pós em educação de jovens e adultos

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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU MÓDULO ESPECÍFICO EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

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APOSTILA COMPLETA PRIMEIRO MÓDULO EM POS GRADUAÇÃO EJA

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Docto de trabalho BB GNF

2FABRA FACULDADE BRASILEIRA

PS-GRADUAO LATO SENSUMDULO ESPECFICO

EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS

SERRA ES

PS-GRADUAO

Estimados (as) Alunos (as)!

Este material didtico pedaggico tem por objetivo auxili-lo em suas atividades acadmicas. Nele, constam todas as disciplinas do Mdulo Especfico do seu curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Educao de Jovens e Adultos (EJA). Sendo este, um forte instrumento para a sua trajetria acadmica.A EJA vem crescendo em importncia, no Brasil, devido ao contingente representativo da populao que frequenta as classes da EJA ou procura outros caminhos para obter ou dar continuidade a sua formao, principalmente na esfera da formao profissional. Contudo, existe uma carncia de profissionais nessa rea de conhecimento, tanto que h um grande nmero de professores que atuam sem formao inicial para modalidade de EJA, a qual necessita ser suprida na rea do Magistrio Superior.

Sabendo disso, o Grupo FABRA apresenta o curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Alfabetizao e Letramento da FABRA visando qualificar docentes para atuarem nessa modalidade educacional, bem como formar novos profissionais para esta rea especfica de conhecimento, oferecendo subsdios s prticas pedaggicas dos profissionais que atuam e que venham atuar na EJA. Por outro lado, atentando-se para a globalizao e as grandes transformaes no campo das tecnologias da informao e da comunicao a FABRA remete seus objetivos para atender a uma nova organizao da sociedade. Isso traz desafios e exigncias de uma nova concepo de educao e de processo de desenvolvimento profissional, uma vez, que o mercado busca um profissional com formao polivalente, interdisciplinar e sistmica. Neste sentido, o Grupo FABRA busca atender novos mercados atravs dos seus Cursos de Ps-Graduao Lato Sensu.

Bons estudos!A DireoSUMRIO

FUNDAMENTOS HISTRICOS E CONCEITUAIS DA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS04EDUCAO PROFISSIONAL INTEGRADA A EDUCAO BSICA NA MODALIDADE EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS: FORMAO BSICA E DESENVOLVIMENTO INTEGRAL71PROCESSOS DE AQUISIO DA LEITURA E DA ESCRITA EM EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS161TEORIAS DA EDUCAO E FORMAO DE EDUCADORES NA MODALIDADE EJA244PS-GRADUAO LATO SENSUFUNDAMENTOS HISTRICOS E CONCEITUAIS DA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS

SERRA ES

1 EMENTA

Histrico da Educao de Jovens e Adultos no Brasil; A Poltica de Educao Popular e de Jovens e Adultos; Formao scio-poltica do aluno jovem e adulto; Historicidade e contextualizao da Educao de Jovens e Adultos no Brasil; As Polticas Pblicas em seus aspectos legais, sociais, culturais e educativos, na perspectiva da identidade da EJA.

2 OBJETIVOS

Conhecer e analisar as teorias educacionais que fundamentam tericos que embasam o processo ensino-aprendizagem de jovens e adultos; Refletir sobre o contexto histrico, poltico, cultural e social da Educao de Jovens e Adultos no Brasil.

3 contedo programticoUnidade I Histrico da educao de jovens e adultos no brasil E A PEDAGOGIA DE PAULO FREIREUnidade II o contexto da educao de jovens e adultos no brasIl: aspectos legais, SOCIAIS, CULTURAIS E EDUCATIVOS

4 METODOLOGIA DE ENSINO

A proposta metodolgica constar de exposio dialogada, debates sobre temas/textos/livros/filmes/msicas, anlise e interpretao de textos, exerccios tericos/prticos referentes ao contedo trabalhado, individual e/ou em grupo, ET.5 CRITRIOS DE AVALIAO

Sero considerados os seguintes critrios avaliativos: argumentao, coerncia, originalidade, objetividade com vistas ao atendimento dos objetivos propostos no Plano de Ensino. Para isso sero utilizados os seguintes instrumentos avaliativos: produo escrita/oral em sala de aula, pesquisa/apresentao de seminrios, etc.Unidade I Histrico da educao de jovens e adultos no brasil e A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE

TEXTO 01 UM POUCO DA HISTRIA DA ALFABETIZAO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

A difuso da alfabetizao no Brasil ocorreu apenas no transcorrer do sculo XX, acompanhando a constituio tardia do sistema pblico de ensino. At fins do sculo XIX, as oportunidades de escolarizao eram muito restritas, acessveis quase que somente s elites proprietrias e aos homens livres das vilas e cidades, minoria da populao. O primeiro recenseamento nacional brasileiro foi realizado durante o Imprio, em 1872, e constatou que 82,3% das pessoas com mais de cinco anos de idade eram analfabetas. Essa mesma proporo de analfabetos foi encontrada pelo censo realizado em 1890, aps a Proclamao Da Repblica. No incio do perodo republicano, a alfabetizao e a instruo elementar do povo ocuparam lugar de destaque nos discursos de polticos e intelectuais, que qualificavam o analfabetismo como vergonha nacional e creditavam alfabetizao o poder da elevao moral e intelectual do pas e de regenerao da massa dos pobres brancos e negros libertos, a iluminao do povo e o disciplinamento das camadas populares, consideradas incultas e incivilizadas. Pouco, porm, foi realizado nesse perodo no sentido de desencadear aes educativas que se estendessem a uma ampla faixa da populao. Devido s escassas oportunidades de acesso escolarizao na infncia ou na vida adulta, at 1950 mais da metade da populao brasileira era analfabeta, o que a mantinha excluda da vida poltica, pois o voto lhe era vedado.

As primeiras polticas pblicas nacionais destinadas instruo dos jovens e adultos foram implementadas a partir de 1947, quando se estruturou o Servio de Educao de Adultos do Ministrio da Educao e teve incio a Campanha de Educao de Adolescentes e Adultos (CEAA).

Assistiram-se no perodo a duas outras campanhas que obtiveram poucos resultados efetivos: a Campanha Nacional de Educao Rural, em 1952, e a Campanha Nacional de Erradicao do Analfabetismo, em 1958. No final dos anos 50, inmeras crticas foram dirigidas s campanhas, devido ao carter superficial do aprendizado que se efetivava num curto perodo de tempo e a inadequao dos programas, modelos e materiais pedaggicos, que no consideravam as especificidades do adulto e a diversidade regional.

No incio dos anos de 1960, a alfabetizao de adultos comps as estratgias de ampliao das bases eleitorais e de sustentao poltica das reformas que o governo pretendia realizar. A efervescncia poltico-social do perodo comps o cenrio propcio experimentao de novas prticas de alfabetizao e animao sociocultural desenvolvidas pelos movimentos de educao e cultura popular, que em sua maioria adotaram a filosofia e o mtodo de alfabetizao proposto por Paulo Freire.

Exemplos de programas empreendidos por intelectuais, estudantes e catlicos engajados na ao poltica foram: o Movimento de Educao de Base, da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil, estabelecido em 1961, com o patrocnio do governo federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife, a partir de 1961; a Campanha de P no Cho Tambm se Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Educao de Natal; e os Centros Populares de Cultura, rgos culturais da Unio Nacional dos Estudantes (UNE). O golpe militar de 1964 interrompeu os preparativos para o incio das aes do Plano Nacional de Alfabetizao que o educador pernambucano coordenava a convite do governo, e a represso que se abateu sobre os movimentos de educao popular acabou levando Freire ao exlio, onde escreveu as primeiras obras que o tornariam conhecido em todo o mundo.

Durante a ditadura militar, a educao de jovens e adultos, promovida pelo governo, colaborou na manuteno da coeso social e na legitimao do regime autoritrio, nutrindo o mito de uma sociedade democrtica em um regime de exceo. A escolarizao de jovens e adultos ganhou a feio de ensino supletivo, institudo pela reforma do ensino de 1971, mesmo ano em que teve incio a campanha denominada Movimento Brasileiro de Alfabetizao, que ficou conhecida pela sigla Mobral. Com um funcionamento muito centralizado, o Mobral espraiou-se por todo o pas, mas no cumpriu sua promessa de erradicar o analfabetismo. Durante aquela dcada e, em 1985, na transio democracia, acabou sendo extinto e substitudo pela Fundao Educar.

A iniciativa de maior repercusso derivada do Mobral foi o Programa de Educao Integrada (PEI) , que condensava o antigo curso primrio e criava a possibilidade de continuidade de estudos para os recm-alfabetizados e demais pessoas que dominavam precariamente a leitura e a escrita. O ensino supletivo, por sua vez, foi implantado com recursos escassos e sem uma adequada formao de professores; abriu um canal de democratizao de oportunidades educacionais para os jovens e adultos excludos do ensino regular, mas ficou estigmatizado como educao de baixa qualidade e caminho facilitado de acesso a credenciais escolares.

No mesmo perodo, um movimento subterrneo de rearticulao da sociedade civil e resistncia ao regime militar organizou-se fora do controle governamental. Comunidades eclesiais de base, associaes de moradores, organizaes de trabalhadores urbanos e rurais e outros agrupamentos orientados por valores de justia e equidade, e engajados na reconstruo da democracia, desenvolveram aes educativas que incluam a alfabetizao de jovens e adultos. As prticas educativas desses agentes se inscreveram na corrente que ficou conhecida como educao popular, filiada s concepes freireanas. A riqueza do legado construdo nessa poca influenciou, na transio para a democracia, tanto a ampliao de direitos sociais e polticos como o desenho de programas de alfabetizao desenvolvidos em parceria entre governos e organismos civis.

Atendendo aos reclamos da sociedade, a Constituio de 1988 restituiu o direito de voto aos analfabetos, em carter facultativo; concedeu aos jovens e adultos o direito ao ensino fundamental pblico e gratuito; e comprometeu os governos com a superao do analfabetismo e a proviso do ensino elementar para todos.

As expectativas geradas pelo marco jurdico construdo na transio democrtica foram nutridas, tambm, pelos compromissos assumidos pelo pas no mbito internacional. Entre eles destaca-se a participao brasileira na Conferncia Mundial de Educao para Todos (Jomtien, Tailndia, 1990), em que numerosos pases e organismos internacionais estabeleceram uma iniciativa para satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem de crianas, jovens e adultos, a comear pela alfabetizao, concebida como instrumento especialmente eficaz para a aprendizagem, para o acesso e a elaborao da informao, para a criao de novos conhecimentos e para a participao cultural.

