dos campos por onde andei1 - uesb...1 dos campos por onde andei1... 2 3 sou natural da cidade de...
TRANSCRIPT
Dos campos por onde andei1... 1
2
Sou natural da cidade de Piripá, Bahia. Contudo, já na infância fui morar em 3
São Paulo. Durante essa estadia, residi com meus pais nas proximidades do centro 4
da capital e adquiri um sotaque bem paulista. Dizem que, quando eu retornei para a 5
minha cidade, eu ―puxava muito a fala‖, chamando meus pais de ―ô manhê..‖ ―ô 6
paiê...‖ e enrolando os ―erres‖. Ao ouvir essa história, ainda criança, achava 7
engraçado e ficava muito curiosa em perceber como a nossa fala se modifica a 8
depender do local onde moramos. 9
Passei um bom tempo novamente em minha terra natal e, por volta dos 12 10
anos, fui novamente para São Paulo. Desta vez, já não modifiquei a minha fala como 11
da outra. Entretanto, adorava perceber as diferenças dialetais entre as regiões. Na 12
escola, deparei-me com muitas gírias e expressões até então desconhecidas para 13
mim, como ―Caguetar‖ (denunciar alguém), ―pipoca‖ (pessoa que não cumpre com a 14
palavra), ―cabular a aula‖ (matar aula) e tantas outras tão interessantes. 15
Dessa vez fui morar na periferia. Por lá, conheci alguns vizinhos 16
pernambucanos. Novamente, chamou-me a atenção o seu modo particular de falar, 17
meio cantado e com expressões deliciosas: ―deixe disso, mulé‖, ―eita cabra macho 18
da gota‖, ―home, o cabra é feio que só bobonica‖. 19
Em torno dos 15 anos, retornei definitivamente para Piripá. Terminei o ensino 20
médio e fiz faculdade de Letras Vernáculas. Ao longo dos estudos acadêmicos, pude 21
conhecer um pouco a respeito das pesquisas realizadas sobre todas essas sutilezas 22
e (ir)regularidades da língua. Fui me interessando cada vez mais pela 23
Sociolinguística. 24
Além disso, sempre que viajava para algum lugar do Brasil tinha especial 25
atenção ao jeitinho de falar das pessoas. Fui colecionando ―sotaques‖, arquivando-26
os em minhas memórias. Rendi-me aos encantos dessa diversidade. 27
Após a conclusão da licenciatura em Letras, comecei a atuar como 28
professora no ensino fundamental e médio. Em determinada aula, comecei a discutir 29
com os alunos sobre a temática da variação linguística. Ao problematizar a fala de 30
―Chico Bento‖, mostrando aos alunos que o seu jeito de falar não pode ser 31
1 Em todo o corpo do trabalho, optamos pelo uso da 1ª pessoa do plural, com exceção das "Primeiras
palavras", por considerá-las fruto das experiências da mestranda, e também da "Análise da intervenção", pelo fato de a aplicação ser de responsabilidade da pesquisadora.
17
considerado ―errado‖, mas apenas outra possibilidade de dizer, fui surpreendida por 1
uma reação acalorada de uma discente. Ela dizia, muito nervosa, que ele falava 2
errado sim. Tentei acalmá-la e mostrar-lhe que o jeito de falar e a ingenuidade de 3
Chico eram justamente os responsáveis por tornar a personagem tão encantadora. 4
Naquele momento, percebi o quanto o preconceito linguístico está arraigado em 5
nossa sociedade e o quanto pode ser pernicioso. 6
Em função de todas essas experiências, quando iniciei o curso de mestrado, 7
já havia me decidido: queria investigar o modo como a variação era abordada em 8
sala de aula. Afinal, reações como a dessa jovem seriam fruto de suas experiências 9
escolares com os professores e livros didáticos? 10
Assim, dividi tal inquietação com a minha orientadora e nos dispomos a 11
analisar a problemática com base nos protagonistas do ensino, a saber: alunos, 12
professores e livros didáticos. Através disso, seria possível verificar as ervas 13
daninhas que têm asfixiado a interação verbal, impedindo a heterogeneidade de 14
florescer. 15
Convidamos a você, leitor, a sentar-se à sombra da árvore do conhecimento e 16
mergulhar nessa pesquisa conosco. Esperamos que essa leitura seja bastante 17
frutífera e possa lançar algumas sementes para uma perspectiva de ensino 18
culturalmente sensível. 19
20 21 22 23
24 25 26 27 28
29 30 31 32
33 34 35
36 37 38 39
18
INTRODUÇÃO 1
2
Os desdobramentos do conceito de gramática ao longo do tempo, desde a 3
concepção colonialista à elitista, cujo domínio é considerado sinônimo de status 4
social, fizeram com que parte considerável da sociedade desenvolvesse uma 5
concepção de escola como estrutura de transmissão do saber. Sua função maior, e 6
por vezes única, seria a de fixar um padrão de língua baseado na norma 7
considerada culta. 8
Ao lado dessa vertente, a discussão acerca da formação cidadã, em uma 9
acepção múltipla e heterogênea, calcada no respeito à diversidade e à identidade 10
cultural brasileira, tem ganhando fôlego entre muitos educadores da 11
contemporaneidade. Isso se deve muito ao fato de haver uma ascendente melhoria 12
no quadro de formação dos professores tanto da rede pública, quanto particular de 13
ensino, fazendo emergir novas formas de construção do conhecimento. Assim, para 14
além da formação acadêmica exigida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC)2, 15
grande parte dos docentes tem procurado se aperfeiçoar, através de programas de 16
especialização lato e stricto senso. 17
Nesse sentido, podemos dizer que, no âmbito da língua materna, em geral, 18
as salas de aula brasileiras contam, a rigor, com professores de um bom nível de 19
informação acerca do ensino, cujo arcabouço teórico compreende noções de 20
variação e mudança linguística, semântica e pragmática, análise do discurso, 21
práticas de letramento entre outros. Entretanto, apesar dessa formação, muitas 22
vezes, o ensino segue a trilha do conservadorismo exacerbado que limita o estudo 23
da língua a uma norma, impedindo a contemplação de um vasto horizonte de 24
possibilidades linguísticas. 25
Tal como um sol imponente sobre o céu, o português ilumina o infinito de 26
nossas interações. No entanto, ao longe, o olhar desatento vislumbra uma só forma 27
imperiosa e absoluta de uso. Mas uma visão mais atenta faz com que sejam 28
perceptíveis os diversos raios que dela se originam. São as diferentes normas a se 29
espalharem pelo solo da língua, fazendo brotar a heterogeneidade linguística. 30
2 A partir deste ponto, utilizaremos apenas a sigla MEC para referir-nos ao Ministério da Educação e Cultura.
19
Motivados por essa concepção solar de língua, na pesquisa apresentada, 1
estabelecemos como objeto de estudo a variação linguística no ensino de Língua 2
Portuguesa, em livros didáticos das décadas de 40, 80, 90, 2000 e 2010 e na 3
docência de uma professora aposentada e de uma em atuação. A partir dos quais 4
procuramos saber qual o tratamento dado a esse fenômeno em face aos 5
pressupostos da Sociolinguística. 6
Acreditamos que: a) embora haja um esforço docente no intuito de 7
problematizar a abordagem da Língua Portuguesa e de desatar o nós do ensino, 8
atrelado, durante muito tempo, à legitimação da variante padrão como única forma 9
aceita de interação, ainda perduram, em muitos contextos, posturas gramatiqueiras 10
e pseudo puristas; b) essas posturas desvirtuam todo o conhecimento linguístico 11
adquirido pelo educando em suas práticas sócio-interacionais e fazem emergir o 12
preconceito linguístico; 13
Isso posto, consoante Faraco (2008, p. 155), observamos, no ensino 14
hodierno, a presença de um normativismo e gramatiquice que redundam em uma 15
postura artificializante da língua. À gramatiquice chama-se o estudo da gramática 16
com fim em si mesma. Por normativismo, entende-se a atitude diante da norma culta 17
que não consegue apreendê-la como apenas uma das variedades da língua, com 18
usos sociais determinados, tomando-a como um monumento pétreo (invariável e 19
inflexível) e condena como erro todas as formas que não estão de acordo com 20
aquilo que está prescrito nos manuais que materializam a ―norma curta”, em uma 21
feliz metáfora de Faraco (2008, p.64). 22
Em virtude disso, consideramos que a realização deste trabalho torna-se 23
deveras importante. É preciso, pois, superar essa cultura do ―erro‖, por meio de um 24
trabalho culturalmente sensível que reconheça a heterogeneidade da língua e possa 25
ampliar o repertório verbal do aluno em vez de reduzi-lo a um único padrão: o 26
estabelecido pelos compêndios gramaticais. Isso implica em levar o sujeito a 27
desenvolver a sua competência comunicativa, bem como o domínio do uso das 28
operações linguístico-discursivas. Desse modo, em face às especificidades 29
intrínsecas a determinada situação sócio-interacional, ele possa estabelecer um 30
maior ou menor monitoramento de sua fala, lançando-se desta ou aquela 31
modalidade, conforme os objetivos que queira atingir. Assim, conforme Faraco 32
20
(2008, p. 100), o uso de uma ou outra variedade deve ser uma opção consciente e 1
não uma obrigação. 2
Para além do professor, outro componente significativo no cenário da 3
educação é o livro didático, o qual se constitui como o principal material de apoio 4
com que docente e aluno trabalham em sala de aula. Nele, aparecem conceitos 5
fundamentais para o estudo da língua e, por isso, é sumamente importante que 6
tenha uma abordagem funcional da Língua Portuguesa, calcada no respeito à 7
diversidade linguística. 8
Dessa sorte, fica-nos algumas questões: com base nesse aparato teórico-9
metodológico oriundo das discussões e reflexões acadêmicas, de que maneira o 10
fenômeno da variação e mudança linguística tem sido abordado no contexto da sala 11
de aula? Há ainda resquícios de uma postura normativa e ―gramatiqueira‖ ou o 12
ensino tem reconhecido e aceitado com respeito a heterogeneidade linguística? A 13
assunção de tal postura tem contribuído para disseminação preconceito ou para o 14
desenvolvimento de alunos enquanto cidadãos linguisticamente competentes? Qual 15
o tratamento dado à variação linguística no livro didático mediante o suporte da 16
teoria Sociolinguística? 17
E, nessa perspectiva, hipotetizamos que os estudos e discussões 18
desenvolvidas no esteio da Teoria Sociolinguística propiciaram a melhoria no 19
tratamento da variação linguística no ensino de LP. Apesar disso, o preconceito 20
linguístico é uma erva daninha ainda muito presente em nossa sociedade e também 21
em sala de aula. 22
Por certo, o perfil do professor atual encontra-se divido entre o gramatiqueiro, 23
que defende arduamente o ensino normativo de regras e nomenclaturas, e o 24
docente aberto à diversidade de usos da língua, que carrega consigo resquícios do 25
tradicionalismo. Em grande parte, o preconceito vem sendo combatido, entretanto, 26
quando se tratam de questões linguísticas, ele aparece com considerável força 27
também no exercício da docência. 28
Via de regra, o livro didático sobre o qual se debruça o aluno da 29
contemporaneidade oferece noções de variação linguística, notadas em capítulos 30
relativos ao tema. A despeito disso, muito embora haja um esforço em aplicar uma 31
metodologia vinculada aos estudos sociolinguistas, boa parte dos exercícios deixa a 32
21
desejar nesse quesito. Muitas vezes, o respeito à diversidade aparente na superfície 1
esconde estigmas e preconceitos em camada mais profunda. 2
Para Faraco (2008), 3
4
[…] nosso grande desafio, neste início de século e milênio, é reunir 5 esforços para construir uma pedagogia da variação linguística que 6 não escamoteie a realidade linguística do país (reconheça-o como 7 multilíngue e dê destaque crítico à variação social do português); não 8 dê um tratamento anedótico ou estereotipado aos fenômenos da 9 variação; localize adequadamente os fatos da norma 10 culta/comum/standard no quadro amplo da variação e no contexto 11 das práticas sociais que a pressupõem; abandone criticamente o 12 cultivo da norma-padrão; estimule a percepção do potencial estilístico 13 e retórico dos fenômenos da variação. (FARACO, 2008, p.182) 14
15
16
Por essa via, hoje, já não se pode conceber um professor que, diante da sua 17
realidade heterogênea da sala de aula e da complexidade da Língua Portuguesa, 18
não seja também um pesquisador. É preciso, pois, avaliar constantemente o fazer 19
pedagógico, estando atento às mudanças e discussões suscitadas em torno da 20
língua, do ensino e da aprendizagem. 21
Não obstante, é evidente a importância de se ter uma base sólida em relação 22
aos postulados da Teoria Sociolinguística, porém de nada adianta o conhecimento 23
sem a ação. É inadiável a assunção de uma postura pedagógica construtiva, que 24
faça vir à luz essa consciência linguística alcançada ao longo dos debates 25
produzidos na academia. É preciso ir além do construto teórico, é preciso construir 26
ações calcadas na valorização da diversidade e heterogeneidade da língua, na 27
desmistificação da norma padrão e não-padrão, do estigma e do preconceito 28
linguístico. 29
De acordo com tais pressupostos, traçamos alguns objetivos para esse 30
estudo. 31
Nosso objetivo geral é investigarmos o tratamento dado aos fenômenos de 32
variação e mudança linguística no ensino Língua Portuguesa, por meio de um viés 33
diacrônico, contemplando as décadas de 40, 80, 90, 2000 e 2010, em cuja 34
passagem temporal buscamos delinear a trajetória desse ensino em face ao 35
22
surgimento da Sociolinguística Variacionista, bem como das discussões por ela 1
propostas e apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). 2
Por seu turno, os objetivos específicos dessa pesquisa são: a) analisar, nos livros 3
didáticos de Língua Portuguesa das décadas de 40, 80, 90,2000 e 2010, do Ensino 4
Fundamental II, o modo como os textos e questões referentes ao fenômeno da 5
variação e mudança linguística são abordados; b) Comparar a abordagem da 6
variação e mudança linguística, feita pelo professor de Língua Portuguesa, no 7
Ensino Fundamental II, antes da implementação dos PCN à postura assumida após 8
esta divulgação; c) Verificar em que medida os capítulos e demais seções 9
destinadas à variação e à mudança linguística têm contribuído ou não para o 10
desenvolvimento de uma competência sócio-comunicativa do educando; d) Verificar, 11
através de entrevista com um professor aposentado, qual era sua postura em 12
relação à variação linguística; e) Comparar essa entrevista à concepção adotada 13
nos dias atuais, analisando se houve mudanças nesta postura, após as discussões 14
sociolinguísticas; f) Criar uma proposta de intervenção didático-pedagógica que 15
problematize a questão da diversidade cultural e do preconceito linguístico, 16
promovendo o respeito às diferenças sociais e dialetais; g) Propor uma atividade de 17
intervenção pedagógica que possa corroborar com o ensino da variação linguística 18
no espaço escolar. g) Aplicar a intervenção didático-pedagógica nas turmas do 19
Ensino Fundamental II e analisar os resultados alcançados; 20
A metodologia da pesquisa aplicada a esse estudo tem como base a pesquisa-21
ação, pelo seu viés prático e investigativo, e também a pesquisa documental, devido 22
à necessidade de imersão na análise de livros didáticos para melhor compreender o 23
fenômeno estudado. Dessa feita, para a realização da investigação a que ora nos 24
propomos, analisamos um corpus composto por 5 livros didáticos de LP, e 25
entrevistas com professoras , conforme descrevemos mais detalhadamente na 26
Seção III. 27
Este trabalho estrutura-se em seis seções, sobre as quais tecemos as 28
seguintes considerações: 29
A seção I, Trajetória histórica da sociolinguística: da gênese da Linguística à 30
constituição do campo de estudos da Sociolinguistica, é o momento através do qual 31
volvemos nosso olhar ao horizonte das primeiras discussões sobre a língua e sua 32
23
relação com a sociedade. É de suma relevância essa análise sobre o 1
desenvolvimento das sementes que mais tarde constituiriam o sólido ramo de 2
estudos da Sociolinguística. Em função disso, traçamos um percurso da constituição 3
de tal teoria, a partir de seu principal expoente, o linguista Labov (1972). Assim, 4
esta seção é formada por dois blocos principais. No primeiro, apresentamos 5
sucintamente a genealogia da teoria laboviana e, no segundo momento, discutimos 6
sobre alguns dos principais fundamentos, desde a concepção heterogênea de língua 7
aos diversos ramos ligados à variação e à mudança linguística, a saber: a variação 8
geográfica, a social, a estilística, a variação entre a fala e a escrita e a variação no 9
espaço temporal. Procuramos, assim, dar um panorama dos conceitos fundamentais 10
que sustentam este trabalho. 11
Na seção II, Sociolinguística e ensino: a diversidade linguística se desponta 12
no cenário da sala de aula, discutimos acerca da mudança no cenário da educação, 13
a partir da democratização do ensino, a qual abre espaço para que o fruto do 14
conhecimento seja provado por um número cada vez mais de pessoas, saciando-15
lhes a fome de saber. Destacamos ainda as contribuições da Sociolinguística para o 16
ensino, mesmo em face de um cenário de resistência à perspectiva culturalmente 17
sensível do sócio interacionismo, em prol de uma prática conservadora e 18
culturalmente excludente de ensino. Assim, pontuamos alguns conflitos no terreno 19
da sala de aula: o estudo da norma vs. o estudo das normas, a norma culta vs. a 20
norma padrão, preconceito linguístico e a noção de erro. Dessa maneira, mesmo de 21
diante das intempéries, o campo da variação e mudança linguística não se deixa 22
devastar por atitudes puristas e preconceituosas e segue, ganhando, aos poucos, 23
novos semeadores. 24
Além disso, na subseção Políticas para o livro didático no Brasil: sementes 25
para a constituição de uma nova genealogia de ensino, discorremos sobre o 26
desenvolvimento de políticas importantes em relação ao Livro didático, 27
impulsionadas pela atmosfera de mudança trazida pelos ventos da Sociolinguística. 28
Buscamos, com isso, mostrar a influência dessa corrente na constituição dos PCN e 29
o modo como foi incorporada ao livro didático de Língua Portuguesa. 30
Na Seção III, Metodologia e corpus: tempo de ir ao campo e realizar a 31
colheita, dispomos sobre o método adotado, o qual visa analisar o campo a ser 32
24
cultivado, procurando intervir no solo da aprendizagem, através de um trabalho 1
significativo e funcional da língua. Baseamo-nos, para isso, nos pressupostos de 2
Tripp (2005) e de LUDKE e ANDRÉ (1986). Colhidos os resultados dessa 3
intervenção, buscamos refletir sobre a metodologia aplicada. Assim, ressaltamos 4
mais uma vez que o nosso corpus é composto por livros didáticos de Língua 5
Portuguesa, de séries aleatórias3, além de entrevistas com docentes. Mencionamos, 6
ainda, a proposta de intervenção pedagógica que foi aplicada com os discentes do 7
fundamental II, no município de Piripá, Bahia. 8
Na seção IV, Análise e discussão sobre os dados: hora de analisar os 9
resultados da colheita, realizamos uma investigação acerca dos livros didáticos 10
selecionados, a fim de verificar o tratamento dado aos fenômenos de variação e 11
mudança linguística. Para tanto, descrevemos, incialmente, a estrutura de cada 12
obra, em seguida, focalizamos em aspectos relativos ao modo como a teoria é 13
abordada, quanto ao preconceito linguístico e a noção de erro, à relação entre fala e 14
escrita, à variação nos fenômenos gramaticais. Buscamos, no cotejo entre as obras, 15
identificar as possíveis mudanças ocorridas ou não ao longo do tempo, no tocante à 16
teoria variacionista e sua aplicação à prática pedagógica adotada nos livros 17
didáticos. 18
Em seguida, na subseção Análise das entrevistas com docentes: a análise da 19
segunda etapa da colheita, apresentamos o resultado da entrevista com uma 20
professora aposentada, a qual lecionou do final da década de 70 ao ano 2000, e 21
também com uma docente em exercício desde o ano de 2009 aos dias atuais. 22
Procuramos averiguar os pontos de (des)encontro entre os dados observados nos 23
livros e o depoimento dado pelas professoras. Dessa forma, através do confronto 24
entre as informações de uma e outra fonte de dados, buscamos ressaltar em que 25
aspectos avançaram ou não, no tocante ao reconhecimento e ao respeito à 26
diversidade linguística. 27
Na seção V, Proposta de intervenção: as sementes do respeito à diversidade 28
linguística são lançadas no solo da sala de aula, apresentamos ao professor uma 29
sugestão composta por 5 (cinco) atividades nas quais a variação e a mudança 30
3 A série não foi tomada como referência para a análise, pois acreditamos que o trabalho com a variação
linguística deve ser contínuo e inerente a todas as séries, em qualquer fase do estudo.
25
linguística podem ser abordadas por meio de um trabalho culturalmente sensível no 1
qual seja reconhecida a heterogeneidade linguística de forma respeitosa e como 2
algo inato à língua. Para tanto, apresentamos a sequência didática elaborada e 3
aplicada nesse projeto. 4
Chegamos, por fim, às considerações finais, resultado de intenso labor. 5
Assim, traçamos um comparativo entre os livros didáticos, nos aspectos analisados, 6
no intuito de melhor pontuar as diferenças e/ou semelhanças encontradas, num viés 7
diacrônico. Reiteramos também os dados da entrevista em paralelo à hipótese com 8
a qual trabalhamos. 9
Ressaltamos, em suma, que o projeto de pesquisa, aprovado pelo Comitê de 10
Ética, sob o número do CAAE 54731516.1.0000.0055, será mais um material de 11
consulta sobre a Sociolinguística, abordando a variação e a mudança no espaço 12
escolar. 13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
26
1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA SOCIOLINGUÍSTICA: da gênese da Linguística à 1
constituição do campo de estudos da Sociolinguística 2
3
Nesta seção, apresentamos os referenciais que fundamentam nossa 4
pesquisa, abordando conceitos importantes em relação à variação e mudança 5
linguística. Tal abordagem foi estabelecida como base para a análise do corpus de 6
que este trabalho é constituído. Desta forma, para iniciar nossa discussão, volvemos 7
rapidamente o nosso olhar ao início do século XX, com foco nos postulados de 8
Ferdinand Saussure e em sua concepção de língua, devido à grande importância 9
que se atribuiu à obra póstuma desse estudioso na área da linguística. Todavia, 10
destacamos, sobretudo, a década de 60, período considerado um marco para os 11
estudos da língua na perspectiva que une os estudos linguísticos à abordagem 12
social. A partir de então, a língua passa a ser compreendida como um sistema 13
heterogêneo, ladeado pela realidade histórica e social. 14
15
1.1 CONCEPÇÃO DA SOCIOLINGUÍSTICA: uma semente que germinou e cresceu 16
17
Uma das principais figuras do campo linguístico moderno é o suíço Ferdinand 18
Saussure. Este deu à língua um lugar importante nos estudos da linguagem ao 19
defini-la (a língua) como objeto de estudo da linguística. Em sua obra póstuma, o 20
Curso de Linguística Geral, publicado pela primeira vez em 1916, Saussure (2003, p. 21
23) considera que ―a língua assim delimitada é de natureza homogênea‖. 22
Desta forma, ao instaurar a célebre distinção entre langue e parole, 23
respectivamente, língua e fala, o autor propõe-se a estudar a primeira, 24
separadamente da segunda. Ao fazer essa opção, deixa à parte os fatores externos 25
a ela, passando a investigá-la ―em si mesma e por si mesma‖ (SAUSSURE, 2003, 26
p.271). Assegurada a relevância dos estudos saussurianos, alguns pesquisadores 27
contemporâneos ao Estruturalismo, a exemplo de Meillet e Jakobson, vão 28
reconhecer a heterogeneidade do sistema linguístico e defender, cada vez mais, 29
uma abordagem de língua atrelada aos fatos sociais. 30
27
A respeito dos conflitos gerados por essas diferentes visões, Calvet (2002) 1
afirma que, embora Meillet fosse considerado discípulo de Saussure, tomou 2
distância de alguns fundamentos postulados por seu mestre: 3
4
Quando Saussure opõe linguística interna e linguística externa, 5 Meillet as associa; quando Saussure distingue abordagem sincrônica 6 de abordagem diacrônica, Meillet busca explicar explica a estrutura 7 pela história. Realmente tudo opõe os dois homens tão logo os 8 situamos no terreno da linguística. Enquanto Saussure procura 9 elaborar um modelo abstrato de língua, Meillet se vê em conflito 10 entre o fato social e o sistema que tudo contém: para ele não se 11 chega a compreender os fatos da língua sem se fazer referência à 12 diacronia, à história. (CALVET, 2002, p. 15) 13
14
Assim, uma concepção de língua vinculada à sua função social ganha 15
terrenos mais abrangentes entre os pesquisadores nos estudos que se seguiram. 16
No ano de 1964, um grupo de estudiosos da língua reuniu-se em um 17
congresso realizado por William Bright, na Universidade da Califórnia, para discutir 18
questões relativas ao universo da linguagem. Durante esse evento, o termo 19
―sociolinguística‖ ganhou destaque, com a proposta de que ela deve sistematizar a 20
ocorrência das variações linguísticas e sociais. É válido ressaltar que, de acordo 21
com Silva (2005), essa terminologia (Sociolinguística) já era utilizada desde 1950, 22
sendo compartilhada ―por sociólogos a fim de observarem questões ligadas ao 23
contexto social da diversidade linguística‖ (SILVA, 2005, p. 97). 24
Calvet (2002) faz uma alusão a Bright, afirmando que, segundo ele, a 25
variação não se dá de maneira livre, mas vinculada a relações sociais. Nessa 26
perspectiva, Bright apresenta a proposta de determinar as ―dimensões‖ da 27
Sociolinguística, assinalada por alguns fatores que condicionam a diversidade 28
linguística, tais como identidade social do falante, identidade social do destinatário e 29
o contexto. 30
Ele pontua ainda quatro dimensões seguintes: 31
32
- a oposição sincronia/diacronia; 33 - os usos linguísticos e as crenças a respeito dos usos; 34 - a extensão da diversidade, com uma tríplice classificação: 35 diferenças multidialetal [sic], multilingual, ou multissoceital; 36 - as aplicações da sociolinguística com mais de uma classificação em 37 três partes: sociolinguística como diagnóstico de estruturas sociais, 38
28
como estudo do fator sóciohistórico e como auxílio ao planejamento. 1 (CALVET, 2002, p. 30) 2 3
Tais dimensões corroboram para que, definitivamente, estabeleçam-se os 4
alicerces para elaboração da Sociolinguística, mediada pela diversidade linguística 5
no seio da sociedade. 6
O expoente e iniciador desta área da linguística é o norte-americano William 7
Labov, que se destaca pela importância de suas pesquisas e pela originalidade do 8
método empregado. O seu primeiro estudo teve grande importância e constituiu-se 9
da análise sociolinguística realizada na ilha de Martha‘s Veneyards, no estado de 10
Massachussetts, EUA, onde observou a ocorrência da centralização dos ditongos. 11
A teoria laboviana, mais precisamente a variacionista, estabelece como objeto 12
de estudo a diversidade linguística, ou seja, o estudo da língua em situações reais 13
de uso. 14
15
1.2 FUNDAMENTOS DA TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA: os diversos ramos que 16
compõem o tronco do estudo da variação linguística 17
18
Os fundamentos teóricos propostos por Labov instituem a relação 19
fala/sociedade, insistindo na possibilidade de sistematizar a variação existente e 20
própria da língua falada. 21
Conforme, Alkmin (2001): 22
23 [...] toda comunidade linguística se caracteriza pelo emprego de 24 diferentes modos de falar. A essas diferentes maneiras de falar, a 25 Sociolinguistica reserva o nome variedades linguísticas. O conjunto 26 de variedade linguísticas utilizado por uma comunidade é chamado 27 repertório verbal. (ALKMIN, 2001, p.32) 28 29
Esses diferentes modos de falar a mesma coisa compõem o que se denomina 30
de heterogeneidade linguística. 31
Mas qual a importância da sistematização destes estudos? Oliveira (2008) 32
considera que: 33
[...] a importância de buscarmos a sistematização dos estudos 34 variacionistas com o estabelecimento de teorias, como sustentação 35 argumentativa a toda e qualquer prova, deve-se à origem da língua 36 portuguesa falada no Brasil, cujo trajeto histórico nos mostra uma 37
29
fotografia de dialetos, falares, sotaques, espécies de linguagem, 1 empréstimos, influências indígenas e negras e, ainda, da 2 identificação de classes e atividades profissionais, realçando as 3 relações interpessoais por meio da língua geral, tudo com reflexo nas 4 diferentes manifestações lingüísticas utilizadas atualmente. 5 Acrescente-se tudo isso ao país continental que é o Brasil. 6 (OLIVEIRA, 2008, p.94) 7 8 9
Como percebemos, muito em razão das influências de outras sociedades e 10
culturas e dessas dimensões continentais – de acordo dados do Instituto Brasileiro 11
de Geografia e Estatística (IBGE) são cerca de 8.515.767,049 km24 –, o Brasil é um 12
país cujas manifestações linguísticas e culturais vicejam por toda parte. Assim, 13
oficialmente, admite-se o português como língua pátria, embora, no país, haja 14
também muitas línguas indígenas ainda faladas e outras tantas estrangeiras. Para 15
além disso, a diversidade de usos que dela se origina a torna múltipla, heterogênea. 16
Tanto é que algumas regiões apresentam expressões e palavras tão peculiares que, 17
muitas vezes, fica difícil a um pernambucano entender um gaúcho ou vice e versa. 18
Por exemplo, se um nordestino ouve a seguinte frase: ―Bah, ontem teve uma baita 19
pechada ali na sinaleira!‖, provavelmente terá dificuldades em entender que houve 20
uma colisão, batida automobilística no farol. Além destes, a título de exemplo, 21
trazemos termos que são exemplificados por Oliveira (2008): 22
23
a) No Sul: galopito, ginete, changueiro, campeiraço, gaúcho, tchê, 24 gaudério, gaiteiro, china, pampa, coxilha, bergamota, carafá, 25 muchacho, mirar, vaquejada, cicha, cochomilho, ilhapa, lonanco; 26 b) No Nordeste: aimpim, macaxeira, baitola, chué, berimbau, tapioca, 27 dendê, araçá, agogô, acarajé, orixá, caatinga, mugunzá, cacimba, 28 lapiana, pinchar; 29 c) No Centro-Oeste: matula, chamamé, sesta, chalana, mangaba, 30 siriema, mutum, guavira, piúva, tuiuiú, gueirova, bolicho, curicaca, 31 quebra torto, buenas, varadouro, tropim, tijuco, puiã, piroga, gambira, 32 funda; 33 d) No Sudeste: marimba, quitanda, muxiba, bocó, Canindé, 34 Pacaembu, biguá, maracanã, garirioba, guariroba, tiririca, buguassu, 35 cajuru, caipira, cachaça, bruaca, chupeta, cumbuca; (OLIVEIRA, 36 2008, p. 97) 37
38
4 Informação obtida pela internet (wikipédia – enciclopédia do google)
30
Entre os vocábulos mencionados, encontram-se influências de origem tupi, 1
africana, espanhola, entre outras que só podem ser compreendidas a partir de 2
estudo mais aprofundado dessas influências, tendo como base a língua, mediante a 3
sua história e os processos variacionais por que passaram ao longo do tempo, 4
através do contato entre sujeitos. 5
Longe de uma visão simplista dos fatos e sem qualquer base teórica 6
apreensível, a Sociolinguística busca dar a estes fenômenos uma explicação 7
científica, descrevendo-os de modo mais criterioso. Daí a sua singular importância 8
dentro de uma sociedade tão diversificada como a brasileira. 9
Ao destacarmos a língua como um sistema heterogêneo, Coelho et al (2010), 10
assim como Labov (2008) e Tarallo (2005) , lembram-nos que não se trata de um 11
caos linguístico, mas a variação pode, sim, ser sistematizada. 12
13
Então, mesmo que a princípio se possa pensar que heterogeneidade 14 implica ausência de regras, a língua é dotada de heterogeneidade 15 estruturada, portanto há regras, sim. Só que, enquanto a língua 16 concebida como sistema homogêneo contém somente regras 17 categóricas, ou obrigatórias, ou invariantes (i.e., que sempre se 18 aplicam da mesma maneira por todos), a língua concebida como um 19 sistema heterogêneo comporta, ao lado de regras categóricas, 20 também regras variáveis. (COELHO et al, 2010, p. 24) 21
22
Assim, é notório que a língua é passível de variações as quais podem ser 23
sistematizadas e descritas, segundo alguns parâmetros essenciais. Tais parâmetros 24
podem ser baseados em fatores regionais, sociais, estilísticos, temporais ou relativos 25
à modalidade oral e escrita da língua. Desses fatores derivam os tipos de variação5 26
que discutiremos, em seguida. 27
A variação geográfica (diatópica) refere-se às distinções linguísticas 28
distribuídas no espaço físico notáveis entre falantes de diferentes regiões. Um 29
exemplo disso é a palavra ―tangerina‖ que, em regiões do sul, é conhecida como 30
―bergamota‖ e, no nordeste, como ―mexerica‖. Além dessa variação no léxico, 31
5 É válido ressaltar que, embora apresentemos, em linhas gerais, exemplos que são resultados de pesquisas
sociolinguísticas, algumas vezes, os resultados/tendências, a depender da região, contexto de uso, podem ser/são diferentes.
31
normalmente, cada região apresenta diferenças prosódicas, inerentes a curvas de 1
entonação, ritmo de fala e acentuação. 2
A bem da verdade, o modo de falar é um dos elementos marcantes nas 3
interações verbais e é o que, em um primeiro momento, identifica um falante como 4
oriundo de determinada comunidade linguística. No entanto, para além do que se 5
denomina de sotaques no senso comum, há outros fatores que também variam de 6
região para região, como: os fonéticos, tal como o processo de produção do ―t‖, 7
diante de ―i‖, o qual sofre palatalização em algumas regiões e em outras não. Assim, 8
a palavra ―tia‖ pode ser pronunciada como [ˈtSiɐ] em São Paulo, capital, 9
(palatalizado) e como [ˈtiɐ] no nordeste (não palatalizado); processos 10
morfossintáticos, os quais se percebem no uso de artigo ou não junto de nomes 11
próprios. Desta forma, em algumas regiões, se diz ―vou à casa da Maria‖, ―A Maria 12
chegou‖ e, em outras, ―vou à casa de Maria‖, ―Maria chegou‖. Ainda podemos citar 13
uso da partícula negativa ―não‖, que, a depender da região, aparece antes do verbo, 14
como no sul do país, como em ―Não vou‖ ou, no nordeste, após a forma verbal, 15
como em ―vou não‖. O que não a isenta de poder ainda ocorrer nas duas posições, 16
antes e depois do verbo, reforçando a negativa: ―não vou não”; 17
Outro tipo de variação, a social (diastrática), está vinculada aos fatores 18
relativos à identidade, tais como idade, sexo, escolaridade e a profissão dos 19
falantes. 20
No âmbito da idade, podemos verificar que, normalmente, um jovem tende a 21
apresentar uma variação diversa daquela apresentada por uma pessoa idosa. De tal 22
modo, para exprimir admiração sobre uma circunstância positiva, um adolescente 23
pode dizer ―caraca, moleque! Que irado!‖, enquanto que a pessoa mais velha diria, 24
via de regra, ―Nossa, que legal!‖. 25
Já em relação ao sexo (feminino e masculino), as mulheres, na maioria das 26
vezes, tendem a ser mais conservadoras em sua fala do que os homens, utilizando 27
com menos frequência palavras de baixo calão. 28
Por sua vez, quanto à escolaridade, pessoas com menor grau de 29
escolarização, com escassa atividade de leitura, de maneira geral, apresentam um 30
vocabulário mais reduzido do que os mais escolarizados. Desta forma, para se 31
referir ao local onde se mora, faz uso do termo ―casa‖, por exemplo, enquanto 32
32
indivíduos com maior grau de instrução, além do termo ―casa‖, tem acesso a outros 1
com significado próximo ou idêntico, como ―residência‖ ou ―domicílio‖. 2
Um último fator social está ligado ao campo profissional. Grupos que 3
exercem determinadas profissões tendem a utilizar palavras muito particulares. 4
Como exemplo, podemos citar os policiais que usam termos como: positivo, 5
operante, elemento, homem safo, entre outros; 6
Na linha dos tipos de variações, temos ainda as estilísticas (diafásicas) ou 7
registros. Desta maneira, os falantes diversificam sua fala – isto é, usam estilos ou 8
registros distintos – em função das circunstâncias em que ocorrem suas interações 9
verbais. A opção por uma ou outra forma depende do maior ou menor grau de 10
reflexão. 11
Desta sorte, um mesmo indivíduo pode, ao longo do dia, fazer uso de 12
diferentes tipos de registro, conforme os graus de formalidade e os níveis de 13
intimidade pertinentes a cada situação de fala. A exemplo, devemos lembrar que um 14
professor, em uma palestra direcionada a membros de uma faculdade, fará escolhas 15
linguísticas distintas daquelas que usaria para falar aos seus alunos de ensino 16
fundamental. Esse mesmo professor também fará uso de um registro diferenciado, 17
em uma posição de pai, para interagir com um bebê ou com um filho adolescente. E 18
assim por diante, cada situação que se descortina ao indivíduo nas suas interações 19
verbais adquire contornos linguísticos muito específicos e bem articulados, mediante 20
o interlocutor e o papel social ocupado pelo falante. Somos, assim, nas palavras de 21
Bechara (2000), poliglotas em nossa própria língua. 22
Por seu turno, um outro tipo de variação corresponde às diferenças inerentes 23
à língua oral e à escrita, também denominada diamésica. Compreendemos que a 24
relação entre essas modalidades não é de natureza dicotômica, mas contínua. 25
Desta sorte, há uma escala de monitoramento linguístico, determinada por fatores 26
contextuais, vinculados aos gêneros de textos mais ou menos monitorados. Esta 27
escala é muito bem representada pelo linguista Marcuschi (2001), no gráfico a 28
seguir. 29
30
31
32
33
1
2 3
4 5 6 7 8
9 10 11
12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Gráfico 1. Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e 22 na escrita. Fonte: Marcuschi, 2001, p.41 23 24
25
Como observamos no gráfico, a fala e a escrita podem ser mais espontâneas 26
ou mais monitoradas a depender do gênero textual envolvido na interação. Por esta 27
via, o texto oral proferido em uma exposição acadêmica terá características muito 28
próximas aos textos escritos para a academia, uma vez que ambos foram 29
elaborados com base em uma situação formal. Isto nos faz notar a fragilidade 30
entremeada em uma divisão rigorosa entre escrita e fala. 31
Em última análise, temos a variação diacrônica. Trata-se dos processos de 32
variação e mudança pelos quais a língua passa ao longo do tempo, conforme as 33
necessidades e expectativas sociais dos seus falantes. Um exemplo típico é o 34
pronome de tratamento ―Você‖ que sofreu diversas variações e mudanças no 35
decurso da história: grosso modo, desde o inicial ―vossa mercê‖, em seguida, ―vos 36
mecê‖, coexistindo com vassuncê, até chegar ao pronome ―você‖, forma pronominal 37
mais produtiva no português brasileiro (PB) contemporâneo para se referir à 38
segunda pessoa. Atualmente, este pronome ainda sofre variações, havendo também 39
as formas ―ocê‖, por vezes, de menor prestígio social e, muitas vezes, relacionado à 40
34
região; ―cê‖, ao que parece, bastante aceita pela sociedade, na língua oral informal; 1
e ―VC‖, muito comum na língua escrita informal dos internautas. 2
Observemos que entre o ―vossa mercê‖ e o ―você‖ houve um processo de mudança 3
na língua, haja vista a substituição do primeiro termo pelo segundo, consagrada pelo 4
uso do pronome atual. Vale ressaltar que a mudança não ocorre de forma abrupta, 5
mas de maneira lenta e gradual. Já em relação aos termos ―ocê‖ e ―cê‖, podemos 6
considerá-los como variações do item ―você‖, uma vez que coexistem socialmente. 7
Podemos citar, ainda quanto a este aspecto, uma série de adaptações 8
ocorridas no nível da escrita, em decorrência do novo acordo ortográfico dos países 9
de língua portuguesa. Nessa medida, foram alteradas, por exemplo, regras de 10
acentuação, de uso do hífen, bem como foi determinada a extinção do trema na 11
maioria das palavras (só se mantém em vocábulos de origem estrangeira). O sinal 12
gráfico, simbolizado pelo acréscimo de dois pontos sobre o ―u‖, foi criado para 13
assinalar as sílabas em que, nos grupos ―qu‖ e gu‖, a letra ―u‖ deveria ser 14
pronunciada, contudo já há algum tempo havia caído em desuso pelos falantes. 15
Esse tipo de variação (diacrônica) é bastante perceptível também em âmbito 16
lexical. Não é raro nos depararmos, muitas vezes, com textos do português arcaico 17
cheio de termos e expressões distintos do português contemporâneo. Um bom 18
exemplo disso é o texto Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade, a seguir. 19
20
Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas 21 mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam 22 primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo 23 rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam 24 longos meses debaixo do balaio. E se levantam tábua, o remédio era 25 tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, 26 quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não 27 caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, 28 e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia 29 que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa 30 furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, 31 dando às de vila-diogo. Os mais idosos,depois da janta, faziam o 32 quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomava cautela de não 33 apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animátografo, e mais 34 tarde ao cinemátografo, chupando balas dealteia. Ou sonhavam em 35 andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisas 36 de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com 37 os burros n‘agua. [...] (DRUMMOND, 2005, p. 36) 38 39
35
Como podemos notar, há palavras e expressões que nos soam estranhas, no 1
contexto atual, tais como ―janotas‖, ―pés-de-alferes‖, ―se meter em camisas de onze 2
varas‖, cujo significado só pode ser depreendido a partir de um resgate temporal. 3
Outros vocábulos, como animatógrafo e cinematógrafo, deixaram de ser usados, de 4
acordo com os avanços tecnológicos e foram desaparecendo do uso cotidiano, 5
conforme as tecnologias alteravam-se e substituíam-se. Assim, fica evidente que o 6
processo de variação e mudança da língua é continuo, determinado pelo uso, em 7
função das necessidades sociais dos falantes. Logo, nada impede que termos 8
utilizados, hoje, possam vir a desaparecer ou a se modificar futuramente. 9
Para além dessas definições, acreditamos na possibilidade de cada falante ter 10
uma variação particular, forjada no seio de suas interações. Nesse sentido, cada um 11
se investe das palavras e expressões que melhor lhe apetecem. Cada indivíduo 12
constrói, consciente ou inconscientemente, o seu repertório verbal, a partir daquilo 13
que lhe soa interessante, atraente e mais significativo à situação interativa em que 14
esteja envolvido e aos seus interlocutores. 15
Desse modo, algumas pessoas usam expressões tão particulares que se 16
tornam uma marca pessoal. Por exemplo, para fazer um cumprimento, em situação 17
menos monitorada de fala, uns dizem: ―Oi, amigas!‖, outros preferem: ―Helloooo, 18
meninas!‖, outros ainda: ―Fala, galeraaa!‖. Já, em uma ocasião formal, que exige 19
maior monitoramento, há quem opte por saudar o público, utilizando apenas 20
expressões, como: ―boa noite a todos‖, sem ressaltar qualquer distinção de gênero. 21
Enquanto isso, outros preferem marcar esta diferenciação em sua fala, proferindo 22
frases do tipo: ―boa noite a todos e todas‖, revelando muito de marcas ideológicas e 23
dos grupos sociais a que pertencem. 24
Há, diante do exposto, o natural reconhecimento dessa diversidade de modos 25
de falar como intrínseca à realidade linguística, estabelecida pela relação entre 26
língua, sociedade, variação e mudança. 27
Para além dessas questões referentes aos tipos de variação, convém 28
ressaltarmos também três fatores relativos ao uso consciente ou não da língua. São 29
eles: o estereótipo, o marcador e o indicador. 30
Esses fatores são reconhecidos por Labov e abordados por Coelho et al 31
(2010) que assim os define: 32
36
1
Os estereótipos – são traços socialmente marcados de forma 2
consciente. Alguns estereótipos podem ser estigmatizados 3
socialmente, o que pode conduzir à mudança linguística rápida e à 4
extinção da forma estigmatizada. Outros estereótipos podem ter um 5
prestígio que varia de grupo para grupo, podendo ser positivo para 6
alguns e negativo para outros. 7
Os marcadores – correlacionam-se às estratificações sociais e 8
estilísticas e podem ser diagnosticados em testes subjetivos. São 9
traços linguísticos social e estilisticamente estratificados, que podem 10
ser diagnosticados em certos testes de atitude/ avaliação, embora o 11
julgamento social seja inconsciente. 12
Os indicadores – são elementos linguísticos sobre os quais haveria 13
pouca força de avaliação, podendo haver diferenciação social de uso 14
dessas formas correlacionada à idade, à região ou ao grupo social, 15
mas não quanto a motivações estilísticas. (COELHO ET AL, 2010, p. 16
33-34) 17
18
Entre esses três elementos, verificamos que o primeiro está mais relacionado 19
a estigmas sociais. Percebido mais facilmente pela sociedade é, portanto, mais 20
sujeito a juízos de valor e, por essa razão, utilizado com maior reflexão pelos 21
falantes. Já o segundo, o marcador, tem ligação muito mais com questões 22
estilísticas (grau de intimidade, por exemplo) do que com estigmas, como nos 23
lembra Coelho et al (2010). Nesse sentido, o nível de reflexão a respeito do seu uso 24
é menor do que no primeiro caso. O terceiro elemento, por sua vez, vincula-se a 25
traços linguisticamente marcados, mas que não que trazem juízos de valor e, muitas 26
vezes, se quer são percebidos pelos falantes. Logo, notamos que, quanto maior for 27
a possibilidade de avaliação social, negativa ou positiva, maior será o nível de 28
consciência do falante ao usar a língua em suas interações sociais. 29
Como pudemos perceber, com os estudos labovianos, a partir da década de 30
60, a concepção heterogênea de língua ganhou fôlego entre os pesquisadores que, 31
destarte, buscaram averiguar os mecanismos pelos quais se dá variação. 32
Ressaltamos que procuramos sistematizar, brevemente, tais mecanismos na 33
abordagem acima apresentada, como forma de subsidiar os professores à 34
compreensão da nossa proposta de intervenção pedagógica. 35
Passemos, na próxima seção, ao diálogo entre a Sociolinguística e o Ensino. 36
37
37
2 SOCIOLINGUÍSTICA E ENSINO: a diversidade linguística se desponta no cenário 1
da sala de aula 2
3
Na seção anterior, procuramos apresentar, sucintamente, alguns dos 4
conceitos basilares da Sociolinguística, explorando os tipos de variação por ela 5
sistematizados, além da discussão, em linhas gerais, acerca da importância desses 6
estudos. A seguir, buscamos abordar as contribuições da pesquisa sociolinguística 7
para o ensino de Língua Portuguesa, doravante LP, através de uma breve análise do 8
processo de democratização da escola e da reflexão sobre os conflitos gerados pelo 9
confronto entre uma prática pedagógica tradicional (conservadora e culturalmente 10
excludente) diante da perspectiva sócio-variacionista (inovadora e culturalmente 11
sensível). Desta sorte, focamos na análise dos conceitos de norma (s), norma além 12
da a noção de erro e o preconceito linguístico. 13
14
2.1 A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO: todos os que têm fome de conhecimento 15
podem provar dos frutos do saber 16
17
Ao desembarcarmos na história constituída nos anos sessenta, notamos, 18
tanto em âmbito científico quanto social e econômico, mudanças que viriam a 19
ressignificar o ensino de língua materna. Por um lado, a consolidação da 20
Sociolinguística como importante área de estudos e, por outro, a redefinição dos 21
personagens que compunham o espaço escolar. 22
Bagno (2007) proporciona-nos um breve olhar para esse processo de 23
transformação social, econômica e cultural do perfil da população, docente e 24
discente. De acordo com o autor, até parte dos anos 60, o total de escolas era 25
bastante restrito, de modo a rarear tanto em áreas rurais quanto em regiões urbanas 26
com menor proporção. Disto, podemos compreender o quão limitado era o acesso 27
ao saber letrado naquela época. O domínio do conhecimento cultivado na escola era 28
privilégio para poucos, daí também o status de maior prestígio delegado às pessoas 29
que dele desfrutavam. 30
Ocorre que, com a progressiva ―democratização do ensino no Brasil‖, esse 31
quadro sofreu uma profunda alteração. Chama-nos a atenção, no tocante a esse 32
38
processo de democratização, o fato de que o aumento quantitativo da oferta de 1
unidades escolares não foi acompanhado por um aumento qualitativo da área 2
educacional. Logo, com o crescimento da oferta de escolas, a possibilidade de 3
acesso à aprendizagem formal também cresceu, mas a qualidade, muitas vezes, 4
diminuiu, com redução do conteúdo e da carga horária das disciplinas. De todo 5
modo, o ensino deixava de ser usufruto de uma parcela reduzida da sociedade e 6
passava a fazer parte da vida daquelas pessoas que outrora ficaram à margem dele. 7
É importante salientar ainda que esse acentuado aumento da população 8
escolar significou também o declínio da qualidade do ensino, haja vista a 9
superlotação de salas de aulas e a precarização do aparato pedagógico. Na 10
perspectiva de Silva (2005, p. 107), ―a grande crise social e educacional no Brasil, 11
portanto, perpassa não só a conquista da democratização do acesso ao ensino, mas 12
também está relacionada ao acesso ao ensino de qualidade.‖ Talvez esteja aí a raiz 13
do saudosismo inerente a afirmações de que o ensino público já não é o mesmo de 14
antigamente. 15
Por sua vez, o professor, diante de tal situação, viu-se despreparado para 16
lidar com uma realidade tão complexa e diferente daquela com a qual havia se 17
habituado. Consoante Bagno (2007), 18
19
[...] as pessoas que frequentavam a escola antes da 20 ‗democratização‘ eram, na sua maioria, falantes de variedade 21 linguísticas urbanas, muito influenciadas pela cultura escrita e pelo 22 policiamento linguístico praticado pela escola e por outras instituições 23 sociais. [...] a partir dos anos 1960, tudo isso se modificou. A grande 24 massa das alunas e alunos das novas escolas falava (e fala) 25 variedades linguísticas muito diferentes das variedades urbanas 26 usadas pelas camadas sociais privilegiadas e mais diferentes ainda 27 da norma-padrão tradicional, modelo de língua ‗correta‘ que o ensino 28 tentava (e em boa parte ainda tenta) transmitir e preservar. (BAGNO, 29 2007, p. 32) 30
31
Não obstante, há, naquele momento de ambiente de aula, um choque entre a 32
variedade considerada de prestígio, presente na unidade há mais tempo, e a com 33
menor prestígio, recém-chegada àquele espaço. Para além destes fatores, sabemos 34
que os ―materiais didáticos usados até então não estavam preparados para atender 35
as necessidades educacionais dessa nova população, muito maior e mais 36
39
diversificada do ponto de vista sociolinguístico, sociocultural e socioeconômico‖ 1
(BAGNO, 2007, p. 33). 2
Se pensarmos um pouco na história pregressa do Brasil, veremos que este 3
tipo de conduta não é incomum ao nosso percurso histórico de transformação social. 4
À época da abolição da escravatura, por exemplo, os escravos foram simplesmente 5
libertos, sem que para eles fossem criadas condições necessárias para a sua 6
inserção adequada na sociedade. Muitos acabaram trabalhando para os seus 7
senhores por quantias mínimas, outros tantos terminaram por ficarem 8
marginalizados, nas ruas, outros ainda começaram a aglomerar-se nos subúrbios, 9
dando origem ao que, hoje, são as favelas. Em esfera educacional, não foi muito 10
diferente. A ampliação do acesso ao ensino não foi seguida, a priori, pela criação de 11
condições necessárias para o ensino-aprendizagem desta quantidade maior e mais 12
diversificada de estudantes. 13
Por conseguinte, nesse cenário, vemos descortinar-se o ambiente propício 14
para a gênese de muitos dos conflitos que ainda enfrentamos nos dias atuais. A 15
convergência de diferentes falares em sala de aula, somada à tentativa de 16
legitimação de apenas uma das formas de uso da língua6, aliados à falta de 17
habilidade e de base teórica do corpo docente para lidar com essa situação podem 18
ter sido o cerne para propagação de algumas problemáticas. Entre elas, podemos 19
mencionar o preconceito linguístico, a noção de ―certo e errado‖, a confusão entre os 20
conceitos de norma culta e norma padrão, entre outras sobre as quais trataremos 21
com mais vagar nas subseções a seguir. 22
23
2.2. A VARIAÇÃO E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: é preciso criar as 24
condições necessárias para que a competência linguística possa florescer 25
26
A Sociolinguística variacionista, como já dissemos, pressupondo a natureza 27
heterogênea da língua e a sua íntima relação com fatores históricos e sociais, tem 28
revelado, através de seus estudos, que a língua passa por variações e, ao longo do 29
tempo, mudanças atreladas aos usos consagrados por seus falantes. Antunes 30
6 A única forma aceita do Português assumia a ideia da cultura dominante, com vistas à preservação de um
modelo europeu de Português.
