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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Centro de Tecnologia
Curso de Arquitetura e Urbanismo
História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo II
Marcela Lorena Farkat Scheer
Tá vendo aquela rua, moço?
Natal, 5 de dezembro de 2013
Marcela Lorena Farkat Scheer
Tá vendo aquela rua, moço?
Artigo desenvolvido para a disciplina de História e
Teoria da Arquitetura e Urbanismo II do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, sob orientação da
professora doutora Edja Trigueiro como requisito de
avaliação da terceira unidade.
Natal, 5 de dezembro de 2013
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................6
2. DO ANTES............................................................................. .......................7
3. DAS TRANSFORMAÇÕES..........................................................................8
4. DO DEPOIS..................................................................................................18
5. DAS DEMAIS CONCLUSÕES...................................................................19
REFERÊNCIAS.......................................................................................................21
ANEXOS..................................................................................................................22
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1. INTRODUÇÃO
O século XIX foi marcado, no Brasil, por uma série de avanços tecnológicos e
inovações do modo de viver e de organizar as cidades. A vinda da família Real em 1808
trouxe consigo novos costumes, europeus, que passaram a ser incorporados à aristocracia
local como forma de distinção em relação às classes menos favorecidas economicamente.
Nesse contexto, uma série de “modernizações” das cidades brasileiras passou a incorporar, em
seu repertório arquitetônico e urbanístico, elementos das cidades europeias. No caso particular
de Natal, as ruas da cidade ganharam exemplares da arquitetura eclética, em boa parte de
autoria do arquiteto mineiro Herculano Ramos – dentre as principais obras estão a praça
André de Albuquerque, a praça Augusto Severo, e a reforma do Teatro Alberto Maranhão.
Quanto ao urbanismo, foram implementados projetos para a “Nova Cidade”, cujo desenho
ortogonal se sobreporia ao da cidade colonial, de modo a atender o desejo de segregação da
classe dominante, bem como provê-la de melhores condições sanitárias e de habitabilidade
que a protegessem das péssimas condições ambientais e epidemias (LIMA, 2002:71).
A partir de então, sucessivas modernizações e “embelezamentos” aconteceram,
ocasionando uma mudança na paisagem urbana, que resultaram no seu desenho atual, com
diferentes estilos e épocas convivendo em uma mesma rua. Alguns exemplares do século XIX
e início do século XX já sucumbiram, mas outros ainda fazem parte da paisagem e a
compõem mesmo depois de sofridas algumas transformações, a memória local.
O presente trabalho consiste, portanto, em uma tentativa de comprovar, do ponto de
vista da paisagem urbana, a resiliência desse período, a partir de uma comparação entre a
composição arquitetônica das ruas de Natal nos fins século XIX e início do XX e atualmente,
com base em registros fotográficos atuais e da época, para demonstrar a importância desse
momento na paisagem hoje, já que foi a partir daí que Natal começa a ganhar forma de
cidade.
Serão analisados os vestígios, não só da arquitetura eclética que marcaram esse
século e a contribuição desse estilo arquitetônico na imagem da cidade atual, mas também a
presença de elementos da paisagem como o arruamento, formas da calçada, a linearidade das
fachadas e elementos em segundo plano que fazem parte das ruas da Ribeira e Cidade Alta.
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Conforme o material obtido para a realização desse artigo, bem como o entendimento
do período de maiores avanços sociais, econômicos, urbanísticos e arquitetônicos da cidade
de Natal até então, o recorte temporal pretendido é entre meados do século XIX e princípios
do século XX. Muitas obras arquitetônicas emblemáticas e incrementos na infraestrutura da
cidade – vários deles comentados sob a ótica de Câmara Cascudo – fazem esse período
marcante na história da cidade, como uma transição entre o povoado, cujo modo de vida
colonial, de cidade pequena, com poucos habitantes, possuía precária infraestrutura, para um
momento em que a sociedade deixa de ser escravista e passa a ter uma urbanidade melhor
definida. Já o recorte espacial – as ruas dos bairros de Cidade Alta e Ribeira – justifica-se pela
existência de acervo fotográfico das ruas, mas também pelo valor agregado a esses
logradouros pela obra de Câmara Cascudo, História da Cidade de Natal.
