o poder de cautela do juiz e a viabilidade da imposiÇÃo da multa por hora como meio coercitivo...

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1 O PODER DE CAUTELA DO JUIZ E A VIABILIDADE DA IMPOSIÇÃO DA MULTA POR HORA COMO MEIO COERCITIVO EFICAZ DE VEDAÇÃO AO CORTE ARBITRÁRIO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA Priscila Rodrigues Marconi Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense

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1

O PODER DE CAUTELA DO JUIZ E A VIABILIDADE DA IMPOSIÇÃO DA

MULTA POR HORA COMO MEIO COERCITIVO EFICAZ DE VEDAÇÃO AO

CORTE ARBITRÁRIO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA

Priscila Rodrigues Marconi

Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense

2

Resumo

O estudo se mostra relevante vez que a medida coercitiva da multa diária

se mostra ineficaz, já que, nem sempre, é capaz de compelir a empresa fornecedora de

energia elétrica a restabelecer o serviço essencial de imediato. Neste contexto, é que a

aplicação da multa por hora se mostra adequada, atendendo aos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a alcançar a segurança jurídica

pertinente ao ramo do direito. Neste aspecto, a metodologia a ser empregada na

investigação do objeto deverá se utilizar de métodos descritivos da matéria, buscando

fazer um levantamento de opiniões e orientação dos Tribunais do País, a fim de

identificar que a aplicação da multa diária não supre as necessidades do consumidor. O

método de investigação será dedutivo, na medida em que deverá partir da constatação

geral para o caso particular. Num primeiro momento, haverá a observação do tema pelo

pensamento doutrinário, de forma a se extrair a regra geral para, posteriormente,

verificar sua aplicabilidade prática ao caso concreto. Pela utilização dos métodos, a

abordagem a ser empregada deverá ser do tipo qualitativa, uma vez que a pesquisa terá

por intento identificar hipóteses em que poder-se-ia cogitar a possibilidade de aplicar a

multa por hora, contribuindo, assim, para a resolução de demandas em que o particular

não mais tenha que sofrer com o corte arbitrário de energia elétrica.

Direitos e garantias fundamentais

Em apertada síntese, é imperioso mencionar as noções basilares no que

tange a direitos e garantias fundamentais, normas de aplicação imediata1, entendendo o

primeiro como bens e vantagens inscritos na norma constitucional e o derradeiro como

instrumento através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos ou os repara,

se violados.

Ainda, os direitos e garantias fundamentais definem-se como gênero, ao

qual pertencem as seguintes espécies: direitos e deveres individuais e coletivos,

ressalvando que estes não se restringem ao art. 5º da Carta Magna, conforme declarado

1 Art. 5º, § 1º, CRFB/88.

3

pela Suprema Corte2; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos;

direitos relacionados à existência, organização e participação dos partidos políticos.

Neste sentido, Guilherme Peña de Moraes3 define direitos fundamentais

como “direitos subjetivos, assentes no direito objetivo, positivados no texto

constitucional, ou não, com aplicação nas relações das pessoas com o Estado ou na

sociedade”.

Hodiernamente, a doutrina, dentre os vários critérios, optou por uma

classificação mais moderna denominada gerações/dimensões de direitos fundamentais:

(i) a primeira geração (séculos XVII, XVII, XIX) menciona direitos que dizem respeito

às liberdades públicas e aos direitos políticos, revelando a primazia da liberdade; (ii) a

segunda geração (a partir do século XIX) é impulsionado pelas péssimas condições de

trabalho, fixando os direitos sociais, culturais e econômicos correspondendo aos direitos

de igualdade; (iii) a terceira geração foi marcada pelas alterações da sociedade,

passando a haver constantes preocupações mundiais, eclodindo na noção de

preservacionismo ambiental e proteção aos consumidores, que trouxeram os direitos de

solidariedade ou fraternidade; (iv) a quarta geração, referente à engenharia genética/

tecnologia, apesar de não ser unânime na doutrina, foi prevista por Bobbio4: “já se

apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta

geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que

permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.

Neste sentido, resta evidente que os direitos e garantias fundamentais

agem, finalisticamente, através do Estado, com o escopo de defender os interesses mais

elementares dos cidadãos, daí por que se falar na indisponibilidade destes direitos pelos

mesmos. Ficando evidente, neste ponto, as características dos direitos fundamentais,

quais sejam, inalienabilidade, historicidade e relatividade.

2 ADI 939-7/DF – a garantia constitucional prevista no art. 150, III, “b”, CRFB/88 foi considerada pelo

rel. Min. Sydney Sanches como cláusula pétrea, declarando, ainda, que a EC n. 3/93, ao pretender subtraí-

la da esfera protetiva dos destinatários da norma, estaria ferindo o limite material previsto no art. 60, § 4º,

IV, CRFB/88. 3 MORAES, Guilherme Peña de. Direitos Fundamentais: conflitos e soluções. 1ª Ed. São Paulo. Frater et

labor, 2000, p. 11 4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,

1992. p. 06.

4

Eficácia dos direitos fundamentais

Em face do conhecimento de que os direitos fundamentais são

considerados necessários à existência digna, livre e igualitária, sendo, portanto,

indispensáveis a pessoa humana, é de notória relevância enfatizar que não basta ao

Estado reconhecer tais direitos, mas, de fato, efetivá-los, vale dizer, torná-los eficazes.

É bem verdade que as normas constitucionais conservam diversas

peculiaridades, dentre as quais o atributo de imperatividade. Assim, tem-se que as

normas jurídicas concernentes aos direitos fundamentais são de natureza cogente, e

neste sentido explica Luís Roberto Barroso5:

“As normas cogentes são preceptivas, quando

obrigam a determinada conduta, ou proibitivas,

quando a vedam. Sua essência reside em

impor-se à vontade de seus destinatários, não

lhes permitindo regular determinada situação

por forma diversa. Não há, neste caso, margem

à vontade individual para convencionar

distintamente”.

