epoca negocios - o legado de lemann

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    EMPREENDEDOR Jorge Paulo Lemann emfoto de 2005. O fundador do Garantia crioumodelo de gesto ni co baseado nameritocracia

    O legado de LemannO que voc pode e deve aprender com Jorge Paulo Lemann, fundador do BancoGarantia, e seus inseparveis parceiros, Beto Sicupira e Marcel Telles. Juntos, elesergueram um imprio de R$ 144 bilhes. Nesse processo, criaram uma culturacorporativa revolucionria

    POR ALEXANDRE TEIXEIRA, COM CAMILA HESSEL, COLABOROU DARCIO OLIVEIRA

    FALE COM O AUTOR

    No fim do perodo letivo de 1957, como eracostume na Escola Americana do Rio deJaneiro, os alunos reuniram-se para escolheros destaques do ano. Sempre em ingls ,elegeram o m ais amigvel, o mais artstico, omais fofo e assim por diante. Na categoria "Most likely to succeed" (algo como "com maischances de ser bem-sucedido"), dois nomesforam lembrados. Um deles, "Jorge Lemann".Retratado no lbum da classe com pinta, topetee terninho de gal, Jorge Paulo Lemann, aos 17anos de idade, descrito como um dos doisveteranos que estudaram desde o jardim-de-infncia na Escola Americana. "Emboraaparente nunca estudar, ele sempre consegueboletins invejveis - principalmente 'As' com uma pitada de 'Bs'", diz o Livro do Ano. Bomaluno sem fazer fora, o jovem Lemann arrancava suspiros das colegas. "Ao longo dosanos, Jorge trabalhou duro para adquirir sua reputao como um sedutor - a ladies' man -,

    e, como verdadeiro brasileiro, seus interesses (alm de tnis e pesca com arpo) so ir praia e observar as pessoas - garotas, iss o sim." Lemann era conhecido na escola porviajar muito ao exterior e por seus planos de fazer faculdade nos Estados Unidos, depreferncia em Harvard. No fim daquele ano, os estudantes prepararam tambm a"Profecia da Turma", na qual tentavam prever como es tariam seus colegas dentro de dezanos. Nela, l-se o seguinte: "Ganhando manchetes no mundo dos esportes est JorgePaulo Lemann, que recentemente venceu o Campeonato Mundial de Tnis de 1967.Jorge, que administra uma importante cadeia de fbricas de enlatados no Brasil, atualmente casado com a Miss Universo de 1967". Poucas vezes uma brincadeira deadolescentes revelou-se to premonitria.Lemann chegou ao topo do ranking mundial de tnis por trs vezes - embora na categoriaveteranos. Foi cinco vezes campeo brasi leiro e defendeu tanto o Brasil como a Sua na

    Copa Davis. Nem sequer namorou a Miss Universo de 1967 - a americana Sylvia LouiseHitchcock -, mas casou-se duas vezes, com mulheres bonitas e elegantes: a psicanalistaMaria de Santiago Dantas Quental, morta em abril de 2005, e a educadora suanaturalizada brasileira Susanna Lemann, dona da agncia de viagens Matuet. Com cadauma delas , teve dois filhos homens e uma filha mulher. Ele tampouco dono de umafbrica de enlatados, a no ser que a definio da categoria seja ampla o bastante paraabarcar os bilhes de latas de cerveja e refrigerante que saem anualmente das linhas deproduo sob seu controle. Mas, depois de se formar economis ta em Harvard, conformeplanejado, chegou a uma altura no mundo dos negcios que mesm o seus colegas deEscola Americana no imaginariam.

    Ao lado de Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, seus parceiros de negcios h mais detrs dcadas, Lemann detm 25% do capital da maior cervejaria do mundo, a InBev; dono da holding Lasa, que rene Lojas Americanas e Blockbuster; do grupo B2W, ondeesto agrupadas as lojas virtuais Submarino, Americanas.com, Ingresso.com e o canal detelevendas Shoptime; e da So Carlos Empreendimentos Imobilirios. Os trs esto entreos principais acionistas da maior empresa de transporte e logstica da Amrica do Sul, aALL, e, desde dezembro, tm uma fatia de 8,3% do capital da CSX, uma das maioresferrovias dos Estados Unidos. Somadas, essas participaes valem R$ 46,35 bilhes, o

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    A cultura forjada noGarantia nos anos 70chegou ao varejo com acompra da Lojas

    Americanas, em 1982, e indstria pela aquisioda Brahma, a partir de1989

    Foto_Humberto Franco/Ag. Isto; Edio de imagens_Marcelo Biscola; Ilustraes_Estdio MY.S

    equivalente, por exemplo, ao valor de mercado da Companhia Siderrgica Nacional.Lemann hoje, aos 68 anos, a quinta pessoa mais rica do Brasil e a 172 do mundo. Eleaparece, ainda, na lista dos mais ricos da Sua - onde reside desde 1999, num subrbioexclusivo de Zurique -, pouco atrs da herdeira grega Athina Onassis.

    Mais importante do que seu imprio e sua fortuna, paraele e para aqueles que se interessam por questes degesto e liderana, seu legado para o meioempresarial brasileiro. A cultura forjada por Lemann noBanco Garantia, a partir de meados da dcada de 70,chegou ao varejo, por meio da Lojas Americanas,comprada em 1982; indstria, pela aquisio daBrahma, em 1989; influenciou virtualmente todos osbancos de investimento brasileiros e espalhou-sepelas mais de 30 empresas compradas at hoje pela

    GP Investimentos, fundada por Lemann, Sicupira e Telles. Da Gafisa ao Ig, passando pelaTelemar.

    Mais do que iss o, a "cultura Garantia", baseada numa rgida meritocracia de resultados,numa preocupao obsessiva com a formao de lderes dentro de casa e com atransformao de funcionrios em scios, tornou-se referncia para companhias toafastadas da rea de influncia do lendrio banco como Suzano e Gerdau. "O Jorge Paulo

    no s um dos melhores gestores de empresas do Brasil. um dos melhores domundo", diz o indus trial Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho da Gerdau. "Anica escola de adminis trao que surgiu no Brasil na m inha gerao foi a do Lemann, doGarantia", afirma Francisco Gros, ex-presidente do BNDES e atual CEO da OGX, aempresa de petrleo e gs de Eike Batista. Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano,costuma tirar alguns dias por ano para freqentar cursos intensivos de administrao emHarvard. Em fevereiro, recm-chegado de uma dess as temporadas, deu o seguintedepoimento: "Estudamos 15 cases das mais bem-sucedidas empresas do mundo. Emtodos os tpicos de gesto abordados, eu sempre me lembrava do Lemann. Ele j haviafeito no Brasi l tudo aquilo que a escola pregava como as mais eficazes tcnicas deadministrao".

    1>>> DE CORRETOR A BANQUEIROA saga empreendedora de Lemann comea em 1971, com a compra de uma pequenacorretora de valores chamada Garantia, que intermediava operaes de compra e vendade papis financeiros para clientes no Rio de Janeiro. Um negcio semelhante ao que eleconhecera nos anos anteriores , como funcionrio da corretora Invesco, que faliu em 1966,e da Libra, onde ficou at comprar a Garantia. J nos primeiros anos, Lemannestabeleceu contato com o banco Goldman Sachs, que usava a corretora para intermediara maior parte de seus negcios no Brasil. Aos poucos, passou a mandar gente paratreinamentos e para estgios no banco americano. O Goldman era pequeno quela altura,mas j tinha desenvolvido uma cultura baseada em atrair gente boa, remunerar bem aspessoas, avali-las e transform-las em scias. Exposto a essa cultura, Jorge Paulovislumbrou o modelo de negcio que, acreditava ele, lhe daria vantagem no mercadobrasileiro.

    Em 1976, com cinco anos bem vividos no mercado, a corretora Garantia foi procurada peloJP Morgan, maior banco do mundo em capitalizao naquela poca. O Morgan queria fazerum banco de investimento no Brasil em parceria com Lemann. Quando, porm, asconversas estavam perto de um desfecho, o brasilei ro voltou atrs. Trocou a promessa deum futuro precocemente assegurado pelo direito de permanecer no comando de seunegcio. Injetou capital prprio na firma, obteve uma carta patente e criou o BancoGarantia. Lemann considera es ta a deciso mais importante e difcil que tomou em sualonga carreira.

    quela altura, ele j tinha a seu lado os homens que se tornariam seus mosqueteiros naarena dos negcios, ambos cariocas como Lemann. Marcel Telles fora admitido nacorretora Garantia em 1972, aos 22 anos . At ento, tinha quatro anos de experincia nomercado financeiro, parte dos quais dedicados enfadonha tarefa de conferir boletos decompra de aes para o corretor carioca Marcelo Leite Barbosa, entre meia-noite e 6 da

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    Em 1976, a corretoraGarantia esteve perto dese unir ao JP Morgan.Lemann preferiu abrir seubanco sozinho - econsidera esta a decisomais difcil que tomou athoje

    manh. Marcel foi indicado por amigos a Luiz Cezar Fernandes, um dos sciosfundadores do Garantia, que decidiu coloc-lo prova. Em vez de atender aos anseios doeconomista recm-formado, que queria ser operador no rentvel open market (onde eramnegociados ttulos de dvida pblica), Luiz Cezar ofereceu-lhe uma vaga de liquidante -uma espcie de office boy das corretoras pr-informtica, encarregado de transportarttulos e comprovantes das operaes realizadas. Trs meses gastando a sola dossapatos, porm, foram suficientes para lhe franquear acesso ao almejado posto deoperador.

    Carlos Alberto Sicupira, conhecido apenas como Beto,chegou corretora Garantia no ano seguinte, 1973,convidado pelo prprio Lem ann. Meses antes, elevendera sua participao na corretora Cabral deMenezes para passar uma temporada em Londres, noMarine Midland Bank, hoje parte do HSBC. O props itoda viagem era conhecer tcnicas de investimentonovas, que pudessem s er aplicadas no mercadobrasi leiro. Ao implementar o que aprendeu l fora noGarantia, Sicupira seria decisivo para o crescimento do

    banco na dcada de 70.

    Montado o time bas e e abortada a parceria com o JP Morgan, Lemann comeou a pr de

    p uma cultura empresarial prpria - mas muito inspirada na do Goldman Sachs. Ameritocracia saiu de l, assim como o treinamento intenso e os mecanismos para daroportunidades s pessoas. Jorge Paulo estava apaixonado, principalmente, pelo modelode partnership do banco americano. Ou seja, pelo processo de transformao decolaboradores em scios pela via da distribuio de aes. "O capitalista brasileiro,naquela poca, queria basicamente tudo para ele. Os 'ndios eram os ndios'", Lemanncostuma dizer.

    "No Goldman Sachs, os scios eram escolhidos a cada dois anos", afirmam ospesquisadores Fernando Muramoto, Frederico Pascowitch e Roberto Pasqualoni em umestudo sobre o Garantia conduzido pelo Ibmec So Paulo. "Para ser candidato a scio, oassociado deveria estar trabalhando h pelo menos oito anos no Goldman (sob jornadas

    de trabalho que chegavam a 16, 18 horas dirias , por salrios que muitas vezes ficavamabaixo da mdia de mercado) e ser indicado por um dos atuais scios ao comit executivoda sociedade."

