historia da familia ricci no pará

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História da Família Ricci no ParáA Epopeia de Aristeo e Giorgina

Editor: João Baptista Pinto

Projeto Gráfico e Editoração: Francisco Macedo

Capa:Rian Narcizo Mariano

Revisão:Rita Luppi

Copyright © Fernando Ricci Pinto, 2011.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9. 610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito do autor,

poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, gravação ou qualquer outro.

2ª edição: março de 2013.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Letra Capital EditoraTels: 21. 2224-7071 | 2215-3781

www. letracapital. com. br

H58 História da família Ricci : a epopeia de Aristeo e Giorgina Fernando Ricci Pinto... [et al.]. - 1.ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2011.

154p. : il. ; 23 cm

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-115-7

1. Ricci (Família). 2. Italianos – Brasil – História. 3. Imigrantes – Brasil – História. I. Pinto, Fernando Ricci.

11-6718. CDD: 929.2 CDU: 929.52

06.10.11 17.10.11 030431

A Epopeia de Aristeo e Giorgina

Autores:

Fernando Ricci Pinto, Porto Velho

Paulo dos Santos Freire Ricci, Belém

Maria Célia Ricci Jordy Bezerra, Point Pleasant Beach

Nassif Ricci Jordy, Belém

Trieste dos Santos Freire Ricci, Porto Alegre

Marta dos Santos Freire Ricci, Seropédica

Farid Ricci Jordy, Point Pleasant Beach

Theo Ricci Jordy, Ribeirão Preto (in memoriam)

História da

no ParáFamília Ricci

Durante dez meses, entre outubro de 2010 e julho de 2011, reunimos informações, lembranças, pesquisamos e estudamos para poder escrever este livro.

Agradecemos aos nossos pais e avós pelas informações e histórias contadas e, especialmente, aos dois irmãos Trieste e Paolo Ricci.

Trieste Ricci, o tio que não conhecemos, foi o precursor do registro de informações familiares em seu diário, o que nos permitiu resgatar fatos e fotos de 1936. Paolo Ricci foi o porta-voz literário e guardião do extenso material armazenado durante todos esses anos, sem sombra de dúvida, a grande fonte de informação que tivemos e sem a qual não teríamos progredido tanto.

Agradecemos também a Leonardo de Oliveira Fonseca pelas gentis informações e disbonibilização de fotos de seu acervo pessoal.

Dedicamos este livro aos nossos filhos e netos, alvos principais das informações aqui contidas, para que conheçam as suas raízes italianas.

Os autoresnovembro de 2011

gradecimentos e dedicatóriasA

Prefácio ...................................................................................................9

Introdução ..............................................................................................11

A Itália no final do século XIX ............................................................15

As Famílias Ricci, Grasseschi, Ranieri e Pachini até 1899 ..................17

A origem das famílias Grasseschi e Ricci ...........................................18

Razões para a emigração ......................................................................19

A decepção nos Estados Unidos ..........................................................20

A experiência no Uruguai ....................................................................21

A chegada ao Pará .................................................................................22

O porquê do rio Canaticu ....................................................................23

O milagroso ciclo da borracha ............................................................27

A vida de solteiro rico entre 1904 e 1910 ...........................................30

O casamento seguido de infeliz coincidência ...................................31

Tempos difíceis ......................................................................................33

O ressurgimento econômico ................................................................36

A quarta viagem à Itália ........................................................................38

A educação dos filhos na Itália ............................................................39

O tio Trieste que não conhecemos ......................................................46

O comércio de madeira ........................................................................51

umárioS

Escambo – o desvantajoso sistema de troca ......................................53

Trieste, o imparcial mediador do escambo ........................................54

O perfil de Aristeo .................................................................................56

Conrado, o fiel escudeiro de Aristeo ...................................................60

A residência da Família Ricci na Ponta Alegre ..................................61

Perseguições e humilhações durante a Segunda Guerra Mundial ......62

O paradoxo da Segunda Guerra ..........................................................74

A sobrevivência após a venda dos bens do Canaticu ........................78

A exaustão da floresta ...........................................................................80

A Família Fonseca .................................................................................81

A vida continua ......................................................................................82

O perfil de Giorgina Ricci ....................................................................86

Os filhos de Aristeo e Giorgina............................................................92

A vida dos filhos após o falecimento de Giorgina .............................97

Paolo fica sozinho ..................................................................................105

A morte de Paolo Ricci .........................................................................107

Marcas da vida .......................................................................................108

“Sinais de fumaça” do além ..................................................................110

A descendência de Aristeo e Giorgina ................................................112

Considerações finais..............................................................................116

Principais fontes históricas e bibliográficas .......................................118

Anexo 1 – Pronunciamento de Paolo Ricci na

Academia Paraense de Letras ..........................................124

Anexo 2 – Documentário Fotográfico ..............................................132

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refácioPA circulação das riquezas provenientes da exploração da borracha

na Amazônia e as notícias, muitas vezes fantasiosas, desse novo eldorado que chegavam ao além-mar motivaram o deslocamento de diversas correntes migratórias para a região, entre elas a dos italianos.

Os imigrantes italianos espalharam-se nas várias regiões e municípios paraenses, nos quais procuraram inserção econômica e social. Em Belém, os mais favorecidos tornaram-se comerciantes, mas havia muitos prestadores de serviços como sapateiros, engraxates, jornaleiros, verdureiros, ferreiros, estivadores e outras profissões de menor prestígio social.

A procedência regional dos italianos no Pará apresenta-se bastante diversificada. A maioria veio da Itália Meridional, sobretudo da Calábria, Basilicata e Campânia, mas vieram também italianos do norte, do Vêneto, Lombardia, Emilia Romagna; da Itália Central, sobretudo da região da Toscana; outros vieram da Sicília.

O livro “História da Família Ricci no Pará” constitui um cuidadoso trabalho de reconstituição da saga do casal de imigrantes italianos Aristeo Ricci e Giorgina Grasseschi que aportaram no Pará e se envolveram na trama da atividade extrativa da borracha − no município de Curralinho - mais precisamente na localidade de Ponta Alegre da Ilha das Araras, no rio Canaticu.

Aristeo e Giorgina eram da Itália Central, de Santa Maria del Giudice, distrito de Lucca, província da região da Toscana. Após uma trajetória migratória na qual incluiu Estados Unidos e Uruguai, Aristeo chega ao Pará no início do século XX no rastro da economia da borracha.

Os autores do livro, Fernando, Paulo, Maria Célia, Nassif, Trieste,

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Marta, Farid e Theo, netos de Aristeo e Giorgina, alinham-se a uma geração de atuais descendentes de italianos que, valorizando suas raízes, procuram registrar e divulgar com orgulho a história de seus antepassados: suas lutas, vitórias, alegrias e tristezas e sobretudo suas contribuições como imigrantes na formação da sociedade multicultural amazônica.

A principal fonte de informação dos autores foi a memória familiar obtida sobretudo em entrevistas com Paolo Ricci, artista plástico falecido em maio de 2011, que também deixou preciosas informações escritas sobre seus genitores. A essa fonte se soma o diário pessoal de Trieste Ricci, tio dos autores, falecido em 1940, que ofereceu informações detalhadas sobre o cotidiano da vida da família na Ponta Alegre.

A pretensão dos autores é um registro da memória da família, entretanto o trabalho fornece pistas interessantes sobre a inserção econômica dos italianos em diversos setores da economia, como o beneficiamento de plantas oleaginosas e a atividade madeireira no Marajó.

A obra constitui uma interessante contribuição para o registro da história de famílias de imigrantes italianos no Pará, uma vez que poderá servir de incentivo para que descendentes de outras famílias italianas aqui radicadas, deixem também narradas a saga de seus antepassados.

Marília Ferreira Emmi1

1. Marília Ferreira Emmi é socióloga, doutora em Ciências Socioambientais, autora do livro “Italianos na Amazônia (1870-1950): pioneirismo econômico e identidade” (Belém: EDU-FPA, 2008) e professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

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Este livro conta a história de Aristeo e Giorgina, imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no início do século XX e se estabeleceram no rio Canaticu, município de Curralinho, ilha de Marajó, estado do Pará e de seus quatro filhos: Paulina, Gorízia, Trieste e Paolo, nascidos nesta ordem.

Nós – Fernando (filho de Paulina); Célia, Nassif, Theo e Farid (filhos de Gorízia) e Trieste, Paulo e Marta (filhos de Paolo) – netos de Aristeo e Giorgina, crescemos ouvindo as histórias vividas por eles em Santa Maria del Giudice – Itália, Curralinho e Belém. Nelas, as dificuldades financeiras após a derrocada da borracha e durante a Primeira Guerra Mundial foram praticamente omitidas por não trazerem boas recordações, assim como as perseguições e humilhações sofridas no decorrer da Segunda Guerra. Em consequência, não éramos capazes de falar sobre a vida de nossos avós numa sequência cronológica e sempre repetíamos os fragmentos conhecidos sem ter uma noção da história completa.

Em parte esse desconhecimento se deu por um desinteresse compreensível de indagarmos aos nossos pais minúcias da vida de um avô que faleceu antes de nascermos e nos tornarmos curiosos. Não os estimulamos a narrar esses episódios e, agora, só nos restou analisar algumas obras escritas pelos filhos daqueles imigrantes e pesquisar os contextos históricos associados. Isto nos obrigou a estudar a Itália do final do século XIX, a emigração em massa dos italianos, o ciclo da borracha no Pará, as indústrias extrativas do rio Pará, as duas grandes Guerras Mundiais (que marcaram profundamente todos os

ntroduçãoI

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membros da família) e os correspondentes desdobramentos político-econômicos no Brasil, até 1949.

Ao chegar nesta fase da vida – todos cinquentões – a curiosidade e a vontade de poder contar para filhos e netos algo mais consistente sobre a vida de nossos avós imigrantes, nos levou a este esforço de reunir as informações, organizá-las e escrevê-las.

A base deste documento é, sem dúvida, o pronunciamento de Paolo Ricci, o filho mais novo de Aristeo e Giorgina, na Academia Paraense de Letras (APL), em 17 de setembro de 1981, publicado na Revista da Academia (Ricci, 1987). Um exemplar desse periódico foi enviado por Paolo a sua irmã Paulina, que na época residia no Rio de Janeiro. A conservação e releitura da revista, anos depois, foi o início de toda essa curiosidade.

A investigação na busca de mais detalhes foi iniciada por Célia, a neta mais velha, em sua viagem à Itália, em outubro de 2006, quando se desgarrou da excursão que fazia, para ir à Santa Maria del Giudice, província de Lucca, região da Toscana, obter certidões de nascimento de nossos avós, de Paolo e outras informações sobre a família.

Em outubro de 2010, quando parte da família se reuniu em Belém, na semana do Círio de Nazaré, uma viagem à Curralinho – planejada pelos netos Fernando, Nassif e Célia – saciou a curiosidade de conhecer a Ponta Alegre do rio Canaticu e chegar, 66 anos depois, ao local exato onde existiu a propriedade dos Ricci. (Fotos 25 a 34 do Anexo 2.)

Durante a visita à Curralinho, conhecemos a Sra. Nancy Nunes, professora aposentada e pesquisadora da história da ilha de Marajó. Nancy é natural de Curralinho, reside até hoje no local e nos auxiliou na pesquisa da história da família, entrevistando moradores da Ponta Alegre, durante o mês de março de 2011. (Fotos 35 e 36 do Anexo 2)

Segundo aqueles habitantes, há alguns anos ainda era possível encontrar no local a antiga caldeira, moinhos a vapor, prensas e demais equipamentos da fábrica de nosso avô, desmontados e vendidos como sucata em 2008. A emoção aflorou quando descobrimos os alicerces de concreto das antigas construções e instalações, únicos vestígios da estrutura que ali um dia existiu. Somente um único morador que

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conheceu a família foi encontrado: o Sr. Odesto, de 76 anos, que em 1942 tinha apenas 8 anos.

A iniciativa de escrever a história da família coube aos netos Fernando e Paulo, este último apaixonado por episódios da Segunda Guerra Mundial, o que muito contribuiu para que entendêssemos os momentos pouco felizes da vida da família associados aquele conflito. A ideia de evoluir para a publicação de um livro surgiu de um bisneto de Aristeo (John), filho de Célia, que perguntou a ela “por que vocês não escrevem um livro com tudo o que estão descobrindo?”

Entre outubro de 2010 e fevereiro de 2011 tudo o que Paolo arquivava em casa foi vasculhado por seu filho Paulo. Diários dele e do irmão, recortes de jornais e DVDs com entrevistas, álbuns de família, manuscritos não publicados, documentos de parentes falecidos, escrituras de imóveis, até que se conseguisse analisar e organizar todo o conteúdo “arqueológico” de lembranças. Cada fato novo era incorporado ao texto após ser discutido com Paolo, permitindo que se fosse, aos poucos, conhecendo a história.

A surpresa, no entanto, ainda estava por vir. Depois de quatro meses remexendo os documentos guardados do pai, quando o levan-tamento parecia estar no final, eis que são encontrados os originais parcialmente datilografados de “Os Extrativistas”, livro inacabado de Paolo, escrito no ano de 1988. Paolo começou a escrever imaginando publicar um romance baseado na história da família, atribuindo no-mes diferentes aos personagens: Aristeo chamava-se Venâncio, Gior-gina era Marta e Trieste era Tadeu.

Paolo acabou desistindo de publicá-lo, mas, talvez guiado por uma intuição, felizmente não se desfez dos textos. Após ser redescoberto, esse romance é agora considerado como um dos maiores registros históricos da família, narrando nuances desconhecidas da vida de nossos avós, de seus filhos e do cotidiano no rio Canaticu, possuindo informações bem mais completas do que aquelas encontradas nos diários escritos por Trieste (1936), aos 18 anos, e Paolo (1943), aos 17.

Em junho de 2011, depois de alguns meses de busca, localizamos em Belém descendentes da família Fonseca, que adquiriu, em 1944, os

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bens da Ponta Alegre após a morte de Aristeo. Leonardo de Oliveira Fonseca, 69 anos, filho de Manoel Fonseca, forneceu informações in-teressantes sobre o Canaticu e fotos do local.

Este livro tenta organizar os fatos conhecidos, colocando-os em sequência cronológica, fundamentados nas seguintes referências principais:

• as histórias que Paulina, Gorízia e Paolo nos contaram, em nossas juventudes;

• os documentos obtidos por Célia, na Itália, em 2006;

• fotografias, álbuns de família e recortes de jornais com entrevistas de Paolo;

• discurso sobre Aristeo Ricci, na Academia Paraense de Letras (1980);

• pronunciamento sobre o rio Canaticu, na Academia Paraense de Letras (1981);

• os diários de Paolo e Trieste Ricci, este localizado somente em 2007;

• o romance inacabado de Paolo sobre sua família no Marajó (1988);

• a certidão de nascimento de tio Trieste, obtida em Curralinho, em 2010;

• pesquisa da professora Nancy Nunes, na Ponta Alegre (2011);

• o inventário de Aristeo (1944) e contrato de sociedade com a esposa (1940);

• as valiosas informações prestadas por Paolo, em 2010 e 2011;

• manuscritos de Paolo e escrituras de imóveis, localizados em 2010;

• informações de familiares do irmão de Giorgina, em 2011;

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• entrevistas com nora, ex-genro e conhecidos de Aristeo, além de dados históricos e antropológicos levantados em pesquisa bibliográfica.

As fotos que ilustram esta história estão em vários álbuns de família, em poder dos netos e algumas tiveram que ser restauradas. As mais relevantes encontram-se distribuídas ao longo do texto. Os parênteses ao final de alguns parágrafos, indicam a numeração de fotos adicionais no Anexo 2.

Segue agora, não o romance que Paolo um dia imaginou escrever, mas uma narrativa de vida de nossos ascendentes onde os autores se emocionavam a cada detalhe que descobriam sobre sua própria origem.

Itália no finaldo séculoXIXA

A Itália era um país agrário com poucas terras cultiváveis em decorrência da acidentada topografia. A agricultura não tinha mais como expandir-se e absorver o grande crescimento populacional (Família Bonella, 2011). A produção no campo foi muito modificada com o advento da Revolução Industrial, fazendo com que os preços do azeite de oliva, da uva, vinho, trigo, arroz e azeitona despencassem, fulminando os agricultores já sufocados por impostos cobrados pelo governo e inviabilizando o comércio local.

Muitos pequenos proprietários tiveram suas terras confiscadas por não conseguirem pagar os tributos (Ocean Liners Cards, 2009). As constantes pragas nas parreiras, secas, inundações pelo degelo de

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neve ou por chuvas, além de geadas e granizos, contribuíam para o empobrecimento da população (Ocean Liners Cards 2009).

Segundo esse site da internet, o processo de industrialização desarticulou o artesanato doméstico e foi acompanhado da privatização das terras, aumentando o desemprego rural. As doenças dizimavam até 400 mil pessoas/ano. O excesso de população aliado às epidemias, ao horror à guerra e ao serviço militar deixaram o povo italiano sem perspectivas. Foi o maior êxodo desde os judeus, na Antiguidade.

Dos italianos que emigraram para as Américas do Norte e do Sul, no final do século XIX e início do século XX, boa parte era de camponeses sem terra, originários da Calábria, o pauperizado sul da Itália, completamente isolado do resto do país. Trabalhavam como diaristas e moravam em casebres insalubres, com até dez pessoas por domicílio, em acomodações rústicas, ao lado de porcos e galinhas. Calçavam tamancos de madeira; usavam roupa tecida e cosida em casa; comiam carne poucas vezes por ano; trabalhavam de sol a sol e a saúde era mal cuidada (Familia Bonella, 2011).

Conforme as famílias cresciam e os filhos se casavam, os lotes de terra tornavam-se insuficientes para promover o sustento das famílias. O serviço militar obrigatório desfalcava as famílias da mão de obra masculina, comprometendo a produção no campo.

Embora as jornadas de trabalho nas fábricas localizadas nos grandes centros fossem de até 15 horas/dia, desumanas e escravizantes, as vagas eram raras, pois as cidades já estavam saturadas com o enorme êxodo rural.

Além disso, a Europa era um “barril de pólvora” entre 1871 e 1914, após a industrialização da Alemanha e a unificação da Itália. As grandes potências partiam para mais uma arriscada aventura imperialista na África e na Ásia, em busca de matérias-primas para suas indústrias (carvão, ferro, petróleo e cereais). Recrutavam enormes exércitos e investiam numa corrida armamentista, com alianças militares que se ameaçavam reciprocamente (Schmidt, 2003).

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Em 26 de junho de 1874 nasce vovô Aristeo Ricci, na minúscula aldeia de Santa Maria del Giudice, província de Lucca (região da Toscana), Itália, filho de Paolo Ricci e Maria Silvia Pachini. Aristeo teve quatro irmãos (Conrado, Guiseppe, Eliseu e Giuglia).

Em 16 de novembro de 1890 nasce vovó Giorgina Grasseschi, também em Santa Maria del Giudice (Foto na página 42), filha de Antonio Grasseschi (1852-1931) e Virginia di Ranieri (1861-1931). Teve seis irmãos (Eugênio, Domênico, Giovanni, Abrahamo, Elletta, sua irmã gêmea, e Emília).

De longe, os padrões de pobreza supracitados não eram os das famílias Ricci, Grasseschi, Ranieri e Pachini, considerando-se as peças de vestuário que usavam, a ampla e moderna residência de Silvia Pachini (mãe de Aristeo), onde ele se criou (Foto na página 42), bem como a digna paisagem de Santa Maria del Giudice, toda edificada em imóveis de alvenaria, modernos para a época. O túmulo em mármore onde foram enterrados os pais de Giorgina possuía uma estátua ornamental de quase três metros de altura, com fotografias dos sepultados, em nada lembrando uma origem familiar humilde.

Consultando os registros disponíveis pode-se observar que, por suas belas caligrafias e boa desenvoltura nos escritos, Giorgina e Aristeo possuíam um padrão de escolaridade muito acima da situação dos italianos que formavam uma população com 78% de analfabetos (Família Bonella, 2011).

famílias Ricci, Grasseschi, Ranieri e Pachini até 1899As

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Aristeo e Conrado, apesar de viverem no meio rural de Lucca, nunca foram camponeses. A Toscana e a Lombardia eram as únicas regiões da Itália onde a agricultura era bem-sucedida e com muitas estradas. Os agricultores eram donos de suas terras e da fabricação artesanal de seda, vinhos, vinagre e azeites ou trabalhavam no sistema de parceria (meeiros), dividindo a produção com o proprietário. Por essa situação privilegiada, houve pouquíssima emigração na Toscana.

Os dois irmãos gozavam de razoável padrão de vida. Pelas fotografias deduz-se que Aristeo e Antonio Grasseschi (pai de vovó) frequentavam juntos reuniões da sociedade local, todos vestidos elegantemente, bem diferentes de rústicos lavradores que conviviam com animais domésticos. (Foto na página 43)

A explosão demográfica fez o governo italiano desestimular a natalidade, concedendo direito à herança de bens e propriedades apenas ao filho varão de cada família, atirando à própria sorte os descendentes mais novos (Garanoux, 2001), o que afetava diretamente Aristeo e Conrado que tinham irmãos mais velhos.

Segundo pesquisas na internet (Bomediano & Diazzi, 2011), a família Grasseschi originou-se do nobre cavaleiro que serviu, por 30 anos, à corte de Viena, por volta de 1227. O cavaleiro Grasseschi deixou um filho de nome Giuseppe que, aos 20 anos, foi nomeado co-missário da corte vienense na cidade de Mantova, no atual território italiano. Giuseppe casou-se e teve dois filhos, que deram origem às di-versas ramificações da família Grasseschi na península. (Foto 1)

origem das famílias Grasseschi e RicciA

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Diante daquele cenário sombrio, por volta de 1899/1900 (aos 25-26 anos) e ainda solteiro, Aristeo resolveu emigrar para que pudesse ganhar a vida explorando o seu perfil de comerciante. Zarpou da Itália levando consigo o seu irmão Conrado (26-27 anos), recém-casado e sem filhos, para tentar a vida em outro país, embarcando pelo porto de Gênova, por ser mais próximo de sua cidade natal.

Todavia, há sempre espaço para um recorte interpretativo em se tratando de pessoas audaciosas e empreendedoras como vovô e seu irmão Conrado. Explicar o processo migratório somente a partir do enfoque econômico parece-nos incompleto, uma vez que nem todos, nas mesmas condições adversas, optaram pela emigração.

Aristeo pode ter sido induzido por agentes que aliciavam os emigrantes com falsas propagandas sobre a América. Garantia-se que, principalmente na parte sul do continente, as pessoas seriam muito

Razões para a emigração

A família Ricci é originária da cidade de Nápoles, na Itália. A primeira pessoa conhecida com esse sobrenome foi Giovanni Ricci, castelão do Palácio Real de Messina, no ano de 1398 e barão da comunidade de Fontanafredda. Em 1435, Giovanni foi capitão de justiça na atual cidade de Trapani, localizada na costa oeste da Sicília e capital da província de mesmo nome e senador no ano de 1439. Outros descendentes multiplicaram o nome pela região da península, que viria, futuramente, a constituir o atual território italiano. Os primeiros descendentes tinham cabelos e barbas cacheados, razão pela qual foram cognominados com esse sobrenome, que significa: ouriçado ou encaracolado (Bomediano & Diazzi, 2011). (Foto 2)

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valorizadas e se tornariam signores (proprietários de terras), algo inimaginável na Itália. E, de modo geral, alardeava-se que as pessoas trabalhavam pouco e se vestiam com seda em todo o continente americano (Zanini, 2007).

A mística do progresso americano criou uma “febre” por aquele continente, suficiente para convencer até aqueles que não precisavam emigrar. Teria sido este alarde o motivo para a emigração de nosso avô, já que sua família permaneceu na Itália?

