formaÇÃo continuada- textos
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Formação contínua de professores
BOLETIM 13AGOSTO 2005
SUMÁRIOSUMÁRIO
PROPOSTA PEDAGÓGICA
FORMAÇÃO CONTINUA DE PROFESSORES ........................................................................................................... 03Maria Isabel de Almeida
PGM 1
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM FACE DAS MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES E DOS INÚMEROS PARCEIROS EXISTENTES HOJE ........................................................................................................... 11Múltiplas possibilidades e inúmeros parceirosMaria Isabel de Almeida
PGM 2
A FORMAÇÃO CONTÍNUA COMO UM DOS ELEMENTOS ORGANIZADORES DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA ......................................................................................................................................... 18 Formação contínua em serviço e projeto pedagógico: uma articulação necessáriaJosé Cerchi Fusari Alexandre de Paula Franco
PGM 3
A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA COTIDIANA – CAMINHO PARA A FORMAÇÃO CONTINUA E PARA O FORTALECIMENTO DA ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO COLETIVO .................................................................... 24 Evandro Ghedin
PGM 4
OS SABERES DOS PROFESSORES – PONTO DE PARTIDA PARA A FORMAÇÃO CONTÍNUA ........................ 33 Valter Soares Guimarães
PGM 5
VIDA E TRABALHO – ARTICULANDO A FORMAÇÃO CONTÍNUA E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES ............................................................................................................................ 39 Maria Socorro Lucena Lima
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 2
PROPOSTA PEDAGÓGICAPROPOSTA PEDAGÓGICA
Formação Contínua de Professores
Maria Isabel de Almeida 1
1) Conceituação e justificativa:
Nas últimas décadas, em decorrência das mudanças sociais, econômicas e culturais, o mundo todo
tem prestado mais atenção na educação, especialmente a que se desenvolve nos sistemas escolares,
submetendo-a a uma análise pública constante. O resultado desse interesse tem se consubstanciado
em reformas educativas, desencadeadas em grande número de países. Nesse contexto, as questões
relativas à atuação e à formação docente estão no centro de amplas discussões, ocorridas em fóruns
que extrapolam os espaços dos especialistas ou dos gestores dos sistemas de ensino.
Sacristán (1990) considera que a formação de educadores tem se constituído em “uma das pedras
angulares imprescindíveis a qualquer intento de renovação do sistema educativo”, o que nos ajuda a
entender a importância que esta temática vem adquirindo nas últimas décadas, em meio aos
esforços globais para melhorar a qualidade do ensino. Nos processos de reformas educativas ela é,
então, colocada como elemento central.
Nesse contexto, discutir os pressupostos da formação do professor é discutir como assegurar um
domínio adequado da ciência, da técnica e da arte da profissão docente, ou seja, é tratar da
competência profissional. No seu processo de formação, o professor se prepara para dar conta do
conjunto de atividades pressupostas ao seu campo profissional. Atualmente, concebe-se essa
formação voltada para o desenvolvimento de uma ação educativa capaz de preparar seus alunos
para a compreensão e transformação positiva e crítica da sociedade em que vive.
Para tanto, há que se compreender a formação a partir da confluência entre a pessoa do professor,
seus saberes e seu trabalho. O exercício da docência não pode se resumir à aplicação de modelos
previamente estabelecidos, ele deve dar conta da complexidade que se manifesta no contexto da
prática concreta desenvolvida pelos professores, posto que o entendemos como um profissional que
toma as decisões que sustentam os encaminhamentos de suas ações.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 3
Se compreendermos assim a prática docente, o processo de formação que lhe é pressuposto, e que
se desenvolve ao longo de toda a carreira dos professores, requer a mobilização dos saberes teóricos
e práticos capazes de propiciar o desenvolvimento das bases para que eles investiguem sua própria
atividade e, a partir dela, constituam os seus saberes, num processo contínuo. Podemos, então,
definir a formação contínua como sendo o conjunto de atividades desenvolvidas pelos professores
em exercício com objetivo formativo, realizadas individualmente ou em grupo, visando tanto ao
desenvolvimento pessoal como ao profissional, na direção de prepará-los para a realização de suas
atuais tarefas ou outras novas que se coloquem (Garcia, 1995).
Entendemos que os saberes específicos da docência, que dão a sustentação ao trabalho dos
professores, resultam da estreita articulação entre formação, profissão e as condições materiais em
que estas se realizam. Essa articulação valoriza o professor como sujeito das transformações que
precisam se processar continuamente na escola e na sociedade. E sugere, também, uma associação
radical entre formação, condições de trabalho, salário, jornada, gestão, currículo, pressupondo uma
política de valorização e de desenvolvimento pessoal e profissional.
Contextualizar a formação no âmbito do processo de desenvolvimento profissional dos professores
decorre do entendimento de que a formação contínua se processa como algo dinâmico, que vai além
dos componentes técnicos e operativos normalmente impostos aos professores pelas autoridades
competentes, que não levam em conta a dimensão coletiva do trabalho docente e as situações reais
enfrentadas por esses profissionais em suas práticas cotidianas. Essa contextualização também
propicia um caráter mais orgânico às várias etapas formativas vividas pelo professorado,
assegurando-lhes um caráter contínuo e progressivo.
Na medida em que a formação se articula com os demais aspectos da atuação dos professores –
contexto social de atuação, ética, condições de trabalho, carreira, salário, jornada, avaliação
profissional –, permite considerar a docência como uma profissão dinâmica, em constante
desenvolvimento, propiciando a gestação de uma nova cultura profissional. Porém, se essa
articulação não ocorre, as novas possibilidades formativas, pensadas para responder ao dinâmico
processo de mudanças sociais e educacionais, acabarão apenas por adicionar mais atribuições à
sobrecarga que lhes é imposta na atualidade.
Ao professor têm sido colocadas demandas de naturezas bastante distintas. Do ponto de vista social
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 4
ele tem tido que aprender a conviver mais intensamente com os interesses e pensamento dos alunos
e pais no cotidiano escolar e a ter uma maior interação com a comunidade que circunda a escola. Do
ponto de vista institucional, ele tem sido solicitado a participar mais ativamente nas definições dos
rumos pedagógicos e políticos da escola, a definir recortes adequados no universo de
conhecimentos a serem trabalhados em suas aulas, a elaborar e gerir projetos de trabalho. Do ponto
de vista pessoal, tem sido chamado a tomar decisões de modo mais intenso sobre seu próprio
percurso formador e profissional, a romper paulatinamente com a cultura de isolamento
profissional, a partir da ampliação da convivência com colegas em horários de discussões coletivas
e nos trabalhos em projetos, a debater e reivindicar condições que permitam viabilizar a essência do
próprio trabalho.
Por isso, alguns autores (Gauthier et al, 1998; Imbernón, 1994; Alarcão, 1998, Pimenta, 2002a)
argumentam sobre a importância de uma concepção ecológica da formação docente, que leve em
conta o entorno, o indivíduo, o coletivo, a instituição, a comunidade, as bases implícitas
subjacentes, as decisões e as atitudes do professorado em um contexto específico – a escola e a aula
–, capaz de tornar mais eficiente sua atuação e os saberes que a sustentam. Ou seja, uma formação
que tenha a prática educativa e o ensinar como objeto de análise, que assegure os elementos que
permitam aos professores compreender as relações entre a sociedade e os conhecimentos
produzidos, e que os ajude a desenvolver a atitude de pesquisar como forma de aprender.
Assumir que os professores são produtores de um saber prático, originário das respostas que
produzem em face da imprevisibilidade e da ambigüidade da prática, possibilitou avançar no
entendimento da profissionalidade docente, como sendo o conjunto de saberes específicos,
construídos no trabalho docente, e que caracterizam profissionalmente o professor.
Como vimos, é vasta a base que permite aos professores redimensionarem sua profissionalidade, na
medida em que se constituam como sujeitos de suas práticas, analistas do contexto em que atuam,
articuladores dos conhecimentos teóricos com as dinâmicas sociais e as necessidades de
aprendizagem de seus alunos. Estamos, então, diante de uma concepção da atuação docente que
extrapola as balizas colocadas pelas concepções tradicional e técnica do fazer docente. E que
enfatiza que os professores deixem de ser meros consumidores de conhecimento e passem a
produzi-lo, numa perspectiva colaborativa, valorizando a si e a seus parceiros.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 5
Essa visão sobre os professores, bem como sua formação e seu papel no mundo educativo atual, que
procura lhes conferir posição de protagonistas, é fruto de avanços significativos no campo da
produção teórica e política. No entanto, por si só, ela não é suficiente para implementar novos
arranjos no interior dos espaços de trabalho dos professores e nas relações profissionais que aí se
estabelecem e, ainda, implementar o desenvolvimento de novas práticas. Para que isso ocorra,
muito há que ser feito no sentido de se discutir com os professores o que eles podem fazer no
sentido de assumir o controle sobre os rumos de sua atuação profissional.
Esse é o propósito da série de programas sobre a FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES.
2) Objetivos:
Diante dos pressupostos colocados, entendemos que esta série de programas orientar-se-á pelos
seguintes objetivos:
• discutir a importância que a formação contínua tem para a prática docente;
• identificar as múltiplas possibilidades de formação contínua disponíveis hoje;
• analisar a escola como espaço privilegiado de formação contínua;
• trabalhar a idéia de que os professores são produtores de saberes, que se desenvolvem a partir de
sua própria prática, e que a reflexão sobre esses saberes re-alimenta as práticas futuras;
• discutir o conceito de desenvolvimento profissional como articulador do conjunto de atividades
desenvolvidas pelos professores, quer seja no campo da atuação ou da formação.