Na dcada de 1990, o sistema das Naes Unidas realizou uma srie de conferncias relativas a temas sociais. A primeira delas foi a Conferncia Mundial de Educao Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, Tailndia, que reuniu 155 governos e aprovou a Declarao Mundial sobre Educao para Todos e o Plano de Ao para Satisfazer as Necessidades Bsicas de Aprendizagem. Nos dez anos seguintes, um comit de organismos da ONU, liderados pela UNESCO, concentrou a ajuda internacional em nove pases populosos com ndices elevados de analfabetismo, rol em que o Brasil aparece ao lado de Bangladesh, China, Egito, ndia, Indonsia, Mxico, Nigria e Paquisto. Admitindo que as metas de Educao para Todos no haviam sido alcanadas, a avaliao realizada em 2000 no Frum Mundial de Educao realizado em Dacar , no Senegal, postergou para 2015 a consecuo dos seis objetivos prioritrios, entre os quais a reduo, metade, dos ndices de analfabetismo, com igualdade de oportunidades para as mulheres e acesso equitativo de todos os adultos educao bsica e continuada.

As polticas educacionais dos anos de 1990 no corresponderam s expectativas geradas pela nova Constituio. Frente reforma do Estado e s restries ao gasto pblico impostas pelo ajuste da economia nacional s orientaes neoliberais, as polticas pblicas da dcada de 1990 priorizaram a universalizao do acesso das crianas

e adolescentes ao ensino fundamental. Outros nveis e modalidades de ensino, entre os quais a educao de jovens e adultos, foram relegadas a um plano secundrio na agenda das polticas educativas. Nesse processo, a Fundao Educar foi extinta em 1990 e a atribuio da alfabetizao dos jovens e adultos foi descentralizada para os municpios ou delegada s organizaes sociais, que frequentemente atuaram em parceria, em programas como Alfabetizao Solidria ou Movimentos de Alfabetizao (MOVAS).

No incio do terceiro milnio, a alfabetizao de jovens e adultos adquiriu nova posio na agenda das polticas nacionais, com o lanamento, em 2003, do Programa Brasil Alfabetizado e a progressiva incluso da modalidade no Fundo de Financiamento da Educao Bsica (FUNDEB), a partir de 2007.

Em um pas continental, com grandes desigualdades socioeconmicas e territoriais, a colaborao da Unio imprescindvel para suprir os estados e municpios com menores recursos (onde os desafios da alfabetizao so maiores) dos meios financeiros e apoio tcnico-pedaggico necessrios ao desenvolvimento das aes de alfabetizao e educao bsica. Cabe ao governo federal, por determinao legal, coordenar as polticas em mbito nacional, mas programas centralizados e uniformes resultam inapropriados e pouco flexveis para responder diversidade territorial, poltico-econmica e sociocultural do pas. H, pois, necessidade da participao das instncias estaduais e municipais na definio dos contedos de aprendizagem e delineamento das estratgias de implementao dos programas.

Outra lio relaciona-se s caractersticas dos programas de alfabetizao e escolarizao. As experincias nacionais e internacionais de mais de meio sculo demonstram que campanhas que apelam urgncia da alfabetizao em massa podem, em um primeiro momento, sensibilizar a sociedade e mobilizar a demanda dos jovens e adultos, mas salvo raras excees, no produzem resultados efetivos e duradouros. Sabemos que a aquisio da leitura, escrita e do clculo requer um perodo no muito breve de aprendizagem, e sua consolidao demanda a existncia de oportunidades de continuidade de estudos e de um entorno sociocultural estimulante ao uso cotidiano das habilidades recm-adquiridas. Hoje, temos cincia de quo difcil motivar o ingresso e permanncia em processos de aprendizagem de pessoas que vivem mltiplos processos de marginalizao socioeconmica e cultural, o que resulta nos altos ndices de abandono dos programas educativos dirigidos aos jovens e adultos. Por isso, as iniciativas de alfabetizao tm maiores chances de xito quando se articulam a outras polticas de incluso socioeconmica e desenvolvimento local, abrindo oportunidades de elevao de escolaridade, qualificao profissional, fruio cultural e participao cidad.2 UM DESAFIO DE MILHES

Os desafios da alfabetizao e educao elementar dos jovens e adultos no Brasil ainda so imensos: em 2006 mais de 65 milhes de jovens e adultos brasileiros tinham escolaridade inferior ao ensino fundamental, e o pas possua, ainda, 14,3 milhes de analfabetos absolutos, a maior parte dos quais pertencentes aos grupos com idades mais avanadas.

Refletindo as desigualdades socioeconmicas e territoriais, as taxas de analfabetismo continuam a ser bem mais elevadas nas zonas rurais do que nas reas urbanas, nas regies Nordeste e Norte do que no centro-sul do pas, e afetam principalmente as populaes mais pobres e os afro-descendentes.

Assim, o Brasil continua a ser o pas latino-americano que possui o maior contingente de analfabetos da regio, apresentando taxas de analfabetismo bem mais elevadas que pases com perfil educacional ou nvel de desenvolvimento econmico similares.

TEXTO 02 DIREITO EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS: CONCEPES E SENTIDOSJane Paiva A questo do direito envolve, inelutavelmente, a condio democrtica, valor assumido pelas sociedades contemporneas em processos histricos de luta e conquista da igualdade entre os seres humanos. No campo da educao, o direito e o exerccio democrtico tm sido permanentes temas em disputa. Especificamente na Educao de Jovens e Adultos (EJA), a histria no s registra os movimentos de negao e de excluso que atingem esses sujeitos, mas se produz a partir de um direito conspurcado muito antes, durante a infncia, esta negada como tempo escolar e como tempo de ser criana a milhes de brasileiros.

Essa constatao foi matriz terica da pesquisa que empreendi, na inteno de compreender, ao longo de pouco mais de meio sculo, desde o ps-guerra, concepes e sentidos que conformam a educao de jovens e adultos na contemporaneidade, produzidos no interior dos pases, nas tenses sociais em tentativas de reafirmao de direitos de maiorias vistas, na sociedade desigual, como minorias. A inteno exigiu um mergulho na histria nacional memria e prticas e nos acordos internacionais, traduzindo a educao, de direito social a direito humano em 1948, estendido a toda pessoa, nos termos da Declarao. No mbito deste texto, o recorte procura sintetizar uma produo muito mais ampla, focando a discusso em parte da complexidade que constituiu o trabalho de pesquisa.

Uma compreenso do que significa esse direito encontra-se em Bobbio (1992, p. 4) sustentando que no plano histrico a afirmao dos direitos do homem deriva de uma radical inverso de perspectiva, caracterstica da formao do Estado moderno, na representao da relao poltica, ou seja, na relao Estado/cidado ou soberano/sditos [...]. O autor vai mais longe, apontando:[...] que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, so direitos histricos, ou seja, nascidos em certas circunstncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, no todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 1992, p. 5).

Observaes empricas tambm mostram que pais de pequena ou nenhuma escolaridade reivindicam primeiro para seus filhos, a condio de direito educao, diversa da deles prprios, e poucas vezes se incluem como credores desse direito. Quando a perspectiva de direitos constitui demanda, novas relaes se estabelecem com o poder pblico e o exerccio da democracia praticado nas negociaes em defesa de novos direitos, com concepes e expectativas por parte dos poderes tensionados e dos movimentos.

Porque a EJA exige a perspectiva de incluso em sociedades democrticas, que passa a se dar pela conquista de direitos, tomei como matrizes conceituais direito e democracia, admitindo que so conceitos fundantes para ampliar a compreenso do campo, na contemporaneidade. Admitindo que impossvel pensar o direito sem pensar democracia, tratei os conceitos pelas imbricaes estabelecidas entre eles nesse campo, restringindo-me ao movimento de buscar razes histricas do que se consagrou como direito educao, categoria de direitos de segunda gerao.

A prtica social tem (re) significado o campo de atuao da EJA, exigindo outras formulaes para compreender e apreender os sentidos do direito a essa educao, no mbito da cultura de suas populaes. Sentidos e concepes formularam-se em funo da oposio ter ou no ter direito, e quando se optou pelo direito, concepes formais deram conta de delimitar e restringir a abrangncia e magnitude.

Brando (1984) revela a profuso de nomes, no inocentes, que trazem imbricados sentidos e significados de marcas ideolgicas, orientadoras dos caminhos e das escolhas dos projetos educativos/educacionais. Compartilho a mesma preocupao, percebida em momentos de formao continuada de professores, o que me levou a explicitar uma concepo provisria sobre Educao de Jovens e Adultos que ponho prova, ao longo do estudo, questionando-a e com ela dialogando a exausto, para favorecer a compreenso de inevitveis mudanas de concepo, guiada pela perspectiva do direito. Tento explicit-la, resgatando um percurso de vida e de estudos.

Professores quase sempre formados para lidar com crianas acabam caindo, no mbito dos sistemas, em classes de jovens e adultos com pouco ou nenhum apoio ao que devem realizar. Tambm educadores populares, plenos de verdades sob o prestgio da educao popular, descrevem concepes pautadas em um tempo, em uma realidade social cujo movimento se altera, necessariamente, por ser histrico, sem que as enunciaes o acompanhassem. Observo, ainda, um nvel de discurso muitas vezes revelador de novas enunciaes, mas em franco descompasso com as prticas, eivadas de escolarismo, praticadas sem muito saber por que faz-las, defendendo rituais e procedimentos distantes de princpios caros educao que se pensa como direito, como possibilidade de exercitar a igualdade entre sujeitos diferentes, democraticamente.

Pouco consigo reconhecer dos discursos de ambos nas prticas que realizam. Tanto professores de redes pblicas, quanto educadores populares, uns e outros com diferenciados paradigmas, quase sem exceo denotam discursos e prticas que mais se afastam, do que se aproximam, dimensionando o muito a fazer, diante do tempo-espao possvel, com vista a alterar, de fato, as relaes entre sujeitos aprendizes, entre eles e a sociedade, entre eles e seu estar no mundo.

Da viso ainda muito corrente de que a educao de jovens e adultos se faz para recuperar o tempo perdido daqueles que no aprenderam a ler e a escrever; passando pelo resgate da dvida social; at chegar concepo de direito educao para todos e do aprender por toda a vida, as enunciaes variaram, deixando, no imaginrio social, a sua marca mais forte, ligada volta escola, para fazer, no tempo presente, o que no foi feito no tempo da infncia.

