222), a ocupa-ção de Telefonista propriamente dita encontra-se em pro-cesso de extinção, segundo o depoimento dos especialis-tas e os contatos feitos durante o trabalho prévio dedefinição de escopo. A tendência da ocupação é desapa-recer, devido aos avanços técnicos nos sistemas de tele-comunicações. Atualmente, grande parte das ligações éfeita diretamente da origem para o destino, sem a necessi-dade de auxílio de telefonistas. Por outro lado, em em-presas pequenas e mesmo em algumas médias, os recep-cionistas ou secretários fazem o serviço de atendimentotelefônico. Em empresas grandes, os departamentos jápossuem ramais diretos e os funcionários fazem e rece-bem suas próprias ligações. O telefonista fica mais comoprestador de informações em casos especiais em que osusuários externos não possuem o número direto do ramal.

Os participantes dos painéis mencionaram outros fatoresque estão levando à progressiva extinção da ocupação. Umdeles é o serviço de atendimento eletrônico, que está se ex-pandindo muito entre empresas de todos os portes. Nesse caso,os ramais dos departamentos são fornecidos pela gravação.Adicionalmente, foi mencionado o processo de terceirizaçãodo atendimento das operadoras telefônicas, como a Embratele a Telefônica. Tais empresas não possuem mais teleo-peradores em seu quadro de funcionários, pois contratamoutras empresas para esse serviço, sendo caracterizadas maiscomo prestadoras de informações do que de completadorasde chamadas. A difusão da internet também provocou mu-danças nas ocupações dessa família, pois informações comonúmeros da lista telefônica, códigos de área interurbanos einternacionais e tarifas podem ser obtidas diretamente no siteda operadora.

É importante registrar o esvaziamento do mercado demuitas ocupações que integram a família ocupacional dosOperadores de equipamentos de entrada e transmissãode dados (FO 4121). Essa família, que na CBO 94 abrigavadez ocupações, agora abriga apenas quatro: Datilógrafo,Digitador, Operador de mensagens de telecomunicações(correios) e Supervisor de digitação e operação. Ocupaçõesque constavam da CBO 94, ligadas à operação de máquinasde escritório – tais como Conferidor (cartões e fitas),Operador de equipamento de entrada de dados, Operadorde máquina contábil, Operador de máquinas classificadoras

e tabuladoras e Operador de teleimpressão –, forameliminadas ou fundidas em função das mudanças tec-nológicas no setor, entre elas o advento do computadorde uso pessoal. Mesmo algumas das remanescentes, comoDatilógrafo e Digitador, vêm perdendo expressão numéricano mercado de trabalho.

O Grande Grupo 5, “Trabalhadores dos Serviços, Ven-dedores do Comércio em Lojas e Mercados”, reúne tra-balhadores cujo conhecimento e experiência são utiliza-dos na prestação de serviços (em geral, de proteção esegurança) às pessoas ou na venda de mercadorias no co-mércio em geral.

Na família dos Agentes comunitários de saúde e afins(FO 5151) inclui-se uma ocupação emergente, a de Agen-te comunitário de saúde. Essa ocupação foi criada na dé-cada de 90, principalmente por iniciativa do Ministérioda Saúde. Os especialistas que exercem a ocupação pres-tam assistência de saúde em comunidades carentes, entreas quais a dispensa de cuidados simples de saúde sob su-pervisão de profisssionais do setor, a orientação da co-munidade para a promoção da saúde, a participação emcampanhas preventivas, o incentivo a atividades comuni-tárias e assim por diante.

Nota-se também na mesma família ocupacional, a pre-sença de uma ocupação em processo de extinção, que é aParteira leiga. Muito comum nas zonas rurais brasileirasainda em meados do século XX, essa profissão entrou emdesuso com a difusão dos serviços de saúde e o aumentoda possibilidade de acesso das parturientes a hospitais epostos. Segundo as parteiras leigas que participaram dospainéis, a rede pública de saúde está se empenhando emaproveitar seus conhecimentos e habilidades ancestrais noatendimento à comunidade prestado pelos postos e pelarede hospitalar. Elas tornaram-se, portanto, auxiliares darede oficial de saúde.

Com o declínio da navegação fluvial no Brasil, ocupa-ções tipicamente ligadas a esse setor encontram-se em pro-cesso de extinção ou de transformação. Entre elas, desta-ca-se a ocupação de Taifeiro, que pertence à família dosTrabalhadores de segurança e atendimento aos usuáriosde transportes (FO 5111). Apesar de essa mesma deno-minação aparecer como sinônimo em outra famíliaocupacional (Praças das forças armadas – FO 0103), éna FO 5111 que ela aparece como ocupação propriamen-te dita. O Taifeiro é o profissional responsável pela orga-nização e controle do paiol (despensa da embarcação), peloserviço de refeições aos passageiros ou tripulantes, bemcomo pela limpeza e arrumação das partes internas das

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embarcações. Os especialistas apontaram a ocorrência deuma mudança de ênfase nas funções executadas por esseprofissional. Parte de suas funções antigas foi perdida,principalmente no que diz respeito ao atendimento a pas-sageiros e tripulação durante as refeições. Por outro lado,o taifeiro passou a desempenhar um maior número de ati-vidades relacionadas ao controle de alimentos, limpeza eorganização dos paióis (paioleiro).

A família ocupacional 5211 congrega os Operadores doComércio em Lojas e Mercados, integrada por sete ocupa-ções: Vendedor em comércio atacadista, Vendedor de co-mércio varejista, Promotor de Vendas, Demonstrador demercadorias, Repositor de mercadorias, Atendente de far-mácia (balconista) e Frentista. Nessa categoria também seenquadraria a ocupação de Remarcador do comércio, pro-fissional empregado pelas grandes redes de supermercadospara remarcar o preço das mercadorias. Dois motivos expli-cam a transformação sofrida nas atividades desses especia-listas: a difusão do uso de códigos de barras, de um lado, e oarrefecimento da inflação no Brasil, de outro. Com a mu-dança, as atividades do Remarcador passaram a ser exercidaspelo próprio Repositor de mercadorias.