2. DO ANTES
Ao tratar de Natal no século XVIII, Cascudo falava em uma cidade de trinta casas
térreas ao redor da Praça da Igreja Matriz, sem calçamento algum. Na Ribeira, mencionava
uma zona de sítios para plantações, onde moravam “apenas os guardas dos armazéns que
vigiavam as mercadorias exportadas para Pernambuco” (CASCUDO, 1999:161).
Segundo ele, a Cidade Alta já era um bairro residencial e comercial, mas esses dois
núcleos principais de que fala o historiador ainda não se conectavam e, por isso, tinham
evoluções independentes, até meados do século XIX (CASCUDO, 1999: 152).
Em Natal não havia convento de Santa Clara nem confeitos de requintada
feitura. Nem vinhos pagos nem presentes. Nem reixa para ver freiras
letradas, nem grupos vestindo seda, acompanhando à viola os ondulantes
lundus do padre Carlos. Era tudo pobre, simples, rústico, sugestivo. Assim
mesmo resistiu até 1885 (CASCUDO, 1999:132).
É a partir desse momento que a cidade de Natal começa a adquirir suas feições
urbanas que vemos até hoje, cuja evolução fora, de início, centrada nos bairros da Ribeira e
Cidade Alta e, aos poucos, se expandindo pelas proximidades. Cascudo fala da chegada do
bonde, da iluminação elétrica – esta já no início do século XX –, da construção de
equipamentos como o teatro, e do próprio crescimento da cidade. Isso, por si só, faz desse –
meados do século XIX até o início do XX – um período de fundamental importância para a
consolidação de Natal como cidade propriamente dita, com urbanidade definida e uma rede de
serviços e comércio bem estruturada, capaz de suprir as necessidades locais.
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A história que Câmara Cascudo conta em seu livro é de uma cidade que nasceu cidade
antes de possuir seus cidadãos. Ele nos faz perceber como as ruas da Ribeira e a Cidade Alta
até a metade do século XIX, eram pouco habitadas e pouco apropriadas pelos moradores. É a
partir daí que Natal passa a abrigar a população que vive da cidade, apropria-se dela e faz-lhe
funcionar como tal, inclusive com maior facilidade na conexão com outras cidades para além
da Província. Essa evolução conferiu um dinamismo próprio dessa época, num processo
iniciado no século XIX, mas estendido até o início do século XX, que tem reflexos na cidade
de hoje, nela deixando seus vestígios. Alguns mais bem conservados, outros menos, a
depender do valor simbólico, seus edifício – como se poderá perceber adiante –, em sua
maioria centrados nas ruas mais citadas por Cascudo, denunciam a importância dessa
evolução no arranjo urbano e na paisagem atuais, tal qual fora no passado.
3. DAS TRANSFORMAÇÕES
A imagem da cidade de Natal hoje é resultado de um sucessivo processo de
transformação que busca o progresso a partir da contínua modernização e o embelezamento
da cidade. Presenciamos atualmente as reformas urbanas para a Copa do Mundo e vimos ruir
em 2011, o estádio de futebol João Machado (o Machadão), que representava um marco
urbano, além de patrimônio arquitetônico modernista. O planejamento urbano – estratégico1 –
acaba por deixar o passado de lado com fins de promover a cidade a partir de um discurso de
“progresso2”. O resultado, no entanto, é a demonstração de desprezo aos emblemas culturais e
o perecimento da identidade original e cultural da cidade, tanto arquitetônica como
urbanística. As ruas que vemos nas fotos e desenhos de antigamente vão continuamente
descaracterizando-se e perdendo sua história, dando lugar a edifícios novos sem nenhuma
relação com o entorno.