Temas que serão debatidos na série Formação contínua de professores, que será apresentada no
programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 1 a 5 de agosto de 2005:
PGM 1 - Formação contínua de professores em face das múltiplas possibilidades e dos
inúmeros parceiros existentes hoje
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 6
Esse programa buscará tecer um panorama das inúmeras possibilidades colocadas hoje em nosso
país para a formação contínua, enfatizando sua relevância para as práticas dos professores. Serão
enfocadas, dentre outras possibilidades: a formação contínua oferecida por organismos dos sistemas
de ensino, especialmente as escolas; universidades; ONGs; movimentos populares; sindicatos e
associações etc.
PGM 2 - A formação contínua como um dos elementos organizadores do projeto político-
pedagógico da escola
Esse programa tratará da escola como espaço de formação também para os professores, a partir do
potencial formador das situações de trabalho e da potencialidade do ambiente coletivo. Buscará
discutir a unidade de tempo e de espaço entre formação e exercício profissional e a importância de
se problematizar a experiência vivida coletivamente, de forma a resgatar o seu sentido, o que
precisa ganhar espaço e identidade no contexto do PPP.
PGM 3 - A reflexão sobre a prática cotidiana – caminho para a formação contínua e para o
fortalecimento da escola enquanto espaço coletivo
Esse programa tratará da importância de os professores conhecerem o papel que tem a reflexão
sobre as suas próprias atividades, para a reorganização do seu trabalho em novas bases. Também
serão abordados possíveis caminhos para a efetivação de trocas de experiências e para o trabalho
coletivo, nos quais a reflexão sobre a prática seja reconhecida e valorizada na formação contínua.
PGM 4 - Os saberes dos professores – ponto de partida para a formação contínua
Esse programa discutirá como os saberes produzidos pelos professores se constituem num conjunto
de conhecimentos, distinto do de outras profissões, que ajudam a sustentar suas ações pedagógicas.
Buscaremos trabalhar a percepção de que esses saberes os orientam no diálogo crítico com a
realidade e com a própria atuação e, por isso, merecem ser tomados como ponto de partida para a
formação contínua.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 7
PGM 5 - Vida e trabalho – articulando a formação contínua e o desenvolvimento profissional
de professores
Esse programa buscará demonstrar que vida e trabalho precisam estar intrinsecamente articulados
num processo de formação contínua, em que os professores se coloquem como produtores de sua
própria vida, da sua profissão e da instituição escolar em que atuam, associando formação,
condições de trabalho e salário, currículo etc.
Bibliografia
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Geraldi, C. M. G. et al. (orgs). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras, 1998.
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Imbernón, F. La formación del profesorado. Barcelona, Editorial Paidós, 1997.
Lima. M. S. L. A formação contínua do professor nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional. Tese (doutorado em Educação). Faculdade de Educação – USP, 2001.
Ludke, M. O professor, seu saber e sua pesquisa. In: Educação & Sociedade. Centro de Estudos Educação e Sociedade, Campinas: CEDES, 2001, n° 74.
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FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 8
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Pimenta, S. G. A Didática como mediação na construção da identidade do professor: uma experiência de ensino e pesquisa. In: André, M. & Oliveira, M. R. (orgs.). Alternativas do Ensino de Didática. Campinas. Papirus, 1997, p. 37-70.
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FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 9
Nota
1 – Professora da Faculdade de Educação da USP em cursos de Graduação e Pós-Graduação. Consultora dessa série.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 10
PROGRAMA 1PROGRAMA 1
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES EM FACE DAS MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES E DOS INÚMEROS PARCEIROS EXISTENTES HOJE
Múltiplas possibilidades e inúmeros parceiros
Maria Isabel de Almeida1
Neste texto, desenvolvo a idéia de que a formação contínua abarca o conjunto de atividades
desenvolvidas por nós, professores em exercício, com objetivo formativo, na direção de nos
prepararmos para a realização de nossas atuais atividades ou de outras novas que se coloquem nos
locais onde trabalhamos. Portanto, a formação contínua engloba o conjunto das atividades de
formação desenvolvidas após a formação inicial e que se realizam ao longo de toda a carreira
docente, nos mais variados espaços e com um número incontável de parceiros. Teço também um
panorama das inúmeras possibilidades colocadas hoje em nosso país para a formação contínua,
enfatizando sua relevância para as práticas que realizamos. Enfoco, dentre outras, as possibilidades
de formação contínua oferecidas por organismos dos sistemas de ensino, especialmente nas escolas;
pelas universidades; as modalidades a distância; as realizadas por ONGs, movimentos populares,
sindicatos, associações etc.
Por que a formação contínua de professores está na ordem do dia?
Por que vemos crescer, a cada dia, o número de propostas de formação contínua para os professores,
que não param de chegar pelo correio, pela Internet, pela boca dos amigos?
Essa avalanche de ações formadoras decorre da constatação de que as mudanças sociais,
econômicas e culturais, que se desenvolvem tão rapidamente em todo o mundo, colocam novas
questões para a escola e, por conseqüência, para a prática dos professores. Temos enfrentado
demandas de naturezas bastante distintas. Do ponto de vista social, temos tido que aprender a
conviver mais intensamente com os interesses e o pensamento dos alunos e pais no cotidiano
escolar e a ter uma maior interação com a comunidade que circunda a escola. Do ponto de vista
institucional, temos sido solicitados a participar mais ativamente nas definições dos rumos
pedagógicos e políticos da escola, a definir recortes adequados no universo de conhecimentos a
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 11
serem trabalhados em nossas aulas, a elaborar e gerir projetos de trabalho. Do ponto de vista
pessoal, temos sido chamados a tomar decisões de modo mais intenso sobre nosso próprio percurso
formador e profissional, a romper paulatinamente com a cultura de isolamento profissional, a partir
da ampliação da convivência com colegas em horários de discussões coletivas e nos trabalhos em
projetos, a debater e reivindicar condições que permitam viabilizar a essência do próprio trabalho.
Esse quadro de demandas é reconhecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB
nº 9.394) e, para responder a todas essas solicitações nós, professores, necessitamos de uma
formação que nos assegure um domínio adequado da ciência, da técnica e da arte da profissão
docente. Ou seja, que nos prepare para o desenvolvimento de uma ação educativa capaz de formar
os alunos para a compreensão e a transformação positiva e crítica da sociedade em que vivem.
Estamos, então, falando de uma formação que articule a pessoa que somos, os nossos saberes e o
nosso trabalho. O exercício da docência não pode se resumir à obrigação de darmos vida ao que
outros (mesmo que sejam especialistas) elaboram para sustentar o que fazemos. É preciso que
tomemos em nossas mãos as decisões que embasam os encaminhamentos de nossas ações.
Se compreendermos assim a prática docente, o processo de formação que lhe é pressuposto, e que
se desenvolve ao longo de toda a carreira dos professores, requer a mobilização dos saberes teóricos
e práticos capazes de propiciar o desenvolvimento das bases para que possamos investigar a nossa
própria atividade e, a partir dela, constituamos os nossos saberes num processo contínuo. Podemos,
então, definir a formação contínua como sendo o conjunto de atividades desenvolvidas pelos
professores em exercício com objetivo formativo, realizadas individualmente ou em grupo, visando
tanto ao desenvolvimento pessoal como ao profissional na direção de nos prepararmos para a
realização de nossas atuais atividades ou de outras novas que se coloquem. Essas atividades
formativas convergem, portanto, para o movimento de elaboração/re-elaboração da cultura
profissional docente, ou seja, com a constituição incessante do modo de sermos professores.
Defendo, então, que os saberes específicos da docência, que dão a sustentação ao trabalho dos
professores, resultam da estreita articulação entre formação, profissão e as condições materiais em
que estas se realizam, resultando numa cultura profissional. Essa articulação valoriza o professor
como sujeito das transformações que precisam se processar continuamente na escola e na sociedade.
E sugere também uma associação radical entre formação, condições de trabalho, salário, jornada,
gestão, currículo, pressupondo uma leitura do mundo e do nosso próprio papel de educadores no
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 12
mundo atual.
No entanto, novos arranjos no interior dos nossos espaços de trabalho e nas relações profissionais
que aí se estabelecem, ou mesmo a implementação de novas práticas educativas que sejam capazes
de enfrentar a exclusão de parte significativa dos estudantes, não acontecem espontaneamente. Para
que isso ocorra, muito há que ser feito para que nós possamos assumir o controle sobre os rumos de
nossa atuação profissional. Estarmos constantemente em formação, aprimorando nossos
conhecimentos, é fundamental.
As múltiplas possibilidades para a formação contínua
Hoje convivemos com uma gama de possibilidades de ações de formação contínua. Vejamos um
breve mapeamento dessa variedade de ações propostas por inúmeros parceiros.
A) A formação contínua realizada na escola: A escola tem sido reconhecida por todos como o local
onde os alunos aprendem o que é ensinado pelos professores. Mas isso é uma meia verdade. Nela
também nós, professores, aprendemos especialmente sobre a nossa profissão, sobre como ensinar
aos nossos alunos. É nela que avançamos nos modos de produzirmos nossa ação, que vamos
mudando nossas práticas. E assim a escola também se modifica, se transforma.
Em um grande número das escolas brasileiras, os professores têm hoje o horário coletivo de
trabalho pedagógico, dedicado à discussão, à reflexão e à avaliação do que realizam
individualmente, ou em grupos articulados em torno de projetos mais amplos. Nesses momentos de
convivência, por meio de estudos e trocas é que produzimos respostas aos problemas presentes no
processo de ensino-aprendizagem e também nos desenvolvemos, ao mesmo tempo em que a escola
também vai se modificando. Isso significa que a formação contínua desenvolvida no interior da
escola se constitui num movimento colaborativo, que precisa ser sustentado por um projeto
formulado claramente por todos os envolvidos e ser orientado pelo gosto por aprender, cultivado
carinhosamente no trabalho escolar, o que vale para professores e alunos. Essa é a maneira de
superarmos o modo pouco produtivo com que muitos desses horários pedagógicos vêm
funcionando.