40
(2014) elenca algumas, dentre as muitas contribuições destes estudos científicos 1
para o âmbito do ensino de LP. Entre estas destacamos algumas: 2
3
Incluir uma perspectiva dos usos com destaque, em nosso caso, 4 para os usos do vernáculo brasileiro.[...] 5 Proceder também a uma descrição da oralidade, tanto no que se 6 refere ao estatuto da conversação quanto no que se refere aos usos 7 mais formais e monitorados do discurso oral. [...] 8 De incorporar, como linha de trabalho, o componente pragmático e, 9 nesta perspectiva, conceber a linguagem como ação, como forma de 10 atuação por meio de múltiplos ―atos de fala‖. [...] 11 De assumir como foco de compreensão da língua seu 12 funcionamento, seus usos, em ordem ao cumprimento de variados 13 propósitos comunicativos. 14 De destacar o caráter sócio-histórico de toda língua, isto é, sua 15 natureza essencialmente heterogênea e mutável, o que resultou 16 numa compreensão científica dos processos de mudança lingüística. 17 De admitir a coexistência de ―normas‖, todas legítimas e válidas, um 18 dos fundamentos para as propostas contra os mitos que sustentam o 19 ―preconceito lingüístico‖. (ANTUNES, 2014, p. 89-90) 20
21
Diante dessas, entre inúmeras outras contribuições, torna-se irrefutável 22
a importância desta área de estudos da linguagem para o ensino. Todas essas 23
orientações levam a crer que a abordagem da língua em sala de aula só faz sentido 24
quando conduzida a partir da sua funcionalidade. E isto requer levar em 25
consideração os usos que atendem às exigências e demandas da conjuntura social 26
brasileira, não da lusitana! 27
É preciso, pois, despojar-se do precário discurso normativista, que leva a 28
uma alienação acerca do que seja de fato a língua e não corrobora em nada para o 29
desenvolvimento de uma competência linguística. É necessário lutar em favor de 30
uma ação pedagógica voltada para o imprescindível reconhecimento e valorização 31
das normas, não somente da norma (culta). Definitivamente, há que se criar uma 32
conduta emancipatória em relação ao português, através da superação dos 33
estigmas e preconceitos deixados pelo ranço do processo colonialista. Não se trata 34
de algo simples, porém absolutamente necessário e inadiável. 35
36
37
38
41
2.3 ESTUDAR A NORMA? OU ESTUDAR AS NORMAS?: a língua estende seus 1
ramos por diversos caminhos 2
3
Em amplo sentido, na sociedade, tudo que se faz de maneira recorrente 4
presume-se que seja normal, isto é, uma ação que se realiza com determinada 5
regularidade torna-se um processo natural, dentro do cotidiano de determinado 6
indivíduo. É como, de acordo com uma dada cultura, despertar todos os dias e fazer 7
a higiene bucal. Devido à constância desta ação, ela se torna habitual e, assim, 8
normal. 9
Entretanto, em relação aos fatos linguísticos realizados em eventos de maior 10
grau de monitoramento, verifica-se a tendência a uma equiparação do conceito de 11
norma ao de gramática normativa. A esse respeito, Faraco (2008) explica-nos que: 12
13
No funcionamento monitorado da língua, porém a palavra norma é 14 usada com sentido de preceito, isto é, designa tudo aquilo que é 15 normativo que serve no interior de um projeto político uniformizador, 16 para regular explicitamente os comportamentos dos falantes em 17 determinadas situações. (FARACO, 2008, p. 76. grifos do autor) 18
19
Essa aproximação ao conceito de normativo provoca entre os falantes a falsa 20
ideia de que toda ocorrência que foge à tal prescrição é ―anormal‖, ―agramatical‖, 21
―errada‖. Isto porque, para uma concepção normativista, em termos de língua, só é 22
normal, ―certo‖, o que é normativo e está ratificado nessa gramática. Daí surgem 23
muitos dos estigmas e preconceitos enraizados no meio social, derivando na 24
perigosa rotulação, segundo a qual o sujeito que não domina o padrão normativo, 25
por consequência, não sabe falar português. 26
Em contrapartida, em esfera da linguística, entendemos como norma tudo que 27
é habitual, real no que diz respeito à língua7. Então, o significado de norma, para 28
nós, não pode ser confundido com o de normativo - aquilo que é determinado por 29
ocorrências criadas em condições artificiais. A sua definição justifica-se pelo uso 30
empírico da língua, em uma situação objetiva, funcional e corriqueira, portanto, 31
normal. Logo: 32
7 Essa definição de norma está amparada nos pressupostos de Faraco (2008).
42
É possível, então, conceituar tecnicamente norma como determinado 1 conjunto de fenômenos lingüísticos[sic] (fonológicos, morfológicos, 2 sintáticos e lexicais) que são correntes, costumeiros, habituais numa 3 dada comunidade de fala. Norma, nesse sentido, se identifica com 4 normalidade, ou seja, com o que é corriqueiro, usual, habitual, 5 recorrente (―normal‖) numa certa comunidade de fala. (FARACO, 6 2008, p. 37) 7
8
Por este viés, a norma não é balizada pela normatização da gramatica, mas 9
pelo emprego comum entre os falantes. Logo, devido à recorrência de uso, uma 10
dada forma linguística torna-se normal e constitui-se como o padrão consagrado por 11
um determinado grupo social. 12
Esta oposição entre normal e normativo é abordada com significativa clareza 13
por Bagno (2009), no quadro a seguir. 14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28 29 30 31 Quadro 1. Diferença entre o Normal e o Normativo dentro da Norma. 32 Fonte: Bagno, 2009, p. 55 33
34
No terceiro tópico, há uma questão sumamente importante nesta distinção: o 35
normal está relacionado ao comportamento, enquanto o que é normativo exige uma 36
reflexão consciente. Daí vem a necessidade de dar a devida atenção ao uso de um 37
43
ou outro termo, pois carregam uma semântica singular e, a depender da escolha 1
lexical, podem direcionar o tratamento linguístico à esfera do preconceito. 2
O linguista lembra ainda que a norma não se constrói a esmo, ela tem como 3
suporte uma organização estrutural. Por essa via, há uma multiplicidade de normas 4
das quais se pode fazer uso nas interações sociais. Todas elas, independentemente 5
de quais sejam, possuem uma organização lógica. Todas elas, do ponto de vista 6
linguístico, são gramaticais. Faraco (2008, p. 39) sublinha que ―não há falante que 7
não domine alguma norma‖. Não há, portanto, um brasileiro, criado em contato com 8
o português desde a infância, que não saiba falar essa língua. Há quem domine 9
apenas uma ou algumas normas, enquanto outros dispõem de um leque de 10
possibilidades maior devido às experiências de vida, bem como ao nível de 11
escolaridade. Diante da possibilidade de escolha, o uso das normas obedece às 12
expectativas do grupo, podendo funcionar como uma singular estratégia 13
argumentativa, direcionada a efeitos de sentido muito bem arquitetados. 14
O mais adequado, portanto, seria se falar em estudo das normas e não da 15
norma. Portanto, cabe ao professor a sensível tarefa de ensinar, sim, a norma 16
padrão, sem, contudo, deslegitimar a já conhecida pelo estudante. O docente tem 17
esse compromisso de mostrar que a norma padrão não é a única forma de uso da 18
língua, mas uma das normas, entre outras. Assim, deve sinalizar os contextos em 19
que cada uma pode ser utilizada e com que objetivos, sem deixar de esclarecer, por 20
outro lado, que o dialeto culto tende a ser acolhido com maior prestígio no meio 21
social. 22
23
2.4 NORMA CULTA X NORMA PADRÃO: o cultivo da norma culta como se fosse a 24
padrão 25
26
Vejamos com maior afinco a questão da norma culta e da norma padrão no 27
Brasil. 28
A sociedade brasileira, mesmo diante dos significativos avanços trazidos 29
pelas discussões da Sociolinguística, parece-nos ainda bastante dividida. Por um 30
lado, há o reconhecimento da heterogeneidade suscitada pela diversidade 31
linguística, a qual abrange desde as camadas menos favorecidas às mais 32
44
privilegiadas socialmente, conforme apresentamos na seção II, por outro, ainda 1
persiste a busca pela homogeneização da língua fomentada no meio social, 2
sobretudo no espaço escolar, e, inclusive, no meio midiático que defende, 3
numerosas vezes, a necessidade de se preservar um padrão de fala muito mais 4
próximo do português europeu do que efetivamente do brasileiro. Essa necessidade 5
move-se em função da busca por uma questão que não é meramente linguística, 6
mas, sobretudo, política. 7
O poder requerido pelo domínio desta norma simboliza uma tentativa elitista 8
de se desgarrar das demais esferas sociais, diferenciando-se daqueles que não a 9
dominam e, portanto, não mereceriam o prestígio social que ―só a eles (‗cultos‘) seria 10
cabível‖. Ocorre que há uma equívoca aproximação do conceito de norma padrão ao 11
de norma culta, como se a primeira fosse sinônimo da segunda, quando, na 12
verdade, correspondem a coisas distintas. Para desfazer essa confusão, Oliveira 13
(2008) nos afirma que: 14
15
[...] a norma culta seria o conjunto de variedades linguísticas 16 tipicamente utilizadas em situações que exigem alto grau de 17 monitoração linguística pelos falantes mais acima na hierarquia 18 social e, por conseqüência, com maior trânsito pela cultura letrada. A 19 culta é ―culta‖, não em oposição a norma incultas, mas porque está 20 em relação à cultura letrada. 21 A norma padrão estaria relacionada a um ideal de língua, e teria sua 22 origem na criação dos Estados Centrais Modernos, que viam com 23 maus olhos a heterogeneidade lingüística resultante da situação 24 feudal. Seria, portanto, um instrumento de política lingüística que 25 visava a diminuição da diversidade. No caso brasileiro, o padrão teria 26 sido estabelecido com base em escritores românticos portugueses, 27 ainda no final do século XIX. Daí a anacronia e artificialidade de suas 28 prescrições frente à norma culta brasileira real. (OLIVEIRA, 2008, p. 29 236) 30
31
Parece que ainda persevera a percepção falha de norma culta como sendo 32
sinônimo de padrão. À luz das discussões de Faraco (2008), constatamos que a 33
norma culta brasileira, muitas vezes, não se aproxima da padrão, pois também varia 34
a depender do grau de monitoramento do falante. Em suma, podemos dizer que, no 35
ambiente padrão (idealizado), há pouca variação, visto que ainda se mantém 36
atrelado a regras, demarcadas sob um viés anacrônico, enquanto em relação ao 37
culto (real) a variação se faz presente. 38
45
Não obstante, na presente discussão, consideramos a norma padrão como 1
um modelo ideal de língua que só existe nos compêndios gramaticais 2
conservadores, enquanto que a norma culta corresponde ao uso real da língua por 3
falantes com grau de escolaridade igual ou superior a 11 anos de estudo8. 4
Outra linha de raciocínio suscitada por essa confusão é a de que não há 5
variação na norma culta, como citamos anteriormente. Assim, todos os falantes com 6
11 anos de escolaridade ou mais fariam uso de uma única norma, entendida por 7
muitos como a padrão, em todas as suas circunstâncias de interação verbal. Isto 8
não só não é verdade, como são, na maioria das vezes, os falantes mais 9
escolarizados que têm acesso às diversas possibilidades de uso linguístico e são 10
eles que, portanto, mais teriam condição de transitar por esta ou aquela modalidade 11
de língua, conforme suas estratégias discursivas e adequações necessárias ao 12
contexto. É o que ocorre, em uma situação real de interação: entre amigos, em um 13
barzinho, o sujeito culto tende a explorar uma fala mais informal, enquanto, em uma 14
apresentação, no trabalho ou na faculdade, procura ser mais formal. 15
Faraco (2008) ressalta que: 16
17
[...] a norma culta/comum/standard/ não é uma camisa de força 18 imutável no tempo. Ao contrário, ela é grandemente flexível, 19 fornecendo aos falantes inúmeras formas lexicais e gramaticais 20 alternativas. Tendo isso claro, os falantes poderão pensar e praticar 21 a gramática culta como uma gramática entre as outras e bastante 22 flexível, o que lhes permitiria ser parte ativa do funcionamento da 23 língua e não sua vítima. (FARACO, 2008, p.157) 24
25
Em âmbito social, é possível notar, via de regra, a existência de um 26
engessamento do conceito de norma culta e de uma tentativa de encaixá-la em uma 27
camisa de força9, em um molde construído longinquamente. Entretanto, essa 28
tentativa torna-se conflituosa, pois a língua, em quaisquer de suas modalidades, não 29
8 Faraco (2008) estabelece com propriedade essa discussão a respeito de norma culta e norma padrão. O autor
considera como falante culto aquele com ensino médio completo. Neste trabalho, assumimos, então, o ponto
de vista dele. Sabemos que, hoje, o estudante que segue os estudos continuamente da primeira série
(fundamental I) ao 3º ano do ensino médio, leva 11 anos até o término. Deste modo, concluímos que o falante
culto é aquele que tenha 11 anos de escolaridade completos, ou mais.
9 Termo já utilizado com propriedade por Faraco (2008)
46
é estática, mas flexível. Assim, apropriando-nos de termos funcionalistas, podemos 1
afirmar que a gramática de uma língua pode ser compreendida como uma estrutura 2
maleável. 3
Diante de tal situação, torna-se patente a existência de um conflito gerado 4
pela real multiplicidade linguística em confronto com a idealização de uma língua 5
materializada em um modelo anacrônico, mas ainda cultuado. 6
De modo geral, na perspectiva de Faraco (2008), 7
8
[...] a expressão norma culta deve ser entendida como designando a 9 norma lingüística praticada em determinadas situações (aquelas que 10 envolvem certo grau maior de monitoramento) por aqueles grupos 11 sociais quem têm estado mais diretamente relacionados à cultura 12 escrita. (FARACO, 2008, p. 56. Grifos do autor) 13
14
Como já pontuamos, todo aquele que tenha estado em contanto com a cultura 15
escrita por um tempo igual ou maior que 11 anos é considerado culto. É bem 16
verdade que o acesso a esse nível de escolarização não atingiu ainda patamares 17
desejáveis. Muito embora manobras de governo tentem nos mostrar o contrário. É 18
claro que, entre os mais jovens este cenário talvez seja um pouco mais animador, 19
todavia entre os mais velhos essa realidade é um pouco mais distante. Por isso, um 20
número considerável de cidadãos não tem acesso ao status de falante culto10. 21
Por seu turno, no que diz respeito à norma padrão, Coelho et al (2015, p.143) 22
lembram-nos que ela ―foi fixada durante o século XIX, por meio do exercício do 23
discurso polêmico e vem, até os dias de hoje, como modelo idealizado de 24
linguagem.‖ Esse ideal põe em cena as regras definidas, segundo os parâmetros da 25
elite letrada portuguesa. A constituição desse modelo de gramática, mesmo em face 26
de sua artificialidade, ganhou tamanha força dentro da sociedade que se entranha 27
nos compêndios gramaticais da contemporaneidade e, como foi apresentado 28
anteriormente, é, a rigor, propagado no espaço escolar e midiático. 29
30
31
10
É importante lembrar que tal termo é abordado aqui na perspectiva da Sociolinguística, conforme a escolaridade. Logo, não ser culto aqui não implica dizer ser desprovido de cultura, pois todo indivíduo já nasce imerso nesta, além de agregar traços de inúmeras outras identidades culturais conforme avançam suas redes sociais.
47
2.5 A NOÇÃO DE ERRO E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO: ervas daninhas no 1
seio da sociedade 2
3
À revelia do que é sustentando por uma tradição gramatical, é na arena da 4
sala de aula que os conflitos em torno da língua se convergem e saber lidar com 5
eles é um dos grandes desafios da escola. É função primordial da educação 6
direcionar os caminhos para a superação de tais conflitos, desmistificando, por 7
vezes, conceitos incoerentes em relação ao cenário brasileiro atual. Contudo, essas 8
instituições sofrem ainda com os solavancos e retrocessos de uma ênfase no ensino 9
eminentemente normativo (como se isto fosse sinônimo de norma, no sentido 10
abordado pela linguística) para o qual a gramática é concebida como uma espécie 11
de escritura sagrada da língua que deveria ser seguida à risca pelos falantes. 12
Importa lembrar que essa perspectiva aclamada pelo extremo 13
conservadorismo é baseada em um modelo artificializante de língua. Logo, não 14
encontra respaldo em sua realidade heterogênea. Em razão disso, torna-se inviável 15
a qualquer falante atingir esse padrão irreal e apenas fictício. Todavia, mesmo 16
diante dessa impossibilidade, a violação dessas regras idealizadas dá origem ao 17
conceito de ―erro‖. Esse conceito julga toda fala que não se enquadre dentro deste 18
padrão ideal como ―erro de português‖. E isto implica a criação de um estereótipo de 19
―incompetente linguístico‖. A rigor, tal ideia pressupõe a superioridade de quem ―fala 20
certo‖ perante aos que ―falam tudo errado‖. Por isso compartilhamos do pensamento 21
de Bagno (1999, p.14) ao dizer que ―chamam, erradamente, de norma culta uma 22
gramática que não é culta, mas sim cultuada‖. 23
Uma submissão tão desmedida chega a partilhar traços de alienação. Carece, 24
portanto, de um olhar mais atento para a realidade linguística. Necessita de que se 25
tenha consciência de que o português, sendo uma só língua, não se reduz a uma só 26
norma. Ele se abre para diversas possibilidades. E isto é muito mais determinado 27
pelas condições de fala em que se está inserido do que pelo uso indiscriminado de 28
uma norma de prestígio. 29
Assim, devemos conceber essa norma como uma das formas linguísticas 30
possíveis e não como a única variante possível e aceita, ―curta‖, como diria Faraco 31
(2008). Segundo este ponto de vista, devemos considerar as mudanças sócio-32
48
históricas que ocorrem naturalmente na língua, motivadas pelas necessidades 1
linguísticas dos falantes. Toda língua sofre modificações ao longo do tempo e quem 2
garante que o que se considera ―certo‖ ou ―errado‖ hoje também o será considerado 3
daqui a 20, 30 ou 40 anos? 4
Se somos feitos de palavras, expressões que vão e vem ao sabor tempo e 5
das mudanças históricas, temos mais é que expandir nosso conhecimento, criar 6
novas combinações. Não há necessidade de suprimir um saber que o aluno já tem, 7
mas há que se mostrar o seu valor em cada situação de fala e explorar também 8
outras variedades, como a culta, perscrutando os possíveis contextos em que cada 9
uma se faz legítima. 10
Por esta via, o desenvolvimento de uma consciência crítica no que tange à 11
valorização das múltiplas formas de fala brasileiras é de suma importância para a 12
construção de uma ação pedagógica abrangente e culturalmente sensível. De 13
acordo com os PCN sobre o ensino de Língua Materna, 14
15
[...]a Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. 16 Identificam - se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como 17 falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo 18 que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum 19 considerar as variedades linguísticas de menor prestígio como 20 inferiores ou erradas. (BRASIL, 1998. p.26) 21
22
Ocorre que os conceitos de ―certo‖ e ―errado‖ são movidos, no mais das 23
vezes, por razões de ordem político-social. Essa dicotomia é mediada pelo 24
estabelecimento de índices sociais de valor que menosprezam a variedade não-25
padrão, bem como seus falantes, deixando-os à margem da sociedade e 26
contribuindo na disseminação do preconceito linguístico e da exclusão social. Como 27
bem afirma Bagno (2007), 28
29 [...] conhecer a história da língua, a tradição gramatical, a riqueza do 30 nosso vocabulário, a beleza da nossa literatura oral e escrita, o 31 potencial da nossa linguagem – tudo isso é muito bom, é precioso e 32 deve ser cultivado. Só não podemos admitir que alguém transforme 33 tudo isso numa arma, num arame farpado, numa cerca eletrificada ou 34 em qualquer outro tipo de instrumento de exclusão social. (BAGNO, 35 2007, p. 160.) 36 37 38
49
O aluno, ao ser submetido a uma visão unilateral de língua, muito ―superior‖ à 1
sua, a qual considera como ―erro‖ todas as possiblidades de fala de que dispunha 2
até então, coloca-se numa posição de inferioridade e, muitas vezes, ao invés de 3
sentir-se desafiado à aprendizagem de uma norma da qual ainda não tem domínio, 4
sente-se desestimulado, incapaz de alcançar o ―padrão linguístico‖ idealizado pela 5
escola. 6
O professor, instrumento dessa realidade, ao agir balizado apenas pela 7
tradição de gramatical, acredita que está, realmente, oferecendo o que há de 8
―melhor‖ para o seu aluno, ao impor-lhe a norma de maior prestígio e ―livrar-lhe‖ de 9
estigmas sociais. 10
Entretanto, seria preciso libertar-se, antes de tudo, das amarras dessa camisa 11
de força e abrir espaço no itinerário da aula para a expansão do domínio de outras 12
esferas da língua. Estabelece-se, dessa maneira, uma atitude de reconhecimento da 13
plausibilidade da fala conhecida pelo discente, em determinados contextos, bem 14
como do gradativo acesso às demais normas, criando um ambiente favorável para o 15
desenvolvimento de uma consciência reflexiva acerca da língua. 16
Faraco (2008, p. 169) afirma que é preciso ―[...] superar a cultura do erro e 17
recriar condições para um ensino mais eficiente e eficaz da língua‖. Para alcançar 18
esse propósito, o autor assevera que é necessário entender a história da gramática 19
e suas razões de ser para que se possa desmistificá-la. A partir disso, poderemos 20
entender suas reais funções, direcionando uma nova perspectiva para o ensino da 21
nossa língua; observemos: 22
23
É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia 24 oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada 25 ―artificial‖ e reprovando como erradas as pronúncias que são 26 resultado natural das forças internas que governam o idioma. Seria 27 mais justo e democrático dizer ao aluno que ele pode dizer BUnito ou 28 BOnito, mas que só pode escrever BONITO porque é necessária 29 uma ortografia única para toda a língua para que todos possam ler e 30 compreender o que está escrito, mas é preciso lembrar que ela 31 funciona como a partitura de uma música: cada instrumentista vai 32 interpretá-la de um modo todo seu, particular. (BAGNO, 2007, p. 49) 33
34
35
50
Assim como na ortografia, seria necessário pontuar questões referentes à 1
concordância nominal e à verbal, entre outras. A exemplo disso, podemos citar o 2
livro de Heloísa Ramos, Por uma vida melhor, da coleção Viver, Aprender. Ao 3
abordar questões referentes a esse assunto, a autora apresenta as normas de 4
concordância pertinentes à variante culta, mas também aponta que, na norma 5
popular, há outra forma comum para a realização da concordância relativa ao verbo, 6
como no exemplo “nós pega o peixe” e “os menino pega o peixe‖. Em seguida, 7
Ramos (2011) esclarece: 8
9
Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve 10 a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar 11 o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de português 12 domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua 13 situação de fala. (RAMOS, 2011, p.16). 14
15
Observemos que escritora trata desse assunto de modo cauteloso, ao 16
ressaltar a importância de se dominar as duas variedades, destacando essa 17
possiblidade dentro de uma situação adequada ao seu uso. Lembramos, não 18
obstante, que, em momento anterior do capítulo, Ramos (2011, p.15) já havia 19
advertido o estudante de que ele poderia falar “os livro”, mas haveria a possibilidade 20
de ele ser vítima de preconceito linguístico, a depender do contexto inserido. 21
Diante dessas breves ponderações, não fica difícil perceber que o trabalho 22
realizado pela autora, em seu livro, procura por em prática os fundamentos da 23
Sociolinguística de uma maneira muito consciente e responsável. Longe do que 24
diziam as críticas infundadas e preconceituosas feitas à obra, não há uma tentativa 25
de desvirtuamento da LP, mas o intuito de estabelecer um tratamento significativo 26
com relação aos fenômenos de variação e mudança linguística, em situação real de 27
uso da língua. 28
Essa reação incisiva, contrária à abertura de um espaço para o 29
reconhecimento da heterogeneidade linguística, pode ser explicada pelo fato de 30
ainda haver, muitas vezes, uma supervalorização de um ensino normativo em 31
detrimento da reflexão acerca das normas, conforme bem salienta Scherre (2005). 32
33 34
51
O ensino normativo tem o objetivo explícito de banir da(s) língua(s) 1 formas ditas empobrecedoras, formas ditas desviantes, formas 2 consideradas indignas de uma língua bem falada e, portanto, 3 indignas de serem usadas por homens de bem. (SCERRE, 2005, p. 4 42, grifos da autora) 5 6 7
Diante de tal perspectiva, não nos surpreende o fato de a publicação desse 8
livro, contendo alguns aspectos concernentes à variação, entre eles o exemplo 9
apresentado, ter causado grande furor entre professores, pais e alunos (leigos no 10
assunto!) e até mesmo entre alguns gramáticos (estudiosos - quem diria?). Estes 11
diziam, de maneira geral, que obra era uma transgressão à LP, pois desprezaria a 12
norma culta e ensinaria o aluno a ―falar errado‖. As críticas feitas por essas pessoas 13
estão cobertas por um lamentável e infundado repúdio à legitimação de formas 14
consideradas ―indignas de uma língua bem falada‖, como argumenta Scherre (2005). 15
O episódio traz à cena o preconceito linguístico e põe diante de nossos olhos 16
o tamanho de sua força no meio social e midiático. Consoante Scherre (2005), 17
18 19 [...] em nome da boa língua pratica-se a injustiça social, muitas 20 vezes, humilhando o ser humano por meio da não-aceitação de um 21 de seus bens culturais mais divinos: o domínio inconsciente e pleno 22 de um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor. 23 E mais que isto: a escola e a sociedade [...] fazem associações 24 perversas, sem respaldo linguístico estrutural, entre domínio de 25 determinadas formas linguísticas e beleza ou feiura; entre domínio de 26 determinadas formas linguísticas e elegância ou deselegância; entre 27 o domínio de determinadas formas linguísticas e competência ou 28 incompetência; entre o domínio de determinadas formas linguísticas 29 e inteligência ou burrice. (SCHERRE, 2005, p. 43) 30 31
Muitas das acusações equivocadas foram feitas sem nenhum respaldo 32
científico, sem ao menos ler o trecho do capítulo no qual o assunto foi apresentado. 33
Isto atesta que ―infelizmente a língua é também um instrumento de poder; língua é 34
também um instrumento de dominação; língua é também um instrumento de 35
opressão.‖ (SCHERRE, 2005, p. 44) 36
Diferente de outras áreas, como a saúde, por exemplo, em que a sociedade 37
compreende os avanços ocorridos no campo da medicina e considera-os legítimos 38
na prática medicinal, na área da educação ocorre o inverso. Basta haver um mínimo 39
sinal de tentativa de aplicação de resultados de pesquisa e estudos científicos ao 40
52
exercício da docência que a maioria das pessoas começa a desferir críticas 1
nervosas ao trabalho proposto, na busca pela preservação de um português que não 2
encontra fundamento na realidade empírica da língua. 3
Perguntamo-nos, então: não seria o momento de tentar compreender os 4
fenômenos linguísticos que emergem em tais situações e buscar descrever as 5
motivações internas e externas a que estão sujeitos ao invés de, em uma atitude 6
simplista, classificá-los apenas como ―certo‖ ou como ―errado‖ e daí apresentar uma 7
prescrição como forma de resolver a variação linguística? 8
Concordamos com a sugestão da autora para que haja uma atuação mais 9
incisiva dos sociolinguistas na mídia, a fim de desmistificar essas e outras questões 10
relativas à língua e, assim, ampliar o leque da compreensão sobre a língua e as 11
suas variações. 12
Ademais, podemos entender porque, apesar de todas as discussões 13
empreendidas em torno da relação língua, sociedade, variação e mudança, na 14
prática, o desenvolvimento de uma nova perspectiva de ensino de LP, mediante um 15
viés variacionista, ainda é significativamente lento. 16
Para o professor, essa tarefa realmente não é fácil, embora imprescindível. 17
Por um lado, a maior parte dos docentes da área reconhece a heterogeneidade 18
linguística e sabe da necessidade de um trabalho reflexivo sobre a língua, 19
considerando suas particularidades e a rica diversidade de usos. Por outro, sofre 20
com a resistência dos pais, da comunidade e, muitas vezes, dos próprios alunos ao 21
desenvolvimento de atividades que reconheçam a variedade popular como uma das 22
possibilidades de uso linguístico, entre outras. 23
Na contramão das propostas feitas por pesquisadores da língua, fruto de anos 24
de estudo científico e já legitimadas pelos PCN, a pressão para que o ensino 25
calcado na apreensão normativista de nomenclaturas prevaleça sobre a diversidade 26
linguística chega a tal ponto que o professor torna-se, em diversas oportunidades, 27
vítima de preconceito, como se estivesse a ensinar tudo ―errado‖ para o aprendiz ou 28
ensinando-o que ―vale tudo‖ na língua, como nos lembra Bagno (2007) 29
O caminho a ser trilhado parece ser bastante árduo, contudo não podemos 30
negar que este reconhecimento da característica heterogênea da língua chegou ao 31
Brasil há um tempo relativamente curto, se pensarmos que os debates sobre o tema 32
53
começaram a ganhar contornos mais evidentes a partir da década de 70, sendo 1
incorporados aos PCN nos anos 90. Toda a tradição anterior se alicerçava nos 2
parâmetros normativos e, se observamos bem, muitos avanços já foram alcançados. 3
Contudo, muitos outros necessitam ser ainda de reconhecimento. 4
Portanto, o professor, investido de uma postura crítica, deve discutir a 5
diferença entre textos orais e escritos e o uso que deles é feito em situações que 6
impliquem maior ou menor grau de monitoramento linguístico. Eis a concepção mais 7
ampla da competência linguística: a capacidade de dominar as diversas 8
modalidades de uso da língua e adequá-las aos contextos sócio comunicativos, de 9
modo a atingir os objetivos da interação verbal. Assim, conforme Bortoni-Ricardo 10
(2011), 11
[...] se um professor do Ensino Básico conhece as características da 12 fala do grupo social de onde provêm seus alunos, poderá planejar 13 seu trabalho pedagógico com vistas a ampliar a competência 14 comunicativa desses alunos, habilitando-os a usar outras variantes 15 de mais prestígio, na escrita e na fala quando essa precisa ser 16 monitorada. Todo falante tem de monitorar sua fala de modo a 17 atender às expectativas de seus ouvintes; tal flexibilidade é 18 fundamental para que ele possa ser bem recebido em qualquer 19 ambiente e assim ter mobilidade social. (BORTONI-RICARDO, 2011, 20 p.01) 21
22
A assunção desta postura em sala de aula promoverá, certamente, uma 23
ruptura com o estigma de ―incompetente linguístico‖ imanente a uma conduta 24
reducionista, cerceada tão somente pela norma padrão, elevando o aprendiz ao 25
reconhecimento de sua competência linguística. 26
Logo, ao professor, é importante levar em consideração a gramática da qual 27
dispõe o aprendiz, levando-o a conhecer a sutilezas e (ir)regularidades da gramática 28
normativa, em um movimento de ação e reflexão acerca da evolução social e 29
histórica da língua e suas modalidades de uso. Esta prática provocaria a soma de 30
conhecimentos gramaticais: dos internalizados aos normativos, em detrimento da 31
imposição categórica de um padrão cultuado que suplantaria a gramática adquirida 32
previamente pelo discente. 33
Mas, com já dissemos, é preciso muita cautela para lidar com o fenômeno da 34
variação linguística em sala de aula. Embora, muitas vezes, haja a tentativa de 35
54
discuti-la e problematizá-la, se o educador não tiver uma ação muito consciente de 1
sua prática, acabará recaindo na mesma postura normativista de sempre. Quando, 2
por exemplo, em uma aula na qual se pretende discutir variação linguística, recorre-3
se às tirinhas do Chico Bento e solicita-se que a fala desse personagem seja 4
reescrita para o português padrão, o docente acaba deslegitimando a fala caipira do 5
Chico e explicitando que há uma necessidade de corrigi-la, quando, na verdade, é 6
justamente esta fala e seu modo simples de ser que constroem a dinâmica e todo o 7
perfil peculiar do personagem. 8
Ao falar sobre a importância de se trabalhar a variação na escola, Bortoni-9
Ricardo (2011), em artigo publicado em seu blog11, afirma: 10
11 Se a variação linguística for discutida na escola, inserida na matriz do 12 multiculturalismo brasileiro, teremos mais oportunidade de discutir a 13 gramática da língua padrão, descrita nos compêndios de gramática 14 normativa, à luz das características da nossa fala brasileira; 15 poderemos identificar os contextos em que as diversas variedades 16 da língua são produtivas; (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 01) 17 18
Esta matriz multiculturalista permitiria ampliar o repertório verbal do alunado, 19
despertando-lhe uma consciência crítica do processo interativo. Nessa medida, ele 20
se tornará um falante hábil no manejo de sua língua, o que lhe permitirá modular e 21
regular os padrões de fala apropriados à natureza das operações discursivas com se 22
depara na esfera social. 23
Assim sendo, reiteramos o que viemos discutindo ao longo desta seção: a 24
função do professor de português é a de ensinar o dialeto de prestígio, tendo em 25
vista o oferecimento de condições transformadoras, mas, também, a de respeitar o 26
dialeto do aluno e a de mostrar-lhe a diversidade linguística presente em toda língua. 27
28
29
30
11
Artigo consultado através do acesso ao blog “Stella Bortoni”, gerido pela professora Stella Maris Bortoni-
Ricardo, sob o endereço:
http://www.stellabortoni.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3124:por-que-ensinar-
variacao-linguistica-em-sala-de-ula&catid=45:blog&Itemid=1.
55
2.6 GRAMÁTICA, VARIAÇÃO E ENSINO: o fértil campo do saber deve ser cultivado 1
com muita reflexão 2
3
Através dos anos, a despeito de todas as discussões propostas, perdurou e, 4
talvez ainda perdure, a concepção de que ministrar aulas de LP resume-se 5
unicamente a ensinar gramática, leia-se a gramática normativa. 6
Gramática normativa, como bem afirma Travaglia (2006, p.24), é vista como 7
―um manual com regras de bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que 8
querem se expressar adequadamente‖. Nessa perspectiva, a aprendizagem significa 9
a aquisição das regras do bem falar e escrever, e a leitura reduz-se a mera 10
decodificação do signo linguístico. O objetivo do ensino baseado em tais preceitos 11
seria, então, o de resguardar a memória do ―bom português‖ e garantir a sua 12
sobrevivência, enquanto legado para a cultura da humanidade. 13
Tal viés levou ao estabelecimento de uma linha de educação tradicionalista, a 14
qual instituiu o compêndio gramatical como objeto potencial de estudo da língua. Por 15
seu turno, a linguagem era vista como expressão do pensamento. Esta concepção, 16
de acordo com Koch (2003), 17
18
Corresponde a um sujeito psicológico, individual, dono de suas 19 vontades e de suas ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego 20 que constrói uma representação mental e deseja que esta seja 21 ―captada‖ pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada. (KOCH, 22 2003, p. 13-14) 23
24
De acordo com essa visão, o sentido do texto está atrelado a uma 25
organização lógica ocorrida no interior da mente do indivíduo, a qual se dava a 26
conhecer no momento da sua exteriorização. Portanto, segundo esse princípio, cabe 27
àquele com quem se comunica, o receptor, apenas a função de ―captar‖ a 28
mensagem transmitida e abstrair dela o sentido pronto, acabado. Logo, ―Para essa 29
concepção, as pessoas não se expressam bem porque não pensam. A expressão se 30
constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução‖ 31
(TRAVAGLIA, 2006, p. 21) 32
Não é difícil perceber que essa noção põe à parte o caráter histórico, social e 33
ideológico do indivíduo, desconsiderando o contexto e as condições de produção 34
56
dos textos orais e escritos. Nesse cenário, a natureza dialógica12 da linguagem, cede 1
espaço para uma apreciação monológica desta, privilegiando o domínio da 2
nomenclatura, mediante a ilusória promoção do domínio do uso. De tal sorte, as 3
aulas de língua materna calcadas em tais bases conceituais constituem-se em um 4
desfile monótono de centenas de regras ―inalienáveis‖ e absolutamente 5
―necessárias‖ para ―decifrar‖ o código linguístico. Logo, frases soltas, fragmentárias e 6
isoladas constituem o frágil solo sobre o qual tais regras são exploradas. Por sua 7
vez, a plateia segue assistindo passivamente a este espetáculo de subordinada 8
categorização gramatical. 9
Terminado o desfile, o aluno, sem conseguir compreender o sentido e a 10
função de tudo que foi visto, é levado a supor que desconhece a língua e nunca 11
aprenderá português porque não domina o modelo normativo. 12
Sabemos, pois, que ―o conhecimento da nomenclatura e das classificações 13
gramaticais [...] é visivelmente irrelevante para se dominar as amplas exigências da 14
atividade verbal.‖ (ANTUNES, 2007, p.131). Mas quais seriam, então, as raízes 15
dessa concepção normativa? De acordo com estudos de Faraco (2008), os 16
primeiros gramáticos já definiam seu trabalho como ―arte de escrever e falar 17
corretamente‖; e de compreender os poetas. Naquele contexto, ser culto significava 18
ter posses, ser um homem abastado. Essa condição estava restrita às elites 19
masculinas, das quais se esperava um manejo versátil da língua nos espaços 20
públicos e na escrita e o uso das formas tidas como corretas. Com o ensino de 21
língua objetivava-se o exercício das habilidades de falar em público e de escrever. 22
A chegada desses valores ao Brasil estende suas raízes a um modelo 23
pedagógico traçado no período colonial com a educação jesuítica cujos frutos são 24
preconceitos e estigmas. A partir de então, sob uma perspectiva unilateral ligada aos 25
falares lusitanos, começa a crescer no seio da sociedade a ideia de português como 26
sinônimo de um padrão europeu. Além disso, desprezam-se as particularidades que 27
compreendem o processo de construção da língua portuguesa no Brasil, o qual 28
propiciou o surgimento das demais variedades linguísticas existentes no país. 29
Segundo Bakhtin (2006), em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, o dialogismo perpassa a ideia de um entrelace de vozes. Para nós, interessa essa relação entre sujeitos que se implicam e se misturam no momento da interação verbal.
57
Tais valores são defendidos pelas classes mais favorecidas, as quais 1
pretendem delimitar como se deve falar e escrever, considerando um modelo de 2
língua balizado em viés anacrônico e muito pouco significativo. 3
Diante disto, percebemos, em consonância a Faraco (2008) e Travaglia 4
(2006), que muitos estudos de LP são influenciados por essa herança gramatical, 5
cujas raízes são bem profundas e remontam à tradição greco-romana. Talvez em 6
razão disso seja tão difícil desprender-se dessas práticas seculares de ensino. Ao 7
volver os olhos para o passado, não nos parece pertinente condenar o professor 8
pelo trabalho que tem feito até agora. Afinal, toda sua a vida escolar, enquanto 9
aluno, foi permeada por esta educação tradicional. Suas experiências didáticas, de 10
exercícios, de provas, de leitura e produção de textos são fruto desse tipo de 11
educação. Portanto, é perfeitamente compreensível a recorrência em sua didática 12
aos modos de ensino que lhe foram impingidos. 13
Compreensível, nesse caso, não quer dizer aceitável, pois a educação não 14
pode ser estática, mas, sim, dinâmica. A busca por uma metodologia eficiente pode 15
partir de outra já experienciada, todavia partir não significa restringir-se a ela. 16
Significa buscar, com base na reflexão sobre o que foi significativo ou não na sua 17
vida enquanto aluno, a direção mais frutífera a ser seguida, no entrecruzamento de 18
concepções de ensino que levam ao extenso e complexo caminho da aprendizagem. 19
Assim, no horizonte da educação, uma nova direção se desponta a partir da 20
emergência da perspectiva sociointeracionista13. Com base em um novo paradigma 21
de ensino-aprendizagem, concebendo de linguagem como fruto da interação social, 22
o educador sente a necessidade de repensar o seu fazer pedagógico, de refazer o 23
caminho a ser trilhado. Segundo Koch (2003), 24
25 26 [...] essa concepção ―corresponde à noção de sujeito como entidade 27 psicossocial, sublinhando-se o caráter ativo dos sujeitos na produção 28 mesma do social e da interação e defendendo a posição de que os 29 sujeitos (re)produzem o social na medida em que participam 30 ativamente da definição da situação na qual se acham engajados, e 31
13
Lembramos que entre a concepção de língua como expressão do pensamento e a teoria sociointeracionista
existe a concepção de língua como instrumento de comunicação. No entanto, optamos por abordar apenas os
extremos para mostrar a diferença entre a primeira e a mais recente abordagem linguística.
58
que são atores na atualização das linguagens e das representações 1 sem as quais não poderia existir. (KOCH, 2003, p.15) 2
3
Conforme as considerações de Koch (2003), essa perspectiva reorganiza a 4
trajetória de criação de textos, estabelecida outrora como a exteriorização do 5
pensamento, e põe em cena um conjunto de fatores sociais, históricos e ideológicos 6
responsáveis pela produção de sentidos. Passa-se a perceber, então, a 7
complexidade de tal tarefa, a qual se constitui como a convergência de três etapas, 8
a saber: a fase pré-texto, quando o sujeito arquiteta aquilo que vai dizer e estabelece 9
as estratégias de como dizer; a fase de escrita propriamente dita, quando o autor 10
movimenta seus conhecimentos sócio-cognitivos e linguísticos a fim de construir um 11
texto coeso e coerente; e a fase em que o leitor interage com o texto e aciona os 12
saberes oriundos do seu conhecimento de mundo, em uma atitude colaborativa para 13
a construção do sentido. 14
Se antes os estudos gramaticais eram pautados nas atividades 15
metalinguísticas, ―aquelas em que se usa a língua para analisar a própria língua, 16
construindo então o que se chama metalinguagem‖ (TRAVAGLIA, 2006, p. 33), 17
nessa nova percepção a análise gramatical tem por base as atividades 18
epilinguísticas, ―aquelas que vão tratar dos próprios recursos linguísticos que estão 19
sendo utilizados, ou de aspectos de interação‖ (TRAVAGLIA, 2006, p.35). 20
Sousa (2005) chama-nos a atenção para necessidade de distinção entre 21
gramática do texto e gramática no texto. 22
23
Como ―gramática no texto‖, entendemos, aqui, atividades em que o 24 aluno é solicitado a identificar (sublinhar, ―circular‖, copiar, reproduzir 25 etc) elementos gramaticais num determinado texto, sem que 26 atividade concorra para uma melhor compreensão. 27 [...] Como ―gramática do texto‖, atividades em que o aluno tem 28 oportunidade de fazer ―análise e reflexão sobre a língua‖ em 29 situações de uso. (SOUSA, 2005, p.05) 30
31
Perante a esta distinção, percebemos que a metalinguística está calcada nos 32
exercícios de nomenclatura, portanto na gramática no texto, assim como as 33
atividades epilinguísticas baseiam-se na gramática do texto, pois privilegiam a 34
língua em situação real de uso. 35
59
A busca pela mudança no paradigma educacional, desenvolvida no esteio da 1
dimensão interacional da linguagem foi, sem dúvida, um passo relevante para o 2
ensino de LP. Entretanto, no cotidiano escolar, a didática observada em de sala de 3
aula não traduz exatamente essa mudança. 4
Assim, a abordagem normativa (reducionista) da linguagem dá lugar a um 5
estudo pretensamente libertador, pois, embora esteja camuflado por um discurso 6
interacionista, na prática, ainda não conseguiu se desvincular do puro estudo da 7
nomenclatura, sugerido pelo componente curricular. Obrigado a decorar regras 8
gramaticais, ao educando resta a sensação mista de estranhamento e contradição, 9
pois, ao mesmo tempo fala a língua, mas não se reconhece enquanto possuidor de 10
um domínio gramatical. 11
Em outras palavras, o discente não se apercebeu, ainda, da sua 12
funcionalidade e isto o leva a si perguntar: ―Por que eu tenho que estudar isso?‖. 13
Essa falta de função leva o aprendiz a, erroneamente, entender que é um estudo 14
sem sentido, sem lógica. Ora, ninguém se comunica através de frases soltas, as 15
pessoas interagem-se através de textos. E ―o texto não é a forma prioritária de usar 16
a língua. É a única forma. A forma necessária. Não tem outra. A gramática é 17
constitutiva do texto, e o texto é o constitutivo da atividade da linguagem.‖ 18
(ANTUNES, 2007, p. 130. grifo da autora) 19
Diante disso, o texto deve ser o objeto de estudo em sala de aula e não um 20
conjunto frases prontas e desconexas que não fazem sentido para ninguém. Parece-21
nos deveras pertinente a proposta de Bagno (2009) para o ensino de LP nas 22
escolas: 23
24 O papel fundamental do ensino de língua na escola é promover a 25 educação linguística dos aprendizes para a conquista de sua plena 26 cidadania na cultura letrada que a nossa – e isso não faz nem não se 27 consegue, de modo nenhum, com velhas ―aulas de gramática‖, nem 28 com a substituição delas por ‗aulas de linguística‘. (BAGNO, 2009, p. 29 155, grifos do autor) 30
31
Segundo o autor, essa educação linguística deve ser feita com base na união 32
de três campos principais, quais sejam: o do letramento, o da variação linguística e o 33
da reflexão linguística, no âmbito da teoria e prática. Bagno (2009) assim os 34
descreve: 35
60
1. O desenvolvimento ininterrupto das habilidades de ler, escrever, falar, 1 escutar; 2
2. O conhecimento e o reconhecimento da realidade intrinsecamente 3 múltipla, variável, mutante, heterogênea da língua, realidade sujeita 4 aos influxos das ideologias e juízos de valor; 5
3. A constituição de um conhecimento sistemático sobre a língua, tomada 6 como objeto de análise e investigação. (BAGNO, 2009, p. 155) 7
8
Ao que tudo indica, esta proposta desponta-se como uma sugestão bastante 9
coerente para o ensino de língua materna. Acreditamos que, a partir desta 10
perspectiva, seja possível desenvolver um projeto didático mais comprometido com 11
a realidade linguística do país, através da prática sensível de análise e 12
funcionamento da língua. Isto pode ser feito através: da leitura de diversos gêneros 13
textuais, com o olhar atento para as peculiaridades que lhe são constitutivas; da 14
reflexão respeitosa acerca dos fenômenos de variação e mudança da língua, bem 15
como de suas diferentes normas, inseridas em contextos de efetivos de uso; da 16
necessidade de uso criterioso dessas distintas normas, sob possibilidade de incorrer 17
em maior ou menor prestígio social, conforme a situação; da realização de 18
atividades de análise do funcionamento da língua. 19
De modo mais sistemático, Coelho et al (2015) sugere algumas atividades, 20
dentre as quais elencamos algumas mais significativas à nossa pesquisa. 21
22
1. Desenvolver projetos de pesquisa que levem os alunos a: 23 a. Identificar as regularidades linguísticas dos fenômenos variáveis[...]; 24 b. Entender o funcionamento desses fenômenos [...] 25 c. Lidar conscientemente com as noções de ‗certo‘ e ‗errado‘, ‗adequado‘ 26
e ‗inadequado‘ – tanto na modalidade escrita quanto na oral – que 27 perpassam os fenômenos de variação/mudança. [...] 28
2. Analisar textos de publicidade que veiculam qualquer tipo de 29 preconceito linguístico e posicionar-se criticamente frente a eles. 30
3. Comparar textos de diferentes épocas para perceber a 31 variação/mudança linguística [...]. 32
4. Ensinar a norma culta da língua portuguesa, sem, contudo, 33 desconsiderar as variedades linguísticas que os alunos trazem de 34 casa. [...]. (COELHO et al, 2015, p. 160-161) 35
36
Sinalizamos, com essas sugestões, apenas algumas das possibilidades de 37
caminhos a serem trilhados. Sem dúvidas, muitas outras atividades podem e 38
devem ser exploradas, na busca por uma didática que amplie as habilidades 39
61
linguísticas dos alunos, ao invés de limitá-las, e que faça florescer a sua 1
consciência crítica a respeito das modalidades de uso da língua. 2
O aprendiz deve compreender muito bem o terreno com o qual trabalha (a 3
língua), para escolher qual a semente (variação) mais apropriada ao plantio (uso) 4
naquela região (contexto), conforme o clima e o tipo de solo (grau de formalidade 5
e interlocutor). A escolha de uma semente inadequada pode prejudicar uma 6
plantação inteira! Mas, de outro modo, a opção correta, sem dúvidas, trará 7
resultados bastante satisfatórios, fazendo germinar situações frutíferas de 8
interação verbal. Desta feita, ao mesmo tempo em que colhe o doce fruto de uma 9
produção linguística consciente, o sujeito liberta-se do amargo peso de estigmas 10
sociais. 11
12
2.7 POLÍTICAS PARA O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL: Sementes para a 13
constituição de uma nova genealogia de ensino. 14
15
Abordadas as noções de norma e a relação entre a noção de erro e o 16
preconceito linguístico nas primeiras partes da seção 2, destacamos, nas linhas que 17
se seguem, o tratamento da variação linguística no livro LP, assim como algumas 18
políticas desenvolvidas para o livro didático no Brasil, com especial para atenção os 19
PCN e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) para que possamos compreender 20
e analisar com maior proficiência o fenômeno da variação linguística nos LDs. 21
22
2.7.1 A Perspectiva da Variação Linguística nos PCN de Língua Portuguesa: novos 23
ventos ajudam a expandir e a perpetuar o cultivo da variação na LP. 24
25
Conforme mencionamos na seção I, a década de 60 representou um marco 26
para os estudos linguísticos, haja vista o reconhecimento da heterogeneidade da 27
língua nos estudos linguísticos e o estabelecimento da relação entre esta e a 28
sociedade. A partir de então, a reflexão sobre os fenômenos de variação ganhou 29
corpo entre os pesquisadores. 30
A respeito da ressonância dessas discussões nos estudos posteriores acerca 31
da língua e suas implicações na sala de aula, Bortoni-Ricardo (2005) pontua o 32
62
crescente interesse pela possível relação entre o baixo rendimento escolar de 1
crianças e sua origem étnica, sobretudo nos Estados Unidos: 2
3 4 Paralelamente ao desenvolvimento da etnografia da comunicação, a 5 sociolinguística quantitativa, a partir da década de 1960, manifesta 6 crescente preocupação com a interferência dos dialetos 7 estigmatizados, falados por grupos minoritários, na aquisição da 8 variedade padrão da língua, nas escolas. Esses estudos dividiram-se 9 em duas grandes correntes: uma voltada para a organização interna 10 das variedades sociodialetais e outra que se ocupou dos fatores 11 sociais externos, pesquisando as atitudes sociais sobre a dialetação 12 étnica e social. (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 119) 13
14
A autora ressalva que, embora uma proposta para um ensino bidialetal tenha 15
sofrido diversas críticas e se abrandado nos anos seguintes, é inegável a 16
contribuição dos estudos sociolinguísticos para a área da educação. 17
No que tange ao Brasil, conforme Bortoni-Ricardo (2005, p. 283), ―só com a 18
chegada da sociolinguística no Brasil, na década de setenta do século XX [...] é que 19
começa a desvelar-se a heteroneidade do português brasileiro.‖ Entretanto, esse 20
reconhecimento da natureza heterogênea da língua ocorre de maneira lenta entre os 21
professores, sobretudo no que diz respeito a uma mudança em sua postura docente. 22
Ao passo em que, paralelamente, no mundo, já havia uma tentativa de 23
reorganizar o ensino, em conformidade a uma perspectiva heterogênea de língua, 24
no cenário brasileiro os estudos ainda eram conduzidos sob a égide da tradição 25
gramatical. 26
Houve, nessas décadas subsequentes (70,80 e parte da década de 90), certo 27
conflito entre o que propunha um viés variacionista e a postura do docente em sala 28
de aula, posto que a forma como os fenômenos de variação e mudança da língua 29
eram abordados em classe dependiam da formação linguística que o professor 30
dispunha. De modo que, se conhecesse os pressupostos da Sociolinguística, 31
poderia aplicá-los à prática pedagógica, mas se desconhecesse tais estudos, se 32
apoiaria na didática tradicionalista ou, mesmo, em sua capacidade intuitiva. 33
A partir do ano de 1998, a educação brasileira passa a considerar, na 34
elaboração de seu currículo de ensino, os PCN, os quais são definidos por Coelho 35
et al (2015, p.135) como um ―conjunto de documentos que tem como objetivo 36
subsidiar a elaboração do currículo de ensino fundamental e do médio no Brasil, 37
63
visando a formação da cidadania do aluno‖. Em tais documentos, são feitas 1
considerações sobre diversos aspectos de cada área de ensino. Em razão do nosso 2
foco de interesse, nos deteremos àquelas relacionadas ao domínio da língua 3
portuguesa e, mais especificamente, da variação linguística. 4
Assim, nos PCN, notamos o diferencial no tratamento dado ao educando, na 5
condição de sujeito ―capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir 6
diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução 7
oral e escrita.‖ (BRASIL, 1998, p. 22). Há um esforço perceptível pela busca do 8
desenvolvimento da competência discursiva do aluno, apresentada a partir de uma 9
postura reflexiva e da análise linguística. 10
Além dessa abordagem discursiva da linguagem e da ênfase na formação 11
cidadã do aprendiz fazerem-se presentes na base das orientações de uma forma 12
geral, nos PCN, há uma seção específica dedicada às implicações da variação 13
linguística para a prática pedagógica. Citemos. 14
15
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos 16 os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente 17 de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em Língua 18 Portuguesa está se falando de uma unidade que se constitui de 19 muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa unidade lingüística 20 e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de 21 emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as 22 quais não somente identificam os falantes de comunidades 23 lingüísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em 24 uma mesma comunidade de fala. (BRASIL, 1998, p. 29) 25
26
Eis aí o reconhecimento da variação como uma realidade linguística natural 27
ao processo interativo, a língua sendo reconhecida com ―[...] uma unidade que se 28
constitui de muitas variedades[...]‖ (BRASIL, 1998, p.29). Como tal, o fenômeno da 29
variação e mudança linguística não se limita a ditames temporais, mas perpassa 30
todas as épocas, ou seja, não é um fenômeno restrito a uma dada camada social, 31
perdida em um passado longínquo, mas um fenômeno dinâmico e ininterrupto, 32
comum a qualquer falante da língua. 33
Mais adiante, os documentos salientam o fato de que usos de uma ou outra 34
expressão devem ser condicionados a fatores sócio-histórico-culturais, como idade, 35
sexo, grau de formalidade entre outros. Para além do conceito de ―certo‖ ou de 36
64
―errado‖, cultiva-se nos PCN a necessidade de adequação à realidade de usos 1
linguísticos. Nesse sentido, falar adequadamente é muito mais relevante ao sucesso 2
da interação verbal do que a mera reprodução de uma modalidade (formal) da 3
língua, por vezes, sendo realizada em um contexto inadequado. Expõe-se, assim, 4
que o mapa das nossas interações diárias é construído a partir de diferentes 5
situações discursivas próprias a cada lugar de onde se fala, as quais requerem do 6
falante a habilidade de operar com diversos níveis de formalidade a depender do 7
objetivo pretendido e da intenção comunicativa, conforme o interlocutor com o qual 8
se interage. 9
Com base em Coelho et al (2015, p. 137), ―o que está em jogo aí são os 10
diferentes papéis sociais que as pessoas desempenham em diferentes ‗domínios 11
sociais‘: na escola, na igreja, no trabalho, em casa, com os amigos etc‖. Até mesmo 12
dentro de um determinado domínio os papéis se modificam, pois, no trabalho, por 13
exemplo, quando o sujeito dirige-se ao chefe, usa de uma linguagem mais formal, já 14
com um colega de serviço é diferente, mais descontraído, menos planejado. Isso 15
significa jogar bem esse jogo que constitui a linguagem. 16
Vale destacar os objetivos propostos pelos PCN para que os alunos 17
produzam textos orais: 18
19
[..] espera-se que o aluno: 20 planeje a fala pública usando a linguagem escrita em função das 21 exigências da situação e dos objetivos estabelecidos; 22 . considere os papéis assumidos pelos participantes, ajustando o texto 23 à variedade lingüística adequada; 24 . saiba utilizar e valorizar o repertório lingüístico de sua comunidade na 25 produção de textos; 26 . monitore seu desempenho oral, levando em conta a intenção 27 comunicativa e a reação dos interlocutores e reformulando o 28 planejamento prévio, quando necessário; 29 . considere possíveis efeitos de sentido produzidos pela utilização de 30 elementos não-verbais. (BRASIL,1998, p. 51) 31
32
Como percebemos, a linguagem é posta em função do uso e não o contrário. 33
Não é um padrão específico cultuado pela sociedade, de forma geral, que deve 34
prevalecer em relação à língua, mas é esta que deve se ajustar aos diferentes 35
contextos de fala. 36
65
No terreno das discussões propostas pelos parâmetros, há espaço também 1
para abordagem do preconceito linguístico. Quanto a este aspecto, fica clara a 2
existência de estigmas e valorações de juízo a respeito da escolha ou não, do uso 3
ou não da variante de prestígio. Os PCN são bastante incisivos no que diz respeito à 4
necessidade de a escola reprimir qualquer atitude preconceituosa. Leia-se: 5
6
Frente aos fenômenos da variação, não basta somente uma 7 mudança de atitudes; a escola precisa cuidar para que não se 8 reproduza em seu espaço a discriminação lingüística. Desse modo, 9 não pode tratar as variedades lingüísticas que mais se afastam dos 10 padrões estabelecidos pela gramática tradicional e das formas 11 diferentes daquelas que se fixaram na escrita como se fossem 12 desvios ou incorreções. E não apenas por uma questão 13 metodológica: é enorme a gama de variação e, em função dos usos 14 e das mesclas constantes, não é tarefa simples dizer qual é a forma 15 padrão (efetivamente, os padrões também são variados e dependem 16 das situações de uso). Além disso, os padrões próprios da tradição 17 escrita não são os mesmos que os padrões de uso oral, ainda que 18 haja situações de fala orientadas pela escrita. (BRASIL, 1998, p. 82) 19 20
21
A postura discriminatória face à diversidade linguística é caracterizada como 22
anticientífica, isto é, movida apenas por questões subjetivas e que, portanto, não 23
encontra amparo nos estudos linguísticos produzidos nas academias de letras. 24
Ademais, é importante salientar que, embora haja nos documentos uma 25
diferenciação entre os padrões de uso oral e escrito, na escola, muitas vezes, ainda 26
prevalece essa dicotomia entre língua falada e língua escrita. 27
Como já apresentamos no âmbito desse estudo, entre a fala e a escrita, não 28
há uma fronteira que delimite rigorosamente o espaço de uma ou outra modalidade. 29
Essa relação se dá modo fluido, contínuo, de acordo com o grau de formalidade 30
exigido pela situação de fala e pelo sujeito com o qual se interage. Logo, a depender 31
do contexto e do gênero textual-discursivo, a fala pode adquirir traços mais ou 32
menos formais, mais ou menos próximos da escrita ou da oralidade e vice-versa. 33
A propósito de tal discussão, Neves (2003, p.90) considera que ―a visão 34
dicotômica é problemática desde a base, isto é, desde a oposição fundamental entre 35
língua falada e língua escrita, como se entre elas só houvesse diferenças.‖ Como 36
pode-se observar, o posicionamento estanque não corresponde, segundo a autora, 37
ao uso real da língua. O que existem não são ―apenas diferenças‖, mas níveis de 38
66
aproximação e distanciamento dentro de um continuum que vai do oral ao escrito, do 1
formal ao informal, do mais monitorado ao menos monitorado. Logo, a depender das 2
circunstâncias, a fala pode se aproximar da escrita padronizada pela gramática ou o 3
contrário: um texto escrito pode se deslocar para o campo da oralidade, de acordo 4
com o gênero discursivo e o objetivo almejado, conforme ilustra o gráfico 1, de 5
Marcuschi (2001). 6
7
2.8 A VARIAÇÃO NO LIVRO DIDÁTICO: uma ferramenta de trabalho que deve ser 8
atualizada 9
10
Um dos importantes suportes metodológicos utilizados pelo professor em 11
sala de aula é o livro didático, pois este se constitui como uma fonte de prática de 12
ensino e de estudo, de análise linguística e textual. Dada a sua a relevância, 13
consideramos necessário utilizá-lo de modo consciente quanto ao tratamento 14
dispensado à gramática e à variação linguística. 15
Atualmente, o Brasil conta com um Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) o 16
qual avalia as obras submetidas pelas editoras, quanto à adequação aos 17
pressupostos dos PCN e também da Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB). 18
Só após a aprovação tais livros são indicados como possíveis escolhas para adoção 19
nas escolas. 20
A respeito da concepção de livro didático proposta pelo programa, Gonzáles 21
(2015) nos chama atenção para: 22
23
[...] o fato de que, em momento algum, o PNLD explicita sua 24 concepção de livro didático. Por não fazer isso, acaba se filiando a 25 uma concepção de livro didático que herdamos da década de 1960. 26 Naquele momento histórico, o capitalismo brasileiro se expandia, 27 principalmente, por meio da intensa industrialização. A indústria 28 demandava certo nível de escolarização, de modo que a escola 29 pública brasileira, até então responsável pelo ensino dos filhos das 30 elites, passa a abrir suas portas para as classes populares 31 (GONZÁLES, 2015, p. 227-228) 32
33
Como pontuamos na subseção a respeito da democratização do ensino, a 34
ampliação do acesso das camadas mais populares da sociedade à escola deu 35
margem a uma percepção mais clara da diversidade até então pouco reconhecida. 36
67
Ainda segundo Gonzáles (2015, p.229), esse suporte didático surgido no intuito 1
fornecer uma base para aulas de português ―parece ter dificuldades em lidar com a 2
multiplicidade de modos de aprender e de ensinar, pois os livros didáticos 3
estruturadores supõem a homogeneidade desses modos.‖ Ao que tudo indica, esta 4
suposta homogeneidade favorece a criação de atividades de aprendizagem 5
mecânica, fazendo emergir a prática de decorar sem refletir. Prática essa que se 6
lastreou anos afora, recaindo ainda em muitos livros escolares da 7
contemporaneidade. 8
Gonzáles (2015) lista-nos alguns elementos que são considerados pelo MEC 9
na avaliação do livro didático, quanto ao tratamento dispensado à variação 10
linguística, a saber: 11
12
(a) não veicular preconceitos contra quaisquer variedades 13 linguísticas; 14 (b) apresentar textos representativos de diferentes variedades 15 sociais, regionais e estilísticas; 16 (c) considerar as diferentes variedades no âmbito da leitura, da 17 produção textual e da oralidade. 18 (d) estimular a reflexão sobre as formas lingüísticas, relacionando-as 19 com o uso e com os sentidos que elas mobilizam etc. (GONZALES, 20 2015, p. 229) 21
22
De acordo com o autor, em cumprimento às solicitações mencionadas, o que 23
se vê é a categorização da variação linguística como um dos conteúdos, entre 24
outros do livro didático. A inclusão a essa categoria revela-se ainda mais no fato de 25
que, muitas vezes, tal tema é abordado somente em algum ou alguns capítulos dos 26
livros. Além disso, restringe-se a determinadas séries, como se nas demais essa 27
variação não existisse ou como se a sua discussão não fosse necessária. 28
Ao debruçarmo-nos sobre a pesquisa realizada por Gonzales (2015) no que 29
tange à variação em livros didáticos, podemos notar, em suas análises, que as 30
opções mais utilizadas na escola abordam a variação e, portanto, parecem cumprir 31
as exigências dos programas já mencionados. Contudo, isso ocorre apenas 32
aparentemente, pois essa abordagem ainda é feita de modo um tanto quanto 33
superficial, de maneira estereotipada e, efetivamente, pouco reflexiva. 34
A respeito dos conceitos de ―certo‖ e ―errado‖, trazemos algumas 35
considerações que julgamos interessantes para serem expostas. Gonzales (2015) 36
68
sinaliza-nos o fato de haver, em um livro de José de Nicola, o cuidado em evidenciar 1
a superficialidade de tais conceitos, indicando como mais oportuna a referência à 2
noção de adequação. Todavia, apesar da perceptível tentativa de inovar, na prática, 3
o estabelecimento de uma visão dicotômica permanece, pois ao adequado é 4
contraposto o inadequado. E esse posicionamento estanque é muito frágil diante da 5
complexidade que envolve o uso da língua. Põe-se em destaque o fato de que há 6
um continuum por onde tais definições deslizam. Logo, ―não se pode determinar que 7
uma forma linguística seja aprioristicamente inadequada‖, nos diz Oliveira (2008, p. 8
235). Essa descrição só pode ser feita no esteio de considerações absolutamente 9
pragmáticas. São as circunstâncias engendradas no uso da língua que vão 10
determinar o nível de adequação ou não de dada ocorrência. 11
Ao sugerirmos, mais adiante, uma proposta de intervenção didático 12
pedagógica para o estudo da variação e mudança linguística no espaço escolar, 13
procuramos atentar-nos a essa consideração e às recomendações apresentados 14
pelo MEC por meio dos PCN. 15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
69
3 METODOLOGIA E CORPUS: Tempo de ir ao campo e realizar a colheita 1
2
Nesta seção, são registrados os aspectos concernentes à metodologia do 3
trabalho, tais como o método adotado, o corpus, etapas da pesquisa e da proposta 4
de intervenção, o local onde a intervenção foi aplicada, a recolha de dados. 5
6
3.1 MÉTODO 7
8
Dado o seu caráter prático e investigativo, adotamos, como fundamento 9
metodológico deste trabalho, a pesquisa – ação. Essa preferência justifica-se por 10
tratar-se de uma variedade de pesquisa, cujos objetivos são a melhoria da prática, a 11
produção e disseminação do conhecimento e por serem também esses os objetivos 12
que aqui pleiteamos. 13
Conforme Tripp (2005), 14
15
[...] a pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia 16 para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo 17 que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino 18 e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos [...] (TRIPP, 2005, 19 p. 445). 20 21
22
Dessa forma, podemos inferir que a pesquisa-ação coaduna concepções 23
tanto do âmbito da pesquisa quanto da prática, já que requer uma investigação 24
contínua acerca da problemática abordada e, ao mesmo tempo, tem o intuito de 25
estabelecer uma proposta sistemática de intervenção, a qual deve estar 26
empiricamente fundamentada para que a melhora pretendida seja alcançada com 27
eficácia. 28
O estudioso traz-nos a descrição do que concebe como características da 29
pesquisa-ação, a saber: inovadora, contínua, pro-ativa estrategicamente, 30
participativa, intervencionista, problematizada, deliberada, documentada, 31
compreendida, disseminada. 32
Em uma perspectiva inovadora e contínua, procuramos instaurar novas 33
metodologias que busquem aprimorar os aspectos observados, através de um 34
trabalho de intervenção. No que tange às estratégias e ao viés intervencionista, 35
70
conforme a perspectiva de Tripp (2005, p. 448), é preciso direcionar o olhar para a 1
ação efetiva e, ao mesmo tempo, para o conhecimento advindo da pesquisa, em um 2
movimento de ação-reflexão-ação. Tal tríade converge no procedimento deliberativo, 3
de acordo com o qual é necessário estabelecer um julgamento não apenas das 4
especificidades do problema, mas da própria prática de intervenção em si, a fim de 5
determinar a melhor maneira de tornar o trabalho eficaz e satisfatório. 6
Outro fator importante, entre as características citadas sobre essa estratégia, 7
diz respeito ao compartilhamento das informações obtidas durante a pesquisa-ação. 8
Assim, diferentemente de outros tipos de pesquisa, ela não culmina em si mesma, 9
mas propicia a disseminação do conhecimento, levando-o a expandir-se. 10
As características pertinentes ao nosso objeto de investigação, o livro 11
didático, impulsionaram-nos a optar também por uma segunda metodologia, 12
denominada de documental. Conforme as ideias de Ludke e Andre (1986, p. 56), tal 13
método "busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões 14
ou hipóteses de interesse". 15
Assim sendo, a reunião desses dois métodos de estudos tornou-se 16
necessária na medida em que um complementa o outro. Logo, acreditamos que o 17
aprimoramento da prática pedagógica a respeito da variação linguística em sala de 18
aula perpassa, entre outros fatores, a melhoria do livro didático. Portanto, a pesquisa 19
documental fornece-nos os dados necessários para que possamos avaliar a 20
qualidade e melhoria do livro didático frente ao surgimento da Sociolinguística e, a 21
partir disso, construir uma proposta de intervenção adequada e respeitosa no que 22
concerne à diversidade linguística. 23
24
3.2 ETAPAS 25
26
Estruturamos, a seguir, as etapas de delimitação do corpus da pesquisa e 27
local onde os dados foram coletados. 28
29
30
31
32
33
34
71
3.2.1 O Corpus 1
2
3
O corpus desse trabalho constitui-se de cinco livros didáticos de LP adotados 4
nas décadas de 40, 80, 90, 2000 e 2010 nas unidades escolares. Nessa passagem 5
temporal, buscamos delinear a trajetória do ensino de Língua Portuguesa em face 6
ao surgimento da Sociolinguística Variacionista e das discussões por ela 7
provocadas. Procuramos também estabelecer um comparativo entre essas 8
reverberações da teoria e a proposta instituída nos PCN, no que refere ao ensino da 9
variação linguística, a respeito dos diferentes dialetos e identidades culturais, com a 10
sequência didática sugerida pelo livro em seus aspectos fundamentais. 11
Além disto, foram realizadas duas entrevistas: uma com uma professora já 12
aposentada, cuja prática docente deu-se da década de 70 ao ano 2000 e outra com 13
uma professora em atuação desde o ano 2000 aos dias atuais. Através dos relatos 14
de experiência, volvemos o olhar para as metodologias adotadas no passado e 15
também no presente, identificando possíveis mudanças, de acordo com a influência 16
dos estudos variacionistas, bem como da implantação dos PCN, em 1998. 17
Olhando para as décadas anteriores, interessa-nos entender a constituição do 18
nosso presente, no que diz respeito à variação em sala de aula, e projetar os 19
melhores meios para chegarmos a um futuro desejável nesse âmbito. 20
Nesse sentido, com destaque ao passado, entrevistamos uma docente, já 21
aposentada e sem formação universitária. Com o foco no presente, realizamos uma 22
entrevista com uma professora, mestre em língua portuguesa e em atuação no 23
ensino. Desta forma, pudemos estabelecer um comparativo entre as duas 24
profissionais. Uma sem conhecimento da teoria da Sociolinguística e outra com 25
estudos bastante profundos na área. Com isso, foi possível avaliar a importância 26
dessa corrente de estudos para o ensino de língua portuguesa. 27
28
3. 2.1 O Local 29
30
A Escola Municipal Deputado Luís Eduardo Magalhães, do Município de 31
Piripá - BA, foi o campo de aplicação das atividades de intervenção pedagógica. 32
Essa instituição escolar situa-se na Praça Poliesportiva Joaquim Jose Ribeiro, no 33
72
Centro da cidade, atende, economicamente falando, às camadas mais e menos 1
favorecidas da sociedade local. Os alunos pertencem à zona urbana e também rural. 2
A escola funciona nos três turnos, possui aproximadamente trinta e cinco 3
docentes e seiscentos e trinta discentes, com ofertas das modalidades de ensino 4
Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos (EJA). A referida escola conta com 5
uma estrutura de onze salas de aula, um total de nove banheiros, dos quais três são 6
femininos, quatro masculinos e dois reservados aos funcionários. Além disso, há 7
ainda uma biblioteca, com espaço para leitura; um laboratório de informática, com 8
dez computadores para uso dos alunos, com acesso à internet banda larga; uma 9
sala de professores, uma sala da secretaria, uma sala da diretoria, uma sala de 10
digitação e impressão de material escolar, uma cozinha, um almoxarifado. No centro 11
de distribuição das salas há dois pátios abertos e corredores cobertos, por onde os 12
alunos podem circular no intervalo. Destacamos que há pouca arborização, mas as 13
instalações estão em bom estado de conservação. 14
15
3. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 16
17
Nos procedimentos que se seguem, destacam-se duas etapas: a) coleta dos 18
dados da pesquisa junto ao corpo docente; b) detalhamento do procedimento, no 19
qual descrevemos o caminho percorrido na seleção dos referidos dados. 20
21
3. 3. 1 Coleta dos Dados 22
23
A coleta dos dados foi feita por meio de: a) roteiro de entrevista estruturada14 24
com uma docente de Língua Portuguesa aposentada e com uma professora em 25
atuação (2016); b) Seleção de livros didáticos de Língua Portuguesa dos anos 40, 26
80, 90, 2000, 2010; c) aplicação da atividade de intervenção pedagógica. 27
28
29
14
Por entrevista estruturada entendemos aquela cujas perguntas tenham sido previamente elaboradas, conforme o foco e o objetivo da pesquisa.
