lima et al[1]. - por - fisio hemodinamica - 2002.pdf

8
Efeitos do fortalecimento muscular da panturrilha na hemodinâmica venosa e na qualidade de vida em um portador de insuficiência venosa crônica Effects of calf muscle strengthening on venous hemodynamics and on quality of life in a person with chronic venous insufficiency Renata Cristina Magalhães Lima 1 , Luciana Santiago 1 , Regina Márcia Faria de Moura 1 , Francisca Angélica Siqueira Filaretti 1 , Carmem Sílvia Acyprestes de Souza 1 , Solange Seguro Meyge Evangelista 2 , Raquel Rodrigues Britto 3 1. Fisioterapeuta, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais. 2. Médica, Hospital das Clínicas, Univ. Federal de Minas Gerais. Especialista em Angiologia pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. 3. Doutora em Fisiologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais. J Vasc Br 2002;1(3):219-26. Copyright © 2002 by Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. 219 Resumo Uma voluntária de 41 anos com insuficiência venosa crônica, diag- nosticada há 21 anos, foi avaliada como classe 4 pela Classificação Clí- nica CEAP e classe 2 pelo Escore de Gravidade Clínica Venosa. Antes e após aplicação do protocolo, as seguintes variáveis foram mensuradas: força muscular de ambos os tríceps surais, através de dinamometria manual; função da bomba muscular das panturrilhas, através de pletismografia a ar; e qualidade de vida, através do questionário Nottingham Health Profile. Foram realizadas 30 sessões, com ênfase no membro inferior esquerdo. Observou-se um aumento de força muscu- lar de 198,4% no tríceps sural esquerdo e de 28,3% no direito, associ- ado a uma diminuição do volume venoso funcional de 2,2% no mem- bro inferior direito e 3,4% no membro inferior esquerdo. Também houve redução da fração de volume residual de 2,7% no membro inferior direito e 38,5% no membro inferior esquerdo, e aumento da fração de ejeção de 17,8% no membro inferior direito e 45,5% no membro infe- rior esquerdo. O índice de enchimento venoso não apresentou altera- ção. Houve uma melhora de 66,7% no Nottingham Health Profile. Conclui-se que o fortalecimento da panturrilha pode melhorar a he- modinâmica venosa e a qualidade de vida de portadores de insuficiên- cia venosa crônica. Palavras-chave: insuficiência venosa, fisioterapia, qualidade de vida, pletismografia. Abstract A 41 year-old volunteer diagnosed with chronic venous insufficiency 21 years ago was classified as class 4 by the CEAP Clinical Classification and as class 2 by the Venous Clinical Severity Score. The following variables were assessed before and after the training program: strength of the calf muscles in both legs; calf pump function, determined by air plethysmography; and quality of life, determined by Nottingham Health Profile scores. The protocol consisted of 30 sessions, with emphasis on the left lower extremity. Strength increases of 198.4% for the left and of 28.3% for the right calf muscles were observed, associated with a reduction of the functional venous volume on the right (2.2%) and left (3.4%) limbs. There was reduction of the residual volume fraction (2.7 and 38.5% for the right and left limbs, respectively); and an increase in ejection fraction of 17.8% on the right limb and of 45.5% on the left limb. However, there was no change in venous filling index. Quality of life improved 66.7% on the Nottingham Health Profile. We concluded that strengthening of the calf muscles may improve venous hemodynamics and quality of life in patients with chronic venous insufficiency. Key words: venous insufficiency, physical therapy, quality of life, plethysmography. RELATO DE CASO

Upload: clayton-araujo

Post on 25-Sep-2015

10 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3 219

    Efeitos do fortalecimento muscular da panturrilhana hemodinmica venosa e na qualidade de vidaem um portador de insuficincia venosa crnica

    Effects of calf muscle strengthening on venous hemodynamicsand on quality of life in a person with chronic venous insufficiency

    Renata Cristina Magalhes Lima1, Luciana Santiago1, Regina Mrcia Faria de Moura1,Francisca Anglica Siqueira Filaretti1, Carmem Slvia Acyprestes de Souza1,

    Solange Seguro Meyge Evangelista2, Raquel Rodrigues Britto3

    1. Fisioterapeuta, Hospital das Clnicas, Universidade Federal de Minas Gerais.2. Mdica, Hospital das Clnicas, Univ. Federal de Minas Gerais. Especialista em Angiologia pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular.3. Doutora em Fisiologia, Hospital das Clnicas, Universidade Federal de Minas Gerais.