Tomando como referência as ruas de meados do século XIX e início do XX, restam-
nos apenas poucos exemplares da época e, muitos deles degradados e despidos da maior parte
dos seus elementos originais. Entretanto, mesmo com a completa modificação de algumas
1 O planejamento estratégico é um conceito discutido por Carlos Vainer como modelo de
planejamento urbano que estimula a competitividade entre as cidades de modo a trata-las como
mercadoria a ser vendida para o mundo, tendo que ser constantemente renovada, como empresa, que
deve competir com o mercado, e como pátria que deve contar com o apoio popular para tais
empreendimentos. (VAINER, 2009:76-77). 2 A superação de um passado com vistas a um futuro melhor é a linha discursiva estudada por
Alexsandro Ferreira, o qual defende que a modernidade tem seu locus no futuro sonhado e projetado
(FERREIRA, 2006).
9
fachadas – algumas delas mais semelhantes a outdoors com portas do que a edificações –, os
vestígios do século XIX ainda se fazem marcantes na paisagem. Alguns fortemente
assinaláveis e reconhecíveis pelos moradores, e outros completamente descaracterizados,
presentes apenas na memória de quem já viveu essa imagem antes dela ser transformada. O
objetivo do estudo é, portanto, descobrir o que as sucessivas “modernizações” deixaram de
história em algumas das mais antigas ruas de Natal, muitas das quais citadas por Câmara
Cascudo, e como se dá a composição entre a paisagem antiga e a atual.
A dinâmica urbana de Natal, conforme já visto, teve início nos bairros da Cidade
Alta e Ribeira. Cascudo cita as praças – a exemplo da André de Albuquerque e a Sete de
Setembro – como primeiros núcleos de aglomeração urbana. A partir daí, as ruas adjacentes a
elas ganharam importância e passaram a funcionar como palco de festejos populares – a Rua
Vigário Bartolomeu – e como eixos de conexão entre os principais focos de comércio na
Cidade Alta e Ribeira – a Av. Junqueira Aires (antiga Rua do Aterro), a Av. Duque de Caxias
(original Rua da Campina), a Rua Chile (Rua da Alfândega), a Av. Tavares de Lira e a
Esplanada Silva Jardim (outrora Rua da Praia) e a Rua da Conceição – (CASCUDO, 1999:
152).
Dentre as ruas estudadas, a Av. Junqueira Aires (Figuras 1 e 2) destaca-se pela
manutenção de seu patrimônio novecentista. A largura da via é mantida, bem como seu
padrão de calçada elevada, hoje também com uma calçada no nível da rua que se conecta a
mais alta por meio de escadas de desenho semelhante ao do guarda-corpo da calçada antiga.
Figuras 1 e 2: Av. Junqueira Aires, decida para Ribeira, no início do século XX (à esquerda), em 2013 (à direita).
Fonte: Acervo de João Mauricio Fernandes (à esquerda) e acervo da autora (à direita).
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Edificações como a casa cor-de-rosa em primeiro plano, o edifício da OAB-RN
(antigo Congresso Legislativo do Estado, do início do século XX) e a Capitania das Artes
(antiga Capitania dos Portos, datado de fins do século XIX por Neves), em segundo plano
foram conservados, possuindo uma presença marcante na paisagem da rua, até hoje. Algumas
das residências da época foram demolidas para darem lugar à Subcoordenadoria de Vigilância
Sanitária (SUVISA), que já apresenta um recuo frontal ausente no passado, provocando uma
nova reentrância da fachada da rua. As linhas e trilhos do bonde desapareceram dando lugar
ao asfalto, palco do protagonismo do carro de atualmente3. As árvores presentes na foto
anterior provavelmente são as mesmas da figura atual, porém com um porte mais avantajado
de modo a promover sombra por toda avenida. Apesar de a fotografia antiga ter sido
capturada em um ângulo mais alto que a atual, ainda percebe-se a permanência dos eixos
visuais para o Rio Potengi, hoje com um elemento a mais, a ponte Newton Navarro. Boa parte
disso em virtude de os bairros da Cidade Alta e Ribeira estarem incluídos em uma Zona
Especial de Interesse Histórico (ZEIH), que estabelece limites para o gabarito das edificações,
e por abrigarem prédios públicos e tombados (SEMURB, 2007).