73
3.3.2 Detalhamento do Procedimento 1
2
Pautado nas discussões realizadas a respeito da metodologia, necessário se 3
faz construir uma base de dados capaz de nos fornecer o esteio para esclarecer as 4
questões que nos inquietam, direcionar o olhar para o foco do problema e, a partir 5
de então, intervir de forma significativa. 6
Assim, para a recolha desses dados, a princípio, foi feito o contato com as 7
professoras de Língua Portuguesa, respectivamente uma aposentada, com atuação 8
da década de 70 ao ano 2000; e com uma professora que atua no ensino desde o 9
ano de 2009 ao atual, com mestrado na área de letras, a fim de conseguir o 10
consentimento em se disponibilizarem como participantes de nosso estudo. 11
Dado esse consentimento, foram realizadas as entrevistas com as docentes, 12
nas quais responderam a perguntas acerca do conceito de língua e gramática 13
adotado por elas, da forma como abordam o fenômeno da variação e mudança 14
linguística, como problematizam as questões relativas à diversidade cultural e ao 15
preconceito linguístico, em conformidade com a época da sua atuação na instituição 16
escolar, entre outras. (cf. Apêndices 1 e 2) 17
Para complementação da pesquisa, foram coletados os livros didáticos de 18
Língua Portuguesa, desde a década de 40, passando pelos anos 80,90, 2000 até 19
2010. No decurso dessas obras, foram observadas a forma e a abordagem das 20
sequências didáticas, em respeito ou não aos pressupostos da Sociolinguística 21
Variacionista, em cumprimento ou não à proposta dos PCN, para a variação e o 22
preconceito linguístico. 23
Livros didáticos e professores pesquisados, partimos para a sala de aula, 24
onde encontramos o aluno, nosso terceiro ponto de investigação. Nesse âmbito, foi 25
aplicada a proposta de intervenção que também serviu como fonte de análise de 26
dados. 27
28
3.4 LIVROS DIDÁTICOS ANALISADOS 29
30
Os critérios de escolha dos livros seguiram dois caminhos: o recorte temporal 31
e os autores. 32
74
Como recorte temporal, a princípio, buscamos um exemplar da década de 50 1
(anterior ao surgimento da Sociolinguística), porém devido à dificuldade de acesso a 2
um LD dessa época, elegemos a década de 40, além de obras das décadas 8015, 3
90, 2000, 2010 (posteriores à teoria), para que fosse possível verificar a implicação 4
desses estudos na composição do livro e, por consequência, na melhoria do quadro 5
de ensino de LP. 6
Quanto aos autores investigados, procuramos aqueles renomados e com 7
larga tradição no trabalho com o livro didático. Logo, elegemos Carlos Alberto 8
Faraco e Francisco Marto de Moura por disporem dessas qualidades. A exceção 9
ficou por conta da obra referente à década de 40, para a qual foi eleito o autor Mário 10
Bachelet, pois não foi possível encontrar, apesar de todo o nosso esforço, LD de 11
Faraco e Moura dessa época. 12
Portanto, os livros didáticos que fazem parte do corpus analisado são os 13
descritos no quadro a seguir: 14
15
Quadro 2: Livros didáticos analisados16 16
TÍTULO ANO AUTOR(ES) EDITORA
Novo Manual de Língua Portuguesa (GRAMÁTICA)
1943 Mário Bachelet com colaboração José de Sá Nunes
Paulo de Azevedo LTDA.
Comunicação em Língua Portuguesa
1987 Carlos Emílio Faraco Francisco Marto de Moura
Editora Ática
Linguagem Nova
1994 Carlos Emílio Faraco Francisco Marto de Moura
Editora Ática
Linguagem Nova
2000 Carlos Emílio Faraco Francisco Marto de Moura
Editora Ática
Português nos Dias de Hoje
2012 Carlos Emílio Faraco Francisco Marto de Moura
Editora Leya
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 17
18
15
Os quadros referentes aos livros didáticos analisados, à síntese de análise dos livros e à análise comparativa dos dados foram elaborados com base nos modelos encontrados no trabalho realizado por Paula Maria Cobucci Ribeiro Coelho, em sua de dissertação defendida no ano de 2007. 16
Sabemos que os estudos sociolinguísticos só vieram a ganhar destaque no Brasil a partir da década de 70. Por essa razão, fizemos um salto da década de 40 para 80.
75
O gráfico a seguir contempla a síntese do processo de elaboração do projeto 1
que ora apresentamos, desde a sua concepção, perfazendo a análise de dados até 2
a elaboração, aplicação e análise dos resultados da proposta de intervenção. 3
4
Gráfico 2. Síntese da Metodologia da Pesquisa 5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
Fonte: Elaborado pela pesquisadora. 25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
76
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO SOBRE OS DADOS: Hora de analisar os resultados da 1
colheita 2
3
Nesta seção, apresentamos as análises dos resultados da pesquisa. Desta 4
forma, em um primeiro momento, destacamos os livros didáticos. Foram 5
selecionados livros das décadas de 40, 80, 90, 2000 e 2010. Como o foco de nossa 6
análise foi a variação linguística, tomamos a década de 60 como referência, visto ser 7
esta um marco no surgimento da Sociolinguística. Assim, buscamos analisar um livro 8
didático anterior a tal década e compará-lo aos posteriores quanto às discussões 9
provocadas pela teoria variacionista. Com isso, tivemos o intuito de verificar o 10
tratamento dado aos fenômenos de variação linguística, no LD de língua portuguesa, 11
desde a consolidação dessa corrente de estudos. Feitas essas considerações, 12
prosseguimos com as análises das entrevistas, as quais seguem a mesma linha 13
adotada para os livros. Por fim, trazemos a análise do resultado da proposta de 14
intervenção aplicada em sala de aula. 15
16
4.1 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS 17
18
19
As análises foram dispostas por título, seguido do nome do autor, em ordem 20
cronológica, pois interessa-nos observar as mudanças ocorridas, ou não, ao longo 21
do tempo. 22
Tomando por base o roteiro para analisar livros didáticos, proposto por 23
Bagno (2007), bem como a análise de Coelho (2007), inicialmente, apresentamos a 24
descrição da estrutura e organização da obra e, em seguida, selecionamos quatro 25
categorias de análise dos livros didáticos. São elas: 1) Abordagem da variação 26
linguística; 2) Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro; 3) 27
abordagem da relação fala/escrita; 4) Abordagem da variação nos fenômenos 28
gramaticais. 29
Nessas categorias, investigamos se o tratamento é adequado, parcialmente 30
adequado ou inadequado, em relação ao tópico em análise. Um tratamento 31
adequado seria aquele que respeitasse inteiramente a diversidade e a 32
heterogeneidade linguística; fomentasse a discussão sobre o preconceito linguístico, 33
77
a partir da aceitação das diversas normas, como possíveis, a depender da 1
adequação ao contexto interacional; e que pontuasse também a gramática de forma 2
contextualizada, passível de variação. Parcialmente adequado seria o tratamento 3
que cumprisse algum ou alguns desses requisitos, porém de modo superficial. Já 4
inadequada seria a abordagem que deixasse à margem tais considerações, 5
trabalhando numa perspectiva homogênea de língua, avessa ao reconhecimento da 6
variação. 7
Nesse sentido, em um primeiro momento, realizamos a descrição da estrutura 8
e organização do livro, a seguir tecemos considerações a respeito da proposta 9
metodológica, para prosseguirmos, mais adiante, à análise do tratamento dado à 10
variação linguística no LD, focando nos aspectos concernentes à abordagem do 11
preconceito e da noção de erro, à relação entre fala e escrita e à abordagem da 12
variação nos fenômenos gramaticais. 13
14
4.1.1 Língua Portuguesa – GRAMÁTICA. Mário Bachelet (com colaboração de José 15
de Sá Nunes), (1943) 16
17
O livro elaborado por Mário Bachelet em Colaboração com Sá Nunes tem na 18
década de 40 sua publicação. A atenção a essa data se deu por ser anterior ao 19
surgimento da Teoria Sociolinguística. Dessa forma, em seguida, verificamos o 20
modo como era tratado o ensino de LP antes dos estudos provocados por essa 21
teoria. 22
23
4.1.1.1 Descrição da estrutura e organização da obra 24
25
O livro organizado por Mário Bachelet (1943) é denominado pelo próprio autor 26
como um Manual de Língua Portuguesa. O passar dos anos e seu provável uso 27
deram-lhe um aspecto bastante envelhecido. A capa, já a se desfragmentar, traz 28
algumas palavras que começam a desaparecer em meio as desgaste do papel. 29
Porém, isso não impede de perceber seus traços clássicos e conservadores. 30
Na parte externa, ganha ainda destaque a palavra GRAMÁTICA, com letras 31
maiúsculas assim mesmo. Esse já é um primeiro indício de seu foco primordial. 32
Outro fator chama-nos a atenção: o autor tem doutorado em filologia 33
portuguesa. A associação entre a formação acadêmica do autor e o ano de 34
78
publicação da obra sugere-nos uma formação clássica, o que implica um provável 1
viés conservador em seu trabalho. 2
A obra é destinada às quatro séries do ciclo ginasial17. Logo, trata-se de um 3
único manual a ser utilizado ao longo dos 4 anos de estudo subsequentes. Apesar 4
disso, é compacto e dedica, em média, 120 páginas para cada ano. De modo geral, 5
podemos dizer que possui uma feição bastante sisuda, com pouquíssimas imagens, 6
predominância de textos em letras pequenas e conteúdo extremamente clássico, 7
todos em preto e branco, o que nos parece ser compreensível para a época. 8
Não obstante, ressaltamos o teor comercial do livro. Naquele contexto, a 9
aquisição do LD não era gratuita, como hoje. Pagava-se para ter acesso a esse 10
instrumento didático. Encontramos no final da capa a sugestão de preço de 45 11
cruzeiros (moeda em vigor naquele tempo) como valor da obra. 12
As primeiras páginas do livro são dedicadas às instruções metodológicas para 13
execução do programa de Português e às observações gerais e finais. Explicamos 14
melhor esses tópicos na seção seguinte (4.1.1.2). 15
Cada série divide-se em três partes, a saber: o programa, as instruções 16
metodológicas e o desenvolvimento. 17
A primeira parte (o programa) traz, em seu bojo, três tópicos: I. Leitura, 18
centrada em textos focados na família, escola e terra natal; II Gramática, distribuída 19
ao longo de três unidades, nas quais são dispostos conteúdos morfológicos e 20
sintáticos da língua; e III. Outros exercícios, em que são feitos o estudo do 21
vocabulário, exercícios de ortografia e pontuação e breves exposições orais, nas 22
palavras do autor. 23
As instruções metodológicas orientam, passo a passo, como o programa 24
apresentado deve ser aplicado pelo professor em sala de aula. 25
O desenvolvimento, por sua vez, corresponde ao corpo da unidade. Refere-26
se, portanto, aos textos, exercícios e conteúdos aplicados. 27
Ao final dessas unidades, são indicados, inclusive, os meses que lhes devem 28
ser correspondentes. Desse modo, a primeira deve ser feita, segundo os critérios do 29
manual, em março, abril e maio, a segunda coube aos meses de junho, julho e 30
17
O ciclo ginasial refere-se ao que, hoje, é o fundamental II. Portanto, é a fase entre o 6º e o 9º ano,
antigamente denominada de 5ª a 8ª séries.
79
agosto, já à terceira foram determinados setembro, outubro e novembro para a sua 1
realização. 2
4.1.1.2 Fundamentação/proposta teórico-metodológica 3
4
5
O autor deixa claro nas primeiras páginas que o manual é regido por algumas 6
normas. São elas: 7
1ª Respeitar sempre a moral mais rigorosa pelo culto a Deus, à 8
Pátria, à família. 9
2ª Suavizar o ensino, pelo emprêgo dos melhores métodos. 10
3ª Torná-lo prático quando possível pela multiplicidade dos 11
exercícios de aplicação. 12
4ª Adaptar-se, no que diz respeito à extensão do programa, a tôdas 13
as exigências do Departamento Nacional de Ensino. (BACHELET, 14
p.02, 1943) 15
16
Ao observamos essas normas, percebemos que o ensino era pautado no 17
tripé: religião, nacionalismo e família. Esses ideais eram muito comuns à época, 18
pois, como sabemos, o país estava sob a vigência do governo Vargas. O rigor da 19
moral faz jus a essa fase política, cercada pelo conservadorismo. 20
A busca por ―um ensino pronunciadamente prático‖ (BACHELET, 1943, p.03 21
grifo nosso), faz-nos refletir também sobre o sentido da palavra. O dicionário Aurélio 22
da língua portuguesa (2001), traz-nos a seguinte definição: ―Prático: adj. 1. Relativo 23
à prática. 2. Experiente, perito. 3. Que vê as coisas pelo lado positivo. 4. Funcional.‖ 24
Cremos que seja essa última acepção aquela que mais aproxima-se dos objetivos 25
estabelecidos pelo autor: o ensino atrelado a uma função reguladora. 26
Essa função torna-se mais clara, quando analisamos as finalidades a que se 27
propõe o ensino da Língua Portuguesa apresentadas no início da obra: 28
29
a) Proporcionar aos estudantes a aquisição efetiva da língua 30 portuguesa, de maneira que êle possa exprimir-se corretamente, b) 31 comunicar-lhe o gôsto da leitura dos bons escritores; c) ministrar-lhe 32 apreciável parte do cabedal indispensável à formação de seu espírito 33 e de seu caráter, bem como base à sua educação literária, se quiser 34 ingressar no segundo ciclo ou faze-la por si autodidaticàmente; d) 35 mostrar-lhe a origem românica da nossa língua e, portanto, a nossa 36 integração à civilização ocidental , o que o ajudará a compreender 37 melhor o papel do Brasil na comunhão americana e fora dela. 38 (BACHELET, 1943, p. 03, grifos nossos) 39
80
1
2
A primeira finalidade apresentada revela que o objetivo do ensino é, 3
sobretudo, proporcionar a aquisição efetiva da língua. Essa colocação aponta para a 4
concepção de que essa aquisição só torna-se completa quando há o ingresso no 5
curso escolar. Indica, ainda, a busca pela fixação de um modo ―correto‖ de falar, 6
estabelecendo como modelo os cânones da língua. 7
O item ―b‖ assinala a necessidade de desenvolver no discente o gosto pela 8
leitura. Entretanto, não é uma leitura qualquer, mas a dos bons escritores. Nesse 9
caso, são considerados bons os autores célebres e clássicos. Desta sorte, são 10
indicadas as ilustres figuras de Homero, Demóstenes, Dante, Petrarca, Cervantes, 11
Goethe, Schiller, Tolstoi, Ibsen, Camões, Gil Vicente, Garret, Herculano, Antero de 12
Quental, João de Deus, entre outros. 13
O culto à preservação da ―última flor do lácio‖ proclamado no poema ―língua 14
portuguesa‖, de Olavo Bilac, materializa-se nos pressupostos deste manual. A 15
exaltação da língua dita culta constrói-se a partir de uma via unilateral, sem espaço 16
para a diversidade, sufocada pela ditadura do tradicionalismo. 17
Outra preocupação, no que tange às finalidades do ensino, aparece no item 18
―c‖, o qual dispõe sobre a formação do espírito e do caráter. Novamente recorremos 19
ao dicionário Aurélio para entendermos melhor o que seria o ―espírito‖ nessa 20
concepção. Assim, encontramos: ―sm. 1. A parte imaterial do ser humano, a alma. 2. 21
Entidade sobrenatural ou imaginária, como os anjos, o diabo, os duendes. 22
3.Inteligência. 4. Humor. 5. Pensamento, ideia.‖ (AURÉLIO, 2001, p. 289) O livro 23
não deixa claro em qual acepção é tomada a palavra, mas acreditamos que esteja 24
ligada à inteligência ou à ideia. De qualquer modo, essa definição é um tanto 25
complexa, pois, se pensarmos em formação, seríamos obrigados a admitir que o 26
indivíduo que não frequenta a escola não pensa, nem pode ser considerado 27
inteligente. Ressalvamos, todavia, a retirada desses conceitos nas definições de 28
documentos futuros sobre o ensino. Por certo, deram-se conta de tal impropriedade 29
e inadequação. 30
81
O último item atesta a busca pela origem românica da língua. De fato, há 1
significativo destaque a esse aspecto. Uma das séries põe à luz o latim clássico e o 2
vulgar, apresentando discussões, casos e conjugações dessa língua. 3
4
4.1.1.3 Abordagem da variação linguística 5
6
Das palavras cultivadas no Manual organizado por Bachelet reverbera uma 7
insaciável tentativa de ―proteger‖ a língua dos processos variacionais. O autor assim 8
declara, nas observações gerais: ―Em todo êste curso de português o professor se 9
esforçará por incluir nos alunos o amor da língua, protegê-la das forças dissolventes 10
que estão continuamente a assaltá-la.‖ (BACHELET, 1943, p. 05 grifos nossos). Esta 11
afirmação aponta para a deslegitimação da heterogeneidade, em nome da unidade 12
intocável da língua. 13
O discurso carregado de preconceito instala-se no seio daquela sociedade 14
pela via do livro didático e, por consequência, do ensino. Este busca semear, no 15
coração do homem, o espírito conservador, que vê a variação com uma ―força 16
dissolvente‖. A diversidade, assim caracterizada, ganha a força de uma moléstia que 17
deve ser exterminada a todo custo, sob o perigo de contaminar definitivamente a 18
língua, destruindo-a. Tal como um monumento pétreo, nada pode, segundo o autor, 19
ferir a sua suposta homogeneidade. 20
A seguir, é apresentada a seguinte observação: 21
22
Sobretudo se fará respeitosos da sua modalidade mais nobre – a 23 língua literária -, visto ser essa a de mais importante papel político e, 24 ao mesmo tempo, um dos mais fortes fatôres de progresso, por 25 constituir, através das idades, um fio de geração para geração e, no 26 espaço, um laço de aproximação dos contemporâneos, evitando, de 27 um modo e outro, o estéril isolamento do homem. (BACHELET, 28 1943, p. 05) 29
30
A nobreza de uma dada modalidade pressupõe o rebaixamento da outra. 31
Essa colocação dá a entender que, se a língua ―literária‖ é responsável pelo 32
―progresso‖, logo, o seu oposto levaria ao regresso. Estamos diante de uma evidente 33
supervalorização da norma ―culta‖, determinada como única via para a inserção do 34
homem à sociedade. De outro modo, o indivíduo seria relegado ao ―estéril 35
82
isolamento‖. Ora, os inúmeros exemplos de indivíduos que não tiveram a formação 1
escolar completa, mas tornaram-se pessoas bem sucedidas no meio social, inclusive 2
no cenário político brasileiro, dão provas da fragilidade dessa concepção. Isto desfaz 3
esse mito de superioridade. Todas as formas tem seu valor, dentro de um contexto 4
de interação. 5
A lista de observações vai mais além. No item 3, o autor declara: 6
7
Avivar-lhes-á, no espírito e no coração, o reconhecimento da 8 necessidade de preservá-la, como instrumento de união e como 9 patrimônio sagrado da coletividade nacional, num país, como o 10 nosso, de amplo território e aberto à imigração de estrangeiros das 11 mais variadas procedências. (BACHELET, 1943, p. 05) 12
13
O reconhecimento do Brasil como o território vasto, em vez de servir de apoio 14
a uma percepção plural de língua, é direcionado, mais uma vez, à defesa do 15
―patrimônio sagrado‖. 16
Por sua vez, os estrangeiros são vistos com um perigo à preservação desse 17
inviolável patrimônio, que corre o risco de ser depredado por sua vil interferência. 18
Curioso é lembrar que o português é, inevitavelmente, uma herança de outros 19
povos. À primeira vista, parece que o autor esquecera-se de sua procedência lusa, 20
africana e de tantas outras etnias. Isso só não se confirma porque ele faz referência 21
a tais povos no item destinado ao Português do Brasil. De todo modo, quisesse ele 22
ser patriota ao extremo, teria que tomar o lugar do personagem principal de Lima 23
Barreto, em Policarpo Quaresma, e eleger o Tupi como língua nacional. 24
Mais adiante, o autor faz uma advertência: 25
26
Ressaltar-lhes-á que zelar a língua literária é, para o Brasil, um dever 27
de própria defesa e que seria condenável o menosprezá-la depois de 28
ela ter atingido tão alta perfeição como a atual, graças ao lento, longo 29
e laborioso processo de apuração das fórmulas de expressão. 30
(BACHELET, 1943, p. 05) 31
32
A elitização da literatura é flagrante na trama do manual em análise. Para o 33
autor, após atingir a mais ―alta perfeição‖, é preciso impedir que se possa corrompê-34
la. Logo, não há espaço nesse livro para textos mais populares. Com já dissemos, 35
na subseção sobre a proposta metodológica, apenas os autores célebres da 36
83
linhagem clássica brasileira, portuguesa, francesa, latina e americana obtém 1
destaque no restrito campo de conservação da língua. 2
Menção aos fenômenos linguísticos é feita no item 7, das citadas 3
observações: 4
Olhem-se os fenômenos da língua com espírito alto, largo e 5 generoso, e façam-se concessões ao pensamento, que, às vezes, 6 reclama expressões de valor estilístico, mas afastadas das regras 7 habituadas da gramática. (BACHELET, 1943, p. 05-06) 8
9
Essas concessões ―generosas‖ aos fenômenos da língua podem parecer, a 10
princípio, um indício de reconhecimento da heterogeneidade, mas não são nada 11
mais do que uma ressalva, entre tantos conservadorismos. Notemos que, ao mesmo 12
tempo, são considerados defeitos a evitar: ―1) aqueles que são muito vulgares, 13
pouco usados na boa classe da sociedade: botar por colocar; asneira por erro; 14
besteira por disparate; [...]‖ (BACHELET, 1943, p. 281, grifos do autor) Atentemo-15
nos para o fato de que, dentro de tais ―concessões‖, não cabem nem mesmo 16
palavras como ―botar‖, ―asneira‖ e ―besteira‖. Tais termos são considerados indignos 17
de serem ―usados pela boa classe da sociedade‖. 18
Especial atenção merecem as considerações feitas ao longo da 4ª série. As 19
instruções metodológicas para a execução do programa de português indicam como 20
conteúdo de gramática o estudo da fonética e sugerem que essa é a base 21
necessária para atingir uma finalidade ―[...] mostrar a origem românica da nossa 22
língua portuguesa e, portanto, a nossa integração na civilização ocidental‖ 23
(BACHELET, 1943, p. 376). 24
Dito isso, na I e II unidades, são apresentadas lições de latim, desde o 25
clássico ao vulgar. Ao discutir sobre ambos, o autor faz uma análise de aspectos 26
semânticos, morfológicos e sintáticos que explicam as diferenças entre eles. Ele 27
explica que o latim vulgar é a língua do povo, como observamos nesse trecho: ―A 28
língua do povo vem designada sermo inconditus, cotidianus, usualis, rusticus, 29
vulgaris, plebeus, castrenses, proletarius. É o chamado LATIM VULGAR.” 30
(BACHELET, 1943, p.415, grifos do autor) 31
Como uma língua popular, em relação ao latim vulgar, são aceitas 32
designações relacionadas ao cotidiano e ao usual. Fato que não se repete com o 33
português popular. 34
84
Na III unidade, há uma seção destinada ao português do Brasil, nome 1
determinado pelo próprio autor. Dessa maneira, ele afirma que: 2
3
[...] mostrará o professor que a língua portuguesa importada, 4 encontrou forte rival no tupi. Venceu-o, mas enriqueceu-se com ele, 5 bem como com os elementos linguísticos africanos e outros de 6 criação ou adoção puramente brasileiras. Tem pronúncia diferente da 7 do português europeu atual, em parte graças a algumas inovações, 8 em parte por conservar pronúncias arcaicas da mãe-pátria. Leves 9 são as diferenças sintáticas na língua literária. E se há uma corrente 10 que procura afastar a nossa língua literária da de Portugal, há outra 11 que se empenha em fazê-la conservar com a de Portugal a possível 12 aproximação. (BACHELET, 1943, p. 377) 13
14
Embora considere a língua tupi como uma rival, admite-se que é parte da 15
constituição da língua portuguesa, enriquecida inclusive com elementos africanos e 16
inovações brasileiras. Intrigante é essa colocação após ter se mostrando tão avesso 17
a estrangeirismos. Outro fato curioso no texto é que o autor parece ter conhecimento 18
da existência de uma ―corrente que procura afastar a nossa língua portuguesa de 19
Portugal‖. Lembremos que a Sociolinguística só veio a se firmar na década de 60. 20
Por certo, dificilmente esta é uma referência a tal teoria. 21
Na lição nona, da unidade III, Bachelet (1943) versa sobre o assunto 22
(Português do Brasil). 23
A princípio o autor faz uma descrição da chegada dos portugueses no Brasil e 24
seu primeiro contato com o índio, além de indicar as denominações dadas a essas 25
terras, respectivamente, Vera Cruz e Santa Cruz. Em seguida, aborda a introdução 26
do idioma português ao país. 27
28 O idioma luso e o idioma latino haviam tomado posse de novos 29 domínios. 30 a) Ambiente de luta. – O descobridor-colono-imigrante teria que se 31 haver com novos climas, novas gentes, novos misteres. E seria: lutar 32 – com a exuberante natureza virgem a lavrar e arrotear, - com raças 33 aborígenes a subjugar e amansar, - com o ganancioso francês e 34 holandês calvinista, - para conservar a preciosa unidade e base 35 politica, econômica e religiosa. (BACHELET, 1943, p. 377) 36
37
O tópico descrito como ―ambiente de luta‖ coloca o descobridor como um 38
herói a desbravar novas terras, enquanto o índio é tratado como um animal a ser 39
amansado. É uma visão claramente preconceituosa sobre o povo indígena. 40
85
Em nota, pontua ainda a necessidade de lutar para que se mantenha a 1
pureza da língua portuguesa. 2
Pois a infiltração do incessante linguajar espúrio é 3 incomparavelmente mais insidiosa. E aparece outro fator auxiliar 4 naquela luta, porém temeroso inimigo nesta, pelo aconchego do lar 5 em que viveria: O ELEMENTO ESCRAVO trazido da África e 6 portador de variadíssimas locuções e usanças. (BACHELET, 1943, p. 7 487, grifo do autor) 8
9
10
O temor à inclusão do ―elemento escravo‖ no português é visível. Muitas 11
vezes, quando tudo indica que há um reconhecimento dos termos de origem 12
africana, o autor, logo em seguida, desfaz essa percepção, desvalorizando-os. 13
Sob o título de ―Vitória plena‖, o item b, da lição nona, configura-se como uma 14
comemoração ao que se julga ser o triunfo da unidade linguística. 15
16
Hoje, afoitamente o podemos dizer, quando vemos o Brasil, 17
uno e coeso, pleiteando, em prélio mundial, seus esforços de 18
nação altiva e soberana; quando vemos as duas Academias de 19
Portugal e do Brasil, firmar acordo para a elaboração de um 20
vocábulo único: VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA 21
PORTUGUESA. (BACHELET, 1943, p. 487, grifo do autor) 22
23
Essa comemoração apressada sobre a discussão, já naquela época, a 24
respeito do acordo ortográfico, não leva em consideração que ele é válido apenas 25
para a escrita formal. Tais regras não se aplicam aos textos orais, como supõe e 26
deseja o autor. Desta sorte, a unidade ortográfica requerida pelo acordo não implica 27
a unidade linguística, no sentido usual. 28
A postura do autor, no que tange às influências de outras línguas sobre o 29
português, é instável. Ao mesmo tempo em que ele deslegitima essas línguas as 30
reconhece. Todavia, o reconhecimento que aparece na superfície encobre, na maior 31
parte das vezes, um preconceito em camada mais profunda. Desta feita, no ítem c, 32
denominado ―Evolução, enriquecimento‖, assume-se que o português sofreu 33
alterações, algumas das quais considera irrelevantes. Já outros acréscimos são 34
considerados valiosos. Em nota, Bachelet (1943) afirma: 35
36
86
- Das fontes apontadas, destacamos NO PASSADO duas: os 1 idiomas africanos e as línguas indígenas, em especial, a língua tupi, 2 as quais, embora facilmente desbaratadas pela civilização superior 3 da Europa, assimilando e eliminando – deixaram vestígios 4 interessantes. 5 ATUALMENTE, a extensa caudal imigratória constitui, com o 6 analfabetismo, o inimigo número 1, cuja influência nefasta a reação 7 do Governo, em boa hora iniciada, há neutralizar e debelar pela 8 NACIONALIZAÇÃO DO ENSINO. (BACHELET, 1943, p.488, grifos 9 do autor) 10 11 12
Nesse trecho, o autor faz uma comparação com o que aconteceu no passado 13
ao presente. Ele destaca uma influência mínima das línguas africanas e indígenas, 14
já que considera que deixaram ―apenas vestígios‖. Além disso, a civilização lusa é 15
vista como superior a essas línguas. Em relação ao presente (década de 40), o autor 16
pontua como nefasta a influência dos imigrantes e dos analfabetos e declara, 17
aparentemente aliviado, a existência de um plano de governo para resolver tal 18
―problema‖. A sua aprovação à Nacionalização do ensino18 nos faz perceber um 19
excesso de repúdio ao estrangeiro, constituindo uma atitude tipicamente xenofóbica. 20
Retomando as orientações metodológicas, notamos que o autor assinala, 21
uma vez mais, que é função do professor ―sublinhar, no espírito dos estudantes, o 22
quanto é verdadeira a afirmação da referida unidade linguística luso-brasileira” 23
(BACHELET, 1943, p. 377, grifos do autor) 24
18
A campanha de nacionalização foi o conjunto de medidas tomadas durante o Estado Novo de Getúlio Vargas
para diminuir a influência das comunidades de imigrantes estrangeiros no Brasil e forçar sua integração junto à
população brasileira.
Numa primeira fase, em 1938, a campanha abordou a nacionalização do ensino, com: obrigação do ensino do
português; obrigatoriedade de as escolas terem nomes brasileiros; só brasileiros natos podiam ocupar cargos
de direção; os professores deviam ser brasileiros natos ou naturalizados graduados em escolas brasileiras; as
aulas deviam ser ministradas em português; proibição do ensino de línguas estrangeiras para menores de 14
anos; proibição de subvenções provenientes de governos e instituições estrangeiras; instituição das matérias
obrigatórias de educação moral e cívica e educação física (que devia ser ministrada por instrutores militares)
Em 1939, novas medidas foram implementadas, como a proibição de se falar idiomas estrangeiros em público,
inclusive durante cerimônias religiosas (o Exército deveria fiscalizar as "zonas de colonização estrangeira"). As
associações culturais e recreativas tiveram de encerrar todas as atividades que pudessem estar associadas a
outras culturas.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Campanha_de_nacionaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 26/10/2016
87
Afora todas essas considerações, cumpre salientar a existência de uma 1
discussão fonética muito interessante. Desta forma, são apresentados diversos 2
processos fonético-fonológicos, tais como: consonantização, dissimulação, 3
abrandamento, sonorização, aférese, apócope, síncope, sinérese, entre outros. 4
Curiosamente, os exemplos dados referem-se todos ao latim, os quais vieram a se 5
transformar nas formas portuguesas que lhes eram atuais. No caso da assimilação, 6
por exemplo, o autor mostra a seguinte palavra: I-/-ps/-um > i-/-ss-/-o. Ele poderia 7
ter mostrado também exemplos do cotidiano dos alunos, como no caso da palavra 8
―menino‖, que, boa parte das vezes, é pronunciada como ―mininu‖. Este é, 9
igualmente, um processo de assimilação, não consonantal, mas por harmonia 10
vocálica. 11
O conteúdo de fonética está focado na supervalorização do latim e no 12
menosprezo aos processos contemporâneos ao estudo em questão, o que, ao 13
nosso ver, mesmo para a época, poderia ter sido mais explorada. 14
15
4.1.1.4 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro 16
17
Feitas as considerações sobre a abordagem da variação no livro em análise, 18
podemos dizer que nesse LD não há nenhuma discussão sobre o preconceito 19
linguístico, como é a própria materialização deste. Observemos algumas 20
considerações a seguir. 21
22
ALMA NACIONAL – Somos do que julgam de capital importância 23 esta questão do esmêro[sic] no dizer. Dos fatores múltiplos que 24 concorrem para a integração da alma nacional, um dos mais 25 importantes, senão o que a todos sobreleva, é o próprio idioma. A 26 defesa da língua, quando atacada em sua vernaculidade, não é mero 27 ofício dos gramáticos e profissionais da filologia, qual se afigura 28 acaso a muita gente de polpa. As influências recíprocas, a ação e a 29 reação da ideia e do termo, do pensamento e da palavra são 30 verdades elementares conhecidas de qualquer estudante de 31 psicologia. A deturpação da língua pode não só ser consectário, mas 32 causa também desvios e degenerescências do caráter nacional. 33 (SERRANO, Jônatas. Apud: BACHELET, 1943, p. 280) 34
35
36
88
A citação de Jônatas Serrano, incorporada aos textos constitutivos do LD, 1
soma-se às propostas apresentadas nas primeiras páginas do livro, enfatizado a 2
Importância do ―esmero no dizer‖ e ―do idioma na constituição da alma nacional‖. Ao 3
partilhar das ideias de Serrano (1943), o autor sai em disparada na defesa da língua 4
e estende essa obrigação não só aos gramáticos, mas a ―toda gente de polpa‖, 5
provavelmente pessoas com alto nível de escolaridade. O motivo de toda essa 6
defesa seria uma possível deturpação da língua, a qual poderia levar a ―desvios e 7
degenerescências de caráter nacional‖. Essa situação assimila-se muito a um 8
cenário de guerra: a língua (patrimônio nacional) é posta no centro de uma fortaleza 9
e defendida, a todo custo, pelos seus soldados (pessoas de polpa) contra os 10
―invasores‖ (estrangeiros e ―incultos‖), forças que podem destruí-la e trazer sérias 11
consequências à nação (―[...]. A deturpação da língua [...] causa também desvios e 12
degenerescências do caráter nacional.‖) 13
Se o autor não afirma claramente sua visão preconceituosa de língua, muitas 14
vezes, deixa subentendida nos textos sugeridos para a realização de exercícios. O 15
excerto que se segue foi utilizado como sugestão para uma atividade de conjugação 16
verbal. Contudo, notamos claramente que a sua escolha não é vã, mas um 17
mecanismo arquitetado para disseminar suas ideologias. Vejamos. 18
19
NÃO HÁ DUAS LÍNGUAS. Na faina de procurar razões para a sua 20 preguiça, argumentar (ind. 1) alguns que – emancipados de Portugal 21 que devemos formar linguagem nossa, com os modismos que nos 22 ditar (inf. 1) a vontade. A esse espírito, chamar (ind. 1) alguns: 23 nacionalismo. – rótulo excessivo. Nacionalismo – cousa mais alta e 24 mais perfeita. Nacionalismo – palavra que para viver e se enraizar 25 (ind. 1) nas tradições porque não pode – nacionalidade sem raça, e 26 não pode – raça sem passado. Aquêle-. Apenas, um dos argumentos 27 do egoísmo que caracteriza agudamente as gerações presentes. 28 Egoísmo dos instintos que querem da vida apenas o gôzo, e por isso, 29 aborrecem o trabalho, o estudo a meditação. – espírito febril 30 delirante. [...] predomínios possíveis sobre o leito de mediocridade do 31 menor esforço em que se êle comodamente deitar (ind.3). 32 (BACHELET, 1943, p. 429, grifos do autor) 33
34
A insistência em afirmar a homogeneidade linguística mostra-se no topo do 35
parágrafo, em letras garrafais: ―não há duas línguas‖. Além disso, o autor caracteriza 36
as variações como modismos e diz que seu uso é fruto de um pretexto para justificar 37
a preguiça de quem as utiliza. 38
89
O nacionalismo, requerido por ―alguns emancipados‖ de Portugal, é julgado 1
pelo autor como um ―rótulo excessivo‖. Em sua percepção, tal termo representa 2
―coisa mais alta e mais perfeita‖. Esta perfeição seria a língua herdada dos 3
portugueses, aprimorada pelo labor de mãos clássicas. 4
Na sequência, utiliza-se, novamente, das palavras de uma autoridade, 5
Cláudio de Sousa, para ratificar o que vinha dizendo anteriormente. 6
7
Não há– duas línguas portuguesas: - ela é única , e devemos 8 orgulhar-nos de herdar (inf. 2 com haver) do nobre povo que soube 9 ilustrar com as maiores e melhores páginas de heroísmo, de beleza e 10 de imortalidade que se reuniram nos Lusíadas e que forçar (ind. 3) a 11 admiração do Universo e é hoje um dos poemas imortais da 12 humanidade. E que a vida ainda nos dar (sub. 1) tempo para resgatar 13 (inf.1) os muitos pecados e erros que nossa adolescência mal 14 cuidadosa e pouco atenta cometeu contra tão precioso patrimônio, e 15 para os resgatar (inf.1) no retiro espiritual dos clássicos, amém! 16 (SOUSA, Cláudio de. Apud: BACHELET, 1943, 429-430) 17
18
O texto exposto é quase uma oração de súplica pela preservação da língua. 19
Logo, a primeira frase entoa outra vez: a língua é única! E de, tanto se repetir, 20
parece criar eco por entre as folhas amarelas do livro ―é única...é única.. é uma...‖ A 21
tentativa de santificação da língua materializa-se ainda no louvor exacerbado ao 22
povo português (― [...] do nobre povo que soube ilustrar com as maiores e melhores 23
páginas de heroísmo, de beleza e de imortalidade que se reuniram nos 24
Lusíadas[...]‖) e na definição de pecado ao erros cometidos pela descuidada 25
adolescência contra o precioso patrimônio (―[...]a vida ainda nos dar (sub. 1) tempo 26
para resgatar (inf.1) os muitos pecados e erros que nossa adolescência mal 27
cuidadosa e pouco atenta cometeu contra tão precioso patrimônio[...]‖). Por fim, 28
declara que é necessário um retiro espiritual para resgatar os clássicos e encerra 29
com exclamativo e sonoro amém, em concordância à oração empreendida. 30
Após o exemplo observado, é inegável que, nesse manual de gramática, 31
todas as formas destoantes do mais puro vernáculo são consideradas como erro. No 32
exercício seguinte, solicita-se a correção de frases. 33
34
4. Nas frases seguintes, FALTA não só a ÊNFASE, como também 35 correção. Emendá-las. 36
90
Se até agora faltei com minha promessa, isto é, de te escrever, é 1 porque ando atarefado com os estudos. Dê-me logo notícias tuas. 2 Querida assinhora, traga meu dinheiro para nóis quando mamãe vir 3 aqui. Fazerei meu trabalho. Aceite um abraço de vosso irmão. 4 Desejo-lhe que estas mal traçadas linhas vá encontrar-te com saúde 5 a todos daí que é o meu maior desejo quanto aqui eu felizmente vou 6 indo bem graças a Deus. Mamãe eu te peço mande uma escova a 7 minha caiu o cabelinho. Dias atrás, papai, escrevi ao senhor que 8 estava bom. É precizo arranjar um livro cujas páginas não seja 9 rasgadas. (BACHELET, 1943, p.281-282) 10
11
Obviamente, por ser um livro de data anterior ao surgimento da 12
Sociolinguística, seria muito difícil encontrar uma noção de erro relacionada à 13
adequação. O exercício não vem acompanhado de sugestão de resposta, nem 14
ressalva, por exemplo, o fato de que, apesar de a escrita do pronome ―nós‖ não 15
apresentar a vogal ―i‖, na fala ele é muito presente, em boa parte da população, 16
inclusive dos mais letrados, por uma questão de ordem dialetal. 17
É interessante ressaltarmos o uso de um texto para a realização da atividade. 18
Destacamos, entretanto, a falta de contextualização sobre o tipo, gênero e para 19
quem seria destinado tal texto, o que era de se esperar em uma obra nesse período. 20
21
4.1.1.5 Abordagem da relação fala/escrita 22
23
Em nota, sobre os meios de usar a língua - como assim chamou -, o autor 24
tenta explicar que ―saber a língua, não é conhecer regras, conjunções e prefixos, 25
mas FALAR CERTO, não é explicar com erudição, etimologia caprichosa e 26
vocábulos eruditos e arrevesados, mas ESCREVER COM APURO SAINETE E 27
ELEGÂNCIA”. (BACHELET, 1943, p. 281, grifos do autor) 28
De acordo com essa perspectiva, há apenas um modo (o certo) de falar. Disto 29
se pressupõe que todas as outras formas sejam erradas. Há também uma via única 30
de escrita: aquela que privilegie o apuro e a elegância. 31
Na lição quinta, da Unidade III, referente à primeira série ginasial (hoje seria o 32
sexto ano), o autor faz uma abordagem sobre ortografia e assim a define: 33
34
m) ORTOGRAFIA – É a representação dos vocábulos pela escrita: 35 orto = correto, grafia = escrita. O seu fim consiste em comunicar 36 pelos olhos o que se origina da fonação e se comunica primeiro pelo 37
91
ouvido: Logo, o regulador da ortografia é a pronúncia. (BACHELET, 1 1943, p. 105, grifos do autor) 2
3
Essa definição proposta para ortografia afigura-se um tanto absurda e, por 4
demais, incoerente. Posta dessa maneira, a escrita seria a representação da fala. 5
Um conceito totalmente equivocado que caberia a uma transcrição fonética e não a 6
uma escrita convencional. Desta forma, a escrita não é regulada pela pronúncia, 7
mas, como sabemos, por um sistema de convenções ortográficas. 19 8
Após apresentar sua conceituação para a ortografia, o autor propõe o 9
exercício seguinte: 10
11
1. Escreva segundo o sistema legal as frases seguintes grafadas 12 aqui no sistema fonético de uma pronúncia defeituosa 13 Nunca aqui no hoital tibemos uns fraiquezes tam adibertidus. Iô cá 14 pur mim intando cá pudia botisar o puqueno qu a cirbêja. Si busmicê 15 quere mandaire carta pra a capitaile u cuzinhairo póde levaire purque 16 o pitrão amanhão tam qui mandaire o rupaz lá. Viva o sordado de 17 pulissa, e xefe, dotô e senado. Nois aola trabaia quando querê; 18 nossa muié num trabaia. [...] (BACHELET, 1943, p. 106, grifos do 19 autor) 20
21
O texto apresenta, para o momento atual, um português bem arcaico que, por 22
vezes, torna-o de difícil compreensão. Ao lermos o enunciado da questão, 23
deparamo-nos com a afirmação de que as frases expostas no exercício fazem parte 24
de uma pronúncia defeituosa. Nesse caso, a oralidade é vista como uma moléstia 25
que carece de cuidados imediatos e agressivos para alcançar a ―normalidade‖. A 26
realização da fala como requerida pelo autor seria a síntese da artificialidade. Será 27
que ele, em suas interações diárias, não diz ―u cuzinheiro‖ em lugar de ―o 28
cozinheiro‖, ―pur favor‖ em vez de ―por favor‖? Muito provavelmente, sim. Imaginá-lo 29
tentando materializar uma fala tão irreal chega a causar estranhamento. 30
Dessa forma, fala e escrita são postas por Bachelet (1943), em seu Manual, 31
quase como equivalentes. A atividade de correção ortográfica analisada nos dá 32
mostras disso. Ora, se a fala é uma representação da escrita, ambas devem ser 33
produzidas de formas muito semelhantes. Por seu turno, o escrever com apuro 34
19
Cagliari (1999) versa sobre a escrita como um sistema de convenções ortográficas, apontado-o como
necessário para padronizar essa escrita brasileira frente à diversidade da fala.