Em outra família do Grande Grupo 5, observam-semudanças relacionadas a processos de extinção e emergênciade certas ocupações e técnicas. Trata-se da família dos Tra-balhadores dos serviços funerários (FO 5165), que congregauma única ocupação, a do Agente funerário. Os trabalhadoresque atuam nessa área trabalham tanto em estabelecimentosprivados como nos serviços funerários municipais. Em ambosos casos, vêm procurando atualizar-se em “tanatopraxia”,uma moderna técnica de conservação de cadáveres que sevem difundindo inclusive nos serviços municipais. Segundoos especialistas, a tendência é que, aos poucos, os agentesfunerários venham a exercer as atividades de Tanatólogo ouTanatopraxista. O antigo Coveiro, definido como “abridorde covas”, acha-se em extinção nos grandes meios urbanos,em face da substituição das covas pelas gavetas, construídaspor empreiteiras. Nestas localidades, os coveiros subsistemem cemitérios pertencentes a algumas religiões que adotamoutros métodos de sepultamento, como os israelitas. Nascidades menores, o sepultamento em covas ainda é predo-minante e, portanto, ainda existe um grande número decoveiros. Vale acrescentar que os especialistas que parti-ciparam da descrição não gostavam do vocábulo “coveiro”e, também por isso, insistiram fortemente na sua substituiçãopor sepultadores.

A família ocupacional dos Trabalhadores de serviçosveterinários, de higiene e estética de animais domésticos

(FO 5193) inclui um tipo de trabalhador que vem adqui-rindo importância cada vez maior no mercado de traba-lho, segundo os especialistas que participaram dos pai-néis. As exposições de animais de pequeno porte estão setornando mais freqüentes no país, e exigem os serviçosdo Esteticista de animais domésticos, que se torna cadavez mais requisitado, inclusive em decorrência do maiorvulto da criação doméstica de cães, gatos e outros ani-mais. A proliferação das chamadas petshops no Brasil tam-bém vem demandando um número crescente de Banhistase Tosadores, treinados nas tarefas de banho e tosa, res-pectivamente, de animais domésticos. Tais profissionaisadquirem seu desenvolvimento profissional na experiên-cia de trabalho e em cursos de especialização.

O Supervisor de Lavanderia, pertencente à famíliaocupacional dos Supervisores de lavanderia (FO 5102),também pode ser considerado uma ocupação emergenteno mercado de trabalho. A demanda por esse profissionalreflete o crescimento das empresas especializadas em la-vagem de roupa, setor no qual se nota um processo rápidoe intenso de terceirização de atividades. De acordo comos especialistas que participaram dos painéis, a tendênciaé de que esse tipo de empresa cresça ainda mais nos pró-ximos anos e, com ela, a ocupação mencionada.12

A família ocupacional dos Catadores de materialreciclável (FO 5192) também pode ser incluída entre asocupações emergentes, senão pela natureza da ocupaçãopropriamente dita, pelo menos por sua expressão numéricano Brasil de hoje, pelas mudanças tecnológicas associa-das ao exercício da profissão e, principalmente, pela formade organização do trabalho. Os catadores ainda congregam,em sua maioria, trabalhadores autônomos, que trabalhampor conta própria. Segundo relatado no painel de descrição,muitos desses trabalhadores são antigos moradores de ruaque foram treinados para a ocupação. Entretanto, vemocorrendo um movimento de organização desses profissio-nais em associações do tipo cooperativas, como meio demelhorar sua renda, suas condições de trabalho e suacapacitação profissional. Assim, funções tipicamenteencontradas nas cooperativas, tais como pesador, balan-ceiro, rasgador de saco, enfardador, separador e triador,que antes eram de responsabilidade dos empregados dosdonos de ferro velho, hoje são crescentemente exercidaspelos próprios catadores no interior das cooperativas.

Quanto ao Grande Grupo 6 (“Trabalhadores Agrope-cuários, Florestais e da Pesca”), a Fipe não foi responsá-vel pela descrição ou validação de nenhuma família ocu-pacional pertencente a essa categoria.

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A NOVA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES: ANOTAÇÕES DE...

O Grande Grupo 7 (“Trabalhadores da Produção deBens e Serviços Industriais”) compreende as ocupaçõesda construção civil, da produção extrativa e da produçãoindustrial em geral. Dentro dessa categoria, destacam-seduas famílias ocupacionais descritas pela Fipe e que apre-sentam modificações no perfil de suas ocupações. Trata-se dos Condutores de veículos sobre trilhos e cabos aé-reos (FO 7826) e dos Trabalhadores em manobras detransportes sobre trilhos (FO 7831).

A primeira dessas famílias compreende seis ocupações:Operador de trem de metrô, Maquinista de trem, Maqui-nista de trem metropolitano, Motorneiro, Auxiliar de ma-quinista de trem e Operador de teleférico (passageiros).As atividades exercidas pelo Operador de trem de metrô,embora não sejam novas, vêm sofrendo alterações. Comoatualmente a condução do metrô é feita de forma automá-tica, o operador passou a ter como função principal amonitoração do sistema e do painel de falhas. Suas ativi-dades consistem na identificação de sinais e em providen-ciar soluções para as falhas. Ele só passa a operar manual-mente a composição quando o sistema automático nãofunciona. O mesmo processo ocorre com o Maquinista detrem: graças a mudanças tecnológicas na operação dosequipamentos, o profissional dessa área, cujas atividadescaracterizavam-se antes como mecânicas, foi transforma-do em operador de sistemas automatizados.

Na categoria dos trabalhadores de manobras sobre tri-lhos, as ocupações da família ocupacional foram rees-truturadas, restringindo-se hoje a apenas duas: Manobradore Agente de pátio. Simultaneamente, houve a extinção dealgumas ocupações, expressas na alternância das funçõesde Manobrador e Maquinista. Em outras palavras, Maqui-nistas e Manobradores são atualmente escalados para exer-cer ambas as funções em períodos alternados. O mesmoprocesso ocorre com os Agentes de Pátio, que, além deexercerem as atividades intrínsecas de sua função, taiscomo a liberação de trens para partida, o controle de car-gas e o controle de entrada e saída de trens do pátio, sãoescalados também para executar atividades de manobrasdos trens. Parece assim repetir-se o fenômeno apontadopara muitas ocupações aqui analisadas: a tendência aorecrutamento de profissionais polivalentes capazes de atuarem várias frentes ao mesmo tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou registrar, e assim preservar, algunsaspectos relacionados à descrição, pela Fipe, de alguns

grupos de base da CBO 2002. A riqueza dos detalhes ob-servados deu ao mesmo um caráter necessariamente des-critivo, mas a brevidade do tempo disponível e a recen-tidade dos fatos examinados impedem que as colocaçõesnele expostas sejam encaradas como completas e defini-tivas. Apenas os aspectos mais proeminentes relaciona-dos ao mercado de trabalho foram aqui considerados. Seriapor isso por demais ocioso repeti-los aqui.