Segundo Paolo, seu pai possuía um espírito aventureiro, sonhador e audacioso. Tinha o sangue de comerciante correndo nas veias e foi atrás de negócios na América do Norte, com o irmão Conrado, pensando em por lá permanecer. Ainda no porto de Galveston, golfo do México, sul dos EUA, constataram o ambiente racista existente no país e nem desembarcaram.

Além do desprezo aos afro-descendentes, nosso avô pode ter percebido uma discriminação anti-italiana naquele país, que preferia imigrantes não-católicos e mais escolarizados, da Europa Setentrional (ingleses, suecos, escoceses, dinamarqueses, etc), mais louros, formais e discretos do que os italianos. Nos Estados Unidos os italianos eram discriminados em decorrência do atraso industrial, agrícola, educacional e até sanitário. Os americanos os olhavam com desconfiança e não queriam um exército de colonos, pois a deficiência de mão de obra afetava a indústria e não a agricultura. Segundo informações obtidas pela coautora Célia Ricci, nos Estados Unidos, alguns navios que lá chegavam eram “deportados” para a América do

A decepção nos Estados Unidos

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Sul, pela falta de interesse em agricultores. Provavelmente nosso avô emigrou em um navio abarrotado de camponeses humildes e perdeu o interesse em desembarcar diante das discriminações portuárias.

Assim sendo, Aristeo partiu para o Uruguai, na época a melhor qualidade de vida do continente, conhecido como a “Suíça Sul-americana”. Não sabemos o que o atraiu, mas tudo indica que, naquele país, os dois irmãos se estabeleceram como comerciantes, pois quase toda a população uruguaia se concentrava em Montevidéu, um aquecido centro comercial. No século XIX, de Santa Maria del Giudice até o Uruguai, passando pelos EUA, vovô deve ter viajado entre 30 e 40 dias, incluindo a viagem por terra até o porto de Gênova, conforme estimativa disponível no site Família Bonella (2011).

Em 2011, embora não tenha explicitado o ano exato da emigração (1899 ou 1900), Paolo confirmou que Aristeo e Conrado desembarcaram em Montevidéu e lá moraram por 5 a 6 anos, até 1904, período em que puderam aprender, razoavelmente, o castelhano.

Infelizmente, nesse país os dois irmãos levaram um golpe de um sócio, provavelmente perdendo o patrimônio ou as condições de comércio que conquistaram. Paolo também não soube precisar o real impacto da perda financeira que tiveram.

A experiência no Uruguai

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Ainda no Uruguai, Aristeo deve ter tomado conhecimento sobre Belém do Pará, principal cidade portuária para os exportadores de borracha e compradores internacionais. A cidade tinha uma série de vantagens para nosso avô e parecia ser a mais recomendada para se tornarem prósperos comerciantes.

Propagandas sobre o Pará eram difundidas em livros editados em Barcelona (Espanha), tais como El Pará e Amazónia-1900, que exalta-vam os atrativos do estado, os rios caudalosos, a facilidade da língua, a imensidão de terras e a proximidade com a Europa em relação ao sul do continente (Ferreira, 2011). Procurava-se vender o Pará como a “Nueva Jerusalém”, a terra da prosperidade, em consequência das crescentes co-tações da borracha.

Belém o atraiu, provavelmente, porque entre 1901 e 1904 a participação da borracha no PIB brasileiro não parava de subir. Em 1910, alcançaria 28,2%, competindo com a receita gerada pelo ciclo do café (Borges, 1986). Isso causava uma “febre” pela capital paraense, aquecendo o seu comércio nacional, internacional e local.

Em 1904, Belém estava no auge de seu esplendor arquitetônico (Bélle Èpoque) e tinha como intendente (prefeito) o urbanista Antonio Lemos, que contraiu astronômicos empréstimos para transformá-la na terceira cidade mais importante do Brasil (Coimbra, 2011). Economicamente ficava atrás apenas da capital federal (Rio de Janeiro, na época) e de São Paulo (zona cafeeira). Em 1905 começariam a circular os primeiros bondes elétricos substituindo, paulatinamente, os bondes puxados por animais, e surgir as primeiras residências e ruas com luz

chegada ao ParáA

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elétrica, antes do Rio de Janeiro, que só dispunha de iluminação a gás, até 1913. Portanto, Belém era uma cidade de vanguarda possuindo a maior renda per capita da América Latina e uma das maiores do mundo.

A libra esterlina era a moeda que circulava na cidade; luxuosos palacetes com gradios de ferro vindos da França e azulejos portugueses, alojavam os “barões da Borracha”. Belém possuía um suntuoso teatro que apresentava óperas europeias pagas a preço de ouro (Guia dos Estudantes, 2011). A prosperidade era tanta que em 1908 já possuía 100 confortáveis bondes elétricos e 55 quilômetros de trilhos (Borges, 1986). A urbanização da cidade chegou a ser copiada até pelo intendente do Rio de Janeiro.

Em Belém os italianos eram comerciantes ou prestadores de pequenos serviços (Emmi, 2008b). Paolo informou que os “barões da Borracha” promoveram o aviamento de Aristeo (espécie de financiamento) para que este seguisse em direção a uma das regiões mais ricas em seringueiras e andirobeiras da Amazônia, segundo o ilustre historiador Theodoro Braga (Braga, 1911). Assim, nosso avô partiu para a “região das ilhas”, sul da ilha de Marajó. Iria se estabelecer ao longo das margens do Canaticu, um rio com até 1.300 metros de largura, totalmente navegável, afluente da mais importante hidrovia de Belém, o rio Pará. Este último circunda o arquipélago de Marajó pelo lado sul e desemboca no Oceano Atlântico, sendo um dos braços que compõem o falso delta do rio Amazonas.

O rio Canaticu e o rio Pará eram muito mais profundos do que os rios europeus e tinham forte influência da maré, além de sazonais

O porquê do Rio Canaticu

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macro-marés (“águas grandes”), em março e setembro, favorecendo o transporte fluvial de maior calado.

As marés de enchente e vazante faziam o rio correr nos dois sentidos, facilitando o deslocamento de embarcações abarrotadas de produtos extrativistas. Nada mal para uma época sem motores a diesel ou a gasolina. Assim, o rio levava e trazia pessoas e cargas, nas canoas sem motorização.

Aristeo forneceria látex aos “barões da Borracha”, como forma de pagamento pelo aviamento, poderia movimentar o intenso comércio local e explorar as oportunidades de negócios com os seringais. Na capital ele seria no máximo comerciante, como os italianos donos de sapatarias, lojas, hotéis, livrarias, restaurantes e alfaiatarias. Isto também demonstra que nosso avô chegou ao Pará descapitalizado, após o golpe no Uruguai. E que também não possuía habilidades artesanais. Caso contrário, poderia ter tentado a sorte em Belém, como os demais conterrâneos que fabricavam sapatos ou roupas de qualidade, se tornando grandes lojistas (Emmi, 2008c).

O rio Pará movimentava a economia da capital (Rêgo, 1974), despossuída de malha rodoviária e incomunicável por terra. Essa hidrovia era muito mais próspera e habitada do que a do rio Guamá, que circunda Belém, pois conectava a capital mundial da exportação da borracha (Belém) à capital mundial do extrativismo (Manaus).

Vovô, jovem e empreendedor, aceitou a oferta de “escambo” (troca de mercadorias pela borracha), sem conhecer exatamente as condições que o aguardavam no rio Canaticu, pois não podia dispensar o financiamento permanente que lhe permitiria iniciar a vida no Brasil. Sem orientação e suporte financeiro recebido, um estrangeiro recém-chegado ao país jamais tomaria aquela decisão por meios próprios, visto que o local era distante e de difícil acesso. (Foto 3)

Ao adentrar a região do rio Canaticu Aristeo tomou um susto ao contabilizar 84 diversificadas casas comerciais na região. Como conseguiria abrir mais um estabelecimento concorrente, já que a população era pequena?

Aristeo pensou em desistir, mas logo percebeu que havia grande

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circulação de embarcações e mercadorias, principalmente borracha para Belém e alimentos para os seringais, que não possuíam agricultura, nem pecuária. Decidiu então arriscar, já que aquela microrregião era vizinha ao Estreito de Breves, rota obrigatória dos navios a vapor que rumavam para Belém, oriundos dos mais longínquos seringais do Amazonas e do Pará (Braga, 1911). Reviu os seus conceitos e se estabeleceu na chamada Ponta Alegre da ilha das Araras, no rio Canaticu.

No entanto, não escaparia de um choque cultural. Florestas abafadas, sol escaldante, caudalosos rios barrentos, grandes marés, topografia plana, inexistência de agricultura e criação de animais domésticos, muitos insetos, chuvas torrenciais o ano (ou dia) inteiro e população com traços indígenas, buscando apenas a subsistência diária. Moravam em palafitas e barracões de palha, em cima de lama do igapó, dormiam em redes, comiam pouca carne e arroz e muito peixe, farinha e açaí. Que mundo estranho era aquele?

O povoado mais próximo da Ponta Alegre era Curralinho, pe-quena vila no rio Pará, a cinco horas de canoa a remo que, apesar do atraso, tinha a vantagem de ser um importante porto, com intensa movimentação de navios gaiola a vapor.

Hoje, com auxílio das imagens de satélite do Google Earth, calculamos em 17km a distância entre a atual Curralinho, sede do município e a Ponta Alegre da ilha das Araras, dos quais 7km são percorridos no rio Pará e os 10km restantes subindo o rio Canaticu. No trecho de 10km, as 84 casas comerciais citadas distavam, em média, 120 metros entre si. Segundo o romance de Paolo, que narra frequentes citações do pai, à noite, essa proximidade transformava o rio numa avenida, balizada pela luz dos lampiões a querosene. (Foto 3)

Aristeo e Conrado tornaram-se um misto de comerciantes e seringalistas, passando a comprar o látex dos seringueiros locais (caboclos) e de viajantes que aportavam na Ponta Alegre. A produção era parcialmente trocada (“escambo”) com os “barões da Borracha” que ficavam sediados em Belém. O excedente era pago em dinheiro. Paolo, em um de seus manuscritos, não entendia a opção do pai e de outros imigrantes italianos:

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“Desde a nossa meninice até hoje, nas vigílias que antecedem o sono, penso e repenso na razão pela qual os italianos que aqui aportaram, como que esmagados por uma magia indecifrável, se ambientaram aos costumes, vivendo, criando, deixando descendência e aqui morrendo, sem jamais pensar em voltar à sua terra de origem”.

Ao analisarmos superficialmente a decisão de Aristeo não era possível entender os motivos que o levaram a se estabelecer numa longínqua e atrasada beira de rio amazônico, depois de ter aportado nos Estados Unidos, no Uruguai e em Belém. Por que estaria retro-cedendo, cada vez mais, em termos de civilização e conforto? Eram essas questões que, hoje, deixavam os netos de Aristeo perplexos e que jamais procuraram esclarecer (enquanto jovens), junto aos seus pais. Sem a contribuição desses a resposta não era das mais fáceis.

Provavelmente por Aristeo ter sido criado num atrasadíssimo e decadente lugarejo da Itália, não ficou intimidado por algumas con-dições do rio Canaticu, como a falta de energia elétrica. Pelo contrá-rio, a Itália vivia um período de crises de todos os tipos (Wikipedia, 2011a; Italian Legacy, 2011) enquanto a Amazônia vivia o seu “milagre econômico” (Pinho Filho, 1979). No rio Canaticu existia a chance de prosperidade, inclusive a curto prazo, devido a grande circulação de riquezas. Aristeo talvez tenha imaginado desenvolver seus negócios na ilha de Marajó, aproveitando o aquecido comércio local e depois estabelecer-se na próspera capital paraense.

Em suma, de louco nosso avô nada tinha. Nós é que, por muito tempo, não conseguíamos enxergar seus motivos, até irmos rebuscar os contextos históricos da Europa, do extravagante ciclo da borracha amazônica e da pacata e decadente aldeia de Santa Maria del Giudice.

A pesquisa de campo por nós encomendada à professora Nancy Nunes revelou que a Secretaria de Educação do estado do Pará implantou o Projeto Político Pedagógico (PPP), no qual cada estabelecimento registra o histórico da localidade onde está inserida. No registro da escola municipal existente na Ponta Alegre aparecem os nomes de Aristeo e Conrado como os primeiros moradores do local.

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Entre 1840 e 1913, a borracha da Amazônia movimentou os setores econômicos, desenvolveu o comércio e mudou as relações sociais na região. O produto era vendido, sem nenhum valor agregado, para os comerciantes de Belém. Paralelamente Aristeo instalou mercearia para financiar, informalmente, os coletores de látex, que eram pagos com mantimentos básicos, num sistema de crédito conhecido por “aviamento” (Pinho Filho, 1979). Segundo Paolo narrou em seu romance, aqueles eram tempos “mansos”, de pouco trabalho e muito dinheiro. Bastava esperar pelos seringueiros embrenhados na mata e depois revender o látex, por preços generosos. “Borracha: lucro certo”, também é confirmado no texto do site Wikipedia (2009).

No final de 1910, a borracha brasileira começou a perder competitividade internacional, substituída pela asiática (Borges, 1986). Um dos problemas que afetavam a produtividade dos seringais nativos era a enorme distância entre as árvores, o que forçava os seringueiros a percorrer grandes extensões de terra para poder “sangrar” algumas poucas seringueiras. Na Ásia, a monocultura planejada e em locais mais próximos dos portos facilitava a coleta e o transporte do látex, acarretando redução de custos e barateando o produto no mercado.

Segundo Landin (2009), 70 mil sementes da seringueira amazônica foram contrabandeadas em 1876 para o Jardim Botânico de Londres, onde foram transformadas nas mudas usadas no desenvolvimento da concorrência para o látex brasileiro, na Ásia. Essa biopirataria bem-

Omilagroso ciclo da borracha

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sucedida foi decisiva para a perda de competitividade da borracha amazônica.

Com os preços do produto desabando, Conrado provavelmente influenciou seu irmão Aristeo para que adotassem a estocagem especulativa. Resolveram continuar comprando “pelas” (bolas) de borracha e estocando-as na água, com o objetivo de revendê-las por bom preço, no futuro. A manutenção do látex submerso era utilizada pelos nativos para conservar a goma elástica. Segundo Paolo contou a seu filho mais velho, a prática especulativa foi mantida por cerca de dois anos, período após o qual Aristeo e Conrado constataram que o produto havia se deteriorado, em função do excessivo tempo que ficou “afogado”. A especulação foi um erro estratégico que causou considerável impacto financeiro nas contas de vovô.

Conforme Lima (1970), outro prejuízo muito comum dos seringalistas era a desonesta interceptação da borracha dos seringueiros pelo chamado “regatão”, geralmente um contrabandista que trocava quinquilharias e – até mulheres – pelo látex furtado. O contrabandista corrompia o seringueiro oferecendo alimentação mais barata do que a fornecida pelo seringalista (Aramburu, 2011). Caso Aristeo não vendesse “fiado” aos caboclos, a produção iria parar nas mãos dos concorrentes oportunistas.

As espertezas praticadas pelos caboclos seringueiros no forne-cimento das “pelas” são narradas no romance inacabado de Paolo, que reproduz as lamúrias do pai. Segundo o livro, os caboclos inseriam cacos de potes, barro e tabatinga (argila) nas bolas de borracha para aumentar o peso, prática que somente podia ser descoberta quando se cortava as pelas para inspecionar o seu interior.

Debaixo do trapiche Aristeo mandou construir uma grade de ma-deira para impedir o furto do látex que era guardado na água. Eram constantes as tentativas de arrombamento para saquear a produção gomífera. Quando esta estava em terra, vovô mandava colocar cobras surucucú entre as pelas para inibir o furto.

Em 1910 ocorreu o 1º Simpósio da Borracha. Os especialistas alertaram as autoridades brasileiras para a ameaça de derrocada

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dos seringais silvestres. Sugeriu-se que o governo fizesse concessão gratuita de terras, reduzisse os impostos para as seringueiras plantadas, distribuísse sementes de seringueiras e consultasse profissionais sobre os métodos de plantio e corte dos seringais asiáticos (Borges, 1986). O programa de salvação da economia amazônica foi ignorado pelo governo brasileiro, mas não por Aristeo e Conrado, que seguiram essas orientações e se tornaram os primeiros seringalistas agrícolas no Brasil.

Aristeo e Conrado, entre 1910 e 1912, optaram pelo arranjo de árvores plantadas de forma sistemática e racional, muito mais próximas entre si. Infelizmente não colheram os frutos deste esforço, pois as seringueiras só se tornam produtivas 15 ou 20 anos depois do plantio (Wright, 1907). O investimento de longo prazo contribuiu para o enraizamento geográfico, pois teriam que permanecer no local e esperar pelos resultados, o que comprova que eles sonhavam com uma nova alta dos preços. Conrado era o mais convicto de que a crise era passageira e que o látex amazônico voltaria a ter seus dias de glória.

Em 1913, pela primeira vez, a Amazônia deixou de ser a capital mundial da borracha, tendo sua produção ultrapassada pela dos seringais asiáticos.

Ainda segundo Landin (2009), a experiência de plantar seringueiras a pouca distância umas das outras fracassou, porque as árvores eram dizimadas por epidemia de fungos. A proximidade entre elas facilitava a transmissão da doença, através da neblina. Entretanto, na Ásia, esse problema não existia, porque os fungos ignoravam as seringueiras sul-americanas, viabilizando o modelo de monocultura em latifúndios.

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Os seringalistas solteiros eram “Grão-Senhores”, abastados, que esbanjavam fortunas nas “pensões alegres” de Belém (Pinho Filho, 1979). Na capital também existia o Teatro Cosmopolita, exclusivo para homens, onde se apresentavam atrizes europeias (vedetes) de reputação duvidosa. No entorno do Teatro da Paz havia nove casas noturnas para diversões “requintadas” (Guia do Estudante, 2011). Na selva os seringalistas se divertiam comendo caviar e bacalhau enlatado.

Aristeo era, ao mesmo tempo, financiador (dos seringueiros) e financiado (pelos capitalistas de Belém). Vivia entre Belém e o Marajó. O seringal era o latifúndio ribeirinho, cujos administradores se confraternizavam com os Comendadores paraenses que os financiavam, a maioria portugueses. Comendador era um título honorífico concedido por Portugal aos conterrâneos que enriqueceram no exterior (Gomes Lima, 2011).

Em 1905, já radicado definitivamente em Curralinho, vovô, aos 31 anos, vai à Itália e oficializa seu acerto com o pai de Giorgina (15 anos), para um dia desposá-la. Essas encomendas ocorriam no seio de famílias que se afeiçoavam por velhas afinidades morais ou comer-ciais, prometendo filhos uns aos outros.

A bonita noiva recebeu de presente de noivado um cordão e um brinco de ouro com diamantes. Cinquenta e seis anos mais tarde, em 1961, quando a neta Célia completou 15 anos, vovó a presenteou com as jóias de noivado que recebeu de Aristeo. (Foto 4)

Avida de solteiro ricoentre 1904 e 1910

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O noivado em 1905 demonstra que, um ano após chegar ao Pará, Aristeo já estava capitalizado para ir à Europa. Provavelmente tratava-se de uma formalidade, apenas para oficializar seu interesse ao pai da noiva, já que depois disso não houve nenhuma pressa por parte de nosso avô. O ato foi um investimento de longo prazo, pois Giorgina ainda não estava amadurecida para se separar da família, servindo para impedir que outro pretendente lhe roubasse a encantadora jovem.

No auge do ciclo da borracha (1910) e cinco longos anos depois vovô retorna à Itália para se casar com Giorgina (19 anos) e volta ao Brasil. É provável que Aristeo tenha ido pelo menos uma vez à Itália entre 1905 e 1910, para manter “acesa” a chama do compromisso assumido e aproveitar para rever seus pais. Caso contrário, o pai da noiva poderia interpretar mal o desaparecimento do interessado. A paciente noiva estava há muito tempo prometida a Aristeo, que não dispensou o acordo com seu pai. Nossos avós pouco se conheciam, fato comum para a época e que comprova a cultura provinciana da sociedade de Santa Maria del Giudice.

As mulheres eram submissas ao poder senhorial (pater familis) dos patriarcas (Nazzari, 2002), no caso, Antonio Grasseschi, que não deu à Giorgina o direito de escolher o próprio marido, pois os casa-mentos não eram regidos por laços amorosos.

casamento seguido de infeliz coincidência O

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O matrimônio de Aristeo aos 36 anos, em 4 de agosto de 1910, foi incomum para uma época em que todos casavam jovens. Após longos anos, a maturidade convenceu Aristeo que era impossível viver sem família no hostil Canaticu, muito mais solitário que Montevidéu.

Que motivos foram preponderantes para o extenso período de noivado de nossos avós? A idade imprópria para Giorgina se separar da família e se tornar mãe; o intenso envolvimento de Aristeo com os negócios em boa fase ou a vida de solteiro cheia de atrações em Belém?

Os negócios de Aristeo com a borracha renderam bons frutos por seis áureos anos, entre 1904 e 1910. Por esse motivo as núpcias do casal foram passadas em Veneza, Itália, viagem inesquecível para vovó, que sempre contava o fato para os netos. Giorgina, então, separa-se dos pais e dos irmãos. Continuou, no entanto, se correspondendo com os parentes que ficaram na Itália e com os irmãos que viriam a emigrar para a Argentina (Elletta), São Paulo (Domênico) e para os Estados Unidos (Eugênio, Abrahamo, Giovanni e Emília).

A família de vovó parecia ser mais unida que a de nosso avô, pois as cartas endereçadas a ela eram muito mais numerosas do que as enviadas para Aristeo, geralmente de seu irmão Eliseu. Este lhe enviava fotos de vários sobrinhos, filhos de Giuglia e Guiseppe e do próprio pai. Nenhuma foto da mãe de nosso avô e de seus irmãos foi encontrada, enquanto as de todos os parentes de vovó foram fartamente remetidas ao Pará.

Por uma infeliz coincidência, dois meses após o casamento, as cotações da borracha começaram a desabar, após um período de altas sem precedentes. Depois de duas décadas de trabalhos silenciosos, a produção dos botânicos asiáticos começou a invadir o mercado, impondo o início do fim dos seringais amazônicos, que tinham baixa produtividade, logística dispendiosa e dificuldade de mão de obra (Coimbra, 2011).

Entre outubro de 1910 e dezembro de 1912 Giorgina conviveu com as preocupações do marido frente à progressiva falência da borracha. Mesmo assim nosso avô ainda levou a esposa para Belém, para dar à luz, em 09 de agosto de 1911, à Paulina, a primeira filha do casal.

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Em 1913, nossa avó viu seu marido falir com a estonteante queda de 400% nos preços (já baixos) da goma elástica (Borges, 1986). Era o fim da deslumbrante miragem do lucro fácil na selva marajoara. Tão fácil que Aristeo nem precisava defumar a sua borracha (Sernambi-Cametá) para transformá-la em um tipo com maior valor agregado, chamado de borracha fina.

Ainda em 1913 e aos 23 anos vovó Giorgina teve a infelicidade de contrair filária, doença tropical que inflamava os vasos linfáticos de seus membros inferiores, provocando inchaço excessivo (elefantíase) dos mesmos. Suas pernas, desde os pés até o joelho, ficaram exageradamente grossas, diminuindo-lhe a capacidade de locomoção, pelo excessivo peso que lhe fazia arrastar os pés. Umas ou duas vezes por ano tinha crises de erisipela, um tipo de inflamação avermelhada que aumentava ainda mais o volume de suas pernas, acompanhada por febre de 40°C. Em decorrência da doença, caminhava devagar. Por vergonha, passou a escondê-las com vestidos e saias até o tornozelo, além de meias nos pés.