    Lemann adotou esse s istema. De incio, ele prprio ia vendendo parte de suas aes aosparceiros de negcios, de modo a transform-los em scios. Bem de acordo com suacrena de que as pessoas exercitam apenas uma parte de seu potencial no trabalho, mastendem a surpreender quando entram para a sociedade. Ou seja: o sujeito que seconsidera dono do negcio muito melhor do que aquele que est ali porque recebesalrio. Afinal, voc trata melhor o seu carro ou um carro alugado?

    Os parceiros Beto Sicupira ( direita). Marcel Telles ( esquerda) com Victorio de Marchi,ento presidente da Antarctica, na criao da AmBev, em 2000

    A engrenagem comeou a girar sozinha quando os s cios antigos passaram a vender

    participaes para novos parceiros at se des ligar totalmente do banco. "No Garantia, oturnover (rotatividade) dos scios era muito alto. Em 1980, eram 17 s cios. Desses , 13permaneciam em 1983, e apenas cinco em 1996", diz a equipe do Ibmec. Nos seusltimos anos, o banco tinha cerca de 300 funcionrios. Lemann, Telles e Sicupiraentrevistavam, eles prprios, coisa de 800 pessoas anualmente, para contratar 10 ou 15.

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    Fotos_Evelson de Freitas/Folha Imagem;Ciete Silvrio/Ag. Isto

    Lemann, Telles e Sicupira, otrio de ferro do Garantia, secompletam nos negcios. Oprimeiro o estrategista; osegundo, o administradordisciplinado, e o terceiro, umduro operador

    Do recrutamento s promoes, a preferncia sempre recaiu sobre "gente que gosta deser dona", que "entrega resultados" e "sabe avaliar o que im portante". Lemann por vezesdiz que todos os homens de negcio realmente significativos que conheceu at hoje -gente como Sam Walton, do Wal-Mart, e o investidor Warren Buffett (novo homem mais ricodo mundo) - tinham como caracterstica principal a capacidade de enxergar o essencialrapidamente e encontrar um caminho para chegar l. Em geral, de uma maneira simples .

    Ass im como no Goldman, os s alrios no Garantia eram inferiores mdia do mercado.Sobretudo os dos chefes, j que quanto mais graduada a pessoa maior era a parcela deseus rendimentos atrelada aos resultados. "A cada semestre, 25% do lucro lquido dobanco era dividido entre os associados de acordo com o seu cargo e o desempenhoauferido", afirmam os pes quisadores do Ibmec. O baixo clero, 80% do quadro defuncionrios, brigava por 11% do total de lucros a distribuir. Candidatos a s cios (oschamados comissionados, equivalentes a 15% do pessoal) e s cios (5% da equipe)repartiam os 89% restantes. Semes tralmente, os funcionrios eram avaliados peloschefes. O bom desempenho era premiado com bnus; os melhores eram convidados aentrar na sociedade.

    2>>> TALENTO POR METRO QUADRADODiferentemente do que se via no Goldman, no Garantia era poss vel virar scio com

    apenas cinco anos de banco. Na mdia, a idade dos scios ficava abaixo dos 35 anos. Osmais precoces chegaram l aos 24.

    Jos Olympio Pereira, hoje diretor do banco Credit Suisse no Brasil , entrou no Garantiaem 1985 e s saiu 13 anos depois, em 1998. Quando chegou, era um engenheiro civilrecm-formado que sabia que seu futuro no estava na engenharia. Ouvira falar quemercado financeiro era uma boa opo. E que o Garantia era o melhor lugar para setrabalhar. Ass im que teve a chance, bateu na porta do banco e pediu emprego. "Se no mecobrarem nada para trabalhar aqui, eu topo", disse. O que mais o impressionou nosprimeiros meses do Garantia foi a quantidade de pessoas inteligentes e ambiciosas pormetro quadrado. E as oportunidades que s e davam a elas . Um ms depois de suachegada, Arminio Fraga desembarcou para comandar o departamento econmico. O

    responsvel pela rea de renda varivel, quela poca, era ningum menos que AndrLara Resende - que logo em s eguida participaria da formulao do Plano Cruzado e,quase uma dcada mais tarde, se tornaria um dos pais do Plano Real.

    Apenas um ano se passara quando o respons vel pela rea de underwriting do banco(ofertas pblicas de ttulos em geral, incluindo aes de empresas) foi des locado para osetor de cmbio. Jos Olympio, que desde o incio se interessara pelo departamento, foiconvidado a assum ir o posto. Aos 24 anos de idade. "A regra l era jogar no fogo e daroportunidade para as pess oas se provarem", diz. J quela altura, segundo o executivo,Lemann tinha uma "aura de liderana". "O Jorge Paulo um sedutor. Aparentementesimples, do tipo que usava cala US Top, mas infinitamente sofisticado."

    Uma das regras no escritas do banco -posteriormente aplicada a todas as empresas sobsua gesto - era a de que existiam dois deslizescerteiros para provocar uma demisso: aparecerna revista Caras ou comprar carro importado. ParaLemann, esbanjar dinheiro ou se entregar ostentao so pecados capitais. Seus trs filhosdo primeiro casamento eram motivo de piadaentre os amigos da faculdade. Enquanto muitos

    deles, todos com menos dinheiro que os filhos de Lemann, circulavam em carrosimportados, os trs dirigiam s urrados Gols e Paratis.

    Jorge Paulo um homem de hbitos, a maioria s imples . Quando d expediente no

    escritrio de So Paulo, seu "uniforme" camisa branca de mangas curtas, cala azul desarja e confortveis sapatos de camura. No passado, era comum v-lo pedalando suabicicleta, a caminho da padaria. Era ele quem comprava o po para o caf-da-manh dascrianas. At hoje, quando es t no escritrio de So Paulo, s vezes vai a p at osupermercado, comprar barrinhas de cereal. Em compensao, no freqenta eventossociais, vai pouqussimo a restaurantes e raramente recebe em sua casa. Jura ter o

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    mesmo peso desde os 17 anos. s custas de um estilo de vida espartano. Acorda cedo,geralmente s 5h30, e vai dormir antes das 10 da noite. O caf-da-manh frugal: frutas esuco, apenas. No almoo e no jantar, come pouco e s bebe gua mineral. Sua dietafavorece legumes, cereais e carnes m agras. Nada de doces, nada de lcool (nem mesmocerveja...) nem de refrigerantes. Nas reunies de conselho da Fundao Lemann,bisnaguinhas macias do tipo egg sponge s o includas no pequeno buf. Jorge Paulo fdeclarado, mas nunca cai em tentao. Enquanto seus companheiros de mesa tomamum cafezinho, ele beberica gua m ineral, direto da garrafinha.

    At hoje, na copa de s eu escritrio pess oal, apenas alimentos saudveis so colocados disposio dos funcionrios. Po, queijo branco e requeijo light so oferecidos para ocaf-da-manh. Uma cesta de frutas recebida todas as tardes. O buf que o atende, oNossa Casa, o mes mo desde os tempos do Garantia. Um cardpio semanal, todo depratos saudveis, oferecido aos funcionrios que preferem almoar no escritrio.Encomendas individuais so pagas parte. Quando recebe visitas, os gestos calorososmarcam mais do que o cardpio. "Na nica vez em que me encontrei com Lemann, elemesmo arrumou a mesa, fazendo questo de servir a m im e aos outros convidados", dizMaciel Neto, da Suzano. "Achei curioso e extremamente gentil".

    3>>> "NOSSA FILOSOFIA"Arminio Fraga, tambm ele um financista bem-sucedido e de hbitos modes tos, foieconomista-chefe do Garantia entre 1985 e 1988. Depois , trabalhou para George Soros,

    presidiu o Banco Central no segundo governo FHC e fundou a Gvea Investimentos. No por falta de modelos para comparao, portanto, que ele tem Lemann e seu banco emalta conta. "Era um am biente meritocrtico, onde todo mundo se sentia scio e aspirava aser s cio de fato. Um ambiente de alta competncia, com regras clarssimas demeritocracia", afirma. "Uma coisa totalmente diferente do que existia no Brasil naquelapoca."

    Trs frases de um documento chamado Nossa Filosofia, que era distribudo a cada novofuncionrio do Garantia, resumem o ideal de Recursos Humanos de Lemann: "Aspessoas devem ser de alta qualidade. Para isso, selecionamos os melhores e ostreinamos bem. Todos participam dos lucros, e oportunidades esto ao dispor dos quetrabalham no Garantia e se provam". O "se provam" o "xis" da questo. Premiar os

    melhores funcionrios e dis pensar os que no do conta do recado um darwinismocorporativo to velho quanto o capitalis mo. Inclus ive no Brasil. A inovao de Lemann foiintroduzir parmetros capazes de eliminar a subjetividade. Basicamente, isso significamedir tudo. E no se distrair com amizades ou tempo de casa na hora de dis tribuir bnus."Nessa cultura no tem espao para gato gordo", diz um ex-funcionrio do Garantia, quedeixou o banco h sete anos, dono da prpria empresa e, mesmo ass im, s aceita falardo passado sem ser identificado. Como s eu depoimento precioso, vamos cham-lo deOsvaldo, um nome fictcio.

    Osvaldo entrou no Garantia com 22 anos , recm-sado da faculdade. E definitivamentegostou do que viu. "Para mim, que era s uperarrogante, metido a besta, era perfeito.Finalmente es tava entre meus pares", diz. "O banco (em uma aparente contradio comsua propalada austeridade) pagava pass agem de primeira classe; cheguei a voar com oJack Nicholson. Eu jantava no Nobu quando estava em Nova York. Me achava o dono domundo." O salrio era baixo. Um quarto do que a McKinsey e o Banco Indosuezofereceram a ele na mesma poca. "Meu primeiro bnus foi um lixo. O segundo deu parapagar um jantar para a minha me no La Tambouille [restaurante francs em So Paulo].Com o terceiro, comprei um Fiat Tipo. Ass im foi, melhorando ano a ano. Ainda vivodaquele dinheiro."

    Nem tudo, porm, eram alegrias . Ainda como jovem funcionrio, depois de perder trsnamoradas que no suportavam s eu "casamento" com o banco, Osvaldo teve umaconversa sria com o pai. "Ele me perguntava: como voc trabalha num lugar desses ?",diz. "E tinha razo, porque eu perdia minhas prprias festas de aniversrio." No Garantiano havia dias tranqilos. A frase que resum e ess a filosofia a que diz que um dia 5%

    do ms.

    4>>>A CANETADA DE SIMONSENPor muito pouco o Garantia no engrossou a estatstica das em presas brasileiras quemorrem em seu primeiro ano de vida. Culpa de um episdio tpico dos anos de muitainflao e nenhuma democracia. Preocupado com uma disparada de preos e salrios, o

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    ento ministro da Fazenda, Mrio Henrique Simons en, expurgou quatro pontospercentuais da correo monetria. A tunga quase feriu de morte Lemann e companhia,porque o Garantia tinha posies grandes em ORTNs (Obrigaes Reajustveis doTesouro Nacional). A canetada de Simons en levou boa parte do patrimnio do banco parao buraco. Subitamente convencido de que precisava de algum para traar cenrioseconmicos e, na medida do possvel, antecipar guinadas como essa, Lemann chamou oeconomista Cludio Haddad, ento professor da FGV, para lhe prestar consultoria. "Gosteidele [de Lemann] desde a primeira reunio. Os empresrios brasileiros naquela pocano tinham muita informao sobre o que acontecia l fora. Mas o Jorge Paulo tinha visoglobal", afirma o economista.