Com efeito, onde se verifica uma norma que contém uma ordem com

força jurídica e não apenas moral, percebe-se, em contrapartida, que a sua inobservância

coaduna um procedimento de coação, a fim de garantir a efetividade desta norma de

caráter impositivo. Ou seja, o Estado, como garantidor desta efetividade das normas,

deve fazer com que os particulares entre si respeitem os direitos fundamentais, assim

como ele próprio deve respeitar os direitos inerentes aos cidadãos, a fim de garantir a

segurança jurídica. Exempli gratia, essa proteção poderá se dar por meio de normas de

proibição ou de imposição de condutas, como o caso da proibição da venda de

medicamento reputado nocivo à saúde.

Diante do exposto, cabe esclarecer que a eficácia dos direitos

fundamentais ocorre de duas formas: eficácia horizontal/privada/externa e eficácia

vertical, sendo a primeira a relação entre particulares e a segunda a relação entre o

Estado e o particular, interessando apenas esta última no presente estudo.

Ainda, é crucial aduzir que a eficácia das normas está intimamente

atrelado à noção de completude da regra jurídica. Isto significa que, em regra, as normas

5 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e

possibilidade da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 7ª ed. atual., 2003, p. 77.

5

que consagram os direitos fundamentais são de eficácia contida e aplicabilidade

imediata6.

Resta claro, portanto, que a mera declaração constitucional não resolve

todas as questões. Entretanto, o disposto no art. 5º, §1º, CRFB, quando declara que

todas as normas do artigo têm aplicação imediata significa, conforme José Afonso da

Silva7, que elas são aplicáveis até onde possam, ou seja, até onde as instituições

ofereçam condições para seu atendimento.

Este fato se traduz no fato de Poder Judiciário, ao ser invocado sobre

uma situação concreta garantida, não poder deixar de aplicar tais normas, conferindo ao

interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.

Como leciona Luiz Guilherme Marinoni8, a norma de direito

fundamental, independentemente da possibilidade de sua subjetivação, sempre contém

valoração. O valor nela contido, revelado de modo objetivo, espraia-se necessariamente

sobre a compreensão e atuação do ordenamento jurídico. Atribui-se aos direitos

fundamentais, assim, uma eficácia irradiante.

Para o citado autor, “as normas que estabelecem direitos fundamentais,

se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles

que fazem parte da sociedade”9.

Compreendendo que os direitos fundamentais são normas de cogentes e

de eficácia contida (em regra), é possível aferir, apesar de sua aplicabilidade imediata,

tais normas não são estanques, havendo um parâmetro de flexibilidade, para, se for o

caso, atingir a eficácia plena ou integral. E é justamente neste limiar de flexibilidade que

pode se verificar um aparente contrassenso gerador do conflito de normas.

6 “As normas constitucionais de eficácia contida ou prospectiva têm aplicabilidade direita e imediata, mas

possivelmente não integral. (...) Além da restrição da eficácia das referidas normas de eficácia contida

tanto por lei como por outras normas constitucionais (...), a restrição poderá implementar-se, em outras

situações, por motivo de ordem pública, bons costumes e paz social”. LENZA, Pedro. Direito

Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.136/137.

“Normas de eficácia contida, portanto, são aquelas em que o legislador constituinte regulou

suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por

parte da competência discricionária do poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos dos

conceitos gerais elas enunciados” SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais.

São Paulo: Malheiros, 1998, p. 116).

“[Normas de eficácia contida] são aquelas que têm aplicabilidade imediata, integral, plena, mas que

podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional”. TEMER, Michel.

Elementos do direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 24. 7 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1998

8 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p.168. 9 Idem. Ibidem. p.168.

6

Serviço Público: conceito, princípio norteador e classificação.

Inicialmente, faz-se mister a contextualização do conceito basilar de

serviço público, nos termos do art. 175, CRFB, o qual será analisado ao longo do

estudo. Neste sentido, compreende-se que serviço público é “toda atividade que o

Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas

mediante procedimento típico do direito público”10

ou, mais restritivamente, é “todo

aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles

estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou

simples conveniências do Estado”11

.

A partir das definições em tela, pode-se aferir que determinados

princípios estão intimamente atrelados ao conceito em pauta, dentre eles, o princípio da

continuidade do serviço público, que significa que determinada atividade não pode ser

objeto de pausa, suspensão, interrupção, ou seja, simplesmente não pode parar. Todavia,

é imperioso entender que tal princípio não é absoluto, uma vez que, em casos

excepcionais, é admitido o corte no fornecimento do serviço, isto é, quando verificado o

inadimplemento e nas hipóteses da Lei nº 8.987/95, em seu art. 6º, § 3º.

Neste contexto, cabe ainda fazer alusão ao serviço público classificado

como essencial que guarda estrita relação com os direitos fundamentais, razão pela qual

não que se falar em corte, vez que do seu fornecimento depende a plenitude do direito

inerente à dignidade da pessoa humana. Desta forma, tem-se que tais serviços devem,

em regra, ser prestados pelo Estado não podendo ser objeto de delegação. Não obstante,

tal mandamento comporta exceções, motivo pelo qual é possível verificar serviço

essencial sendo fornecido pelo particular, como é o caso do fornecimento de energia

elétrica.

A conduta reiterada de corte do fornecimento de energia elétrica

Diante do exposto, algumas observações se fazem necessárias, quais

sejam: (i) a arbitrariedade no corte do serviço público; (ii) a falta de punição adequada

10

CRETELLA JUNIOR, José. Administração Indireta Brasileira. Rio de Janeiro: Forense. 1980. P.55-60 11

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2003. P. 319

7

pelo comportamento arbitrário das concessionárias de serviço público, que enseja a

reiteração de conduta.

