livro reforma agrária

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desenvolvimento

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  • Reforma agrria e desenvolvimentoDesafios e rumos da poltica de assentamentos rurais

    Reforma agrria e desenvolvim

    ento

    OrganizaoVera Lcia Silveira Botta Ferrante

    Dulce Consuelo Andreatta Whitaker

    Apoio para organizaoHenrique Carmona Duval

    Nead Especial

    11

  • r e f o r m a a g r r i a e d e s e n v o l v i m e n t o

  • Reforma agrria e desenvolvimento

    Organizao

    Vera Lcia Silveira Botta FerranteDulce Consuelo Andreatta Whitaker

    Apoio para organizao

    Henrique Carmona Duval

    MDABraslia, 2008

  • B e r n A r D o MA n A n o F e r n A n D e s

    D e l MA P e s s A n h A n e v e s

    D u lc e co n s u e lo A n D r e At tA W h i tA k e r

    e D g A r D MA l A g o D i

    e D uA r D o e r n e s to F i l i P P

    F r A n c i s co r . MA r q u e s

    h e n r i q u e c A r M o n A D u vA l

    lu s A n to n i o B A r o n e

    MA r co s r o g r i o D e s o u z A

    MA r i l DA A . M e n e z e s

    MA r i s A D e Ft i MA lo M B A D e FA r i A s

    MA r i s t e l A s i M e s D o c A r M o

    MAu r o s r g i o v i A n e l lo P i n to

    s r g i o s Au e r

    vA l e r i A co M i t r e

    v e r A l c i A s i lv e i r A B ot tA F e r r A n t e

    Desafios e rumos da poltica de assentamentos rurais

  • lu i z i n c i o lu l A DA s i lvA

    Presidente da repblica

    g u i l h e r M e c A s s e l

    Ministro de estado do Desenvolvimento Agrrio

    DA n i e l MA i A

    secretrio-executivo do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    r o l F h A c k B A r t

    Presidente do instituto nacional de colonizao e reforma Agrria

    A D o n i r A M s A n c h e s P e r A c i

    secretrio de Agricultura Familiar

    A D h e MA r lo P e s D e A l M e i DA

    secretrio de reordenamento Agrrio

    J o s h u M B e r to o l i v e i r A

    secretrio de Desenvolvimento territorial

    c A r lo s M r i o g u e D e s D e g u e D e s

    coordenador-geral do ncleo de estudos Agrrios e Desenvolvimento rural

    A D r i A n A l . lo P e s

    coordenadora-executiva do ncleo de estudos Agrrios e Desenvolvimento rural

    n e A D e s P e c i A l 11

    co P y r i g h t 2008 B y M DA

    P r o J e to g r F i co, c A PA e D i A g r A MA o

    Mrcio Duarte M 1 o D e s i g n

    r e v i s o e P r e PA r A o D e o r i g i n A i s

    Andra Aymar e tauana Brando

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (M DA)www.mda.gov.br

    ncleo de estudos Agrrios e Desenvolvimento rural (nead)sBn, quadra 2, edifcio sarkis, Bloco D loja 10, sala s2, c e P : 70.040-910 Braslia-DFtelefone: (61) 3961-6420www.nead.org.br

    P c t M DA / i i c A Apoio s Polticas e Participao social no Desenvolvimento rural sustentvel

    D441r reforma agrria e Desenvolvimento: desafios e rumos da poltica de assentamentos rurais /vera lcia silveira Botta Ferrante, Dulce consuelo Andreatta Whitaker, organizao ; [autores] Bernardo Manano Fernandes . . . [et al]. -- Braslia : M DA ; so Paulo : uniara [co-editor], 2008.

    348 p. ; 23 cm. -- (nead especial ; 11).

    isBn 978-85-60548-31-6

    1. Assentamento rural. 2. Polticas pblicas. 3. Movimentos sociais. 4. Juventude rural. 5. reforma agrria experincias internacionais. i. Ferrante, vera lcia silveira Botta. ii. Whitaker, Dulce consuelo Andreatta. iii. Fernandes, Bernardo Manano ...[et al.]. iv. MDA. v. srie.

    cDD 333.3181

  • sumrio

    Prefcio 10

    Apresentao 12

    introduo 14v e r A l c i A s i lv e i r A B ot tA F e r r A n t e 25

    D u lc e co n s u e lo A n D r e At tA W h i tA k e r 25

    Parte i movimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    27 anos do Mst em luta pela terra 27B e r n A r D o MA n A n o F e r n A n D e s

    Introduo 27

    1. Gestao e nascimento do M S T 29

    2. Territorializao e consolidao do M S T 32

    3. Territorializao e institucionalizao do M S T 40

    Estrutura organizativa do M S T 41

    4. M S T e Via Campesina: mundializao do movimento campons e dos conflitos. 46

    Consideraes finais 50

    Referncias bibliogrficas 51

    Movimentos sociais na luta pela terra: conflitos no campo e disputas polticas 53s r g i o s Au e r

    MA r co s r o g r i o D e s o u z A

    Introduo 53

    Conflito e violncia no meio rural brasileiro 54

    Modernizao, violncia e disputas polticas sobre o agro 61

    Relao entre governo federal e movimentos sociais agrrios 70

    As disputas nos governos federais dos anos 1990 71

  • 6 s u M r i o

    Mudanas na relao com o Executivo a partir de 2002? 77

    Concluso 83

    Referncias bibliogrficas 85

    experincias internacionais de reforma agrria: entre socialismo e populismo? 88e D uA r D o e r n e s to F i l i P P i

    Introduo 88

    A Revoluo Industrial inglesa e a Revoluo Francesa: mudanas agrcolas/

    agrrias precedem o advento da indstria moderna? 90

    A evoluo da estrutura agrria do Japo: da restaurao Meiji Segunda Grande Guerra 91

    Os modelos coletivistas de reforma agrria: a Unio Sovitica e Europa Oriental, China 92

    A Amrica Latina e a experincia dos governos populares:

    Mxico, Guatemala, Nicargua, Cuba 97

    Referncias bibliogrficas 106

    Parte ii gnero, juventude e o cotidiano dos assentamentos rurais

    As jovens rurais e a reproduo social das hierarquias: relaes de gnero em assentamentos rurais 112e l i s A g uA r A n D e c A s t r o

    Apresentao 112

    Introduo 114

    Juventude rural: mais que uma minoria 116

    Os muitos significados de ficar ou sair construes de atores polticos 117

    Juventude e juventude rural: hierarquia, controle e participao 120

    Problematizando juventude e gnero na poltica de assentamentos rurais 124

    Referncias bibliogrficas 128

  • s u M r i o 7

    Juventude e educao em assentamentos do brejo paraibano 131MA r i l DA A . M e n e z e s

    e D g A r D MA l A g o D i

    F r A n c i s co r . MA r q u e s

    Introduo 131

    O trabalho e a aprendizagem das crianas e jovens 132

    A diviso do trabalho na famlia 135

    As necessidades especficas dos jovens 138

    Educao formal e informal: um projeto para hoje e para o futuro 141

    Referncias bibliogrficas 148

    o cotidiano dos assentamentos de reforma agrria: entre o vivido e o concebido 151MA r i s A D e Ft i MA lo M B A D e FA r i As

    Referncias bibliogrficas 167

    Parte iii mediadores e representao nos assentamentos rurais: o difcil dilogo

    o associativismo e a comercializao agrcola: dilemas do processo de assentamento rural 172D e l MA P e s s A n h A n e v e s

    O associativismo: crena autoglorificada e descontextualizvel 179

    Caracterizao das associaes pesquisadas 183

    Consideraes finais 207

    Referncias bibliogrficas 217

    Diagnsticos participativos em assentamentos rurais no entorno de estao ecolgica: o dilogo possvel entre ibama e agricultores 220lu s A n to n i o B A r o n e

    Introduo 220

    Roraima: o extremo norte do Brasil 222

    Os assentamentos do entorno da Estao Ecolgica Marac 229

  • 8 s u M r i o

    Os diagnsticos participativos nos assentamentos 232

    Por uma concluso 236

    Referncias bibliogrficas 238

    estratgias agroecolgicas de interveno em assentamentos humanos: extenso para um rural sustentvel 239MA r i s t e l A s i M e s D o c A r M o

    MAu r o s r g i o v i A n e l lo P i n to

    vA l e r i A co M i t r e

    1. Introduo 239

    2. A poltica nacional da Ater (Pnater) 241

    3. Agroecologia: conceitos e contrapontos 243

    4. Programa residncia agrria 255

    5. O programa residncia agrria da Unesp, Botucatu, estgio de vivncia 260

    6. Extenso rural agroecolgica: compromisso das polticas

    pblicas com a sociedade e o ambiente 266

    7. Referncias bibliogrficas 268

    Parte iv Polticas pblicas em assentamentos rurais: imobilismos e avanos

    Assentamentos na agenda de polticas pblicas: a trama de tenses em regies diferenciadas 272v e r A l c i A s i lv e i r A B ot tA F e r r A n t e

    lu s A n to n i o B A r o n e

    Introduo 272

    Retratos do universo emprico 278

    Os assentamentos rurais na regio de Araraquara (SP): as contradies

    da modernizao agrcola e o poder do agronegcio 278

    Assentamentos no Pontal do Paranapanema: conflitos fundirios

    e impasses nos projetos de desenvolvimento 287

    Referncias bibliogrficas 304

  • s u M r i o 9

    Autoconsumo e polticas municipais: perspectivas de segurana alimentar e de desenvolvimento 308h e n r i q u e c A r M o n A D u vA l

    v e r A l c i A s . B ot tA F e r r A n t e

    Introduo 308

    Modos de vida e dimenses do autoconsumo 309

    O desenvolvimento rural pensado a partir do autoconsumo 313

    Programas municipais: enfoque na soberania e na segurana alimentar 317

    Retomada do referencial terico: concluses 319

    Referncias bibliogrficas 321

    soberania alimentar e assentamentos de reforma agrria 323D u lc e c . A . W h i tA k e r

    Introduo 323

    O conceito de soberania alimentar 324

    Um pouco da histria 326

    Soberania alimentar: um conceito dialtico 329

    Encerrando o coloquial 335

    A luta pela soberania alimentar 335

    Referncias bibliogrficas 339

  • Prefcio

    A partir de 2003 houve uma inflexo democrtica na trajetria do estado brasileiro em relao ao desenvolvimento rural e reforma agrria. tratou-se do reconhe-cimento da legitimidade das demandas histricas dos movimentos sociais, e da importncia da participao e controle sociais nos processos de formulao, implementao e monitoramento das polticas pblicas.