Com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914, o capital internacional migrou para a Ásia, agravando os problemas que a Amazônia já enfrentava pela redução da procura e dos preços da borracha. Em Belém, as empresas estrangeiras que financiavam a borracha começaram a se retirar do mercado local. Como exemplo, certa companhia que possuía 50 navios circulando nos rios da região, reduziu sua frota a uma única embarcação.

No período da guerra, vovô e a família passaram por diversas privações no Canaticu. O Brasil, ainda totalmente dependente de artigos

empos difíceisT

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importados, deixou de receber produtos dos países exportadores, tais como alimentos, bebidas, combustíveis, etc.

Houve momentos tensos na família, provavelmente conflitos e hesitações entre sair do Marajó ou permanecer no local e investir em outras atividades extrativistas. O fato de em 1913 já estar casado e com uma filha de apenas dois anos deve ter pesado na decisão de Aristeo de permanecer no Canaticu, impedindo-o de se lançar em novas e arriscadas empreitadas. A partir de 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, o cenário passou a incluir novas incertezas fazendo com que vovô resolvesse apenas sobreviver no Marajó, enquanto aguardava o retorno das altas cotações do látex. Essa delirante esperança foi o motivo mais provável para a permanência na região.

Com o fim do ciclo da borracha no Pará, houve suicídios, emi-gração em massa, saques, abandono de casarões e sucateamento da cidade. A renda per capita de Belém diminuiu em quase cinco vezes, entre 1910 e 1920 (Wikipedia, 2011d). No rio Canaticu houve enorme redução da população, principalmente a de comerciantes. O desabas-tecimento dos produtos importados provocou enorme alta dos preços e a população não tinha mais o dinheiro da borracha para comprar os mantimentos básicos.

Aristeo sobreviveu a essa estagnação porque era disciplinado e contido. Não dispensava sequer produtos de baixo valor comercial como breu, lenha e peles de animais silvestres (onça, veado, jacaré, lontra e ariranha) para obter algum lucro. Neste período, as transações com madeira-de-lei conseguiram sustentar a família. Talvez, traumatizado por essa escassez, adotou um comportamento austero que lhe valeria a fama de pão duro mais adiante.

Durante a guerra nascem o segundo e o terceiro filhos do casal: Gorízia, em 24 de novembro de 1916, e Trieste, em 19 de novembro de 1918, ambos na Ponta Alegre. Trieste e Gorízia nasceram em casa, com auxílio de parteiras locais, diferentemente de Paulina, que nasceu em Belém com melhor assistencia, o que demonstra os apertos finan-ceiros pelos quais a família passou.

Sempre perguntamos qual a origem dos nomes diferentes que

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nossos avós escolheram para seus filhos. Trieste e Gorízia são cidades italianas, subjugadas pelos austríacos antes da Primeira Guerra Mundial. Aristeo batizou os filhos com o nome das cidades que a Itália desejava reconquistar, o que efetivamente aconteceu pouco antes de nascerem.

As gestações de Gorízia e Trieste ocorreram no período em que houve falta contínua de gêneros alimentícios. O bacalhau, carne, do-ces em conserva e diversos suprimentos que chegavam com frequên-cia, simplesmente desapareceram. Restavam a carne de caça, o peixe fresco, o pirarucu seco, frutas e palmito. Segundo o romance de Paolo, vovó, ao engravidar, sobreviveu graças ao pirão de açaí e aos peixes do rio Canaticu. Chegou a ficar debilitada devido à falta de uma alimen-tação adequada, principalmente pela ausência de proteína animal, já que ainda não possuíam criação de porcos e aves. Certa vez, vovô apontou para uma palmeira de açaí e explicou a um visitante: “esta terra é abençoada. Nada se planta e tudo se colhe”, mostrando a sua admiração pelo rio Canaticu. E continuou: “foi com o vinho daquela palmeira que Giorgina venceu a fome durante duas gestações”.

O casal se curvara ao açaí, que eles chamavam de “caldo de por-co”. O Marajó era uma dádiva! Só de “vinhos” dispunham da bacaba, do patauá e do açaí. Dentre as frutas nativas tinham bacuri, sapotilha, abricó, cupuaçu, cacau, pupunha, tucumã, taperebá, abíu, genipapo, ingá e araçá.

Vovô fornecia rifles americanos (Winchester) – importados com o dinheiro da borracha – e munição para seus empregados, em troca de 25% da carne do abate para consumo da família. Os animais eram abatidos com tiros na cabeça para não perfurar as peles, pois estas tinham algum valor comercial. No entanto, devido à guerra, as balas dos rifles Winchester também ficaram escassas no mercado, dificul-tando a caça e o comércio de peles silvestres. Nessa época vovô passou a comer e apreciar os diversos palmitos da região, que considerava uma iguaria.

Aristeo atravessou todo o período da Primeira Guerra Mundial apenas se sustentando com o comércio e fornecendo madeira-de-lei (pracaúba, maçaranduba, quaruba, sucupira, piquiá e itaúba) para os

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exportadores de Belém e, eventualmente, para o município de Breves, cujas transações são descritas por Trieste em seu diário. Esses novos tempos foram por eles considerados como de muito trabalho e pouco dinheiro, já que as toras eram vendidas in natura, sem qualquer valor agregado. (Fotos 5 e 6)

Após a guerra, ressabiado com aquelas privações alimentares, vovô decidiu criar porcos, patos e galinhas para não depender tanto dos produtos de Belém e nem dos pescadores da região.

Aristeo emigrou de seu país para escapar da crise e do conflito na Europa. Quis o destino, porém, que ele e sua família fossem afetados pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial, mesmo estando a milhares de quilômetros dela.

O destino de Aristeo começaria a mudar quando o famoso químico industrial italiano, Celestino Pesce (1869-1942), juntamente com o sábio francês Paul Le Cointe (1870-1956), descobriram as propriedades do sebo de ucuúba, extraído de semente oleaginosa da árvore de virola (ou ucuubeira). Essa árvore produz apenas madeira de baixo valor comercial, mas, suas amêndoas fornecem um sebo multiuso, matéria-prima para manteiga, margarina, sabão e sabonetes. Segundo Menezes (2005), Celestino inaugurou suas duas usinas de beneficiamento de sebos e óleos vegetais, em Cametá (1913) e em Icoaracy (1919), esta com 300 empregados. (Fotos 7 e 8)

Aristeo passou privações com o generalizado desabastecimento de querosene para iluminação durante a Primeira Guerra Mundial

Oressurgimento econômico

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e interessou-se em equacionar esse problema através dos azeites de copaíba e de andiroba, amêndoas abundantes no rio Canaticu. Diante desse contexto, passou a sonhar com a implantação de sua própria usina, solicitando, para isso, orientações a Celestino Pesce, no que foi atendido, porque este tinha interesse em comprar a futura produção de vovô, já que era radicado em São Paulo e se tornara um grande exportador desses produtos para a Itália. (Fotos 9 e 10)

Segundo narrado em manuscritos não-publicados de Paolo, Aristeo se tornou o segundo industrial dessa modalidade no estado e empregava 25 pessoas, conforme citado no diário de Trieste. Isto deve ter ocorrido entre 1919 e 1920, tão logo as importações de caldeiras e moinhos a vapor, da Europa, foram restabelecidas, com o fim da Primeira Guerra Mundial. O conflito forçou a industrialização brasileira, incluindo as fábricas oleíferas amazônicas, principalmente no pós-guerra (Piletti & Piletti, 2002; Emmi, 2008a). No início da década de 1920 a economia paraense já começava a ser alavancada por esses produtos baseados em óleos e sebos vegetais, tais como os de copaíba, cumaru, murumuru, patauá, cupuaçu, buriti e piquiá.

A caldeira de vovô tinha lenha como combustível e o vapor gerado servia para amolecer as amêndoas. As prensas mecânicas dependiam da força humana para produzir o azeite. Vovô possuía um gerador de energia de pequeno porte, que destinava-se a suprir a residência da família. Muitos anos depois, Gorízia contava aos filhos, orgulhosa, sobre o modernismo tecnológico de seu pai que, naquele fim de mundo, possuía luz elétrica, quando nem mesmo a cidade de Curralinho dispunha desse conforto.

Vovô diversificou suas atividades após a experiência negativa de depender exclusivamente da borracha e os produtos industrializados passaram a ser a principal fonte de renda da família, seguida da madeira. Passou a industrializar os azeites de copaíba e andiroba (combustíveis para lampiões e excelente repelente), além do azeite de patauá, que provinha de caroços de espécie semelhante ao açaí e à bacaba, mas que se prestava para cozinhar. Do sebo de ucuúba, passou a fabricar sabão.

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O estabelecimento de vovô comercializava feijão, arroz, café, cachaça, açúcar, farinha, candeeiro de opalina (louça), lamparinas, pirarucu salgado, sal, tabaco, querosene, papel para enrolar cigarro, latas de conserva e todos os produtos de uma típica mercearia. O sabão fabricado a partir da ucuúba e da andiroba era vendido para Belém e para os ribeirinhos. Aristeo tinha uma rede enorme de fornecedores extrativistas, que lhe traziam caça e peles, de muito longe, pirarucu salgado do Amazonas, pescado de Cametá, etc.

Aristeo investiu em roçados de arroz, árvores frutíferas e criação de porcos capados para a engorda, galinhas e patos. Vendia medicamentos, produtos de armarinho, ferragens, artigos para funeral, fabricando inclusive caixões.

A comunicação com os clientes em Belém era feita via telégrafo. Os barcos a vela, batizados de Trieste e Santa Maria, faziam repetidas viagens transportando os produtos para serem vendidos na capital, distante 202 km por via fluvial, em percurso que demorava 24 horas. (Foto 13)

Em fevereiro de 1925, pela quarta vez, Aristeo vai à Itália, com toda a família, com objetivo de levar Giorgina, com dois meses de gra-videz, para cuidar da mãe dele, bastante adoentada.

Em 08 de setembro de 1925 nasce o filho caçula de Aristeo, na Itália. Vovô, já aos 51 anos, o batiza com o mesmo nome de seu pai (Paolo), homenageando-o. Aristeo tinha o hábito de homenagens, como já vimos. Desta vez o escolhido foi o seu genitor. Em seguida, vovó entrou na menopausa aos 35 anos, um caso raro na medicina. Como não tinha leite nas mamas para alimentar seu filho temporão, Paolo ganhou, então,

Aquarta viagem à Itália

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a sua “mãe de leite”, chamada Ambrosina, cunhada de Giorgina, esposa de seu irmão Domênico.

Vovô voltou sozinho para o Brasil, deixando a família na Itália, pois os negócios no Marajó não poderiam permanecer apenas com Conrado, por muito tempo. Mesmo após a recuperação da sogra, Giorgina aguardou Paolo crescer, já que não tinha leite para amamentá-lo durante a longa viagem e temia que ele adoecesse.

Ambrosina amamentou Paolo por ter dado à luz, na mesma época, a uma menina batizada como Giorgina, nome escolhido por Domênico para que sua mãe, Virginia, pudesse matar as saudades da filha quando esta retornasse ao Brasil. Três anos mais tarde, em 1928, Domênico e Ambrosina tiveram seu segundo filho, Marino, que teve Paulina, então com 17 anos, como sua madrinha de batismo.

No período entre 1925 E 1928, os filhos mais velhos de Aristeo e Giorgina frequentaram escola na Itália, onde aperfeiçoaram a fluência do idioma italiano, o predileto na intimidade do lar. A permanência na Itália fez os filhos se sentirem bi pátridas, do que sentiam orgulho.

Aristeo volta à Itália em 1928 para apanhar a família. O padrão europeu era, evidentemente, muito superior aquele que a família reen-contraria na sua volta ao Brasil, mais especificamente na Ponta Alegre. Diante dessa situação vem-nos à mente o duplo choque cultural pelo qual a família passou: o primeiro, ao sair do interior do Pará e ir morar na Itália e, posteriormente, a volta para aquele fim de mundo, depois de viver quatro anos no velho continente. Que tipo de dúvida passou pela cabeça de todos da família? O fato é que em nenhum momento

educação dos filhos na ItáliaA

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essa questão foi explicitada, talvez pelo momento muito favorável dos negócios de Aristeo.

Segundo relatado no romance de Paolo, ao regressarem da Itália, vovô alugou casa em Belém e os filhos de Giorgina passaram a estudar na capital, o que amenizou aquela complicada readaptação ao Pará. Provavelmente Aristeo foi pressionado pela esposa que queria um fu-turo melhor para os filhos, além de ela não gostar de morar no inte-rior, em decorrência das constantes febres, provocadas pela erisipela.

A casa alugada ficava no bairro de Batista Campos, inicialmente na rua São Mateus (hoje, avenida Padre Eutíquio) e depois na rua Ar-cipreste Manoel Teodoro.

Em 1933, finalmente, Aristeo adquire sua primeira casa em Belém, na segunda rua acima mencionada, colocando-a no nome da esposa. Foi um salto qualitativo para a família, que agora morava em uma casa maior, sem despesas de aluguel.

Gorízia iniciou seus estudos aos oito anos, na Itália, onde fez também a primeira comunhão. Aos 13 passou a estudar no Colégio Santa Rosa, na atual avenida Padre Eutíquio, em Belém, onde tinha aulas de piano e canto. Paulina, aos 13 anos, estudou na Itália e aos 18, em Belém, no Colégio Santa Catarina, somente para moças, na avenida Nazaré. Trieste, aos seis anos, iniciou seus estudos na Itália e aos dez, ingressou no Colégio Nazaré (curso de Humanidades). Posteriormente, estudou inglês em um curso particular. Escrevia de forma estilosa, algo literária e com caligrafia semelhante a de um escriba profissional. Paolo, com cinco anos, iniciou o curso primário no Colégio São João Batista (da Professora Judith Monarcha) e cursou Humanidades no Colégio Nazaré. (Foto 11)

Paolo tinha problemas de comportamento no colégio e frequen-temente era colocado de castigo, em pé, por várias horas, num canto da sala de aula. Em seu diário observamos o seguinte comentário:

“Passei seis anos no Colégio Nazaré a ficar de castigo, o dia inteiro. Só não ficava aos domingos e feriados. O resto....! Meu banco só vivia frio”.

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Certa vez o peralta Paolo incendiou papéis no buraco de uma carteira escolar. Faltava quase sempre às aulas de desenho e levava nota zero. Por ironia, desenhava para os colegas que tiravam a nota máxima, enquanto era obrigado a ver sua mãe convocada pela escola para ouvir queixa de suas faltas às aulas daquela disciplina e sobre o seu comportamento. Provavelmente, cada vez que Giorgina ia ao colégio receber queixas sobre o filho, aplicava neste uma surra ao chegar em casa.

As duas irmãs tinham uma sede de saber bem desenvolvida e eram autodidatas. Paulina era muito inteligente, lia muito e era mais feminina, tímida e delicada que sua irmã. Gorízia era muito extrover-tida e lamentava o fato de o pai não a ter deixado prosseguir com os estudos. Sempre foi muito independente para a época. Fumava escon-dido dos pais desde os 15 anos e apreciava uma bebidinha alcoólica, cujas garrafas escondia no seu guarda-roupa. Seus irmãos também fu-mavam escondidos durante a juventude. Paulina parou com o cigarro ainda jovem, enquanto Gorízia seria fumante durante toda a sua vida.

Desde menino Paolo manifestava o desejo de aprender pintura, mas faltava algo que o estimulasse, já que os pais não tinham um bom conceito sobre arte. No entanto, apesar do pouco incentivo do pai, foi este quem lhe ensinou a preparar tintas, feitas com linhaça, secante, alvaiade, etc. Aristeo aproveitava as habilidades do filho, encarregando-o de fazer desenhos em embarcações, paredes, etc. Paolo era também requisitado a pintar a bandeira dos santos nas novenas festivas, cenários, etc.

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Santa Maria del Giudice – Lucca – ItáliaA cidade natal de Aristeo e Giorgina

A casa da família de Aristeo em Santa Maria del Giudice, na Itália

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Aristeo em 1900, aos 26 anos

Aristeo e o sogro Antonio Grasseschi no “Bagni di Montecatini”, atualmente Montecatini Terme, terma a 30 km de Lucca.

Casamento de Aristeo e Giorgina, em 1910

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Giorgina, Paulina e Aristeo, em 1915

Paulina e Gorízia em 1925, na Itália Giorgina e Paolo em 1926, na Itália

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Aristeo, Giorgina, Paulina, Trieste e Gorízia em 1925, na Itália. A única fotografia com todos os integrantes da família reunidos.

Giorgina estava grávida de Paolo.

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Falemos mais sobre Trieste, pois foi o único tio que não co-nhecemos. Segundo Paolo, ele pretendia ser jornalista e escritor e ti-nha um traço admirável para o desenho. Ele era o “guarda-livros” do pai, responsável pela contabilidade dos negócios. Seu único legado artístico é a capa de seu diário, escrito em 1936, onde aparecem dese-nhos de rifles, barcos, remos e caniços de pesca, seus eternos compa-nheiros (Foto 12).

Grande parte destes parágrafos acha-se relatada no diário de Trieste, como a viagem de Belém a Curralinho em barco tipo gaiola, em 05.09.1936. Conta que depois de 18 horas de percurso, foi acor-dado às três horas da madrugada pelo apito do barco avisando a che-gada. Desatou a rede, arrumou a bagagem e desceu no trapiche, onde um caboclo enviado por vovô Aristeo já o esperava. Como o vento soprava forte e o rio estava agitado, nosso tio resolve esperar, pois a canoa era pequena. Às 5 horas da manhã decide partir e, após remar por cerca de 5 horas, chega em casa molhado “até os ossos” devido ao suor e à maresia.

Na noite do dia seguinte (domingo, 06.09.1936), ao contemplar a quietude da Ponta Alegre, Trieste constata a mudança brusca do meio, imaginando a agitação e o ruído do sábado à noite na capital (Belém).

Até os seis anos de idade, quando a família foi para a Itália, Trieste morava no rio Canaticu e brincava no meio do igapó, pescava pelos mururés, enfim, fora moleque de rio. Entre os dez e os 18 anos estuda-va na capital e ia sempre ao Marajó, nas férias escolares.

O tio Trieste que não conhecemos

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Nosso tio era obediente, cordato, comunicativo e benquisto por todos. Desenvolveu o estudo de inglês e traduzia contos para o português. Tudo indica que tinha inteligência precoce e era autodidata. Lia muita literatura inglesa e era estudioso, pois tirava notas altas mesmo odiando o curso de contabilidade que cursou, a contragosto, para ajudar o pai no comércio. Após se formar em Técnico em Contabilidade, aos 18 anos, fixou-se na Ponta Alegre.

Dois meses depois de se mudar definitivamente para a “região das ilhas”, Trieste tinha a impressão de que já estava lá há dois anos. A vida no rio não parava; não existiam domingos e feriados; o comércio do pai ficava permanentemente aberto e, mesmo à noite, chegavam clientes para serem “aviados” ou à procura de medicamentos, artigos para velórios, etc.

Titio sentia muita falta de Belém, do cinema, das diversões, do rádio, que algumas pessoas de posse já possuíam. Trieste raciocinava: que bela invenção aquela; as notícias, a música, a viajar pelas ondas, sem conhecer fronteiras nem barreiras, trazendo a qualquer recanto as notícias do mundo. Pensava que quando o rádio estivesse aperfeiçoado, popularizado e a preços acessíveis, seria uma ferramenta importante para quebrar os últimos grilhões dos escravos da ignorância, trazendo os fatos que ficavam retidos, propositadamente, pelos donos da verdade.

Trieste odiava o seu diploma, o qual considerava uma sentença condenatória. Detestava a vida de ribeirinho que levava; achava que não nascera para aquele tipo de trabalho e era considerado, pelo pai, um zero à esquerda no comércio. Vovô dizia que ele tinha coração molenga, característica inadequada para um comerciante.

Diante da necessidade de ajudar o pai, já idoso, em suas atividades, Trieste não via perspectivas de realizar seus sonhos de um dia tornar-se jornalista e escritor. Desabafava, por carta, com suas irmãs sobre o desgosto que sentia com aquela situação.

Nosso tio dizia que, enquanto os colegas da capital iam preparar-se para serem futuros médicos, engenheiros e advogados, ele tinha viajado para um destino certo, mas de futuro impreciso. Julgava que para seguir suas inclinações, um dia teria que pegar um navio do

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Loyd ou da Costeira e ir para o sul do país, à procura de campo mais propício. A dúvida era quando estaria livre para isso?

Aristeo já tinha dificuldade de executar algumas rotinas ligadas ao comércio de madeira como, por exemplo, conferir a cubagem (volume) e a qualidade da madeira que adquiriam, o que exigia andar em cima de toras e trapiches escorregadios, sobre o tijuco (praia de lama na maré baixa) do rio, atividade que muitas vezes era realizada no escuro, com auxílio de lampiões. Aos 62 anos, essas condições bastante adversas eram inviáveis para ele, já sem muito equilíbrio nas pernas, hipertenso e com catarata avançada.

Diante disso, Trieste assumiu a tarefa de inspecionar a madeira encomendada aos caboclos. No início tinha dificuldades para distinguir entre piquiá e piquiarana e, em consequência dessa inexperiência, acabava por aceitar refugo (peças de madeira defeituosas) e espécies sem valor comercial, empurradas como madeira nobre, o que provocava muitos atritos com o seu genitor. Sentia-se oprimido ante a impotência por não poder mudar aquele estado de coisas, de libertar-se desse insolúvel fardo de ajudar o velho pai a sustentar a família. A interrupção de seus estudos e sonhos profissionais o deixavam constrangido.

O recebimento de madeira requeria prática, conhecimento e ma-landragem para lidar com os espertos caboclos, atributos que Trieste ainda não possuía, aos 18 anos e recém-chegado da capital. Frequen-temente recebia toras ocas cujos buracos eram fechados com “rolhas” da mesma madeira, artimanha dos “velhacos” caboclos, como dizia Aristeo.

Vovô já não sabia o que fazer com tantos refugos se acumulando em derredor do trapiche, graças à inocência de seu filho. Por vezes, até mesmo ele, experiente no assunto, era ludibriado por aqueles nativos. Depois de quatro anos na atividade, Trieste tornar-se-ia, aos 22 anos, um especialista em madeira.

No diário, Trieste aborda também outros aspectos de sua rotina de vida na Ponta Alegre, como inspecionar os roçados e fiscalizar a semeadura do arroz. Aproveitava a ida ao arrozal para remar um

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pouco, disparar alguns tiros, nadar e apreciar a natureza. Fala das caçadas e do arrependimento de abater animais, dizendo que somente o fazia para combater a melancolia que dele se apossava, confessando que não resistia quando um animal de certo porte ficava ao alcance de sua arma.

Também deixou narrado que os trabalhadores que residiam na propriedade da família tinham o hábito de preparar o “assahy” (grafia da época) bem grosso. Somente depois que o velho Aristeo dormia, Trieste ia até o barracão dos ribeirinhos para tomar o famigerado açaí. Como já mencionado, seu pai discordava dos hábitos higiênicos daquela população e apelidava aquele vinho preparado por eles de “caldo de porco”.

Embora preparasse a bebida em casa, Aristeo a rejeitava quando feita sem a mínima higiene. Isto porque os caroços eram armazenados em cestos (paneiros) em contato com o chão ou com o fundo sujo das canoas.

O acaí preparado pelos caboclos era amassado com as próprias mãos em “alguidás” de barro (vasilhas grandes), ou com garrafas de vidro utilizadas como pilão, após permanecer de molho em água morna, de procedência duvidosa, para amolecer os caroços. Para que o caldo ficasse fino ou grosso utilizavam duas peneiras com malhas de diferentes diâmetros. Não usavam açúcar, como fazemos hoje. Também comiam a chamada “mansagana”, que nada mais é do que os caroços de açaí jogados na boca, após serem amolecidos na água morna, onde eram degustados junto com muita farinha.