    J Vasc Br 2002;1(3):219-26.Copyright 2002 by Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular.

    219

    ResumoUma voluntria de 41 anos com insuficincia venosa crnica, diag-

    nosticada h 21 anos, foi avaliada como classe 4 pela Classificao Cl-nica CEAP e classe 2 pelo Escore de Gravidade Clnica Venosa. Antes eaps aplicao do protocolo, as seguintes variveis foram mensuradas:fora muscular de ambos os trceps surais, atravs de dinamometriamanual; funo da bomba muscular das panturrilhas, atravs depletismografia a ar; e qualidade de vida, atravs do questionrioNottingham Health Profile. Foram realizadas 30 sesses, com nfase nomembro inferior esquerdo. Observou-se um aumento de fora muscu-lar de 198,4% no trceps sural esquerdo e de 28,3% no direito, associ-ado a uma diminuio do volume venoso funcional de 2,2% no mem-bro inferior direito e 3,4% no membro inferior esquerdo. Tambm houvereduo da frao de volume residual de 2,7% no membro inferiordireito e 38,5% no membro inferior esquerdo, e aumento da frao deejeo de 17,8% no membro inferior direito e 45,5% no membro infe-rior esquerdo. O ndice de enchimento venoso no apresentou altera-o. Houve uma melhora de 66,7% no Nottingham Health Profile.Conclui-se que o fortalecimento da panturrilha pode melhorar a he-modinmica venosa e a qualidade de vida de portadores de insuficin-cia venosa crnica.

    Palavras-chave: insuficincia venosa, fisioterapia, qualidade de vida,pletismografia.

    AbstractA 41 year-old volunteer diagnosed with chronic venous insufficiency

    21 years ago was classified as class 4 by the CEAP Clinical Classificationand as class 2 by the Venous Clinical Severity Score. The followingvariables were assessed before and after the training program: strengthof the calf muscles in both legs; calf pump function, determined by airplethysmography; and quality of life, determined by Nottingham HealthProfile scores. The protocol consisted of 30 sessions, with emphasis onthe left lower extremity. Strength increases of 198.4% for the left andof 28.3% for the right calf muscles were observed, associated with areduction of the functional venous volume on the right (2.2%) and left(3.4%) limbs. There was reduction of the residual volume fraction (2.7and 38.5% for the right and left limbs, respectively); and an increase inejection fraction of 17.8% on the right limb and of 45.5% on the leftlimb. However, there was no change in venous filling index. Quality oflife improved 66.7% on the Nottingham Health Profile. We concludedthat strengthening of the calf muscles may improve venoushemodynamics and quality of life in patients with chronic venousinsufficiency.

    Key words: venous insufficiency, physical therapy, quality of life,plethysmography.

    RELATO DE CASO

  • 220 J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3

    A insuficincia venosa crnica (IVC) definidacomo uma anormalidade do funcionamento do sistemavenoso causada por uma incompetncia valvular asso-ciada ou no obstruo do fluxo venoso. Pode afetaro sistema venoso superficial, o sistema venoso profun-do, ou ambos. Alm disso, a disfuno venosa pode serresultado de uma desordem congnita ou pode seradquirida1.

    A incidncia da IVC mais alta a partir da terceiradcada de vida, atingindo o indivduo em plena matu-ridade, quando sua capacidade de trabalho maior2.Um estudo epidemiolgico realizado em alguns pasesdemonstrou a incidncia de pelo menos uma forma dedoena venosa em mais de 50% de mulheres e 30% dehomens3. A lcera, complicao tardia da IVC, temsido encontrada em 0,06 a 0,2% da populao de pasescomo Frana, Itlia, Blgica, Dinamarca e Canad, comuma taxa de incidncia de 3,5/1.000/ano em indivdu-os com mais de 45 anos de idade3,4. As lceras presentesem membros inferiores (MMII) so provenientes dedisfuno venosa em 60 a 80% dos casos3. Essa altaincidncia acompanhada por um custo substancialpara seu tratamento. Nos Estados Unidos, estima-seque esse custo represente entre 1,9 a 2,5 bilhes dedlares por ano. A ulcerao afeta a produtividade notrabalho, gerando aposentadorias por invalidez, almde restringir atividades de vida diria e lazer4,5. Paramuitos pacientes, a doena venosa significa dor, perdade mobilidade funcional e piora da qualidade de vida(QV)3,6-8.

    No Brasil, a importncia socioeconmica da IVCpassou a ser considerada pelo governo somente nosltimos anos, o que tem levado a um interesse crescenteno conhecimento cientfico e clnico das questes rela-cionadas a essa doena2.