92
parece indicar também que todas as formas ―deselegantes e indignas‖ de ser 1
escritas devem ser descartadas. Por forma indigna entende o autor desde o uso de 2
termos como ―besteira‖ em lugar de ―disparate‖ até os ―erros‖ mais comuns de 3
concordância como ―estas mal traçadas linhas vá encontrar-te‖, sugerido para 4
correção. 5
6
4.1.1.6 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais 7
8
Nesse ponto, podem-se pescar, em um ou outro exercício, considerações 9
interessantes sobre os fenômenos gramaticais. Depois de ver tanta incoerência 10
aplicada ao manual, esses pequenos achados são um refrigério ao olhar cansado de 11
ver tanto preconceito reunido. 12
Os exercícios sobre colocação pronominal são onde a abordagem parece-nos 13
mais arrazoada à análise que nos propusemos a fazer. A atividade que se segue 14
solicita a análise dos pronomes. Vejamos. 15
16
17 DIVERGÊNCIAS. – Há uma multidão de pequenos fatos que nos 18 atarantam a paciência e dão largas escanchas aos profissionais do 19 que <<não se deve dizer>> 20 - Uma casa mobilidada. 21 - Não senhor; diga uma casa mobilada, que é como se diz em 22 Lisboa. 23 - O trem descarrilou. 24 - Alto lá! Diga descarrilou, que é certo. E trem não é palavra de bom 25 cunho. Comboio é que é. 26 Eis o que é intolerável. Ora, pois. Somos um povo... 27 A primeira lição elementar de todas as ciências é que, objetivamente, 28 não pode haver um fenômeno bom e outro mau e ruim. Todos os 29 fenômenos são essencialmente legítimos. Todos os fatos da 30 linguagem, cá e lá, têm igual excelência como fenômenos. 31 -Não quero me alongar... 32 - Perdão! Não me quero alongar, ou então não quero alongar-me. 33 _ Não há dúvida; mas eu digo por um terceiro modo, e, quem sabe, 34 não estou a criar uma utilidade nova e um delicado matiz que a 35 língua européia não possui? (J.R, apud.: BACHELET, 1943, p. 367-36 368) 37 38
O texto exposto aparece como uma defesa à legitimação de todos os 39
fenômenos linguísticos. Afirmação de suma importância é feita ao dizer que não há 40
93
fenômeno bom e outro ruim. Certo é, porém, que tais palavras são de um autor que 1
foi identificado apenas por meio de suas iniciais. Talvez seja esse um indício de que, 2
tendo sua identidade revelada, pudesse sofrer alguma represália. 3
Cumpre salientar também que essa citação foi usada somente para análise 4
dos pronomes, não faz, portanto, parte da discussão do autor, propriamente dita. 5
Mas, se por um lado, não há uma proposta de discuti-lo ou de endossar suas ideias 6
por parte do autor; por outro, não se pode negar que a simples presença desse texto 7
e, consequente, leitura e interpretação dos valores que ele passa, já é deveras 8
significativa. 9
A lição décima da III unidade trata da sintaxe ideológica e sintaxe afetiva. A 10
primeira é definida, por Bachelet (1943), como aquela que domina o espírito, já a 11
segunda o coração. O autor prossegue apresentando os casos a que sintaxe afetiva 12
se aplica. 13
Entre outros, são mostrados exemplos de diminutivo e aumentativo. Embora 14
não haja uma discussão mais profunda sobre ambos, é possível notar uma 15
interessante relativização dos graus, os quais podem indicar não só tamanho, mas 16
também afetividade. 17
Após descrição dos casos aplicáveis à sintaxe afetiva, são propostos 18
exercícios. Um deles diz respeito à colocação pronominal. 19
20
3. Discrimine as duas sintaxes: IDEOLÓGICA e AFETIVA e explique 21 porque JOÃO RIBEIRO fala em suposto <<erro>>. 22 - O brasileiro diz comumente: Me diga...me faça o favor...É esse um 23 modo de dizer de grande suavidade e doçura, ao passo, que[sic] o 24 diga-me e o faça-me são duros imperativos. O modo brasileiro é um 25 pedido; o modo português é uma ordem. Em me diga pede-se; em 26 diga-me ordena-se. Assim, pois, somos inimigos da ênfase e mais 27 inclinados à intimidades. Eis o suposto erro que, afinal, é apenas a 28 expressão diversa da personalidade. E se quisermos uma prova 29 decisiva nesta matéria, temo-la no uso chamado português que 30 também fazemos, quando há necessidades imperativas de mando e 31 de ênfase. Então, nesses casos, praticamos, sem saber, a 32 vernaculidade dos pronomes. Se, entre brasileiros, um ordena que 33 outro se retire, diz logo: safe-se! Raspe-se! Suma-se! É a ênfase que 34 vernaculiza a expressão, e eis porque não admitimos onde seria 35 imprópria, excessiva e contrária à nossa índole. Me passe os cobres 36 é a formula de uma cobrança amigável. Passe-me os cobres, é já 37 uma intimação violenta, judicial, manu militari. (BACHELET, 1943, p. 38 292) 39
40
94
Nesse o trecho, o autor é traído pelas próprias palavras e acaba entrando em 1
contradição. Em outra oportunidade, ele acentua que ―é verdadeira a afirmação da 2
referida unidade luso-brasileira‖, contudo, agora, aponta as diferenças entre o uso 3
do pronome em Portugal, mais impessoal, e no Brasil, mais amigável. Fosse mesmo 4
tão una essa relação, não haveria tais diferenças e outras tantas. 5
Apesar disso, é preciso destacar que é significativa a compreensão de 6
existência de um modo brasileiro de dizer, conforme a índole do brasileiro, o grau de 7
formalidade desejado e a cultura. 8
Afora essas ocorrências, de um modo geral, os exercícios gramaticais são 9
pautados na metalinguística. Há muitas atividades com frases descontextualizadas. 10
Todavia, de fato, são usados muitos textos para realização de exercícios, entretanto 11
tais textos não são discutidos. Não há, se quer, uma interpretação deles. Logo, não 12
passam de pretextos para o estudo, identificação e aplicação de regras gramaticais. 13
14
Quadro 3. Quadro-síntese da análise do LD Novo Manual de Língua Portuguesa: 15
GRAMÁTICA – Bachelet; Nunes (1943) 16
17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007)20 34
20
Em função da necessidade de criarmos uma estratégia de avaliação de natureza objetiva para que
pudéssemos, em um momento posterior, estabelecer uma comparação entre as obras analisadas, optamos
por, ao final da discussão de cada livro didático, apresentarmos um quadro com quatro tópicos: abordagem da
variação linguística, abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro, abordagem da relação
fala/escrita e abordagem da variação nos fenômenos gramaticais. Essas categorias de análise foram criadas a
partir do roteiro para analisar livros didáticos, sugerido por Bagno (2007) e do trabalho de Coelho (2007)
95
4.1.1.7 Considerações sobre a obra Novo Manual de Língua Portuguesa: 1
GRAMÁTICA – Bachelet; Nunes (1943) 2
3
O livro organizado por Mário Bachelet, em colaboração com José de Sá 4
Nunes (1943), da editora Paulo de Azevedo Ltda, traz a insígnia da gramática 5
cravada em sua capa. Escrita em negrito e com letras robustas, não por acaso tal 6
palavra ganha destaque entre as demais. A importância dada ao termo no exterior 7
do livro é um prenúncio do que encontraríamos dentro: uma obra de caráter 8
nacionalista, que concebe a língua como um ―patrimônio sagrado da coletividade 9
nacional‖ (BACHELET, 1943, p. 05) e busca protegê-la de supostas ―forças 10
dissolventes‖. 11
O LD em análise é bastante conservador. Desta forma, o ensino de língua 12
portuguesa é feito a partir de sua origem românica, com lições e exercícios de latim 13
e grego. A obra apresenta um compacto dos conteúdos relativos a quatro séries do 14
antigo ciclo ginasial, de maneira bastante sisuda e pouco atrativa, com 15
pouquíssimas ilustrações. 16
A gramática é colocada com um manual de regras do bem falar e escrever. 17
Como pudemos observar, é baseada nos modelos clássicos da antiguidade e 18
cânones de nossa língua. Ignorando as mudanças e a conjuntura mista da 19
sociedade brasileira, o autor parece querer resgatar um tempo longínquo, no qual a 20
língua estaria em seu estado mais puro e glorioso. Assim, a todo o tempo destaca a 21
necessidade conservá-la como um tesouro, prestes a ser corrompido. Isso afigura-22
nos como um ato forçoso para evitar o inevitável: o processo natural de variação 23
linguística. 24
Os exercícios visam o estudo da nomenclatura, das classes gramaticais e da 25
sintaxe. São feitos de forma fragmentária e descontextualizada. Mesmo aqueles que 26
usam como base o texto são destituídos de funcionalidade, pois este não serve a 27
uma interpretação. 28
Além disso, o mito da unidade linguística reverbera em suas páginas como 29
um hino a cantar os feitos gloriosos de um país. Assim sendo, o autor pressupõe 30
uma homogeneidade luso-brasileira, embora, em alguns momentos, reconheça a 31
força imperativa da cultura e da sociedade brasileira em relação à língua. 32
96
Fala e escrita são balizadas pelos ―grandes vultos da civilização‖. E, ainda 1
que o autor sugira que elas não devem ser feitas com afetação, está sempre a 2
corrigir ―frases defeituosas‖, sem admitir o uso de um termo como ―besteira‖, 3
indicando ―asneira‖ por substituto. 4
Não há menção à variação linguística como base de estudos, tampouco como 5
um conteúdo. Contudo, foram encontradas considerações sobre a formação da 6
língua portuguesa. Considerações essas, vale ressaltar, que tinham objetivo de 7
conservar a suposta unidade linguística entre Brasil e Portugal. 8
9
4.1.2 Comunicação em Língua Portuguesa – Faraco; Moura (1987) 10
11
O salto realizado da obra anterior (década de 40) para esta se motiva pelo 12
fato de buscarmos estabelecer um comparativo entre o ensino anterior e posterior à 13
Sociolinguística. Assim, determinamos a década de 80 por ser esse o período em 14
que as discussões sobre a teria se tornam mais proeminentes no Brasil. 15
Prosseguimos, então, com a análise do referido livro. 16
17
4.1.2.1 Descrição da estrutura e organização da obra 18
19
O livro didático Comunicação em Língua Portuguesa, publicado pela editora 20
Ática, com dupla autoria de Carlos Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura, é 21
composto por 15 unidades. 22
As unidades, por seu turno, são divididas em duas partes: livro-texto e 23
caderno de atividades. Na primeira, constam as seguintes seções: texto (a partir do 24
qual se discute a expressão oral, além da expressão escrita), comunicação, 25
gramática, leitura complementar e redação. Já, na segunda parte, aparecem as 26
seções: expressão escrita, comunicação, gramática e um tópico denominado divirta-27
se, no qual os autores propõem a realização de alguns joguinhos e atividades 28
lúdicas. É importante salientar o que os próprios escritores esclarecem que as 29
questões de comunicação e relativas ao divirta-se não aparecem em todas as 30
unidades. 31
97
Nas páginas iniciais do livro didático, doravante LD, os autores trazem 1
esclarecimentos acerca da estrutura de cada unidade. Em seguida, são 2
apresentados os planejamentos detalhados de cada uma delas. 3
Quanto à abertura das unidades, são apresentadas imagens relativas ao texto 4
principal, em cujo topo há uma frase para, ao que parece, despertar a curiosidade 5
pela leitura proposta. 6
Como podemos notar, trata-se de um LD consideravelmente compacto 7
(contém 120 páginas) se consideramos a sua função. Lembremos, não obstante, 8
que este é um livro da década de 80. 9
Não encontramos referências à bibliografia utilizada e/ou indicação de autores 10
ao final do livro, estão adicionadas apenas junto aos textos utilizados nos capítulos. 11
12
4.1.2.2 Fundamentação/proposta teórico-metodológica 13
14
Não há referência à perspectiva teórico-metodológica adotada, nem tampouco 15
os autores citam outros especialistas na área para fundamentar o trabalho por eles 16
realizado. No entanto, pelo recorrente uso de expressões como emissor, receptor, 17
código e mensagem parece-nos que os autores trazem a perspectiva de língua 18
como instrumento de comunicação. Tal viés se confirma também pela escolha do 19
tópico comunicação para uma de suas seções. 20
21
4.1.2.3 Abordagem da variação linguística 22
23
De maneira geral, no livro didático de autoria de Faraco e Moura (1987), 24
publicado na década de 80, não há uma abordagem clara acerca da concepção de 25
língua, como citamos anteriormente. Porém, identificamos, ao longo do exemplar, a 26
perspectiva de língua como instrumento de comunicação, como podemos notar na 27
passagem: ―a língua é o código de comunicação mais utilizado pelo homem‖ 28
(FARACO; MOURA, 1987, p. 48). 29
A respeito da variação linguística, também não há uma menção objetiva no 30
decorrer das atividades ou um capítulo destinado ao tema, há apenas algumas 31
98
rápidas citações de termos inerentes ao tema, salteadas na fase introdutória. 1
Comentaremos a seguir algumas delas. 2
Nas notas sobre a estrutura de cada unidade, chama-nos a atenção o tópico 3
IV, nomeado de ―vamos nos expressar de outra forma‖, relativo à seção denominada 4
de ―Expressão escrita‖. Ao comentar a respeito da seção, os autores afirmam que: 5
6
[...] nesta atividade é dada ao aluno a oportunidade de manejar 7 estruturas da língua em seus diferentes registros, partindo de um 8 modelo fornecido pelo texto. 9 Esses exercícios despertam ao aluno a necessidade cada vez maior 10 de adequar seu registro a contextos específicos. 11 O professor poderá, a seu critério, ampliar essa atividade, 12 explorando, outras mudanças de registro. Por exemplo, partindo de 13 situações típicas de mensagens orais coloquiais e mesmo gíria, pedir 14 ao aluno que ‗traduza‘ para a norma culta ou vice-versa. 15 Com esses exercícios, o aluno terá condições para perceber que a 16 linguagem só será eficaz se for adequada ao contexto. (FARACO; 17 MOURA, 1987, p. VI21, grifo dos autores) 18 19 20
É interessante observar que, embora indiquem-se, nas notas iniciais e no 21
próprio planejamento, atividades para que os alunos possam expressar-se de outra 22
forma, ao analisarmos mais cuidadosamente as partes de cada unidade, não 23
encontramos o item referendado. Logo, a atividade é inserida como componente do 24
livro, mas não aparece de modo claro nas unidades indicadas. 25
Outro fator importante diz respeito à questão dos registros. Embora tragam 26
esse conceito para a sua proposta pedagógica, Faraco e Moura (1987) não 27
esclarecem sobre a sua definição, não tratam acerca das implicações do uso de um 28
ou outro registro em função do contexto de interação verbal, por exemplo. Além 29
disso, os exercícios que constam no corpo do livro resumem-se à questão 30
gramatical, são descontextualizados e não proporcionam essa reflexão da 31
necessidade de adequação da língua a contextos específicos, como fazem parecer, 32
a princípio. 33
Acrescentamos, ainda, o que nos parece ser a existência de certa confusão 34
entre os conceitos de norma culta e norma padrão, uma vez que solicitam a 35
21
A numeração obedece ao padrão encontrado no livro, o qual traz em algarismos romanos as páginas iniciais,
referentes à introdução e ao planejamento.
99
tradução da variedade coloquial para a culta, sem explicar do que se trata uma ou 1
outra norma e tampouco fazem referência à norma padrão. Salientamos, não 2
obstante, um aspecto positivo da questão que deixa aberta a possibilidade de 3
―traduzir‖ o culto, assim denominado por Faraco e Moura (1987), para o coloquial e 4
não somente o contrário, como ocorre mais frequentemente. 5
Uma das poucas citações diretas ao fenômeno da variação é feita nos 6
comentários sobre a atividade de expressão oral, na qual Faraco e Moura (1987, p. 7
V) sugerem que ―cabe ao professor apresentar, de acordo com as variantes 8
regionais e contextuais, o modelo de entonação que deve ser assimilado ou 9
reforçado‖. Chamamos a atenção para o fato de o autor ter utilizado o termo variante 10
e não variedade. 11
Desta forma, outra oportunidade em que a variação é sugerida, mesmo 12
superficialmente, é no trabalho de leitura textual. Logo no primeiro texto, 13
Comunicação, de Luís Fernando Veríssimo, por exemplo, aborda-se a importância 14
da comunicação na vida das pessoas, apresentando uma pequena discussão sobre 15
o uso de gírias. Além disso, no mesmo capítulo, Faraco e Moura (2000) trazem um 16
texto complementar intitulado linguística, no qual são apontadas algumas 17
curiosidades sobre outras línguas como o havaiano que tem apenas cinco vogais e 18
seis consoantes, mas não são, contudo, abordadas questões relativas ao português 19
brasileiro. 20
Também não há qualquer referência ao conceito e aos tipos de variação. Ao 21
que parece, para os autores, esse fenômeno limita-se à entonação e à prosódia. 22
Mais à frente, Faraco e Moura (1987, p.V) indicam ainda que ―essa atividade pode 23
ser enriquecida. Exercícios com gravador, por exemplo, são excelentes como 24
apresentação de modelos de entonação ou mesmo como veículo de pesquisa‖. A 25
sugestão do trabalho com a gravação é interessante, porém muito pouco 26
aproveitada na proposta didática recomendada, pois limita-se a apresentação da 27
exploração de modelos de entonação. 28
Entendemos que essa seria uma excelente oportunidade para orientar os 29
alunos a observarem outros aspectos da variação, como, por exemplo, variação 30
urbana X rural, de jovens X idosos, os diferentes registros utilizados por uma mesma 31
pessoa ao longo do dia, entre outros. 32
100
4.1.2.4 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro 1
2
Não foram encontradas referências a estigmas sociais ou ao preconceito de 3
linguístico. Devido a ausência de uma base teórica sobre o ensino de LP, não foi 4
possível depreender, a rigor, a concepção de erro. Entretanto, ao sugerir que a 5
eficácia da linguagem só se dá mediante a adequação ao contexto, fica-nos a 6
impressão de que os autores têm conhecimento da teoria variacionista, muito 7
embora não apliquem esse saber de modo mais evidente em seu trabalho. 8
9
4.1.2.5 Abordagem da relação fala/escrita 10
11
No que tange ao modo como os autores lidam com a variação entre fala e 12
escrita, eles parecem trazê-la de modo bastante dicotomizado, conforme 13
percebemos no objetivo proposto como treino da entonação. Faraco e Moura (1987, 14
p. IV) afirmam que esta atividade ―visa, fundamentalmente, a que o aluno consiga 15
fazer a correspondência entre fala e escrita‖. Há, como se pode notar, a separação 16
rigorosa entre fala e escrita como se uma fosse a contra face da outra. 17
Não há referência à possibilidade de existência de uma escala de 18
monitoramento entre os textos orais e escritos, conforme os gêneros textuais 19
envolvidos no processo de interação verbal. 20
21
4.1.2.6 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais 22
23
A partir dos exercícios propostos, é perceptível o trabalho calcado, em grande 24
parte, na perspectiva metalinguística, uma vez que buscam a identificação e a 25
classificação gramatical e a substituição de termos. Confirmemos isso nos exercícios 26
2 e 3. 27
28
29
30
31
32
101
Fig. 1 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Fonte: Faraco; Moura,1987, p.94 11
12
É relevante destacar, ainda, que parece haver um esforço em realizar um 13
trabalho mais significativo com a gramática, pois os autores, na maioria das vezes, 14
partem do texto-base para extrair as frases utilizadas nos exercícios da unidade. 15
Contudo, essa tentativa recai em um viés tradicional, pois, como já dissemos, o texto 16
torna-se um pretexto para aplicar as regras gramaticais estudadas, privilegiando o 17
domínio das nomenclaturas. Além disso, não se estabelece uma reflexão acerca da 18
língua em situação real de uso, do contexto e dos gêneros textuais envolvidos na 19
interação. 20
Não foram encontradas atividades que evidenciem a possibilidade de 21
variação e mudança quanto aos fenômenos gramaticais. Na unidade em que os 22
pronomes pessoais foram trabalhados, por exemplo, o quadro dos pronomes retos e 23
oblíquos foi exposto da seguinte maneira, na tabela da página 93: 24
25
Fig. 2 26
27
28
29
30
31
32
Fonte: Faraco; Moura, 1987, p. 93 33
102
Como podemos observar, na tabela exposta no LD de Faraco e Moura (1987), 1
os pronomes são apresentados de uma forma um tanto quanto inadequada e muito 2
simplificada, pois há apenas a exposição de um paradigma pronominal que não 3
corresponde ao uso real da língua. Se considerasse a realidade linguística, mesmo 4
para a época, outras formas deveriam aparecer como possibilidade para a segunda 5
pessoa do singular (tu/você) e segunda pessoa do plural (vós/vocês), por exemplo. 6
7
Quadro 4. Quadro-síntese da análise do LD de Faraco; Moura (1987) 8
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA
Há tratamento adequado dos fenômenos de variação e mudança linguística
Há tratamento inadequado dos fenômenos de variação e mudança linguística.
X
Há tratamento intermediário quanto à adequação aos fenômenos de variação e mudança linguística.
ABORDAGEM DO
PRECONCEITO LINGUÍSTICO E DA NOÇÃO DE ERRO
Há discussão significativa do preconceito linguístico.
Não há abordagem da questão do preconceito linguístico.
X
São apresentadas as noções de adequação e inadequação.
São apresentadas as noções de certo e errado, em relação à língua.
X
ABORDAGEM DA
RELAÇÃO FALA/ESCRITA
Há separação de modo dicotômico da fala e da escrita. X
Há a apresentação do contínuo dos gêneros textuais entre fala e escrita, do mais espontâneo ao mais monitorado.
Há relativização da relação fala e escrita, mas não há abordagem do amplo contínuo entre essas modalidades.
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS
FENÔMENOS GRAMATICAIS
Há a abordagem, de modo adequado, da variação nos fenômenos gramaticais.
Não há a apresentação da variação nos fenômenos gramaticais.
X
Há a apresentação, de modo superficial, da variação nos fenômenos gramaticais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007) 9
10 11 12 13 14 15 16 17
103
4.1.2.7 Considerações sobre o livro de Faraco; Moura (1987) 1
2
O LD Comunicação em Língua Portuguesa, cuja autoria é de Faraco e Moura 3
(1987), da Editora Ática, apresenta-se, em amplo sentido, como um livro de tradição 4
gramatical. As regras de gramática são dispostas com o objetivo de memorização 5
das nomenclaturas, sem haver uma reflexão sobre esses fenômenos; alguns 6
exercícios são descontextualizados, com frases soltas e fragmentadas; algumas 7
atividades que têm certa contextualização seguem dois caminhos: uma via em que o 8
texto serve unicamente como fonte de onde foram retiradas as frases para os 9
exercícios gramaticais, e um segundo viés em que, além disso, houve também um 10
trabalho de interpretação e compreensão textual. 11
No primeiro caso, observamos que o texto é, na verdade, um pretexto para 12
aplicação de uma abordagem tradicional; já no segundo, consideramos que há um 13
esforço em dar maior sentido ao estudo da gramática, muito embora não tenha 14
considerável sucesso, devido a ausência de análise funcional desta. 15
Há uma divisão estanque em língua falada e escrita, sem qualquer referência 16
ao amplo continuo de gêneros textuais entre elas. 17
Destacamos, ainda, que os autores, aparentemente, têm conhecimento 18
acerca da variação linguística, embora não possamos depreender o nível de acesso 19
à teoria, haja vista a ausência de uma base teórica determinada. 20
E, por fim, afirmamos que variação linguística, efetivamente, não foi abordada 21
no LD em análise na década de 80. 22
23
4.1.3 Linguagem Nova – Faraco/ Moura (1994) 24
25
Nas análises anteriores, fizemos um salto da década de 40 para a de 80. Nas 26
seguintes, as décadas observadas seguem em sequência até a atual. 27
28
4.1.3 1 Descrição da estrutura e organização da obra 29
30
O livro didático Linguagem Nova, publicado no ano de 1994 pela editora Ática, 31
conta com dupla autoria, a saber: Carlos Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura. 32
104
O referido LD é composto por 15 unidades. 1
Cada unidade divide-se nas seguintes partes: Expressão oral, Expressão 2
escrita, Estudo do texto, Só para ler, Redação, Gramática e Divirta-se. 3
A abertura destas unidades é feita mediante a exploração de mensagens 4
visuais, como afirmam Faraco e Moura (1994, p.03): ―Elas aparecem na abertura de 5
cada unidade: são quadros, cartuns, desenhos, fotos, que servem como ponto de 6
partida para discutir também coisas da vida‖. 7
A seção de expressão oral constitui-se a introdução da unidade, em que são 8
apresentadas questões sobre o texto motivador da abertura, o qual traz temáticas 9
próximas ao cotidiano das pessoas, tais como o amor, o jeitinho brasileiro, a 10
adolescência, preconceito, entre outras. 11
A segunda parte compreende a expressão escrita. Esta resume-se à 12
exposição do texto base da unidade. Desta sorte, prossegue-se ao estudo do texto, 13
a partir do qual se destacam os tópicos de compreensão, vocabulário, interpretação, 14
ortografia e pontuação. 15
A seção seguinte trata-se da redação ou produção textual, em que são feitos 16
estudos de estrutura dos tipos e gêneros de textos. Além disso, a criação escrita a 17
parte de uma proposta lançada. 18
O item Só para ler surge, ao que tudo indica, como uma opção de leitura 19
gratuita, desapegada da obrigação da escrita ou do exercício. Como o próprio título 20
indica, são textos para ler simplesmente. 21
Ao âmbito da Gramática estabelece-se a explicação de conteúdo, 22
aparentemente pré-determinado, conforme a classificação gramatical, seguida de 23
exercícios. 24
Há, por fim, o tópico Divirta-se, no qual há textos com tons humorísticos que 25
abordam a temática estudada no capítulo. 26
Esta estrutura é apresentada ao longo do livro com certa regularidade, 27
havendo, porém, pequenas alterações em algumas partes, conforme modificam-se 28
as unidades. 29
Os autores não apresentaram a bibliografia utilizada, nem sinalizaram 30
indicações de leitura ao público. 31
32
105
4.1.3.2 Fundamentação/proposta teórico-metodológica 1
2
O LD de Faraco e Moura (1994) não conta com uma fundamentação teórica 3
específica que possa fornecer-nos um conhecimento mais claro dos conceitos 4
basilares que norteiam a constituição da obra. 5
Há certa mescla quanto ao conceito de língua, que parece ser trabalhada 6
ainda como expressão do pensamento, haja vista os próprios nomes dos tópicos 7
referentes às unidades, tais como expressão oral e expressão escrita. Contudo, à 8
medida que nos enveredamos pela leitura dos textos constitutivos do livro, bem 9
como dos exercícios que se seguem, percebemos uma preocupação com a 10
abordagem social. O estudo do texto ―O padeiro‖, de Rubem Braga, por exemplo, 11
demonstra o poder da linguagem na sociedade, como é possível notar na introdução 12
da expressão escrita: ―Muitas profissões são tão desvalorizadas pela sociedade em 13
geral que até mesmo os profissionais passam a incorporar essa desvalorização, 14
achando que não são úteis.‖ (FARACO; MOURA, 1994, p. 46) A incorporação dessa 15
visão desvalorizada de si, pelo profissional, ocorre devido à forma como ele era 16
chamado pelas empregadas que o recebiam à porta. 17
18
Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser 19 atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma 20 voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa 21 que o atendera dizer para dentro: ‗não é ninguém, não senhora, é o 22 padeiro‖. Assim ficara sabendo que não era ninguém. (FARACO; 23 MOURA, 1994, p. 46) 24
25
O episódio em questão mostra como as escolhas linguísticas representam 26
valores sociais, embora essa discussão não seja enfatizada pelos autores. 27
28
29
4.1.3.3 Abordagem da variação linguística 30
31
Quanto ao âmbito da variação linguística, no LD de Faraco e Moura (1994), 32
não há delimitação do tema em nenhum de seus capítulos, nem tampouco há 33
alguma especificação na seção introdutória ou em qualquer outra parte, ao longo do 34
livro. 35
106
Algumas noções de variação e mudança linguística são encontradas aqui e 1
ali, mas de modo bastante superficial. Eis algumas delas. 2
O Estudo do vocabulário do texto ―Um sorriso‖, de Álvaro Cardoso Gomes, 3
traz a seguinte questão, na página 36: 4
5
Fig.3 6
7
8
9
10
11
12
Fonte: Faraco; Moura, 1994, p.36 13
14
A atividade faz menção ao conceito de gírias e expressões comuns, muito 15
embora não haja uma definição do seu significado e da existência de variação 16
quanto a este aspecto linguístico conforme a época e o grupo social em que 17
aparece. Outro fator importante que deixa de ser mencionado é a situação em que o 18
uso da gíria é pertinente ou inadequado. 19
Em outra oportunidade, ainda no terreno do vocabulário, Faraco e Moura 20
(1994) apresentam: 21
22
Fig. 4 23
24
25
26
27
28
29
30
31
Fonte: Faraco; Moura, 1994, p. 141 32
33
107
No primeiro exercício proposto, é solicitada a cópia das palavras ou 1
construções da fala coloquial, mas o aluno não é esclarecido acerca do que seja 2
essa fala, das suas implicações e dos contextos de uso. Além disso, na sugestão de 3
resposta, embora os alunos ainda não tenham estudado colocação pronominal, 4
salienta-se a necessidade de mostrar a eles que não se usa o pronome oblíquo no 5
início da frase. Fato que se aplica muito mais ao português de Portugal que ao do 6
Brasil. Aqui, o uso desta regra é mais comum em textos escritos formais. A segunda 7
questão refere-se ao emprego da palavra ―levianinho‖, indagando o leitor quanto ao 8
uso deste termo em sua região. 9
A formulação de tal pergunta leva-nos a crer que os autores têm 10
conhecimento a respeito possibilidade de mudança de sentido das palavras, 11
conforme a região. Todavia, a variação regional não é explorada de modo 12
sistemático no LD. 13
Para além disso, ressaltamos a persistência de uma confusão terminológica 14
quanto aos conceitos de norma culta e norma padrão. 15
Assim, Faraco e Moura (1994, p.168) asseguram que ―a norma culta é aquela 16
que segue a gramática‖. Conforme discutimos anteriormente, essas duas normas 17
são distintas: a padrão é aquela determinada pelos compêndios gramaticais, 18
enquanto a culta é aquela da qual dispõem os falantes com 11 anos de 19
escolarização ou mais. 20
Esta confusão é danosa para os estudantes, pois dá a entender que só é 21
culto aquele domina as normas da gramática tradicional. Além disso, faz parecer que 22
não há variação na norma culta, o que é uma inverdade. 23
24
4.1.3.4 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro 25
26
Os autores trazem, na unidade 8, um exercício no qual a noção de certo e 27
errado é abordada. 28
29
30
31
32
108
Fig. 5 1
2
3
4
5
6
7
8 9 10
11 Fonte: Faraco; Moura, 1994, p.98 12
13 14
A afirmação de que ―muitas palavras sofrem mudanças de pronúncia que são 15
consideradas incorretas pela forma culta do português‖ (FARACO; MOURA, 1994, 16
p.98) parece-nos bastante inapropriada, pois estabelece como incorreta qualquer 17
pronúncia diversa da escrita gramatical. 18
Desta feita, o quadro exposto está explicitamente calcado nos conceitos de 19
certo e errado e é problemático por alguns aspectos. 20
Primeiro, por não fazer nenhuma abordagem acerca das diferenças entre fala 21
e escrita ou a respeito das contingências próprias a cada uma, menos ainda se 22
destacar a possibilidade de haver um continnum entre essas duas modalidades da 23
língua, mediante os diferentes gêneros textuais e grau de monitoramento específico 24
a cada uma diante de uma situação de uso específica. 25
Segundo, por apresentar a delimitação da forma de pronunciar as palavras 26
que, se feita do modo como é sugerido, tornaria a fala das pessoas (mesmo as 27
cultas) muito artificial, fora da realidade de uso da língua. 28
Terceiro, por não reconhecer que a oralidade, ainda que seja utilizada em 29
uma situação que exija mais monitoramento, será diferente da escrita. Vamos usar 30
um exemplo simples, como o termo ―hoje‖, para que fique claro: A sua escrita conta 31
com um ―h‖ inicial, que não aparece na oralidade, além de haver, normalmente, o 32
alteamento da vogal final, culminando na forma ―oji‖. 33
Quarto, por esboçar que não há um critério para a escolha das palavras 34
usadas como exemplo da oralidade, as quais são fruto de diferentes processos 35
109
fonológicos. Algumas, como ―pexe‖, por exemplo, são muito comuns na fala de 1
pessoas com maior escolaridade. Assim, há monotongação em [peixe>pexe 2
(semelhante a feixe> fexe, ou mesmo a cadeira>cadera, touro>toro)]. Podemos 3
dizer, ainda, que há maior ocorrência do ítem ―peixe‖ como ―pexi‖ com 4
monotongação inicial e alteamento da vogal final do que sem esses processos 5
fonético-fonológicos. Esta diferença não acarreta, entretanto, qualquer estigma 6
perante a sociedade, pois trata-se de um elemento considerado apenas como 7
indicador. 8
Por seu turno, outras palavras, como ―imbigo‖, ―largato‖ e ―cardeneta‖ 9
correspondem a processos fonológicos diversos – assimilação e metátese, 10
respectivamente. Tais ocorrências, assim como a nasalização em 11
mortadela>mortandela, (semelhante a igreja>ingreja, identidade>indentidade) entre 12
outros, são muito mais raras nas falas de sujeitos cultos, mesmo em situação de 13
menor grau de monitoramento. O uso delas é mais comum aos falantes pouco 14
escolarizados, os quais, a depender da situação, estão propensos a juízos de valor, 15
culminando em preconceito linguístico. Tais fatos não são explorados, ou sequer 16
mencionados pelos autores. 17
E em quinto lugar, observamos, ainda, que algumas dessas palavras 18
elencadas como ―erradas‖ se estivessem presentes na leitura de um aluno não 19
seriam corrigidas pelo professor, por serem, na teoria Sociolinguística, considerados 20
como marcadores e não como formas estigmatizadas. 21
22
4.1.3.5 Abordagem da relação fala/escrita 23
24
Já adiantamos um pouco essa discussão no tópico anterior. Assim, conforme 25
pudemos perceber, as modalidades oral e escrita são colocadas sob uma 26
perspectiva estanque e dicotômica, como se entre elas só existissem diferenças e 27
como se uma fosse o imediato oposto da outra. O abismo entre elas é ainda mais 28
reforçado pela disposição das palavras como certas ou erradas. Inexiste qualquer 29
menção à possibilidade de variação aos falantes cultos, bem como não se coloca, 30
para o leitor, o amplo continuum de gêneros textuais existentes entre fala e escrita. 31
110
Essa equívoca abordagem traduz-se na tentativa de homogeneizar a relação 1
entre oralidade e escrita, colocando-as em pontos extremos, entre os quais nada 2
mais existiria. 3
4
4.1.3.6 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais 5
6
No que tange ao campo da gramática, O LD de Faraco e Moura (1994) muito 7
se aproxima de um compêndio gramatica tradicional, alicerçado na exploração de 8
regras do bem falar e escrever. 9
Assim sendo, a reprodução de listas de exercícios de classificação gramatical 10
e identificação das funções sintáticas das palavras, feita de modo 11
descontextualizado e fragmentado, revela a difusão de uma abordagem 12
metalinguística de gramática no decorrer de todas as unidades de estudo. Tal 13
perspectiva fica patente no trecho da página 105, exercícios 1 e 2, a seguir. 14
15
Fig. 6 16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Fonte: Faraco; Moura, 1994, p. 105 27
28
A abordagem da variação nos fenômenos gramaticas não é aplicada ao LD 29
em análise. Quando aparece alguma ocorrência, esta se estabelece com o objetivo 30
de que seja substituída por uma linguagem mais formal, como se vê a seguir: 31
32
C. Reescreva as frases do texto, substituindo as expressões em 33 destaque por outras de nível um pouco mais formal. 34
111
a. A gente resolveu dar um tempo. 1 b. O Cabelo de Lúcia Helena brilhava que nem ouro. 2 c. Aí me deu uma vontade doida de pegar na mão dela. 3
(FARACO; MOURA, 1994, p. 36, grifos dos autores) 4 5 6
A discussão poderia ter seguido a linha mais funcional da língua, pontuando 7
questões como adequação à situação de fala. As palavras ―a gente‖, ― que nem‖, 8
bem como a expressão ―aí me deu uma vontade doida...‖ são usadas para 9
especificar o diálogo entre duas pessoas jovens, que conversam 10
despretensiosamente, no trem. Logo, naquele contexto tais terminologias cumprem 11
muito bem a sua função. Mais incomum seria se os jovens utilizassem, por exemplo, 12
a frase ―Tudo contribuiu para que eu ficasse com muita vontade de pegar na mão 13
dela‖, como sugerem os autores. 14
Além disso, outra possibilidade seria sondar os alunos quanto ao uso possível 15
de tais termos por parte deles, mostrando que isso é normal ao vocabulário jovem. 16
Na oportunidade, seria importante destacar também que, em uma situação de maior 17
monitoramento, provavelmente aquelas mesmas pessoas fariam uso de uma 18
linguagem mais formal. Tudo é questão de adequação! 19
Não obstante, chama-nos a atenção a atividade 2, da página 14, relativa ao 20
trabalho com ortografia e concordância. Faraco e Moura (1994) fazem referência ao 21
uso do termo ―a gente‖, colocando-o como próprio da linguagem coloquial e 22
apresenta o ―nós‖ como relativo a uma linguagem um pouco mais formal: 23
24
Fig. 7 25
26
27
28
29
30
31
32
33
Fonte: Faraco; Moura, 1994, p. 14 34
35
112
Apesar disso, consideramos um tanto inadequada essa abordagem da 1
variação nos fenômenos gramaticais. Isto porque, no exercício em pauta, os autores 2
solicitam que os alunos substituam o termo ―a gente‖ por ―nós‖ em algumas 3
sentenças. Eles perdem a oportunidade de discutir o processo de gramaticalização 4
do item lexical ―a gente‖, o qual vem integrando, nos textos orais, o paradigma 5
pronominal do português. 6
No exercício sobre regência e concordância, Faraco e Moura (1994, p. 168) 7
fazem a seguinte colocação: ―de acordo com a norma culta, o verbo namorar é 8
transitivo direto. Portanto não exige nenhuma preposição‖ e segue com um exemplo: 9
―namorando com um moço...‖, como podemos ver, em seguida. 10
11
Fig. 8 12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
Fonte: Faraco; Moura, 1994, p. 168 23
24
Nesse ponto, consideramos que os autores apresentaram adequadamente o 25
uso do verbo ―namorar‖, conforme prescrito na Tradição Gramatical e descrito na 26
língua em uso, com e sem a preposição ―com‖, respectivamente, demonstrando que 27
é aceito na linguagem coloquial, bem como qual é a postura mais adequada frente a 28
uma situação mais formal da língua. 29
Quanto à sugestão de evitar o uso na forma escrita, faltou mais uma vez a 30
explicação sobre o gênero textual para o qual o uso formal seria mais apropriado. 31
Mais ainda: os autores poderiam ter aproveitado o exemplo para mostrar que a 32
113
expressão ―namorar com‖ tem sido largamente utilizada pelos falantes, mesmo os 1
cultos, em situações formais. Outro processo de gramaticalização. 2
Em lugar dessa discussão, são propostos apenas diversos exercícios para 3
―escrever frases com o verbo namorar, empregando-o de acordo com a norma culta 4
da língua‖ (FARACO; MOURA, 1994, p. 169) 5
6
Quadro 5. Quadro-síntese da análise do LD de Faraco; moura (1994) 7
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA
Há tratamento adequado dos fenômenos de variação e mudança linguística
Há tratamento inadequado dos fenômenos de variação e mudança linguística.
X
Há tratamento intermediário quanto à adequação aos fenômenos de variação e mudança linguística.
ABORDAGEM DO
PRECONCEITO LINGUÍSTICO E DA NOÇÃO DE ERRO
Há discussão significativa do preconceito linguístico.
Não há abordagem da questão do preconceito linguístico.
X
São apresentadas as noções de adequação e inadequação.
São apresentadas as noções de certo e errado, em relação à língua.
X
ABORDAGEM DA
RELAÇÃO FALA/ESCRITA
Há a apresentação de modo dicotômico da fala e da escrita.
X
Há a apresentação do contínuo dos gêneros textuais entre fala e escrita, do mais espontâneo ao mais monitorado.
Há relativização da relação fala e escrita, mas não há abordagem do amplo contínuo entre essas modalidades.
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS
FENÔMENOS GRAMATICAIS
Há a abordagem, de modo adequado, da variação nos fenômenos gramaticais.
Não há a apresentação da variação nos fenômenos gramaticais.