O abate de tucunarés com espingarda é também contado por Trieste. No início da maré enchente os tucunarés procuram lugares de pouca profundidade na margem do rio. De cima do trapiche titio esperava em silêncio com a arma engatilhada, avaliando o tamanho do peixe e o custo da bala que ia gastar. Quando a avaliação era favo-rável, desferia um único e certeiro tiro e corria para apanhar o peixe, tão logo viesse à tona.

Trieste ainda narra a passagem em que os cães da casa (Leão e Raskunim) foram atingidos por um coandú (porco espinho) que

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disparou os seus espinhos no focinho dos cachorros que ficaram latindo de dor, até que ele conseguiu extrai-los de um deles. O outro cão não permitiu que lhe imobilizassem para fazer a extração. Após nosso tio localizar o coandú que atingiu seus cães, abateu-o com um cabo de vassoura. Um dos caboclos da fábrica tratou de cozinhar o bicho, de cerca de seis quilos, dizendo tratar-se de animal de bom paladar.

Tio Trieste adquiriu o hábito de fumar quando mudou-se para o Canaticu. Fumava escondido do pai cigarros sem filtro, da marca ”Continental”, todavia recusava os fortíssimos cigarros artesanais dos caboclos, chamados de “porronca”. Isto demonstra a monotonia dos dias, induzindo as pessoas a se distrairem como podiam, influenciadas pelos hábitos dos nativos.

Finalizando, conta uma passagem ocorrida em 08.09.1936, dia de aniversário de seu irmão Paolo, que residia em Belém. Aristeo diz a Trieste que se tivesse lembrado antes teria ido a Belém de hidroavião (da antiga Panair do Brasil, que fazia escala em Curralinho, vindo de Manaus). No entanto, a fama de “pão duro” que seu pai carregava fez Trieste testemunhar em seu diário:

“teria realmente meu pai de fato pensado no assunto naquela hora imprópria para por a idéia em prática ou fez isso somente para demonstrar boa vontade tardia, em troca de boa economia?”

O diário permite ainda um retorno à ortografia vigente, em 1936. Há várias palavras hoje em desuso e algumas com grafias diferentes, tais como telegrapho, sahida, epocha, phrases, assumptos, immediato, dentre outras. A título de curiosidade, o diário é anterior à primeira Reforma Ortográfica da língua portuguesa, que ocorreu em 1942.

Como vimos, Trieste nasceu em 1918 e foi para a Itália, com a família, em 1925, aos seis anos de idade. Permaneceu na Europa por quatro anos, onde foi alfabetizado e voltou ao Brasil com dez anos. Somente a partir dessa idade passou a estudar português.

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Na alternância de idiomas que aprendeu, há que se valorizar o estilo com que o filho de Giorgina escrevia, mais compatível com o de uma pessoa com experiência literária do que com o de um jovem de 18 anos incompletos.

Através do romance de Paolo tomamos conhecimento de um naufrágio sofrido por seu irmão, no qual quase morreu afogado. Segundo Paolo, os navios a vapor daquela época foram projetados pelos ingleses para navegar nas águas calmas dos rios amazônicos e não para as turbulentas ondas de até dois metros da agitada baía de Marajó. Adicionalmente, aquelas embarcações eram carregadas acima do limite, o que deslocava o seu centro de gravidade, aumentando ainda mais o risco. Não sabemos como se deu o naufrágio, apenas que Trieste sobreviveu agarrado a um fardo de algodão por uma noite inteira e uma manhã até ser resgatado por uma embarcação.

A título de ilustração, cabe gastar algumas linhas para mos-trar quão rudimentar e penosa era a extração de madeira na região do Marajó. As árvores eram gigantes, descomunais, derrubadas com ma-chado e arrastadas pelo meio da mata sobre galhos roliços até chegar à cabeceira de um igarapé e serem colocadas sobre bóias que faziam-nas ir de “bubuia” (boiando). Caso o igarapé tivesse profundidade insufi-ciente, o madeireiro precisaria esperar pela estação das chuvas para poder conduzir a tora até um local onde pudesse ser montada numa jangada de troncos e ser transportada pelo rio até o ponto de entrega, onde era encalhada no “tijuco” para inspeção do comprador.

Quem coletasse a madeira rio abaixo, precisaria esperar a

comércio de madeiraO

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enchente e quem o fizesse rio acima, teria que esperar a vazante. De dezenas de toras, todas tiradas e lavradas com o mesmo sacrifício, às vezes sobrava uma dúzia dentro da especificação. Trabalho enorme que era condenado parcialmente pela inspeção.

Paolo narra em seu romance a preocupação de vovô com uma encomenda de 600 metros cúbicos de madeira feita pela empresa estrangeira Behring & Co. A entrega se daria em 30 dias e, tendo apenas 260 m3, perguntava-se quanto realmente embarcaria, após o crivo dos classificadores, que chegariam dias antes para inspecionar, peça por peça, a madeira disponível, checando testeira rachada, âmago oco, diâmetro insuficiente, tipo da madeira e outros parâmetros.

Os classificadores analisavam a percussão com batidas de mar-telo na tora para verificar se eram maciças. No dia do embarque os classificadores rejeitaram 83 m3 e ele não conseguiu atingir a quota, alcançando apenas 517 m3 dos 600 m3 contratados. Trieste era quem auxiliava vovô a se comunicar, em inglês, com alguns comandantes de navios que aportavam na Ponta Alegre.

Aristeo mandou construir um chalé na ponta do trapiche, onde residia a família do empregado responsável pela vigilância da madeira. Paolo narra em seu romance a insônia e preocupação de vovô com o furto de madeira. Além do vigia, possuía sempre quatro cachorros mestiços para o alerta e defendia-se com quatro rifles americanos, já que alguns de seus concorrentes possuíam jagunços.

A madeira condenada pelos classificadores (refugos) era utilizada para a construção de trapiches e “estivas” (passarelas) sobre o lodaçal do igapó, que aflorava na maré baixa.

O excedente das peças rejeitadas era aproveitado como lenha na enorme caldeira da usina de nosso avô. O restante do combustível le-nhoso era comercializado com os navios a vapor, para abastecimento das caldeiras navais. Para que os caboclos pudessem se dedicar exclu-sivamente ao extrativismo, havia restrições dos seringalistas quanto a eles plantarem mandioca, fazerem farinha ou até pescar.

Para evitar o excesso de lenha, o empreendedor Aristeo ainda tinha como opção vendê-la para empresas de Belém, que a revendiam às padarias e residências para utilização em fornos e fogões domésticos,

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respectivamente. Como a capital não dispunha de malha rodoviária, aqueles compradores enviavam embarcações até a Ponta Alegre para transportar o “lixo florestal” de nosso avô.

Naquela época, a inexistência de estradas nas proximidades de Belém, de motores diesel para embarcações e de fogões domésticos a querosene ou gás acabavam beneficiando o comércio de lenha de Aristeo. A capital do Pará era isolada do continente, mas não das hidrovias.

Até a década de 1940 a população pobre de Belém e do interior não dispunha de energia elétrica e dependia do azeite de andiroba (muito mais barato que o querosene importado) para iluminação. Esta dependência manteve o folêgo da rudimentar economia extrativista.

Por meio das trocas comerciais Aristeo levava grande desvantagem em relação às casas aviadoras de Belém que despachavam mercadorias para o rio Canaticu, mas pagavam muito pouco por alguns produtos extrativos e evitavam ao máximo o pagamento em dinheiro. Impunham preços baixíssimos às toras de madeira, bem como a troca de milheiros e milheiros de lenha por mercadorias baratas, como farinha e cachaça, causando revolta em nosso avô, segundo o romance de Paolo. Aramburu (2011) considera aqueles compradores de Belém como agiotas pré-modernos. Neste exemplo citado tinham exorbitantes lucros com a exportação de madeira e o fornecimento de lenha para os fogões domésticos e padarias da capital.

E scambo – o desvantajoso sistema de troca

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Com a borracha não era diferente. Os seringalistas entregavam sua produção parcialmente em troca de enlatados europeus, que além de encarecer os aviamentos, destoavam dos hábitos alimentares locais. Bacalhau e sardinhas de Portugal, atum, salmão, camarões, queijos holandeses, manteiga francesa, ervilhas, chouriço, toucinho, carne-seca, pêssegos em calda e leite condensado (Gomes Lima, 2011), contribuíam para debilitar o organismo dos seringueiros de vovô, pela falta de vitaminas e sais minerais.

Em contrapartida, Aristeo levava vantagem comercial nas trocas com os ribeirinhos. Como todos os comerciantes, sobretaxava os produtos de mercearia e atava os extrativistas ao trabalho (Gomes Lima, 2011). Segundo estudiosos, a acumulação do comerciante servia para atender seus empregados em momentos de dificuldade e perigo (Aramburu, 2011). É como se o patrão formasse um fundo de reserva que estaria à disposição dos caboclos. Nessa filosofia os nativos delegavam ao aviador (comerciante) o poder de resolver as fatalidades. O patrão deveria ampará-los caso passassem por carestias, emergências, e, sobretudo, na assistência às doenças. Para os trabalhadores a ajuda em caso de doença legitimava a fidelidade ao patrão e compensava a assimetria das trocas. Todos esses relatos de historiadores acham-se repetidamente corroborados no romance escrito por Paolo Ricci, sobre as transações de seu pai.

Vovô dizia que os caboclos ignoravam os limites daquela proteção, fazendo trapaças, faltando ao trabalho, excedendo-se em comprar

T rieste, o imparcial mediador do escambo

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fiado e beber cachaça. Assim, Aristeo perdia a paciência ao sentir que os deveres morais mútuos, entre ele e os nativos, eram descumpridos constantemente. Passava, também, a querer fazer “corpo mole” em algumas situações. Todavia, seu filho Trieste, muito mais sereno e tolerante, sempre respeitava os empregados naquilo que julgava ser direito deles. Certa vez, um dos caboclos sofreu um acidente durante o embarque da madeira em uma balsa que utilizava um guincho. Embora tivesse trabalhado apenas meio expediente, Aristeo mandou pagar-lhe o dia e considerou o assunto encerrado.

O filho aproximou-se do pai e falou-lhe ao ouvido para que os presentes não percebessem: “E os dias que ele vai precisar ficar para-do, pai?” Aristeo respondeu: “Eu suporto meus prejuízos, cada um que aguente o seu”. Trieste não se conteve e levantou a voz, irreconhecível, a ponto de o próprio pai o estranhar e não mais esboçar discussão. Esbravejou que os tempos do “não tenho nada a ver com isso” preci-savam acabar.

O pai emudeceu diante da indignação de Trieste, provavelmente percebendo que seu filho se tornara um homem feito. Agora também julgava seus atos injustos e insensíveis e não poderia desapontá-lo. Talvez fosse a manifestação da educação que Giorgina lhe transmitia e, sendo assim, não poderia confundir os valores de seu filho.

Percebendo que Aristeo lhe deu razão, ao silenciar, mandou o empregado para casa com provisões de alimentação para o período em que ficaria em recuperação, sem mais nenhuma discussão. A pedra angular da fidelidade de Pedro Pombo, o mais famoso empregado de vovô, era aquela ética de quem tinha recursos para quem não tinha, e os comerciantes eram cientes disso (Aramburu, 2011). Apesar do “sermão” de Trieste, Aristeo deve ter sentido orgulho daquele “juiz” ao seu lado, impedindo-o de cometer injustiças.

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Aristeo era um italiano alto, de olhos azuis, que gostava de usar jaquetas, finas camisas de mangas compridas – de cambraia ou tricoline – e bengala com cabo de prata, adereço de moda na Europa e também entre os seringalistas. (Ver fotos da página 72) Estes sofriam pressão social para se vestirem da mesma maneira que os “barões”, reforçando, assim, o perfil aristocrático de vovô. Segundo relatado por Nacib Jordy, que o conheceu muito tempo depois do ciclo da borracha, Aristeo vestia-se como um “príncipe”. Vovô fumava cigarros com piteira e gostava de vinho e chopp.

Nosso avô nunca fez questão de obter a patente de “Coronel de Barranco”, que era concedida através de conchavos políticos e pela “compra” da patente, junto à Guarda Nacional, que dava poderes ao seringalista para ter jagunços e exercer força moral, política e até policial, em seus domínios (Gomes Lima, 2011). Aristeo jamais adotou a filosofia de justiçar criminosos, resolver brigas, combater invasões de seringais e punir seringueiros desonestos.

Aristeo era dotado de um traço autoritário e muito exigente com as coisas. Tinha fama de pão duro, principalmente por não presentear os filhos na época de Natal. Esta cultura de austeridade pode ter se agravado pelas circunstâncias da sua própria emigração, já que a maioria desses retirantes pretendia voltar para a família de origem, na Itália, com certa soma de dinheiro obrigando-os a economias extremas (Zanini, 2007). As privações passadas durante a Primeira Guerra Mundial certamente o influenciaram a considerar diversas coisas como supérfluas.

Operfil de Aristeo

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Não permitiu que as filhas estudassem além do ensino fundamental, como queriam e sequer deixava que vovó tivesse uma empregada doméstica, argumentando que isso não era necessário por já ter três mulheres em casa. Tinha um pensamento feudal para os dias de hoje, argumentando que mulher, para casar, não precisava de estudo, mas apenas ser prendada. As prendas domésticas – como caligrafia bonita, cozinhar bem, bordar, engomar e costurar – substituíram as obrigações da noiva de oferecer dote (herança adiantada, na forma de jóias, terras, etc.) aos noivos, a fim de não ficarem solteiras (Nazzari, 2002).

Aristeo costumava reprimir conversas durante as refeições, dizendo: “à mesa, não se conversa nem se acha graça: come-se!”.

Vovô era intolerante com as festividades e ladainhas religiosas, embaladas por músicos da cidade de Breves, com até três dias de duração. Hoje sabemos que essas festas barulhentas eram raras no meio rural italiano. Aristeo as considerava um exagero; fontes de arruaças, bebedeiras, deturpações religiosas e promiscuidades de toda ordem.

Odiava ver os caboclos gastarem o que não tinham e, depois, sem a menor cerimônia, tentar comprar “fiado”. Essa ironia foi retratada por Paolo em um desenho de seu diário. Por trás do balcão de uma mercearia podia-se observar, no desenho, uma placa de advertência afixada na parede: “Fiado Só Amanhã”.

Aristeo não simpatizava com os eventos festivos por saber que, no dia seguinte, seus empregados não compareceriam ao serviço e nem entrariam na mata para cortar madeira. Trieste era mais flexível com essas atitudes, o que fazia vovô desconfiar que ele os protegia. Nosso tio argumentava que os nativos assim procediam por não terem opções de lazer. Nas discussões ficava clara a visão muito diferente que pai e filho tinham sobre as coisas. Trieste não concordava com o modo de pensar do pai, comparando-o a um pastor evangélico (castrador), que não permitia a presença do filho nas festas do local, dizendo que aquilo não era diversão, mas apenas fonte de desordem e pancadaria.

Aristeo lutou sua vida inteira tentando mudar a mentalidade do caboclo. Segundo ele os nativos não vislumbravam a prosperidade

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econômica e preferiam se encher de filhos com diferentes mulheres e passar longas horas se embalando nas redes, coçando os dedos dos pés. Ao conseguirem alguma farinha, pirarucu, tabaco e querosene, simplesmente desapareciam. Mas eram mestres em enganar os desavisados. Vovô tinha dificuldades para administrar as diferenças culturais entre a Europa e o Marajó, estressando-se em demasia com a irresponsabilidade e a “indolência” dos nativos.

Trieste fazia ver ao pai que este perdia clientela com a sua into-lerância, enquanto seus concorrentes, ao possuírem mais jogo de cin-tura, atraíam clientes durante as festividades. Dizia Trieste que até no arraial de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, a cachaça era permiti-da e vendida com a complacência dos padres e que o pai devia fazer o mesmo ao invés de se estressar com o assunto.

Ainda com relação à cultura nativa, Aristeo, diante da exploração sem controle dos recursos naturais pelos caboclos, perguntava-se sobre o que seria destes quando tais recursos estivessem exauridos e as pessoas do local não tivessem mais como obter dinheiro com a venda ou uso dos produtos extraídos. Nos dias de hoje é comum a preocupação com o manejo sustentável do extrativismo florestal, mas é surpreendente que nosso avô, na década de 1930, já tivesse essa visão apurada sobre o assunto.

É provável que já percebesse que, tanto a extração das madei-ras nobres como a derrubada das palmeiras oleaginosas (patauá), estivessem, cada vez mais, deixando essas árvores distantes de seu trapiche em relação ao ano que por lá chegara (1904). Essa exaustão progressiva da floresta também era facilmente constatável em decor-rência da extração dos palmitos de que tanto gostava. O mais sabo-roso deles, da pupunheira, estava ficando escasso nas proximidades de seu barracão.

Vovô adorava o palmito dos seus açaizais e tinha algo em torno de 300 galinhas, criadas em aterro de caroços de açaí, que eram enviadas para a família, em Belém. Não gostava de autoridades, fossem elas dita-dores, delegados de polícia ou “coronéis de barranco” (seringalistas cer-cados de jagunços). Dedicava-se totalmente ao trabalho, sendo a pesca

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em seu trapiche, após o jantar, o seu lazer predileto. Já aos 62 anos, em 1936, vovô comentava que seu desejo era poder viver mais cinco ou seis anos para poder ensinar a arte do comércio ao filho mais velho.

A essência do mundo para Aristeo estava nas atividades do co-mércio e da indústria. Para ele, cientistas, poetas, escritores e jornalis-tas estavam condenados a morrer de fome, como costumava dizer aos filhos Trieste e Paolo quando estes se interessaram, desde cedo, por literatura, arte, pintura e jornalismo.

A vida no Canaticu era de sacrifícios. Em 1936, Curralinho tinha apenas uma rua e uma igreja sem pároco. Sua população não ultrapas-sava algumas centenas de pessoas, somente passando à condição de município em 1938 e a ter a sua primeira agência bancária, do Banco do Brasil, em 1940. Quando ia à Belém, vovô saía de casa numa canoa a remo às quatro horas da manhã para esperar navio em Curralinho, sem horário certo de partida.

Quando em Belém, vovô gostava de ir ao cinema, sempre bem vestido. Vovó reclamava que o marido só ia ao cinema quando ela não estava em Belém. Não sabemos se ele poupava a esposa de aparecer em público por causa da elefantíase, da qual ela tinha vergonha, ou se aproveitava a sua ausência para dar suas escapadas.

Torna-se necessário fazer uma observação sobre a bravura da-quele italiano que jamais sucumbiu diante da falência dos seringais. Ao contrário de muitos que se suicidaram ou emigraram, diversificou suas atividades e superou a crise, deixando um exemplo de disciplina, persistência e de empreendedorismo.

Dos 84 estabelecimentos que existiam no rio Canaticu, em 1904, apenas três restariam ativos em 1936, dentre os quais o de Aristeo, segundo narrado no romance de Paolo. Nessa época, vovô tinha cerca de 40 empregados, possuía vários barracões, armazéns e galpões e, além de ter sido um dos pioneiros na extração dos óleos e sebos vege-tais, tornara-se o maior comerciante do rio Canaticu.

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Aqui cabe comentar um pouco sobre o irmão de Aristeo, um dos mais sofridos da família. Uma espécie de “herói sem estátua”. Tudo indica que ele tinha objetivos e filosofias muito semelhantes aos de vovô, gerando grande afinidade entre eles. Conrado era um homem bem mais alto e mais forte que nosso avô, apenas um ano mais velho. Aristeo era o proprietário dos negócios e Conrado algo como seu ge-rente. Na ausência dos dois, Trieste assumia o comando das transações comerciais. Quando Aristeo viajava, fosse para Curralinho, Belém ou Itália os negócios e as propriedades ficavam sob a responsabilidade e vigilância do irmão.

Célia sempre perguntava à mãe sobre o tio Conrado e se ele não tinha mulher e filhos, já que este fato nunca era citado. Depois de muita insistência, Gorízia lhe revelou, muitos anos depois, que Conrado, na verdade, quando veio tentar a vida no estrangeiro já era casado, tendo deixado a mulher na Itália.

Anos depois, ao retornar à Itália, encontrou a mulher com outro homem e já com dois filhos deste. Este fato fez com que Conrado se desiludisse das mulheres, passando a viver sozinho em Curralinho. A decepção azedou o seu temperamento, pois Conrado era rabugento, mal-humorado e “estraga-prazeres”. Segundo Giorgina contava, o gênio de Conrado era semelhante ao de sua irmã Giuglia Pachini. “Ela era uma peste !”, reclamava vovó, sobre o temperamento intempestivo da cunhada.

onrado, o fiel escudeiro de AristeoC

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Conrado foi guerreiro e irmão exemplar, nunca abandonando vovô. Acreditamos que sua ex-mulher morreu cedo, pois Paolo descreve-o como viúvo em um de seus manuscritos encontrado em 2010.

Conta Paolo que para compensar a falta de um relacionamento afetivo, o seu tio se envolvia com as caboclas e com uma delas provavelmente teve um filho. A Sra. Maria da Conceição Gomes, esposa do senhor Odesto, morador da Ponta Alegre, informou à historiadora Nancy durante a pesquisa com moradores, que, apesar de ser muito pequena na época, lembra que ouvia seu tio falar que Conrado teve um(a) filho(a) com uma mulher da região mas que este(a) morreu ainda criança. Assim, hoje não nos restou nenhuma informação mais confiável sobre este possível membro da família. Caso estivesse vivo, teria idade avançada e a emoção desse encontro inusitado seria inimaginável.

Graças a um “croqui” desenhado por Leonardo Fonseca, que conheceu as propriedades de Aristeo e Giorgina, descobrimos que a casa da família Ricci no rio Canaticu era composta de três quartos, sendo o maior deles destinado ao casal. Os quartos se comunicavam através de um corredor e rodeavam a mercearia (ou taberna como chamavam), que tinha uma posição central, com todos os compartimentos construídos em torno dela. A casa possuía sala de jantar com enorme mesa, cozinha, ambiente descoberto para secar roupas, chamado “tendal” e um corredor largo que levava ao trapiche, chamado de “ponte”. Existia um

Aresidência da família Riccina Ponta Alegre

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gigantesco galpão onde eram armazenados os produtos da mercearia. Havia também um depósito menor onde eram guardados a andiroba, a ucuúba e o patauá.

P erseguições e humilhações durante a Segunda Guerra Mundial

Em 1939 começa a Segunda Guerra Mundial, inicialmente com reflexos apenas na Europa.

No dia 16 de setembro de 1940, Aristeo e Giorgina formam, em sociedade igualitária, a Aristeo Ricci & Cia. Ltda, para facilitar a comercialização de seus produtos industriais e de outros gêneros nacionais e estrangeiros, conforme o contrato firmado, guardado por Paolo. Os sócios dispunham de um capital de 30 contos de réis e podiam movimentar até 500 mil réis/mês, para as suas necessidades individuais.

Em um calendário de 1940, conservado por Paolo Ricci durante todos esses anos, a empresa de nosso avô fazia a propaganda do negócio citando a compra, venda e exportação de borracha, lenha, carvão, cacau, óleos, couros, sementes e qualquer produto do município. (Foto 14)

Em dezembro de 1940 morre tio Trieste, com 22 anos, vítima de doença desconhecida, por falta de assistência médica. Interrompeu viagem às ilhas Caviana e Mexiana (norte do arquipélago), regressando às pressas de Breves, para morrer nos braços paternos, sob muita tosse, febre alta, asfixia na garganta (angina) e delírio, hipoteticamente por febre amarela ou difteria, segundo seus familiares. Na versão dos nativos, relatada para a família Fonseca, Trieste foi vitimado por “terçã maligna”, espécie agressiva de malária que mata rapidamente em 10% dos casos, mesmo com os recursos atuais. Segundo Leonardo Fonseca,

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a febre amarela era muito rara na região. Trieste morreu em casa, sem assistência médica, nem atestado de óbito e foi enterrado em Curralinho.