    Medidas tradicionais de morbidade e mortalidadeso clinicamente fracas e no refletem os benefcios doscuidados de sade na interveno da IVC com sensibi-lidade suficiente. Com o objetivo de evitar tratamentoscaros e a progresso para formas mais graves da doena,uma avaliao precoce sobre as questes da IVC fundamental9. Tcnicas de diagnstico tm melhoradoconsideravelmente, porm a preveno e o tratamentodessa doena necessitam de mais investigaes7,8.

    A IVC e suas complicaes quase sempre estorelacionadas a uma bomba muscular inadequada dapanturrilha. Essa bomba, quando em perfeito funcio-

    namento, comprime as veias profundas da panturrilhaveias tibiais anteriores e fibulares durante sua contra-o. A vlvula distal da veia profunda e as vlvulas dasveias perfurantes se fecham, e o sangue ejetado emdireo ao corao. Durante o relaxamento da pantur-rilha, produz-se uma enorme queda de presso nas veiasprofundas, podendo atingir presses negativas; fecha-se, ento, a vlvula proximal do eixo profundo. Dessaforma, a presso venosa da rede superficial se torna maiselevada que a dos eixos profundos, e o sangue aspiradoem profundidade atravs das veias perfurantes10. Estecorao perifrico, que exerce uma ao aspirante ecompressora, pode reduzir a presso hidrosttica veno-sa de um indivduo de 100 mmHg a valores prximosa 0-30 mmHg durante a deambulao (presso venosaambulatorial - PVA)7,11,12.

    Qualquer processo que atrapalhe o bom funciona-mento da musculatura da panturrilha e do aparatovalvular dificulta a circulao venosa13-15. A disfunoda bomba muscular da panturrilha, associada ou no disfuno valvular, responsvel pela hipertenso ve-nosa, a qual leva a um acmulo excessivo de lquido efibrinognio no tecido subcutneo, resultando em ede-ma, lipodermatosclerose e, finalmente, ulcerao5,7,15.Em casos de refluxo, por exemplo, no incio do quadro,o corao perifrico tenta compensar a sobrecarga devolume das veias insuficientes, ejetando um volume desangue maior. Com o agravamento do refluxo, a bombase torna insuficiente para promover essa reduo cclicade 100 mmHg para 0-30 mmHg. Instala-se, dessaforma, um quadro de hipertenso venosa crnica per-manente, levando aos sinais e sintomas da IVC. Talelevao da PVA prognstica para ulcerao, assimcomo tambm a reduo da frao de ejeo (FE) e oaumento do ndice de enchimento venoso (IEV) e dafrao de volume residual (FVR)11.

    A melhora da funo muscular da panturrilha auxi-lia na recuperao dos problemas venosos5,13. Umabomba muscular adequada da panturrilha poderia pre-venir complicaes tardias, como a lcera, alm deminimizar os sinais e sintomas da IVC. Alguns estudosinvestigaram a influncia do fortalecimento da pantur-rilha em portadores de IVC6,16, obtendo bons resulta-dos.

    O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos dofortalecimento muscular da panturrilha na hemodi-nmica venosa e QV em um indivduo portador deIVC.

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii

  • J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3 221

    Materiais e mtodos

    Este estudo foi desenvolvido no Ambulatrio Bor-ges da Costa anexo do Hospital das Clnicas daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ,aprovado pelo Comit de tica e Pesquisa da UFMG,parecer nmero ETIC 097/01, e consistiu em umestudo experimental de caso nico.

    Para ser includo no estudo, o participante deveriaser portador de IVC classificada dentre as classes 3, 4 ou5 da Classificao Clnica CEAP1 ou classes 1 ou 2 doEscore de Gravidade Clnica Venosa17, diagnosticadapor um mdico angiologista. Deveria, ainda, ser capazde deambular durante 20 minutos e realizar atividadesfsicas por 45 minutos com intervalos de repouso, estarde posse de atestado mdico liberando-o para a realiza-o das atividades fsicas propostas, apresentar FE me-nor que 60% em pelo menos um dos MMII, noapresentar limitao de amplitude de movimento detornozelos, no estar realizando nenhum tipo de trata-mento para IVC, no apresentar insuficincia cardacadescompensada e aumento abrupto de presso arterialdurante a realizao do teste de fora muscular (FM),no ser portador de neuropatia nos MMII, no apresen-tar claudicao intermitente e ter assinado o termo deconsentimento para participao no estudo.