X
Há a apresentação, de modo superficial, da variação nos fenômenos gramaticais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 8
9
10
11
12
13
14
114
4.1.3 7 Considerações sobre a obra de Faraco; Moura (1994) 1
2
O LD Linguagem Nova, cuja autoria é de Faraco e Moura (1994), da Editora 3
Ática, segue a perspectiva da tradição gramatical. Assim como no livro anterior da 4
década de 80, o objetivo primordial do trabalho com a gramática parece ser o da 5
disposição das regras prescritas pela tradição gramatical. 6
Os exercícios são feitos de modo bastante afuncional e fragmentário, a partir 7
de frases soltas, sem base contextual. 8
O trabalho linguístico realizado pelos autores no LD não contempla de modo 9
satisfatório os fenômenos da variação e mudança linguística. 10
A fala e a escrita, por sua vez, são apresentadas de maneira dicotômica. A 11
primeira sendo estabelecida como espaço linguístico propenso ao ―erro‖. 12
Verificamos, pois, haver uma inadequação quanto a este aspecto. 13
A abordagem da variação nos fenômenos gramaticais configura-se tão 14
somente como ponte para reescrita de frases, segundo as regras da ―norma culta‖. 15
Diante da forma como aparecem alguns termos, podemos inferir que os 16
autores parecem ter conhecimento da teoria da variação linguística, embora tenham 17
cometido alguns equívocos no tratamento de tais questões ao longo do LD. 18
Assim, também na análise do LD da década de 90, podemos afirmar que o 19
tratamento dado à variação e a mudança linguística ainda é superficial e restrito ao 20
estudo do léxico e ao nível formal e informal da língua. 21
22
4.1.4 Linguagem Nova – Faraco; Moura (2000) 23
24
O ano de 2000, posterior à divulgação dos PCN, destaca-se nessa análise 25
para que sejam observadas quais as mudanças ocorridas ou não no LD, após esse 26
suporte considerado importante no reconhecimento da variação. 27
28
4.1.4.1 Descrição da estrutura e organização da obra 29
30
O LD Linguagem Nova, publicado pela editora Ática, cuja autoria é de Carlos 31
Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura, é composto por 15 unidades. 32
115
Cada unidade é estruturada da seguinte forma: Epígrafe, ponto de partida, 1
texto, estudo do texto, vocabulário, ponto de vista, texto complementar, gramática, 2
redação, divirta-se e textos complementares. 3
Segundo Faraco e Moura (2000), a epígrafe tem como objetivo sensibilizar o 4
aluno quanto tema a ser trabalhado. Já a seção denominada de o ponto de partida 5
é proposta com diferentes objetivos, tais como valorizar os conhecimentos prévios 6
do aluno, estimular o emprego da língua em situações típicas da oralidade, 7
enriquecer o repertório do aluno, promover o exercício da intertextualidade e 8
interdisciplinaridade e estimular leituras comparativas. O texto é apontado como 9
central a cada unidade, a partir do qual segue-se o estudo. Este é sugerido como 10
uma forma de conscientização a respeito dos elementos da língua escrita. 11
O texto complementar, por seu turno, é trazido sob a proposta de adicionar 12
uma nova perspectiva ao tema em estudo. Há, ainda, a parte da gramática, que é 13
apresentada como uma ponte para solucionar os problemas dos alunos. Ao item 14
redação determina-se o objetivo de formar cidadãos com capacidade para produzir 15
textos coesos e coerentes. Como encerramento da unidade, opta-se por utilizar a 16
seção divirta-se, sendo proposta com o objetivo de motivar uma conversa mais rica e 17
descontraída sobre a temática estudada. São feitas, ainda, algumas sugestões de 18
atividades complementares, propondo atividades diversificadas para serem 19
trabalhadas com os alunos, tais como filmes, pesquisas, debates, entre outros. 20
É importante ressaltar que, diferentemente dos últimos livros analisados, 21
nessa edição do LD de Faraco e Moura, já há um manual pedagógico, no qual são 22
exploradas discussões sobre a estrutura da própria obra, bem como acerca dos 23
objetivos de cada seção. Além disso, são feitas diversas recomendações de 24
atividades, tais como leitura extraclasse, leitura de poemas, música popular, trabalho 25
com a língua falada. Outro fator importante presente no manual é abordagem do 26
item referente à avaliação, explorado como um processo contínuo, no decorrer de 27
cada atividade. 28
Ao final, é possível encontrar sugestões bibliográficas sobre leitura, gramática 29
e ensino da gramática, sobre produção de textos, linguagem oral, além de 30
indicações de leitura acerca do trabalho com jornal, rádio e televisão. Dentre os 31
116
autores sugeridos, há nomes como Geraldi (1991), Franchi (1984), Perini (1985), 1
Travaglia (1995) e Vygotsky (1987), entre outros. 2
Todavia, destacamos que, embora haja uma significativa discussão sobre o 3
ensino de LP, falta ainda uma discussão mais clara acerca da concepção de língua 4
adotada. 5
6
4.1.4.2 Fundamentação/proposta teórico-metodológica 7
8
A partir da leitura do LD de Faraco e Moura (2000), é perceptível a concepção 9
de língua como uma atividade social. Tal conceito faz-se patente no fato de 10
apresentar a escola como um lugar em que se permite ao aluno enxergar a sua 11
realidade e a do outro, além de os autores proporem-se a analisar a língua em 12
funcionamento, indicando a necessidade de reflexão sobre ela. 13
A gramática é discutida sob a perspectiva de Vygotsky. Nesse sentido, os 14
autores sinalizam um trabalho calcado no desenvolvimento da capacidade de 15
expressão do aluno e asseguram que: ―o objetivo dessa parte [a gramática] não é o 16
estudo da teoria gramatical (reduzida ao mínimo possível e vista como ferramenta 17
de trabalho), mas sim a reflexão sobre a língua em situações reais de uso.‖ 18
(FARACO; MOURA, 2000, p. 09) 19
Salientamos que essa edição já apresenta uma relevante mudança de 20
perspectiva, quando comparada às anteriores, o que, muito possivelmente, ocorreu 21
devido à tentativa de adequação ao PCN. Conforme os próprios autores, na 22
abertura do livro, a edição está totalmente reformulada, com relevo para os dizeres: 23
―De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais‖ (FARACO; MOURA, 2000, p. 24
03). Segundo eles, essa reelaboração surge ―em face das exigências de uma nova 25
realidade educacional que aí está, mas também por força dos novos tempos, que 26
impõe sérias modificações de ordem curricular e de outras ordens‖ (FARACO e 27
MOURA, 2000, p.05) 28
Diante de tal colocação, em contraponto com a concepção de ensino proposta 29
nas atividades e no manual didático do professor, torna-se clara importância da 30
elaboração desses parâmetros, os quais surgem como uma força motriz para a 31
assunção de novas metodologias de ensino. 32
117
4.1.4.3 Abordagem da variação linguística 1
2
Os desdobramentos didáticos e pedagógicos do LD de Faraco e Moura 3
(2000), no tocante à variação linguística, não são conduzidos por meio da adoção de 4
um capítulo específico destinado ao tema. As orientações, nesse sentido, definem-5
se pela via dos registros e níveis de linguagem. Outros aspectos concernentes às 6
diversas formas de variação, como a regional e a diacrônica, por exemplo, não são 7
contemplados pelos autores. 8
Ao explorar a proposta de redação, Faraco e Moura (2000, p. 10) comentam 9
que ―para escrever bem não basta saber a norma padrão, uma vez que esta pode 10
estar inadequada a diversos contextos; é preciso saber empregar as múltiplas 11
possibilidades expressivas da língua portuguesa.‖ Pelo exposto, encontramos o 12
reconhecimento de que a norma padrão não é a única válida no português. Os 13
autores fazem-nos entender, a partir do que afirmam, que existem outras normas na 14
LP. Logo, segundo essa perspectiva, o uso irrefletido da vertente padrão estaria 15
propenso à inadequação. 16
Essa é uma assertiva interessante, já que, de fato, o emprego aleatório da 17
norma padrão, desprovido de uma atitude reflexiva frente a ela pode criar um texto 18
extremamente inapropriado para o uso a que se destina. Seria, pois, um total 19
desatino o de um médico que, querendo se fazer entender por um paciente não 20
alfabetizado, utilizasse-se de um vocabulário altamente rebuscado para explicar-lhe 21
os pormenores de sua doença e as recomendações devidas para a sua cura. Qual 22
não seria a reação desse paciente ao ouvir, por exemplo, que sofre de bradicardia, 23
uma diminuição do cronotropismo do nó sinusal, com indicação cirúrgica para a 24
inserção de um dispositivo chamado marcapasso? Provavelmente, sairia mais 25
confuso do que entrou no consultório. 26
Assim, consideramos positiva a afirmação de que é ―preciso saber empregar 27
as múltiplas possibilidades expressivas da língua portuguesa‖. (FARACO; MOURA, 28
2000, p.10) Esse pressuposto que norteia a produção de texto vem expresso sob o 29
tópico ―É importante ser ‗poliglota‘ na própria língua‖, retomando uma afirmação de 30
Bechara (2000). Tal afirmação revela o conhecimento do caráter heterogêneo da 31
118
língua, assim como aponta para a consciência de que o domínio das diversas 1
possibilidades de uso linguístico tem relevância. 2
É interessante notar, contudo, que essa válida discussão desenvolvida no 3
manual pedagógico aparece de modo bem mais frágil e pouco significativo nas 4
atividades sistematizadas nas unidades de estudo. 5
Nas ocasiões em que se faz referência à linguagem formal ou à informal não 6
são apresentadas definições, nem explicações sobre contextos situacionais de uso. 7
Uma dessas abordagens surge na atividade a seguir. 8
9
Fig. 9 10
11
12
13
14
15
Fonte: Faraco; Moura, 2000, p. 16 16
17
Os exemplos de expressões elencados pelos autores são utilizados apenas 18
como pretexto para a transposição para uma modalidade ―um pouco mais formal‖. 19
Na atividade 6, da mesma página, ainda como sequência do exercício de 20
vocabulário, Faraco e Moura (2000) fazem menção ao uso de alguns recursos 21
utilizados após a fala, para chamar atenção do interlocutor. 22
23
Fig. 10 24
25
26
27
Fonte: Faraco; Moura, 2000, p. 16. 28
29
Observamos, nessa questão, que os autores furtaram-se a uma abordagem 30
mais significativa sobre o uso das gírias. Denominaram os termos ―falô‖, ―tá ligado‖ e 31
―sacô‖ apenas como recursos, desperdiçando a oportunidade de aprofundar uma 32
abordagem sobre esse tipo de variação. Ao solicitarem que os discentes 33
119
investigassem quais recursos ocorrem em sua região e especificarem ao grupo de 1
amigos, seria pertinente a discussão sobre o que são as gírias, as diferenças 2
presentes nos termos atuais e passados, além de evidenciar os termos próprios a 3
cada região ou grupo social. 4
Nessa unidade, em que, na temática dos textos, perpassa a comunicação, 5
assinalamos a indicação de leitura complementar, denominada ―Linguística‖, cujo 6
autor é Pedro Bloch: 7
8
Vocês sabiam que o havaiano tem somente cinco vogais e seis 9 consoantes? Já o abkhaz, falado no Cáucaso, tem sessenta e oito 10 consoantes e apenas duas vogais. No japonês existe uma continua 11 alternância de vogais e consoantes. 12 Cristo, em japonês, tem quatro silabas: kurushito. Brasil, em japonês, 13 é Buraziru. 14 Em iana, idioma dos índios da Califórnia, os homens falam uma 15 língua diferente da falada pelas mulheres. E não se espantem muito 16 porque, aqui no Brasil, temos uma tribo que realiza a mesma 17 façanha. 18 Contando isso a um amigo meu, ele perguntou: 19 _Quer dizer que eles falam duas línguas diferentes e se entendem? 20 _Exatamente. 21 _Olhe que é vantagem! Lá em casa, eu minha mulher falamos a 22 mesma língua e não há meios de nos entendermos. (FARACO; 23 MOURA, 2000, p. 17-18) 24 25
26
Através do texto, os autores poderiam ter dado voz a diversas reflexões sobre 27
línguas e diferenças entre elas, sobre as diversas línguas faladas no Brasil, bem 28
como sobre as variações aqui existentes. Diferente disso, preferiram silenciar tais 29
questões, deixando a cargo do professor tal tarefa, de acordo com seu 30
conhecimento e sua intuição. E, assim, apresentaram como complemento apenas o 31
texto no qual há possibilidade de reflexão sobre os fenômenos de variação e 32
mudança, mas não instrumentalizaram o professor ou aluno para realizarem-na. 33
34
4.1.4.4 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro 35
36
No cotejo entre o LD de 2000 e o publicado em 1994 (além dos anteriores), 37
notamos que há um salto quanto à abordagem da noção de erro. Se, na década 38
anterior, foi estabelecida uma divisão entre certo e errado, acentuando-se a 39
120
necessidade de homogeneizar a fala conforme a língua ―culta‖, nesta versão, já em 1
vias de um novo século, marcada na capa com a sinalização da consonância com os 2
parâmetros curriculares, observamos uma mudança singular nessa perspectiva, 3
muito mais consciente em relação ao fenômeno da variação. Isto fica evidente na 4
afirmação de que: 5
[...] cabe ao/à professor/a conscientizar o aluno de que não existe 6 „certo‟ ou „errado‟, e sim adequando e inadequado. Saber adequar o 7 nível de linguagem ao destinatário do texto e ao objetivo do autor é 8 tarefa que precisa ser discutida e realizada cotidianamente com a 9 classe. (FARACO; MOURA, 2000, p. 10, grifo nosso) 10
11
Fala-se, agora, em adequado e inadequado, o que favorece, ainda que 12
sutilmente, a redução do preconceito linguístico. Em coerência ao que foi posto, não 13
foram encontradas ocorrências de atividade com intuito de estabelecer uma relação 14
entre certo e errado. Destacamos, a seguir, uma dessas abordagens, feita no âmbito 15
da produção de texto. 16
17
Fig.11 18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
Fonte: Faraco; Moura, 2000, p. 80 29
30
Na atividade, os autores elencam os fatores que devem ser levados em conta, 31
ao criar um anúncio publicitário, dentre eles dois aspectos importantes ligados à 32
situacionalidade, aos objetivos da interação, idade e nível de escolarização. Embora 33
não apontem uma definição precisa, podemos identificar um trabalho interessante 34
121
com a variação diamésica, no qual é percebida uma correlação entre a produção 1
linguística e o perfil social do público alvo (extralinguístico) como ocupação 2
profissional, grupo a que pertence, faixa etária, nível de escolaridade. Além disso, 3
são mencionados fatores que envolvem diferenças relativas às variedades urbana e 4
rural. Caberia, entretanto, uma discussão mais aprofundada sobre as singularidades 5
pertinentes a um e outro tipo de variação. 6
Na atividade sobre Vocabulário, encontramos outra referência à adequação: 7
8
Fig. 12 9
10
11
12
Fonte: Faraco; Moura, 2000 p. 119 13
14
No referido tópico, os autores reescrevem uma fala de Gaia, de modo a incluir 15
gírias e questiona quanto a combinar ou não o enunciado com a linguagem do texto. 16
A sugestão de resposta indica a negativa, devido à utilização da língua ―culta‖ pelo 17
autor. Para além do emprego inadequado do termo ―culto‖ para se referir ao que 18
seria a norma padrão, o autor deveria ter mencionado que os termos propostos são 19
inadequados, sobretudo, pela questão do recorte temporal. O fator decisivo para 20
esse tipo de linguagem, nesse caso, é a época a qual faz referência. Trata-se de um 21
tempo mitológico, muito distante do atual, em que, portanto, não poderiam existir tais 22
gírias. 23
Quanto à discussão sobre preconceito linguístico, é oportuno dizer que esta 24
se faz ausente, embora houvesse, muitas vezes, diversos textos que permitissem 25
essa possibilidade. 26
27
4.1.4.5 Abordagem da relação fala/escrita 28
29
No LD de Faraco e Moura (2000), observamos que há uma preocupação com 30
o fator oralidade em sala de aula. Desta sorte, o estabelecimento da relação entre 31
fala e escrita dá-se de forma bem menos dicotomizada do que nas versões 32
122
anteriores, já analisadas. Ainda assim, são feitas ponderações acerca de diferenças 1
acentuadas entre uma e outra modalidade da língua, sem evidenciar os pontos de 2
proximidade. 3
Por essa via, um dos objetivos propostos pelos autores para a seção 4
denominada de Ponto de vista é estimular o emprego da língua em situações típicas 5
da oralidade. Para tanto, Faraco e Moura (2000) acrescentam: 6
7
Num contexto em que se privilegia o uso informal da língua, procura-8 se desenvolver a capacidade do aluno de expor suas ideias e 9 experiências e de ouvir o que o outro tem a dizer. Ao realizar os 10 exercícios dessa parte, é importante que o/a professor/a não perca 11 de vista o fato de que a língua falada e a língua escrita serem 12 sistemas que apresentem diferenças acentuadas, o que implica 13 objetivos e observação de comportamentos específicos. (FARACO; 14 MOURA, 2000, p. 06, grifos nossos) 15
16
Notamos, no excerto, que fala e escrita são apresentadas em posições 17
opostas, com ênfase nas diferenças. Sabemos, pois, que, entre elas, há também 18
semelhanças. Conforme já discutimos na seção 1.2 (Fundamentos da Teoria da 19
Sociolinguística), há circunstâncias nas quais, dependendo do grau de formalidade e 20
do gênero textual envolvido na interação, o que se escreve aproxima-se mais da 21
oralidade, assim como um discurso oral pode estar mais perto de uma escrita formal, 22
exigindo maior grau de monitoração e planejamento. Não obstante, os autores 23
consideram, no manual pedagógico, que: 24
25 26 O/a professor/a pode planejar sua intervenção direta ou indireta em 27 alguns desses momentos [situações de sala de aula] com a 28 finalidade de sedimentar o domínio de textos orais mais 29 formalizados, aos quais o aluno tem acesso mais restrito e que 30 exigem do falante um controle consciente do próprio comportamento 31 linguístico. 32 A atividade planejada do/a professor/a deve priorizar a dimensão 33 comunicativa da expressão oral, que implica necessariamente estes 34 fatores: 35 1. Os objetivos do texto falado; 36 2. Os participantes da interlocução; 37 3. A adequação do texto falado às condições de produção e aos 38 contextos situacionais. (FARACO; MOURA, 2000, p. 18, grifo dos 39 autores) 40
41
123
Ao enfatizar as atividades em textos orais mais formalizados, subentendemos 1
que os autores assumem a possibilidade de haver também textos orais menos 2
formais. Além disso, verificamos que os fatores elencados como relevantes à 3
expressão oral dão mostras de uma tentativa de relativização da fala, inscrevendo-a 4
na perspectiva sócio interacional. Entretanto, não há referências quanto à questão 5
da escrita e às possibilidades de variação pertinentes a ela. 6
A título de exemplo, fazemos referência à unidade doze do LD em análise, na 7
qual os autores abordam o tema da correspondência, a partir do texto ―O mundo de 8
Sofia‖. Desta feita, no item número dez, da atividade de estudo do referido texto, 9
encontramos o seguinte exercício. 10
11
Fig. 13 12
13
14
Fonte: Faraco; Moura, 2000, p. 177 15
16
Solicita-se, no exercício exposto, que seja feita a transposição do discurso 17
apresentado pelo professor em uma carta para uma conversa telefônica. Essa é 18
uma proposta interessante, porém carece de uma orientação mais bem detalhada, 19
no sentido de especificar as características do gênero textual ―conversa telefônica‖, 20
bem como as proximidades e distanciamentos entre esse gênero que faz parte da 21
modalidade oral e a carta informal que faz parte da modalidade escrita. Seria 22
oportuno também relatar as diferenças entre uma conversa, na qual esteja ao 23
telefone um amigo, um professor ou um namorado, por exemplo. Acreditamos que, 24
desta forma, os pressupostos discutidos no manual pedagógico seriam incorporados 25
de modo mais eficaz à didática presente no livro. 26
27
4.1.4.6 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais 28
29
Faraco e Moura (2000) propõem-se a realizar um trabalho funcional com a 30
gramática, como apontam na apresentação do LD: 31
32
124
A coleção Linguagem Nova, além da escolha cuidadosa das 1 leituras, de textos de diversas naturezas, em contínua 2 intertextualidade, proporciona também – e talvez por isso mesmo – 3 aos estudantes de 5ª a 8ª série, cum contato funcional com a 4 gramática de nossa língua. 5 [...] Assim, a gramatica aparece, nesta coleção, como um elemento 6 a mais para auxiliar os professores e os alunos na leitura, 7 apreensão, compreensão, interpretação, produção e domínio textual, 8 observando-se sempre a natureza dos textos, a variedade dos 9 suportes em que circulam, os diferentes níveis e registros de 10 linguagem, a natureza dos processos de interlocução e de interação, 11 bem como os graus de dialogismo que serão instituídos no decorrer 12 do trabalho. (FARACO; MOURA, 2000, p. 03, grifos dos autores) 13
14 15 Os autores trazem uma proposta relevante quanto ao trabalho com a 16
gramática, entendida como a normativa. Assim, retira-se o protagonismo dado em 17
outras coleções à gramática tradicional, em sala de aula, para colocar no centro do 18
processo de ensino a reflexão sobre a língua. 19
Por conseguinte, destacamos a orientação de abordagem gramatical que 20
procura contemplar o funcionamento efetivo da língua. Os autores asseguram que 21
foi feita uma redução da nomenclatura tradicional, mantendo apenas o necessário 22
para os estudos posteriores. Declaram também que tem como objetivo primordial 23
para o aluno a tomada de consciência acerca de suas habilidades linguísticas. Logo, 24
Faraco e Moura (2000) asseveram que: 25
26
[...] o ensino puro e simples da gramática é árido, desconcertante e 27 ineficaz para a grande maioria dos alunos. Importa, por isso, que o/a 28 professor/a encare a gramática como um meio, como um recurso e 29 não como um fim em si. Essas mudanças implicam ainda deixar de 30 lado a memorização pura e simples e o excessivo apego aos 31 purismos gramaticais. (FARACO; MOURA, 2000, p.10) 32
33
A concepção proposta encontra-se muito próxima daquela que adotamos 34
nesse trabalho. Além disso, ressaltamos que há considerável coerência entre o 35
discurso presente no manual pedagógico e os exercícios sugeridos. Em grande 36
parte, é possível observar a preocupação com uma gramática mais funcional, 37
pautada no texto. A exemplo disso, temos um dos exercícios constitutivos do livro: 38
39
40
125
Fig. 14 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Fonte: Faraco; Moura, 2000, p. 143 12
13
Notamos que há uma mescla entre o trabalho metalinguístico e epilinguístico, 14
uma vez que, primeiro, busca-se a identificação e o uso do pronome oblíquo 15
adequado, em seguida, propõe-se a escrita de um texto curto, em ―linguagem 16
extremamente formal‖22, empregando tais pronomes. 17
Enfatizamos que, ainda, é possível observar o trabalho com definições um 18
pouco distantes da realidade linguística do português brasileiro. Ao explicar sobre as 19
modificações por que passam os pronomes oblíquos, diante de verbos, indica-se a 20
substituição dos termos ―a tarefa‖, na frase ―fiz a tarefa‖, pelo pronome ―lo‖ (fiz+o=fi-21
lo). O equívoco não está em mostrar esse tipo de construção para o aluno, pois se o 22
aprendiz não tiver contato com essa forma pronominal na escola, possivelmente não 23
a compreenderá quando vê-la ou ouvi-la e, talvez, não veja ou escute essa forma 24
em outro lugar. É, então, função do educador, também, a exposição de um ampliado 25
leque de opções linguísticas aos seus alunos. No entanto, é preciso ressaltar que a 26
forma ―fi-lo‖ é pouco produtiva no Brasil. Portanto, é preciso usá-la de modo 27
consciente, em situações muito específicas e bem planejadas. Caso contrário, o 28
aprendiz estará sujeito a ser visto, entre outras alternativas, como alguém pedante 29
22
A expressão “extremamente formal” foi pinçada da atividade dos autores, portanto não nos
responsabilizamos pela sua aplicabilidade no texto.
126
ou, de modo mais simples, como alguém esnobe ou, ainda, como alguém que não 1
esteja usando uma forma correta, por aqueles que a desconhecem. 2
No tocante à abordagem da variação nos fenômenos gramaticais, o livro 3
pouco se destaca. Um das poucas ocorrências desta perspectiva é encontrada no 4
trabalho com o grau dos adjetivos: 5
6
Fig. 15 7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
Fonte: Faraco; Moura, 2000, p.124 20
21
Na letra b, percebemos a repetição do item ―muito‖ para reforçar o termo 22
―caro‖, algo muito comum no uso corrente da língua. Esse reforço é feito através do 23
uso de outras expressões como ―linda de morrer‖, ―hiperanimada‖, ―feio que dói‖ e 24
―divertido pra valer‖. Na questão número 3, há o destaque de que tais termos são 25
comuns na língua coloquial. Ressaltamos que a indicação dessas formas coloquiais 26
não é apresentada como uma evidente possibilidade de intensificação adjetiva, além 27
da prescrita na gramática, mas com o objetivo de substitui-la pela forma gramatical 28
padrão. O que, a nosso ver, poderia também ser melhor explorado. 29
Ainda a respeito do assunto grau do adjetivo, deparamo-nos com a atividade 30
que se segue: 31
32
127
Fig.16 1
2
3
4
5
6 7 8
Fonte: Faraco; Moura, 2000. p. 126 9 10 11 Nesse tópico, admite-se a possibilidade de uso, na linguagem coloquial, dos 12
termos ―que nem‖ e ―feito‖, para estabelecer a comparação, o que é deveras 13
positivo. 14
Ao que tudo indica, a variação nos fenômenos gramaticais só aparece nesses 15
itens pontuais. Interessante, aqui, é registrar que a expressão ―que nem‖ é pouco 16
apresentada nas gramáticas normativas e, ao constatar o seu uso no LD, sentimos a 17
aproximação com a função que concebemos ao livro didático: apresentar as normas 18
prescritas na tradição gramatical, mas também atualizar-se a partir do público alvo a 19
que se direciona. 20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
128
Quadro 6. Quadro-síntese da análise do LD de Faraco; Moura (2000) 1
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA
Há tratamento adequado dos fenômenos de variação e mudança linguística
Há tratamento inadequado dos fenômenos de variação e mudança linguística.
Há tratamento intermediário quanto à adequação aos fenômenos de variação e mudança linguística.
X
ABORDAGEM DO
PRECONCEITO LINGUÍSTICO E DA NOÇÃO DE ERRO
Há discussão significativa do preconceito linguístico.
Não há abordagem da questão do preconceito linguístico.
X
São apresentadas as noções de adequação e inadequação.
X
São apresentadas as noções de certo e errado, em relação à língua.
ABORDAGEM DA
RELAÇÃO FALA/ESCRITA
Há separação de modo dicotômico da fala e da escrita.
Há a apresentação do contínuo dos gêneros textuais entre fala e escrita, do mais espontâneo ao mais monitorado.
Há a relativização da relação fala e escrita, mas não há a abordagem do amplo contínuo entre essas modalidades.
X
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS
FENÔMENOS GRAMATICAIS
Há a abordagem, de modo adequado, da variação nos fenômenos gramaticais.
Não há a apresentação da variação nos fenômenos gramaticais.
Apresenta, de modo superficial, da variação nos fenômenos gramaticais.
X
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 2
3
4
4.1.4.7 Considerações sobre o livro de Faraco; Moura (2000) 5
6
O LD Linguagem Nova, de Faraco e Moura (2000), publicado pela Editora 7
Ática, apresenta-se de forma reformulada quanto à concepção de ensino, como 8
salientam os próprios autores: ―Linguagem Nova surge reelaborada não em face às 9
exigências de uma nova realidade educacional que aí está, mas também por força 10
dos novos tempos, que impõem sérias modificações de ordem curricular e de outras 11
ordens‖ (FARACO; MOURA, 2000, p.05, grifo dos autores) 12
129
Neste livro, há uma preocupação com o cumprimento às orientações dos 1
PCN, revelando o quanto a criação desse documento foi determinante para as 2
mudanças didático-pedagógicas, aprimorando a perspectiva do ensino de LP. 3
Diferente das edições anteriores, nesse LD, os autores reconhecem a 4
necessidade de ruptura com a gramática automatizada, pautada apenas na 5
nomenclatura. Propõem-se, assim, a observar o aspecto funcional da gramática, 6
mediante os processos interacionais. 7
Os exercícios, em sua maioria, estão ligados a um texto, evidenciando a 8
tentativa de torná-los mais significativos. Além disso, é possível verificar que há uma 9
alternância entre atividades metalinguísticas e epilinguísticas. 10
Os fenômenos de variação e mudança linguística na perspectiva da gramática 11
são trazidos de modo bastante tênue, sem maiores aprofundamentos reflexivos. 12
Considerável mudança reside na reelaboração dos conceitos de ―certo‖ e 13
―errado‖, inerentes às coleções passadas. Tais denominações são substituídas por 14
outras, mais relevantes, como ―adequado‖ e ―inadequado‖. Isto demonstra que o 15
árido solo da abordagem afuncional da língua vem perdendo espaço para uma 16
dimensão mais funcional desta. 17
Em suma, é perceptível que a teoria da variação e mudança linguística é de 18
domínio dos autores, muito embora a sua aplicação ainda não tenha os contornos e 19
dimensões desejáveis. 20
Diante do exposto, não podemos negar que há, na análise do LD em 2000, 21
anúncios de um trabalho que começa a reconhecer a heterogeneidade linguística e 22
a necessidade de estudá-la começa a ser desenvolvida. 23
24
4.1.5 Português nos dias de hoje – Faraco; Moura (2012) 25
26
A década atual não poderia deixar de ser analisada no LD. Ela fecha o eixo 27
temporal estabelecido nesse trabalho, pondo à mostra como os conceitos da 28
Sociolinguística estão presentes em nossa contemporaneidade. 29
30
31
32
130
4.1.5.1 Descrição da estrutura e organização da obra 1
2
Em 2012, a Editora Leya lança o livro didático Português nos dias de hoje, 3
com autoria de Faraco e Moura. O exemplar estrutura-se em torno de três projetos 4
de leitura e produção textual, cada um dos quais foi criado para ser desenvolvido em 5
três unidades. 6
A seguir, apresentamos a descrição da estrutura dos projetos feita pelos 7
próprios autores: 8
Uma seção de abertura, Para início de conversa..., que propõe 9 uma atividade inicial de sensibilização ao(s) tema(s) específico(s)[...] 10 As três unidades [...] 11 A seção Agora é com você! Que oferece sugestões [...] para 12 que o aluno extrapole, por conta própria, o trabalho com a 13 exploração das três unidades. [...] 14 A seção E a conversa chega ao fim, que encerra o projeto, 15 sugerindo uma estratégia para fazer circular as produções textuais 16 decorrentes do trabalho nas três unidades. [...] (FARACO; MOURA, 17 2012, p.07) 18
19
Já as unidades organizam-se, segundo Faraco e Moura (2012, p.07), a partir 20
de gêneros textuais os quais ―propõem a aquisição progressiva de mecanismos 21
estruturadores do texto, oral e escrito, por meio do estudo desses diferentes gêneros 22
textuais.‖ 23
Quanto à estrutura das unidades, os autores apresentam-nas por meio de 24
seções. Algumas delas são consideradas opcionais ou ―não obrigatórias‖, como 25
definem. Para essa descrição, consultamos as definições e objetivos presentes na 26
―Assessoria pedagógica‖, que se encontram ao final do referido livro. 27
O item denominado ―Texto 1, Texto 2...‖ engloba textos que servem de base 28
para estudo e análise. Segundo Faraco e Moura (2012), tais textos são uma espécie 29
de ponto de partida para as atividades seguintes e baseiam-se em temas 30
transversais conforme os possíveis interesses dos alunos. Ao conferirmos essa 31
informação, notamos que, de fato, os textos são bem explorados quanto à 32
compreensão, interpretação, vocabulário, gramática textual. Ressaltamos ainda, 33
como fator positivo, a tentativa de trazer textos completos em lugar de excertos, 34
promovendo ao aluno a possibilidade de ter uma visão global, sem recortes 35
direcionados. Como estratégia de leitura, a sugestão é: 36
131
[...] adotar uma abordagem que parta do uso de estratégias de pré-1 leitura [...], passe pelo levantamento de hipóteses sobre o conteúdo 2 do texto, produção de inferências globais e locais e [...] culmine na 3 checagem (confirmação ou refutação das hipóteses inicialmente 4 levantadas). (FARACO; MOURA, 2012, p. 12) 5
6
Essa estratégia de leitura parece-nos muito interessante, já que mobiliza os 7
conhecimentos prévios dos discentes no ato de ler, valorizando-os e tornando-os 8
leitores autônomos, como os próprios autores sugerem. 9
A seção Para entender o texto traz questões ―cujo objetivo é problematizar o 10
texto lido, auxiliando os alunos a retomarem-no e atentarem-se para determinados 11
aspectos fundamentais à sua compreensão.‖ (FARACO; MOURA, 2012, p.13) 12
Chama-se a atenção do estudante para aspectos fundamentais que, em uma leitura 13
descuidada, talvez passem despercebidos em relação ao tipo de texto, aos 14
personagens, às ilustrações e elos com a história lida. 15
Por seu turno, As palavras no contexto é uma parte determinada à exploração 16
do vocabulário. E o item Gramática textual, por sua vez, centra-se na leitura dos 17
elementos que formam, compõem o texto, fazendo o aluno perceber o modo é 18
constituído sintática e semanticamente. 19
A Linguagem oral é proposta como um trabalho com gêneros relacionados à 20
oralidade, pautada na teoria dos atos de fala. Nesse ponto, é onde as noções de 21
registro, níveis de linguagem e enunciação surgem com maior frequência. 22
A seção intitulada Reflexão sobre a língua foca no estudo gramatical. Em 23
relação a isso, Faraco e Moura (2012) salientam que tal estudo não deve ser feito 24
individualmente, mas em conjunto. Em seguida declaram que ―buscou-se articular a 25
gramática sistêmica e a gramática textual, a fim de evidenciar aos alunos a função 26
do estudo gramatical: contribuir para a aprendizagem da língua.‖ (FARACO; 27
MOURA, 2012, p. 19). Quanto a essa afirmativa, acreditamos que os autores não 28
reconhecem que aprendemos a língua desde crianças, contudo, reconhecemos que 29
fizeram uma boa articulação gramatical. A respeito da concepção de gramática, 30
temos a colocação: 31
32
1. Há preocupação em seguir a Nomenclatura Gramatical 33 Brasileira quando se faz necessário lançar mão de conceitos e 34 classificações. [...] 35
132
2. [...] foram incorporados alguns conceitos em geral não 1 discutidos em gramáticas normativas e ausentes da nomenclatura da 2 gramática tradicional. Desses conceitos, os mais recorrentes ao 3 longo dos quatro volumes da coleção dizem respeito à enunciação e 4 à modalização. (FARACO; MOURA, 2012, p.19-20) 5
6
Embora ressaltem a preocupação com a nomenclatura, mais adiante 7
destacam que não foram rigorosos quanto a esse quesito. E, conforme a própria 8
citação, admite-se a incorporação de termos que, a rigor, não são mencionados na 9
Tradição Gramatical. 10
A Prática de Linguagem é elaborada a partir de uma proposta que nos afigura 11
interessante: a análise de estruturas e manifestações da língua em uso. Trataremos 12
com mais vagar sobre essa questão nos próximos tópicos. 13
Outro componente do LD traduz-se como A produção escrita e traz em seu 14
bojo o pressuposto da finalidade textual, com objetivo definido. Desse modo, propõe-15
se uma escrita significativa que cumpra um papel social. Em vista disso, o processo 16
envolvido no ato de escrever é inserido num contexto leitura, produção escrita, 17
reescrita e publicação. 18
Temos, ainda, um tópico denominado de Ortografia e pontuação que ―procura 19
levar os alunos a refletirem a respeito dos aspectos regulares do sistema (a busca 20
de regras) e dos aspectos puramente convencionais.‖ (FARACO; MOURA, 2012, 21
p.27) 22
O último item, cujo nome é Para ir mais além, busca apresentar outras fontes 23
conhecimento sobre os temas debatidos, tais como: assistir a filmes, ler livros, fazer 24
pesquisas, organizar debates etc. 25
Sinalizamos, por fim, que, ao longo das 248 páginas do LD, é possível 26
encontrar textos e exercícios bem ilustrados. Ao final, há a indicação da bibliografia 27
utilizada e também uma seção destinada à assessoria pedagógica, dentro da qual 28
foi possível encontrar os dados descritivos da composição do livro, da teoria e da 29
metodologia nele aplicada. Tais fatores fazem-nos considerá-lo um material de 30
estudo bem elaborado, já que contempla de modo satisfatório partes fundamentais a 31
uma obra com finalidade didática. 32
33
34
133
4.1.5.2 Fundamentação/proposta teórico-metodológica 1
2
A proposta pedagógica sinalizada por Faraco e Moura (2012) se apoia na 3
teoria da enunciação, fundamentada, sobretudo, na obra de Charaudeau (1992). 4
Assim, 5
[...] assumir uma tal abordagem significa entender que toda atividade 6 de linguagem se constrói numa situação cujos fatores determinantes 7 sejam necessariamente extralinguísticos e envolvam sujeitos que 8 interagem por meio da linguagem. Significa também entender que o 9 resultado dessa interação necessariamente engendra o discurso no 10 qual as entidades subjetivas extralinguísticas ganham uma dimensão 11 linguageira como enunciador e coenunciador. (FARCO; MOURA, 12 2012, p. 05, grifos dos autores) 13
14
Como podemos notar, diretamente, não são adotados os pressupostos da 15
Sociolinguística. Contudo, ainda que assumam algumas terminologias distintas, de 16
maneira geral, há certa harmonia entre o modo de tratar os fatos linguísticos de 17
ambos - Sociolinguística e teoria da Enunciação. É lícito salientar também que os 18
Parâmetros Curriculares Nacionais para a Língua Portuguesa são utilizados como 19
referência na concepção do LD, o que nos leva considerar que, indiretamente, a 20
teoria desenvolvida por William Labov esteja presente na obra. 21
No que diz respeito à leitura, ―procura-se levar o aluno a desenvolver um 22
conjunto de estratégias que lhe permita abordar os textos como um leitor proficiente, 23
[...] percebendo as intenções de seu autor, as condições de produção e circulação 24
social.‖ (FARACO; MOURA, 2012, p. 05). Já, em relação à produção textual e à 25
oralidade, os projetos mantêm como raiz os gêneros textuais, ramificando-se no 26
apoio a uma conduta que leve o discente a sentir-se seguro ―em se manifestar como 27
sujeito produtor de textos, sendo capaz de fazer escolhas linguísticas e discursivas 28
adequadas a cada situação discursiva com que se defronte‖ (FARACO; MOURA, 29
2012, p. 06). Essa perspectiva dialoga com o que estamos buscando para o aluno, 30
na medida em que estabelece a necessidade de um posicionamento reflexivo sobre 31
as implicações das suas escolhas linguísticas em suas interações sociais. 32
Quase não se nota o uso isolado do termo ―gramática‖ nessa obra. Na maior 33
parte das vezes, esse termo aparece como ―gramática textual‖, o que nos afigura 34
como indicativo de um cuidado com as escolhas lexicais, reveladoras de 35
134
concepções nelas entranhadas. Conforme Faraco e Moura (2012), o seu objetivo em 1
relação a esse aspecto foi: 2
3
[...] aliar a abordagem morfossintática e semântica das unidades 4 linguísticas ao seu funcionamento (estruturas linguísticas e 5 discursivas) nos textos e nas mais variadas formas de comunicação, 6 procurando oferecer ao aluno a possibilidade de compreender as 7 estruturas linguísticas a partir de situações autênticas de uso e seu 8 funcionamento. (FARACO; MOURA, 2012, p. 06) 9 10
Verificamos que há uma preocupação em trabalhar a gramática textual, além 11
de privilegiar situações autênticas de uso das estruturas linguísticas. Essa 12
preocupação surge de modo relevante ao provocar um estudo mais significativo, em 13
detrimento de um trabalho afuncional com a língua. 14
O livro, de modo geral, parece estar ancorado em concepções modernas de 15
ensino e aprendizagem. Dessa maneira para além da assessoria pedagógica sobre 16
a metodologia e as atividades, são expostos também três textos para leitura e 17
reflexão que tratam de questões relevantes sobre o ensino. O primeiro, de Edgar 18
Morin, aborda Os sete saberes necessários para a educação; o segundo faz 19
referência ao projeto de lei nº 1676/99 ―apresentado pelo então deputado Aldo 20
Rebelo à Câmara dos Deputados, em defesa, promoção e uso do idioma, coibindo o 21
emprego de estrangeirismos‖ (FARACO; MOURA, 2012, p.45); e o terceiro, de 22
Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly, com o título de A respeito do ensino oral, é um 23
estudo realizado com base no francês, mas, segundo Faraco e Moura (2012), válido 24
também para o português. Ainda, nas considerações finais, discute-se brevemente 25
sobre o letramento digital e sobre a necessidade de promover uma educação que 26
reconheça tal realidade. 27
28
4.1.5.3 Abordagem da variação linguística 29
30
Em sentido restrito, a perspectiva da variação linguística, como base teórica, 31
não faz parte dos pressupostos didáticos assumidos pelos autores. Lembramos que 32
Faraco e Moura (2012) declaram a Teoria da Enunciação como princípio 33
metodológico norteador da coleção. A despeito disso, de modo geral, percebemos 34
que os fundamentos defendidos pela Sociolinguística perpassam o LD em análise. 35
135
O texto Considerações em torno do projeto de lei nº 1676/99 apresentado 1
como sugestão de leitura é um exemplo disso. Ao discutir sobre a validade da 2
iniciativa do projeto do deputado Aldo Rebelo, José Luís Fiorin tem como pilar os 3
pressupostos da Sociolinguística. Dessa forma, o linguista tece críticas à tentativa de 4
barrar o uso de estrangeirismos no Brasil por parte do, então, parlamentar. Para 5
tanto afirma que: 6
A variação é inerente às línguas, porque as sociedades são divididas 7 em grupos: há os mais jovens e os mais velhos, os que habitam uma 8 região ou outra, os que esta ou aquela profissão, os que são de uma 9 ou outra classe social, e assim por diante. O uso de determinada 10 variedade linguística serve para marcar a inclusão num desses 11 grupos, dá uma identidade para seus membros. (FIORIN, 2001, 12 apud. FARACO; MOURA, 2012, p.46) 13
14
Há um nítido reconhecimento da variação linguística e também de suas 15
modalidades. No texto, parte-se desses estudos para mostrar o quão problemático é 16
o projeto, o qual, consoante Fiorin (2001 apud. FARACO; MOURA, 2012), reverbera 17
noções preconceituosas, fundamentadas em uma concepção estática de língua. 18
Assim sendo, o autor acrescenta: 19
20
Saber uma língua é conhecer suas variedades. Um bom falante é 21 ‗poliglota‘ em sua própria língua. Saber português não é aprender 22 regras que só existem numa língua artificial usada pela escola. As 23 variantes não são feias ou bonitas, erradas ou certas, deselegantes 24 ou elegantes, são simplesmente diferentes. Como as línguas são 25 variáveis, elas mudam. (FIORIN, 2001, apud. FARACO; MOURA, 26 2012, p.46, grifos nossos) 27
28
As afirmações de Fiorin (2001, apud. FARACO; MOURA, 2012,) estabelecem 29
um estreito diálogo com conceitos basilares da Sociolinguística, ratificando a 30
heterogeneidade linguística em defesa da característica primordial de um bom 31
falante da língua: ―conhecer suas variedades‖ e, para além disso, reconhecer a 32
legitimidade delas. 33
Cumpre salientar que esta discussão ocorre em paralelo ao LD analisado. 34
Trata-se de um texto incluso na obra como fonte de reflexão, mas que não é objeto 35
de discussão por parte dos autores. Apesar disso, inferimos que as ideias presentes 36
nele são endossadas Faraco e Moura (2012), caso contrário não o proporiam como 37
leitura. 38
136
Observamos que não há capítulos, no corpo do livro, destinados à exploração 1
da Teoria da Variação. Entretanto, é possível encontrar noções relativas ao tema, 2
em algumas seções e atividades, dentro das quais se apresentam, de modo sucinto, 3
noções de registros e níveis de linguagem, por exemplo. 4
Percorrendo as linhas do primeiro projeto, sob o título de ―Álbum de família‖, 5
encontramos, na seção de Linguagem oral, a abordagem do formal e coloquial na 6
língua falada. Analisaremos a seguir as questões de modo mais atento no tópico 7
dedicado à abordagem da relação entre fala/escrita. Por ora, atentamo-nos ao 8
conteúdo e também às orientações pedagógicas pertinentes ao exercício. 9
10
Fig. 17 11
12
13
14
15
16
17
18
19
Fonte: FARACO; MOURA, 2012. p. 44 20
21
A discussão sobre a temática é principiada por meio de duas questões que 22
têm o intuito de levar o aluno a formular hipóteses sobre a linguagem a ser utilizada 23
em situações diversas, formais ou coloquiais. Ao lado, na sugestão de resposta, o 24
professor é orientado a acolher tais hipóteses e problematizar aquelas que não 25
considera pertinentes. É enfatizada também a necessidade de o docente acolher 26
com cautela as expressões oriundas da questão dois a fim de evitar que os alunos 27
fiquem inibidos. Via de regra, essa postura constrói um ambiente positivo para 28
aprendizagem. 29
Só depois desse primeiro momento é que a definição sobre situações de 30
comunicação e níveis de linguagem é apresentada. 31
32
137
Fig. 18 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Fonte: FARACO; MOURA, 2012. p. 44 12
13
Ressaltamos apenas o fato de que, na própria definição sobre os níveis de 14
linguagem, poderia haver uma menor polarização, evidenciando, de fato, os 15
diferentes níveis (mais ou menos formal) existentes entre uma e outra modalidade, 16
como aparece nos exercícios e também nas recomendações da assessoria 17
pedagógica. Acreditamos, ainda, que, de certa forma, poderia ter reforçado o que 18
Fiorin (2001) propõe ao sugerir que é preciso ser poliglota dentro da própria língua. 19
Assim, não deveria apenas abordar o aluno em uma conjuntura familiar e o jornalista 20
em um ambiente profissional, mas também o aluno em uma situação familiar e em 21
uma situação profissional. Em outras palavras, seria interessante proporcionar a um 22
mesmo sujeito a possibilidade de agir de diferentes modos, com distintas 23
linguagens, adaptando-se às contingências próprias a cada contexto de interação 24
verbal. 25
Afora isso, as orientações didáticas para a realização dessa atividade 26
parecem-nos bastante pertinentes, uma vez que, nos itens seguintes, sugerem a 27
gravação de diálogos de TV, em conformidade com a proposta de trabalhar com 28
situações reais de uso da língua. Observemos a seguir: 29
30
O importante é haver uma ampla variedade de registros (das normas 31 urbanas de prestígio presentes nos telejornais, até o coloquial 32 relaxado, comum em programas de entretenimento). [...] Depois da 33 discussão provocada pelas questões subsequentes, veja com os 34
138
alunos as cenas gravadas [...] para que percebam, na língua falada, 1 diferentes registros e variedades linguísticas. (FARACO; MOURA, 2 2012, p. 61) 3
4
Faraco e Moura (2012) recomendam que o professor conduza os alunos a 5
perceberem diferentes registros e variedades linguísticas. Apesar disso, não há uma 6
definição ou explicação sobre o tema, talvez isso aconteça em alguma das séries 7
subsequentes. 8
Ao prosseguirmos com as leituras, encontramos também a abordagem sobre 9
gírias, as quais são apresentadas como marcas de oralidade. 10
11
Fig. 19 12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.101 27
28
Embora seja apontada como marca de oralidade, Faraco e Moura (2012) 29
sinalizam a possibilidade de aparecerem também no texto escrito ―imitando a 30
conversação real‖. Para o termo, trazem a seguinte definição: 31
32
[...] a gíria é uma marca de oralidade que consiste na criação e uso 33 de termos que só são compreendidos por um grupo restrito de 34
139
pessoas. Em muitos casos, alguns desses termos, por sua 1 expressividade, acabam perdendo esse caráter e são usados por 2 outras camadas da sociedade. (FARACO; MOURA, 2012, p.101) 3
4
O desenrolar da sequência sugere a organização de um dicionário de gírias. 5
6
Fig. 20 7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p. 102 18
19
A proposta parece-nos bem elaborada e vai além do dicionário: indica 20
também uma dramatização a partir de algumas das gírias anotadas no trabalho. Ao 21
término de cada etapa de sua realização, há uma pausa para uma reflexão sobre o 22
que foi feito, culminando na reflexão sobre as situações em que devem/podem ou 23
não ser utilizadas. A partir disso, destacamos como significativa a seção e seus 24
desdobramentos. 25
Não observamos menção à variação regional ou diacrônica. Ressalvamos, 26
novamente, que talvez possam constar em exemplares das séries subsequentes. 27
28
4.1.5.4 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro. 29
30
Os autores são bastante cautelosos ao tratarem sobre questões linguísticas, 31
entretanto não há uma discussão acerca do preconceito. 32
140
De modo geral, há uma preocupação em respeitar a bagagem do aluno, suas 1
experiências enquanto sujeito social e aprendiz, linguisticamente competente. Assim 2
sendo, Faraco e Moura (2012) afirmam que: 3
4
[...] os alunos dominam satisfatoriamente uma linguagem oral 5 espontânea e cotidiana, empregada em inúmeras situações de sala 6 de aula. O(a) professor (a) pode planejar sua intervenção direta ou 7 indireta em alguns desses momentos com a finalidade de sedimentar 8 o domínio dos textos orais mais formalizados, aos quais os alunos 9 têm acesso mais restrito, e que exigem um controle consciente do 10 próprio comportamento linguístico. (FARACO; MOURA, 2012, p.16-11 17) 12 13
O reconhecimento da língua com a qual o discente adentra à sala de aula é 14
um indicativo de que os autores respeitam a heterogeneidade linguística e, a 15
princípio, apontam a necessidade, não de sufocar a língua de que dispõe o aluno, 16
mas de dar-lhe acesso àquela da qual tem menor domínio. Por essa via, os textos e 17
exercícios são conduzidos de modo a privilegiarem a necessidade de adequação, 18
como podemos observar a seguir. 19
20
A atividade planejada do(a) professor(a) deve priorizar a dimensão 21 comunicativa da expressão oral, que implica necessariamente estes 22 fatores: 23 a) objetivos do texto oral; 24 b) os participantes da interlocução; 25 c) a adequação do texto oral às condições de produção e aos 26 contextos situacionais. (FARACO; MOURA, 2012, p. 18) 27
28
Os fatores envolvidos na atividade de interação estão em conformidade com 29
uma prática significativa de interação. Todavia, a eles acrescentamos a necessidade 30
de elaborar uma estratégia discursiva para que se alcance o objetivo almejado. 31
Outro aspecto interessante que merece ser destacado é a percepção de erro 32
para Faraco e Moura (2012): 33
34 35 Uma das funções primordiais dessa avaliação [da produção escrita] é 36 o diagnóstico do problema e a tomada de medidas para sua 37 correção. Não se trata de corrigir no texto o que está errado, de 38 „higienizar‟ esse texto, nem de ater unicamente aos aspectos formais 39 (ortográficos, morfossintáticos, por exemplo). 40
141
[...]O objetivo mais amplo é a formação de alunos escritores 1 proficientes, capazes de produzir de forma eficaz textos coesos, 2 coerentes, adequados à situação comunicativa que se apresentar. 3 (FARACO; MOURA, 2012, p. 18, grifos nossos) 4 5
Na perspectiva adotada, o foco não parece ser o de valorizar ―erro‖, mas de 6
tratá-lo como uma oportunidade de problematização do aprendizado. A partir desse 7
viés, a correção deixa de ser encarada como uma punição e passa a ser vista como 8
oportunidade. Se lembrarmos do tratamento dado a essa questão nos exemplares 9
das décadas anteriores, podemos constatar uma mudança significativa por parte dos 10
autores, a qual se ratifica no texto a seguir. 11
12
Dessa forma, minimiza-se o peso do erro: errar passa a ser visto 13 como parte do processo de aprendizagem. Transforma-se em aliado 14 – é pelo erro que o professor pode investigar os problemas dos 15 alunos e, ao refletir com eles, encontrar soluções coletivas, 16 completando a tão necessária reflexão sobre a língua e seus usos. 17 Os erros se convertem então em situações de aprendizagem e 18 deixam de ser entraves ao processo didático. (FARACO; MOURA, 19 2012, p. 18-19, grifos nossos) 20 21 22
De vilão, o ―erro‖ passa a ser acolhido como um aliado no processo de 23
aprendizagem, conforme literalmente afirmam Faraco e Moura (2012). Esse 24
distanciamento do caráter negativo e, consequente, transfiguração em fator positivo 25
e adjuvante do ensino libertam o ―erro‖ da condição de vilania por tanto tempo 26
enraizada nas práticas de sala de aula e o conduzem a uma visão ressignificada de 27
acerto e das tentativas de acerto. Dessa forma, o aluno, diante da correção, não se 28
sentirá aterrorizado nem diminuído pelo que ―errou‖, mas sentir-se-á valorizado 29
pelos avanços que obteve. 30
31
4.1.5.5 Abordagem da variação na relação fala/escrita 32
33
Ao referir-se à relação entre fala e escrita, Faraco e Moura (2012) trazem à 34
cena um extrato de um artigo denominado ―Oral como texto: como construir um 35
objeto de ensino‖ elaborado com base em um estudo da língua francesa. Os autores 36
acreditam que tal texto pode ser usado como referência para o ensino de português 37
nas escolas do Brasil. 38
142
No excerto, Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly declaram que ―a confusão 1
persiste ainda hoje, apresentando-se a língua escrita como simples substitutivo da 2
oral.‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004 apud. FARACO; MOURA, 2012, p. 48). Em 3
seguida, procuram desfazer essa confusão, mostrando que a escrita não pode ser 4
considerada mera substituta da modalidade oral e prosseguem tentando esclarecer 5
dois mal-entendidos, entre os quais este: 6
7
O primeiro diz respeito aos registros ou às variações da língua. Com 8 frequência, a língua falada é considerada pobre, comum, distensa, 9 popular e mal estruturada, enquanto a língua escrita constitui o 10 fundamento de toda norma de correção. Essa simplificação ignora as 11 múltiplas possibilidades de escrever numa variante ‗popular‘ ou 12 familiar e de falar num registro cultivado ou acadêmico. (DOLZ; 13 SCHNEUWLY, 2004, apud. FARACO; MOURA, 2012, p. 48.) 14
15
Verificamos, nessas ponderações, a flexibilização da relação entre oralidade e 16
escrita. Os autores apontam que o trabalho com as modalidades é de relativa 17
complexidade e leva em conta as situações de comunicação e os objetivos 18
almejados. Concluem, portanto, que: 19
20
[...] para uma didática em que se coloca a questão do 21 desenvolvimento da expressão oral, o essencial não é caracterizar o 22 oral, mas antes conhecer diversas práticas orais de linguagem e as 23 relações muito variáveis que estas mantém com a escrita. (DOLZ; 24 SCHNEUWLY, 2004, apud. FARACO; MOURA, 2012, p. 48) 25 26
O estabelecimento dessa condição didática é acrescido da indicação de que 27
―os gêneros constituem a referência essencial para abordar a infinita variedade das 28
práticas de linguagem e o meio de tratar a heterogeneidade constitutiva das 29
unidades textuais.‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, apud. FARACO; MOURA, 2012, p. 30
50) 31
Dessa forma, Dolz e Schneuwly (2004) destacam a prioridade do trabalho 32
com gêneros públicos formais, pois acreditam que os alunos tenham acesso mais 33
fácil os textos orais informais, mais próximos ao cotidiano. 34
O estudo inserido nas seções finais do livro é endossado por Faraco e Moura 35
(2012). Logo, pressupomos que o trabalho pedagógico defendido por eles assume a 36
existência de graus de formalidade entre a fala e a escrita, conforme os gêneros 37
143
textuais envolvidos na interação. A fim de certificarmo-nos a cerca da aplicação 1
desse pressuposto ao LD, analisamos, a seguir, algumas atividades do livro. 2
Retomamos, assim, o exercício da página 43, já exposto na seção sobre a 3
abordagem da variação linguística. Nele, chama-nos a atenção a frase inicial: ―O 4
formal e o coloquial na língua falada‖. A partir dela, é apresentada a possibilidade 5
de existência de níveis de formalidade na fala, além da escrita, consequentemente. 6
As questões 1 e 2 do referido exercício estabelecem um diálogo com o aluno, 7
levando-o a perceber que a linguagem empregada por ele muda conforme a 8
situação. Feita a definição didática, indaga-se ao estudante sobre as situações em 9
que deveria usar uma linguagem mais formal. Após isso, sugerem-se as seguintes 10
atividades: 11
12
Fig. 21 13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.44 24
25
Convém sublinharmos a proposta de observação de programas de televisivos 26
para verificar os diferentes níveis textuais dentro de um gênero pautado na realidade 27
de uso da língua. 28
O jogo teatral sugerido na questão seis também é considerado relevante, uma 29
vez que proporciona a aplicação de diversos níveis de linguagem conforme muda a 30
situação. Além de ser uma oportunidade lúdica para aprendizagem sobre o assunto. 31
144
Acerca das diferenças entre oralidade e escrita, observamos a atividade a 1
seguir: 2
3
Fig. 22 4
5
6
7
8
9
10
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.44 11
12
Em linhas gerais, o exercício tem pontos positivos ao solicitar a transposição 13
da notícia escrita e publicada em um jornal para uma notícia de rádio, em vez de 14
fazer apenas o contrário, como é mais comum. Todavia, poderiam ser destacadas 15
não somente as diferenças que existem entre as duas modalidades textuais mas 16
também as semelhanças. Além disso, é importante destacar, para os alunos, que a 17
linguagem utilizada no jornal impresso, via de regra, não deve ser a mesma da rádio, 18
já que os públicos, normalmente, podem não ser os mesmos. Isso poderia ser 19
melhor explorado na sequência da atividade: 20
21
Fig. 23 22
23
24
25
26
27
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.44 28
29
A simulação de um programa de rádio é uma dinâmica interessante, pois 30
torna mais instigante e, consequentemente, mais significativo o aprendizado. 31
Acrescentaríamos, contudo, a problematização acerca do público envolvido em cada 32
um dos tipos de programa que deseja produzir. Uma atração de fofoca, por 33
145
exemplo, exige uma linguagem menos formal, para torná-lo o mais próximo de bate-1
papo do dia a dia, já um programa político será mais formal, devido ao tema de 2
maior seriedade e ao provável nível de escolaridade de muitos de seus ouvintes, 3
aproximando-o, em certos momentos, ao texto escrito formal. A nosso ver, a 4
percepção acerca do público alvo para qualquer produção ,seja na modalidade oral 5
ou na modalidade escrita, é de fundamental importância para o falante e, nesse 6
caso, para o aprendiz. 7
8
4.1.5.6 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais 9
10
No que concerne à questão gramatical, notamos uma preocupação por parte 11
dos autores em torná-la mais funcional. Por conseguinte, Faraco e Moura (2012, 12
p.19) afirmam que ―o objetivo [do estudo gramatical] é mobilizar os conhecimentos 13
linguísticos que os alunos já têm de forma que consigam ampliá-los com outros 14
conceitos‖. Esses conhecimentos são ampliados tendo em vista a produção de 15
textos. Objetivo mencionado por Faraco e Moura (2012) se sobressai na seção 16
denominada de Práticas de linguagem: 17
18
Esta seção procura amarrar o estudo textual e gramatical proposto 19 em cada unidade. Nela, há duas ordens de atividades: as de reflexão 20 sobre o uso da língua (questões que levam os alunos a analisarem 21 textos e a perceberem como as estruturas da língua se manifestam 22 ‗na prática‘) e as de produção orientada (textos produzidos com base 23 na utilização de estruturas linguísticas co-discursivas e gramaticais 24 estudadas). (FARACO; MOURA, 2012, p.20) 25
26
Essa busca pela reflexão sobre o uso da língua revela uma postura coerente 27
com aquilo que consideramos válido a respeito da abordagem gramatical em sala de 28
aula. Há uma clara tentativa de dar sentido ao estudo da gramática, desnudando-a 29
da ―camisa de força23‖ que a tornava inflexível. É uma atitude que oxigena a 30
metodologia do ensino de LP e a livra da asfixiante mesmice que impossibilitava o 31
desenvolvimento de situações frutíferas de aprendizagem. 32
23
Faraco (2008) considera as aulas de gramática pura e afuncional como uma camisa de força.
146
Faraco e Moura (2012) declaram ainda que essa reflexão é feita de modo 1
progressivo ao longo dos volumes dedicados às séries subsequentes. Assim, 2
paulatinamente, o aluno é levado a se profundar na prática de análise linguística, 3
culminando no desenvolvimento da adequação às situações de comunicação. 4
Vejamos como os autores colocam em prática tais conceitos nas atividades 5
propostas. 6
Para discutir sobre gêneros que envolvem relatos, Faraco e Moura (2012) 7
utilizam, entre outros textos, um texto intitulado ―A gruta de Lascaux‖, cujo autor é 8
Alberto Alexandre Marins, a partir do qual explora a compreensão e interpretação. 9
Após esse processo, parte-se para a gramática textual, que utiliza um trecho do 10
texto para analisar o verbo ―haver‖ na indicação de tempo decorrido. Feita a 11
explicação sobre esse ponto, no tópico determinado à discussão entre Linguagem 12
formal e linguagem coloquial, há a seguinte ponderação: 13
14
Fig. 24 15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p. 69 26
27
Nesse ponto, o aluno é esclarecido de que, na linguagem coloquial a relação 28
de existência é estabelecida de modo mais comum pelo uso do verbo ―tem‖ do que 29
pela forma verbal ―haver‖. Na sequência, há uma proposta de verificar essa 30
ocorrência na linguagem oral. 31
32
147
Vamos observar como isso se dá quanto utilizamos a linguagem oral 1 para nos comunicarmos. Durante alguns dias, preste atenção em 2 suas conversas com os(as) colegas e/ou familiares e anote algumas 3 frases em que aparece a forma verbal tem. Depois compartilhe as 4 frases com seus (suas) colegas e com seu(sua) professor(a).Em qual 5 delas é possível substituir a forma verbal tem pela forma verbal há? 6 (FARACO; MOURA, 2012, p. 70, grifos dos autores) 7 8
O princípio da atividade é interessante, porém seria importante mostrar ao 9
discente que o verbo ―tem‖ é adequado para determinadas situações e que, nesses 10
contextos, não é necessário substituí-lo pela forma haver. Lembramos que, na 11
assessoria pedagógica, há a sugestão de reescrita das frases coletadas para as 12
normas urbanas de prestígio, mas indicando a distinção de níveis de linguagem. 13
Uma segunda sugestão é feita no sentido de ―levar para a sala de aula a 14
gravação de algum registro oral de acordo com as normas urbanas de prestígio, 15
ocorrido em programa jornalístico.‖ (FARACO, MOURA, 2012, p.62) Para tanto, 16
recomenda-se que o a gravação seja ouvida com os alunos e feito um levantamento 17
das ocorrências de há e de tem para comparar a linguagem oral coloquial com a 18
oral formal. Seria oportuno ressaltar que há variação também entre os falantes de 19
um mesmo nível de escolaridade, como os cultos, por exemplo. 20
Os pronomes pessoais estão entre os conteúdos do livro. O procedimento é o 21
mesmo. Apresenta-se um texto e, depois de discuti-lo, introduz-se o assunto, o qual 22
aparece sob a definição de que ―são palavras que designam (ou que representam) 23
as três pessoas do discurso, sem nomeá-las.‖ (FARACO; MOURA, 2012, P.104) Dito 24
isso, para exemplificação, são mencionados os pronomes eu, você e me. 25
A respeito dessa questão, na assessoria pedagógica, os autores asseveram 26
que ―o pronome você, classificado em gramáticas como um pronome de tratamento, 27
em grande parte do Brasil já perdeu o status de tratamento diferencial, pelo fato de 28
que se generalizou, tornando-se um simples pronome pessoal.‖ (FARACO; MOURA, 29
2012, p.66) Essa observação mostra que os autores estão atentos e atualizados 30
quanto à existência de variação nos fenômenos gramaticais. 31
Ainda sobre os pronomes pessoais, atentemo-nos ao exercício a seguir. 32
33
34
35
148
Fig. 25 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.106 12
13
A tira, diferente do que vinha sendo feito, não foi objeto de interpretação, 14
serviu apenas de força motriz para apresentar o conteúdo de pronomes. Uma 15
interessante discussão sobre adequação da língua à situação de comunicação 16
poderia ter sido feita a partir da fala de Calvin. O menino, sem compreender a ironia 17
presente na fala da mãe, utiliza uma linguagem muito artificial, aparentemente 18
inspirada em algum programa ou livro policial, que não se faz adequada para um 19
diálogo informal entre uma mãe e um filho. 20
Afora isso, no ítem C e D são colocadas problematizações significativas 21
acerca do uso do pronome tu, direcionando o aluno a perceber a sua equivalência 22
com o pronome você e a diagnosticar qual deles é mais usado em sua região. 23
Sobre essa atividade, Faraco e Moura (2012) tecem as seguintes 24
considerações: 25
[...] o uso pronomes pessoais oblíquos de terceira pessoa é 26 praticamente desconhecido da língua coloquial relaxada praticada no 27 Brasil. Dependendo da região e do nível sociocultural dos alunos, é 28 muito provável que os pronomes pessoais o, a, os, as sejam 29 desconhecidos ou apenas compreendidos de forma passiva, já que 30 não fazem parte do repertório linguístico ativo. Em seu lugar, em 31 geral as formas que prevalecem são ele, ela, eles, elas (peguei ele, 32 por exemplo, em vez de Eu o peguei). Além disso, em muitas regiões 33 os pronomes lhe e lhes correntemente exercem a função de objeto 34 direto, substituindo o pronome você como em ―Eu lhe vi‖ (no lugar de 35 eu vi você/eu o vi). (FARACO; MOURA, 2012, p. 66-67) 36
37
149
Essas sinalizações traduzem, de fato, um trabalho centrado na gramática em 1
uso. Cumpre notar, entretanto, que o uso das formas citadas, algumas vezes, é 2
pouco ativo não apenas na fala coloquial relaxada do Brasil mas, inclusive, pouco 3
frequente entre falas um pouco mais formais. 4
O estudo pronominal segue com a atividade dois: 5
6
Fig. 26 7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.106 18
19
As alternativas a e b, logo abaixo do quadro propõem uma reflexão positiva 20
sobre quais as formais mais utilizadas ou não pelos educandos. Além disso, as 21
orientações para o professor apontam a seguinte observação: 22
23
Em algumas regiões do Brasil, o pronome tu é substituído por você. 24 Às vezes, emprega-se você combinando com a forma oblíqua te (por 25 exemplo, num enunciado como ―Ontem eu te vi e você nem me 26 cumprimentou!‖, que é de uso corrente). Esse uso é comum no Rio 27 de Janeiro em os estados do Sudeste em geral. Em outros lugares 28 (no Norte, em alguns estados do Nordeste e no Rio Grande do Sul), 29 ainda vigora com toda a força o uso do tu. Já o pronome vós e os 30 respectivos oblíquos desaparecem do uso cotidiano (tanto no Brasil 31 como em Portugal); atualmente, só se empregam em situações 32 especiais e solenes (como no discurso religioso, por exemplo) 33 (FARACO; MOURA, 2012, p.67) 34
35
Notemos que, apesar das discussões propostas sobre o uso dos pronomes, 36
formas como ―você‖ e ―vocês‖ (em substituição à segunda pessoa, tu) e ―a gente‖ 37
150
(frequente substituto da terceira pessoa, nós) não compõem o quadro exposto. 1
Talvez um indicativo de que, embora muito utilizados, não estejam oficialmente 2
incorporados ao paradigma pronominal das gramáticas. 3
Ressalvamos, entretanto, que o item ―a gente‖ aparece dentro de uma das 4
questões do exercício a seguir: 5
6
Fig. 27 7
8
9
10
11
12
13
Fonte: FARACO; MOURA, 2012, p.162 14
15
A atividade sugere, como em outras oportunidades, a substituição do item ―a 16
gente‖ pelo pronome ―nós‖. Porém não encontramos sugestões na assessoria 17
pedagógica para falar sobre o tema ou mostrar que tem sido usado com frequência 18
pelos falantes em referência à primeira pessoa do plural, exercendo assim a função 19
de locução pronominal. Salientamos, ainda, que o uso do pronome é apropriado 20
para situações informais de interação verbal, mas que, em circunstâncias mais 21
formais, conforme as estratégias discursivas, a opção pelo uso do pronome ―nós‖, 22
muitas vezes, possivelmente, seria a mais adequada. 23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
151
Quadro 7. Quadro-síntese da análise do LD de Faraco e Moura (2012) 1
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Apresenta tratamento adequado dos fenômenos de variação e mudança linguística
X
Apresenta tratamento inadequado dos fenômenos de variação e mudança linguística.
