livro-reforma agrária e desenvolvimento

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Brasília 2000 E DESE NVOLVIM ENTO SU STENTÁV EL REFO RMA AGR ÁRIA

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  • Comit NacionalComit NacionalComit NacionalComit NacionalComit Nacional

    Tasso JereissatiTasso JereissatiTasso JereissatiTasso JereissatiTasso JereissatiGovernador do Estado do Cear

    Raul JungmannRaul JungmannRaul JungmannRaul JungmannRaul JungmannMinistro do Desenvolvimento Agrrio

    Beni VerasBeni VerasBeni VerasBeni VerasBeni VerasSenador da Repblica

    Milton SeligmanMilton SeligmanMilton SeligmanMilton SeligmanMilton SeligmanPresidente do Incra

    (quando da realizao do Seminrio)

    Comit TcnicoComit TcnicoComit TcnicoComit TcnicoComit Tcnico

    Antonio Bezerra Peixoto - IdaceAntonio Rocha Magalhes - Banco Mundial

    Carlos Miranda - IICAEdson Tefilo - MDA-Nead

    Joachim von Amsberg - Banco MundialPedro Sisnando Leite - SDR/CE - PresidenteSilvio SantAnna - Fundao Grupo Esquel

    Grupo ExecutivoGrupo ExecutivoGrupo ExecutivoGrupo ExecutivoGrupo Executivo

    Silvio SantAnnaVictoria LoboJohn Cutino

    Marlia Castelo MagalhesSnia Macdo

    PromooPromooPromooPromooPromoo

    Governo do Estado do CearGoverno do Estado do CearGoverno do Estado do CearGoverno do Estado do CearGoverno do Estado do CearSecretaria de Desenvolvimento Rural -SDR

    Instituto de Desenvolvimento Agrrio - Idace

    Ministrio do Desenvolvimento AgrrioMinistrio do Desenvolvimento AgrrioMinistrio do Desenvolvimento AgrrioMinistrio do Desenvolvimento AgrrioMinistrio do Desenvolvimento Agrrio

    Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento - Nead

    Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria - Incra

    ApoioApoioApoioApoioApoio

    Banco Mundial

    Frum Nacional dos rgos Estaduais de Terra - Anoter

    Instituto Interamericano de Cooperao para aAgricultura - IICA

    OrganizaoOrganizaoOrganizaoOrganizaoOrganizao

    Fundao Grupo Esquel Brasil (FGEB)SAS Quadra 6 Bloco k sala 801/A

    70070-915 Braslia - [email protected]

    (61)322.2062

    Fortaleza-CearFortaleza-CearFortaleza-CearFortaleza-CearFortaleza-Cear

    23 a 25 de novembro de 1998

  • Intelecto - Consultoria, Estudos e ProjetosSCS Quadra 6 Bloco A

    Edifcio Presidente salas 305/30770327-900 Braslia-DF

    (61)[email protected]://www.intelecto.net

    Edio organizada pelo Comit TcnicoEdio organizada pelo Comit TcnicoEdio organizada pelo Comit TcnicoEdio organizada pelo Comit TcnicoEdio organizada pelo Comit Tcnico

    Antonio Bezerra Peixoto - Idace

    Antonio Rocha Magalhes - Banco Mundial

    Carlos Miranda - IICA

    Edson Tefilo - MDA-Nead

    Joachim von Amsberg - Banco Mundial

    Pedro Sisnando Leite - SDR/CE - Presidente

    Silvio SantAnna - Fundao Grupo Esquel

    Coordenao Geral da EdioCoordenao Geral da EdioCoordenao Geral da EdioCoordenao Geral da EdioCoordenao Geral da Edio

    Silvio SantAnnaVictoria LoboJohn Cutino

    Marlia Castelo MagalhesSnia Macdo

    Edio FinalEdio FinalEdio FinalEdio FinalEdio FinalIntelecto-Consultoria, Estudos e Projetos

    EditoresEditoresEditoresEditoresEditoresFrank Soudant

    Ivnio Barros NunesTereza Vitale

    Coordenao de RevisoCoordenao de RevisoCoordenao de RevisoCoordenao de RevisoCoordenao de RevisoTereza Vitale

    DiagramaoDiagramaoDiagramaoDiagramaoDiagramaoMnica Nogueira

    DigitaoDigitaoDigitaoDigitaoDigitaoMaria de Jesus Silva de A. Oliveira

    EstagiriosEstagiriosEstagiriosEstagiriosEstagiriosJos Thiago V. JaimeMauro Csar Flores

    CapaCapaCapaCapaCapaJacyara Batista Santini

    (a partir da logomarca utilizada no seminrio)

    Ivnio Barros Nunes

    IlustraesIlustraesIlustraesIlustraesIlustraesAndr Santini

    Jacyara Batista SantiniPhoto Agncia (foto p.8)

    ISBN: 85-86315-32-XFicha catalogrfica

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    Reforma agrria e desenvolvimento sustentvel / Ministrio doDesenvolvimento Agrrio. Pedro Sisnando Leite et alii (orgs.).Braslia: Paralelo 15/Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento /Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, 2000.

    382 p.

    1.Questo Agrcola. 2. Desenvolvimento Agrcola. 3. Questo Fundiria. 4.Desenvolvimento Econmico. I. Ncleo de Estudos Agrrios eDesenvolvimento. II. Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. III. PedroSisnando Leite. IV. Ttulo.

    CDU 631338.431332.282330.34

    Esta publicao rene todos os documentos apresentados pelos respectivos autores para o debate realizado no Seminrio Reforma Agrria e DesenvolvimentoEsta publicao rene todos os documentos apresentados pelos respectivos autores para o debate realizado no Seminrio Reforma Agrria e DesenvolvimentoEsta publicao rene todos os documentos apresentados pelos respectivos autores para o debate realizado no Seminrio Reforma Agrria e DesenvolvimentoEsta publicao rene todos os documentos apresentados pelos respectivos autores para o debate realizado no Seminrio Reforma Agrria e DesenvolvimentoEsta publicao rene todos os documentos apresentados pelos respectivos autores para o debate realizado no Seminrio Reforma Agrria e DesenvolvimentoSustentvel e sua divulgao, a reproduo dos artigos somente pode ser feita a partir da expressa autorizao do Autor e dado conhecimento ao Ncleo deSustentvel e sua divulgao, a reproduo dos artigos somente pode ser feita a partir da expressa autorizao do Autor e dado conhecimento ao Ncleo deSustentvel e sua divulgao, a reproduo dos artigos somente pode ser feita a partir da expressa autorizao do Autor e dado conhecimento ao Ncleo deSustentvel e sua divulgao, a reproduo dos artigos somente pode ser feita a partir da expressa autorizao do Autor e dado conhecimento ao Ncleo deSustentvel e sua divulgao, a reproduo dos artigos somente pode ser feita a partir da expressa autorizao do Autor e dado conhecimento ao Ncleo de

    Estudos Agrrios e Desenvolvimento.Estudos Agrrios e Desenvolvimento.Estudos Agrrios e Desenvolvimento.Estudos Agrrios e Desenvolvimento.Estudos Agrrios e Desenvolvimento.

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  • A reforma agrria o instrumento de democratizao da riqueza mais eficaz que conhecemos.Nos ltimos anos o governo federal deu prioridade ao conjunto de polticas pblicas queenvolvem a reforma agrria, a agricultura familiar, a qualificao para o trabalho, o crditofacilitado, a educao do agricultor e de seus filhos e a educao ambiental.

    De 1995 at meados deste ano, assentamos 318 mil famlias, distribudas em 2.734 projetos.Desapropriamos, no mesmo perodo, 15,8 milhes de hectares. Mais de R$ 7 bilhes j foraminvestidos.

    O ncleo central desse processo acelerado de desenvolvimento da reforma agrria no pas acombinao da vontade poltica do governo com o desejo da sociedade.

    O Seminrio sobre Reforma Agrria e Desenvolvimento Sustentvel foi um ponto importantedessa estratgia. Foi promovido pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio em conjuntocom o Governo do Estado do Cear e contou com a participao de entidades muitorepresentativas e estudiosos altamente qualificados.

    Naqueles dias discutimos um significativo conjunto de aspectos da matriz que envolve areforma agrria, no que se refere aos aspectos sociais, polticos, ideolgicos, tcnicos, ambientais,organizacionais, jurdicos, creditcios e operativos.

    As concluses desse Seminrio reforaram a poltica do governo federal, deram-lhe maissustentao e ajudaram a abrir novos caminhos.

    A descentralizao est em curso. Estamos valorizando a participao dos estados e municpios,rompendo com o centralismo criado pelos governos militares e incorporando as preocupaesdos cidados. Nesse sentido, tambm o Programa Nacional de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar (Pronaf) digno de referncia por seu sucesso. Hoje, 1.018 municpios tmconsolidados seus conselhos de desenvolvimento rural. O Conselho Nacional deDesenvolvimento Rural foi recentemente instalado pelo presidente da Repblica e contarcom importante participao da sociedade civil. Nos estados o mesmo est em processo deefetivao.

    Um dos vetores dessa nova atuao compartilhar descobertas e caminhos, deveres eresponsabilidades com os direitos da sociedade, a atual e a que est nascendo.

    ()

  • Um dos desafios desse processo ainda como incorporar as modernas noes dedesenvolvimento sustentvel e respeito ao meio ambiente como ingrediente indispensveldos projetos de reforma agrria e desenvolvimento local.

    Os instrumentos clssicos para a promoo da reforma agrria tm demonstrado certoesgotamento e, em alguns casos, usos inadequados, que sobrevalorizam terras e oneramem demasia o oramento pblico com desapropriaes milionrias e que se arrastamanos e anos em processos judiciais.

    Mantendo a importncia estratgica da desapropriao, estamos incorporando novosinstrumentos que auxiliem o processo de acelerao da reforma agrria. A experinciabem sucedida do Programa Cdula da Terra deu origem ao Banco da Terra, que hoje demandado por vrios governos estaduais e lideranas de base dos agricultores.

    A cooperao do Sebrae com a reforma agrria est dando origem a programas que voqualificar a atuao da agricultura familiar em sua insero na cadeia agroindustrialdo pas.

    A estrutura do Ministrio tem sido tambm modernizada. Maior eficincia do Incra estsendo exigida e h coordenao poltica e operacional para que isso se efetive. A agriculturafamiliar est se juntando reforma agrria e a integrao de ambos com odesenvolvimento local o prximo passo.

    Tudo isso foi debatido e estudado no Seminrio de Fortaleza, cujos anais colocamos,agora, disposio de todos os interessados.

    Alm de chamar estudiosos, pesquisadores e acadmicos para examinar essas questes,tambm estamos promovendo, atravs do Ncleo de Estudos Agrrios e Desenvolvimento,uma srie de outras pesquisas que vo nos auxiliar na conquista da eficcia da reformaagrria, na melhoria das polticas em favor da agricultura familiar e do desenvolvimentorural. Os debates, estudos e discusses estaro sendo paulatinamente colocados disposiodo pblico, quer atravs de publicaes como esta, quer por meio da internet e de outrosmeios de comunicao.

    A disseminao de informaes e a democratizao do conhecimento nossa tarefa e, aomesmo tempo, uma forma de fortalecimento do compromisso de parceria com os agentespblicos e atores sociais que queremos todos juntos ampliando as oportunidadesespecialmente dos jovens ao desenvolvimento, cultura e vida digna. assim queacreditamos que se far o encontro da justia social com o desenvolvimento econmicoe cultural.