    Foi avaliada uma voluntria, com idade de 41 anos,funcionria pblica, recrutada na comunidade, comqueixa de peso e dor em membro inferior esquerdo(MIE), portadora de IVC diagnosticada h 21 anos,classificada como classe 4 (alteraes trficas da pele) deacordo com a Classificao Clnica CEAP 1 ou classe 2(moderada) de acordo com o Escore de GravidadeClnica Venosa17, submetida a safenectomia parcial daveia safena magna esquerda e escleroterapia, com pre-sena de varicosidades bilaterais e FE de 39,1% noMIE. Embora a participante no apresentasse sintomasno membro inferior direito (MID), a FE neste era de46,6%. O duplex scan venoso do MIE, realizado em 25de maio de 2000, evidenciou ausncia de sinais detrombose no sistema venoso profundo, incompetnciada veia safena parva e presena de refluxo.

    Variveis avaliadas

    Todas as variveis foram avaliadas antes e aps aaplicao do protocolo de treinamento, sendo que cadateste foi realizado por um mesmo examinador.

    Fora muscular do trceps sural

    A FM do trceps sural foi mensurada atravs dadinamometria manual descrita por Bohannon18. Foiutilizado o dinammetro manual Nicholas ManualMuscle Tester: Model 01160.

    Para a realizao do teste, a participante foi solici-tada a posicionar-se em decbito ventral, com os qua-dris e joelhos estendidos e os ps pendentes. Posicio-nou-se o pistom do aparelho na superfcie plantar sobrea articulao metatarsofalangeana na altura da cabeado primeiro metatarso e foi solicitada participanteuma flexo plantar contra resistncia do examinador(este impedindo que o movimento ocorresse). Trsmedidas foram realizadas em cada membro, e a mdiafoi calculada. O aparelho fornece medidas em quilogra-ma-fora (kgf), que foram transformadas em newton-metro (Nm) atravs da frmula: kgf x 9,81 x distnciada cabea do 5 metatarso at o malolo lateral.

    Funo de bomba muscular da panturrilha e refluxovenoso

    A funo de bomba muscular da panturrilha e orefluxo venoso foram avaliados atravs da pletismogra-fia a ar (PGA). O aparelho utilizado foi o pletismgrafoa ar SDV 3.000 da marca Angiotec.

    A PGA um mtodo no-invasivo, descrito porChristopoulos et al.15 na dcada de 80, que quantificaa variao de volume da perna como resultado doenchimento ou esvaziamento das veias devido a mudan-a de postura ou exerccio. Com o pletismgrafo a arutiliza-se um manguito de poliuretano de 35 cm decomprimento e 5 l de capacidade, que envolve toda aextenso da perna, desde o joelho at o tornozelo. Omanguito inflado automaticamente at 6 mmHg,presso que permite um bom contato com a pele emnima ocluso das veias, e est conectado a um trans-dutor, um amplificador e um registrador grfico. Oexame interpretado em um grfico que registra volu-me na ordenada e tempo na abscissa (Figura 1). A PGA realizada com a participante em posio supina,estando a perna elevada a 45 com rotao externa, ojoelho levemente fletido e o p apoiado em um suporte.O manguito inflado, o valor basal obtido e, ento, aparticipante solicitada a se levantar com a ajuda doexaminador e a apoiar-se no membro no avaliado,utilizando um andador para apoio das mos. O aumen-to do volume da perna observado at chegar a umplat. A diferena entre o volume inicial e o volume no

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii

  • 222 J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3

    plat representa o volume venoso funcional (VV). OIEV definido como a razo de 90% do VV pelo temponecessrio para alcanar 90% do enchimento (TEV 90)(IEV = 90% VV / TEV 90). Na seqncia, a participan-te solicitada a descarregar o peso em ambos MMII,realizar um movimento de flexo plantar e retornar posio anterior. A queda registrada no grfico corres-ponde ao volume ejetado (VE), resultado da contraomuscular da panturrilha. Um novo plat alcanado, ea realizao de 10 flexes plantares solicitada, comvelocidade de um movimento por segundo, sempreretornando posio anterior. Encerrado o teste, aparticipante retorna posio supina inicial. O volumeresidual (VR) calculado a partir do valor basal inicialem relao ao volume restante ao trmino dos movi-mentos. A FE calculada a partir de FE = (VE / VV) x100, e a FVR calculada atravs da frmula FVR = (VR/ VV) x 10011,15,19.