B) A formação contínua realizada pela universidade: Como explicita a LDB, cabe às universidades
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 13
formar em quantidade e com qualidade os professores para todos os níveis da educação em nosso
país. Coerentes com esse pressuposto, elas têm oferecido inúmeras oportunidades de formação
contínua aos professores, seja na relação direta com as escolas, ou por meio de convênios com os
sistemas de ensino. Essa é uma dimensão importante da atuação das universidades, pois cabe a elas
não só formar os professores para ingressarem no magistério, mas também oferecer
acompanhamento às suas ações e dar continuidade à sua formação em serviço.
No entanto, esse território de ofertas é vasto e escorregadio. Algumas instituições orientam-se mais
pelos interesses econômicos, deixando de lado preocupações com o real enfrentamento das
dificuldades vividas pelos professores, que muitas vezes têm uma formação inicial bastante
precária. Portanto, é preciso estar atento para escolher quais das atividades ofertadas se colocam
realmente em favor da melhoria de nossas ações pedagógicas.
C) A formação contínua realizada no modelo de Educação a Distância: Dentre as inúmeras
modalidades de formação contínua, as oferecidas no formato de educação a distância vêm
crescendo muito em nosso país. Logicamente elas ganham cada vez mais espaço em face da enorme
demanda dos educadores brasileiros por formação. Elas se baseiam em suportes de comunicação
como a Internet, os vídeos ou a televisão e sustentam-se, em grande parte, na articulação entre
atividades a distância, como as videoconferências, e as atividades presenciais, apoiadas no uso de
apostilas ou de textos.
Muitas ações de formação contínua a distância são voltadas para a melhoria da qualidade do ensino
e o aperfeiçoamento docente e preocupam-se com a interatividade entre formadores e formandos.
Porém, uma de suas inúmeras dificuldades é a pouca adequação dos temas abordados às realidades
e aos problemas vividos pelos professores cursistas. É bem verdade que esse é um problema
também presente em muitas das ações presenciais de formação contínua, porém buscar essa sintonia
é fundamental para que elas possam, de fato, agregar alguma contribuição às práticas dos
professores que as freqüentam.
O programa Salto para o Futuro, que já tem treze anos de existência, é um dos mais tradicionais
programas de formação contínua a distância dentre nós. Conta com a participação de professores de
todos os estados brasileiros e seu objetivo central é contribuir para que eles ampliem seus
referenciais teórico-metodológicos e atualizem seus conhecimentos específicos e gerais. Ao longo
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 14
de sua existência, foi reformulando seu formato para se aproximar das reais necessidades vividas
pelos professores, e essa parece ser sua marca mais interessante, na medida que tem permitido um
diálogo constante com seus freqüentadores.
D) A formação contínua realizada por museus e centros culturais: Se é verdade que no nosso
trabalho educativo, além de ensinarmos os conhecimentos fundamentais aos nossos alunos,
precisamos também ensinar a cultura em que estamos inseridos, fica evidente que precisamos nos
preocupar igualmente com a nossa base cultural. Se não possuirmos uma boa formação cultural, não
teremos condições de ensinar cultura aos nossos alunos.
Sem dúvida, o trabalho docente fica muito mais rico se não nos mantivermos presos apenas ao
conhecimento formal e aos conteúdos a serem ensinados, e lançarmos mão das inúmeras
contribuições do mundo das artes e da literatura. Por isso, é fundamental que tenhamos um contato
freqüente com o mundo da cultura de forma intensa e diferenciada, lendo livros de literatura,
freqüentando museus, cinemas, teatros, concertos e shows, de modo a alargarmos nossos conceitos,
nossos referenciais. Nesse sentido, os museus e centros culturais se constituem em espaços
privilegiados de formação contínua.
E) A formação contínua realizada por ONGs, sindicatos ou outros organismos sociais: A
importância que a formação contínua vem adquirindo para a melhoria da atuação dos professores
tem permitido a participação de novos parceiros em ações de formação, como é o caso das ONGs,
dos sindicatos de professores e de outros tipos de organizações existentes dentre nós, como as
associações dos profissionais de áreas específicas do conhecimento, as instituições de pesquisa, as
fundações etc.
Muitas dessas organizações têm se preocupado em trazer para seus espaços de reflexão e atuação
questões relativas à dimensão pedagógica, aos múltiplos aspectos da cultura e aos objetivos e fins
da educação, oferecendo aos professores possibilidades de rever suas ações profissionais e de
realizá-las de maneira mais orgânica e compromissada. Porém, novamente se coloca a necessidade
de que os professores tenham critérios e cuidados na escolha de propostas sérias, voltadas para
favorecer situações formativas que sejam realmente capazes de propiciar elementos que nos ajudem
a avançar na compreensão das necessidades que estamos enfrentando em nosso trabalho e a
implementar novas práticas que possibilitem o crescimento de todos os alunos, independente de sua
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 15
origem social, étnica ou religiosa.
Para enfrentar as dificuldades de escolha
Como foi se evidenciando diante dessas várias ações de formação contínua propostas por inúmeros
parceiros, as escolhas não são fáceis. Assim, para concluir essa reflexão, vamos pontuar alguns
critérios que possam contribuir com essa difícil tarefa. Jogam a nosso favor, e logicamente a favor
de nossos alunos, as ações de formação contínua que:
a) contribuam para o desenvolvimento de uma escola includente, preocupada em educar a todos de
modo igualitário e democrático;
b) estejam voltadas para as reais necessidades vividas no dia-a-dia, levando em conta o que se passa
no local de trabalho dos professores;
c) estejam inseridas num processo permanente de formação profissional e articuladas com o projeto
pedagógico da escola;
d) contribuam para fortalecer o professor como sujeito de sua formação e de sua atuação;
e) considerem a importância das condições em que os professores exercem suas funções (gestão e
condições de funcionamento da escola, carreira, contrato, jornada de trabalho, salário etc.) para o
êxito ou fracasso da formação.
Logicamente, muitos outros critérios poderão ser elaborados pelos professores em cada escola. O
importante é que eles nos ajudem a problematizar as opções de formação contínua, de modo a
fazermos as escolhas acertadas para que cada vez mais as escolas sejam locais em que se assegurem
oportunidades de crescimento a todos.
Bibliografia
Almeida, M. I. O sindicato como instância formadora dos professores: novas contribuições ao desenvolvimento profissional. Tese de Doutoramento. São Paulo: FEUSP, 1999.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 16
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Nóvoa, A. (org.). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1991.
Pimenta, S. G. & Ghedin, E. (orgs.) Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo, Cortez, 2002.
Pimenta, S. G. (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo, Cortez, 1999.
Sacristán, J. G. Poderes Instáveis em Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1999.
Nota
1 Professora da Faculdade de Educação da USP em cursos de Graduação e Pós-Graduação. Consultora dessa série.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 17
PROGRAMA 2PROGRAMA 2
A FORMAÇÃO CONTÍNUA COMO UM DOS ELEMENTOS ORGANIZADORES DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA
Formação contínua em serviço e projeto pedagógico: uma articulação necessária
José Cerchi Fusari 1 Alexandre de Paula Franco 2
Abordar o tema formação docente é algo que há muito tem despertado interesse dos pesquisadores
em educação, dos fóruns regionais, das discussões nas instituições de ensino. Por vezes, em virtude
de sua essencialidade para a escola, por outras, em virtude de seu hibridismo teórico. Certamente
esse texto não contemplará todas as compreensões multifacetadas acerca desse tema, contudo,
procuraremos resgatar o “estado da arte” da formação docente, trazendo para tanto algumas
provocações que consideramos relevantes para a mudança de paradigma: que articulações podemos
construir entre projeto pedagógico da escola e a formação contínua em serviço? Quais as relações
que podemos constatar quando problematizamos a organização de um processo de formação
contínua em serviço e o projeto pedagógico da escola? Em que medida essa articulação pode
contribuir para que consigamos romper com algumas concepções redentoristas de formação, como
se por implantação fosse possível dar conta de todas as necessidades da escola?
Via de regra, a formação contínua vem sendo compreendida como aquela que ocorre após a
formação inicial (magistério em nível superior, licenciatura, bacharelado), a partir do ingresso do
sujeito na carreira do magistério. Dito de outra forma, tudo aquilo que ocorreu antes do ingresso no
trabalho entra na categoria da formação inicial e o que ocorre depois, na categoria de formação
contínua. Seria como se tivéssemos dois tempos distintos no processo de formação: um tempo
anterior e outro posterior.
Um rápido rastreamento na história da concepção da formação contínua permite constatar um
emaranhado de terminologias a ela associadas: educação permanente, treinamento, capacitação,
reciclagem, entre tantas outras.
Essa proliferação de termos que foram e ainda são utilizados reflete os diferentes entendimentos que
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 18
foram sendo feitos sobre a formação contínua e, por conseqüência, sobre seu papel na formação do
profissional docente. Dentre elas podemos destacar a formação contínua como compensação de
deficiências iniciais, isto é, a ela competia “repor” conhecimentos, atitudes e habilidades que
careceram ou não foram trabalhadas na formação inicial. Outra seria a formação contínua como
atualização do repertório de conhecimentos superados e envelhecidos pelo desgaste do tempo; ou,
ainda, a formação contínua como elemento de aperfeiçoamento dos conhecimentos, ou seja,
aperfeiçoar aquilo que o sujeito já sabe, mas ainda precisa aprofundar.