    esse processo resultou na recuperao da presena e da capacidade de ao do estado brasileiro, partir de uma nova orientao do governo federal voltada participao social nos processos de formulao e implementao das polticas pblicas, e da busca pela integrao das aes de outros rgos federais. isso se traduz nas novas polticas pblicas de reforma agrria; de garantia do direito terra; de fortalecimento da agricultura familiar; de apoio produo e comercia-lizao; de segurana hdrica; de garantia de renda e de promoo da igualdade de gnero, gerao, raa e etnia; de respeito cidadania, dentre outras.

    os avanos que tm contribudo para fazer frente aos resultados do dficit histrico da presena do estado e de polticas de garantias de direitos so inmeros, mas preciso considerar que eles ainda no so suficientes para atender a todas as necessidades de homens e mulheres, assentados, agricultores familiares e dos povos e comunidades tradicionais. os desafios so muitos.

    no entanto, inegvel a convergncia da atuao do estado e das aspiraes da sociedade brasileira na garantia do direito terra. As mudanas recentes e o aperfeioamento dessa nova trajetria do estado tm sido ressaltadas e a impor-tncia da experincia do Brasil tem obtido reconhecimento nos mais diversos fruns de organismos internacionais e da sociedade civil brasileira.

    o estmulo reflexo crtica e difuso das mais diversas abordagens sobre os temas da reforma agrria e do desenvolvimento rural de suma importncia para seguir-se trilhando esse caminho de valorizao dos processos participativos e da busca de solues compartilhadas entre estado e sociedade.

    esta publicao da srie neAD especial, reforma Agrria e Desenvolvimento: desafios e rumos da poltica de assentamentos rurais, rene um conjunto de reflexes resultantes do evento promovido em 2006 pelo centro universitrio de

  • P r e F c i o 11

    Araraquara (uniara), no qual se debateram temas relacionados reforma agrria e aos assentamentos rurais.

    A obra apresenta abordagens que focalizam aspectos da agenda de mo-vimentos sociais e organizaes de trabalhadores e trabalhadoras na luta pela reforma agrria; experincias de reforma agrria em outros pases; os processos de formao e qualificao de sociabilidade, alm das vivncias de homens, mulheres e jovens no cotidiano dos assentamentos da reforma agrria; os temas relacionados participao social, ao associativismo e experincias de comerciali-zao e s mediaes dos assentamentos com as dinmicas do desenvolvimento regional e poder local.

    com a divulgao desta obra junto ao pblico acadmico, de gestores e gestoras pblicos, especialistas, movimentos sociais, dentre outros, esperamos incentivar e ampliar ainda mais o debate pblico sobre aspectos importantes da reforma agrria.

    nosso intuito valorizar e estimular um debate franco, aberto e democrtico, enriquecendo e qualificando cada vez mais os processos de formulao, imple-mentao, gesto e monitoramento das polticas pblicas nos assentamentos rurais. Processos estes que contam com inmeros avanos, mas que tambm apresentam desafios a serem equacionados pela ao conjunta do estado e dos movimentos sociais.

    Boa leitura!

    Adriana L. Lopesco o r D e n A D o r A - e x e c u t i vA D o n e A D / M DA .

  • Apresentao

    este livro produto do evento intitulado Reforma Agrria e Desenvolvimento: desa-fios e rumos da poltica de assentamentos rurais que vem dar continuidade a uma pesquisa de corte longitudinal voltada a esta temtica amplamente debatida nos ltimos 22 anos. so muitas as razes que nos levam a apresentar aos leitores, aos estudiosos da questo agrria, muito mais do que resultados pragmticos de um evento que teve, sem dvidas, representatividade nacional. so caminhos que tm feito da investigao de assentamentos rurais uma escolha de vida, a ma-neira que temos encontrado para dar ao conhecimento produzido retorno social.

    com esta publicao damos continuidade quela lanada em 2005, na conferncia internacional da organizao das naes unidas para Agricultura e Alimentao ( FA o), com produtos do simpsio Assentamentos rurais: impasses e dilemas Balano de 20 anos, co-edio centro universitrio de Araraquara (uniara)/instituto nacional de colonizao e reforma Agrria (incra). essa obra considerada um marco na significativa bibliografia voltada temtica, por ter sido o primeiro balano destas experincias de reforma agrria realizado em conjunto por pesquisadores, representantes institucionais e dos movimentos que tm tido participao nesta trajetria.

    Para a presente edio, a pronta resposta e o estmulo do ncleo de estudos Agrrios e Desenvolvimento rural (nead) foram fundamentais, prova viva de que pode haver legitimidade na representao institucional. Agradecemos ainda o apoio que temos recebido continuadamente em nossas pesquisas do conselho nacional de Desenvolvimento cientfico e tecnolgico (cnPq), da coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de nvel superior (capes), dos rgos gestores, do incra, do instituto de terras do estado de so Paulo (itesp) e do uniara.

    Foi fundamental a dedicao intelectual e afetiva da equipe de bolsistas, composta por henrique, thauana, Daniel, Aline, cidinha, Alcir, valria, Marinaldo e, mais recentemente, luiz Manoel, nosso colaborador em um projeto de ps-doutoramento desenvolvido junto Fundao de Amparo Pesquisa do estado de so Paulo (Fapesp), em parceria com a Faculdade de engenharia Agrcola (Feagri)/universidade estadual de campinas (unicamp) e uniara.

    este , portanto, fruto de uma produo coletiva. se, na sua organizao aparecem nossos nomes, o de Dulce consuelo Andreatta Whitaker e o meu, com

  • A P r e s e n tA o 13

    certeza, tambm se fazem forte e significativamente presentes as colaboraes de lus Antonio Barone, professor doutor da Faculdade de cincia e tecnologia (F c t)/universidade estadual Paulista (unesp) Presidente Prudente, nosso brao direito h mais de duas dcadas, justamente o tempo de constituio dos assen-tamentos rurais, aps o i Plano nacional de reforma Agrria.

    nos tempos presentes, sem a colaborao de nossas secretrias do Mestrado em Desenvolvimento regional e Meio Ambiente, ivani e Adriana, tudo seria muito mais difcil e os dilemas, quase insolveis.

    Por ltimo, mas sempre com nosso reconhecimento e carinho, aos assentados, protagonistas desta histria que nos desafia e nos faz continuar a ter esperanas no amadurecimento da democracia no Brasil.

    Vera Lcia Silveira Botta Ferrante

  • introduo

    Aps mais de 20 anos completos do lanamento do i Plano nacional de reforma Agrria ( i P n r A), iniciativa que pode ser considerada marco em termos de polticas pblicas voltadas a essa questo, a problemtica do desenvolvimento dessa gama de assentamentos rurais implantados desde ento particularmente candente. Para alguns, os mais crticos da poltica de cesso de terras para os assentamentos, tais experincias redundam em total fracasso econmico, no se furtando, inclu-sive, a reafirmarem a alcunha de favela rural para os Projetos de Assentamentos. essa desqualificao, visivelmente ideolgica, ressalta de maneira exagerada em nico aspecto o estritamente econmico-financeiro , ocultando outras dimenses que o complexo conceito de desenvolvimento carrega inevitavelmente.

    no pensamos os assentamentos nem como expresso inequvoca de de-senvolvimento, nem como sua peremptria negao. esta perspectiva busca estabelecer relaes possveis entre uma dada realidade emprica que mais que uma poltica pblica, porque tambm obra da luta de milhares de famlias camponesas e um conjunto de preocupaes tericas daqueles que estudam ou interferem, via estado, nessa realidade. Para ns, a relao dos assentamentos com o desenvolvimento no direta, linear, mas pautada por tenses, que se expressam, tanto objetiva quanto subjetivamente, no modo de vida e na maneira de insero dos assentados em contextos regionais que, no caso brasileiro, so extremamente diversificados.

    o simpsio Reforma Agrria e Desenvolvimento: desafios e rumos da poltica de assentamentos rurais foi um retrato vivo das tenses e singularidades que se apresentam na anlise do presente e futuro dessas experincias.

    A primeira parte deste livro, Movimentos sociais e lutas pela reforma Agrria: velhas e novas questes, traz para o debate a trajetria de 27 anos do Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra ( M s t), a importncia dos movimentos so-ciais, as expresses de violncia da disputa poltica travada entre trabalhadores e trabalhadoras rurais sem acesso terra, de um lado, e os proprietrios rurais e o estado, de outro. Ainda mais, permite ao leitor ter uma viso crtica e lcida da questo da terra em um conjunto de pases, suscitando, indiretamente, indaga-es ou possveis comparaes com as experincias brasileiras frustradas ou no de reforma agrria.

  • i n t r o D u o 15

    A luta pela reforma agrria na agenda dos movimentos e organizaes de trabalhadores, confrontados com a ao estatal, perfaz um conjunto de dilemas e tenses sobre o futuro das experincias de assentamentos e, igualmente, do futuro da democracia no Pas.

    o texto de Bernardo M. Fernandes, 27 Anos do M s t em luta pela terra, nos traz a viso do gegrafo, que parte dos territrios da reforma agrria e suas con-flitualidades no Pas para chegar mundializao do movimento campons. sua contribuio est em dar relevo ao protagonismo dos movimentos camponeses, que alguns tericos de diferentes matizes insistem em negar.

    neste artigo, o pesquisador discute o processo de territorializao compre-endido pelas ocupaes de terra e conquista de assentamentos rurais. em tais lugares, constituem-se territrios onde o campesinato se recria e reproduz a luta pela terra. Analisa desde o processo de gestao do M s t at sua institucio-nalizao, quando o movimento torna-se o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma agrria. trajetria que no se d sem atalhos e/ou manifestaes de recusa. crticas ao modelo de organizao poltica proposto pelo M s t pipocam aqui e acol.

    extremamente significativo que o pesquisador no seu texto no deixa de balizar, os limites desses movimentos diante da fora do agronegcio o que descreve com clareza crtica, dentro dos paradigmas da questo agrria.

    A seguir, o texto de srgio sauer e Marcos rogrio de souza, Movimentos sociais na luta pela terra, traz uma viso poltica, necessria, sem dvida, com-preenso da reforma agrria tardia pela qual todos lutamos. os autores situam teoricamente as diferenas entre conflito e violncia, para mostrar que a violncia no campo brota da estrutura fundiria perversa que nos acompanha ao longo da histria, enquanto os conflitos so processos sociais legtimos, derivados da luta para superar essa violncia.