Pelo fato das informações estarem fundamentadas naexperiência específica da Fipe, e por se tratar de uma ta-refa realizada a partir de um método de natureza eminen-temente qualitativa, parece oportuna a sugestão de darprosseguimento à pesquisa, com o intuito de verificar avalidade das afirmações expostas ao longo do texto à luzde dados de caráter quantitativo. Nesse sentido, os infor-mes levantados na PNAD e/ou na Rais poderiam ajudar acompor um quadro mais completo.

É importante reconhecer, mais uma vez, a importância dotrabalho de modernização da CBO levado a cabo pelo MTEcom a colaboração de quatro entidades externas, conformerelatado em MTE/SPPE 2002. É sabido que a padronizaçãoda linguagem é elemento central quando se trata de informa-ção da gestão pública. A elaboração de políticas públicasconsistentes com a nossa realidade socioeconômica depen-de da qualidade da informação que recebem seus formu-ladores. Especificamente na gestão das políticas de empre-go e de formação do trabalhador brasileiro, tal adequaçãofica condicionada à disponibilidade de informações padro-nizadas e atualizadas. Depende, portanto, da existência deuma rede de informações ocupacionais.

A publicação da CBO 2002 representou um passo im-portante na direção preconizada. Ela constitui um instru-mento imprescindível de organização do levantamento deinformações, análise e divulgação de dados pela adminis-tração do Estado, além de contribuir para normalizar oscritérios de prestação de informações do setor privado aopoder público. Para que consiga subsistir como uma fer-ramenta útil deve, contudo, acompanhar as mudanças domercado de trabalho, que têm sido constantes e, nos anosrecentes, aceleradas. Esse é o desafio do documento re-cém-dado a público.

Por seu caráter inovador, que se revelou em muitosaspectos do levantamento de dados sobre as ocupações, atarefa de revisão da CBO foi sujeita a óbices cuja supera-ção envolveu incontáveis decisões. O acerto ou não des-tas ficará evidente nos anos vindouros, pois os momentosfuturos de revisão da CBO representarão oportunidadesconvenientes para eventuais correções.

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NOTAS

Versão preliminar submetida ao Comitê Científico do VIII EncontroNacional da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, realizadoem São Paulo em outubro de 2003.

1. Para uma descrição pormenorizada das instituições conveniadas eda pesquisa de modo geral, ver MTE/SPPE, 2002.

2. Uma análise oportuna de algumas dessas transformações, em âmbi-to mundial, pode ser encontrada em Castells, 1999.

3. Por tomar como referência a CIUO88, a CBO 2002 organiza as ocu-pações, em seu nível mais agregado de informações, em dez GrandesGrupos (GG), definidos segundo o nível de competência e similarida-de nas atividades executadas. Na CIUO88 essas variáveis foram reu-nidas com base em quatro graus de escolaridade. Além da escolarida-de, a CBO 2002 leva em conta, principalmente, o nível de complexi-dade das atividades requeridas para o exercício das ocupações (MTE,SPPE, 2002). Em decorrência deste procedimento, diferentemente daCIUO88, que atribuiu ao GG 9 o nível de competência 1 (não-qualifi-cados), a nova versão brasileira não enquadra qualquer grupo no nívelmencionado. Os GG descritos pela Fipe correspondem aos níveis 2 (GG4, 5, 7 e 9), 3 (GG3) e 4 (GG2). Assim como o documento internacio-nal, a CBO 2002 não estabelece tal correlação para os GG 0 e 1, porabarcarem ocupações com níveis de competência heterogêneos.

4. Os treinamentos foram ministrados pelos professores LawrenceCoffin e Pierre Morin, ambos vinculados à Capra/CVA.

5. Para uma relação completa das ocupações não contempladas na CBO94 e incluídas na estrutura da CBO 2000, ver MTE/SPPE, 2002.

6. Tal afirmação não deve sugerir obviamente que a descrição dasfamílias ocupacionais mediante o método Dacum tem representatividadeestatística. Os comitês foram formados segundo as regras estipuladaspelo método e basearam-se em princípios, fundamentalmente,qualitativos.

7. De modo não necessariamente continuado e com grau de en-volvimento variado, participaram da Comissão representantes do HSBCBank Brasil, Banco Mercantil de São Paulo, Banespa, Bradesco, Itaú,Real ABN AMRO S/A e Sudameris.

8. Foram consideradas famílias específicas do setor bancário: Direto-res de Operações de Serviços em Instituição de Intermediação Finan-ceira; Gerentes de Operações de Serviços em Instituição de Interme-diação Financeira; Profissionais da Administração Econômico-Finan-ceira; Profissionais de Comercialização e Consultoria de Serviços

Bancários; Corretores de Valores, Ativos Financeiros, Mercadoriase Derivativos; Técnicos de Operações e Serviços Bancários e Escri-turários de Serviços Bancários, esta última integrada também pelaocupacão de Caixa de Banco, O rol das famílias transversais ficou for-mado pelas famílias: Diretores Gerais; Gerentes Administrativos, Fi-nanceiros e de Riscos; Gerentes de Tecnologia da Informação; Ana-listas de Sistemas Computacionais e Economistas.

9. É importante dizer que se trata de uma profissão predominantemen-te feminina, como se pôde observar no recrutamento dos painéis deespecialistas, confirmando o que se verificou em pesquisas anteriores.(ver, por exemplo, Bianchi; Pastore, 1999).

10. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no 9.394/96; art.87, parágrafo 4o).

11. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito)disponibilizou uma série de documentos que comprovam a inexistência“jurídica” dessa ocupação. Junto a esse dossiê, tendo por base a CBO94, o Coffito solicitou alterações para a CBO 2002.

12. Resta saber se a atividade de supervisão de lavanderias pode serenquadrada juntamente com outras ocupações de natureza semelhan-te. Afinal, trata-se de uma atividade administrativa, que guarda bas-tante semelhança com a atividade de supervisão em outros ramos deatividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIANCHI, AM.; PASTORE, J. Novas evidências acerca das ocupa-ções no mercado de trabalho. Nova Economia, v.9 n.1, jul. 1999.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1999.

MTE/SPPE. Classificação Brasileira de Ocupações: CBO 2002.Brasília: MTE, 2002.

NELSON HIDEIKI NOZOE: Professor Assistente Doutor da FEA-USP.

ANA MARIA BIANCHI: Professora Titular da FEA-USP.

ANA CRISTINA ABLAS RONDET: Economista, Pesquisadora da Fipe.

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ESTRATIFICAÇÃO SOCIOOCUPACIONAL PARA ESTUDOS DE MERCADO E...