Tanto para a reposição, como para a atualização ou aperfeiçoamento, as políticas públicas voltadas
para a formação contínua de educadores, em geral, caminharam nas seguintes direções: quanto às
modalidades, usaram e abusaram exaustivamente de cursos, reuniões, encontros, jornadas,
orientações técnicas, seminários, palestras, oficinas e outras tantas; quanto ao local onde ocorreram,
privilegiaram mais o afastamento dos profissionais (diretores, auxiliares, coordenadores,
professores) do seu local de trabalho – para cada convocação vai um representante da unidade.
Quando ele retorna, faz o repasse – multiplicação – para os colegas que ficaram na lida. Um modelo
de formação que sustenta a idéia de que o fato de simplesmente reunir professores que trabalham
com a mesma área de conhecimento, ou especialistas que desenvolvem atividades da mesma
natureza de atuação, pudesse garantir uma análise consistente de suas práticas e os mobilizasse a um
olhar intencional para os conhecimentos teóricos que orientam sua atuação. Essas ações de
formação, não raramente, em forma e conteúdo, desconsideram a complexidade singular de cada
escola, sua memória institucional e o desenvolvimento dos sujeitos que lá convivem e
protagonizam.
Pesquisas realizadas no Brasil, a partir dos anos 70, e também em outros países, revelaram muitos
limites para políticas que caminharam nas propostas explicitadas no parágrafo anterior. Os dados
revelam um descompasso muito grande entre a mobilização para a “capacitação” e os poucos
resultados e mudanças no processo de ensino-aprendizagem. Estas constatações foram contribuindo
para o questionamento do entendimento de capacitação como sinônimo de mudança. Houve, então,
um grande avanço na crítica às ações de formação baseadas numa concepção linear, prescritiva e
extremamente pontual.
Ainda considerando resultados das pesquisas, as mesmas apontavam que mudanças benéficas ao
processo de ensino-aprendizagem tendiam a ocorrer quando o processo formativo acontecera no
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 19
próprio local de trabalho dos professores, isto é, nas próprias escolas. Dentre os benefícios
apontados destacamos: investimento no coletivo da escola, a problematização e análise das práticas
em curso, propostas de mudanças no processo de reflexão coletiva dos professores, o estudo
analítico do trabalho como currículo em ação, o reconhecimento da identidade dos sujeitos sociais
que compõem as equipes escolares, etc. Ou seja, permite ir além da reflexão exclusiva das práticas,
mobilizando os professores para um exercício consciente e dialógico do pensamento pedagógico
que, sistematizando teoria e prática, contribui para a ressignificação de sua profissionalidade,
construindo um outro olhar possível sobre o processo ensino-aprendizagem.
Estamos, pois, diante de dois paradigmas que orientam as políticas de formação contínua: um
tradicional, que ainda impregna a realidade brasileira, e outro paradigma que ainda desponta no
horizonte, como proposta de superação de limites amplamente constatados no excesso de utilização
do anterior.
Esta proposta já ensaia seus primeiros passos e defende, dentre outras propostas, a necessidade de
concentrar mais a formação nas próprias escolas, privilegiando assim a formação contínua em
serviço. Contínua porque, ao mesmo tempo em que o professor se nutre de conhecimentos
científicos e saberes culturais, cria outras representações sobre as relações educativas na escola. Em
serviço, não por haver uma seqüência de ações, o que comumente ocorre, mas por privilegiar um
processo de desenvolvimento profissional do sujeito, constituído por história de vida e de acesso
aos bens culturais, de fazeres profissionais e de diferentes realidades de trabalho, carregadas ora por
necessidades de superação de desafios, ora por dificuldades relevantes de atuação.
Desta forma, concebemos formação contínua em serviço como aquela que ocorre na própria escola,
tendo como elemento mediador a própria dinâmica do currículo escolar, isto é, o projeto pedagógico
em ação. Garantindo um processo formativo que promova a tomada de consciência na mediação
entre o trabalho educativo efetivamente possível e o socialmente desejável para a construção de
uma escola realmente democrática, idealizada propositalmente no projeto político-pedagógico.
Concluindo, reiteramos a emergência da formação contínua em serviço no projeto pedagógico da
escola, carta de intenções e compromissos entre a escola e a comunidade, sua arquitetura de
trabalho, construído coletiva e colaborativamente. Entendemos finalmente que a ele cabe conter,
além da proposta de ensino para os alunos, um plano autêntico de formação dos professores da
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 20
escola, reconhecendo os saberes que produzem no exercício da profissão docente, suas possíveis
contribuições para o desenvolvimento institucional, suas diferentes necessidades formativas, as
reais condições de trabalho e os desejos educacionais que ali existem.
Em suma, ao construir o projeto político-pedagógico da escola, é fundamental que seja explicitada a
proposta para formação contínua em serviço dos professores, de modo que estas ações ocorram em
consonância com os objetivos da relação ensino-aprendizagem, a concepção de educação presente e
as metas a serem alcançadas pela escola.
Inegavelmente, a travessia é longa, é fundamental coragem para mudar e decisão para aprender, mas
o mais importante é que não estamos partindo do nada, nem tampouco do princípio, a tal travessia
já foi há muito iniciada.
Podemos considerar que a formação contínua em serviço está ocorrendo quando...
O quadro a seguir apresenta algumas categorias que são referências de indicação conceitual que
podem contribuir para identificarmos a concepção e o percurso de formação contínua que estamos
desenvolvendo, tendo como objetivo tão somente sistematizar os resultados das pesquisas
realizadas, sem contudo definir padrões de formação contínua em serviço.
Categoria Visão restrita Visão ampliada
Local • Realizada na escola, periodicamente,
• Nas ações centralizadas na diretoria local.
• Centrada na escola,
• Apoio de instâncias locais,
• Parceria com centros de formação
Organização
• Horários das HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo,
• Reuniões de planejamento,
• Professores reunidos por séries ou períodos,
• Encontros pontuais sobre projetos.
• Horários das HTPCs,
• Momentos constantes de reuniões de equipe,
• Espaços para reunião individual com a coordenação.
Gestão • Coordenação pedagógica,
• Supervisão pedagógica,
• Oficinas pedagógicas.
• Direção das unidades escolares,
• Coordenação e supervisão pedagógica,
• Oficina pedagógica,
• Professores envolvidos.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 21
Conteúdo • Diretrizes curriculares oficiais,
• Projetos centrais das secretarias,
• Necessidades das escolas.
• Políticas públicas e diretrizes curriculares,
• Necessidades das escolas,
• Projetos construídos pelas escolas.
Referências
• Priorização na formação de multiplicadores,
• Desenvolver projetos dos órgãos centrais,
• Eficácia na implantação de políticas educacionais.
• Priorização no desenvolvimento do profissional e da pessoa,
• Construção de ações baseadas no currículo da escola,
• Articulação do projeto pedagógico, regimento e plano escolar.
Perspectivas• Capacitação de professores para implantação das propostas,
• Fortalecer o desenvolvimento profissional do indivíduo,
• Mediação entre a reflexão e a ação.
• Garantir condições de trabalho e desenvolvimento profissional coletivo,
• Valorização dos saberes docentes,
• Sentido da autonomia crítico-intelectual.
Metodologia
• Constatam as dificuldades evidenciadas na relação ensino – aprendizagem,
• Analisam as dificuldades contextualizadamente,
• Mudança na direção da superação das dificuldades.
• Encontros com toda a equipe escolar para evidenciação diagnóstica,
• Planejamento colaborativo das ações,
• Avaliação e retroinformação para a tomada de decisão.
Bibliografia
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em um escola reflexiva. São Paulo, Cortez Editora, 2003.
ALMEIDA, M. I. Os professores diante das reformas educacionais: sujeitos ou mero executores?. Revista de Educação, São Paulo, v. 13, p. 37-43, 2001.
FRANCO, Alexandre de Paula. Atividade de ensino, supervisão e gestão escolar: outros paradigmas. Presença Pedagógica, revista, v. 11, n. 61, p. 47-55, 2005.
FUSARI, José Cerchi. Avaliação de Modalidades Convencionais e Alternativas de Educação Contínua de Educadores: preocupações a serem consideradas. In: M. A. V. Bicudo; C. A. Silva Jr. (Org.). Formação Educacional. São Paulo, 1999, p. 221-224.
FUSARI, José Cerchi. Formação Contínua de Educadores: na Escola e em outras situações. In: Luiza Helena S. Cristov. (Org.). Coordenador Pedagógico II. São Paulo, 2000.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 22
FUSARI, José Cerchi; MOURA, M. O. de; LORENZATO, S. A. Teoria e prática na formação inicial e continuada de professores. In: VII Encontro Paulista de Educação Matemática, 2004, São Paulo. VII Encontro Paulista de Educação Matemática - Matemática na escola: conteúdos e contextos. São Paulo: SBEM, 2004.
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo, Editora Cortez, 2002.
MARIN, Alda M. (org). Educação continuada. Campinas, São Paulo, Editora Papirus, 2000.
NÓVOA, Antonio (org). Profissão professor. Porto, Portugal, Porto Editora, 1999.
PIMENTA, S. G. (Org.); GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 1ª. ed. São Paulo, Cortez, 2002.
SANTOS, Valdeci L. F. Formação contínua em serviço: construção de um conceito a partir do estudo de um programa desenvolvido no município de Andradina. Dissertação de Mestrado. Presidente Prudente, UNESP, 2005.
Notas
1 Professor do Departamento de Didática da Faculdade de Educação da USP e coordenador do GEPEFE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação do Educador).