    Raul Jungmann

    Ministro do Desenvolvimento Agrrio

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  • O Seminrio sobre Reforma Agrr ia e Desenvolv imento SustentvelSeminrio sobre Reforma Agrr ia e Desenvolv imento SustentvelSeminrio sobre Reforma Agrr ia e Desenvolv imento SustentvelSeminrio sobre Reforma Agrr ia e Desenvolv imento SustentvelSeminrio sobre Reforma Agrr ia e Desenvolv imento Sustentvel, realizadoem Fortaleza, nos dias 23 a 25 de novembro de 1998, foi promovido pelo Governodo Es tado do Cear e pe lo Min i s t r io do Desenvolvimento Agrrio, a t rav s ,respect ivamente , da Secre tar ia de Desenvolv imento Rural , do Ins t i tuto deDesenvolvimento Agrrio do Cear (Idace) e do Ncleo de Estudos Agrrios eDesenvolvimento (Nead), tendo ainda contado com o apoio do Banco Mundial, doIICA, do Banco do Nordeste e da Anoter. A organizao esteve a cargo da FundaoGrupo Esquel Brasil. Participaram tcnicos do governo federal e de governosestaduais, polticos, acadmicos e estudiosos do assunto, membros de entidades dasociedade civil, da igreja e de movimentos sociais, assim como de comunidadesrurais. Uma lista dos participantes consta em anexo.

    O objetivo geral do seminrio foi atualizar e analisar a discusso sobre reforma

    agrria no contexto do processo de desenvolvimento sustentvel e oferecer sugestes

    concretas para melhorar a eficcia e aumentar a eficincia, a velocidade e a

    abrangncia da reforma agrria. Para tanto a agenda foi organizada a partir dos

    seguintes temas:

    A experincia da reforma agrria no Brasil, incluindo discusses sobre sua

    contribuio para o desenvolvimento da agricultura e para o desenvolvimento

    rural, a questo fundiria no Brasil, a sustentabilidade financeira da reforma,

    os modelos institucionais;

    Novos instrumentos para o reordenamento fundirio, incluindo discusso

    sobre novos mecani smos de re forma agrr ia e l i es de exper i nc ias

    internacionais;

    Desenvolvimento sustentvel e reforma agrria, incluindo discusso sobre

    sustentabilidade ambiental e sustentabilidade dos resultados da reforma;

    Diretrizes para uma estratgia de reforma agrria.

    Este seminrio fez parte de um processo mais amplo de reflexo sobre a questo da

    reforma agrria no Brasil, o qual compreendeu quatro eventos ao longo do ano de 1998.

    *

    ()

  • A seguir, vamos porcorrer a sntese dos debates,

    elaborada a partir dos documentos apresentados e

    debatidos, tem a funo de ajudar a conhecer o

    debate, no substitui a importncia da leitura e

    estudo dos documentos, cada qual com seu estilo

    e forma prpria de abordar a complexidade do

    temrio.

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    A reforma agrria importante no apenas doponto de vista social, para propiciar acesso terrae melhorar as condies de vida dos agricultores etrabalhadores rurais pobres. Ela fundamentalpara o processo de desenvolvimento do pas, emg e r a l , e d e m o d o m a i s e s p e c f i c o p a r a ofortalecimento da agricultura familiar e para odesenvolvimento do meio rural, a includos osncleos urbanos. Como menciona o Relatrio BeniVeras (Comisso Mista do Congresso Nacionalsobre o Desequilbrio Econmico Inter-RegionalBrasileiro),

    ... a reforma agrria assume extremai m p o r t n c i a n o c o n t e x t o d areestruturao e modernizao da baseeconmica (...). A garantia de acessodemocrtico terra constitui (...) umacondio essencial para a construodo desenvolvimento.

    Tanto no lado social, aliviando a pobreza, criandoemprego e renda , como no lado econmico ,melhorando a distribuio da terra, gerando ummercado interno e fortes ligaes entre o rural e ourbano, a reforma agrria muito mais do queuma poltica de acesso terra. Quando vista emsua totalidade, afeta o conjunto de condiessociais, econmicas, ambientais e polticas comdemandas diferentes.

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    No Bras i l , es ta ques to se re f le te na e levadaconcent rao da propr iedade da t e r ra e nadificuldade de acesso mesma por uma grande

    quantidade de famlias de agricultores sem oucom pouca terra. Essa questo tem vindo tonade forma mais explcita, nos ltimos anos, emfuno do trabalho dos movimentos sociais e damaior prioridade que o governo vem conferindoao tema. Contudo, os trabalhos apresentados e asdiscusses realizadas no seminrio mostraram adificuldade de se determinar o que seria a demandapor reforma agrria no Brasil.

    Calculou-se que existem cerca de 4,5 milhes defam l ia s po tenc ia lmente e l eg ve i s , i s to ,famlias pobres sem-terra ou com pouca terra,incluindo a os minifundirios. Contudo, nemtodas seriam necessariamente demandantes deterra. legtimo supor que muitas dessas famliasprefiram outras opes de vida e trabalho que noo labor na terra. De qualquer forma, este seriaum limite superior. Este dado deixaria um campoflexvel para definio de metas de longo prazopara a poltica de reforma agrria.

    possvel, trabalhar com a meta de atendimentode 2 milhes de famlias num prazo de 10 anos,po i s uma meta v ive l , s e a base fo rem osnmeros alcanados em 1998, quando foramassentadas 101 mil famlias. Assim, poder-se-iaatender grande parte da demanda, com impactosignificativo na reduo do problema de falta deacesso terra.

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    O financiamento da reforma agrria at agora notem sido sustentvel. Em primeiro lugar, porquetem sido exclusivamente dependente de alocaode recursos no oramento da Unio, quer parapagar custos atuais, quer para honrar ttulos dadvida agrria. Numa situao de escassez derecursos e desequilbrio fiscal, a reforma agrriacompe te com out ro s p rogramas p r io r i t r io simportantes para a sociedade brasileira. Mesmoque o governo reafirme a prioridade e destine osrecursos necessrios em um determinado ano, possvel que no ano seguinte outras prioridades setornem mais prementes, inclusive politicamente.Isso acaba tornando frgil a base de financiamentoda reforma.

  • Em segundo lugar, pela maneira paternalistacomo o programa tem sido executado. Em todosos casos, a terra financiada a longo prazo aosnovos proprietrios assentados. Mas o pagamentopela terra s se inicia depois da emancipao dosassentamentos, o que raramente acontece. Comisso, no tem havido recuperao de custos. Sequerexiste no oramento da Unio uma rubrica dereceita para o recebimento do pagamento da terravendida. Passou-se para a sociedade a falsa idiade que a terra no deveria ser paga, o que podeacabar inviabilizando o programa, no apenas dolado dos recursos para seu financiamento, mastambm pelo efeito perverso do paternalismo.

    Em terceiro lugar, outras fontes de recursos ,especialmente o ITR, no tm se mostrado viveis.

    Em quarto lugar, porque o preo de pagamentope las de sapropr iaes acaba dependendo doJudicirio. Os custos da terra para o governo e,em l t ima anl i se , para os benef ic ir ios doprograma que afinal deveriam pagar pela terra,tm sido muito elevados.

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    Tradicionalmente, a reforma agrria tem sidocentralizada no governo federal. Isso tem trazidoproblemas de diferentes naturezas, incluindo acapac idade f s i ca de uma nica in s t i tu i oimplementar toda uma pol t ica fundiria not e r r i t r i o n a c i o n a l . N o v o s m e c a n i s m o s d ed e s c e n t r a l i z a o e p a r t i c i p a o p o d e r i a mincrementa r a capac idade de r ea l i zao doprograma de reforma agrria no Brasil.

    Talvez por isso, hoje comea a se observar ummovimento em direo descentral izao decompetncias do governo federal para os governoses taduai s e munic ipa i s e t rans fe rnc ia degerenciamento do governo para ent idades dasociedade civil.

    O estmulo criao de conselhos municipais ede apoio s associaes pode resultar em aumentode capi ta l soc ia l em nve l local , com maiorc a p a c i d a d e p a r a a s s u m i r c o m p e t n c i a sdescentra l izadas . A par t ic ipao de todos os

    i n t e r e s s a d o s n o p r o c e s s o p o d e d a r m a i slegitimidade, mais transparncia e mais sentidode responsabilidade s aes de reforma agrria eaos seus agentes. Nesse processo, os Estados e osM u n i c p i o s p o d e m t e r u m p a p e l m u i t oimportante. Tudo isso requer uma redefinio nospapis dos vrios atores envolvidos no processo dareforma agrria, incluindo o Estado em seusvr ios n ve i s , o as sentado , o propr ie tr io , a

    sociedade civil e o setor privado.

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    Esta discusso, no seminrio, girou em torno doalcance dos objetivos da reforma agrria. Atnovembro de 1998, o governo federal criou 2.586projetos para assentar 442.013 famlias em 31,4milhes de hectares, o que representa duas vezes area total do Estado do Cear. Os nmeros do censodos projetos fundirios mostra que uma partedessas famlias no est mais nos assentamentos.No perodo 95-98, o programa foi acelerado, tendo-se assentado 287,5 mil famlias em 2.536 projetose 7,3 milhes de hectares.

    A s p e s q u i s a s i n d i c a m q u e a s f a m l i a sb e n e f i c i a d a s e m g e r a l m e l h o r a r a m a s s u a scondies de vida, mas no muito. Persis temsrios problemas de insustentabilidade e pobrezan o s a s s e n t a m e n t o s . E s s e s p r o b l e m a s s oassociados a vrios fatores. s vezes a qualidadee a local izao das terras , a sua f ragi l idadea m b i e n t a l ; o u t r a s v e z e s a d i s t n c i a d o smercados, a falta de acessos e de infraestrutura;e m g e r a l , a f a l t a d e u m a p o l t i c a a g r c o l aadequada, que reforce a agricultura familiar nosassentamentos; de modo especial, a prevalnciad e i n c e n t i v o s p e r v e r s o s , q u e l e v a m o sassentados a tornarem-se eternos dependentes dogoverno que tudo (pelo menos no papel) lhesp rov . E s t e l t imo p rob lema mui to s r io ,porque leva os assentados a no procurar a suai n d e p e n d n c i a c o m a e m a n c i p a o d o sa s s e n t a m e n t o s . A e m a n c i p a o , p a r a e l e s ,s i g n i f i c a u m a p u n i o , n a m e d i d a e m q u edeixariam de receber a ajuda de custo familiaranual assim como a assistncia permanente doIncra na administrao do assentamento e naproviso de servios sociais.

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    J f o i m e n c i o n a d o q u e o s c u s t o s t m s i d obastante elevados. Com mais eficincia (menoresc u s t o s p o r f a m l i a ) , o s m e s m o s r e c u r s o spoderiam propiciar um alcance bem maior emnmero de fam l ias bene f ic iadas . H out rosfatores relacionados com a insuficiente base dei n f o r m a e s p a r a o p l a n e j a m e n t o eoperac iona l i zao do p rograma. O cadas t rofundirio precrio. Deveria ser uma prioridadepara o governo montar um cadastro fundirioe f i c i en te , que pudes se fo rnecer in formaesfidedignas e atualizadas, como base para a aono apenas do governo mas de todos os agentese n v o l v i d o s . A e s t r u t u r a d a o r g a n i z a oburocrtica do governo tambm outra fonte deineficincia. A centralizao no governo federallimita a capacidade de realizao do programa.Em sntese, as diversas discusses mostraram quet e m s i d o m u i t o i n e f i c i e n t e o p r o g r a m a d are fo rma agrr ia no Bras i l , ex i s t indo a umamplo espao para melhoria. Contudo, muitosganhos potenciais no dependem apenas do PoderE x e c u t i v o , m a s s o b r e t u d o d a s o l u o d o sproblemas das aes no Judicirio.