Apresenta tratamento intermediário quanto à adequação aos fenômenos de variação e mudança linguística.
ABORDAGEM DO PRECONCEITO
LINGUÍSTICO E DA NOÇÃO DE ERRO
Apresenta discussão significativa do preconceito linguístico.
Não aborda a questão do preconceito linguístico. X
Apresentam-se as noções de adequação e inadequação.
X
Apresenta as noções de certo e errado, em relação à língua.
ABORDAGEM DA
RELAÇÃO FALA/ESCRITA
Separa de modo dicotômico a fala e a escrita.
Apresenta o contínuo dos gêneros textuais entre fala e escrita, do mais espontâneo ao mais monitorado.
X
Relativiza a relação fala e escrita, mas não aborda o amplo contínuo entre essas modalidades.
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS
FENÔMENOS GRAMATICAIS
Aborda-se, de modo adequado, a variação nos fenômenos gramaticais.
X
Não apresenta a variação nos fenômenos gramaticais.
Apresenta, de modo superficial, a variação nos fenômenos gramaticais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 2
3
4.1.5.7 Considerações sobre o LD Faraco; Moura (2012) 4
5
No exemplar de Faraco e Moura (2012), faz-se jus ao nome ―Português nos 6
Dias de Hoje‖, pois, como era de se esperar, os autores mostram-se atentos aos 7
avanços das pesquisas linguísticas contemporâneos e esforçam-se por construir 8
uma didática atual, preocupada com o desenvolvimento de atividades significativas 9
que reflitam sobre a língua em funcionamento. 10
De modo geral, o LD é bem organizado. Os autores apresentam uma 11
considerável explicação sobre o suporte teórico adotado, descrevem suas seções e 12
trazem também uma assessoria pedagógica, pontuando sugestões interessantes 13
sobre algumas atividades presentes nos decorrer do livro. Além disso, tem-se nos 14
PCN uma de suas referências, entre outras. 15
152
A abordagem gramatical está muito mais atenta à realidade de usos da 1
língua, colocando como ponto fundamental a produção de textos. Nesse sentido, as 2
reflexões sob a denominação de Práticas de linguagem nos parecem convincentes. 3
Apesar disso, ainda são bastante cautelosas quanto a algumas variações nos 4
fenômenos gramaticais, haja vista que a maior parte dos comentários sobre tais 5
variações encontram-se como parte do apoio pedagógico, não são apresentados 6
diretamente ao aluno. Mas talvez a situação atual ainda requeira mesmo esse 7
cuidado e, por ora, é compreensível a inserção gradual e cuidadosa de tais 8
problematizações. 9
Os exercícios, em grande parte, estão ligados aos textos, convergindo em 10
uma proposta com enfoque epilinguístico. 11
Do ponto de vista da variação e mudança linguística, embora essa não seja a 12
teoria matriz, verificamos um bom diálogo com seus princípios teóricos. Trata-se de 13
modo satisfatório o conceito de adequação, explora-se com frequência a questão 14
dos níveis de linguagem, da linguagem formal e coloquial. O ―erro‖ é trabalhado de 15
forma sensível, com respeito ao conhecimento linguístico de dispõe o aluno. 16
Apesar de não citar explicitamente o amplo contínuo de gêneros existentes 17
entre fala e escrita, notamos que a metodologia é pautada no trabalho com gêneros, 18
dentro de uma relação mais flexível entre oralidade e escrita. Desse modo, as duas 19
modalidades são relativizadas, o que é um importante avanço em relação aos LDs 20
anteriores. 21
O reconhecimento da heterogeneidade linguística que já anunciava seus 22
primeiros galhos na década passada transforma-se, nessa coleção, gradativamente 23
em árvore, com raízes mais profundas e ramificações mais contundentes. 24
Concluída a análise dos livros didáticos de 40, 80, 90, 2000 e 2010, 25
passaremos, na próxima seção, a análise das entrevistas realizadas com docentes. 26
27
4.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM DOCENTES 28
29
A fim de analisarmos o modo como o professor de LP tem abordado, em sala 30
de aula, o fenômeno da variação e mudança linguística, realizamos uma entrevista 31
com uma professor aposentada (no ano 2000) e com uma docente em atuação 32
153
(desde o ano de 2009 ao atual), com o objetivo de confrontarmos as noções de 1
língua e de gramática adotada por elas, bem como a sua postura diante dos 2
fenômenos de variação e do preconceito linguístico, na época de atuação respectiva 3
a cada uma. Os tópicos abordados no roteiro de entrevista têm como base os 4
determinados para análise dos LDs (Abordagem da variação linguística, abordagem 5
do preconceito linguístico e da noção de erro, abordagem da relação fala/escrita, 6
abordagem da variação nos fenômenos gramaticais), porém com acréscimo de 7
outras categorias, a saber: a formação acadêmica, o reconhecimento da teoria da 8
Sociolinguística, a escolha do livro didático, concepção de gramática e normas. 9
10
4.2.1 Entrevista com uma Professora Aposentada 11
12
A professora entrevistada, I. S. L. P., tem 68 anos de idade e é formada pelo 13
modo de magistério24. Portanto, não tem formação universitária, embora, como nos 14
informou, tenha feito diversos cursos de formação, oferecidos pelo estado, à época 15
em que atuou. Um desses cursos, inclusive, teve duração de um ano, o qual ela 16
chamou de especialização. Trabalhou na educação durante os anos de 1977 a 17
2002, em séries do que seria atualmente o fundamental I e II e o Ensino Médio. 18
Lecionou em uma escola municipal, a Escola Municipal Professor Solón Gumes de 19
Morais, e na Escola Municipal Edgar Santos, ambas localizadas na cidade de Piripá. 20
Atuou, ainda, em uma cidade chamada São João do Paraíso, Minas Gerais. (Cf. 21
Apêndice1. Entrevista completa) 22
23
24
4.2.1.1 A Escolha do Livro didático 25
26
Ao ser questionada sobre a existência de algum critério para a escolha do LD, 27
a entrevistada respondeu que, no início, o governo mandava o livro que ele escolhia. 28
E, depois de alguns anos, eles mandavam opções para os professores escolherem. 29
24
O antigo magistério era uma modalidade de ensino destinado à formação de professores. O que, hoje,
corresponde ao ensino médio na modalidade científico era denominado de Magistério. Assim sendo, na época,
todos os alunos concluíam o curso escolar com diploma para o exercício da docência.
154
Diante das opções, a professora não soube informar o critério adotado para a 1
escolha do LD para trabalhar, mas mencionou que, possivelmente, era o que 2
correspondia mais à realidade. 3
Embora tenha relatado que o livro escolhido era mais adequado para a 4
realidade, a informante revelou, em seu diálogo, que o método era antigo e atrasava 5
a aprendizagem do aluno e citou um episódio que nos chamou a atenção: 6
7
Havia um menino que gostava de palavras de fazenda, ele era 8 paraplégico e tinha dificuldade de aprender, mas eu não estava 9 preparada para ensiná-lo, porque eu poderia ter feito um trabalho 10 individual, mais contextualizado com ele. O ensino baseado em 11 métodos antigos atrasava a aprendizagem do aluno. 12 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 13 aposentada – 27.07.2016 14 15 16
É interessante notar a percepção da docente sobre o sujeito. Sua fala nos dá 17
algumas pistas de seu olhar sensível para o aprendiz. A professora nota que ele é 18
um menino que gosta de palavras de fazenda, que é paraplégico e tem dificuldade 19
de aprender. Diante dessa realidade, revela que já sentia a necessidade de realizar 20
um trabalho mais contextualizado25 e lamenta por não estar preparada para ensiná-21
lo. Constatamos nessa fala a indicação de que a metodologia aplicada já não dava 22
conta da realidade complexa da aprendizagem. 23
Tal episódio vem endossar o que vínhamos apontando: os métodos de ensino 24
precisam ser reavaliados constantemente. Caso estejam ultrapassados, precisam 25
ser reformulados, aprimorados ou, quando necessário, substituídos. 26
Ao prosseguir com a entrevista, indagamos quanto à menção da variação 27
linguística no LD. A entrevistada mostrou estranheza diante dessa terminologia, 28
questionando o que seria isso mesmo. Esclarecida sobre a dúvida, respondeu com a 29
negativa, dizendo que esse conteúdo não era abordado no livro e que era trabalhado 30
conforme desejasse o professor. 31
25
O termo “contextualizado” é usado no sentido de um trabalho individualizado com o aluno, que leve em
consideração suas experiências de vidas e suas dificuldades de aprendizagem.
155
É possível perceber, como já havíamos sinalizado em discussões anteriores, 1
que o trabalho com a variação era feito de modo intuitivo, de acordo com o 2
conhecimento e o interesse do professor. 3
Ressaltamos que a docente falou-nos que, em determinado momento, 4
desenvolveu uma atividade de elaboração de um vocabulário da região com as 5
palavras que o povo, principalmente da zona rural, usava. Observamos que, diante 6
da época e do contexto no qual atuava, essa já era uma postura interessante em 7
relação à língua. Contudo, notamos que esta atividade foi bastante pontual e 8
resumiu-se ao estudo vocabular focado na zona rural, perpetuando a ideia de que a 9
maior parte das pessoas da cidade teria uma fala homogênea, destituída de 10
variação, que, nesse cenário, era trazida pelos alunos da zona rural. 11
12
4.2.1.2 Abordagem da variação linguística 13
14
Como já dissemos, a professora demonstrou certo desconhecimento sobre os 15
pressupostos da teoria da Sociolinguística. Sua fala enfatizou muito a teoria do 16
construtivismo, sobre a qual comentou de modo bastante entusiástico, dizendo que: 17
18 19 Antes dos cursos, o professor era o que sabia de tudo e dava 20 respostas prontas, depois o professor passou a ser um mediador, 21 que construía o conhecimento junto com o aluno, questionando, 22 elogiando. A mudança de postura foi um sucesso! 23 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 24 aposentada – 27.07.2016 25
26
Tal comentário mostra-nos como a intervenção dos resultados de pesquisa 27
são importantes para a sala de aula e como é necessário estar aberto à mudança, a 28
assunção de uma nova perspectiva de ensino, em consonância com o surgimento 29
de novas teorias. 30
Quanto ao conceito de norma culta, I.S.L.P. disse que, naquela época, estava 31
ligado ao falar corretamente, de modo coerente. Tal concepção aparece também no 32
objetivo de ensinar a LP, estabelecido como ensinar a se comunicar com clareza, 33
corretamente e de acordo com a gramática. Nessas colocações, constatamos a forte 34
percepção de que há um único modo de falar aceitável. Além disso, constatamos 35
156
que norma culta e norma padrão são tratadas como sinônimas. Persevera a cultura 1
de que o falante culto não deve utilizar a variação e de que a língua portuguesa é 2
una, devendo ser preservada. 3
Outros aspectos acerca da variação são muito pouco citados, a única menção 4
é feita sobre variações urbana e rural, a qual se restringe ao vocabulário e aos 5
termos formal e informal, os quais a informante diz serem mais comuns àquele 6
tempo. 7
8
4.2.1.1 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro 9
10
A professora defende diversas vezes a noção de ―certo‖ e ―errado, apontando 11
a fala como o lugar do ―erro‖. Ela destaca como função da escola ensinar a falar 12
corretamente. Nesse sentido, a entrevistada faz um panorama de como era a sala 13
de aula, dizendo que: 14
15
Naquela época, tinha muita diferença cultural entre os alunos da 16 zona rural e os da zona urbana, inclusive eu tinha uma turma de que 17 eu gostava muito. Nessa turma, tinha alunos que falavam muito 18 errado, era a turma da Matinha, eles tinham um sotaque e tinham 19 alunos que queriam estudar e chamavam eles de matinheiros. Mas 20 não deixava, eu defendia eles. Era a turma que eu mais gostava. 21 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 22 aposentada – 27.07.2016 23
24
Apesar de reforçar o quanto gostava da turma e da sua defesa aos alunos 25
que sofriam com o preconceito, chamado por ela de cultural, a docente é incisiva ao 26
salientar que eles falavam ―muito errado‖, demonstrando o quanto está apegada à 27
tônica do purismo gramatical. Por outro lado, consideramos positivo o fato de a 28
professora não deixar que os demais alunos ridicularizassem os colegas. 29
A visão preconceituosa de uma língua, pautada nos conceitos de ―certo‖ e 30
―errado‖, está presente em toda a fala da informante. Ela chega a mencionar a 31
influência do convívio com as pessoas no modo como falamos. Vejamos mais um 32
exemplo: 33
34
Mas também as pessoas são influenciadas pelo meio, a menina de 35 Bartira, por exemplo, falava tão errado, que todo mundo morria de rir, 36
157
mas é normal porque a avó falava assim, então é normal, pois se no 1 ambiente dela as pessoas falavam errado. Outras crianças falam 2 certo, porque os pais já falam certo e é gente da zona rural, mas 3 você precisa ver com fala, fico admirada de como ele fala muito 4 certo. O pai não fala certo, mas a mãe já fala certo, então acho que 5 mãe deve puxar a orelhinha e você precisa ver como ele fala certo. 6 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 7 aposentada – 27.07.2016 8 9
Nesse trecho, a professora ressalta duas questões que consideramos 10
merecedoras de atenção: o papel da família na constituição do vernáculo (―as 11
pessoas são influenciadas pelo meio‖) e o valor da mãe como impulsionadora de 12
valores (―a mãe deve puxar a orelinha‖), sobretudo normativos. 13
Para além disso, ela faz um relato com referência já aos dias atuais, 14
mostrando que não só ela continua com essa perspectiva de língua balizada pelos 15
que falam correta ou incorretamente, como as demais pessoas do seu convívio se 16
mostram muito preconceituosas ao ―morrerem de rir‖ da menina que fala ―errado‖. 17
Notamos, portanto, como o preconceito é algo que está profundamente enraizado 18
em nossa sociedade e vem se alastrando ao longo do tempo. 19
Na sala de aula descrita pela professora entrevistada, percebemos como o 20
preconceito linguístico era intenso entre os estudantes. Ela comentou que havia um 21
aluno que queria, inclusive, sair da escola por causa dos colegas da zona rural: ―ele 22
ficava ‗emburrado‘ por causa dos outros que falavam ‗errado‘‖, disse ela na fala a 23
seguir: 24
Um aluno mesmo saiu da sala por causa dos alunos da matinha. Ele 25 disse que não ia estudar com eles porque falavam errado. E eram 26 meninos e meninas bem, assim, empenhados. Mas esse pessoal 27 sofreu muito preconceito, o bullying que se chama hoje. O povo 28 também não estudava muito, só as meninas que iam ficando moças. 29 Os alunos chamavam os da zona rural de matinheiros porque eles 30 falavam um pouco errado e eles (da cidade) falavam mais certo. Até 31 porque os professores da zona rural eram mais leigos, tinha 32 professor que só tinha estudado a primeira e segunda série, então 33 como eles poderiam falar certo? 34 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 35 aposentada – 27.07.2016 36
37
Frente a essa situação de extremo preconceito, a professora declarou, mais 38
de uma vez, que defendia esses alunos, elogiando-os e mostrando para os outros 39
como eles eram dedicados, amigos, honestos e como era difícil para eles chegarem 40
158
até a cidade. Todavia, ela sempre destacava, em seu depoimento, o fato de falarem 1
―muito errado‖. Observemos: 2
3
Mas os alunos eram muito discriminados, eles eram diferentes 4 mesmo. Tinham muito sotaque diferente, um sotaque vocal, falavam 5 errado, mas eram meninos bem cheios de vontade, que pupila dos 6 olhos deles chegava crescer muito esforçados, que tinha sede de 7 aprendizado. E o professor gosta de aluno assim, o professor 8 consciente do seu trabalho. 9 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 10 aposentada – 27.07.2016 11 12
Parece-nos que a docente se esforçava por tratar os alunos de modo sensível 13
e respeitoso, o que lhe faltou, à época, foi um conhecimento sobre a teoria da 14
Sociolinguística que, na época, não era vastamente divulgada no Brasil. 15
A respeito do modo como corrigia esses ―erros‖ que os educandos cometiam, 16
a entrevistada mostrou preocupação com forma como deveria ser feita essa 17
correção e, segundo ela, foi orientada em um dos cursos que fez a não corrigir no 18
exato momento da fala. Ela nos disse que inseria a palavra em outro contexto, em 19
um momento posterior, falando-a de modo lento e sutil e exemplifica: 20
21
Por exemplo, quando eles falavam: ―que horas nóis vai tal coisa?‖ Eu 22 falava ―ô fulano..nós vamos...‖, mas, assim, de uma forma bem sutil, 23 carinhosa, pedagógica. Já imaginou? Se eu fosse corrigir? De jeito 24 nenhum! Já tinha os meninos que falavam deles, mas eram poucos 25 porque não encontravam espaço. 26 Fonte: Dados da pesquisa: Entrevista realizada com a professora 27 aposentada – 27.07.2016 28 29 30
Na verdade, caberia a esse momento a discussão entre a adequação aos 31
contextos de fala, bem como aos interlocutores e estratégia argumentativa, à 32
diversidade linguística. No entanto, não nos cabe julgar a professora, pois, na época, 33
ela não dispunha de um amparo teórico que lhe pudesse direcionar a tal discussão, 34
uma vez que a sua formação não contemplava o tema. 35
A docente lembra-nos de que já ouviu outros professores corrigirem os 36
alunos, dizendo: ―não é assim que se fala, menino!‖. Acreditamos que essa postura 37
rigorosa dos professores da época provocava um processo de silenciamento do 38
aluno em sala, pois este se sentiria inferiorizado diante dos demais, que falavam 39
159
―certo‖, e, provavelmente, furtaria-se a qualquer participação durante a aula, por 1
medo de ser corrigido. Além disso, uma correção tão incisiva criaria um cenário 2
muito propício para o desenvolvimento do preconceito linguístico. 3
4
4.2.1.3 Abordagem da relação fala/escrita 5
6
O depoimento da informante indica-nos um tratamento estanque quanto ao 7
aspecto da fala e da escrita. Dessa sorte, acentua que ela ensinava o jeito de falar e 8
de escrever certo. Não há qualquer menção à possibilidade de haver uma linha 9
contínua entre uma e outra modalidade da língua, mediada pelos gêneros textuais 10
envolvidos na interação. 11
A correção dos ―erros‖ de ortografia, a princípio, é descrita de forma bastante 12
obsoleta, através da escrita repetitiva das palavras que eles erraram. A docente 13
mostra também que houve uma tentativa de contextualização, solicitando que os 14
alunos formassem frases com as palavras erradas. 15
A oralidade, ressalta ainda, era trabalhada somente através da leitura em 16
sala, muito embora, no início, os livros quase não trouxessem muitos textos. 17
18
4.2.1.4 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais. 19
20
A gramática era basicamente pautada no estudo da metalinguística. 21
Copiavam-se conteúdo e exercícios no quadro e os alunos, por sua vez, copiavam-22
nos no caderno. Assim, o trabalho era feito com base em frases de 23
descontextualizadas, fragmentárias, pouco funcionais para o aluno. Não se 24
abordava a variação nos fenômenos gramaticais. 25
26
27
28
29
30
31
32
160
Quadro 8. Quadro-síntese da análise da entrevista com um professor aposentado 1
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA
Há a apresentação do tratamento adequado aos fenômenos de variação e mudança linguística
Há a apresentação do tratamento inadequado aos fenômenos de variação e mudança linguística.
X
Há a apresentação tratamento intermediário quanto à adequação aos fenômenos de variação e mudança linguística.
ABORDAGEM DO
PRECONCEITO LINGUÍSTICO E DA NOÇÃO DE ERRO
Há discussão significativa do preconceito linguístico.
Não há abordagem da questão do preconceito linguístico.
X
São apresentadas as noções de adequação e inadequação.
São apresentadas as noções de certo e errado, em relação à língua.
X
ABORDAGEM DA
RELAÇÃO FALA/ESCRITA
Há separação de modo dicotômico a fala e a escrita. X
Há a apresentação do contínuo dos gêneros textuais entre fala e escrita, do mais espontâneo ao mais monitorado.
Há a relativização da relação fala e escrita, mas não há a abordagem do amplo contínuo entre essas modalidades.
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS
FENÔMENOS GRAMATICAIS
Há a abordagem, de modo adequado, a variação nos fenômenos gramaticais.
Não há a apresentação da variação nos fenômenos gramaticais.
X
Há a apresentação, de modo superficial, da variação nos fenômenos gramaticais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 2
3
4.2.1.5 Considerações sobre a entrevista com a professora aposentada 4
5
A partir da análise da entrevista, é possível perceber a influência dos estudos 6
linguísticos para o ensino de LP. O surgimento das novas teorias, bem como as 7
discussões decorrentes delas é de suma importância para o desenvolvimento de 8
novas práticas pedagógicas, mais significativas para o aluno. 9
Isso é manifesto na fala da professora aposentada, a qual relata como mudou 10
a sua relação com os alunos após o surgimento da teoria do construtivismo. Tal fato, 11
sem dúvidas, foi um avanço. Entretanto, a docente nada menciona, quanto à 12
perspectiva do Sócio-interacionismo. 13
161
Nesse sentido, há uma tentativa de redimensionar o trabalho com a 1
gramática, mas esta ainda recai sobre um viés tradicionalista, pois cultivam-se as 2
nomenclaturas e a memorização de regras e o exercício de classificação gramatical 3
a partir de frases soltas, destituídas de significado. 4
Dito isso, constatamos que o fenômeno da variação e mudança linguística é 5
abordado de forma extremamente superficial, restrita apenas ao vocabulário. Assim, 6
embora a professora se posicione como sendo sem preconceito, percebemos 7
claramente que desconhece o termo variação, classifica a fala como ―errada‖, 8
descreve que provoca risos e que ela fica admirada, quando alguém de lá (da 9
cidade) fala certo. 10
Fica claro, portanto que o preconceito linguístico ronda, há muito tempo, o 11
itinerário das salas de aula. Contudo, sua presença vai além dos muros da escola, 12
está presente na sociedade de modo intenso até os dias atuais, configurando-o não, 13
apenas, como preconceito linguístico, mas um preconceito linguístico com bases em 14
um preconceito social. 15
16
4.2.2 Entrevista com uma Professora em Atuação (2016) 17
18
A professora L.P.S. é formada em Letras Modernas, pela Universidade 19
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), e possui mestrado, realizado na mesma 20
instituição, na modalidade do Programa de Mestrado Profissional em Letras 21
(PROFLETRAS). Atua no ensino municipal desde o ano de 2009 ao atual, 22
trabalhando com o 6º ano do ensino fundamental e também com 6º/7º ano e 8º/9º, 23
na modalidade aceleração. A informante leciona no Colégio Municipal Deputado Luís 24
Eduardo Magalhães, localizado na cidade de Piripá, BA. (Cf. Apêndice 2. Entrevista 25
completa.) 26
27
4.2.2.1 A escolha do livro 28
29
A respeito do critério de escolha do livro didático, a docente afirma que é feita 30
a partir de uma discussão com os demais colegas da área, uma vez que o material 31
selecionado é o mesmo para todos os professores de Língua Portuguesa. Assim diz: 32
162
. 1
Cada professor, ao analisar o livro didático, o faz com alguma 2 perspectiva. Ao fazer a escolha pessoal, esta é discutida com os 3 demais professores para que, juntos, encontrem um critério comum, 4 que seria: textos interessantes, variados gêneros textuais, estudo 5 gramatical contextualizado, atividades com variação linguística etc. 6 Fonte: dados da pesquisa. Entrevista realizada com a professora em 7 exercício. 25.10.2016 8 9
De acordo a entrevistada, são observados os seguintes aspectos no momento 10
da análise do LD: textos interessantes, variado número de gêneros textuais, estudo 11
gramatical contextualizado, atividades com variação linguística etc. Os critérios 12
sinalizados são bastante interessantes e revelam preocupações importantes com os 13
textos, gramática e variação. 14
15
4.2.2.2 Abordagem da variação linguística 16
17
A professora mostra-se aberta aos processos variacionais e declara 18
reconhecimento da heterogeneidade e diversidade linguística, como podemos ver no 19
seguinte trecho da entrevista: 20
21
Reconheço que a Língua Portuguesa é heterogênea e a diversidade, 22 presente em nossa sala de aula, nos faz fortalecer essa ideia. 23 Contudo, não são todos os professores que pensam dessa forma, e 24 acreditam que o ensino-aprendizado de Língua Portuguesa é 25 homogêneo e ‗engessado‘. Fonte: dados da pesquisa. Entrevista 26 realizada com a professora em exercício. 25.10.2016 27 28
Apesar de destacar o conhecimento acerca da heterogeneidade, a docente 29
ressalta a percepção de que nem todos os colegas compartilham do mesmo 30
pensamento. Ela deixa claro que ainda existem aqueles que consideram o ―ensino-31
aprendizado como algo homogêneo e engessado‖ 32
No que concerne à variação no livro didático, L.P.S. indica a existência do 33
tema como conteúdo, porém de modo superficial. Assim, revela: ―o livro didático, o 34
qual[sic] trabalhei mais recentemente, aborda a questão da variação de forma 35
sucinta, sem abordagens mais aprofundadas e sem grandes ofertas de atividades.‖ 36
(L.P.S. 25.10.2016). 37
163
É importante que nos atentemos para o fato de que a abordagem da variação 1
no livro é feita de modo pouco eficiente, mesmo sendo este um dos critérios 2
adotados pelos docentes no momento da escolha do LD. Isso nos dá indícios de 3
que, se opção eleita apresenta fragilidades quanto ao tema, os materiais 4
dispensados sejam ainda menos significativos quanto ao tratamento da variação. 5
Acerca da concepção de norma culta, a informante demonstrou consciência 6
de que não se confunde com a norma padrão. Nesse sentido, ela assegura que 7
―esse termo, infelizmente, é muito confundido entre professores, acreditando que a 8
norma culta seja o mesmo que a norma padrão, um conjunto de regras usado para 9
ensinar a falar ‗corretamente‘‖. Mais uma vez, a docente mostra-se atenta à postura 10
assumida pelos demais professores quanto ao ensino e percebe a existência de 11
certa confusão quanto conceito de norma culta e norma padrão. 12
13
5.2.2.3 Abordagem do preconceito linguístico e da noção de erro 14
15
A entrevistada manifesta uma postura bastante respeitosa quanto aos 16
fenômenos de variação linguística. Além disso, revela conhecimento da teoria da 17
Sociolinguística, o que, muito provavelmente, interferiu positivamente no modo como 18
concebe a língua. Vejamos o seu objetivo ao ensinar a Língua Portuguesa: 19
20
Que o aluno entenda o funcionamento da língua, que se sinta seguro 21 e consciente de que é falante dela e que precisa compreender suas 22 regras e estruturas, não para abandonar o antigo, mas saber usá-la 23 de acordo e conforme a necessidade. 24 Fonte: dados da pesquisa. Entrevista realizada com a professora em 25 exercício. 25.10.2016 26 27
Essa fala deixa evidente que a professora respeita a norma falada pelo 28
discente e adquirida em seu convívio social anterior à escola. Ela destaca que a 29
aprendizagem das regras deve ser feita com base no funcionamento da língua e 30
acentua, ainda, que seu uso deve estar atrelado às necessidades do aluno. Assim 31
sendo, embora não se tenha citado o termo adequação em substituição ao erro, tal 32
direcionamento fica implícito nas palavras da informante. 33
Quanto à existência de diferentes dialetos em sala de aula, L.P.S respondeu 34
positivamente, assumindo que ―somos todos uma mistura e isso ocorre também na 35
164
fala.‖ (L.P.S, 25.10.2016). Dessa forma, há o reconhecimento da diversidade 1
pontuada não só na fala, mas também em relação à cultura e religião. 2
Questionada sobre o preconceito linguístico em classe, a docente declarou: 3
4
Embora esse não seja um conteúdo desconhecido dos alunos, há 5 sempre alguns alunos que gostam de se divertir com o dialeto de 6 algum colega, seja ele porque é engraçado, ou acha que seja 7 incorreto. Isso acontece com frequência e a minha posição é sempre 8 discutir, propor atividades para que os estudantes aprendam a 9 respeitar a diversidade linguística. 10 Fonte: dados da pesquisa. Entrevista realizada com a professora em 11 exercício. 25.10.2016 12 13
Já na primeira frase, a professora ressalta que esse não é um conteúdo 14
desconhecido dos alunos, o que dá a entender que já foi trabalhado com eles, talvez 15
pela própria informante. No entanto, apesar disso, ela pontua que o preconceito se 16
faz presente em sala de aula. A justificativa dos alunos para o ato preconceituoso é 17
apontada sob duas formas: a primeira em virtude da graça do dialeto e a segunda 18
pelo fato de os alunos acharem incorreto. Sobretudo, o segundo motivo nos chama a 19
atenção. Se os discentes ridicularizam o que, em sua perspectiva, seria ―incorreto‖, 20
então podemos supor que, talvez, esse conceito de ―erro‖ tenha sido, em algum 21
momento de sua vida escolar, propagado por outras pessoas do seu meio. E, nesse 22
caso, em específico, percebemos nos relatos das duas professoras, posturas 23
discentes muito próximas de desrespeito à diversidade linguística. 24
Isso vem reforçar o que a própria docente já havia percebido e o que nós 25
também pressupomos em nossa hipótese: apesar de todas as discussões em torno 26
da variação e melhoria na formação acadêmica, ainda há professores que 27
concebem ou que trabalham a língua no espaço escolar como algo homogêneo, 28
para o qual a única norma aceitável é a descrita nos compêndios gramaticais. 29
Segundo L.P.S, há sempre alguns alunos que gostam de se divertir com o 30
dialeto do outro. ―Isso acontece com frequência e a minha posição é sempre discutir, 31
propor atividades para que os estudantes aprendam a respeitar a diversidade 32
linguística‖ (L.P.S, 25.10.2016). Essa posição parece-nos bastante significativa, uma 33
vez que, ao perceber a ocorrência do preconceito, são realizados exercícios para 34
desenvolver o respeito à diversidade. 35
165
Mais uma vez, acreditamos na influência positiva da especialização a nível de 1
mestrado como fator decisivo para essa consciência sensível aos fenômenos 2
variacionistas. 3
4
4.2.2.4 Abordagem da relação fala/escrita 5
6
Podemos dizer que, no terreno da fala e da escrita, é onde mais se encontram 7
irregularidades, desníveis e pedregulhos. No que tange à interrogativa sobre a 8
realização de atividades de diferenciação entre a fala e a escrita, a docente foi 9
pouco objetiva, como podemos observar no trecho a seguir. 10
11
Os alunos ainda são bastante resistentes às atividades orais, seja 12 por timidez ou até mesmo por escolha de não se expor entre os 13 colegas. Assim sendo, propondo atividades que necessitem da 14 opinião de cada um, fazemos discussões coletivas, para depois, 15 partirmos para o texto escrito. 16 Fonte: dados da pesquisa. Entrevista realizada com a professora em 17 exercício. 25.10.2016 18
19
A resposta dada direciona-se ao trabalho com a oralidade, leitura de textos 20
em sala e discussões ou debates sobre determinados assuntos. Certamente, isso é 21
importante e entendemos que atitude da docente com relação a tal aspecto foi muito 22
positiva. A escrita não é feita ao acaso, mas fruto da discussão sobre o que se 23
escreve. Isso é, sem dúvidas, valioso, pois, como sabemos, o aluno necessita ter 24
uma base sólida de conhecimento para fundamentar sua escrita, além de uma 25
finalidade que possa justificá-la e atribuir-lhe sentido. 26
Por um lado, fala e escrita não foram postas como estanques, por outro 27
também não se cogitou a existência de o continuum entre as duas modalidades da 28
língua. Tal fato faz-nos inferir que, possivelmente, a docente não trabalhe com os 29
estudantes a possibilidade de aproximação da fala à escrita e vice-versa, conforme o 30
gênero textual inerente à circunstância de interação verbal, ou mesmo que a 31
pergunta por nós realizada não tenha provocado essa abordagem. 32
33
34
35
166
4.2.2.5 Abordagem da variação nos fenômenos gramaticais 1
2
A respeito da variação dos fenômenos gramaticais, a docente afirma que ―há 3
alguns professores que ainda compreendem a gramática como um conjunto de 4
regras a serem estudadas, contudo, existem outros poucos que procuram trabalhar 5
a gramática considerando as suas variações e suas especificidades‖. (L.P.S. 6
25.10.2016). O depoimento em análise, novamente, endossa a nossa hipótese de 7
que a gramática é vista por muitos como um manual de regras a serem seguidas. 8
Ao sinalizar a existência de professores que consideram as variações e 9
especificidades, a informante assinala que são poucos. Embora possa parecer 10
insignificante esse dado, para nós é significativo, pois revela que a mudança no 11
paradigma dos educadores está acontecendo, ainda que muito lentamente. 12
Além disso, a entrevistada informa que trabalha a gramática de forma 13
contextualizada. 14
15
Quadro 9. Quadro-síntese da análise da entrevista com a docente em exercício 16
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Apresenta tratamento adequado dos fenômenos de variação e mudança linguística
X
Apresenta tratamento inadequado dos fenômenos de variação e mudança linguística.
Apresenta tratamento intermediário quanto à adequação aos fenômenos de variação e mudança linguística.
ABORDAGEM DO
PRECONCEITO LINGUÍSTICO E DA NOÇÃO DE ERRO
Apresenta discussão significativa do preconceito linguístico.
X
Não aborda a questão do preconceito linguístico.
Apresentam-se as noções de adequação e inadequação.
X
Apresenta as noções de certo e errado, em relação à língua.
ABORDAGEM DA
RELAÇÃO FALA/ESCRITA
Separa de modo dicotômico a fala e a escrita.
Apresenta o contínuo dos gêneros textuais entre fala e escrita, do mais espontâneo ao mais monitorado.
Relativiza a relação fala e escrita, mas não aborda o amplo contínuo entre essas modalidades.
X
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS
FENÔMENOS GRAMATICAIS
Aborda-se, de modo adequado, a variação nos fenômenos gramaticais.
X
Não apresenta a variação nos fenômenos gramaticais. Apresenta, de modo superficial, a variação nos fenômenos gramaticais.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 17
18
167
4.2.2.6 Considerações sobre a entrevista com a professora em exercício 1
2
Com base na entrevista realizada com a docente em atuação, pudemos 3
perceber que ela tem conhecimento sobre a teoria da Sociolinguística, pois 4
reconhece a língua como um sistema heterogêneo, dentro do qual ocorrem 5
variações. 6
L.P.S esforça-se para trabalhar a gramática de forma contextualizada, 7
assegurando-a como um conjunto variável de regras. Destacamos ainda a postura 8
respeitosa diante dos fenômenos linguísticos, pois a professora demonstra 9
preocupação em discutir com os alunos a diversidade e a importância de saber 10
utilizar possibilidades linguísticas, conforme as necessidades de cada um. 11
A erva daninha no esteio de uma postura adequada sobre a variação é, ao 12
que nos mostra, a relação entre a fala e a escrita. Esse é um solo frágil que carece 13
ainda de um trabalho mais intenso. O continuum de gêneros existentes entre as 14
duas modalidades não parece ser trabalhado em sala de aula, embora sempre 15
destaque a procura por um trabalho contextualizado em todos os âmbitos do ensino. 16
Afora isso, de um modo geral, L.P.S. caracteriza-se como uma professora 17
aberta à diversidade e preocupada com um trabalho significativo da disciplina. 18
Nesse sentido, é lícito dizer que as discussões provocadas pela corrente de 19
estudos fundada por Labov foram sumamente importantes para que as mudanças, 20
que começam a ganhar fôlego no cenário da educação, pudessem florescer. 21
Esse campo que ganha cada vez mais pessoas ávidas pelo cultivo da 22
diversidade a cada dia se torna mais fértil, mais vasto, mais frutífero, cada vez mais 23
pomar. 24
25
4.3 RESULTADOS DAS ANÁLISES 26
27
Por meio da análise dos livros didáticos que compõem o corpus deste 28
trabalho, podemos constatar que o surgimento da teoria da Sociolinguística é de 29
grande relevância para o ensino e muito contribuiu para o desenvolvimento de uma 30
perspectiva de educação calcada na realidade da língua. 31
168
A contribuição das pesquisas linguísticas revela-se ainda mais significativa, 1
ao verificarmos a sua influência na elaboração dos pressupostos dos Parâmetros 2
Curriculares Nacionais. Os dados fazem-nos perceber diferenças importantes no 3
tratamento dado à variação, após a implementação dos PCN. 4
É lícito ressaltar que, em relação à abordagem da variação e mudança, há 5
ainda muito o que se aprimorar. Dentro do quadro de análises realizadas, nenhum 6
livro mencionou diretamente a teoria, embora possamos notar mudanças 7
interessantes na metodologia proposta em conformidade com os PCN. 8
9
Quadro 10. Análise comparativa da abordagem da variação linguística no livro 10
didático. 11
ADEQUADA
INADEQUADA
PARCIALMENTE
ADEQUADA
Novo Manual de Língua Portuguesa: GRAMÁTICA
(1943)
X
Comunicação em Língua Portuguesa (1987)
X
Linguagem Nova (1994)
X
Linguagem Nova (2000)
X
Português nos Dias de Hoje (2012)
X
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 12
13
No livro datado de 1940, não foi encontrada, a princípio, menção direta às 14
normas padrão e culta. Entretanto, é perceptível o tratamento da segunda como 15
sendo sinônima à primeira. Para além disso, ressaltamos que os demais livros 16
analisados até o ano 2000 fazem alguma confusão quanto à terminologia 17
empregada, confundindo norma padrão e norma culta. Já em relação ao LD mais 18
recente (2012) não encontramos menção a esses termos, fala-se apenas em 19
normas urbanas de prestígio. 20
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA LIVRO
DIDÁTICO
169
Outro fator que vale salientar é o enfoque no conceito de fonema e de 1
diversos processos fonológicos no exemplar da década de 40. Tais abordagens 2
parecem significativas num primeiro momento, contudo, em uma análise mais detida, 3
percebemos que aparecem apenas como explicação de fenômenos inerentes ao 4
latim (língua considerada morta), todavia não servem de base para discussão sobre 5
as ocorrências da língua que circula entre a sociedade (língua em uso). 6
Cumpre enfatizar, além disso, que o LD de Faraco e Moura (2012), embora 7
não assuma como teoria fundamental a Sociolinguística, revelou um tratamento 8
satisfatório sobre seus conceitos, destacando discussões a respeito de níveis de 9
linguagem, gírias, linguagem formal e linguagem coloquial. O exemplar analisado é 10
referente ao 6º ano. Talvez em razão disso os conceitos de variação histórica e 11
regional, por exemplo, não tenham sido abordados, ficando direcionados para as 12
séries seguintes. Infelizmente, por hora, não nos é possível verificar isso, mas essa 13
é uma possibilidade para uma futura pesquisa. 14
É interessante destacar ainda, que, apesar de o preconceito linguístico estar 15
presente no espaço escolar desde os tempos mais antigos, como verificamos na 16
entrevista realizada com a professora aposentada, nenhum dos livros em análise 17
abordou tal problema. 18
19
Quadro 11. Análise comparativa da abordagem do preconceito linguístico e da 20
noção de erro 21
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 22
ADEQUADA
INADEQUADA
PARCIALMENTE ADEQUADA
Novo Manual de Língua Portuguesa: GRAMÁTICA
(1943)
X
Comunicação em Língua Portuguesa (1987)
X
Linguagem Nova (1994)
X
Linguagem Nova (2000)
X
Português nos Dias de Hoje (2012)
X
LIVRO DIDÁTICO
PRECONCEITO LINGUÍSTICO E
NOÇÃO DE ERRO
170
Se não foram observados avanços significativos em relação ao preconceito 1
linguístico, quanto à noção de erro, verificamos notável mudança no livro de Faraco 2
e Moura (2000) e, sobretudo, no exemplar de (2012). Na versão atualizada em 3
(2000), conforme os PCN, é discutida a temática, acrescentado a terminologia 4
referente à adequação ou inadequação da linguagem à situação de fala. Contudo, 5
mesmo diante de tal avanço, ao longo LD, não foram feitas discussões mais 6
proeminentes a respeito da necessidade de adequação da fala às situações de 7
interação verbal, às estratégias discursivas e aos sujeitos do discurso. Todas essas 8
discussões, ausentes naquele LD, fazem-se presentes no livro da década atual, 9
evidenciando que os autores estão atentos às pesquisas desenvolvidas em torno 10
das questões linguísticas. 11
12
Quadro 12. Análise comparativa da abordagem da relação fala/escrita 13
ADEQUADA
INADEQUADA
PARCIALMENTE ADEQUADA
Novo Manual de Língua Portuguesa: GRAMÁTICA
(1943)
X
Comunicação em Língua Portuguesa (1987)
X
Linguagem Nova (1994)
X
Linguagem Nova (2000)
X
Português nos Dias de Hoje (2012)
X
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 14
15
O quadro da relação entre fala e escrita foi o espaço onde houve maior 16
resistência aos avanços. Em todos os LDs analisados até a década de (2000), essas 17
duas modalidades de língua são vistas de modo dicotômico, como se entre elas só 18
existissem diferenças. 19
A possibilidade de variação no âmbito da escrita só começa a ser 20
apresentada na década de 2010. Assim sendo, embora não se aplique a definição 21
terminológica acerca do continuum dos gêneros textuais existentes entre a fala e a 22
ABORDAGEM DA RELAÇÃO
FALA/ESCRITA
LIVRO DIDÁTICO
171
escrita, o trabalho de Faraco e Moura mais recente tem enfoque nos gêneros de 1
textos e flexibiliza a relação entre as duas modalidades. 2
3
Quadro 13. Análise comparativa da abordagem da variação nos fenômenos 4
gramaticais 5
ADEQUADA
INADEQUADA
PARCIALMENTE ADEQUADA
Novo Manual de Língua Portuguesa: GRAMÁTICA
(1943)
X
Comunicação em Língua Portuguesa (1987)
X
Linguagem Nova (1994)
X
Linguagem Nova (2000)
X
Português nos Dias de Hoje (2012)
X
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Coelho (2007). 6
7
Nesse quesito, um aspecto intrigante prende-nos a atenção. O LD, Novo 8
Manual de Língua Portuguesa, de (1943), apesar de exalar conservadorismo de 9
suas páginas, traz algumas possibilidades de variação no campo da gramática. 10
Como já pontuamos na análise do referido tópico, o autor faz ponderações sobre o 11
que seria uma sintaxe ideológica e afetiva e considera prudente, por exemplo, em 12
situação de maior afetividade, usar o pronome oblíquo ―me‖ procliticamente e não 13
através de uma ―ênclise‖, como sugerem as regras portuguesas. Assim, no contexto 14
citado no livro, seria mais oportuno dizer ―me ajude‖ do que ―ajude-me‖, o qual, 15
segundo o autor, sugere mais seriedade. 16
Ainda no tocante à abordagem da variação nos fenômenos gramaticais, os 17
livros de Faraco e Moura das décadas de 80 e 90 revelaram um trabalho mais 18
centrado no estudo metalinguístico, embora na versão de 1994, os autores já 19
apontassem a necessidade de realizar um trabalho com a gramática no texto. No LD 20
de Faraco e Moura (2000), há algumas sinalizações de um tratamento da variação 21
nos fenômenos gramaticais, contudo mostra-se de modo muito pouco contundente. 22
ABORDAGEM DA VARIAÇÃO NOS FEN. GRAMATICAIS
LIVRO DIDÁTICO
172
Já em relação ao ano de (2012), essa abordagem é muito mais frutífera e 1
ganha fôlego, principalmente, nas discussões sobre práticas de linguagem. Portanto, 2
a proposta que começava a surgir na década passada aparece, na década seguinte, 3
mais aprimorada e compatível com a realidade heterogênea da língua. 4
Não podemos deixar de perceber que as principais reflexões encontram-se na 5
assessoria pedagógica e não no corpo do livro. Dessa maneira, a responsabilidade 6
em levar essas ponderações para aluno é dada ao professor. Logo, é preciso que o 7
docente compreenda as orientações e explore-as de modo significativo. 8
9
Quadro 14: Quadro-síntese da análise comparativa da entrevista com a professora 10
aposentada e em exercício 11
12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38
39 40 41 42
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.26 43
26
Esse quadro, diferentemente de outros, não foi embasado no trabalho de Coelho (2007).
173
Ao fazermos um comparativo das informações pertinentes aos livros com os 1
dados apresentados na entrevista com a professora aposentada, percebemos que, 2
de fato, a educação de alguns atrás foi marcada por uma concepção de ensino 3
baseada na observância às regras da gramática tradicional. Além disso, a variação e 4
a mudança já começavam a ser trabalhadas em algumas situações pontuais, 5
embora ainda com pouca relevância, no que concerne ao quadro heterogêneo da 6
língua. 7
Hoje em dia, no entanto, observamos um paradigma de professor diferente 8
daquele da década de 70. Há uma preocupação muito maior com relação ao 9
desenvolvimento de uma metodologia baseada na gramática contextualizada e uma 10
busca por realizar um tratamento mais significativo da diversidade. Alguns pontos 11
ainda carecem de maior aprimoramento, porém o importante é notar que há uma 12
tentativa de desenvolver um trabalho melhor em relação à língua, como notamos na 13
docente L.S.P. 14
Evidenciamos, não obstante, que, em relação à professora aposentada, 15
prevalecia a intuição movida por um bom senso e pelo desejo de acertar, contudo, 16
na docente em exercício, além dessa intuição, há também a predominância de um 17
saber teórico a respeito da heterogeneidade linguística. Essa nos parece a pedra 18
fundamental no distanciamento de uma pedagogia conservadora (culturalmente 19
excludente) e na construção de uma nova perspectiva metodológica (culturalmente 20
sensível). 21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
174
5. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: Lançam-se as sementes de uma perspectiva 1
culturalmente sensível de ensino 2
3
4
Esta seção contempla o modo como foi desenvolvido e operacionalizado o 5
plano de intervenção sugerido. 6
7
5.1 Elaboração da Proposta de Intervenção 8
9
A proposta aqui empreendida tem como base os pressupostos da 10
Sociolinguística Variacionista e do Sociointeracionismo. 11
Estabelecidos os levantamentos e a análise dos dados, foi criada uma 12
proposta de intervenção pedagógica que, assim esperamos, problematize a questão 13
do preconceito linguístico na sociedade, através da leitura de textos, quadrinhos e 14
músicas, os quais abordam o tema de modo crítico e reflexivo, levando o aluno a 15
compreender as causas e efeitos da disseminação deste tipo de preconceito, bem 16
como a combater estigmas e discriminações quanto ao uso da língua. 17
Não obstante, foram propostas atividades que levassem o aluno identificar o 18
fenômeno da variação linguística, em seus amplos aspectos, como constitutivo da 19
diversidade cultural brasileira, com base no contato com diferentes registros e 20
regionalismos, em vídeos, textos e músicas, por exemplo. Propomos ainda a 21
criação de condições que propiciem aos aprendizes a experienciação de operações 22
linguísticas relevantes ao contexto social, nas diversas situações de fala. 23
24
5.2 Da Operacionalização 25
26
Antes de lançar as sementes da variação, acreditamos que é importante 27
investigar o solo a ser cultivado. Esse cuidado nos permite avaliar as condições do 28
terreno para que possamos fazer um trabalho eficaz. 29
No âmbito da sala de aula, procuramos fazer essa sondagem acerca do 30
conhecimento e da vivência dos discentes quanto ao tema. Para tanto, 31
selecionamos a música ―Zaluzejo‖, do grupo Teatro Mágico. Entre tantas outras 32
canções possíveis, não por acaso escolhemos essa. Sua letra foi composta por 33
175
Fernando Anitelli, com base em uma experiência verídica com a empregada que 1
trabalhava em sua casa. A doméstica, por seu baixo nível de escolaridade e sua 2
origem, utilizava termos bastante diferentes daqueles prescritos na norma padrão. 3
Entretanto, em lugar de uma postura preconceituosa, o autor preferiu fazer a 4
composição para celebrar a diversidade. 5
Nesse sentido, feita a audição da música, aproveitamos o momento para 6
direcionar algumas questões ao educando, tais como: Já houve o estudo, em algum 7
momento, sobre variedade linguística? Como estudou? O que aprendeu? Você já 8
sofreu algum preconceito? Como se sentiu? 9
Desta forma, pudemos conhecer melhor o campo das experiências de vida 10
dos alunos sobre a sua realidade linguística. Esse conhecimento nos permitiu seguir 11
para o trabalho de preparar o solo para o plantio de outras possibilidades e normas 12
linguísticas. Tal preparação exigiu uma atividade de sensibilização dos aprendizes a 13
respeito do tema. Assim, apresentamos um vídeo referente à diversidade linguística 14
brasileira, no intuito de que os educandos pudessem identificar a heterogeneidade 15
como constitutiva da língua portuguesa. 16
Ao término da exibição do vídeo, pontuamos, de maneira ampla, o 17
preconceito e a diversidade no Brasil e, de modo mais específico, o preconceito 18
linguístico, a noção de ―certo‖ e ―errado‖, o conceito de gramática e de língua. Além 19
disso, discutimos sobre os diversos tipos de variação, sinalizando as situações em 20
que se fazem pertinentes. Procuramos, ainda, desfazer o mito do monolinguísmo e 21
ressaltar a importância de saber dominar as diversas normas e explorá-las com 22
sabedoria nas interações verbais. 23
Lançadas as sementes da variação, chegou a hora de limpar o terreno, 24
esclarecer a dúvidas e eliminar todas as ervas daninhas que ainda pudessem 25
alimentar algum tipo de preconceito ou estigma. Com esse intuito, criamos alguns 26
exercícios para enriquecer a discussão, regando as sementes de aprendizagem que 27
começam a germinar. 28
Atividades criadas passearam por diversos aspectos da variação. No que 29
tange ao âmbito geográfico, exploramos a análise de tirinhas e quadrinhos, por meio 30
dos quais problematizamos as variedades regionais, deslegitimando estereótipos. 31
Quanto à adequação e preconceito, trouxemos textos que evidenciam a relevância 32
176
de estabelecer escolhas linguísticas e estratégias argumentativas, considerando os 1
interlocutores, a situação de fala e os objetivos da interação verbal. Além disso, 2
salientamos que o preconceito não se justifica por nenhuma razão linguística, mas 3
apenas por motivos de ordem política, cultural e social. Em relação à variação 4
histórica, solicitamos a reescrita de uma carta do século passado, com adequação 5
aos dias contemporâneos. Através disto, os alunos puderam perceber que não só a 6
língua se modifica, como os hábitos e costumes tornam-se diferentes com o passar 7
dos anos. Na oportunidade, também pudemos salientar que a carta de amor é um 8
gênero mais informal, que tem um elevado grau de intimidade entre os 9
interlocutores, o que requer o uso de uma linguagem adequada à situação. No que 10
se refere ao nível da variação nos fenômenos gramaticais, discutimos a 11
possibilidade de uso do ítem ―a gente‖ como uma locução pronominal que tem a 12
mesma função do pronome pessoal ―nós‖. 13
Dentre as ferramentas utilizadas, não faltou também a música, instrumento 14
que tem o poder de chegar ao mais profundo do ser, fertilizando o seu coração com 15
energia e emoção. Assim, escolhemos duas músicas de estilos bem distintos: 16
―Saudosa Maloca‖, de Adoniran Barbosa, e ―Chopis Centis‖, de Mamonas 17
Assassinas. Destacamos, através de suas letras, regionalismos, preconceitos e a 18
necessidade de adequação. Aproveitamos a primeira canção para explorar também 19
a escrita dos alunos, sugerindo-lhes a criação de um texto jornalístico, a partir da 20
história contada por Adoniran. 21
Além dessas atividades em sala de aula, propusemos um trabalho de 22
pesquisa, através do qual os discentes teriam que criar um dicionário de gírias e 23
expressões antigas e modernas da cidade de Piripá. Foi um momento oportuno para 24
os alunos conhecerem um pouco mais da sua própria realidade linguística, 25
comparando-a ao que se falava no passado. (Cf. Apêndice 3. Planos de aula.) 26
27
28
29
30
31
32
177
Quadro 15. Quadro-síntese da intervenção pedagógica 1
OFICINAS PROCEDIMENTOS RECURSOS
1ª Oficina
Exibição de vídeo com a música ―Zaluzejo‖, de Teatro mágico. Atividade de sensibilização dos alunos sobre as noções de variação e mudança linguística e conceitos afins.