    Haddad estava com 30 anos . Depois de uma longa temporada de estudos nos EstadosUnidos , tinha voltado de Chicago em 1974 - e viu no convite do Garantia, inicialmente, umaoportunidade de complementar a renda de professor, pressionada pela chegada doprimeiro filho. "Eu no esperava, mas aquilo foi fascinante", diz. Haddad saiu da FGV etornou-se economista-chefe do Garantia em 1979. Brilhou no mercado a ponto de o BancoCentral tom-lo emprestado de 1980 a 1982 e fazer dele o primeiro diretor de dvidapblica da his tria da instituio. Em 1983, Haddad voltou como scio, para montar umarea de corporate finance (servios financeiros para grandes empres as). Mais dez anos echegou a superintendente, cargo executivo mais alto no organograma do Garantia, ondeficou at a venda do banco, em 1998.

    Poucas pessoas conhecem melhor a histria do Garantia e de seus principais s cios.Segundo ele, apesar das dcadas de trabalho conjunto, Lemann, Telles e Sicupira tmpersonalidades bem diferentes. Jorge Paulo o estrategista, um lder nato. "Tem umraciocnio absolutamente lgico", diz Haddad. Beto, ao contrrio, um "operador do tipotrator", sempre transbordando energia. E Marcel " o cara mais focado". No trato comfuncionrios, scios e clientes, Jorge Paulo sempre foi a figura carism tica. E Marcel, oboa-praa sem papas na lngua. o mais informal do trio e tambm o mais falante. Bem-humorado, sorridente, gosta de desafiar as pessoas, na expectativa de que se superem."A gente joga sempre um os so maior do que se pode morder", ele costuma dizer. "Temgente que adora iss o, tem gente que fica assustada pra burro. Assustou, saiu." Beto omenos suave. "Dos trs, o mais duro. Mas um bom s ujeito. Se gosta de voc, tedefende at a morte. Se no gos ta, sai debaixo", diz Haddad.

    Por diferentes que sejam, ao longo de 35 anos, Lemann, Telles e Sicupira tornaram-sefiguras complementares. "Ao longo do tempo, pegamos confiana um no outro. Ningumvai deixar o barco afundar. Morre junto, se for o caso", disse Marcel, em depoimento nolivro Como Fazer uma Empresa Dar Certo em um Pas Incerto, publicado pelo InstitutoEmpreender Endeavor. Lemann citado na mesma obra, dizendo: "Eu sou a favor descios . Tive scios a vida inteira e iss o me ajudou muito (...). Ns trs conseguimos fazermuito mais do que conseguiramos separados".

    O estilo de liderana de Lemann talvez possa ser descrito como minimalista. No coincidncia o fato de que ele nunca apareceu no organograma de nenhuma de suasempresas como pres idente-executivo ou CEO. Ele , to tipicamente quanto poss vel, umpresidente de conselho. "O Jorge Paulo no faz a empresa funcionar. Nunca tevepacincia para detalhes operacionais", afirma Haddad. Seu interesse est no quadromais amplo, na ltima linha do balano. Relatrios e apresentaes que chegam s suasmos so s empre lidos de trs para a frente. Ele vai direto aos nmeros, concluso. Oque sugere que um elemento central da cultura de gesto que ajudou a criar - o foco nosresultados - tambm um forte trao de sua personalidade. O hbito de olhar primeiropara o saldo de uma iniciativa reflete uma mxima que qualquer funcionrio que tenhapassado por suas empresas conhece bem: "esforo no resultado". No importa oquanto algum se empenhou numa tarefa ou o que fez para cumpri-la. O que conta, ao fime ao cabo, se o objetivo inicial foi atingido ou no. Dependendo dos nmerosapresentados ao final de um balano, a sim, ele talvez tenha interesse em conhecerdetalhes sobre o caminho percorrido para chegar at l.

    Se o chefe ass im, nada mais razovel do que os executivos de suas em presasparticiparem de treinamentos para aprender a montar apresentaes e relatrios que vodireto ao ponto. E eles participam. At porque ser objetivo numa reunio com ele umanecessidade. Lemann fica sonolento em reunies muito longas. Seus olhos se fechaminvoluntariamente e ele chega a cabecear. "At que abre o olho e s intetiza a resposta parao problema que es t sendo discutido na mesa", afirma Fersen Lambranho, um dos

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    Fotos_Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem; Ciete Silvrio/Ag. Isto; divulgao

    scios controladores da GP Investimentos, que teve Jorge Paulo como fundador econselheiro entre 1993 e 2004. Um pouco por pressa, um pouco por indisponibilidade,muita coisa que passa por Lemann resolvida por e-mail. Onde quer que esteja, eleresponde rapidamente (e em pouqussimas palavras) s mensagens . Em 2004, quandoo BlackBerry ainda era pouco usado no Brasil, ele j tinha o dele, hoje um companheiroinseparvel de viagens.

    MOSQUETEIROS DE LEMANNDois scios que o acompanham h 35 anos e um jovem talento transformado em CEO

    principais parceiros de negcio do fundador do Garantia

    5>>> ON THE ROADJorge Paulo um globetrotter. Passe duas horas a seu lado e ele lhe contar episdiospassados nas Bahamas, na China, nos Estados Unidos, na Nova Zelndia... Asincontveis horas de vo so aproveitadas para lei tura. Foi a bordo de seu jato executivode 18 lugares que ele devorou, por exemplo, The Last Tycoons: The Secret History ofLazard Frres & Co. ("Os ltimos m agnatas: a his tria secreta do Lazard Frres & Co."), deWilliam Cohan - um dos "livros do ano" de 2007 da lis ta de economia e negcios darevista The Economis t. Ou Billions of Entrepreneurs ("Bilhes de empreendedores"), deTarun Khanna, profess or da Harvard Business School que ocupa a ctedra Jorge PauloLemann naquela faculdade. Ele compara os modelos de desenvolvimento da ndia e daChina.

    Lemann gos tou bastante do livro Doing What Matters ("Fazendo o que importa"), de JimKilts, o executivo que consertou a Gillette e preparou-a para a venda para a Procter &Gamble. um assunto que ele conhece por dentro. Jorge Paulo foi um dos maioresacionis tas da Gillette e teve ass ento no conselho da companhia por cinco anos, partedeles durante a gesto de Kilts. Quando a Gillette foi vendida para a Procter & Gamble, em2005, Kilts entregou a empresa a A.G. Lafley, CEO da P&G e autor de outro lanamentobadalado: The Game Changer ("O virador de jogo"). Lemann acha Lafley "sem graademais". Com a venda da Gillette, o brasileiro trocou seus papis por aes da Procter.Na primeira oportunidade, foi assistir a uma apresentao de Lafley. Saiu convencido deque, sob o comando dele, nada de muito ruim aconteceria com a empresa. Nem nada demuito bom. Tempos depois, vendeu, na alta, todas as suas aes.

    Talvez por incompreenso sobre as virtudes e limitaes de Lemann, surgiram em tornodele um sem-nmero de mitos. Um dos mais recorrentes o do gnio financeiro, refutadopelos que o conhecem. "A cabea de finanas do Marcel, por exemplo, muito melhor. OJorge Paulo no entende nada de mesa de operaes", diz Cludio Haddad. Outro o doinvestidor intuitivo que transforma negcios falidos em ouro. "O toque de Midas no

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    Lemann e seus scios esto

    entre os pioneiros domovimento de globalizao dasempresas brasileiras. J em1994, a Brahma comproucervejarias na Venezuela e naArgentina

    existe", diz Antonio Bonchristiano, parceiro de Fersen Lambranho no comando da GPInvestimentos. "O importante no como ele decide, mas como orienta aqueles que estoabaixo para que tomem a deciso correta." Na "cultura Garantia", uma companhia no uma pi rmide, com nveis hierrquicos que se afunilam at a inexpugnvel cpula. Aarquitetura a de um circo romano. O que significa que o lder es t no centro, onde todospodem v-lo. E isso praticamente o obriga a liderar pelo exemplo.

    "Tem empresrio que faz negcios para ganhar poder, acumular patrimnio ou prestgio.O que o Jorge Paulo adora fazer negcios pelos negcios e ganhar dinheiro com is so",afirma Bonchristiano. Para ele prprio e para seus as sociados. Lemann e s eus sciosorgulham-se de ser os maiores criadores de milionrios do Brasil. Quem no gostadessa cultura v os "garotos do Garantia" como verses brasileiras dos yuppies da WallStreet dos anos 80. Pessoalmente, Lemann no veste a carapua. Diz que se divertetrabalhando, que gosta do que faz e que dinheiro s um meio de m edir o desempenhode um negcio.

    Recentemente, ao fazer uma reflexo sobre sua essncia, Lemann ps no papel aseguinte definio: "No sou um cara vidrado em poder (nunca mandei muito); no souligado em ser dono (sempre dividi e me ass ociei, se fosse vantajoso); no sou ligado emdinheiro (quase no gasto, exceto para filantropia). Nenhuma dessas coisas se levamconosco. O que eu gosto mesmo de criar coisas legais, reg-las e tentar garantir quetenham durabilidade".

    6>>> ONDE OS FRACOS NO TM VEZIdeologia parte, o fato que dinheiro sem pre foi o combustvel de qualquer empresa deJorge Paulo Lemann. "A diviso do lucro insumo bsico desse modelo de negcio. Eleno faz iss o porque generoso", afirma Fersen. O avano rpido dos mais jovens edeterminados es timulado. A ordem : aproveite enquanto est no auge da fora, porqueningum vai aliviar para voc no futuro. "Voc tem de saber, quando es t subindo, que vaichegar sua hora de sair", diz o scio da GP.

    Se os mais jovens e aptos tm espao para crescer e, em dado momento, atropelar agerao anterior, na "cultura Garantia" os fracos no tm vez. " uma cultura darwinistademais. D para ficar muito rico trabalhando dess e jeito, mas no d para ser feliz", afirma

    um ex-banqueiro de investimento que chegou a concorrer com o Garantia nos anos 90, narea de private equity.

    Numa estrutura enxuta como a de um banco de investimento, a seleo natural se d comalguma tranqilidade. Uma marca da cultura Garantia instilar nas pessoas o sentido dacompetio. Por vezes, isso feito por meio de jogos. O prprio Sicupira, tempos atrs,saiu fantasiado de baiana na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, depois de atingirmetas na Americanas, que ele presidia. Fez lembrar a clebre dana do hula-hulaexecutada por Sam Walton em plena Wall Street, em 1983, depois que o Wal-Martalcanou uma margem de lucro de 8%.

    Quando, porm, ess as brincadeiras sotransplantadas para grandes empresas do setorindustrial, com milhares e m ilhares deempregados, os efeitos colaterais parecem serinevitveis. Com freqncia, quem no seadapta cultura sai voluntariamente ou expelido do s istema. Por causa diss o, surgemprocessos trabalhistas peculiares. Por exemplo,em 2005 e 2006 a AmBev chegou a ser

    condenada a pagar multas de at R$ 1 milho s ob alegao de assdio moral feita porfuncionrios que no atingiam metas de venda no Rio Grande do Sul, Rio Grande do Nortee em Minas Gerais. Nos processos, h fartura de relatos de episdios que foram tomadoscomo humilhaes. Coisas que vo desde proibir o empregado de baixo desempenho dese s entar durante longas reunies a obrigar profiss ionais a se vestir de mulher e danar

    sobre uma mesa na frente dos colegas . A AmBev sempre pagou as indenizaes. Foram,de acordo com a companhia, casos isolados.