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    Exis te grande polmica quanto questo dareforma agrria e do meio ambiente. Um exameprofundo, entretanto, pode mostrar que, assimcomo na agricultura em geral, trata-se de inserirna po l t i ca de re forma agrr ia a neces sr iad i m e n s o a m b i e n t a l . Tr a d i c i o n a l m e n t e , adiv iso de grandes propriedades em parcelasm e n o r e s , s e m p r e o c u p a o a m b i e n t a l , t e ml e v a d o a o s o b r e u s o d o s s o l o s , r e d u o d adisponibil idade de gua, desmatamentos. Issosempre ocorrer, na medida em que aumente arelao homem/terra e a necessidade do homemde explorar essa terra para o seu sustento. Como t e m p o , c a i a p r o d u t i v i d a d e a g r c o l a e apossibilidade de o lote sustentar aquela famlia.Contudo, is to pode ser evi tado com adequadast c n i c a s d e m a n e j o d o s o l o , d a g u a e d avegetao, e com educao ambiental no mbitodos assentamentos.

    At agora a polt ica de reforma agrria no temlevado em conta a questo ambiental. Em algunscasos, como na Amaznia, a reforma agrria temestimulado o desmatamento desnecessrio, namedida em que o ex ige para poder dec lararprodutiva a terra em apreo. Em outras regies,como no Nordeste, no tem havido preocupaesa m b i e n t a i s n o s a s s e n t a m e n t o s . U m a m a i o ra r t i c u l a o e n t r e a s p o l t i c a s a m b i e n t a l efundir ia poder reduz i r s ens ive lmente e s t eproblema.

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    O ncleo central desse tema foi a capacidade dosassentamentos de garantir uma renda permanentepara as famlias. uma equeo complexa queenvolve a capacidade de suporte da terra (read i sponve l , qua l idade dos so lo s , t opogra f ia ,disponibilidade de gua), sistemas de produo,acesso a mercados, capacidade de manuteno daprodutividade ao longo do tempo (sustentabilidadeambiental) etc. Como j mencionado antes, omode lo t rad i c iona l de r e fo rma agr r ia noincentiva as famlias a buscar sua independnciaeconmica, sob pena de perderem a proteopaternalista do Estado. Com isto tambm perdemacesso c idadania, porque dependncia nocombina com exerccio da cidadania.

    A sustentabilidade dos resultados deve ser o objetivofinal da reforma agrria. Contudo, isto no vemsendo alcanado. Por conta disso, praticamente not e m h a v i d o e m a n c i p a o d e p r o j e t o s d eassentamento. Muitas famlias continuam vivendoem situao difcil e outras tm preferido deixar osseus lotes ou vend-los. A preocupao com asustentabilidade deve estar mais presente em todasas fases do planejamento e da execuo da reformaagrria.

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    O Estatuto da Terra define um conjunto de formaspara a disponibilizao de terras, a saber (Art.17):(a)desapropriao por interesse social; (b)doao;(c)compra e venda; (d)arrecadao de bens vagos;(e)reverso posse do Poder Pblico de terras desua propr i edade , indev idamente ocupadas e

  • exploradas , a qualquer t tu lo , por t e rce i ros ;(f)herana ou legado.

    Contudo, os esforos de reforma agrria at agorat m p r i v i l e g i a d o b a s i c a m e n t e o p r i m e i r oinstrumento, isto , a desapropriao por interessesocial. Trata-se de um instrumento conflitivo, queno entanto tem sido defendido pelos movimentossociais como o mais adequado, uma vez que puneo latifundirio. Entretanto, como visto acima, osc u s t o s d e s s e i n s t r u m e n t o t m s i d o a l t o s ,provavelmente beneficiando, em vez de punir oslatifundirios. Um provvel indicador tem sido ogrande interesse dos proprietrios de terra nadesapropriao das suas terras, com base no nmerode proprietrios que vm oferecer suas terras aoIncra.

    Certamente, h espao para a utilizao tambmde outros instrumentos, como a arrecadao deterras pblicas (item e) e o crdito fundirio paraa compra de terra (i tem c). Recentemente,inic iaram-se no Brasi l a lgumas exper inciasbaseadas no crdi to fundir io , com base emprograma f inanciado pelo Banco Mundial : areforma agrria solidria, do governo do Estado doCear; e o Cdula da Terra, do governo federal,implementado em cinco Estados do Nordeste. Aexperincia positiva desses dois programas levou ogoverno federal, com apoio do Banco Mundial, aexpandi-los para todo o pas, atravs do Banco daTerra.

    H, portanto, a tendncia de, sem abrir mo domecanismo de desapropriao por interesse social,utilizar tambm os demais mecanismos previstosna legislao, a fim de potencializar a capacidaded e i m p l e m e n t a o d a r e f o r m a . O s n o v o smecanismos baseados no crdito fundirio sobasicamente descentralizados, sendo as decisestomadas pelos prprios interessados, os agricultorescom ou sem terra. Tambm so participativos edesenvolvem grande sentido de responsabilidade ede propriedade pelos prprios beneficiados.

    #"' /%"? '% 1?Os participantes do seminrio, em diversas ocasies,explicitaram recomendaes com vistas ao futuroda reforma agrria. O aperfeioamento da estratgia

    da reforma agrria no Brasil deve ser uma prioridadepara o atual e para os prximos governos: tanto emnvel federal como es tadual e municipal . Depreferncia, deveria haver uma estratgia com visode longo prazo, a ser implementada num prazo de10 anos, combinando-se o mximo que deveria serf e i t o a c a d a a n o c o m a c a p a c i d a d e d eimplementao e de financiamento. Estima-se que,nesse espao de tempo, seria possvel atender umagrande parte das famlias que necessitam terra eque pretendem viver da agricultura. Nesse sentido,a sociedade brasileira deveria lanar mo de todosos instrumentos disponveis para a execuo dareforma agrria, sem apego exclusivista a qualquerum deles, desde que se mostrem eficazes, quanto aoalcance dos objetivos, e eficientes, quanto aoscustos.

    Uma estratgia ampla de reforma agrria deveriabuscar atender aos seguintes critrios:

    -. 3 $

    R e l a c i o n a d a c o m o a l c a n c e d o s r e s u l t a d o salmejados: melhoria de vida de famlias pobres,sem terra ou com pouca terra; famlias vivendo elaborando na sua prpria terra, tirando dela osustento bsico, o que pode ser complementado comoutras fontes de renda no agrcolas; capacidade deatender a um grande nmero de famlias, comimpacto significativo na reduo da pobreza e noaumento da pequena agr icul tura famil iar. Aobservao deste critrio tem uma implicaobsica na implementao de qualquer projeto dere forma agrr ia . Quem quer que p laneje ouimplemente o projeto, deve levar em conta que oobjetivo no o de apenas assentar as famlias,mas de t-las vivendo na terra e dela tirando o seusustento, com melhores condies de vida e maisesperana em relao ao futuro.

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    Dirigida a buscar o menor custo possvel paraalcanar o benefcio esperado, com respeito aonmero de famlias atendidas. Comoj visto, aexperincia brasileira at agora tem sido poucoeficiente. H vrias distores que precisam sercorrigidas para que os custos da reforma agrria,

  • por famlia, possam ser reduzidos. Isto tem a ver como custo da terra (a estabilizao da economia jtrouxe uma reduo significativa nos custos da terra,mas os cus tos da desapropriao e os cus tosjudicirios continuam altos), com os custos daburocracia, com a demora na implementao dosprojetos, com a ineficincia dos sistemas de produonos assentamentos, com as deficincias das polticasagrcolas e de crdito. Muito j vem sendo feito nestesentido, mas ainda h muito o que fazer.

    5. " !%!0

    A preocupao com a sustentabilidade da reformaagrria est tambm concentrada na exigncia dapermanncia de seus resultados. Ao decidir sobre cadaprojeto, devem os seus decisores, sejam eles membrosdo governo , s e jam de out ras en t idades , s eperguntarem sobre o que tornar este projeto eficaz,eficiente e de efeitos duradouros. Em outras palavras,que ele seja capaz de continuar gerando resultados esustentando aquelas famlias ou seus descendentesao longo do t empo. Duas d imenses dasus tentabi l idade so mais impor tantes nes tecontexto.

    Primeiro, a sustentabil idade dos resultadossustentabil idade dos resultadossustentabil idade dos resultadossustentabil idade dos resultadossustentabil idade dos resultados:como assegurar que a famlia ter os incentivos certospara cultivar a terra de forma produtiva, esforando-se para dela retirar a renda de que necessita paraviver e prosperar; que tipo de sistemas de produo,de insero no mercado, de subsistncia.

    Segundo, a sustentabilidade ambientala sustentabilidade ambientala sustentabilidade ambientala sustentabilidade ambientala sustentabilidade ambiental: comoutilizar os recursos de solo, gua e vegetao deforma que a produtividade da terra permanea aolongo do tempo, evitando a eroso, a degradao, adesertificao, a exausto das fontes de gua, odesmatamento desnecessrio. Na prtica, cada projetode reforma agrria deveria introduzir um elementode sustentabilidade, incluindo tambm a educaoambiental das famlias.

    6 . % % '% !

    A ques to da sus tentabi l idade f inance i ra doprograma de reforma agrria fundamental. Deum lado , a r e fo rma agrr ia deve con t inuarmerecendo prioridade na alocao de recursos noso r a m e n t o s g o v e r n a m e n t a i s . C o n t u d o , a

    dependncia de prioridades governamentais conferecerto grau de instabilidade ao financiamento dare forma, na medida em que permanecem asrestries da poltica monetria ou que variam asprioridades dos governantes. O apoio da sociedade r e f o r m a e , e m e s p e c i a l , m i l i t n c i a d o smovimentos sociais, podem ajudar a reduzir estains tabi l idade, mas podem acrescentar outroselementos de politizao que agregam objetivosestranhos prpria reforma agrria. Devem sermobil izadas e maximizadas outras formas definanciamento. Entre estas: aperfeioamentos noITR para permitir maior fluxo de recursos estveispara a reforma; recuperao de custos pelo retornodos financiamentos da terra, tanto de assentadosque compraram suas terras diretamente, crditof u n d i r i o , c o m o d o s q u e a d q u i r i r a m t e r r a sdesapropr iadas pe lo governo ; ou t ras fon te s ,envolvendo contribuies dos prprios interessados,

    d e g o v e r n o s l o c a i s , d o s e t o r p r i v a d o , d efinanciamentos internacionais.

    9 . % ' % ! "'% !

    n e c e s s r i o o t i m i z a r o u s o d o s d i v e r s o sinstrumentos e mecanismos existentes para adisponibilizao de reas para a reforma agrria.Diante da magnitude do problema, recomendvelque s e jam u t i l i zados todos o s in s t rumentosdisponveis, tanto os que j esto previstos noE s t a t u t o d a Te r r a , c o m o e v e n t u a i s n o v o sinstrumentos, desde que atendidos os critrios aquimencionados.