´
TV e DVD Texto-resumo sobre
a variação linguística Piloto Apagador Quadro
Exibição de um vídeo sobre a diversidade linguística: Atlas linguístico brasileiro.
Leitura de textos e discussão sobre o preconceito linguístico, os tipos de variação, a necessidade de adequação dos textos orais e escritos aos contextos de uso da língua
Proposta de realização de um trabalho de pesquisa sobre gírias antigas e modernas e elaboração de um dicionário, a partir do resultado da pesquisa.
2ª
Oficina
Realização de análise de textos de diversos gêneros para discussão sobre a variação linguística, regionalismos e estereótipos.
Exercícios elaborados.
Lápis e borracha Piloto e apagador Quadro
3ª Oficina
Realização de exercícios sobre níveis de formalidade, variação histórica, adequação e preconceito linguístico.
Exercícios elaborados.
Lápis e borracha Piloto e apagador Quadro
4ª Oficina
Realização da análise de músicas para discussão sobre o preconceito linguístico e a importância de dominar as diversas normas da língua, sabendo adequá-las aos diferentes gêneros textuais. (orais e escritos)
Exercícios elaborados.
Lápis e borracha Piloto e apagador Quadro CD com músicas
Criação de um texto jornalístico a partir da problemática apresentada na música ―Saudosa Maloca‖, de Adoniram Barbosa.
5ª Oficina
Apresentação do dicionário de gírias e expressões modernas e antigas.
Dicionários Textos jornalísticos Apresentação dos textos jornalísticos
elaborados.
Fonte: quadro elaborado pela pesquisadora durante a análise dos dados da pesquisa. 2
3
178
5.3 ANÁLISE DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 1
2
A proposta de intervenção foi realizada com a turma do 8º ano B, da Escola 3
Municipal Deputado Luís Eduardo Magalhães. A sala de aula tem um espaço bom, 4
considerando-se a quantidade de discentes, possui boa ventilação, cadeiras em 5
razoável estado de conservação. O quadro apresenta-se danificado em uma das 6
extremidades, porém não impede o uso, pois há um espaço razoável que ainda 7
pode ser utilizado. 8
A turma conta com vinte e quatro alunos, a maioria residente à sede do 9
munícipio. Entre eles, havia dois estudantes transferidos da cidade de São Paulo. 10
Do total de estudantes, treze são meninas e onze meninos, o que podemos 11
considerar uma composição de classe equilibrada com relação ao sexo dos alunos. 12
De maneira geral, os discentes foram bastante participativos, embora fosse 13
possível perceber a existência de alguns mais tímidos. 14
15
5.3.1 Primeira Oficina 16
17
Os alunos foram muito receptivos à minha chegada, em sala de aula. A 18
professora regente da classe já os tinha avisado sobre a aplicação da intervenção e, 19
quando cheguei27, eles já aguardavam por mim. 20
Estavam todos curiosos para saber o assunto que seria estudado, embora 21
alguns já declarassem que não queriam escrever muito. Ao informar-lhes de que 22
trabalharíamos com variação linguística, demonstraram estranheza quanto ao termo 23
e interrogaram sobre o seu significado. Nesse momento, aproveitei para explicar o 24
que seria o projeto e apresentar a proposta de trabalho. Os estudantes 25
compreenderam e demonstraram interesse pelo tema. A explicação foi encerrada 26
com a fixação do mural na sala. 27
Após essa apresentação, foi feita a distribuição de uma mensagem de 28
reflexão, sobre a qual pontuei a importância da atitude de cada um na superação de 29
27
A mudança da primeira do plural para a primeira do singular ocorreu, nesse capítulo, devido ao fato de a
aplicação da proposta de intervenção ser de responsabilidade da pesquisadora, embora a orientadora tenha
grande contribuição no desenvolvimento das atividades.
179
obstáculos, bem como a diferença que a assunção de uma ou outra postura faz na 1
obtenção dos resultados. 2
A seguir, distribui o material de estudo elaborado e encadernado previamente. 3
A apostila foi impressa em cores para despertar a atenção dos alunos, junto, eles 4
receberam também lápis e borracha. A reação não poderia ser melhor. Rapidamente 5
começaram a folhear o material, demonstrando contentamento ao ver tudo colorido, 6
alguns diziam: ―que lindo!‖ e outros afirmavam: ―isto é uma apostila mesmo!‖, outros 7
ainda correram para os textos e tirinhas, pedindo logo que fossem lidos, ao que pedi 8
um pouco mais de calma. 9
Foi muito bom perceber que se interessavam pelos textos e exercícios 10
propostos. Tal reação encheu-me de ânimo e de certeza de que as escolhas foram 11
acertadas. 12
A aula continuou na sala reservada para filmes, onde foram exibidos os 13
vídeos sobre a música de Teatro Mágico e sobre os diversos tipos de variação. 14
Após a audição da música, aproveitei a oportunidade para sondar com os 15
estudantes a respeito do conhecimento sobre a variação e sobre preconceito 16
linguístico. Muitos não sabiam sobre o tema e outros o conheciam de modo 17
superficial. Além disso, alguns declararam que já haviam sofrido preconceito pelo 18
modo como falavam. Um dos alunos, proveniente de São Paulo, relatou que, no 19
início do ano, os colegas sempre riam de seu sotaque paulista. Na ocasião, pude 20
destacar que todo mundo tem algum sotaque e que todas as formas de falar são 21
válidas. Dito isso, os estudantes começaram a perceber as sutilezas de sua fala e se 22
deram conta de que cada um tinha um modo particular de dizer as coisas. 23
Realizada a discussão sobre os diferentes sotaques, assistimos ao vídeo. 24
Enquanto eram mostradas as discussões sobre o conceito de língua, as noções de 25
certo e errado, os alunos faziam comentários sobre as diferenças regionais. O 26
interessante é que, no instante da conversa, outros colegas pediam silêncio, 27
querendo identificar qual o sotaque pertencia a eles. 28
Ao fim do documentário, foi possível ressaltar que as diferenças linguísticas 29
fazem parte da riqueza de nosso país e são influenciadas por diversos fatores. Além 30
disso, ficou evidente que é importante respeitar as peculiaridades de cada um. De 31
180
modo breve, pude salientar que há uma norma com maior prestígio entre a 1
sociedade e que é preciso saber usá-la, no momento adequado. 2
3
5.3.2 Segunda e Terceira Oficinas 4
5
Nessas oficinas, prossegui ainda com a explicação de aspectos da variação, 6
os quais não foram possíveis concluir na primeira oficina devido ao tempo. 7
A leitura das curiosidades da língua portuguesa foi muito proveitosa, pois os 8
alunos ficaram admirados ao saber que tantas pessoas falam a língua portuguesa 9
no mundo. Além disso, adoraram conhecer a maior palavra de nossa língua e 10
ficaram tentando repeti-la diversas vezes. Essa foi uma atividade para descontrair 11
um pouco, após a explicação um pouco longa do conteúdo. 12
A atividade sobre a análise dos textos referentes às variedades regionais já 13
era esperada. Os discentes se divertiram muito com os textos humorísticos, mas 14
perceberam também que a graça contida neles era provocada justamente pelo 15
exagero, ao reproduzir alguns sotaques. Eles se deram conta também de que muitas 16
informações são preconceituosas e criticaram o fato de julgarem todo baiano como 17
preguiçoso. Além do mais, foi interessante a percepção de que cada comunidade 18
tem um sotaque distinto, mesmo entre regiões tão próximas. 19
Fizemos uma análise ainda dos sotaques presentes na cidade. Foi 20
especialmente interessante o modo como perceberam que algumas pessoas, que 21
moram em uma região mais próxima a Minas Gerais, falam mais ―cantado‖, em suas 22
próprias palavras, já outros, mais distantes da fronteira, não apresentam essa 23
característica. 24
Outro ponto bastante discutido foi a existência de diversos níveis de 25
formalidade. Um aspecto positivo nesse quesito foi o fato de já estarem 26
familiarizados com a expressão ―linguagem coloquial‖. Por certo, os professores já 27
devem ter explorado a terminologia em outro momento. Pode parecer estranha essa 28
colocação, mas, ao mencionar tais termos com os educandos de outro município no 29
qual trabalho, notei que eles desconheciam totalmente seu significado. Então, é 30
possível que os professores de lá, diferentemente dos de Piripá, não tenham 31
adotado a mesma postura. Mas isso já é trabalho para outra pesquisa. 32
181
Os textos de humor sobre a adequação foram de suma importância para 1
problematizar e relativizar o uso de normas. Desta forma, pudemos ver que o uso 2
indiscriminado da variedade formal pode ser inadequado e causar transtornos, 3
quando aplicado a todos os contextos de interação verbal. Assim, os estudantes 4
passaram a compreender que, ao longo do dia, é necessário saber manejar as 5
diferentes normas, conforme os interlocutores, a situação e a estratégias 6
argumentativas específicas a cada interação. Logo, a carta escrita para um 7
namorado não tem a mesma linguagem que a direcionada a uma diretora da escola 8
ou a um presidente do país. 9
10
5.3.3 Quarta Oficina 11
12
A oficina de música causou agrado aos adolescentes. O gênero musical 13
parece ter o poder de libertar a alma das pessoas de suas mais severas prisões. 14
Assim, mesmo os mais tímidos se alegraram e deixaram se envolver pela canção de 15
alguma forma, seja com um sutil tamborilar de dedos, balançar de pernas ou com a 16
liberação da voz para os mais extrovertidos. 17
Foram apresentadas duas músicas: uma mais antiga e, talvez, menos 18
conhecida dos jovens e uma mais atual. Saudosa Maloca, de fato, era pouco 19
conhecida da maioria dos alunos, porém, ao contrário, do que se supunha, eles até 20
cantaram-na. Para esta atividade, foi solicitada a produção de uma notícia, com 21
base na história presente na letra cantada por Adoniran Barbosa. Chopis Centis de 22
Mamonas Assassinas foi ouvida e cantada pela maioria, que queria escutá-la 23
novamente: ―Passa de novo, professora!‖, diziam os mais animados. Esta gerou uma 24
discussão relevante sobre o dialeto de prestígio e a estigmatização sofrida por 25
aqueles que o desconhecem. 26
Os discentes despertaram a consciência em mão dupla. Primeiro de que eles 27
não devem discriminar o próximo pelo seu modo de falar e ,segundo, que eles 28
próprios podem ser os alvos da discriminação, caso não saibam utilizar 29
adequadamente as diversas normas da língua. 30
31
32
182
5.3.4 Quinta oficina 1
2
O último dia de aplicação da proposta de intervenção tornou-se um misto de 3
ansiedade e saudosismo. Todas as atividades foram organizadas e preparadas com 4
carinho e zelo para que tudo terminasse da melhor maneira possível. E antes 5
mesmo de chegar à escola, uma série de imagens projetava-se à mente e fazia-me 6
lembrar de todo a trajetória percorrida até aquele momento: dias longos de pesquisa 7
e escrita, mais outros tantos à procura de atividades interessantes e significativas 8
para o trabalho com variação, todo o processo de coleta e produção do material 9
didático a ser utilizado. Tudo isso percorria os caminhos de minha memória e 10
encaixava-se paulatinamente ao meu álbum de lembranças. 11
Assim, embriagada por diversas sensações adentrei ao colégio. Era o mesmo 12
onde sempre trabalhei, mas adquiria naquele instante os contornos de um 13
laboratório, cuja pesquisa desenvolvida trazia a expectativa da melhoria na 14
abordagem dos fenômenos de variação linguística. 15
Estava ainda na sala dos professores, quando uma das discentes veio 16
correndo até onde estava e, timidamente, me entregou uma cartinha. A aluna havia 17
feito ela mesma o envelope. Era possível notar o capricho em cada pedacinho. No 18
exterior, uma frase acariciou-me o coração: ―você é um exemplo de pessoa‖. A 19
carta, ainda mais linda, trazia expressões de agradecimento, carinho e saudades, 20
traduzidas em letras pequenas e caprichadas, além dos desenhos coloridos à mão. 21
Para aquela menina, eu era um exemplo! Não há recompensa maior para uma 22
professora do que uma retribuição terna como essa, embora reconheça os muitos 23
defeitos que tenho. 24
Chegando à sala de aula, os alunos receberam-me com alegria e, ao mesmo 25
tempo, perguntavam-me se aquele era mesmo último momento juntos. Outros 26
diziam que esses dias passaram rápido demais e que eu poderia continuar com 27
eles. Todas essas palavras acalantavam meu coração e traziam-me o regozijo de 28
saber que todo o esforço empreendido nesse projeto não foi em vão, mas de grande 29
valor, sobretudo para mim, enquanto docente-pesquisadora-docente. 30
Nesta última oficina, foi o momento da apresentação dos trabalhos realizados. 31
Desta maneira, os discentes mostraram o texto jornalístico feito por eles, com base 32
183
na música ―Saudosa Maloca‖. Apesar do pouco tempo para trabalhar o gênero 1
notícia, os alunos revelaram boa compreensão acerca da estrutura do texto e, em 2
grande parte, conseguiram fazer a transposição da história contada na música para 3
essa outra proposta textual. Alguns dos textos de reescrita produzidos foram 4
digitados e podem ser consultados nos anexos. 5
Além da notícia, foram entregues os dicionários de gírias antigas e modernas. 6
Os adolescentes, ao lerem algumas das gírias antigas, mostravam-se surpresos com 7
o modo como as pessoas falavam antigamente. Foi uma atividade muito frutífera, já 8
que abriu espaço na agenda do aluno para que pudesse agir como um pesquisador 9
e, desta forma, partilhar do olhar atento do observador. Assim, os estudantes 10
compreenderam, na prática, que a língua está em constante modificação. 11
Concluídas as apresentações, entreguei a mensagem final, lida com um nó na 12
garganta, mas com a tranquilidade da missão cumprida. Em seguida, foi o momento 13
de entrega das lembrancinhas. Os discentes as recebiam com um largo sorriso no 14
rosto e abraçavam-me com carinho e agradecimento. 15
Quando eu já me preparava para me despedir, uma das alunas pediu-me 16
espaço para uma apresentação. Ela, muito educada e talentosa, havia composto 17
uma música em minha homenagem. Qual não foi a minha surpresa, quando ela 18
pegou seu violão e cantou. Não pude me conter, a emoção tomou conta de mim e as 19
lágrimas percorriam minha face. Não há como explicar o que senti ao ouvir tão belas 20
pelas palavras. Durante os poucos minutos que durou a canção, meus pensamentos 21
voaram longe, para todo percurso trilhado até que me tornasse professora. Então, 22
concluí que, apesar de todos os percalços inerentes a essa profissão, tudo valeu a 23
pena. Aliás, como diria Fernando Pessoa ―tudo vale à pena, quando a alma não é 24
pequena‖. 25
26
27
28
29
30
31
32
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS 1
2
Sabemos que a sala de aula é um local onde a heterogeneidade linguística 3
torna-se muito evidente, visto que ali, não raras vezes, reúnem-se alunos de 4
diferentes origens, níveis e grupos sociais. Frente a tal situação, o professor 5
assume um papel fundamental, pois seu objeto de trabalho é a LP e a ele é dada a 6
função de formar sujeitos competentes para o exercício da cidadania, capazes de 7
utilizar de maneira consciente os diferentes padrões linguísticos nas suas interações 8
sociais. Desta sorte, apoiamo-nos mais uma vez nas palavras de Coelho et al (2015, 9
p. 152), ao afirmarem que ―o domínio dos postulados sociolinguísticos básicos (e 10
seus desdobramentos e implicações) é o mínimo que se espera do professor de LP, 11
nos dias atuais‖. 12
O professor no exercício da sua docência é, antes de tudo, um pesquisador, 13
um cientista da língua. Embora não possa tomar distância deste objeto de estudo, 14
visto que também opera sobre ela modificações nas interações sociais, não pode 15
sujeitar-se a definições simplistas. Seu olhar deve estar sempre atento aos fatos 16
sociais, implicados na variação/ mudança da língua. Salientamos que, quando 17
falamos em mudança, não estamos querendo com isso dizer que houve uma 18
―evolução". A tal terminologia nos parece estar incorporada uma ideia de progresso, 19
como se a mudança de um termo ao longo do tempo fizesse com que ele saísse de 20
um estágio inferior, pior e menos evoluído, para um estágio superior, melhor na linha 21
evolutiva. Na verdade, nenhum termo é menos ou mais evoluído em relação a outro, 22
ele é apenas um vocábulo que sofreu ou sofre variações e/ou mudanças, no intuito 23
de atender às demandas sociais dos seus falantes envolvidos em um processo 24
interativo. 25
É válido lembrar que, em épocas passadas, a maioria do corpo docente de 26
uma instituição escolar era composta por profissionais sem nível superior, ensinando 27
muito mais pela intuição do que pela formação acadêmica. Ao longo dos anos, 28
muitas políticas públicas foram lançadas no esforço por rever essa conjuntura. E 29
obtiveram sucesso. Hoje, é muito raro encontrar na sala de aula um mestre sem uma 30
formação básica superior. Isto é, sem dúvidas, muito significativo para a educação, 31
de maneira geral. 32
185
Na universidade, estes professores, então discentes, muito provavelmente, 1
participaram de discussões a respeito das novas tendências de ensino - 2
aprendizagem centradas nos saberes e competências do educando, em interação 3
com o contexto sócio-histórico discursivo no qual se insere. Se a formação do 4
profissional deu-se após a década de 80, com a consolidação da Sociolinguística no 5
Brasil, é bem possível que também tenha desenvolvido reflexões a respeito da 6
natureza social e heterogênea da língua e das implicações do ensino para o 7
reconhecimento e valorização de todos os usos dela decorrentes, em função das 8
diversas situações interlocutivas. 9
Em relação à sala de aula, poderíamos dizer que é um microcosmo da 10
sociedade. A resistência à mudança desvelada pela prática educativa de muitos 11
professores não passa de um simulacro do que ocorre entre os indivíduos em esfera 12
social. Mesmo diante de todos os avanços ocorridos a partir das discussões da 13
teoria sociovariacionista, o cenário é de uma sociedade extremamente conservadora 14
e engessada na concepção de um modelo conservador de ensino, o qual não 15
funciona mais, porém persiste indistintamente como sendo o ideal. Um fato 16
importante a ser lembrado é que, mesmo diante de um cenário árido como esse, as 17
discussões sobre os fenômenos linguísticos aos poucos surgiram. 18
Ainda assim, longe do que ocorre em áreas do saber como a medicina ou a 19
arquitetura, por exemplo, em que as pessoas sem conhecimento científico 20
aprofundado do assunto, na maior parte das vezes, compreendem e aceitam 21
satisfeitas as mudanças oriundas das pesquisas científicas que trazem benefícios 22
para a saúde ou para a construção, em termos de língua, muita gente reclama o 23
status de autoridade (mesmo sem qualquer base teórica apreensível!) e deslegitima 24
as variações e mudanças linguísticas ocorridas ao longo do tempo, da história e das 25
demandas interacionais surgidas pelo estabelecimento de novas relações sociais. 26
Desta sorte, acaba por prevalecer, em boa parte dos casos, o senso comum, 27
cercado de distorções, estigmas e preconceitos, sobre o conhecimento científico, 28
fruto de anos de estudo sobre a língua. 29
Afora esse cenário um pouco árido, destacamos que há indícios de que os 30
horizontes que se descortinam ao campo do ensino de LP, são bem mais 31
animadores. 32
186
A trajetória percorrida por nós, durante a análise, revela um cenário que, aos 1
poucos começa a se modificar. 2
Os livros mais recentes já apresentam importantes avanços quanto ao 3
tratamento da variação linguística, quando comparados ao primeiro exemplar 4
lançado antes do surgimento da teoria da Sociolinguística. 5
Além disso, o cotejo entre a entrevista das duas professoras revela uma 6
mudança de postura muito significativa. A docente em atuação e com acesso ao 7
mestrado demonstrou respeito à diversidade linguística, relevante conhecimento de 8
termos inerentes aos pressupostos de Labov, reconhecendo a língua como 9
heterogênea, enfatizando a importância de um trabalho contextualizado com a 10
gramática, bem como da discussão sobre preconceito linguístico. Já em relação à 11
primeira informante, aposentada e sem formação universitária, é importante sinalizar 12
dois aspectos. Por um lado, traçando um comparativo entre a realidade atual e o seu 13
contexto de atuação, podemos dizer que ela mostrou desconhecimento da teoria e 14
uma metodologia descontextualizada e pautada no ensino da gramática tradicional. 15
No entanto, por outro lado, se olharmos apenas para a atuação da docente em 16
referência às demais professoras da época, podemos considerá-la ativa, 17
preocupada com a qualidade do ensino e sensível às diferenças entre os alunos. 18
Logo, constatamos que, de fato, a teoria muito colaborou para o 19
desenvolvimento de uma perspectiva mais significativa de ensino-aprendizagem. 20
Quanto à proposta de intervenção, os alunos demonstraram interesse pelas 21
atividades, compreensão sobre as discussões propostas e revelaram-se dispostos a 22
respeitar à diversidade linguística, fato que, no início, eles relataram que não ocorria. 23
Entendemos, portanto, que atividades obtiveram sucesso dentro do esperado, 24
embora saibamos que sempre podemos aprimorá-las. 25
Ao investigarmos os três componentes essenciais da educação, quais sejam: 26
alunos, professores e livros didáticos, testemunhamos que as sementes outrora 27
lançadas pela Sociolinguística criaram raízes sob o solo da educação escolar. 28
Muitas cresceram e ganharam corpo, desenvolvendo-se em frondosas árvores (são 29
os muitos pesquisadores e mestres que se dedicam a cultivá-la com amor); outras 30
apresentam-se ainda pequenas, porém firmes, à espera do primeiro fruto ( são os 31
professores, em sala de aula, que vão formando, aos poucos, o pomar da variação); 32
187
outros ainda encontram-se começando a vencer a terra e receber a luz da 1
diversidade (são aqueles que ouvem reticentes as propostas feitas pela 2
Sociolinguística); há também aqueles cuja semente parece não querer vigorar, pois 3
encontram-se cercados pelas ervas daninhas do purismo e do preconceito (são os 4
que se negam a aceitar a diversidade). Assim, entre diferentes estágios de 5
crescimento, aos poucos, o plantio vai se tornando a cada dia mais vasto e mais 6
frutífero. 7
Após todo esse tempo de dedicação ao cultivo, podemos dizer, em suma, que 8
revolvido o solo da variação linguística no ensino de Língua Portuguesa, entre tantos 9
frutos colhidos, estamos certos de que muitos outros ainda virão decorrentes de 10
outras tantas pesquisas, de novos olhares. O campo do saber é vasto e 11
extremamente fértil. O território da língua é, por sua vez, aberto à diversidade, à 12
variação e à mudança conforme as palavras ganham novos sabores, novas cores, 13
conforme os falantes descobrem diferentes e instigantes formas de cultivá-la. 14
Diante disso, sabemos que essa discussão não se esgota aqui, nem foi essa 15
a nossa intenção. Mas esperamos que este trabalho possa contribuir para o 16
reconhecimento e o tratamento respeitoso da heterogeneidade constitutiva da língua 17
e para a construção de uma pedagogia culturalmente sensível quanto ao fenômeno 18
da variação e mudança linguística, em todos seus aspectos. Enfim, ansiamos para 19
que não falte quem regue com carinho e dedicação cada semente lançada, cada 20
muda em fase de crescimento. Que não falte a luz da sabedoria sobre os que lidam 21
com questões linguísticas diariamente. E que as futuras colheitas sejam fartas. 22
Assim, haverá sempre doces frutos a serem colhidos e saboreados à sombra da 23
diversidade. 24
25
26
27
28
29
30
31
32
188
REFERÊNCIAS 1
2
ALKMIN, Tânia. Sociolinguística. Parte I. In: MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Ana 3
Christina. (orgs). Introdução à linguística: domínio e fronteiras. São Paulo: Cortez, 4
2001, p. 21-47. 5
6 ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola 7
Editorial, 2003. 8
9
______. Gramática contextualizada: limpando o pó das ideias simples. São Paulo: 10
Parábola Editorial, 2014. 11
12
13 BAGNO, Marcos. O preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: 14
Edições Loyola, 2001 15 16 ______. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. 17
São Paulo: Parábola editorial, 2007. 18
19 ______. Gramática: passado, presente e futuro. Curitiba: Aymará, 2009. 20
21
BACHELET, Mário (org).em colaboração com NUNES, José de Sá. Língua 22 Portuguesa: GRAMÁTICA. São Paulo: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1943. 23
24 BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, N. V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: 25 Hucitec, 2006. 26
27 BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 11.ed.São Paulo: 28
Ática,2000 29 30 BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?: 31
sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 32 33
______. Variação linguística e atividade de letramento em sala de aula. In.: 34 KLEIMAN, Ângela. Os significados do letramento. São Paulo: Mercado das Letras, 35
2006. 36 37 ______Por que ensinar linguística em sala de aula. Publicado em 26 de maio de 38
2011. Disponível em: 39 www.stellabortoni.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3124:por-40
que-ensinar-variacao-linguistica-em-sala-de-ula&catid=45:blog&Itemid=1 Acesso 41 em: 25 de novembro de 2014 42
43 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: 44
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de 45
Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. 46
189
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e linguistica. 39 ed. São Paulo: Scipione, 1989 1
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução Marcos 2
Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. 3
COELHO, Izete Lehmkuhl et al. Sociolinguística. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 4
2010.Disponível em: 5
http://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Sociolingu%C3%ADstica_UFSC.pdf. 6
COELHO, Izete Lehmkuhl et al . Variação linguística e ensino de língua. In.: 7
______. Para conhecer sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015, p. 135-165. 8
COELHO, Paula Maria Cobucci Ribeiro. O tratamento da variação linguística nos 9
livros didáticos de português. (Dissertação de mestrado). Brasília, 2007. 10
DELAMANTO, Dileta; CASTRO, Maria da Conceição. Português: ideias & 11 linguagens. São Paulo: Saraiva, 2005. 12
13 DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia Completa - Rio de Janeiro. Nova 14
Aguilar, 2002, p. 1089 15 16 FARACO, Carlos Alberto. Norma Culta Brasileira: desatando nós. São Paulo: 17
Parábola Editorial, 2008. 18 19 ______. Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. 20
Organização Ana Maria Stahl Zilles, Carlos Alberto Faraco. São Paulo: Parábola 21
Editorial, 2015. 22 23 FARACO, Carlos Emílio. Comunicação em Língua Portuguesa. 3.ed. São Paulo: 24
Ática, 1987. 25
26 ______. Linguagem Nova. São Paulo: Ática, 1994. 27
28 ______. Linguagem Nova. São Paulo: Ática, 2000. 29
30 ______. Português nos Dias de Hoje. São Paulo: Leya, 2012. 31
32 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXI Escolar: o 33
minidicionário de Língua Portuguesa. 4.ed.rev.ampliada. Rio de Janeiro: Nova 34 Fronteira, 2001. 35
36
FIORIN, José Luiz. Considerações em torno do projeto de lei nº1676/99. In. 37
FARACO, Carlos Alberto. Português nos Dias de Hoje. São Paulo: Leya, 2012. 38
FRANCHI, Carlos; NEGRÃO, Esmeralda Vallati; MULLLER, Ana Lúcia. Mas o que é 39 mesmo ―gramática‖? In.: _______. Mas o que é mesmo “gramática”? São Paulo: 40
Parábola Editorial, 2006. 41
190
1 GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2
1997. 3 4 GONZÁLES, César Augusto. Variação linguístca em livros de português para EM. In: 5
FARACO, Carlos Alberto [Et AL]. Pedagogia da variação lingüística: língua, 6
diversidade e ensino/ Organização Ana Maria Stahl Zillles, Carlos Alberto Faraco. 7 São Paulo: Parábola Editorial 2015. 8 9 KOCH, Ingedore Grunfield Vilaça. Desvendando os segredos do texto. 2.ed. São 10
Paulo: Cortez, 2003. 11
12 LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. Trad. Marcos Bagno, Maria Marta 13
Pereira Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008 [1ªed.: 14
Sociolinguistic patterns Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972]. 15 16 LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Métodos de coleta de dados: observação, 17
entrevista e análise de dados. In:____ Pesquisa em Educação: Abordagens 18 qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 19
20 MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1992. 21
22 MARCUSCHI, Luiz A. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco ―falada‖. In.: 23 DIONÍSIO, Ângela Paiva & BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs). O livro didático de 24 português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. 25
26 27 NEVES. M. H. de M. Norma, uso e gramática escolar. In: _____. Que gramática 28
estudar na escola? São Paulo: Contexto, 2003. p. 79-163. 29
30 ORLANDI, Eli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4.ed. 31
Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. 32 33 OLIVEIRA, Pedro Derci de. A variação lingüística no Brasil. In.: ROCANTATI, 34
Claudia; e ABRAÇADO, Jussara (organizadoras). Português Brasileiro II: contato 35
lingüístico, heterogeneidade e história. Niterói. EdUFF, 2008. 36
POSSENTI, Sírio. Porque (não) ensinar gramática na escola. Campinas, São Paulo: 37
Mercado de Letras, 1996. 38 39 RAMOS, H. Por uma vida melhor. Coleção Viver, aprender. V6_un1_CS4. indd, 40
2011 41 42 SAUSSURE, Ferdiand. Curso de lingüística geral. São Paulo: Editora Cultrix, 2003. 43
44 SCHERRE, Maria Marta Pereira. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação 45
linguística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 46 47
191
SCHNEUWLY, B; DOLZ, j. A respeito do ensino oral. In.: FARACO, Carlos Alberto. 1
Português nos Dias de Hoje. São Paulo: Leya, 2012. 2 3 SILVA, Jorge Augusto Alves. A concordância verbal de terceira pessoa do plural no 4 português popular do Brasil: um panorama sociolinguístico de três comunidades do 5
interior do estado da Bahia. Tese (Doutorado), Universidade Federal do Estado da 6
Bahia, Salvador: Instituto de Letras, 2005. 7 8 SOUSA, Hulda Cyrelli de. Língua Portuguesa, 2. Tatuí, SP: Casa Publicadora 9
Brasileira, 2005. 10 11 TARALLO, Fernando. A pesquisa socio-linguística.7.ed. São Paulo: Ática, 2005. 12
13 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de 14
gramática. 11.ed. São Paulo: Cortez,2006. 15 16
TRIPP, David. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 17
2005. (Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a09v31n3.pdf.> Acesso 18
em: 25 de novembro de 2014 19 20
21 22 23
24 25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
192
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
APÊNDICE 17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
193
Apêndice 1 1
2
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PROFESSORA APOSENTADA 3
4
Pesquisadora: Raquel Aparecida Viana Pereira 5
Orientadora: Professora Dra. Valéria Viana Sousa 6
Coorientador: Professor Dr. Jorge Augusto Alves da Silva 7
Projeto: A variação linguística no ensino de língua portuguesa: uma análise 8
diacrônica das décadas de 40, 80, 90, 2000 e 2010 9
10
Dados do(a) informante 11
12
13
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA 14
15
1º. Os professores participavam naquela época de algum curso de 16
aperfeiçoamento? Se sim, como eram realizados estes cursos? 17
E. Quando surgiu a teoria do construtivismo, nós fomos fazer um curso em 18
Salvador. Este curso durou um ano. Além disso, teve curso também em Guanambi 19
e Caetité. Estudamos muito sobre o construtivismo, Piaget, Vygotsky para saber 20
como é que a criança aprendia. Todas as despesas do curso eram pagas pelo 21
governo e os professores recebiam um incentivo financeiro para participarem, tanto 22
em dinheiro quanto em acréscimo salarial. Eu me interessava e gostava de 23
Nome completo I. S.L. P.
Data de nascimento 68 anos
Formação acadêmica
2º grau completo
com cursos de formação
Ano de atuação 1977 a 2002
Séries em que leciona 1ª e 4ª séries, da 5ª ao 3º ano magistério
Escola de atuação E. M. Professor Solón Gumes de Morais, E. M. Edgar
Santos.
Cidade onde trabalha Piripá e São João do Paraíso
194
participar, mas a maioria dos professores só ia pelo dinheiro e para aproveitar o 1
passeio. Eles não se interessavam pelo método novo, não queria deixar o trabalho 2
que estavam fazendo. 3
4
2º. Quando você trabalhava, existia algum documento que indicava quais os 5
conteúdos a serem trabalhados? Qual? 6
E. Não, não havia nada que determinasse os conteúdos a serem trabalhados. A 7
gente pegava os conteúdos e inseria o ensino moderno. Naquele tempo, usávamos 8
só quadro de giz e cartaz, mas eu fazia o melhor possível para demonstrar com 9
mais realidade um assunto como Vulcão, por exemplo. Fazia uma experiência com 10
cartolina e bicarbonato de sódio, eu fui a primeira a fazer isso. E os alunos 11
adoravam. Eu usava muita música também. Quem primeiro introduziu o conceito 12
de estudar palavras no contexto fui eu, o de palavração, os outros usavam método 13
alfabético e de silabação. 14
15
3º. Qual critério de escolha do livro? 16
E. No início, o governo mandava o livro que eles escolhiam. Depois eles 17
mandavam opções e a gente é que escolhia. Não me lembro qual critério que a 18
gente utilizava, se o autor, se folheava. Acho que era o que correspondia mais à 19
realidade. Havia um menino que gostava de palavras de fazenda, ele era 20
paraplégico e tinha dificuldade de aprender, mas eu não estava preparada para 21
ensiná-lo, porque eu poderia ter feito um trabalho individual, mais contextualizado 22
com ele. O ensino baseado em métodos antigos atrasava a aprendizagem do 23
aluno. 24
25
4º. O livro didático abordava alguma questão relativa à variação linguística? 26
E. Variação de quê? 27
P. O modo de falar... 28
E. Eu mesma fiz um trabalho com o vocabulário da região com as palavras que o 29
povo, principalmente da zona rural usava. Mas não tinha esse conteúdo no livro, a 30
gente é trabalha, de acordo com o conteúdo trabalhado. Antes dos cursos, o 31
professor era o que sabia de tudo e dava respostas prontas, depois o professor 32
195
passou a ser um mediador, que construía o conhecimento junto com o aluno, 1
questionando, elogiando. A mudança de postura foi um sucesso! 2
3
5º. Qual a concepção de gramática adotada pelos professores da época? 4
E. Naquela época, gramática era escrever certo ou errado. Havia mais palavras 5
isoladas, pouco texto, a criança pouco lia, o adulto pouco lia. 6
7
6º. Qual a concepção de norma culta? 8
E.A norma culta, naquela época era falar correta, ter um discurso coerente. Usava 9
mais os termos formal e informal. 10
11
7º. Qual era o objetivo de ensinar língua portuguesa? 12
E. Ensinar para aprender a se comunicar com clareza, corretamente, de acordo 13
com a gramática, construir textos coerentes. 14
15
8º. Como eram realizadas atividades de gramática, leitura, produção de textos 16
orais e escritos naquele tempo? 17
E. Explicávamos o conteúdo no quadro e passava o exercício no caderno. 18
No início, havia pouca atividade de leitura, porque o livro não tinha texto. Era só a 19
gramática, no final eles tinha livros e faziam a leitura. A produção no texto, no 20
início, a gente dava um tema e eles escreviam, depois passamos a fazer textos 21
sobre datas cívicas. A redação, depois do curso, a gente aproveitava sempre uma 22
situação, passeio, e pedia para descrevem o que viram. 23
24
9º. Eram feitas atividades para a diferenciação entre fala e escrita? Como 25
eram feitas? 26
A gente ensinava o jeito de falar certo e de escrever. Quando os alunos escreviam 27
errado, no início a gente corrigia em casa e colocava as palavras que eles erraram 28
para eles escreverem. Depois de algum tempo, a gente sublinhava as palavras que 29
erravam e pedia para eles formarem frases com elas. 30
31
32
196
10º. Quais os conteúdos ensinados nas aulas de LP? 1
E. Eu creio que os conteúdos eram os mesmos de hoje. A gente só mudava a 2
metodologia, por exemplo: pedia para sublinhar um substantivo no texto. Com o 3
tempo, a gente fazia jogos, pra ficar mais divertido. Nos incentivaram muito a que as 4
aulas fossem mais um instrumento de prazer do que de obrigação. 5
6
11º Havia, na sala, alunos com diferentes jeitos de falar? Diferentes dialetos? 7
E.Tinha, naquela época, tinha muita diferença cultural entre os alunos da zona rural 8
e os da zona urbana, inclusive eu tinha uma turma de que eu gostava muito. Nessa 9
turma, tinha alunos que falavam muito errado, era a turma da matinha, eles tinham 10
um sotaque e tinham alunos que queriam estudar e chamavam eles de 11
matinheiros.. Mas não deixava, eu defendia eles. Era a turma que eu mais gostava. 12
13
12º Havia, entre os alunos, alguma espécie de preconceito lingüístico? 14
E. Sim tinha muito, um aluno mesmo saiu da sala por causa dos alunos da 15
matinha. Ele disse que não ia estudar com eles porque falavam errado. E eram 16
meninos e meninas bem, assim, empenhados. Mas esse pessoal sofreu muito 17
preconceito, o bullying que se chama hoje. O povo também não estudava muito, só 18
as meninas que iam ficando moças. Os alunos chamavam os da zona rural de 19
matinheiros porque eles falavam um pouco errado e eles (da cidade) falavam mais 20
certo. Até porque os professores da zona rural eram mais leigos, tinha professor 21
que nem primeira série ensinava, então como eles poderiam falar certo? 22
P. Então, os professores da zona rural não tinham a mesma formação que os da 23
cidade? 24
E. Não. Os pais não empenhavam, só os da cidade. Eu tiro o chapéu para o 25
pessoal da zona rural porque eles desenvolveram na raça. 26
27
13º Se existia, qual era o procedimento adotado? Quando os alunos faziam 28
alguma piada, o que a senhora fazia? 29
E. Eu brigava, eu defendia, eu elogiava. Falava da dedicação e do esforço para vir 30
pra cidade. Eu sempre valorizei a pessoa batalhadora; Eles eram muito direitos, 31
amigos. Eu não podia também menosprezar os daqui (cidade). Mas depois que esse 32
197
menino saiu, eu achei até bom, porque o rendimento foi muito melhor, ele 1
atrapalhava, ficava o tempo todo querendo sair, emburrado. Eu acho que não 2
conseguia transferência. Até que ele conseguiu porque ele ameaçou até sair da 3
escola. Mas os alunos eram muito discriminados, eles eram diferentes mesmo. 4
Tinham muito sotaque diferente, um sotaque vocal, falavam errado, mas eram 5
meninos bem cheios de vontade, que pupila dos olhos deles chegava crescer muito 6
esforçados, que tinha sede de aprendizado. E o professor gosta de aluno assim, o 7
professor consciente do seu trabalho. 8
9
14º. Quando o aluno falava de forma diferente, o que a senhora fazia? 10
E. Eu não falava, mas a gente pediu orientação no curso e eles nos falaram para 11
quando o aluno falar a palavra errado não corrigir no mesmo momento, usar aquela 12
palavra em outro contexto e usava a mesma palavra, falando devagar, de modo bem 13
sutil. 14
Por exemplo, quando eles falavam: ―que horas nóis vai tal coisa?‖ Eu falava ―ô 15
fulano..nós vamos...‖, mas, assim, de uma forma bem sutil, carinhosa, pedagógica. 16
Já imaginou? Se eu fosse corrigir? De jeito nenhum! Já tinha os meninos que 17
falavam deles, mas eram poucos porque não encontravam espaço. 18
Mas eu já ouvi dizer que tinha os professores que falavam: não é assim que fala não 19
menino! 20
Mas também as pessoas são influenciadas pelo meio, a menina de Bartira, por 21
exemplo, falava tão errado, que todo mundo morria de rir, mas é normal porque a 22
avó falava assim, então é normal, pois se, no ambiente dele, as pessoas falavam 23
errado. Outras crianças falam certo, porque os pais já falam certo e é gente da zona 24
rural, mas você precisa ver com fala, fico admirada de como ele fala muito certo. O 25
pai não fala certo, mas a mãe já fala certo, então acho que mãe deve puxar a 26
orelhinha e você precisa ver como ele fala certo. 27
28
15º. Quando a senhora foi trabalhar em Minas, eles não sentiam diferença do 29
seu jeito de falar? 30
Sentiam um pouco, mas eles achavam que a minha fala era meio misturada, com 31
Minas e Bahia. Mas Piripá, eles falam do pessoal fala as palavras muito incompletas, 32
198
por exemplo ―dent‖, ―pent‖. Lá em Minas, eles exigiam o professor falar com bem 1
clareza. Minha fala, eles não criticavam não. Naquele tempo, os filhos dos 2
professor, diretor, prefeito tudo estudam na escola pública. A gente foi muito treinado 3
pelo governo naquela época. 4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
199
Apêndice 2 1
2
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PROFESSORA EM ATUAÇÃO (2016) 3
4
Pesquisadora: Raquel Aparecida Viana Pereira 5
Orientadora: Professora Dra. Valéria Viana Sousa 6
Coorientador: Professor Dr. Jorge Augusto Alves da Silva 7
Projeto: A variação linguística no ensino de língua portuguesa: uma análise 8
diacrônica das décadas de 40, 80, 90, 2000 e 2010 9
10
Dados do(a) informante 11
12
13
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA 14
15
1º. Hoje, os professores participam de algum curso de aperfeiçoamento? Se 16
sim, Há vários cursos e o professor escolhe em conformidade com o seu 17
interesse e necessidade? Ou há, em um determinado período, uma única 18
unidade temática e o professor deve fazer? 19
E: Atualmente, não há oferta de curso de aperfeiçoamento, com áreas temáticas 20
variadas e de interesse do professor. O que acontece, de fato, que o professor 21
precisa participar. 22
23
Nome completo L.P.S
Data de nascimento 19 de junho de 1986
Formação acadêmica
Mestre em Língua Portuguesa
Ano de atuação 2009/2015/2016
Séries em que leciona 6º ano/ aceleração 5ª/6ª e 7ª/8ª
Escola de atuação
Colégio Municipal Dep. Luís Eduardo Magalhães
Cidade onde trabalha Piripá
200
2º. Que critérios são adotados ao realizar a escolha do livro didático? 1
E: Cada professor, ao analisar o livro didático, o faz com alguma perspectiva. Ao 2
fazer a escolha pessoal, esta é discutida com os demais professores para que, 3
juntos, encontrem um critério comum, que seria: textos interessantes, variados 4
gêneros textuais, estudo gramatical contextualizado, atividades com variação 5
linguística etc. 6
7
3º. Você reconhece a língua Portuguesa como heterogênea? E, em sua escola, 8
como os professores pensam a língua? Como homogênea, reconhecendo 9
apenas uma única norma e dedicando-se ao ensino de uma norma, ou 10
heterogênea, reconhecendo a diversidade presente, seja geográfica, social, 11
entre outras? 12
E: Reconheço que a Língua portuguesa é heterogênea e a diversidade, presente 13
em nossa sala de aula, nos faz fortalecer essa ideia. Contudo, não são todos os 14
professores que pensam dessa forma, e acreditam que o ensino-aprendizado de 15
Língua Portuguesa é homogêneo e ―engessado‖. 16
17
4º. O livro didático aborda alguma questão relativa à variação linguística? 18
Como é feita essa abordagem? 19
E: O livro didático, o qual trabalhei mais recentemente, aborda a questão da 20
variação de forma sucinta, sem abordagens mais aprofundadas e sem grandes 21
ofertas de atividades. 22
23
5º. Qual a concepção de gramática adotada pelos professores de hoje? 24
E: Há alguns professores que ainda compreendem a gramática como um 25
conjunto de regras a serem estudadas, contudo, existem outros, poucos, que 26
procuram trabalhar a gramática considerando as suas variações e suas 27
especificidades. 28
29
30
31
32
201
6º. Qual a concepção de norma culta? 1
E: Esse termo, infelizmente, é muito confundido entre professores, acreditando 2
que a norma culta seja o mesmo que a norma padrão, um conjunto de regras 3
usado para ensinar a falar ―corretamente‖. 4
5
7º. Qual é o seu objetivo ao ensinar língua portuguesa? 6
E: Que o aluno entenda o funcionamento da língua, que se sinta seguro e 7
consciente de que é falante dela e que precisa compreender suas regras e 8
estruturas, não para abandonar o antigo, mas saber usá-la de acordo e conforme 9
a necessidade. 10
11
8º. Como são realizadas atividades de gramática, leitura, produção de textos 12
orais e escritos, em sua sala de aula? 13
E: Eu procuro aproximar o aluno do contexto em que será trabalhado, leitura de 14
forma coletiva e dinâmica e produção de texto participativa. 15
16
9º. São feitas atividades para a diferenciação entre fala e escrita? Se sim, como 17
são feitas? 18
E: Os alunos ainda são bastante resistentes às atividades orais, seja por timidez 19
ou até mesmo por escolha de não se expor entre os colegas. Assim sendo, 20
propondo atividades que necessitem da opinião de cada um, fazemos discussões 21
coletivas, para depois, partirmos para o texto escrito. 22
23
10º. De modo geral, quais os conteúdos ensinados nas aulas de Língua 24
Portuguesa? 25
E: Os professores de Língua Portuguesa, muitas vezes, obedecem ao programa 26
da escola, que valoriza bastante o ensino de regras gramaticais. Contudo, dentro 27
desse sistema, há outros que tentam mesclar o exigido com questões de 28
variação. 29
30
31
202
11º. Há, na sala, alunos com diferentes jeitos de falar? Diferentes dialetos? 1
Quais você identificou? 2
E: Sim, com certeza, somos todos uma mistura e, isso ocorre também na fala. Há 3
alunos que possuem dialetos regionais diferentes, culturais, religiosos etc. 4
5
12º. Há, entre os alunos, alguma espécie de preconceito linguístico? Se 6
houver, de que forma esse preconceito acontece e qual é o procedimento 7
adotado por você, na condição de professora? 8
E: Embora esse não seja um conteúdo desconhecido dos alunos, há sempre 9
alguns alunos que gostam de se divertir com o dialeto de algum colega, seja ele 10
porque é engraçado, ou acha que seja incorreto. Isso acontece com frequência e 11
a minha posição é sempre discutir, propor atividades para que os estudantes 12
aprendam a respeitar a diversidade linguística. 13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
203
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB 2
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS 3 Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – DELL 4
Campus de Vitória da Conquista, Estrada do Bem-querer km 04, s/n, Bairro Universitário 5 Tel. (77) 4248659 - e -mail: [email protected] 6
CEP: 45 083 - 900 – Vitória da Conquista – Bahia – Brasil 7 8
PLANO DE AULA (OFICINA 1)
Colégio Municipal Luís Eduardo Magalhães
Disciplina Ano/série Ensino C.H
Língua Portuguesa 8º ano/7ª série Ensino Fundamental II 4 aulas
Docente Raquel Aparecida Viana Pereira
10
11
Conteúdo Variação Linguística (introdução)
OBJETIVOS
Objetivos Gerais Compreender a língua como um sistema heterogêneo,
passível de variação e mudança linguística.
Respeitar e valorizar os diferentes falares brasileiros.
Objetivos específicos
Reconhecer a diversidade linguística constitutiva da
Língua Portuguesa brasileira;
Perceber a existência de outras línguas faladas no
Brasil, além do Português;
Identificar os diferentes tipos de variação (social,
regional, entre fala e escrita, estilística e diacrônica)
presentes na sociedade;
Refletir sobre a noção de erro, compreendendo que não
existe uma norma superior a outra, mas contextos de
adequação ao seu uso;
Reconhecer que o preconceito linguístico é uma forma
infundada de discriminação e que, portanto, deve ser
eliminado de nossas práticas sociointeracionais.
Apêndice 3
204
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Apresentação da professora e da proposta de trabalho, como parte do projeto de
Mestrado, ressaltando a importância dos alunos como parte desse projeto;
Distribuição de mensagem inicial ―A pedra‖;
Reflexão sobre a mensagem, ressaltando que é o modo como agimos diante dos
obstáculos e dificuldades que encontramos em nosso caminho que faz a diferença
sobre os resultados atingidos;
Exibição do vídeo com a música ―Zaluzejo‖, de Teatro Mágico.
Reflexão sobre a música, a partir de questões direcionadas aos alunos, procurando
investigar qual é a compreensão de língua que tem, se eles já estudaram o conteúdo
―Variação linguística‖, se já ouviram falar de ―preconceito linguístico‖, se já sofreram
algum tipo de preconceito;
Exibição do vídeo ―Atlas linguístico brasileiro‖;
Reflexão sobre a língua portuguesa e sua diversidade, a partir do vídeo, mostrando as
diferenças existentes no modo como a língua é usada por diferentes falantes;
Realização de uma ―Chuva de ideias‖ em torno da expressão ―Variação linguística‖.
Assim, deve ser escrita a palavra no quadro e estimular os alunos para que possam
dizer o que associam a ela. Em seguida, reunir as sugestões e formular uma definição;
Distribuição de material encadernado, contendo o conteúdo e exercícios a serem feitos
sobre o assunto;
Explicação participada sobre o assunto, pontuando os diversos tipos de variação;
Exposição de mural intitulado ―Variação Linguística‖;
Explicação sobre o mural, informando aos alunos que eles deverão recortar e/ou anotar
todo tipo de variação que encontrar, seja na música, no humor, nos diálogos do dia-a-
dia e levar para a sala de aula, para compor o referido mural. Isto poderá ser feito ao
longo das oficinas;
Formação de equipes de alunos, com até 5 componentes, para realização de trabalho
de pesquisa;
Distribuição do roteiro de pesquisa e criação do dicionário de gírias;
Leitura do roteiro e explicação sobre o trabalho de pesquisa que os alunos deverão
fazer para entregar no último dia de oficina.
Recursos:
DVD;
Encadernação, contendo o conteúdo e exercícios;
205
Lápis, borracha.
Mensagem impressa;
Mídias com os vídeos de Teatro Mágico e sobre variação linguística;
Pincel;
Quadro;
TV.
Avaliação:
A avaliação será feita de forma processual, isto é, em todos os momentos em que os alunos
estiverem participando das discussões indicadas e individualmente por meio da correção das
produções dos alunos de acordo com a proposta apresentada.
Referências:
CEREJA, William Roberto. Gramática reflexiva: volume único/ William Roberto Cereja,
Tereza Cochar Magalhães. 3ª ed. São Paulo: Atual, 2009.
Sites consultados:
Atividade Zaluzejo. Disponível em: http://ufpr.sistemaspibid.com.br/site/projects/15/posts/180.
Acesso em: 04 de setembro de 2016
Chuva de ideias. Disponível em Oficina 3 – Variação linguística:
http://files.comunidades.net/alfabetizacaotempocerto/Oficina3_VariacaoLinguistica.pdf. Acesso
em: 04 de setembro de 2016
Conceito de notícia. Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/redacao/o-jornal-noticia.htm.
Acesso em: 04 de setembro de 2016
Conceito de gíria - Disponível em: http://conceito.de/giria#ixzz4Ieonx3JJ. Acesso em: 04 de
setembro de 2016
Curiosidades da língua portuguesa. Disponível em:
http://educacao.uol.com.br/album/2015/05/29/veja-curiosidades-da-lingua-
portuguesa.htm#fotoNav=9. Acesso em:04/09/16
Mapa dos países lusófonos. Disponível em:
http://www.teiaportuguesa.com/manual/unidade12lusofonia/unidade12.htm. Acesso em:
04/09/16
Vídeo: Atlas linguístico brasileiro. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=K5beIFJpPqY. Acesso em 30 de julho de 2016.
Vídeo: Zaluzejo de Teatro Mágico. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=UdsxywBK2D4 Acesso em 30 de julho de 2016.
206
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB 2 MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS 3
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – DELL 4 Campus de Vitória da Conquista, Estrada do Bem-querer km 04, s/n, Bairro Universitário 5
Tel. (77) 4248659 - e -mail: [email protected] 6 CEP: 45 083 - 900 – Vitória da Conquista – Bahia – Brasil 7
8
9
10
PLANO DE AULA (OFICINA 2)
Colégio Municipal Luís Eduardo Magalhães
Disciplina Ano/série Ensino C.H
Língua Portuguesa 8º ano/7ª série Ensino Fundamental II 2 aulas
Docente Raquel Aparecida Viana Pereira
Conteúdo Variação Linguística (Regionalismos)
OBJETIVOS
Objetivo Geral Compreender as particularidades constitutivas da
variação geográfica.
Objetivos específicos
Identificar os diferentes modos de falar, relativos a cada
região, em função de seu contexto sócio, histórico e
cultural;
Reconhecer a existência de estereótipos linguísticos
movidos por razões, muitas vezes preconceituosas;
Valorizar as diferenças dialetais, como parte rica
diversidade linguística brasileiro.
Apêndice 4
207
1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Realização do exercício sobre regionalismos, na encadernação entregue no primeiro
dia;
Leitura e comentários sobre os textos componentes dos exercícios, ressaltando as
diferenças regionais no vocabulário, mas também na sintaxe e no nível fonético e
fonológico;
Correção participada do exercício, pontuando a necessidade de desfazer estereótipos,
reconhecer e respeitar a diversidade de sua região, bem como das demais;
Recursos:
Exercício (encadernação)
Lápis, borracha.
Pincel;
Quadro;
Avaliação:
A avaliação será feita de forma processual, isto é, em todos os momentos em que os alunos
estiverem participando das discussões indicadas e individualmente por meio da correção das
produções dos alunos de acordo com a proposta apresentada. Assim, serão avaliados:
participação nas atividades recomendadas e na composição do mural da variação; realização
dos exercícios;
Referências:
CEREJA, William Roberto. Gramática reflexiva: volume único/ William Roberto Cereja,
Tereza Cochar Magalhães. 3ª ed. São Paulo: Atual, 2009.
DECLARAÇÃO PARA MEUS AMIGOS. Disponível em:
http://paginasclandestinas.blogspot.com.br/2012/02/declaracao-para-os-meus-amigos.html.
Acesso em: 30 de julho de 2016.
RECEITA MINEIRA. Disponível em:
http://www.regiaoceleiro.com.br/index.php?opc=post_humor&id=242. Acesso em: 30 de julho
de 2016.
