a busca da beleza na antiguidade

255

Upload: independent

Post on 01-Dec-2023

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Vol. I - Arquitectura Grega

3

José Ribeiro FerreiraRui Morais

A Busca da BelezaA arte e os artistas na Grécia Antiga

VOL. I

ARQUITECTURA GREGA

Colecção Fluir Perene - nº 9

Autores: José Ribeiro Ferreira, Rui Morias.título: A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

editor: José Ribeiro Ferreiraedição: 2008

design gráfico: Fluir PereneilustrAção dA cApA: Olimpieu de Atenas. Fotografia de Albino Urbano

Tiragem: 200 exemplares

impressão:Simões & Linhares, Lda.

Av. Fernando Namora, n.º 83 - Loja 43000 Coimbra

isBn: 978-989-96078-0-4depósito legAl: 286830/08

Vol. I - Arquitectura Grega

5

PREFÁCIO

O estudo sobre A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Gré-cia Antiga destina-se fundamentalmente ao ensino universitário e aos alunos que estudam a arte grega e romana, embora não desdenhe o interesse de público mais vasto. E de certo modo os alunos também são credores desta obra, face aos muitos contributos que deles recebe-mos e aos caminhos que percebemos, nas sugestões, nas perguntas, nas dúvidas. Por isso não podemos deixar de expressar o nosso agra-decimento. Arquitectura Grega é o primeiro de três volumes que a obra apresentará. Suceder-se-ão, pelo menos, outros dois para abordarem a escultura e a pintura. Trata-se de projecto conjunto em que trabalha-ram, em estreita colaboração, quatro autores: eu próprio, Rui Morais, Luísa Ferreira e Carlos de Jesus – para não destoarmos da ordenação da antiguidade académica. Embora seja natural que a parte mais signi-ficativa me pertença – fruto de mais anos a leccionar a matéria –, todos são verdadeiramente autores em pé de igualdade, já que contribuíram de forma empenhada na elaboração do livro: redacção, sugestões, dis-cussão franca, formatação e tratamento das imagens. Este volume sobre A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Gré-cia antiga 1- Arquitectura Grega foi terminado com alguma celeridade para ir ao encontro das necessidades dos alunos de Arte da Antigui-dade Clássica que em janeiro de 2009 se submetem a exames escritos. É bem possível que por isso aqui e além não tenha sofrido o acura-mento exigido nem a vigilância que aconselhava Horácio. Além dis-so, «errare humanum est» e, humanos que somos, temos consciência de que a infalibilidade não pertence à nossa condição. Com estas pa-lavras, pretende o livro dizer que naturalmente aceita conter lacunas

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

6

e que pode até enfermar de um ou outro lapso. As deficiências serão corrigidas em possíveis futuras edições. É que, se o erro acompanha a condição do homem, também a busca da perfeição deve ser uma das suas qualidades. Com certa alegria dizemos que, numa obra sobre os monu-mentos arquitectónicos da Hélade Antiga, o azul que serve de fundo à capa e contracapa é o do céu da Grécia que nos trouxe a objectiva do excelente fotógrafo que é Albino Urbano. E boa parte das fotografias dos monumentos, quando não haja especificação, são nossas ou de amigos que no-las cederam. Daí que com dever gostoso agradeçamos ao Albino Urbano, à Maria Alegria Marques, à Helena Rainha Coelho, a vários outros. A minha maior gratidão – e aqui falo em nome pesso-al – dirige-se à Senhora Doutora Maria Helena da Rocha Pereira que muito me ensinou sobre Arte Grega, e sempre se mostra disponível a esclarecer dúvidas. Não há consulta que se lhe faça a que não acorra de imediato. Nela encontramos sempre um apurado sentido acadé-mico e uma postura de verdadeiro Mestre. A todos os nossos agradecimentos sinceros.

Coimbra, 8 de dezembro de 2008José Ribeiro Ferreira

Vol. I - Arquitectura Grega

7

ADVERTÊNCIA PRELIMINAR

No aportuguesamento dos nomes próprios, mitónimos, antropónimos, topónimos e corónimos, adoptámos a forma daqueles que já têm tradição literária em Português, designadamente camoniana, e transliterámos outros, sem deixar de ter em conta propostas F. Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (Lisboa, 1966), de Maria Helena Ureña Prieto et alii, em Índices de Nomes Próprios Gregos e Latinos (Lisboa, 1995) e da tradução portuguesa do Dicionário de Mitologia Grega e Romana, de Pierre Grimal (Lisboa, 1992).

Nos termos técnicos e palavras gregas, optámos pela forma portuguesa, sempre que já consagrada em dicionários: e. g.: opistódomo, ábaco, equino, ginrceu, mégaron. Em boa parte dos casos, porém, os termos não deram ainda entrada na língua portuguesa, ou apresentam sentido diferente: caso, por exemplo, de ‘nau’ (do grego naós ‘templo’), ou ‘demo’ que, além de significar demónio (do grego daimon ‘divindade’), designa a circunscrição mais pequena na antiga Atenas (grego dêmos). Nesses casos, optámos apenas pela pura transcrição do termo grego ou latino, sem outra adaptação, apesar das inconsistências ocasionais que daí possam derivar. Assim podem ocorrer ao mesmo tempo – com origem no mesmo termo grego dêmos – ‘demo’ (ciscinscrição de Atenas) e dêmos quando usada no sentido de ‘povo’ (elemento que está na formação de palavras como democracia).

Mantivemos todavia a acentuação do grego para evitar que a adaptação às regras da prosódia portuguesa deturpe a sua pronúncia: e tal aconteceria se se não colocasse o acento em naós (‘templo’) e prónaos (‘vestíbulo’ ou pórtico). Sempre que o acento recai sobre um

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

8

eta ou um ómega, optámos pelo acento circunflexo sobre a vogal — aqui também no caso de palavras graves —, para fechar os timbres e e o, como aconteceria em grego: e. g., andrôn (aposento da casa grega onde se realizavam os banquetes ou sympósia), Herôon, skenê. ‘Bulê’ (do grego boulê ‘conselho’) já surge nos dicionários, embora grafada, quanto a nós, de forma incorrecta com acento agudo (bulé), em vez de circunflexo, como convém a termo que termina em eta acentuado.

Vol. I - Arquitectura Grega

9

INTRODUÇÃO

Manifestação cultural de grande perfeição, beleza estética e requinte, a arte grega apresenta, como escreve M. H. Rocha Pereira, «as qualidades do povo que as criou: racionalismo, clareza, sentido da harmonia e da proporção»1. Podemos distribuir a arte grega por três grandes épocas: a Arcaica (sécs. VII e VI a.C.), que tem como característica mais saliente o esforço pelo inteligível; a Clássica (sécs. V e IV a.C.) que se salienta pelo sentido de superação da matéria, idealismo e transparência; e Helenística (sécs. III-I a C.) que se distingue pelo poder de observação, pelo gosto do concreto e do real, pelo individual, pelo singular.

A arte grega é uma das principais manifestações da pólis e aparece em função da vida dessa cidade-estado e da sua população. Se é certo que, para os Gregos a pólis era, acima de tudo, o concreto dos cidadãos e não propriamente o espaço – ou, como sublinha Tucídides (7.77.7), «a pólis são os cidadãos e não as muralhas nem os barcos viúvos de homens» –, não deixam de ter importância os edifícios e locais onde a população habitava e se reunia, onde dirimia as suas contendas e tomava as suas decisões políticas, onde administrava o Estado e recebia os embaixadores e delegações estrangeiras, onde prestava culto aos seus deuses e lhes dirigia preces, onde convivia ou realizava manifestações culturais, onde vibrava ou competia nos jogos, onde assistia e se deliciava com o canto e a dança.

Justificam-se por isso algumas notas sobre a pólis, cujo aparecimento, por meados do século VIII a. C., se combina

1 Estudos de História da Cultura Clássica 1- Cultura Grega (Lisboa, Fun-dação Calouste Gulbenkian, 102006), p. 565.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

10

cronologicamente com as origens do templo grego. Com o declínio micénico no século XII a. C. e a longa

movimentação populacional que se lhe seguiu, acompanhada de intensas lutas, a ausência de um poder centralizado forte leva os habitantes a protegerem-se e a acolherem-se em pequenas comunidades, no cimo de colinas que rodeavam de muralhas e a que davam o nome de acrópole. A partir de determinada altura, para melhor resistirem aos ataques constantes, essas pequenas comunidades agrupam-se em unidades mais amplas, através de sinecismo, e contribuem, desse modo, para a formação das póleis (plural de pólis) que não conseguiram ultrapassar o seu individualismo e nunca atingiram uma unidade política1.

De espírito particularista, o Grego considerava a pólis a única base possível de uma existência civilizada e livre2. Mesmo quando faziam alianças, como é o caso das simaquias, os seus membros eram considerados Estados soberanos. Foi esse particularismo que os envolveu em conflitos constantes uns com os outros.

Para o Grego, a pólis ou Estado tinha no povo ou dêmos a sua soberania e dava primazia às tradições e normas, que a regiam e a que dava o nome de lei (thesmós ou nomos)3 e que eram exercidas e postas em prática pelas instituições — um grupo estrutural de três instituições base, com funções idênticas

1 Apesar de várias tentativas e passos nesse sentido, o particularismo foi sempre mais forte. Vide J. Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga. Sociedade e Política (Lisboa, Edições 70, 22004), pp. 13-35.

2 Um facto acentuado com vigor por Platão e Aristóteles. O primeiro toma a pólis como modelo do seu Estado ideal, o segundo ocupa-se do assunto no livro I da Política. Por dois elucidativos passos de Platão (Críton 50a sqq. e Leis I, 625e), vemos quanto a pólis era apaixonadamente sentida. Vide Ferreira, (1992a) 96-103 e (1992), cap. 1.

3 Thesmós e nomos são dois termos que significam lei, mas que desig-nam realidades diferentes, pelo menos quanto à origem e autoridade. Vide infra pp. 13-14 e J. Ribeiro Ferreira, Hélade e Helenos I – Génese e Evolução de um Conceito (Coimbra, 1993), pp. 151 sqq.

Vol. I - Arquitectura Grega

11

de início. Estou a referir-me à Assembleia do povo, ao Conselho e aos Magistrados, cujo poder relativo vai variando ao longo dos tempos com o evoluir dos Estados.

Esta trilogia constitucional já se encontra constituída e em funcionamento, quando, no fim da Época Obscura (sécs. XI-VIII a.C.), a pólis aparece. No entanto, uma evolução mais ou menos violenta, a cada passo em luta com os condicionalismos de cada pólis, gera profundas transformações e origina sociedades diversas, com constituições e modos de vida diferentes, criando instituições novas ou alterando mais ou menos substancialmente as existentes. Os Estados gregos, durante a época arcaica (sécs. VIII-VI a.C.), para resolver problemas demográficos, vão lançar-se na colonização que espalha os Gregos e o sistema de pólis por todo e Mediterrâneo e Mar Negro. Em consequência, desenvolve-se o comércio e a indústria artesanal, sobretudo de cerâmica e de armas; surgem profundas alterações agrícolas na Hélade, com a substituição dos cereais pelo cultivo da oliveira e da vinha, por o vinho e o azeite serem produtos mais competitivos. Aparece uma nova táctica militar, a hoplitia, que se baseia na infantaria que lança para segundo plano a cavalaria, e portanto os nobres, e põe a tónica no cidadão comum que desse modo ganha poder militar. Dá-se, no séc. VII a.C., a introdução da moeda que vai permitir acumular riqueza. Estas transformações e inovações originam uma nova classe de enriquecidos, os plutocratas – havia nos nobres o preconceito contra o trabalho manual e o comércio –, aumentam as desigualdades, acentuam a pobreza, causam o desfasamento entre detentores de poder político, militar e económico. Daí resultam graves lutas sociais que os Estados gregos, de modo geral, tentam resolver pela nomeação de estadistas, os legisladores (sécs. VII-VI a.C.), que, aceites pelas diversas facções, compõem códigos de leis e encetam reformas sociais, económicas e políticas que quase nunca conseguem resolver os conflitos. Por isso, as cidades acabam,

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

12

na generalidade, por desembocar em regimes autocráticos, as tiranias (sécs. VII-VI a.C.), que centralizam os poderes e se mantêm duas ou três gerações. Ao desaparecerem, quase todas antes de terminar o séc. VI a. C., qualquer que seja o regime instaurado – ora oligarquias (tenham elas por base o nascimento, a riqueza ou os dois), ora democracias, mais ou menos evoluídas –, as póleis que elas deixam já não são as mesmas: os poderes não estavam nas mãos dos aristocratas, mas centralizados nas diversas instituições que passam daí em diante, quer se trate de uma oligarquia, quer de uma democracia, a dirigir a pólis1. Foram mais de dois séculos de evolução e de inovações, às vezes com transformações profundas. Durante esse tempo aconteceram criações e realizações culturais de grande relevo e significado. Desenvolveu-se a poesia grega arcaica, com suas novas formas e géneros, com os seus hinos aos deuses e cantos em honra dos homens que sobressaíram pelo seu mérito e excelência. Surge a filosofia e a ciência, com as suas escolas e formulações novas e com as sucessivas tentativas de explicação da origem do mundo; aparece a história, depois de passar por narrativas genealógicas, como desejo de compreender as acções dos homens e conservar na memória os seus feitos. Cria-se o teatro que não mais deixou de expor perante o público a actuação de poderosos e pessoas comuns, com os seus actos de doação e altruísmo, suas insolências e excessos, cobardias e fraquezas. Verifica-se um aceso confronto político que se traduz, quer nas realizações práticas na própria pólis, quer nas formulações teóricas que se tornaram clássicas e influenciarem de forma determinante o pensamento posterior. Os Gregos viram-se constrangidos a combater contra os povos seus vizinhos, em especial contra os Persas, pela sua liberdade (490 e 480-479 a.C.) e, vitoriosos, dessas lutas retiraram força

1 Para esta evolução dos Estados gregos ao longo da época arcaica vide J. Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga. Sociedade e Política, pp. 37-70.

Vol. I - Arquitectura Grega

13

moral e empreendedora que os motiva e lança nas grandes criações artísticas e culturais do século V a.C.

Outra anotação gostaríamos de fazer, ou convém que se faça, antes de abordar a arte grega propriamente dita: a referência – necessariamente rápida, é evidente – a alguns aspectos da realização artística minóico-micénica.

Os Minóicos e os Micénios construíram grandiosos palácios e túmulos, ornamentavam as paredes das casas com belos frescos que ainda hoje encantam os olhos de quem os admira, usavam uma cerâmica profusamente decorada e jóias artisticamente trabalhadas.

A cultura micénica, sobretudo no Heládico Recente III B (c. 1300-1200 a.C.), à luz dos dados arqueológicos, aparece com relativa homogeneidade, a ponto de encontrarmos nos diversos sítios micénicos um tipo de arquitectura comum, em que sobressaem os palácios fortificados com o característico mégaron (figura 1, 2 e 3), que não surge entre os Minóicos ( figura 4) ; verificamos acentuada identidade de estilo nas pinturas murais (figuras 5, 6) e na cerâmica; observamos a mesma perfeição no trabalho do ouro, prata, pedras preciosas e nas obras de incrustação, a mesma variedade de jóias e adornos para o vestuário; é idêntico o armamento e há similitude nos abjectos de culto, com relevo para as figurinhas em T, F e Y que têm aparecido em número considerável e amplamente distribuídas ; os mesmos tipos de túmulos, onde são feitos vários enterramentos em gerações sucessivas, com especial realce para a tholos, de que é bom exemplo o chamado Tesouro de Atreu (figuras 7 e 8).

Nas pinturas murais dos palácios, a uniformidade manifesta-se em certo tradicionalismo de motivos, temas e estilos, surgido a partir do século XV; e na cerâmica, em decoração progressivamente mais abstracta e convencional (figura 9)3. Esta, na transição do Heládico Recente II para o III (c. 1500-1450 a.C.),

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

14

evoluciona no sentido de um crescente estilizar na decoração, com o aparecimento frequente de barras horizontais pintadas mecanicamente, enquanto a roda se movia, e com os motivos naturalísticos a tornarem-se lineares e a entrarem na construção de novos temas abstractos, até se atingir um tipo de cerâmica bastante uniforme, com pequenas variações locais (figura 10)4. Estes gostos, ao que parece, estenderam-se a todo o Egeu e à Ásia Menor como sugere, por um lado, a importação e imitação por Ílion da cerâmica do Heládico Recente IIIB até ao saque de Tróia VI, por outro, o aparecimento, em Rodes e Chipre, de uma cerâmica que dificilmente se distinguia da de Micenas, mas com diferenças suficientes que permitem afirmar tratar-se de um produto local e não de uma importação 1.