    Por exemplo, deveria ser dada mais ateno aoinstrumento de arrecadao de terras pblicasilegalmente apropriadas por agentes privados, oque poderia ser facilitado pela existncia de umc a d a s t r o c o n f i v e l . Ta m b m p o d e r i a s e rintensificado o confisco de terras utilizadas parausos ilegais, como a produo de drogas ou aescravizao de trabalhadores. Terras recebidaspelos bancos em garantia de f inanciamentostambm deveriam ser transferidas para o programade reforma agrria, o que poderia ser facilitadoa t ravs do c rd i to fundir io . Nos do i s i t enss e g u i n t e s , d e s t a c a m - s e d o i s i n s t r u m e n t o sespecficos: a desapropriao por interesse sociale o crdito fundirio associativo.

  • : . + + 1 2

    Esse mecanismo deve continuar, mas no deveriaser o nico. Sua continuidade, entretanto, devesujeitar-se a uma ampla reviso para assegurar acorreo de vrias distores, que incluem oselevados custos de desapropriao e a fixao finaldo preo atravs de sentenas judiciais. Como vistonas discusses do seminrio, as sentenas judiciaispodem aumentar em mdia at 50% os custos dadesapropriao, quando no os elevam alm dessepercentual.

    Tambm devem ser aperfeioados os mecanismosde seleo dos beneficirios e de destinao etransferncia dos lotes. Os assentados deveriamperceber claramente que esto adquirindo umagleba de terra e que tero de pagar por ela, nascondies estabelecidas no contrato (que j incluium subs d io exp l c i t o) . Tambm devem s e ralteradas as normas para emancipao, mudando-se os incentivos que induzem os assentados a noquerer a independncia . Os novos incent ivosdeveriam estimular o aumento da responsabilidadepor parte dos beneficirios, o sentido de propriedade,os ganhos de produo e de produtividade, aconservao ambiental.

    Os papis re lat ivos de cada nvel de governodeveriam ser redefinidos, para que se aumente acapacidade de alavancagem do setor pblico,incluindo aes por parte da Unio, dos Estados edos Municpios. A participao dos interessadosdeveria, tambm, ser estimulada em todas asetapas.

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    Recomenda-se a continuidade e o aperfeioamentodas as recentes experincias do Reforma AgrriaSolidria e do Programa Cdula da Terra, atravs doBanco da Terra e de outras iniciativas. As avaliaesrealizadas at agora mostraram que os custos porfamlia neste programa tm sido inferiores aos doprograma t radic ional , embora nes te caso osagricul tores tenham sempre adquir ido terrasprodutivas e com disponibilidade de infra-estrutura,enquanto no processo de desapropriao as terras

    precisam ser consideradas improdutivas.

    Es te ins t rumento permi te que as fam l iasinteressadas, reunidas em associao, selecionem eadquiram a terra de sua escolha, com crditofundirio fornecido pelo governo atravs de umbanco. Em seguida, elas recebem uma doao pararealizar as obras de interesse coletivo. Neste sistema,o governo no toma dec i ses em nome dosagricultores: eles prprios tomam todas suas decises.Isto os torna mais motivados, mas donos do projeto,mais responsveis pelo seu sucesso. A experincia emvrios projetos no Cear e em outros estados temmostrado isto.

    O governo participa de forma suplementar, de trsformas:

    (a) fornece o crdito para aquisio de terra, adoao para as obras coletivas, e os crditosagrcolas;

    (b) examina a titularidade das propriedadesnegociadas, para evitar a aquisio de terrasilegais; e

    (c) acompanha a evoluo do mercado de terrase assessora os interessados no processo de compra,para evitar eventuais compras de terra com preosacima do valor de mercado.

    Sendo descentralizado e dependente de decises dosprprios interessados, este mecanismo tem altopotencial para acelerar o processo da reforma agrria,uma vez que no depende da capacidade burocrticados rgos do governo. Contudo, continua a dependerda d i sponib i l idade de f inanc iamentosgovernamentais, quer para o fundo de crditofundirio, quer para os projetos de infra-estruturacoletiva.

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    Em diversas ocasies, este ponto foi tocado por diferentesparticipantes no seminrio. Como j mencionado, umatpica famlia de agricultor em qualquer determinadoassentamento se depara com uma cesta de incentivosperversos, que o levam a tomar decises que vo de encontroaos objetivos da poltica fundiria.

    Por exemplo, faz parte da poltica fundiria promover aemancipao dos assentamentos; contudo, os sinais

  • recebidos pelas famlias assentadas lhes indicam que elasfaro um pssimo negcio ao se emanciparem. Se ofizerem, elas deixaro de receber uma renda garantidapelo governo, deixaro de receber assistncia do Incra,trocaro o que garantido, embora insuficiente, peloincerto. No h por que correr riscos, tomar iniciativas,desenvolver a criatividade.

    Quaisquer que sejam os instrumentos e mecanismosescolhidos para propiciar o acesso terra, fundamentalque os incentivos propiciados pelo governo sejamconsistentes com os objetivos da poltica. necessrio,portanto, que esses incentivos sejam revistos, sobretudono mecanismo tradicional da reforma, para que seusbeneficirios passem a tomar decises corretas que os levemaos objetivos perseguidos.

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    Encontrou eco nos participantes do seminrio a discussosobre descentralizao e participao no processo dareforma agrria. Uma e outra so necessrias para elevara capacidade de realizao do programa. Adescentralizao permite que se agregue, capacidadeexistente no rgo federal, os recursos comandados porestados e municpios. Uma descentralizao negociadapermite que os papis sejam mais bem definidos e que seaumente a capacidade instalada para planejar eimplementar aes. Nas discusses, tambm foramincludas outras entidades no processo descentralizatrio,entre as quais as universidades, as organizaes no-governamentais, os sindicatos, os movimentos sociais, asigrejas e o setor privado.

    Descentralizao e participao andam juntas, mas nonecessariamente. Por isso importante tratar daparticipao como uma necessidade em si mesma. Elaenvolve a incluso de todos os interessados em particularos pequenos agricultores com ou sem terra no processode planejamento e implementao. Isso ajuda adesenvolver o sentido de propriedade e de responsabilidadepelo sucesso do programa.

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    As discusses deixaram clara a necessidade de amplamelhoria do governo com relao ao processo deplanejamento e organizao e produo de informaespara a reforma agrria. A informao insumo bsico

    para o planejamento, para a organizao e para aimplementao da reforma. Uma das necessidades maisclaras, identificadas nas discusses do seminrio, a daexistncia de um cadastro eficiente, confivel, atualizadoe de utilizao fcil. Qualquer que venha a ser o papel dogoverno no futuro da reforma e ele sempre serimportante a manuteno de um cadastro eficientesobre a estrutura fundiria, em escala adequada, fundamental. Em qualquer hiptese, deveria ser uma aoprioritria do governo implantao e manuteno de umtal cadastro. Para reduzir custos, seria possvel montaralianas com outras instituies governamentais quetambm necessitam de cadastro semelhante.

    Alm do cadastro, deveria ser estimulada a contnuaproduo e divulgao de anlises e estudos sobre temasrelacionados com a reforma agrria. Alm de insumosbsicos para o planejamento, tais anlises e estudostambm ajudam no processo de divulgao para asociedade e fornecem material para o treinamento denovos especialistas.

    Destaca-se como fundamental o papel das universidades,elas deveriam ser estimuladas a estudar a questo agrria,em seus diversos aspectos. De modo especial, as escolas dedireito deveriam dar mais ateno ao estudo do direitoagrrio, formando uma massa crtica de profissionaisentendidos no assunto.

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    Os vrios tpicos at agora mencionados indicam nadireo de maior transparncia no processo de realizaoda reforma agrria. Descentralizao, participao,produo de informaes e formao de pessoal ajudama tornar mais transparentes os processos decisrios eoperacionais. Contudo no condio suficiente.Necessrio que se adotem, deliberadamente, medidas queobriguem mais transparncia e mais participao pblicanas decises. Mecanismos como decises colegiadas conselhos municipais com mltipla participao, porexemplo , audincias pblicas, disseminao deinformaes, divulgao na internet, auditorias e outrosajudam a tornar os processos decisrios mais cristalinos ea proteger os gestores pblicos de indevidas suspeitas dem utilizao dos recursos pblicos. Por outro lado,tambm expem o mau gestor, protegendo assim osinteresses da sociedade e, particularmente, dosbeneficirios da reforma agrria.

  • !

    Evoluiu bastante nos ltimos anos a percepo social sobre as vantagens que podem trazer aspolticas pblicas de expanso e fortalecimento da agricultura familiar. Com muito atrasohistrico, as elites brasileiras comeam a identificar os agricultores familiares como um gruposocial distinto e, sobretudo, a reconhec-lo como um dos agentes coletivos do processo dedesenvolvimento rural. Por isso, talvez no seja exagerado otimismo esperar que esse gruposocial tambm venha a ser visto como um segmento importante da estratgia de desenvolvimentoque o Brasil necessita, isto , um dos protagonistas do lado rural da agenda de desenvolvimentoque est emergindo com a renovao do debate pblico posterior estabilizao da economia.

    No entanto, para que esse processo no seja truncado imprescindvel reformular a polticaagrria, principalmente no sentido de adequ-la s radicais mudanas das relaes cidade-campo ocorridas na segunda metade deste sculo; mudanas que certamente sero aceleradaspelos novos horizontes abertos pelas inovaes tecnolgicas e institucionais contemporneas.Por isso, o principal objetivo deste texto propor diretrizes para uma poltica agrria que tenhaalicerces na experincia dos pases que conseguiram se desenvolver durante o sculo XX e,simultaneamente, esteja orientada para os possveis futuros de um imenso pas semi-perifrico,nas circunstncias concretas da provvel fase de expanso da economia mundial que suceder apresente crise.

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    Desde meados do sculo passado, quando o Brasil optou por uma estratgia inversa norte-americana,1 as elites rurais brasileiras tentam persuadir a sociedade de que essa uma pergunta

    Professor Titular deEconomia na FEA/USP

    Presidente do Procam/USPe-mail: [email protected]

    1 Compare-se a Lei de Terras, de 1850, com a Homestead Law, promulgada doze anos depois por Abraham Lincoln, juntocom a Proclamao para a Emancipao de Escravos.

  • que nem faz sentido, pois o caminho do campo s pode serum: o da grande fazenda com assalariados. O vocabulriopode ter mudado, mas o discurso continua exatamente omesmo:

    promover a agricultura familiar jogar dinheiro fora.

    No sculo passado, quando faltava mo-de-obra, os grandes

    fazendeiros paulistas no faziam rodeios:

    chamar colonos para faz-los proprietrios a

    custas de grandes despesas uma

    prodigalidade ostentosa, que no compadece

    com o apuro de nossas finanas. (...) que se

    acabe o quanto antes com a enorme despesa

    que se est fazendo com eles, continuando-se

    o que parecer necessrio para eles procurarem

    servio...