Ora, como mencionado anteriormente, os serviços públicos, ainda que

estejam assegurados pelo princípio da continuidade, esbarram em situações limítrofes,

donde se é possível verificar a hipótese de exceção, vale dizer, hipóteses em que o corte

no fornecimento do serviço teria embasamento legal.

Nesta seara, deve-se analisar, frente a uma interpretação sistemática que

a Carta Magna prevê, em seu art. 175, a criação de lei, capaz de regulamentar a matéria

de delegação, a saber: Lei nº 8.987/95, que, dentre outras definições, autoriza o corte do

fornecimento de energia nos casos de ordem técnica ou segurança das instalações e por

inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade.

Ocorre que os Tribunais vêm entendendo que o ato de cortar o

fornecimento do serviço como forma de compelir o cumprimento da obrigação, somente

pode ocorrer uma vez comprovada o inadimplemento da mesma.

Isso significa que, nas situações em que não há certeza quanto ao

inadimplemento do particular, o corte do fornecimento de serviço essencial, mais do que

arbitrário, é inconstitucional. Diz-se desta forma, por não se enquadrar nas hipóteses de

exceção em que se permite a interrupção no fornecimento do serviço.

Neste aspecto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento

segundo o qual a interrupção do serviço só é lícita se o inadimplemento referir-se ao

mês do consumo e se precedida de aviso prévio:

“RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO –

INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO –

CABIMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE CORTE POR

DÉBITOS PRETÉRITOS. 1. A continuidade da prestação

do serviço público é limitada pela interpretação da Lei n.

8.987/95, que trata do regime de concessão e permissão,

notadamente no artigo 6º, § 3º, incisos I e II, e prevê as

duas situações em que é legítima sua interrupção: quando

sob emergência ou após prévio aviso. 2. A interrupção no

corte de energia elétrica visa resguardar a continuidade do

serviço, que restaria ameaçada justamente por onerar a

sociedade, levando esta a arcar com o prejuízo decorrente

de todos débitos. A empresa concessionária poderá

suspender o fornecimento de energia no caso de

inadimplemento da conta. 3. Pretende a COSERN a

modificação no julgado que condicionou o fornecimento

de energia elétrica apenas ao pagamento das faturas

8

vincendas. A jurisprudência desta Corte firmou o

entendimento no sentido de que não deve haver a

suspensão do fornecimento de energia elétrica por causa

de débitos pretéritos. 4. O corte de energia elétrica

pressupõe o inadimplemento de conta relativa ao mês do

consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento,

em razão de débitos antigos. 5. Para tais casos deve a

companhia utilizar-se dos meios ordinários de cobrança

pois não se admite qualquer espécie de constrangimento

ou ameaça ao consumidor, nos termos do art. 42 do

Código de Defesa do Consumidor. Recursos especiais

conhecidos e improvidos.” (REsp 909.146/RN, Rel.

Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA

TURMA, julgado em 19.04.2007, DJ 04.05.2007 p. 431).

Ainda, é possível perceber a questão da arbitrariedade a partir dos

seguintes julgados do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTADORA DE

SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO

PÚBLICO ESSENCIAL. CORTE NO

FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. A LIGHT é

concessionária de serviço público de fornecimento de

energia elétrica, que é considerado um serviço essencial,

imprescindível à dignidade humana e, como tal, está

obrigada a prestá-lo de forma contínua, adequada,

eficiente e segura. 2. Nestes autos está configurada a

prática de uma proibição relativa, vez que a LIGHT se

utilizou do corte do fornecimento de energia elétrica, para

dar auto-executoriedade à dívida. 3. Precedentes

jurisprudenciais. 4. Desprovimento do recurso na forma

autorizada pelo artigo 557 do CPC. (2008.002.12352 -

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. LETICIA

SARDAS - Julgamento: 05/05/2008 - VIGESIMA

CAMARA CIVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTADORA DE

SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO

PÚBLICO ESSENCIAL. CORTE NO

FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. A LIGHT é

concessionária de serviço público de fornecimento de

energia elétrica, que é considerado um serviço essencial,

imprescindível à dignidade humana e, como tal, está

obrigada a prestá-lo de forma contínua, adequada,

9

eficiente e segura.2. Nestes autos está configurada a

prática de uma proibição relativa, vez que a LIGHT se

utilizou do corte do fornecimento de energia elétrica, para

dar auto-executoriedade à dívida. 3. Precedentes

jurisprudenciais.4. Provimento do recurso na forma

autorizada pelo § 1º-A do artigo 557 do CPC,

confirmando a tutela concedida às fls. 46v.

(2007.002.14859 - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

DES. LETICIA SARDAS - Julgamento: 11/07/2007 -

VIGESIMA CAMARA CIVEL)

APELAÇÕES CÍVEIS. RELAÇÃO DE CONSUMO.

AÇÃO INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO

DO SERVIÇO DE FATURAMENTO. VIOLAÇÃO AO

ARTIGO 6º, III DA LEI 8.072/90. SUSPENSÃO

INDEVIDA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA

ELÉTRICA. ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO.

AFRONTA AO ARTIGO 42, CAPUT, DO CDC. DANO

IN RE IPSA. DEVER DE INDENIZAR

CONFIGURADO. CORRETA FIXAÇÃO DO

QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO DA

SENTENÇA. Cuida-se de ação indenizatória a pretexto

da qual objetiva a autora a condenação da ré ao

pagamento de indenização a título de danos morais, em

virtude de falha na prestação do serviço de faturamento,

que culminou no corte indevido do fornecimento de

energia elétrica em sua residência. Sentença de

procedência parcial. Apelações interpostas por ambas as

partes. No que tange ao segundo apelo (Light), este não

merece prosperar, uma vez que restou clara a falha na

prestação do serviço de faturamento das contas enviadas à

autora nos meses de dezembro/2005 e janeiro/2006,

diante das imprecisas informações contidas nas cobranças.