3 Muitas imagens desse artigo estão sem carros por terem sido tiradas ao início da manhã, antes da chegada de
veículos que pudessem comprometer o estudo da paisagem.
Figuras 3, 4 e 5: Av. Duque de Caxias, início dos anos 1940
(à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a
composição (acima).
Fonte: Acervo de José Farias Castro, divulgado em redes
sociais (à esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda
abaixo e a composição acima).
11
Apesar de a foto encontrada datar dos anos 1940 (Figura 3), os exemplares da
paisagem ainda guardam a essência do caráter estilístico do século XIX, que é o foco do
estudo. A antiga sede do extinto Banco Estadual do Rio Grande do Norte, hoje sede do
PROCON ainda guarda muitos de seus elementos, como as colunas de capiteis ornados na
fachada, as aberturas e a marquise separando o primeiro pavimento do segundo, e ainda
possui a mesma relevância estética e compositiva na imagem da Av. Duque de Caxias
(Figuras 4 e 5). O arruamento também se mantém, bem como as árvores. Do outro lado da
Av. Tavares de Lira (que cruza a Duque de Caxias onde está a esquina do PROCON), o
antigo edifício fora descaracterizado, apesar de manter a mesma implantação no lote e um
gabarito aparentemente semelhante, de modo a não destoar tanto da imagem anterior.
Mesmo diante da escassez de fotografias da Rua da Conceição e da Rua Chile, ambas
possuem uma imagem muito clara da história que tiveram, bem como da importância que
Cascudo retratou em sua obra.
A Rua Chile, apesar de ainda possuir muitos elementos de antigamente, ainda sofre
da falta de conservação de suas unidades. Após a intervenção nas fachadas da rua, muitas já
sofreram pichações e perderam um pouco da sua identidade. No entanto, as Figuras 8-11
demonstram que os exemplares do século XIX ainda são presentes na paisagem e a rua guarda
muito do que era. Elementos como os trilhos do bonde, a preservação do calçamento e a clara
permanência do arruamento e da linha de fachadas sem recuos deixa claro que a rua ainda
guarda em si muito da história dos séculos XIX e XX, daí a importância da conservação de
seu patrimônio.
Figuras 6 e 7: Rua
Chile, início do século
XX.
Fonte: Acervo
desconhecido,
divulgado em redes
sociais.
12
O documento da SEMURB sobre a história, cultura e turismo de Natal destaca a Rua
Chile – antiga Rua do Comércio – como “a primeira paralela ao rio, na Ribeira, onde havia
armazéns para produtos exportados pela província”. Palco de eventos culturais, antiga
centralidade do poder econômico e, uma vez político, ainda hoje guarda sua importância
cultural e do ramo pesqueiro, segundo tal documento (SEMURB, 2008:138-139).
A Rua da Conceição, segundo Cascudo, possui suas feições atuais desde 1914, da
construção da Praça Sete de Setembro e da expansão do Palácio do Governo, que fizeram
restar apenas uma fileira de edifícios (CASCUDO, 1999:145). Esses edifícios, no entanto, até
hoje estão em bom estado de conservação e ainda mantêm a identidade novecentista da rua
(Figuras 12 e 13), abrigando também o Museu Café Filho, a sede do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Assembleia Legislativa, o Palácio Potengi e o
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN).
Figuras 8 – 11: Rua
Chile, 2013.
Fonte: Acervo da
autora.
13
Diferente das ruas já mostradas, a Vigário Bartolomeu mantém muito pouco da sua
imagem do século XIX (Figuras 14 e 15).
Tamanha descaracterização
que o trecho da rua fotografada só
foi possível ser identificado com a
ajuda de um morador do bairro que
trabalha na rua e viveu enquanto as
casas antigas ainda subsistiam na
paisagem. Com relação à
arquitetura, apenas um dos
exemplares permaneceu, mesmo que
transformadas as aberturas (Figura
16). A porta e janela do lado esquerdo da casa tiveram sua altura transformada e sua fachada
apresenta manchas escuras diante da falta de manutenção adequada. O arruamento foi o
Figuras 12 e
13: Rua da
Conceição,
2013.