Mas a “Época Obscura” como que passou uma esponja sobre tudo isso. E assim, se no domínio artesanal, sobretudo no que respeita à cerâmica, se verifica uma continuidade, Martin Robertson1 considera que, na arte propriamente dita (arquitectura, escultura e pintura), há um hiato total, com o recomeço do impulso estético por volta de 1000 a. C. que leva à arte arcaica e clássica, algo de totalmente novo e distinto em relação à arte micénica. Apesar desta afirmação, verifica-se uma estranha similitude entre os capitéis da colunas da porta do Tesouro de Atreu e o das colunas dóricas, como veremos.

1 A History of Greek Art (Cambridge, 1975), vol. I, p. XVII.

Vol. I - Arquitectura Grega

15

Figura 1Planta de Micenas

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

16

Figura 2Mégaron de Micenas

Figura 3Reconstituição do Mégaron de Pilos

Vol. I - Arquitectura Grega

17

Figura 4Planta do Palácio de Pilos

1: Entrada2: Pátio interior

3: Mégaron4: Trono

5: Banhos dos quartos6: Armazéns

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

18

Figura 5Friso de mulheres de Cnossos

Figura 6Friso processional, encontrado em

Pilos, no Palácio de Nestor.

Vol. I - Arquitectura Grega

19

Figura 7Entrada do Tesouro de Atreu

Figura 8Câmara do Tesouro de Atreu

(Reconstituição)

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

20

Figura 9Cerâmica micénica (séc. XIII a.C.)

Figura 10Cerâmica micénica (séc. XII a.C.)

Vol. I - Arquitectura Grega

21

Funcional, a arquitectura grega não prescinde da beleza, da proporção e da medida e fugia dos grandes edifícios. É evidente que, como as arquitecturas de outros quaisquer povos, apresentava edifícios públicos e privados, civis e religiosos, mais ou menos sumptuosos, mas privilegiando de modo geral a simplicidade e a harmonia. Perante a arquitectura grega, ao contrário do que acontece com a egípcia, em especial ao contemplar os templos, parecem-nos construções à nossa dimensão e mais pensados para elevar o homem ao nível da divindade do que a fazer-lhe sentir a sua pequenez, fragilidade e insignificância.

A arquitectura grega recorria a diversos materiais: a pedra, de modo geral a da região, de que se deve realçar o mármore; a madeira que era especialmente utilizada nas estruturas que seguravam os telhados, mas também nas colunas e paredes dos tempos mais antigos; os adobes e o tijolo, quase sempre seco ao sol; a terracota que foi muito usada como material de ornamento (e. g. antefixas, métopas). Arrancados a cada passo em pedreiras que se situavam em locais elevados, os blocos de pedra ou mármore eram depois penosamente transportados, às vezes por mar, para lugares mais ou menos distantes (figura 11).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

22

Figura 11Transporte dos blocos de pedra e mármore

Vol. I - Arquitectura Grega

23

Ordens e estilos

Caracterizam a arquitectura grega estruturas de linhas rectas, horizontais e verticais. E, como o solo da Hélade era quase todo ele declivoso, a construção necessitava previamente de planificar os locais escolhidos, erigindo uma plataforma, às vezes elevada (estereóbata), em que assentava o edifício. Podiam entrar como elementos dessa construção, funcionais ou mais ou menos ornamentais, – além das paredes, telhado, portas e janelas, é evidente – o estilóbata, as colunas e o entablamento (arquitrave, friso e cornija).

Dava-se o nome de estilóbata ao rectângulo delimitado pelo degrau superior de estereóbata em que assentam as colunas do templo grego. Estas, constituídas de modo geral por base, fuste e capitel, podiam ser quadradas ou cilíndricas (as mais usuais), lisas ou sulcadas por caneluras que, como veremos, variavam em número e execução conforme as ordens; eram formadas, no seu fuste, por tambores, no centro de cada um dos quais se talhava, na parte superior e inferior, um buraco que, para os fixar e lhes dar consistência, era cheio por um espigão ou batoque de madeira (figura 12); uma camada de calcário moído ocultava as fissuras da acoplagem, ou junturas.

A arquitrave assenta directamente nos capitéis das colunas e é lisa ou ligeiramente ornamentada, ao contrário do friso que, geralmente, aparece mais profusamente carregado de elementos decorativos: pode ser constituído por grupos de três colunelos (os triglifos) e por quadrados ou rectângulos, quase sempre esculpidos em relevo (as métopas), que se sucedem alternadamente; ou pode ser também todo ele ocupado, sem interrupção, por escultura em relevo. No caso da sucessão de métopas e triglifos, estes – que medem o mesmo que a espessura da arquitrave – dispõem-se a partir dos cantos, de modo a situarem-se sempre nos intercolúnios

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

24

e sobre as colunas; assim os ângulos terminam sempre em triglifos. No esquema da sucessão de triglifos e métopas, os arquitectos, para solucionar as exigências dos ângulos da colunata – o triglifo devia, ao mesmo tempo, estar sobre o eixo da coluna e formar o ângulo do entablamento – optaram por um encurtamento no entre-eixo nas colunas das extremidades do edifício.

Por baixo dos triglifos havia uma régula de que pendiam, na parte inferior, pequenas saliências em denticulado, as gútulas ou gotas.

A cornija, de modo geral saliente, ora corre sobre o friso (cornija horizontal), ora dispõe-se ao longo da franja lateral das empenas (cornija inclinada). Por baixo da parte saliente da cornija havia placas ou modilhões (os mútulos) com o mesmo denticulado das régulas, ou seja com as mesmas gútulas.

Como o telhado se dispunha em duas vertentes, o espaço delimitado por elas e pela parte superior do friso e cornija tem o nome de pedimento ou frontão, quase sempre decorado com escultura de vulto ou em relevo.

A utilização ou ausência dos elementos acabados de referir, bem como a sua disposição nos edifícios, determina o seu estilo ou a ordem que o caracteriza. Assim na ordem dórica (figura 13), ao que parece a mais antiga, além de certa parcimónia nos enfeites decorativos, a coluna não tem base e pousa directamente no estilóbata, tem arestas vivas no fuste e é encimada por um capitel simples (ábaco e equino), para o qual faz transição uma espécie de gola que do fuste o separa. A arquitrave apresenta-se quase sempre lisa e o friso aparece dividido pela sucessão de triglifos e de métopas, a maioria das vezes esculpidas.

A ordem iónica era mais ornamentada e delicada. Nela, a coluna apresenta as arestas boleadas, assenta numa base relativamente elaborada (toro, escócia e plinto) e tem capitel de volutas (ábaco e volutas), como se pode ver num capitel de Ilissos (figura 14). A arquitrave não é lisa e aparece seccionada em ligeiros degraus ou percorrida por um ou mais filamentos, em relevo; por

Vol. I - Arquitectura Grega

25

seu lado, o friso apresenta decoração contínua (figura 15). Aponta-se ainda a ordem coríntia, muito usada entre os

Romanos, que é todavia uma variante da iónica, da qual difere apenas no capitel: substituição das volutas por um elemento decorativo vegetal – as folhas de acanto que brotam em filas sobrepostas e vão, por sua vez, enrolar-se em pequenas volutas nos quatro cantos do capitel, volutas essas que sustentam o ábaco. Esta solução permite uma transição perfeita entre o fuste e a arquitrave e resolve o problema dos ângulos dos edifícios, já que o capitel iónico não oferecia, nesses casos, uma solução perfeitamente conseguida (figura 16). A invenção do capitel coríntio, apesar do nome, surgiu em Atenas, nos finais do século V a.C., atribuída pela tradição ao escultor ateniense Calímaco.

Variante também do iónico será a utilização de figuras femininas em vez de colunas, ou talvez mais precisamente em vez de fustes – as chamadas Cariátides ou Kórai (Figura 17)1. Se, em vez de femininas, forem utilizadas figuras masculinas, teremos então os Atlantes.

As duas ordens ainda se distinguiam pelo número e tratamento das caneluras do fuste das colunas. Assim a dórica tinha geralmente vinte caneluras com arestas vivas, ao passo que a coluna iónica, apesar de o seu fuste ser mais delgado e delicado, ostentava vinte e quatro. Essas caneluras eram executadas depois de montados os tambores do fuste, como se vê pelos templos inacabados (e.g. em Selinunte e em Segesta) (imagem 18). Quando se utilizava a pedra local, esta é depois coberta por uma camada de gesso e pintada para imitar o mármore (imagem 19).

1 Foi descoberto em Sveshtari, na Bulgária, em 1982, um túmulo helenísti-co que tinha a câmara funerária decorada com colunas dóricas acostadas, no meio das quais se encontram nove de tipo cariátide que apresentam um tratamento rudimentar e, de braços erguidos, seguram a arquitrave.Vide R. A. Tomlinson, rec. E. Schmidt, Geschichte der Karyatide: Funktion und Bedeutung der menschlicher Träger- und Stützfigur in der Baukunst (Würzburg, 1982), Journal of Hellenic Studies 104 (1984) 254; M. H. Rocha Pereira, Cultura Grega, p. 582 nota 15.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

26

Figura 12Espigão de madeira que

unia os tambores.

Figura 14Capitel iónico, visto de lado e do

lado do juste

Vol. I - Arquitectura Grega

27

Figura 13Esquema da ordem dórica

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

28

Figura 15Esquema da ordem iónica

1: plinto; 2: tróquilos; 3: toro; 4: equino com coxim e volutas; 5: ábaco; 6: arquitrave; 7: friso decorado; 8: ulvas e dardos; 9: cornija

horizontal; 10: tímpano; 11: cornija oblíqua; 12: remate côncavo cimeiro; 13: frontão; 14: acrotério que oculta o telhado.

Vol. I - Arquitectura Grega

29

Figura 16Capitel coríntio

Figura 17Cariátides do Pórtico Sul do Erectéion

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

30

Figura 18Templo de Segesta

Vol. I - Arquitectura Grega

31

Nas duas ordens, tendo como modelo o templo, verifica-se uma alternância entre as superfícies lisas e as decoradas: assim, se exceptuarmos as colunas que eram caneladas, temos zonas lisas na base e na arquitrave e decoração no capitel e no friso.

Embora durante muito tempo se considerasse que as cores estavam ausentes da arquitectura grega, hoje, graças à arqueologia e aos vestígios de cor que ela tem revelado, sabemos que assim não acontecia: que, pelo contrário, a cor era usada (diversas cores) e predominava em determinadas partes dos edifícios. Apesar de a disposição e localização dessas cores no edifício variarem, a cada passo, de um estudioso para outro, e conforme as reconstituições, sabemos que o vermelho e o azul predominavam. Arriscamos a seguinte distribuição: os colares do fuste e a base do equino estavam pintados a vermelho ou amarelo; a parte plana das métopas e o tímpano do pedimento apresentavam-se geralmente em vermelho; o azul era mais frequente nos triglifos, nas régulas e nos mútulos (figura 20).

A utilização das duas ordens definem outros tantos estilos: o dórico e o iónico que apresentam uma distribuição geográfica, à semelhança dos dialectos. O primeiro era usado de preferência na Grécia continental e nas colónias ocidentais; o segundo predominava na Iónia e nas ilhas do Mar Egeu. Na Ática, em especial na Acrópole (como veremos em «Atenas, escola da Hélade»)1, e nos grandes santuários (como Delfos, Olímpia, Epidauro), verificou-se uma junção dos dois: o dórico no exterior e o iónico no interior.

1 Vide infra, pp. 209-230.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

32

Figura 19Coluna do Templo E de Selinunte,

em que o tufo siciliano aparece recoberto com estuque.

Figura 20Mútulos (cima) e regula (baixo),

alinhada pelos triglifos e pelo capitel. Templo da Concórdia

em Agrigento.

Vol. I - Arquitectura Grega

33

Tipologia dos edifícios

Os edifícios gregos têm diversas aplicações e funções, desde o uso religioso ao civil e do público ao privado.

Edifícios religiosos

Na arquitectura grega, entre os edifícios religiosos sobressaem os templos que, após adquirirem o seu pleno desenvolvimento, eram de modo geral perípteros — ou seja, com colunata ou peristilo a rodeá-lo pelo exterior. Se essa colunata é dupla ou há duplo peristilo, estamos perante um templo díptero. De acordo com o número de colunas que se dispunham nos lados menores, adquiriam nomes diferentes. Assim temos dístilos, se apenas há duas colunas nesses lados ou fachadas; tetrástilos, se sobem para quatro; hexástilos, se é de seis o número de colunas, o modelo de templo mais frequente na ordem dórica; octástilos, quando a fachada se apresenta com oito, usual na ordem iónica; decástilos, se o número é de dez; e dodecástilos, se sobe para doze.

Edifício-tipo por excelência, o templo é assim caracterizado por M. H. Rocha Pereira: «É uma unidade, cujo exterior é delimitado pela linha ondulante das colunas que o cercam, e traçado em íntima união com a escultura que adorna os seus frisos e pedimentos; [....] as várias rectas que o definem prendem nele o olhar, circunscrevendo ao seu espaço a atenção, sem que, no entanto, ela se perca no pormenor»1. Apresenta um esquema bem definido, geralmente com uma orientação este/oeste e a fachada principal virada a oriente (figura 21): de

1 Estudos de História de Cultura Clássica 1, p. 584.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

34

forma geralmente rectangular, podia ser períptero (colunas à volta ou peristilo) ou ter colunas apenas nos dois lados menores, formando um pórtico em cada extremo (ou seja, era anfiprostilo). Ao entrar nele, o visitante encontrava, de modo geral, o pronaos (vestíbulo) que dava para o naos ou cella, local da estátua do deus, ao fundo, de frente para a entrada; e por fim o opistódomo, onde se guardava o tesouro da divindade. A cada passo, também havia colunas no interior, cuja função principal seria o suporte da cobertura, de início colocadas em fiada axial, na cella, e depois dispostas em U.

O templo, nas suas características essenciais, já estava desenvolvido nos fins do período geométrico (fins do séc. VIII a. C.), como mostram os alicerces encontrados e os fragmentos de terracota da mesma época que os representam. É possível que mesmo cerca de dois séculos mais cedo, se se pode interpretar como templo a estrutura, datável do séc. X a.C., encontrada recentemente em Lefkandi1. Por aí se vê que, embora faltem traços do edifício clássico, já tinha o naós, rodeado por um peristilo e precedido por um pórtico de colunas.

Abandonada a construção de madeira e adquirido o cânon acima referido, nos fins do século VII a. C., os templos começam a ter grandiosidade nos inícios do século VI a. C., geralmente construídos em mármore (ou pelo menos revestidos com esse material) e pintados em certas partes, como já foi referido.

Os templos são inseparáveis da sua decoração escultórica que, considerável, os embelezam e os tornam monumentos de grande harmonia estética. Essa decoração, que pode ser de vulto ou em relevo, aparece na ponta da cumeeira e nos extremos das empenas de cada fachada, os chamados acrotérios (figura 22); ornamenta as métopas, no estilo dórico, ou preenche o friso

1 Vide Alan Johnston, «Pre-classical Greece», in John Boardman (ed.), The Oxford History of Classical Art (Oxford, 1993), pp.15 e 25. Vide infra p. 89-90.

Vol. I - Arquitectura Grega

35

por inteiro, no caso do iónico, como se pode ver no templo de Atena Nike (figura 23); ocupa todo o espaço do pedimento, com as esculturas a disporem-se de modo a situar-se a divindade (segundo os Gregos, os deuses tinham o dobro da altura dos humanos) sob o ângulo central do triângulo isósceles e as dos cantos laterais aparecerem deitadas ou inclinadas (figura 24).

Os templos tinham a função apenas de guardar a imagem das divindades, sobretudo do deus a que era dedicado. As cerimónias, rituais e sacrifícios realizavam-se no exterior, num altar que, para esse efeito, se erguia em frente ou próximo do templo (figura 25). Os altares podiam ser grandes ou pequenos, despidos ou profusamente ornamentados, simples ou de grande exuberância decorativa. O mais imponente que conhecemos é o Grande Altar de Zeus, em Pérgamo, que actualmente se encontra em Berlim, no Pergamon Museum.

Figura 21Planta de templo grego

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

36

Figura 22Parte do Grande Altar de Zeus

em Pérgamon, onde se vêem dois acrotérios nos cantos do telhado.

Imagem 22Fachada ocidental do Pártenon.

Figura 23Friso contínuo do Templo de

Atena Nike (Acrópole de Atenas).

Vol. I - Arquitectura Grega

37

TesourosAlém dos templos e altares, havia outros edifícios

religiosos, alguns de significativa importância, que merecem realce, como os tesouros, as thóloi. Os Tesouros (grego thesauroi, nome que lhe vem pelo facto de no seu interior serem conservadas preciosas ofertas votivas), frequentes sobretudo nos grandes santuários, como Delfos e Olímpia, consistiam num compartimento rectangular precedido por um pórtico, espécie de pequeno templete de estilo dórico ou iónico; destinavam-se a guardar as ofertas das cidades à divindade. Nos grandes santuários pan-helénicos, ganhamos consciência do esplendor e do refinamento da arquitectura grega – esplendor e refinamento que não está apenas presente nos sumptuosos templos dedicados às divindades tutelares mas também nos pequenos templos votivos erigidos pelas cidades gregas, do continente e das colónias, como agradecimento por benefícios particulares obtidos.