Seguidos refaturamentos que causaram dúvidas a

consumidora quanto a sua obrigação de adimpli-las.

Inobservância do dever de informação. Violação ao artigo

6º, inciso III do CDC. Suspensão indevida do serviço de

fornecimento de energia elétrica, de natureza essencial.

Afronta ao artigo 42, caput do Estatuto Consumerista.

Dano in re ipsa. Dever de indenizar o dano de ordem

moral (Artigo 14 da Lei 8.072/90). No que concerne ao

primeiro apelo (autora), melhor sorte não assiste à

recorrente. Fixação da verba indenizatória contida no

decisum a quo que guardou pertinência com os aspectos

do caso concreto. Observância dos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade. Manutenção da

sentença. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AOS

APELOS, NOS TERMOS DO ART. 557, CAPUT DO

CPC. (2009.001.06209 - APELACAO - DES. ISMENIO

10

PEREIRA DE CASTRO - Julgamento: 02/04/2009 -

DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL)

Na tentativa de coibir tal conduta, tem-se aplicado multa diária, a fim de

compelir a concessionária, responsável pelo fornecimento do serviço a restabelecê-lo

prontamente. Entretanto, as multas aplicadas não tem cumprido sua finalidade, qual

seja, o pronto restabelecimento do serviço, que, não raro, a determinação judicial

demora a ser cumprida e a não reincidência de conduta inconstitucional, violativa da

dignidade da pessoa humana:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO PELO RITO

ORDINÁRIO C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO

PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA. Decisão que

deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando

que a ré/agravante restabeleça o serviço de energia

elétrica na residência do autor/agravado, no prazo de 48

horas, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00.

Ausência de razoabilidade na interrupção do serviço.

Enquanto pendente controvérsia sobre a existência e

regularidade do débito, descabe o corte do serviço

essencial. Precedentes do STJ. Presença dos requisitos

autorizadores da medida deferida (art. 273 do CPC). O

caráter emergencial da medida torna despicienda à oitiva

da parte contrária para a concessão da antecipação de

tutela, segundo jurisprudência uníssona sobre a matéria.

Decisão antecipatória de tutela que não se mostra ilegal,

teratológica ou contrária à prova dos autos, a ensejar a sua

revogação. Negado seguimento ao recurso.

(2009.002.11983 - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

DES. MONICA COSTA DI PIERO - Julgamento:

31/03/2009 - OITAVA CAMARA CIVEL)

Agravo de instrumento. Ação indenizatória. Decisão que,

em ação declaratória, indeferiu a tutela antecipada por não

vislumbrar a presença dos requisitos do art. 273 do CPC,

uma vez que o TOI não foi acostado aos autos e não há

prova da ameaça de corte do fornecimento de energia

elétrica. A cobrança refere-se a irregularidade detectada

no sistema de medição de energia (alteração para menor

do consumo da energia elétrica). O simples "Termo de

Ocorrência de Irregularidades", elaborado unilateralmente

pela empresa distribuidora de energia elétrica, não é

suficiente para embasar corte no fornecimento de energia

elétrica. Precedentes jurisprudenciais, inclusive desta Eg.

Câmara Cível. Há verossimilhança na pretensão do

11

agravante ao questionar o valor apresentado pela agravada

após a lavratura unilateral do TOI, sem que tenha sido

disponibilizado ao consumidor o direito constitucional da

ampla defesa e do contraditório. Artigo 557, § 1º-A do

CPC. Provimento do recurso para determinar o

restabelecimento do fornecimento de energia elétrica para

a residência da parte autora, no prazo de 72 horas, não

devendo a agravada lançar o nome do autor nos cadastros

restritivos de crédito pelo fato em questão, sob pena de

multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais).

(2009.002.25873 - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

DES. HELDA LIMA MEIRELES - Julgamento:

15/07/2009 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL)

Agravo de instrumento manejado contra decisão que

deferiu tutela antecipada para que a ré restabelecesse o

fornecimento de energia elétrica na residência da autora

no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$

300,00. Decisão que não é teratológica. Aplicação da

Súmula 59 desta Corte. Recurso que se nega provimento.

(2009.002.14999 - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

JDS. DES. VALERIA DACHEUX - Julgamento:

05/06/2009 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL)

Agravo de instrumento. Obrigação de Fazer. Tutela

antecipatória deferida para que a empresa agravada se

abstenha de efetuar o corte de energia elétrica na unidade

da agravada ou, caso já o tenha realizado, que promova o

seu retorno, no prazo de 24 horas, sob pena de multa

diária de R$ 300,00 (trezentos reais). Valor das astreintes

que se justifica diante da necessidade e urgência do uso da

energia elétrica. Decisão que não se mostra teratológica,

contrária à lei ou à prova dos autos. Aplicação da Súmula

59 desta Corte Estadual. Recurso improvido.

(2009.002.19031 - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

DES. CELSO PERES - Julgamento: 03/06/2009 -

DECIMA CAMARA CIVEL)

Multa diária/Astreintes: conceito e natureza jurídica

Face ao exposto, a multa diária resta, comprovadamente, ineficaz no

intento de impor à concessionária de fornecimento de energia elétrica mais cautela nas

suas ações, tendo em vista estar em posse de realização de serviço essencial.

Por esta razão, cumpre fazer um breve retrocesso acerca do instituto das

astreintes, para se atingir o fim colimado neste estudo.

12

O poder jurisdicional pode ser verificado quando há violação do direito

subjetivo do particular, que, por não poder se socorrer da auto-tutela para solucionar o

conflito, recorre ao Estado, que se sub-roga no seu direito no deslinde da lide.

Entretanto, há casos – aqueles em que o cumprimento da obrigação tem caráter

personalíssimo – em que o Estado não pode simplesmente lançar mão desta conduta,

tendo, portanto, que recorrer aos meios de coerção para atingir o fim almejado, podendo

a multa ser mencionada como exemplo de medida coercitiva.

