o mÉtodo dos elementos finitos como ferramenta para projeto de malhas de aterramento de...
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Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Energia e Automação Elétrica
O MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS COMO FERRAMENTA PARA
PROJETO DE MALHAS DE ATERRAMENTO DE SUBESTAÇÕES
DANILO AUGUSTO SALGADO MARCELO PEREIRA PINTO
São Paulo Junho de 2009
Danilo Augusto Salgado Marcelo Pereira Pinto
O MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS COMO FERRAMENTA PARA
PROJETO DE MALHAS DE ATERRAMENTO DE SUBESTAÇÕES
Trabalho de formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para a obtenção do grau de graduado em Engenharia Elétrica. Área de Concentração: Sistemas de Potência Orientadores: Prof. Dr. José Roberto Cardoso Profª. Drª. Viviane Cristine Silva
São Paulo 2009
Danilo Augusto Salgado Marcelo Pereira Pinto
O MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS COMO FERRAMENTA PARA
PROJETO DE MALHAS DE ATERRAMENTO DE SUBESTAÇÕES
Trabalho de formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para a obtenção do grau de graduado em Engenharia Elétrica. Área de Concentração: Sistemas de Potência Orientadores: Prof. Dr. José Roberto Cardoso Profª. Drª. Viviane Cristine Silva
São Paulo 2009
DANILO AUGUSTO SALGADO MARCELO PEREIRA PINTO
O MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS COMO FERRAMENTA PARA
PROJETO DE MALHAS DE ATERRAMENTO DE SUBESTAÇÕES
_________________________________________________ PROF. DR. JOSÉ ROBERTO CARDOSO
_________________________________________________ PROF. DRA. VIVIANE CRISTINE SILVA
FICHA CATOLOGRÁFICA SALGADO, DANILO AUGUSTO PINTO, MARCELO PEREIRA
CÁLCULO DE SISTEMAS DE ATERRAMENTO ELÉTRICO ATRAVÉS DE ELEMENTOS FINITOS / D. A. SALGADO E M. P. PINTO – SÃO PAULO, 2009.
TRABALHO DE FORMATURA (GRADUAÇÃO) – ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO. DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE ENERGIA E AUTOMAÇÃO ELÉTRICAS. 1. ELETROMAGNETISMO 2. MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS 3. ATERRAMENTO 4.
SISTEMAS ELÉTRICOS DE POTÊNCIA I. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. ESCOLA
POLITÉCNICA. DEPARTAMENTO DE ENERGIA E AUTOMAÇÃO ELÉTRICAS.
i
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. José Roberto Cardoso, orientador deste trabalho, professor de didática
inigualável, pela amizade e por ter demonstrado a centenas de alunos, inclusive os autores,
a grandeza do eletromagnetismo de maneira clara e por nos lembrar constantemente da
nobreza da profissão do engenheiro.
À Profª. Drª. Viviane Cristine Silva, orientadora deste trabalho, pela atenção e dedicação,
por fornecer os subsídios para a construção desta pesquisa e pela paciência.
Aos professores da graduação do Departamento de Energia e Automação Elétricas, pelo
esforço em manter a excelência do ensino na Escola Politécnica. Estas pessoas foram
fundamentais na formação de centenas de engenheiros que hoje contribuem para o
desenvolvimento do nosso país. Apesar de todas as dificuldades, seus esforços não foram
em vão.
Aos ex-alunos e professores que contribuíram pelas melhorias realizadas neste
departamento nos últimos anos. O trabalho realizado por eles tornou este departamento
referência dentro de nossa escola.
Às amizades que construímos dentro da escola, muitas das quais serão carregadas por toda
a vida. Estiveram sempre presentes nos momentos felizes e nos apoiaram nos momentos de
dificuldade.
Aos amigos da Keep Flying, uma equipe de competição da Escola Politécnica que os
autores deste trabalho participaram ativamente. Na Keep Flying fizemos grandes amigos e
aprendemos a aplicar a engenharia na prática, tendo a oportunidade de levar o nome da
nossa escola ao topo ao alçar o primeiro lugar geral em uma competição de engenharia
aeronáutica de âmbito mundial promovida nos Estados Unidos da América.
Aos nossos avôs, que não tiveram a oportunidade de estudar, mas que deram condições a
seus filhos e netos para que o tivessem, apesar da vida árdua. A eles somos eternamente
gratos.
ii
DEDICATÓRIA
Às nossas famílias e
às nossas namoradas
iii
“If I have seen further it is by standing on the shoulders of giants”
Isaac Newton
iv
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo demonstrar aplicações práticas do método numérico de
elementos finitos no projeto e análise de sistemas reais de aterramento, em regime
permanente. A principal preocupação é comparar os resultados numéricos obtidos com os
cálculos analíticos e semi-empíricos e com as medições feitas em campo para verificar a
validade e aplicabilidade do método dos elementos finitos para sistemas de aterramento.
O trabalho não se resume somente ao método dos elementos finitos, mas também
discorre brevemente sobre o solo e sua resistividade, os sistemas de aterramento mais
comuns e seus cálculos analíticos ou semi-empíricos através da norma mais utilizada no
setor (IEEE Std 80). Essa introdução ao tema do aterramento se fez necessária para que as
posteriores comparações pudessem ser feitas.
O método dos elementos finitos é descrito em detalhes, desde sua formulação até os
aspectos práticos de implantação, como geração de geometrias e malhas para simulação.
Para essas etapas citadas, utilizou-se um aplicativo livremente distribuído, o GMSH,
ferramenta que facilitou imenso o desenrolar deste trabalho.
Utilizou-se também uma técnica moderna para minimizar os erros devido ao
truncamento do domínio, o PML, e para as simulações utilizou-se o solver do GROUND
3D do laboratório de eletromagnetismo aplicado (LMAG).
Os autores se utilizaram de dados de subestações elétricas reais, tanto dados de projeto,
como também experimentais, obtidos em medições em campo para realizar as comparações
entre os métodos de projeto. Ao final, discute-se a validade e a aplicabilidade do método
dos elementos finitos no projeto de aterramento de subestações elétricas.
Palavras chaves: Eletromagnetismo. Método dos Elementos Finitos. Aterramento.
Sistemas Elétricos de Potência.
v
ABSTRACT
The goal of this work is to demonstrate practical applications of the finite element method
applied to the design and analysis of real grounding systems in steady-state conditions. The
numerical results were compared to the analytical and semi-empirical methods and the in-
locus measurements in order to study the feasibility and applicability of the finite element
method to grounding systems.
This work also addresses the soil and its resistivity, the most simple grounding techniques
and its formulation, analytical, semi-empirical and accordingly to the IEEE Std 80
Standard. This brief introduction is necessary due to the comparisons done in the further
chapters.
The finite element method is explained in details, from its formulation to its practical
applications, for example, the geometry and mesh generation. These steps were
accomplished with free software called GMSH.
A modern technique (PML, Perfectly Matched Layer) was employed to minimize the errors
due to the domain truncation. The simulations were carried with the GROUND 3D solver
from the LMAG Laboratory.
The authors used data from real substations, from design data to in-locus measurements, in
order to compare the design methods described in this work. At the end, the feasibility of
the finite element method applied to grounding systems is discussed.
Keywords: Electromagnetism, Finite Element Method, Grounding, Power Systems.
vi
SUMÁRIO
1. Introdução................................................................................................................................................... 1 2. Solo............................................................................................................................................................. 5
2.1 A resistividade do solo......................................................................................................................... 5 2.2 Medida de Resistividade e Estratificação do Solo ............................................................................... 9
3. Métodos Analíticos................................................................................................................................... 12 3.1 Resistência de Hastes Verticais.......................................................................................................... 13 3.2 Resistência de condutores dispostos horizontalmente........................................................................ 15 3.3 Resistência de uma malha de aterramento segundo a IEEE Std 80.................................................... 18
4. Método dos Elementos Finitos ................................................................................................................. 20 4.1 Métodos Numéricos para Eletromagnetismo ..................................................................................... 20 4.2 Aplicação do MEF em Sistemas de Aterramento............................................................................... 24
4.2.1 Formulação Matemática ........................................................................................................... 24 4.2.2 Divisão do Domínio de Estudo................................................................................................. 27 4.2.3 Funções Interpoladoras e Funções de Forma............................................................................ 29 4.2.4 Formulação Matricial do Problema .......................................................................................... 31 4.2.5 A Matriz Global e a Potência Dissipada................................................................................... 33 4.2.6 A Solução do Sistema............................................................................................................... 34 4.2.7 Resistência do Sistema de Aterramento.................................................................................... 35
4.3 PML (Perfectly Matched Layers)....................................................................................................... 36 4.4 GMSH................................................................................................................................................ 40
5. Aplicações e Resultados ........................................................................................................................... 44 5.1 Comparação com Métodos Analíticos ............................................................................................... 45 5.2 Comparação com o Método da Norma IEEE Std 80.......................................................................... 49 5.3 Comparação com uma Malha Real .................................................................................................... 52 5.4 Resumo das Comparações.................................................................................................................. 55
6. Conclusões................................................................................................................................................ 57 7. Bibliografia............................................................................................................................................... 61
vii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 2-1 – principais grupos minerais – fonte: Wikipedia (www.wikipedia.org)...................................... 6 Ilustração 2-2 – Método de Wenner ................................................................................................................... 9 Ilustração 3-1 – distribuição das equipotenciais em uma haste simples ........................................................... 13 Ilustração 3-2 – condutor disposto horizontalmente......................................................................................... 15 Ilustração 3-3 condutores dispostos em L e em cruz........................................................................................ 16 Ilustração 3-4 – parâmetros geométricos de uma malha retangular.................................................................. 18 Ilustração 4-1 domínio de estudo truncado....................................................................................................... 25 Ilustração 4-2 elementos típicos para o método dos elementos finitos............................................................. 28 Ilustração 4-3 truncamento do domínio por material absorvedor anisotrópico PML ....................................... 37 Ilustração 4-4 – geração da geometria.............................................................................................................. 41 Ilustração 4-5 – geração da malha .................................................................................................................... 41 Ilustração 4-6 – adensamento de volumes nos pólos e no entreferro ............................................................... 41 Ilustração 4-7 – distribuição de pressão nas palhetas de um estágio de uma turbina para geração termoelétrica..................................................................................................................................................... 42 Ilustração 4-8 – geometria criada no Gmsh e sua malha de elementos finitos ................................................. 43 Ilustração 5-1 – distribuição do potencial elétrico para o caso da haste delgada de 32 m, ρ = 450 Ω.m e r = 4 mm.................................................................................................................................................................... 46 Ilustração 5-2 – distribuição de potencial elétrico para quarto casos que possuem solução analítica .............. 48 Ilustração 5-3 – geometria da malha utilizada na comparação do MEF com a norma IEEE Std 80 ............... 49 Ilustração 5-4– distribuição de potencial para os seis perfis de solo para a malha 16 x 16 m.......................... 51 Ilustração 5-5 - geometria da malha de aterramento simulada neste trabalho .................................................. 52 Ilustração 5-6 – distribuição de potencial elétrico na malha............................................................................. 54 Ilustração 5-7 – distribuição de potencial ao longo de uma diagonal da malha ............................................... 54
LISTA DE TABELAS
Tabela 2-1 – Resistividade para alguns tipos de solo ......................................................................................... 7 Tabela 2-2 – resistividade de um solo arenoso para diversos índices de umidade ............................................. 7 Tabela 2-3 – resitividade de um solo arenoso úmido para diversas temperaturas .............................................. 7 Tabela 3-1 – comparação entre geometrias ...................................................................................................... 17 Tabela 4-1– Equações para o eletromagnetismo geral e eletrocinética nas suas formas diferenciais............... 24 Tabela 5-1 comparação de métodos para uma haste de 32 m de comprimento, ρa = 450 Ω.m e r = 4 mm...... 45 Tabela 5-2 – comparação de métodos para quatro casos analíticos.................................................................. 48 Tabela 5-3 – comparação do MEF com a norma IEEE Std 80 para a malha 16 x 16 m................................... 50 Tabela 5-4 – comparação de métodos para a malha de uma subestação típica, ρa = 450 Ω.m e r = 4 mm....... 53
viii
LISTA DE SÍMBOLOS
a parâmetro do PML Rh resistência de terra da haste [Ω]
Am área ocupada pela malha [m²] Rm resistência de terra da malha [Ω] B densidade de fluxo magnético [Wb/m²] ou [T] r raio do condutor [m]
d distância até a haste [m] s parâmetro de “esticamento” das coordenadas
D deslocamento [C/m²] t tempo [s]
E campo elétrico [V/m] Vei potencial no nó i do elemento e G matriz global V potencial elétrico [V]
Gij coeficiente da matriz global x,y,z coordenadas cartesianas
H campo magnético [A/m] ρa resistividade aparente do solo [Ω.m]
hm profundidade da malha [m] ρ1 resistividade da primeira camada [Ω.m]
I corrente de defeito [A] ρ2 resistividade da segunda camada [Ω.m]
J densidade de corrente de condução [A/m²] ρ densidade volumétrica de carga [C/m³]
L comprimento da haste [m] σ condutividade elétrica [S/m]
Lt comprimento total de cabos da malha [m] Ω domínio de estudo
n número de nós do elemento ГD fronteira sujeita à condição de Dirichlet
N número de elementos da malha ГN fronteira sujeita à condição de von Neumann
n vetor normal à superfície αi função de forma do elemento
p profundidade [m] σ tensor de condutividade elétrica [S/m]
Pe potência dissipada no elemento e [W] Λ matriz de transformação do domínio
pe densidade de potência dissipada no elemento e [W/m³]
Índices: e - elemento
ABREVIATURAS GMSH programa gerador de malhas de elementos finitos
ICCG Incomplete Cholesky Conjugated Gradients – Método dos Gradientes Conjugados por
Decomposição Incompleta de Cholesky
LMAG Laboratório de Eletromagnetismo Aplicado Prof. Dr. Áurio Gilberto Falcone
MEF Método dos Elementos Finitos
MDF Método das Diferenças Finitas
MRT Monofásico com Retorno pela Terra
PML Perfect Matched Layers
TLM Transmission Line Method (Método das Linhas de Transmissão)
1
1. INTRODUÇÃO
Os sistemas elétricos de potência têm por principal função conduzir largas quantidades
de energia das usinas de geração até os grandes centros consumidores sob a forma de
eletricidade. Em razão da resistividade dos condutores que transportam essa energia, há
perdas no sistema de transmissão e distribuição e para reduzi-las os níveis de tensão elétrica
que os sistemas operam são elevadíssimos.
