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ENTRE ENCONTRO E DESENCONTROS: Breve analise dosfundamentos teóricos de Lucien Febvre, Marc Bloch e Homi K.Bhabha acerca de uma abordagem intertextual1.
Sabrina Padilha de Menezes2
Maurílio de Abreu Monteiro3
Resumo
O presente artigo delineia-se em torno de um debateintertextual entre a geração dos Annales de Lucien Febvre eMarc Bloch com o pós-modernismo de Homi K. Bhabha. Ametodologia utilizada é de caráter bibliográfico, acerca daabordagem analítica dos processos de investigação e dosfundamentos da reconstrução metodológica do campo deestudos históricos de ambas as correntes teóricas. A saber,que a construção de conhecimentos científicos não é somenteempírica como também histórica, buscou-se situar tanto aprimeira geração dos Annales quanto o pós-modernismo aosseus pertencentes contextos históricos. Nesse sentido,percebeu-se que tais correntes teóricas possuem um dialogocondizente entre si, uma vez que as particularidades edivergências estão em grande escala relacionadas aoscenários contextuais em que estavam e estão envolvidas.
1 Artigo científico da disciplina de Epistemologia e Técnica doPesquisar, Programa de Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais eSociedade na Amazônia – PDTSA/ Universidade Federal do Sul e Sudestedo Pará (UNIFESSPA).
2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais eSociedade na Amazônia – PDTSA/ Universidade Federal do Sul e Sudestedo Pará (UNIFESSPA)
3 Professor Dr. da disciplina de Epistemologia e Técnica do Pesquisar,Programa de Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade naAmazônia – PDTSA/ Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará(UNIFESSPA).
Palavras-chave: Annales, pós-modernismo, histórico.
INTRODUÇÃO
Compreende-se que ao longo da história os
conhecimentos teóricos e filosóficos diferenciaram-se de
acordo com a sociedade e tempo em que estão inseridos.
Nesse sentido, o presente artigo buscou correlacionar a
primeira geração dos Annales à luz de Lucien Febvre e Marc
Bloch com o discurso pós-moderno de Homi K. Bhabha.
Compreende-se que o universo de pesquisa do presente
artigo ocorre no intermédio de um longo tempo histórico, a
saber, que a primeira geração dos Annales situa-se no
início do séc. XX e o pós-modernismo de Homi K. Bhabha nos
dias atuais. Embora, para muitas vertentes teóricas esta
delimitação temporal longa seja incoerente para as
pesquisas científicas. A análise de objetos de estudos a
partir de um tempo de longa duração foi um instrumento de
pesquisa relevante para os estudos de Marc Bloch.
Contudo, percebendo a complexidade dos elementos
conjunturais que permeiam e são permeados neste e com este
espaço temporal, a intertextualização entre os Annales e o
pós-modernismo foi contextualizada historicamente a partir
de um recorte contextual de caráter político. Assim, houve
a necessidade de construir uma contextualização em sentido
reduzido, visto que o contrario exigiria estudos
aprofundados e uma narrativa longa, inviável para a
construção do presente artigo. O que se pretendeu, por
outro lado, foi analisar a correlação dos diferentes
universos de pesquisas entre a primeira geração dos Annales
e o pós-modernismo de Homi K. Bhabha.
Nesta perspectiva, o presente artigo apresenta-se como
um estudo bibliográfico de caráter qualitativo, em torno do
universo de pesquisa de Lucien Febvre, Marc Bloch e Homi K.
Bhabha. O objetivo do artigo foi encontrar pontos de
simetria entre ambas correntes teóricas, que à priori
apresentam-se como incompatíveis. De tal modo a questão
fundamental a ser esclarecida foi desvendar as evidências
que identificam a interpelação teórica entre a primeira
geração dos Annales e o pós-modernismo de Homi K. Bhabha.