    Analisando o que foi feito no plano das aes do Programa do governo lula, os autores apontam que, entre a incluso em seu programa da reforma agrria como um eixo da poltica de desenvolvimento sustentvel e solidrio do meio rural e da agricultura brasileira e o que foi efetivamente feito, h hiatos e a constatao de promessas no cumpridas, como as metas previstas pelo i i Plano nacional de reforma Agrria.

    Dialogando com os nmeros e a qualidade dos recursos liberados, os autores reconhecem que foram obtidos bons resultados nas propostas dirigidas agricul-

  • 16 i n t r o D u o

    tura familiar pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (M DA), especialmente no que tange ampliao do volume para o Plano safra. suas concluses mostram o campo de tenses entre as reivindicaes dos movimentos sociais e o que efetivamente implementado pelo governo.

    Apesar da criao e ampliao de programas e polticas voltadas aos assen-tamentos a exemplo da criao do Programa de Assessoria tcnica, social e Ambiental reforma Agrria, Programa de Aquisio de Alimentos da companhia nacional de Abastecimento (conab), do Programa luz para todos, dentre outros , a estrutura fundiria e as relaes sociais no campo permanecem intocadas. concluses a demonstram que permanece vivo o desafio de democratizar o acesso terra.

    o artigo de eduardo ernesto Filippi, experincias internacionais de reforma Agrria: entre socialismo e populismo?, prope-se a analisar criticamente a questo da terra em um conjunto de pases em uma abordagem multidisciplinar, a partir de uma leitura plural de suas histrias e trajetrias distintas.

    At que ponto a redistribuio do fator produtivo terra contribui para uma maior diversificao produtiva em uma dada estrutura econmica? os casos sovitico e cubano convergem para uma resposta positiva. o caso nicaragense mostra resultados distintos. Por trs dessa questo, existe um debate poltico entre teses tericas e a presso de movimentos sociais para programas de reordenamento agrrio.

    Pode parecer, erroneamente, que os outros modelos de reforma agrria nada tm a ver com a poltica brasileira de assentamentos rurais que est muito longe de ser a expresso de uma reforma agrria radical.

    eduardo ernesto Filippi parte de concepes distintas de reforma agrria. A primeira, conhecida como clssica, a da distribuio macia de terras, modelo tpico de reforma agrria implantada nos pases centrais ao longo do sculo x v i i i at o perodo da segunda grande guerra.

    A segunda concepo aparece referida colonizao e nos remete experin-cia desastrosa de ocupao da Amaznia desenvolvida pelos governos militares em uma escalada crescente de violao dos direitos humanos e de atrocidades cometidas por pistoleiros a mando dos fazendeiros.

    A terceira concepo expressa pela implementao de assentamentos rurais tem levado discusso das perspectivas e limites de reproduo social do agri-cultor e de sua famlia face aos constrangimentos estruturais do agronegcio.

  • i n t r o D u o 17

    enfrentar as armadilhas do produtivismo que afetam decisivamente as condies de vida da rssia na era ps-1917, levando-a a mergulhar em uma selva-gem economia de mercado as investidas de controle estatal direto expressas na aprovao pelo parlamento cubano de uma nova lei agrria que flexibiliza a posse da terra so, portanto, caminhos necessrios para que a poltica de assen-tamentos rurais enfrente efetivamente os fundamentos poltico-econmicos da profunda desigualdade social no Brasil. Para tanto, o leitor convidado a fazer, com eduardo Filippi, uma leitura ampliada a respeito da questo da terra e das experincias de reforma agrria no Brasil e no mundo.

    A segunda parte do livro, gnero, Juventude e o cotidiano dos Assentamentos rurais, mostra uma gama diversificada e rica de um processo de ressocializao, no qual se redefinem identidades, papis e hierarquias. o cotidiano dos assen-tamentos mostra um complexo cenrio em que a construo de lealdades, de rearranjos na sociabilidade comandados por relaes de parentesco, de vizinhana, atravessado por outros mecanismos, nos quais percebem-se estratgias de recusa das mulheres violncia de gnero, dilemas dos jovens face s decises entre ficar e sair dos assentamentos e um cotidiano no qual solidariedades e rupturas, carncias objetivadas e subjetivadas alternam-se em uma trama de relaes plena de significados.

    elisa guaran de castro, em As Jovens rurais e a reproduo social das hierarquias: relaes de gnero em assentamentos rurais, parte do padro de dominao patriarcal constitutivo do nosso tipo de sociedade atenuado, hoje, ou disfarado sutilmente nos espaos racionalizados das profisses urbanas, que se mostra explicitamente nas reas rurais por ela pesquisadas, manifestando-se com mais clareza, porm de forma bastante complexa, pelo cruzamento de diferentes fatores: idade, gnero, posio dentro da famlia, posse ou no do lote de reforma agrria fatores que ora atenuam, ora agravam as hierarquias investigadas.

    Pode-se falar que os jovens rurais esto realmente saindo do campo? elisa deixa bem claro que a vivncia da experincia do meio rural como jovens no linear e nem homognea, ocorre em diferentes planos, dentre os quais encon-tramos atravessada a questo de gnero.

    h certo consenso nas pesquisas quanto s dificuldades enfrentadas pelos jovens no campo, principalmente quanto ao acesso escola e trabalho. outro vis tem como principal leitura a atrao do jovem pelo meio urbano, ou ainda pelo estilo de vida urbano. A maioria dos jovens que afirmaram querer ir embora

  • 18 i n t r o D u o

    relacionou esse desejo a querer viver em um lugar melhor. tal construo fruto da percepo do tempo vivido em uma rea rural desvalorizada socialmente nos espaos urbanos que freqentam, tanto nas referncias estigmatizadoras sobre a sua populao, quanto pela excluso ao acesso a servios pblicos e privados.

    o artigo de elisa guaran aponta para a necessidade de se repensar a idia de sair e ficar como movimentos definitivos dos jovens e observ-los a partir das mltiplas formas em que se apresentam, podendo simplificar estratgias familiares de manuteno da terra, formas de se afastar da autoridade paterna, dentre outros fatores. na contramo das generalizaes que pecam por no apreender diferenciaes na categoria juventude rural, o artigo nos mostra que, apesar das difceis condies de vida e de produo, um nmero importante de jovens vem reafirmando querer ficar no campo. nesse caso, reconstroem a identidade rural em processos organizativos dos movimentos sociais rurais.

    enfim, a interpretao do ficar e sair do campo bem mais complexa do que a leitura da atrao pela cidade e nos remete anlise da juventude rural como uma categoria social chave, pressionada pelas mudanas e crises da realidade no campo.

    o texto de Marilda A. Menezes, edgard Malagodi e Francisco r. Marques, Ju-ventude e educao em Assentamentos do Brejo Paraibano, produzido a partir de pesquisas e trabalhos de extenso no Brejo Paraibano, confirma estudos recentes sobre juventude rural em diferentes regies do Pas, no que se refere aos dilemas e ambigidades dos jovens sobre a permanncia ou no nos assentamentos de reforma agrria, bem como a crescente aspirao aos estudos como estratgia de profissionalizao.

    Apesar da conquista da terra e das presses do incra contra a sada de assen-tados para trabalhar fora do assentamento, os autores reiteram que recorrente a migrao de jovens solteiros, homens e mulheres, e tambm casados, titulares dos lotes. consideram a migrao como uma estratgia de obteno de renda monetria, no representando uma ruptura com a famlia ou com o lote.

    o texto faz um alerta importante a ser avaliado pela agenda das polticas pblicas. Aponta a necessidade de que os cursos de capacitao e treinamento para os jovens de hoje, voltados s atividades do meio rural, sejam diretamente agrcolas, de beneficiamento, de comercializao ou de industrializao. esse tipo de formao poderia se constituir em uma alternativa importante para a sustentabilidade dos jovens e suas famlias no meio rural.

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    Marisa lomba de Farias nos presenteia com um texto potico: o cotidiano dos Assentamentos de reforma Agrria: entre o vivido e o concebido. A autora revela compreenso profunda das subjetividades envolvidas e sua interpretao serve como antdoto s vises pessimistas que contemplam os assentamentos sob a tica urbanocntrica consumista e materialista das sociedades industriais.

    tomando o cotidiano como um espao-tempo intrincado, sem delimitaes precisas, Marisa retoma o dia-a-dia de homens e mulheres assentados que se comunicam, agem, reagem, se indignam, rememoram momentos vividos, cho-ram, se emocionam.

    Desvendando um redemoinho de situaes contnuas e descontnuas, a pesquisadora analisa o choque de valores e expectativas observado entre as famlias, os mediadores e os outros agentes que se fazem presentes nesse campo de lutas.

    o texto mostra esse continuado movimento com riqueza analtica, cap-tando ambigidades fundantes das relaes sociais tecidas no cotidiano dos assentamentos rurais. so evidenciados problemas gerados por expectativas discordantes entre as prprias famlias, suscitadas pelo outro, o estado que fixa regras totalmente abstratas, parmetros lineares que se pem na contramo dos projetos familiares estruturados sob diversas subjetividades, heterogeneidades e representaes sociais que se misturam e se redesenham no assentamento. esta simbiose de culturas, gestos e papis se alterna na experincia de cada famlia, criando uma colorao emprica, um estilo para cada novo projeto que ressurge no assentamento. essa vida em espirais que a pesquisadora nos mostra, dando ao leitor sinais vivos de que os assentamentos comportam sonhos, utopias em um movimento contnuo e descontnuo, em que experincias e representaes de um mundo internalizado, assimilado, reinventado, para alm da vida presente se fazem presentes.

    A terceira parte do livro, Mediadores e representao nos Assentamentos rurais: o difcil dilogo, toca em questes necessrias em uma agenda de pes-quisas voltada a essa temtica. Pe em discusso iderios de organizaes e experincias concretas levadas adiante de organizao associativa, de metodo-logias diferenciadas e de parcerias com rgos gestores.

    o artigo de Delma Pessanha neves, o Associativismo e a comercializao Agrcola: dilemas do processo de assentamento rural, d continuidade rica produo da autora sobre a temtica, ao discutir os problemas que se apresen-

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    tam na tensa construo e consolidao da categoria assentado e dos modos de objetivao dos programas de assentamentos rural. A pesquisadora privilegia analiticamente os meios postos em prtica para a emergncia de representao poltica entre os assentados - inserida em um campo de disputas e o estudo das associaes, unidades sociais a partir das quais os assentados tendem ou so levados a se conceber como atores/interlocutores na gesto do processo de assentamentos.

    o que significa essa necessidade de adentrar num mundo onde o documento, a contabilidade e a escrita se fazem necessrios? Aceitar a dependncia dos mediadores polticos voltados para a elaborao de um iderio sobre a prpria organizao poltica? como os assentados so levados a aprender a lidar com a concorrncia de representaes diversas sobre seu prprio futuro?

    tecendo uma lcida crtica sobre os sistemas classificatrios construdos a partir de adjetivaes dicotomizadas segmentadas em produo capitalista e familiar , a pesquisadora contraria a continuada pressuposio de que as relaes objetivas, por si s, estruturam as prticas individuais das experincias e vises de mundo dos assentados e busca um entendimento menos reificado das relaes de produo e de mercado.