    "A histria da hipercompetio contada por quem saiu das empresas do grupo", afirmaFersen. "Tem m uita gente que no gosta de dizer a verdade, e tem muita gente que nogosta de ouvir a verdade [sobre seu desempenho profiss ional]." A discordncia sobre es te

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    Em 1982, um grupo dediretores da Americanastentou barrar as reformasiniciadas na empresa,

    ameaando ir embora.Sicupira no vacilou: demitiutodos os rebeldes

    assunto claramente incmoda para aqueles que adotaram como seus - e mesmo desuas famlias - os valores de Lemann. O filho de Fersen estudava numa das escolas deelite de So Paulo, que tinha um sis tema de avaliao de desempenho e premiao aosmelhores alunos de cada classe. Quando o colgio decidiu extinguir o prmio, alegandoque ele estimulava demais a competitividade entre as crianas, Fersen mudou o meninopara uma escola onde as turmas so divididas por performance, como ele diz. "A vida ass im", afirma.

    Questionamentos ao modelo de negcio do Garantia, considerado intrinsecamentesuperior aos demais, tendem a ser recebidos com impacincia. O prprio Marcel Telles,no entanto, j admitiu que esse regime de dedicao integral empresa, foco nosresultados e expectativa de bnus m ilionrios no para todo mundo. A respei to disso,ele toma emprestado o lema dos marines americanos: "Few and Proud" ("Poucos eOrgulhosos"). "As pes soas adoram dizer que a Natura a companhia bacana, e a AmBev a que tira sangue", diz Bonchristiano. "Mas veja o que a Natura est passando agora, porfalta de resultados financeiros mais slidos [as aes da companhia vm perdendo valorh meses e uma grande reestruturao foi anunciada em fevereiro]. Em contrapartida, osmeninos da AmBev esto ganhando o mundo."

    7>>> MUITO ALM DA COCADA PRETAGanhar o mundo uma expresso cara a Jorge Paulo Lemann. Ele e seus scios estoentre os pioneiros do movimento de globalizao das empresas brasileiras. A convico

    de que era preciso se internacionalizar veio em 1997, ainda nos tempos do Garantia.Naquele m omento, o banco se via como o "rei da cocada preta". Achava que no tinhanada a ver com a crise as itica. Mas levou uma sova quando os mercados viraram l fora.Foi um claro sinal de que as coisas marchavam para uma globalizao. Lemann gosta deusar como antiexemplo a companhia mexicana Modelo. uma cervejaria excepcional,rentvel e dona da Corona, uma marca mundial. Mas es t s no Mxico. Por isso, naconsolidao mundial que comea a ocorrer, seu papel vai ser pequeno. Tambm aAmBev poderia ter se contentado com o domnio do mercado brasi leiro. Lemann e seusscios seriam, novamente, os reis da cocada preta nacional. Mas no participariam doogo mundial de consolidao que est acontecendo como participam hoje, em condiesde fazer o que ele apelidou de "as grandes chamadas."

    J em 1994, seis anos antes da unio com a Antarctica, a Brahma fez as primeiraschamadas . Comprou a Cervejaria Nacional, na Venezuela, e iniciou operaes naArgentina. A partir da criao da AmBev, a internacionalizao des lanchou. Nos primeirosquatro anos, a empresa investiu US$ 700 milhes e instalou-se em 11 pases da AmricaLatina.

    Em 2004, uma possibilidade de fuso com a cervejaria belga Interbrew comeou a seravaliada. Num m ercado que apontava para uma consolidao global, tornar-se realmentemultinacional era um imperativo. E a unio com os belgas revelou-se a melhor opo. Sefechassem negcio com a americana Anheuser-Busch naquela poca, os brasileirosseriam engolidos. Com a Heineken, tambm no se trataria de uma fuso entre iguais. Jcom os sul-africanos da SAB Miller at dava para conversar, mas dali nasceria uma firmacompos ta de Brasil e frica do Sul, uma combinao indiges ta para investidoresinternacionais - ou pelo menos era, cinco anos atrs. Costurou-se, ento, a fuso com aInterbrew, que deu origem InBev. Lemann, Telles e Sicupira trocaram os 22% departicipao na AmBev, que lhes garantia o controle da empresa, por 25% do novonegcio. Trocaram, tambm, seu mando nico, ao lado da Fundao Zerrener (Fahz),sobre a companhia brasileira por um mando compartilhado com os belgas sobre amultinacional.

    Alm des te jogo de mercado, a parceria com osbelgas reflete uma coincidncia de interesses.Para a AmBev, que desenvolveu como nenhumaoutra empresa a competncia para formar jovenstalentos motivados pelas oportunidades que lhes

    so oferecidas, a internacionalizao umamaneira de manter a fila andando. Em um aconversa com Jim Col lins , consultor e autor doclss ico Feitas para Durar, Marcel foi questionado:

    "Qual o problema da empresa hoje?". Respondeu que, mantida a estrutura entoexistente, a falta de oportunidades internas seria um risco. A AmBev contava com jovens

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    executivos de primeira linha, como Carlos Brito, nos melhores postos disponveis noBrasil. E, embaixo deles, um esquadro de diretores e gerentes bem formados eambiciosos. Se o topo da cadeia no se movesse, o modelo de meritocracia poderiaentrar em colapso. Logo, seria fundamental que houvesse um a expanso para fora dopas.

    Por outro lado, a Interbrew via-se dona de um portentoso portflio com mais de 200marcas, mas seus resultados poderiam ser melhorados. Hoje, a multinacional belgo-brasileira est presente em 32 pases das Amricas, da Europa e da sia. Marcel passametade de seu tempo em viagens pelo exterior.

    Outro fator que favorece o processo de globalizao da AmBev o capital humano.Setores associados velha economia, como minerao, siderurgia, cimento, e a prpriacervejaria, devero cada vez mais, como se observa, ser controlados por empresasprovenientes de pases emergentes. A brasi leira Vale, as indianas Tata e Mittal Steel e amexicana Cemex so exemplos i lustrativos des sa tendncia. Jovens de pasesdesenvolvidos almejam trabalhar em setores tecnologicamente mais inovadores. J seuspares oriundos de pases emergentes no desprezam oportunidades na indstriatradicional. Ao contrrio, para um bras ileiro, um indiano ou um chins, promover umturnaround (uma virada para melhor) numa grande cervejaria europia pode s er aoportunidade de uma vida.

    Hoje, a regra a mobilidade. Ass im como h brasileiros na matriz belga, h expatriadosestrangeiros em pos tos importantes na sede bras ileira da AmBev. A lngua oficial dogrupo o ingls. nesse idioma que so feitas as freqentes reunies para intercmbiodas melhores prticas alcanadas em cada pas. Para muitos jovens belgas, a InBev esua aguerrida cultura tornaram-se agora uma alternativa de emprego. Por falta deempresas com ess e perfil, muitos dos formandos mais ambiciosos optavam por tentar asorte na Inglaterra. Com todo esse m ovimento internacional de executivos, fcil concluirque est se formando um valioso ativo multicultural.

    Motivado pelos negcios da InBev, que tem 1 bilho de euros investidos por l, Lemanntem ido com freqncia China. De onde sempre volta impress ionado com a nsia dochins por ganhar dinheiro, empreender, subir na vida. Quem j o ouviu elogiando o

    Partido Comunis ta de l custa a crer que se trata mesmo do mais capitalista doscapitalistas bras ileiros. A China, observa ele, pode no ser uma democracia, mas , sim,uma meritocracia. Voc s s obe no partido se foi um bom prefeito de Xangai, se tocoubem uma empresa estatal ou fez coisa semelhante. Jorge Paulo compara o PC GeneralElectric, no sentido da eficincia. E adverte quem quiser ouvir: "Competir com aquelescaras no vai ser moleza, no".

    No ano passado, Lemann levou sua famlia para "bicicletar" pela China. Ele, cinco dosseis filhos e alguns netos. Como os casais chineses , devido poltica de controle denatalidade, s podem ter um filho, a trupe de brasileiros chamava a ateno. A ponto dechineses pedirem para tirar fotografias do pequeno cl ali reunido. Choques culturais parte, o propsito da viagem foi dar aos filhos a chance de comear j a se familiarizarcom aquele que promete ser o pas mais importante do futuro.

    8>>>O PITBULL DO GARANTIAOs diferentes estilos de Lemann, Telles e Sicupira revelaram-se em cores vivas quandoeles migraram do ambiente ultracompetitivo de um banco de investimentos paraempresas de setores mais tradicionais. Marcel era o chefe da mesa de operaes doGarantia - o chamado head trader. At fazer uma notvel transio para s er CEO daBrahma, uma enorme fabricante de cervejas. "Um trader nunca bonzinho. Numa mesade operaes, voc um lobo entre lobos que querem te comer", afirma Cludio Haddad.Na AmBev, Telles aprendeu a pastorear ovelhas.

    J Beto mostrou as garras logo que assumiu a Lojas Americanas - comprada por ele,Marcel e Lemann em 1982, na primeira oferta hostil da his tria da Bovespa. Comum nos

    Estados Unidos, a manobra at ento indita por aqui consiste em ir comprando, aospoucos, aes de uma empresa at formar uma posio grande o bastante para desafiaros controladores e for-los a abrir mo do comando. Ass im foi feito na Americanas , e ochoque de, do dia para a noite, ter um novo dono e uma gesto radicalmente diferenteconvuls ionou a empresa. Ao primeiro contato com as metas, os controles de custo e adura cobrana por resultados levados do Garantia, um grupo de diretores da rede varejis ta

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    se rebelou. Numa reunio desagradvel, ao final de uma manh de trabalho, osrevoltosos puseram o novo presidente contra a parede. Com uma ameaa resumida porum sonoro "se voc no mudar, no d para ficar na empresa". Beto ouviu, ponderou poralgumas horas e, logo depois do almoo, demitiu todos os diretores rebeldes. "Aprendique preciso bater de frente - e logo - com o problema. Complacncia zero,principalmente quando se est construindo a cultura da empresa", disse ele nodepoimento Endeavor.

    Em s e tratando do pitbull do Garantia, o desfecho no deveria surpreender. Nove anosmais novo que Lemann e carioca como ele, Carlos Alberto da Veiga Sicupira o prottipodo self made man. Filho de um funcionrio pblico e de uma dona de casa, descobriu omundo dos negcios aos 14 anos, comprando e vendendo carros. O prazer de negociar ofez abandonar o sonho inicial: ser marinhei ro. "Queria uma coisa que, se desse certo, euno soubess e o limite. [Na Marinha] se fizess e tudo certo, eu sabia aonde iria parar:ocupando o cargo de almirante", afirmou ele.

    Beto formou-se em adminis trao de empresas pela Universidade Federal do Rio deJaneiro. Mas foi no mar, praticando pesca submarina, em 1973, que ele conheceu ohomem que s e tornaria seu scio por toda a vida. Talvez impress ionado com o flego e apontaria do recm-conhecido, Lemann o convidou para trabalhar no Garantia. Antes disso,Sicupira tinha feito carreira em corretoras e distribuidoras de valores. A primeira delas ,montada do zero por ele prprio, aos 17 anos de idade - depois de emancipar-se

    udicialmente. Beto no sabia nada s obre corretoras. Montou o negcio j pensando emvend-lo, como efetivamente fez um ano depois , criando um hbito que o acompanhariaao longo de toda a carreira.