ENTRE MEADOS DO SÉCULO XX E O NASCIMENTO DOS ANNALES
Sabe-se que a escola dos Annales surgiu em 1929 na
França, como uma escola francesa em que propunha romper com
narrativas históricas de cunho factual. Isto conjugou na
ampliação dos processos de investigação e fundamentos
metateoricos dos estudos de história (BURKE, 1997).
Neste contexto, a França encontrava-se em forte
agitação política, social e econômica que desestruturava o
status cultural do país. A simbologia de nação
revolucionária e exemplo de Estado civilizado foram
abalados pelos resultados da primeira grande guerra
mundial, em que a França saiu como derrotada (HOBSBAWN,
1979).
Identifica-se que a guerra havia mudado
inexoravelmente não somente o território europeu mas além
de suas fronteiras, refletiu seus resultados em nível
mundial. Contudo, a França simbolizou a derrota e a queda
de um império liberal, visto que em tempos anteriores o
território frances fervilhou a revolução liberal, incidindo
em comoção estrangeira. De tal modo, conquistou prestigio e
destaque em seu modelo político econômico liberal, mesmo
após a queda de Napoleão que tentará sem sucesso derrotar
sua grande concorrente, a Inglaterra. Verifica-se que nos
tempos napoleônicos e pós-napoleônicos a França contou com
grandes aliados e muitos seguidores que lhe apoiavam em
detrimento da Inglaterra. Conquanto, no pós-primeira guerra
a nação francesa transformou-se em um Estado de declínio e
perdeu o apoio de muitos de seus simpatizantes. Em
contrapartida, a Inglaterra florescia não somente na Europa
mas mundialmente como nação hegemonia do crescente sistema
político econômico mercadológico que visava o
desenvolvimento do capitalismo à luz de um dado progresso
civilizacional (HOBSBAWN, 1979).
Nesse contexto, não é estranho perceber que criação
dos Annales se constituiu, a principio, como uma escola
francesa de caráter revolucionário. A qual propunha
transformar os métodos e discursos da história,
vislumbrando um estudo mais próximo dos grupos
marginalizados socialmente. “Esse esquema interpretativo se
assemelhava ao marxista; [...] porém difere profundamente
de Marx ao descrever a luta entre dois grupos ‘como um
conflito de idéias e sentimentos tanto quanto um conflito
econômico’” (BURKE, 1997, p.25).
A primeira geração dos Annales teve como precursores
Lucien Febvre e Marc Bloch, aos quais trabalham juntos em
detrimento do corte das barreiras entre os historiadores e
as ciências sociais. Visto que, a historiografia estava
sendo produzida em solo mal emanhado, onde os objetos de
estudo eram pesquisados cindidamente dos elementos
conjunturais últimos que permeiam o seu universo de
pesquisa. Isto significa que a metodologia histórica
percorria um curso cimentado em que não produzia efeitos
eficazes no campo das ciências sociais (BURKE, 1997).
Nessa perspectiva, entende-se o problema a partir do
pensamento de Oliveira Filho (1976) o qual afirma que a
metodologia teórica tem como função principal problematizar
as antigas e atuais metodologias possibilitando a
reconstrução de novas hipóteses, conceitos, teorias meios e
fins das ciências sociais, os quais em momento de crise
servem para reorientar os saberes e conhecimentos de um
povo. A partir de análises descritivas e críticas que
procuram ir além da questão e pensar o objeto de estudo em
esfera ampla e circular. Compreende-se que esta deve
considerar a complexidade ambivalente dos elementos que
envolvem sua conjuntura em si. Isto implica, em constatar
que a interdisciplinaridade de diferentes campos de estudos
das ciências sociais se torna plausível, eficaz e
indispensável.
Nesse pano de fundo, identifica-se que no início do
séc. XX Febvre e Bloch pensaram a metodologia histórica à
luz dos estudos de pesquisadores, dos séculos anteriores,
de diferentes áreas da ciência social. Isto indica que, já
na primeira geração dos Annales a interdisciplinaridade
apresentava-se em sua relevância (BURKE, 1997).