Fruto de prticas realizadas nos espaos que educam nas sociedades, novos sentidos se produzem em escolas, mas tambm em movimentos sociais, no trabalho, nas vivncias cotidianas. Para alm da alfabetizao, o sentido cada vez se afastou mais, nas polticas pblicas, das conquistas e reconhecimento do valor da educao como base ao desenvolvimento humano, social e solidrio.

Mais do que alfabetizao, o direito constitucional de ensino fundamental para todos sintetizou o mnimo a que se chegara o de aprender a ler e a escrever com autonomia. Isto significa ter domnio suficiente para, em processo de aprendizado continuado, manter-se em condies de acompanhar a velocidade e a complexidade do mundo contemporneo, que exige aprender continuadamente, por toda a vida, ante os avanos do conhecimento e a permanente criao de cdigos, linguagens, smbolos e de sua recriao diria.

Exige no s o domnio da linguagem escrita, mas tambm competncia como leitor e escritor de seu prprio texto, de sua histria, de sua passagem pelo mundo. Exige reinventar os modos de sobreviver, transformando o mundo. Ps-Hamburgo (1997), duas importantes vertentes consolidaram a educao de jovens e adultos: a primeira, a da escolarizao, assegurando o direito educao bsica a todos, independente da idade, e considerando a educao como direito humano fundamental; a segunda, a da educao continuada, como exigncia do aprender por toda a vida, independente da educao formal e do nvel de escolaridade, o que inclui aes educativas de gnero, de etnia, de profissionalizao, questes ambientais etc., assim como a formao continuada de educadores, estes tambm jovens e adultos em processos de aprendizagem.

A segunda vertente, verdadeiro sentido da EJA, ressignifica processos de aprendizagem pelos quais os sujeitos se produzem e se humanizam, ao longo de toda a vida, e no se restringe questo da escolarizao, ou da alfabetizao. Mas no so as concepes e, sim, especialmente as prticas, que vm definindo a EJA, na vertente da escolarizao. Por muito tempo, e at hoje, continuam compreendidas no mbito do atendimento aos que no sabem ler e escrever, privados da rede de conhecimentos que se produz, se organiza, se dissemina, se socializa por meio da escrita, sem que o acmulo de experincias se associe a sucesso, na luta contra o analfabetismo.

Concepes de alfabetizao so desafios, ainda, a enfrentar, pela forma como educadores se formaram, crendo que, porque ensinam, os sujeitos aprendem. Quando estes no aprendem, a culpa atribuda aos prprios sujeitos, no cabendo responsabilidade aos professores. Saberes e conhecimentos produzidos fora da escola tm pouca chance de serem considerados, sistematicamente negados em situao de aprendizado da leitura e da escrita. A primeira pergunta-guia da pesquisa, ento, pde ser assim resumida: que concepes de alfabetizao e de escolarizao fundamentam as propostas curriculares na EJA e como contribuem para atualizar as concepes prprias do campo?Outras concepes, como a de educao permanente (1970), voltam cena nos ltimos anos, reconceitualizadas, face necessidade de pensar desenvolvimento e educao, cidadania e produo da existncia pelo trabalho, conhecimento e cultura, diversidade e unidade. Da recuperao de tempo perdido chega-se concepo de direito, englobando o saber ler e escrever como condio de busca de igualdade, s concepes de promoo de cidadania, pela tomada de conscincia de direitos de vrias sortes. Mesmo integrando a concepo provisria que assumi sobre EJA, o escopo desta pesquisa no tratou dessas concepes, cabendo-me investigar, entretanto, com que perspectivas terico-metodolgicas os saberes da prtica social passam a constituir as redes de conhecimento em projetos de educao que visam ao direito de todos educao, e que implicao tm no repensar os sentidos contemporneos da EJA. procura de novos achados entre as concepes de EJA, compus um corpus em que os movimentos da sociedade revelaram-se pelas prticas dos ltimos anos, alterando os sentidos originalmente atribudos, quando formulados e retratados em documentos e em aparatos jurdicos. Contrapondo formulaes do cotidiano a textos legais, nacionais e internacionais, experimentei compreender a EJA a partir de carecimento e necessidade social, essencialmente produzidos na histria, que constituem o que se reconhece como direito, frequentemente negado e em poucos momentos reconhecido para todos os cidados.

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TEXTO 03 PAULO FREIRE E A ALFABETIZAO DE JOVENS E ADULTOS

Inez Helena Muniz Garcia (Uff)

Paulo FreireRESUMOO trabalho inserese no eixo temtico Educao de Jovens e Adultos e tem por objetivo apresentar, numa breve reflexo, as origens da prxis polticopedaggica de Paulo Freire que influenciaram a concepo do seu Mtodo de Alfabetizao de Adultos e da assuno da educao como prtica da liberdade. Destaca, tambm, a influncia marcante e contribuies da pedagogia freireana nos processos de alfabetizao de jovens e adultos at os dias atuais. Mostra a adeso do Programa de Alfabetizao de Jovens e Adultos do Banco do Brasil, BB Educar, s concepes Paulo Freireanas e a adoo de seu Mtodo e de sua pedagogia como um dos pilares desse Programa, que vem formando educadoras e educadores, em todo o Brasil, desde 1992. Discute a proposta de alfabetizao de adultos de Freire, no que tange ao aprendizado da escrita, a partir dos temas geradores e palavras geradoras. Pretendese contribuir para que os (as) alfabetizandos (as) se sintam sujeitos no processo de aprendizagem da escrita ao optarem por aquilo que desejam aprender a escrever e para que tenham autonomia de elaborar hipteses sobre o funcionamento do sistema de escrita. A convico de que Paulo Freire foi um de nossos educadores mais importantes, que com coerncia norteou sua vida e sua obra em favor dos oprimidos, marginalizados, miserveis, espoliados, sem voz e sem vez, inerente construo desse texto.

Palavras-chave: Mtodo Paulo Freire; Alfabetizao de Jovens e Adultos; Escrita.1 INTRODUOMeu interesse fundamental pelo inacabamento do Ser Humano um dos traos marcantes que caracterizam minha formao acadmica, meus anos de experincia profissional como educadora e bancria, assim como minha prpria trajetria de vida. Surge da meu envolvimento, desde 1993, com a alfabetizao de pessoas jovens e adultas e um dilogo constante com a obra de Freire, uma vez que esse educador afirma que na medida em que somos capazes de nos perceber como inconclusos, limitados, condicionados, histricos, "[...], inventamos a possibilidade de nos libertar. Percebendo, sobretudo, tambm, que a pura percepo da inconcluso [...] no basta. preciso juntar a ela a luta poltica pela transformao do mundo" (FREIRE, 1994, p. 100).

Nos anos de 1980, por questes profissionais, mudei-me do interior do estado do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Norte, onde vivi por quatro anos num municpio que fazia parte da Diocese de Mossor. Engajei-me na ao evangelizadora pastoral, que tinha uma tnica poltico-social significativa, congregando: o Movimento de Educao de Base (MEB), a Comisso de Pastoral da Terra (CPT), a Comisso de Justia e Paz e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que buscavam fortalecer a vida comunitria, valorizando os saberes populares. A Diocese de Mossor recebia fortes influncias vindas de Recife, terra de Freire, que foi palco de diversos movimentos de cultura popular, onde a arquidiocese esteve muitos anos sob o pastoreio de D. Hlder Cmara uma figura emblemtica no Conclio Vaticano II, conferncia que renovou o catolicismo e possibilitou uma maior participao de leigos (as) e religiosos (as) na Igreja, povo de Deus.

Ao ler De Kadt (2007), que fez um estudo sobre o MEB, de 1961 a 1966, pude compreender a fora da influncia pernambucana em um contexto em que a Conferncia de Puebla, reeditou [1] nos catlicos latino-americanos o compromisso com as lutas populares e com a transformao da sociedade. Aes marcantes na dcada de 1960.

2 O MTODO PAULO FREIRE, A ALFABETIZAO DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS E O BB EDUCARA cincia pode classificar e nomear os rgos de um sabi, mas no pode medir seus encantos. A cincia no pode calcular quantos cavalos de fora existem nos encantos de um sabi. Quem acumula muita informao perde o condo de adivinhar: divinare.Os sabis divinam.

(Manoel de Barros, Livro sobre nada).1 O CONTEXTO HISTRICO

Embora extensa, considero importante a citao a seguir, que evidencia influncias das condies histricas nas experincias vividas por Freire, em sua viso pedaggica. Segundo De Kadt (2007, p. 129, grifo nosso): Para todos que participaram de um ou de outro movimento progressista de inspirao crist, a ao era da maior importncia. Seus militantes se reuniam e debatiam sobre os males gerais do capitalismo ou sobre a perversidade do imperialismo. Os marxistas reconhecem a "unidade de teoria e prtica"; os progressistas catlicos compartilhavam esse princpio, no apenas como resultado das razes comuns de suas respectivas filosofias na dialtica hegeliana, mas tambm como resultado da preocupao com "engajamento" no pensamento existencialista. O princpio tinha vrios corolrios importantes, alm da idia psicologicamente fundamentada de que a conscientizao no seria possvel a no ser que fosse acompanhada do uso prtico do conhecimento recentemente adquirido (a conquista de resultados sociopolticos prticos). Mas, mesmo em circunstncias pr-revolucionrias, este processo era lento. Somente em algumas reas, especialmente em Pernambuco, essa experincia avanou a ponto de conduzir a resultados permanentes de conscientizao, antes que o golpe pusesse fim a quase todas as prticas progressistas. Conforme Saviani (2007, 315), na primeira metade dos anos de 1960 "[...], a educao passa a ser vista como instrumento de conscientizao". A partir da, a expresso "educao popular" assume o sentido de uma "educao do povo, pelo povo e para o povo". E segue afirmando: O clima favorvel a essa mobilizao e a essa metamorfose conceitual foi propiciado pelas discusses e anlises da realidade brasileira efetuadas no mbito do ISEB e do CBPE, pelas reflexes desenvolvidas por pensadores cristos e marxistas no ps-guerra europeu; e pelas mudanas que o esprito do Conclio Vaticano II tendia a introduzir na doutrina social da Igreja. As principais iniciativas que medraram nesse clima foram os Centros Populares de Cultura (CPCs), os Movimentos de Cultura Popular (MCPs) e o MEB [...] Os MCPs tiveram origem no MCP criado em maio de 1960 junto prefeitura de Recife [...] o MCP de Pernambuco, cuja experincia serviu de base s idias desenvolvidas por Paulo Freire [...] (SAVIANI, 2007, p. 315-316). Concordo, pois, com Saviani (2007), que a concepo Paulo Freireana foi a expresso mais acabada da orientao que esses movimentos seguiram e que teve maior repercusso no Brasil e no exterior. Como bem afirma Paulo Freire, que como todo intelectual traz as marcas do seu tempo e de sua histria em sua produo, esta concepo no esteve descolada da realidade. Freire (1977, apud OLIVEIRA, 1988, p. 34) afirma:

A compreenso crtica de minha prtica no Brasil, at maro de 1964, por exemplo, exige a compreenso daquele contexto. Minha prtica, enquanto social, no me pertencia. Da que no seja possvel entender a prtica que tive, em toda a sua extenso, sem a inteligncia do clima histrico em que se deu. Embora tenha ouvido falar de Freire e de uma pedagogia libertadora em meados dos anos de 1980, somente no ano de 1991 me aproximei, concretamente, de suas obras, quando me candidatei vaga de alfabetizadora voluntria no Programa de Alfabetizao de Jovens e Adultos do Banco do Brasil, junto empresa em que trabalhava. Contudo, somente em 1993, em So Paulo, fiz o curso de formao de alfabetizadores (as) do BB Educar. Inicialmente desenvolvido pela Pontifcia Universidade de So Paulo e o Ncleo de Trabalhos Comunitrios, o Programa contou com a assistncia, at 1997 de Freire, que afirmava: "[...]. Hoje, eu tenho uma certa autoridade como educador em dizer, em fazer discurso em beira de estrada que esse um programa pelo qual vale a pena lutar, pelo qual vale a pena brigar". Ao participar do curso e tomar conhecimento do Mtodo Paulo Freire de Alfabetizao de Adultos comecei a me dar conta de que nosso trabalho pastoral

seguia aquela mesma metodologia. Livros e todo material didtico utilizado no curso me deixavam extasiada, sentia-me em terreno conhecido. Particularmente neste texto tenho o objetivo de refletir sobre os processos de alfabetizao de pessoas jovens e adultas no Brasil, a partir do Mtodo Paulo Freire, no que tange ao aprendizado da escrita.

2 OS CAMINHOS DA EJA NO BRASIL DE HOJESegundo Haddad (2002), falta, ainda, um balano geral da influncia da matriz freireana na EJA. Entretanto, esse mesmo autor afirma:

No que concerne s concepes de EJA, o pensamento freireano continua a ser referncia a partir da qual os pesquisadores aderem, tecem crticas ou incorporam novos aportes (seja Celestin Freinet, Emlia Ferreiro, Lev Vygotsky ou Luria). A matriz da alfabetizao conscientizadora/educao transformadora de Freire o ponto de partida de uma srie de experincias curriculares, metodolgicas ou organizacionais (HADDAD, 2002, p. 16). Considerando, pois, a influncia marcante de Freire na alfabetizao de pessoas jovens e adultas, empreendi pesquisa bibliogrfica em busca de trabalhos que apresentem alguma crtica pedagogia freireana. Detive-me em trs dissertaes de Mestrado: Bortolozo (1993), Cruz (1987) e Oliveira (1988), que teve em sua banca de defesa o prprio Freire e no trabalho de Paiva (2000). Os demais trabalhos pesquisados, dezenas de artigos, tratam do legado de Freire, mas no apontam crticas s suas concepes, abordam revises, complementaes, explicitaes que esse educador faz em seus escritos, as influncias tericas que recebeu e sua contribuio educao, tratam, enfim, como afirma Scocuglia (1999), da existncia de "vrios" Paulo Freire.

Segundo Rossi (1apud SCOCUGLIA,1999, p. 27).[...] um erro comum na anlise do trabalho de Freire exatamente ignorar-se a clara evoluo das suas concepes, que comea por um idealismo moldado por sua vinculao ao pensamento catlico moderno, chegando at seu crescimento em direo abordagem dialtica da realidade, que caracteriza seus ltimos escritos. Se sua Educao como prtica da liberdade influenciada por concepes de Jaspers e Marcel no filosfico, a Pedagogia do oprimido j mostra uma clara aproximao da melhor tradio radical, de Marx e Engels aos modernos revolucionrios [...] e de outras linhas de anlise crtica contempornea [...]. Concordamos com Scocuglia (1999), pois tambm para ns est bem claro que a obra de Freire sempre seguiu um caminho coerente, num movimento em espiral, em que o autor aborda temas recorrentes, sempre num movimento de revisar, ampliar, recriar, complementar seus escritos. Freire (1999), ao conceber Educao como Prtica da Liberdade, obra em que apresenta seu mtodo para alfabetizao de adultos, o faz num contexto em que era alarmante o nvel de analfabetismo no Brasil: 16 milhes de brasileiros (as) analfabetos (as) excludos da escola.

Di Pierro (2008) afirma que a categoria para melhor definir os sujeitos da Educao de Pessoas Jovens e Adultas (EPJA) a da excluso pelo fato de contemplar o conjunto de processos socioeconmicos e culturais que possibilitam explicar a distribuio desigual do analfabetismo e do atraso escolar nas sociedades, levando em conta gnero, gerao, etnia, alm da distribuio geogrfica da pobreza, zonas rurais e urbanas.

Vale ressaltar que a EPJA regida pelo paradigma compensatrio, centrado em programas escolarizados e recuperao do atraso escolar, ocupa posio marginal no Brasil, tanto nas polticas, quanto nos sistemas educacionais.

Levando em conta os sujeitos da alfabetizao de pessoas jovens e adultas, o BB Educar, programa de que participo h 16 anos, tem como lema "Ler, escrever, libertar... Entretanto, a palavra libertar, de inspirao freireana, uma vez que libertao um princpio fundamental da concepo de educao de Freire, sempre me causou certo desconforto, especificamente neste caso, pelo sentido polissmico que pode adquirir ou at mesmo pela dubiedade que sugere, pois muitos acreditam, ao contrrio daquilo que foi discutido por Freire ao longo de suas obras, que apenas o aprendizado da leitura e da escrita suficiente para trazer a libertao a um indivduo.

Vale ressaltar que na concepo freireana esse libertar pressupe uma prxis pedaggica com a participao livre e crtica dos (as) alfabetizandos (as). Freire (1999) afirma explicitamente: educao como prtica da liberdade. Essa liberdade pressupe sujeitos histricos, indivduos que se deixam afetar pelos desafios de seu tempo, que no so meros espectadores, mas que interferem em seu meio, e lutam pelo indito vivel, como nos diz Freire (1987). No nossa inteno discorrer sobre libertao/liberdade, mas entendemos como algo que se d no apenas na interioridade do ser humano (conscincia e desejo), mas tambm no mbito scio-poltico.

A partir da minha experincia com o Programa BB Educar, concebido com base nos princpios de uma educao libertadora, que tem como objetivo contribuir para a superao do analfabetismo no Brasil, por meio de atividades educacionais voltadas para a alfabetizao e a promoo da cidadania entre pessoas jovens e adultas, elegi, para dialogar com este texto, Oliveira (1988), que em sua anlise focaliza principalmente a escrita no Mtodo Paulo Freire. Assim como essa autora, venho estudando os modos de constituio da escrita em pessoas jovens e adultas em processo de alfabetizao.

Com base na referida autora, busco ressaltar suas crticas s concepes de Freire no sentido de contribuir para Alfabetizao de Pessoas Jovens e Adultas do Brasil de hoje, mais especificamente no mbito do Programa BB Educar, que mantm convnios com entidades diversas localizadas em todos os estados brasileiros.

Para subsidiar minha anlise, recorri a uma experincia que tive, em que uma das maiores dificuldades que alfabetizadores (as) e supervisores (as) apresentavam era a compreenso de como escolher/trabalhar temas geradores e palavras geradoras. Essa experincia se deu quando realizei um trabalho de acompanhamento pedaggico a um programa de alfabetizao de pessoas jovens e adultas Lendo e Aprendendo, da Secretaria de Educao do Rio Grande do Norte, em parceria com os programas Brasil Alfabetizado, do Governo Federal e BB Educar, da Fundao

Banco do Brasil. O acompanhamento, que durou 15 meses (de outubro/2005 a dezembro/2006), aconteceu em nove municpios, situados em diferentes regies daquele estado, com turmas de alfabetizao localizadas na capital e regio metropolitana, em municpios de portes mdio e pequeno, nas zonas rural e urbana e em comunidades quilombolas e pesqueiras.

importante esclarecer que as entidades que estabelecem parceria com o Programa BB Educar assinam um termo de convnio em que se comprometem a adotar a metodologia do Programa nas turmas de alfabetizao de jovens e adultos, ou seja, o Mtodo Paulo Freire, articulado s contribuies de Emilia Ferreiro e Vygotsky, de maneira que assume um enfoque scio-histrico-cultural sobre o processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita.

Todo o curso do BB Educar est estruturado numa concepo dialgica de educao, que pressupe interao, dilogo entre quem aprende e quem ensina, em que educador (a) e educandos (as) se colocam nos crculos de cultura. Isso significa que o prprio desenrolar do curso se d nos moldes do Mtodo Paulo Freire, pois a prtica uma das exigncias fundamentais da pedagogia freireana, e se espera que os (as) alfabetizadores (as) ao vivenciarem essa metodologia no curso de formao, levem-na para suas salas de aula. O espao do dialgico e dialtico, muitas vezes novo para os (as) participantes, uma oportunidade para que todos (as) se expressem, argumentem e discutam. a possibilidade do dilogo como pronncia do mundo, como afirma Freire (1987), que no tarefa de homens seletos, donos da verdade, mas direito de todos (as).

O curso se organiza em unidades temticas, temas geradores, pois tambm se espera que os (as) alfabetizadores (as), em suas turmas de alfabetizao, tenham como ponto de partida o tema gerador, a partir das discusses nos crculos de cultura sobre a viso de mundo de alfabetizandos (as), para que se sintam sujeitos de seu prprio pensar, uma vez que, como afirma Freire (1987, p. 98): "[...], investigar o tema gerador investigar, repitamos, o pensar dos homens referido realidade, investigar seu atuar sobre a realidade, que sua prxis". Dos temas geradores que surgem dos crculos de cultura nas turmas de alfabetizao, o (a) alfabetizador (a) dever escolher as palavras geradoras a serem trabalhadas na sala de aula. Surge aqui um ponto contraditrio na proposta de alfabetizao de Freire, segundo Oliveira (1988, p. 9), com quem concordamos: [...], se no momento de decodificao da realidade, alfabetizandos/alfabetizadores se assumem como sujeitos no desvelamento dessa realidade, o mesmo no acontecem relao ao processo de criao do conhecimento sobre a escrita. Contradio por qu? Parto do princpio de que a linguagem constituidora e constituda na/pela atividade humana. Numa perspectiva bakhtiniana (BAKTHTIN, 1988), todo o dizer est carregado de valores, no existem enunciados neutros. Esse mesmo autor afirma que a palavra est sempre relacionada s estruturas sociais, posto que, penetrando em todas as relaes entre os indivduos, tecida por uma multido de fios ideolgicos, enredando todas as relaes sociais, nem sempre harmnicas, so tambm relaes de conflito, relaes de poder.