    At a compra da Lojas Americanas , o lema do Garantia era "no pass ar da sala devisitas". Ou seja, limitar-se a investir em empresas, sem envolver-se na operao delasno dia-a-dia. Convencido do potencial de crescimento do varejo no Brasi l, Sicupiracomeou a comprar aes da Americanas aos poucos. Quando olhou para a maneiracomo a empres a era adminis trada, teve a certeza de que precisava se envolver no negciopara faz-lo crescer. Dada a pss ima reputao da rede varejis ta no mercado naquelestempos , ele convenceu Lemann e Marcel a comprar de uma vez o controle dela, e seofereceu para deixar o banco e consertar a companhia. Ass im foi feito. Beto manteve as

    aes do Garantia, mas abriu mo do salrio que recebia. "Eu sempre quis fazer coisasque os outros no faziam. Sempre quis pegar umas bolas meio quadradas", diz ele, nolivro j mencionado. Sob seu comando, o nmero de funcionrios na Lojas Americanascairia, nos anos 80, de 14 mil para 8 mil. Comeava ali a ser criada a fama de ceifadoresde empregos da turma do Garantia. Na AmBev, a reduo foi de 24 mil para 14 m ilcolaboradores. Na ALL, de 12 mil para 1,8 mil. Ao longo dos anos, esse enxugamento foirevertido. Hoje, a Americanas emprega 14 mil funcionrios , a ALL 6,5 mil e a AmBev, 35mil, sendo 22 mil no Brasil.

    9>>>NA PICAPE DE SAM WALTONLogo depois de ser informado por Sicupira da degola geral na cpula da LojasAmericanas, Jorge Paulo enviou seis cartas para grandes varejis tas do mundo todo,pedindo auxlio para conhecer o setor. Dois responderam. Um deles era Sam Walton,convidando o brasi leiro a conhecer a sede do Wal-Mart em Bentonville - ento um buracono interior do Arkansas, com no mais de 8 mil habitantes. Depois de horas interminveisde vo, comeando num Boeing e terminando num teco-teco, Lemann e Sicupiradesembarcaram em um aeroporto minsculo. Encontraram de cara um s ujeito sentadonuma picape surrada, equipada com ces e um rifle de caa. "Conhece Sam Walton?",Jorge Paulo perguntou. "Sou eu mesm o, sobe a e vamos embora."

    Lemann e Sicupira acabaram ficando amigos do dono do Wal-Mart. Quando descobriuque tipo de tenista era Jorge Paulo, Walton pass ou a convid-lo para formar dupla com elee surrar adversrios incautos. A lenda do varejo retribuiu a vis ita e, obcecado que era porver e entender tudo por conta prpria, meteu-se num entrevero com seguranas de umaloja carioca do Carrefour, ao ser flagrado medindo os espaos de prateleiras. O episdio

    do aeroporto um indcio do quanto a frugalidade, que uma marca da cultura Garantia,deve ao homem de Bentonville. No poss vel, porm, compreender um dos s eus valoresfundamentais sem conhecer um pouco da his tria dos Lemann.

    Sua famlia paterna da pequena cidade de Langnau, na regio sua de Emm ental. Oupelo menos es t l h mais de 600 anos, desde que foi expulsa de um vilarejo vizinho por,

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    O pai de Jorge Paulo veiopara o Brasil nos anos 20.Aqui, fundou a Leco(abreviatura de Lemann &Co.), fabricante delaticnios. Seu maiorlegado, porm, foi a ticaprotestante

    acredite, explodir uma fbrica de dinamite. Durante dois sculos, os Lemann foramchapeleiros . At que encontraram sua verdadeira vocao no comrcio de queijos . Noincio do sculo 20, literalmente sem espao no negcio para abrigar uma nova gerao, afamlia "exportou" trs irmos Lemann para a Amrica. Um deles foi para a Argentina.Outro para os Estados Unidos. O terceiro, pai de Jorge Paulo, veio para o Brasil. E aquifundou a fabricante de laticnios Leco, abreviatura de Lemann & Company. Mais do queprticas de negcios , porm, o que Jorge Paulo herdou da famlia foi a tica protestantedo "Deus lhe d o que voc trabalhou para conquis tar". Sua me, verdade, era brasileira.Mas tambm filha de suos, que se es tabeleceram na Bahia para exportar cacau. "Eratodo mundo linha-dura", Lemann gosta de dizer.

    Aqueles, porm, que pensam em Jorge Paulo comobom moo em tempo integral se s urpreendem comum episdio de seu primeiro ano em Harvard. Emtempos inocentes, 40 anos antes do 11 de setembro,ele viajara para os Estados Unidos levando nabagagem bombas cabea-de-negro brasileiras.Guardou-as em s eu alojamento, at que um diaestourou no campus uma rebelio es tudantil. Emmeio ao tumulto de alunos gritando, acendendofogueiras, pensou: "Momento ideal para soltar as

    bombas". E comeou a jog-las pela janela do quarto. Foi um sucesso com os rebeldes

    do lado de fora. De repente, Lemann acende mais uma bomba e, ao mesmo tempo,algum acende a luz do quarto, at ento s escuras . Era o reitor. E ele com a bombaacesa na mo. O jeito foi jog-la. Dias depois, sua me recebeu uma carta,recomendando que o filho se ausentasse da faculdade por um ano, at que ficasse maismaduro. Jorge Paulo h tempos lhes d razo. Ele chegara faculdade com apenas 17anos, sado direto do Arpoador e, sinceramente, no gostava de Harvard naquela poca.Mas como a carta apenas recomendava a suspenso, resolveu voltar s aulas e concluiuo curso em apenas mais dois anos.

    Resolveu voltar, verdade, muito por influncia de um tio americano, que lhe dizia queHarvard era uma maravilha, sua grande oportunidade na vida etc. Quando Lemanncomeou a fazer sucesso nos negcios , esse tio no perdia a chance de lhe dizer: "T

    vendo como eu te fiz bem?". A vingana chegou 20 anos depois , quando Bill Gates,famoso por ter abandonado Harvard no primeiro ano, tornou-se o homem mais rico domundo. Jorge Paulo devolveu a provocao: "Viu quantos bilhes voc me custou?".

    Formado economista, Lemann foi para a Sua, estagiar no Credit Suisse. Mas aqui lotambm no era para ele. "Durou pouco. Era modorrento, eu lambia selo, atendia telefone,no es tava aprendendo nada", confidenciou ele uma vez. Convidado a jogar o campeonatosuo de tnis, pediu uma sem ana de licena ao banco. Resultado: ganhou o torneio, foiconvidado a representar o pas na Copa Davis e deu adeus ao es tgio.

    A melhor metfora para des crever Lemann nos negcios, para muitos , a comparaocom seu estilo no tnis. "Jorge Paulo jogador de fundo de quadra. No se aventura asubir rede para um voleio temerrio", afirma Luiz Cezar Fernandes, scio de primeirahora dele no Garantia. "Ele bate, rebate com efeito, nos cantos, deixando a platia tensa eo adversrio exausto. Controlado, aguarda o oponente impacientar-se e perder o ponto."

    10>>>FUNDO DE QUADRALemann comeou a jogar tnis aos 7 anos , no Country Club do Rio, levado pela me. Seuprimeiro professor, o chileno Jos Aguero, era uma figura marcante, um expatriado defeies indgenas que se revelaria uma extraordinria influncia. Deve-se a ele a lendriaresistncia de Jorge Paulo em dar entrevistas . Aguero sem pre lhe dizia: "quem joga para aplatia no ganha o jogo. E o seu negcio ganhar o jogo". Ele nunca se esqueceu daadvertncia. E passou a vida ganhando jogos, sobretudo no mundo dos negcios, semdar muita bola para a audincia.

    Apesar do nome, o Country Club bem urbano. Fica em Ipanema e tradicionalmente umdos mais exclusivos do pas, quela poca freqentado principalmente por estrangeirosbons de bero. Jorge Paulo ganhou campeonatos infantis na virada dos anos 40 para os50 e tornou-se campeo brasileiro juvenil aos 17 anos. Depois do breve perodo em quebrilhou na Sua, podia ter se profiss ionalizado. Sua explicao de por que no seguiucarreira no esporte reveladora de uma personalidade ambiciosa. "Pelo tanto que jogava,

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    percebi que dificilmente estaria entre os dez melhores do mundo. Resolvi parar. Percebique no seria um astro", disse ele, no pass ado, revista Tnis Brasil. Mas Lemann noparou por ali . Jogou a Davis de 1972, des sa vez pelo Bras il, e foi cinco vezes campeobrasi leiro. A ltima das finais que venceu, em 1975, seu jogo favorito - a vitria sobreFernando Gentil em uma partida de seis horas, em que es te saiu perdendo por dois setsa zero, justamente no Country Club. Mais tarde, aos 47 anos, Lemann ganharia o mundialde veteranos. Com o estilo de sempre. "Ningum consegue chegar nessa idade econtinuar trocando trs horas de bola com um chato como eu."

    Seus parceiros de tnis o definem como um sujeito cerebral, "uma pedra de gelo naquadra", que tem como principal golpe uma "esquerda" violenta. "Ele era capaz de virar umogo que o gins io inteiro j dava como perdido, tamanha s ua concentrao na quadra",afirma o ex-tenista e atual treinador Carlos Alberto Kirmayr, amigo de longa data deLemann. Kirmayr sentiu na pele o estilo de jogo gelado e o backhand poderoso deLemann, na final do campeonato brasileiro de 1971. "Perdi por 3 sets a 2, num jogo decinco horas", diz. "Dei o troco dois anos depois , devolvendo os 3 a 2 no Brasileiro de 73."

    Outro colega das quadras, Nelson Aerts, ex-campeo bras ileiro e panamericano de tnis,narra um episdio que retrata a obsesso por resultados do futuro banqueiro. No Rio deJaneiro dos anos 70, Lemann no encontrava sparrings altura para treinar fundamentos.Decidiu, ento, usar o bom e velho paredo para aprimorar seus golpes. "O normal seriaficar duas, trs horas no paredo, mas ele passava o dia inteiro golpeando a bolinha

    contra o muro", afirma Aerts.

    Kirmayr e Aerts so hoje parceiros de Lemann em projetos de apoio ao tnis . O primeirotoca um programa vinculado ao Instituto LOB do Tnis Feminino, cujo principal objetivo colocar uma menina brasileira entre as 100 melhores tenistas do mundo. No InstitutoTnis, presidido por Aerts, as digitais do empresrio es to em dois programas : o dedesenvolvimento de crianas para a prtica do tnis e o de aprimoram ento de potenciaistalentos do esporte.

    Menos por seus dotes em quadra do que por seu mecenato fora dela, Lemann tem entreseus fs ningum menos que Gustavo Kuerten. O maior tenista brasileiro de todos ostempos no viu Jorge Paulo jogar. Mas o considera "de extrema importncia" para a

    modalidade. "Ele vem investindo no tnis h muitos anos, e eu diria que um dosprincipais apoiadores do esporte no pas", afirma Guga.