A

ESTRATIFICAÇÃO SOCIOOCUPACIONALPARA ESTUDOS DE MERCADO

E PESQUISA SOCIAL NO BRASIL

Resumo: Com o objetivo de trazer uma contribuição metodológica aos estudos de mercado e pesquisa socialno país, apresenta-se uma proposta de classificação das ocupações brasileiras em cinco estratossocioocupacionais, inspirada em estudo clássico de estratificação social inglês e baseada em indicadores em-píricos de status socioeconômico, computados a partir de Censos Demográficos e PNADs.Palavras-chave: ocupação; classificação socioocupacional; segmentação socioeconômica.

Abstract: With the objective of making a methodological contribution to market and social research in Brazil,this essay proposes the classification of occupations in Brazil into five socio-occupational strata. The inspirationfor this system is classic British social stratification research, and it is based on empirical indicators of socio-economic status, computed on the basis of Demographic Census research and PNADs.Key words: occupation; socio-occupational classification; socio-economic segmentation.

PAULO DE MARTINO JANNUZZI

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 17(3-4): 247-254, 2003

identificação da inserção social dos indivíduosna sociedade com a posição por eles desempe-nhadas no mercado de trabalho tem larga tradi-

baseados em critérios geográficos e poder de consumo.Nem mesmo a segmentação com base em critérios demo-gráficos tem sido empregada com a recorrência que sepoderia, em que pese a relativa abundância de infor-mações a esse respeito e a intensidade das mudançasdessa dimensão do mercado consumidor brasileiro(Jannuzzi, 1994, 1997, 2001a).

A primazia dos critérios geográficos e poder de consu-mo nos estudos acadêmicos e aplicações de mercado cer-tamente se justifica pela dimensão territorial e pela per-sistência do grau de desigualdade socioeconômico no país,questão fartamente documentada na literatura econômicanacional. As desigualdades regionais e de renda são tãointensas que praticamente “cegam” os analistas de mer-cado quanto à importância de outros critérios de seg-mentação. Esse privilegiamento analítico acaba sendo re-forçado, inclusive, pela constatação dos efeitos sobre oconsumo de alimentos, eletroeletrônicos e outros produ-tos, por ocasião da implementação de medidas econômi-cas com algum impacto redistributivo ou de estímulo àsatividades econômicas no país ou regiões (como o aumentodo salário mínimo, diminuição de juros, implantação deuma grande indústria ou projeto governamental em umaregião, etc.).

ção nos estudos de Estratificação Social. Seja nos estu-dos de inspiração marxista – em que as relações de classeestariam determinadas pelas relações de produção, mani-festadas pela posse ou não dos meios de produção –, sejanas abordagens weberianas – em que a estrutura de clas-ses resultaria das desigualdades de oportunidades dos in-divíduos diante do mercado –, a ocupação se constituiriaem um constructo operacional básico para identificaçãoda posição dos indivíduos e suas famílias na pirâmide so-cial (Jorrat, 1998; Scalon, 1999). A ocupação exercida,inserção no processo produtivo, posse ou não dos meiosde produção, seriam, pois, critérios clássicos paraestratificação social dos indivíduos e suas famílias.

Ainda que com larga tradição nos EUA, tal identifi-cação – posição no mercado de trabalho como posiçãodo indivíduo na pirâmide social – não tem sido empre-gada na Pesquisa Social brasileira e menos ainda nosestudos de Segmentação de Mercado no país. Como bemobservam Mattar (1994) e Santos e Rimoli (1995), asegmentação do mercado consumidor no Brasil pode serdescrita segundo alguns poucos recortes básicos,

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Nesse quadro, não é difícil entender por que os siste-mas classificatórios baseados na posse de bens de consu-mo durável (como os da Associação Brasileira de Insti-tuições de Pesquisa de Mercado – Abipeme e AssociaçãoNacional das Empresas de Pesquisa – Anep) desfrutamde prestígio há tanto tempo nos estudos de segmentação.Contudo, pelas limitações apontadas por Mattar (1995) eJannuzzi e Baeninger (1996), esse tipo de abordagem desegmentação tende a perder cada vez mais sua utilidade evalidade na discriminação de poder e hábitos de consumono mercado nacional. A queda da taxa real de juros, a quedados preços relativos dos eletroeletrônicos, a concorrênciano varejo deste setor e as estratégias de facilitação decompra destes produtos (pelo acesso ao crédito, formasde pagamentos, etc.), a consolidação do mercado de gela-deiras, vídeos e televisores de segunda mão ampliaram deforma significativa nos anos 90 o acesso das famílias aestes bens de consumo. Em 1999, a quase totalidade dasfamílias brasileiras dispunham de fogão, cerca de 90% detelevisão, mais de 80% dispunha de geladeira. Com talmassificação de bens fica clara a perda gradativa do po-der discriminatório da escala Abipeme e Anep, ainda queseus defensores sempre possam argumentar que é possí-vel recalcular os pesos atribuídos aos produtos ou às quan-tidades, incluir um novo bem (microcomputador e DVD,por exemplo) ou ainda incorporar o ano e marca do pro-duto no sistema de ponderação. Não bastasse isso, outrofator que conspira contra a validade dessas escalas referi-das a posse de bens duráveis de médio prazo é a diminui-ção, dentre o conjunto da população brasileira, da impor-tância relativa da família nuclear tradicional (casal e 2 oumais filhos), padrão em que se baseiam essas escalas. Oaumento de pessoas vivendo sós (muitas das quais comelevada renda), de casais sem filhos, de famílias unipa-rentais, famílias em ciclo vital mais adiantado (para asquais o consumo de produtos começa a ceder lugar a ser-viços) coloca em xeque a pertinência de se medir o poderde compra pela variedade e quantidade de eletroeletrônicos(e/ou automóveis).

É necessário, pois, oferecer uma alternativa metodo-lógica consistente para segmentação socioeconômica domercado consumidor brasileiro, que garanta compa-rabilidade no tempo e espaço. A volta do uso da rendafamiliar pode ser uma alternativa, em tempos de baixa in-flação. Contudo, os problemas conhecidos para levanta-mento dessa informação nos domicílios (diversidade defontes e membros contribuidores, insegurança com rela-ção ao uso que se fará com os dados declarados, etc.) ain-

da são obstáculos não facilmente contornáveis. É nessaperspectiva, como propõe Mattar (1997), que a segmen-tação socioocupacional pode ser útil, além de constituir,por ela mesma, um critério de discriminação de estilos devida e valores socioculturais específicos de grupossociais. O próprio autor chegou a propor um critério hí-brido de segmentação de mercado, combinando indica-dores de poder de compra e posição do chefe da famíliana ocupação (empregador, empregado, autônomo, etc.).