Os níveis de tensão, mesmo os mais baixos como o do sistema de distribuição,
representam uma ameaça à vida humana e essa é a principal razão da existência dos
sistemas de aterramento. Tais sistemas permitem a condução adequada das correntes de
falta ao solo, fazendo com que os seres humanos fiquem sujeitos a distribuições de
potenciais elétricos aceitáveis, que não lhes causem danos. Porém, essa não é a única razão
que justifica a necessidade do aterramento. Há muitos outros motivos que justificam sua
necessidade, como a proteção de equipamentos elétricos, conduzir as descargas
atmosféricas para a terra, prover caminho para as correntes de falta, prover um caminho de
retorno de corrente nos sistemas MRT e, também, melhorar a sensibilidade dos
equipamentos de proteção de forma a melhor proteger os circuitos.
Há tempos, os projetos das malhas de aterramento têm sido calculados de acordo com
normas específicas, utilizando-se de modelos bem simplificados do solo, tabelas e equações
semi-empíricas que foram compiladas ao longo dos anos. Tais modelos não prevêem a real
distribuição de potencial ao longo do solo, não lidam com geometrias complexas e por
muitas vezes, em virtude das simplificações assumidas, provêem resultados de acuracidade
duvidosa. Contudo, isso não significa, necessariamente, que esses métodos não sejam
aplicáveis, porém há de se reconhecer suas severas limitações e buscar outros métodos que
a complementem. Surge então a idéia do método numérico.
O vertiginoso crescimento da capacidade computacional nas últimas décadas
possibilitou a resolução numérica de muitos problemas práticos de engenharia, e não foi
diferente com os sistemas de aterramento. Há cerca de duas décadas, o Laboratório de
2
Eletromagnetismo Aplicado (LMAG) da Escola Politécnica da USP, deu um grande passo
ao criar ferramentas computacionais para a resolução de problemas eletromagnéticos. Em
particular, esse laboratório foi pioneiro na aplicação de métodos numéricos para sistemas
de aterramento, tendo contribuído com inúmeros artigos de relevância internacional.
O método numérico permite que qualquer geometria seja tratada, simples ou complexa,
desde que não se extrapole o limite da memória do computador. Essa limitação ocorre em
virtude da natureza do método, pois é impossível retratar computacionalmente um domínio
de estudo infinito. Adicionalmente, o método numérico resolve os campos elétricos e
magnéticos em inúmeros pontos do domínio de estudo, o que é de especial interesse para os
problemas de aterramento. Nesses sistemas, a distribuição de potencial elétrico na
superfície do solo determina a máxima diferença de potencial que estaria sujeita uma
pessoa na subestação quando da ocorrência de uma falta a terra. Por exemplo, os potenciais
de toque e de passo são parâmetros de segurança importantíssimos que tomam parte no
projeto de uma subestação. Essas duas vantagens tornam atrativo o emprego do método
numérico na análise e projeto de um sistema de aterramento.
Ainda que os métodos numéricos sejam mais generalistas, eles possuem limitações que
restringem a sua aplicação indiscriminada. A capacidade de memória talvez seja a maior
limitação do modelo numérico, pois quanto mais pontos forem analisados dentro de um
domínio, menores serão os erros de discretização. Além disso, a memória limita o tamanho
do domínio de estudo, causando erros de truncamento. Outra grande limitação é a
capacidade de processamento, pois as equações são geralmente muito complexas e tomam
muito tempo para serem resolvidas. Há ainda o fato da maioria das rotinas serem iterativas,
o que aumenta ainda mais o tempo de processamento. Não é de se estranhar que, por muitas
vezes, se leve muitas horas até uma simulação ser concluída.
Alguns métodos numéricos, como o de elementos finitos, exigem que o domínio de
estudo seja dividido em pequenos volumes, dentro dos quais serão resolvidas as equações
diferenciais que regem o modelo. O processo dessa divisão, dita criação da malha de
elementos finitos, toma um tempo considerável, mesmo que gerada automaticamente. As
características dessa malha podem influenciar significativamente os resultados, a ponto de
uma malha ruim gerar resultados inutilizáveis. Este é outro ponto importantíssimo a ser
3
levado em consideração: a ferramenta numérica por si só não é eficiente na solução dos
problemas, cabe ao usuário saber utilizá-la adequadamente e também cabe a ele interpretar
os resultados e julgar se são aplicáveis ou não.
Nestes últimos parágrafos pretendeu-se mostrar que não há método e nem modelo
perfeito, cada qual com suas vantagens e limitações. Apesar deste trabalho se concentrar
nos modelos numéricos, em momento algum se pode afirmar que eles são superiores aos
métodos analíticos e experimentais. A justificativa deste trabalho é demonstrar que o
método numérico é aplicável e conveniente a síntese e a análise de sistemas de aterramento,
principalmente aqueles com geometrias complexas.
Neste trabalho, nos próximos capítulos, também se demonstra que há outros parâmetros
importantíssimos em um bom projeto, como a determinação da faixa de valores que a
resistividade do solo pode assumir. Pode-se até dizer que de nada servem os melhores
métodos sem os melhores modelos. O solo é complexo e seu modelo é por demasiado
simplificado e, apesar de não ser o foco deste trabalho, um capítulo inteiro foi dedicado ao
seu estudo, sua modelagem e a sua medição.
O capítulo 3 trata muito brevemente dos métodos analíticos e semi-empíricos que são
utilizados nos projetos de aterramento, para que o método numérico possa ser validado. De
certa forma, todo modelo numérico deve ser calibrado, testado e comparado com modelos
exatos, para que se tenha o mínimo de confiança nos resultados. As equações analíticas
serão listadas sem alguma demonstração formal, pois não faz parte do escopo.
O capítulo 4 discorre sobre os quatro principais métodos numéricos utilizados na
solução de problemas eletromagnéticos e demonstra-se, brevemente e sem muita
formalidade, que o método dos elementos finitos (MEF) é o mais adequado para o estudo
do aterramento em regime estacionário, representativo para baixas freqüências. Nota-se que
quase todos os estudos numéricos de sistemas de aterramento elétrico se utilizam do MEF,
salvo exceções de estudos em altas-freqüências ou transientes no domínio do tempo.
Depois, retoma-se o método dos elementos finitos, demonstrando sua fundamentação
matemática e sua implantação sob a forma de rotinas de computador. Além disso, comenta-
4
se também da otimização do processamento, tomando partido da esparsidade da matriz
global. Então se aborda a aplicação do PML – Perfect Matched Layer – um artifício
matemático que reduz drasticamente os erros devido ao truncamento do domínio. Discute-
se também a utilização do GMSH, aplicativo livre para geração de malhas, pré e pós-
processamento dos resultados.
No capítulo 5 o MEF é validado com modelos analíticos e então aplicado a malhas de
aterramento reais de subestações de grandes indústrias e usinas hidroelétricas. Comparam-
se então os resultados obtidos numericamente com os cálculos analíticos e semi-empíricos.
Neste capítulo procura-se demonstrar a validade do método numérico na síntese e na
análise de sistemas de aterramento.
Por fim, o capítulo 6 traz as conclusões e comentários finais sobre a aplicação do MEF,
resume os resultados obtidos, indica possíveis complementações a este trabalho, discorre
sobre as dificuldades encontradas na implementação do método e pondera sobre a possível
utilização de softwares de otimização acoplados com o MEF para geração de malhas de
aterramento ótimas.
5
2. SOLO
2.1 A RESISTIVIDADE DO SOLO
A estrutura do solo afeta significativamente um sistema de aterramento elétrico. Além
disso, sua composição varia muito com o tempo e com o clima, fazendo com que os
parâmetros elétricos do aterramento se modifiquem. Um bom projeto deve levar essas
questões em consideração, para que todos os critérios de segurança sejam satisfeitos.
O tipo de solo, a umidade e a temperatura podem fazer com que sua resistividade
assuma valores tão baixos quanto alguns ohms-metro e cresça até valores tão altos quanto
dezenas de milhares de ohms-metro. Essa constante incerteza na resistividade do solo é um
dos grandes problemas no projeto de um sistema de aterramento elétrico e, mesmo através
de ensaios em campo, não se assegura que ela se manterá estável com o decorrer do tempo.
Soma-se a isso a natureza complexa do estudo dos campos eletromagnéticos e a ausência de
modelos bem representativos da condução elétrica no solo e tem-se então uma noção da
dificuldade de se projetar uma malha de aterramento. Portanto, para compreender como o
solo afeta o projeto de um sistema de aterramento elétrico, precisa-se compreender o que
vem a ser o solo em si. Neste capítulo, busca-se entender como é sua estrutura e
composição e, principalmente, entender os mecanismos de condução elétrica através dele.
Para as aplicações de engenharia elétrica, entende-se por solo como tudo o que está
abaixo do plano da terra, vulgarmente, tudo o que está debaixo de nossos pés. Porém, em
geologia, o solo se refere apenas à camada de material que se situa acima das rochas
consolidadas. Essas rochas surgiram a milhões de anos, e a ação da chuva e do vento da
atmosfera primitiva as lixiviaram causando um acúmulo de material, formando assim um
solo primitivo argiloso. O processo natural de lixiviação, decomposição, acumulação e
sedimentação fizeram com que a profundidade do solo aumentasse com o passar do tempo.
Formaram-se diversas camadas, cada qual com suas características químicas e físicas, como
a resistividade elétrica.
6
O solo contém três grupos minerais: a argila, que é composta por grãos muito finos e
que consegue reter muita água, o silte (ou limo) que é composto por grãos menos finos e
que retém pouca água e a areia, que são grãos espessos e que retém quase nada de água.
Como a água é o principal responsável pela condução elétrica no solo, é de se esperar que a
resistividade de um solo argiloso seja significativamente menor do que a de um solo siltoso
ou arenoso. Pedregulhos, seixos, cascalhos e brita, por exemplo, não conseguem reter água
alguma e por isso são utilizados em subestações para isolar as pessoas do contato direto
com o solo mais úmido. Além disso, as rochas consolidadas são praticamente impermeáveis
e conduzem quase nada. A Ilustração 2-1 mostra os grupos mineirais. A
Tabela 2-1 provê resistividades representativas para alguns tipos de solos com suas
umidades típicas.
Argila
Silte
Areia
Brita
Ilustração 2-1 – principais grupos minerais – fonte: Wikipedia (www.wikipedia.org)
7
Tabela 2-1 – Resistividade para alguns tipos de solo
Tipo de Solo Resistividade (Ω.m) Lama 5 a 100
Terra de jardim com 50% de umidade 140 Terra de jardim com 20% de umidade 480
Argila seca 1 500 a 5 000 Argila com 40% de umidade 80 Argila com 20% de umidade 330
Areia seca 3 000 a 5 000 Calcário compacto 1 000 a 5 000
Granito 1 500 a 10 000
Fonte: Kindermann e Campagnolo [1]
A água presente no solo favorece a condução da corrente elétrica, pois os sais oriundos
das rochas e presentes no solo acabam por se dissolver, formando íons, um meio eletrolítico
favorável à condução da corrente iônica. Portanto é de se esperar que quanto maior a
umidade presente no solo, maior será a sua capacidade de condução de corrente elétrica. De
fato, qualquer tipo de solo conduz corrente alguma quando perfeitamente seco, porém
conduz razoavelmente quando um mínimo de umidade está presente.
A temperatura também influi significativamente na resistividade do solo, pois determina
a dispersão das ligações iônicas entre os grânulos de terra no solo. Quando a água congela a
resistividade cresce vertiginosamente com o decréscimo de temperatura. Para se ter uma
noção do efeito da umidade e da temperatura, toma-se como exemplo o solo arenoso, como
os dados apresentados na Tabela 2-2 e Tabela 2-3.