Sabe-se que Febvre inclinou-se em grande escala para a
psique do sujeito histórico acerca do universo de pesquisa
compreendido como mentalidade social. Seus pressupostos
teóricos convergiam em reconciliar “forças sociais com as
paixões individuais” (BURKE, 1997, p.25). A saber, que
percebeu a ligação entre individuo e grupo, iniciativa
pessoal e necessidade social como corpo transmissor de
formação ultima dos sujeitos históricos. Assim, demonstrou
na análise de seus estudos uma forte aspiração de não
reduzir as atitudes e valores do ser social a meras
expressões de transformações na economia, política ou
sociedade.
De tal modo, Febvre convergiu o universo
sociocultural, econômico e político a contornos
geográficos. A partir de uma metodologia histórica crítica
e analítica, em que utiliza o indivíduo para recorrer a um
problema social. Contudo, este recorte teórico fora
questionada por alguns pesquisadores uma vez que se
conjugava como um método generalizante. Nas palavras de
Burke (1997), estes críticos entendiam que o universo de
pesquisa de Febvre incidia em:
[...] pressumir muito facilmente uma homogeneidadede pensamento e sentimentos entre os vinte milhõesde franceses da época, escrevendo com convicçãosobre ‘os homens do século XVI’, como se nãohouvesse diferenças significativas entre ospressupostos de homens e mulheres, ricos e pobres,e assim por diante (BURK, p. 42)
Conquanto, isto não implicou em negação das teorias de
Febvre na epistemologia e técnica da pesquisa histórica
crítica. Ao contrario, sua metodologia científica
contribuiu visivelmente para o campo de estudos históricos.
Influenciou em grande escala muitos historiadores, Marc
Bloch é um exemplo visível dessa assertiva. Sabe-se que,
este simpatizou com o ideal de ampliação dos métodos de
estudos históricos e trabalhou fervorosamente na criação
dos Annales, ao lado de Febvre (BURKE, 1997).
Contudo, sua inclinação ultima conjugou-se no campo da
antropologia e sociologia à luz de uma psicologia histórica
comparativa crítica. Esta foi vislumbrada como forma de
evidenciar as diferenças socioculturais. Partindo de uma
esfera mais competente e ampla do método comparativo à luz
da história das mentalidades, a qual fora entendida como
representações coletivas de um tempo histórico próprio.
Desse modo, Bloch vislumbrou os hábitos culturais como
fatos históricos de extrema relevância ao conhecimento
científico ultimo, uma vez que, apresenta a esfera
conjuntural de todo um período histórico. Assim, o tempo de
um dado acontecimento não está restrito a ele próprio, ou
seja, envolve elementos particulares de um tempo maior o
qual é delimitado por períodos históricos. Afirmou que a
transformação de um período a outro é conjugada por grandes
acontecimentos que marcam uma transformação maior de suas
conjunturas estruturantes (BURKE, 1997).
Contudo, nestes períodos históricos dados por tempos
longos ocorrem acontecimentos menores que são condicionados
as conjunturas política, econômica, social, cultural e
geográfica própria de cada tempo. Dessa maneira, os
acontecimentos menores eram compreendido como forma de
localizar e entender com prioridade as estruturas
condicionantes próprias de cada período histórico, “o que
significa que tinha de escrever ‘a história da longa-
duração’, como foi chamada por Braudel uma geração depois.”
(BURKE, 1997, p.29).
Neste pano de fundo, Bloch questionou a noção de
região afirmando que esta dependia do problema que se tinha
em mente. A partir da ampliação do método regressivo, o
qual fora um instrumento de caráter histórico muito
utilizado pelos sociólogos e antropólogos dos séculos
passados. Bloch enfatizou a necessidade de pensar a
“história ao inverso” acerca de ir do conhecido ao
desconhecido (BURKE, 1997).