Procurando contribuir para o aprofundamento dos es-tudos de segmentação no país, o presente texto traz umametodologia para segmentação socioocupacional do mer-cado consumidor brasileiro. Para isso, primeiramente sãoapresentados dois índices socioeconômicos para as ocu-pações brasileiras. Em seguida, com base nesses índices eoutros indicadores ocupacionais, é apresentada a escalasocioocupacional, isto é, a proposta de agregação das ocu-pações brasileiras em cinco grandes estratos.

STATUS SOCIOECONÔMICO DASOCUPAÇÕES BRASILEIRAS

Como discutido em trabalho anterior (Jannuzzi, 1999),há várias metodologias sugeridas e empregadas para cons-trução de um índice socioeconômico para ocupações eclassificações socioocupacionais. Diferenciam-se pelasvariáveis consideradas como critérios de ordenamentosocioeconômico, pelas métricas com que as mesmas sãoexpressas, pelas variáveis-controle consideradas, pelamaior ou menor cobertura da fonte de dados usada paraextrair as características ocupacionais, pelas técnicas es-tatísticas usadas e por outras decisões operacionais demenor alcance. Tal como em outras práticas de pesquisanas Ciências Sociais, essas decisões metodológicas envol-vem escolhas pragmáticas e preferências subjetivas do pes-quisador, que podem conspirar contra a inteligibilidade,clareza interpretativa e validade do indicador produzido(em representar operacionalmente o constructo “statussocioeconômico”).

Um tipo particular de classificação ocupacional, delarga tradição nos estudos desta natureza por parte deautores anglo-saxões, é aquela que procura agrupar asocupações segundo suas similaridades de nível derendimento proporcionado e de escolaridade requerida (ouobservada), denominadas de escalas socieconômicas deocupações ou ainda escalas socioocupacionais. Com baseem uma medida sintética – derivada da combinação dorendimento e escolaridade por algum método –, as

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ESTRATIFICAÇÃO SOCIOOCUPACIONAL PARA ESTUDOS DE MERCADO E...

ocupações são agrupadas e hierarquizadas em estratos oucategorias de diferentes status socioeconômico.

Status socioeconômico de uma ocupação corresponde,pois, ao prestígio social conferido pela população às ocu-pações ou à posição relativa da ocupação em um rankingclassificatório ordenado por algum indicador socio-econômico simples ou composto como rendimento pro-porcionado, nível de qualificação típico das ocupações,escolaridade da mão-de-obra nelas alocada ou mesmo umacombinação destas dimensões (Valle Silva, 1978, 1985;Jorrat e Acosta, 1992; Bukstein, 1997). Em tal perspecti-va, por exemplo, Médico, Magistrado, Professor seriamconsideradas ocupações de maior status que as de Traba-lhador Rural, Pedreiro ou Empregado Doméstico, já quena percepção subjetiva da sociedade seriam dotadas demaior prestígio social, assim como também apresentamindicadores objetivos de rendimento e escolaridade maiselevados.

Uma das propostas metodológicas para construção deíndices socioeconômicos de ocupações, que procura pri-vilegiar a simplicidade técnica e facilidade interpretativa,garantindo – em tese – a validade de constructo da medi-da final, é a empregada por Jorrat e Acosta (1992) na com-putação de indicador semelhante para as ocupações naArgentina.1 Por essa metodologia, o índice computado parauma ocupação corresponde a uma medida de posição re-lativa da mesma em um intervalo de 0 a 100. Mais preci-samente o índice socioeconômico posicional (Isep)corresponde à porcentagem de indivíduos ocupados cujosníveis médios combinados de rendimento e escolaridadesão menores ou iguais aos da ocupação considerada. As-sim, um Isep de 82% para uma determinada ocupação –como é o caso dos Protéticos em 1991 – significa que oconjunto de trabalhadores aí classificados apresenta umnível médio combinado de rendimento e escolaridade su-perior a 82% da população ocupada. Uma ocupação comIsep de 25% – como os Serventes de Pedreiro em 1991 –tem status socioeconômico mais baixo, já que os traba-lhadores aí classificados teriam um nível combinado mé-dio de rendimento e escolaridade superior a um contin-gente menor de ocupados (25%).

Para construção do Isep relativo às ocupações regis-tradas em cada base de microdados – Censos de 1980 e1991 e Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios(PNADs) dos anos 90 – computaram-se, primeiramente,para cada ocupação, as medianas de escolaridade e rendi-mento do trabalho principal das pessoas ocupadas de 15 a64 anos, trabalhando 40 ou mais horas, com rendimentos

válidos e escolaridade conhecida.2 Depois, calcularam-semedidas de posição relativas das ocupações segundo aescolaridade mediana observada, com base na distribuiçãode freqüências acumuladas das pessoas alocadas em cadaposto de trabalho, ordenadas segundo o nível de escola-ridade. Repetiu-se o mesmo procedimento usando comocritério de ordenamento o rendimento mediano. O Isep é,então, calculado como média aritmética das duas medidasde posição relativas, daí porque ele representaria o statusmédio combinado de rendimento e escolaridade.

Como se poderia esperar, as ocupações de maior status– em qualquer dos três momentos – são as ocupações denível superior, cargos da Alta Administração Pública e empostos de direção. Refletindo a estreiteza do cume da pi-râmide social brasileira, essas ocupações apresentam Isepsacima de 90%. Na base do índice, com Isep inferior a 20%,estão as ocupações manuais, na Agropecuária, Extra-tivismo e Serviços Domésticos, isto é, ocupações de bai-xa escolaridade e rendimento. Valores intermediários deIsep correspondem às ocupações técnicas, de escritório,no comércio e semiqualificadas (Jannuzzi, 2001b).

Uma outra estratégia para construção de um índice destatus, que procura incorporar a “distância socioeco-nômica” entre as ocupações e não apenas a sua posiçãoordinal relativa, baseia-se na utilização de métodosmultivariados de “redução” de dados, empregada porScalon (1999) e por Ribeiro e Lago (2000) em gruposocupacionais já agregados anteriormente por outros cri-térios substantivos. Nessa metodologia, duas ocupaçõescom índices próximos devem apresentar níveis tambémpróximos de rendimento e escolaridade medianos. Umadiferença grande entre os índices computados para duasocupações, ao contrário, reflete um “distanciamento” sig-nificativo entre os níveis de rendimento e/ou escolarida-de das mesmas.