Tabela 2-2 – resistividade de um solo arenoso para diversos índices de umidade
Umidade (% do peso)
Resistividade (Ω.m) de um solo arenoso
0,0 10 000 000 2,5 1 500 5,0 430 10,0 185 15,0 105 20,0 63 30,0 42
Fonte: Kindermann e Campagnolo [1]
Tabela 2-3 – resitividade de um solo arenoso úmido para diversas temperaturas
Temperatura (ºC)
Resistividade (Ω.m) de um solo arenoso
20 72 10 99
0 (água) 138 0 (gelo) 300
-5 790 -15 3 300
Fonte: Kindermann e Campagnolo [1]
8
As tabelas Tabela 2-2 e Tabela 2-3 podem sugerir que a
Tabela 2-1 não tem utilidade alguma na previsão da resistividade do solo a ser estudado.
Em verdade, cada tipo de solo tem uma faixa de umidade e consequentemente uma faixa de
valores possíveis para a sua resitividade. Por exemplo, a argila é tão fina que naturalmente
sempre haverá um mínimo de umidade, ainda mais por estar localizada mais
profundamente, onde a variação de umidade e temperatura é menor, e sempre haverá um
máximo de umidade, pois além de certa quantidade de água esse solo saturaria. E isso
ocorre com todos os horizontes mais profundos. Porém, a concentração de água (umidade)
dos solos mais superficiais e sua temperatura variam significativamente com o clima, as
chuvas e o período do ano. Se o solo superficial tiver baixa capacidade de retenção de água,
como um solo arenoso, essas variações serão ainda maiores.
Esse capítulo procura demonstrar que sempre haverá uma grande incerteza quanto à
resistividade do solo e que o modelo de solo homogêneo, perfeitamente estratificado e
contínuo não tem correspondência real. Por melhor que seja o método aplicado a análise de
um sistema de aterramento, seja ele numérico ou analítico, ele jamais representará
fielmente o fenômeno físico e carregará consigo grandes incertezas que devem ser
enfatizadas. Contudo, até o presente momento não há outras modelos para o solo, pelo
menos que sejam implantáveis, e o modelo de camadas homogêneas, contínuas e
perfeitamente estratificadas satisfazem a necessidade dos projetos de aterramento, dando-
lhos uma visão qualitativa e, por vezes, quantitativa com ressalvas.
9
2.2 MEDIDA DE RESISTIVIDADE E ESTRATIFICAÇÃO DO SOLO
Conhecer a resistividade do solo para várias profundidades é extremamente importante
para um bom projeto de um sistema de aterramento. As medições devem ser feitas na
região a ser construído o sistema, ao longo de várias direções e tomando-se várias medidas
de resistência, para obter uma média representativa e com o menor desvio possível.
Existem três experimentos largamente divulgados para se medir a resistividade do solo para
diversas profundidades: o método de Lee, o de Schlumberger-Palmer e o de Wenner. Este
último é sem dúvida alguma o mais utilizado, por ser muito prático e simples.
Para o método de Wenner, são necessárias quatro hastes com cerca de meio metro de
comprimento e de 10 a 15 mm de diâmetro, de material condutor, isenta de gordura ou
oxidação que possa atrapalhar o bom contato elétrico com o solo. Estas hastes devem ser
dispostas em linha reta ao longo do solo a ser estudado, enterradas à mesma profundidade,
entre 20 e 30 cm, e espaçadas de uma distância a, conforme mostrado na Ilustração 2-2.
Ilustração 2-2 – Método de Wenner
10
Injetando-se uma corrente através das hastes externas, mede-se a diferença de potencial
entre as duas hastes internas, e a partir da relação tensão por corrente injetada surge uma
resistência elétrica que é proporcional à resistividade do solo. Existem aparelhos próprios
para executar esse procedimento, os terrômetros, sendo o mais famoso deles o Megger.
A referência [1], demonstram a fórmula de Palmer para um solo homogêneo (de
resistividade constante), que relaciona os parâmetros geométricos e a resistência medida
com a resistividade do solo. A mesma referência simplifica a fórmula de Palmer para casos
em que o espaçamento é muito grande frente ao comprimento da hastes, que resulta na
Equação 2-1.
Raπρ 2= Equação 2-1
O método de Wenner não contempla apenas o caso de solo homogêneo. Na prática, solo
algum é dessa forma. Segundo [1], a resistividade obtida pelo método de Wenner é
representativa da resistividade do solo a uma profundidade igual ao espaçamento entre
hastes:
O método [de Wenner] considera que praticamente 58% da distribuição de corrente que passa entre as hastes externas ocorre a uma profundidade igual ao espaçamento entre as hastes... A corrente atinge uma profundidade maior, com uma área de dispersão grande, tendo, em conseqüência, um efeito que pode ser desconsiderado. Portanto, para efeito do Método de Wenner, considera-se que o valor da resistência elétrica lida no aparelho [terrômetro] é relativa a uma profundidade a do solo.
(Ref. [1], 1995, p. 21)
Para efeito de modelagem do sistema de aterramento, tanto analítica quanto numérica,
uma distribuição contínua e variável de resistividade em função da profundidade, como a
obtida através do método de Wenner, não se mostra prática. Costuma-se, então, a dividir o
solo em camadas de resistividade constante, representativas de certa faixa de profundidade.
O solo pode ser estratificado em quantas camadas forem necessárias, em geral não mais que
duas ou três, pois as camadas muito mais profundas que o sistema de aterramento tem
pouca influência sobre a resistividade aparente. A referência [1] demonstra vários métodos
de estratificação, os de duas camadas usando curvas, usando técnicas de otimização,
métodos de camada dupla simplificados, o método de Yokogawa e métodos para várias
camadas como o de Pirson. Não é escopo desse trabalho demonstrar algum método de
11
estratificação, basta apenas o leitor estar ciente de que é possível, adequado e recomendável
representar o solo em camadas de resistividade constante.
Em suma, conclui-se que a resistividade do solo depende de sua composição, da
temperatura e principalmente de sua umidade. Além disso, mesmo que a resistividade varie
ao longo da profundidade, é adequado modelar o solo em duas ou três camadas
representativas das profundidades de interesse.
12
3. MÉTODOS ANALÍTICOS
É muito comum na ciência construírem-se modelos complexos a partir de modelos
muito mais simples, bem conhecidos e validados. Com o advento da análise numérica, os
programas de cálculo de engenharia sempre são comparados com casos simples para que
possam ser validados. Se o cálculo numérico submetido às mesmas condições de contorno
que um cálculo analítico apresentar resultados totalmente diversos a este, então, nem ao
menos se pode confiar no método numérico. Portanto, comparar resultados numéricos com
os analíticos é um passo importante na validação de qualquer método numérico.Tendo isso
em vista, esse capítulo se dedica a apresentar os principais elementos de sistemas de
aterramento elétrico que possuem soluções analíticas, contudo, sem demonstrações formais.
Em geral, os sistemas de aterramentos são compostos por fios ou cabos condutores
dispostos horizontalmente ou verticalmente no solo. O comprimento, o diâmetro e a
disposição destes cabos no solo são parâmetros determinantes na dispersão das correntes e,
conseqüentemente, na resistência do sistema a terra e na distribuição de potencial ao longo
do solo. Em aterramentos de maiores dimensões, vários cabos são ligados entre si de forma
a construir uma malha de aterramento, uma geometria de cálculo significativamente mais
complexa. Os casos mais simples a serem abordados são:
Haste simples disposta verticalmente
Condutor enterrado horizontalmente
Dois condutores em ângulo reto dispostos horizontalmente
Dois condutores em cruz dispostos horizontalmente no solo
As soluções analíticas são deduzidas através da aplicação das leis de Maxwell e toma-se
vantagem da simetria dos casos analisados. Assume-se que as geometrias são compostas de
condutores cilíndricos, cujos comprimentos são significativamente maiores que seus
diâmetros. Além disso, os modelos analíticos supõem que através do sistema de
aterramentos é vista uma resistividade aparente do solo, como se o solo fosse homogêneo.
Esta simplificação é razoável quando o sistema de aterramento está todo contido dentro de
uma única camada de resistividade constante. Nestes modelos, pode-se levar em conta a
13
estratificação do solo em camadas corrigindo-se o valor da resistividade aparente para uma
profundidade de interesse. Em outras palavras, a resistividade aparente é unicamente um
artifício matemático para modelar o solo em questão1. Essas assunções são válidas, pois
grande parte da energia é dissipada muito proximamente ao sistema de aterramento, onde a
resistividade pode ser considerada constante.
3.1 RESISTÊNCIA DE HASTES VERTICAIS
Uma haste delgada enterrada verticalmente no solo é o sistema de aterramento mais
simples que existe. Este tipo de sistema é largamente utilizado em residências e em postes
para aterrar o neutro do secundário dos transformadores de distribuição.
Ilustração 3-1 – distribuição das equipotenciais em uma haste simples
1 Existem diversas formas para se encontrar a resistividade aparente do solo. Cita-se, por exemplo, a fórmula de Hummel (Ref. [1]) para um solo estratificado em duas camadas.
14
A corrente injetada no topo da haste desce, se espalha pela superfície do condutor e se
propaga através do solo, formando superfícies equipotenciais elípticas que ao se
distanciarem da haste tornam-se cada vez mais esféricas. Nota-se que o campo elétrico
decresce muito rapidamente ao se distanciar da haste, isso reitera a afirmação de que grande
parte da energia dissipada se dá muito próximo da haste. As referências 1 e 2 descrevem a
equação para a resistência de uma única haste como:
−
= 14
2 r
Ln
LR a
h lπρ
Equação 3-1
Onde:
aρ é a resistividade aparente do solo [Ω.m]
L é o comprimento da haste [m]
r é o raio da haste [m]
A partir da Equação 3-1, nota-se que conforme se aumenta o comprimento da haste,
diminui-se sua resistência de aterramento. Porém, chega-se a um ponto que aumentar o
comprimento da haste já não é mais vantajoso, pois mesmo aumentando-se bastante o
comprimento da haste, a redução da resistência será muito pequena. Portanto há um
tamanho de haste economicamente ótimo para a maioria dos casos. Em geral, as hastes
comerciais têm entre 2,4 e 3,0 m de comprimento e de ½ a ¾ de polegada de diâmetro.
O caso da haste delgada também possui solução analítica para a distribuição de
potencial no solo, conforme mostra a equação 3-2.
( )d
LdLn
L
IrV a ++=
22
2l
πρ
Equação 3-2
Onde:
I é a corrente de defeito a fluir pela haste [A]
aρ é a resistividade aparente do solo [Ω.m]
L é o comprimento da haste [m]
d é a distância da haste [m]
15
3.2 RESISTÊNCIA DE CONDUTORES DISPOSTOS HORIZONTALMENTE
Várias hastes verticais podem ser interligadas de forma a reduzir a resistência do
sistema de aterramento. Em geral, essa ligação entre hastes é feita através de condutores
dispostos horizontalmente no solo a uma dada profundidade. Estes condutores de fato
contribuem ainda mais para a redução da resistência do sistema.
A interação mútua entre os condutores horizontais e os verticais é extremamente
complexa e não há solução analítica que contemple esse caso até o presente momento.
Porém, ainda assim, é interessante estudar o caso de condutores horizontais enterrados para
os fins de validação dos programas e para alguns casos práticos como a resistência de cabos
contra-peso de torres de transmissão.
Ilustração 3-2 – condutor disposto horizontalmente
16
Em [1], apresenta-se a seguinte equação para um condutor singelo enterrado no solo:
−+−
= Ll
L
p
rp
Ln
LR a 22
2
2
πρ
Equação 3-3
Onde:
aρ é a resistividade aparente do solo [Ω.m]
L é o comprimento do condutor [m]
r é o raio do condutor [m]
p é a profundidade [m]
Há também outras formas de se dispor condutores no solo. Por exemplo, dois
condutores formando um ângulo reto, ou então uma cruz. Como nas figuras abaixo. A
referência [1] propõe solução analítica para estes casos (Equação 3-4 e Equação 3-5).
Ilustração 3-3 condutores dispostos em L e em cruz
17
Equação para dois condutores enterrados horizontalmente em ângulo reto:
++−
= Ll
L
p
rp
Ln
LR a 4292,02373,0
4
2
πρ
Equação 3-4
Equação para dois condutores enterrados horizontalmente em cruz:
+−+
= Ll
L
p
rp
Ln
LR a 284,4526,1
4
2
πρ
Equação 3-5
A referência [1] ainda mostra que, dado um comprimento de cabo para ser enterrado
horizontalmente, a configuração de menor resistência é a do condutor singelo, seguido pelo
ângulo reto e depois pela cruz. Isso se explica em razão da interferência e da redução do
comprimento efetivo das pontas. De acordo com o exemplo da referência, dispõe-se de 60
m de um condutor com 6 mm de diâmetro, a ser enterrado a 60 cm de profundidade em um
solo com resistividade aparente de 1000 Ω.m. A Tabela 3-1 mostra os resultados.