Percebe-se que a primeira gereção dos Annales contou
com o trabalho de dois precursores que trabalhavam métodos
de pesquisas distintos. Todavia, em sua análise ultima
entravam em sintonia na defesa de uma história mais próxima
da sociedade em si. Assim:
O que se pode afirmar com bastante convicção é que,se Febvre e Bloch não concordassem no fundamentalde seu trabalho comum, o movimento não teria sidoum sucesso. Apesar disso, as contribuiçõeshistóricas dos dois parceiros, depois de 1929,devem ser analisadas separadamente (BURKE, 1997,p.34)
A partir dos estudos destes pesquisadores a
metodologia histórica transformou-se incontestavelmente,
contribuindo para novos olhares sobre os conhecimentos e
convicções estabelecidos pelas narrativas factuais. Visto
que a escola dos Annales foi acolhida pelas ciências
sociais, em especial a história, como uma corrente
plausível para a compreensão crítica e analítica das
conjunturas históricas que envolvem a formação ultima dos
sujeitos e sociedade. Seguindo por métodos de estudos cada
vez mais amplos e diversificados, os Annales contaram com a
presença de pesquisadores de diferentes áreas e campos de
pesquisa social. Ao mesmo passo em que não segui uma
corrente teórica linear, ou seja, a escola dos Annales foi
divida em três gerações com características particulares ao
tempo histórico vigente. Assim, para muitos críticos, os
Annales delineia-se mais como um movimento historiográfico
do que uma escola propriamente dita.
O TEMPO PÓS-MODERNO E A NARRATIVA DE HOMI K. BHABHA
Compreende-se que o mundo contemporâneo vive em meio a
um estágio de complexidade social, política, econômica e
cultural. Nesse cenário, a globalização é um fato consumado
e implica na conjunção de diferentes esferas que se cruzam
em certos momentos negociando espaços, conquistando
acomodações e construindo novas conjunções, que não são
homogêneas. De tal modo, Angeli (1996) define que a
globalização permeia um processo:
[...] em curso na economia, nas comunicações e nacultura, comporta os mais variados entendimentos,desde a sua negação como "algo novo" na face daterra, até sua afirmação como algo irreversível eirresistível; e, ao entender que a realidade é umfluir constante concernente ao seu caráterontológico, logo, é possível apreender aquelesconceitos por meio de uma visão que seja capaz dese contrapor ao fenômeno empírico que estamosassistindo na contemporaneidade (p.14).
Nessa perspectiva, compreende-se que no mundo
globalizado dos dias atuais é inteligível para o
conhecimento último das ciências socais promover
reconstruções metodológicas amplas e interdisciplinares que
atendam a complexidade do mundo globalizado. O próprio
conceito de globalização não possui uma definição única e
linear, ao contrário apresenta interfaces conflitantes que
duelam forças na arena dos discursos científicos. Assim,
esse universo conceitual pode ser pensado como um simulacro
da própria sociedade pós-moderna, a qual se assemelha a
representatividade da idéia de complexidade. Isto implica
em definir que nos dias atuais os objetos de estudos das
ciências humanas identificam-se como uma constelação de
esferas ambivalentes que se interpelam e se cruzam,
simbolicamente ou não, em um dado momento.
Nesse contexto, nota-se que estudos das ciências
sociais devem partir “não apenas do que separa nações,
etnias e classes, mas também dos cruzamentos socioculturais
em que o tradicional e o moderno se misturam” (CANCLINI,
1997 p. 18). Assim, a metodologia cientifica pós-moderna
preocupa-se em averiguar a hibridação das diferentes
conjunturas que se conjugam da e na heterogeneidade
multitemporal de cada grupo ou sujeito social. Para tanto,
é necessário nortear a epistemologia e técnica de pesquisa
para um universo interdisciplinar que parta de hipóteses
problematizadoras em relação ao sentido e valor das
verdades das grandes narrativas.