    Passando em revista distintas dimenses de sete associaes e seus res-pectivos assentamentos, situados no estado do rio de Janeiro, a pesquisadora discute constrangimentos e alternativas que tm se apresentado aos assentados. A construo de um sistema de diviso de trabalho poltico, capaz de instituir a delegao da representao tem permitido a articulao em redes de instituies, assim como tem facilitado a integrao entre os prprios produtores. Persistem, no entanto, elementos de fragilidade no trabalho de assessoria tcnica oficial para a melhoria das condies de produo e de fortalecimento das organizaes de representao dos agricultores. igualmente, em outro campo, as relaes que se estruturam entre produtores e vendedores so orientadas pela reciprocidade negativa, nas quais roubo e atitudes de passar para trs imperam.

    neste espao de disputas, qual o papel da ideologia e da prtica do asso-ciativismo para os rumos dos assentamentos? Desafios que no faltam neste instigante artigo de Delma Pessanha neves.

    o artigo de lus Antonio Barone, Diagnsticos Participativos em Assenta-mentos rurais no entorno de estao ecolgica: o dilogo possvel entre ibama e agricultores, pe em questo uma modalidade de metodologia voltada di-

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    menso participativa posta em prtica em roraima com o objetivo de modificar a relao dos assentados com os rgos gestores.

    o trabalho, resultado de uma pesquisa realizada na regio centro-norte do estado de roraima a fim de subsidiar a elaborao do Plano de Manejo da estao ecolgica de Marac, uma das unidades de conservao gerida pelo instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos naturais renovveis (ibama), ps em ao a metodologia de diagnsticos participativos junto s comunidades de trs Projetos de Assentamentos implantados pelo incra em territrios que contornam a estao. o propsito dessa atividade no foi somente investigativo. o encontro entre agentes do ibama e os assentados, fora do circuito da fiscalizao, pode propiciar espaos de dilogo e de reflexo sobre a prtica dos agentes oficiais. At que ponto a aplicao do Diagnstico rpido Participativo cuja origem est nas aes de planejamento e extenso desenvolvidas desde os anos 1990

    surtiu os efeitos esperados? o contexto em que se d tal experincia tem caractersticas singulares. trata-

    se de roraima, cuja vegetao considerada pela constituio Federal como patrimnio nacional e cuja ocupao est diretamente relacionada a sua especi-ficidade ambiental, ainda que a abertura de novas estradas, a partir da dcada de 1970, tenha acelerado a agresso ao meio ambiente, com a extrao predatria da madeira. Processo que vai adquirindo dimenses conflituosas, agravadas com o aambarcamento das terras dos assentamentos do incra pelos pecuaristas.

    Diante desse quadro e de um afunilamento de perspectivas, os assentamentos so vistos praticamente como locais de passagem, o que explica o abandono ou

    venda de suas terras. entre rigores do setor de fiscalizao do ibama e restries para manter minimamente a subsistncia da famlia, poucas perspectivas se apresentam para os agricultores.

    havia outras perspectivas de prticas de subsistncia e obteno de renda sem destruio do patrimnio ecolgico da regio? lus Barone discute em seu texto as possibilidades e limitaes de alternativas ambientalmente adequadas e economicamente rentveis para os assentamentos do entorno da estao ecolgica Marac. centrado na metodologia do diagnstico participativo, o pesquisador analisa um itinerrio de desafios que se fazem presentes na dis-cusso dos rumos dos assentamentos e na eficincia da gesto proposta pelas polticas pblicas.

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    Maristela simes do carmo, Mauro srgio vianello Pinto e valria comitre, no artigo estratgias Agroecolgicas de interveno em Assentamentos humanos: extenso para um rural sustentvel, nos brindam com esclarecimentos conceituais preciosos no campo da Agroecologia para, em seguida, descrever e avaliar, com clareza, uma experincia distinta pela busca de sustentabilidade, realizada pela Faculdade de cincias Agronmicas (F c A)/unesp de Botucatu em parceria com o incra, o M DA e o M s t , que traz a marca da verdadeira pedagogia, aquela que parte da realidade dos atores contemplados pelo processo para harmoniz-la com os contedos ditos universais da cincia oficial, aplicados ento com tcnicas respeitadoras em relao cultura e ao meio ambiente.

    os autores discutem, com preciso, os elementos necessrios para a interligao entre a poltica de Assistncia tcnica e extenso rural (Ater) e os fundamentos da Agroecologia, desnudando os preconceitos que tentam discriminar modelos diferenciados de desenvolvimento para o rural brasileiro.

    outras perspectivas de sustentabilidade como processo multidimensional so mostradas pelos autores na Poltica nacional de Assistncia tcnica e extenso rural. Destacando o Programa de residncia Agrria, formao e qualificao profissional para assistncia tcnica e extenso rural e uma parceria feita com a unesp, os autores discutem caminhos alternativos de capacitao dos tcni-cos a partir de uma crtica necessria e criteriosa disseminao dos pacotes tecnolgicos.

    levando o leitor a conhecer, passo a passo, os objetivos e a metodologia do estgio de vivncia, os pesquisadores nos convencem de que h efetiva-mente novas perspectivas de formao para os extensionistas agroecolgicos. evidentemente, os desafios vo alm dos aspectos econmicos e da decantada produtividade, pondo no centro do debate a necessidade da nova prtica exten-sionista, desvinculando-a do difusionismo tecnicista, incorporando dimenses culturais e ambientais.

    A quarta parte do livro, Polticas Pblicas em Assentamentos rurais: imobi-lismos e avanos, permite a discusso das mediaes dos assentamentos com a dinmica do desenvolvimento regional e com o poder local.

    so analisadas criticamente as parcerias com as agroindstrias, como expresso de relaes assimtricas de poder, apontados problemas e perspectivas para os assentamentos no submergirem ao rolo compressor do agronegcio.

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    vera lcia silveira Botta Ferrante e lus Antonio Barone, com seu artigo As-sentamentos na Agenda de Polticas Pblicas: a trama de tenses em regies diferenciadas, trazem grande contribuio compreenso das relaes entre assen-tados de reforma agrria e poder local nos municpios que os contm. os autores mostram a trama de tenses estabelecidas por essas relaes em duas regies do estado de so Paulo bem diferentes: Araraquara, no centro do estado, e Pontal do Paranapanema, no sudoeste esta ltima marcada historicamente por conflitos intensos. As semelhanas, diferenas e especificidades apontadas sinalizam para a necessidade de novas abordagens relacionais que dem conta da complexidade do fenmeno assentamentos em outras regies do estado e do Pas.

    Ao privilegiar o mbito local/regional no enquadramento emprico desse estudo, a anlise se defrontou imediatamente com tenses especficas, tanto do ponto de vista das estruturas polticas e econmicas, quanto dos atores sociais diretamente envolvidos nessa conflituosa experincia.

    o carter comparativo visou, portanto, ressaltar os possveis rumos das ex-perincias de assentamentos, em funo das tramas sociais constitudas pelos distintos conjuntos de agentes/atores sociais que animam o cenrio local/regional em cada caso, bem como por meio das tenses que se expressam no campo das alternativas polticas e econmicas.

    no que tange s relaes com as agroindstrias, essa rede constituda por meio das parcerias discutidas como expresso de desigualdades, exigindo-se a desconstruo de seu significado conceitual usual , as quais so analisadas, no presente artigo, atravessadas pela noo de trama de tenses.

    Assim, temas como a gesto do trabalho no interior dos assentamentos, a produo para o autoconsumo e a recuperao de um possvel ethos campons no podem ser corretamente analisados sem se levar em conta a trama de confli-tos, resistncias e acomodaes formada pela integrao desses assentamentos aos contextos locais de cada regio.

    na abordagem dos autores, separar estes processos (autoconsumo e produo comercial), mesmo que analiticamente, faz com que sejam perdidas as conexes concretas, visveis na organizao produtiva e familiar nos assentamentos.

    henrique carmona Duval e vera lcia silveira Botta Ferrante trabalham em complexas interfaces entre Agroecologia, sociologia e economia, para produzir o texto Autoconsumo e Polticas Municipais: perspectivas de segurana alimentar e de desenvolvimento, o que permite compreender com clareza as possibilidades,

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    vantagens e tambm os limites do autoconsumo, em duas situaes pesquisadas nos assentamentos da regio de Araraquara uma viso dialtica, que no evita as contradies entre a produo de alimentos e a fora do agronegcio da cana, muito pelo contrrio, as enfrenta com embasamento terico adequado.

    este artigo vem somar-se s contribuies crticas das avaliaes dos as-sentamentos pautadas por indicadores de sucesso/fracasso. valorizando o autoconsumo, rejeitando seu olhar por uma lgica pautada por dinmicas de produtividade capitalista, o artigo discute esta produo como parte das estra-tgias de produo das famlias assentadas.

    Alm do mais, volta-se para a anlise de dois programas municipais que tm aberto espao para o escoamento de produes da agricultura familiar no municpio, ora pela venda direta populao, ora pela destinao merenda escolar e s instituies assistencialistas. os autores defendem essa inovao na gesto pblica dos assentamentos, mais condizente com a lgica do pequeno produtor de que as parcerias com as agroindstrias, nas quais a maior parte das famlias encontra-se em condio de desigualdade.

    trata-se dos programas Direto do campo, o qual consiste na venda direta da produo populao em dois espaos urbanos, e Aquisio de Alimentos, em parceria com o governo federal. certamente, tais experincias, acenando com enfoques na soberania e segurana alimentar representam o embrio de um modelo de desenvolvimento alternativo para os assentamentos rurais.

    no artigo soberania Alimentar e Assentamentos de reforma Agrria, a pesquisadora Dulce consuelo Andreatta Whitaker contribui, do ponto de vista terico-metodolgico e a partir da sua riqussima experincia em estudos sobre assentamentos rurais, para que interpretaes sobre a questo agrria no sejam absolutizadas.