Se discutimos ideias, como impor aos (s) alunos (as) que comecem a aprender a ler e a escrever a partir das palavras que ns, enquanto alfabetizadores (as), selecionamos? Por que negamos a eles (elas) o direito de escolher as palavras que querem aprender a escrever, da maneira que sabem/podem escrever? Se entendermos o dilogo enquanto pronncia do mundo, como afirma Freire (1987), essa pronncia no pode se restringir fala, s opinies e vises de mundo que so verbalizadas. O (a) alfabetizando (a) tambm tem o direito de poder pronunciar seu mundo atravs de sua escrita.

Sendo assim, a linguagem, no somente oral, mas tambm escrita, deve assumir um papel preponderante nos contextos de ensino e de aprendizagem, para que os (as) alunos (as) possam expressar seus pensamentos, suas palavras, seus mundos, para que se sintam sujeitos dessa prtica social. Se o (a) aluno (a) pode dizer sua vida, deve tambm poder escrever a sua vida.

Compreende-se, ento, a linguagem como uma prtica social. Ao desenvolver a linguagem oral, que no pode ser vista como algo que no se relaciona com a escrita, o aluno desenvolve tambm a lngua escrita, pois a lngua escrita influencia a fala de quem aprende a escrever. Nesse processo, a linguagem no est "solta no ar", ela est diretamente interligada realidade, pois entre a leitura de mundo e a leitura da palavra h um ir e vir constante, e isso nos afirma o prprio Freire (1987).

Dessa maneira, segundo Mortatti (2007, p. 166): "[...], ensinar a ler e a escrever ensinar a ler e produzir textos (orais e escritos) que permitam ao sujeito se constituir como tal no mbito de uma sociedade letrada". Considerando-se essa afirmao acima, pode-se questionar: o que se deve ensinar a escrever? Deve-se buscar ampliar as possibilidades de usos e funes sociais da lngua escrita para que nos processos de alfabetizao de pessoas jovens e adultas, os (a) alfabetizandos (as) possam se constituir, atravs dos textos escritos que produzem, como sujeitos que buscam atribuir sentidos para suas vidas.

3 DESAFIOSA breve discusso que fizemos sobre a aprendizagem da escrita na alfabetizao de pessoas jovens e adultas, a partir das palavras geradoras, tem o intuito de contribuir para que os (as) alfabetizandos (as) se sintam sujeitos nesse processo ao optarem por aquilo que desejam aprender a escrever e para que tenham autonomia de elaborar hipteses sobre o funcionamento do sistema de escrita, pois no basta apenas dizerem suas vidas atravs das palavras, mas escreverem suas vidas com suas prprias palavras.

Sempre oportuno lembrar que se a realidade constitui um grande desafio para a prxis pedaggica, fundamental que se busque a viso do sentido da alfabetizao e da educao de pessoas jovens e adultas e da prtica docente. Nesse movimento, no se pode esquecer a situao desumana, de explorao e misria em que vivem milhes de brasileiros (as). Freire foi, com certeza, um de nossos maiores educadores, que com coerncia norteou sua vida e sua obra em favor dos oprimidos, marginalizados, miserveis, espoliados, sem voz e sem vez.

Para que o indito vivel acontea necessrio que construamos o amanh a partir da transformao do hoje. Para isso, precisamos assumir-nos como sujeitos histricos na luta pela construo de uma sociedade justa. Esse o desafio: de ontem, de hoje e de enquanto houver injustias sociais e direitos humanos negados e violados.

REFERNCIAS

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ROSSI, W. Pedagogia do trabalho: caminhos da educao socialista. So Paulo: Moraes, 1982.

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STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. Dicionrio Paulo Freire. Belo Horizonte: Autntica, 2008.

Aprofundando: Site dos fruns da EJA no Brasil

O site indicado apresenta vrios materiais para que possam ampliar os conhecimentos sobre a Educao de Jovens e Adultos. Vdeos com entrevistas com Paulo Freire, sugestes de aulas e prticas pedaggicas na EJA.

http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial/contribuicoes-paulo-freire-alfabetizacao-515563.shtmlhttp://www.forumeja.org.br/Neste site vocs encontraro sugestes de atividades/projetos de leitura e escrita na EJA.http://vicenteoficina.blogspot.com.br/2007/11/formao-de-conceitos-o-termo-conceito.htmlAtividade: Faa uma anlise das gravuras de PORTINARI, a partir da histria da Educao de Jovens e Adultos no Brasil.Unidade II o contexto da educao de jovens e adultos no brasil: aspectos legais, SOCIAIS, CULTURAIS e educativos

TEXTO 01 A EJA NAS POLTICAS PBLICAS

Uma das inovaes introduzidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN) foi reduzir a idade mnima para concluso dos exames supletivos de ensino fundamental e mdio para 15 e 18 anos (antes, as idades mnimas exigidas eram, respectivamente, 18 e 21 anos). Como a LDBEN no foi especfica, coube ao Conselho Nacional de Educao (CNE) criar normas sobre a durao mnima dos cursos e a idade mnima de ingresso, bem como fixar Diretrizes Curriculares para a Educao de Jovens e Adultos.Essas determinaes legais implicaram grandes desafios s trs esferas de governo, cujas polticas deveriam orientar-se pela Lei n 10.172, de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educao (PNE). A introduo do Plano inclui, entre as prioridades maiores, a garantia de ensino fundamental a todos os que a ele no tiveram acesso na idade prpria ou que no o concluram. Entre as 26 metas do PNE referentes educao de jovens e adultos, destacam-se: a oferta de Sries Iniciais do Ensino Fundamental para 50% das pessoas jovens e adultas que tm menos de quatro anos de estudos e a duplicao da capacidade de atendimento no Ensino Mdio at 2006; a erradicao do analfabetismo e a oferta de Sries Finais do Ensino Fundamental para todos que tm menos de oito anos de estudos at 2011; a generalizao da oferta de educao geral e profissional em presdios e estabelecimentos que atendem adolescentes que cometeram atos infracionais e cumprem medidas scio-educativas em regime fechado.

Considerando que o Estado brasileiro uma Federao constituda por entes autnomos, como responsabilidades to amplas so distribudas entre as esferas de governo? A Constituio e a LDBEN atribuem responsabilidades especficas Unio, aos estados e aos municpios, determinando que cada instncia organize o respectivo sistema de ensino em regime de colaborao com as demais, cooperando entre si para garantir o ensino obrigatrio. A alfabetizao e o Ensino Fundamental de Jovens e Adultos compem esse campo de responsabilidades compartilhadas que exigem a colaborao dos municpios, estados e da Unio, cabendo ao governo federal as funes de coordenao das polticas nacionais, de articulao e apoio tcnico e financeiro s demais instncias.Quanto formao de professores e professoras da Educao de Jovens e Adultos, Cury (2000) ressalta o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, alm das exigncias formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim, esse profissional do magistrio deve estar preparado para interagir empaticamente com essa parcela de estudantes e estabelecer o exerccio do dilogo. Alm disso, preciso considerar as especificidades e as qualidades prprias do segmento social para os quais esses professores se voltaro. Logo eles precisam saber qual a propriedade da EJA, pblico, ethos, caractersticas, especificidades, para que no haja recidiva nos cursos, para que no haja uma segunda forma de direito negado. Por isso preciso que o professor, alm das qualificaes gerais e especificas, tenha uma profunda ligao com o ethos desses segmentos sociais que o parecer chama de empatia (CURY, 2000). Voc deve saber que no Brasil existe, a educao prisional, destinada aos jovens e adultos reclusos pela justia. Neste sentido, importante que conheam mais sobre esta modalidade de ensino voltado para aqueles que passam parte de suas vidas na priso e tm direito a educao.A seguir, esto descritas algumas das propostas sobre a educao prisional, contendo responsabilidades dos entes federados e das Secretarias de Educao e Justia dos Estados e municpios. Este material foi organizado pelo Governo Federal e UNESCO.

1. O Governo Federal, por meio dos Ministrios da Educao e da Justia, figure como o responsvel pelo fomento e induo de polticas pblicas de Estado no domnio da Educao nas Prises, estabelecendo as parcerias necessrias junto aos Estados e Municpios;

2. A oferta de educao no sistema penitencirio seja fruto de uma articulao entre o rgo responsvel pela Administrao Penitenciria e a Secretaria de Educao que atue junto ao sistema local, cabendo a ambas a responsabilidade pela gesto e pela coordenao desta oferta, sob a inspirao de Diretrizes Nacionais;

3. A articulao implique na disponibilizao do material pedaggico da modalidade de EJA para as Escolas que atuam no Sistema Penitencirio, como insumo para a elaborao de projetos pedaggicos adequados ao pblico em questo;

4. O trabalho articulado encontre as devidas oportunidades de financiamento junto s Pastas Estaduais e aos rgos Ministeriais, especialmente com a incluso dos alunos matriculados no Censo Escolar;

5. A gesto se mantenha aberta a parcerias com outras reas de governo, universidades e organizaes da sociedade civil, sob a orientao de Diretrizes Nacionais;

6. Os educadores do sistema pertenam, preferencialmente, aos quadros da Secretaria de Educao, selecionados por concursos pblicos e com remunerao acrescida de vantagens pecunirias condizentes com as especificidades do cargo;

7. A gesto propicie espaos fsicos adequados s prticas educativas (por exemplo: salas de aula, bibliotecas, laboratrios, etc.), alm de adquirir os equipamentos e materiais necessrios, evitando improvisos e mudanas constantes;

8. A construo de espaos adequados para a oferta de educao, bem como de esporte e cultura, seja proporcional populao atendida em cada unidade;9. As autoridades responsveis pela gesto transformem a Escola num espao de fato integrado s rotinas da unidade prisional e da execuo penal, com a incluso de suas atividades no plano de segurana adotado;

10. Seja realizado um diagnstico da vida escolar dos apenados logo no seu ingresso ao sistema, com vistas a obter dados para a elaborao de uma proposta educacional que atenda s demandas e circunstncias de cada um;

11. Seja garantido o atendimento diferenciado para presos (as) do regime fechado, semi-aberto, aberto, presos provisrios e em liberdade condicional e aqueles submetidos medida de segurana independente de avaliao meritocrtica;

12. O atendimento contemple a diversidade, atentando-se para as questes de incluso, acessibilidade, gnero, etnia, credo, idade e outras correlatas;

13. Os responsveis pela oferta elaborem estratgias para a garantia de continuidade de estudos para os egressos, articulando-as com entidades que atuam no apoio dos mesmos tais como patronatos, conselhos e fundaes de apoio ao egresso e organizaes da sociedade civil;

14. A remio pela educao seja garantida como um direito, de forma paritria com a remio concedida ao trabalho e cumulativa quando envolver a realizao paralela das duas atividades;

15. O trabalho prisional seja tomado como elemento de formao e no de explorao de mo-de-obra, garantida a sua oferta em horrio e condies compatveis com as da oferta de estudo;

16. Alm de compatvel, o trabalho prisional (e todas as demais atividades orientadas de reintegrao social nas Prises) se torne efetivamente integrado educao.