    Em 1994, Lemann sofreu um infarto. A partir da, reduziu cons ideravelmente o ritmo nosesportes e no trabalho. Voltou-se mais para a famlia. Vive hoje numa casa ampla nosarredores de Zurique, com a mulher, Susanna, e seus filhos com ela. At hoje, verdade,oga tnis sempre que est em casa, na Sua ou no Brasil, costumeiramente s 6h30 damanh. E s viaja carregando suas raquetes - sempre da marca Wilson, atualmente domodelo K-Factor, o mes mo us ado pelo suo Roger Federer. Apesar da fortuna de quaseUS$ 6 bilhes, Lemann segue desprezando o luxo exibicionis ta. "Ele gosta de coisa boa,mas no rasga dinheiro", afirma o tenista Css io Motta, outro ex-campeo amigo doempresrio. Riqueza para ele, ter tempo para fazer o que gosta.

    Logo depois da venda do Garantia para o Credit Suiss e, em 1998, o empres rio relatou revista poca a seguinte histria: "H cerca de um ms, jantei em Bos ton com WarrenBuffett [o investidor que hoje o homem mais rico do mundo, com uma fortuna de US$ 62bilhes , e naquele tempo j era o segundo da lis ta, atrs de Bill Gates]. No jantar, ele meperguntou como me sentia em relao negociao do Garantia. Eu disse que estavabem e preferiria tentar ser mais Warren Buffett e menos Sandy Weill, Jon Corzine ou JohnReed [chefes do Travelers, Goldman Sachs e Citibank]. Buffett me perguntou por que, eeu disse que ele tinha mais senso de humor, mais domnio sobre o prprio tempo e eramais rico. Ele respondeu da seguinte forma: 'Ento vou mostrar como s ou rico'. Puxou dobolso a agenda, folheou algumas pginas, quase todas em branco, e diss e: 'Veja comosou rico. Olhe quanto tempo tenho para fazer o que quero, quando quero.'"

    11>>>O GRANDE LABORATRIOOs conceitos, as prticas e as idioss incrasias formuladas ao longo de anos no Garantiaencontraram seu verdadeiro campo de provas na Brahma, quando a cervejaria carioca foicomprada por Lemann, Telles e Sicupira, em novembro de 1989. quela altura, a Brahma,embora um pouco maior, era uma companhia pior adminis trada do que a Antarctica. Seulucro antes de impostos , por exemplo, era de apenas 10%, ante 17% da rival paulis ta. Sua

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    Marcel Telles, um caadorde talentos, afirma quegostaria de ser lembradocomo "um cara que sempredeixou um monte de gentemelhor do que ele nos

    lugares por onde passou"

    margem operacional, de meros 8%, em comparao a 26% da concorrente.

    Nomeado executivo-chefe da cervejaria, Marcel deixou a segurana do banco paraenfrentar o desconhecido, acompanhado de apenas quatro funcionrios. De cara, cortouos carros cedidos pela empresa aos diretores. Acabaram as diferenas de classe norestaurante da empresa, as salas individuais para os executivos e as secretriasparticulares. Todo funcionrio passou a ser classificado em uma de quatro categorias:adequado, competente, superior ou excelente. Apesar do tamanho da empres a, em poucotempo um jovem talento podia entrar no radar da cpula, passando a fazer parte do grupodos "indispensveis".

    Um dos primeiros a entrar para ess e clube foi um aplicado e discreto engenheiromecnico chamado Carlos Brito. Ele chegou com Marcel, teve alguns meses paraconhecer a companhia e rapidamente foi encarregado da gerncia geral da fbrica deAgudos , no interior de So Paulo, ento a maior entre as 23 da Brahma. Foi consideradoexcelente na funo e ganhou oito salrios de bnus j no primeiro ano. Antes de chegar cervejaria, Brito trabalhava na Shel l e sonhava com um MBA em Stanford. Um dia, na caradura, ligou para o Garantia e conseguiu agendar uma reunio com Lemann em pessoa.Disse que queria fazer o curso e precisava de US$ 22 mil. O ento banqueiro topoufinanci-lo, marcou aquele nome em seu caderninho e lembrou dele quando comeou acomprar empresas no financeiras. Brito pass ou dois m eses na Lojas Americanas antesde entrar na Brahma. De onde nunca mais saiu. Trabalhou em finanas, operaes e

    vendas, antes de s er nomeado pres idente-executivo do que j era a AmBev, em 2004.Com a criao da InBev, naquele mes mo ano, assum iu brevemente o controle dasubsidiria americana da companhia. Em 2005, chegou presidncia do grupo todo. Etratou de levar a "cultura Garantia" para a matriz, na Blgica.

    Hoje, nas reunies de conselho da InBev, analisa-sepessoa a pessoa nas principais funes decomando. E apontam-se substitutos para cadaposio. "Temos 85 m il funcionrios, mas 250 soos que realmente fazem a diferena. Essas pessoasso geridas de modo dis tinto, porque ns queremoster certeza de que esto animadas e no vo deixar a

    companhia", afirmou Carlos Brito, em uma palestraque proferiu em Stanford em fevereiro. "Enquantoalgumas empresas preferem contratar empregados em meio de carreira, a InBev buscarecm-formados e os molda para a liderana", disse ele na mesma ocasio. "Lderespodem s er formados, podem s er treinados, podem aprimorar suas habilidades." A AmBevhoje no s forma como exporta executivos. Quarenta e seis deles esto na Europa, 16 naAmrica do Norte, cinco na sia e 42 nos pases da Amrica Latina onde a cervejaria estpresente. S no conselho da InBev so quatro brasileiros , incluindo Brito.

    Antes de serem treinados e aprimorados, futuros lderes precis am ser recrutados - e aest um dos diferenciais mais consistentes da poltica de RH inaugurada na Brahma.Todo ano, a FGV sedia a "Semana de Recrutamento", quando vrias empresas seapresentam para divulgar programas de estgio. As palestras dos representantes dascompanhias s o formais , muitas vezes chatas. Diretores engravatados e executivas detailleur ocupam as cadeiras atrs da bancada de madeira de lei do Salo Nobre, projetamapresentaes e, s vezes, vdeos corporativos. Na sada, entregam fichas de cadastro. Asde Marcel Telles , em nom e da Brahma, da AmBev ou da InBev, so bem diferentes - ereverberam durante dias nos corredores da faculdade. Para comear, em vez de umdiretor de RH, quem se apresenta o presidente e um dos principais acionistas. Com oauditrio abarrotado por estudantes sentados ou em p, ocupando todos os espaoslivres, o empresrio chega sorridente, de cala e camisa jeans, senta-se sobre a mesa edispara algo como: "E ento, preparados para colocar o seu na reta? Porque sobre iss oque vim falar aqui. Procuramos pessoas dispostas a colocar na reta". Gargalhada geral.Marcel ganhou a platia, que ouve atenta o desfiar de nm eros que ele apresenta naseqncia, antes de explicar o sis tema de remunerao varivel. As fichas de cadastro

    so avidamente preenchidas e a empresa est garantida por mais um ano no topo dalista das companhias em que os estudantes gos tariam de trabalhar.

    Quem for selecionado, no perder Marcel de vista, enquanto estiver dando res ultado.Tradicionalmente na AmBev e mais recentemente na InBev, todo ms de dezembro marcado por um caf-da-manh em que os conselheiros da companhia recebem um

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    grupo de trainees. Os encontros so sempre s 8 horas da manh, antes da reunioformal do conselho de adminis trao. Lemann, Marcel e Beto participam de todos. Se areunio , por exemplo, em Toronto (sede da Labatt, brao canadense da AmBev), JorgePaulo manda levar seis ou sete estagirios para l. Um jovem recm-formado tem de termuita personalidade para se sair bem em um evento desse tipo. Mas Lemann gosta degente ambiciosa mesmo. Quem j o teve como entrevistador em um processo seletivoprofiss ional por certo ouviu perguntas como "qual a sua meta pessoal?" ou "onde vocquer chegar?". Ele diz que, nessas ocas ies, procura o "brilho nos olhos".

    Marcel, por sua vez, afirma que gostaria de ser lembrado "como um cara que sempredeixou um monte de gente melhor do que ele nos lugares por onde passou". Disse is so apoca NEGCIOS em pleno camarote da Brahma no s ambdromo carioca, no domingode Carnaval. Seu estilo a personificao da simplicidade bem-sucedida Garantia.Bermuda azul e a obrigatria camisa da cervejaria. Tnis de corrida sem meia. Alm debronzeado, Marcel est mais magro do que nos tempos da AmBev. Em compensao, oscabelos e a barba esto mais brancos. Vendo os desfiles das escolas de samba com osbrasi leiros da AmBev e os belgas da Interbrew, Marcel se faz absolutamente dis ponvel aqualquer um - e procurado sobretudo pelos mais jovens.

    Carioca como seus dois principais scios, aparentando bem menos que seus 58 anos,Marcel Hermann Telles filho de um piloto da aviao civil e de um a dona de casa. Seuinteresse pelas finanas foi despertado quando cursava economia na Universidade

    Federal do Rio de Janeiro. "Descobri que meus amigos que andavam com terno bacana emoto m elhor trabalhavam no mercado financeiro", diz, no livro da Endeavor. Recrutado porLuiz Cezar Fernandes, descobriu seu mtier assim que teve a primeira chance numamesa de operaes. Em pouco tempo, assumiu o comando de toda a rea decorretagem, que respondia pela metade dos negcios do Garantia quando este foitransformado em banco de investimento. Trader de uma casa considerada extremamenteagressiva, defendia que preciso ser ousado e tomar decises arriscadas, desde que seconhea profundamente o mercado onde se est atuando. Para ele, perder faz parte doogo. Desde que se aprenda com o prejuzo.

    Quando assumiu a direo da Brahma, Marcel no sabia nada sobre cervejas. Seusegundo em comando, Magim Rodrigues, ex-presidente da Lacta, era fera em chocolates,

    mas tambm no estava familiarizado com malte, lpulos e botequins. Logo nosprimeiros meses, a dupla visitou as melhores cervejarias da Alemanha e dos EstadosUnidos - incluindo um quase estgio, inspirador, na Anheuser-Busch, seu principalbenchmark. Desde ento, Marcel professa uma fidelidade quase doentia s marcas quecontrola. No admite que produtos concorrentes sejam consumidos por seus funcionriosnem por sua famlia. Antes da criao da AmBev, ele dizia aos filhos , ento bempequenos , que no tomassem Guaran Antarctica porque a bebida tinha xixi misturado.Depois da fuso com a antiga rival, no foi fcil convencer os meninos de que orefrigerante agora era seguro. Reza a lenda que mais de um candidato a uma vaga naBrahma, convidado para um almoo-entrevista com executivos da empresa, perdeu oemprego por um deslize na hora dos pedidos. Ao inadvertidamente escolher uma Coca-Cola para acompanhar a comida, ouviu a sentena: sua entrevista acaba aqui.

    12>>>QUALIDADE TOTALA cultura de dono tirada do Goldman Sachs, as lies do bom marketing am ericano e astcnicas de cervejaria alems no explicam todo o sucesso da Brahma. O que levou a"cultura Garantia" ao estgio seguinte e a tornou transplantvel para empresas depraticamente qualquer setor foi o sistema de produo japonesa. Quem o explica, numaconversa informal no lobby do Hotel Hilton de So Paulo, o consultor mineiro VicenteFalconi, criador do INDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial).

    Formado em engenharia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Falconi fez mes tradoe doutorado nos Estados Unidos na virada dos anos 60 para os 70. Voltou para o Brasilem 1972, com teses publicadas sobre controle de processos e uma paixo por modelosmatemticos supos tamente capazes de melhorar o desempenho de fornos siderrgicos.