De tal modo, Bhabha (2010) define as grandes
narrativas são discursos colonialistas, sendo dogmáticos,
moralistas e estereotipados. Uma vez que:
Garante sua repetibilidade em conjunturashistóricas e discursivas mutantes; embasa suasestratégias de individuação e marginalização;produz aquele efeito de bondade probabilísticapredictabilidade que, para o estereótipo, devesempre estar em excesso do que pode ser provadoempiricamente ou explicado logicamente (p.106)
Para tanto, debruça-se o interesse por estudos que
desenvolvam uma metodologia científica de caráter complexo,
em que procure pensar a forma junto dos seus conteúdos,
compreendendo a complexidade que envolve um objeto de
estudo. Bhabha (2010) afirma que este deve ser analisado em
suas relações com os diferentes elementos circundantes da e
com a sua formação, ou seja, pensar as conjunturas que se
configuram antes das enunciações das identidades e signos.
Estas estão presentes presentes em seus interstícios. O
autor compreende que as ciências sociais já definiram
conceitos variados tanto em sentido conservador quanto
revolucionário. Sendo assim, não é inteligível ao
conhecimento ultimo das ciências sociais pensar um objeto
de estudo por intermédio de analises polarizada e simplista
as quais promovem a hierarquização das diferenças, tanto em
sentido conservador quanto revolucionário.
Paralelamente, Bhabha (2010) entende que entre as
diferenças há um espaço fronteiriço onde os homens negociam
poderes, constroem a autoimagem e as identidades coletivas.
Afirma que as fronteiras entre um e outro se deslocam por
meio de negociações e em sentido horizontal. Nessa
perspectiva, o autor alerta para o problema que os
estereótipos podem causar ao pesquisador, em sentidos
hierárquicos e polarizados na delimitação de fronteiras.
Afinal, as fronteiras nem sempre correspondem aos espaços
objetivos nas quais atuam. Assim, salienta a tendência de
homogeneizar uma dada situação em detrimento do seu
hibridismo cultural em que se configura como identidade
ultima do sujeito histórico pós-moderno.
Dir-se-ia que nas fronteiras das diferenças culturais
perfila o entre-lugar do objeto de estudo, ou seja, o espaço
intersticial onde circunda a articulação e negociação de
seus deslocamentos e intensidades sensíveis. Em que,
permite-nos pensar a questão por meio de seu hibridismo
cultural que nega a inserção de determinismos
estereotipados e imediatismos conceituais hierarquizados.
Sabendo que a história não pode ser pensada por um tempo
cronologicamente simplista, linear e continuísta, e sim, em
sentido complexo de interligações. Compreende-se que os
conceitos das grandes narrativas científicas representam a
enunciação dos objetos de estudos, mas não revelam em si as
interpelações das suas negociações – litigiosas ou não,
singular ou coletiva – que se configuraram antes de suas
definições, em um espaço fronteiriço que se conjuga entre
as diferenças culturais. Neste interstício, ocorre uma
“negociação complexa, em andamento, que procura conferir
autoridade aos hibridismos culturais que emergem em
momentos de transformação histórica” ( BHABHA, 2010, p.21).
De tal modo, entende-se que os objetos de estudos
envolvem um contexto intersticial onde as identidades se
afirmam a partir de suas performances. Desse modo, a
analise de um estudo apresenta uma descoberta científica
que não representa uma verdade incontestável tão pouco a
plenitude desta verdade, mas sim algo a mais que está posto
para a problematização da idéia de verdade. Nas quais “o
contingente e o liminar tornam-se os tempos e os espaços
para a representação histórica dos sujeitos da diferença
cultural” (BHABHA, 2010, p.249).
Nesse cenário, a metodologia científica de Bhabha
(2010) está acerca da abordagem teorica do entre-tempo e
entre-lugar das diferenças culturais à luz de
metanarrativas criticas que visam desestruturar todas as
estruturas cimentadas, que fervorosamente defendem suas
descobertas como o conhecimento simplificado de uma
realidade complexa e infinitivamente indefinida. Isto é o
problema que Bhabha (2010) afirma estar na égide dos
conhecimentos científicos explanados pelas grandes
narrativas, tanto em sentido tradicional quanto
revolucionário. As quais, embora aceitem a premissa de que
a pesquisa das ciências sociais é um campo em andamento
posto a novas descobertas, buscam defender conhecimentos
parciais que não atendem a complexidade do sujeito
histórico contemporâneo. A saber, que este não é nem uma
coisa nem outra e sim uma comunhão de tudo e mais um pouco,
ou seja, representa um algo a mais a ser pensado.