    Partindo do conceito de soberania alimentar, a autora resgata o habitus dos assentados e as estratgias adotadas para no submergir ao movimento supostamente onipotente do agronegcio. Face s desoladoras paisagens provocadas pela monotonia das plantations, Dulce Whitaker resgata outro olhar sobre os assentamentos, voltado formao de mosaicos diversificados, prprios da agricultura camponesa com suas hortas, pomares, criaes, cultivos variados. contradies que so priorizadas nesse artigo mesmo porque, em se tratando de assentamentos, no h modelos inexorveis e/ou monolticos de interpretao.

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    o que est em jogo, neste artigo, a discusso da reproduo de vida em uma leitura lcida e aprofundada dos riscos que temos de perder nossa sobera-nia alimentar, categoria vital na defesa dos direitos humanos. sem enfrentarmos terica e efetivamente a obsesso do produtivismo, sem discutirmos alternativas ao modelo de agronegcio, no temos dvidas de que nossa soberania alimen-tar continuar sendo seriamente abalada. Perspectiva que leva a pesquisadora a reafirmar a importncia da diversidade de prticas e cultivos postos em ao em assentamentos rurais, o que tem permitido uma srie de transformaes positivas no meio ambiente, especialmente na preservao da heterogeneidade. Desafios que permitem ao leitor refletir sobre a necessidade de ser preservada, em cada regio, com suas marcas singulares de capital simblico, a soberania alimentar como direito humano fundamental.

    so os dilemas e tenses apresentados por este livro que nos levam a reco-mendar vivamente sua leitura e sua crtica a todos aqueles que acreditam que o enfrentamento da reforma agrria decisivo para o futuro de nosso Pas.

    Vera Lcia Silveira Botta FerranteDulce Consuelo Andreatta WhitakerA r A r A q uA r A , A g o s to D e 2007 .

    na espreita da primavera.

  • 26 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    Pa r t e I

    Movimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

  • 26 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    27 anos do Mst em luta pela terraBernardo Manano Fernandes1

    Introduoo Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (M s t) foi fundado em 1984, mas o processo de gestao na formao do Movimento comeou cinco anos antes. neste artigo, procuramos analisar o M s t nos seus 27 anos de luta pela terra para compreender seu processo de formao, desde sua gestao. no foi o espao geogrfico o bero do M s t , mas uma relao social denominada luta pela terra, que aqui compreendida como poltica pblica que somente os movimentos camponeses podem fazer. Poltica esta que empurra as polticas de reforma agrria e que se desdobra em outras polticas pblicas conforme a correlao de foras entre movimentos e governos. o M s t no nasceu no rio grande do sul, como muitos pensam, o M s t nasceu no Brasil, nas diversas lutas pela terra, acompanhada e abenoada pela comisso Pastoral da terra.

    A ao que faz o sujeito que a pratica. Do mesmo modo, a luta pela terra avana alheia existncia ou no de um plano de reforma agrria. A luta pela terra uma luta popular e a reforma agrria uma poltica pblica de competncia do estado. A luta pela terra compreendida por duas manifestaes polticas principais: a ocupao da terra que acontece diariamente e tem sido a principal forma de acesso terra no Brasil (F e r n A n D e s , 2000; l e i t e , 2004) e as marchas de diversos movimentos camponeses para pressionar o estado na realizao de polticas pblicas, como por exemplo: polticas de crditos, de educao e moradia, que acontecem periodicamente. o avano da luta pela terra tem mantido a reforma agrria na pauta poltica do estado. todavia, at o momento o estado no tem sido competente para efetivar uma poltica de reforma agrria

    1. gegrafo, professor dos cursos de Psgraduao e graduao em geografia da Faculdade de

    cincias e tecnologia da universidade estadual Paulista (unesp), campus de Presidente Prudente.

    Assessor do Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (M s t). coordenador do grupo de traba-

    lho Desenvolvimento rural na Amrica latina e caribe do conselho latino Americano de cincias

    sociais (clacso). [email protected]

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    que desconcentre a estrutura fundiria. evidentemente que a participao do estado nesse processo fundamental. Mas no determinante e nem propositiva. o estado caminha a reboque dos movimentos camponeses.

    Demonstraremos essa questo, analisando o processo de formao do Movi-mento dos trabalhadores rurais sem terra (M s t) e as aes de diversos governos, desde a ditadura militar ao governo lula. essa conflitualidade constitui a questo agrria brasileira baseada numa estrutura fundiria concentrada e uma agricultura moderna. compe essas disparidades o paradoxo da excluso dos movimentos camponeses na elaborao de polticas pblicas para o desenvolvimento rural, ao mesmo tempo, em que suas aes promovem a ressocializao e os direitos bsicos da cidadania.

    o estado tem tratado a questo agrria somente com polticas conjunturais conforme o poder de mobilizao dos movimentos camponeses. A razo dessa postura deve-se ao controle poltico do estado pelos ruralistas, que tem impedido o desenvolvimento da agricultura camponesa no Brasil. esse monoplio poltico determinou as condies para que a modernizao da agricultura mantivesse a estrutura fundiria concentrada impedindo o acesso terra aos camponeses. Analisamos essas realidades, nas ltimas quatro dcadas, definindo quatro per-odos da formao e territorializao do M s t .

    o processo de territorializao compreendido pelas ocupaes de terra e conquista de assentamentos rurais. esses lugares constituem-se em territrios onde o campesinato se recria e reproduz a luta pela terra. esse processo permanente e o eixo de nossa anlise. Definimos o primeiro perodo como gestao do M s t que precede a sua fundao. esse momento fundamental para compreender as bases de seu processo de formao. o segundo perodo foi definido tomando como referncia suas aes em escala nacional e a consolidao da estrutura organizativa. nessa fase, o M s t configura a sua forma de organizao e se es-tabelece em todas as regies brasileiras. no terceiro perodo, analisamos a sua institucionalizao, quando o M s t torna-se o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma agrria e reconhecido internacionalmente. Defi-nimos o quarto perodo a partir do processo de mundializao dos movimentos camponeses com a criao da via campesina. Desde a segunda metade da dcada de 1990, a luta pela terra e a reforma agrria ganham conotao internacional, tanto pela criao da via campesina quanto pela poltica de reforma agrria de mercado do Banco Mundial.

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    1. Gestao e nascimento do M S t

    em 1964, o governo da ditadura militar elaborou o estatuto da terra. esse foi o primeiro documento que tratou da reforma agrria na histria do Brasil. o ob-jetivo do governo no era aplicar a lei, mas sim controlar os conflitos por terra. A poltica agrcola que tinha como referncia o modelo da denominada revoluo verde no contemplava a agricultura camponesa, atendia somente a expanso da agricultura capitalista. uma medida para tentar minimizar os conflitos foi a implantao de projetos de colonizao, por meio da migrao dirigida de camponeses para a Amaznia. todavia, essa poltica no diminuiu os conflitos por terra nas regies sul, sudeste e nordeste do pas. os governos da ditadura militar reprimiram violentamente as aes dos trabalhadores que reivindicavam seus direitos, como acesso terra e melhores condies de trabalho. no final da segunda metade da dcada de 1970, depois de 15 anos de forte represso poltica da ditadura militar, os trabalhadores do campo e da cidade intensificaram suas lutas para reconstruir a democracia e reconquistar direitos.

    no campo, a partir da atuao da comisso Pastoral da terra (c P t), nasceram experincias de luta pela terra que gestaram o Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra (M s t). As lutas camponesas para ficar na terra, principalmente pela resistncia dos posseiros na Amaznia, por meio dos sindicatos de traba-lhadores rurais; ou para entrar na terra, especialmente das ocupaes de terra no nordeste e no centro-sul compem as diferentes formas de resistncia do campesinato brasileiro. essas aes mantiveram na pauta poltica a questo da reforma agrria, que havia sido sufocada com o golpe militar de 1964.

    na cidade, as greves dos metalrgicos, professores, bancrios e outras ca-tegorias reunidas na formao de um movimento sindical autntico criaram a central nica dos trabalhadores (c u t). na dcada de 1980, as lutas populares dos movimentos e dos sindicatos pelas conquistas dos direitos e pelo restabe-lecimento da democracia constituram-se nas bandeiras de lutas que fundaram e transformaram o Partido dos trabalhadores (Pt) em um dos mais importantes partidos brasileiros.

    essas distintas foras polticas nasceram quase que concomitantemente em espaos polticos diferentes, interativos e autnomos, cada qual com sua estrutura organizativa. Alm de suas origens formadas no seio das lutas de classes, essas organizaes tinham em comum pelo menos um princpio: a defesa dos direitos

  • 30 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    e dos interesses dos trabalhadores. com a fundao do Partido dos trabalhadores, criou-se um espao para reunir os projetos polticos dos diferentes segmentos das classes. na dcada de 1980, os movimentos camponeses, a comisso Pas-toral da terra, com o apoio poltico do Pt, mais do que recolocaram na pauta poltica a questo da reforma agrria, transformaram a luta camponesa numa das principais formas de acesso terra.

    quando famlias sem-terra realizam uma ocupao, conquistam a terra e organizam nova ocupao, elas esto formando um movimento campons. e, ao mesmo tempo, esto conquistando novos territrios. essa leitura da luta pela terra nos permite compreender que forma de organizao social e territrio so partes indissociveis da luta camponesa. por essa razo que denominamos este texto de formao e territorializao do M s t . nas primeiras ocupaes de terra que aconteceram nos anos de 1979 at 1985, as famlias sem-terra criaram diversas comisses ou setores para cuidar das atividades referentes luta pela terra. essas ocupaes traziam o embrio do que viria a ser a forma de organizao do M s t . As experincias construdas na luta e a histria de outros movimentos camponeses, como por exemplo, as ligas camponesas, foram referncias que serviram de base para a formao do M s t .

    comeamos nossa anlise a respeito da formao do M s t , definindo esse primeiro momento de sua existncia como um preldio, porque antecede a sua fundao. As experincias construdas nessa etapa determinaram a atual forma de organizao do M s t . A criao de comisses, setores e coordenaes definiram o modelo de sua estrutura organizativa. essa foi uma fase embrionria, a qual denominamos de gestao e nascimento do M s t. esse momento compreendido pelas lutas que formaram o M s t e que aconteceram no perodo 1979 a 1985.