2 Mestrando em Didática pela Faculdade de Educação da USP e supervisor da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 23
PROGRAMA 3PROGRAMA 3
A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA COTIDIANA – CAMINHO PARA A FORMAÇÃO CONTÍNUA E PARA O FORTALECIMENTO DA ESCOLA
ENQUANTO ESPAÇO COLETIVO
Evandro Ghedin 1
1. A importância da reflexão sobre a prática
O ser humano se dá conta de si, dos outros, do mundo e das coisas quando consegue instaurar um
processo de reflexão. O processo de reflexão é instaurador da capacidade de construção da
consciência crítica.
Criar e recriar formas e modelos, bem como espaços e tempos para a reflexão, é ainda uma busca,
um horizonte que precisamos atingir, mas é nisto que repousa a possibilidade de instauração de um
processo de autonomia e liberdade.
O pensamento reflexivo nos abre para a realidade, ao mesmo tempo em que amplia nossos
horizontes de conhecimento. É no universo reflexivo que se encontra a possibilidade de rompimento
com os valores de uma sociedade dominante e injusta. Isto quer dizer que o caminho da cidadania
está na direção da construção de um pensamento reflexivo. Pensar, todo ser humano pensa. Mas
pensar reflexivamente não é, ainda, uma tarefa de muitos.
É nesta dimensão do pensamento reflexivo-crítico que se torna possível a quebra dos muros, a
derrubada das cercas, o rompimento dos limites geográficos, a superação de muitos enganos.
Reiteramos que pensar é inerente à condição humana, mas somente um pensamento reflexivo é
capaz de instaurar, definitivamente, ainda, um compromisso ético-político capaz de buscar, como
horizonte e perspectiva, a cidadania e, ainda, instaurar um processo democrático.
O pensamento contribui para uma dada percepção da realidade, mas somente um pensar reflexivo
ou um processo continuado de reflexão é capaz de gerar e gestar as possibilidades da autonomia.
Somente a reflexão funda o ser e possibilita o surgimento do humano.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 24
Um processo formativo que ignora a reflexão e a problematização como seus instrumentos, nega, no
seu interior e no seu resultado, a constituição ontológica do ser humano. O caminho de chegada e de
instauração do ser humano no mundo se dá pela via da reflexão.
Refletir implica ato de busca de compreensão da totalidade das coisas. Isto quer dizer que se
constitui num processo contínuo e permanente. A reflexão não se esgota na análise, mas tem como
tentativa inicial a análise reflexiva, isto é, o ponto de partida de tal processo está situado numa
analítica do sentido que se dá já na percepção. Perceber é uma forma de interpretação do mundo, de
si e das coisas. Mas este processo inicial da reflexividade não se esgota aí.
O pensamento reflexivo parte de uma realidade, uma situação existencial e constrói uma visão de
mundo que se encontra, como dizem alguns, ao nível do senso comum. Chamaria este estágio do
pensamento de percepção inicial do ser. Porém, só é possível instaurar um processo reflexivo-crítico
se passarmos deste momento para uma interpretação analítica, isto é, se for possível captar, a partir
de uma reflexão inicial, os significados e o sentido das coisas, para poder estabelecer um processo
crítico-reflexivo que nos lance na direção de uma compreensão da reflexão e que este estágio de
compreensão seja o suporte necessário para a construção de novas análises reflexivas, diferenciadas
da primeira, do ponto de partida de onde percebemos, inicialmente, as coisas.
Reflexão, interpretação, análise, crítica e compreensão podem constituir-se em estágios
diferenciados e simultâneos do processo de pensamento reflexivo. A idéia básica é que se parta de
uma percepção inicial, se estabeleça a reflexão tendo como base a interpretação (e a percepção é já
uma dada interpretação) e desta para uma análise dos sentidos e dos significados das coisas, do
mundo e de si mesmo, para, a partir disto, estabelecer uma crítica que considere todos os pontos
anteriores e possa vislumbrar uma dada compreensão, servindo como base para um novo círculo
reflexivo ou um novo processo de construção da compreensão do pensamento reflexivo-crítico.
O pensar reflexivo é um processo, intrinsecamente, crítico. Partimos do fato ou evento de que todo
ser humano pensa. Insistimos em perguntar, será que todos executam um movimento de pensamento
e ação na direção da crítica e dos processos reflexivos sobre si e sobre os mesmos processos do
pensar? Será que estamos diante da consciência que age e reflete, ou estamos diante de uma
consciência alienada? Quais os limites e possibilidades de se instaurar, através da prática cotidiana
do professor, um processo de pensar que rompa com a consciência alienada e se inicie um processo
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 25
de conscientização, de conhecimento e autonomia?
As respostas a estas questões não são tão fáceis, nem tão simples. Elas exigem um longo processo
de pesquisa e reflexão.
O fato de que todo ser humano pensa não nos garante a possibilidade de rompimento radical com
este processo alienante em que estamos mergulhados. O que pode possibilitar o desencadeamento
de um processo de mudança situa-se na condição que o pensamento tem de fazer um movimento de
retorno sobre si mesmo. Se o pensar puder dar uma volta radical sobre si mesmo estará aberto o
caminho para o rompimento da negação do ser. Este é o caminho não violento que pode instituir, a
partir da conscientização da consciência, um processo de mudança revolucionária.
2. A reflexão sobre a prática e a formação contínua
A reflexão sobre a prática institui-se a partir de uma necessidade de tornar a prática cotidiana que se
dá na escola mais reflexiva e compreendida em seu contexto e se constitui uma forma definidora da
identidade do professor e de seu desenvolvimento profissional. Nesta construção da formação
contínua do professor, é preciso considerar alguns elementos fundamentais nesse processo:
1. Construção da identidade profissional do professor. O professor trabalha coletivamente nas
escolas e colabora para o exercício e desenvolvimento da atividade docente, uma vez que
professorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquirem conhecimentos e habilidades
técnico-mecânicas. A natureza do trabalho docente é o de humanizar e produzir conhecimentos. A
identidade é uma construção historicamente situada e se produz nos espaços de formação
(universidade, escola, sociedade...). É por isso que a profissão de professor emerge em dado
momento histórico, como resposta às demandas da sociedade.
Por isso, é importante perguntar: que professor se faz necessário para as necessidades formativas
em uma escola que colabore para os processos emancipatórios da população? Que opere o ensino
no sentido de incorporar as crianças e os jovens no processo civilizatório, com seus avanços e seus
problemas?
2. Os saberes da docência. A identidade profissional do professor faz-se a partir da construção de
seus saberes da experiência, que são oriundos da observação da e sobre a prática, à medida que se
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 26
assume uma forma de registro e sistematização das próprias experiências refletidas. Esses saberes
também se formam a partir do conhecimento, que não se reduz à informação. A informação é um
primeiro estágio. Conhecer implica um segundo estágio: o de trabalhar com as informações
classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. O terceiro estágio tem a ver com a
inteligência, com a consciência, com a reflexão ou com a sabedoria. No contexto em que estamos,
não basta produzir conhecimento, mas é preciso produzir as condições de produção do
conhecimento. Conhecer significa estar consciente do poder do conhecimento para a produção da
vida material, social e existencial da humanidade e dos professores em contínuo processo de
aprendizagem.
3. Saberes pedagógicos. Para saber ensinar não basta a experiência e os conhecimentos específicos,
mas se fazem necessários os saberes pedagógico e didático (integrados). É importante e necessário,
a partir da reflexão sobre a prática docente, fazer uma leitura crítica da prática social de ensinar,
partindo da realidade existente, realizando um balanço das iniciativas de se fazer frente ao fracasso
escolar. É preciso aprender a articular a formação inicial de professores com a realidade das escolas
e com a formação continuada. É necessário considerar a prática social dos professores como ponto
de partida e como ponto de chegada de sua formação, fazendo o seguinte movimento: partir da
experiência (prática), conhecer suas interpretações (teoria), para retornar ao fazer cotidiano. Assim,
podemos construir teoria a partir da prática docente, mas para isso é preciso a construção do hábito
de um registro sistemático das experiências, a fim de que se construa a memória da escola e do
professor, que, analisada e refletida, contribui para a elaboração teórica que revigora e engendra
novas práticas.
Também é preciso aprender a documentar as escolhas feitas pelos docentes, o processo e o
resultado. Não é uma documentação só para a escola, mas de sua relação com o sistema geral de
ensino e da sociedade, buscando a explicação nas teorias e criando novas formas de interpretar e
teorizar sobre o modo de operar com o conhecimento no espaço da prática cotidiana.
4. Uma proposta. Superar a racionalidade técnica, a partir de um processo reflexivo que se dá na
ação e sobre a reflexão da ação, e para a construção sistemática como explicação teórica para os
fenômenos da prática educativa na escola.
5. A escola como lugar de aprendizagem e trabalho do professor. A escola é o centro de referência
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 27
tanto das políticas e planos da educação escolar quanto dos processos de ensino e aprendizagem na
sala de aula. De nada adiantarão as boas políticas, os planos de ação e as estruturas organizacionais
eficazes se não se der atenção aos aspectos internos da escola: objetivos, estrutura e dinâmica
organizacional, relações humanas, práticas formativas, procedimentos de avaliação visando à
qualidade cognitiva e operativa da aprendizagem dos alunos e alunas. Isso porque a escola é uma
instituição aberta, cuja estrutura e processo de organização e gestão são constantemente construídos
pelos que nela trabalham (professores, pedagogos, coordenadores, diretores e funcionários).