208
1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB 2
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS 3
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – DELL 4 Campus de Vitória da Conquista, Estrada do Bem-querer km 04, s/n, Bairro Universitário 5
Tel. (77) 4248659 - e -mail: [email protected] 6 CEP: 45 083 - 900 – Vitória da Conquista – Bahia – Brasil 7
8
PLANO DE AULA (OFICINA 3)
Colégio Municipal Luís Eduardo Magalhães
Disciplina Ano/série Ensino C.H
Língua Portuguesa 8º ano/7ª série Ensino Fundamental II 2 aulas
Docente Raquel Aparecida Viana Pereira
10
Conteúdo Preconceito linguístico
Variação histórica
OBJETIVOS
Objetivo Geral Compreender que não há uma hierarquia de valores
entre as variedades e, por isso, todos tem seu lugar na
sociedade e merecem ser respeitadas.
Objetivos específicos
Reconhecer a existência de preconceito linguístico e a
necessidade de erradicá-los de nossas práticas sociais;
Perceber que a língua é maleável e sofre alterações ao
longo do tempo, por razões históricas e sociais.
Apêndice 5
209
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Realização do exercício sobre preconceito linguístico, na encadernação entregue no
primeiro dia;
Leitura e comentários sobre os textos componentes dos exercícios, salientando a
existência de preconceito e a necessidade de lidar de modo respeitoso com todas as
variedades;
Correção participada do exercício. Ao longo da correção, deve-se pontuar a
necessidade de extinguir o preconceito linguístico, mas ressaltar também a importância
de adequar a fala às diferentes situações discursivas, ao interlocutor e às estratégias
argumentativas da interação verbal. Além disso, informar aos alunos de que há uma
variedade mais prestigiada pela sociedade e outra que, a depender da situação, pode
levar a um estigma social.
Recursos:
Exercício (encadernação);
Lápis, borracha;
Pincel;
Quadro.
Avaliação:
A avaliação será feita de forma processual, isto é, em todos os momentos em que os alunos
estiverem participando das discussões sugeridas e individualmente por meio da correção das
produções dos alunos de acordo com a proposta apresentada. Assim, serão avaliados:
participação nas atividades recomendadas e na composição do mural da variação; realização
dos exercícios.
Referências:
ABAURRE, Maria Luiza Marques et alii. Português – Língua, Literatura, Produção de
textos: ensino médio: volume único. Livro do professor. Moderna ltda.
CEREJA, William Roberto. Gramática reflexiva: volume único/ William Roberto Cereja,
Tereza Cochar Magalhães. 3ª ed. São Paulo: Atual, 2009.
210
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
Sites consultados.
Atividade sobre níveis de linguagem. Disponível em:
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=50648. Acesso em : 30 de
junho de 2016.
211
1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB 2
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS 3
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – DELL 4
Campus de Vitória da Conquista, Estrada do Bem-querer km 04, s/n, Bairro Universitário 5
Tel. (77) 4248659 - e -mail: [email protected] 6
CEP: 45 083 - 900 – Vitória da Conquista – Bahia – Brasil 7
8
PLANO DE AULA (OFICINA 4)
Colégio Municipal Luís Eduardo Magalhães
Disciplina Ano/série Ensino C.H
Língua Portuguesa 8º ano/7ª série Ensino Fundamental II 2 aulas
Docente Raquel Aparecida Viana Pereira
Conteúdo A variação linguística na música
OBJETIVOS
Objetivo Geral Compreender, de modo lúdico, conceitos relativos à
variação linguística.
Objetivos específicos
Reconhecer a existência de preconceito linguístico
através da música;
Identificar a existência de variação também nos
fenômenos gramaticais;
Perceber a necessidade de respeitar os diversos
fenômenos linguísticos;
Compreender os diferentes níveis de linguagem e os
contextos em que devem ser empregados;
Produzir um texto jornalístico, partir da música ―Saudosa
Maloca‖, fazendo as alterações necessárias.
Apêndice 6
212
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Realização do exercício a partir de músicas, presentes na encadernação entregue no
primeiro dia;
Entrega de roteiro para elaboração da notícia de jornal;
Explicação dos pormenores que envolvem a criação da notícia, a partir da música
―Saudosa Maloca‖, de Adoniran Barbosa. Esta parte do exercício pode ser feita em
trios. Primeiramente, os alunos deverão criar a notícia, relatando os fatos narrados na
música. Eles poderão acrescentar outros dados para deixar a notícia mais completa,
desde que mantenham fidelidade aos principais fatos da canção;
Audição das músicas integrantes dos exercícios;
Correção participada dos exercícios propostos, ressaltando os diferentes níveis de
linguagem e os contextos em que devem ser empregados.
Recursos:
Aparelho de som.
Caderno.
CD, contendo as músicas.
Exercício (encadernação).
Lápis, borracha.
Pincel;
Quadro.
Avaliação:
A avaliação será feita de forma processual, isto é, em todos os momentos em que os alunos
estiverem participando das discussões sugeridas e individualmente por meio da correção das
produções dos alunos de acordo com a proposta apresentada. Assim, serão avaliados:
participação nas atividades recomendadas e na composição do mural da variação; realização
dos exercícios.
Referências:
Atividade sobre a música Chopi Centis. Disponível em:
http://qrolecionar.blogspot.com.br/2013/05/variacao-linguistica-atividades.html. Acesso em 30
de julho de 2016
213
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Atividade sobre a música Saudosa Maloca. Disponível em: http://www.cursodominio.com.br/wp-content/uploads/redacao2014_2fase.pdf. Acesso em 30 de julho de 2016 MÚSICA Chopi Centis, de Mamonas assinas. Disponível em: https://www.letras.mus.br/mamonas-assassinas/24144/. Acesso em 30 de julho de 2016 MÚSICA Saudosa Moloca, de Adoniran Barbosa. Disponível em: https://www.letras.mus.br/adoniran-barbosa/43969/ Acesso em 30 de julho de 2016.
214
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB 2 MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS 3
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – DELL 4 Campus de Vitória da Conquista, Estrada do Bem-querer km 04, s/n, Bairro Universitário 5
Tel. (77) 4248659 - e -mail: [email protected] 6 CEP: 45 083 - 900 – Vitória da Conquista – Bahia – Brasil 7
8
10
11
PLANO DE AULA (OFICINA 5)
Colégio Municipal Luís Eduardo Magalhães
Disciplina Ano/série Ensino C.H
Língua Portuguesa 8º ano/7ª série Ensino Fundamental II 2 aulas
Docente Raquel Aparecida Viana Pereira
Conteúdo Apresentação dos trabalhos realizados
OBJETIVOS
Objetivo Geral Compreender, de modo lúdico, conceitos relativos à
variação linguística.
Objetivos específicos
Retomar o mural da variação, observando a diversidade
de textos encontrados pelos alunos;
Socializar os trabalhos de pesquisa, apresentados sob a
forma de dicionário de gírias;
Apresentar as notícias criadas, a partir da música
―Saudosa Maloca‖;
Solidificar a mensagem de que é preciso reconhecer a
diversidade linguística brasileira e respeitá-la, em suas
distintas formas.
Apêndice 7
215
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Retomada do mural da variação. Ressaltar que foi construído ao longo das aulas, a
partir da contribuição dos alunos. Todos os textos foram encontrados em jornais,
revistas, na internet ou mesmo nas interações verbais reais. O mural revela como é
rica a diversidade linguística e a sua importância para a língua portuguesa;
Entrega do resultado da pesquisa (dicionário de gírias). Os alunos devem comentar as
dificuldades encontradas e o que aprenderam ao longo do trabalho;
Apresentação oral dos anúncios de jornal;
Conclusão das oficinas, deixando a mensagem de que é preciso reconhecer a
diversidade linguística brasileira e respeitá-la, em suas distintas formas;
Entrega de mensagem final;
Leitura e reflexão sobre a mensagem, agradecendo a contribuição valiosa dos alunos
para a realização do trabalho;
Entrega de lembrancinhas aos alunos e à professora;
Agradecimentos finais.
Recursos:
Exercício (encadernação);
Lápis, borracha;
Lembrancinhas;
Mensagem final impressa;
Pincel;
Quadro;
Trabalhos realizados.
Avaliação:
A avaliação será feita de forma processual, isto é, em todos os momentos em que os alunos
estiverem participando das discussões propostas e individualmente por meio da correção das
produções dos alunos de acordo com a proposta apresentada. Assim, serão avaliados: a
participação nas atividades propostas e na composição do mural da variação; a apresentação
da notícia; o dicionário de gírias e expressões populares.
Obs.:
Exercícios. Valor: 0,5
Dicionário de gírias e expressões populares 1,5
Referências:
216
1
2
Mensagem Inicial 3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
Disponível em: http://www.mensagensreflexao.com.br 38
39
40
41
Apêndice 8
A pedra
O distraído nela tropeçou... O bruto a usou como projétil. O empreendedor, usando-a,
construiu. O camponês, cansado da lida,
dela fez assento. Para meninos, foi brinquedo.
Drummond a poetizou. Já, Davi, matou Golias, e
Michelangelo extraiu-lhe a mais bela escultura...
E em todos esses casos, a diferença não esteve na pedra,
mas no homem!
Não existe obstáculo em seu caminho que você não possa usar
para seu próprio benefício!
Com carinho,
Profª Raquel Pereira
217
1
2
/a-pedra 3
4
. 5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
C.M.D.L.E.M Professora: Raquel Pereira Aluno(a)___________________
Série: 7ª B
Apêndice 9
218
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
Apêndice 10
Disponível em: https://educacao.uol.com.br/album/2015/05/29/veja-curiosidades-da-lingua-
portuguesa.htm
220
Ah eu tenho fé em Deus... né? Tudo que eu peço ele me ouci... né? Ai quando eu to com algum pobrema eu digo: Meu Deus! me ajuda que eu to com esse problema! Ai eu peço muito a Deus... ai eu fecho meus olhos... né? eu Deus me ouci na hora que eu peço pra ele, né? Eu desejo ir embora um dia pra Recife não vou porque tenho medo de avião, de torro...de torroristo ai eu tenho medo né? Corra tudo bem... se Deus quiser... se deus quiser..." Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo "eu sou uma pessoa muito divertida" Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo "não sei falar direito" Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo "não sei falar" Tomar banho depois que passar roupa mata Olhar no espelho depois que almoça entorta a boca E o rádio diz que vai cair avião do céu Senhora descasada namorando firme pra poder casar de véu Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo "não sei falar" Quando for fazer compras no Gadefour: Omovedor ajactu, sucritcho, leite dilatado, leite intregal, Pra chegar na bioténica, rua de parelepídico Pra ligar da doroviária, telefone cedular
Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo "não sei falar" Quando fizer calor e quiser ir pra praia de Cararatatuba, cuidado com o carejangrejo Tem que ta esbeldi, não pode comer pitz, pra tirar mau hálito toma água do chuveiro No salão de noite, tem coisa que não sei Mulé com mulé é lésba e homi com homi é gay Mas dizem que quem beija os dois é bixcional... só não pode falar nada, quando é baile de carnaval Pra não ficar prenha e ficar passando mal, copo d'água e pílula de ontemproccional Homem gosta de mulher que tem fogo o dia inteiro, cheiro no cangote, creme rinsa no cabelo Pra segurar namorado morrendo de amor escreve o nome num pepino e guarda no refrigelador, na novela das otcho, Torre de papel, Menina que não é virge, eu vejo casar de véu
Se você se assustar e tiver chilique,cuidado pra não morrer de palaladi cadique Tenho medo da geladeira, onde a gente guarda yogute, porque no frio da tomada se cair água pode dá cicrutche To comprando um apartamento e o negócio ta quase no fim O que na verdade preocupa é o preço do condostim O sinico lá do prédio, certa vez outro dia me disse: Que o mundo vai se acaba no ano 2000 é o
Apêndice 11
que diz o acalipse 1 2 Tenho medo de tudo que vejo e aparece 3 na televisão 4 Os preju do Carajundu fugiram em buraco 5 cavado no chão 6 Torrorista, assassino e bandido, gente que 7 já trouxe muita dor 8 O que na verdade preocupa é a fuga do 9 seucrostador 10 Seucrosta quem não tem dinheiro, quem 11 não tem emprego e não tem 12 condução 13 Documento eu levo na proxeca porque é 14 perigoso carregar na mão 15 16 Mas quando alguém te disser ta errado ou 17 errada 18 Que não vai S na cebola e não vai S em 19 feliz 20 Que o X pode ter som de Z e o CH pode 21 ter som de X 22 Acredito que errado é aquele que fala 23 correto e não vive o que diz 24
"E eu sou uma pessoa muito divertida... 25 eles não inventavam nada... eu gostava 26 de inventar as coisa 27 não sei falar direito... 28 inventar uma piada, inventar uma palavra, 29 inventa uma brincadeira... 30 não sei falar 31 32 me da um golinho... me da um golinho..." 33 E com muito prazer que eu convido agora 34 todos aqueles 35 que estão ouvindo esta canção 36 Para entoar em uníssono o cântico: 37 Omovedor, Carejangrejo 38 39 Vamos aquecer a nossa voz cantando 40 assim: 41 Iô,iô,iô. Iô,iô,iô,iô, eu digo: 42 Omovedor, Carejangrejo, Omovedor, 43 carejangrejo... Omovedor! 44 "omovedor... carejangrejo... só isso que eu 45 tenho pra falar falar! 46
Você conhece o grupo O Teatro Mágico?
O Teatro Mágico (OTM) é um grupo musical brasileiro formado em 2003 na 1 cidade de Osasco, São Paulo, criado por Fernando Anitelli. OTM é um projeto 2 que reúne elementos do circo, do teatro, da poesia, da música, da literatura, da 3 política e do cancioneiro popular tornando possível a junção de diferentes 4 segmentos artísticos numa mesma apresentação. 5 6 7 8 9 O Teatro Mágico, de uma maneira muito criativa e bem humorada, 10 desenvolveu a música ―Zaluzejo‖, a partir de uma experiência real 11 com a empregada nordestina, para mostrar a diversidade e a 12 necessidade de combater o preconceito linguístico. 13 14
1º. Você conhece alguém que fale assim como a mulher dessa 15 música? Como reage diante de uma fala como essa? 16
2º. Você Já sofreu alguma espécie de preconceito em razão do 17 seu modo de falar? Como se sentiu? 18
3º. Na música, a mulher diz que não sabe falar. Mas como não 19 sabe, se ela está conversando? O que ela não sabe falar? 20
4º. A mulher dessa canção revela ter muito conhecimento sobre 21 a sabedoria popular. Comente alguma dessas afirmações. 22
5º. Qual a classe social e o nível de escolaridade dessa mulher? De onde ela veio, será 23 que tem mais pessoas que falam do mesmo jeito? 24
25 Todo fenômeno linguístico deve ser respeitado e reconhecido como Fernando Anitelli 26 propõe. Contudo, obviamente, você, ao usar a linguagem, deve ter a noção de que 27 dialeto deve usar, com base no contexto e nos interlocutores com quem interage. 28 29 30
222
Além do português, há, no Brasil, aproximadamente 180 línguas indígenas, faladas por 225 etnias. Além dessas, ainda existem comunidades que falam línguas como o italiano, o
japonês e o alemão.
1 2
3
4
5
Falar bem é falar adequadamente! 6
Linguagem e língua 7
8
Na origem de toda a atividade comunicativa do ser humano está a 9 linguagem, que é processo pelo qual as pessoas interagem entre si, através da 10 língua e de outras manifestações, como a pintura, a música e a dança etc. 11
Língua é um sistema heterogêneo, dotado de variação. Esta, por sua vez, é 12 condicionada por fatores históricos, geográficos e sociais. 13
14 15
Língua e identidade 16 17
Além de ser um meio de interação social, a 18 língua também é uma forma de identidade cultural e 19
grupal. Falar a mesma língua de outra pessoa 20 geralmente equivale a ter com elas muitas coisas em 21 comum: referências culturais, esportivas, musicais, 22
hábitos alimentares, etc. Mas não é só isso. Além de 23 nossa identidade social, a língua revela também muito 24
do que somos individualmente. Ela mostra nossa 25 agressividade, afetividade, formalidade, gentileza, 26 educação, etc. 27
A tira abaixo é um exemplo de como a língua cria uma identidade grupal. 28 29 30 31 32 33 34
35
36
37
38
39 40
41
Cada um de nós começa a aprender a língua em casa, em contato com a 42
família e com as pessoas que nos cercam. Aos poucos, vamos treinando nosso 43 aparelho fonador (os lábios, a língua, os dentes, as cordas vocais etc) para produzir 44 sons que se transformam em palavras, em frases e em textos inteiros. E vamos nos 45 apropriando dos sons e das leis combinatórias da língua, até nos tornarmos bons 46
usuários dela, seja para falar e ouvir, seja para ler e escrever. 47
Apêndice 12
223
Onde se fala melhor o português no Brasil? Você já deve ter ouvido esse tipo de pergunta. E também respostas como ―No Rio de Janeiro‖, ―No Rio Grande do Sul‖, justificadas por motivos históricos, sociais e culturais. Porém, de acordo com uma visão moderna da língua, não existe um modelo linguístico melhor ou pior que outro, nem o Português lusitano. Todas as variedades são adequadas para a realidade em que surgiram. Em certos contextos, aliás, o uso de outra variedade, mesmo a padrão, é que pode soar estranho e até não cumprir sua função social.
Em contato com outras pessoas, na rua, na escola, no trabalho, observamos 1
que nem todas falam como nós, isso ocorre por diferentes razões: porque a pessoa 2 vem de outra região; por se mais jovem ou mais velha; por possuir maior ou menor 3 grau de escolaridade; por pertencer a grupo ou classe social diferente etc. Essas 4 diferenças no uso da língua constituem as variedades linguísticas. Além desse 5 processo de variação processo de variação, a língua também está sujeito a 6
mudanças, determinadas pelo uso social dos falantes, ao longo do tempo. 7 8 VARIEDADES LÍNGUÍSTICAS são as variações que uma língua 9
apresenta, de acordo com as condições sociais, 10 culturais, regionais e históricas em que é utilizada. 11
MUDANÇA LINGUÍSTICA: é processo de modificação da língua, ao longo 12 do tempo, decorrente do uso consagrado pelos falantes. Ex. O pronome 13 Você, já denominado de vossa mercê, vosmecê, vassuncê, em outros 14
tempos. Tais formas já não são utilizadas, hoje, por isso dizemos que 15 houve uma mudança na língua. 16 17
Condicionantes sociais, regionais e as 18 diversas situações em que se realiza 19
determinam a ocorrência de variações em uma 20 língua. 21
1º. Variações socioculturais: Variedades 22
devidas ao falante com diversos graus 23 de escolaridade, profissão, idade, sexo, 24
etc.. 25 Níveis de fala ou registros 26
(formal/informal ou coloquial) 27
Tema, ambiente, intimidade ou não 28
entre os falantes, estado emocional do 29
falante. 30 1º. Variação entre a fala e a escrita 31
2º. Variação histórica 32 3º. Variações geográficas: Falares 33
regionais ou dialetos. Linguagem 34
urbana X linguagem rural 35
36 O anúncio faz um 37
trocadilho entre ―bichas‖ 38 (filas), marca típica da 39 sociedade urbana e 40
burocratizada, e ―bichos‖, símbolo de natureza e vida natural. O texto, no entanto, 41
talvez soe estranho ao falante da língua portuguesa que mora no Brasil. Para nós, 42 as pessoas formam filas (e não bichas) quando aguardam sua vez de serem 43 atendidas em um banco, em uma bilheteria de cinema, etc. Pode-se perceber 44
facilmente que a maneira como o português é empregado no Brasil e em Portugal 45 não é exatamente a mesma, assim como também é diferente nas regiões 46 geográficas brasileiras e até numa mesma região. Há variações na língua 47 condicionadas a aspectos geográficos. 48
224
Variedades devidas à situação: 1
2 O humor da 3
tira é determinado 4 pelo ―excesso de 5 informalidade‖ por 6
parte do namora do 7 que acaba de ser 8 apresentado aos 9 pais da garota. 10 Como uma norma de boa educação, espera-se que a pessoa estranha seja gentil, 11
dirija-se aos donos da casa com respeito e manifeste alguma cerimônia, com um 12 pedido de licença. Cabe à pessoa visitada dispensar as formalidades e fazer com 13 que o estranho se sinta bem. Nesse caso, observe que o namorado nem mesmo 14
cumprimenta a garota e se dirige aos pais dela com tanta grosseria que Hagar toma 15 uma posição ―defensiva‖, ameaçando o rapaz com um machado. A ilustração nos 16 mostra o emprego de uma linguagem pouco adequada à situação que envolve as 17
personagens. 18 Linguagem formal X informal 19
20
A utilização da língua depende da situação de comunicação do falante e 21 requer diferentes tipos de escolhas linguísticas a depender do ambiente, do nível de 22 intimidade e das relações de poder estabelecidas entre os interlocutores. Assim, 23
uma mesma pessoa deverá utilizar diferentes níveis de linguagem ao longo do dia, 24 para se referir a um namorado, a um pai, a um amigo, a um patrão etc. 25
Exemplo: 26 Linguagem informal: vai ver se eu tô lá na esquina. (Situação: conversando 27
com um amigo, num bar) 28
Linguagem formal: por gentileza, gostaria que me informasse... (Situação: 29
falando com um chefe, no trabalho) 30 31
32 Norma culta X norma padrão X Norma popular 33
34 Falamos genericamente sobre variações da linguagem, mas seria 35
conveniente Destacar, ao menos, três delas: a norma culta, a norma padrão e a 36 norma coloquial. 37
Norma popular ou linguagem coloquial é a linguagem que empregamos em 38
nosso cotidiano, em situações menos formais, para interagirmos com pessoas 39 de maior intimidade. 40
Norma culta é aquela utilizada por falantes com 11 anos de escolaridade ou 41
mais. Diferente da Norma padrão, que quase não sofre variação, os falantes 42 cultos também utilizam níveis de linguagem diversos no dia-a-dia. 43
Norma padrão é o dialeto a que se atribui, em determinado contexto social, 44 maior prestígio; falado, particularmente em situações de maior formalidade, 45
usado nos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, noticiários de 46 televisão, etc.), e codificado nas gramáticas escolares. 47
48
225
Apesar de haver muitos preconceitos com as variedades não-padrão , todas 1
elas são válidas nos grupos sociais em que são usadas. Contudo, em situações 2 sociais que exigem maior formalidade - por exemplo, uma entrevista par obter um 3 emprego, uma carta dirigida a um jornal, uma redação de 4 concurso público – a variedade exigida quase sempre é a 5 padrão. Por isso é importante dominá-la bem para saber 6
usar nas situações adequadas. 7 8
As gírias 9 A gíria é uma da variações de uma língua. Quase 10
sempre criada por um grupo social, como o dos fãs de ‗rap‘, de ‗heavy metal‘, ou dos 11
que praticam certas lutas, como capoeira, jiu-jítsu, etc. Quando ligada a profissões, a 12 gíria é chamada de jargão. É o caso do jargão dos jornalistas, dos médicos, dos 13 dentistas e de outras profissões. 14
15 Variação entre fala e escrita 16
17
A fala e a escrita não apresenta apenas diferenças, como você já deve ter 18 ouvido falar. Elas apresentam também semelhanças, a depender do gênero textual 19
envolvido. Assim, Há gêneros textuais da oralidade que se assemelham a gêneros 20 da escrita e tantos outros da escrita que se assemelham a da oralidade. Veja o 21 diagrama abaixo. 22
23 24
25 26 27
28
29
30 31
32 33 Observe o diagrama que reproduzimos. Veja que existe um contínuo entre 34
fala e escrita e os gêneros se distribuem ao longo deste contínuo, desde gêneros 35 menos monitorados linguisticamente (à esquerda) a gêneros mais monitorados (à 36
direita). 37 Variação histórica 38
39 Variação Histórica - Aquela que sofre transformações ao longo do tempo. Como por 40
exemplo, a palavra ―Você‖, que antes era ―vossa mercê‖ e que agora é apenas 41
―você‖, encontrando atualmente variações como: ―ocê‖, ―cê‖, nas redes sociais, VC. 42 O mesmo acontece com as palavras escritas com PH, como era o caso de 43 pharmácia, agora, farmácia. 44
45 46 47 48
226
Variações geográficas- os sotaques 1
2 É importante destacar que as 3
diferenças na nossa língua não constituem 4 erro, mas são consequências das marcas 5 deixadas por outros idiomas que entraram 6
na formação do português brasileiro. Entre 7 esses idiomas estão os indígenas e 8 africanos, além dos europeus, como o 9 francês e o italiano. A influência desses 10 elementos, presentes com maior ou menor 11
intensidade em cada região do país, aliada 12 ao desenvolvimento histórico peculiar de 13 cada lugar, fez com que surgissem 14
regionalismos, isto é, expressões típicas 15 de determinada região. Essa variedade 16 linguística pode se manifestar no sotaque; 17
no nível fonético, como em ―craro‖ por 18 ―claro‖; na construção morfossintática – 19
por exemplo, em algumas regiões se diz ―vou não‖, em outras ―não vou‖, em 20 algumas, ―não vou não‖-, mas a parte do regionalismo que mais se destaca ocorre 21 no vocabulário. Assim, um mesmo objeto pode ser nomeado por palavras, diversas, 22
conforme a região. Por exemplo: no Rio Grande do Sul, a pipa ou papagaio se 23 chama pandorga; o semáforo pode ser designado por farol em São Paulo, e sinal ou 24
sinaleiro no Rio de Janeiro. 25 26
Regionalismo é, na língua, o emprego de palavras ou expressões peculiares a 27 determinadas regiões. 28
29
30 31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
227
1
2 3 4 Como você pode ver, muitas piadas se baseiam 5
em estereótipos ou visões preconceituosas sobre 6
determinadas minorias ou habitantes de outras regiões e 7 países. Uma boa maneira de combatermos o preconceito 8 é identificar como a linguagem pode ser usada para reforça-lo e evitar fazer a 9 mesma coisa. Apresentamos, a seguir, um texto que circulou bastante pela internet. 10
11
1º. O texto abaixo apresenta alguns vocabulários específicos para cada região. 12 Identifique-os. 13
a) Nordestino: bichim, da moléstia, munganga, arriba, entre outros. 14 b) Gaúcho: tchê, pilas, a la cria, além do uso da 2ª pessoa (tu). 15 c) Carioca: bicho, rapá, presunto, entre outros. 16 d) Baiano: meu rei, não se avexe, berro, grana, entre outros. 17 e) Paulista: meu, se manda, pô, entre outros. 18
Apêndice 13
228
2º. O texto também revela comportamentos ou hábitos que supostamente 1
caracterizam o povo de diferentes estados ou regiões, são os denominados 2 estereótipos. O que caracterizaria, por exemplo: o nordestino; o baiano; e o 3 paulista? 4 O nordestino se caracteriza por sua valentia e fé em Padre Cícero, o baiano é 5 caracterizado pela ausência da pressa em falar e pela fé direcionada a 6
religiões africanas, já o paulista vive apressado e é fã de futebol. 7 8
3º. O todo dá a entender, por exemplo, que todo baiano é preguiçoso, você 9 concorda com esta afirmação? Justifique. Sugestão: Não, pois isso é apenas 10 um estereótipo, como tal, carregado de preconceito e que não tem base na 11
realidade. 12 13
4º. Será que todas as pessoas dessas regiões falam do mesmo jeito? 14
Explique. 15 Não, pois o texto trabalha com estereótipos do que vem a ser o povo desses 16 estados e regiões, que não necessariamente correspondem à realidade. Além 17
disso, em cada região existem diversos modos de falar, conforme idade, sexo, 18 escolaridade etc. 19
20 OBS.: Vale lembrar que a variação regional não ocorre apenas entre um estado 21 e outro, mas também entre cidades e entre grupos sociais diferentes. 22
23 5º. O texto que segue procura reproduzir o jeito como supostamente se fala em 24
certas regiões de Minas Gerais. Sua finalidade, portanto, é estritamente 25 humorística. Leia-o. 26
27
28
29
30 31
32 33 34
35 36
37 38
a) O texto apresenta aspectos interessantes de variação linguística. Que dialeto 39
é Utilizado para construir o humor do texto? O dialeto mineiro. Obs.: Lembrar 40 que os mineiros, em sua maioria, não falam assim. O texto intencionalmente 41
exagera alguns traços desse dialeto. 42 b) Observando a escrita de algumas palavras do texto, conclua: O que 43
caracteriza esse dialeto? 44 A junção de palavras e a supressão de partes delas. 45
46
47
229
6º. Também é possível observar, no texto, variações de registro, especialmente 1
quanto ao modo de expressão. 2 c) A que gênero textual pertence o texto acima? Ao gênero humorístico 3 d) Observe o título e deduza: qual é a situação de fala representada no texto? 4
Uma conversa corriqueira, em um ambiente informal. 5 e) Qual o grau de intimidade há entre os interlocutores? Alto grau de intimidade. 6
f) Portanto, se pensarmos no contexto de interação, esse texto está adequado a 7 finalidade a que se destina? Por quê? Sim, pois cumpre com o propósito da 8 interação e as exigências da situação. 9
g) O texto apresenta marcas da linguagem escrita ou da linguagem oral? 10 Portanto, de qual das duas modalidades mais se aproxima? Justifique. Há 11
marcas da linguagem oral já que apresenta várias palavras que são escritas 12 como se fala, como é o caso de cuzinha, tomano, parecenum e outras. 13 Portanto, se aproxima mais da linguagem oral. 14
15 Leia atentamente os textos abaixo. 16 17
18 19
20 21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
7º. O texto traz formas que não são típicas somente da variedade mineira, mas 31 sim da fala popular usada em todo o país. Dê exemplos. 32
São exemplos: Ingredienti, ces, u, poim, tisouro etc. 33 34
8º. Sobre os textos, analise as afirmações e marque V, para verdadeiro, e F, para 35 falso. 36
37 a) (V) Pode-se identificar, nos dois textos, a fala de um mineiro, exemplo de 38
variedade linguística regional. 39 b) (V) É apresentada uma visão estereotipada de uma fala que suprime, quase 40
sempre, as sílabas finais das palavras. 41
c) (F) Todas as pessoas que são de Minas falam da maneira como foi 42 apresentada nos textos. 43
d) (V) O produtor da tira usou seu conhecimento das variedades linguísticas 44 existentes entre as regiões do país 45
230
e) 1
f) 2 3
4 5
O texto a seguir circulou a internet como uma piada. Vinha sempre identificado pelo assunto 6 ―correção ortográfica‖. Leia para responder às questões 1 e 2. 7
8 Correção ortográfica 9
O gerente de vendas recebeu o seguinte 10 fax de um dos seus novos vendedores: 11 Seo Gomis, 12
o criente de belzonte pidiu mais 13 cuatrucenta pessa. Faz favor toma as 14 providenssa. 15
Abrasso, 16 Nirso 17
Aproximadamente uma hora depois 18 recebeu outro. 19 Seo Gomis, 20
os relatorio di venda vai xega 21 atrazado proque to fexando umas 22 venda. Temo que manda treiz miu 23 pessa. Amanha to xegando. 24
Abrasso, 25 Nirso 26
No dia seguinte: 27 Seo Gomis, 28
num xeguei pucausa de que 29 vendi maiz deis miu em Beraba. To indo 30 pra Brazilha. 31 No outro: 32
Seo Gomis, Brazilha fexo 20 miu. 33 Vo pra Frolinoplis e de lá pra Sum 34 Paulo no vinhão das cete hora. 35 E assim foi o mês inteiro. 36 O gerente, muito preocupado com a 37 imagem da empresa, levou ao presidente 38 as mensagens que recebeu do vendedor. 39 O presidente, um homem muito 40 preocupado com o desenvolvimento da 41 empresa e com a cultura dos funcionários, 42 escutou atentamente o gerente e disse: 43 — Deixa comigo que eu tomarei as 44 providências necessárias. E tomou. 45 Redigiu de próprio punho um aviso que 46 afixou no mural da empresa, juntamente 47 com os faxes do vendedor: 48 “A parti de oje nois tudo vamo fazê 49 feito o Nirso. Si priocupá menos em 50 iscrevê serto 51 mod a vendê maiz. 52
Acinado, 53 O Prezidenti”54
Texto de autoria desconhecida (em circulação na internet) 55 56
1º. Geralmente as piadas expressam uma postura preconceituosa e nos permitem 57 refletir sobre como são avaliadas as pessoas a partir do uso que fazem da língua, 58 seja na sua forma ou escrita. Embora ―erros‖ ortográficos chamem imediatamente a 59 atenção de quem lê o texto, o problema percebido pelo gerente nos textos de ―Nirso‖, 60 pode ser percebido de outra maneira. Explique. 61 Trata-se de uma inadequação entre o uso de uma determinada variante regional e o 62 contexto em que ela é utilizada. Por isso, devemos estar atentos ao uso da língua, a 63 qual deve se adequar à situação em que é empregada e à finalidade a que se 64 destina. 65 66
2º. comportamento do gerente deixa implícita sua opinião sobre as diferentes variedades 67 da Língua Portuguesa. 68
a) Que opinião é essa? O gerente assume com ―erro‖ todas as variedades 69 linguísticas, diferente da norma padrão. 70
71 72
Apêndice 14
231
b) De que maneira a atitude tomada pelo presidente da empresa demonstra que 1 o uso de uma variedade não pode ser associado ao modo de avaliar o falante 2 que a utiliza? 3
A atitude do presidente revela que o mais importante para a empresa é o 4 resultado que o vendedor apresenta e não a sua linguagem. Podemos inferir, 5 portanto, que a variedade utilizada por um falante não pode ser associada à 6 avaliação de sua inteligência ou competência profissional, ou seja, não se deve 7 permitir a manifestação do preconceito linguístico. 8 9
c) Vamos refletir: se esta fosse uma situação real, será que o presidente se 10 manifestaria da mesma forma, caso o vendedor não vendesse tanto? Não 11 podemos afirmar com certeza, mas provavelmente, se esta fosse uma situação 12 real, o presidente revelaria o mesmo preconceito manifestado pelo gerente. 13
14 Leia o texto abaixo e responda ao que se pede 15
3º Você considera que a postura rígida 16 do gramático em relação à ―correção 17 da linguagem‖ a ser utilizada pelos 18 falantes é adequada? Explique 19 Comentário: 20 Deve-se perceber como a postura do 21 gramático, rígida e extremamente 22 conservadora, é inadequada porque 23 considera ―errada‖ todas as outras 24 variedades linguísticas. 25
4º Aline recebe uma carta de alguém que lhe pede 26 conselhos sobre um relacionamento amoroso. A 27 pessoa que escreve tem consciência dos vários 28 problemas de ortografia do seu texto e se desculpa 29 por isso. 30
a) Qual é a imagem que a remetente faz de Aline 31
e da avaliação que fará sobre os ―erros de português‖, no seu texto, para se 32
desculpar pela maneira como escreve? Justifique. A remetente constrói a imagem 33
de alguém que se chocará com os problemas ortográficos presentes na carta e prevê 34
o preconceito linguístico de que pode ser vítima em razão de sua inadequação às 35
regras ortográficas da norma padrão, por isso se desculpa antecipadamente. 36
37
b) O ultimo quadrinho revela a reação de Aline aos problemas ortográficos presentes na 38
carta. O que essa reação revela sobre os falantes, em geral, quando se deparam 39
com problemas dessa natureza? 40
232
Essa reação é muito comum entre os falantes da chamada variedade de prestígio e, 1
em geral, vem acompanhada de uma avaliação negativa das pessoas que escrevem 2
de maneira ―tão errada‖. Aline, nessa tira, representa a reação preconceituosa, do 3
ponto de vista linguístico. 4
5 5º Leia o trecho de uma carta de amor escrita por Olavo Bilac, poeta brasileiro que viveu 6 entre o final do século XIX e o início do século XX. 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 a) Caracterize a variedade linguística e o nível de formalismo empregados pelo autor do 23
texto. É uma variedade comum ao tempo em que foi usada (histórica), com alto grau de 24 formalidade. 25
É26 27
b) Olavo Bilac viveu no final do século XIX e início do século XX. O texto é um bom 28 exemplo de como as declarações amorosas eram feitas na época, nesse tipo de 29 variedade linguística. Colocando-se no lugar do poeta, reescreva o texto, mantendo o 30 conteúdo, mas empregando uma variedade linguística que seria mais comum entre dois 31 jovens, nos dias de hoje. Ao concluir o texto, leia-o para a classe. (Responda no 32 caderno) 33 Linda, 34
Acredito que você não vai se surpreender com esta mensagem. Já deve estar 35
esperando por ela, porque entendeu que depois de me desprezar tanto, sem dó, eu não 36
podia continuar sendo desprezado. Dizem que você me ama, dizem porque de sua boca 37
eu nunca ouvi essa declaração. Como posso entender que, se me ama mesmo, você 38
nunca me deu a mínima, o menor carinho, nem uma olhada? Já te pedi mil vezes para 39
ficar comigo, com toda humildade, mas nunca me respondia ou me respondia com uma 40
ironia chata. Não consigo te entender. Já perdi as esperanças de ter alguma coisa 41
contigo. Vou te deixar em paz e seguir minha vida. 42
43
44 45 46 47
48 49 50
233
Hora da música 1 Chopis Centis 2 Mamonas assassinas 3 Eu 'di' um beijo nela 4 E chamei pra passear 5 A gente 'fomos' no 6 shopping, 7 Pra 'mó de' a gente 8 lanchar 9 Comi uns bichos 10 estranhos, 11 Com um tal de gergelim 12 Até que tava gostoso, 13
Mas eu prefiro aipim 14 15 Quanta gente, 16 Quanta alegria, 17 A minha felicidade 18 É um crediário 19 Nas Casas Bahia (2x) 20 21 Esse tal "Chópis Cêntis" 22 É muicho legalzinho, 23
Pra levar as namoradas 24 E dar uns rolêzinhos 25 Quando eu estou no 26 trabalho, 27 Não vejo a hora de 28 descer dos andaime 29 Pra pegar um cinema, 30 ver o Schwarzenegger" 31 Tombém" o Van Daime32
. 33 34 35
1º. Nessa música, intencionalmente, o grupo explora uma variante linguística. A partir 36 desse fato, responda: na canção é empregada a gíria ―uns rolezim‖. Qual seria o 37 sentido desta expressão neste contexto? 38 Esta expressão significa dar uma volta, um passeio. 39
40 2º. Pouco se sabe sobre a pessoa que fala nessa música, mas, por algumas pistas do 41
texto, imagine qual: 42 a) o grau de escolaridade dela? Essa pessoa tem baixo nível de escolaridade. 43 b) a classe social a que ela pertence? Provavelmente, pertence à classe baixa. 44 c) a profissão? Provavelmente, é pedreiro. 45 d) os filmes a que normalmente ela assiste? Gosta de filmes de Ação. 46
47 3º. A palavra nós, como você já deve saber, é um pronome pessoal reto que indica ideia 48
de grupo. 49 a) Na música que outra palavra é empregada com o mesmo sentido? A gente 50 b) Essa palavra é um substantivo que também pode desempenhar a função de locução 51
pronominal. Então, quer dizer que a expressão a gente também é usada em 52 lugar de um pronome? Sim, inclusive boa parte dos falantes prefere usar a 53
gente em lugar de nós. 54 c) Retire da música uma frase em que o termo gente é usado como substantivo 55
e uma frase em que exerce a função de locução pronominal. Substantivo: 56 quanta gente, quanta alegria...; locução pronominal: pra mo‘de a gente 57
lanchar.... 58 d) Em que situação esse uso é mais adequado? A expressão a gente é mais 59
coloquial, então é mais adequada para textos (orais ou escritos) que exijam 60
menor grau de formalidade. 61 62
Obs.: Apesar de o ítem a gente ser mais próprio da linguagem coloquial, seu uso 63
na fala do brasileiro é cada vez presente mais entre falantes cultos, inclusive em 64
situações formais. 65 66
4º. Normalmente, pessoas que apresentam o mesmo tipo de linguagem do personagem 67 da música são ridiculizadas. Comente sobre este tipo de preconceito. (Pessoal) 68 Comentários: A sociedade costuma ser preconceituosa com quem se expressa de 69 forma diferente da norma culta, como se esta fosse a única norma aceitável; como 70 se o uso dessa variedade estivesse ligada à capacidade intelectual da pessoa. 71
Apêndice 15
234
5º. Que variedade linguística (mais formal ou mais informal) podemos ou devemos usar 1 nas seguintes situações: 2
a) Numa pequena mensagem de celular para um amigo próximo. Informal 3 b) Numa pequena mensagem de celular para o seu professor de português. Um pouco 4
mais formal 5 c) Numa carta de reclamação para o/a presidente da república. Mais formal 6 d) Numa conversa na praça entre amigos. Informal 7 e) Um debate numa conferencia nacional sobre meio ambiente. Mais formal 8 f) Um bilhete para irmã explicando que você foi à padaria comprar pão. Mais informal 9 g) Um bilhete para a diretora da sua escola explicando o porquê da sua falta de hoje. 10
Um pouco formal 11 h) Uma redação solicitada para o vestibular. Mais formal 12
13 Adornian Barbosa é um ícone do samba paulista. Os temas de suas composições 14
giravam em torno dos tipos humanos mais comuns e da realidade crua de uma metrópole 15 que não para. Em suas músicas, normalmente, usava a linguagem popular para dar vida a 16 seus personagens. Saudosa Maloca (1951) conta um fato que retratado a partir do ponto de 17 vista de um dos personagens. Leia a música a seguir. 18 19
Saudosa Maloca 20 Adoniran Barbosa 21 22
Si o senhô não tá 23 lembrado 24 Dá licença de contá 25 Que aqui onde agora está 26 Esse edifício arto 27 Era uma casa véia 28 Um palacete 29 assobradado 30 Foi aqui, seu moço 31 Que eu, Mato Grosso e o 32 Joca 33 Construimo nossa maloca 34 Mais um dia 35 - Nóis nem pode se 36 alembrá 37 Veio os home co'as 38 ferramenta 39 O dono mandô derrubá 40 41
Peguemos todas nossas coisas 42 E fumo pro meio da rua 43 Apreciá a demolição 44 Que tristeza que nos sentia 45 Cada tábua que caía 46 Duia no coração 47 Mato Grosso quis gritá 48 Mas encima eu falei: 49 Os homens tá co´a razão 50 Nos arranja outro lugá 51 Só se conformemos quando o Joca falou : 52 "Deus dá o f rio conforme o cobertô" 53 E hoje nóis pega as páia nas grama do jardim 54 E prá esquecê nóis cantemos assim: 55 56 Saudosa maloca, maloca querida, dim, dim 57 Donde nóis passemos os dias feliz de nossa vida. 58 Quas,quas,quas... 59
(―Saudosa maloca‖, de João Rubinato (Adoniran Barbosa). 1955 by Irmãos Vitale S. A. 60 Indústria e Comércio. Todos os direitos reservados para todos os países.) 61
Vocabulário: maloca - casa muito pobre, rústica, lar. 62 63 6º Na letra, o locutor lamenta o problema que ele e seus amigos estão enfrentando. 64
a) Que tipo de problema enfrentam: 65 Sugestão: Um problema de moradia, já que a ―maloca‖ onde moravam foi demolida. 66 67 68
235
b) O problema relatado na música também acontece nos dias de hoje? Explique. 1 Sugestão: Sim, muitas pessoas são desalojadas de suas casas para a construção de 2 edifícios ou grandes obras. 3
c) E as pessoas que passam por isso, tem o mesmo destino dos personagens da 4 música? 5 Sugestão: Não, porque, na maioria das vezes, o responsável pela obra compra uma 6 outra moradia para as pessoas que desalojadas. 7
d) Pela linguagem, qual é o provável nível de escolaridade e a classe social do locutor e 8 de seus amigos? 9
Sugestão: São pessoas simples, pobres, com baixo grau de instrução. 10 11 7º partir da leitura dessa música, redija uma notícia de jornal que informe ao leitor os 12 fatos narrados. Seu texto deve: 13
ser introduzido por um título (manchete); 14 apresentar a narrativa do ponto de vista do veículo de comunicação; 15 ser fiel aos fatos apresentados na letra da música, podendo haver acréscimo de 16
detalhes, inventados por você, que atualizem a narrativa e permitam adequá-la ao 17 gênero ―notícia de jornal‖; 18
apresentar a linguagem e a estrutura próprias do gênero; 19 20
21 22
23 24 25
26 27
28 29
30 31 32 33
34 35 36 37 38
39 40 41 42 43
44 45
46 47
48 49 50
236
NOME DO JORNAL
COM LETRA
MAIÚSCULA
DEPOIMENTO: UMA FRASE MARCANTE
QUE O PERSONAGEM PRINCIPAL DA NOTÍCIA
DISSE
MANCHETE: FRASE
QUE CHAMA A
ATENÇÃO DO LEITOR
PARA A NOTÍCIA
FOTO QUE
REPRESENTE BEM O
ASSUNTO DA
MATÉRIA
JORNALÍSTICA
TEXTO ESCRITO EM
LINGUAGEM
FORMAL, RELATANDO
O FATO, ONDE
OCORREU, COMO,
COM QUEM, QUAIS
AS CONSEQUÊNCIAS,
QUAL O DESFECHO.
1
2 3
4 5 O noticiário na TV ou a notícia no jornal 6
impresso deve responder a algumas questões, 7
como: 1º. Qual é o acontecimento; 2º. Onde ele 8
ocorreu: em que cidade, estado, país?; 3º. Quando 9
aconteceu: que dia, mês, ano?; 4º. Por que aconteceu: o que 10
está por trás? e 5º. Quais foram as possíveis consequências? 11
A notícia é composta de duas partes: a manchete e o texto. 12
Manchete: resume a notícia em poucas linhas (2 a 3) e tem o 13 objetivo de atrair o leitor para ler o texto. 14
Texto: os fatos narrados do acontecimento em questão. 15
16 Deste modo, quem escreve notícias deve ser um bom escritor, pois as palavras 17 devem ter combinações tais que atraiam leitores e telespectadores! 18
19 20 21
22 23
24 25 26
27
28 29 30 31
32 33 34 35 36
37 38 39 40
41 42 43
44 45 46
Apêndice 16
237
DICIONÁRIO DE GÍRIAS e EXPRESSÕES POPULARES 1
ANTIGAS E MODERNAS 2 3
4
5 1º Capa com: título: dicionário de gírias antigas e modernas e desenho. 6 2º Contra-capa: Cabeçalho (nome da escola, disciplina, professora, série, turma, 7 componentes) 8 3º Apresentação: escreva a definição de gíria e faça um convite ao leitor para ler o 9 dicionário. 10 Sugestão: A gíria é uma linguagem particular e familiar que utilizam entre si os membros de 11 um determinado grupo social. Esta espécie de dialeto pode ser difícil de entender para 12 aqueles que não façam parte da dita comunidade. Neste dicionário, você terá a 13 oportunidade de conhecer a gírias antigas e atuais mais utilizadas na região de Piripá. 14 Venha se surpreender com as expressões que os moradores dessa cidade e falam e 15 falaram por aí. 16 17 4º Gírias antigas: 18
Pesquise com moradores mais velhos quais são as gírias utilizadas por eles e seu 19 significado. 20
Escreva, em ordem alfabética, as gírias mais usadas antigamente, seguidas de seu 21 significado. 22 Veja: Encostar na parede: pressionar alguém para que tenha determinada atitude. 23 Ex: Encostei-o na parede e ele resolveu confessar o crime 24
Escolha uma das gírias e ilustre-a. 25 5º Gírias modernas 26
Pesquise com seus colegas quais as gírias que mais utilizam e seu significado. 27 Escreva, em ordem alfabética, as gírias mais usadas atualmente, seguidas de seu 28
significado. 29 Veja: Amarelar: temer; fugir; Acovardar-se. Exemplo: Quando viu que o lutador era 30 bem mais forte que ele, Sergio amarelou. 31
Escolha uma das gírias e ilustre 32 Veja a seguir uma prévia de como você deve organizar seu trabalho. 33
34 Observação: seu texto deve ser bem organizado. Portanto, corrija-o antes de passar a 35 limpo para evitar problemas ortográficos, rasuras ou borrões e capriche na letra! Sucesso! 36 37
38
39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49
Componentes: ____________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Colégio Municipal Deputado Luís Eduardo Magalhães
Disciplina: Língua Portuguesa e Redação Professora: Raquel Pereira Série: 8º ano Turma: B
Alunos:
________________________ ________________________
Dicionário de gírias e
expressões antigas e modernas
Dicionário de gírias e expressões antigas e
modernas
Apresentação
. . . . . . . . . . . . . . . . .
A .....
B......
C........
C.....
Levar um fora
Gírias e Expressões Antigas
Apêndice 17
238
A vida me ensinou... A dizer adeus às pessoas que amo,
sem tirá-las do meu coração; Sorrir às pessoas que não gostam de mim,
Para mostrá-las que sou diferente do que elas pensam; Fazer de conta que tudo está bem quando isso não é verdade,
para que eu possa acreditar que tudo vai mudar; Calar-me para ouvir; aprender com meus erros.
Afinal eu posso ser sempre melhor. A lutar contra as injustiças; sorrir quando o que mais desejo
é gritar todas as minhas dores para o mundo. A ser forte quando os que amo estão com problemas;
Ser carinhoso com todos que precisam do meu carinho; Ouvir a todos que só precisam desabafar;
Amar aos que me machucam ou querem fazer de mim depósito de suas frustrações e desafetos;
Perdoar incondicionalmente, pois já precisei desse perdão; Amar incondicionalmente, pois também preciso desse amor;
A alegrar a quem precisa; A pedir perdão;
A sonhar acordado; A acordar para a realidade (sempre que fosse necessário);
A aproveitar cada instante de felicidade; A chorar de saudade sem vergonha de demonstrar; Me ensinou a ter olhos para "ver e ouvir estrelas",
embora nem sempre consiga entendê-las; A ver o encanto do pôr-do-sol;
A sentir a dor do adeus e do que se acaba, sempre lutando para preservar tudo o que é importante para a felicidade do meu ser;
A abrir minhas janelas para o amor; A não temer o futuro;
Me ensinou e está me ensinando a aproveitar o presente, como um presente que da vida recebi,
e usá-lo como um diamante que eu mesmo tenha que lapidar, lhe dando forma da maneira que eu escolher.
(Autoria não confirmada) Abraço carinhoso,
Profª Raquel Pereira
1 2
3
Mensagem Final 4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
Disponível em: https://pensador.uol.com.br/frase/MjQ1ODU/ 29
Apêndice 18
239
1
2
3
4 5 6 7 8
9 10 11 12 13
14
15
16 17 18 19
20 21
22 23 24
25 26
27
28
29 30 31 32
33 34 35 36 37
38 39 40 41
42 43 44
45 46 47 48
Apostila encadernada, entregue aos
alunos no 1º dia.
Mural exposto na sala de aula, no 1º dia.
Apêndice 19
240
1
2 3 4 5 6
7 8 9 10 11
12 13 14
15 16 17
18 19
20 21 22
23 24
25 26 27
28
29
30 31
32 33 34
35 36
37 38 39
40 41
42 43
44 45 46 47 48
Lembrancinhas contendo
doces, entregues no último
dia de aula.
.
241
1
2 3 4 5 6
7 8 9 10 11
12 13 14
15
16
17 18 19
20 21
Anexos 22
23 24
25 26 27
28
29 30
31 32 33
34 35
36 37 38 39 40
41
42
43 44 45 46 47 48
242
O DESPEJO
1 . 2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
O senhor Manoel foi
despejado por donos da
empresa Império
Na cidade de São Paulo, no
dia 08/05/15, o senhor Manoel e sua
família moravam em uma maloca e
eles eram muito pobres. O dono da
empresa Império, Jorge, mandou
derrubar a maloca e assim foi o
acontecido. Depois de um certo
tempo, o dono da Maloca, Senhor
Manoel, estava morando nas ruas de
São Paulo e resolveu voltar onde seu
irmão tinha deixado ele, aos 3 anos.
Autores:
Elaine Pereira, Karina Oviendo, Renan Araújo (8º ano B)
Ele encontrou várias pessoas,
entre essas soube que tinha um irmão
bilionário. Ele ficou um certo tempo
procurando e descobriu que o dono da
empresa Império era o irmão que
procurava.
Atualmente, Manoel é secretário e
administrador da empresa.
Anexo 1
243
MALOCA DEMOLIDA DEIXA MORADORES SEM CASA
1
2
3
4
5
6
. 7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Autores:
Aline Rocha, Enzo Araújo e Gustavo Novais (8º ano B)
Na cidade de
Salvador (BA), em
02 de setembro de
2014, uma maloca
foi demolida,
deixando três
moradores sem casa.
Ela foi
derrubada para a
construção de
prédios no local.
“A empresa
pode deixar pessoas
infelizes, porém
ajuda muitas outras,
dando empregos e
indenizando aqueles
que perderam suas
casas”, diz o
empresário.
“ Nóis sem
pode se alembrá.
Veio os home co’as
ferramenta, o dono
mandô derrubá”,
dizem os donos da
maloca.
Esses moradores não
foram os primeiros a
terem sua moradia
destruída e não serão
os últimos. Porém a
empresa pagou
indenização e, com
esse dinheiro, os
moradores podem
construir outra casa.
Ela foi
derrubada para a
construção de
prédios no local
O empresário
que mandou derrubar
a maloca nos deu
uma entrevista.
Vejamos.
Anexo 2
244
A DEMOLIÇÃO DA MALOCA
1
2
3
4
.. 5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Nesta sexta-feira, 22
de setembro, na cidade de
Piripá, os senhores Mato
Grosso, Joca e João
estavam em sua residência,
quando chegaram homens
com ferramentas com a
intenção de demolir sua
moradia.
Autores:
Keila Rocha, Nayara Vitória Silva, Ana Flávia Almeida (8º ano B)
UMA MALOCA FOI DESTRUÍDA, DEIXANDO TRÊS MORADORES
DESABRIGADOS NESTA SEXTA.
Testemunhas disseram
que os homens que
demoliram a casa trabalham
em uma empresa de
engenharia e arquitetura.
Segundo fontes, o local será usado
para a sede da empresa.
Porém eles (os moradores expulsos)
não se abalaram. Deram a volta por cima e
já estão à procura de uma nova moradia.
Eles tentaram lutar, mas eram só três
homens contra muitos.
Anexo 3
245
. 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Sala de vídeos. Exibição da
música de teatro mágico e do
vídeo sobre variação.
Oficina em sala de aula e
produção escrita.
Anexo 4
246
1
2
3
4
5
6
7
8
9
. 10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Apresentação dos
trabalhos realizados
.
Dicionário de gírias e
expressões antigas e
modernas
.
Anexo 5
247
1
. 2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Entrega das lembrancinhas, realizada no último dia de aula. .
Anexo 6
248
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Apresentação de uma música composta pela aluna Rayana, dedicada à professora Raquel.
Carta da aluna Rayane, entregue no último dia.
Anexo 7
249
. 1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Anexo 8
Música feita pela a aluna Rayane e cantada ao som de violão, no
último dia.
250
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Turma do 8º ano B, onde foi realizada a proposta de intervenção.
Anexo 9