Fonte:
Acervo da
autora.
Figuras 14 e 15: Rua
Vigário Bartolomeu,
início do século XX
(esquerda) e 2013
(direita).
Fonte: Acervo
desconhecido
divulgado em redes
sociais (esquerda) e
acervo da autora.
(direita).
Figura 16:
Exemplar eclético
alterado, Rua
Vigário
Bartolomeu,
2013.
Fonte: Acervo da
autora
14
elemento menos alterado com o tempo, apesar de o calçamento ter sido substituído pelo
asfalto. Algumas edificações mantiveram a implantação sem recuo frontal, já outras recuaram,
criando reentrâncias nas calçadas que pudessem abrigar clientes do comércio estabelecido no
local. O gabarito também foi alterado, de modo que a rua pouco se parece ao que já fora.
Quanto à imagem da Av. Tavares de Lira (Figuras 17-22), muito também foi
transformado, porém de forma menos usual. Ao invés da demolição ou completo revestimento
do edifício, alguns optaram por descaracterizar apenas seu pavimento térreo, o que ocasionou
um caráter misto do edifício.
O arruamento, como esperado, conserva-se, tal como as árvores, o loteamento e a
implantação dos edifícios nos lotes. A paisagem, no entanto, é alterada pela dimensão das
árvores que se tornam seus principais elementos, escondendo muitos de seus edifícios – e
ocultando as descaracterizações. Os postes de energia elétrica foram substituídos e o asfalto
cobriu os trilhos dos bondes.
Alguns edifícios foram completamente transformados, restando apenas a
implantação, e outros apresentaram a já comentada parcial descaracterização (Figuras 23 e
24). Alguns gabaritos foram também alterados, modificando a antiga linha de fachada que
havia nas fotos antigas.
Figuras 17, 18 e 19: Av. Tavares de
Lira, início do século XX (à esquerda, acima), em 2013 (à
esquerda, abaixo), e a composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes sociais (à
esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda abaixo e a
composição acima)
15
Como se pode perceber, esses logradouros ainda mantêm sua importância na
composição dos bairros estudados, alguns mais bem conservados que outros, mas, com o
passar do tempo articularam-se com novos eixos que se formaram conforme a cidade crescia,
de modo a criar novos aglomerados urbanos do século XIX. Com a inauguração da nova sede
da Prefeitura Municipal no Palácio Felipe Camarão na Avenida Ulisses Caldas e do Teatro
Carlos Gomes (hoje Alberto Maranhão) na Praça Augusto Severo, bem como do Cinema
Polietama, houve um maior dinamismo nesses locais, claro nas fotos da época.
Da Ulisses Caldas e da Praça Augusto Severo, pouco foi conservado. Ainda são
destaques na paisagem o Palácio Felipe Camarão (Figuras 25-27) e o Teatro Carlos Gomes4
4 Apesar da modificação de algumas janelas do Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, ele ainda é
marcante na paisagem urbana, cujo estilo, segundo Pedro Lima, é reflexo do momento em que o bairro da
Ribeira consolidava-se como principal centro cultural e comercial da cidade (LIMA, 2002:54).
Figuras 20, 21 e 22: Av. Tavares de Lira, início do século
XX (à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a
composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes sociais (à
esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda abaixo e a
composição acima).
Figuras 23 e
24: Parcial
descaracteriza
ção de
edifícios na
Tavares de
Lira
Fonte: Acervo
da autora
16
(Figuras 28-30), por sua arquitetura passível de classificação como “Bolo de Noiva”, segundo
as definições de Trigueiro, uma vez que unem em si elementos de diversas épocas e culturas
num só exemplar onde a ornamentação é o motivo mais relevante. (TRIGUEIRO, 1989: 84).
Essas ruas seguem o mesmo padrão das demais. Poucos edifícios foram mantidos, as
Figuras 25, 26 e 27: Av. Ulisses Caldas, início do século
XX (à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a
composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes sociais (à
esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda abaixo e a
composição acima).