Neste sentido, a multa que trata art. 461, § 4º, CPC, é uma técnica de

coerção psicológica do devedor, de modo a forçar o cumprimento de uma determinada

obrigação. Tal multa pode ser fixada de ofício pelo juiz, ela é o instrumento utilizado

com o fim de aproximar o direito substancial do direito processual. Assim, resta

asseverado que as astreintes consistem em uma multa periódica aplicada, em regra,

diariamente, sendo certo que o óbice à mutabilidade do valor não prospera.

Por esta razão, é cabível informar que a segurança jurídica de uma

sociedade não se esgota em ver o direito declarado, mas em fazer este direito ser

efetivo, ou seja, garantido e cumprido. Por isso, se faz necessária a imposição de

sanções severas, em caso de inadimplemento, para que o obrigado sequer cogite a

possibilidade de descumprir a ordem judicial. Desta feita, a multa pecuniária periódica,

fixada em observância ao princípio da proporcionalidade, constitui um instrumento

bastante hábil, ao mesmo tempo em que preserva direitos fundamentais do devedor.

Assim, para se dar um maior grau de coerção para as decisões judiciais,

faz-se mister conceber a autonomia da multa pecuniária em relação ao direito material

invocado. Isto porque sua exigibilidade imediata é inerente ao seu objetivo – a coerção

– pois que para haver uma coerção é importante que ela seja imediata e grave. Ademais,

o "fato gerador" da multa é o descumprimento da ordem judicial, que a posterior

improcedência pedido não tem o condão causar sua inexigibilidade.

Da verificação do Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade

Frente a realidade que se apresenta, tem-se que o Princípio da

Proporcionalidade e da Razoabilidade se afastam cada vez mais do caso em questão.

Isso porque, para uma empresa de grande porte, concessionária de serviço essencial,

sequer se abala ao pagar as multas colimadas pelo ato de cortar indevidamente o

fornecimento de energia elétrica.

13

Assim entende-se o princípio da proporcionalidade determina que se

estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição

normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Já a

razoabilidade, por seu turno, como princípio geral de interpretação que impede a

consumação de atos, fatos e comportamentos inaceitáveis, penetra e constitui uma

exigência, não apenas da garantia do devido processo legal, mas de todos os princípios e

garantias constitucionais autonomamente assegurados pela ordem constitucional

brasileira.

Nesta amonta, resta claro que o valor da multa não é proporcional, por ter

dificuldades em atingir o fim colimado, nem tampouco é razoável, vez que a parte mais

fragilizada da relação, o consumidor, é quem sai prejudicado, por ter seu serviço

cortado, em alguns casos indevidamente.

Poder Geral de Cautela do Juiz e o Livre Convencimento Motivado

Por esta razão, é valoroso que se destaque o Poder de Cautela do Juiz em

consonância com o Princípio da Equidade; um dos princípios que regem o Código de

Defesa do Consumidor.

Como se extrai do art. 798 do Código de Processo Civil, tem-se a

legitimidade do juiz para ordenar providências previstas expressamente em lei e outras

que, embora não especificadas normativamente, sejam necessárias à proteção do direito

provável contra o dano iminente. Logo, verifica-se que o poder geral de cautela do juiz

é uma aptidão jurídica da qual está investido o magistrado para ordenar medidas

cautelares “nominadas” e “inominadas” se presentes os pressupostos do fumus boni

iuris e o periculum in mora.

Há quem afirme que é melhor é entender tal postulado como um poder-

dever: poder, posto que é o juiz o agente público titular da jurisdição e a ele compete

ordenar tais providências em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXV, CRFB e

dever, porque, o magistrado fica vinculado ao deferimento da medida garantidora do

direito ameaçado.

Ainda, é possível afirmar que há uma certa dose de discricionariedade,

que está atrelada à noção de liberdade com a qual o magistrado deve avaliar a situação

existentes no caso concreto e, assim, determinar ou não a medida cautelar. Recorrendo-

se ao livre convencimento motivado (CF, art. 93, IX), cabe ao juiz examinar de forma

14

cautelosa as circunstâncias de cada caso para aferir a necessidade da medida, balizando

sua análise pelos critérios do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Já no que se refere ao Livre Convencimento Motivado, apenas vale

mencionais que o juiz não mais fica preso ao formalismo da lei, antigo sistema da

verdade legal, sendo que vai embasar suas decisões com base nas provas existentes nos

autos, levando em conta sua livre convicção pessoal motivada. É certo, porém, que o

livre convencimento do julgador deve ser mantido pelo ordenamento processual, sendo

certo que tal direito não vincula o julgador a qualquer outra decisão.

Assim, extrai-se o entendimento do e. Tribunal de Justiça do Estado do

Rio de Janeiro:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA

ACÓRDÃO QUE NEGA PROVIMENTO A RECURSO

DE AGRAVO INOMINADO. AUSÊNCIA DE

CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO.

AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO

ARTIGO 535 DO CPC. PRETENSÃO DE

REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. EFEITOS

MODIFICATIVOS. IMPOSSIBILIDADE.

DESPROVIMENTO. O magistrado não está obrigado a

proferir julgamento de acordo com o pleiteado pelas

partes, pois vigora em nosso ordenamento o princípio do

livre convencimento motivado. Recurso conhecido e

desprovido. (2009.002.19644 - AGRAVO DE

INSTRUMENTO - DES. ELTON LEME - Julgamento:

23/09/2009 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE

OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM

INDENIZAÇÃO. DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO

DE PROVA PERICIAL. INSURGÊNCIA DO

AGRAVANTE. 1- Pelo sistema do livre convencimento

motivado, chamado de persuasão racional, o juiz está livre

para formar o seu convencimento cabendo a ele avaliar a

necessidade ou não das provas que entender pertinentes.