Figura 25Altar encontrado em Atenas. Muneu Nacional de Atenas

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

38

Os Tesouros de Olímpia encontram-se alinhados de forma ordenada na zona norte da área sacra (temenos), sobre um socalco nas encostas do Krónion (figura 26). Em Delfos, pelo contrário, esses pequenos templos não estavam dispostos segundo uma ordem pré-estabelecida, mas antes adaptados aos diferentes desníveis no terreno, dado o recinto rochoso do Parnasso. E em Delfos contam-se pelo menos vinte e três de tais edifícios, construídos entre os inícios do século VI a. C. (o primeiro parece ser o tesouro oferecido pelos habitantes de Corinto, sob a forma de uma simples sala rectangular) e a época clássica. Entre eles destacam-se, pela sua graciosidade e refinamento, os edifícios votivos doados pelos Atenienses e pelos habitantes das ilhas de Cnidos e de Sifnos, idênticos na planta, em forma de pequenos templos in antis, e na rica decoração em relevo. Do mais antigo dos três, o de Cnidos, resta uma inscrição que recorda uma edificação em honra de “Apolo Pítico”, datada de cerca de 560 a. C. O edifício em causa surgia logo após a primeira curva da Via Sacra, com orientação para este e construído com blocos quadrangulares bem talhados, dispostos em faixas alternadas, e na fachada principal duas estátuas de jovens cariátides (em vez das habituais duas colunas), apoiadas em altas bases, ricamente vestidas com o chitôn iónico (figura 27). A invenção e o conjunto agradam aos Sífnios que, poucos anos mais tarde (em 525 a. C.), com os lucros das suas minas de ouro e prata, edificaram – à direita do traçado da Via Sagrada e na parte interior do cotovelo que ela faz no seu caminho para o templo – um tesouro análogo na sua estrutura, mas bem mais rico na sua ornamentação. No entablamento corre um friso iónico que apresenta, nos lados menores, a assembleia dos olímpicos que, hieráticos, assistem aos acontecimentos de Tróia e ao combate entre Gregos e Troianos e, nos lados maiores, uma Gigantomaquia (imagem 28) e talvez o rapto das Leucípides por parte dos Dioscuros. No frontão ocidental deveria ainda estar representada a contenda

Vol. I - Arquitectura Grega

39

entre o herói Hércules e o próprio deus Apolo, pela posse do tripé sagrado deste deus.

Mais sóbrio mas não menos elegante, numa posição privilegiada imediatamente após a primeira curva da Via Sacra, situava-se o tesouro dos Atenienses (restaurado nos inícios do século XX). Sobre este diz-nos Pausânias (10.11.5) que foi dedicado com o dízimo da vitória de Maratona, pouco depois de 490 a. C., embora as característica da decoração escultórica nos remetam para data anterior, talvez entre 510 e 500 a.C. De ordem dórica, como impunha a tradição da Grécia peninsular, tem forma in antis, como todos os outros tesouros, mas com duas colunas dóricas insolitamente elegantes (figura 29). O friso do entablamento era decorado com métopas em relevo que representavam feitos de Teseu e trabalhos de Héracles. Dividia a ornamentação escultórica entre trabalhos de Héracles e igual número de feitos de Teseu e perece ter a intenção de aproximar os dois heróis e estabelecer certa emulação: tinha no frontão oriental o encontro de Teseu com Héracles ou Pirítoo; as seis métopas do mesmo lado representavam a vitória contra as Amazonas que haviam atacado Atenas, a que correspondiam seis trabalhos de Héracles na fachada oposta; ao longo da lado sul sucediam-se nove métopas com empresas do Teseu, a que se contrapunham outras nove no lado norte com feitos de Héracles.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

40

Figura 26Olímpia (reconstituição do Museu Arqueológico). Os tesouros vêem-se no lado direito da reconstituição, ao longo da via que conduz ao estádio

Vol. I - Arquitectura Grega

41

Figura 27Fachada principal do Tesouro dos Snífios em Delfos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

42

Figura 28Monumento da Titanomaquia. Museu de Delfos

Figura 29Tesouro dos Atenienses em Delfos. Reconstituição realizada pela

cidade de Atenas, em 1906.

Vol. I - Arquitectura Grega

43

ThóloiA tholos, edifício redondo, por vezes em círculos concêntricos

de colunas, em vários estilos, apareceu em vários contextos e santuários. A arquitectura grega não amava as linhas curvas, privilegiadas e consolidadas apenas nas edificações teatrais. As construções sagradas e civis raramente recorreram a este tipo de estruturas, mas quando utilizadas atingiram níveis de extrema coerência formal.

Teve papel significativo na arquitectura tumular dos Micénios e encontramo-lo, por exemplo, em locais sagrados como Delfos, Epidauro e Olímpia, mas desconhecemos exactamente a sua função. O mais antigo testemunho de um edifício de planta redonda encontrava-se provavelmente no santuário de Delfos, construído ainda nos inícios do século VI a. C., graças a um donativo de que apenas restam fragmentos, reutilizado no Tesouro de Sícion. Seria ainda em Delfos que, nos inícios do século IV a. C., este tipo de edifício é novamente retomado, graças à fantasia inventiva do arquitecto Teodoro da Fócida. Aí se edificou a conhecida tholos, construída no terraço do santuário de Atena Pronaia (figura 30). No exterior o edifício apresentava um círculo de vinte colunas dóricas de acentuada beleza, que suportavam um friso com triglifos e métopas, esculpidas com temas de lutas (Amazonas e Centauros). No interior da cella existiam nove colunas coríntias, apoiadas na parede e colocadas sobre um plinto em pedra negra de Elêusis. O mesmo material foi também utilizado para o pavimento, formando um acentuado contraste com a brancura do mármore. Particularmente cuidada era ainda a decoração, que parecia inspirar-se na experiência do Erectéion na precisão dos entalhes da cornija, da qual é justamente famosa a decoração com folhas estilizadas que circundam o plinto da cella no exterior.

A estrutura de planta redonda é retomada poucos decénios depois em Epidauro onde, entre 360 e 320 a.C., se procede à construção de um edifício projectado pelo arquitecto

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

44

Policleto (figura 31). Este edifício, conhecido por thymele (assim recordado pelas fontes, o nome significa “lugar de sacrifício”), surgia nas traseiras do templo de Asclépios. A ela se acedia mediante uma rampa, depois de vencer um desnível de três degraus. No plinto repousava um círculo de vinte e seis colunas dóricas com triglifos e métopas, desta vez não decoradas com as tradicionais representações figuradas mas adornadas por grandes páteras em relevo realçadas a dourado. Na goteira estendia-se, entre cabeças de leão, um elegante friso com motivos vegetais. No interior, elevavam-se catorze colunas coríntias destacadas do muro, formando um corredor encimado por um telhado construído com caixotões finamente decorados com elementos florais. Particularmente requintado era o motivo decorativo do pavimento, constituído por triângulos com lados côncavos de pedra negra e mármore que criavam um jogo de perspectiva de grande elegância. Desconhece-se, no entanto, a função deste edifício. Nas fundações da sala central três muros concêntricos individualizavam uma espécie de labirinto em caracol: talvez fossem aí guardadas as serpentes sagradas do deus da Medicina, ou seria neste espaço que se celebravam as cerimónias dos mistérios, como parece sugerir o nome do edifício transmitido pelas fontes que, de facto, alude a ritos sacrificiais.

Um dos últimos êxitos desta refinada, mas pouco difundida, tipologia monumental foi o dito Philippeion de Olímpia (figura 32). Este tem o nome do seu comitente, Filipe de Macedónia, o qual depois da batalha de Queroneia decidiu dedicar na área sagrada do santuário uma espécie de sacelo para si e para a sua família. A sua morte precoce impediu-o de finalizar o projecto, posteriormente ultimado pelo seu filho, Alexandre. O edifício apresentava no exterior dezoito colunas dóricas, enquanto no interior possuía oito semi-colunas coríntias, apoiadas num alto plinto. A decoração em losangos nos caixotões do telhado era extremamente rica. No interior da construção, sob uma base

Vol. I - Arquitectura Grega

45

de hemiciclos dispunham-se estátuas de Alexandre e de seus pais e avós, todas esculpidas por Leócares na preciosa técnica crisoelefantina (em ouro e marfim).

Deparamos todavia também com thóloi com funções civis, de que o exemplo mais conhecido e relevante é o Pritaneu da pólis ateniense, que se situava no oeste da Ágora, ao lado do Buleutérion (figura 33).

Figura 33Reconstituição da tholos do

Prianeu, em Atenas

Figura 30Tholos em Athena Pronaia.

(reconstituição)

Figura 31Planta da tholos de Epidauro

Figura 32Philippeion de Olímpia

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

46

PropileusTemplos e Tesouros faziam parte essencial, sobretudo

o primeiro, dos recintos sagrados ou santuários, nos quais, de modo geral, se entrava por vistosa porta, o Propileu (do grego própylon) – nome que, na Grécia antiga, se dava à entrada monumental, ornamentada com colunas, que acedia a edifícios e recintos ou santuários. Podia limitar-se a um simples pórtico com uma única porta, o propileu, ou, mais sumptuosa e elaborada, apresenta uma estrutura de vários pórticos com mais de uma porta, os propileus. O mais famoso e monumental exemplo é a entrada na Acrópole de Atenas (figuras 34 e 35), que é constituído por quatro pórticos e cinco portas. Mas o propileu é, evidentemente, também um edifício civil, pois serve a cada passo de entrada nas cidades, em ágoras e outros recintos.

Figura 34Propileus da Acrópole de Atenas.

Vol. I - Arquitectura Grega

47

Arquitectura doméstica

No domínio das construções civis, começo pelas casas que adquirem, é evidente, importância fundamental para as populações e que, como em qualquer outro lugar, na Grécia antiga eram mais ou menos simples. Viviam, contudo, para o interior, não visavam o aparato externo. A arqueologia tem escavado número significativo de casas, em diversas cidades, e reconstituído algumas delas. A partir desses dados e reconstituições, podemos deduzir que a casa tipo possuía dois pisos. Um átrio dá para uma porta de duplo batente, como de modo geral acontecia, mesmo nas do interior. Nas casas de campo ou vivendas, como acontece nestas reconstituições de casas de Olinto (figura 36) e da Ática, como se pode ver na reprodução da casa de Kourouniotis (figura 37) e de outra na Via Panatenaica (figura 38), o átrio dava para um

Figura 35Planta dos Propileus.1: Sala da Pinacoteca

2: Colunata central, a ladear a passagem oxial.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

48

vestíbulo de recepção, a que se seguia um pátio central interior, aberto, com pórticos e três alas a darem para esse pátio. Aí se situava o altar doméstico. No piso inferior ou térreo ficavam as dependências sociais: a sala de estar, ao fundo, de modo a receber a luz do pátio; o andrôn ou sala dos symposia, a sala de jantar, anexa aos aposentos do banho e à cozinha; todas elas, de modo geral, com pavimentos em mosaico. Uma escada levava ao piso superior, onde se encontravam o tálamo ou quarto conjugal, o gineceu, sala destinada às mulheres, e os aposentos destinados aos escravos domésticos.

A arquitectura doméstica sofreu todavia, como seria de esperar, uma evolução mais ou menos significativa. Saída de um período de obscuridade, nos primeiros tempos do período arcaico a arquitectura doméstica era extremamente simples. Apenas nos finais do século VII a. C. as casas passam a ter estruturas mais complexas, com destaque para o desenvolvimento de espaços abertos com um pátio central. No século VI a. C., com o aparecimento dos tiranos dá-se a construção de sumptuosos palácios fortificados, conhecidos especialmente através das fontes escritas e de representações em vasos pintados. Mas também as casas da aristocracia deveriam mostrar uma notável transformação, com aposentos à volta de um corredor e um átrio fechado. O aposento mais característico estava destinado a um típico uso grego, o sympósion ou banquete. Já descrita pelos líricos gregos, esta sala, chamada andrôn, abria-se directamente para o átrio e era caracterizada pela presença de leitos ao longo das paredes. As mulheres (das classes mais altas, entenda-se) eram excluídas da vida social, e a elas estava destinada uma parte separada da casa, o gineceu.

Os testemunhos arqueológicos dos primeiros tempos são parcos. Algumas casas escavadas perto do Areópago, em Atenas, contemporâneas do período de Péricles, possuem vários ambientes que se desenvolvem à volta de um pátio

Vol. I - Arquitectura Grega

49

central (normalmente com um poço), ao qual se acede através de um pequeno corredor. A vida gravitava toda no seu interior, isolada do mundo exterior, prestando-se, inclusivamente, pouca atenção ao aspecto das fachadas, a não ser que se situassem nalguma via principal com forte actividade artesanal.

Temos no Protágoras de Platão uma óptima descrição da casa de Cálias, no Pireu: através de um vestíbulo o prothyron, para o qual dava o quarto do porteiro, acedia-se a um amplo espaço aberto que dava luz a toda a casa, o pátio ou aulê. Aí se expunham dois pórticos, o do lado norte com dupla planta. No rés-do-chão dispunham-se vários compartimentos, entre os quais o andrôn, onde se desenvolve grande parte do diálogo. Os do andar superior (que estavam destinados aos hóspedes), deviam ser reservados às mulheres. Á volta de toda a aulê abriam-se várias lojas e zonas de serviço. Tratava-se, certamente, de uma casa muito rica.

A casa comum devia, todavia, ser de estrutura muito simples: um pátio interior, onde se desenvolvia um pórtico de madeira com dupla planta. No inferior existia o andrôn, a cozinha e os serviços com água. No plano superior (onde não chegava a água) estavam os espaços destinados às mulheres, com thálamos e áreas para as servas. Cerca de cem casas idênticas a esta foram encontradas nas escavações de Olinto, uma cidade da Calcídica, fundada em 423 a.C. e destruída por Filipe II em 348 a.C. Os quarteirões dispostos de modo regular estavam divididos em casas modelares construídas em madeira e tijolos, com muretes de pedra. Todas tinham um pátio central com um pórtico de madeira de dupla planta (pastás) no lado setentrional: nesse lado abriam-se pequenos ambientes, entre os quais o andrôn, com cerca de uma dúzia de metros quadrados, e a cozinha com a zona do fogo. Da outra parte do pátio, pequenas construções de uma só planta que deviam ser destinadas a lojas ou locais de serviço. No curto espaço de tempo de sobrevivência da cidade, algumas

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

50

destas casas foram sendo ampliadas, anexando-se unidades habitacionais contíguas e alargando a pastás, transformando-o num verdadeiro peristilo. Muitos espaços foram ornamentados com pinturas parietais e com mosaicos figurativos realizados com pequenos seixos.

A evolução para casas mais airosas, mais ornamentadas e complexas, dá-se com as mudanças sociais características do período helenístico, como se deduz de vestígios escavados nas cidades de Abdera e Kossope. Para este período, o exemplo que melhor ilustra a evolução pode ser visto em Delos. A cidade mostra, ao lado de casas mais pobres, grandes vivendas com pátios adornados por um peristilo, ricamente ornamentados, que serviram de modelo a muitos espaços patrícios romanos do período tardo-republicano.

Figura 36Reconstituição de casa de Olinto.

Vol. I - Arquitectura Grega

51

Figura 37Reconstituição de casa de Kourouniotis, em Atenas.

Figura 38Reconstituição de casa na Via Panatenaica, em Atenas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

52

Edifícios políticos, administrativos e sociais

São também construções civis, embora algumas delas possam aparecer em recintos sagrados, os pórticos, os pritaneus, os buleutérios, os ekklesiastéria – os principais, entre outros edifícios civis públicos ou privados.

No período arcaico foi a edificação religiosa a responsável pelo desenvolvimento da arquitectura grega, enquanto a arquitectura dos edifícios públicos civis se limitou a reproduzir as formas típicas dos ambientes domésticos. Mas já para os finais do século VI a. C. começou a manifestar-se um maior interesse pela criação de ambientes adaptados às necessidades das funções políticas e administrativas das cidades, o que levou, já no decurso da centúria seguinte, à criação de algumas estruturas “especializadas” para as actividades públicas.

Buleutérios e PritaneusO buleutério, edifício em que se reunia o conselho, tinha

praticamente presença assegurada em cada pólis. Com uma tribuna para os oradores em um dos lados, podia ter bancadas em anfiteatro ou em forma de U, como se vê nas ruínas do Pritaneu de Mileto (figura 39).