Tabela 3-1 – comparação entre geometrias Configuração Resistência [Ω.m]
Um único condutor 35,0
Dois condutores em ângulo reto 64,8
Dois condutores em cruz 73,2
Estes quatro sistemas de aterramento que possuem solução analítica serão utilizados
como base para a validação do programa de elementos finitos no final deste trabalho.
18
3.3 RESISTÊNCIA DE UMA MALHA DE ATERRAMENTO SEGUNDO A
IEEE STD 80
Em sistemas de potência, exige-se uma baixíssima resistência de terra, tanto por
critérios técnicos, relacionados à proteção do sistema, como também por critérios de
segurança a vida. Os sistemas de aterramento devem ser dimensionados de tal maneira que
a distribuição de potencial elétrico causado pela falta não torne um operador próximo
sujeito a tensões elevadas. Em outras palavras, a diferença de potencial entre suas
extremidades como mãos e pés, etc, não pode ultrapassar um valor crítico, acima do qual
causaria fibrilação do coração.
Para satisfazer as duas condições, a baixa resistência a terra e baixos potenciais de toque
e de passo, as subestações elétricas costumam utilizar uma malha de terra composta de
cabos horizontais em quadriculados e hastes verticais conectadas a alguns (ou todos) os nós
da malha. A Ilustração 3-4 ilustra uma típica malha de terra e seus parâmetros geométricos.
As malhas de terra são muito eficientes e econômicas, e são utilizadas em quase todas as
subestações.
Ilustração 3-4 – parâmetros geométricos de uma malha retangular.
19
Para a malha de terra não há solução analítica. Mesmo que se compusesse a malha
como a resistência paralela de vários condutores enterrados horizontalmente e hastes
verticais, o resultado seria significativamente menor do que o real em razão do desprezo
das intereferências. Logo, não há modelo analítico que possa representá-la. O que se faz
desde há muito tempo é utilizar uma fórmula semi-empírica, descrita na norma IEEE Std 80
[2]. De fato, as malhas das subestações utilizadas como exemplo neste trabalho foram
calculadas de acordo com esta norma. A norma cita a fórmula de Sverak para uma primeira
estimativa da resistência da malha.
Fórmula de Sverak:
+++=
mmmtam
AhALR
/201
11
20
11ρ Equação 3-6
Onde:
Rm é a resistência da malha
ρa é a resistência aparente do solo
Lt é o comprimento total de cabos e hastes
Am é a área ocupada pela malha
hm é a profundidade da malha
Neste capítulo, demonstraram-se as soluções analíticas para alguns sistemas simples de
aterramento feitos por condutores e hastes e o método proposto pela norma IEEE Std 80
para malhas de subestações. Várias páginas deste trabalho foram dedicadas a estas soluções
analíticas e semi-empíricas para que depois os resultados numéricos do programa possam
ser validados.
Aqui se encerram as discussões sobre métodos analíticos, semi-empíricos,
estratificação, medida e modelagem do solo, para dar lugar ao cerne deste trabalho: a
utilização dos métodos numéricos para o cálculo de sistemas de aterramento elétricos.
20
4. MÉTODO DOS ELEMENTOS FINITOS
4.1 MÉTODOS NUMÉRICOS PARA ELETROMAGNETISMO
Os problemas de aterramento são típicos problemas de eletromagnetismo, que é uma
ciência regida por equações diferenciais vetoriais, e eles têm sido resolvidos
numericamente por três tipos de métodos [3]: os baseados em teoria de circuitos e linhas de
transmissão, aqueles baseados no cálculo de campos eletromagnéticos e os híbridos.
O método que se baseia na teoria de circuitos é o Método das Linhas de Transmissão ou
TLM (Transmission Line Method), que se utiliza da analogia existente entre as equações
que regem os campos eletromagnéticos e as equações de propagação de ondas em uma
linha de transmissão. Este método cria correspondência física ao substituir o domínio de
estudo por um reticulado de linhas de transmissão onde as correntes e tensões nos seus nós
representam os campos magnético e elétrico, respectivamente. As linhas de transmissão
podem ser a parâmetros concentrados ou distribuídos e o sistema é resolvido da mesma
forma que os sistemas elétricos de potência, através de matrizes de rede.
O TLM se baseia, também, no modelo de propagação de onda de Huygens. Dada uma
perturbação em um ponto qualquer do domínio de estudo, leva um tempo até que os outros
pontos tomem ciência. Isto aproxima ainda mais este modelo da realidade física. O TLM é
vantajoso ao lidar com situações que envolvam fenômenos de propagação (alta freqüência),
como uma descarga atmosférica, por exemplo. Porém, em baixas freqüências, o método
tende a ficar impreciso. O TLM tem algumas desvantagens, por exemplo, sua implantação
não é trivial. Além disso, é muito difícil de modelar meios anisotrópicos, o que torna muito
trabalhosa a implantação de PMLs. Este método foi utilizado raramente para simulação de
sistemas de aterramento em regime estacionário.
21
Os métodos com base na teoria eletromagnética são mais robustos que aqueles baseados
na teoria de circuitos, pois admitem menos hipóteses aproximadoras [3] e também há
também o fato de que são mais adequados a problemas em baixa frequência. Ainda assim,
há muitos métodos baseados na teoria eletromagnética e este trabalho discorrerá muito
brevemente sobre eles e suas aplicações.
Podem-se dividir os métodos numéricos para resolução de problemas de equações
diferenciais parciais, ou problemas de contorno, em duas grandes classes: métodos
integrais, ou de fronteira, e os métodos diferenciais, ou de domínio.
Os métodos de fronteira são voltados para a solução de equações integrais e tratam de
encontrar condições de contorno para estas equações que se adequem às condições de
contorno na fronteira. Numa etapa posterior, de pós-processamento, a distribuição interna
dos campos é determinada analiticamente através das equações integrais. Essa característica
peculiar dos métodos de fronteira faz com que eles sejam capazes de lidar com geometrias
infinitas ou semi-infinitas e, por essa razão, têm sido largamente utilizados em problemas
de antenas. O Método dos Momentos e o Método dos Elementos de Fronteira (ou
Contorno) são exemplos clássicos de métodos integrais.
Há dois grandes inconvenientes nestes métodos de fronteira que limitam a sua
aplicação. Um deles é a limitação a problemas cujos meios são homogêneos, isotrópicos e
lineares e o outro é que esses métodos levam a matrizes cheias. Essas matrizes crescem
com o quadrado do tamanho do problema e passam a exigir grandes quantidades de
memória para problemas relativamente pequenos. Já os métodos de domínio levam a
matrizes esparsas, normalmente de bandas, que crescem quase que linearmente com o
tamanho do problema. Por essa razão os métodos de domínio são geralmente muito mais
eficientes que os de fronteira para problemas relativamente grandes e, portanto, têm mais
aplicações a estudos eletromagnéticos, em especial ao estudo do aterramento.
Os métodos diferenciais partem da discretização do domínio de estudo em uma malha
para então discretizar as equações diferenciais que regem o problema, de forma que elas
possam ser escritas como equações algébricas lineares, passíveis de serem resolvidas por
um computador. Essas equações lineares podem ser solucionadas iterativamente, como
22
pelos métodos de Gauss-Seidel, ou então deterministicamente como pelo método da
Eliminação de Gauss com pivotamento, etc.
Dos diversos métodos de domínio aplicáveis a problemas eletromagnéticos, dois são de
grande interesse para o estudo de aterramentos: o Método das Diferenças Finitas (MDF) e o
Método dos Elementos Finitos (MEF).
O Método das Diferenças Finitas divide o domínio a ser estudado em uma malha
estruturada de nós, aproxima a equação diferencial que rege o fenômeno e as condições de
contorno em equações lineares algébricas mais simples (chamadas equações de diferenças
finitas) e então resolve esse sistema algébrico de equações aproximadas. Se o número de
nós da malha for suficientemente grande, isto é, se a distância entre os nós for muito
pequena, no limite a solução das equações algébricas tenderá a ser a mesma das equações
diferenciais.
Quando se trata de métodos numéricos para eletromagnetismo, o MDF é geralmente
utilizado para se resolver problemas no domínio do tempo, o tão chamado FDTD (Finite
Difference Time Domain). É um método direto, de formulação muito simples e fácil de ser
implantado. As equações de Maxwell são discretizadas a partir de aproximações de
diferenças centrais em relação às derivadas no tempo e no espaço. Logo, essas equações
algébricas de diferenças finitas (não mais equações parciais diferenciais), são resolvidas
progressivamente para cada instante de tempo, partindo-se de um instante zero e condições
iniciais conhecidas. Por exemplo, para um dado instante de tempo, num primeiro momento
resolve-se o campo elétrico ao longo do domínio de estudo e num segundo momento
resolve-se então o campo magnético. Então, parte-se para o próximo instante de tempo.
Repetem-se os cálculos até que o período a ser analisado se complete ou então até que o
sistema atinja o regime permanente.
Um dos pontos mais fortes do FDTD é que ele pode abranger uma gama de freqüências
muito grande, desde freqüências muito baixas da ordem de alguns Hertz a freqüências
elevadíssimas da ordem dos GHz. Esse método tem sido utilizado com sucesso na
resolução de problemas de aterramento onde se está interessado no transitório, como a
condução de uma descarga atmosférica para a terra. Porém, quando freqüências muito altas
23
estão presentes, o espaçamento entre os nós, tanto no espaço quanto no tempo, deve ser
consideravelmente pequeno, para que pequenos comprimentos de onda possam ser
devidamente representados. Isso cria malhas de tamanhos exorbitantes, muito pesadas
computacionalmente e que pode levar a tempos proibitivos de simulação.
Outra grande desvantagem do MDF é que para facilitar a aproximação por diferenças
finitas, normalmente adota-se uma malha espacial reticulada (estruturada), feita através
cubos. Este tipo de malha não é conveniente para algumas geometrias curvas, que são
muito comuns, como cilindros (modelo de um condutor, por exemplo). Esse é o fato
gerador de muitos erros do método, exigindo uma discretização consideravelmente mais
fina para tentar acompanhar os contornos mais curvos. Apesar disso, o MDF em especial o
FDTD, tem sido utilizado para simulação de transitórios eletromagnéticos em sistemas de
aterramento.
O método dos elementos finitos (MEF) baseia-se na discretização do domínio de estudo
em diversos subdomínios menores (ou elementos), onde os parâmetros a serem analisados
em seu interior, como tensões, temperaturas, potenciais, etc., são aproximados por alguma
função interpoladora a partir dos valores em seus nós. Há formulações mais avançadas do
MEF que utiliza elementos de arestas, ao invés de elementos de nós, que têm sido
empregados com muito sucesso por [3] em problemas de altas frequencias que envolvem
propagação. Neste trabalho, limitar-se-á apenas ao MEF nodal.
Ainda que o MEF seja mais complexo, menos intuitivo, conceitualmente mais
elaborado e significativamente mais difícil de ser implantado que o MDF, ele é
consideravelmente mais versátil que este, pois os elementos finitos não precisam ser
necessariamente iguais. Isto faz com que domínios de estudo com geometrias complexas
possam ser analisados com maior precisão. Além disso, podem-se estabelecer mais
elementos em regiões de interesse, onde os campos variam rapidamente ou o raio de
curvatura é pequeno, e diminuir o número de elementos em regiões distantes.
24
4.2 APLICAÇÃO DO MEF EM SISTEMAS DE ATERRAMENTO
4.2.1 Formulação Matemática
Nos jargões do eletromagnetismo, o estudo do aterramento elétrico em regime
permanente se caracteriza como um problema de eletrocinética. De outra maneira, trata-se
de um problema em que cargas elétricas em movimento constante geram campos elétricos e
magnéticos invariantes no tempo.
As equações que regem a eletrocinética podem ser facilmente derivadas a partir das
equações de Maxwell ao se levar suas derivadas parciais com relação ao tempo a zero e
assumir que a carga líquida em um ponto é nula. A tabela X abaixo resume as equações de
Maxwell em sua forma geral e para o caso particular da eletrocinética.
Tabela 4-1– Equações para o eletromagnetismo geral e eletrocinética nas suas formas diferenciais
Forma Geral Eletrocinética
Lei de Faraday t
BE
∂∂−=×∇r
r 0=×∇ E
r
Lei de Ampère t
DJH
∂∂+=×∇r
rr JH
rr=×∇
Lei de Gauss ρ=⋅∇ Dr
0=⋅∇ Dr
Lei de Gauss para o Magnetismo 0=⋅∇ Br
0=⋅∇ Br
Lei da Continuidade t
J∂∂−=⋅∇ ρr
0=⋅∇ Jr
Relação Constitutiva EJrr
σ= EJrr
σ=
25
A lei da continuidade assume a indestrutibilidade da carga, pois se o fluxo líquido de
cargas em um dado ponto do espaço não for nulo, então este ponto estará acumulando
cargas elétricas. Porém, no regime eletrocinético, a quantidade de carga em um ponto não
varia com o tempo, em outras palavras, não há acumulo de cargas. Por sua vez, a equação
constitutiva relaciona uma propriedade física do material a variáveis elétricas.