    A definio desse momento necessria para que a origem do M s t no fique reduzida somente ao ano de 1984, quando foi fundado com a realizao de seu primeiro encontro e tambm porque o primeiro encontro tem como marco his-trico a fundao do M s t, mas no foi determinante na constituio de estratgias polticas conjunturais para a sua formao. Foi somente no primeiro congresso que os camponeses definiram polticas de ao que tinha na territorializao um de seus principais objetivos. Por essa razo, consideramos o perodo iniciado em 1979, quando aconteceram as primeiras ocupaes organizadas, da qual surgiram as lideranas que fundaram o M s t em 1984 e organizaram seu primeiro congresso em 1985, constituindo assim um dos mais importantes movimentos camponeses

  • 30 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes 27 anos do MST em luta pela terra 31

    do mundo. Desse modo, quando falamos do M s t nos anos que antecedem a sua fundao, estamos nos referindo ao momento de sua gnese.

    A partir de 1979, em cinco estados do centro-sul do Brasil (rio grande do sul, santa catarina, Paran, so Paulo e Mato grosso do sul) aconteceram ocupaes de terra e lutas de resistncias de posseiros e de arrendatrios para permanecerem na terra. As experincias dessas lutas foram reunidas pela comisso Pastoral da terra (c P t) e, em julho de 1982, no municpio de Medianeira (Pr) foi realizado o primeiro encontro para discutir o crescimento da luta pela terra.

    As lutas que geraram o M s t foram simultaneamente de posseiros e arrenda-trios que resistiam na terra ou expulsos ocupavam latifndios. Foram os colonos expulsos das terras indgenas no oeste do rio grande do sul que ocupavam fazendas na regio; a resistncia dos posseiros da Fazenda Primavera no oeste do estado de so Paulo que estavam sendo expulsos de suas roas, por causa da expanso da pecuria. esta regio faz divisa com leste do estado do Mato grosso do sul, onde tambm os arrendatrios perdiam suas reas com a expanso da pecuria. no sudoeste do Paran, com a construo da hidreltrica de itaipu, milhares de famlias camponesas foram atingidas e ficaram desamparadas. no oeste de santa catarina, famlias camponesas com pouca terra, com o apoio da Diocese de chapec, ocuparam uma fazenda que estava para ser desapropriada. A comisso Pastoral da terra promoveu os encontros desses camponeses e constituiu uma articulao para superar o isolamento. nesse tempo, os campo-neses sem-terra viviam a represso do governo militar. uma luta histrica desse perodo foi o acampamento encruzilhada natalino, quando o governo militar no poupou esforos para abortar o nascimento do M s t .

    em setembro deste mesmo ano, novo encontro foi organizado em goinia (go), onde camponeses de todas as regies do Pas formaram uma comisso provisria para a criao de um movimento campons em escala nacional. Ainda, no ano de 1983, mais dois encontros foram realizados at a fundao do M s t , em 22 de janeiro de 1984, no municpio de cascavel (Pr), quando realizou seu 1 en-contro nacional. um ano depois, o M s t realizou o seu 1 congresso nacional com representantes de 23 das 27 unidades federativas. o crescimento do M s t sempre esteve associado diretamente a sua territorializao. esse processo comeou no perodo 1979 1985. crescer tambm significava organizar-se nacionalmente. em suas avaliaes de conjuntura poltica e histrica, os sem-terra compreendiam

  • 32 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    que um movimento campons organizado em escala local ou regional teria menos possibilidades de enfretamento com as foras adversrias.

    A expanso do M s t, por outras regies brasileiras, aconteceu pela reproduo das ocupaes de terra, das experincias construdas na sua gnese e tambm de contatos com lideranas de movimentos camponeses que haviam sido extintos pela ditadura militar ou foram transformados em sindicatos. As novas lideranas que nasceram com as primeiras ocupaes do M s t procuraram antigas lideranas das ligas camponesas, da unio dos lavradores e trabalhadores Agrcolas do Brasil (ultab) e do Movimento dos Agricultores sem-terra (Mster)2. essas referncias serviram para o M s t definir os seus princpios organizativos. Alguns dos princpios criados nesse processo de aprendizagem so: formao de coordenao e direo coletivas como instncias polticas de deciso; autonomia poltica; disciplina e respeito s decises das instncias polticas; formao educacional permanente; jamais separar a luta econmica da luta poltica3; a organicidade deve vincular sempre a base com a direo. As experincias e os princpios determinaram o modelo da estrutura organizativa do M s t , que ser analisada a seguir.

    2. territorializao e consolidao do M S tDenominamos o segundo momento da formao de territorializao e conso-lidao do M s t . nesse perodo, o M s t se territorializou em todos os estados das regies sudeste e nordeste. tambm realizou suas primeiras ocupaes no estado de gois, na regio centro-oeste e em rondnia, na Amaznia. esse perodo compreendido pelas lutas que aconteceram nos anos 1985 a 1990. nesse tempo, o Movimento tambm definiu sua estrutura organizativa e, por estar presente em todas as regies do pas, se consolidou como movimento nacional.

    2. A ultab a unio dos lavradores e trabalhadores Agrcolas do Brasil, uma associao classista com-

    posta por camponeses e assalariados rurais, organizada pelo Partido comunista Brasileiro. existiu de

    1954 at 1963, quando foi transformada em sindicato, compondo a confederao dos trabalhadores

    na Agricultura /contag), fundada em novembro de 1963. o Master o Movimento dos Agricultores

    sem terra, fundado no rio grande do sul, no inicio dos anos 60, sob influncia do Partido trabalhista

    Brasileiro (P t B). (s t e D i l e e F e r n A n D e s , 1999).

    3. este um princpio que determina a identidade do M s t . no separar a luta econmica da luta pol-

    tica significa que mesmo depois de assentadas, algumas famlias sem-terra continuam organizando

    ocupaes de terra, o que promove a territorializao do M s t .

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    o M s t se territorializa por meio da ocupao da terra. A ocupao uma forma de enfrentamento, resistncia e recriao do campesinato. conforme apresentamos na primeira parte deste texto, as lutas que geraram o M s t foram, simultaneamente, lutas de posseiros e arrendatrios para ficar na terra ou expulsos ocupavam latifndios. As lutas realizadas no segundo momento de formao do M s t foram predominantemente de trabalhadores rurais assalariados, que ocupavam terra para se livrarem do assalariamento. As lutas realizadas a partir do terceiro momento de formao do M s t contavam em parte com a participao de trabalhadores de origem urbana4. Portanto, eram lutas que promoviam a ressocializao de trabalhadores que nunca tiveram terra.

    quando um grupo de famlias comea a se organizar com o objetivo de ocupar terra, desenvolve um conjunto de procedimentos, definindo uma metodologia de luta popular. essa experincia tem a sua lgica construda na prxis. essa lgica tem como componentes constitutivos a indignao e a revolta, a necessidade e o interesse, a conscincia e a identidade, a concepo de terra de trabalho contra a de terra de negcio e de explorao, o movimento e a superao.

    A formao de um grupo de famlias comea com o trabalho de base. esse um processo contnuo da luta pela terra. Das lutas ocorridas no perodo de gestao do M s t, foram formadas diversas lideranas que iniciaram os trabalhos de base em outras regies do Pas, por meio da criao de espaos de socializao poltica. esse espao possui trs dimenses: espao comunicativo, espao interativo e espao de luta e resistncia. A primeira o espao comunicativo, construdo desde as primeiras reunies. o momento da apresentao, do conhecer-se e da definio dos objetivos da luta.

    o incio de uma experincia de transformao de suas realidades. o ponto de partida para a criao do espao interativo. esse, dependendo da metodologia, realiza-se antes, durante ou depois da ocupao da terra, que se constitui em um espao de luta e resistncia. o espao interativo um contnuo processo de aprendizado. o sentido da interao est nas trocas de experincias, no conheci-mento das trajetrias de vida, na conscientizao da condio de expropriados e explorados, na construo da identidade sem-terra. o contedo das reunies dos trabalhos de base a recuperao das histrias de vida associadas ao de-senvolvimento da questo agrria. Fazem anlises de conjuntura, das relaes

    4. ver l i MA e F e r n A n D e s , 2001.

  • 34 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    de foras polticas, da formao de articulaes e alianas para o apoio poltico e econmico.

    esse um processo de formao poltica, gerador da militncia que fortalece a organizao sociopoltica do M s t . todos esses processos, prticas e procedi-mentos colocam as pessoas em movimento, na construo da conscincia de seus direitos, em busca da superao da condio de expropriadas e exploradas. A superao de suas realidades comea com a deliberao a respeito da parti-cipao na ocupao da terra. essa tomada de deciso tem como pressuposto que somente com essa ao podero encontrar soluo para o estado de misria em que vivem.

    quando ocupam a terra ou acampam nas margens das rodovias, os sem-terra vm a pblico, dimensionam o espao de socializao poltica, intervindo na realidade, construindo o espao de lutas e resistncia. conquistando a terra, na formao do assentamento, transformam o espao em territrio, recriando o trabalho familiar e reproduzindo a luta pela terra por meio do trabalho de base na formao de novos grupos de famlias.

    As reunies realizadas nos trabalhos de base so espaos geradores de sujeitos construindo suas prprias existncias. essas reunies podem durar um, trs, seis meses ou at anos, dependendo da conjuntura. Podem envolver um municpio, vrios municpios ou at mais de um estado em reas de fronteira.

    A ocupao, como forma de luta e acesso terra, no um fato novo. um contnuo na histria do campesinato. Desde o princpio de sua formao, os camponeses em seu processo de criao e recriao ocuparam terra. nas ltimas quatro dcadas, os posseiros e os sem-terra so os principais sujeitos dessa luta. os posseiros ocupam terras, predominantemente, nas faixas das frentes de expanso, em reas de fronteira. com a territorializao do capital, ocorrem os processos de expropriao desses camponeses, desenvolvidos principalmente pela grilagem de terra por latifundirios e empresrios. os sem-terra ocupam terras, predomi-nantemente, em regies onde o capital j se territorializou. ocupam latifndios

    propriedades capitalistas terras de negcio e explorao terras devolutas e ou griladas. As lutas por fraes do territrio os assentamentos representam um processo de territorializao na conquista da terra de trabalho contra a terra de negcio e de explorao. essa diferena fundamental, porque o grileiro, o latifundirio, o empresrio chegam aonde o posseiro est. os sem-terra esto ou chegam aonde o grileiro, o latifundirio e o empresrio esto.