O Pritaneu era o edifício ou local onde se reuniam os Prítanes – nome que designava magistrados importantes em várias das cidades gregas. De etimologia obscura, aparece na literatura a designar o ‘chefe’, o ‘mestre’ (prytanis no grego moderno é o nome do reitor de uma universidade); aplica-se a divindades como Zeus e Apolo; dele deriva o verbo denominativo prytaneuo, que significa ‘ser o chefe’, ‘presidir’.

Os testemunhos mais antigos de edifícios civis com carácter

Vol. I - Arquitectura Grega

53

monumental e função político-administrativa encontram-se em Atenas e em Olímpia. E Prítanes era, em Atenas, o nome dos cinquenta buleutas de cada tribo que durante uma décima parte do ano estavam em serviço permanente, preparavam os trabalhos da Bulê e da Assembleia e executavam as decisões de um e de outro desses órgãos. A evolução da pólis ateniense no sentido da democracia tornou instituições principais do regime a Assembleia, constituída por todos os cidadãos, o Conselho dos Quinhentos ou Bulê, transcrevendo o grego, e a Helieia, para que eram escolhidos à sorte, respectivamente, cinquenta e seiscentos de cada uma das dez tribos.

No lado oeste da Ágora ateniense existia já nos inícios do século VI a. C. uma construção com vários compartimentos que se apresentava com um pátio trapezoidal porticado, identificado como o primitivo pritaneu: aí se conservava o fogo sagrado da deusa Héstia e se reuniam os cinquenta magistrados (Prítanes) que aí presidiam durante um décimo do ano.

Figura 39Pritaneu de Mileto

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

54

Em cima deste modesto edifício foi construído, por volta de 465 a. C., um outro de planta central, a tholos, chamada também skiás (quer dizer guarda-chuva), talvez pela forma do seu teto cónico que recordava, de facto, aquele objecto (cf. figura 33). No interior estavam dispostos, contra a parede e à volta das pilastras, os leitos conviviais, nos quais se estendiam para comer os pritaneus com os seus convidados, embaixadores estrangeiros ou mesmo cidadãos dignos de tais honras.

A norte do pritaneu construiu-se já nos inícios do século V a. C. um buleutério, edifício destinado a acolher os cinquenta boleutas (conselheiros): de forma quadrangular, com escadarias em três lados, este edifício inaugurou uma tipologia que teve muito sucesso sobretudo na época helenística, como demonstra, por exemplo, o sugestivo e bem conservado edifício de Priene. A função desta sala, destinada à assembleia, teria naturalmente condicionado a forma do edifício, muito próxima de estruturas do tipo teatral.

Diferente foi a solução adoptada em Olímpia, onde à volta de meados do século VI a. C. foi edificado na parte meridional do santuário um buleutério de forma rectangular, com entrada pelo lado oriental e com abside no lado oposto. A escadaria do buleutério, provavelmente em madeira, dispunha-se ao longo das paredes, enquanto que a abside tinha funções de arquivo. No início do século V a. C. foi construído, a norte do anterior, um segundo edifício, deixando livre o espaço reservado a um altar provavelmente dedicado a Zeus.

EkklesiastériaOs ekklesiastéria eram edifícios para funcionamento da

Assembleia (Ekklésia) que reunia todos os cidadãos da pólis na Grécia antiga. A política foi um elemento fundamental da cultura helénica, explícito desde os Poemas Homéricos. Como se deduz de um passo célebre da Ilíada (9. 443), Fénix ensinara Aquiles também

Vol. I - Arquitectura Grega

55

a fazer discursos e não apenas a praticar nobres feitos. Ora com a afirmação da pólis ou cidade-estado ao longo da época arcaica — ou seja no decurso dos séculos VIII a VI a. C. — a necessidade de intervir no Conselho e na Assembleia, um órgão colegial o primeiro e constituído por todos os cidadãos a segunda, obriga o dirigente a ter de usar da palavra e a saber convencer os seus concidadãos.

Embora a Magna Grécia não tenha sido um foco de democracia, a presença aí de ekklesiastéria — recente descoberta de um em Paestum (figura 40) e de outro na Ágora de Metaponto (figuras 41 e 42) — atesta que o povo era consultado. No de Metaponto, descobriu-se uma estrutura de filas concêntricas cujos assentos rodeiam uma espécie de pódio central. Construído no 1º quartel do século V a. C., este edifício podia albergar cerca de 8.000 cidadãos para as suas deliberações. Estes edifícios circulares, a céu aberto, prestavam-se às confrontações de opiniões, tal como acontece nas salas do bouleutérion. Em Atenas a Assembleia funcionou primeira na Ágora e depois numa colina próxima, a Pnix (figura 43), para onde foi transferida na primeira metade do séc. V a.C., de que se dá a reconstituição colhida em P. Connolly, La ciudad Antiqua (Madrid, 1998) p. 28.

Figura 41Ekklesiastérion de Metaponto

Figura 40Planta do Ekklesiastérion de Paes-tum. Colhida em Taschen, pág.

99.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

56

PórticosAlém dos edifícios claramente conotados – no sentido

funcional – com a vida política, como é o caso do pritaneu e o buleutério, não se pode deixar de referir uma outra importante tipologia monumental, a do pórtico ou stoa, que terá grande êxito quer em contextos religiosos quer civis. Muito frequentes em recintos religiosos, os pórticos não se limitavam apenas a esse uso. O clima da Grécia oferecia claridade, limpidez de céu, mas tinha sol inclemente. Em tais circunstâncias, a sombra acolhedora aparecia como bálsamo. Por isso os pórticos surgiram a unir

Figura 43Planta da Pnix (Atenas)

A: tribunaB: escadarias originais de

acessoC: Restos da escadaria de

acesso da ampliação.

Figura 42Planta do Ekklesiastérion de

Metaponto. Colhida em Taschen, pág. 99.

Vol. I - Arquitectura Grega

57

edifícios, a ladear e ornamentar santuários, a rodear a ágora, local onde se encontravam ainda outros edifícios públicos, como buleutérion (onde funcionava o conselho), tribunais, mercado, banhos, fontes (figura 44).

São particularmente numerosos e significativos os testemunhos da Ágora de Atenas, local onde já nos inícios do século VI a. C. foi construída a Stoa Balileios, o pórtico do rei, onde o arconte rei desempenhava a suas funções administrativas. Esta estrutura original bastante simples, com oito colunas na frente, é melhorada com o acrescento de corredores porticados que permitem criar um espaço adaptado para reuniões de assembleias. Por volta de 425 a. C., a sul do pórtico do rei, é construída uma mais harmoniosa e imponente Stoa, denominada de Zeus Eleuthérios (Zeus libertador), e a si destinada pelo facto

Figura 44Stoa de Átalo na Ágora de Atenas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

58

de este ter libertado a cidade do jugo e ameaça persa. Trata-se de um edifício da ordem ática, provavelmente atribuído a Menésicles – o mesmo arquitecto responsável pelos propileus - que reunia no exterior a ordem dórica e no interior a ordem iónica. Da ordem ática refira-se ainda a Stoa Poikile (pórtico com pinturas), um dos mais antigos exemplos desta ordem na Ágora de Atenas, designativo que advém do facto de este edifício estar decorado no seu interior com as famosas pinturas de Polignoto de Tasos e de Mícon, descritas por Pausânias e alusivas à Batalha de Maratona, à destruição de Tróia (Ilioupérsis) e à Amazonomaquia.

Figura 45Planta do Teatro de Tóricos

Vol. I - Arquitectura Grega

59

Edifícios culturais e desportivos

Neste grupo incluímos os edifícios destinados às representações dramáticas, ao canto e à dança, ao exercício físico e à competição desportivo: os teatros, os odéons, os ginásios e palestras, os estádios, as léschai e as termas.

TeatrosOs teatros, no aspecto arquitectónico, são edifícios

adequados para as representações dramáticas. Se os primitivos espectáculos teatrais se devem ter realizado em locais públicos, provavelmente na Ágora de Atenas, o teatro, como edifício próprio à apresentação dessa manifestação cultural, acaba por surgir, com naturalidade, no séc. V a.C. Normalmente aproveitam-se os declives das encostas para se construírem bancadas em anfiteatro; procurava-se assim obter boas condições acústicas.

Além do anfiteatro, que se encontrava dividido em sectores (ou kerkides), no teatro devemos distinguir ainda os seguintes componentes: a orquestra (local onde evoluía o coro), a skenê (inicialmente uma espécie de tenda para os actores, mas que depois se transforma numa estrutura mais complexa, representando normalmente as fachadas de um templo ou de um palácio), os parodoi (local para as entradas laterais do coro).

Em Atenas foi, construído um teatro, nas vertentes da acrópole, em honra de Diónisos Eleuthereus. Foi esse o lugar privilegiado das representações dramáticas e foi aí que os Atenienses assistiram à maioria das peças dos três grandes trágicos (Ésquilo, Sófocles e Eurípides), às comédias de Aristófanes e às obras de muitos outros, de que pouco mais conhecemos do que seus nomes.

A construção de áreas preparadas para receber espectáculos

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

60

sagrados e acolher os espectadores remonta ao período micénico. No período arcaico, especialmente a partir do século VI, a construção de edifícios para espectáculos é já uma regra. Mas nos seus inícios, nem sempre o espaço reservado à representação do coro, a orquestra, tinha a forma circular, ou não a teria sempre, como pensaram alguns quando apareceu o teatro de Tóricos, na Ática, cuja primeira edificação deve ser de meados do século VI a. C. e é um dos mais antigos conhecido (figura 45)1. Apresenta uma cávea trapezoidal e orquestra quadrangular com os lados arredondados; o mesmo parece ter ocorrido nos primeiros edifícios em Tasos, Delfos, Argos e Siracusa. Mesmo em Atenas os primeiros edifícios estavam situados em plena Ágora onde se realizavam as competições dramáticas e musicais. Edifícios possivelmente associados à reorganização dos cultos por parte de Pisístrato, em 530 a. C., os espectadores sentavam-se numa espécie de bancadas em madeira (íkria), como se pode observar num célebre fragmento de Sófilo (figura 46). Em 498 a. C. a estrutura das bancadas ruiu e as competições foram transferidas para o santuário de Diónisos, na encosta sud-oriental da Acrópole. Aqui, junto ao templo do deus, construiu-se nos finais do século VI a. C. um muro circular destinado a regularizar a orquestra, enquanto os espectadores se sentavam na encosta da Acrópole. No decurso do século V a. C. foi também escavada e regularizada a encosta, de forma côncava (Kóilon), e atrás da orquestra foi construído um edifício destinado a conter os apetrechos da cena (skenoteka), que podia também servir de camarote para os actores e de guarda roupa para os espectadores. Este foi o teatro de Sófocles e de Eurípides. Durante a paz de Nícias (421-415 a. C.), a cena torna-se elemento fixo, com uma frente em pedra e uma stoa, ou pórtico, na parte posterior (figura 47). Na segunda metade do século IV a. C., entre

1 Pensou-se, ao aparecer esse teatro com uma orquestra aparente-mente trapezoidal, que a forma inicial pudesse ser rectangular. Hoje as dú-vidas acumulam-se.

Vol. I - Arquitectura Grega

61

338 e 330, dá-se a reconstrução do teatro por parte do orador e estadista Licurgo, e constrói-se a cena, a orquestra e a cávea (kóilon) em pedra. Nos finais do século IV a. C. foi construída uma nova cena, acrescentando-se corpos laterais (paraskênia) ornados com colunas e tábuas de madeira pintadas com cenas de paisagem ou de cidade, as pinakes, que quando substituídas em plena actuação permitiam uma rápida mudança de cena.

Pouco depois do teatro de Licurgo foi erigido o famoso teatro do santuário de Epidauro, que foi desde logo considerado como perfeito e o mais belo de entre os teatros da Grécia. Ainda hoje é o teatro grego antigo mais bem conservado, que chegou até nós em mais perfeitas condições e melhor nos dá a ideia do que era o edifício. É especialmente conhecida a sua surpreendente acústica graças – sabe-se hoje – a cálculos matemáticos usados propositadamente para a sua construção. A orquestra, circular e com o altar (thymele) de Diónisos no centro, é rodeada pelo grande semi-círculo da cávea ou kóilon. Com capacidade para mais de 14 mil espectadores, a cávea é dividida por uma passagem horizontal, o diázoma que divide as bancadas em dois sectores, o superior com 24 degraus e o inferior com 34 (figura 48). O edifício cénico, rectangular, tinha as funções de cenário e estava separado dos muros de suporte do kóilon por acessos descobertos, as entradas ou párodoi, através dos quais se acedia à orquestra. Construído em finais do séc. IV a. C., a majestade das suas linhas, a harmonia das suas proporções, a sua impressionante acústica (o rasgar de um papel ou o riscar do fósforo na orquestra pode ser facilmente ouvido na mais afastada das bancadas) — tudo isto faz do teatro de Epidauro o mais representativo que hoje possuímos do mundo antigo.

Depois da segunda metade do século IV a. C. todos os edifícios de teatro serão deste tipo, incluindo o de Megalópolis, o maior de todos, destinado a conter 21 mil espectadores.

A construção de numerosos teatros por todo o mundo

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

62

helénico - reproduzimos imagens dos teatros de Delfos e de Éfeso (figuras 49 e 50, respectivamente) - demonstra a enorme influência exercida por essa manifestação cultural que é o teatro, uma criação de Atenas, surgida na segunda metade do séc. VI, talvez por alturas da passagem do terceiro para o quarto quartel, no âmbito de um dos mais importantes festivais atenienses, as Grandes Dionísias, celebradas nos inícios da primavera, em honra de Diónisos Eleuthereus, ou seja Libertador .

Figura 46O fragmento vascular mostra uma cena da Ilíada: os jogos fúnebres

em honra de Pátroclo. Vê-se bem a reacção do público.

Vol. I - Arquitectura Grega

63

Figura 47Teatro de Diónisos em Atenas.

Figura 48Teatro de Epidauro.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

64

Figura 49Teatro de Delfos.

Figura 50Teatro de Éfeso.

Vol. I - Arquitectura Grega

65

OdéonsOs odeons, também em anfiteatro, mas mais pequenos

do que os teatros, são edifícios destinados ao canto e à dança – aliás de acordo com o seu nome que deriva do termo grego odê ‘canto’ ou ‘hino’. Neles também se faziam conferências e leituras públicas.

As origens mais remotas do odeon, usado para espectáculos musicais, pode ser encontrada em Esparta, cidade onde se teria construído um edifício para essa finalidade no séc. VII ou VI a. C.

Em Atenas o mais antigo odeon foi mandado construir por Péricles na proximidade do Teatro de Diónisos; era rectangular (62,40 x 68,60 m) e a sua cobertura era suportada por uma fila de colunas. Dado que os gregos usavam o sistema de coluna e lintel os edifícios não podiam suportar grandes superfícies com cobertura sem recorrer a construções do tipo rectangular.

Outro tipo de edifícios que requeriam largos espaços cobertos, como o Telestérion em Elêusis, usado para os mistérios Eleusinos, e o Tersílion em Megalópolis (c. 66 x 52 m) construído em meados do século V a. C. como um local de encontro para a Liga Arcádica, tinham soluções arquitectónicas idênticas (Sear 2006, 39).

Mais tarde, em Atenas do século II a. C., Herodes Ático manda erigir um novo edifício deste tipo, edifício que apesar de várias alterações que sofreu ao longo dos tempos, ainda hoje é utilizado para espectáculos musicais (figura 51).

Os odéons mais tardios foram construídos segundo dois planos distintos: ou tinham paredes exteriores rectangulares como os boleutéria, ou uma cávea semi-circular como nos teatros. Em época romana este tipo de edifícios teve largo sucesso, conhecendo-se exemplos daqueles tipos em várias cidades do Império, em particular na parte oriental do Mediterrâneo. Como exemplo de edifício com paredes exteriores rectangulares refira- -se o que foi mandado construir por Agripa na própria Ágora de Atenas; mas também os edifícios de tipo semi-circulares

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

66

como teatros tiveram grande sucesso. Refira-se, entre outros, o odéon mandado construir por Domiciano em Roma, talvez o mais amplo de todos com um diâmetro de cerca de 100 m, e o de Cartago, construído no século III, com um diâmetro de 96 m (Sear 2006, 39).

Figura 51Odéon de Herodes Ático em Atenas.

Vol. I - Arquitectura Grega

67

LéschaiAs léschai (plural de lesche) eram, na Grécia antiga, algo

que correspondia aos actuais clubes e serviam para reuniões informais.