Neste grau, as grandes narrativas promovem o cultivo
de ideologias que, consciente ou inconscientemente,
hierarquizam as diferenças tanto no sentido da violência
racializada quanto na vitimização social das classes que
por si só já fazem parte de uma marginalização cultural. A
qual é construída a partir de crenças que são legalizadas
por teorias de narrativas hierárquicas que buscam a
dominação do outro.
Entretanto, Bhabha (2010) compreende que todas as
grandes narrativas são discursos colonialistas que duelam
forças na arena política e cultural da dominação social.
Negligenciando a existência do hibridismo cultural que se
dá nas e com as diferenças do sujeito histórico
contemporâneo, o qual dispõe de uma identidade hibrida,
complexa e em andamento.
Em simetria ao pensamento de Bhabha interpreta-se a
questão à luz da poética de Vinicius de Moraes, logo, pode-
se comparar o conhecimento teórico e filosófico das
ciências sociais com a definição de amor, o qual é um posto
de chama que não é imortal, mas sim infinito enquanto dura.
Isto indica que as ciências sociais além de compreender que
o saber científico é uma verdade em andamento dever-se-ia
vislumbrar suas descobertas como um saber que representa um
emaranhado de verdades que não tem fim e tão pouco forma
definida. Os conhecimentos científicos representam apenas a
parcela de uma verdade que não possui forma, onde a
descoberta serve para ampliar os horizontes problematizando
as crenças estúpidas e inválidas ao que significa a
verdade. Em sabedoria, na idade antiga Socrates já afirmava
que quanto mais sabia via que nada sabia.
Sendo assim, entende-se porque a teoria crítica de
Bhabha (2010) vislumbra pensar as performances das
diferenças culturais, (re)historicizando o tempo, o espaço,
o sujeito e a emergência do signo. De tal modo, é
necessário pensar as pesquisas das ciências sociais no
interstício da diferença, a qual só existe porque há o
encontro de uma ambivalência cultural.
Nesse contexto, os pressupostos teóricos de Bhabha
vislumbram a libertação dos determinismos conceituais que
resultam em instrumentos de dominação, dados por ideologias
que polarizam a correlação das diferenças. Simplificando-as
em identidades homogêneas que alienam a ação performática
das ambivalências e seu estado de hibridismo cultural, que
converge na fragmentação oculta das identidades e verdades
cientificas.
ENTRE ENCONTRO E DESENCONTROS DOS ANNALES E O PÓS-
MODERNISMO
Compreende-se que os Annales surgiram em um tempo de
transformações culminantes que encorajava inovações à luz
de correntes teóricas polarizadas. Por um lado os marxistas
defendiam a introdução do conhecimento das minorias que
eram excluídas pela história positivista a qual, por sua
vez, promulgava a dominação em si dos conhecimentos
científicos ao seu favor. Dessa maneira, compreende-se que
as correntes teóricas das ciências sociais eram
fragmentadas e fechadas em seus campos de pesquisas. A
análise da subjetividade dos sujeitos históricos estava
restrito a psicologia, sociologia e antropologia, sendo que
seus conhecimentos pouco dialogavam entre si (BURK, 1997).
Percebe-se que, os Annales orientaram-se por
conceitos, hipóteses, teorias, métodos e técnicas
diferentes dos que são trabalhos por Bhabha (2010).
Contudo, esta diferenciação pode ser pensada a partir do
contexto histórico em que ambos se inserem. Estes possuem
cenários contextuais distintos, aos quais os Annales
vivenciaram um tempo menos complexo do que está presente na
pós-modernidade.