Figuras 28, 29, 30: Praça Augusto Severo, Teatro Alberto
Maranhão, início do século XX (à esquerda, acima), em
2013 (à esquerda, abaixo), e a composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes sociais
(à esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda abaixo
e a composição acima).
17
linhas de bonde substituídas pela fiação elétrica, os trilhos cobertos pelo asfalto, edifícios
verticais em segundo plano, resiliência do arruamento e da calçada, permanência da Praça
(seja a Sete de Setembro na Av. Ulisses Caldas, seja a Augusto Severo), mesmo depois de
algumas reformas. Alguns edifícios atuais mantêm a implantação no lote e outros recuam em
relação à calçada e criam reentrâncias na paisagem, não existentes antigamente. Os gabaritos
em sua maioria são mantidos, mas uma diferenciação na fachada da antiga casa à esquerda do
Teatro Alberto Maranhão faz com que parte da vista para um exemplar eclético em segundo
plano na foto seja parcialmente bloqueada, e isso finda por alterar a composição da paisagem.
O cinema Polietama, apesar de aparentemente icônico na época foi demolido para
dar espaço ao Armazém Ribeira que não mantém nada além da implantação no lote (Figuras
31 e 32).
Na paisagem da Praça Augusto Severo, não foi só o cinema que se descaracterizou.
A maioria das edificações foram perdidas e tiveram seus gabaritos, recuos e usos alterados. O
século XIX possui pouca identidade – ou nenhuma – na paisagem e tem vestígios revelados
apenas no arruamento que se conserva de maneira semelhante ao que era. Em virtude dessa
diferença entre a realidade atual e as fotos antigas, também foi necessária a ajuda dos
moradores do entorno que ainda lembravam-se do edifício. Alguns moradores antigos da
Ribeira nem sabiam da existência de um cinema na Praça, talvez por sua influência cultural
ter sido pouco representativa à época.
Figuras 31 e 32: À
esquerda, Cinema
Polietama e à
direita o Armazém
Ribeira que
ocupou seu lugar
Fonte: Acervo
desconhecido
publicado em
redes sociais
(esquerda) e
Acervo da autora
(direita)
18
Essa observação de vestígios nas fotos atuais indica que, a depender da rua e da
importância dos edifícios, certos exemplares são mais preservados que outros. Onde há
conservação, a presença do século XIX é bastante marcante na paisagem, já que foi um
momento de profusão de estilos que por si só tinham destaque. São poucos os casos em que
um edifício eclético é ofuscado pela presença de outros mais recentes. Isso só ocorre para
aqueles deteriorados pelo tempo, sem muita manutenção, como no caso da Rua Vigário
Bartolomeu, ou na Tavares de Lira na qual a visão imediata do térreo é descaracterizada e
oculta o estilo do primeiro pavimento.
4. DO DEPOIS
Alexsandro Ferreira defende que as reformas que promoveram a cidade ao que ela se
tornou no século XX foram mediantes, não por uma demanda socioeconômica, mas com
vistas a atender aos anseios da elite local. Muito disso também influenciado pela linha
discursiva de progresso de Manoel Dantas, de que “a arquitetura, os novos transportes e
máquinas resolveriam todos os problemas que a cidade começava a apresentar” (FERREIRA,
2006:294).
Figuras 33, 34 e 35: Praça Augusto Severo, início do
século XX (à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda,
abaixo), e a composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes
sociais (à esquerda, acima), Acervo da autora (à
esquerda abaixo e a composição acima).
19
Hoje o pensamento é semelhante, mas com intuito de promoção global das cidades.
Vainer trata da inserção do planejamento urbano como estratégia de marketing das cidades
que traz obras arquitetônicas monumentais como símbolo de progresso que possa atrair
olhares estrangeiros e converte os atores políticos em vendedores da sua mercadoria “cidade”
(VAINER, 2009:78).