Um dos mais famosos desses edifícios é a Lesche dos Cnídios, em Delfos, de que apenas restam os alicerces. Era aí que se encontrava a famosa pintura de Polignoto relativa à catábase de Ulisses e à Ilioupersis. Pausânias descreve essa Lésche dos Cnídios e os frescos de Polignoto: a queda de Tróia (10.25.1-26.9) e descida de Ulisses ao Hades (10.28.1-31.12), de que damos o início da descrição do primeiro e do segundo frescos (respectivamente 10.25.1-2 e 10.28.1), em tradução de Maria Helena da Rocha Pereira (Hélade, 92005, p. 515):

Acima da fonte de Cassótis fica o edifício que contém pinturas de Polignoto, oferta dos Cnídios. Os Délfios chamam-lhe Lesche, porque outrora era aí que se reuniam para discutir os assuntos mais sérios e histórias de antanho […] Para quem entrar neste edifício, fica à direita toda a parte de pintura que representa a tomada de Tróia e o embarque dos Helenos. No barco de Menelau preparam-se para se fazerem ao largo. Está pintado um navio, e marinheiros e, no meio deles, crianças. A meio do navio está o piloto Frôntis, com duas varas. […]

A outra parte da pintura, a que fica do lado esquerdo, tem Ulisses na sua descida ao lugar chamado Hades, a fim de interrogar a alma de Tirésias sobre a maneira de regressar a casa salvo. A pintura é do modo que se segue. Está representada água que parece de um rio, evidentemente o Aqueronte; nele cresceram canas e umas formas um tanto ou quanto vagas de peixes; dir-se-iam mais sombras do que peixes. No rio há uma embarcação, e o barqueiro está aos remos […]

Ginásios e PalestrasOs ginásios e as palestras, sem curarmos aqui da discussão

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

68

sobre a diferença e relação que possa existir entre os dois1, eram espaços, ao ar livre e rodeados de pórticos, que se destinavam ao ensino da ginástica e aos exercícios físicos, em especial desportos como lançamento do disco e do dardo, corrida, luta (pale). Aliás os seus nomes apontam precisamente para essas actividades. Ginásio deriva do grego gymnós ‘nu’ e palestra tem a sua etimologia ligada ao termo grego que designava luta e ao verbo palaio ‘lutar’. Nesses espaços, ministrava o mestre de educação física — o paidotriba, como lhe chamam os Gregos — o ensino da ginástica; aí praticavam os Gregos, em especial os jovens, o exercício físico, essencial para a guerra e para os jogos, que são duas actividades de grande importância e prestígio na Hélade (figura 52).

Frequentados pelos jovens para os seus treinos e exercícios de ginástica, ginásios e palestras eram também procurados por muitos que, além de admirarem a beleza e agilidade dos mais novos, com eles conviviam e davam-lhes conselhos. A darmos crédito a Platão e Xenofonte, Sócrates procurava com frequência esse local para ensinar2. Ocupavam assim lugar importante no seio das cidades gregas: além de local de treino dos atletas, era também aí que filósofos e oradores afluíam, pois lá encontravam ouvintes.

Não convém esquecer ainda que a escola de Aristóteles surgiu num ginásio, o Liceu – assim chamado por estar junto do templo de Apolo Lykeios –, onde o filósofo costumava reunir com os discípulos, e que Liceu, do nome do ginásio, se passou a designar.

1 Discute-se se o ginásio era para os mais velhos e a palestra para os mais novos, se esta era uma parte daquele e se o primeiro era público e a segunda particu-lar. Vide J. Delorme, Gymnasium. Étude sur les monuments consacrés à l’ éducation en Grèce, des origines à l’ empire romain (Paris, 1960); M. H. Rocha Pereira, Estu-dos de História da Cultura Clássica 1 - Cultura Grega, p. 370, nota 2.

2 Alguns dos diálogos de Platão — caso de Laques, Lísis, Cármides — passam-se no ginásio. Isso tem o seu significado, mesmo que se admita alguma idealização do filósofo.

Vol. I - Arquitectura Grega

69

EstádiosO estádio (nome que também constituía uma medida grega

de 600 pés = 192,27m em Olímpia) destinava-se a corridas pedestres (figura 53). Havia estádios em muitas cidades e em todos os santuários que incluíam provas desportivas nas suas actividades: e. g., Dodona, Olímpia, Delfos, Nemeia, Ístmia, Atenas, cujo estádio tomou o nome de Panatenaico, por nele se realizarem os Jogos Panatenaicos, integrados nas Grandes Panateneias, um festival em honra da deusa Atena. Foi nesse Estádio, reconstituído, que Pierre de Coubertin inaugurou e realizou os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896.

Data da época micénica a celebração de jogos e competições atléticas em ocasiões especiais, especialmente quando relacionados com rituais fúnebres. Foi no exercício físico para a guerra e também como forma de honrar os deuses que os gregos encontraram um motivo para celebrar aquelas competições. Mas é com o aparecimento da polis que o desporto passa a fazer parte da vida diária dos gregos e a ser actividade integrante da educação dos jovens. Os jogos são celebrados nos grandes santuários pan-helénicos: o de Zeus em Olímpia e Nemeia, o de Apolo em Delfos e de Poséidon em Corinto. Os mais celebres decorriam em Olímpia e, segundo a tradição, foram fundados em 776 a. C. em honra da divindade máxima, Zeus. Celebrados de quatro em quatro anos, tinham lugar durante cinco dias com a participação da grande maioria das cidades do continente e ilhas e de algumas das colónias asiáticas e da Magna Grécia e Sicília.

Os mais antigos estádios foram construídos no período geométrico, que abrange parte da Época Obscura e inícios da Época Arcaica. Estes eram constituídos por uma pista rodeada por taludes de terra, onde se sentavam os espectadores (os degraus em pedra nestes edifícios são de época romana). O cumprimento da pista, percorrida uma só vez na corrida principal, deu lugar à medida grega de distância, o estádio (c. 192 metros).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

70

Os estádios do continente grego mais bem conservados são os de Olímpia e Delfos (imagem 42b), embora se conheçam outros igualmente importantes, como os de Nemeia e Epidauro. Estes edifícios lúdicos situavam-se no interior dos santuários de modo a manter o carácter sagrado destas celebrações.

Às competições de corrida, que incluíam provas de velocidade, meio-fundo e fundo, seguiam-se as provas de pentatlo, onde se realizavam, para além das provas de corrida, o salto em comprimento, o lançamento de disco e dardo e a luta. Nestas competições eram ainda praticadas outras especialidades mais violentas, caso do pugilato e do pankration (um misto de pugilato e luta). As disciplinas mais ligeiras, que incluíam a corrida, o salto em comprimento e o lançamento do disco e do dardo, eram praticadas no ginásio; o pugilato e o pankration eram praticados na palestra, ainda que nem sempre seja possível distinguir nas fontes literárias a utilização dos termos “palestras” e “ginásios”.

Acrescente-se ainda as corridas com quadrigas, que tinham lugar nos hipódromos.

Figura 52Ginásio e Palestra de Olímpia.

Vol. I - Arquitectura Grega

71

Figura 53Estádio de Olímpia.

Figura 54Estádio de Delfos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

72

HipódromosNos hipódromos, realizavam-se as corridas de cavalos e

carros de cavalos, em especial as corridas de quadrigas. Para isso, na pista eram colocadas duas metas à volta das quais corriam os competidores. Menos frequentes do que o estádio, existiam, contudo, nos santuários em que decorriam os grandes Festivais Pan-helénicos: Olímpia, Delfos, Nemeia e Ístmia.

Ginásios, palestras, estádios e hipódromos eram fundamentais nas grandes manifestações desportivas, em especial os festivais pan-helénicos (Jogos Olímpicos, Jogos Píticos, Jogos Nemeus e Jogos Ístmicos) que, ao mesmo tempo manifestações religiosas, se realizavam em santuários e se integravam no culto às respectivas divindades titulares. Nas provas atléticas encontravam os Gregos, sobretudo os da classe nobre, um campo para mostrar a sua superioridade e excelência. Como os Jogos mais antigos, mais importantes e mais famosos eram os Olímpicos, vamos descrever, de forma rápida e a título de exemplo, os referidos edifícios no santuário de Olímpia, cujo núcleo se encontrava no Áltis ou bosque sagrado, no centro do qual ficava o templo de Zeus, construído entre 468 e 456 a. C., o primeiro que ao deus supremo aí foi especificamente erigido1; à entrada, do lado esquerdo, ficava o Pritaneu (local dos banquetes oficiais), junto do qual se encontrava o templo de Hera (erigido por volta de 600 a. C.).

Interessam-nos aqui sobretudo o ginásio e a palestra, colocados à entrada do recinto, do lado direito. Com lugar de relevo na vida do santuário de Olímpia, era aí que os jovens, com a ajuda dos treinadores ou “paidotribas” se exercitavam e

1 Não há vestígios de um templo de Zeus anterior. Se uns especialis-tas se inclinam para a sua existência, outros pensam — talvez acertadamente — que o de Hera funcionou até essa data como um templo comum de Zeus/Hera.

Vol. I - Arquitectura Grega

73

se preparavam para a luta ou para os jogos. Não menos importante era o estádio que inicialmente

ficava situado dentro do santuário; o actual foi construído apenas em meados do século IV a. C. fora dele. Ao lado do estádio dispunha-se o hipódromo.

As provas, designadas agônes ou athla, incluíam corridas equestres (de carros e de cavalo de sela), corridas pedestres (estádio, diaulós ou duplo estádio, o dolichos, equivalente a 24 estádios, e a corrida com armas); a luta, o pugilato e o pancrácio (uma combinação da luta com o boxe)1; e ainda o pentatlo que, um pouco diferente do actual, incluía o salto em comprimento, a corrida de estádio, o lançamento do disco e do dardo, a luta.

Os Jogos Olímpicos alcançaram enorme projecção e exerceram grande influência. Celebravam Zeus, como divindade tutelar, Héracles, como seu criador, e Pélops, como primeiro vencedor. A sua origem perde-se nas brumas da «Época Obscura» e a tradição coloca o seu início sistemático em 776 a. C., embora a lenda faça remontar a épocas anteriores, até ao século IX, a celebração de competições em Olímpia2.

TermasAs termas, destinadas a banhos, sobretudo dos jovens

depois dos exercícios físicos nos ginásios e palestras, apareciam a cada passo integradas em tais edifícios. Foram descobertas as termas redondas em Atenas, fora da Porta Dípylon, e outras com estrutura idêntica, que faziam parte de um ginásio de Erétria, na ilha de Eubeia. Eram constituídas por pequenas banheiras, com pequenos nichos por cima para colocar a roupa (figura 55).

1 No pugilato ou boxe, os atletas usavam uma espécie de protecção nas mãos, designada himantes — antecedente das actuais luvas. Quanto ao pancrácio, os Gregos atribuiam a sua invenção a Teseu, quando enfrentou o Minotauro, ou a Héracles, na sua luta contra o leão de Nemeia.

2 J. Ribeiro Ferreira, Hélade e Helenos 1 - Génese e Evolução de um Con-ceito (Coimbra, 1993) pp. 147-148.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

74

Muitos dos exemplares até agora encontrados não revelaram qualquer sistema de aquecimento, apenas braseiras.

Façamos um pouco de história sobre as termas no mundo grego ou no espaço em que os Gregos habitaram.

Na sociedade micénica, de que os Poemas Homéricos reflectem as principais características, o banho frio no rio ou no mar parece constituir um hábito frequente: Homero, por exemplo, descreve o banho de Nausícaa e das suas companheiras nas águas de um rio, onde tinham lavado as suas vestes (Odisseia 6. 96): “E depois de tomarem banho e de se ungirem com azeite, comeram a sua refeição junto às margens do rio, enquanto esperavam que as roupas secassem ao sol” (trad. Frederico Lourenço). O banho de mar está, por sua vez, descrito na Ilíada quando aí se refere a expedição nocturna de Ulisses e Diomedes (10. 572-573), logo após o roubo dos cavalos do rei Reso: “Eles próprios entraram no mar para lavar das pernas, das coxas e do pescoço o suor abundante. Depois que a onda do mar lavara o suor abundante dos seus corpos e lhes refrescara o coração, foram tomar banho em banheiras polidas. Tendo tomado banho e ungido com azeite, sentaram-se a jantar. E da taça repleta tiraram vinho doce como mel e ofereceram libações a Atena” (trad. Frederico Lourenço)

Bem documentados nos Poemas Homéricos são quer as abluções parciais – por exemplo a lavagem dos pés ou das mãos, antes das refeições –, quer o banho completo que era oferecido aos hóspedes. O recipiente utilizado para as abluções era uma pia de terracota ou pedra, mas sobretudo de metal, muitas vezes sem pé ou com uma base plana, que era colocada sobre uma trípode móvel quando se destinava a recipiente para aquecer a água; o banho completo era tomado numa banheira, de madeira ou terracota (figura 56), ou de metal precioso, colocada num compartimento, como se aprecia nos palácios minóicos e micénicos. No mesmo ambiente ou nas proximidades devia

Vol. I - Arquitectura Grega

75

existir uma lareira sob a qual se punha a água a aquecer num pequeno recipiente (a água seria posteriormente despejada na cabeça e nas costas do banhante).

No que respeita aos banhos nas habitações privadas dos Gregos da época arcaica e clássica, em algumas localidades foram encontradas pias de fundo plano e horizontais, em terracota, de dimensões bastante reduzidas – um testemunho de que ainda se não diferenciava o banho de asseio do de relaxamento. Apenas na época helenística encontramos verdadeiros compartimentos apenas destinados aos banhos, para além das habituais pias grandes e profundas para o banho de repouso. Desde a época arcaica, como natural consequência da difusão do atletismo e do conhecido gosto pelo banho de limpeza depois do exercício físico, os ginásios – locais de grande relevo na vida e educação na pólis grega (figura 57) – possuíam termas. Esses banhos, na sua primeira fase (até finais do século V a. C.), caracterizam-se pela sua extrema simplicidade: o único instrumento físico é a pia circular sobre um alto pedestal ou colunelo; o banho faz-se numa área aberta e não num ambiente propositadamente preparado para o efeito. A transformação dos ginásios, que se verifica a partir de finais do século V a. C., pressupõe a introdução de condições e de instrumentos mais cómodos para os banhos. As abluções são feitas em compartimentos separados, normalmente bem isolados; são utilizadas banheiras rectangulares que eram dispostas ao longo de uma parede alimentadas por água proveniente de condutas. Nos ginásios são, todavia, pouco frequentes as piscinas para banhos de imersão, provavelmente por razões económicas ou talvez por preferirem os banhos de limpeza. Os banhos praticados nos ginásios eram banhos frios, excepto quando reservados, segundo as palavras de Platão (Leis X, 761 s), aos velhos, aos doentes e aos camponeses cansados pelas fadigas agrestes. Nos ginásios está documentada a presença de um compartimento para o banho a vapor, na qual

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

76

os atletas, no final do seu exercício e depois de uma limpeza parcial do corpo por meio de vários produtos, se recolhiam para abrir os poros da pele através de uma transpiração intensa e em seguida untar-se com óleo.

Além de compartimentos para o banho nas habitações privadas e dos banhos nos ginásios, existem ainda testemunhos arqueológicos de estabelecimentos públicos com zonas de banhos, datados da época clássica e sobretudo do período helenístico. O proprietário ou administrador cobrara uma taxa de ingresso e cuidaria da segurança pública do local; ou mesmo, se necessário, forneceria aos clientes o azeite e os vários produtos usados na higiene pessoal. No século V a. C. estes estabelecimentos começaram a difundir-se nas grandes cidades e tornaram-se verdadeiros centros sociais, lugar de conversação e de prazer para todas as classes, sobretudo as populares. De acordo com as fontes literárias, é possível deduzir, para a época helenística, uma clientela dos banhos extremamente variada. Por norma o banho era tomado todos os dias antes da ceia principal, isto é a meio da tarde; os mais ociosos utilizavam estes estabelecimentos mais de uma vez por dia!

Embora sobre a estrutura interna dos complexos termais gregos tenhamos menos informação do que das termas romanas, parece poder afirmar-se, de acordo com os vestígios arqueológicos, que, além dos vestíbulos e da zona onde se despiam, esses locais possuíam uma série de salas rectangulares ou circulares, em que as pias com o fundo plano eram alinhadas ao longo da parede ou dispostas em coroa. Em alguns estabelecimentos o banho a vapor fazia-se num compartimento circular com dupla cúpula e uma abertura central, que permitia a iluminação e o abrigo das altas temperaturas. O que distingue os banhos públicos dos ginásios é a presença de sistemas de aquecimento: se inicialmente a água era aquecida ao fogo em recipientes de bronze ou de cobre e depois despejada nas pias, a

Vol. I - Arquitectura Grega

77

partir da época helenística já existia um sistema de aquecimento subterrâneo, o chamado “hipocausto”, utilizado sobretudo nas salas de banhos a vapor.