A partir da lei da continuidade e da relação constitutiva deduz-se a equação do
problema deste estudo. Para tanto, relaciona-se o campo elétrico com o potencial elétrico V:
( )VEJ ∇−== σσrr
( ) 02 =∇−=∇−⋅∇=⋅∇ VVJ σσr
Destas relações, fica claro que a equação que rege o aterramento elétrico em regime
permanente é a equação conservativa de Laplace. Há também outras condições de fronteira
que devem ser obedecidas para garantir a unicidade à solução. A superfície fechada
ND Γ+Γ=Γ que delimita o domínio de estudo Ω é dividida em duas fronteiras, onde se
aplicam diferentes condições de contorno, como mostrado na Ilustração 4-1.
ΓN
ΓD
ΓD
Ilustração 4-1 domínio de estudo truncado
26
A fronteira DΓ , que foi truncada, deve representar o ponto de terra remoto (infinito) e,
portanto, nela se impõe potencial elétrico nulo. Em tese, o potencial elétrico a uma
distância finita da fonte de campo tem um valor finito não nulo, porém é razoável assumir
que o potencial 0V neste ponto de fronteira seja praticamente zero desde que ele esteja a
uma distância razoável da fonte de campo. A essa imposição denomina-se condição de
Dirichlet.
Quanto à fronteira NΓ , que representa a superfície da subestação, deve-se impor a
condição de von Neumann, pois se assume que não há corrente elétrica atravessando-a. É
uma aproximação muito conveniente e adequada, pois se considera que o ar é um isolante
perfeito. Essa hipótese também é muito razoável, já que a condutividade do ar é
significativamente menor do que a do solo comum.
Em suma, as equações X, Y e Z resumem a formulação matemática que governa o
aterramento elétrico em regime estacionário.
02 =∇ Vσ em Ω Equação 4-1
0VV = em DΓ Equação 4-2
0ˆ =⋅ nJr
, ou 0ˆ =⋅∇ nV , ou ainda 0ˆ
=∂∂
n
V em NΓ Equação 4-3
Onde n é um vetor normal à fronteira de superfície.
Então o método dos elementos finitos é usado para se resolver estas equações
simultaneamente e este processo se inicia pela divisão do domínio de estudo.
27
4.2.2 Divisão do Domínio de Estudo
O primeiro passo na implantação do MEF para se resolver um problema consiste na
divisão do domínio de estudo em regiões menores, em elementos, de tal forma que eles
sejam conectados em seus vértices (nós). O MEF calculará o potencial elétrico nos nós da
malha criada, e o aproximará dentro de um elemento através de uma função que será
discutida mais adiante. O importante neste primeiro momento é que a malha seja adequada
ao tipo de problema a ser resolvido. Isso significa que deve haver mais elementos em
regiões com maior variação (gradiente) de potencial e elementos menores nas regiões de
pequeno raio de curvatura para se conformarem melhor ao perímetro, de forma melhorar a
precisão numérica. No caso do estudo de aterramento, isso significa que deve haver muitos
elementos no entorno dos condutores, tanto pelo fato geométrico quanto pela magnitude do
campo elétrico.
O processo de divisão do domínio de estudo pode ser feito manualmente, o que é muito
trabalhoso para geometrias muito grandes e complexas, ou, como é mais comum, através de
um gerador de malha que divide automaticamente o domínio a ser estudado. Neste trabalho,
os autores utilizaram o GMSH [7], um software livre, para criar as malhas, que será citado
mais adiante.
Há diversos tipos de malhas, como as malhas estruturadas, que possuem regularidade na
formação de seus elementos e as malhas não estruturadas, muito irregulares, mas que se
conformam melhor em geometrias mais complexas. Podem-se utilizar os mais diversos
elementos para se discretizar o domínio, cada qual com suas características. O tipo de
elemento influi no tempo de processamento do problema e na precisão dos resultados. A
Ilustração 4-2 mostra alguns elementos.
28
Elementos bidimensionais
Elementos tridimensionais
Elemento unidimensional
Ilustração 4-2 elementos típicos para o método dos elementos finitos
O GROUND-3D utiliza elementos de uma, duas e três dimensões. Os elementos
unidimensionais são usados para representar os condutores da malha, já que seus
comprimentos são muito mais significativos que seus diâmetros. Os elementos
bidimensionais são triângulos usados para representar camadas cuja espessura são
insignificantes frente ao tamanho do domínio de estudo, como a camada superficial de brita
da subestação. Por fim, os elementos tridimensionais são prismas de base triangular usados
para representar o solo em si.
29
4.2.3 Funções Interpoladoras e Funções de Forma
Depois de se ter definido a malha, define-se uma equação que aproxime o potencial
elétrico ao longo de um elemento. Essas equações são tipicamente funções polinomiais, que
são mais simples de derivar. Essas funções interpolam o valor do potencial elétrico dentro
do elemento a partir dos potenciais em seus nós. Dessa forma, ao se somar as funções
interpoladoras de todos os elementos do domínio têm-se uma aproximação do parâmetro de
estudo (potencial elétrico) ao longo de todo o domínio (solo).
Então, se N for o número total de elementos no domínio, ( )zyxVe ,, for uma função
interpoladora do potencial elétrico para o elemento e, tendo um valor qualquer dentro desse
elemento e valendo zero fora dele, então se pode escrever que o potencial elétrico em
qualquer ponto do domínio ( )zyxV ,, como:
( ) ( )∑=
≅N
ee zyxVzyxV
1
,,,, Equação 4-4
A função interpoladora ( )zyxVe ,, pode assumir diversas formas. Ela define em boa
parte a precisão da simulação e para cada tipo de elemento há uma função interpoladora
adequada. Por exemplo, para um elemento tetraédrico que possui apenas 4 nós (em seus
vértices), uma função interpoladora típica é:
( ) dzcybxayxVe +++=, Equação 4-5
A Equação 4-5 é chamada de função interpoladora de primeira ordem e é utilizada em
elementos de primeira ordem, porque os parâmetros x, y e z são elevados à unidade. O
triângulo de três nós e o quadrilátero de quatro nós da Ilustração 4-2 são exemplos de
elementos de primeira ordem.
Em algumas aplicações, onde se exige maior precisão dos cálculos, elementos de
segunda ordem são utilizados, como o triângulo de seis nós e o quadrilátero de oito nós da
Ilustração 4-2. Nestes elementos são utilizadas funções interpoladoras que possuem termos
30
quadráticos de forma a possibilitar uma melhor interpolação. Porém, em razão do maior
número de nós na malha, o tempo de simulação aumenta consideravelmente, a despeito da
maior precisão obtida.
Para os elementos lineares, que possuem uma função interpoladora como a da Equação
4-5, o gradiente de potencial ao longo do elemento é constante, isto é, o campo elétrico ao
longo do elemento é constante:
zdycxbV ˆˆˆ ++=∇ Equação 4-6
zEyExEE zyx ˆˆˆ ++=r
Equação 4-7
Os coeficientes de interpolação para um elemento qualquer são determinados em função
dos potenciais elétricos nos nós deste mesmo elemento. Por um artifício matemático, pode-
se escrever a interpolação no interior do elemento como um somatório dos potenciais
elétricos nodais ponderados por uma função ( )zyxi ,,α . Mais adiante, essas funções serão
úteis para simplificar o problema de se unir os elementos em uma única equação global.
( ) ( )∑=
=n
ieiie VzyxyxV
1
,,, α Equação 4-8
A esses fatores de ponderação denominam-se funções de forma do elemento (element
shape function) e eles nada mais são que funções de interpolação de ordem igual à do
elemento. Essas funções de forma têm algumas características especiais, que reforçam a sua
natureza ponderadora: elas assumem a unidade quando o ponto de interesse (x,y,z) coincide
com o nó a que ela se refere e assume zero nos outros nós.
31
4.2.4 Formulação Matricial do Problema
O método de Rayleigh-Ritz, que se baseia no cálculo variacional, por esta razão também
é conhecido como método variacional, resolve um problema de contorno ao aproximar a
solução com uma combinação linear finita de funções mais simples. O cálculo variacional
tem por objetivo otimizar (normalmente minimizar) uma classe especial de funções
denomidas funcionais.
A equação de Laplace, que governa o problema do aterramento elétrico no regime
estacionário, é conservativa e sua solução representa um estado de mínima energia para o
sistema. O problema então pode ser resolvido se houver uma forma algébrica de se
representar a energia do sistema em função dos potenciais nodais e, então, determinar a
combinação de potenciais que minimiza essa energia, mas que também satisfaça as
condições de contorno.
Um funcional para a equação de Laplace que rege o problema é aquele que descreve a
energia como aquela dissipada por efeito Joule no solo devido à circulação de corrente.
Partindo-se da interpretação física desse funcional, escreve-se a densidade volumétrica de
potência dissipada como função da condutividade do solo e do quadrado da magnitude do
campo elétrico local.
2
eeeeee EEEEJprrrrr
σσ =⋅=⋅= Equação 4-9
Integrando-se a densidade volumétrica de potência dissipada por efeito Joule ao longo
de todo o elemento, encontra-se a potência dissipada pelo próprio elemento:
∫∫∫∫ ∇== dSVdSEP eee
22σσ
r Equação 4-10
Calculando-se o gradiente do potencial V, obtém-se o campo elétrico para qualquer
ponto de interesse e, dessa forma, a potência dissipada por efeito Joule. Partindo-se das
aproximações para o potencial elétrico no domínio de estudo, vem:
32
( ) ( )∑∑==
∇=
∇=∇=3
1
3
1
,,,,i
ieii
ieiee zyxVzyxVVE ααr
Equação 4-11
Substituindo-se a Equação 4-11 na Equação 4-10, encontra-se uma forma de se
expressar a potência dissipada no interior do elemento como uma função dos potenciais
nodais.
[ ] eji j
jieie VdSVP ∑∑ ∫= =
∇⋅∇=3
1
3
1
αασ Equação 4-12
Definindo-se o termo entre colchetes como:
( )∫ ∇⋅∇= dSG ji
eij αασ Equação 4-13
Pode-se representar a potência dissipada por efeito Joule no interior de um elemento na
forma matricial, como função das tensões nodais:
[ ] ( )[ ][ ]eet
ee VGVP = Equação 4-14
Onde t denota a transposição do vetor de potenciais elétricos e ( )[ ]eG é a matriz dos
coeficientes do elemento, também conhecida como matriz de rigidez, devido à aplicação
pioneira do MEF em análises estruturais. A ordem (tamanho) dessa matriz depende do tipo
de elemento usado e sua ordem é igual ao número de nós do elemento.
Os gradientes das funções de forma, por serem polinômios, são fáceis de calcular e
implantar computacionalmente. Logo, tem-se a potência dissipada em um elemento em
função dos potenciais nodais Ve. O próximo passo é montar os elementos finitos num
processo conhecido como assemblagem (do inglês assembly), relacionando as equações de
todos os elementos em um único sistema global. Por conta disso, a matriz desse sistema é
denominada matriz global, e é dela que se trata a próxima seção.
33
4.2.5 A Matriz Global e a Potência Dissipada
Assim que os coeficientes das matrizes de todos os elementos forem calculados,
prossegue-se para a montagem da matriz global. A partir deste ponto, todas as numerações
dos nós serão globais e não mais locais, como havia sido feito até então. A matriz global
[ ]G é obtida a partir do fato que a distribuição de potencial elétrico deve ser contínua entre
as fronteiras dos elementos. Demonstra-se que um coeficiente qualquer ijG é soma das
contribuições de ( )epqG de cada elemento onde os nós locais p e q são os mesmos que os nós
globais i e j.
A matriz global também é conhecida como matriz de condutâncias, pois a unidade de
seus coeficientes é de condutância (Siemens). Existe uma interpretação física da matriz
global, ela pode ser enxergada como a matriz de rede de um sistema puramente resistivo,
onde os nós dos elementos são os nós dos circuitos elétricos e as arestas dos elementos são
condutâncias que ligam os nós.
Com a matriz global montada, calcula-se a potência dissipada pelo sistema:
[ ] [ ][ ]VGVPP tN
ee ==∑
=1
Equação 4-15
Onde [V] é o vetor de potenciais nodais com referência global:
[ ]
=
nV
V
V
V
V
M
3
2
1
Equação 4-16
Há algumas características muito interessantes que a matriz global possui que acabam
tornando o MEF apelativo. Primeiramente, a matriz global é simétrica, isto é, jiij GG = . A
simetria traz algumas vantagens em operações matriciais, como o cálculo de determinantes.
34
Em segundo lugar, a matriz global é largamente esparsa para sistemas grandes e pode se
tornar uma matriz de bandas se os nós forem cuidadosamente numerados. Essas
características de esparsidade e banda favorecem enormemente os cálculos e reduz
significativamente o tempo de computação. Por fim, a matriz é singular, de modo que é
impossível invertê-la numericamente, tornando o problema de natureza iterativa.