Do ponto de vista metodológico, a idéia básica nessametodologia é computar um índice a partir do escorefatorial da primeira componente principal, obtida atravésda aplicação da análise de componentes principais sobreas duas dimensões socioeconômicas anteriormenteexplicitadas – rendimento e escolaridade medianos. Comoessas dimensões são, em geral, altamente correlacionadas,a primeira componente principal tem capacidade de re-presentar a maior parte da variabilidade do conjunto dedados (em rendimento e escolaridade entre as ocupações),o que garante o emprego dos escores referentes a cadaocupação como uma medida sintética das duas variáveis.3

Como os escores podem variar em um intervalo amplo,

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com valores positivos e negativos, mediante uma trans-formação matemática simples, pode-se fazer correspondê-los a uma medida entre 0 e 1 (ou 0 a 100). Aplicando-se atécnica sobre as três bases de dados separadamente, to-mando-se os escores fatoriais sobre a primeira componenteprincipal (cujo poder explicativo da variabilidade foi de84%, 86% e 87%, para os Censos 80, 91 e as PNADs dosanos 90, respectivamente) e transformando-os para o in-tervalo de 0 a 1, obtiveram-se estimativas do Índice So-cioeconômico Distancial (Ised) para cada ocupação em1980, 1991 e 1996. Dado que o Ised apresenta forte cor-relação com o Isep (ainda que não linear), as posiçõesrelativas das diversas ocupações no espectro ocupacionalsão basicamente as descritas anteriormente.

AS CATEGORIAS SOCIOOCUPACIONAIS

Com base na ordenação das ocupações proporcio-nada pelos índices socioeconômicos obtidos para 1991,em indicadores de precarização dos postos de trabalhoconstruídos com base nas informações disponíveis nasPNADs dos anos 90, na tipologia de grupos ocupacio-

nais de Valle Silva (1992) organizados segundo diver-sos critérios substantivos (diferenças e similaridades dasocupações em relação ao caráter urbano/rural, manual/não-manual, aos setores de atividade – serviços, indús-trias modernas e tradicionais –, nível de qualificação –técnicos, profissionais de nível superior –, nível decontrole e autonomia – empregador, empregado e con-ta própria), na proposta metodológica de estratificaçãosocial segundo grupos ocupacionais de Goldthorpe(1992) e não perdendo de vista as restrições opera-cionais inerentes ao uso de uma pesquisa amostral comoa PNAD (de qualidade da informação captada sobreocupação e do erro amostral das estimativas) desenvol-veu-se uma escala socioeconômica de cinco categoriaspara as ocupações brasileiras.4

O primeiro grupo social da escala compreende os indi-víduos (e as famílias) na condição de grandes proprietá-rios e as pessoas ocupadas em postos de comando, de di-reção ou com especialização técnica superior. Reúne, por-tanto, as ocupações com rendimento e escolaridade maiselevados, isto é, de maior status (Isep médio de 96%) emenor grau de precarização. Tal estrato corresponderia

TABELA 1

Indicadores de Status Socioeconômico de Ocupações SelecionadasBrasil – 1991

Grupo Ocupacional Isep (1) Ised (2) Rendimento (3) Escolaridade (4) Total (5)

Administradores do comércio 90,5 0,22 682,02 11 294.033Agricultores 60,9 0,09 363,75 4 181.254Analistas de sistemas 98,9 0,43 1.818,73 15 58.705Auxiliar administrativo 76,5 0,18 318,28 11 1.377.931Comerciantes por conta própria 64 0,09 409,21 4 1.060.841Administradores do serviço público 94,2 0,26 818,43 12 148.973Engenheiros 99,6 0,51 2.273,41 16 142.739Mecânicos de veículos automotores 62,3 0,09 313,73 5 602.156Motoristas 67,8 0,1 418,31 4 1.692.672Porteiros 45,6 0,07 259,17 4 138.566Produtores agropecuários autônomos 19,2 0,03 136,4 2 3.454.966Professores de 1a a 4a série 79,9 0,18 345,56 11 193.872Professores de ensino superior 99,3 0,44 1.818,73 16 50.045Serventes 30,9 0,06 181,87 4 719.201Serventes de pedreiro 25,3 0,05 163,69 3 637.168Técnicos de agropecuária 88,4 0,19 463,78 11 31.203Torneiros mecânicos 75,9 0,14 454,68 7 136.277Trabalhadores na agropecuária 6,1 0,02 90,94 2 4.821.211Vendedores 58,7 0,12 227,34 8 1.766.367Vigias 43,8 0,07 250,08 4 439.336

Fonte: Jannuzzi (2001b).(1) Índice de status socioeconômico posicional.(2) Índice de status socieconômico distancial.(3) Rendimento mediano dos ocupados na ocupação descrita (em R$ de setembro de 1999).(4) Escolaridade mediana em anos de estudo dos ocupados na ocupação descrita.(5) Total de ocupados na ocupação descrita na população de 15 a 64 anos com 38 ou mais horas no trabalho principal.

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em alguma medida ao que Goldthorpe (1992) denominoude classes de colarinho branco na classificação socioocu-pacional da população inglesa, nas quais se enquadra-riam os indivíduos com maior poder de comando da ativi-dade produtiva, de delegação de autoridade ou aqueles comalto grau de conhecimento especializado. Na classifica-ção de ocupações adotada pelo IBGE são típicos repre-sentantes desse estrato social os indivíduos que exercemocupações como de Médico, Engenheiro, Professor Uni-versitário, Empresários, Gerentes e postos superiores naAdministração Pública (Juízes, Promotores, Delegados,Oficiais das Forças Armadas, etc.). Rendimento medianoacima de R$ 3.000, escolaridade de 16 anos ou mais, tempomédio de trabalho acima de 10 anos, baixo risco ao de-semprego, são atributos comuns das ocupações aqui en-quadradas.

O segundo estrato (Isep de 85%) reúne, em boa medi-da, o que Goldthorpe denomina de ‘pequena burguesia’,isto é, os pequenos proprietários, chefes e supervisores eempregados qualificados de escritório e técnicos de mé-dia especialização na indústria e serviços. Técnicos decontabilidade e administração, Mestre e Contramestresna indústria, Professores de ensino fundamental e mé-dio, Corretores de Imóveis, Inspetores de Polícia, Car-teiros, Comerciantes (proprietários) e Agricultores sãoalgumas das ocupações enquadradas neste grupo. Commenor poder de comando ou qualificação, tais ocupa-ções apresentam um rendimento médio bem menor, ain-da que em relação aos indicadores de escolaridade eprecariedade as diferenças não sejam tão expressivas.Comparem-se, por exemplo, os indicadores de duas

ocupações com relativa similaridade funcional como ade Professor Universitário (estrato socioocupacionalalto) e Professor de ensino médio (estrato médio-alto):o rendimento médio dos primeiros (Professor Univer-sitário) é cerca de R$ 2.120, duas vezes e meia maiorque os dos últimos (R$ 799); a escolaridade mediana éde 16 anos entre os professores de ensino superior contra15 anos dos professores de ensino médio; a proporçãode contribuintes à Previdência Pública é superior a 94%nos dois grupos; o risco ao desemprego é inferior a 3%para os dois grupos.