É certo que nos não devemos ainda esquecer dos locais próximos de águas termais, normalmente situados em santuários, como o de Asclépios, em Epidauro, onde o poder do deus estava ligado às propriedades curativas das águas. Posta essa ressalva, os mais antigos banhos públicos gregos conhecido encontravam-se em Olímpia, situados na proximidade do ginásio e datados da primeira metade do século V a. C. O edifício sofre uma evolução: de início consiste apenas numa construção rectangular com um poço. Mais tarde, por volta de meados desse século, foi anexado, a sul, um edifício em que havia onze pequenos tanques de forma quadrangular e, no ângulo sudoeste, um tanque para banhos de imersão – complexo este aquecido por uma caldeira a partir de 400 a. C. Ao lado deste segundo edifício será ainda instalada uma piscina a céu aberto, coberta por um pavimento impermeável e à qual se acedia mediante degraus. Na época clássica é construído o chamado Heroon, um banho a vapor situado a sudoeste do precedente edifício. Mais tarde, por volta de 100 a. C., anexa-se ainda uma nova sala rectangular, desta vez equipada com banhos aquecidos pelo sistema de hipocaustos.

De qualquer modo, de modo algum os banhos gregos apresentam a grandeza e a opulência que depois adquiriram as termas romanas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

78

Figura 55Reconstituição de banhos gregos. Imagem colhida in P. Connolly e

H. Dodge, La Ciudad Antigua (Madrid, 1998), p. 35.

Figura 56Banheira encontrada em Pilos (sécs. XIV-XII a.C.).

Museu Nacional de Atenas

Vol. I - Arquitectura Grega

79

Figura 57Taça ática de figuras vermelhas (c. 510-500 a.C.). Exterior decorado

com três jovens a banharem-se em grande bacia ao centro. Colecção D. Manuel de Lancastre.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

80

Outros edifícios e contruções

FontesAs fontes públicas situavam-se quase sempre na Ágora.

Apareceram nos séculos VII-VI a.C., de modo geral durante os governos dos tiranos, que por vezes executaram vultuosas e complexas obras de engenharia para trazer a água até ao centro da cidade. É famoso e conhecido o aqueduto de Samos, mandado construir por Polícrates, grande obra de engenharia, traçada e executada por Eupalinos de Mégara, que ainda funcionava, em parte, em meados do séc. XX (figura 54). Fonte importante, pela função que tinha no Santuário de Apolo em Delfos, era a Fonte Cassótis. Embora as fontes falem des-sa fonte como existente no interior do templo, para onde teria sido canalizada, parece que – segundo hipótese aceite por J. Pouilloux –, vinda de local elevado junto ao estádio, era em parte subterrâ-nea e teria sido desviada pelos arquitectos do séc. IV a.C., porque em contacto com a camada de xisto em que assentava o templo a transformava em lama escorregadia. O novo percurso, no entanto, teria sida realizado de modo a dar a ideia de que a água continua-va a atravessar o templo e a brotar no lado oposto1.

Famosa na antiguidade foi a nascente Castália, situada no desfiladeiro formado pelas duas Fedríades, isto é, no local mais sugestivo do santuário de Delfos. Foi um elemento essencial do oráculo délfico, fornecendo água para lavar o santuário. Aí se depunham oferendas à ninfa homónima da fonte, nos nichos da parede rochosa.

Famosa era também a fonte de Atenas, a Enneakrounos ou

1 Vide G. Roux, Delphes. Son oracle & ses dieux (Paris, 1976), pp. 136-144; M. H. Rocha Pereira, Cultura grega, p. 327 e nota 24.

Vol. I - Arquitectura Grega

81

‘Fonte das nove bicas’, situada na Ágora de Atenas, mandada construir pelos Pisístratos – aí se descobriram as suas canalizações e os alicerces da chamada Casa da Fonte (figura 59). Famosa ainda a de Corinto, a Fonte de Pirene (figura 60 e 61) que tem conhecido mito a ela associado. Utilizada desde a época arcaica, foi célebre pelas suas águas. Segundo Pausânias (2.3.2-3), serviu também para a preparação do famoso bronze coríntio. Com várias modificações ao longo dos tempos até ser monumentalizada por Herodes Ático, no século II a. C., a Fonte de Pirene incluiu um enorme pátio com três ábsides e um recinto rectangular ao ar livre.

Refira-se ainda os restos de um ninfeu em Olímpia, obra também de Herodes Ático. Esta fonte monumental foi erguida por volta de 160 a. C. para abastecer de água toda a zona do santuário. Aí foi recuperada uma escultura de um touro de mármore, que certamente ocupava o lugar central, com a seguinte inscrição: «Regila (esposa de Mecenas) consagra a Zeus as águas e as estátuas.»

Famosa foi também uma fonte situada em Halicarnasso, cidade situada na Cária, na costa da Ásia Menor. Na cidade existia uma fonte perigosa, a Sálmacis, cuja fama é conhecida de Vitrúvio. Segundo a lenda, banhar-se nas suas águas transformava os homens em homossexuais passivos. Deste perigo nos dá conta Ovídio nas Metamorfoses (4. 285-388). O mito conta que Sálmacis, a ninfa da fonte, tinha um desejo arrebatado por jovem filho de Afrodite e Hermes. Tal era a paixão que queria a todo o custo possuí-lo. Para o efeito aproveita o momento em que o jovem se banha na sua fonte, envolvendo-o como uma serpente. Perante a oposição do jovem a ninfa decide implorar aos deuses para nunca mais os separar. Eis que os deuses se apiedaram da agonia amorosa da ninfa, unindo-os para todo o sempre e criando a personagem híbrida de Hermafrodita.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

82

Fortalezas

Figura 58Aqueduto subterrâneo de

Samos, mandado construir por Polícrates e da autoria de Eu-

palinos de Mégara.

Figura 59Casa da Fonte. Imagem colhida em P. Connolly e H. Dodge, La Ciudad Antigua (Madrid, 1998),

p. 15.

Figura 60Fonte de Pirene na Ágora de Corinto. Vestígios da Época Imperial Romana. Ao fundo, vêem-se ainda os arcos que davam para as bacias de que se tirava

a água.

Figura 61Fonte de Pirene na Ágora de Corinto. Reconstituição do

edifício do Período Helenístico.

Vol. I - Arquitectura Grega

83

As fortalezas, frequentes na Grécia antiga, sobretudo a partir de determinada altura, eram testemunhas das constantes guerras entre as cidades. Não estão em causa tanto as cidadelas ou acrópoles, existentes a bem dizer em todas as póleis, que de modo geral eram defendidas por muralha, mas outros edifícios e sistemas defensivos.

A construção de fortalezas no mundo grego remonta ao período micénico. Micenas, Tirinto, Mídea, Pilos, entre outras localidades do Peloponesso e da Tessália, erigiram fortes muralhas que delimitavam áreas urbanas e incluíam o símbolo central do poder, o Palácio. Estas fortificações eram construídas com blocos de pedra de grandes dimensões (daí o termo ciclópicas)1 que podem alcançar a espessura de dez metros; por vezes, como no caso de Tirinto, os muros eram completados com uma parte levantada de tijolos crus e torres. Este tipo de muralhas era reforçado por torreões e portas maciças bem protegidas na parte côncava de uma cavidade. É o caso bem conhecido da entrada principal de cidadela de Micenas, conhecida como a “Porta das Leoas”, que manteve o seu pesado lintel monolítico encimado por um triângulo de suporte ou descarga ornamentado com duas feras em relevo afrontadas, mediadas por uma coluna, e que apoiam as suas patas anteriores no pedestal da referida coluna que por cima do seu capitel sustenta uma espécie de friso.

Regra geral as fortalezas inserem-se no âmbito da arquitectura militar, construídas para proteger as cidades, que assim se apresentavam como espécie de praça-forte com muralhas reforçadas por torreões redondos ou quadrados. As portas são ocasião para um ordenamento não apenas protector mas também artístico e ideológico.

Este tipo de construções teve no período arcaico e clássico uma especial concentração nas regiões da Ática e da Beócia (fortalezas

1 A designação advém-lhes do facto de se julgar que esses blocos de pedra de grandes dimensões só poderiam ser deslocados pelos Ciclopes – só eles teriam força suficiente para lá as colocarem.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

84

de Egóstena, de Eleutéria, de Ramnunte). As fortificações não eram apenas modelos defensivos das cidades, pois também faziam parte de uma rede local e regional que, integradas, definiam um sistema que visava atrasar, imobilizar e enfraquecer o inimigo invasor.

O poderio de Atenas esteve sempre ligado ao seu grande porto, o Pireu. Depois da retirada dos Persas, Temístocles preocupou-se em proteger Atenas de novas invasões: entre 479 e 460 a. C. mandou construir muralhas para proteger a cidade e fortificou as três entradas naturais do porto do Pireu. As “grandes muralhas”, uma via fortificada que unia a cidade ao porto, foram reforçadas por Péricles e, mais tarde, derrubadas pelos Espartanos no fim da Guerra do Peloponeso (404 a.C.) e posteriormente pelos Romanos.

Como as fortificações tinham também em parte a função de servir de obstáculo àqueles que pretendiam pela força dominar determinada cidade, necessitavam os invasores de desenvolver meios e processos capazes de as destruírem. São conhecidas, para o período clássico, as escadas de assalto ou os “lança-chamas”, já utilizados na Guerra do Peloponeso, segundo a descrição de Tucídides (4.100.2-4)1. Mais tarde, na época helenística, ficou conhecida a torre de assalto, também designada por “destruidora de cidades”, concebida por Demétrio o Poliorcetes (termo que significa “o sitiador de cidades”) para cercar e conquistar cidades fortificadas. Este monarca helenístico, filho de Antígono, foi um general especializado em guerra de cerco e um dos maiores estrategas do seu tempo no emprego de catapultas e aríetes, ficando famosa a sua máquina designada por helepolis (“a destruidora de cidades” já acima referida), de enormes dimensões, armada com catapultas e “escorpiões”, um pesado aríete e várias rampas de acesso às muralhas (Varandas 2006: 141).

É conhecida a tentativa deste jovem monarca de sitiar

1 José Varandas, ‹‹O punho dos deuses. Maquinaria de cerco greco-romana (século IV a.C.-sécilo IV d.C.)››, in A. R. Santos e J. Varandas (cord.), A Guerra na Antiguidade (Lisboa, 2006), p. 128 apresenta um esquema desta máquina.

Vol. I - Arquitectura Grega

85

a ilha Rodes com cerca de 40 mil soldados e a mais poderosa máquina secreta, a referida helépolis, máquina com uma altura de nove pisos e extensível até 50 metros de altura (cf. Diodoro Sículo 20. 81-100). Apesar da derrota, este monarca, desejoso de alcançar fama, mesmo a qualquer preço, oferece a torre de assalto e demais armas aos Ródios, para que estes a vendessem com o propósito de erigir um monumento comemorativo no sítio da batalha. Como nos informa Plínio (História Natural, 34. 18. 41-42), assim o fizeram os Ródios: decidiram construir uma colossal escultura no valor de 300 talentos em honra da divindade padroeira da ilha, ao deus Sol, Hélios; tratava-se, naturalmente, do famoso Colosso de Rodes, considerado uma das Sete Maravilhas da Antiguidade, obra de Chares de Lindos, aluno do famoso escultor Lisipo.

Ainda existem vestígios dessas fortalezas em vários locais: por exemplo, as defesas de Egóstena, no Golfo de Corinto (figura 62), e as de Messénia eram constituídas por muralhas ponteadas de torreões, dispostos estrategicamente. Por outro lado, as fortalezas na Ática formavam uma poderosa cadeia defensiva, datada do séc. IV a. C.

Figura 62Sistema defensivo de

Epóstena.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

86

Aspectos do urbanismo grego

No âmbito desta tipologia dos edifícios gregos mais significativos, parece conveniente fazer referência a dois ou três aspectos do urbanismo grego. Gostaria em primeiro lugar de sublinhar a importância na pólis da acrópole e da agora que em todas elas existem e que têm papel marcante na sua vida.

A acrópole era a parte alta da cidade, de uma maneira geral amuralhada. Era, portanto, uma cidadela a que se recolhia a população em caso de um ataque inimigo. Aí se erigia o templo à divindade políade ou protectora da cidade; aí se guardava o tesouro público. É com frequência o centro religioso mais importante da pólis, ou pelo menos o mais significativo. A mais famosa acrópole é a de Atenas, que tratamos com algum pormenor mais adiante.

A Ágora era um recinto público, uma ampla praça que ocupava um local central da cidade. Foi sempre um dos locais nucleares da vida da pólis: vida política e cultural, vida lúdica e económica, e também vida religiosa. As condições especiais do clima na Grécia permitia ou convidava à vida ao ar livre. Era por isso um centro cívico de grande importância. Podemos mesmo afirmar que, praticamente, entre a ágora e a casa o Grego dividia a sua vida. Tenha-se em conta que, terminada a formação básica, a grande escola era o convívio social que tem significativa importância educativa em qualquer pólis, mas com particular saliência em Atenas. Ora a Ágora constituía um ponto fulcral para esse o convívio – para não dizer o mais importante.

Em Atenas – para dar apenas o exemplo mais significativo – a Ágora era um importante centro cívico, religioso e comercial (figura 63). Na Ágora ficavam vários templos, altares, estátuas e edifícios públicos de grande importância religiosa, política e social; nela se realizavam as sessões da Assembleia (Ekklesia), antes de ser

Vol. I - Arquitectura Grega

87

transferida no século V a. C. para a colina da Pnix, e as reuniões do Conselho dos Quinhentos, ou Bulê (no Buleutério), dos tribunais da Helieia; se encontrava o Pritaneu — ou Tholos — em que os prítanes se reuniam e viviam permanentemente; num dos seus pórticos, a Stoa basileios, exercia o seu magistério o arconte-rei — julgar os casos relacionados com a religião e impiedade — e num outro e no Pritaneu se encontravam gravados em pedra diversos documentos, como o código de Sólon; aí, separado por um pórtico central, decorria diariamente o mercado. Era, portanto, a ágora um local de grande afluência, que os Atenienses procuravam para conversar e discutir sobre diversos assuntos.

No domínio do urbanismo adquire importância uma inovação surgida no séc. V a.C., devida a um famoso arquitecto de Mileto, Hipodamo – o plano hipodâmico de urbanização, em que as ruas se abriam, paralelas umas às outras, e se cruzavam na perpendicular, de modo a formar quadrículas onde os edifícios eram construídos. Dou como exemplos desse tipo de urbanização Mileto e Priene, duas cidades da Iónia, na Ásia Menor.

O plano hipodâmico da cidade de Mileto (figura 64), reconstruída depois de 479 a. C., mostra a aplicação do traçado em tabuleiro de xadrez, com as suas vias ortogonais, tal como tinha proposto o arquitecto teórico da sociedade grega. Qualquer que seja o recorte da margem, o sistema rectilíneo aplica-se à organização espacial que se desenrola em terreno plano.

Caso peculiar de urbanismo é o da cidade de Priene (figura 65), igualmente na Iónia, onde a aplicação do plano hipodâmico atingiu os seus limites. Para determinar o traçado das ruas desta cidade o arquitecto aplicou o seu esquema de ângulos rectos a um relevo ao mesmo tempo inclinado e ondulado. Assim, certas ruas, no sentido norte sul, transformaram-se em escadaria, num sítio de acentuado desnivelamento, entre a parte baixa da cidade e o topo da acrópole. A encosta era entrecortada por longos pórticos (as stóai).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

88

Nestas duas cidades encontramos, como não podia deixar de ser, os edifícios emblemáticos de qualquer pólis da Grécia antiga: acrópole, ágora (as vezes mais do que uma), templos, propileus, buleutério, pórticos, termas, teatros, ginásio e palestra, estádio, etc.

Figura 63Planta da Ágora de Atenas.

1: Estrategéion; 2: Tholos ou pritaneu; 3: Antigo Buleutério; 4: Buleu-tério; 5: Templo da deusa Mãe; 6: Templo de Apolo Patroos; 7:

Pórtico ou Stoa de Zeus Eleuthérios; 8: Pórtico Real; 9: Hefestéion; 10: Via das Panateneias ou de Elêusis; 11: Stoa Poikile ou Pórtico com pinturas; 12: Altar dos Doze Deuses; 13: Praça com Peristilo; 14:

Casa da Moeda; 15: Pórtico sul; 16: Monumento aos Heróis epóni-mos; 17: Helieia; 18: Prisão.

Vol. I - Arquitectura Grega

89

Figura 64Plano hipodâmico de Mileto

1: Porta dos Leões; 2: Termas Romanas; 3: Ágora Norte; 4: Te-atro; 5: Palestra; 6: Ágora Sul; 7: Ágora Oeste; 8: Templo de Atena;

9: Estádio; 10: Porta Sagrada.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

90

Figura 65Plano hipodâmico de Priene.

1: Acrópole; 2: Templo de Deméter; 3: Teatro; 4: Templo de Atena; 5: Buleutério; 6: Stoa ou Pórtico; 7: Ágora e Templo de Zeus; 8:

Ginásio; 9: Estádio.