Paulina e Gorízia sempre tiveram sonhos de premonição. Em Belém, Paulina sonhou que alguém chegava morto numa maca, no trapiche da Ponta Alegre. Três dias depois Aristeo lhe daria a notícia da morte do irmão Trieste, em condições parecidas com a do sonho.

Durante o enterro a família teve que suportar uma demonstração do preconceito contra os italianos ao escutar um grito de “morram todos os italianos”. Paolo lembrou que enterrara o irmão em silêncio, invadido que fora pelo medo de ser visto como um estrangeiro, em de-corrência das animosidades surgidas com a Segunda Guerra Mundial. Em entrevista a um jornal paraense, 60 anos depois, Paolo lembraria o episódio e se confessou covarde por não ter “retrucado” à ofensa do exaltado, que pedira a morte de todos os italianos. Paolo silenciou na dor, silenciou a própria revolta. Havia dor maior, bem mais forte que todas as outras: perdera um irmão.

Foi nesse período que se formou a colônia de Tomé-Açú, município paraense onde a colonização japonesa introduziu o cultivo da pimenta. O município tinha grande concentração de japoneses e para lá estavam sendo transferidos italianos, japoneses e alemães, constituindo um “campo de isolamento” (Wikipedia, 2011c). Este episódio só veio ao nosso conhecimento em 2010, ao ser encontrado um manuscrito de Paolo.

A morte prematura de tio Trieste fez com que Aristeo mandasse chamar o filho Paolo para assumir o lugar do irmão. Isto significava que Paolo teria que interromper os estudos no meio do curso de perito contador no Colégio Nazaré, com o que Paulina, sua irmã mais velha, não concordou. Aristeo, sentindo-se desafiado em sua autoridade, desferiu um tapa no rosto da filha pela ousadia de questionar uma ordem sua. No entanto, a posição da filha acabou prevalecendo e Paulina e Gorízia passaram a revezar-se no apoio a vovô enquanto Paolo concluía o curso em Belém, o que ocorreu no final de 1941. Este fato, contado por Paulina, também é citado no discurso de Paolo na Academia Paraense de Letras (Ricci, 1987).

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Em 1941, os japoneses tomaram os territórios asiáticos produtores de borracha deixando os aliados completamente carentes dessa matéria-prima para seus veículos e aeronaves (Abril Coleções, 2008a). Em decorrência desse fato, acionado pelos EUA, o governo brasileiro inicia grande mobilização de nordestinos (os soldados da borracha) para reativar os seringais da Amazônia (Borges, 1986).

Em 07 de dezembro de 1941 ocorre o ataque japonês à base americana de Pearl Harbour. Em 09 de dezembro de 1941, o governo brasileiro de Getúlio Vargas, através do Decreto-Lei no 3.911, estabeleceu que as empresas dirigidas por cidadãos japoneses, alemães e italianos, denominados ”súditos do Eixo”, somente poderiam realizar transações bancárias mediante prévia autorização do Banco do Brasil (Câmara dos Deputados, 2011a).

Em janeiro de 1942 o governo brasileiro rompe relações com os países do “Eixo”. Com o fim da neutralidade brasileira, os alemães passam a afundar navios mercantes brasileiros, que levavam suprimentos aos ingleses, fatos estes ocorridos em águas internacionais (Sander, 2007).

Em represália aos prejuízos humanos e materiais, em 11 de março de 1942, o governo brasileiro emite o Decreto-Lei no 4.166 que determinava o confisco de bens de imigrantes alemães, italianos e japoneses no Brasil, em garantia aos danos e prejuízos causados por seus países (Câmara dos Deputados, 2011b). Todas as contas bancárias com saldos superiores a dois contos de réis, cujos titulares fossem “súditos do Eixo”, sofreram confisco em percentuais variáveis, sendo o montante obtido transferido para o Banco do Brasil.

O Decreto-Lei 4.166 foi regulamentado pela Portaria 5.408, de 28.04.1942, cujo artigo 2º definiu que a percentagem a ser confiscada seria de 10% para saldos bancários de até 20 contos de réis e de 30% para saldos superiores a 100 contos de réis.

Adicionalmente, no Canaticu, os clientes, incentivados por alguns concorrentes, deixaram de pagar as dívidas contraídas com vovô. Nesse momento, Aristeo sente-se profundamente abalado por constatar que todo o esforço bem sucedido para superar a falência

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dos seringais estava “indo a pique junto com os navios”. A família, financeiramente, tinha sofrido um abalo.

Nos períodos em que ia prestar apoio ao pai no Canaticu, Paulina vivenciou situações tensas. Contava ela que, numa determinada ocasião, um dos concorrentes com o qual vovô tinha certas diferenças, desembarcou no trapiche da casa acompanhado de dois seguranças armados. Vovô disse ao visitante indesejável: “O Senhor desce, mas seus jagunços ficam no barco”. E assim foi feito. Paulina, muitos anos depois, contava a história enaltecendo a coragem de seu pai que, mesmo com os constrangimentos impostos pela guerra, não abria mão de receber em sua casa apenas aqueles a quem autorizasse.

Além do aspecto financeiro, houve também um conjunto de me-didas adotadas pelo governo brasileiro que os afetou diretamente. A mais humilhante foi, sem dúvida, a proibição absurda de falar a sua língua em público.

Vovô e a família foram também obrigados a ter que se apresentar na delegacia de polícia duas vezes por semana, visto que os imigrantes passaram a ser vigiados de perto, por suspeita de espionagem.

Alguns imigrantes realmente eram nazi-fascistas e forneciam informações, via rádio, para Berlim, sobre a hora da partida, tipo de carga transportada e destino dos navios, facilitando a interceptação dos mesmos pelos submarinos. Daí a razão da polícia invadir as casas de imigrantes, procurando estações de rádios clandestinas escondidas nos porões.

Entre julho e agosto de 1942, os ataques a navios brasileiros intensificaram-se. A saúde de Aristeo sofre um segundo e mais forte abalo com o afundamento, entre 18 e 19 de agosto, de cinco navios brasileiros por um único submarino alemão, agora, no litoral brasileiro. Os 652 cadáveres mutilados e náufragos sobreviventes chegavam às praias nordestinas, gerando sentimento de comoção nacional e desejo de revide nos brasileiros (Conheça Nossa História, 2008).

Em Belém, a população incitada promove quebra-quebras, passea-tas, tentativas de linchamento de imigrantes, comícios e depredação de propriedades estrangeiras, levando à completa destruição de várias in-dústrias pertencentes aos italianos nas cidades de Cametá, Icoaraci e na

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ilha das Onças, com a perda de centenas de empregos (Menezes, 2005). Vovô e a família estavam em Curralinho e não presenciaram tais situa-ções, mas as notícias degradantes sobre os italianos, em rádios e jornais, criavam um convívio delicado com vizinhos e outros brasileiros.

Por ser chefe de família, Aristeo era muito mais visado pela polícia. O temor de vovô era ser deportado para o chamado “campo de concentração” de Tomé-Açu (Wikipedia, 2011c) tendo que deixar filhos e esposa sem notícia ou, ainda pior, sofrer alguma tentativa de linchamento, fato muito comum entre os perseguidos e odiados imigrantes.

Para ilustrar o clima reinante nesse período, reproduzimos abai-xo um trecho do pronunciamento de Paolo Ricci na APL (Ricci, 1987):

“E quanta ira e revolta engolidas à custa de contrações nas vísceras, ante o desfile dos aproveitadores, como aqueles que vieram abater, a tiros, sob o olhar vazio e complacente de nossa mãe, um belo capado de nosso criatório, sob alegação de que o animal não nos pertencia porque fugira, de lonjuras, a nado, quando ainda era jovem barrasco”.

Que fascista seria Aristeo se ele e Conrado viraram as costas para o racismo dos Estados Unidos, optando posteriormente por viver como ribeirinhos, no Canaticu, numa clara demonstração de simplicidade?

Depois de adiar o casamento por cerca de um ano por causa de suas idas rotineiras à Curralinho para apoiar o pai na substituição de Trieste e no bojo de todos os acontecimentos que se desenrolavam, em 6 de agosto de 1942, Paulina, aos 31 anos, casa-se com o imigrante português João de Almeida Pinto e passa a se chamar Paulina Ricci Pinto. João, neste mesmo mês, adquire a Casa Fernandes, mercearia localizada na avenida Generalíssimo Deodoro, ao lado da Santa Casa de Misericórdia, no bairro do Umarizal, em Belém. O casal passou a residir na casa existente no mesmo terreno da mercearia.

Em 22 de agosto de 1942, reagindo aos comoventes e audaciosos afundamentos dos navios mercantes brasileiros, Getúlio Vargas, pressionado pelos aliados e pela opinião pública, decreta o “estado de beligerância” com os países do Eixo, culminando na declaração de

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guerra, dia 31 de agosto de 1942 (Abril Coleções, 2008b). Até esta data haviam sido afundados 19 navios mercantes brasileiros pelos alemães.

No dia seguinte (01.09.1942), as arruaças que vinham ocorrendo Brasil afora, chegam à Curralinho e os ribeirinhos, provavelmente in-centivados pelos raivosos anti-italianos locais, incendeiam o barracão de Conrado. Nosso avô não suporta esses últimos acontecimentos e sofre um AVC, falecendo três dias depois, em 04 de setembro de 1942, aos 68 anos. A sequência de acontecimentos, desde o confisco de suas contas bancárias, foi demais para ele.

No Canaticu, até os caboclos passaram a exibir, acintosamen-te, suas peixeiras penduradas à cintura. Os italianos, de modo geral, pediam para serem presos pela polícia, com medo de linchamentos. Mesmo aqueles que não queriam ser encarcerados, temiam o fantasma do “campo de concentração” de Tomé-Açu, para onde estavam sendo enviados imigrantes que fossem suspeitos, delatores, presos políticos, espiões, criminosos, judeus e pais de família, para que lá ficassem iso-lados. Vovô foi enterrado em Curralinho, em sepultura separada de seu filho Trieste, que falecera há apenas 21 meses.

O cortejo fúnebre de nosso avô, descendo o rio levado por seis remadores improvisados em coveiros, foi comovente, solitário e ten-so. Sob um sol a pino, mais uma vez a família é humilhada ao escu-tar hostilizações anti-italianas que já haviam ocorrido há menos de dois anos no enterro de Trieste. Um exaltado, que não se deteve ante a morte, berrou a plenos pulmões “que morram todos os italianos”, ensandecido e envenenado pelas notícias tendenciosas do rádio e da imprensa.

Paolo relembra o episódio do enterro do pai em seu pronuncia-mento na Academia Paraense de Letras (Ricci, 1987):

“No retorno do enterro, horas avançadas da noite, abatidos pela tristeza e cansaço, ao chegarmos ao mesmo e exato trecho do rio, a escuridão de um céu sem estrelas exacerbava o fantasmagórico matraquear de martelos na confecção de um esquife. A Parca também colhera, de chofre, aquele vilipendiador de cadáveres”.

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Muitos anos mais tarde, Paulina e Gorízia contariam esse fato di-zendo que a mãe, ao ouvir o discurso do exaltado contra os italianos, rogou praga, dizendo algo como “a morte também vem te pegar muito antes do que pensas, seu malledetto (maldito)”. Seja pela praga rogada ou não, o infeliz que pedia a morte de todos os italianos morreu horas depois de externar o seu desejo.

Agora, Giorgina e Conrado passam a ter que se apresentar duas vezes por semana à polícia política, pois havia uma ação repressiva sistematizada aos imigrantes, que passam a ser considerados simpa-tizantes ou “súditos do Eixo”. Os imigrantes passam a sofrer um con-trole efetivo, necessitando de salvo-condutos e de autorizações para a transferência de residências e têm confiscados rádios e máquinas fotográficas (Takeuchi, 2008). Paolo, certa vez, namorando dentro de um navio no porto prestes a partir, é retirado às pressas pela polícia, impondo-lhe inesquecível constrangimento.

No pronunciamento da Academia (Ricci, 1987), Paolo relembra as palavras da mãe diante de todo esse conflito:

“Estamos novamente como nos velhos tempos da borracha: com o sangue agitado e em constante ebulição. Perdemos a paz que encontramos neste rio. Outrora, ante os capangas e cangaceiros que nos rondavam com grandes peixeiras à cinta, podíamos empunhar rifles, agora só nos resta calar. Antes, as ameaças e provocações nos enchiam de razões; agora, a guerra tirou-nas de todo. Pagamos o preço que o conflito impunha a muitos sem culpa.”

Em setembro de 1942, aos 26 anos, Gorízia casa-se com Nacib Jordy, filho de um comerciante libanês passando a chamar-se Gorízia Ricci Jordy. Segundo Célia, filha mais velha de Gorízia, o casamento da mãe não teve comemorações em virtude da morte de Aristeo, dias antes. (Fotos 15 e 16)

Paolo denominou o seu diário de “Retalhos dos dias que passam” e nele relembra que, mesmo após a morte de vovô, o estabelecimento comercial da família ainda funcionava com grande movimento em

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1943 e que era constante a chegada de pessoas vendendo pelas de borracha. Paolo, agora residindo no Canaticu, lembra em seu diário que à noite dormia ouvindo, no rádio, música e as notícias da guerra.

Paolo passou a substituir o irmão nas caçadas junto com os cabo-clos. Comiam muita carne de veado, que existiam em abundância nas proximidades dos igarapés.

Ainda durante muito tempo após o seu falecimento, vovô era lembrado na região como o “finado” Aristeo, segundo testemunho de membros da família Fonseca.

O destino pareceu querer marcar Aristeo com as guerras; emi-grou de sua pátria em função de condições desfavoráveis criadas, em parte, pelas guerras que ocorreram na Europa no final do século XIX e do prenúncio de novos conflitos. Já no Brasil, sofreu na carne as consequências da Primeira Guerra Mundial, mesmo estando distante dela, e chegou ao momento crucial de sua vida sendo vítima das dra-máticas consequências da Segunda Guerra Mundial.

O tempo haveria de provar que, apesar das retaliações brasileiras contra os japoneses, nunca foi confirmada qualquer suspeita de ativida-des destes contra a “segurança nacional”. Conforme Takeuchi (2008), o ja-ponês, no pensamento político desse período, era considerado como um estrangeiro perigoso e bem organizado, que destruiria a nação brasileira.

A existência de campos de concentração implantados pelo gover-no de Getúlio Vargas em nosso país, durante a Segunda Guerra Mun-dial, é um tema que permaneceu oculto durante décadas na história recente do Brasil. Somente há pouco mais de dez anos os arquivos foram abertos, passando o assunto a ser abordado em livros (Perazzo, 2009), revistas (Superinteressante, Fevereiro/2011) e teses de doutora-do de história nos anos 2000.

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Paulina em 1940

Paulina e Gorízia em 1940

Gorízia em 1940

Trieste em 1940

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Trieste em 1930

Trieste em 1939, aos 21 anos

Trieste em casa, 1936

Paolo em 1937

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Aristeo em 1934, aos 60 anos

Aristeo, aos 64 anos

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João e Paulina em 1942, no dia do casamento

Conrado e Aristeo em 1936 - Única foto localizada de Conrado

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Ao mesmo tempo em que a Segunda Guerra Mundial depreciava a autoestima dos italianos e gerava um difícil convívio social, os produtos das atividades extrativistas e industriais de nosso avô estavam bastante valorizados no mercado. O conflito bélico atuou, economicamente, no sentido inverso daquele observado durante a Primeira Guerra Mundial, gerando bons lucros para vovô.

Em 1940 o Brasil ainda não dispunha de refinarias de petróleo e todo o combustível era importado. Durante a guerra, os países exportadores reduziram drasticamente o fornecimento de gasolina, querosene, diesel e óleo combustível para o Brasil. Sem óleo suficiente, as usinas termelétricas não operavam 24 horas/dia e as capitais sofriam racionamento, prejudicando a iluminação pública e residencial (Sampaio, 2011). A situação era ainda pior no interior, que dependia do querosene para os lampiões.

A alternativa eram os azeites de andiroba e copaíba, excelentes combustíveis para lampiões e matéria-prima para a fabricação de velas (Franco, 1998). Esses produtos refinados por vovô passaram a ser artigos de grande procura, exatamente como já havia ocorrido entre 1914-1918 (Franco, 1998). Eles provavelmente estavam com os preços inflacionados, pois toda a população dependia dessa solução caseira para atenuar o problema de racionamento de energia e querosene, tanto no Brasil como nos países arrasados por bombardeios.

paradoxo da Segunda GuerraO

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Além disso, o Brasil ainda não havia se industrializado e produzia mínimas quantidades de óleos vegetais comestíveis (soja, amendoim, girassol, milho, algodão e arroz), até 1940 (Menezes, 2005). Com as drásticas dificuldades de importação, os óleos vegetais importados desapareceram do mercado, ou tiveram os preços excessivamente elevados durante a guerra. A solução foi o Brasil passar a produzir os seus próprios azeites de cozinha e outros óleos vegetais comestíveis, reduzindo as necessidades de importação, evitando a alta dos preços e o desabastecimento geral (Menezes, 2005).

Foi a partir dessa política industrial de substituição de importações que o Brasil começou a investir, maciçamente, em óleos de dendê, babaçu e patauá, dentre outros.

A grande contribuição da “região das ilhas”, para as finanças de nosso avô durante a guerra foi o refinamento do azeite de cozinha a partir das amêndoas da palmeira de patauá, que servia tanto para tem-perar saladas como para frituras. O patauá é considerado a “oliveira da amazônia”, pois seu óleo é o que mais se aproxima, em sabor e proprie-dades medicinais, do azeite de oliva (Pesce, 1941). Desde a Primeira Grande Guerra ele vinha sendo exportado pelo Brasil.

Durante o segundo conflito mundial as exportações foram ainda maiores, pois existiam mais fábricas e ainda extensos patauazais no Marajó e nos arredores de Belém. Este ítem culinário produzido por Aristeo passou a ser um produto-chave para as donas de casa de Be-lém e de vários países, pois Itália, Espanha e Portugal pararam de ex-portar o azeite de oliva durante a guerra. A própria colônia portugue-sa no Brasil não conseguia encontrar o azeite de oliva, pois este logo acabava, segundo a literatura extrativista. Para o mercado brasileiro os preços eram muito mais acessíveis, principalmente para a pobre população brasileira da época.

A política industrial de substituição de importações aqueceu as transações industriais de Aristeo, tanto para o mercado interno como para o externo. Os países em guerra priorizavam a indústria de armamentos e preferiam importar gêneros alimentícios e combustíveis vegetais de nações não envolvidas no conflito. Portanto, esses novos

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“ventos” econômicos funcionaram como uma “ironia” benéfica que contrastava com os constrangimentos e aflições impostos às famílias italianas no Brasil.

Além do refino do patauá, que nunca foi uma atividade sistemática da usina de nosso avô, o óleo de copaíba, com a demanda aquecidíssima pelo conflito bélico, também passou a ser refinado por ele. Os países beligerantes precisavam poupar os derivados de petróleo para a iluminação. Além desse estratégico atributo energético, do tronco de sua árvore e de suas sementes a copaíba fornecia um óleo-resina excelente para cicatrizar ferimentos e um ótimo antisséptico das vias urinárias.

Paolo relatou a seu filho mais velho (Trieste) e em entrevistas, que seu pai exportava sebo de ucuúba e óleos vegetais não comestíveis (an-diroba e copaíba), bastante valorizados na Europa e Estados Unidos muito antes da guerra.

Navios mercantes nacionais e estrangeiros aportavam na Ponta Alegre com qualquer maré, pois eram sempre acompanhados de “práticos” da região. Os de maior porte ancoravam num barranco a 100 metros do trapiche de vovô, onde a margem do rio coincidia com um canal profundo.

Os navios cargueiros compradores adentravam descarregados nos rios Canaticu (Curralinho) e Pacujutá (São Sebastião da Boa Vista), sul do Marajó. Neste último existia a mais importante fábrica de azeite de patauá de toda a região. Atracavam, primeiramente, nesses trapiches, incluindo o de vovô, para comprar o seu estoque de óleos e sebos. Posteriormente partiam para as usinas de Cametá (foz do Rio Tocantins), Cachoeira do Arari, ilha das Onças, Belém, Mosqueiro e Distrito de Icoaracy, para também comprar a produção industrial de outros italianos, que tinham usinas naqueles locais interligados ao rio Pará (Menezes, 2005; Emmi, 2008b).

Na foto da página 73, de 1936, Aristeo e Conrado posam ao lado de tambores metálicos de 200 litros. No inventário após a morte de nosso avô, observa-se que em fevereiro de 1944 a família ainda dispunha de 42 recipientes (8.400 litros). Isto permite deduzir que no auge de

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1940-1941 o total de tambores poderia ser bem maior e os estoques de óleos vegetais superiores a 10 mil litros. Havia ainda o sebo de ucuúba que não era estocado naqueles recipientes, pois era vendido em barras. Além desses produtos com valor agregado, nosso avô industrializava barras de sabão, graças à extração do sebo de ucuúba.

Segundo Borges (1983), a maioria dessas atividades comerciais surgiu logo após a falência do mono extrativismo da borracha, por volta de 1920. E foram significativamente alavancadas a partir de 1939, conforme Menezes (2005).

A Segunda Grande Guerra promoveu outra “ironia” econômica em relação aos tempos difíceis da Primeira Guerra Mundial. Provocou a tão aguardada retomada da exportação de borracha, algo que o sonhador tio Conrado sempre acreditou, como narrado no romance “Os Extrativistas”. Trinta anos depois, em março de 1942, os acordos de Washington entre os presidentes Roosevelt e Getúlio Vargas (Borges, 1986), deixariam Conrado e Aristeo entusiasmados com a parceria pactuada para a chamada “Batalha da Borracha”.

O “Banco da Borracha” estava sendo criado para fomentar e financiar o recrutamento de seringueiros, a coleta do látex, o plantio de árvores, o transporte e a comercialização da goma elástica para os países aliados (Borges, 1986). Segundo Paolo, em meados de 1943, inúmeros “soldados da borracha” (caboclos da região) chegavam à Ponta Alegre para fornecer o “ouro negro” para Giorgina e Conrado, em troca de “aviamentos” (mantimentos de mercearia). Eram atividades ligadas ao “Segundo Ciclo da Borracha”, associadas à guerra e à captura dos seringais asiáticos pelo Império Japonês (Abril Coleções, 2008b). Quem mais se beneficiou desse reaquecimento do látex foram Giorgina e Conrado, já que vovô faleceu seis meses depois da criação daquele banco.

O comércio de borracha continua sendo, até hoje, um dos carros-chefe da economia de subsistência local.

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Ainda em 1943, vovó tomou a decisão: vender tudo e partir para Belém. Afinal, com o filho mais velho e o marido falecidos; o cunhado Conrado já com 71 anos e com problemas de saúde; duas filhas recém-casadas; clima desfavorável e violento devido a guerra e o filho mais novo com apenas 17 anos, era muito difícil continuar.

Paulina e Gorízia contavam que o preço de venda das propriedades e bens do rio Canaticu foi muito decepcionante, causando um grande prejuízo e indignação à família. O que talvez não tenham levado em conta ao emitir seus comentários é que, pela legislação vigente, as ilhas em rios com influência de maré pertencem à Marinha do Brasil, não sendo negociáveis e nem permitida a concessão de escrituras públicas. Vendeu-se, na verdade, as benfeitorias e não as propriedades. Leonardo Fonseca confirmou que seu pai não tinha nenhum documento de propriedade da Ponta Alegre, a não ser recibos de compra e venda.