4.2.6 A Solução do Sistema
O sistema é resolvido utilizando-se o método dos gradientes conjugados, um método
iterativo que resolve o sistema através da minimização de um funcional quadrático. Para
tratar do mau condicionamento do sistema utiliza-se uma técnica de pré-condicionamento
denominada Decomposição Incompleta por Cholesky. A associação desses dois métodos
forma o ICCG (Incomplete Cholesky Conjugate Gradientes) ou Método dos Gradientes
Conjugados pré-condicionado por Decomposição Incompleta da Cholesky.
O método dos gradientes conjugados é muito eficiente para sistemas com matrizes
simétricas com termos positivos. Basicamente, o método opera gerando seqüências de
vetores de soluções aproximadas, vetores de resíduos e vetores de direções de procura, que
são usados para atualizar os próximos vetores solução aproximada e resíduos. Esse método
é muito interessante do ponto de vista dos requisitos computacionais, pois exige o
armazenamento na memória de apenas três vetores, além dos termos não nulos da matriz
global.
O pré-condicionamento de Cholesky trata-se de uma transformação matricial que
aproxima a matriz do sistema à matriz identidade, que continua altamente esparsa,
acelerando a convergência do método dos gradientes conjugados.
O ICCG é um método muito eficiente e rápido, que se mostrou muito adequado para a
solução de problemas de aterramento.
35
4.2.7 Resistência do Sistema de Aterramento
Após a solução do problema pelo ICCG, conhece-se o potencial elétrico em cada nó da
malha de elementos finitos. Substituindo-se o vetor potencial elétrico V na equação 4-15
obtém-se a potência dissipada no solo por efeito Joule. A partir da elevação de potencial no
ponto de defeito Vd e da potência dissipada no solo é possível avaliar a resistência aparente
do aterramento.
P
VR d
2
= Equação 4-17
Na realidade, as versões mais recentes do GROUND-3D, como a utilizada pelos autores
para a realização deste trabalho, não se utilizam mais da alimentação do sistema em tensão
e sim em corrente, logo:
2I
PR = Equação 4-18
Com a solução do problema (distribuição de potencial elétrico) também é possível
prever o potencial de passo máximo a que estaria sujeito um operador dentro da subestação
quando da ocorrência de uma falta. Este trabalho não se preocupou em analisar o potencial
de passo, pois os autores julgaram que a resistência a terra do sistema já é um parâmetro
representativo da precisão da simulação.
36
4.3 PML (PERFECTLY MATCHED LAYERS)
No início deste capítulo foi citado que há um erro inerente aos métodos numéricos
devido à discretização do domínio. Porém, este não é o único erro inerente ao método
numérico, pelo menos quando o problema a ser resolvido trata de eletromagnetismo.
Uma carga elétrica produz um campo elétrico e, se em movimento, um campo
magnético que se estendem ad infinitum. Em tese, o domínio de estudo deveria ser infinito
para contemplar esse fato. Ainda que seja impossível representar um domínio de estudo
infinito computacionalmente pelo método dos elementos finitos, pode-se truncar o domínio
a uma distância razoável da região de interesse e assumir que o erro devido ao truncamento
é muito pequeno e aceitável.
Os campos elétricos e magnéticos a uma grande distância de suas fontes decaem com o
inverso da distância porque podem as fontes podem ser vistas como uma única fonte
pontual. Logo, é razoável truncar o domínio de estudo se ele for dezenas a centenas de
vezes maiores que a região de interesse, pois os campos elétricos e magnéticos nas suas
extremidades serão muito próximos de zero.
A princípio, pode parecer que mais exata será a solução numérica ao se aumentar o
domínio de estudo. Porém, a memória computacional é limitada e o aumento do domínio
exigirá que a discretização seja menor, isto é, que os elementos finitos sejam maiores.
O truncamento traz consigo outro problema ainda mais grave, denominado reflexão
numérica, que surge devido à descontinuidade na interface, isto é, na fronteira artificial.
Uma maneira de se contornar isso é adequar as condições de contorno na fronteira ou então
utilizar o método dos elementos finitos com formulação significativamente diferente e
específica. Por exemplo, há uma formulação híbrida conhecida como MEF-MEC (Método
dos Elementos de Contorno), porém esta reduz substancialmente a esparsidade da matriz
global, que é uma das grandes vantagens do MEF original [3].
37
Os problemas oriundos do truncamento, tanto o elevado tamanho do domínio do estudo
como a reflexão numérica, podem ser significativamente atenuados com uma solução
proposta em 1994 por Bérenger [9], denominada PML – Perfectly Matched Layers, ou
camadas perfeitamente casadas.
O PML foi derivado a partir das equações de Maxwell modificadas com a aplicação de
uma transformação de coordenadas que “esticam” os eixos cartesianos. Essa abordagem,
demonstrada em [8], é muito pouco intuitiva. Há outra abordagem, mais simples e com uma
correspondência física.
O PML pode ser considerado como uma camada ou mais de material anisotrópico de
altas perdas que absorve completamente qualquer campo incidente na interface entre o
PML e o domínio de estudo, independentemente de sua freqüência, magnitude, polarização
ou ângulo de incidência.
Ilustração 4-3 truncamento do domínio por material absorvedor anisotrópico PML
Sendo o PML anisotrópico, as propriedades do material, como a condutividade elétrica,
σ , dependem do sentido do vetor densidade de corrente, mais especificamente, da posição
da camada PML em relação à região de interesse. Ao se escrever as equações de Maxwell
em sua forma diferencial se inclui a anisotropicidade do material através de um tensor para
a condutividade elétrica, σ , na equação da continuidade.
38
EJ ⋅= σ Equação 4-19
Onde o tensor de condutividade é escrito como:
=
zz
yy
xx
σσ
σσ
00
00
00
Equação 4-20
Como já mencionado, o PML foi deduzido através de uma transformação de
coordenadas que esticavam ou contraiam os eixos cartesianos dentro da camada
absorvedora e que encontrou uma correspondência física em um material anisotrópico.
Então, o tensor da condutividade elétrica pode ser escrito em função de um único tensor
Λ que contempla a transformação de coordenadas.
Λ= σσ Equação 4-21
Onde σ representa a condutividade elétrica do material da fronteira que está em contato
direto com o PML. Por fim, o tensor Λ é escrito em função de “esticadores de
coordenadas”, xxs , yys e zzs , para o caso cartesiano.
=Λ
zz
yy
xx
s
s
s
00
00
00
Equação 4-22
Esses parâmetros “esticadores de coordenadas”, por sua vez, dependem do plano em
que o PML está localizado, em outras palavras, dependem da direção normal deste plano
que atenuará com máxima intensidade as correntes incidentes. No caso das simulações
realizadas neste trabalho, as camadas de PML são sempre ortogonais às direções
cartesianas x , y e z . Por exemplo, se a camada de PML for ortogonal ao eixo z, a
transformação de coordenadas poderia ser feita através das relações [3]:
ass yyxx == Equação 4-23
aszz1=
Equação 4-24
39
No limite, se as dimensões dos elementos tendessem a zero, o PML funcionaria
perfeitamente. Intuitivamente, quão menores forem as dimensões dos elementos próximos à
interface do PML, melhor serão as propriedades de absorção. Isto traz alguns reveses, como
o aumento do número total de elementos. Além disso, o coeficiente de reflexão na interface
é inversamente proporcional à espessura do PML. Uma espessura muito pequena pode não
atenuar os campos suficientemente, mas uma espessura muito grande pode comprometer o
tamanho da malha. Não fez parte do escopo deste trabalho determinar as melhores
dimensões e parâmetros para o PML e preferiu-se utilizar os valores propostos em [3].
40
4.4 GMSH
Como já discutido, a geração de malha se faz necessária em um grande número de
métodos numéricos, inclusive o dos elementos finitos. As características das malhas afetam
significativamente os resultados obtidos, logo é muito importante que elas sejam elaboradas
com cuidado, com melhor discretização aonde se esperam maiores gradientes, com os tipos
e números de elementos mais adequados para o estudo em questão. Criar boas malhas é
pré-requisito para simulações representativas, e criá-las se tornou uma especialização da
engenharia. Surgiram no mercado inúmeros aplicativos de geração de malhas, cada qual
com suas capacidades e limitações.
Há quase uma década, surgiu o GMSH, um aplicativo de distribuição livre capaz de
gerar malhas tridimensionais automaticamente ou de forma assistida, com recursos de pré e
pós-processamento. Isso significa que a definição da geometria, a geração da malha e as
apresentações dos resultados podem ser feitas através deste mesmo programa. A Ilustração
4-4 e a Ilustração 4-5 mostram a utilização do GMSH para a definição da geometria de uma
máquina síncrona de pólos salientes e a Ilustração 4-6 mostra a geração sua malha.
O GMSH é constituído por quatro módulos principais: descrição geométrica, geração da
malha de elementos finitos, resolução do método numérico e pós-processamento. Todos os
comandos envolvendo estes módulos são prescritos ou com a interface gráfica para o
usuário (GUI – Graphical User Interface) ou através de arquivos de dados que utilizem a
linguagem de programação própria do GMSH. Contudo, o LMAG possui o seu próprio
programa para resolução de problemas tridimensionais de aterramento, o GROUND 3D, e
para manter a comunicação entre este e o GMSH, optou-se pela programação em arquivos
de dados. Essa escolha mostrou-se vantajosa, pois facilita as possíveis alterações nos
códigos de definição da geometria e de geração da malha.
41
Ilustração 4-4 – geração da geometria
Ilustração 4-5 – geração da malha
Ilustração 4-6 – adensamento de volumes nos pólos e no entreferro
42
Há algum tempo atrás, quando o GROUND 3D ainda não era ligado ao GMSH, a
definição da geometria e a geração da malha se dava manualmente, o que consumia muito
tempo. A utilização do GMSH possibilitou a definição da geometria por parametrização,
através de scripts, dessa forma consegue-se a geração automática dos domínios de estudos e
suas malhas de elementos finitos.
Ilustração 4-7 – distribuição de pressão nas palhetas de um estágio de uma turbina para geração termoelétrica.
Assim que a simulação é concluída pelo GROUND 3D, a interpretação dos resultados é
feita através do módulo de pós-processamento do GMSH. Ele associa a cada nó da malha
variáveis, escalares ou um vetoriais, como o potencial e campo elétrico, por exemplo.
Dessa forma, o programa é capaz de gerar gráficos de forte apelo visual que facilitam
bastante o entendimento e a interpretação dos resultados. Por exemplo, podem-se gerar
mapas de cores, mapas de campo, curvas de valor constante, linhas equipotenciais, linhas
de corrente, etc. A Ilustração 4-7 provê um exemplo das capacidades do programa.
43
Para os casos analisados neste trabalho, primeiramente geraram-se as geometrias a
serem analisadas e dividiram-se as regiões do domínio. Num próximo passo, o GMSH fez a
discretização do domínio de estudo de acordo com parâmetros especificados pelos autores.
Todas as malhas de elementos finitos possuem apenas elementos prismáticos de base
triangular para modelar o solo e unidimensionais para modelar os condutores. Isto porque o
GROUND 3D só está habilitado a trabalhar com estes tipos de elementos, pois tipos
diferentes exigiriam funções de forma diferentes.
A Ilustração 4-8 mostra, do lado esquerdo, a geração da geometria onde se pode ver os
subdomínios e, do lado direito, o domínio já discretizado em elementos prismáticos.
Ilustração 4-8 – geometria criada no Gmsh e sua malha de elementos finitos
A utilização do GMSH viabilizou este trabalho, pois dispensou os autores de se
preocuparem com a programação de um gerador de malhas e de um pós-processador para
se preocuparem tão somente com a aplicação do método numérico aos sistemas de
aterramento. Cabe notar que o próprio GMSH levou muitos anos até amadurecer. Maiores
informações sobre este programa podem ser encontradas na referência [7].
44
5. APLICAÇÕES E RESULTADOS
Este capítulo sintetiza de maneira sucinta os resultados obtidos ao longo deste projeto
de formatura. Quatro casos que possuem solução analítica, seis casos de uma mesma malha
de aterramento padrão e um caso de uma malha real de subestação foram ensaiados
utilizando-se a ferramenta de elementos finitos Ground 3D.
Os casos que possuem solução analítica foram simulados para que se pudesse validar o
programa. É vital que se obtenha resultados próximos aos analíticos nesta etapa para que o
modelo seja validado e para que possa haver o mínimo de confiança para simular casos
mais complexos que não possuem solução analítica, tomando o resultado do MEF como
próximo do esperado.
Uma malha padrão de 16 x 16 m foi ensada para seis perfis de solo diferentes. Os
resultados numéricos obtidos foram comparados com os previstos pela norma IEEE Std 80,
já que não há solução analítica para este caso. O solo foi estratificado em duas camadas e
cada caso considerava resistividades diferentes, para que se pudesse averiguar a
sensibilidade do resultado à estratificação.
O último caso analisado foi o da malha de aterramento de uma subestação de uma usina
hidroelétrica. Esta malha foi escolhida por ser representativa dos sistemas aterramentos de
subestações existentes no sistema elétrico brasileiro. Sua geometria e perfil do solo vieram
de plantas e memoriais de cálculos obtidos pelos autores junto ao lugar que trabalham.