Vol. I - Arquitectura Grega

91

Santuário de Apolo em Delfos

Concluímos esta parte com a descrição de um santuário onde encontramos exemplificados e concentrados praticamente todos os edifícios referidos – Delfos, um santuário que adquire importância pan-helénica desde cerca de 750 a.C.1 Do oráculo fala a Odisseia (8. 79-81) que nos dá a informação de aí haver já um templo («quando transpuseram a pétrea soleira»). O Hino Homérico a Apolo, na sua segunda parte (séc. VI a. C.), descreve a fundação do templo pelo deus: alicerces, a “pétrea soleira” e, em volta, um templo construído em pedra, «digno de ser cantado para sempre». Provavelmente entre os dois fica Hesíodo (Teogonia 499) que fala da pedra engolida por Cronos, julgando ser o filho. Foi essa pedra que Zeus, depois de vencer o pai, colocou na divina Pytho, nos recessos do Parnaso (a pedra também é descrita por Pausânias 10. 24. 6).

Quando se dirigia para o santuário de Apolo, antes de lá chegar e em plano ligeiramente inferior, ao visitante deparava- -se o de Atena Pronaia, “a que se encontra diante do templo” e que guardava o santuário do deus com a ajuda do herói Fílaco. Refere Ésquilo, nas Euménides 21, que Palas Pronaia era honrada de modo especial nas tradições délficas. Aí se erguia uma tholos (figura 66), dois templos dóricos a Atena (um de c. 510 e outro de c. 360 a. C.) e dois tesouros. (figura 67)

Chegados ao santuário de Apolo e transposta a entrada principal ou Propileu, deparávamos com diversificados grupos escultóricos, nichos e edifícios, dispostos ao longo de uma via

1 Sobre o Santuário e Oráculo de Apolo em Delfos vide Jean-François Bommelaem, «La construction du temple classique de Delphes», BCH 17 (1983) 191-215 ; M. Maass, «Wirtschaffliche und politische Umstände der delphischen Tempelbauten», Ktema 13 (1988) 5-11.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

92

que subia em ziguezague – a Via Sagrada (figura 68). Os vestígios de numerosos Tesouros, espalhados por

diversas partes, são o testemunho da fama de que o santuário gozava. Os mais famosos situavam-se ao longo da Via Sagrada. Todas as cidades gregas faziam gala de enviar oferendas a Delfos e de aí construir edifícios. Merecem menção especial os Tesouros de Sícion, talvez o mais antigo (de que se conservam métopas esculpidas no museu de Delfos, por exemplo, Javali de Cálidon e um episódio da expedição dos Argonautas); o dos Sífnios e o dos Atenienses.

O Tesouro dos Sífnios, construído em 525 a. C., encontrava-se ornamentado com esculturas e era um dos mais elegantes Tesouros iónicos de Delfos, com as duas colunas de entrada substituídas por Cariátides. O frontão e o friso ostentavam soberbos relevos, que serão analisados ao tratar da escultura do período «Arcaico tardio».

O Tesouro dos Atenienses, reconstituído recentemente (1906), era um edifício dórico, talvez de 507-500 a. C., a que já nos referimos (vide supra, p. 34). O frontão e as métopas ainda chegaram até nós bem conservadas: numa delas, do lado sul, temos a luta de Teseu com a rainha das Amazonas Antíope (c. 500-490 a. C.).

Dos muitos outros edifícios são de salientar ainda o Buleutérion de Delfos, os rochedos da Sibila e de Latona, a Esfinge dos Náxios, o Pórtico dos Atenienses; a Trípode de Plateias, onde estavam inscritos os nomes dos guerreiros caídos na batalha; o Carro do Sol, oferenda dos Ródios; o Grande Altar de Apolo, oferta de Quios; a Coluna de acanto com mulheres a dançar.

Acedia-se enfim ao recinto do Templo de Apolo que se erguia numa vasta esplanada conseguida na encosta através de um muro poligonal. Os templos de pedra, na época histórica, foram três. O primeiro, construído no século VII a. C. (talvez por 650 a.C.), foi destruído por um incêndio em 548 a. C. Segundo templo se edificou, entre 520 e 510 a.C., graças à subscrição

Vol. I - Arquitectura Grega

93

internacional de Helenos e não Gregos, o chamado templo arcaico dos Alcmeónidas (Heródoto 5. 62), de que restam fragmentos do friso no Museu de Delfos. Templo dórico períptero, com seis colunas nos lados menores e quinze nos maiores, representava no frontão em mármore a epifania do deus, quando se revelou aos homens ao chegar a Delfos no seu carro acompanhado da mãe, Latona, e da irmã, Ártemis. Destruído em 373, foi reedificado entre 369 e 330 a. C. um outro, um pouco maior do que o anterior. Da autoria dos arquitectos Espíntaro de Corinto, Xenódoro e Ágaton, era um templo dórico, períptero, com seis colunas nas fachadas e quinze nas partes laterais.

O frontão oriental retomava o tema da epifania do deus, o ocidental ostentava o pôr-do-sol, Diónisos e as Tíades. São deste templo do século IV a. C. as colunas que ainda subsistem no local. (figura 69).

Era no pronaos do Templo de Delfos que estavam as máximas dos sete sábios (Pausânias 10. 24. 1). No Templo havia um altar de Poséidon, imagens de duas Parcas e, na vez da terceira, Zeus Moiragetes e Apolo Moiragetes (ou ‘que guia o destino’). Lá se encontrava também a cadeira de ferro de Píndaro, onde o poeta compunha cantos ao deus. Na parte mais recôndita, onde poucos entravam, encontrava-se uma imagem de ouro de Apolo (Pausânias 10. 24. 4-5). No santuário, corria também a fonte Cassótis (Pausânias 10. 24. 7), de que já tratámos (vide supra, p. 73). Plutarco também fala dela.

No Santuário de Delfos decorre a acção de duas tragédias, ou parte dela: o início das Euménides de Ésquilo e o Íon de Eurípides. E nesta última peça o coro de mulheres atenienses admira a beleza desse lugar sagrado, sublinhando que não é só na divina Atenas que há templos com belas colunatas. E descrevem o que observam: os trabalhos de Héracles (hidra de Lerna) e com ele seu amigo Iolau; Belerofonte, montado em Pégaso, a matar a Quimera (um e outro nas métopas). Depois avistam o pedimento oeste,

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

94

com a Gigantomaquia (párodo, 184-218). Nessa Gigantomaquia figuravam Atena e Brómio; e Zeus a lançar o raio.

Em plano superior ao templo, com uma magnífica visão para o Vale do Pleistos, ficava o teatro e a famosa Lesche dos Cnídios, decorada com frescos de Polignoto que representavam o saque de Tróia e a descida de Ulisses ao Hades.

Mais acima encontrava-se o estádio, onde se realizavam as corridas dos Jogos Píticos, ainda hoje bem conservado. Esses jogos começaram por ser apenas um hino ao deus (Pausânias 10. 7. 2). Passam a incluir provas atléticas, desde 582 a. C., que duravam seis a oito dias e se celebravam de quatro em quatro anos, em Agosto-Setembro, em anos intercalares dos Olímpicos. O prémio era uma coroa de louros (Pausânias 10. 7. 8).

No Museu encontram-se algumas estátuas de atletas, entre elas o famoso auriga e a do lutador Agias, vencedor do pancrácio — esculturas referidas mais adiante.

O Santuário foi saqueado várias vezes – e até a “universal irreverência de Nero” roubou a Apolo 500 estátuas de bronze, umas de deuses, outras de homens, como sugestivamente anota Pausânias 10. 7. 1.

Vol. I - Arquitectura Grega

95

Figura 66Vêem-se a base e três colunas da tholos.

Em primeiro plano, a plataforma de um tesouro.

Figura 67Reconstituição do Tesouro de Massália (fins do séc. VI a.C.), no

santuário de Atena Pronaia.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

96

Figura 68Planta do Santuário de Delfos.

Vol. I - Arquitectura Grega

97

Figura 69O que subsiste do Templo de Delfos do séc. IV a.C.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

98

O problema das origens

Discutem-se as origens da arquitectura grega. Não relacio-nada, de modo algum, com a arte minóica, têm-se apontado influ-ências egípcias, para a coluna dórica, e orientais, para as volutas iónicas – hipóteses muito duvidosas, para não dizer inviáveis. Para Tomlinson, o templo não tem origem simples. Admite inspiração oriental, no conceito de templo, e compara as semelhanças e diferenças nos kouroi: «Não há, de facto, uma origem simples para o templo grego clássico». Quanto à origem micénica, pensa que duran-te quatro séculos houve tempo para o desconhecimento total1. Apesar desta opinião do conceituado especialista, hoje verifica-se uma ten-dência para sublinhar alguns pontos de contacto e similitudes com a arquitectura micénica que não podem deixar de ser tidas em conta: em especial, no que respeita à coluna dórica e ao plano do templo, que se parece com o mégaron2. Se as incertezas continuam muitas e exigem que mantenhamos reservas, apesar de tudo é digno de nota que se verifique uma estranha similitude entre os capitéis das colunas da porta do Tesouro de Atreu ou Túmulo de Agamémnon (figuras 70 e 71) e os das colunas dóricas. O túmulo tinha na fachada, ou porta de entrada, colunas que podem tomar-se por antepassadas das dóricas. Quanto ao iónico, a base é criação nova e o toro parece derivar da arte do Próximo Oriente3.

1 R. A. Tomlinson, Greek Architecture (Bristol Classical Press, John H. Betts, 1989) p. 13.

2 Vide G. M. A. Richter, A handbook of Greek art (London, 81983), p. 22 (trad. esp., El arte griego, Barcelona); M. Robertson, «The visual arts of the Greeks», in Lloyd-Jones (ed.), The Greeks (London, 1962), p. 172 (trad. port.: O mundo grego, Rio de Janeiro, 1965); M. H. Rocha Pereira, Cultura Grega, pp. 566-567.

3 Cf. Wesenberg, Kapitelle und Basen (Düsseldorf, 1971).

Vol. I - Arquitectura Grega

99

Por outro lado, não podemos também deixar de observar que a

Figura 70Reconstituição da porta do chamado Tesouro de Atreu, em Micenas.

Repare-se no capitel das colunas.

Figura 71Reconstituição de capitel das colunas da porta do Tesouro de Atreu,

em Micenas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

100

sequência átrio / mégaron do palácio micénico (figura 72) – estrutura que encontramos mesmo nas casas mais simples – não parece muito distante do esquema do templo grego (figura 73). E neste aspecto é de sublinhar a descoberta recente do chamado Herôon de Lefkandi – uma povoação da costa ocidental da Eubeia que parece ter sido próspera entre 1100 e 750 a.C. –, onde foi encontrado um túmulo com as cinzas de um guerreiro e o esqueleto da mulher adornado com jóias de ouro. Num fosso ao lado, estavam os esqueletos de cavalos 2. Descoberto em 1980, este notável edifício – o mais impressionante edifício que até agora nos chegou dessa Época Obscura – mede mais de 45m de comprimento e cerca de 10m de largura e tem como data provável o séc. X a.C.1 Segundo Tomlinson, parece ter sido construído para servir de sumptuoso tú-mulo, apenas para exposição. E, nesse caso, esta descoberta, além de mostrar a coexistência dos ritos de inumação e cremação, lado a lado, parece oferecer um suporte de riqueza para o ambiente homérico. Não é esse, porém, o aspecto que aqui nos interessa, mas antes a sua planta (figura 74). Trata-se de um Herôon — não sabemos se palácio fune-rário ou templo, e vamos chamar-lhe, por comodidade, ‘santuário funerário’ — cujo plano absidal, alongado, tem cabeceira em curva, apresenta uma sala com colunata axial, para colocação do morto, tem divisões ou salas que se explicam por um ritual específico que aí se realizaria e que desconhecemos. O interesse desta grande construção, e o seu grande significado, além do tamanho e do material, reside na adição de uma colunata externa, feita de fustes de madeira, que con-tava, se incluirmos a cabeceira absidal, uns cinquenta suportes. Não podemos deixar de ficar surpreendidos pela semelhança que apre-senta com os futuros templos, embora não tenhamos ainda dados e achados arqueológicos que permitam fazer a ligação destes com esse

1 Vide M. Popham, P. Calligas e L.H. Sackett, Lefkandi II. 2 The Protogeo-metric Building at Toumba: Excavation, Architecture and Finds (London, 1983); A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), tradução da edição revista por R. A. Tomlinson (51996), p. 62.

Vol. I - Arquitectura Grega

101

edifício surpreendente: uma estrutura que afinal talvez queira apenas reproduzir ou imitar a casa de um governante local e fazer dela sua morada na morte. O edifício de Lefkandi parece ter tido uma curta vida, talvez não mais de 50 ou 55 anos. Nota Tomlinson que, além desse edifício, nada se conhece, proveniente da Época Obscura, que se possa definir com qualidade arquitectónica1.

1 R. A. Tomlinson, Greek Architecture (Bristol Classical Press, John H. Betts, 1989), p. 13.

Figura 72Planta do Mégaron de Pilos.

1 e 2: Entrada; 3: Pátio; 4: Pórtico; 5: Vestíbulo; 6: Mégaron; 7 e 8: Armazéns; 9: Divisões para arquivo; 10: Sala da raínha; 11: Banhos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

102

Figura 73Plantas de casas do Heládico Médio e do Heládico Recente, escava-

das em Korakou, perto de Corinto.

Figura 74Herôon de Lefkandi, em Eubeia.

1: Ábside; 2: Passagem; 3 e 4: Salas rituais; 5: Colunata axial; 6: Sepulturas; 7: Vestíbulo; 8: Pórtico.

Vol. I - Arquitectura Grega

103

Se é correcta a data do séc. X a.C., o Herôon de Lefkandi an-tecipa, em quase dois séculos, uma similar construção em Thermon, na Etólia (Grécia Ocidental), que foi subsequentemente demolida e substituída por um templo dedicado a Apolo. Aí encontramos o cha-mado Mégaron A, dos tempos micénicos, que, ao contrário do que se pensou inicialmente, parece tratar-se, não de local de culto, mas de uma casa. A esta estrutura arquitectónica sobrepôs-se mais tarde um edifício de estrutura rectangular, o Mégaron B – possivelmente o edifício mais antigo dedicado ao culto de Apolo (talvez da segunda metade do séc. VIII a.C.), cuja cella, com um longo vestíbulo e um opistódomo, se fecha ao fundo por um muro arredondado e está ro-deada por um períptero em forma de grampo de cabeceira absidal, feito com colunas ou postes de madeira que assentavam em bases de pedra (figura 75). Esta estrutura foi substituída pelo chamado Templo III (fins do séc. VII a.C.), um edifício já de alvenaria dedicado a Apolo e Mégara. Rectangular, era constituído por uma cella alongada, com uma fiada axial de colunas que suportariam um telhado de colmo, e por um opistódomo in antis que não comunicava com a cella. Tinha cinco colunas nos lados menores e quinze nos maiores, primeiro de madeira e depois substituídas, num prazo curto, por fustes de pedra. Decoração em cerâmica recobriria o vigamento das partes altas, cujos fragmentos mostram antefixas de cabeças masculinas e femininas em estilo coríntio, e ornamentaria as métopas do friso com representa-ções mitológicas: Perseu com a cabeça de Medusa, Héracles, talvez a morte de Ítilo assassinado pela própria mãe Aédon e sua tia Quélidon (figura 76) e duas mulheres sentadas (figura 77). Por outro lado, numa povoação perto de Corinto, Perachora, foi encontrada a estrutura de um templo dedicado a Hera, provavel-mente do séc. VIII a.C., de planta absidal (figura 78). Com um apo-sento único, pouco mais comprido do que largo, era arredondado na cabeceira e tinha uma porta a separá-lo do pórtico, cuja frente era sustentada por dois pares de colunas ou postes quadrados. O edifício

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

104

apresenta semelhanças com as casas da época – não muito distancia-das, na forma, das dos tempos micénicos – e dele se pode ter uma ideia por quatro reproduções em cerâmica (séc. VIII a.C.) desse tem-plo que à deusa foram oferecidas como ex-votos. Por estes modelos parece poder deduzir-se que o telhado seria de colmo e tinha forma parecida com o fundo de barco emborcado1. Um outro exemplo destes templos primitivos de planta arre-dondada na cabeceira, quase com a forma de ferradura, é o de Apolo Daphnephoros (“Portador de coroa de Louros”) em Erétria, na ilha de Eubeia (figura 79), cujas paredes em curva se apoiam em postes que assentam em bases de pedra e sustentam o telhado. O pórtico, em frente da porta, situava-se do lado sul.

1 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), p. 62.

Figura 75Santuário de Termos. Vários edifícios arcaicos.

A: Templo I, com forma absidal (séc. IX a.C.); B: Templo II: Já tem cella rectangular, precedida de prónaos e seguida de opistódomo (séc. VIII a.C.); C: Templo III, chamado de Apolo e Mégaron de

planta rectangular, longa cela e colunata axial (fins do séc. VII a.C.).