As lavouras da ilha Cacau e os barracões, comércio e a usina fo-ram vendidos para a família Fonseca (Fonseca Sobrinho & Irmão), por Cr$ 90.000,00 viabilizando o desejo de nossa avó de voltar o mais rápido possível para Belém. (Fotos 17 e 18)

Os bens foram vendidos em regime de “porteira fechada”, tendo nossos familiares levado consigo da Ponta Alegre apenas pertences pessoais.

Como conseguiram manter um padrão digno de sobrevivência, já que vovó não tinha pensão do falecido marido? É provável que

sobrevivência após a venda dos bens do CanaticuA

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ela tenha planejado, financeiramente, a sua mudança para Belém. Suas aquecidas atividades comerciais, até fevereiro de 1944, devem ter lhe proporcionado algum lastro financeiro. O “Segundo Ciclo da Borracha”, durante a Segunda Guerra Mundial, conforme citado, favoreceu, em muito, as finanças da família.

Aos recursos financeiros da Aristeo Ricci e Cia. Ltda. somou-se o montante apurado na venda dos bens de Curralinho. Provavelmente, com isso, a família deve ter tirado o seu sustento durante os primeiros anos de mudança definitiva para Belém. Mesmo assim, acreditamos ter sido uma difícil transição financeira, tanto quanto aquela da derrocada da borracha.

Essa drástica mudança de vida é um dos pontos mais nebulosos desta história. Paolo confirmou que a família jamais passou por maiores dificuldades, em Belém. De fato, algumas evidências sustentam que houve um planejamento antecipado (poupança) de Giorgina para se mudar para a capital. Tanto que, em 1945 ela ainda se deu ao luxo de fazer pintura geral na casa, comprovando que sua situação estava longe de ser crítica.

Paolo só viria a ter o seu primeiro emprego formal em março de 1945, aos 19 anos, com salário de irrisórios Cr$ 240,00, conforme constatado em sua primeira carteira profissional. Em 1947 passou a trabalhar na Shell, após fazer um curso de esteno-datilógrafo, o que lhe permitiu um salário bem melhor, de Cr$1.400,00.

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Aexaustão da floresta

Todas as atividades extrativistas desenvolvidas na época eram realizadas sem nenhum manejo florestal e preocupação com a exaustão dos recursos naturais. Derrubava-se as palmeiras de patauá para extrair as tâmaras, reduzindo, cada vez mais, os extensos patauazais. Quando a madeira de lei escasseou, até as nobres andirobeiras vieram abaixo para serem vendidas como toras. Abundante na região (Braga, 1911), a andirobeira é semelhante ao cedro e ao mogno e sua madeira possui sabor amargo para os fungos e cupins, apresentando grande resistência ao apodrecimento (Menezes, 2005). A irracional exploração da floresta levaria todas essas fábricas oleíferas à falência, até 1950, como se observa na literatura extrativista, já que o azeite de oliva voltou a ser exportado pelos europeus e o Brasil passou a plantar latifúndios de dendê, babaçu, milho, soja, arroz e outras espécies (Menezes, 2005), que permitem a obtenção mais produtiva de óleos vegetais do que aquela do exaurido Marajó.

As árvores tornaram-se cada vez mais escassas e distantes das usinas. Se vovô não tivesse falecido, teria que reformular suas atividades na década seguinte, já que as toras foram ficando cada vez mais raras, tornando inviável a venda in natura, como ele fazia.

A exaustão da floresta mostra a acertada decisão de vovó de querer sair o mais rápido possível do rio Canaticu.

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Antonio e Manoel Fonseca eram portugueses da cidade do Porto, que se radicaram, inicialmente, no rio Pacujutá, que banha o município de São Sebastião da Boa Vista. Por volta de 1930, estabeleceram-se em dois afluentes do rio Canaticu, próximos da Ponta Alegre, tornando-se vizinhos de Aristeo. Adquiriram de vovó os bens do Canaticu, em 1944, e demoliram a residência de Giorgina somente em 1952, instalando no local uma serraria para beneficiar a madeira. Os Fonseca, segundo Leonardo, ganharam muito dinheiro com essa atividade e adquiriram várias propriedades na cidade de Curralinho.

A família Fonseca saiu da Ponta Alegre em 1985, após a ocorrência de um incêndio que destruiu tudo o que tinham. Em 1988 faleceu Manoel Fonseca (pai de Leonardo Fonseca), o último dos irmãos portugueses, ainda apaixonado pelo rio Canaticu, como acreditamos ter sido o nosso avô Aristeo.

família FonsecaA

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Após o final da guerra na Europa, em 10 de julho de 1945, é emitido pelo presidente Dutra, o Decreto no 7.723 (Diário Oficial, 1945), suspendendo os efeitos dos Decretos-Leis n.os 3.911, de 09.12.1941 e 4.166, de 11.03.1942, em relação às pessoas físicas italianas residentes no Brasil. Com a mudança de governo, foi criada a Comissão de Reparações da Guerra, através do Decreto-Lei no 8.553, de 04 de Janeiro de 1946 (LEXML, 2011), com o objetivo de cadastrar os que teriam direito à restituição do confisco e estabelecer critérios. A burocracia brasileira se encarregaria de fazer com que o dinheiro do confisco somente fosse devolvido, efetivamente, em 1949.

Giorgina ficou com parte do montante devolvido pelo governo e repartiu o restante pelos filhos. Com a sua parte, ainda em 1949, ad-quiriu casa situada à rua Manoel Barata, que passou a ser alugada para ajudar na sua sobrevivência.

Paolo, com o quinhão que lhe coube, comercializou madeira, em Belém, talvez no rastro da herança cultural de Aristeu e Conrado. Como não tinha faro aguçado para os negócios, não foi bem sucedido.

A parte da devolução do confisco que coube à Paulina foi destinada ao pagamento de dívidas da Casa Fernandes, mercearia de propriedade de seu marido. A parcela recebida por Gorízia foi aplicada por seu marido Nacib em negócios na cidade de Santos. Não houve sucesso nesse investimento e o casal teve que retornar à Belém.

Em 1949, aos 24 anos, Paolo trouxe muita preocupação à sua mãe quando frequentava cassinos clandestinos que existiam em Belém.

Avida continua

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Ganhava muito dinheiro e tornava a perdê-lo em novas e compulsi-vas rodadas. Giorgina foi desabafar com a filha mais velha, grávida, que, ao tomar conhecimento do fato, ficou muito abalada. A notícia afetou muito o sistema nervoso de Paulina e foi a “gota d’água” para que passasse a ter problemas de depressão que a seguiram por toda a vida. Paulina, por ser 14 anos mais velha que Paolo, foi para ele uma espécie de “segunda mãe”, responsabilizando-se pelo irmão pequeno na ausência e nas limitações de Giorgina.

Em 24 de abril de 1950, aos 77 anos, morre o tio-avô Conrado, que veio para Belém morar com vovó Giorgina após a saída de Curralinho. Nos últimos tempos, por ser muito gordo e ter feridas na sola dos pés, já não se locomovia. Assim sendo, Paolo e Giorgina foram obrigados a transferi-lo para uma casa especializada em idosos, para que o sofrimento dele e as preocupações de Giorgina fossem minimizados. Conrado manteve a lucidez até seus últimos dias. Está enterrado no cemitério de Santa Isabel, em Belém.

Aristeo não conheceu nenhum de seus netos. Quando Conrado faleceu, dois deles já haviam nascido: Célia e Fernando. Conrado não chegou a conhecer Célia pessoalmente, pois esta nasceu em Santos (SP) e somente em 1951 veio morar em Belém. Com relação a Fernando, nascido em 1949, é muito provável que Paulina tenha lhe proporcionado a alegria de conhecer o segundo neto de Aristeo. (Fotos 19 e 20)

Gorízia confidenciava aos mais íntimos que tinha mais afinidade com o tio do que com o próprio pai, pelo fato deste ter um lado ríspido e insensível aos seus projetos de vida, principalmente com relação aos estudos que não pôde prosseguir. Conrado era mais sensível aos anseios de seus sobrinhos.

Durante o levantamento de informações que fizemos, estranhamos o fato de não existirem fotos de Conrado, o que atribuímos ao incêndio de seu barracão que deve ter destruído as que possuía. Localizamos apenas uma única e desbotada fotografia sua, no providencial diário de Trieste, para satisfazer a curiosidade sobre o tio-avô. Tratando-se de uma imagem pequena e sem muita resolução, foi levada por Célia, aos

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Estados Unidos, em busca de um processo moderno de restauração, para compor as ilustrações desta história (Foto na página 73). Além da foto, restaram apenas duas bonitas esculturas, feitas em madeira, por Conrado, que também tinha veia artística.

Em 1953 Paolo iniciou o curso de direito na Universidade Federal do Pará (UFPA). E aprendeu a falar inglês durante a Segunda Grande Guerra, pois Belém hospedava dezenas de militares americanos.

Em agosto de 1954, Paolo, aos 29 anos, casa-se com Eliete Gouveia dos Santos Freire, filha de um português e bem sucedido comerciante de trigo, de Belém. Eliete deixou a casa paterna, na qual tinha todos os confortos e regalias, para casar-se e levar uma vida de dificuldades nos primeiros tempos de casada. O casal morou com os pais de Eliete durante alguns meses. Em seguida (1955), foram fazer companhia para Giorgina. Paolo, recém-casado, destinava parte dos seus ganhos para ajudar no sustento de vovó Giorgina. Ainda em 1954, Paolo adotou a cidadania brasileira para facilitar a sua colocação no mercado de trabalho, tendo em vista a sua condição de italiano.

Já casado, Paolo obteve o seu melhor emprego, até então, na Petrobras, em novembro de 1955, onde traduzia textos de geologia e recebia Cr$ 6.000,00. Em 01.12.1955 passou a ter um segundo emprego, paralelo, de repórter no jornal A Província do Pará, onde era tradutor de matérias em inglês, ganhando Cr$1.872,00. Vez por outra também conseguia vender suas telas pictóricas, segundo Eliete, para colecionadores e admiradores de arte que se tornaram amigos e eventuais compradores.

O fato de ser legalmente cidadão italiano e ter sempre sua cidadania associada ao fascismo, às dificuldades de obter emprego e à guerra, traumatizaram-no, profundamente. Certa vez Paolo desaprovou a atitude de Eliete, em público, dentro de uma loja, porque esta declarou para o funcionário que fazia o seu cadastro que o marido era italiano naturalizado brasileiro. Parece que ele preferia esquecer sua ex-nacionalidade. Eliete jamais o viu falar a língua pátria, nem mesmo com a mãe dele. Parecia não querer recordar a guerra e as covardes hostilizações que a família sofrera. Paolo, também, jamais ensinou

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uma única palavra daquele idioma aos seus filhos, comprovando esse profundo descaso. Ao contrário das irmãs, legalmente brasileiras, a sua condição de ítalo-brasileiro lhe gerava conflitos, pois não se sentia estrangeiro, mas as pessoas também não o viam como brasileiro. Não sabia, enfim, o que era.

Aparentemente, Gorízia e Paulina não carregavam esse trauma, pois demonstravam ter muito orgulho da descendência italiana. Seja por não terem participado diretamente das hostilizações no Canaticu, ou porque não sentiram na pele as discriminações quanto a empregos. Ou também porque Paolo ainda era um sensível adolescente quando vivenciou dois dos piores dias de sua vida, em termos de covardias e humilhações, dificultando a superação do trauma.

Com muitas dificuldades Paolo conseguiu formar-se em 1957, sendo o único filho de Giorgina e Aristeo a concluir curso de nível superior. Depois de formado trabalhou no escritório de advocacia de um experiente advogado, onde teve seu início de carreira.

Em 1957, Paulina, João e Fernando foram morar com vovó Giorgina após se desfazerem da Casa Fernandes. Como Paolo já estava advogando, em 1959 decidiu se mudar para uma casa alugada no bairro da Campina, onde permaneceu até 1969. Quando Giorgina soube que Paolo e Eliete pretendiam mudar-se para outra casa, chorou várias vezes. Desde criança nossa avó estava acostumada a viver em famílias numerosas.

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Vovó era uma italiana de fibra. Quando nervosa, era desbo-cada e xingava os netos com impublicáveis palavrões, ora em italiano, ora em português. Casou na Itália e levou uma vida difícil entre Belém e Curralinho. Assim que chegou ao Pará viu o marido ir à falência e contraiu filária; perdeu pai e mãe no mesmo ano; seu irmão Abrahamo se suicidou; seu filho Trieste faleceu prematuramente, aos 22 anos e, menos de dois anos depois (aos 51 anos), perderia também o marido. Como viúva não gozava de nenhuma pensão; e nessa época nenhum de seus filhos possuía condições financeiras para ajudar na sua sobrevivência. Por todos esses motivos precisava muito ter seus filhos sempre por perto e não se incomodava que viessem, todos, morar com ela, mesmo casados e com filhos. Quando, por volta de 1952, Paolo comunicou à vovó que ía tentar a vida em São Paulo, foi demovido da ideia pelos comoventes choros e soluços da mãe, que ficou desnorteada com a intenção do filho emigrar, como ela emigrou, involuntariamente.

A matriarca fiscalizava as roupas dos netos maiores, para saber se estavam sempre limpas e dava-lhes conselhos de higiene. Era dedicada aos netos, dando opiniões na educação deles, cobrando castigos e repreensões por parte dos seus pais. Giorgina falava uma mistura de português com italiano, com sotaque bastante arrastado, mas todos conseguiam compreender o que dizia.

A esposa de Aristeo era muito ativa. Cozinhava e lavava roupa, sempre cantarolando canções italianas, acompanhada ou não de suas

O perfil de Giorgina Ricci

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filhas; cultivava alguns vasos de plantas; arrancava o capim do quintal, nas horas vagas e adorava suas inúmeras árvores frutíferas. Não gosta-va de passar roupa, fazer compras na mercearia e varrer a casa, tarefas que deixava para as filhas.

Na década de 1950, a vida doméstica não tinha as facilidades de hoje. O ferro de passar roupa de vovó era a carvão e, posteriormente, elétrico. O fogão era a lenha e provocava imensa sujeira no forro da cozinha, todo chamuscado de fuligem preta. A lenha era vendida na porta das casas e Aristeo e Giorgina, quando em Belém, pediam para seus filhos racharem as peças em pedaços menores, utilizando-se de um machado. Posteriormente, vovó ganhou um fogão a querosene. Somente em 1961, aos 71 anos, vovó desfrutou de fogão a gás com forno para assar. Até então Giorgina pagava para assar peru e carne de porco em fornos de padarias próximas, principalmente durante as festividades do Círio de Nazaré.

Vovó só veio a ter geladeira por volta de 1958, aos 68 anos, presente do filho Paolo. Até então, para que a carne não estragasse, tinha que ser temperada e parcialmente cozida de véspera, sendo a panela mantida em cima do fogão. No dia seguinte dava-se continuidade ao cozimento final. O único eletrodoméstico popular era o rádio, ainda à válvula.

As transmissões de televisão para Belém foram iniciadas com a TV Marajoara, na década de 1960. Foi uma grande novidade para a época, mas os aparelhos de TV eram caríssimos. Paulina subia no parapeito da janela do corredor da casa para poder enxergar, por cima do muro, a TV da vizinha (“televizinha”). Giorgina, por causa do peso de suas pernas e da idade avançada, não abusava muito desse recurso.

Por ter morado por muitos anos no Marajó e em pequena vila italiana, vovó não dava muita importância às comemorações de natal (uma característica dos grandes centros europeus), tanto que seus fi-lhos pequenos nem ganhavam presentes de vovô Aristeo.

Quando vovó comentava coisas de família com os filhos, na pre-sença de nora e/ou genros, utilizando o seu indecifrável italiano, dei-xava estes ressabiados. No entanto, Giorgina era uma ótima sogra. Não deixava a esposa de Paolo cozinhar e vivia batendo na janela de

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seu quarto para lhe oferecer “cafezinhos”, uma das coisas que mais gostava. “Eliete, Eliete, aqui está o cafezinho”, exclamava. Hoje, esta nora atribui o seu “vício” de tomar café àquela insistente gentileza de Giorgina. Mesmo morando com ela por vários anos, Eliete jamais viu suas inchadas pernas descobertas, a não ser os pés e tornozelos.

Vovó adorava criar galinhas, chegando a ter por volta de 40 delas em seu galinheiro, que era extremamente organizado, tendo três níveis de “poleiro”. Certa vez, aborrecida por um ladrão ter roubado algumas de suas “penosas”, pediu ao genro João que reforçasse a porta do galinheiro. Nascia assim o primeiro galinheiro com trava antifurto.

À mesa, Giorgina gostava de quase tudo, com exceção da maioria das comidas típicas paraenses. Assim, gostava de peixe, porém, não de caldeirada e muqueca; também apreciava caranguejo no “toc-toc”, mas não sem antes reforçar o estômago com bastante feijão. Nossa avó não tinha paciência para saciar a fome com o crustáceo, pois demorava demais para ser tirado da casca. Era louca por pupunhas com café e abricó fatiado em pedaços, misturados com um pouco de água e açúçar em uma tigela, hábito também repassado para a esposa de seu filho caçula. Gostava da maioria das frutas regionais, com as quais tinha o hábito de fazer licores. Também apreciava uma bebidinha levemente alcoólica, cujo exemplo retransmitiu à filha Gorízia.

Provavelmente a paixão pelas frutas regionais foi adquirida nos tempos em que morou no Marajó. Mesmo assim não abria mão das frutas europeias, pois plantaram parreiras no Canaticu e figueiras na casa de Belém. Gorízia e Paulina protegiam os figos dos passarinhos envolvendo-os em sacos artesanais de pano (morim). Na cozinha, um de seus passatempos era preparar as mais diversas massas da culinária europeia, principalmente polenta com molho à bolonhesa, nhoque e macarrão caseiro.

Vovó era grande admiradora de macarronadas carregadas em molhos caseiros. Gorízia também absorveu esse hábito de sua mãe, como veremos mais adiante. Giorgina tinha incrível paciência para preparar a própria massa para macarrão, cortada com faca após ser

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espichada em cima de uma mesa utilizando-se de uma garrafa como se fosse um rolo de pastel. Apesar de já existir macarrão industrializa-do, vovó preferia o sabor de seu próprio macarrão, preparado à moda italiana. A carne bovina era moída em máquinas caseiras, manuais, com um prato embaixo para armazenar o sangue.

Giorgina, a toda hora, repetia um de seus célebres provérbios: “Quem muito se abaixa, o fundilho aparece”. Ela queria, com isso, ensi-nar aos três filhos a não serem excessivamente humildes e tentar pro-tegê-los das pessoas abusadas. Quando algo a indignava exclamava a mais hilária de suas frases: “Só uma bomba atômica!”, propondo uma solução radical para a situação que a incomodava.

Alguns netos quando a visitavam diziam que iam à casa da “vovó do ovo”, porque ela preparava ovos cozidos para comer melando o pão na gema bem mole. Ao receber a visita dos netos corria logo para preparar uma reforçada merenda. Adorava pendurar calendários nas paredes e utilizava para isso pregos desproporcionais, já que era muito desajeitada. Tudo indica que não era prendada, o que possibilita interpretarmos que em Santa Maria del Giudice, até 1905, bastava às noivas oferecerem dotes aos futuros maridos. Segundo Nazzari (2002), até os dias de hoje a prática do dote ainda persiste em pequenas localidades rurais da Itália, bem como em alguns outros países. Seria esta a explicação para o desajeitado perfil de Giorgina, em algumas coisas, em relação às suas filhas?

Contam os mais íntimos que vovó tinha também o seu lado ne-gro. Odiava bichos, a não ser cachorros (que vigiavam suas proprie-dades) e galinhas (que lhe forneciam alimentos). Costumava afogar gatinhos recém-nascidos em um tanque para que estes não a pertur-bassem com seus miados. E fazia isso sem a menor cerimônia.

Giorgina tinha personalidade forte, como relatado por sua nora Eliete ao presenciar uma negociação dela com um vendedor de peixes na calçada da casa. Estabeleceu-se uma longa discussão, mas, para variar, conseguiu regatear para baixar o preço do pescado. Então, o peixeiro resmungou algo parecido com: “Égua, com essa italiana ninguém leva vantagem...”

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Giorgina tinha um ódio especial por futebol e amaldiçoava frequen-temente o esporte, espraguejando “malledetto del calcio” (maldito fute-bol). Em 1958, durante a Copa da Suécia – na qual o Brasil seria campeão mundial de futebol pela primeira vez – no dia do jogo Brasil 5 x França 2, um vizinho explodiu um rojão na hora de um dos gols do Brasil. O forte deslocamento de ar quebrou a vidraça de uma das janelas da sala. Vovó simplesmente enlouqueceu de tanto ódio, andava em círculos gritando palavrões e amaldiçoando o jogo e o vizinho. Seu neto Fernando ouvia os impropérios da avó quando jogava bola no pátio da casa.

Vovó tinha trauma de interior, provavelmente em decorrência da morte do filho, por falta de assistência médica, da filária adquirida, dos desconfortos de Curralinho e das famosas malárias. Quando Paolo adquiriu a casa de veraneio em Salinópolis, já na década de 1960, perguntava ao filho por que ele ia construir no meio do mato. Metia-se muito na vida dos filhos e queria controlar tudo. Parece que ela pressentia as coisas, pois Paolo contraiu malária em Salinas, mostrando que o “radar” maternal estava a pleno vapor.

Giorgina era muito mais comunicativa do que seus filhos, alegre, cantarolante e também transmitia bons conselhos à nora. Várias vezes, Eliete e Paolo, prontos para ir ao cinema, voltavam do meio da rua com pena do escandaloso choro do primogênito. Não aguentando a ingenuidade de sua nora, marinheira de primeira viagem, Giorgina logo advertia, soltando seus ensinamentos: “Vão logo para o cinema! Chorar faz bem, abre os pulmões e, logo logo ele pára!” Não se sabe por que insistia em chamar seu filho caçula de Paolino e sua filha mais velha de Paola, coisa que os filhos detestavam.

Quando ouvia os netos dizerem que não gostavam de alguma comida que era servida, vovó dizia “vocês não sabem o que é a guerra”, certamente lembrando da falta de alimentos no Canaticu durante a Primeira Guerra Mundial, como narrado. Além disso, a família voltou da Itália em 1928, depois de ter lá vivido os primeiros anos do pós-guerra, quando o país atravessava fase de notável desenvolvimento no Governo de Mussolini. Depois de quatro anos na Itália, os filhos mais velhos – Paulina, com 17 anos e Gorízia com 12 anos – tinham

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também absorvido conceitos sobre economia doméstica e valorizavam o simples fato de ter comida à mesa.

O mesmo conceito aplicava-se às sobras de comida: “o arroz de ontem” era sempre o primeiro a ser servido à mesa, somente depois é que o arroz feito no dia era consumido. Deixar comida no prato era motivo de repreensão. Os netos mais velhos ainda lembram de seus ensinamentos de que deve-se comer primeiro a entrada (antipasto) e depois o prato principal. Misturar jamais. Quando argumentávamos que os alimentos iam todos para o mesmo lugar, vovó dizia: “vocês são gente e não porcos”. Da mesma forma ensinava como combinar os acompanhamentos.