    Qualidade de vida

    A QV foi avaliada atravs do questionrio Nottin-gham Health Profile (NHP)20. Este questionrio forne-ce medidas da percepo do indivduo com relao aoseu bem-estar fsico, social e emocional e possui umndice de fidedignidade de 0,75-0,88. O questionrio composto por 38 questes baseadas na classificao de

    incapacidade descrita pela Organizao Mundial deSade, distribudas em seis domnios: nvel de energia,dor, reaes emocionais, qualidade de sono, interaosocial e habilidades fsicas (trs, oito, nove, cinco, cincoe oito questes, respectivamente). As respostas se apre-sentam em formato de sim/no. A cada resposta sim atribudo 1 ponto; quanto menor o escore, melhor aQV.

    Protocolo de treinamento

    O protocolo de treinamento foi composto por 30sesses com nfase no MIE, realizadas trs vezes porsemana. Antes e aps cada sesso eram mensuradaspresso arterial e freqncia cardaca. Foram realizadosexerccios de alongamento, fortalecimento com nfaseno MIE, caminhada na esteira eltrica e relaxamento.

    Alongamentos

    A tcnica de alongamento utilizada foi a esttica,mantendo a posio de alongamento muscular por 20segundos em quatro repeties, como descrito porTaylor et al.21. Os grupos musculares alongados foramos isquiotibiais (uma vez) e o trceps sural (duas vezes,sendo a ltima vez realizada aps a caminhada naesteira).

    Figura 1 - Grfico obtido no exame de pletismografia a ar, na ordenada volume desangue em mililitros (ml) e na abscissa tempo em segundos (s).

    VV:volume venoso funcional; TEV 90: tempo de 90% do enchimento venoso; IEV: ndice de enchimentovenoso; VE: volume ejetado; VR: volume residual; FE: frao de ejeo; FVR: frao de volume residual.Fonte: Evangelista11.

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii

  • J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3 223

    Fortalecimento

    O fortalecimento da panturrilha consistiu dos se-guintes exerccios: 1 - flexo plantar de tornozelo emortostatismo, em apoio bipodal e unipodal, no solo eem degrau; 2 - flexo plantar com a participante assen-tada com joelho em extenso e resistncia flexoplantar do MIE e MID, um de cada vez, atravs de tubode ltex; 3 - flexo plantar com a participante emdecbito ventral estando o joelho fletido a 90 e resis-tncia manual na face plantar do p esquerdo e pdireito, um de cada vez.

    O nmero de repeties e sries realizadas pelaparticipante para cada exerccio no MIE foi de trssries de 10 repeties, evoluindo para cinco sries. NoMID, foi de uma srie de 10 repeties durante todo otratamento.

    Caminhada

    A participante caminhou com velocidade mximade 3,4 km/h, auto-selecionada, em esteira eltrica (VI-TAMASTER PRO, modelo 8713 SA) por 20 minutos.O objetivo da caminhada na esteira, alm de treinofuncional, foi produzir um maior aproveitamento damassa muscular da panturrilha sobre o retorno venosoatravs de passadas mais largas e promover uma amplamobilizao das articulaes metatarsofalangeanas.

    Relaxamento

    Aps a realizao de todos os exerccios, era solici-tado participante que se deitasse no colchonete com osMMII elevados sobre suporte de espuma com 29 cen-tmetros de altura, durante 5 minutos.

    Anlise das variveis mensuradas

    Utilizao de mtodos de anlise descritiva emporcentagem e anlise visual dos dados.

    Resultados

    O protocolo de treinamento executado pela parti-cipante durante 30 sesses resultou nos dados represen-tados na Tabela 1. O fortalecimento da panturrilharesultou em um aumento de FM de 198,42% no trcepssural esquerdo e de 28,26% no direito (Figura 2).

    Variveis Antes Aps %D E D E D E

    Torque panturrilha (Nm) 9,06 3,80 11,62 11,34 28,26 198,42IEV (ml/s) 0,91 2,93 1,07 2,82 17,6 3,7VV (ml) 111,9 168,5 109,4 162,8 2,2 3,4FE (%) 46,6 39,1 54,9 56,9 17,8 45,5FVR (%) 29,1 42,3 28,3 26,0 2,7 38,5NHP 12,0 4,0 66,7

    Tabela 1 - Resultados das variveis mensuradas antes e aps a interveno: torque muscular dapanturrilha, ndice de enchimento venoso (IEV), volume venoso funcional (VV), frao deejeo (FE), frao de volume residual (FVR) e Nottingham Health Profile (NHP)

    Figura 2 - Medidas de torque muscular da panturrilhaantes e aps execuo do protocolo de treina-mento, nos membros inferiores direito (MID)e esquerdo (MIE).