17. Seja garantida uma certificao no-estigmatizante para as atividades cursadas pelos educandos (sejam eles cursos regulares de ensino fundamental e mdio, atividades no-formais, cursos profissionalizantes, etc.), de maneira a conciliar a legislao e o interesse dos envolvidos;

18. Exista uma poltica de incentivo ao livro e leitura nas unidades, com implantao de bibliotecas e com programas que atendam no somente aos alunos matriculados, mas a todos os integrantes da comunidade prisional;

19. Seja elaborada uma cartilha incentivando os apenados participao nos programas educacionais, bem como informaes relativas a remio pelo estudo;

QUANTO A FORMAO DE PROFESSORES/ASAo ingressar no cotidiano do sistema prisional, o professor passe por um processo de formao, promovido pela Pasta responsvel pela Administrao Penitenciria em parceria com a da Educao, no qual a Educao nas Prises seja tematizada segundo os marcos da poltica penitenciria nacional;

A formao continuada dos profissionais que atuam no sistema penitencirio ocorra de maneira integrada, envolvendo diferentes reas, como trabalho, sade, educao, esportes, cultura, segurana, assistncia psico-social e demais reas de interesse, de modo a contribuir para a melhor compreenso do tratamento penal e aprimoramento das diferentes funes de cada segmento;

No mbito de seus projetos poltico-pedaggicos, as escolas de formao de profissionais penitencirios atuem de forma integrada e coordenada para formao continuada de todos os profissionais envolvidos e aprimoramento nas condies de oferta da educao no sistema penitencirio. Nos estados em que elas no existem sejam implementadas, conforme Resoluo n. 04 do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria.

TEXTO 02 SUJEITOS DA EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS NO PROEJA [1]Edna Castro de Oliveira

Karla Ribeiro de Assis Cezarino Jlio de Souza Santos

RESUMOO estudo objetiva identificar e problematizar a partir da oferta do Programa Nacional de Educao Profissional Integrado Educao Bsica na Modalidade de Educao de Jovens e Adultos (PROEJA), o perfil dos educandos deste Programa no contexto do IFES, Campus de Vitria/ES. Atravs de abordagem quali-quantitativa, o estudo vem identificando um perfil de aluno que no apresenta as caractersticas socioculturais que configuram a especificidade dos sujeitos da Educao de Jovens Adultos, pblico-alvo do PROEJA.

Palavras-Chave: Educao de Jovens e Adultos; Sujeitos da EJA; PROEJA.

1 INTRODUO

O presente estudo compe as aes desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa Interinstitucional PROEJA/CAPES/SETEC/ES-PPGE/CE/UFES-IFES, e objetiva identificar e problematizar o perfil de educandos deste Programa no contexto do IFES-Campus Vitria, a partir da oferta do Programa Nacional de Educao Profissional Integrado Educao Bsica na Modalidade Educao de Jovens e Adultos (PROEJA). No processo de induo de polticas pblicas que buscam a universalizao da educao bsica para a populao brasileira, oriunda das classes populares, o PROEJA emerge como uma possibilidade de acesso e incluso de jovens e adultos trabalhadores com histrico de descontinuidade escolar, bem como de exerccio do direito educao por esses sujeitos (BRASIL, 2007).

Nesse contexto, o grupo de pesquisa PROEJA/CAPES/SETEC/ES tem priorizado estudos no mbito da formao de professores, que envolvem os interesses e os pesquisadores de diferentes reas de conhecimento, com estudos no campo do currculo do ensino mdio integrado educao profissional na modalidade EJA. Busca-se com as diferentes inseres de pesquisa, a consecuo da meta Avaliao e reformulao de programas e currculos do Ensino Mdio para Jovens e Adultos Trabalhadores (EMJAT), na transio para o PROEJA, e a produo de mudanas nas atuais formulaes que vm sendo produzidas, no processo de elaborao do Projeto Poltico-Pedaggico do PROEJA. Num esforo de construo coletiva pelos professores, principalmente da formao geral que atuam neste Programa, vem se buscando pensar o projeto especfico a partir dos sujeitos.

Dos estudos realizados nesse processo, tomamos como referncia o sub-projeto de pesquisa de iniciao cientfica O Ingls e a proposta curricular do PROEJA-ES: desafios e possibilidades [2]. Os dados e resultados produzidos nesta pesquisa so tomados como referncia para se pensar a seguinte questo que exploramos neste texto: quem o PROEJA vem incluindo de fato, e de que forma?O texto explora em um primeiro momento, algumas reflexes sobre a configurao da EJA no pas e as marcas identitrias dos seus sujeitos. Pem em questo suas caractersticas scio-culturais e a impossibilidade de se pensar a EJA a partir de uma identidade nica, essencializada. Segue apontando o percurso metodolgico, abrindo para explorar as novas subjetividades que vm emergindo no contexto do PROEJA no IFES, de forma articulada com os dados empricos analisados. Apresenta como concluses preliminares algumas reflexes sobre as condies de implementao do programa que passam a requerer da escola, ateno forma como a instituio vem promovendo o acesso, e o olhar atento aos sujeitos da EJA no PROEJA e suas novas configuraes.

2 MARCAS SCIO-CULTURAIS DOS SUJEITOS DA EJA E IDENTIDADES

No contexto de realizao da VI Conferncia Internacional de Educao de Adultos no Brasil, tem-se colocado a necessidade de pensar a EJA de forma propositiva, mapeando seus desafios e perspectivas para o pas. Isto implica pensar a dinmica scio-cultural e poltica em que estamos envolvidos, as lutas e conquistas que, sob reivindicao dos movimentos sociais, nos permitiram avanar produzindo uma nova configurao do campo (BRASIL, 2008). H que se reconhecer que essa nova configurao traz para a cena atores antes invisibilizados pelas prticas discriminatrias produzidas no mbito das relaes de gnero, tnico-raciais, geracionais, dentre outras. A diversidade cultural dos sujeitos na EJA que constitui a diversidade da sociedade brasileira, expressa por mltiplas identidades, nos chama tambm a considerar que esses sujeitos tm sido vitimados pelas desigualdades sociais e educacionais produzidas, demandando do Estado formas apropriadas de insero dos mesmos no usufruto dos bens culturais a que todos devem ter acesso, dentre eles a educao.

Nesse sentido, ao atentar para as demandas desses grupos sociais, no que se refere ao acesso, permanncia e concluso com qualidade nos processos de escolarizao, possvel afirmar que temos avanado, desde as ltimas dcadas do sculo XX, no reconhecimento da EJA como direito e como [...], uma dvida social no reparada para com os sujeitos que constroem a riqueza do pas (BRASIL, 2000, p. 5).

Como resultado das lutas sociais, talvez tenhamos no arcabouo legal dos documentos j referidos, a forma mais apropriada de reconhecer os sujeitos da EJA e suas marcas scio-culturais. Considerando o foco de anlise desse texto, o Documento Base do PROEJA ressalta a importncia do olhar sobre esses sujeitos como

[...] marginais ao sistema, com atributos sempre acentuados em consequncia de alguns fatores adicionais como raa/etnia, cor, gnero, entre outros. Negros, quilombolas, mulheres, indgenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais so emblemticos representantes das mltiplas apartaes que a sociedade brasileira, excludente, promove para grande parte da populao desfavorecida econmica, social e culturalmente (BRASIL, 2007, p. 11).

Se retomarmos no processo de construo da LDBEN a defesa da educao de jovens e adultos, damos conta de que a identidade da EJA, que se buscava construir naquele contexto, caracterizava-se como educao de jovens e adultos trabalhadores. O que ressalta como uma das marcas socioculturais desses sujeitos trabalhadores e trabalhadoras que produzem sua existncia nas diferentes prticas laborais. Para estes e estas, no campo jurdico, tem se afirmado que a EJA como modalidade possa dar conta de exercer sua funo reparadora de uma dvida histrica, o que a institui como um direito fundamental, cuidando para que lhes seja proporcionado maiores oportunidades educacionais. O no acesso e a naturalizao da descontinuidade nesses processos de escolarizao tm tambm produzido marcas scio-culturais que vo identificando esses sujeitos como produto do fracasso escolar, fadados a reproduzir de forma determinista a lgica dual da escola capitalista.

Oriundos das classes populares essa marca lhes imprime diferenas que se expressam nas formas de linguagem, nos seus corpos que carregam o estigma da discriminao tnico-racial e de gnero, dentre outras, e pela busca de superao dessas diferenas quando se afirmam como pessoas, que tem desejos e buscam a realizao de sonhos possveis. As marcas scio-culturais conformam de certa forma, uma identidade essencializada da EJA, que passa a ser problematizada em virtude das transformaes globais que vem operando mudanas na dinmica das relaes societrias.

Da a importncia de pensar as identidades da EJA no plural, o que significa de antemo no conceber a identidade da EJA como algo fixo, uma vez que as diferenas culturais que caracterizam esses grupos so ao mesmo tempo singulares e heterogneas. As diferenas vo se caracterizando pelos ciclos da vida (juventude, maturidade e velhice) e pelas identidades tnicas, de gnero, geracionais, religiosas, lingusticas e culturais.

Talvez, nessas diferenas, as identidades culturais sejam as que mais caracterizem os sujeitos educandos da EJA, haja vista que as trajetrias de migrao constituem parte das histrias de vida, bem como as recorrentes histrias de descontinuidades na escolarizao, como percurso na maioria da experincia de vida desses sujeitos. A identidade cultural no fixa, ela resulta sempre de um hibridismo. Mas precisamente porque surge de formaes histricas muito especficas, de histrias especficas, de repertrios culturais [...]. Os relatos de identidade esto inscritos em cada uma das posies que assumimos com que nos identificamos e constituem nossas identidades (SCOSTEGUI, 2001, p.142).