A casa da rua Arcipreste Manoel Teodoro, 442, no bairro de Batista Campos, mantém até hoje o imponente portão de ferro na entrada. A casa possuía originalmente sala, varanda, alcova (o quarto do casal), cinco quartos, cozinha, um corredor enorme ao longo dos quartos e apenas um banheiro fora da casa. Tinha também porão, enormes pátios externos e um quintal com árvores frutíferas, as mais variadas, inclusive um enorme e frondoso abricozeiro (árvore típica do Marajó), derrubado por um raio por volta de 1958. Giorgina era louca por seu abricozeiro e ficou muito triste com a sua queda, já que costumava ir, até debaixo de chuva, examinar se a ventania havia derrubado algum abricó para que pudesse degustá-lo. Outras árvores plantadas em seu quintal também eram típicas do Marajó (cupuaçuzeiros e sapotilheiras). No pátio lateral da casa Giorgina plantou um jasminzeiro, cujas flores brancas eram responsáveis por agradabilíssimo aroma que provocava elogios imediatos das visitas.

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O comportamento autoritário de Aristeo marcou os irmãos Trieste, Paulina e Gorízia que, indignados, se estranhavam com ele e o contrariavam em algumas ocasiões. Vovô era “castrador” em muitas situações, tais como não deixar tio Trieste frequentar as festas da região e nem deixar as filhas prosseguirem nos estudos. Tudo indica que essa sucessão de atritos com os filhos fez vovô reformular seus antiquados pensamentos com o passar dos anos. Paolo contava a sua esposa que vovô não se comportou daquele jeito com ele, já que realizava todas as suas vontades. Talvez os rotineiros conflitos, em especial com Trieste, tenham feito com que Aristeo ficasse mais flexível com Paolo.

Trieste e Gorízia eram, dentre os irmãos, os que tinham maior afinidade entre si, talvez pela pequena diferença de idade. Gorízia contava a seus filhos a adoração que tinha pelo irmão, com o qual brincava, nadava, remava e pescava no Canaticu. Era a que mais citava a falta que sentia de Trieste.

Gorízia era a mais fervorosa católica da família, sempre com um terço à mão e, também, a mais tagarela e desbocada dos irmãos. Era devota de Santo Antonio até a década de 1980, quando desentendeu-se com um padre da Igreja das Mercês, em Belém e abandonou um pouco as missas, orações e adorações.

O seu casamento com Nacib não foi dos mais felizes. Depois de muitas brigas e tentativas de reconciliação, o casal acabou separado, fato que viria a trazer várias dificuldades à vida de seus filhos.

Separada definitivamente de Nacib, Gorízia passou a trabalhar para assegurar a sua sobrevivência, tendo inclusive que abrir mão da

Os filhos de Aristeo e Giorgina

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guarda de seus filhos para o ex-marido, por falta de condições finan-ceiras para sustentá-los. Passou a residir com vovó Giorgina, fazendo--lhe companhia. Fez uma espécie de “voto de pobreza” após a separa-ção do marido, aos 43 anos. Ouvia de amigas a famosa pergunta: “Por que não refazes a tua vida?” E a resposta era sempre a mesma: “Não vou sujar o nome do meu pai e dos meus filhos”.

Gorízia guardava boas recordações do período que passou na Itália e comentava com a filha Célia sobre as belezas do país, a boa comida e as frutas frescas. Queixava-se do frio e de ser chamada de “macaca” por ter nascido no Brasil. Sentiu na pele os efeitos devastadores da doutrina fascista. Gorízia era autodidata, lia muito e tinha raciocínio rápido, sendo imbatível nas respostas cortantes. Seu filho Nassif lembra este traço da mãe, que Célia chega a dizer que gostaria de ter herdado. Tinha também o lado “birrento” quando implicava com determinadas pessoas.

Um ponto marcante do caráter e da educação de Gorízia: não pedia nada emprestado e não emprestava nada; dizia que era um péssimo hábito dos brasileiros, que gastavam em luxo e vaidade e não tinham vergonha na cara de pedir açúcar, café, etc. aos vizinhos. Gostava de mencionar antigos ditados como: “Não deixa para amanhã o que podes fazer hoje”, dentre outros.

Gorízia tinha boa voz e cantava somente músicas italianas, que eram as canções de ninar para os filhos, que ainda lembram das preferidas: Mamma, cuore ingrato; La strada nel Bosco; Il Sole mio; Torna sorriento; e Chitarra romana. Era muito trabalhadora, honesta e poupadora. Como já citado, gostava de uma “pinga” à noite antes de dormir e guardava a garrafa de conhaque San Raphael no guarda-roupa. Adorava panetone e lambia até a embalagem para não desperdiçar nada, segundo a filha Célia. Como sua mãe, Gorízia adorava preparar suas próprias massas, artesanalmente. Na década de 1970, chegou a ganhar uma máquina de fazer macarrão, de uma pessoa que regressava da Itália e sabia de sua paixão por macarronadas. Mas jamais usou o equipamento, que acabou doado para o filho mais velho de seu irmão Paolo.

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Seu humor era uma mistura de rabugice, ternura e um jeito engraçado de aconselhar, cheio de boas intenções. Gorízia chegou a ensinar os primeiros passos da arte do bordado para a sobrinha Marta, de sete anos, e para sua filha Célia.

Paulina era muito correta e organizada com as coisas e prazos de pagamentos. Boa administradora dos poucos recursos financeiros, pesquisava preços em vários locais antes de efetuar suas compras. Tinha noção sólida de prioridades, valorizando sempre o essencial em detrimento do supérfluo. Nos assuntos de correção e retidão de caráter era muito parecida com Gorízia.

João Pinto, marido de Paulina, era um comerciante português que emigrou para o Brasil em 1916, aos 11 anos de idade e foi traba-lhar com seu irmão mais velho. Embora este último tenha sido um comerciante bem sucedido, João não teve a mesma sorte, talvez por-que confiasse demais nos empregados. Após 15 anos à frente da Casa Fernandes, desfez-se do negócio em 1957, passando a trabalhar como cobrador de uma grande importadora de secos e molhados (Importa-dora de Estivas Ltda.), situada na avenida XV de Novembro e depois no jornal O Liberal, ambos em Belém, até a sua morte em 1968.

João era bonachão e, no período que morou na rua Arcipreste, ajudava muito vovó fazendo reparos nas coisas da casa. Plantou uma mangueira por volta de 1958 que, até 2008, ainda fornecia generosas safras de manga. Em outubro de 2010, a velha mangueira, a última árvore ainda viva da casa de Giorgina, embora podada, mantém-se verdejante.

Paulina, até mesmo escaldada pelas experiências vividas por seu pai, era mais precavida que seu marido. Em 1957, após vender a Casa Fernandes, Paulina e João adquiriram dois terrenos na avenida Gen-til Bittencourt, no bairro de São Bráz, em Belém. Paulina insistiu para que João regularizasse a documentação dos terrenos, o que acabou não acontecendo. Poucos anos depois, os terrenos foram invadidos e o in-vestimento acabou sendo perdido. Na década de 1960, a região dos ter-renos teve grande valorização com a construção do Colégio Estadual Augusto Meira nas proximidades e com a urbanização no seu entorno.

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Coincidência ou não, é interessante observar que os investimentos feitos pelos três irmãos com o dinheiro do confisco dos bens de Aristeo, não foram bem sucedidos: a venda da Casa Fernandes em 1957 e os insucessos de Paolo no comércio de madeira, a partir de 1949 e o de Nacib nos negócios em Santos, em 1950. O único investimento duradouro foi o imóvel da rua Manoel Barata para locação.

Numa época em que os casais costumavam ter quase sempre mais de dois filhos, por que Paulina teve apenas um? Possivelmente tinha útero invertido, o que explicaria a sua dificuldade de engravidar. O fato é que, tendo o primeiro filho (Fernando) aos 38 anos, resolveu não tentar de novo.

Paulina e Gorízia eram boas cozinheiras. Paulina aprendeu também a culinária portuguesa e Gorízia dominava a culinária árabe. Paulina fazia uma iguaria portuguesa chamada “açorda”, feita com pão, bacalhau e azeite. Essa receita lhe foi ensinada por João, seu marido, que lembrava ser o prato que comia em Portugal quando voltava da roça, após um dia intenso de trabalho. Gorízia dominava a arte de transformar sobras de comida em novos e deliciosos pratos.

Gorízia era ótima tia e cuidava dos filhos de Paolo quando este viajava com Eliete. Passava alguns dias com eles e fazia comidinhas caprichadas, tais como polenta, comida arábe (tabuleiros enormes de quibe e repolho recheado com carne) e deliciosas rabanadas. Mas jamais demonstrava para seus próprios filhos que aprendera a saborosa cozinha árabe com a família de seu ex-marido Nacib. A degustação dessas iguarias era um privilégio apenas de seus sobrinhos. Para esses, não escondia que tinha orgulho de ter aprendido aquelas receitas com as quais também se deliciava. Gorízia também costumava hospedar a bicharada de estimação (gansos e patos) dos sobrinhos quando estes viajavam. E ela mesma criava uma pequena fêmea de papagaio pela qual tinha enorme estima. Quando recebia uma visita a papagaia estava sempre ao seu lado. Mas apesar do excesso de conversa que escutava, nossa tia reclamava que a mesma jamais aprendeu uma única palavra. Ficou muito chateada quando seu bichinho caiu de uma cadeira e quebrou o pescoço, morrendo. Tinha-a como uma preciosa

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companhia, já que morava sozinha. Para quebrar essa solidão, todas as noites recebia a visita de duas queridas vizinhas.

Paolo preferia a culinária da irmã Paulina (que tinha curso no SESC-SENAC), seguida da de Gorízia. Mas não gostava tanto da gastronomia de sua própria mãe, já que comentava para a esposa que Giorgina era “baldeira” na cozinha (sem muitos caprichos) e não preparava os quitutes que suas filhas faziam. Paolo também era razoável cozinheiro e passava longas horas preparando muquecas, caldeiradas e deliciosas sopas aprendidas no tempo em que foi escoteiro.

Gorízia tinha uma grande preocupação com o seu irmão Paolo e enchia os sobrinhos de conselhos para que estes não promovessem aborrecimentos ao pai, pois este sofria de pressão alta. Era muito carinhosa quando dava um de seus conselhos. Sabia cativar e era ouvida pelos sobrinhos e, ao contrário de Paolo, adorava ensinar italiano a eles. Suas aulas começavam sempre pelo italiano básico, do dia a dia: “Farabuto” e “putannieri” eram suas palavras-chave, provocando hilárias admirações em seus sobrinhos.

Como já dissemos, Gorízia era discípula de Giorgina em quase tudo na vida. O seu lado religioso é outra herança da mãe. Segundo antropólogos, os emigrantes só conseguiam encorajar-se para a saga migrantista reforçados por altas doses de religiosidade e devoção a santos. O irmão Paolo era outro fervoroso católico quando atingiu a maturidade, passando inclusive a frequentar missas todos os domin-gos. Também devoto de Santo Antonio de Pádua, batizou o seu ateliê, no quintal da casa, com o nome de “Bottega de Santo Antonio”.

Paulina insistia com o filho para que este aprendesse violão e que estudasse italiano, chegando a comprar uma gramática para facilitar o aprendizado. Ficava irritada porque o filho, na época com 12-13 anos, tinha mais interesse em jogar futebol do que seguir as recomendações da mãe. No entanto, obrigou-o a aprender datilografia aos 14 anos, matriculando-o também em um curso de inglês.

Em 1964, Paolo entrou em depressão pois, ainda sem independência financeira, vivenciava problemas de relacionamento com o proprietário do escritório de advocacia em que trabalhava. Passa então a pintar

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algumas telas melancólicas e autorretratos com rostos deprimidos, como forma de refletir a sua angústia. É um ano de grande produção artística, já que se refugiava na pintura para esquecer essas dificuldades.

Paolo, ao começar a ganhar notoriedade como artista plástico, denominou uma de suas primeiras exposições de O País dos Barracões, na qual as telas retratavam as construções da Ponta Alegre , tema que trouxera de seus tempos no rio Canaticu.

Em 1965, Paolo projeta-se como artista plástico, expondo suas telas no Museu Nacional de Belas Artes (RJ), e nos Estados Unidos, em 1966, aonde conheceu o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, na época, exilado naquele país (Ver foto na página 103).

Os traços de tristeza e nostalgia são claramente refletidos nas obras de Paolo. Além de pintar soturnos barracões da Ponta Alegre, uma de suas exposições teve o nome de Noturnos, com telas mostrando paisagens lúgubres e com pouca luz. Algumas delas são marcantes nesse particular, como a do palhaço triste, a do engraxate desconsolado e o autorretrato com semblante fortemente deprimido.

Giorgina faleceu em 18 de abril de 1967, já com esclerose avançada. Morreu em casa no primeiro quarto da casa da rua Arcipreste Manoel Teodoro, onde viveu por 34 anos, depois de alguns dias de muito sofrimento, amparada de perto pelos filhos.

No final da vida, Giorgina deixou de falar o português, seja por má vontade ou pela esclerose avançada. Quando todos pensavam que ela

vida dos filhos após o falecimento de GiorginaA

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não sabia mais falar aquele idioma, foi flagrada conversando com a vizi-nha, por cima do muro, como nos velhos tempos, o que deixou os filhos muito chateados com aquela simulação. Nossa avó está enterrada no cemitério de Santa Izabel, em Belém, na mesma sepultura de Conrado.

A sua ex-residência passou a pertencer a Paolo e Eliete, decorren-te da partilha feita entre os irmãos Paulina, Gorízia e Paolo em 1967, logo após a morte de vovó. A construção da nova casa, em 1968-1969, aproveitou algumas paredes e compartimentos da antiga, principal-mente na frente, sendo a parte de trás toda demolida. ( Foto 21)

Após a morte de Giorgina, a casa da rua Manoel Barata entrou na partilha entre os irmãos, passando a ser moradia das irmãs Paulina e Gorízia, coproprietárias do imóvel.

Os reflexos do preconceito contra estrangeiros ainda se manifestariam anos depois quando um importante político paraense, durante exposição coletiva de pintura e a título de incentivo aos artistas, compraria telas de todos os pintores, menos de Paolo. Este, ao ir cobrar satisfações com o político, teve de escutar: “tu não és brasileiro, nem paraense. Eu estou incentivando os pintores da terra”. Paolo, em razão do mesmo preconceito, ainda seria preterido, anos depois, no preenchimento de uma vaga de procurador do estado do Pará, por causa de sua ex-nacionalidade italiana.

Paulina, como todos os seus irmãos, foi também muito marcada pela história familiar. Tinha problemas de depressão e dificuldades para lidar com as coisas novas e, às vezes, incertas. A viuvez aos 57 anos marcou sua vida ainda mais. Alguns meses após a morte do marido, seu filho Fernando desliga-se de seu estável emprego no Banco Francês, em Belém, para que pudesse cursar engenharia. Paulina ficou preocupada com o sustento da casa, já muito marcada por sucessivas agruras da vida. No entanto, entendeu que era preciso desconstruir aquela razoável estabilidade para criar outra mais duradoura.

Em 1970, os três irmãos abdicam de uma herança de terras na Itália, atitude que levou Célia a questionar a mãe. Esta, então, lhe respondeu: “não temos dinheiro para ir à Itália resolver esses demorados inventários e, além do mais, aquilo não nos serve para nada”, mostrando-

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se desprendida e cansada. Não foi possível descobrir se a herança era oriunda da família Grasseschi ou da família Ricci.

Gorízia sempre pediu aos filhos que se tivessem uma menina colo-cassem o nome de Paulina, em homenagem à irmã. Coincidentemente, seus filhos só geraram homens, conforme se conclui dos descendentes citados mais adiante.

Em 1972 inicia-se a diáspora dos autores desta obra, sendo Célia a primeira neta a deixar o Pará, rumo aos Estados Unidos. Em 1974 Paulina muda-se para o Rio de Janeiro, acompanhando o filho Fernando que passou a trabalhar naquela cidade. Foi o início da separação entre os filhos de Giorgina, aumentando a dispersão de seus netos. Paolo sempre visitava Paulina quando viajava para participar de exposições de pintura na cidade maravilhosa.

A vida de Paulina no Rio de Janeiro foi de felicidade e tranquilidade, na companhia do filho, nora e netos, que vieram logo em seguida. Gozava de boa saúde e pôde participar, durante vários anos, dos programas familiares. Entre 1974 e 1986, por diversas vezes, acompanhou os netos em viagens à Belém, que aproveitava para rever os irmãos.

Célia relembra que sua tia e madrinha Paulina gostava de artes e de todas as formas de dança, fosse clássica, moderna e até mesmo a dança dos índios. Lembra também que numa de suas férias no Rio de Janeiro, por volta de 1978, Paulina convidou-a para visitar a casa de Rui Barbosa, em Botafogo e a casa da Marquesa de Santos, transformada em museu, convite extensivo para uma volta de metrô que acabava de ser inaugurado na cidade. Célia tinha grande admiração pela tia a quem considerava uma pessoa bastante sociável e de um coração imenso, cheio de bondade.

Gorízia, quando recebia o neto John, de férias em Belém, tentava ensinar a este um pouco do idioma italiano. Dava um sorriso de satisfação quando o neto a chamava de “vó Gorízia”, com a correta pronúncia de seu nome em italiano, dizendo que o neto não tinha vergonha de pronunciá-lo corretamente. A filha Célia queixa-se, um pouco enciumada, que a mãe contava mais segredos ao neto do que a ela própria.

No dia 21 de setembro de 1980 Paolo tomou posse na Academia

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Paraense de Letras (Coelho, 1983). Em sessão solene realizada no dia 20.10.1980, Paolo foi saudado com as seguintes palavras:

Trazeis para a Academia Paraense de Letras, com vossos 55 anos de idade, um mundo de experiência e vivência que tendes traduzido em arrazoados forenses, páginas literárias e em telas pictóricas.

Seja como for, porém, o nosso tipo de ação é sempre o de um artista. Artista não no sentido comum da palavra, isto é, o que professa uma arte qualquer, mas na significação universal do termo, o de quem soube e pôde fazer de sua vida a própria arte, como aqueles poetas que converteram a sua existência na própria poesia.

Esse foi o grande legado que vos deixou vosso pai, o italiano Aristeo Ricci, espírito, a um só tempo, pragmático e sonhador, que pervagou por vários pontos do mundo e acabou na ilha de Marajó, onde se fez pioneiro da plantação nacional de seringueira na Amazônia.

O rio Canaticu regou o trabalho dos melhores dias, talvez, da sua vida, como desliza, hoje, nos sonhos de vossas noites, segundo vossas próprias confidências.

E sempre que, paradoxalmente, fechais os olhos para ver o que é impossível fazer com eles abertos, o Canaticu serpenteia em vossa mente, “largo, luminoso e profundo”, como dissestes numa página de saudade, rio mágico, rio das maravilhas, que vos fez na infância argonauta e marinheiro e que vos despertou, depois, para a vida e para o mundo na revelação do amor.

No ano seguinte, Paolo profere um pronunciamento na APL (Ricci, 1987) para homenagear um ilustre acadêmico, o Dr. Remígio Fernandez, advogado, juiz, poeta e escritor, que em 1943 fez o inventário dos bens da família, logo após a morte de vovô Aristeo. O pronunciamento de 17.09.1981, em louvor ao velho advogado,

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nos emociona até hoje, quando o relemos, pois nele está contada um pouco da história da família Ricci, com muita emoção e sentimento. A cópia do documento está no Anexo 1 deste livro.

Gorízia recebia módica aposentadoria pelos seus 30 anos de trabalho. O pai de um amigo de seu filho Nassif, alto funcionário do INSS, prontificou-se a rever o valor da aposentadoria, o que faria com que Gorízia passasse a receber um substancial aumento. Ao solicitar os documentos da mãe para que pudesse dar seguimento àquela iniciativa, esta negou-se a fornecê-los, dizendo que queria apenas aquilo que tivesse direito e que não ia envolver seu nome com esse tipo de arranjo.

Paulina tinha como hábito registrar datas. Colocava data nas coisas novas que adquiria, para conferir quanto tempo o bem duraria. Até a caixa de seus sapatos tinha o dia da compra. A mania estendia-se também a eventos marcantes, como a primeira menstruação de sua neta, cuja data estava anotada em uma pequena caderneta com a explicação em italiano para que ninguém entendesse.

Em 1986, Paulina demonstra a seu filho o desejo de passar a residir em um lar para idosos. Aos 75 anos, já se sentia cansada para acompanhar filho, nora e netos nos programas de gente jovem, como ela dizia. Queria sossego e assim foi feito. Instalada no Lar Pedro Richard, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, veio a conhecer uma idosa, também descendente de italianos, com quem pôde voltar a praticar o idioma italiano. Boa parte de sua permanência em casa de idosos foi de tranquilidade, sempre acompanhada de seu rádio “Transglobe”, da Philco, no qual gostava de sintonizar emissoras estrangeiras, em ondas curtas, para ouvir programas musicais. (Fotos 22 e 23)

Em 28 de junho de 1990 morre Paulina, aos 79 anos incompletos. Seus últimos cinco meses de vida foram de um sofrimento extremo, internada no Hospital São Vicente de Paula, no Rio de Janeiro. Veio a falecer após inglória luta contra uma grave infecção pulmonar. Gorízia deslocou-se até o Rio de Janeiro para despedir-se da irmã. Paolo, seguindo recomendações médicas, achou melhor não ir ao enterro.

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O casamento de Paolo e Eliete – 1954

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Paolo e o ex-presidente Juscelino Kubitscheck – 1966 nos EUA

Discurso de posse de Paolo na Academia Paraense de Letras - 1980

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Paulina e Gorízia em 1974 na casa de Paolo, em Belém

Paulina aos 62 anos no Rio de Janeiro – 1974

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Em 8 de maio de 1992 morre Gorízia, aos 75 anos, em Belém, sendo enterrada na mesma sepultura de Giorgina e Conrado. No seu funeral, Paolo faz um discurso, se emociona, chora e diz: “És a última! Estou só”. Até os últimos anos de sua vida continuava a fumar o seu cigarrinho, mesmo contrariando ordens médicas e sempre que podia tomava o seu trago de conhaque. (Foto 24)

Paolo publicou outro texto na APL (Ricci, 2006), no qual relembra as conversas entre o pai e o tio no banco do alpendre da casa do rio Canaticu:

Era pesado, de madeira dura, tosco e envernizado por anos de uso.

Nele se descortinava o longo estirão de água agitadas, o sol se pondo no outro lado do rio.

Ali, os frequeses se demoravam para um dedo de prosa enrolando o último cigarro nos estertores do dia. A brisa noturna invadia o alpendre tornando amena a noite que vestia o rio de luto.

Após o jantar singelo, nele vinham sentar-se meu pai e meu tio, relembrando os fatos de sua juventude, na terra natal a qual nunca mais regressaram.

Era pungente escutar os dois irmãos, avançados em anos, a rememorar fatos pretéritos de sua mocidade; um rosário de lembranças ardentes, como enormes brasas no borralho, atiçadas pela saudade.

Recordavam a vida dos que teriam ido desta existência, mas que perduravam em seus relatos.

Paolo fica sozinho

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Éramos meninos verdoengos e o banco tosco do alpendre perdura no crepúsculo de nossa vida, embora as propriedades no rio de nossa infância não mais existam, a não ser no casulo de nossas sufocadas e imorredouras lembranças, nas madrugadas insones e silentes.

O texto demonstra o quanto eles padeciam de saudade da Itália e de seus parentes, mas se comportaram como guerreiros solitários no “país dos barracões”, que lhes acolheu e forneceu oportunidades não encontradas na Toscana.

Até 2007, Paolo realizou 42 exposições de pintura, sendo 15 coletivas, (duas delas em Paris e Nova Iorque) e 27 individuais. Sua última tela foi pintada em 2008. Foi membro de vários júris, inclusive na Bienal de São Paulo, em 1974. Paolo foi catalogado em vários dicionários de pintura e tem obras em várias galerias de arte e museus, inclusive no Museu Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro.