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii

  • 224 J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3

    Observou-se uma diminuio no VV de 2,2% noMID e de 3,4% no MIE, e tambm na FVR, de 2,7%no MID e de 38,5% no MIE. Em relao FE, foiobservado um aumento de 17,8% no MID e de 45,5%no MIE (Figura. 3). O IEV no obteve alterao impor-tante de acordo com a literatura, que considera normaisvalores abaixo de 2 ml/s11. O IEV do MIE era de2,93 ml/s, permanecendo com um valor superior a2 ml/s (2,82 ml/s) aps a execuo do protocolo. NoMID, o valor do IEV permaneceu dentro da normali-dade (antes: 0,91 ml/s; aps: 1,07 ml/s). Foi observada,tambm, uma melhora da QV evidenciada por umadiminuio de 66,7% no escore total do NHP. Nosdomnios nvel de energia e interao social, no houvealterao (escore = 0 antes e aps; 0% de variao),enquanto que em sono e reaes emocionais, o escorepassou de 1 para 0 em ambos os casos (20 e 11,1% devariao, respectivamente). No domnio habilidadefsica, o escore passou de 3 para 1 (25% de variao), eno de dor, de 7 para 3 (75% de variao) (Figura 4).

    o exerccio, sem que haja dilatao das veias do MI emantendo uma baixa presso nessa regio12. Esse fun-cionamento adequado possui um importante papel nareabilitao de portadores de IVC. A bomba compensaparcialmente a hipertenso venosa, e os efeitos dorefluxo venoso se mostram mais complicados em umabomba anormal. Ela tem papel efetivo na hemodinmi-ca venosa devido sua alta capacitncia, ao posiciona-mento anatmico no MI, onde a presso venosa mxima, e tambm devido ao poder de gerar altaspresses6. Sua disfuno leva ao agravamento do qua-dro clnico desta doena.

    A participante apresentava FE < 60% em ambos osMMII, significando disfuno da bomba muscular dapanturrilha6. No entanto, foi dada nfase ao MIEporque os sintomas estavam presentes apenas nestemembro, o que justifica o aumento maior da FM napanturrilha esquerda em relao direita. Inicialmente,o torque muscular da panturrilha direita era aproxima-damente o dobro da esquerda, e ao final de 30 sesses,esses torques praticamente se igualaram. Em um estudoprospectivo controlado realizado por Kan & Delis6, noqual 10 dentre 21 pacientes com IVC e lcera ativaforam submetidos a um protocolo de fortalecimento dapanturrilha durante sete dias consecutivos com sobre-carga de 4 kg, foi observada uma melhora de 135% nodesempenho. Uma falha observada no presente estudofoi a no-mensurao da sobrecarga no fortalecimentomuscular. Apesar disso, foi observada uma melhora notorque muscular de 198,42% no MIE e de 28,26% noMID.

    Taheri et al.22, atravs de bipsias de gastrocnmiosde portadores de IVC e hipertenso venosa, observaramtrs tipos de leses morfolgicas que acometem o tecidomuscular: atrofia das fibras tipo II, desnervao e anor-

    Figura 3 - Medidas da Frao de Ejeo (FE), antes e apstreinamento dos membros inferiores direito(MID) e esquerdo (MIE).

    Figura 4 - Resultado dos parmetros avaliados para men-surao da Qualidade de Vida (QV), atravs doquestionrio Nottingham Health Profile (NHP),escore total e em cada um dos seis domnios.

    Discusso

    Segundo Arnoldi, citado por Alimi et al.12, o fun-cionamento normal da bomba muscular da panturrilha definido como a habilidade de manter o fluxo venosodo membro inferior (MI) igual ao fluxo arterial durante

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii

  • J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3 225

    malidades miopticas (notadas pela desnervao dasfibras, inflamao e necrose com acmulo perivascularde linfcitos). A causa precisa da atrofia de fibras tipo IIem portadores de IVC ainda no est bem determinada,porm pode-se dizer, em parte, que est relacionada aodesuso dos msculos da panturrilha devido dor e aoedema, que acabam por restringir o movimento.