    Quase dois sculos depois, quando o que mais falta so

    oportunidades de ocupao geradora de renda, seus sucessores

    s so menos explcitos:

    No adianta querer insistir na sustentaode modelos de produo que no sejamcapazes de propiciar a melhor relao custo-qualidade possvel (...) a no ser que se queiraenterrar significativo volume de recursospblicos na forma de subsdios...2

    Nos Estados Unidos, onde as elites preferiram no acabarcom a enorme despesa a que se referia Vergueiro, e usarcom muita inteligncia os tais subsdios,3 os resultadospodem ser avaliados pela comparao entre tpicaslocalidades agrcolas, como mostrou a gegrafa AnneButtimer. Onde predominou a agricultura patronal existempoucas escolas, igrejas, clubes, associaes, jornais, empresase bancos. Nessas localidades, as condies de moradia soprecrias, quase no existem equipamentos de lazer e adelinquncia infanto-juvenil alta, ao contrrio do queocorre onde predominou a agricultura familiar. (tabela 1)

    Os dados resumidos nas duas colunas da tabela 1 foramusados por Anne Buttimer para enfatizar a forte correlaoexistente entre o predomnio da agricultura familiar e oque ela chama de vitalidade social, a principal turbina

    2 Tambm vale a pena comparar o parecer de Nicolau de Campos Vergueiro, citado por Maria Thereza Schorer Petrone, no livro O imigrante e a pequena propriedade(Coleo Tudo Histria, S.Paulo: Brasiliense, 1982, p.22; grifo meu, JEV) com o artigo Emprego rural sem ideologia, publicado no jornal O Estado de S. Paulo,de 17/08/98, pelos irmos Marcos e Fernando Sawaya Jank.

    3 Explicaes sobre o uso inteligente dos subsdios podem ser encontradas nos livros: O Desenvolvimento Agrcola (Edusp/Hucitec,1991), Metamorfoses da PolticaAgrcola dos EUA (Fapesp/Annablume,1994); e no Relatrio de Pesquisa Economia Poltica da Emergente Transio Agroambiental: O caso dos EUA(mimeo,1996), todos de minha autoria, JEV.

    4 Anne Buttimer, Landscape and Life: Apropriate Scales for Sustainable Development, Final Report on the Project. Dublin: University College Dublin, 1995.

    Fonte: Anne Buttimer (1995)4

    Tabela 1. Comparao entre comunidades agrcolas americanas com predomnio das formas patronale familiar de organizao econmica.

    Caractersticas/funes Tpica localidade da forma Tpica localidade da formapatronal familiar

    Populao 6.300 7.800Escolas 1 (primria) 4 (primria) + 1(secundria)Igrejas 5 14Clubes 2 12Associaes nenhuma 2Jornais 1 2Empresas no-agrcolas 35 62Bancos nenhum 2Habitaes poucas e pobres modestas e adequadasDelinqncia juvenil sria ausente

  • do processo de desenvolvimento. Exatamente a idia quevem sendo tardiamente enfatizada pelos economistasquando se referem ao capital humano e ao capitalsocial. Como explica Bernardo Kliksberg:

    Considera-se que, junto com os capitaistradicionais o capital natural de umasociedade, formado por sua dotao derecursos naturais, e o capital construdo,formado pelo que produziu (infra-estrutura,capital comercial, capital financeiro, etc.) ,existem outras duas modalidades de capital,que requerem uma anlise mais detalhada:o capital humano e o capital social. O primeirorefere-se qualidade dos recursos humanos,e o segundo, com elementos qualitativos,como valores partilhados, cultura,capacidades para agir sinergicamente eproduzir redes e acordos voltados para ointerior da sociedade. Analisando as causasdo crescimento econmico, um estudo doBanco Mundial sobre 192 pases concluiu queno menos de 64% do crescimento pode seratribudo ao capital humano e ao capitalsocial.5

    Desprezando (ou ignorando) as pesquisas econmicas defronteira que esto analisando essas formas de acumulaode capital at agora no avaliadas adequadamente, os portavozes do patronato agrcola brasileiro procuramdesqualificar a promoo da agricultura familiar dizendoque nos pases ricos ela depende de bilhes de dlarestransferidos anualmente pelos consumidores econtribuintes, e que aqui ela no teria a mnima chancede se tornar competitiva.6 Todavia, apesar dos quase doissculos de favorecimento da agricultura patronal, esta svem se mostrando mais competitiva que a familiar emalguns poucos produtos, como carne bovina, cana-de-acar, arroz e soja. Em muitos outros, como as carnessuna e de aves, leite, ovos, batata, trigo, cacau, banana,caf, milho, algodo, tomate, mandioca e laranja, essasuposta superior competitividade da agricultura patronal

    muito duvidosa, principalmente se os produtoresfamiliares no estiverem condenados a ter apenas os parcos20 ha que pretendem lhes atribuir os defensores daagricultura patronal. E se o assunto for fruticultura,hortcolas, e uma infinidade de outros produtos, fica fcilperceber que a melhor relao custo-qualidade sempre encontrada entre produtores familiares, mesmo quandodispem de pouca terra.

    Ou seja, mesmo que se aceite essa absurda viso que reduza eficincia econmica apenas sua dimenso alocativa,descartando sua dimenso distributiva, a agriculturafamiliar brasileira continua no preo. E se a relaodialtica entre eficincia alocativa e eficincia distributiva que est no mago da eficincia econmica estiverpresente no raciocnio, a agricultura familiar brasileiramostra-se superior patronal, apesar do desprezo de que foivtima nos ltimos 150 anos. Basta comparar o dinamismodo Vale do Itaja tristeza do extremo sul gacho para sedar conta.

    Isso quer dizer que todos os agricultores familiaresconseguiro se manter no preo quando para melhorarsuas condies de vida forem obrigados a correr no tapeterolante da inovao tecnolgica? claro que no. Os queestiverem na vanguarda certamente ampliaro suaestrutura produtiva, comprando os ativos dos que decidiremse retirar da atividade. Os que no se atrasarem em imitara vanguarda tambm podero manter-se competitivos. Masuma grande parte dessa massa s conseguir progredirtornando-se pluriativa, isto , diversificar as atividadespara que a renda familiar deixe de depender exclusivamenteda produo agropecuria.

    Contrariamente ao que dizem os porta vozes do patronatoagrcola brasileiro, os agricultores familiares dos pasesdesenvolvidos esto agora dispensando os histricos subsdiosque as sociedades mais democrticas do planeta decidiramlhes atribuir, justamente porque j no dependemexclusivamente dos riscos de suas atividades primrias. Atabela 2 d uma idia de como esse fenmeno se manifestano caso dos Estados Unidos.

    5 Cf. a excelente brochura Repensando o Estado para o Desenvolvimento Social; Superando dogmas e convencionalismos, de Bernardo Kliksberg, coordenadordo Indes/BID (So Paulo: Ed.Cortez,1998)

    6 Mostrando, por exemplo, que a produo de milho, soja, arroz, feijo ou leite em um stio de 20ha s poderia gerar rendas lquidas familiares girando em torno de2500 reais/ano. (ver artigo citado dos irmos Jank).

  • Mais importante ainda saber que 70% dos farmersconseguiam em 1988 uma renda mdia familiar de 30mil dlares, independentemente do valor de suas vendasagrcolas (que variavam de menos de 5 a 40 mil dlares).Isto , conseguiam uma renda familiar equivalente rendafamiliar mdia nacional, sendo que no passado a renda daesmagadora maioria das famlias de agricultores erasistematicamente bem inferior renda familiar mdia dopas. Os 322 mil estabelecimentos agrcolas americanos(15%) com vendas superiores a 100 mil dlaresprovavelmente tinham seus responsveis entre os ricos.Outros 15% tinham renda familiar mdia de 43 mil dlares,pouco acima da mdia nacional. E a grande massa (osrestantes 70%) tornara-se parte da imensa classe mdiaamericana.

    Esse foi o grande sentido histrico da opo preferencialpela agricultura familiar, que nos EUA foi selada em 1862,na maioria dos pases da Europa Ocidental entre a dcadade 1870 e a Ia. Guerra Mundial, e no Japo logo depois daIIa. Guerra Mundial: garantir que milhes de famlias ruraisviessem a fazer parte da classe mdia em vez de procuraremservio como queria o senador Vergueiro e continuam aquerer seus discpulos. Para entrar na classe mdia essesmilhes de famlias precisaram de: acesso terra, muitaeducao, apoio ao cooperativismo, um adequado sistemade crdito rural, pesquisa agropecuria orientada parasistemas de menor escala e a correspondente assistnciatcnica. Nesse processo a pluriatividade teve um papel muito

    Em 1988, a renda familiar dos farmers americanos svinha majoritariamente da agropecuria para os 322 mil(15% do total) cujas vendas superavam 100 mil dlares.Essa renda vinha majoritariamente de outras atividadesentre 1,5 milho (70%) cujas vendas no superavam 40mil dlares. Espremidos entre essas duas categoriasencontravam-se os outros 15% (320 mil) para os quais 40%da renda familiar vinha da agricultura e 34% de outrasatividades. E era somente nesta faixa que os subsdiosrepresentavam mais de um quarto da renda familiar.

    Claro que algum pode examinar a tabela 2 e concluir ques eram de fato agricultores os responsveis pelos 30% dosestabelecimentos agrcolas americanos que tiravam pelomenos 40% de sua renda familiar dessa atividade. Nessaviso, os responsveis pelos estabelecimentos agrcolasamericanos que conseguiam a maior parte de sua rendafamiliar em outras atividades - 70% deles - no deveriammais ser considerados agricultores. Sob o prisma contbilisso at pode ser verdadeiro. Mas para o entendimento doprocesso histrico de desenvolvimento da sociedadeamericana isso no passa de uma grande asneira. O CensoAgropecurio de 1992 mostrou que a tradicional agriculturafamiliar ainda responsvel por 54% da produocomercializada e que as vendas das sociedades de tipofamiliar j atingem 21%. Por outro lado, a participaodas corporaes no passa de 6% e os restantes 19% vmde outras formas societrias que no poderiam serrigorosamente classificadas como familiares ou patronais.7

    Tabela 2. Composio da renda familiar dos agricultores segundo o estrato do valor das vendas, EUA,1998.

    (*) Estratos de vendas em milhares de dlares, incluindo todas as entradas provenientes da agricultura, inclusive os pagamentos governamentais.

    Fonte: Jos Eli da Veiga, Metamorfoses da Poltica Agrcola dos Estados Unidos, Tese de Livre Docncia, FEA/USP: 1993, volume II, tabela 67, p. 57.

    7 Cf. o artigo de Robert A. Hoppe A Close-Up of Changes in Farm Organization na revista Agricultural Outlook, do Economic Research Service/USDA, n.227, maro1996, p.2-4.

  • mais importante que os subsdios que aqui ajudaramprincipalmente quem agora os execra: os mascotes doagribusiness.

    Tambm no Brasil j pode ser detectado o incio da transio pluriatividade, como mostram as pesquisas que vm sendofeitas no mbito do projeto Rurbano, coordenado peloeconomista Jos Graziano da Silva, da Unicamp. Apluriatividade j afeta quase um tero dos 3 milhes de

    8 Cf. a contribuio de Mauro Eduardo Del Grossi e Jos Graziano da Silva: A Pluriatividade na Agropecuria Brasileira em 1995, Anais do 36o. Congresso da SOBER,(Poos de Caldas, agosto de 1998) volume II, pp. 635-45.

    agricultores familiares residentes no meio rural, e quaseum quarto do total de 7,5 milhes de domiclios rurais dopas.8 Mas no se deve pensar que a pluriatividadetransforme os agricultores familiares em profissionais deoutros setores que s conservam algum vnculo com seuramo de origem.