Nesse sentido, o foco pode ter mudado, mas o resultado é o mesmo. O ideal de
progresso é distorcido completamente quando se usa de um novo empreendimento urbano
para defender a melhoria da cidade. A preocupação com a tentativa de globalizar a cidade
acaba por deixar de lado o progresso moral, no qual a sociedade também pode beneficiar-se
dessa globalização, e não apenas sofrer com a elevação do preço dos imóveis, por exemplo,
que sobem à medida que aumenta a importância de um bairro ou, em um caso mais amplo, de
uma cidade. E é assim que a paisagem urbana modifica-se aleatoriamente, seguindo apenas os
dogmas do capital e esquecendo o que aquela paisagem ou aquele ambiente urbano propiciava
aos seus moradores. O exemplo citado no início desse artigo foi a mudança urbana no
contexto da cidade como sede de jogos da Copa do Mundo de futebol, mas já foram outros e
serão completamente distintos de hoje a décadas à frente. A paisagem urbana continua
sofrendo mutações constantes e muitas delas sem o interesse da população que usufrui dela.
Os marcos da cidade antiga ainda são lembrados por moradores abordados na pesquisa com
nostalgia e muitos deles falam com revolta das construções novas.
5. DAS DEMAIS CONCLUSÕES
Além das considerações já feitas, a pesquisa, apesar de curta, tomou rumos
inesperados e esse estudo da paisagem em locais os quais ainda guardam a importância que
tinham antigamente levou a percepção de alguns aspectos das imagens estudadas.
O mais presente dos vestígios, conforme o esperado é o do arruamento, já que dentre
os elementos estudados, é o mais estático e que mais caracteriza a identidade de algumas
paisagens. O loteamento e a implantação no lote também permanecem marcantes, apesar das
descaracterizações das fachadas e, em boa parte essas transformações deram-se diante da
ampliação do comércio e dos serviços que transformaram o caráter residencial das ruas.
Os exemplares mais bem conservados normalmente consistem em usos institucionais
ou culturais, como os casos do Instituto Histórico e Geográfico, o Palácio Felipe Camarão, a
20
Capitania das Artes, o Teatro Alberto Maranhão, entre outros edifícios icônicos que ainda se
destacam em meio às paisagens analisadas, incluindo as mais modificadas. Esses edifícios
aparentam possuir manutenção regular em função da sua relevância para a cidade.
A substituição das linhas dos bondes, os trilhos, os postes de iluminação com desenho
ornamentado por elementos como postes e fios elétricos, carros estacionados nas ruas também
as descaracterizam. As fileiras de estacionamento em frente à calçada dificultam a
visualização dos edifícios e tiram deles todo o antigo protagonismo na paisagem. O destaque
do veículo nas ruas é unânime na imagem atual.
As praças e árvores foram mantidas. A urbanidade tão presente nos relatos de Cascudo
entre os séculos XIX e XX ainda é notável nos bairros da Ribeira e Cidade Alta, de uma
forma que nem é tão observada nos bairros mais recentes. De modo geral, os espaços públicos
– vias, largos, praças– ainda são marcantes nas paisagens estudadas.
Durante o levantamento fotográfico, alguns moradores abordados demonstraram sentir
saudade da paisagem antiga e achavam a cidade mais bonita antes. Um deles reportou-se com
indignação às demolições de edifícios para ele belos dando lugar a comércios sem relação
com a cidade, visando somente a lucros. Os que tinham relação mais antiga com os bairros
sentiam um maior apego pelas edificações antigas e maior tendência a quererem preservar o
que ainda subsiste, do que os mais recentes. Esse fato conferiu à pesquisa um interesse maior
em divulgar essa história do que o pretendido à priori.
Por fim, a pesquisa também acabou por gerar questionamentos para além da proposta
inicial, como a indagação de por que outros lugares da cidade, de urbanização mais recente,
não contam com essa urbanidade, e não possuem tal riqueza de espaços públicos. Algumas
hipóteses geradas a partir de leituras anteriores indicam a especulação imobiliária como maior
contribuinte do adensamento acelerado sem a amplitude desses espaços livres, mas é um caso
a ser aprofundado posteriormente.