    Todos os pacientes portadores de doena venosacrnica deveriam obter uma completa avaliao dahemodinmica venosa antes e aps qualquer teraputi-ca para determinar os benefcios desta13. A hemodin-mica da bomba muscular da panturrilha atualmentetem sido estudada atravs da PGA, pelos parmetros deFE e FVR6,11,15,18,23,24. No estudo de Kan & Delis6,foi observada uma diferena significativa com relao FE e FVR no grupo tratamento e com relao FEentre os grupos tratamento e controle, enquanto quepara os parmetros VV e IEV, no houve diferena (P> 0,05). Esses resultados esto de acordo com os acha-dos do presente estudo, onde se observou aumento daFE em ambos os MMII e diminuio da FVR do MIE.A FE do MID aumentou de 46,6 para 54,9%, e do MIE,de 39,1 para 56,9%. De acordo com Evangelista11, FE< 40% (como o observado em nosso estudo no MIEantes do tratamento) pode determinar a ulcerao emMMII com refluxo mnimo. A participante apresentoudiminuio da FVR no MIE de 42,3 para 26%. Deacordo com Evangelista11, considerando este parme-tro, a incidncia de ulcerao passou a ser zero, uma vezque valores de FVR < 30% se correlacionam comincidncia de ulcerao zero. A FVR oferece uma con-fivel estimativa da PVA11,13; entretanto, essa correla-o mais significativa para pacientes com obstruovenosa do que sem obstruo13.

    De acordo com dados de Nicolaides & Summer(1991), citados por Evangelista11, a incidncia de ulce-rao est relacionada com FE e IEV. FE < 40% e IEVentre 5 e 2 ml/s correspondem a um ndice de ulceraode 32%, enquanto que FE entre 40 e 60% e IEV comos mesmos valores correspondem a um ndice de ulce-rao de 2%11. Com base nesses dados, no atual estudo,a participante teve sua incidncia de ulcerao reduzidade 32 para 2% no MIE.

    Em um estudo realizado por Welkie et al.13 com274 membros de 149 pacientes com variada classifica-o de doena venosa crnica, observou-se que, a partirda instalao de edema considervel e hiperpigmenta-o da pele, a ulcerao se desenvolve sem que sejanecessria uma deteriorao adicional da hemodinmi-

    ca. Portanto, torna-se mais que necessria uma adequa-da bomba muscular da panturrilha para prevenir com-plicaes como esta.

    No presente estudo, foi observada uma variaomenor que 4% com relao aos valores de VV e IEV,com exceo do MID, que apresentou um aumento de17,58% do IEV (Tabela 1). J era esperado, conformedemonstrado por Kan & Delis6, que esses valores nofossem influenciados pelo fortalecimento muscular. OVV est relacionado com a capacitncia venosa, e o IEV uma medida indireta de refluxo, estando associado aograu de disfuno valvular.

    A IVC interfere na QV de seus portadores, limitan-do-os em suas atividades dirias3,6-8. No presente estu-do, foi evidenciada uma melhora nos domnios dor,habilidade fsica, sono e reaes emocionais, sendo queos trs primeiros foram responsveis pela maior varia-o do escore total obtido pelo questionrio (75%, 25%e 20%, respectivamente). O NHP foi sensvel paradetectar alterao na QV desta participante. Como aincidncia de ulcerao da participante apresentou umadiminuio considervel, pode-se esperar que sua QVse mantenha melhor do que a inicial enquanto forbeneficiada pelo ganho de FM adquirido durante aaplicao do protocolo de treinamento. No entanto,no possvel inferir os benefcios obtidos aps oprotocolo de treinamento a longo prazo.

    Concluso

    A atuao da fisioterapia em indivduos portadoresde IVC recente, havendo poucas pesquisas desenvol-vidas nesta rea. Este trabalho no pode ser conclusivo,por se tratar de um estudo de caso nico; no entanto, elemostra indcios de que o fortalecimento da musculaturada panturrilha capaz de melhorar a hemodinmicavenosa e possibilitar uma melhor QV aos seus portado-res. So necessrios trabalhos com uma casustica maiorpara a confirmao dos resultados obtidos.

    Agradecimentos

    Este estudo teve a colaborao da coordenao doAmbulatrio Borges da Costa, que gentilmente noscedeu espao fsico e esteira eltrica VITAMASTERPRO, modelo 8713 SA para o desenvolvimento dapesquisa, e tambm da Professora Luci Fuscaldi Teixei-ra-Salmela, que nos cedeu o dinammetro manualNicholas Manual Muscle Tester: Model 01160, para arealizao dos testes.

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii

  • 226 J Vasc Br 2002, Vol. 1, N3

    Referncias1. Porter JM, Moneta LG. Reporting standards in venous disease:

    an update. J Vasc Surg 1995;21(4):635-45.2. Maffei FHA. Insuficincia venosa crnica: diagnstico e

    tratamento clnico. In: Maffei FHA, Lastria S, Yoshida WB.Doenas Vasculares Perifricas. Rio de Janeiro: MEDSI;1995.