Considerando o movimento de induo do PROEJA, enquanto poltica pblica, e sua implementao no IFES, temos observado alguns deslocamentos que vem ocorrendo nas relaes no interior do Instituto, que vem se abrindo para acolher um outro perfil de aluno no necessariamente o aluno que tem sido caracterizado como o aluno da EJA. Produzindo outras marcas identitrias que mobilizam o Grupo de Pesquisa a investigar as razes pelas quais estes novos sujeitos vm buscando o acesso continuidade de estudos no PROEJA, mesmo aps a concluso do Ensino Mdio.Podemos dizer que este movimento vem fabricando identidades demarcadas pelas diferenas de oportunidades e nveis de escolarizao. Essa marcao da diferena ocorre tanto por meio de sistemas simblicos de representao quanto por meio de formas de excluso social. A identidade que vai sendo produzida no PROEJA [...], no o oposto da diferena, mas ela depende da diferena (WOODWARD, 2000, p. 39).

3 PERCURSO METODOLGICO

O estudo vem utilizando uma metodologia de carter quali-quantitativo, que busca superar as aparentes contradies epistemolgicas, metodolgicas e operacionais entre os paradigmas quantitativos e qualitativos para a compreenso mais aprofundada dos fenmenos humanos (SANTOS FILHO, 1997).

Tendo como lcus de pesquisa o IFES-Campus Vitria, o trabalho de campo foi realizado em dois momentos: a) aplicao de questionrios compostos de perguntas abertas e fechadas com 106 dos 153 educandos, cursando o quarto e quinto mdulo do PROEJA, no ano de 2008, resultando em uma taxa de retorno de 69,30%; b) realizao de seis entrevistas com estudantes do PROEJA em 2009.

Os questionrios foram aplicados pelos professores de ingls da instituio durante as aulas, e as entrevistas semi-estruturadas foram aplicadas de forma aleatria. Os dados quantitativos foram tratados de forma descritiva, sendo posteriormente sistematizados e analisados na perspectiva da identificao e problematizao da oferta, compondo, dessa forma, uma ao de acompanhamento das turmas do Programa pelo Grupo de Pesquisa.4 NOVAS SUBJETIVIDADES NO CONTEXTO DO PROEJA

No contexto de implementao do PROEJA, um programa que se volta para o atendimento de alunos que possuem o ensino fundamental completo, temos observado mudanas no perfil dos alunos que tem buscado a escola. As marcas scio-culturais que tem caracterizado as mltiplas identidades dos sujeitos da EJA vm produzindo novas subjetividades que tem nos interpelado enquanto grupo de pesquisa. Quem so os sujeitos da EJA no PROEJA?

Atravs da anlise dos questionrios, temos constatado que dos 106 alunos entrevistados, 72% caracterizam-se como solteiros, 80,18% esto entre 18 e 29 anos e 12,27% esto entre 30 e 39 anos. Vale ressaltar tambm que todos os alunos na faixa etria de 40 a 50 anos (idade mxima registrada em toda a pesquisa) so do vespertino, o que corresponde a um total de 5,67%. Aproximadamente 63% dos alunos no tm filhos. Entretanto, em uma comparao proporcional, o turno vespertino apresentou uma percentagem maior de alunos que so pais (33,33%) em relao ao noturno, que apresentou apenas 17,50%.

Esses dados nos levam a refletir sobre os sujeitos atendidos pelo PROEJA. Como podemos observar estes so na sua maioria jovens. Este dado j previsto pelo Documento Base, que afirma: [...], um agravante na situao brasileira diz respeito presena forte de jovens na EJA, em grande parte devido a problemas de no permanncia e insucesso no ensino fundamental regular (BRASIL, 2007, p. 10). Em relao ao turno escolhido pelo aluno do PROEJA, a pesquisa constatou que a opo do educando est relacionada oferta dos cursos, pois alguns destes so ofertados somente em turnos especficos. Como podemos observar na fala abaixo:

No Programa PROEJA o curso Segurana do Trabalho s tem no turno Vespertino ento no tinha opo somente no Vespertino mesmo (ALUNO D). Outra constatao consiste no fato dos adultos com idade mais avanada se encontrarem no turno vespertino. Este fato pode sugerir que estes alunos so sujeitos que retornam aos estudos, mas continuam com responsabilidades domsticas, ou trabalhando meio perodo. Como podemos verificar na resposta da entrevista em relao escolha do turno vespertino: Foi devido ... com relao aos meus filhos n que a esto na escola nesse horrio e eu tambm vou pra escola nesse horrio... (ALUNA A). Outro dado relevante na pesquisa refere-se ao perodo de afastamento da escola: 38,68% dos alunos afirmaram terem se afastado pelo menor tempo considerado (de 1 a 4 anos), e 29,25% afirmaram no terem se afastado dos estudos. Somando os dois, temos 67,93% dos alunos que se mantiveram na escola ou tiveram um tempo mnimo de afastamento, o que nos leva a concluir que estes conseguiram manter uma continuidade em seus estudos. Do total de alunos pesquisados, 55,67% concluram o ensino mdio; 70% estudaram em escola pblica; 10,38% realizaram os estudos na rede particular; e 12,26% fizeram o supletivo.EscolaridadeRede de EnsinoN de AlunosPercentagem

Ensino FundamentalPblica3230,19%

Ensino FundamentalParticular010,94%

Ensino MdioNo definiram a escola065,66%

Ensino MdioPblica4340,57%

Ensino MdioParticular109,44%

SupletivoNo definiram a escola1312,26%

No respondeu---------010,94%

106100,00%

TABELA 1 ESCOLARIDADE DOS EDUCANDOS DO PROEJA ESCOLARIDADE NMEROS PERCENTAGEM (%)Um dos principais objetivos do PROEJA o de promover aos alunos da EJA formas igualitrias de acesso e permanncia na escola, como podemos constatar na seguinte afirmao: [...]. Denotada na Rede Federal a ausncia de sujeitos alunos com o perfil tpico dos encontrados na EJA, cabe mesmo que tardiamente repensar as ofertas at ento existentes e promover a incluso desses sujeitos (BRASIL, 2007, p.34). No entanto, o quadro que nos apresenta, nos leva a refletir se realmente o pblico da EJA que o PROEJA est atendendo.

Segundo este Documento, o pblico da EJA se caracteriza pela descontinuidade de estudos, distoro idade-srie, e marcados muitas vezes pelo fracasso escolar. Portanto, o PROEJA busca a elevao da escolarizao vinculada ao preparo do aluno para o mundo do trabalho. Todavia, observamos que a maioria dos sujeitos do PROEJA no apresenta uma histria de descontinuidade escolar, tendo muitos completado o ensino mdio, etapa esta ofertada pelo PROEJA. Fato este que nos leva aos seguintes questionamentos: Quais as razes que levam o aluno a voltar ao mesmo nvel de ensino que j completou? Qual a funo real do PROEJA para estes sujeitos? O que fazer para atrair ao PROEJA os sujeitos para os quais o programa foi estruturado? Pretendemos refletir sobre estas perguntas durante o processo de anlise de dados que se seguem.

Em suma, quanto aos sujeitos do PROEJA, constatamos a existncia de dois grupos distintos de alunos: o primeiro grupo formado por sujeitos da EJA, trabalhadores, desempregados ou subempregados com histrico de descontinuidade escolar, dentre outras marcas scio-culturais; e o segundo composto por estudantes, que concluram o ensino mdio e no possuem trajetrias irregulares no processo de escolarizao. Tais situaes podem ser vistas nas entrevistas realizadas.

A aluna A (44 anos), que ficou afastada da escola cerca de 30 anos, relata a sua trajetria irregular na escola, sintetizando o histrico dos sujeitos da EJA no PROEJA, que tiveram que abandonar a escola em algum momento de suas vidas:Quando criana n eu estudei at a quarta-srie e parei devido a muitas mudanas na minha famlia que mudaram muito e eu tinha dificuldade de fazer remanejamento n de uma escola pra outra e a parei at agora recentemente eu j tava j 39 anos e eu retornei escola novamente e a conclui o ensino fundamental e depois vim pra aqui (ALUNA A).

A educanda B (32 anos) tambm revela a sua trajetria irregular no percurso de escolarizao:Eu quando pequena eu nova ainda ns tnhamos uma situao muito difcil eu falava com a gente eu e meus irmos ah me melhor trabalhar ento a gente meio que fez uma escolha n de vida assim trabalhar agora melhor do que estudar embora seja uma escolha errada na poca n minha me no disse assim no era pra ela ter falado no vai estudar, mas ela meio que deixou a gente opinar e a acho que foi a pior escolha da minha vida (ALUNA B).

Como constatamos na pesquisa, os cursos do PROEJA apresentam uma parcela significativa de alunos que concluram o Ensino Mdio. O relato de um aluno com este perfil destaca algumas razes do retorno a esse nvel de ensino:

Temos sim, inclusive alguns que como eu falei deixaram de estudar por circunstncias n terminaram o ensino mdio assim h dez, quinze anos atrs e agora voltaram por causa da questo do tempo n optaram por fazer o curso mdio novamente ento temos sim alm de mim outras pessoas que terminaram o ensino mdio (ALUNO C).Outra justificativa dos alunos para a entrada no Programa est relacionada qualidade da oferta do IFES, quando comparada escola pblica, conforme depoimentos a seguir:

Olha o IFES uma escola de muita credibilidade no mercado de trabalho a princpio eu achei que reforando o ensino mdio aqui seria muito bom pra mim... por uma questo de credibilidade da escola e por uma questo de querer reforar o ensino mdio pra poder me preparar mais pra algum concurso l fora entendeu vestibular essas coisas assim (ALUNO C.)

Eu j terminei o segundo grau s que a minha escola foi daquela poca de greve a eu no fiz o ensino mdio direito... passei em tudo ta la as notas boas n mas eu sinto que falta bastante contedo pra mim por isso que eu to fazendo PROEJA fazendo o ensino mdio novamente (ALUNO E). Em relao ao trabalho, os dados apontam que 51,89% dos alunos do PROEJA esto desempregados, embora outros 43,40% estejam trabalhando. Ao separarmos a anlise por turno vemos que os alunos do noturno em sua maioria, 72.50%, so alunos trabalhadores, enquanto os alunos do vespertino apresentaram taxa de desemprego de 69,70%. Podemos observar em alguns depoimentos que os alunos do vespertino anseiam por insero no mercado de trabalho, porm encontram dificuldades em conseguir um emprego, que seja apropriado ao perodo de estudos. Essa dificuldade expressa pelo Aluno D: Pois eu no estou trabalhando queria muito ta trabalhando, mas no to... J trabalhei antes de eu sair do emprego pra poder entrar aqui no IFES.Dentre os alunos trabalhadores, 39,13% trabalham durante o perodo diurno e estudam noite; 21,75% trabalham pela manh e outros 10,87%, noite. Nesse sentido, h uma distino entre os turnos, uma vez que os alunos do noturno, em sua maioria, trabalham pela manh e tarde, enquanto os alunos do vespertino (onde encontramos maior taxa de desempregados) trabalham majoritariamente pela manh. O IFES oferece em suas dependncias estgio remunerado para os alunos de baixa renda, a fim de contribuir para o auxlio na alimentao, transporte, dentre outros custos.