2- A questão controversa diz respeito a responsabilidade

da agravada pelo vazamento de água nas instalações

hidráulicas de sua residência que estaria gerando a

cobrança de tarifa em valor superior, sendo pertinente a

prova pericial. 3- A decisão guerreada não se mostra

teratológica, tampouco contraria a lei, o que afasta a

possibilidade de reforma, nos termos do verbete 59 da

Súmula deste Tribunal. 4- Recurso conhecido. Negativa

de seguimento, na forma do art. 557, caput do C.P.C.

(2009.002.35322 - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

15

DES. TERESA CASTRO NEVES - Julgamento:

14/09/2009 - QUINTA CAMARA CIVEL)

RECURSO DE AGRAVO INTERNO CONTRA

DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU

SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO.

AÇÃO INDENIZATÓRIA. INDEFERIMENTO DE

PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO

CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO

RECURSO.1. Verifica-se que o juízo monocrático agiu

corretamente ao indeferir a produção de tais provas.

Cumpre salientar que vigora no nosso ordenamento

jurídico o sistema do livre convencimento motivado,

segundo o qual o juízo da causa está livre para valorar as

provas a ele apresentadas, decidindo quais se mostram

necessárias e suficientes para a formação do seu livre

convencimento, exigindo-se, no entanto, motivação das

suas decisões. 2. Aplicação do art. 130 do CPC no sentido

de que provas desnecessárias ao deslinde da questão

poderão ser indeferidas sem que isto represente

cerceamento de defesa ou ofensa ao devido processo legal

e ao contraditório, como pretende a agravante.

Desprovimento do recurso. (2009.002.17196 - AGRAVO

DE INSTRUMENTO - DES. MARCOS ALCINO A

TORRES - Julgamento: 08/09/2009 - DECIMA NONA

CAMARA CIVEL)

Princípio da Equidade

De fato, para a doutrina moderna, os conceitos variam de acordo com a

posição de cada doutrinador, apesar de todos os conceitos serem muito próximos, tal

como foi observado previamente no sentido gramatical atribuído ao vocábulo

“eqüidade”. Segundo De Plácido e Silva:

“Sendo assim, a eqüidade é a que se funda na

circunstância especial de cada caso concreto,

concernente ao que for justo e razoável. E,

certamente, quando a lei se mostrar injusta, o

que poderá admitir, a eqüidade virá corrigir o

seu rigor, aplicando o princípio em que nos vem

do Direito Natural, em face da verdade sabida ou

da razão absoluta. Objetiva-se, pois, no princípio

que modera ou modifica a aplicação da lei,

quando se evidencia de excessivo rigor, o que

seria injusto. Assim, diz-se que aequitas sequitur

16

legem (a eqüidade acompanha a lei). E jamais

poderá ser contra ela." 12

Ratificando este raciocínio e parafraseando as lições de Sílvio de Salvo

Venosa pode-se afirmar que diante da eventual severidade de determinada regra

jurídica, a eqüidade vem de suavizá-la, conformando-a às necessidades sociais que

reclama o caso concreto. Daí dizer-se, com propriedade, que a eqüidade nada mais é do

que uma manifestação de Justiça.13

Deste modo, ao classificar a eqüidade no universo jurídico hodierno,

percebe-se que esta se enquadra na interpretação, integração e aplicação do Direito.

Valida esta tese o ilustre jurista Miguel Reale:

“Interpretação, integração e aplicação são três

termos técnicos que correspondem a três

conceitos distintos, que às vezes se confundem,

em virtude de sua íntima correlação. (...) Antes

da aplicação não pode deixar de haver

interpretação, mesmo quando a norma legal é

clara, pois a clareza só pode ser reconhecida

graças ao ato interpretativo. (...) se

reconhecermos que a lei tem lacunas é

necessário preencher tais vazios, a fim de que se

possa dar sempre uma resposta jurídica,

favorável ou contrária, a quem se encontre ao

desamparo da lei expressa”. 14

A Problemática Das Lacunas Do Direito

É importante discorrer a questão levantada pelo Professor Miguel Reale

acerca das lacunas do Direito, uma vez que há problemática referente ao tema. De modo

bastante cuidadoso é possível dividir as teorias acerca das lacunas do direito em duas

correntes principais: os que não admitem a existência de lacunas no ordenamento

jurídico e os que entendem que é possível a existência de lacunas neste sistema.

12

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 312. 13

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral, São Paulo: Atlas, 2002, p. 50 14

REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 297-298.

17

Corrente Da Completitude Do Direito

Nesta corrente prevalece a lógica Positivista, que tem como um de seus

maiores representantes, Hans Kelsen. Entende-se o sistema como sendo uno, pleno e

harmônico. O método adotado estritamente é o da auto-integração, o qual é possível

recorrer à analogia e aos princípios gerais do ordenamento jurídico, ou seja,

“o dogma da onipotência do legislador, de fato,

implica que o juiz deve sempre encontrar a

resposta para todos os problemas jurídicos no

interior da própria lei, visto que nela estão

contidos aqueles princípios que, através da

interpretação, permitem individualizar uma

disciplina jurídica para cada caso. O dogma da

onipotência do legislador implica, portanto, num

outro dogma estreitamente ligado ao primeiro, o

da completitude do ordenamento jurídico”.15

Nesta lógica, a legislação cumpriria o seu papel de modo eficaz,

justamente pelo fato de o Direito estar subdividido em suas variadas matérias, tendo,

portanto a capacidade de abranger todos os casos que vierem a surgir. Deste modo, as

lacunas não passariam de interpretações inapropriadas.