Os onze casos simulados neste trabalho foram exaustivamente testados até que se
chegasse aos resultados aqui apresentados. É muito comum, durante uma campanha de
simulação, que os resultados sejam descartados por conta de discretizações não muito
adequadas, não convergência do método, travamento do computador por falta de memória
disponível, solução espúria sem significado físico, etc. Em razão disso, tomou-se bastante
tempo realizar estas simulações. Os resultados aqui apresentados foram os melhores que se
puderam obter com os recursos computacionais disponíveis.
45
5.1 COMPARAÇÃO COM MÉTODOS ANALÍTICOS
Os quatro casos de aterramento que possuem solução analítica, citados no capítulo 3,
foram simulados no GROUND 3D com o propósito de se validar o programa. Para todos os
casos, supôs-se que havia disponível 32 m de condutor de 4 mm de raio, a resistividade
aparente do solo considerada foi de 450 Ω.m e que os sistemas horizontais seriam
enterrados a 0,8 m de profundidade.
O primeiro caso analisado foi o de uma haste delgada de 32 m de comprimento,
enterrada verticalmente em um solo homogêneo, com uma corrente de defeito de 1 kA. De
acordo com a equação 3.1 esse aterramento deveria oferecer uma resistência de 20,98 Ω.
Ω=
−
⋅=
−
= 98,201004,0
324
322
4501
4
2n
r
Ln
LR a
h llππ
ρ
Equação 5-1
A haste foi simulada no Ground 3D, com uma malha de elementos finitos de 140 mil
nós (24 Mb) que levou cerca de cinco minutos para convergir. Neste caso, para diminuir o
tamanho da malha e, conseqüentemente, o tempo de convergência, tirou-se partido da
simetria do problema e simulou-se apenas um quadrante do domínio.
O MEF forneceu uma resistência de 21,84 Ω, muito próxima do valor teórico, com
desvio de apenas 4,1%. O mesmo ocorreu com a elevação de potencial. Como a resistência
é calculada a partir desta última, espera-se o mesmo desvio. A comparação é resumida na
Tabela 5-1.
Tabela 5-1 comparação de métodos para uma haste de 32 m de comprimento, ρa = 450 Ω.m e r = 4 mm
Analítico Numérico Diferença
Resistência 20,98 Ω 21,84 Ω 4,1%
Elevação de Potencial 20,98 kV 21,84 kV 4,1%
46
O caso da haste delgada também possui solução analítica para a distribuição de
potencial ao longo do solo a partir da distância da haste. A figura X mostra essa
distribuição e o gráfico da Ilustração 5-1 compara o resultado analítico e o numérico obtido
com o Ground 3D. O Método dos Elementos Finitos se mostrou muito capaz de calcular a
distribuição de potencial com precisão, mesmo próximo do condutor, aonde o gradiente
(campo elétrico) é muito intenso.
0
5000
10000
15000
20000
25000
0 5 10 15 20 25
Poten
cial Elétrico [V
]
Distância (m)
Comparação de resultados para uma
haste de 32 m de comprimento
Analítico
Ground 3D
Ilustração 5-1 – distribuição do potencial elétrico para o caso da haste delgada de 32 m, ρ = 450 Ω.m e r = 4 mm.
Em uma próxima etapa comparou-se o MEF com três casos mais elaborados que
possuem solução analítica. Para estes casos compararam-se apenas os valores das
resistências, por ser um parâmetro representativo da precisão da simulação.
Como já esclarecido, nestes casos pressupôs-se um comprimento total de condutores de
32 m, com raio de 4 mm, em solo de resistividade 450 Ω.m e enterrados a uma
profundidade de 0,8 m. O interessante em se fixar o comprimento de cabo é permitir uma
comparação entre os sistemas de aterramento.
47
Aplicando-se as equações 3.3, 3.4 e 3.5 para as geometrias já citadas, encontram-se as
resistências de terra das três configurações estudadas.
Para o condutor disposto horizontalmente:
Ω=
−+−
⋅= 00,24
32
8,022
8,0004,0
32
322
450 2
LlnRπ
Equação 5-2
Para o condutor disposto em L:
Ω=
++−
⋅= 78,24
16
8,04292,02373,0
8,0004,0
16
164
450 2
LlnRπ
Equação 5-3
Para o condutor disposto em cruz:
Ω=
+−+
⋅= 20,28
16
8,0284,4526,1
8,0004,0
16
164
450 2
LlnRπ
Equação 5-4
A Tabela 5-2 resume os resultados obtidos analiticamente e numericamente e estabelece
a comparação e a Ilustração 5-2 demonstra a distribuição de potencial ao longo do plano do
solo. Para os quatro casos estudados, o erro não ultrapassa 7,4%. Isso sugere que o MEF
sempre erra para cima, em razão das reflexões numéricas. Os valores dos desvios são
aceitáveis e os autores deste trabalho tomaram o programa GROUND-3D como validado,
ainda mais se considerando o ótimo desempenho da ferramenta ao calcular a distribuição de
potencial, mesmo nas proximidades dos condutores, onde a magnitude dos campos elétricos
é muito intensa.
Esta etapa foi muito importante porque os resultados aqui obtidos deram segurança aos
autores para que prosseguissem com simulações de geometrias mais complexas. Além
disso, os parâmetros PML, a discretização e tamanhos de domínio sugeridos pela referência
[3] se mostraram muito convenientes levando a resultados bem coerentes com tempos de
simulação relativamente baixos.
48
Tabela 5-2 – comparação de métodos para quatro casos analíticos
Configuração Tamanho do arquivo [Mb]
Tempo de simulação [min]
R [Ω] numérico
R [Ω] analítico
Diferença
(a) Haste vertical 24 5 21,84 20,98 4,1%
(b) Condutor enterrado 140 20 25,78 24,00 7,4%
(c) Condutores em L 195 20 26,52 24,78 7,0%
(d) Condutores em cruz 141 35 29,14 28,20 3,3%
(a) (b)
(c) (d)
Ilustração 5-2 – distribuição de potencial elétrico para quarto casos que possuem solução analítica
49
5.2 COMPARAÇÃO COM O MÉTODO DA NORMA IEEE STD 80
Uma malha de 16 x 16 m reticulada em 16 quadrados de 4 m de lado foi utilizada na
comparação do MEF com a norma IEEE Std 80 e sua geometria é dada pela Ilustração 5-3.
A malha não possui hastes em seus nós, é constituída por 160 m de condutor de 120 mm2 e
se situa a uma profundidade de 0,6 m.
Seus parâmetros para a fórmula de Sverak são: Lt = 160 m, Am = 256 m2, hm = 0,6.
16 m
16 m
Ilustração 5-3 – geometria da malha utilizada na comparação do MEF com a norma IEEE Std 80
Esta malha foi simulada para seis perfis de solo, estratificados em duas camadas de
resistividades distintas. A fórmula de Sverak é escrita em termos da resistividade aparante
na profundidade da malha e, por conta disso, ela foi determinada para uma profundidade p
a partir das duas camadas de cada perfil de solo através da fórmula de Schlumberger [2]:
( )
++=
21
1
21
21
ph
Ka ρρ Equação 5-5
Sendo:
12
12
ρρρρ
+−=K Equação 5-6
50
Onde:
K é o coeficiente de reflexão do solo
h1 é a profundidade da primeira cada [m]
p é a profundidade para a resistividade aparente [m]
ρ1 é a resisitividade da primeira camada [Ω.m]
ρ2 é a resisitividade da segunda camada [Ω.m]
Através da fórmula de Sverak, pode-se escrever a resistência da malha 16 x 16 m em
função da resistividade aparente na profundidade de 0,6 m:
aamR ρρ 032194,0256/206,01
11
25620
1
160
1 =
++
⋅+= Equação 5-7
As malhas 16 x 16 m nos seis perfis de solo foram simuladas numericamente e
calculadas pelo método proposto na norma IEEE Std 80. Os resultados são sumarizados na
Tabela 5-3. A malha de elemento finitos possui 400 mil nós (cerca de 48 Mb) e os tempos
de simulação foram de cerca de 10 minutos para cada caso.
Tabela 5-3 – comparação do MEF com a norma IEEE Std 80 para a malha 16 x 16 m
caso ρ1
[Ω.m]
h1
[m]
ρ2
[Ω.m] K
ρa
[Ω.m]
R [Ω] IEEE
Std 80
R [Ω]
numérico diferença
(a) 200 4,0 800 0,60 218 7,0 11,0 57%
(b) 3.000 4,0 100 -0,94 2.580 83,1 41,8 -50%
(c) 3.000 4,0 1.200 -0,43 2.808 90,4 61,7 -32%
(d) 3.000 4,0 10.000 0,54 3.232 104,4 151,9 46%
(e) 3.000 1,2 100 -0,94 1.639 52,8 20,9 -60%
(f) 3.000 0,6 100 -0,94 490 15,8 9,2 -41%
Há uma grande discrepância entre o resultado numérico e o calculado pela norma,
porém os valores se situam na mesma ordem de grandeza. Isto já era esperado pelo fato do
modelo da norma ser semi-empírico, isto é, não é exato, pois há muitas hipóteses
simplificadoras. Para estas simulações, a distribuição de potencial elétrico está mostrada na
Ilustração 5-4.
51
(a) (d)
(b) (e)
(c) (f)
Ilustração 5-4– distribuição de potencial para os seis perfis de solo para a malha 16 x 16 m
52
5.3 COMPARAÇÃO COM UMA MALHA REAL
Com o fim de se ensaiar o método dos elementos finitos como ferramenta de projeto de
malhas maiores e mais complexas, como as encontradas nos sistemas de potência, os
autores deste trabalho simularam a malha da subestação do pátio de 230 kV de uma
importante usina hidroelétrica brasileira, cujos dados foram obtidos mediante autorização
da empresa em que trabalham os autores.
A malha dessa usina é irregular, tem 81 m de comprimento por 49,5 m de largura, sendo
os condutores espaçados de maneira não-simétrica. Sua geometria é dada pela Ilustração
5-5, as dimensões estão todas em metros.
81 m
49,5 m
11,5
1
1,5
12,
0
11,
5
3,0
16,0 17,0 15,0 16,0 17,0
Ilustração 5-5 - geometria da malha de aterramento simulada neste trabalho
O memorial de cálculo desta malha se utiliza da norma IEEE Std 80 para estimar o
valor de sua resistência de terra. Mesmo não sendo regular e simétrica, a malha satisfaz as
hipóteses e premissas da fórmula de Sverak viabilizando a utilização do método. Os
parâmetros da fórmula para esta geometria são: Lt = 783 m, Am = 4.009,5 m2, hm = 0,3. A
resistividade aparante do solo, para a profundidade da malha é de ρa = 2.113 Ω.m.
53
Logo, para esta malha, a resistência da tomada de terra pelo IEEE Std 80 vale:
Ω=
++
⋅+= 46,17
5,4009/203,01
11
5,400920
1
783
12113mR Equação 5-8
Quanto à simulação numérica, inicialmente surgiram muitas dificuldades em virtude do
tamanho da malha de elementos finitos. A malha com a discretização típica chega a ter
quatro milhões de nós e ocupar 630 Mb de memória. Em razão da impossibilidade de se
simular um caso tão grande, houve a necessidade de se reduzir a discretização do domínio
com o aumento do tamanho dos elementos, levando a 1,6 milhões de nós. Entretanto, o
baixo valor do potencial elétrico calculado na fronteira que representa o ponto remoto
garantiu que o resultado final era coerente, mesmo com uma malha menos refinada. Para
esta simulação utilizou-se um computador dual-core de 2,8 GHz e com 2 GB de memória
RAM. A malha final resultou em um arquivo de nós e elementos de 245 Mb e levou 1 hora
e 55 minutos para atingir a convergência.
A resistência de aterramento numérica resultou em 8,45 Ω frente a 17,46 Ω previsto
pelo IEEE Std 80. Novamente, o fato é explicado pelas hipóteses simplificadoras da norma.
Os resultados foram comparados na Tabela 5-4.
Tabela 5-4 – comparação de métodos para a malha de uma subestação típica, ρa = 450 Ω.m e r = 4 mm. número de elementos
tamanho da malha
tempo de simulação
numérico IEEE Std 80 diferença
1,6 milhões 245 Mb 115 min 8,45 Ω 17,46 Ω 51,6%
Quanto à distribuição do potencial elétrico, através da Ilustração 5-6 percebe-se que
a malha cumpre bem o seu papel de equalização de potencial, ao menos dentro da
subestação, minimizando os riscos a um operador transeunte quando do surgimento de uma
falta a terra. Porém, nas extremidades da malha há um grande gradiente de potencial, que
corresponde a campos elétricos intensos. O pior caso é ilustrado na Ilustração 5-7, onde se
traça o perfil de potencial elétrico ao longo da diagonal de uma extremidade da malha para
o caso de uma corrente de defeito de 25 kA. Nota-se que há pontos ao longo da diagonal
aonde o gradiente chega a quase 4 kV/m.