O filho caçula de Giorgina, como acadêmico, publicou três livros de poesias e escreveu crônicas e contos. Em sua residência, entre 1998 e 2007, promoveu recitais de Canto & Piano (música lírica), com cantores do Conservatório Carlos Gomes. Violoncelistas, pianistas e violonistas famosos, de Belém, também executaram concertos em sua residência, numa delas na presença do então prefeito Edmílson Rodrigues. Como agradecimento, Paolo presenteava esses artistas com jóias compradas em antiquários de amigos seus, por preços mais generosos, e sorteava brindes aos convidados. Também tocava violão clássico, de forma amadora.

Paolo, pode-se dizer, é o herdeiro artístico-cultural de Trieste, pois acabou exercendo a profissão de jornalista almejada pelo irmão mais velho e ganhou notoriedade nas artes plásticas, vindo a ser aquilo que Trieste imaginava para si próprio.

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Paolo Ricci faleceu em 08 de maio de 2011, durante a ela-boração deste livro. Morreu em consequência de pneumonia dupla e falência múltipla dos órgãos. Era o último filho vivo dos velhos imi-grantes. Foi, dentre os filhos de Aristeo e Giorgina, o de maior longe-vidade, apesar de usar marca-passo desde os 57 anos, de ser diabético e hipertenso. Paolo trabalhou desde os 16 anos, com o pai, até os seus 80. Advogou por 48 anos até sofrer uma trombose (coágulo perigoso) no braço e ser aconselhado a repousar.

Paolo analisou com grande curiosidade as fotos da visita à Curra-linho, de 08.10.2010 e contribuiu com suas lembranças para enrique-cer esta história, principalmente tirando dúvidas e pormenorizando acontecimentos.

Durante as revisões intermediárias deste texto, seu filho Paulo im-primia o texto e o entregava ao pai. Paulo comentou que o velho pai chegava a ler duas vezes, no mesmo dia, os originais do livro. Não emi-tia muitos comentários, mas pela leitura repetida e atenta que fazia, era evidente a felicidade que sentia ao perceber que a história da família, até então fragmentada e dispersa, estava finalmente sendo consolidada.

Com toda a certeza, nos últimos meses de vida, diferentemente de outros assuntos aos quais já não dedicava maior atenção, a leitura atenta deste material era a única coisa que lhe despertava agudo interesse. Parece até que ele esperou a conclusão do livro para poder despedir-se desta vida. Nesse sentido e reforçando esse raciocínio, só veio a falecer, após a chegada, dias depois, dos filhos e do sobrinho Fernando, procedentes de outros estados, que se esforçavam para

Amorte de Paolo Ricci

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encontrá-lo ainda vivo. Parecia, também, aguardar que Eliete não vivenciasse essa experiência sem o amparo de todos. E quis o destino que isso só ocorresse na hora em que ela estava mais amparada, ao lado de todos, durante um almoço.

Conforme já mencionado na introdução deste livro, não fossem os acervos guardados, publicações e manuscritos de Paolo, não teria sido possível obter e reunir tão vasta informação sobre a vida da família.

Paolo dizia à esposa que, antes de morrer, queria sofrer, para di-minuir seus pecados. Parece que Deus não lhe permitiu alcançar, to-talmente este desejo, pois seu sofrimento foi curto e sem lucidez. E também deixou claro que não queria ser cremado, mas sim, “devorado por minhocas”. Seu grande desejo era ser sepultado no mesmo jazigo da mãe, Conrado e Gorízia, no cemitério de Santa Izabel e, assim, Eliete o permitiu.

Os infortúnios e reveses familiares tais como os golpes e decepções no Uruguai; as deformidades nas pernas de Giorgina, em decorrência de incurável doença tropical; o desconforto e as priva-ções no Marajó; o precoce falecimento de Trieste e as perseguições políticas, durante a segunda Guerra Mundial, acabaram por marcar os descendentes imediatos de Aristeo e Giorgina.

Paulina enviuvou cedo, aos 57 anos, um ano após a perda de sua mãe. Chegou a fazer tratamento antidepressivo, enquanto Gorízia fora marcada por infelicidades matrimoniais.

Paolo teve dificuldade de obter boas colocações profissionais em decorrência de sua conhecida nacionalidade italiana, até decidir-se pela naturalização, como último recurso para equacionar esse problema.

Marcas da vida

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Cursou faculdade com dificuldades financeiras, necessitando de até três empregos distintos para sustentar sua mãe, esposa e o filho mais velho.

Como artista plástico não conseguia obter retorno financeiro com a venda de suas obras, sendo forçado a se afastar da pintura por 12 anos, pois sua fama de artista atrapalhava o seu reconhecimento como advogado sério. Contraiu empréstimo para ir à Bahia expor suas telas e, diante do fracasso com a venda de suas obras, ficou completamente frustrado e decepcionado com suas pretensões de viver da arte.

Seu exigente patrão e mestre na advocacia, o deixava constantemen-te tenso, levando Paolo a procurar livros de autoajuda e amigo psiquiatra, por volta de 1964-1965, ao sofrer de uma provável “Síndrome do Pânico”.

A história de vida acabou por marcar os irmãos com traços de simplicidade extrema, nostalgia e introspecção, passando a tristeza e a desesperança a fazer parte de seus comportamentos.

Gorízia, Paolo e Paulina vestiam-se de forma simples e não demonstravam nenhum apego a bens materiais sofisticados, uma provável herança do estilo de vida que levavam nos barracões de madeira e palha do Marajó, bem como pela educação recebida de seus calejados e sofridos genitores. Tanto era assim que em 1970, ainda relativamente novos, abdicaram de herança na Itália, comprovando esse lado despretensioso dos irmãos; Gorízia fez voto de pobreza e dispensou generosa revisão de aposentadoria; Paolo, não raro, prestava serviços advocatícios gratuitos ou com irrisórios honorários. Alguns chegaram a ser retribuídos com galinhas e perus dados de presente a sua esposa.

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“Estranhos” acontecimentos acompanharam todos os des-cendentes da família, desde 1940 até os dias de hoje. Paulina, em Be-lém, sonhou com uma morte na Ponta Alegre, três dias antes do irmão Trieste falecer.

Frequentemente Aristeo e Trieste, já falecidos, se manifestavam, visualmente e sem a menor cerimônia, para Gorízia, na hora de dormir. Gorízia contava, no dia seguinte: “ontem à noite eles vieram me visitar; sentaram em minha rede, como se fossem embalar para eu dormir”.

Na noite da morte de Paulina, houve um fenômeno intrigante para os não iniciados em outras crenças. Fernando recebeu a notícia da morte da mãe por volta de 22 horas do dia 28.06.1990 e foi ao hos-pital onde a mesma estava internada, para as providências de praxe. No retorno à casa, Mariane, filha de Fernando, logo concluiu que se tratava da morte da avó. Mariane falou que tinha acabado de ter um sonho com a avó que veio despedir-se dela, deixando a mensagem de que estaria sempre ao seu lado.

Muitos anos depois Mariane acompanhava uma colega que ia fa-zer consulta a uma vidente que, ao recebê-las logo perguntou a ela: “essa aí do seu lado deve ser sua avó, não?” Há outros episódios, não narrados aqui para não estender demais o texto, que mostram que Paulina continua vigilante com os netos.

Em 1991, Giorgina se manifestou, inclusive falando, na casa de uma conhecida de seu neto Paulo, com o mesmo andar arrastado que possuía nas duas pernas (também escondidas para a vidente), e agradeceu, ao pé do ouvido, aqueles encontros evangélicos todos os

Sinais de fumaça” do além

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sábados em que seu neto era convidado. Em 1995 vovó é vista na casa da Arcipreste por uma sobrinha de Eliete, esposa de Paolo. Ao se dirigir à cozinha da casa a visita sente, primeiramente, dois calafrios seguidos. Em seguida visualiza, apavorada, uma senhora forte, branca como neve, observando-a com as duas mãos na cintura (atitude típica de Giorgina) e um “pitó” nos cabelos. A descrição visual e comportamental da suposta Giorgina foi logo reconhecida por Paolo. Alegre, ele exclamou: “É minha mãe!”

Estaria Giorgina se aproveitando da idoneidade daquela visita para mandar seus confortadores recados de além-túmulo ao cético Paolo como fizera com seu neto Paulo, em 1991?

Em 1992, o único neto falecido de Giorgina (Theo), horas antes de morrer, dizia em alto e bom som que estava enxergando o espírito de uma criança que o chamava. E, ao ver a criança, Theo sentia que estava prestes a partir; que aquele espírito infantil viera lhe buscar. E logo procurava avisar Daisy, sua esposa, exclamando: “Daisy, estou indo!” Sua irmã Célia conta a mesma história que Giorgina contava à Eliete: Gorízia fizera um aborto espontâneo, de uma menina, segundo o feto visto por vovó, que já possuía olhos bem grandes. Pela coincidência, Célia acredita que a criança era irmã de Theo.

No final de 2005, Luciane, companheira de Fernando, sonhou com uma senhora que jamais vira e que lhe pedia para não interferir na decisão de Fernando entre ficar no Rio de Janeiro ou partir, profissionalmente, para Porto Velho. Tempos depois, ao folhear um álbum de fotos da família, Luciane surpreendeu-se ao identificar que era Paulina a senhora que vira no sonho.

Ironicamente, em 2011, Célia foi alvo de um “curioso impulso” de reformar o jazigo de Giorgina e Gorízia. Foi várias vezes à casa de Paolo conversar e pedir suas opiniões sobre o tipo de granito e o estilo do jazi-go. Ao se despedir do tio, estava visivelmente emocionada. E, ele, nitida-mente feliz e agradecido a sobrinha. A inusitada vinda de Célia à Belém, somente para se dedicar àquela sepultura, três meses após ter visitado Curralinho, é outro ponto “cinzento” nesta obra. Seria um capcioso pe-dido de Gorízia (através de intuição), para que ela fosse se despedir de

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seu tio, prestes a partir, e preparar-lhe um digno jazigo? E quanto à coin-cidência do neto Fernando decidir escrever a história da família meses antes de Paolo falecer ? Seria uma intuição recebida através de Paulina, para que ele aproveitasse as últimas contribuições de Paolo ?

Todos esses fatos, vivenciados democraticamente nas famílias dos três filhos de Giorgina são, coincidentemente, contundentes. Qual o objetivo desses curiosos acontecimentos? Quem será o próximo de nós a receber tão desconcertantes sinais? Paolo também mandará seus recados capciosos, como os demais?

Só nos resta aguardar com serenidade, já que esses fenômenos estão se repetindo desde 1940, com os mais diferentes estilos (sonhos premonitórios, visitas fraternas, despedidas reconfortantes, agradeci-mentos, supostas recepções, pedidos encarecidos). Eles envolveram as mais diferentes personalidades, parentes entre si ou não, e com obje-tivos os mais diversos.

A democracia dos fatos é intrigante, envolvendo membros da fa-mília vivos ou já falecidos, há muito ou pouco tempo e aqueles prontos a partir, sem falar nas pessoas que não pertencem à família, igualmen-te chocadas. Pelo sim, pelo não, o teor dos acontecimentos mereceu um texto à parte nesta obra.

Como já mencionamos, o foco principal deste livro é contar a história de nossos avós imigrantes e de seus filhos. Falaremos agora um pouco dos netos, bisnetos e tataranetos apenas para mostrar quan-tos e quais são os descendentes de nossos avós.

Adescendência de Aristeo e Giorgina

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Nós, os netos, viemos ao mundo nas seguintes datas:

• Maria Célia Ricci Jordy – 21 de maio de 1946

• Fernando Ricci Pinto – 25 de novembro de 1949

• Nassif Ricci Jordy – 01 de julho de 1951

• Theo Ricci Jordy– 17 de julho de 1953

• Trieste dos Santos Freire Ricci – 20 de maio de 1955

• Farid Ricci Jordy – 16 de abril de 1956

• Paulo dos Santos Freire Ricci – 28 de dezembro de 1959

• Marta dos Santos Freire Ricci – 06 de março de 1961

E os netos casam e nascem os bisnetos de Aristeo e Giorgina:

Em dezembro de 1973, Maria Célia Ricci Jordy casa-se com João Bezerra e passa a chamar-se Maria Célia Ricci Jordy Bezerra, nascendo o filho João Rodrigues Bezerra Jr. (John), em 03.06.1975. Em maio de 2008, John casa-se com Sabrina Silvestre.

Em janeiro de 1974, Fernando Ricci Pinto casa-se com MariaBernadete Sherring da Rocha e nascem os filhos Mariane Rocha

Pinto, em 09 de abril de 1977, e Maurício Rocha Pinto, em 20 de julho de 1979. Em março de 2004, Mariane casa-se com Márcio Baker Meio. Em dezembro de 2009, Maurício casa-se com Nathasha Amaral da Rocha.

Em junho de 1975, Nassif Ricci Jordy casa-se com Jane Ramôa e nascem os filhos Omar Nassib Ramôa Jordy, em 04 de outubro de 1976;

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Nassif Ricci Jordy Filho, em 25 de outubro de 1978 e Fauzi Ramôa Jordy, em 14 de abril de 1981. Em dezembro de 2005, NassifRicci Jordy Filho casa-se com Camila Lima Oliveira.

Em 1981, Trieste dos Santos Freire Ricci une-se à Maria Helena Gravina e nasce a filha Clarisse Gravina Ricci, em 29 de agosto de 1984. Em dezembro de 1991, Farid Ricci Jordy casa-se com Ana Tereza Henriques e nascem os filhos Rodrigo Henriques Jordy, em 24 de abril de 1993 e Lucas Henriques Jordy, em 10 de janeiro de 1995.

Em janeiro de 1994, Marta dos Santos Freire Ricci casa-se com José Soares Galvão de Azevedo e nasce Paolo Ricci Galvão de Azevedo, vem 17 de março de 1995.

Do relacionamento de Paulo dos Santos Freire Ricci com Mara Shirley Freire de Souza, em 1997, nasce a filha Paula Gabriella Freire de Souza Ricci, em 20 de março de 1998. E do relacionamento de Paulo com Débora Alves Paulino, nasce Daniella Paulino Ricci, em 31 de agosto de 2012.

Theo Ricci Jordy casou-se com Daisy Rita de Castro, vindo a falecer em 1993, não deixando filhos.

E começam a nascer os tataranetos de Aristeo e Giorgina:

Theo de Oliveira Jordy, em 25.08.2006, filhos de Nassif e Camila (neto de Nassif), tornando-se o primeiro tataraneto.

João Pinto Baker Meio, em 03.01.2009 e Marina Pinto Baker Meio, em 28.05.2012, filhos de Márcio e Mariane (netos de Fernando).

João Antonio Silvestre Bezerra, em 21.03.2011 e Sofia Cristina Silvestre Bezerra, em 17.12.2012, filhos de John e Sabrina (netos de Célia).

Bernardo e Matteo Rocha Pinto, em 16.09.2012, filhos de Maurício e Nathasha (netos de Fernando).

Em resumo, os descendentes de Aristeo e Giorgina, até março de 2013, são:

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Vejam pela lista dos bisnetos acima que entre John, o mais velho, e Daniella, a mais nova, há uma diferença de 37 anos. Os bisnetos ainda não “produziram” todos os tataranetos que virão. Até março de 2013 temos apenas sete : Theo (neto de Nassif); João, Marina, Bernardo e Matteo (netos de Fernando) e João Antonio e Sofia Cristina (netos de Célia). (Fotos 37 a 42).

Filhos Netos Bisnetos Tataranetos

Paulina Fernando Mariane João

–––

–––

–––

Maurício

Marina

BernardoMatteo

–––

Nassif

Célia John

OmarTheo

Theo

–––

–––

––– –––

Farid

Trieste Clarisse –––

Marta Paolo –––

Paulo Paula GabriellaDaniella

–––

Nassif

Rodrigo

Fauzi

Lucas

João AntonioSofia Cristina

Gorízia

Trieste

Paolo

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Quantos serão os tataranetos de Giorgina e Aristeo ? Os sete existentes até agora moram em cidades distintas: Theo, em Belém (PA); João, Marina, Bernardo e Matteo, no Rio de Janeiro-RJ e João Antonio e Sofia Cristina, em Point Pleasant Beach-EUA. Será que eles vão ter a oportunidade de se conhecer e saber que tem uma origem comum ? Quando será que os bisnetos, ainda sem filhos, aumentarão esta lista ?

Considerações finais

O rio Canaticu, sua paz, seus peixes, palmeiras e árvores sustentaram o ideal de sobrevivência de vovô, bem longe de patrões, ditadores e outras autoridades por ele detestadas. Esta assertiva é uma das muitas conclusões desta história, legado que os netos de Aristeo e Giorgina deixam para outros curiosos descendentes. A história, entretanto, não termina por aqui. Apenas se estabelece um alicerce oficial para que posteriores adendos e modificações sejam feitos pelos bisnetos.

Ao dizer isto, vem-nos a dúvida se nossos filhos terão interesse em continuar esta história, visto que ao lerem esta versão inicial não nos pareceram tão motivados. No entanto, acreditamos que sim, porque nós, aos 20 ou 30 anos, também não demos a importância que estamos dando hoje. Com maturidade e sensibilidade que terão na época, certamente hão de querer dar seguimento a esta iniciativa.

Por volta de 1970, Paolo, aos 45 anos de idade, vivenciava a curiosidade de esclarecer os momentos não vividos no rio Canaticu. Nos fins de tarde, em Belém, ao sair do trabalho, ía frequentemente à casa de suas irmãs relembrar e confirmar passagens da vida da família.

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Fernando, filho de Paulina, lembra das conversas entre os três irmãos, nas quais as duas mais velhas explicavam a Paolo os detalhes que este não conhecia.

Ao que parece, em determinadas fases da vida, todos passam por essa inquietação de vasculhar o passado para depois retransmitir informações aos mais novos, numa espécie de engrenagem natural de perpetuação dos vínculos familiares. O que Paulina e Gorízia faziam com Paolo, na década de 1970, ele agora fez conosco, antes de falecer.

Escrever a história da família nos permitiu entender coisas antes indecifráveis sobre a vida e o modo de pensar de nossos pais e avós. Agora é mais fácil compreendermos porque eles jamais pensaram em retornar à Itália. Conseguiram escapar da intolerável ideologia fascista e das duas Grandes Guerras, mas não de suas privações econômicas e perseguições políticas.

Este trabalho também permitiu desvendar o lado humano e intelectual de nosso tio Trieste que, infelizmente, não nos deixou nenhum convívio, nenhum primo ou obra artística. Ficamos muito orgulhosos dos seus belos exemplos de filho, irmão e cidadão, graças às surpreendentes informações recuperadas no desconhecidíssimo romance escrito por Paolo.

Foi gratificante ler os diários de Trieste e Paolo, escritos há 75 e 68 anos, respectivamente. Algo como viajar no túnel do tempo. Podemos dizer que o documentário fotográfico do primeiro diário foi um autêntico legado jornalístico. Trieste jamais poderia imaginar o quanto seria útil para a nossa fértil e curiosa imaginação. Decididamente, uma das maiores dádivas deixadas por ele aos curiosos sobrinhos cinquentões. Sem aquelas fotografias não poderíamos imaginar as rústicas propriedades da família e nem o semblante de nosso tio-avô.

Finalmente, um dos pontos mais importantes neste processo: a reaproximação dos netos de Giorgina que, apesar de viverem em cinco diferentes cidades de dois países, empenharam-se para produzir este livro ilustrado, em busca de suas origens italianas. (Foto 43)

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Documentos pessoais de Paolo Ricci, Aristeo e Giorgina.

Documentação dos imóveis das ruas Arcipreste Manoel Teodoro e Manoel Barata.

Documentos da partilha de bens entre os filhos de Aristeo e Giorina (1968).

Documentos da sepultura e funeral de Conrado Ricci (1950).

Entrevistas de Paolo Ricci em jornais e TV (em DVD).

P rincipais fontes históricas e bibliográficas

Documentos de família

Eliete dos Santos Freire Ricci, viúva de Paolo Ricci.

Leonardo Fonseca, odontólogo-professor da UFPA, filho de Manoel Fonseca, que comprou as propriedades de Giorgina Ricci, no Marajó.

Familiares de Domênico Grasseschi, em São Paulo, irmão de Giorgina Grasseschi Ricci.

Fontes orais (entrevistas e depoimentos)

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Fontes manuscritas

Migrantes ítalo-americanos entrevistados por Célia Ricci, nos Estados Unidos.

Nancy Nunes, professora e pesquisadora da história de Curralinho.

Sr. Odesto, morador da Ponta Alegre, desde 1934 até 2011.

Nacib Jordy, ex-esposo de Gorízia Ricci.

Fontes impressas

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Anexo 1Pronunciamento de Paolo Ricci na Academia Paraense de Letras

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Anexo 2Documentário Fotográfico

1 — O brasão da família Grasseschi – Origem na corte de Viena, em 1227

2 — O brasão da família Ricci – Origem em Nápoles – 1398

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3 — Localização do Rio Canaticu e cidade de Curralinho no Google

4 — Brincos e o pingente do cordão ganhos por Giorgina no dia do noivado, em 1905

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5 — As jangadas com toras de madeira chegando ao trapiche da Ponta Alegre.Fonte: Acervo de Leonardo Fonseca

6 — O embarque das toras de madeira. Fonte: Acervo de Leonardo Fonseca

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7 — Sementes de ucuúba

8 — Detalhe da árvore de ucuúba

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9 — Os barracões da Ponta Alegre

10 — Os barracões vistos do rio Canaticu

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11 – Gorízia no Colégio Santa Rosa (na elipse) – 1930

12 - A capa do diário de Trieste Ricci, de 1936

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13 – Barco Trieste – 1940

14– Calendário de 1940

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15 - João, Paulina, Gorízia e Nacib embarcando para Mosqueiro, em 1943

16 - Paulina, João, Gorízia e Nacib na praia de Mosqueiro – 1943

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17 - Giorgina no pátio da casa, em 1945

18 - Giorgina na janela da casa da Arcipreste – 1945

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19 - Gorízia, Célia e Nacib em 1946

20 - João, Fernando e Paulina em 1950

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21 - Paulo, Paolo, Eliete, Trieste e Marta, em 1970

22 - Paulina em 1987

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23 – Paulina, no dia de seus 78 anos –1989

24 – Gorízia em 1991, no casamento de seu filho Farid

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25 - Fernando, Célia e Nassif, no dia da viagem à Curralinho, em 08.10.2010

26 - Sobrevoando Curralinho

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27 - A chegada à Ponta Alegre da Ilha das Araras

28 - A descoberta dos alicerces da usina de Aristeo.

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29 - O caminho da casa até o trapiche

30 - O trapiche da Ponta Alegre

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31 - A pesquisa nos livros do cartório de Curralinho

32 – A reunião dos primos em Belém – 09.10.2010

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33 - A consulta aos álbuns de fotos da família

34 -A visita a Paolo e Eliete para mostrar as fotos da viagem de 08.10.2010

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35 - Professora Nancy e o Diretor da escola da Ponta Alegre

36 – Professora Nancy entrevistando o Sr. Odesto e Esposa

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37 - Paolo, Eliete, filhos e netos – Salinas 2008

38 – João, o segundo tataraneto – Janeiro de 2011

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39 – Mariane, João e Maurício – abril de 2011

40 – Theo, o primeiro tataraneto de Aristeo

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41 – João (neto de Gorízia) e João Antonio, o terceiro tataraneto de Aristeo

42 – Célia e o neto João Antonio, nascido em 21.03.2011

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43 – Os primos residentes no Brasil, em maio de 2011Da esquerda para a direita: Paulo, Nassif, Marta, Trieste e Fernando.

Esta obra foi impressa em processo digital/sob demanda, na Singular Gráfica para a Letra Capital Editora.

Utilizou-se o papel polem soft 80g/m² e a fonte Minion Pro corpo 11 sobre 15,6.

Rio de Janeiro, novembro de 2011.