6. A participação do professor na organização e gestão da escola. Os professores podem e devem
aprender a: tomar decisões coletivamente; formular o projeto pedagógico; dividir com os colegas as
preocupações; desenvolver o espírito de solidariedade; assumir coletivamente a responsabilidade
pela escola; investir no seu desenvolvimento profissional e, principalmente, aprender sua profissão
no próprio exercício de professorar, estabelecendo uma ponte com as reflexões feitas por outros
professores.
7. Enfrentando as mudanças. Não é verdade que basta uma boa teoria para que um profissional
tenha êxito na prática. Mas também não é verdade que a prática basta por si mesma. Sem teoria,
sem desenvolvimento sistemático de processos de pensamento, sem competência cognitiva, sem
desenvolvimento de habilidades profissionais, o professor permanecerá atrelado ao seu cotidiano,
encerrado no seu pequeno mundo pessoal e profissional. A ação e a reflexão devem atuar
simultaneamente, porque estão sempre entrelaçados. O trabalho do professor é um trabalho de
natureza intelectual e não o de executor de técnicas. O desenvolvimento e a conquista da identidade
profissional dependem de uma união entre os pedagogos especialistas e os professores, assumindo,
juntos, a gestão do cotidiano da escola, articulando, num todo, o projeto pedagógico, o sistema de
gestão, o processo de ensino e aprendizagem, a avaliação.
3. Reflexão, pesquisa, registro docente e produção do conhecimento
O processo de reflexão está radicalmente relacionado e fundamentado numa prática de pesquisa.
Por isso, é necessário formar para e pela prática da pesquisa, como forma de superar, pelo processo
reflexivo, as formas de alienação que nos dominam.
É importante dizer que ninguém aprende no vazio, mas se aprende a partir de mediações específicas
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 28
e conteúdos concretos. A necessidade de desenvolvimento profissional, através da pesquisa, torna-se
uma exigência do processo em aula e fora dela, como forma de complementação dos conhecimentos
adquiridos na formação inicial.
A pesquisa constitui-se em uma mediação para a aprendizagem, assim como possibilidade
promotora da autonomia do sujeito aprendente. Isto implica reelaboração e reconstrução do
conhecimento e não sua mera reprodução. Deste modo, a pesquisa, como mediação da
aprendizagem, não pode ser algo de especialista, mas uma mediação do processo de aprendizagem
numa sociedade da informação.
Para Moraes, Galiazzi e Ramos (2002, p. 11), a pesquisa, como eixo de desenvolvimento reflexivo e
profissional, (...) pode ser compreendida como um movimento dialético, em espiral, que se inicia
com o questionar dos estados do ser, fazer e conhecer dos participantes, construindo-se, a partir
disso, novos argumentos que possibilitam atingir novos patamares desse ser, fazer e conhecer,
estágios esses então comunicados a todos os participantes do processo.
O questionamento é parte do processo de construção da aprendizagem pela pesquisa. Para que algo
seja aperfeiçoado, é preciso criticá-lo, questioná-lo, perceber seus defeitos e limitações. É isto que
possibilita pôr em movimento a pesquisa. O questionar aplica-se a tudo que constitui o ser, quer
sejam conhecimentos, atitudes, valores, comportamentos e modos de agir. A construção de
argumentos precisa do envolvimento ativo e reflexivo permanente dos participantes. A partir do
questionamento, é fundamental pôr em movimento todo um conjunto de ações, de construção e de
argumentos que possibilitem superar o estado atual, atingindo novos patamares do ser, do fazer e do
conhecer.
A pesquisa, como princípio orientador, exige que o profissional da educação seja um professor
sujeito do conhecimento. O professor deixa de ser o protagonista dogmático de um processo de
transmissão de conhecimentos, e assume seu trabalho como partícipe da construção conjunta.
A pesquisa é um elemento de formação, aprimorando o questionamento, a curiosidade científica, a
busca de rigor, a responsabilidade social. Esta perspectiva tem como principal conteúdo de ensino a
busca da qualidade formal e da qualidade política.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 29
Para que o conhecimento, oriundo de uma prática de pesquisa, facilite o desenvolvimento
profissional do professor, é necessário uma sistemática de sua produção que se dá pela leitura e pela
escrita, como formas de registro e reflexão. Esse processo pode ser descrito na figura a seguir:
Figura 1: Esquema de um ciclo de pesquisa
A leitura e a escrita são instrumentos imprescindíveis para que possamos elaborar conhecimentos,
refletir sobre as informações e sistematizá-las numa perspectiva dialógica. Isto não é algo que se dá
apenas nas primeiras séries do Ensino Fundamental, mas é um processo que deve estender-se ao
longo do processo escolar e por toda a vida do sujeito. É preciso aprender a ler e escrever para
poder decodificar o mundo.
Esse processo é necessário por poder provocar a superação de reprodução para a produção do
conhecimento, com autonomia, espírito crítico e investigativo. Para que isto seja possível, é
necessário desencadear um conjunto de ações e condições.
Para estabelecer, na escola, ambiente de pesquisa, como processo de desenvolvimento profissional
continuado, são necessárias algumas condições:
a) apoios institucionais, sobretudo biblioteca, videoteca, banco de dados, informatização,
laboratórios, locais de experimentação etc;
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 30
b) um número manejável de alunos, que pode ser expressivo, a depender da habilidade de
orientação por parte dos professores, da disciplina e organização do tempo, da maleabilidade
curricular, do tempo integral etc;
c) mormente, professores pesquisadores, cujo argumento essencial é o bom exemplo da
produtividade, com qualidade formal e política;
d) mudança profunda na sistemática de avaliação, voltando-se para o processo e os produtos da
produção própria.
É importante frisar que, no processo de desenvolvimento profissional do professor, a escola tem um
papel de articulação entre a sua dimensão técnica e política. O papel político da escola é o
desmascaramento das relações de poder, possibilitando ao educando e ao educador a descoberta do
lugar social que ele ocupa no sistema produtivo.
O professor tem sobre si o desafio da mediação do conhecimento num universo complexo de
experiências e de visões antagônicas da realidade. Ele precisa se colocar numa perspectiva
interdisciplinar, a partir da totalidade do processo educativo e na relação dialética entre teoria e
prática.
Há a necessidade primordial de o professor se posicionar como interventor crítico no processo de
sua formação e na formação do educando.
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PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2000, 246 p.
PIMENTA, Selma Garrido. De professores, pesquisa e Didática. Campinas: Papirus, 2002, 144 p.
Nota:
1 Doutor em Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação da USP. Professor na Universidade do Estado do Amazonas.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 32
PROGRAMA 4PROGRAMA 4
OS SABERES DOS PROFESSORES – PONTO DE PARTIDA PARA AOS SABERES DOS PROFESSORES – PONTO DE PARTIDA PARA A FORMAÇÃO CONTÍNUAFORMAÇÃO CONTÍNUA
Valter Soares Guimarães 1
Mesmo que os meios para a formação dos alunos tenham se ampliado muito, a escola ainda é a
principal via de instrução e educação das crianças e jovens, principalmente daqueles de origem mais
humilde. Também os professores continuam sendo os principais agentes da aprendizagem dos
alunos. Assim, a qualidade da aprendizagem das novas gerações depende, em boa parte, da
qualificação dos professores.
Os saberes profissionais são, entre outros, componentes da profissionalidade ou da identidade
profissional do professor. É, principalmente, com base nesses saberes que o professor vai
estruturando a sua vida profissional, a sua relação com a escola e com os colegas. Enfim, vai
estruturando o seu modo de ser professor.
Estes saberes têm origem diversa e não decorrem diretamente da ciência, embora a base científica
seja imprescindível. Tais saberes constituem-se num conhecimento em ação, que fundamenta e
proporciona relativa segurança para a ação do professor.
A formação inicial é um processo fundamental na construção da identidade profissional do
professor. Contudo, é na formação continuada que essa identidade vai se consolidando. Noutras
palavras, a formação continuada constitui-se num processo através do qual o professor vai
construindo saberes e formas que lhe possibilitam produzir a própria existência nessa e a partir
dessa profissão.
Hoje, é consensual que a formação inicial e continuada do professor deve se constituir num
processo contínuo e interligado. Essas duas modalidades de formação têm o mesmo objetivo, que é
propiciar preparo ao professor para atuar bem, de maneira criativa, assegurando aprendizagem de
qualidade aos alunos. Mas elas têm características bem específicas. Diferentemente da formação
inicial, a formação continuada é desenvolvida tendo-se como referência uma organização escolar
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 33
específica, desafios que o professor já enfrenta na sala de aula, questões do dia-a-dia profissional.
Assim, a formação continuada é parte do processo de construção da identidade do professor. E os
saberes profissionais são o componente mais substantivo desse processo.
Os saberes profissionais do professor são o conjunto de conhecimentos (teóricos e práticos) e
competências (habilidades, capacidades e atitudes) que estruturam a prática e garantem uma boa
atuação do professor.
Afirmar a origem desses saberes significa, de alguma maneira, estabelecer formas de agrupá-los.
Embora existam muitas maneiras de agrupar esses saberes, poderíamos dizer que eles são: saberes
disciplinares, saberes pedagógico-didáticos e saberes da cultura profissional (Guimarães, 2004) 2.
Tais saberes têm uma forte conotação experiencial. Aliado a isso, esses saberes têm traços do que
efetivamente o professor é, do que vive e viveu e dos seus talentos pessoais. Daí, ser comum dizer
que os professores ensinam não só o que sabem, mas também o que são.
Contudo, a relação do professor com esses saberes não acontece de maneira fragmentada ou
subordinando-se a eles. O professor lida com saberes disciplinares numa perspectiva pedagógica (de
apoio intencional à aprendizagem e formação dos alunos) e de construção de uma profissão.
Portanto, com certa independência, recriando-os conforme o contexto, os recursos, sua história de
vida, opções pessoais e as necessidades dos alunos.