Nessa perspectiva não é antagônico compreender que,
embora a primeira geração dos Annales tenha delineado-se
por uma corrente teórica de caráter estruturalista a qual
não condiz com o pós-modernismo de Bhabha, a orientação
metodológica de ambos é de cunho analítico que busca
explicações das causas do fenômeno. Assim como, suas
técnicas de pesquisa inserem além dos processos de
investigação o uso de metateorias. De tal modo, tanto a
primeira geração dos Annales quanto pós-modernismo de
Bhabha pensam o universo de pesquisa de forma cientifica e
filosófica, ou seja, utilizam sistemas teóricos e
investigativos junto aos fundamentos das reconstruções
metodológicas. A fim de apreender na investigação
científica condições lógicas e lingüísticas, vislumbrando
pesquisas não somente como construção da ciência social em
seus sistemas de hipóteses, conceitos e teorias, mas também
como fundamentação filosófica plausíveis para a construção
de metateorias.
Sabe-se que, o pós-modernismo de Bhabha (2010) em seu
sistema de investigação rompe com os fundamentos
estruturalistas em prol do hibridismo cultural, o qual
renega a perspectiva de estruturação de identidades
coletivas ou individuais. Defende que o objeto de estudo
deve ser pensado fora dos fundamentos teóricos das grandes
narrativas, a fim de pensar a profundidade das identidades
em sua alteridade, que se configuram em um espaço bilateral
da consciência simbólica. Assim, o hibridismo pensa o
objeto de estudo por meio da verificação analogica entre o
significante e o significado à luz da percepção vertical e
sem qualquer forma de determinismos pré-dados.
Nesse sentido, os Annales e o pós-modernismo de Bhabha
estão em simetria quanto ao enfoque lingüístico das
ciências sociais. Uma vez que buscam romper com a
fragmentação da linguagem científica das narrativas
polarizantes. Ambos, discutem o objeto de estudos a partir
de debates teóricos e filosóficos à luz de uma narrativa
interdisciplinar, plausível para a construção de
metateorias capazes de problematizar a consciência alienada
da percepção científica simplista.
Compreende-se que, a primeira geração dos Annales foi
marcado pelo trabalho de Febvre e Bloch, aos quais
trabalharam em prol de uma ciência histórica mais ampla e
interdisciplinar. Isto incide em conformidade com o
trabalho de Bhabha o qual utiliza os pressupostos de
diferentes ciências sociais em comunhão com sentido de
debate e não negação das diferenças.
Ainda a intenção dos Annales, em especial de Lucien
Febvre, era promover uma profunda revolução dos sentidos da
verdade explanados pelas narrativas científicas tanto
positivistas quanto marxistas. Do mesmo modo, Bhabha
posiciona-se nos dias atuais frente ao que ele próprio
compreende como discurso colonialista. Embora de forma mais
ampla, Bhabha (2010) defende que as descobertas científicas
devem servir como ponto de questionamento das idéias de
verdade.
Isto implica em compreender que tanto a primeira
geração dos Annales quanto o pós-modernismo de Bhabha
propõe uma ciência problematizadora dos discursos e métodos
científicos. O ir além do que está sendo dito ou simbolizado
foi claramente utilizado por Bloch em sua obra Les
caractéresoriginaux de l’histoire rurale française. Assim como, a
narrativa de Bhabha propõe a perspectiva de ir além do
objeto construído, a saber que, “o que se interroga não é
simplesmente a imagem da pessoa, mas o lugar discursivo e
disciplinar de onde as questões de identidade são
estratégica e institucionalmente colocadas” (BHABHA, 2010,
p.81)
Paralelamente, compreende-se que tanto a primeira
geração dos Annales quanto o pós-modernismo de Bhabha não
possuem uma analise continuista da história, procuram
pensar os objetos em seus tempos históricos. Ainda, não
vislumbrar a perspectiva progressista das ciências sociais,
uma vez que, não constroem uma teoria cimentada de mudança
social e da luta de classe. Segundo Burk (1997), a proposta
de pesquisas da primeira geração dos Annales foi explicar o
objeto de estudo problematizando os conceitos e não
simplificando-os.