Dentre os alunos pesquisados 37,73% so estagirios bolsistas, sendo que a maior parte estuda no turno vespertino (51,52%), e apenas 15% no noturno. A pesquisa revelou que as principais justificativas para a escolha do curso tcnico do PROEJA so: crescimento profissional (36,37%); o mercado de trabalho (30,11%); e a aquisio de conhecimentos (15,90%). Esses dados so reforados pelas seguintes afirmaes de educandos do PROEJA: O IFES uma escola de muita credibilidade no mercado de trabalho (ALUNO D). Porque s conclui o fundamental e depois que eu fiquei paraplgico eu no tinha nenhum curso tcnico tinha nenhum curso bsico pra ta arrumando emprego (ALUNO F).Apesar do Documento Base do PROEJA apontar a formao do educando para o mundo do trabalho, ao afirmar que a oferta do ensino mdio integrado educao profissional no se deve pautar [...] pela relao com a ocupao profissional diretamente, mas pelo entendimento de que homens e mulheres produzem a sua condio humana pelo trabalho (BRASIL, 2007, p. 38), evidenciamos a presena significativa de estudantes que almejam de forma restrita o acesso ao mercado de trabalho.

Em relao s formas e critrios de divulgao e ingresso nos cursos do PROEJA do IFES, podemos observar que, de acordo com os alunos, o meio de divulgao mais eficaz ainda a famlia e os amigos (47,70%). O jornal (20,19%) e a prpria escola (17,43%) aparecem em seguida. No que se refere aos critrios de ingresso, uma educanda do PROEJA faz crticas em relao entrada de estudantes com ensino mdio completo no programa:

O nvel de formao que a pessoa tem pra ingressar ao curso tipo a informao que voc tenha ensino fundamental, porm muitas pessoas com ensino mdio ingressam no curso tambm e isso dificulta muito isso causa muita desistncia assim eu mesmo no desisti porque eu sou muito persistente, mas causa muita desistncia nas pessoas que entram e que se vem assim muito abaixo do nvel de outras pessoas, mas que esto tambm no mesmo curso e s vezes a pessoa no consegue alcanar entendeu s vezes o prprio professor d uma aula assim voltada pra aquelas pessoas que tem aquele nvel maior j tem todo aquele ensino entendeu ento as vezes isso dificulta muito muitas pessoas desistem n porque se vem tipo assim coagidos n diante de um ensino que ele no ta a altura entendeu e a gente tem que ralar muito pra conseguir acompanhar n esse nvel das pessoas que entram aqui isso que seria uma coisa que eu sugeriria n como mudana no caso n (ALUNA A).A partir dessa fala e dos dados da pesquisa, podemos inferir que o educando da EJA no PROEJA permanece de certa forma invisvel dentro de um programa que deveria atend-lo prioritariamente, uma vez que os estudantes com ensino mdio completo no Programa estariam sendo referncias para os professores na constituio do processo pedaggico. No entanto, mesmo com as dificuldades do PROEJA verificadas no contexto do IFES, percebemos uma avaliao positiva dos educandos quanto qualidade da oferta do Programa: PROEJA um programa que eu realmente tiro o chapu (ALUNO D). Maravilhoso acho que uma oportunidade que o pessoal do governo deu pra gente que muito bom eu s tenho que falar assim maravilha esse programa (ALUNA B).Outro aspecto positivo que se destaca refere-se perspectiva de continuidade dos estudos, preconizada pelo PROEJA, pois todos os entrevistados demonstraram interesse no prosseguimento dos estudos. O depoimento a seguir retrata esse interesse dos alunos:

Olha nesse mdulo n que eu comecei a vislumbrar a idia de continuar assim a minha previso seria s concluir o curso tcnico, porm nesse mdulo assim com algumas informaes de novas formaes mais que possa ta fazendo acho que vai chegar a uma engenharia ou coisa assim ento eu comecei a comprar a idia de fazer porque eu sou uma pessoa muito assim de um dia de cada vez n eu no sou muito de fazer uma previso assim de futuro (ALUNA A).

O PROEJA um programa que atua na perspectiva de contemplar a diversidade dos sujeitos da EJA, pois tem como um dos princpios bsicos a incluso que precisa [...], ser compreendida no apenas pelo acesso dos ausentes do direito escola, mas questionando tambm as formas como essa incluso tem sido feita, muitas vezes promovendo e produzindo excluses dentro do sistema (BRASIL, 2007, p. 37). Apesar dessa perspectiva de incluso, os dados revelados pela pesquisa fazem emergir a problemtica da abrangncia da incluso pretendida pelo PROEJA, principalmente, no que tange aos educandos com necessidades educacionais especiais. A fala de um entrevistado aponta para problemas na acessibilidade e invisibilidade aparente desses sujeitos no contexto do Campus de Vitria:

Eles no olham pra pessoal com deficincia que vem aqui... eu tinha que ter uma mesa prpria pra mim porque a cadeira da escola tem um brao fixo e no tem como eu passar da minha cadeira de roda pra cadeira... minha sala fez um projeto integrador foi sobre acessibilidade aqui mesmo no IFES a mostrou as dificuldades que tem do elevador o elevador ta sempre quebrado e fora as vezes que eu fico preso quando tenho que subir pro segundo andar pra fazer trabalho no laboratrio de informtica ou no laboratrio de biologia, qumica... o da biblioteca tambm eu tenho que pegar um livro eu tenho que levar um colega junto pra pegar o livro pra mim l em cima porque eu no subo entendeu porque se eu subir eu sei que vou ficar preso... tem o laboratrio de informtica tem um degrau muito alto eu tenho como chegar eu tenho que empinar a cadeira e o colega tem que me ajudar as vezes quando tinha o professor que me ajuda a subir a... (ALUNO C).

A precariedade no atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais faz com que esses sujeitos questionem o direito de acesso a essa instituio.

Ser que a escola aqui est preparada pra receber outros tipos de alunos porque eu tenho vrios colegas que j tentaram fazer o pra completar fazer o processo seletivo, mas eles a primeira coisa que eles perguntam se tem adaptao essas coisas e tem uma colega cega que ela usa co-guia a no sabe se fazer a prova se a escola vai permitir ela entrar com co-guia na escola (ALUNA C).5 CONCLUSES PRELIMINARES

A precariedade da infra-estrutura e do ensino mdio na escola pblica brasileira, aliada aos problemas decorrentes da remunerao defasada de docentes e outros profissionais da educao, bem como a qualidade do IFES, foram apontados pelos estudantes entrevistados como sendo alguns dos principais motivos pelo retorno ao Ensino Mdio. Desse modo, ao permitir a matrcula de estudantes com Ensino Mdio completo nos cursos, o Programa tende a preencher a lacuna deixada pela escola pblica, no que se refere oferta de uma educao de qualidade, porm, que no atende ao pblico da EJA, a quem realmente o Programa se destina prioritariamente. No entanto, esta afirmao no se configura como verdade absoluta, j que um dos questionamentos que esta pesquisa traz a possibilidade de um novo sujeito da EJA estar se configurando dentro dos estabelecimentos de ensino. O fato da baixa qualidade do ensino ofertado no ensino mdio, desvinculado ao ensino profissionalizante, faz com que estes jovens encontrem dificuldades no seu processo de incluso no mundo do trabalho. Seriam ento eles privilegiados, ou representantes do processo de excluso sofrido por aqueles que hoje procuram uma educao de qualidade para uma melhor posio no mercado de trabalho?Apesar da maioria dos pesquisados no apresentarem marcas scio-culturais da EJA, constatamos uma parcela significativa de educandos da EJA, o que demonstra que o Programa tem minimamente atendido ao pblico para o qual se destina. H de se ressaltar que os fatores do pblico da EJA no estar sendo atendidos pelo PROEJA precisam ser questionados e problematizados.

A constatao de educandos do PROEJA que realizam os estudos no turno vespertino enfatiza a necessidade de oferta de EJA tambm nos turnos matutino e vespertino, no restringindo somente ao ensino noturno. Alm disso, importante tambm que os cursos sejam oferecidos pelo Instituto em mais de um turno, uma vez que consistem em demandas dos jovens e adultos trabalhadores.

Notamos tambm a necessidade do PROEJA assumir os alunos da EJA com necessidades especiais como parte do pblico que o programa precisa atender levando em considerao as suas particularidades. Nesse sentido, o Programa no alcana de forma significativa a incluso de jovens e adultos trabalhadores, contribuindo para a marcao das diferenas entre os nveis de escolarizao dos sujeitos da EJA e os ndices dos estudantes que no possuem marcas scio-culturais dos jovens e adultos, alm de no possibilitar a efetivao concreta de aes na perspectiva de universalizao do Ensino Mdio.NOTAS

[1] Ttulo: Educao Profissional no Ensino Mdio: Desafios da Formao Continuada de Educadores na Educao de Jovens e Adultos no mbito do PROEJA no Esprito Santo. [2] Desenvolvido pela estudante de graduao em Letras-Ingls Thayn Assis Bertholini, e coordenado pela Professora e membro do grupo de pesquisa, Karla Ribeiro de Assis Cezarino.

[3] CONFINTEA VI a realizar-se pela primeira vez no nosso continente, e no Brasil no Estado do Par, de 01a 04 de dezembro de 2009.

REFERNCIASBRASIL. MEC/SETEC. Programa Nacional de Integrao da Educao Profissional com a Educao Bsica na Modalidade de Educao de Jovens e Adultos: Formao Inicial e Continuada/Ensino Fundamental. Documento Base. Braslia, agosto 2007.______. MEC. SECAD. Documento Base Nacional preparatrio a VI CONFINTEA [3]: Brasil: Educao e aprendizagens de jovens e adultos ao longo da vida. Braslia, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 22 jul. 2009.______. Parecer CNE/CEB n 11/2000. Diretrizes Curriculares