Os saberes do professor não são alguma coisa solta, desenraizada. A construção desses saberes se dá
numa organização e numa cultura escolar. Ou seja, é numa determinada estrutura de influências e
no interior de uma ou várias escolas com características peculiares que o professor vai se formando,
construindo formas de atuar e se desenvolvendo profissionalmente.
É vinculado a esse contexto que o professor lida com o arranjo de maneiras que garantem a
aprendizagem dos alunos e a produção da sua existência. Mas ninguém aprende a ser professor
trancado numa sala de aula. Os sucessos e insucessos na empreitada de ensinar, associados às trocas
e conversas com colegas, à reflexão e ao estudo, vão contribuindo para consolidar um conjunto de
modos de agir, mais ou menos fundamentado que estrutura a atuação do professor.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 34
Assim, o saber profissional do professor acaba sendo um componente muito importante do seu
trabalho cotidiano, da sua relação com os colegas e com a instituição.
A formação continuada é uma exigência para toda atuação do homem, uma vez que a realidade se
transforma constantemente. Essa afirmação é tão ou mais verdadeira ainda em se tratando do
trabalho educativo, especificamente escolar. Isso porque o professor atua num contexto que envolve
muitos sujeitos, muitas motivações, o que desencadeia situações singulares, às vezes desconhecidas
e imprevisíveis.
Existem muitos fatores que facilitam a formação continuada do professor. Poderíamos destacar dois
que, embora pareçam óbvios, contribuem para viabilizar a formação continuada. São fatores
interdependentes. O primeiro refere-se a um bom ambiente de trabalho ou ao que se costuma
chamar de “clima institucional” adequado. Não há como acontecer formação continuada e
construção de saberes profissionais sem um contexto de mínima abertura pessoal e confiança
mútua. Assim, a formação continuada e, portanto, a construção de saberes profissionais, demanda
um ambiente de relações e de companheirismo minimamente propício para o trabalho.
Outro aspecto é uma razoável adesão do professor à profissão. A formação do professor exige que
ele queira ser e estar na profissão. Sabemos que não é fácil alguém se identificar com uma profissão
que oferece poucas referências positivas e mobilizadoras. Mas é papel da formação continuada
também contribuir para fortalecer a identidade profissional do professor – no caso, sob o aspecto
mais subjetivo, de identificação com a profissão – e (re)construir coletivamente o sentido e
significado da profissão.
Os saberes profissionais são um ponto de partida ou um dos elementos mais facilmente
identificáveis na formação continuada e têm um traço marcadamente experiencial, como foi dito.
Não são simplesmente um referencial teórico que municia o professor para que ele enfrente e até se
sobreponha à realidade em que atua. Não são saberes da ou sobre a prática. São saberes práticos que
se integram e tornam-se parte constituinte da prática (Tardif, 2002). E é com base neles que o
professor avalia o realismo das reformas e a viabilidade das propostas para o trabalho que lhe são
feitas (idem).
É claro que esse entendimento de saberes profissionais – com forte conotação experiencial – traz o
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 35
risco de tomarmos somente a experiência como determinante da construção da profissionalidade do
professor. Isto significaria uma relação de subordinação do professor à experiência. Como se toda
experiência fosse necessariamente boa. Seria o equívoco oposto ao academicismo tão presente na
formação do professor. Frente a isso, é preciso levar em consideração a organização escolar e o
papel do coordenador pedagógico no processo de constituição dos saberes docentes e da formação
continuada do professor.
Além de cursos e outros eventos de formação pelos quais os professores passam, as escolas têm na
sua organização “momentos fortes” no processo de formação continuada do professor e de
constituição dos seus saberes, tais como: reuniões pedagógicas, conselhos de classe, reunião de
pais, processos de planejamento coletivo, etc.
Esses são momentos que, além de finalidades de organização escolar, podem se destinar ao estudo,
à discussão de práticas de sucesso no trabalho, à busca dos motivos e das bases que fundamentam a
ação. Enfim, são pontos de partida que podem contribuir para que o professor desenvolva sua
criatividade, invente constantemente sua prática e tenha uma ação mais segura, mais produtiva e
mais feliz.
É preciso, contudo, destacar momentos ou maneiras menos formais, mas que são de grande
importância no processo de formação continuada do professor. Trata-se das conversas que os
professores entabulam, envolvendo as dificuldades no trabalho e formas de atuar; as maneiras como
as coordenações pedagógicas abordam com os professores as questões vindas da sala de aula,
contribuindo para a reflexão, para que aprendam a duvidar das aparências dos “problemas de sala de
aula” e a desenvolver um diálogo mais crítico com a realidade. São processos menos formais de
apoio pedagógico, de “trocas de experiências”. Vamos destacar estas últimas.
Sabemos que esses processos são, muitas vezes, marcados pela superficialidade, pela narração
linear do que se fez, sem muita análise. E o pior, quase sempre, com a finalidade única de confirmar
a prática que está sendo narrada. Também sabemos do traço meio mercadológico (trocar, barganhar)
que esses processos podem ter. Mas tais processos não precisam ter, necessariamente, só ou
predominantemente tais características. Seria uma pena considerá-los somente sob esse aspecto,
perdendo-se o seu potencial de propiciar ao professor a reflexão sobre sua prática.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 36
Quem atua numa sala de aula da educação básica não tem muito como fugir da vivência de várias
situações, pequenos acontecimentos, muitas vezes com forte conotação afetiva, que vão exigindo
decisões, encaminhamentos, muitas vezes improvisados, pelo professor. E ele nem sempre tem
certeza de ter tomado as melhores decisões, ou se não agiria de maneira diferente, se tivesse tido
mais tempo para refletir.
As trocas de experiências são meios interessantes de formação continuada, além de contemplar
muito o modo como os saberes profissionais do professor são construídos. Antes, porém, é preciso
lembrar que a discussão da prática e as trocas de experiências pressupõem, como foi dito, algum
sentido da profissão para o professor e alguma abertura e confiança entre os colegas de trabalho.
As discussões ou trocas de experiências podem favorecer a releitura da experiência. As perguntas
dos colegas, os pedidos de esclarecimentos, as explicações do “porque” se agiu desta ou daquela
maneira, são ótimas possibilidades para a reflexão. A contraposição entre o que se fez, a teoria
existente e a norma estabelecida pode se constituir em um saudável conflito cognitivo que propicia
a releitura e a reinvenção da prática. É por essa via, basicamente, que os professores constroem e se
apropriam de saberes profissionais, desenvolvem maior segurança e autonomia na sua atuação.
Enfim, constroem e fortalecem a sua identidade profissional.
Esses processos de troca de experiência podem ser realizados de modo que favoreçam
explicitamente a formação continuada, contribuindo com a construção da identidade profissional
dos professores. Narrar e ouvir narrativas de processos vividos e de decisões tomadas contribuem
para o desenvolvimento, mudança e consolidação de compreensões, de disposições, no caso, em
relação a modos de atuar melhor, de ressignificação da identidade profissional do professor, uma
vez que a fala é meio não só de explicitar e reconstruir o que se pensa, mas também de se predispor
para a ação (Cunha, 1998).
Esses processos de reflexão e discussão da prática não acontecem espontaneamente, sem uma
coordenação. E, por serem um trabalho educativo escolar, pressupõem uma coordenação
pedagógica, o que evidencia o papel que esse profissional (o coordenador) pode ter na formação
continuada do professor.
É claro que o coordenador pedagógico não é professor do professor. Mas, a formação continuada, a
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constituição de saberes se dá pelo envolvimento do professor e do grupo de professores na
construção e desenvolvimento de um projeto pedagógico. Assim, as atribuições do coordenador
pedagógico associam-se diretamente à formação em serviço da equipe de trabalho da escola.
Concluindo, a formação continuada de professores não se dá somente a partir do desenvolvimento
de saberes profissionais. São eles, contudo, que norteiam a atuação, fundamentam as “certezas” tão
necessárias ao professor, justificam suas pretensões de profissional e o ajudam na resistência à
desvalorização profissional. Constituem-se, assim, no ponto de partida para sua formação
continuada e no elemento mais substantivo de sua identidade profissional.
Referências bibliográficas
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DOMINGUES, Isaneide. O horário pedagógico e a (re)construção da profissionalidade docente. Dissertação de mestrado, FEUSP, São Paulo, 2004.
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PIMENTA, Selma G. et alii (orgs.). Professor reflexivo no Brasil – gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.
Notas:
1 Professor da Universidade Federal de Goiás.
2 De maneira geral saberes disciplinares referem-se a conhecimentos das ciências humanas e naturais, integrando uma cultura geral. Saberes pedagógico-didáticos referem-se a conhecimentos específicos da mediação do processo ensino-aprendizagem; a saberes relacionados à teoria da educação; relacionados ao trabalho coletivo e princípios da organização escolar e, por último, a nexos entre escola-sistema escolar e social. Saberes da cultura profissional referem-se a explicitar e compartilhar, no processo de formação inicial, o ofício docente como profissão. Este é um aspecto praticamente ausente nas discussões sobre a formação do professor (Guimarães, 2004, p.14).
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 38
PROGRAMA 5PROGRAMA 5
VIDA E TRABALHO – ARTICULANDO A FORMAÇÃO CONTÍNUA E OVIDA E TRABALHO – ARTICULANDO A FORMAÇÃO CONTÍNUA E O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORESDESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES
Maria Socorro Lucena Lima 1
“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”.
Gonzaguinha
O que representa a formação contínua na vida do professor? O que é formação contínua? Qual a
relação existente entre formação contínua e desenvolvimento profissional? É na postura de aprendiz
que pretendemos refletir sobre essas questões no presente texto, lembrando Guimarães Rosa quando
nos ensina: mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende.