    J em sua primeira experincia prtica, porm, aprendeu na Acesita que modelosmatemticos puros no funcionam, por indisciplina dentro da empresa. "Eu ainda nosabia que dis ciplina ges to", diz. Por volta de 1978, Falconi comeou a estudar aliteratura sobre programas de qualidade, quela altura dominada por autores japoneses.Depois de anos batalhando uma bolsa cientfica, o futuro consultor finalmente ps os psno Japo, em 1984. Encontrou fbricas mais ou menos iguais s brasileiras. Mas

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    A AmBev adicionou cultura do Garantia sistemasde qualidade total deinspirao japonesa,

    introduzidos na empresa porVicente Falconi, do grupoINDG

    descobriu um "outro mundo" em termos de sis temas. Falconi iniciou uma relao estreitacom o Japo. Que o levaria a es crever cinco livros sobre o tema qualidade total, entre 1989e 1996.

    "Um belo dia, na escola de engenharia em Belo Horizonte, aparece do nada o MarcelTelles, de jeans e camiseta, procurando por mim", diz Falconi. Eram os ltimos dias de1991, poca de preos controlados pelo governo Collor. Marcel acabara de voltar de umareunio em Braslia com Dorothea Werneck, a coordenadora das Cmaras Setoriais que,entre outras coisas , geriam o famigerado "tabelamento". No encontro, Dorotheacondicionou um aumento nos preos da cerveja a que o executivo fosse procurar Falconi -e tratasse de aprender alguma coisa sobre produtividade. Dias depois, o consultor fezuma apresentao, no Hotel Sheraton do Rio, para toda a cpula da Brahma. Marcelsentou na primeira fila e ficou o dia todo. A partir de ento, Falconi passou a fazerconsultoria para a Brahma. E levou vrios japoneses para ens inar aos cervejeirosbrasi leiros tcnicas de qualidade total. No incio de 1997, ele foi convidado por Marcel aingressar no conselho da Brahma.

    O embrio do hoje famoso Oramento Base Zerosurgiu cerca de um ano depois, com o ProgramaVolta s Origens, organizado em torno de uma metade reduo de custo de R$ 100 milhes. Ao final de1998, numa reunio de conselho, Lemann quis

    saber qual havia sido a economia conseguida com otal programa. Para espanto geral, no se sabia arespos ta exata. Imediatamente, Marcel acionouFalconi e o tambm cons ultor Gustavo Pierini, ex-

    McKinsey, ex-Garantia e ex-GP Investimentos, que mais tarde atuaria no processo defuso da Antarctica com a Brahma. Gustavo props mtodos de planejamento para areduo de custos das vrias fbricas e da matriz. Falconi acrescentou mtodos paraexecuo e verificao das economias - "sem um s istema que em sete dias teis temos tra o resultado do ms anterior, esquea, no tem corte de custos", diz ele. Estavacriada uma ferramenta operacional genuinamente brasileira que em dez anos estariaconsagrada como modelo de excelncia em controle de custos.

    Tradicionalmente, as empresas costumam inspirar-se no oramento do ano anterior eaplicar-lhe ndices de reduo para montar o do ano corrente, sem saber se o valor decada despesa corresponde realidade daquele momento. Com o Oramento Base Zero(ou simplesmente OBZ), parte-se s empre do zero, estudando as despesas uma por umapara identificar possveis excessos (ou carncias) nos gastos de cada item. Isso vale paratudo: compra de insumos, aquisio de material de escritrio ou gesto de serviosterceirizados. No por acaso, surgiram nos escritrios da Brahma especialistas em itenscomo transporte, aluguel, iluminao e gua. So consultores internos altamenteespecializados, conhecidos at hoje como Boinas Verdes. "Somos totalmente paranicoscom o controle da gesto. Mesmo nas melhores horas, estamos apertando os custos", dizMarcel, no livro Como Fazer uma Empres a Dar Certo em um Pas Incerto. "Quando ficarruim, eu tenho certeza de que a gua vai subir, mas vai afogar o outro, o competidor, antesde chegar minha boca."

    A rigidez no controle de custos fez da Brahma um a empresa excepcionalmente forte emprocessos. Em seus primeiros anos frente da cervejaria, Telles fechou fbricasdeficitrias, reduziu quase metade o quadro de pessoal, redefiniu funes, fundiuatividades , agilizou a distribuio, visi tou pontos-de-venda, negociou com fornecedores eparceiros e investiu pesadamente em publicidade. Em 1998, ltimo ano antes do incio doprocesso de fuso com a Antarctica, a Brahma havia deixado sua histrica concorrentevergonhosamente para trs. Seu lucro lquido era de R$ 329,1 milhes, ante R$ 64,2milhes dos paulis tas. Em 1999, um ano complicadssimo por causa da desvalorizaodo real, o faturamento da Brahma foi mais do que o dobro do da Antarctica: US$ 7 bilhes,ante US$ 3,3 bilhes. A cervejaria, que custara US$ 60 milhes turma do Garantia dezanos antes, valia ento R$ 3,7 bilhes. A Antarctica, parada no tempo, foi sim plesmente

    atropelada.

    Victrio de Marchi, co-presidente do conselho da AmBev desde o anncio da fuso, era oprincipal executivo da Antarctica em 2000. quela altura, ele garante, a cervejaria paulis ta iniciara uma reviso de seus mtodos gerenciais familiares. "A Brahma, no entanto,comeou um pouco antes. E j tinha percorrido o dobro da dis tncia", afirma Victorio. Por

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    Infogrfico_Gabriel Silveira

    exemplo: na Antarctica havia casual friday, enquanto na Brahma j no se usava terno egravata em nenhum dia da semana.

    ESTRADA DA VIDALemann foi surfista, tenista, corretor e banqueiro, antes de virar empresrio e filantrop

    13>>>SEM GRAVATA, SEM PAREDES

    O executivo Magim Rodrigues, que se tornaria o primeiro presidente da Ambev, um timoexemplo do que a mudana de guarda-roupa pode fazer por um executivo. Em seu tempode Lacta, ele s era visto de palet e gravata. Era um senhor ligeiramente encurvado.Aparentava ser uns 20 anos mais velho do que quando res surgiu na Brahma, no estilomangas de camisa celebrizado pelo Garantia.

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    Desde o incio, Lemann imps em seu banco o predomnio do coletivo sobre o individual.A mensagem a transmitir era de que o resultado dependia igualmente de todos: dele aomenos graduado dos funcionrios de retaguarda. por isso que nunca vestiu-se terno egravata dentro do Garantia - a no ser para reunies com certos clientes ou parceiros.Tambm no devia haver no banco a figura do chefe inacess vel. Por isso, os escritriosdo banco eram grandes sales sem divisrias e mesmo os scios-diretores no tinhamdireito a s alas fechadas. No j mencionado documento Nossa Filosofia, h uma s ntesede como a simplicidade era cultuada no Garantia: "Nossa organizao objetiva, simples,informal e comunicativa. Fazemos as coisas com muita objetividade. O que pode ser feitode maneira s imples melhor". Mais de 30 anos depois , Brito abordou o tema na s uapalestra em Stanford: "Ns no temos jatos da companhia. Eu no tenho um escritrio.Divido minha mesa com meus vice-presidentes. Eu sento com meu cara de marketing minha esquerda, meu cara de vendas minha direita, meu cara de finanas na minhafrente".

    A CULTURA GARANTIAComo os estilos de Sam Walton e Jack Welch inspiraram um modelo de gesto dos m

    DE ONDE VEIOGOLDMAN SACHS - De l s aram a meritocracia e o sis tema de partnership, que transfordo banco

    WAL-MART - Do fundador da rede, Sam Walton, Lemann abs orveu a cultura da frugalidadao corte de custosGENERAL ELECTRIC - Os relatrios da GE eram a bblia do Garantia. Lemann e seus sciencontravam sobre Jack Welch

    O QUE

    CULTURA DE DONO - A idia que cada funcionrio deve se sentir dono da empres a. Parpara decidir, responsabilidade pelo resultado e participao nos lucros

    SIMPLICIDADE - Salas sem paredes, roupas informais e poucos nveis hierrquicos. Tudsimples e rapidamente

    PRMIO E CASTIGO - A meritocracia se d pela criao de metas para tudo. No h limitedos que as superam

    CAA AOS GASTOS - "Ser paranico com custos e despesas, que so as nicas variveiajuda a garantir a sobrevivncia no longo prazo", diz um dos 18 mandamentos da "cultura

    PARA ONDE FOIA GP, firma de investimentos em participaes criada por Lemann, comprou mais de 30 eSubmarino. Todas elas praticam a "cultura Garantia"

    A Brahma, comprada pelo Garantia em 1989, deu origem AmBev e levou a cultura do basuas prticas de gesto so influentes na matriz belga da InBev

    O modelo de meritocracia rigidamente medida e regiamente remunerada tornou-se padrinvestimento brasileiros, a comear pelo Pactual, criado por um ex-scio do Garantia

    O foco no lucro do acionista, a remunerao varivel de executivos e o Oramento Base Zno modelo de gesto de algumas das melhores empresas nacionais de capital aberto

    14>>>O HOMEM QUE COPIAVALemann despontou no cenrio empresarial brasi leiro no momento exato, os anos pr-abertura de mercado. Ou seja, no contexto histrico de um capitalismo tardio. ParaThomaz Wood Jr., professor de adminis trao na FGV, o que sucedeu no caso da Brahmafoi a migrao de um estilo gerencial tpico do setor financeiro e das empresasamericanas de capital aberto para uma grande empresa industrial local. "O quecaracteriza esse es tilo gerencial o foco no resul tado de curto prazo e uma atituderacionalista sobre gesto, processos e pess oas", afirma Wood. No Brasil do incio dosanos 90, isso soava novo.

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    Uma coisa a reter quando sediscute o legado de Lemanne seus scios diz respeito autoria: as idias quasenunca so deles. Aespecialidade do trio copiar bons exemplos

    Um ponto a reter quando se discute o legado de Lemann e de s eus parceiros de negciosdiz respeito autoria: as idias quase nunca so deles . "O Jorge Paulo no um gnionuma torre de marfim", afirma Cludio Haddad, hoje presidente do Ibmec So Paulo. Umadas caractersticas mais marcantes da "cultura Garantia" sua sem-cerimnia em copiarbons exemplos. "A grande vantagem do Brasil que voc pode copiar o que es t sendodesenvolvido em outro lugar e fazer aqui. Pode copiar tudo, no precisa ficar reinventandoa roda", disse uma vez Beto Sicupira. "O que ns fizemos a vida toda? S copiamos. Noinventamos nada, nada. Ainda bem. Inventar coisas um perigo danado." No por acaso,implementar (e no criar ou inovar) a palavra preferida no circuito Garantia. "Vale muitomais uma lgica boa, uma execuo boa, do que qualquer inovao brilhante", disseLemann, anos atrs. "Voc tem de se preocupar com a inovao. Mas s e tem algumfazendo bem, melhor no gastar muito tempo procurando como fazer. Vai l, olha e adaptada sua maneira, e pronto."