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    no curso das experincias, os sem-terra passaram a combinar vrias formas de luta. elas acontecem em separado ou simultaneamente com ocupaes de terra. so as marchas ou caminhadas, as ocupaes de prdios pblicos e as manifestaes em frente s agncias bancrias. esses atos intensificam as lutas e aumentam o poder de presso dos trabalhadores nas negociaes com os diferentes rgos do governo. Pelo desenvolvimento dos procedimentos das prticas de lutas, possvel definir dois tipos de ocupao: ocupao de uma rea determinada e ocupao massiva. A principal diferena desses tipos est no fato de que, no primeiro, o tamanho da rea critrio para a mobilizao e organizao das famlias. Dependendo do tamanho da rea, pode ser uma ocupao de pequenos grupos ou at numerosos grupos, massificando a luta. no segundo, a mobilizao e organizao tm como critrio assentar todas as famlias sem-terra, ocupando quantas reas forem necessrias.

    no primeiro tipo, a ocupao realizada com o objetivo de conquistar somente a rea ocupada. Portanto, as famlias so mobilizadas e se organizam para reivindicarem a terra ocupada. havendo famlias remanescentes, iniciam uma nova luta para se conquistar uma outra rea. A lgica da organizao das famlias mobilizar conforme as reas reivindicadas. essa lgica muda com as ocupaes massivas. nesse caso, os sem-terra superaram a condio de ficarem limitados ao tamanho da rea reivindicada. o sentido da ocupao deixou de ser somente pela conquista de uma determinada rea, e passou a ser o assen-tamento de todas as famlias, de modo que uma ocupao pode resultar em vrios assentamentos.

    essa forma de organizao intensificou a territorializao da luta. o critrio principal para assentar as famlias no mais o limite territorial, mas o tempo e as formas em que as famlias participam da luta. A ocupao transformou-se numa luta contnua pela terra, num refazendo constante, conforme as famlias vo sendo assentadas, novas famlias unem-se s famlias em luta. Assim, conforme vo conquistando fraes do territrio, vo somando mais grupos de famlias aos grupos de famlias remanescentes.

    uma ocupao de uma rea determinada pode se transformar em uma ocupao massiva, no s pela quantidade de famlias que participam, mas por causa do desdobramento da luta. isso acontece quando, depois da conquista da terra reivindicada, passa-se a ter conhecimento de um conjunto de reas que podem ser conquistadas e da perspectiva de se reunir diversos grupos de

  • 36 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    famlias em uma mesma ocupao. Desse modo, importante destacar que a massificao no tem s o sentido de quantidade, mas tambm o de qualidade. essa fruto dos trabalhos realizados nos espaos de socializao poltica, que acontecem por meio da difuso de ncleos, setores e comisses, de modo a fortalecer o movimento.

    com essas prticas, os sem-terra renem-se em movimento. superam bases territoriais e fronteiras oficiais. na organizao da ocupao massiva, agrupam famlias de vrios municpios e de mais de um estado, quando em reas fronteirias. Desse modo, rompem com localismos e outros interesses que possam impedir o desenvolvimento da luta pelos trabalhadores. Assim, os critrios de seleo das famlias a serem assentadas no podem ficar restritos procedncia das famlias. As pessoas que compem as comisses de seleo precisam considerar como critrio, entre os determinados pelo governo, a histria da luta.

    na execuo das ocupaes, os sem-terra podem realizar diferentes formas de estabelecimento na terra. h experincias em que ocupam uma faixa de terra e prosseguem com as negociaes, reivindicando a desapropriao da rea. h experincias em que ocupam a terra, dividem-na em lotes e comeam a trabalhar, noutras demarcam uma nica rea e plantam coletivamente.

    Por mais que se tenha um planejamento, a espacializao da luta por meio da ocupao da terra sempre um devir incerto. Possui o sentido das possveis transformaes incessantes, quando as conjunturas construdas, dissolvem-se e/ou relacionam-se, formando novas conjunturas, superando-se ou retroce-dendo. Portanto, por mais que os sem-terra tenham construdo experincias diversas e possuam know-how, a realizao de uma ocupao nunca um fato completamente conhecido, porque cada ocupao tem suas singularidades e surgem novos desafios.

    em meados da dcada de 1990, o M s t estava organizado em 23 unidades federativas e era o principal movimento campons na realizao de ocupaes de terra. As ocupaes cresceram e foram uma importante forma de presso poltica para a multiplicao do nmero de assentamentos implantados. o avano e recuo das ocupaes de terra corresponderam igualmente ao avano e recuo do nmero de assentamentos implantados. em pesquisa que realizamos em 1998, constatamos que 83% dos assentamentos criados em 13 estados eram resultados de ocupaes de terra. As polticas governamentais para a questo agrria, em toda a dcada, foram de carter compensatrio, implantando as-

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    sentamento em reas de conflitos ou na regio onde o governo tem estoque de terras. essa poltica de implantao de assentamentos tem sido denominada de reforma agrria.

    enquanto a luta pela terra avanava, a luta pela reforma agrria reflua. 1985 o primeiro ano da redemocratizao do Brasil, aps 20 anos de ditadura militar. o Presidente sarney apresentou, nesse ano, o Plano nacional de reforma Agrria com a promessa de assentar 1.400.000 famlias. em 1989, no final do governo sarney, apenas 84.852 famlias foram assentadas. esse resultado era muito mais fruto das ocupaes de terra realizadas principalmente pelo M s t do que das aes do governo federal. Desde o incio da gesto do governo, o M s t apresentou o seu descrdito com a poltica de reforma agrria. seu objetivo era tornar-se um movimento nacional para intensificar a luta pela terra, considerada pelo M s t com a medida mais eficaz para a criao de assentamentos rurais.

    em 1988, com a elaborao da nova constituio, a bancada ruralista, com-posta pelos diversos setores do agronegcio, utilizou-se de uma estratgia para impedir a execuo sumria da reforma agrria. A reforma agrria foi aprovada como na constituio terceiro pargrafo do Artigo 184. nele os ruralistas fizeram constar o seguinte texto: cabe lei complementar estabelecer procedimento contraditrio especial, de rito sumrio, para o processo judicial de desapropriao. somente em 1993, com a aprovao da lei 8.629, passou a existir regulamentao para a desapropriao de terras. todavia, mesmo com a existncia desta nova lei, os ruralistas ainda conseguem impedir a desapropriao de terras, arrolando os processos desapropriatrios, conseguindo at mesmo reverter situaes em processos j assinados pelo Presidente da repblica.

    esse segundo perodo da formao do M s t foi um momento de definies importantes que estabeleceram a identidade sua poltica. um desafio da con-solidao do M s t , como movimento campons autnomo, era expandir as alianas polticas com outras organizaes sem criar relaes de dependncia. essa questo debatida no 2 encontro nacional, realizado em dezembro de 1985. em cada estado que o M s t se organizava e realizava ocupaes, criava articula-es de apoio luta pela terra. Algumas vezes, as instituies que compunham

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    essas articulaes queriam determinar as aes do Movimento5. Para superar essa situao, o M s t decidiu investir na formao permanente de lideranas que dirigissem as lutas do Movimento no estado.

    A formao de jovens lideranas foi acompanhada da construo de uma cultura para a formao da identidade poltica dos sem-terra. no 3 encontro nacional, realizado em 1987, o M s t escolheu um de seus principais smbolos: a bandeira. nesse evento, definiram a abertura de um concurso interno para a elaborao do hino do M s t , que foi escolhido em 1989, durante a realizao de seu 5 encontro nacional. A bandeira e o hino do M s t so smbolos presentes nos territrios camponeses construdos pelos sem-terra. eles so indicadores da organicidade6 do Movimento, pois esto presentes nas reunies setoriais, nos prdios das cooperativas e das escolas, nas ocupaes, nos acampamentos e nos assentamentos. so marcas da identidade territorial desse movimento campons.

    outro elemento importante da cultura poltica do M s t so as palavras de ordem. uma frase que tem em seu significado o sentido da luta. A construo dessas palavras resultado da ao dos sem-terra e so criadas nos encontros estaduais ou nacionais. novas palavras surgem conforme as mudanas da con-juntura poltica das aes do M s t . Apresentamos a seguir o conjunto das princi-pais palavras de ordem utilizadas pelo M s t desde sua gnese. elas representam os momentos e as preocupaes com o desenvolvimento da luta camponesa. A ocupao, a resistncia, a conquista, o fim do latifndio, a amplitude a luta pela reforma agrria como condies essenciais para a construo da democracia.

    em maio de 1990, o M s t realizou o seu 2 congresso nacional, que teve como tema: Ocupar, Resistir, Produzir. essas palavras, denominadas de palavras de ordem so utilizadas como referncias nas lutas e esto carregadas de sentidos. A ocupao, a resistncia e a produo so trs elementos de um continuum

    5. esse foi um momento difcil da formao do M s t . As articulaes eram compostas por sindicatos

    rurais e urbanos, partidos polticos, organizaes no-governamentais e pastorais das igrejas. em

    alguns estados, as articulaes foram desfeitas porque o M s t no aceitava a interveno em seu

    poder decisrio. somente depois de diversos conflitos e divergncias, as organizaes e o M s t

    conseguiram consolidar as articulaes de luta pela terra.

    6. organicidade uma condio poltica. ela representada pelos graus de vinculao das famlias

    sem-terra com o M s t . quanto maior a participao das pessoas nos setores de atividades e nas

    instncias de representao poltica maior a organicidade do Movimento.

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    que tambm significa produzir, ocupar, resistir ou resistir, ocupar e produzir. De 1979 a 1983, a palavra de ordem era Terra para quem nela trabalha. essa palavra fora criada por uma campanha da igreja catlica em defesa da criao de uma poltica de reforma agrria. em 1984, a palavra de ordem foi Terra no se ganha, terra se conquista. essa palavra marcou seu 1 encontro nacional. nos anos 19851989, foram Sem reforma agrria no h democracia e Ocupao a nica soluo. essas palavras representavam o descrdito do M s t ao Plano nacional de reforma Agrria. em 1995, na realizao do 3 congresso, o M s t utilizou a palavra de ordem Reforma Agrria: uma luta de todos. J no seu 4 congresso a palavra foi Por um Brasil sem Latifndio.

    os smbolos do M s t constituem-se, no cotidiano das famlias sem-terra, em uma linguagem determinadora de uma prtica poltica que se contrapem aos discursos oficiais do estado. Fazem parte da cultura camponesa produzida pelas famlias vinculadas ao M s t que participam de suas comisses, setores e ncleos. A criao de sua cultura7 no constante processo de territorializao delineou e consolidou a estrutura organizativa, cuja forma mantm at este momento.

    esse conjunto de aes: formao permanente de lideranas que fortaleceram a organicidade e garantiram a territorializao do M s t, criando autonomia poltica e uma cultura de resistncia camponesa explica o processo de consolidao do M s t . o Movimento estava fortalecido, pois criara uma rede em escala nacional. Por causa desse fato, estava muito mais bem preparado para resistir s formas de represso do estado. nesse momento de sua formao, o M s t enfrentou diferentes desafios na relao com o estado. em 1989, ocorreu a primeira eleio direta para Presidente da repblica depois de duas dcadas de ditadura militar e uma eleio indireta. nesse ano, foi eleito o Presidente Fernando collor, que sofreu impedimento em outubro de 1992, pelo congresso nacional, acusado de participar de diversos esquemas de corrupo. collor foi substitudo pelo vice-Presidente itamar Franco que governou at 1994. o governo collor reprimiu violentamente o M s t , invadindo secretarias e prendendo lideranas em diversos estados, fazendo o movimento refluir.

    esse refluxo restringiu o processo de territorializao, pois diminuiu o nmero de ocupaes. o M s t investiu na organizao interna dos assentamentos, orga-

    7. um site interessante com muitas informaes sobre a cultura dos sem-terra www.landless-voices.

    org da school of Modern languages da university of nottingham.