    Tomando-se o exemplo da Itlia, sobre o qual estodisponveis dados bem significativos (tabelas 3 a 5), pode-se notar que: a) mais de 96% dos estabelecimentos agrcolasso familiares; b) 75% das terras agrcolas pertencem aosagricultores familiares; c) 86% de todo o trabalho agrcola realizado pelos prprios agricultores e seus familiares; d)75% dos responsveis por estabelecimentos agrcolascontinuam a ser nica e exclusivamente agricultores.

    Tanto quanto na Itlia, em todas as agriculturas do PrimeiroMundo, fazendas empregando levas de assalariadostornaram-se um apndice de uma massa deestabelecimentos de mdio porte tocados essencialmentepelo trabalho familiar. A tal ponto que grandes fazendas eassalariados agrcolas so timos indicadores desubdesenvolvimento. Na Europa fcil ach-los emPortugal, Espanha ou Grcia. Mas preciso muita pacinciapara localiz-los na Frana, Alemanha ou Gr-Bretanha.Na Amrica do Norte ainda so numerosos nas reasprximas ao Mxico, tornando-se cada vez mais raros medida em que se sobe para o Canad. No Japo e em suasex-colnias ser necessria uma lupa para descobrirassalariados agrcolas. Ou seja, a crena de que o caminhodo campo o da grande empresa e do trabalhoassalariado s faz sentido se esse caminho for o caminhodo subdesenvolvimento.

    Ser possvel imaginar que tudo isso no passa de umacoincidncia? Que os pases que atingiram os mais altosnveis educacionais, de esperana de vida, e de PIB real percapita tenham todos optado por uma agricultura baseadano trabalho familiar; enquanto os pases com os mais baixosndices de desenvolvimento humano (IDH) continuam ahesitar diante dela (ou muitas vezes nem isso)?

    Os estudiosos que duvidaram que se tratasse de meracoincidncia dedicaram-se a pesquisas comparativas eencontraram fundamentos econmicos, sociais e polticos parao fenmeno. Mas esses fundamentos costumam estar to ligados

    Atividade do fazendeiro Nmero %

    Apenas na fazenda 1.852.093 75,0

    Predominantemente na fazenda 39.059 1,5

    Predominantemente fora da fazenda 579.414 23,5

    Total 2.470.566 100,0

    Tabela 3. Agricultor de acordo com a atividadena propriedade e fora dela. Itlia, 1995.

    Fonte: Ministrio para a Poltica Agrcola, Instituto Nacional de EconomiaAgrria (1997). Italian Agriculture in Figures 1997, 125p.

    Tabela 4. Dias trabalhados em cada categoriade trabalho. Itlia, 1995.

    Fonte: Ministrio para a Poltica Agrcola, Instituto de Economia Agrria(1997). Italian Agriculture in Figures, 125 p.

    Categoria Nmero %

    Trabalho familiar

    agricultorfamlia do agricultor

    371.619

    216.961154.658

    86,2

    50,335,9

    Trabalho no-familiar

    trabalhadores permanentestrabalhadores temporrios

    59.658

    13.77845.880

    13,8

    3,210,6

    Total 431.277 100,0

  • s circunstncias histricas especficas de cada pas que ficamuito difcil junt-los numa nica sntese explicativa. Umaboa tentativa encontra-se na vasta obra de Hans Binswanger, oatual coordenador da rea de desenvolvimento rural no BancoMundial.9 E a mais completa e profunda anlise da questofoi recentemente publicada na Frana por Marcel Mazoyer eLaurence Roudart, professores do Institut National AgronomiqueParis-Grignon: Histoire des Agricultures du Monde; DuHistoire des Agricultures du Monde; DuHistoire des Agricultures du Monde; DuHistoire des Agricultures du Monde; DuHistoire des Agricultures du Monde; DuNolitique la Crise ContemporaineNolitique la Crise ContemporaineNolitique la Crise ContemporaineNolitique la Crise ContemporaineNolitique la Crise Contemporaine (Ed. Seuil, Paris:Novembro 1997). Nesse livro, que deveria ser traduzido paratodas as lnguas vivas por ser a melhor e mais completa sntesej produzida sobre quase dez milnios de crescimentoeconmico, encontra-se no somente a melhor interpretaodo contraste atual entre as agriculturas desenvolvidas esubdesenvolvidas, como o esboo do arranjo internacionalnecessrio promoo da agricultura familiar nos pasessubdesenvolvidos.

    Ao analisar a dinmica agrcola dos pases desenvolvidos,Mazoyer & Roudart enfatizam que todos eles foram levadosa adotar polticas de sustentao de preos que impediamredues abruptas da renda mdia dos agricultores e, aomesmo tempo, polticas visando a uma acelerao dachamada modernizao: organizao da comercializao;crdito com taxas de juros favorecidos; aumento dos prazosde arrendamento; renovao de sistemas de pesquisaintimamente relacionados com os correspondentes sistemaseducacionais e correspondentes redes de experimentao-

    Tabela 5. Nmero de propriedades e rea total, por forma de gerenciamento. Itlia, 1995.

    Fonte: Ministrio para a Poltica Agrcola, Instituto Nacional de Economia Agrcola (1997). Italian Agricultura in Figures 1997, 125 p.

    informao-e-vulgarizao agropecuria; transferncia aagricultores em processo de consolidao das terras liberadaspelos estabelecimentos cessantes ou em dificuldade,principalmente pelo incentivo aposentadoria dosagricultores mais idosos; leis proibindo o acmulo de maisterras por agricultores que j dispunham de rea suficientepara o pleno emprego da mo-de-obra familiar; e vriosmecanismos que impediam o acesso de estabelecimentospouco viveis s subvenes e ao crdito barato.

    No fundo, dizem os autores, esses programas facilitaram odesenvolvimento de estabelecimentos familiares mdios egrandes, impedindo, em certa medida, o desenvolvimentode grandes fazendas com mo-de-obra assalariada. Por outrolado, ponderam que o mnimo que se pode dizer que taismedidas no ajudaram os estabelecimentos menos viveis,mas tambm no os fizeram desaparecer brutalmente. Nofinal das contas foram medidas que impulsionaram odesenvolvimento desigual de estabelecimentos mdios egrandes, garantindo ao mesmo tempo a sobrevivncia dosperifricos pelo perodo de uma gerao.

    Ou seja, as agriculturas dos pases desenvolvidos foramenquadradas por polticas comerciais, financeiras e defomento que no corresponderam viso de muitoseconomistas e agrnomos segundo a qual a modernizao(motomecanizao, fertilizao mineral, seleo vegetal e

    9 A melhor referncia talvez seja: BINSWANGER, Hans P. & Klaus Deininger (1997) Explaining Agricultural and Agrarian Policies in Developing Countries. TheWorld Bank (Agriculture and Natural Resources Department), Policy Research Working Paper 1765.

    Forma de gerenciamento Nmero depropriedades

    Fazendas%

    rea dapropriedade

    ha

    rea dafazenda

    %

    Mdia emha

    Gerenciamento direto

    apenas com trabalho familiarpredominantemente com trabalho familiarpredominantemente com trabalho no-familiar

    2.389.731

    2.049.531255.594

    84.606

    96,3

    82,610,3

    3,4

    15.446.967

    11.387.5882.681.5131.377.866

    75,4

    55,613,1

    6,7

    6,5

    5,610,516,3

    Gerenciamento com trabalhadores contratadose/ou parceiros 85.367 3,4 4.960.774 24,2 58,1

    Diviso da colheita ou outros 6.997 0,3 73.421 0,4 10,5Total 2.482.095 100,0 20.481.162 100,0 8,3

  • animal, agrotxicos, etc.) levaria cedo ou tarde generalizao de enormes unidades de produo, fossemelas patronais ou coletivizadas. Isto quer dizer que essaspolticas contrariaram o que seriam as tendncias objetivasdo desenvolvimento capitalista na agricultura? De maneiranenhuma, mostram Mazoyer & Roudart. Se elascontrariaram alguma coisa foi a ingenuidade das previsesfeitas por economistas e agrnomos impressionados com aforte acelerao das mudanas agrcolas do sculo XX.

    Uma das melhores partes dessa Histria das Agriculturas doMundo a descrio analtica das etapas em que se deu amodernizao, fenmeno que os autores preferem chamarde segunda revoluo agrcola dos tempos modernos.Infelizmente impossvel reproduzi-la neste texto. Mascertamente ser til chamar a ateno para alguns pontosessenciais.

    A cada etapa desse processo, s puderam continuar a investire a progredir os estabelecimentos suficientementeequipados, suficientemente grandes e suficientementeprodutivos para que pudessem gerar uma renda portrabalhador superior ao preo de mercado da mo-de-obrapouco qualificada. Esse nvel de renda constitui o que osautores chamam de patamar de capitalizao oupatamar de renovao. Os estabelecimentos queconseguiam se consolidar eram os que geravam uma rendasuperior a esse patamar. Os que geravam renda inferior aesse patamar e no se renovavam, terminavam por regredir:viviam em crise, e, com enormes sacrifcios, muitosconseguiam se manter at a aposentadoria do agricultor.Depois disso, na falta de um sucessor (parente ou no),esses estabelecimentos tendiam a ser desmembrados e suasterras e outros bens ainda teis adquiridos porestabelecimentos que se encontravam acima do referidopatamar.

    Como as inovaes tecnolgicas que permitiam acompanhara constante elevao do patamar podiam sempre seradotadas por muitos dos agricultores familiares queparticipavam dessa espcie de corrida de obstculos; e comoa queda tendencial dos preos agrcolas era administradapor governos interessados numa certa regulao do xodorural; o desempenho econmico da agricultura familiar spodia ter contrariado as profecias sobre uma esmagadoravitria da agricultura patronal.

    Na verdade, muitas dessas profecias baseavam-se tambmnuma idia bem equivocada sobre a importncia que aschamadas economias de escala ou economias detamanho teriam na agricultura. Mas as redues dos custosfixos ligadas aos aumentos de escala ou de tamanhomostraram-se pouco significativas na agricultura. Quandoso possveis, elas s so realizveis at um tamanho bemmodesto, correspondente a uma pequena equipe de trabalho.Acima desse tamanho passam a se manifestar deseconomiasque aumentam com muita rapidez.

    Para a maior parte dos sistemas de produo praticadoshoje em dia nas agriculturas dos pases desenvolvidos, dizemMazoyer & Roudart, a dimenso mais favorvel eficciaeconmica de uma unidade de produo corresponde aotrabalho de equipes que variam entre 3 e 7 trabalhadores.