O terceiro estrato (Isep de 69%) reúne a maioria deocupações no Comércio, Serviços e postos qualificados daIndústria, ao que se poderia associar – ainda que remotamente– a ‘elite de colarinho azul’ referida pelo autor. Ocupaçõestípicas desse grupo são as de Torneiro Mecânico, Montadoresde Equipamentos Elétricos, Vendedores, Operadores de caixa,Comerciantes conta-própria, Professores de ensino pré-escolar, Motoristas, Inspetores de alunos, Auxiliares deenfermaria, Auxiliares administrativos e de escritório,Policiais e Praças das Forças Armadas. Os indicadores deprecarização ocupacional são significativamente piores:a rotatividade é muito elevada (46% dos ocupados estavamempregados há até 3 anos), um quarto dos ocupados aíenquadrados tem uma jornada superior a 48 horas semanaise o risco ao desemprego é maior.

O quarto grupo socioocupacional (Isep de 45%), maisheterogêneo, compreende os empregados em prestação deserviços de baixa qualificação nos serviços, construçãocivil e indústria tradicional – algo que talvez se poderiaassociar, com alguma boa vontade – à ‘classe operária’

QUADRO 1

Algumas Ocupações Típicas dos Estratos Socioocupacionais

Estrato Ocupações TípicasSocioocupacional

Alto Médico, Engenheiro, Professor Universitário, Empresários, Gerentes e postos superiores na Administração Pública (Juízes, Promotores,Delegados, Oficiais das Forças Armadas, etc.)

Médio-alto Técnicos de contabilidade e administração, Mestre e Contramestres na indústria, Professores de ensino fundamental e médio, Corretores deImóveis, Inspetores de Polícia, Carteiros, Comerciantes (proprietários) e Agricultores

Médio Torneiro Mecânico, Montadores de Equipamentos Elétricos, Vendedores, Operadores de caixa, Comerciantes conta-própria, Professores deensino pré-escolar, Motoristas, Inspetores de alunos, Auxiliares de enfermaria, Auxiliares administrativos e de escritório, Policiais e Praças das ForçasArmadas

Médio-baixo Ocupações da indústria de alimentos, ocupações da indústria têxtil, Pedreiros, Pintores, Garçons, Vigias, Porteiros, Estivadores, Vendedoresambulantes

Baixo Trabalhadores rurais na condição de empregados ou autônomos (produtores meeiros ou parceiros), além das ocupações urbanas de baixo statuscomo de Serventes de Pedreiro, Lavadeiras, Empregados Domésticos e Lixeiros

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de Goldthorpe. Aqui estão reunidas as ocupações da In-dústria de Alimentos, da Indústria Têxtil, Pedreiros, Pin-tores, Garçons, Vigias, Porteiros, Estivadores. Alguns in-dicadores de precarização chegam a ser ainda piores queos do estrato anterior: menos da metade contribui para aPrevidência, metade tem sobrejornada e o risco ao desem-prego é mais elevado.

TABELA 3

Evolução dos Estratos Socioocupacionais da População OcupadaBrasil–1980–1996

Estrato Socioocupacional 1980 1991 1996

Total 100,0 100,0 100,0

Alto 4,5 5,5 5,9

Médio-alto 9,9 12,6 11,9

Médio 22,3 26,8 27,3

Médio-baixo 27,1 25,8 26,3

Baixo 36,2 29,3 28,6

Fonte: Jannuzzi (2001b).

TABELA 4

Estrutura Socioocupacional, por Unidades da FederaçãoBrasil – 1999

Estrato Socioocupacional DF RJ SP RS MG PE BA MA

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Alto 14,1 8,9 8,8 6,7 4,7 4,0 3,0 2,5Médio-alto 17,6 16,2 15,0 11,4 10,8 8,8 8,5 6,9Médio 29,0 32,0 31,7 23,4 22,2 23,0 16,7 14,4Médio-baixo 25,5 30,3 29,2 27,8 24,9 26,5 20,5 14,0Baixo 13,9 12,6 15,3 30,8 37,4 37,7 51,3 62,2

Fonte: PNAD.

TABELA 2

Indicadores Socioeconômicos dos Estratos SocioocupacionaisBrasil – 1991-1996

1991 1996

OcupadosOcupados com Jornada Fator

Estrato Isep Isep Ised Ised Contribuintes com até Semanal Relacionado Rendimento EscolaridadeSocioocupacional Média Desvio- Média Desvio- Previdência 3 Anos na Maior ao Risco de (R$ de (anos)

padrão padrão (%) Ocupação 48 horas Desemprego set. 2000)(%) (%)

Alto 95,7 3,9 0,34 0,11 79,8 27,0 18,1 3,4 1.386,47 13,2

Médio-alto 85,2 7,1 0,20 0,04 73,2 32,1 18,9 5,9 687,19 10,5

Médio 67,2 7,5 0,12 0,03 60,8 46,7 25,1 9,3 369,86 7,5

Médio-baixo 45,2 9,9 0,07 0,01 43,8 49,9 19,9 11,4 251,35 4,59

Baixo 14,8 7,5 0,03 0,01 12,2 38,5 22,0 9,7 121,13 2,48

Fonte: Jannuzzi (2001b).

O último grupo socioocupacional (Isep de 18%) reúne ostrabalhadores rurais na condição de empregados ou autôno-mos (produtores meeiros ou parceiros), além das ocupaçõesurbanas de baixo status como a de Serventes de Pedreiro,Lavadeiras, Empregadas Domésticas e Lixeiros. Compreen-de pois a parcela da mão-de-obra – empregada ou autônoma– de remuneração e escolaridade mais baixa, inserida empostos de trabalho de elevada precariedade.5 O caso dos Em-pregados Domésticos (código 807 na classificação do IBGE)é sintomático nesse sentido: pelos dados das PNADs dos anos90, o rendimento mediano era de R$ 136, somente um quar-to contribuía para Previdência Pública, 65% estavam no tra-balho atual há menos de três anos, quase um terço tinha jor-nada semanal superior a 48 horas, 22% apresentavam o riscode vir a se desempregar.

Dessas observações apreende-se que o poder discri-minatório dos níveis de rendimento e escolaridade na clas-sificação das ocupações vai decrescendo dos estratossocioocupacionais mais elevados em direção aos maisbaixos, crescendo, em contrapartida, a importância das

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medidas de precarização ocupacional como rotatividade,contribuição à Previdência, risco ao desemprego.