Corrente Da Incompletude Do Direito

Uma outra corrente a ser analisada é a que define o direito como um

sistema dinâmico, aberto e incompleto. O método basilar utilizado é o da hetero-

integração, deduzindo um juízo pessoal de eqüidade que permite ao jurista recorrer a um

sistema normativo (o da moral ou do direito natural) distinto do sistema do direito

positivo. Já dizia Portalis16

em seu discurso preliminar:

“Quando a lei e clara, é necessário segui-la;

quando é obscura, é necessário aprofundar suas

15

BOBBIO, Norberto, O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito, São Paulo: Ícone, 2006 p

.74 16

JEAN ETIENNE MARIE PORTALIS (1746-1807) teve o papel mais importante na comissão instalada

por Napoleão Bonaparte, em 1800, visto que a sua obra “Do uso e do abuso do espírito filosófico durante

o século XVIII” foi a principal inspiração para elaboração do Código Civil da França, posteriormente,

conhecido por Código Civil Napoleônico. Ele era jurista e político, enquadrando-se entre os liberais-

moderados.

18

disposições. Na falta da lei, é necessário

consultar o uso ou a eqüidade. A eqüidade é o

retorno a lei natural, no silêncio na oposição ou

na obscuridade das leis positivas”.17

Entretanto, pode-se dizer que o discurso de Porfilis é bastante atual, visto

que o próprio Miguel Reale é partidário do mesmo posicionamento:

“(...) mostrando que se podem superar as lacunas

do direito graças a normas de eqüidade, e que,

mediante juízos de eqüidade, se amenizam as

conclusões esquemáticas da regra genérica,

tendo em vista a necessidade de ajustá-la às

particularidades que cercam certas hipóteses da

vida social”.18

Neste contexto, fica comprovada a ineficiência do Direito ao tentar julgar

os mais diversos casos particulares, de modo justo, uma vez que cada caso engloba

peculiaridades muitas vezes omissas na lei. Para que se alcance o verdadeiro senso de

justiça, é preciso que o magistrado se valha de outros artifícios, de modo a proferir a

mais “suave e humana”19

(jus bonum et aequum) solução às lides. Assim, continua

Portalis em seu discurso, aduzindo que “seja lá o que se faça, as leis positivas não

poderão nunca substituir inteiramente o uso da razão natural nos negócios da vida”.20

A Eqüidade Como Meio De Interpretação, Integração E Aplicação De Normas

Vista a problemática acerca das lacunas do direito, volta-se para a função

da eqüidade no Direito. Conforme ensina Luís Recaséns Siches21

:

17

BOBBIO, Norberto, O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito, São Paulo: Ícone, 2006 p

. 77 18

REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 300-301 19

CARVALHO FILHO, Milton Paulo de, Indenização por eqüidade no novo Código Civil, São Paulo:

Atlas, 2003, p. 18 20

idem nota 8, p. 75 21

Filósofo, abogado e historiador, hijo de padres españoles, pero nacido en Guatemala. Estudió en

Barcelona, Madrid, Roma y Berlín y fue catedrático de Derecho de las universidades de Santiago de

Compostela, Salamanca y Valladolid. Su especialidad fue la filosofía del derecho, que desarrolló

aplicando algunos de los principios esenciales Recaséns pensaba que es fundamental realizar una

adecuada integración entre la teoría de los valores y la esfera de la existencia humana para que aquéllos

no tengan el carácter de principios abstractos. Escribió, entre otras obras, La filosofía del derecho de

Francisco Suárez (1927), Estudios de filosofía del derecho (1935), Vida humana, sociedad y derecho

(1939), y más tarde, Nueva filosofía de la interpretación del derecho (1973) y un monumental Tratado

general de sociología (1978).

19

"El problema de la equidad no es propiamente

el de "corregir la ley" al aplicarla a determinados

casos particulares. Nos se trata de "corregir la

ley". Se trata de otra cosa: se trata de

"interpretarla razonablemente" (...) "Es un

dislate enorme pensar em la posibilidad de una

interpretación literal. Uno puede comprender

que a algunos legisladores, imbuidos por una

embriaguez de poder, se les haya ocurrido

ordenar tal interpretación. Lo cual, por otra

parte, resulta por completo irrelevante, carece de

toda consecuencia jurídica, porque el legislador,

por absolutos que sean los poderes que se le

hayan conferido, no puede en ningún caso

definir sobre el método de interpretación de sus

mandatos. El legislador podrá ordenar la

conducta que considere justa, conveniente y

oportuna, mediante normas generales. A esto es

lo que se pueden extender sus poderes. Em

cambio, esencial y necessariamente está fuera de

su poder el definir y regular algo que no cabe

jamás incluir dentro del concepto de legislación:

el regular el método de interpretación de las

normas generales que él emite. Pero, en fin, a

veces, los legisladores, embriagados de

petulancia, sueñan en lo imposible. La cosa no

tiene, no debiera tener practicamente ninguna

importancia, porque se trata de um ensueño, sin

sentido, al que ningún juez sensato puede

ocurrirsele prestar atención. (...) Ahora bien, es

sabido que las palabras cobran sua auténtico

sentido solo dentro de dos contextos: dentro del

contexto de la frase, pero sobre todo dentro del

contexto real al que la frase se refire, es decir

con referencia a la situación y a la

intencionalidad mentadas em la frase".22

Através de um paralelismo com texto acima transcrito, Floriano Correa

Vaz da Silva, busca sintetizar as idéias de Recaséns Siches que brotaram no século XX

e se estendem até hoje:

"equidade não é apenas um dos meios de

interpretação, mas sim o meio de interpretação,

aquele que engloba e sintetiza e permeia todos

22

RECASÉNS SICHES, Luís, Tratado general de Filosofia del Derecho, México: Editorial Porrua S.A.,