    E, mesmo assim, os estabelecimentos tocados por um nicotrabalhador (a tempo completo ou parcial) vm semostrando to competitivos que seria muito arriscado prevero triunfo de unidades de tamanho correspondente a umaequipe de 3 a 7 trabalhadores, sejam elas familiares,patronais ou de outro tipo.10

    Tudo isso parte muito importante da argumentaofavorvel promoo da agricultura familiar porque

    10 Por falar em outros tipos de estabelecimentos alm do familiar e do patronal, importante que se faa um esclarecimento sobre o uso da expresso agriculturafamiliar. Uma das grandes vantagens dessa expresso est justamente na sua amplitude e flexibilidade para excluir apenas as formas de organizao produtivaancoradas no emprego de grandes contingentes de trabalhadores assalariados que caracterizam seu oposto, a agricultura patronal. Mas ao se falar em agriculturafamiliar no se est dizendo absolutamente nada sobre as relaes de propriedade da terra, dos equipamentos ou mesmo sobre as formas de administrao ouorganizao do trabalho. Todas as experincias de agricultura familiar bem sucedidas revelam a existncia de diversas formas e graus de cooperao. A mais comume menos complexa a cooperao apenas em processos de escoamento da produo e aquisio de insumos. Mas tambm so bem freqentes as cooperativas demquinas, condomnios especializados numa parte do sistema de produo, ou mesmo pequenas agroindstrias organizadas de forma associativa. Menos freqente a explorao conjunta de vrios estabelecimentos pela chamada agricultura de grupo, mas ela no to rara quanto se pensa. E todas essas formas de cooperaoentre agricultores familiares combinam-se com vrias formas jurdicas de propriedade e de posse das terras exploradas. A mais comum a propriedade privada quepassa do pai para os herdeiros, mas absurdo pensar que a promoo da agricultura familiar deva ser necessria ou exclusivamente a promoo da forma privadae individual da propriedade da terra. Ao contrrio, mesmo em situaes de inequvoco predomnio de terras em propriedade privada ela est sempre misturada comdiversas formas de arrendamento, parceria, posse, ou mesmo de propriedade associativa ou comunitria. Enfim, quando se enfatiza a forma familiar de produono se est excluindo nenhuma forma jurdica de posse ou propriedade da terra, e muito menos qualquer tipo ou grau de cooperao entre as famlias. Muito pelocontrrio, entende-se que a expresso agricultura familiar a que melhor d conta dessa unidade na diversidade. O que certamente no faz parte da agriculturafamiliar so as formas de produo cujo alicerce uma completa separao entre o trabalho e a propriedade dos ativos (terra, equipamento, instalaes, etc.),principal caracterstica da agricultura patronal.

  • mostra que essa tese est longe de ser uma mera ideologiaem defesa dos pobres do campo, cujo contedo seria anti-histrico e anti-econmico. Por incrvel que possa parecer maioria dos leigos em assuntos agrcolas, acontecejustamente o inverso: a obsesso ideolgica de certas elitesbrasileiras pela agricultura patronal que carece de qualquerrespaldo histrico e econmico no processo dedesenvolvimento dos pases que fazem parte do chamadoPrimeiro Mundo.

    Mas claro que a opo pela agricultura familiar comobase de uma proposta de desenvolvimento rural no Brasilde final de milnio no se baseia apenas na constataode que essa foi a forma que predominou em todas asagriculturas de pases desenvolvidos. Para saber porque opredomnio de grandes fazendas patronais que dispem deuma abundante e baratssima fora de trabalhoconstitui um obstculo ao desenvolvimento necessrioperceber seus efeitos fortemente regressivos na distribuiode renda.

    Compare-se, por exemplo, economias latinoamericanas,como a brasileira ou a mexicana, a economias semi-perifricas muito mais desenvolvidas, como as da Coriado Sul ou de Taiwan. O contraste comea a aparecer quandose compara o potencial de consumo de suas respectivaspopulaes. Nas economias de tipo latinoamericano, aspopulaes rurais economicamente ativas somajoritariamente formadas por pees (sem-terra ousitiantes abaixo do patamar de renovao) que trabalhampara um punhado de empregadores. Nas economias semi-perifricas de sucesso essas famlias de pees no chegam a3% dos ocupados no meio rural. L a grande maioria dapopulao agrcola est ocupada em stios com renda igualou superior ao patamar de renovao.

    claro que em pases como a Coria do Sul e Taiwan ademanda rural depende essencialmente da renda correntedos agricultores familiares, enquanto que no Mxico ou noBrasil ela depende basicamente do poder de compra de umaenorme massa de pees. Como esses pees situam-se semprenos mais baixos estratos de distribuio de renda, seu poderde compra no chega a favorecer a ampliao do consumode massa. A evoluo do poder de compra dos 20% maispobres de populaes latinoamericanas tem oscilado poucoacima do nvel atingido em meados do sculo, enquantoque o consumo das camadas de altas rendas tem crescido deforma permanente.

    Nos pases semi-perifricos que conseguem se desenvolverocorre exatamente o inverso. A elevao da renda da maioriada populao rural acompanha de perto a evoluo da rendamdia urbana, contribuindo, portanto, para a ampliaodo consumo de massa. A drstica reforma agrria realizadana Coria do Sul, por exemplo, no somente engendroupouca desigualdade na distribuio dos ativos e da renda,mas tambm criou as pr-condies para uma ampladifuso dos incrementos de renda. Quem tem dvida sobreeste ponto precisa ler com urgncia o artigo de E. Lee,publicado em 1979 na revista World DevelopmentWorld DevelopmentWorld DevelopmentWorld DevelopmentWorld Development(7:493-517): Egalitarian Peasant Farming and RuralDevelopment: the Case of South Korea.

    Em suma, com base na experincia histrica dos pasesmais desenvolvidos e dos raros pases semiperifricos quechegaram a se desenvolver, deve-se pensar que a passagemda economia capitalista para sua fase socialmentearticulada de desenvolvimento dificilmente pode prescindirde um conjunto de polticas pblicas que venha a permitira liberao do potencial da agricultura familiar.

    Como foi dito na introduo, as vantagens de uma estratgiade desenvolvimento rural que priorize a promoo daagricultura familiar comeam a ser percebidas pelasociedade brasileira. Principalmente porque o Brasil umpas onde a forma de agricultura mais favorecida apatronal agora est empregando cada vez menostrabalhadores, e engendrando, portanto, cada vez maisconcentrao de renda e excluso social.

    Enquanto isso, a forma de agricultura mais desprezada a familiar tende a exibir um perfil essencialmentedistributivo, alm de ser incomparavelmente melhor emtermos socioculturais. E seus sistemas poliprodutivos decultura e criao, aliados maior maleabilidade de seuprocesso decisrio, tambm trazem imensas vantagenscomparativas sob o prisma ambiental.

    Enfim, a agricultura familiar to mais sustentvel(estabilidade, resilincia e eqidade) que impossvelimaginar que a sociedade brasileira no venha a se darconta do preo que est pagando por ter acreditado no mitoda maior eficincia da agricultura patronal. Um dia acabarentendendo que mesmo essa sua duvidosa eficinciaalocativa nem de longe compensa sua absurda ineficinciadistributiva. Contudo, para que isso ocorra vai ser preciso

  • superar a crena dominante entre as elites brasileiras deque a desigualdade no dificulta o crescimento econmico,podendo at ajud-lo. Essa uma idia que no debateinternacional s pode ser considerada anacrnica, e mesmoextravagante, mas que continua muito forte por aqui.11

    Infelizmente, foroso reconhecer que em pleno final dosculo XX a cultura brasileira continua muito maismarcada pela casa grande e senzala do que pelascolnias formadas pelos imigrantes italianos e alemesque povoaram a regio Sul, ou mesmo pelos colonos queconseguiram se emancipar das complicadas relaes detrabalho que prevaleceram na economia cafeeira do Sudeste.Neste assunto h verso que vale mais do que mil teorias:Nel Brasile non vi sono padrone,/ Ognuno qui padronedi s./ In sua casa il colono commanda/ E si stimaugualmente un re. Foi contra isso que lutou Vergueiro. contra isso que continuam a lutar seus sucessores.

    11 Uma idia que foi, alis, ridicularizada em mais de uma dzia de trabalhos cientficos apresentados em Braslia por economistas americanos e europeus trazidospelo Banco Mundial para o Seminrio Internacional Distribuio de Riqueza, Pobreza e Crescimento Econmico, organizado pelo Ministrio de EstadoExtraordinrio de Poltica Fundiria e Banco Mundial, com apoio do IICA, 14 a 17 de julho 1998.

    12 Quando os dados do Censo Agropecurio de 1995/96 puderem ser analisados ser possvel melhorar bastante tais aproximaes.

    13 A RMB foi obtida por meio da simples diferena entre receitas e despesas, mas com o cuidado de excluir todo e qualquer montante que no fosse proveniente deatividades agropecurias. Isso porque, em certas situaes geogrficas, estabelecimentos agrcolas podem ter atividades de minerao que distoram os resultadoseconmicos que se pretende aquilatar.

    Estrato Nvel de RMB

    A Acima da mdia da unidadegeogrfica

    B Entre a mdia e a mediana daunidade geogrfica

    C Abaixo da mediana da unidadegeogrfica

    & ! '(

    Para que possa promover o sucesso econmico dosagricultores familiares que j dispem de condies bsicaspara a atividade empresarial e simultaneamente favorecera pluriatividade dos que tero menos chances de progressose dependerem apenas da renda oriunda da agropecuria, aestratgia governamental precisa estar baseada numadelimitao do pblico alvo a ser atendidoprioritariamente. Infelizmente, a identificao dos diversossegmentos da agricultura familiar s pode ser feita poraproximaes sucessivas, j que as estatsticas no utilizameste critrio em suas classificaes.12

    Cerca de 3 milhes de estabelecimentos familiares nadatm que ver com a idia muito difundida sobre aagricultura de subsistncia que est embutida na maniade opor familiar a comercial. Isto fica bem claroquando se procura estimar a Renda Monetria Bruta dosestabelecimentos no-patronais.13 Calculando-se as RMBmdia e mediana para cada unidade geogrfica das

    Estrato RMB mdia(sm/a)

    RMB per capita(sm/a)*

    A 52,7 13,8

    B 11,5 3,5

    C 0,9 0,3

    Total 17,2 5,4

    micro s grandes regies pode-se obter um estratoinferior formado pelos 50% mais pobres; um estrato superiorformado pelos estabelecimentos com RMB superior mdia;e um estrato intermedirio situado entre a mediana e amdia. Esses trs estratos podem ser batizados de A, B eC, segundo as indicaes abaixo:

    A tabela 6 indica que em termos agregados para todo oBrasil os estratos A e B, os mais representativos daagricultura familiar, tinham nveis mdios de RMB queestavam longe de permitir qualquer tipo de assimilaocom uma agrigultura no-comercial.

    Tabela 6. Renda Monetria Bruta (RMB) mdiae per capita, salrios mnimos por ano (sm/a),segundo o estrato, Brasil, 1985 (agregaes).

    * Do pessoal ocupado nos estabelecimentos. Fonte: IBGE, Censo Agropecurio, 1985.

    Mas fundamental examinar, tambm, os enormescontrastes regionais.

  • Estados RMB mdia (sm/a) rea mdia (ha)

    A B C A B C

    Minas Gerais 56 11 -1 37 20 18

    Esprito Santo 129 31 3 30 21 16

    Rio de Janeiro 76 14 -1 17 9 5

    So Paulo 225 30 -8 38 18 18

    Regio Sudeste 119 17 -3 34 20 17

    Estados RMB mdia (sm/a) rea mdia (ha)

    A B C A B C

    Paran 114 20 2 27 24 11

    Santa Catarina 99 28 6 29 18 14

    Rio Grande do Sul 76 21 2 31 18 14

    Regio Sul 91 22 2 29 16 13

    Tabela 8. Renda Monetria Bruta (RMB), em salrios mnimos por ano (sm/a) e rea Mdia (em ha)dos estratos de Estabelecimentos No-Patronais segundo as Unidades da Federao, Regio Sudeste,1985.

    Fonte: IBGE, Censo Agropecurio, 1985.

    Tabela 9. Renda Monetria Bruta (RMB), em salrios mnimos por ano (sm/a) e rea Mdia (em ha)dos estratos de Estabelecimentos No-Patronais segundo as Unidades da Federao, Regio Sul, 1985.

    Fonte: IBGE, Censo Agropecurio, 1985.