    No Brasil das dcadas de 70 e 80, a busca de benchmarks e a replicao de boas idiasalheias no era algo trivial. Bastava a cultura da famlia controladora. Quando muito,traziam-se elementos operacionais de fora, mas no sistemas de governana.Transformar funcionrios em acionis tas, por exemplo, era uma tremenda novidade. Algoque s existia em firmas de advocacia. Uma novidade que motiva Fersen Lambranho, daGP, a fazer uma previso ousada: "Daqui a seis sculos, quando algum escrever umnovo Razes do Brasil , o nome do Jorge vai aparecer. Na Amrica Latina inteira no temmeritocracia. No Brasil, graas a ele, tem. Isso vai nos diferenciar de forma brutal".

    O desejo e a capacidade de Lemann de se destacarna arena internacional entusiasmam s eusadmiradores. "Jorge Paulo vai ser lembrado comoum dos empresrios que levaram o Brasil para omundo", diz Bonchristiano, da GP. Por outro lado, odesprendimento de homens de negcio que hojemoram fora do Brasil, tm a sede de sua principalempresa na Blgica e fizeram histria adquirindo ereformando companhias com problemas desagrada

    seus crticos mais severos. "O Lemann um comerciante. Ele bom de comprar e venderempresas . No sei se sabe cons tru-las", afirma o ex-ministro Antnio Delfim Netto. Tanto

    na academia como no m eio industrial, h quem defenda que os homens do Garantia nomerecem ser chamados de empresrios. Por sua origem no mercado financeiro, seriammeros financistas ou investidores. Especialistas em tornar lucrativas empresas malgeridas, e no em construir companhias para o futuro.

    Jos Olympio, do Credit Suisse, discorda do us o do rtulo "financista" para descreverLemann. " muito estreito para ele. O Jorge Paulo um criador de organizaes", diz.Discorda, tambm, da idia de que empresrios para valer so apenas industriais, comoos Ermirio de Moraes ou os Gerdau Johannpeter, que construram do zero slidosimprios de cimento e ao. "O Jorge Gerdau e o Jorge Lemann so dois dos empresriosbrasileiros que eu mais admiro. Para mim, so do mesmo nvel", afirma. "A diferena que o Lemann um revolucionrio. Ele promoveu uma revoluo cultural dentro docapitalismo bras ileiro."

    Para Jos Olympio, Lemann j uma figura histrica, talvez comparvel ao Baro deMau. Do nvel dele, hoje, como exemplo de empreendedorismo, s haveria umempresrio: Eike Batista, dono da EBX e de uma fortuna ainda maior do que a do fundadordo Garantia, avaliada pela Forbes em US$ 6,6 bilhes. "O Eike hoje um revolucionrio,no sentido de pensar muito grande e empreender em ritmo alucinante", diz. "E nasempresas dele tem muita cultura Garantia: sis tema de sociedade, atrao dos melhores,aposta numa garotada muito boa."

    Lemann naturalmente tem suas preferncias, brasileiros pelos quais se mede. AmadorAguiar, o fundador do Bradesco, o que mais o entusiasma. Por ter criado uma culturaempresarial fortssima e um banco lder de mercado, que sobrevivem h dcadas sem

    ele. Jorge Paulo o considera subestimado. Ele prprio se v como formador de umacultura influente para muitas empresas . E no como a maioria de seus pares noempresariado brasileiro, julgados pelo patrimnio que conseguiram construir e deixarpara seus herdeiros. Mas Lemann parece ser sincero quando diz, em crculos ntimos,que no se considera dono da "cultura Garantia". E que seu maior mrito teria sidoconhecer seus pontos fracos e se cercar de gente melhor do que ele para compensar tais

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    Amador Aguiar, o fundadordo Bradesco, o lderempresarial brasileiro maisadmirado por Lemann. Elecriou uma cultura austeraque prescinde dele

    deficincias.

    Melhor, note bem. E no descendente, herdeiro ou apadrinhado. Nunca ningum dafamlia Lemann trabalhou nas suas empresas como executivo. Jorge Paulo tem aconvico de que, no momento em que familiares entram na meritocracia, o modelo sedistorce, se corrompe.

    15>>>DO RIO AT MOSCOUDesde muito cedo, a "cultura Garantia" se dissem inou do banco para o mercado. BetoSicupira fez o primeiro movimento, ao levar o modelo de organizao para a LojasAmericanas em 1982. No ano seguinte, Luiz Cezar Fernandes deixou o Garantia depois de12 anos para criar seu prprio banco, o Pactual, imagem e semelhana da instituioconcebida por Lemann. A partir de ento, todos os bancos de investimento brasileirosemularam, com maior ou menor nfase, o modelo Garantia: Icatu, Bozano Simons en,Matrix... O prprio Credit Suiss e, que comprou o banco de Lem ann em 1998, mantevemui to de sua cultura. Folclrico, porm verdadeiro, o caso do banco russo RenaissanceCapital, que ass umidamente se inspirou no brasileiro Garantia, muito antes de o termoBric unir os dois pases. Um ex-Garantia que esteve l nos anos 90 diz que o escritrio-sede, em Moscou, era idntico ao da "matriz".

    Em 1989, o mes mo software comeou a rodar na Brahma - e depois na AmBev, e por fimna InBev. A influncia cultural dos bras ileiros na InBev o que os es pecialis tas chamam

    de "movimento reverso" - a estratgia mais rara de fuso, porque pressupe aconscincia do comprador de que o prprio modelo de gesto no o mais adequadopara o futuro. A psicloga Betania Tanure, profess ora da Fundao Dom Cabral, estudou aAmBev de perto e se arrisca a dizer por que a sua cultura predominou. "A Interbrew umaorganizao absolutamente vencedora. No obstante, entendeu que corria o risco dosubdesempenho", diz. "Ela tinha um estilo mais conservador, mais lento. E o mundoestava pedindo outra coisa."

    Agora, o mundo parece demandar mais velocidade e foco da americana Anheuser-Busch,que aos poucos vai sendo atrada para a rea de influncia da InBev. Em um relatrio deulho passado, analistas do setor de bebidas do Citigroup, em Nova York, estimaram em70% a chance de uma fuso entre as duas cervejarias ocorrer nos prximos dois anos,

    criando um colos so com 25% do mercado mundial. "Numa unio InBev-Anheuser, a novamegacervejaria se beneficiaria da agressiva equipe brasileira de vendas e marketing dodiretor-presidente da InBev, o brasilei ro Carlos Brito", afirmou o dirio am ericano WallStreet Journal.

    Marcel Telles vem promovendo h algum tempo um esforo de aproximao com a famliaBusch, que, apesar de deter apenas 4% das aes da Anheuser, ainda exerce umatremenda influncia na companhia. O principal herdeiro da Anheuser, August Busch IV, jesteve no camarote da Brahma, a convite do bras ileiro, para apreciar o Carnaval carioca. um ritual de acasalamento promissor. Os belgas da Interbrew tambm freqentaram"informalmente" a Marqus de Sapuca em 2002 e 2003. No ano seguinte, nasceu a InBev.No h confirmao oficial do interesse de Lemann pela Anheuser. Mas quem o conheceaposta na concretizao do negcio. "Ele no vai soss egar enquanto no comprar aBudweiser", diz Bonchristiano, da GP.

    Se comprar uma grande empresa americana o"sonho de consumo" de Lemann, um importanteprimeiro passo foi dado na virada do ano. O 3G,fundo formado com recursos dele, de Marcel e deSicupira, comprou um naco de 8,3% da ferroviaamericana CSX, com sede na Flrida, por US$ 1,5bilho no final do ano passado. O parceiro deles noinvestimento o TCI, The Children's Investment,

    fundo ativista pelos direitos dos minoritrios que ficou mundialmente conhecido por"denunciar" a incompetncia dos gestores holandeses do ABN Amro e detonar o processo

    que culminou com o desmembramento do banco e a venda de suas partes. Conformeesperado, um questionamento similar foi lanado contra a administrao da CSX, umgrupo de US$ 17 bilhes com aes pulverizadas na Bolsa de Nova York. Se a cpulaamericana da empresa cair, a adminis trao tem boas chances de parar em m osbrasi leiras . O trio do Garantia j tem at o nome para assum ir a companhia: AlexandreBehring, o executivo que pres idiu a ALL de 1998 a 2004 e fez dela a maior operadora

  • 7/23/2019 Epoca Negocios - O Legado de Lemann

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    13/03/13 poca Negcios - EDG ARTIGO IMPRIMIR - O legado de Lemann

    epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDR82833-8374,00.html 21/25

    O FILANTROPO Jorge Pauloem uma rara apario pbli ca.O empresrio mantm aFundao Lemann desde 2002,para investir em projetos demelhoria da educao pblicano Brasil

    ferroviria da Amrica Latina.

    Parte do portflio de investimentos pessoais de Lemann, Marcel e Beto, a ALL um dosprincipais casos de sucesso da GP Investimentos, a firma de private equity que funcionacomo o principal vetor de diss eminao da "cultura Garantia". Criada em 1993, pelo trio epor um quarto scio chamado Roberto Thompson, a GP nasceu para replicar emempresas de mdio porte as experincias da Lojas Americanas e da Brahma. O grupoinicial de scios captou meio bilho de dlares no exterior, com o objetivo de comprarempresas em dificuldades, sane-las e vend-las com lucro. Um dos exemplos da faseinicial foi a rede de supermercados S, comprada e vendida em 1997.

    Ass im como o Garantia, a GP foi moldada de acordo com o conceito de partnership, umasociedade na qual os funcionrios poderiam s e tornar scios. Ao longo dos anos, osscios -fundadores foram reduzindo sua participao na firma, at encerr-la em outubrode 2004. Na poca, os investimentos de private equity da GP somavam US$ 1,3 bilho.Eles haviam comprado participaes em 32 empresas - entre elas ALL, Gafisa, Ig eTelemar -, das quais j haviam vendido 18. Uma nova gerao, liderada por Fersen eBonchristiano, assumiu o controle. Segundo a dupla, a cultura da companhia no mudounada desde ento. "A GP diferencia-se dos outros fundos de private equity porque tem atecnologia de ges to Garantia", diz Jos Olympio, do Credit Suisse. "A empres a que vendeparticipao GP no quer s dinheiro. Quer know-how de adminis trao."

    Por fim, h o INDG, de Vicente Falconi, que funciona como um brao de consultoria daAmBev. O ins tituto tem hoje cerca de mil cons ultores , sendo 250 no exterior, onde es t25% de seu faturamento. E, assum idamente, no faz outra coisa que no difundir o que lse chama "cultura AmBev". A Sadia - que no por acaso tem Falconi como conselheiro - uma das empresas que, sob orientao do INDG, est trabalhando, j h mais de doisanos, para montar sis temas s emelhantes de meritocracia. Marcel gosta da idia e abriu aAmBev para que a Sadia a visite e es tude seus processos. Ele e Beto Sicupira fazem partedo conselho do instituto, ao lado de empresrios como Jorge Gerdau e o prprio WalterFontana, da Sadia.

    Sicupira e Gerdau lideram um grupo de empresrios engajados em introduzir mtodosgerenciais de ponta no s etor pblico. "Meritocracia, remunerao varivel, Oramento

    Base Zero, tudo iss o est sendo levado para governos", diz Falconi. A administraoestadual de Minas Gerais es t mais adiantada nesse processo, mas os governos do RioGrande do Sul, de So Paulo, do Rio de Janeiro, de Alagoas, Sergipe e Pernambuco es totrabalhando com gesto, seleo de pessoas, reduo de custos e melhoria daarrecadao por meio de s istemas. No incio de fevereiro, o governo federal