1959, p. 428

20

os meios de interpretação, aquele que constitui -

ou deve constituir - o único meio de

interpretação, (...) de todo o direito. Recaséns

Siches entende que, mesmo sendo a lógica

tradicional um instrumento indispensável para

criar a norma individualizada da sentença do

Direito, não é a mesma suficiente ao trabalho do

jurista. Para compreender e interpretar de modo

justo o conteúdo das disposições jurídicas, para

criar a norma individualizada da sentença

judicial ou da decisão administrativa, para

elaborar as leis, para interpretar as leis em

relação com os casos concretos e singulares, é

necessário exercitar ‘el logos de lo humano, la

lógica de lo razonable y de la razón vital e

histórica’ “.23

Finalmente, para sobre a discussão acerca da eqüidade no Direito, a

professora Maria Helena Diniz conclui:

"eqüidade ponderam-se, compreendem-se e

estimam-se os resultados práticos que a

aplicação da norma produziria em determinadas

situações fáticas. Se o resultado prático concorda

com as valorações que inspiram a norma, em

que se funda, tal norma deverá ser aplicada. Se,

ao contrário, a norma aplicável a um caso

singular produzir efeitos que viriam a

contradizer as valorações, conforme as quais se

modela a ordem jurídica, então,

indubitavelmente, tal norma não deve ser

aplicada a esse caso concreto. (...) A eqüidade

seria uma válvula de segurança que possibilita

aliviar a tensão e antinomia entre a norma e a

realidade, a revolta dos fatos contra os

códigos".24

Uma vez de posse dos conhecimentos acerca da função integradora do

Princípio da Equidade, cabe mencionar a função corretiva, que permite que o juiz

transcenda a lei para garantir a aplicação do justo, ou seja, “permite ao juiz, quando

23

SILVA, Floriano Correa Vaz da, A equidade e o Direito do Trabalho, Revista LTr, vol. 38, Editora

LTr, São Paulo, 1974, p.918-919; 24

Diniz, Maria Helena, "Compêndio de Introdução à Ciência do Direito", 8ª edição, Editora Saraiva, São

Paulo, 1995, p. 428;

21

tiver de afastar uma injustiça que resultaria da aplicação estrita da lei ou do contrato

ajustar a sua decisão ao caso que está tratando, para fazer um julgamento justo”25

.

Neste aspecto, leciona Cavalieri:

“A equidade é um princípio e uma técnica de

hermenêutica que deve estar presente em toda a aplicação

da lei. E é a essa equidade, pensamos nós, que se refere o

CDC, quando, no inciso IV, do art. 51, fulmina de

nulidade as cláusulas contratuais que sejam incompatíveis

com a equidade. A norma dá ao juiz a possibilidade de

valoração da cláusula contratual, invalidando-a (total ou

parcialmente) naquilo que for contrária à equidade e boa-

fé. O juiz não julgará por equidade (como no caso da

equidade integradora), mas dirá o que não está de acordo

com a equidade no contrato sob seu exame, dele

excluindo o que for necessário para restavelever o

equilíbrio e a justiça contratual no caso concreto”.

Da aplicação da multa por hora

Apesar de o Código de Processo Civil, expressamente mencionar que a

multa deve ser diária, independentemente do valor, em alguns casos específicos, como o

apresentado, percebe-se que a multa diária não atinge a finalidade com excelência, razão

pela qual há que se falar em um meio coercitivo mais rigoroso.

Vale mencionar que apenas aumentar infinitamente o valor da multa

diária não seria o mais adequado, posto que poderia ser compreendido como

enriquecimento ilícito e constante alvo de recurso que poderia vir a minorar o valor

estipulado pelo juiz de 1º grau.

Assim sendo, a multa por hora, parece ser uma alternativa, que segue o

método histórico-evolutivo, onde, em diversos casos, é preciso adequar a legislação,

com bom-senso, à realidade, a fim de que a norma não se torne apenas uma folha de

papel26

.

Deste modo, resta clara que a questão subsumida incide no campo

principiológico-normativo do Código de Defesa do Consumidor. Uma vez alegado

25

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do Consumidor. São Paulo: Atlas. 2008. p. 43. 26

Cf. LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição.

22

defeito na prestação de serviço e cobrança abusiva, por exemplo, tem-se verificado que

o fornecedor do serviço, na sistemárica da legislação consumerista, responde

independentemente da verificação de culpa, pelos danos decorrentes de defeito na

prestação daqueles. Vale dizer que a privação do consumo de serviço essencial por

débitos questionáveis, apontam para a urgência no restabelecimento do fornecimento de

energia, conforme art. 22, parágrafo único c/c art. 84, §§ 3º e 4º, CDC.

Conclusão

Frente a todo o estudo exposto, podem-se extrair algumas conclusões:

- Direitos e garantias fundamentais não necessariamente estão previstos

no art. 5º, CRFB;

- Em diversos casos, é necessário que o Estado cumpra prestações

positivas de modo a propiciar a efetivação dos direitos fundamentais;

- A prestação de serviço público essencial contínuo é um direito

fundamental, observado o disposto no art. 6º, Lei. nº 8.987/95;

- O corte de serviço público contínuo, como o fornecimento de energia

elétrica, por inadimplemento somente pode ser efetivado diante da prévia notificação ao

devedor e da comprovação do débito;

- O Estado pode delegar o serviço essencial de fornecimento de energia

elétrica através da concessão;

- A empresa concessionária, ainda que sofra a penalidade da aplicação da

multa diária nos casos de corte arbitrário/inconstitucional no fornecimento de energia

elétrica, ainda assim, continua reiterando esta conduta;

- A aplicação da multa diária aplicada à concessionária de fornecimento

de energia elétrica não se mostra proporcional, nem tampouco razoável, na medida em

que, não raro as decisões judiciais não são cumpridas prontamente;

- Nos casos em que a lei se mostre ineficaz e/ou obsoleta, é possível

recorrer à interpretação histórico-evolutiva, ao Poder de Cautela do Juiz, ao Princípio do

Livre Convencimento Motivado e ao Princípio da Equidade, a fim de dar efetividade à

norma.

23

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limites e possibilidade da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 7ª ed.

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