    3. Abenhaim L, Kurz X. The VEINES study (VenousInsufficiency Epidemiologic and Economic Study): aninternational cohort study on chronic venous disorders of theleg. Angiology 1997;48(1):59-66.

    4. Valencia IC, Falabella A, Kirsner RS, Eaglstein WH. Chronicvenous insufficiency and venous leg ulceration. J Am AcadDermatol. 2001;44(3):401-21.

    5. Araki CT, Back TL, Padberg FT, et al. The significance of calfmuscle pump function in venous ulceration. J Vasc Surg1994;20(6):872-9.

    6. Kan YM, Delis KT. Hemodynamic effects of supervised calfmuscle exercise in patients with venous leg ulceration. ArchSurg 2001;136:1364-9.

    7. Ibrahim S, Macpherson DR, Goldhaber SZ. Chronic venousinsufficiency: mechanisms and management. Am Heart J1996;132(4):856-60.

    8. Miller WL. Chronic venous insufficiency. Curr Opin Cardiol1995;10:543-8.

    9. Boccalon H, Janbon C, Saumet JL, Tafani A, Roux T, VilainC. Characteristics of chronic venous insufficiency in 895patients followed in general practice. Int Angiol1997;16:226-34.

    10. Stemmer R, Marescaux J, Furderer C. Tratamento dosmembros inferiores por compresso em particular por meias emeias calas de compresso. O Dermatologista 1980;31:355-65.

    11. Evangelista SSM. Plestimografia no estudo das doenas venosas.In: Maffei FHA, Lastria S, Yoshida WB, Rollo HA. DoenasVasculares Perifricas. Rio de Janeiro: MEDSI; 2002.

    12. Alimi YS, Barthelemy P, Juhan C. Venous pump of the calf:a study of venous and muscular pressures. J Vasc Surg1994;20(5):728-35.

    13. Welkie JF, Comerota AJ, Katz ML, Aldridge SC, Kerr RP,White JV. Hemodynamic deterioration in chronic venousdisease. J Vasc Surg 1992;16(5):733-40.

    14. Bermudez K, Knudson MM, Morabito D, Kessel O.Fasciotomy, chronic venous insufficiency, and the calf musclepump. Arch Surg 1998;133:1356-61.

    15. Christopoulos D, Nicolaides AN, Cook A, Irvine A, GallowayJMD, Wilkinson A. Pathogenesis of venous ulceration inrelation to the calf muscle pump function. Surgery1989;106(5):829-35.

    16. Tanaka C, Ravagnani R. Fisioterapia em clnica de cirurgiavascular: resultados preliminares. Rev Fisioter Univ So Paulo1995;2(2):79-86.

    17. Rutherford RB, Padberg FT, Comerota AJ, Kistner RL,Meissner MH, Moneta GL. Venous severity scoring: anadjunct to venous outcome assessment. J Vasc Surg2000;31(6):1307-12.

    18. Bohannon RW. Test-retest reliability of hand-helddynamometry during a single session of strength assessment.Phys Ther 1986;66(2):206-09.

    19. Nicolaides AN. The assessment of venous hemodynamics inchronic venous disease of the lower limb. Medicographia1994;16(2):12-9.

    20. Hunt S, McEwen J, McKenna S. Measuring health status: anew tool for clinicians and epidemiologists. J Coll Gen Pract1985;35:185-8.

    21. Taylor DC, Dalton JD, Seaber AV, Garrett WE. Viscoelasticproperties of muscle-tendon units the biomechanical effectsof stretching. Am J Sports Med 1990;18(3):300-8.

    22. Taheri SA, Heffner R, Williams J, Lazar L, Elias S. Musclechanges in venous insufficiency. Arch Surg 1984;119:929-31.

    23. Comerota AJ, Harada RN, Eze AR, Katz ML. Airplethysmography: a clinical review. Int Angiol 1995;14(1):45-52.

    24. Criado E, Farber MA, Marston WA, Daniel PF, BurnhamCB, Keagy BA. The role of air plethysmography in thediagnosis of chronic venous insufficiency. J Vasc Surg1998;27(4):660-70.

    Correspondncia:Dra. Raquel Rodrigues BrittoDepartamento de FisioterapiaAv Antnio Carlos, 6627 - 3 andarCEP 31270-901 - Belo Horizonte - MGTel.: (31) 3499.4782 Fax: (31) 3499.4781E-mail: [email protected]

    Insuficincia venosa crnica Lima RCM et alii