O sentimento de inconclusão tem nos conduzido a espaços de educação pela necessidade de ampliar
e renovar os conhecimentos e, outras vezes, na busca do aperfeiçoamento profissional decorrente
das exigências e desafios do nosso trabalho de profissionais da Educação. Entendemos a educação
como mediação, prática social e humana, fenômeno histórico, que busca a humanização do homem
e abre a possibilidade de maior compreensão de nós próprios e do contexto histórico em que
estamos inseridos.
Desejamos que esse texto nos ajude a reconhecer que o conhecimento é um direito do professor e
que esse direito precisa ser incluído em nossas reivindicações e esperanças, como nos ensina Paulo
Freire, uma vez que a educação de qualidade se faz com professores qualificados.
Construindo um conceito de formação contínua de professores
O conceito de formação está ligado ao trabalho do professor e à produção de si mesmo como
profissional. De acordo com Imbernon (1994, p. 13), a formação permanente e contínua cobre, pois,
a formação pós-escolar derivada da ocupação profissional. Assim, a formação está articulada a um
projeto que se constrói de maneira intencional e a partir das experiências adquiridas ao longo da
formação inicial e de outros momentos da vida do professor. Tem seus primeiros indícios na família,
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na classe social de origem, e prossegue nas possibilidades de conhecimento e de bens culturais a
que se tem acesso, nas relações de trabalho e no desenvolvimento da atividade profissional.
Para definir as características da formação contínua, partimos da rede de relações que envolve a
prática dos professores: o conhecimento, a instituição, o coletivo, os alunos, a organização escolar,
as relações de trabalho, a política educacional na sociedade e o momento histórico em que estamos
vivendo. Defendemos, então, que formação contínua é o processo de articulação entre o trabalho
docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, enquanto possibilidade de
postura reflexiva dinamizada pela práxis1 (Lima, 2001, p. 45).
Esse conceito tem como ponto de partida e de chegada o trabalho docente, com base em dois
princípios: o primeiro considera que o trabalho (do professor) é princípio educativo e o segundo,
baseado na afirmativa de Pimenta (1994, p. 83), que a atividade docente é práxis.
À medida que vamos ensinando e tentando resolver os problemas que vão surgindo, é preciso que
reconheçamos a importância da teoria, ou seja, do conhecimento tanto da matéria que lecionamos
como das questões pedagógicas da sala de aula. Assim sendo, o sentido da transformação na
educação acontecerá a partir do conhecimento que promove a crítica à sociedade e quando estiver
voltado para a emancipação humana. Nesse sentido, Pimenta (1994) explica que o professor, como
agente de uma práxis transformadora, necessita de sólida formação teórica e de uma reflexão crítica
sobre o seu fazer pedagógico.
Dessa maneira, a formação contínua precisa ser uma atitude, um valor constantemente presente de
maneira articulada entre pedagógico e político-social. O conhecimento a ela vinculado deve apontar
para a consciência do desenvolvimento profissional.
A formação contínua de professores é espaço de reflexão. Porém, de qual reflexão estamos
falando?
Muitas ações, ditas de formação contínua, são restritas à aplicação de técnicas ou à atualização e até
recebem diferentes denominações, tais como treinamento, reciclagem, capacitação. Consideramos,
no entanto, que o sentido da formação contínua é a reflexão da prática docente.
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 40
A proposta de professor reflexivo chegou ao Brasil nos meados de 1990, com os estudos de Schön
(1992). Este ofereceu pistas de uma nova dimensão para a formação de professores, que foi, e ainda
é, muito aceita no meio educacional. Partindo dos conceitos fundamentais da prática pedagógica –
tais como o conhecimento na ação e reflexão na ação e sobre a ação – ele defende o
desenvolvimento de profissionais práticos e reflexivos. A ampla aceitação das idéias de Schön
suscitou estudos sobre os pressupostos, fundamentos e características do professor reflexivo. Dentre
os autores que trabalham essa questão, destacamos Isabel Alarcão e José Contreras.
Alarcão (1996) diz que o homem precisa reaprender a pensar. Entretanto, o simples exercício da
reflexão não é garantia de salvação dos cursos de formação de professores, pois a reflexão não é um
processo mecânico. Deve ser compreendida no processo histórico e de maneira coletiva, portanto,
dentro de um processo permanente, voltado para o cotidiano, por meio de análises socioeconômicas,
culturais e ideológicas.
A concepção de professor reflexivo é também ampliada por Contreras (2002): o profissional que
reflete na ação deverá refletir também sobre a estrutura organizacional, os pressupostos, os valores e
as condições de trabalho docente, compreendendo como esses fatores interferem na prática
educativa e na sua autonomia profissional. Não se trata apenas de desenvolver a prática reflexiva,
mas de compreender a base das relações sociais e de trabalho em que ela se realiza e a que
interesses ela poderá servir.
Qual a proposta metodológica para formação contínua de professores?
Quando se fala em metodologia, a maioria dos alunos e professores pensa em como fazer, em como
elaborar e aplicar as técnicas de ensino. Compreendemos que na metodologia estão presentes os
conceitos, o entendimento de mundo, os valores e a ética profissional do professor, entendida aqui
como o sentido que se dá à profissão. Trata-se da compreensão do todo fazer pedagógico, ou seja,
de uma postura metodológica que considere a vida dos professores, seu trabalho, suas dificuldades,
dores e ousadias.
Quando assumimos o professor como um intelectual em contínua construção de sua identidade
profissional, a universidade assume uma importância e um papel fundamental no desenvolvimento
profissional docente, especialmente nesse momento histórico em que a certificação é exigida na
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legislação de ensino como condição de ingresso e promoção no magistério.
Da formação contínua ao desenvolvimento profissional: um desafio a ser superado?
As ações de formação contínua, desenvolvidas pelas instituições de Ensino Superior, tanto na
graduação como na pós-graduação, podem representar uma modalidade de formação muito
importante para a valorização do magistério. É uma terceira dimensão adicionada às duas apontadas
por Libâneo (2001), que são: formação dentro da jornada de trabalho e as ações promovidas pelas
Secretarias de Educação. Diante disso, tem-se a proposta de que os sistemas de ensino devem
incluir em suas políticas de formação contínua as ações de desenvolvimento profissional e
qualificação docente realizadas pelas Instituições de Ensino Superior.
A escola, como ponto de partida e de chegada para a formação contínua de professores, tem sido um
argumento defendido por estudiosos da área pedagógica. Contextualizando esse argumento na crise
da sociedade capitalista, seus reflexos na vida da escola e do professor, que com ela interage,
consideramos legítima a busca dos docentes pela melhoria profissional. Esse momento histórico que
os profissionais de ensino vivenciam solicita uma formação que transite tanto dentro dos limites da
escola como fora dela, daí ser bem-vinda a idéia de desenvolvimento profissional ligada à formação
contínua.
Os profissionais da Educação têm o dever de participar das ações de formação contínua
implementadas pelas Secretarias de Educação. Entretanto, é de fundamental importância que seja
respeitado o projeto pessoal do professor, sua ascensão profissional e certificação, como direito da
categoria e incorporado em um projeto político-pedagógico de escola, que inclui professores e
alunos.
Considerações finais
A formação contínua e o desenvolvimento profissional do professor não podem ser analisados de
maneira isolada, pois fazem parte da mesma luta pela valorização do magistério e, dessa forma,
sugerem-se algumas reflexões:
• qualquer processo de formação contínua deve considerar as condições de vida, de trabalho e de
FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES. 42
tempo livre que o professor precisa ter para o acesso ao enriquecimento de experiências e bens
culturais. O problema consiste no fato de que a qualificação exigida pelo sistema de ensino é feita
em condições precárias e às custas do trabalhador;
• a formação contínua precisa realizar-se nas condições e possibilidades de acesso aos espaços
formais de conhecimento, nas diferentes modalidades e níveis de ensino, para que o docente, além
de ascender profissionalmente, tenha a fundamentação teórica necessária à reflexão e à análise da
realidade, indispensáveis à construção de sua práxis docente. A contradição está na exigência do
certificado que, muitas vezes, leva os profissionais a adotar uma postura individual e competitiva. É
preciso estabelecer a relação indivíduo + professor + instituição escolar + universidade;
• a natureza do trabalho docente requer uma permanente revisão das suas práticas. O professor
precisa ser sujeito da construção dos seus conhecimentos e para isso tem que estar preparado para
analisar o próprio trabalho realizado, de modo que possa atuar incessantemente na direção de uma
educação de qualidade.
Que esse texto nos leve a pensar sobre os caminhos e (des)caminhos do nosso desenvolvimento
profissional e o papel da formação contínua em nossa trajetória. Em que condições de vida e de
trabalho estamos realizando nossa qualificação para dar conta do ensino de qualidade? O que
podemos fazer para defender o nosso direito ao conhecimento?
No horizonte da utopia está a formação contínua como um diálogo com a vida do professor a
serviço da emancipação e como mediadora da função crítica, na luta por uma sociedade mais justa.
Falar sobre essa questão é para nós também uma busca da inteireza, de ser um eterno aprendiz nas
suas alegrias, dores e ousadias. “É uma tal aleluia”, como diz Clarice Lispector. A alegria do pão
partilhado. Que esse seja um começo de conversa.
Referências bibliográficas
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STENHOUSE, L. La investigación del curriculum y el arte del profesor. Investigación en la escuela, n. 15, p. 9-15.
Notas
1 Professora Doutora da Universidade Estadual do Ceará.
2 “A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas no processo de conhecimento: teoria e ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação.” Frigotto (1994:81).
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