O resultado do estudo fora além do pretendido, mas acaba por fazer entender como se
dão as transformações dessa paisagem e a formação de outras de urbanização mais recente.
Muito do que foi justificativa da descaracterização da imagem dos séculos XIX e XX na
cidade hoje foi devido à negação do passado proposta pelo planejamento estratégico, que
visava a uma inserção da cidade em âmbito global, e isso exigia uma modernização que, em
21
tese, poria abaixo tudo o que já havia sido chamado de "moderno", sem que esse “progresso”
trouxesse melhorias urbanas para os habitantes da cidade. Os exemplares icônicos foram
mantidos, alguns inclusive tombados como patrimônio histórico. A questão é saber se aos não
tombados sobrará um destino mais digno que simplesmente o revestimento cerâmico ou as
marquises comerciais.
REFERÊNCIAS
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FERREIRA, Alexsandro. Uma cidade para o futuro: o discurso do progresso na estruturação
urbana de Natal. Surge et Ambula: a construção de uma cidade moderna. Natal: Edfurn,
2006.
LIMA, Pedro. Arquitetura no Rio Grande do Norte: uma introdução. Natal: Cooperativa
Cultural Universitária, 2002.
NATAL. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Natal,
história, cultura e turismo. Natal: SEMURB, 2008.
NATAL. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Zona
especial de interesse histórico, anexo II, mapa 06. Plano diretor de Natal. Natal: SEMURB,
2007.
NESI, Jeanne F. L. Natal monumental. Natal: Fundação José Augusto, 1994.
TRIGUEIRO, Edja. Oh de fora! Um estudo sobre a arquitetura residencial pré-
modernista do Recife enquanto elemento básico de composição do cenário urbano.
Recife 1989. Tese de Mestrado em História, UFPE.
VAINER, Carlos B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do
planejamento estratégico urbano. In: MARICATO, Ermínia, VAINER, Carlos e ARANTES,
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22
ANEXOS
Figuras 36, 37, 38: Av. Ulisses Caldas, início do século XX
(à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a
composição (acima).
Fonte: Acervo do Memorial Câmara Cascudo, divulgado em
redes sociais (à esquerda, acima), Acervo da autora (à
esquerda abaixo e a composição acima).
Figuras 39, 40, 41: Av. Ulisses Caldas, início do século XX
(à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a
composição (acima).
Fonte: Acervo do Memorial Câmara Cascudo, divulgado em
redes sociais (à esquerda, acima), Acervo da autora (à
esquerda abaixo e a composição acima).
23
Figuras 42, 43 e 44: Escola Salesiano São José, início do século
XX (à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a
composição (acima).
Fonte: Acervo do Memorial Câmara Cascudo, divulgado em
redes sociais (à esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda
abaixo e a composição acima).
Figuras 45, 46, 47: Beco da Quarentena, início do
século XX (à esquerda, acima), em 2013 (à esquerda,
abaixo), e a composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes
sociais (à esquerda, acima), Acervo da autora (à
esquerda abaixo e a composição acima).
24
Figuras 48, 49 e 50: Antigo Quartel da Polícia Militar, na
Esplanada Silvio Jardim início do século XX (à esquerda,
acima), em 2013 (à esquerda, abaixo), e a composição (acima).
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes sociais (à
esquerda, acima), Acervo da autora (à esquerda abaixo e a
composição acima).
Figuras 51 e 52: Palácio Potengi, início do século XX (esquerda) e 2013 (direita).
Fonte: Acervo desconhecido publicado em redes sociais (esquerda) e Acervo da autora
(direita)
Figuras 53 e 54: À esquerda,
duas edificações
compartilhando a mesma
fachada, diferenciadas pela cor,
à direita o que sobrou de uma
fachada eclética. Av. Rio
Branco, 2013. Acervo da
Autora.
25
Figuras 55, 56, 57: Av. Rio Branco em fins do século
XIX e inicio do século XX.
Fonte: Acervo desconhecido, divulgado em redes
sociais.
Figuras 58, 59, 60: Av. Rio Branco e suas marquises
comerciais, 2013.
Fonte: Acervo da autora