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    nizando um sistema cooperativista, ampliando as dimenses de suas aes. esse procedimento fortaleceu o M s t e com o fim do governo collor, apresentaram ao novo presidente um conjunto de medidas para viabilizar a reforma agrria e o desenvolvimento da agricultura camponesa, como polticas de crdito e de criao de infra-estrutura social nos assentamentos rurais. esse tambm foi um momento singular na histria do Movimento, pois itamar Franco foi o primeiro presidente a receber o M s t para negociar.

    3. territorializao e institucionalizao do M S tDenominamos o terceiro momento da formao de territorializao e institucio-nalizao do M s t . esse perodo possui duas partes uma que pode ser definida e outra que no pode ser definida por causa da natureza e especificidade da estrutura organizativa do M s t .

    A territorializao a parte do perodo que pode ser definida pelos anos de 1990 at 1999. nesse tempo, o Movimento se territorializou na regio centro-oeste, Distrito Federal (1992) e em Mato grosso (1995) e na regio Amaznica, nos estados do Par (1990) e tocantins (1999).

    A parte do perodo da formao do M s t que no pode ser definida a institucionalizao. A sua indefinio pode ser explicada porque ainda est em desenvolvimento, e por causa de sua estrutura organizativa que mltipla, por abranger muitas formas de organizao; plural pela diversidade dessas formas; hbrida por misturar essas formas que tm partes homogneas dentro de uma estrutura heterognea. esta parte do perodo comeou no incio da dcada de 1990 com a ampliao de sua estrutura organizativa e continua em expanso. Desde ento, foram criados os setores de gnero e sade, o coletivo de cultura, os ncleos de base, a confederao das cooperativas de reforma Agrria do Brasil (concrab), o instituto tcnico de capacitao e Pesquisa da reforma Agrria e a escola nacional Florestan Fernandes. As outras instncias e setores foram criados no perodo de consolidao do M s t . A seguir, apresentamos a atual estrutura organizativa do M s t .

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    A estrutura organizativa do M s t um processo que se transforma no seu prprio movimento. tem carter informal e formal e uma amplitude que garante os trabalhos em todas as dimenses sociais, econmicas, ambientais e polticas. A sua qualidade est em seu movimento, na sua versatilidade e flexibilidade.

    A institucionalizao do M s t compreendida em carter amplo. Possui o sentido da criao. A sua competncia em criar diferentes formas e interagi-las lhe concede o reconhecimento por parte de todas as outras instituies. o go-verno federal e os governos estaduais e municipais reconhecem o M s t como um dos principais movimentos camponeses do Pas e renem-se e negociam reivindicaes e proposies. As instituies patronais tambm tm esse reco-nhecimento, mas no reconhece o M s t como instituio. De fato, o M s t pode ser reconhecido como um movimento campons e como uma instituio. essa

    Instncias de representaocongresso nacional

    encontro nacional

    coordenao nacional

    Direo nacional

    encontro estadual

    coordenao estadual

    Direo estadual

    coordenao regional

    coordenao de Assentamentos

    coordenao de Acampamentos

    ncleos da Base

    Organizaes vinculadas Associao nacional de

    cooperao Agrcola (Anca)

    confederao das cooperativas de

    reforma Agrria do Brasil ltda (concrab)

    instituto tcnico de capacitao e

    Pesquisa da reforma Agrria (iterra)

    escola nacional Florestan Fernandes

    Setores de atividadessecretaria nacional

    secretarias estaduais

    secretarias regionais

    setor de Frente de Massa

    setor de Formao

    setor de educao

    setor de Produo, cooperao

    e Meio Ambiente

    setor de comunicao

    setor de Finanas

    setor de Projetos

    setor de Direitos humanos

    coletio de relaes internacionais

    setor de sade

    setor de gnero

    coletivo de cultura

    coletivo da Mstica

    estrutura organizativa do M S t

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    uma questo poltica de definio do conceito de instituio. se nos referirmos ao processo de criao da legitimidade e do reconhecimento de suas causas e aes por grande parte das instituies da sociedade, como igrejas, partidos polticos, sindicatos, governos e organizaes no-governamentais, o M s t uma instituio poltica. todavia, se nos referirmos a uma instituio oficial nos termos da lei, o M s t apenas um movimento campons.

    por essa razo que o M s t criou sua estrutura organizativa mltipla, plural e hbrida. Porque pode lidar com as organizaes mais hostis e organizaes aliadas, expandindo as possibilidades de relaes e conflitualidades. Desse modo, o M s t , mesmo estando margem dos espaos de deciso das polticas de desenvolvi-mento rural, consegue intensificar o processo de ressocializao da populao sem-terra. seu carter multidimensional possibilita tanto estar presente em diversos espaos polticos, quanto criar novos espaos polticos.

    Atualmente, a estrutura organizativa do M s t tem trs partes interativas: as instncias de representao, os setores de atividades e as organizaes vinculadas. As duas primeiras partes so resultados de uma ampla reflexo a respeito das formas de organizao dos movimentos camponeses8. essas partes represen-tam a multidimensionalidade da organizao camponesa integrando os fruns de deciso com as atividades vitais para o desenvolvimento da luta. A terceira parte mantm a forma tradicional das instituies que esto registradas junto ao governo.

    As instncias de representao poltica renem diferentes espaos, que so formados por diversas modalidades: ncleos, coordenaes, direes, encontros e congresso nacional. os ncleos so formados pelas famlias sem-terra nos acampamentos e assentamentos. os assentamentos e acampamentos elegem suas coordenaes que escolhem as coordenaes regionais, que, por sua vez, elegem as coordenaes das instncias superiores e assim conseqentemente. os coordenadores indicam, entre seus membros, os componentes da direo nas suas respectivas escalas. os ncleos, as coordenaes e as direes so os fruns polticos por excelncia do M s t .

    os encontros e o congresso nacional so momentos de definies das pol-ticas conjunturais e estruturais. os encontros so realizados em todas as escalas da organizao do M s t . com exceo do encontro nacional, realizado a cada

    8. ver s t e D i l e e F e r n A n D e s , 1999.

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    dois anos, os encontros locais, regionais e estaduais so realizados anualmente. so espaos de decises polticas que determinam as aes do Movimento e culminam com a realizao do congresso nacional a cada cinco anos. so tam-bm espaos de confraternizao, de troca de experincias e de disseminao da cultura camponesa.

    Dos ncleos de base ao congresso nacional do M s t , h as coordenaes e direes em diferentes nveis e escalas. os principais fruns de deciso de pla-nejamento de polticas so os encontros e os congressos. A participao nesses espaos acontece pela insero do sujeito no Movimento e de seu reconhecimento pelos coletivos. uma instncia elege ou indica os membros de outra instncia em nvel superior. A porta de entrada nesse processo so os ncleos de base de um acampamento ou assentamento.

    nesses diferentes espaos so deliberadas as polticas executadas pelos setores de atividades e secretarias. os setores e as secretarias tm carter administrativo e executivo e so responsveis pela realizao de projetos de desenvolvimento socioterritorial nos assentamentos e acampamentos. os setores tambm esto articulados em diferentes escalas. Desse modo, por exemplo, o setor de educao est organizado desde a escala local, no acampamento e no assentamento, s escalas regionais, estaduais e nacional. os setores mantm relaes com gover-nos nessas escalas para o desenvolvimento de polticas pblicas dirigidas aos acampamentos e assentamentos.

    As organizaes vinculadas e os coletivos so transversais estrutura or-ganizativa. Por exemplo, os coletivos de cultura e de Mtica so formados por membros de vrios setores e instncias, embora tambm tenham seus membros efetivos, que so os cantadores e coordenadores de msticas que viajam para diversas regies do Pas, animando os encontros do M s t . outro exemplo o coletivo de relaes internacionais que conta com a contribuio de membros de vrios setores e especialmente da coordenao nacional. tambm nos traba-lhos realizados nos setores esto presentes as organizaes convencionais na interao dos projetos de desenvolvimento agropecurio, educacional, sade e infra-estrutura, entre outros.

    o coletivo de Mstica um espao de socializao da cultura camponesa, da linguagem simblica em que so representadas as lutas, as conquistas e as der-rotas. essa atividade composta pelos smbolos do M s t e das organizaes que o apiam, do Brasil e de outros pases que mantm relaes com o Movimento.

  • 44 Par t e I M ovimentos sociais e luta pela reforma agrria: velhas e novas questes

    A terra, as bandeiras, os hinos, a cruz, as ferramentas de trabalho, os alimentos, os livros e as pessoas so componentes desse momento em que a comunicao realizada por gestos que exemplificam a trajetria dos camponeses sem-terra.

    A Associao nacional de cooperao Agrcola (Anca), a confederao das cooperativas de reforma Agrria do Brasil (concrab), o instituto tcnico de ca-pacitao e Pesquisa da reforma Agrria e a escola nacional Florestan Fernandes so organizaes vinculadas que tratam das polticas de desenvolvimento do M s t. nesses espaos so elaboradas polticas agrcolas e pesquisas tecnolgicas do modelo de desenvolvimento da agricultura camponesa, tendo como referncia a agroecologia. essas aes acontecem por meio da pesquisa e da formao poltica e tcnica que tm garantido a qualificao das famlias camponesas, que destaca o Movimento como um dos mais bem organizados.

    Desse modo, o M s t , em sua estrutura organizativa, rene diferentes dimen-ses, fortalecendo sua organizao, mas tambm criando enormes desafios. um dos princpios do M s t a luta contra o capital. nesse sentido, o Movimento vem enfrentando o desafio de tentar construir novas experincias que permitam superar as relaes sociais isoladas do trabalho familiar campons sem repro-duzir as relaes capitalistas. esse princpio ma