    Tabela 7. Renda Monetria Bruta Mdia (RMBm),em salrios mnimos por ano (sm/a), dosestratos de Estabelecimentos No-Patronaissegundo as Grandes Regies, Brasil, 1985.

    Fonte: IBGE, Censo Agropecurio, 1985.

    Regies RMBm

    A B C Todos

    Norte 55 17 4 22

    Nordeste 25 5 0 8

    Sudeste 119 17 -3 30

    Sul 91 22 2 31

    Centro-Oeste 68 13 -6 19

    Principalmente porque, no Nordeste, apenas umquarto dos estabelecimentos no-patronaisalcanava nveis razoveis de RMB e, mesmoassim, bem abaixo das outras regies.

    Mas tambm, porque no Norte e no Centro-Oeste,apesar dos bons nveis de RMB, a agriculturafamiliar ainda tinha a incipincia natural dadinmica da fronteira (ver tabela 7). Ou seja, paraenfatizar o carter comercial da agriculturafamiliar, importante focalizar as regies Sul eSudeste (tabelas 8 e 9).

  • A principal concluso que pode ser tirada dessas tabelas que: cerca de trs quartos dos estabelecimentos agrcolasno-patronais do Nordeste, somados a cerca de metade deseus coegneres nas outras regies, constituem uma massade agricultores to fragilizados que seria ilusrio esperarque possam ser ajudados, por exemplo, pelas linhas de crditode custeio e investimento oferecidas pelo Pronaf. Ou seja, opacote convencional dos programas de modernizaovoltados para a agricultura familiar (crdito, assistnciatcnica, apoio comercializao, etc.) s poder atingiressa grande massa de desvalidos se estiver acoplado (ou forprecedido) ao binmio essencial da estratgia de erradicaoda pobreza rural: redistribuio fundiria e educao.

    J para cerca de um quarto dos estabelecimentos no-patronais do Nordeste, somado a cerca de metade de seuscoegneres nas outras regies, no h muito o que inovarem termos de polticas pblicas. Bastar adequar as linhasde ao consagradas pela experincia histrica dos pasesmais desenvolvidos s condies especficas de regio e,sobretudo, s crescentes exigncias sociais relativas sadee ao meio ambiente.

    Em outras palavras, em vez de falar de um pblico alvo,parece mais correto entender que existem, na verdade, pelomenos dois: o minoritrio, que pode responder de prontoa uma poltica de modernizao da agricultura familiar, eo majoritrio, que no tem essa capacidade de resposta.

    )

    As idias aqui avanadas so sugestes de pauta para odilogo e negociaes que podero fazer emergir umaestratgia de desenvolvimento rural, ou melhor, a vertenterural da agenda de desenvolvimento que vem sendoamadurecida pelo debate pblico. No constituem umelenco completo das aes necessrias para que se consiga ofortalecimento e a expanso da agricultura familiar. Devemser entendidas, ento, como trs diretrizes para a formulaode uma nova poltica agrria, s vezes acompanhadas depossveis linhas de ao.

    ) * (

    No ser possvel acompanhar as mudanas provocadas pelofenmeno que tem sido chamado de globalizao, emuito menos enfrentar os problemas ambientais semuma mudana profunda da trindade educacional disposio das famlias rurais. Essa trindade educacional formada:

    i) pelo ensino regular bsico que deveria estar sendooferecido nas escolas rurais;ii) a necessria formao profissional;iii) a relao dos dois anteriores com as redes de cincia,tecnologia e extenso.

    preciso conseguir com urgncia uma completa reformadessa trindade educacional rural. Esse , na prtica, um dosprincipais obstculos melhoria da distribuio de rendae, por conseguinte, do desenvolvimento em condies comoas do Brasil.

    Neste pas, na desigualdade em oportunidadeseducacionais que ficam mais patentes as desigualdadessociais. Estima-se que, no Brasil, cada ano de escolaridadeadicional tende a elevar o nvel de renda de um trabalhadorem aproximadamente 15%. E essa relao varia conformeo nvel educacional. Para um trabalhador com nvelsecundrio, um ano adicional de estudo tende a elevar seunvel de renda em mais de 15%. Por ser um dos pases maisdesiguais em oportunidades educacionais (seis vezessuperior observada nos Estados Unidos) o Brasil tambm um dos pases com maior sensibilidade de renda ao nveleducacional do trabalhador. Isso faz com que a importnciada desigualdade educacional para a concentrao de rendatambm seja uma das mais elevadas do mundo.

    Como uma das principais fontes de desigualdade deoportunidades educacionais est justamente na disparidaderural-urbana, o fortalecimento da agricultura familiarpassa necessariamente por uma profunda reformaeducacional. Principalmente em um pas que est emltimo lugar no que se refere ao ensino nas cinco primeirassries. O Unicef calculou que, pelo potencial econmicobrasileiro, no mnimo 88% das crianas matriculadas noprimeiro grau deveriam concluir a quinta srie. Mas apenas39% chegam a esse estgio.

    O ensino um ponto de estrangulamento dodesenvolvimento rural. Principalmente o ensino deprimeiro grau. Dos alunos que entram, muitos at ficamem mdia sete a oito anos, mas saem sabendo muito pouco,sobretudo os das famlias mais pobres. Por isso, s se podeconcordar com o pesquisador Claudio de Moura Castroquando diz que o milagre brasileiro foi ter ido to longecom to pouca educao. S que acabou em catstrofe.Fez com que um pas com o potencial que tem o Brasilchegasse ao fim do sculo com um ensino bsico igual aodo Haiti.

  • Pases muito mais pobres do que o Brasil como aTailndia ou a Costa Rica venceram o desafio do ensinobsico. Os atuais pases mais desenvolvidos o venceramquando ainda eram mais pobres do que o Brasil atual. Eseus governos no dipunham de qualquer varinha decondo. Apenas agiram pressionados por sociedades quedavam uma prioridade real educao. O problema doBrasil que at agora no houve empenho, essencialmenteporque a sociedade brasileira no se mobilizou nessadireo. Como diz Moura Castro, se o brasileiro vigiasse aescola como vigia a seleo, o problema do ensino bsico jteria sido resolvido h muito tempo.

    Portanto, a resoluo do problema da educao ruralcomea por uma questo de persuaso. preciso convenceras famlias rurais a no aceitarem um ensino to ruim eajud-las a cobrar bons resultados. Esse o primeiro desafio.O segundo gerar o ambiente institucional necessrio paraque a trindade seja de fato reformada. Se fosse possvelobrigar os filhos de todos os governantes a estudarem emescolas pblicas rurais, provavelmente esse ambientesurgiria com rapidez. No entanto, como essa uma propostapoliticamente invivel, vai ser necessrio percorrer umcaminho mais longo.

    Esse outro caminho exige necessariamente a redistribuiodas funes dos governos federal, estaduais e municipais. preciso haver mais autonomia para que os Estados eMunicpios repartam responsabilidades no que se refere educao, cultura, assistncia social, sade, etc. Nosomente autonomia, como flexibilidade para que possamser acomodadas situaes especficas impostas pordisparidades regionais, tamanho das cidades, etc.

    A educao faz muita diferena. Muito mais no Brasil doque em pases menos desiguais. Pode-se at afirmar que onvel educacional ser o principal trunfo, tanto do sucessodos agricultores que conseguirem saltar todos os obstculosimpostos pelo tapete rolante da corrida tecnolgica e semanter sempre acima do tal patamar de renovao, quantodo sucesso daqueles que tiverem que se tornar pluriativos,quanto do sucesso dos que forem obrigados a transitar paraocupaes externas agricultura, sejam elas rurais ouurbanas.

    Isso j pode ser constatado, tanto em casos nos quais oprprio sucesso econmico dos agricultores familiares tendea exigir que uma parte da famlia encontre outras fontes

    de renda locais, ou em casos nos quais o insucesso tornaobrigatrio que os filhos deixem a agricultura, procurememprego em outras atividades rurais, ou mudem para ascidades. Em qualquer desses casos o nvel educacional fazuma tremenda diferena. E mesmo que ainda no se possadizer que na agricultura brasileira o sucesso econmicoest diretamente ligado ao nvel educacional, isso nodemorar muito para ocorrer, pois em reas onde a pressopela inovao mais intensa j se pode notar sinais dessefenmeno.

    Em outras palavras, simplesmente inconcebvel umprocesso de desenvolvimento no qual a educao no ocupeum lugar estratgico. Basta lembrar, por exemplo, que naidia de desenvolvimento humano o nvel educacional foiconsiderado um dos trs principais critrios de avaliao,ao lado da esperana de vida e do PIB per capita. Apesar deter uma renda per capita bem inferior a do Brasil, a Polniaest na frente em termos de desenvolvimento humanoporque atingiu uma taxa de alfabetizao de 99% e umataxa de escolaridade bruta de 79%, enquanto que no Brasilessas taxas continuam a ser vergonhosas: 82,7% e 72%.

    fcil perceber o quanto o sucesso econmico de umagricultor familiar assentado h alguns anos estrelacionado com sua formao anterior e com asoportunidades de acesso a uma melhoria dessa formao.Isso pouco tem a ver com seu nvel escolar, isto , saber setem ou no primrio completo, etc. O ensino bsicooferecido pelas escolas rurais pode ser um dos elementos dofenmeno educacional, mas est longe de ser o maisimportante. A formao dos agricultores familiares umprocesso muito mais complexo, que exige no somenteescola, como o contato direto com outras esferas, como ascooperativas, associaes, redes de extenso e assistnciatcnica, igrejas, sindicatos, etc.

    Assim sendo, o sucesso de um assentamento, a mdio elongo prazo, est diretamente relacionado com a amplaquesto educacional. Estudos empricos realizados em quasetoda a Amrica Latina apontam para a existncia de umforte contraste entre as situaes mais perifricas e assituaes mais modernizadas, onde os agricultores estomais avanados no domnio de tecnologia e de mercadospromissores. Em Honduras, em El Salvador ou no Paraguai,a educao praticamente no altera a renda agrcola dasfamlias, embora altere modestamente, em alguns dessespases, a renda do trabalho no-agrcola de famlias rurais.Ao contrrio, em situaes mais modernizadas - como a do

  • Chile, por exemplo - o nvel educacional tem um efeitobem positivo sobre a renda da populao rural, seja elaagrcola ou no-agrcola.

    Como diz Cludia Romano, em pases como o Chile, ondea economia rural vem se expandindo nos ltimos 20 anosmais rapidamente do que a economia urbana, fica evidenteo papel da educao. Alm disso, esses estudos empricosmostram que o aumento da renda familiar provocado pelaeducao maior para as famlias que tm renda acima deum patamar de pobreza (por volta de $360 per capita/ano na Amrica Latina). Quer dizer, um ano a mais deescolaridade tem maior efeito positivo sobre a renda dasfamlias no-pobres do que sobre a renda das famliaspobres. Segundo Cludia Romano, tudo indica que avarivel chave a qualidade da educao, fenmeno difcilde medir e, por isso mesmo, no includo em anliseseconomtricas. Quanto mais uma famlia pobre, pioresso as condies em sala de aula, nvel dos professores, eassim por diante.14

    Ou seja, o efeito-renda da educao maior entre ossegmentos de agricultores familiares j consolidados e emprocesso de consolidao, do que entre os mais fragilizadosou em processo de decadncia. E a est mais uma razo paraque se entenda a educao e, principalmente, a qualidadeda educao como elemento estratgico de qualquerproposta de fortalecimento da agricultura familiar.

    A mudana do ambiente educacional no