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Ilustração 5-6 – distribuição de potencial elétrico na malha
180
185
190
195
200
205
0 5 10 15 20 25
Potencial Elétrico [kV]
distância percorrida na diagonal sobre o solo [m]
Distribuição de potencial entre dois condutores para uma corrente de defeito de 25 kA
Ilustração 5-7 – distribuição de potencial ao longo de uma diagonal da malha
55
5.4 RESUMO DAS COMPARAÇÕES
Neste trabalho, foram simulados quatro casos de aterramento que possuem solução
analítica, seis malhas de terra regulares para comparação com a norma IEEE Std 80 e um
caso real, a malha da subestação de uma usina hidroelétrica.
A utilização do MEF nos casos que possuem solução analítica forneceu os subsídios
para a validação do programa Ground 3D, já que os resultados obtidos numericamente
foram muito próximos daqueles analíticos, tanto para a distribuição de potencial elétrico
quanto para a resistência de terra.
Em uma próxima etapa, utilizou-se de uma malha regular, de 16 x 16 m, para avaliar o
desempenho do MEF na simulação de malhas de terra e compararam-se os resultados
obtidos com aqueles calculados através da norma IEEE Std 80. Como o método da norma é
semi-empírico, oriundo de muitas simplificações e hipóteses como a resistividade aparente,
tomam-se esses valores com cautela e já se espera que eles sejam apenas uma previsão. O
desvio do resultado numérico do previsto pela norma é de cerca de 50%, em média.
Admitindo-se que resultado numérico seja provavelmente mais próximo do real do que
o método aproximado da norma, aparentemente o método da norma erra para cima quando
a resistividade da primeira camada é maior do que a da segunda (K negativos) e para baixo
quando a resistividade da primeira camada é menor do que a da segunda (K positivos). Isso
sugere que a fórmula de Sverak subestima a influência da segunda camada, porém esse fato
não pode ser afirmado sem que mais investigações sejam feitas.
Por fim, simulou-se a malha da subestação de uma usina hidroelétrica com o intuito de
se testar a ferramenta de elementos finitos (Ground 3D) em uma malha significativamente
maior e mais complexa e, por conta disso, surgiram inúmeras dificuldades. O primeiro
empecilho foi o tamanho da malha de elementos finitos, que consumia praticamente toda a
memória do computador. A solução foi simular em um computador pessoal de alto
desempenho, porém, mesmo assim, os tamanhos de malhas ficavam intratáveis quando se
utilizava a discretização proposta por [3]. Neste caso, houve a necessidade de se engrossar
um pouco a malha, perdendo ligeiramente em precisão, porém os resultados obtidos foram
aceitáveis e coerentes.
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Outro problema que surgiu foi a dificuldade na manipulação dos arquivos que serviam
como dados de entrada. Os autores tiveram que desenvolver programas computacionais em
linguagem C para gerar arquivos de condição de contorno, arquivos de parâmetros PML,
etc. Mais tarde, parte desses problemas foi resolvida ao se utilizar uma versão mais nova do
Ground 3D, que possui uma melhor interface com o GMSH. Também foi elaborada uma
planilha em Excel para que se pudesse ler o valor do potencial elétrico nos nós da malha e
gerar gráficos de distribuição de potencial ao longo de caminhos traçados no solo.
Superadas as dificuldades, foi possível simular a malha da usina em um computador
pessoal de alto desempenho, com tempo convergência de 1 hora e 55 minutos. Os
resultados obtidos demonstraram ser coerentes, tanto pela inspeção visual da distribuição de
potencial elétrico, quando pelo seu valor na fronteira, aonde foi bem amortecido. Além
disso, o valor da resistência de terra está em uma faixa condizente com o esperado. Julgou-
se, então, que a simulação foi válida e representativa.
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6. CONCLUSÕES
Há mais de vinte anos, o Laboratório de Eletromagnetismo Aplicado Prof. Dr. Áurio
Gilberto Falcone (LMAG) tem sido pioneiro na aplicação do método dos elementos finitos
(MEF) em sistemas de aterramento. Este laboratório desenvolveu inúmeras ferramentas
computacionais para estudos de eletromagnetismo, em particular o GROUND 3D, que foi
utilizado neste trabalho. Porém, as malhas de aterramento estudadas até então se tratavam,
em sua maioria, de casos acadêmicos. Este trabalho teve um viés prático, voltado para as
malhas de aterramento.
Ainda que se tenha feito muitos progressos no desenvolvimento destas ferramentas e a
capacidade computacional crescido consideravelmente neste par de décadas, pouquíssimos
são os casos de malhas de aterramento de subestações que foram projetadas por métodos
numéricos. Ainda hoje frequentemente se utiliza a norma IEEE Std 80, que se baseia em
modelos semi-empíricos, para este tipo de projeto.
Contudo, com o advento das subestações compactas com equipamentos isolados a SF6 e
a tendência de se trazer as subestações para próximo dos consumidores, em meio a grandes
cidades, soluções não convencionais para a dissipação da corrente de falta têm sido
adotadas. Por essa razão espera-se que o método numérico seja cada vez mais utilizado,
face à inexistência de uma metodologia de projeto adequada para estes casos que não a
experimental. Esses fatos foram a motivação necessária para que os autores prosseguissem
seu trabalho neste tema.
A comparação de resultados com os casos que possuem solução analítica provaram que
o MEF, em particular sob a forma do programa GROUND 3D, é uma ferramenta muito
capaz na previsão acurada da distribuição de potencial elétrico e na estimação da resistência
a terra. A confiança adquirida em razão dos excelentes resultados obtidos nesta etapa deu
subsídio para que análises mais complexas pudessem ser feitas.
58
Em um segundo momento, comparou-se a resistência prevista pela norma IEEE Std 80
com os resultados numéricos de uma malha simples, reticulada, para diversas configurações
de solo. Como não há solução analítica para uma malha de terra, confiou-se no resultado
numérico e admitiu-se que ele seria muito próximo da solução exata, pois a inspeção visual
da distribuição de campos se mostrou muito coerente, o método convergiu e o potencial no
ponto remoto era sempre muito pequeno. Logo se concluiu que a previsão da fórmula de
Sverak, que é o método da norma já citada, é um pouco distante do resultado exato e isso já
era esperado por conta da natureza semi-empírica do método. Porém, ainda assim a fórmula
de Sverak provê uma primeira estimativa da resistência de uma malha de aterramento, pelo
menos da sua ordem de grandeza.
Talvez esse resultado justifique a utilização quase que unânime da norma IEEE Std 80
no projeto de subestações. Soma-se a isso o fato da resistividade aparente do solo ser uma
variável ainda mais sujeita a erros, sendo uma função da umidade, da temperatura e do
tempo, e então o projeto de uma malha passa a ser praticamente heurístico.
Porém, este método semi-empírico não provê a distribuição de potencial ao longo do
solo, apenas algumas fórmulas semi-empíricas para estimar os potenciais máximos de toque
e passo presentes, que também podem não ser muito precisos. Por sua vez, um método
numérico, como o MEF, possibilita a visualização dessa distribuição e os potenciais
máximos podem ser estimados com muito mais precisão.
Por conta dessas vantagens intrínsecas aos métodos numéricos, os autores propuseram a
simulação de uma malha de aterramento real, representativa daquelas existentes em
qualquer grande sistema de potência. Dessa forma, foi possível analisar o desempenho do
MEF, em particular do GROUND 3D, como ferramenta de projeto de malhas maiores e
mais complexas.
No início houve muita dificuldade em gerar uma malha com uma discretização
adequada à simulação. O tamanho do domínio do estudo frente ao tamanho da malha de
terra e de seus condutores fez com que o número de elementos necessários aumentasse
significativamente, a ponto de exigir muita memória do computador e, por muitas vezes,
causando a instabilidade do sistema operacional. Mesmo utilizando-se um computador
pessoal de alto desempenho, foi necessário que a malha desse caso fosse engrossada um
pouco para que houvesse uma diminuição do número de elementos.
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Boa parte dos problemas de falta de memória poderiam ter sido resolvidos se os autores
tivessem utilizado outros sistemas operacionais baseados em Linux ou Unix ao invés do
Windows XP. Estes outros sistemas possuem um gerenciamento de memória muito
superior, podendo alocar memória de maneira mais eficiente, além deles próprios ocuparem
pouca memória RAM. Algumas estações de trabalho de alto desempenho do LMAG já
possuem esses sistemas alternativos.
Surgiram muitas outras dificuldades, principalmente com os arquivos de dados, e os
autores foram obrigados a construir programas para automatizar a manipulação desses
arquivos. Superados os problemas, a simulação ocorreu de forma tranqüila, demorando
cerca de duas horas para atingir a convergência. Os resultados obtidos foram muito
satisfatórios e coerentes com o que era esperado. Conseguiu-se traçar a distribuição de
potencial ao longo da diagonal de um dos reticulados da malha, o mais próximo à borda,
aonde os campos elétricos eram mais intensos. Esse tipo de traçado pode ser utilizado para
estimar com maior precisão o potencial de passo da malha. Fica como sugestão de trabalho
futuro utilizar o MEF para comparar os potenciais de passo numéricos com aqueles obtidos
através da norma e de medições em campo, se for aplicável.
Ainda assim, o projeto de um sistema de aterramento através do MEF deve ser cercado
de uma série de cuidados. Principalmente, a malha deve ser muito bem preparada,
discretizada convenientemente para que não fique muito pesada e ainda assim permita uma
precisão adequada. A utilização da ferramenta per se não garante bons resultados. Cabe ao
usuário discernimento para interpretar os dados e julgar a qualidade do resultado.
O MEF se mostrou uma ferramenta muito capaz na resolução de problemas
eletromagnéticos, notadamente os de aterramento, e deve ser uma ferramenta muito
utilizada em projetos futuros de subestações, mais complexas, em meio a grandes cidades,
com aterramentos naturais próximos, como encanamentos, além da possibilidade de haver
potenciais transferidos de outras malhas próximas. Tudo isso é passível de ser analisado em
um programa como o GROUND 3D, bastando apenas pequenas modificações em seu
código fonte, caso seja necessário.
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É importante lembrar que ao longo destes últimos vinte anos, muitos avanços foram
feitos sobre o programa original. Devido ao trabalho de muitas pessoas, surgiram versões
mais modernas, como a implantação do MEF de arestas, melhorias na biblioteca de solução
do sistema linear, a abordagem do elemento unidimensional com salto de potencial, a
utilização do PML para redução do erro de truncamento, a alimentação do sistema em
corrente ao invés de tensão, o estudo do problema de aterramento em regime harmônico
através da formulação A-V, a utilização do GMSH para geração da geometria, da malha de
elementos finitos e do pós-processamento, etc. Há muito campo para desenvolvimento
nesta área e num futuro próximo, como o avanço dos sistemas computacionais, as
possibilidades serão praticamente ilimitadas.
Ao longo deste último par de décadas, o amadurecimento dos computadores e do
programa de elementos finitos para aterramento implantado no LMAG viabilizou a
simulação de uma grande malha de subestação, o que não era possível naqueles primeiros
anos de desenvolvimento. Este trabalho atingiu o seu objetivo ao demonstrar que, no estado
atual, é possível o estudo de complexos sistemas de aterramento em regime estacionário
através do MEF a partir de modestos recursos computacionais.
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7. BIBLIOGRAFIA
[1] G. Kindermann, J. M. Campagnolo. Aterramento Elétrico 4º edição, Sagra Luzatto, 1998, Porto Alegre.
[2] ANSI/IEEE Std 80 – 2000 – IEEE Guide for safety in AC substation grounding – Pub. by IEEE. New York, John Wiley, 2000.
[3] SILVA, V. C. Método dos Elementos Finitos aplicado à solução de problemas de aterramento elétrico. São Paulo, 2006. 89p. Tese (Livre Docência) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
[4] J. R. Cardoso, Ground-3D: Uma Contribuição à Análise dos Sistemas de Aterramento pelo Método dos Elementos Finitos. São Paulo, 1993. 71p. Tese (Livre Docência) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
[5] J. R. Cardoso, Problemas de campos eletromagnéticos estáticos e dinâmicos : uma abordagem pelo método dos elementos finitos, 1985. 159p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
[6] J. R. Cardoso, Introdução ao Método dos Elementos Finitos para Engenheiros Eletricistas, Publicação Independente, 1ª Edição, 1995, São Paulo.
[7] Ch. Geuzaine, J. F. Remacle, Gmsh© A three-dimensional finite element mesh generator with built-in pre-and-post-processing facilities, Version 2.0.8, Agosto 2007, http://www.geuz.org/gmsh/
[8] J. Jin, The Finite Element Method in Electromagnetics, 2nd edition, 2002, John Wiley & Sons Inc. NY.
[9] J. P. Bérenger, “A perfectly matched layer for the absorption of electromagnetic waves”, J. Comp. Phys., Vol. 114, Oct. 1994, 185-200.
[10] P. P. Silvester, R. L. Ferrari, Finite Elements for Electrical Engineers, Cambridge University Press, 1996, 3ª edição.
[11] Matthew N. O. Sadiku, Numerical Techniques in Electromagnetics, Boca Raton, CRC Press, 1992