Paralelamente, nota-se que a perspectiva de Bhabha não
é promover uma dramatização em torno de um dado estereótipo
e sim pensá-lo em sua complexidade e ambivalência. Visto
que:Entre essas representações sobressai a reflexão doeu que se desenvolve na consciência simbólica dosigno. Ela demarca o espaço discursivo do qualemerge O Eu verdadeiro (inicialmente como asserção daautenticidade da pessoa) para, em seguida, por-se areverberar – O Eu verdadeiro? – como questionamento daidentidade (BHABHA, 2002, p.83)
Nesse sentido, compreende-se que os fundamentos das
reconstruções metodológicas tanto da primeira geração dos
Annales quanto do pós-modernismo de Bhabha é promover uma
negociação lingüística das ciências sociais no lugar de
negação, compreendendo a possibilidade de articulação de
diferentes esferas. Nas palavras de Burk (1997) os Annales
promulgaram um intercambio intelectual a partir de uma
história analítica muito ampla para época.
.
CONCLUSÃO
Neste universo, compreende-se que as divergências dos
processos de investigação e metateorias entre os Annales e
o pós-modernismo de Bhabha estão mais relacionadas às
conjunturas dos seus contextos históricos do que a natureza
das intervenções metodológica que vislumbram incidir nas
técnicas e epistemologia da pesquisa cientifica.
Tudo indica que ambas correntes teóricas tomam a
defesa de uma análise crítica que busque conferir
autoridade a um discurso teórico problematizador dos pré-
determinismos teóricos. Visto que estes implicam em
narrativa polarizada de uma investigação científica
limitada e construída à priori de uma verdade simplista e
pré-estabelecida.
Identifica-se que a metanarrativa de Bhabha procura
conferir autoridade aos hibridismos culturais que estão
postos pelas diferenças não polarizadas e em andamento. A
identificação de um hibridismo cultural serve para
questionar as expectativas e ampliar a forma de
reconhecimento das verdades. A saber, que as grandes
narrativas caracterizam-se como teorias pré-visionárias,
tanto de direita quanto de esquerda, uma vez que seus
discursos apresentam a crítica radical da pura
oposicionalidade. Assim, as performances das identidades
tão pouco refletem sua alteridade frente a complexidade das
diferenças que se conjugam no e com o seu hibridismo
cultural. De tal modo, os discursos colonialistas
desenvolvem-se como um processo de tradução ideológica e
transferência de sentido na esfera da dominação do
diferente. O hibridismo é a diferença em sua interpelação,
ou seja, na analise do hibridismo cultural não há a
dominação conceitual do diferente.
Paralelamente, percebe-se que a primeira geração dos
Annales procurou conferir autoridade as vozes das minorias
em suas intersubjetividades e intensidades sensíveis, as
quais eram negligenciadas pelos discursos políticos, tanto
marxistas quanto positivistas. Ainda, procurou romper com a
cimentação das ciências sociais em prol de uma ciência mais
ampla e interdisciplinar que procurasse romper com a
tendência de dominação dos conhecimentos científicos. Ao
mesmo tempo em defendeu o uso de uma história problema
ampliou a forma do reconhecimento das verdades.
De tal modo, pode-se concluir que a correntes teóricas
dos Annales ampliaram o leque das possibilidades de
investigações científicas. As quais percorreram ao longo do
tempo configurando condições cada vez mais férteis à
inovação intelectual e ao intercambio de teorias complexas,
que se conjugam nas fronteiras interdisciplinares. Assim,
não é inteligível compreender que o pós-modernimo de Bhabha
apresenta em sua vertente teórica contribuições dos Annales
em que, de certo modo, são as bases das suas técnicas e
epistemologia da pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
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