TENDÊNCIAS E DIFERENCIAIS REGIONAIS

Com base na classificação socioocupacional proposta,a estrutura social teria apresentado uma mudança signifi-cativa nos últimos 20 anos, com forte redução do gruposituado na base (como resultado da desruralização da mão-de-obra) e aumento dos segmentos médios. Aparentemen-te, as mudanças na estrutura socioocupacional foram maismarcantes na década de 80 que nos anos 90, como se podeverificar pela variação menos intensa entre 1991 e 1996.6

Esse é um resultado que aponta em sentido bastantediferente daqueles mostrados por alguns estudos de seg-mentação baseados nas escalas Abipeme e Anep (CritérioBrasil), construídas a partir da posse de bens de consumodurável. Estudos baseados nessas escalas mostram quehouve um aumento significativo das classes A e B nos anos90, o que estaria indicando uma mudança significativa daestrutura social brasileira no período. Contudo, essasmudanças refletem, na realidade, a massificação de cer-tos produtos, conseqüência, por sua vez, do barateamentorelativo dos produtos (em função da importação), de po-líticas mais flexíveis de acesso ao crédito para a popula-ção de baixa renda, além da recuperação do poder de com-pra entre 1992 e 1996. Assim, ao contrário do quepropalado, a estrutura social brasileira teria tido mudan-ças pouco significativas nos anos 90.

De uma perspectiva comparativa regional, as diferençasna estrutura social brasileira retratadas pela escala socio-ocupacional proposta mostram-se bastante expressivas. Ve-jam-se nesse sentido, as diferenças entre as estruturassocioocupacionais do Distrito Federal, Estado de São Pauloe do Estado do Rio de Janeiro em relação a outros Estados.As parcelas de mão-de-obra nos estratos médio-alto e altosão muito superiores às das demais áreas consideradas, comoera de se esperar pelo nível e padrão de consumo apuradospelas pesquisas de mercado e auditorias de estoque no país.No DF, por exemplo, mais de 30% da força de trabalho estáclassificada nos estratos socioocupacionais mais elevados,enquanto, no Maranhão, para citar outro caso, menos de 10%da mão-de-obra está aí inserida. Por outro lado, tais dadosmostram também as significativas diferenças da estruturasocioocupacional pelos Estados do Nordeste. O Estado dePernambuco, por exemplo, parece ter uma estruturasocioocupacional mais próxima de Minas Gerais do que ada Bahia.7

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como apontado por outros autores, a estratificação oua segmentação socioocupacional, isto é, a subdivisão dapopulação segundo grupos ocupacionais de statussocioeconômico diferenciado, é muito pouco empregadano país. Por um lado, isso decorre da facilidade operacionale relativo poder discriminatório das escalas baseadas naposse de bens de consumo durável, características que ten-dem a ser cada vez mais comprometidas com a mas-sificação da posse desses bens (e a necessidade de amplia-ção do número de itens e da identificação da marca emodelos, caso se queira continuar garantindo a validadedas escalas). Por outro, a baixa utilização da segmentaçãosocioocupacional nos estudos acadêmicos e aplicados noBrasil talvez decorra do desconhecimento de algumas daspropostas de escalas socioocupacionais existentes, comoas de Valle Silva (1992), Ribeiro e Lago (2000) e a apre-sentada neste texto.

Diferentemente das escalas baseadas na posse de bensde consumo, as escalas socioocupacionais derivam deconcepções teóricas de larga tradição na Pesquisa Social.Seja de uma perspectiva marxista, seja de uma perspecti-va weberiana, a ocupação é entendida como critério bási-co e estruturante da inserção social dos indivíduos na so-ciedade urbano-industrial. Além da superioridade teórica,as escalas socioocupacionais refletem empiricamente,como mostrado aqui, diferenciais socioeconômicos expres-sivos de rendimentos, escolaridade, qualidade e seguran-ça no posto de trabalho. Ainda que operacionalmente maiscomplexas, essas escalas são mais robustas às variaçõesconjunturais. Suas variações tendem a refletir mudançasde natureza estrutural e, por isto mesmo, mais lentas.

Tais características certamente fazem da classificaçãoproposta um instrumento preferível à renda familiar e aoscritérios de classificação socioeconômica existentes paraestudos que necessitem de categorias de estratificaçãosocial ou segmentação socioeconômica da população bra-sileira.

NOTAS

1. A metodologia empregada pelos autores é a proposta em estudo clás-sico de Nam e Powers na década de 60.

2. O uso da mediana justifica-se pela sua característica de menor sen-sibilidade a dados extremos como tipicamente ocorre com a coleta deinformações sobre rendimento. Seu emprego também como estimati-va da tendência central da escolaridade deve-se à necessidade de ga-rantir compatibilidade metodológica com a estimativa de rendimento

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e, sobretudo, consistência do cômputo da variável nas três bases dedados, já que a escolaridade foi codificada em um intervalo de 0 a 15anos de estudo, em que a categoria de 15 anos inclui todas as demaissuperiores. A seleção da faixa etária de 15 a 64 anos teve o objetivo deprivilegiar a parcela – majoritária – da população ocupada com inser-ção ocupacional mais claramente definida, seja de condição de ativi-dade e ocupação, seja de categoria ocupacional. A consideração dosocupados com 40 ou mais horas teve o objetivo de compatibilizar aduração da jornada sobre a qual se referia a remuneração.3. Se as duas variáveis não fossem altamente correlacionadas não se-ria possível usar apenas a primeira componente como um indicadorsíntese das mesmas. Neste caso, a técnica recomendada seria a análisede aglomerados com o objetivo de obter não um índice, mas criar umatipologia ou classificação.4. A codificação da escala socioocupacional para cada ocupação é apre-sentada na primeira coluna da tabela do anexo em Jannuzzi (2001b).5. O risco ao desemprego e à rotatividade do conjunto de ocupações aíinserido só não é maior certamente pelas características da mobilida-de ocupacional dos trabalhadores rurais.6. Essa assertiva parece válida mesmo levando em conta que o inter-valo de tempo considerado nos anos 90 é menor.7. Em termos mercadológicos, esses resultados sugerem a necessidadede uma nova subsegmentação geográfica na região, mais desagregadaque a usualmente adotada pelo Ibope e Nielsen em suas pesquisas.

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PAULO DE MARTINO JANNUZZI: Professor do Mestrado em EstudosPopulacionais e Pesquisas Sociais da Ence/IBGE ([email protected]).

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