Vol. I - Arquitectura Grega

105

Figura 76Métopa do friso do Templo III de Termos. Talvez Quélidon.

Figura 77Duas mulheres sentadas. Métopa do Templo de Apolo em Termos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

106

Figura 78Plantas e modelos de templos primitivos: do Heráion de Argos (à

esquerda) e do de Perachora.

Figura 79Templo de Apolo Daphnephoros (estrutura de madeira), em Erétria

(séc. VIII a.C.).

Vol. I - Arquitectura Grega

107

Os Gregos posteriores, além das thóloi, algumas de função reli-giosa, construíram poucos edifícios com paredes curvas1. Se bem que, em Creta, as escavações tenham revelado templos de planta mais ou menos quadrada (talvez ainda resíduo de influência minóica), datáveis dos tempos mais recuados2, a forma e estrutura que vingou foi a rec-tangular. E, desses edifícios primitivos dedicados ao culto, apareceram modelos em cerâmica dos fins da Época Obscura, a partir dos quais parece poder deduzir-se que os primitivos templos apresentavam, ora telhados planos, ora em declive pronunciado com cumeeira. O Heráion de Argos é um bom exemplo da utilização desse duplo método arqui-tectónico, como se pode ver pela reprodução oferecida ao próprio san-tuário (c. 700 a. C.), hoje no Museu Nacional de Atenas (figura 80). Se o modelo reproduzido é fiável, o edifício primitivo desse santuário tinha um telhado de cumeeira, talvez de taipa, a cobrir um tecto plano, com uma projecção em pala para a frente para cobrir o pórtico, que era sus-tentado por duas colunas redondas, uma de cada lado. Também datável da primeira metade do séc. VIII a.C. – pelo menos a deduzir da cerâmica aí encontrada – será o primitivo dos su-cessivos templos de Hera, em Samos, que, ao contrário dos anterior-mente descritos, apresenta um estrito esquema rectangular alongado, o mais comum na história do templo grego. É por volta de 800 a.C. que se constrói uma longa sala (6,5m X 32,86m) – ou seja, media 20 por 100 pés sâmios, o célebre Hecatômpedon, que, de início tinha uma colunata axial e perece não ter sido um edifício períptero: apenas uma cella rectangular, estreita e desproporcionada (comprimento de 32,86m e largura de 6,5m), cuja entrada, aberta e com apenas três colunas em vez de parede, estava voltada para oriente, como a grande maioria dos

1 Um exemplo, encontramo-lo em Delfos, num pequeno templo dedicado à Terra, construído cerca de 500 a.C. Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), p. 63.

2 Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), pp. 64-65.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

108

templos gregos (figura 81). Em breve, porém, essa cella primitiva foi rodeada – não mais do que cinquenta anos depois – por uma fiada de colunas de madeira a toda a volta, dando-lhe uma estrutura períptera e fazendo dele, tudo parece indicar, o mais antigo templo períptero co-nhecido e transmitindo-lhe uma proporção mais aceitável (36,86 X 9,5, o que dá uma proporção de cerca de 4:1). Às três colunas da entrada referidas opunham-se as três colunas centrais no períptero da fachada oriental, a que se seguiam duas outras no enfiamento das paredes da cella e mais duas nos cantos, o que dava sete colunas nesse lado menor. Possivelmente na primeira metade do séc. VII a.C., esse templo foi alte-rado – ou melhor, substituído por outro, hexástilo: se todas as colunas eram ainda de madeira e continuou períptero, perdeu a colunata axial, substituída por pilares colocados nas paredes laterais da cella. Adquiriu todavia um pórtico, a sua largura quase dobrou (11,7m) e as três colu-nas da entrada foram substituídas por apenas duas, colocadas entre as antas. O telhado devia ser de duas águas. Também o primitivo Templo de Ártemis Órthia, em Esparta, provavelmente datado de pouco depois de 700 a.C., parece ter apre-sentado uma fiada axial de colunas e outras a reforçar as paredes da cella, no interior e no exterior1

Assim podemos concluir que a forma que os templos posterior-mente terão deve ter começado a surgir e a afirmar-se com os começos do nascimento da pólis, primeiro numa estrutura ligeiramente diferen-te, que se aproximaria da da casa comum. As escavações de algumas das cidades gregas mostram que começam a aparecer — primeiro nas cidades da Ásia Menor e ilhas adjacentes — fortificações a defenderem as povoações e um templo: as muralhas construídas na segunda meta-de do século IX e ao longo do VIII a. C., e o templo de data ligeiramente mais tardia. Se o aparecimento de muralhas não é a garantia de se ter

1 Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), p.64.

Vol. I - Arquitectura Grega

109

atingido uma pólis independente, a existência de templo, ao reconhe-cer e eleger uma divindade protectora, será uma prova física de que a emergência da pólis se verificou ou está em curso1. Em regra os tem-plos primitivos não tinham períptero, que aos poucos vai aparecendo e se torna uma característica distintiva da arquitectura grega2.

1 A. Snodgrass, Archaeology and the rise of the Greek state (Cambridge University Press, 1977), p. 24.

2 Vide Henri Stierlin, Arquitectura Universal Taschen. A Grécia de Micenas ao Pártenon (trad. port. Colónia, Taschen, 1998), pp. 41-46.

Figura 80Reprodução do Heráion primitivo de Argos. Oferenda ao próprio

santuário (c. 700 a.C.).

Figura 81Santuário de Hera em Samos. Evolução dos primeiros tempos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

110

Evolução dos estilos

Tanto o estilo dórico como o iónico tiveram um caminho longo de amadurecimento, com ligeira precedência do dórico. É precisamente pelo estilo dórico que vamos começar. De início evoluíram em regiões separadas da Grécia: o dórico desenvolveu-se mais no continente grego e na Magna Grécia; o iónico nas ilhas do Mar Egeu e na Ásia Menor. Não significa isso que não pudessem ter convivido, desde muito cedo, na mesma cidade, ou até no mesmo edifício.

Figura 82Templo de Hera em Olímpia (c. 600 a.C.).

Vol. I - Arquitectura Grega

111

Estilo Dórico

Dórico arcaico

Os templos mais antigos, como o de Hera em Olímpia, de c. 600 a. C. (figura 82) e o de Apolo em Corinto (figura 83) (de meados do século VI a. C.), dão a sensação de solidez: colunas grossas, pesadas e relativamente baixas; equino desenvolvido e bulboso; espaço entre as colunas reduzido. O Templo de Hera apresenta as características típicas do templo grego períptero: peristilo, naós, pronaos e opistódomo. Tem, além disso, duas filas de colunas no interior do naós (ou cella) e exibe seis colunas nas fachadas ou lados menores – ou seja é um templo exástilo – e dezasseis nas partes laterais (figura 84). O plano do Templo de Hera em Olímpia mostra hesitações do arquitecto quando optou por dupla fila de colunas interiores em vez de uma colunata axial, já que um fuste em cada dois foi substituído por uma pequena parede avançada, fazendo com que a cella ficasse rodeada de nichos. A cella é um hekatómpedon, isto é, mede cem passos de comprimento. Hera, esposa de Zeus, cujo culto se impôs em Olímpia, pos-suía um templo anterior a 600 a. C. Crê-se que de início as colunas eram de madeira e foram sendo substituídas por outras de pedra. No tempo de Pausânias (séc. II A.D.) ainda restava uma dessas de madeira no opistódomo. Assim este Heráion que tem seis colunas na fachada permite que se siga a “petrificação” do pórtico exterior, construído inicialmente em madeira e cujos fustes foram progres-sivamente substituídos por colunas dóricas de pedra. As colunas dóricas, que se podem ver na fachada oriental do templo, são atar-racadas: fustes caracterizados por um grande diâmetro (variam

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

112

entre 1m e 1,28m) em relação à sua altura. As mais antigas colu-nas do Heráion de Olímpia mostram um largo capitel de equino bolboso e transbordante que parece estar esmagado sob o peso da cobertura suportada pelo ábaco quadrado (figura 85).

Figura 83Templo de Apolo em Corinto.

Figura 84Planta do Templo de Hera em Olímpia (c. 600 a.C.).

Figura 85Duas colunas do Templo

de Hera em Olímpia.

Vol. I - Arquitectura Grega

113

Como consequência dessas diversas fases de substituição (de inícios do séc. VI a.C. à época romana), as colunas diferem quanto ao diâmetro, número de tambores, de estrias, método de ajuste, forma de equino. O templo tinha decoração e revestimento em terracota nas métopas, nos acrotérios. Os pedimentos, possivelmente, seriam tam-bém em terracota. O templo arcaico de Árte mis (585-580 a.C.), em Corcira, é pro-vavelmente o mais antigo em pedra que conhecemos1. Com uma lar-gura de cerca de 24m e um cumprimento de pouco mais do dobro, apresenta proporções idênticas às de outros do continente e aparen-temente possuía duas fiadas de colunas no interior do naos. O frontão oeste – que, reconstituído com os restos aparecidos, se encontra em evidência no Museu de Corcira, a ocupar uma sala quase por inteiro – representava uma Górgona na parte central, rodeada por dois leopar-dos e na posição de ajoe lhada que simboliza rapidez de movimento (figura 86). Os cantos apresen tam duas cenas da Titanomaquia: Zeus, de raio na mão, submete o Titã Jápeto, no direito, e Poséidon, de lança em riste, no es querdo, apresta-se a atingir uma figura sentada, talvez Cronos ou Reia. Parece ter constituído uma das primeiras tentativas de colocar escultura em relevo (estilo coríntio) num frontão. As cor-nijas estavam revestidas de terracota e certas partes do trabalho em pedra encontravam-se pintadas (figura 87). O Templo de Apolo em Corinto (c. 540 a.C.) é um edifício dórico, com pronaos, naos e opistódomo, períptero, com seis colu-nas nas fachadas e quinze nos lados maiores: as quinze de cada um destes lados maiores, em relação às das fachadas, tinham 5cm me-nos de grossura e estavam 28cm mais próximas umas das outras, o que faz com que o cumprimento do templo seja duas vezes e meia a largura. Datável da segunda metade do século VI a. C., foi cons-

1 Vide Robertson, Greek and Roman Architecture (Cambridge, 21943, repr. 1974), gravura 26; Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, 1998), p.77 e figs. 103 e 104.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

114

truído entre 550 e 525, no local de um outro anterior do século VII a. C. É dos templos mais antigos da Grécia e o monumento mais antigo e espectacular de Corinto. Embora o plano geral do edifício seja visível a partir das bases das colunas entalhadas nas rochas, do peristilo (6x15) restam hoje de pé sete colunas dóricas, monolí-ticas (quase 6,5m de altura), com vinte estrias e com afunilamento rectilíneo, que seguram ainda parte da arquitrave. A pedra utili-zada é o calcário local que foi recoberto por estuque branco feito com pó de mármore. Os intercolúnios dos cantos estreitam, mas apenas ligeiramente, pelo que as métopas contíguas tinham 5cm mais para chegarem aos triglifos que faziam ângulo. Uma parede, o que não é usual, divide o naos em duas partes desiguais – duas espécies de celas, de costas uma para a outra, que tinham duas fiadas de colunas no interior e para que se entrava por um pórtico com duas colunas in antis (figura 88). O mais antigo dos templos perípteros da Sicília é o de Apolo, em Siracusa, do séc. VI a.C. (figura 89), com seis colunas nas fachadas e dezassete nos lados – este comprimento anormal do períptero deve-se a uma colunata que se encontra no vestíbulo e começa na terceira coluna de cada lado1 (figura 90). São monolíticas (7,98cm de altura) que afunilam de forma abrupta e se apresentam irregulares quanto ao tamanho – de extremidade a extremidade, as colunas podem ter uma diferença de trinta centímetros. Os capitéis, feitos em peça separada, ultrapassam muito a largura do fuste, mesmo na sua base. Com um diâmetro médio de 1,8m nos lados, as colunas apresentam um espa-çamento tão pequeno que de capitel a capitel nos resta apenas um intervalo de 45cm (figura 91).

1 Mais três templos da Sicília apresentam uma segunda colunata, também depois do segundo intercolúnio: o Olimpieu de Siracusa e os Tem-plos C e F de Selinunte. Vide Dinsmoor, Architecture of Ancient Greece (New York, 1975), gravura 26 (planta do Olimpieu de Siracusa).

Vol. I - Arquitectura Grega

115

Figura 86Fontão do Templo de Ártemis, em Corcira (585-580 a.C.).

Museu de Corcira.

Figura 87Reconstituição da cornija e sugestão das partes pintadas do Templo

de Ártemis em Corcira.

Figura 88Planta do Templo de Apolo (c. 540 a.C.), em Corinto.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

116

Figura 89Ruinas do Templo de

Apolo em Siracusa (séc. VI a.C.)

Figura 90Planta do Templo de Apolo em Siracusa.

Figura 91Esquema, colhido em A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 83, que

mostra a grossura e proximidade das colunas e dos capitéis.

Vol. I - Arquitectura Grega

117

Da mesma época é o chamado Templo C de Selinunte, na Sicília, com seis colunas nos lados menores e dezassete nos maiores (construído durante o segundo quartel do séc. VI a. C.), o mais antigo templo períptero dos vários que nessa cidade foram edificados, de entre os quais se deve destacar o templo F (de 500 a. C.)1. O Templo C de Selinunte situava-se na parte mais elevada da acrópole e era dedicado a Héracles, divindade e símbolo de Selinunte. Períptero dórico arcaico (c. 64 x 24m), edificado sobre uma plataforma de quatro degraus, tem um prónaos mais longo do que é hábito, era o templo maior e mais antigo da acrópole. Das 46 colunas que possuía (6 x 17), 13 foram reconstruídas no início do séc. XX (1929) (figuras 92 e 93). Como o de Apolo em Siracusa possuía uma dupla colunata depois do segundo intercolúnio. Com um friso excepcionalmente alto, as métopas – que eram esculpidas – apresentavam-se mais compridas do que largas; três delas podem ser admiradas no Museu de Palermo. O frontão ostentava uma cabeça de Górgona (figura 94). As cornijas, também muito altas, estavam parcialmente recobertas com terracota. Ainda da época arcaica, mas mais recentes e mais bem con-servados, são dois dos três templos de Paestum, na Itália do sul, — cidade grega de Posidónia, ao sul de Nápoles, que oferece um traçado regular com a sua avenida principal, ladeada dos três templos dóricos: a chamada «Basílica», que hoje se pensa ter sido um templo dedicado a Hera, o Heráion I (c. 540-530 a. C.) (figura 95); um templo em honra de Atena, o Athenáion (figura 96), que é conhecido, erradamente, como «Templo de Ceres» (c. 510a. C.). O terceiro, o suposto «Templo de Poséidon», que estava consagrado a Hera, o Heráion II (c. 460 a. C.), o único de que se conserva parte do segundo piso de colunas do interior no naós, já pertence à primeira fase do dórico clássico (figura 97).

1 Havia duas edificações anteriores (de fins do séc. VII a.C.), não perípteras – o chamado Mégaron (c.600 a.C.) e o templo de Gaggera (c. 628 a.C.), no santuário de Deméter –, mas o seu aspecto é muito primitivo e deles pouco mais se conhece do que alicerces. Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 82.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

118

Figura 92Planta do Templo C de Seliunte (segundo quartel do séc. VI a.C.), dedicado a Héracles.

Figura 93Templo C de Selinunte (c. 560 a.C.). As 13

colunas reconstruídas.

Figura 94Reconstituição da Górgona que figu-

rava na parte central do frontão do Templo

C de Selinunte.

Figura 95Heráion I, em Paestum (c. 530 a.C.)

Vol. I - Arquitectura Grega

119

Figura 96Athenáion em Paestum (c. 510 a.C.)

Figura 97Heráion II, em Paestum (c. 460 a.C.)

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

120

O Heráion I (c. 530 a.C.), bem conservado, mostra ainda de pé o perímetro inteiro, encimado pela arquitrave, que dá a sensação de solidez a quem o olha (figura 98). Os fustes afunilam à medida que sobem até um terço, os seus lados curvam convexamente e as fortes caneluras, que sublinham esse acentuado encurvamento do dórico original, terminam em semicírculo, como o iónico. Os capitéis mostram o equino largamente esmagado sob o ábaco quadrado (figu-ra 99) e apresentam influência iónica por conterem, na junção com o fuste, um estrangulamento ou colarinho abaixo do equino, cuja base, em vez de aneletes, ostenta uma decoração formada de folhagem, flo-res de lótus, modelagens que, nas colunas da fachada posterior ou ocidental, que dá para a via principal de Paestum, variam de uma para outra (figura 100). Possivelmente possuía um friso com triglifos e métopas, de que nada se encontrou. Também da cella não possuímos as paredes laterais, mas estas, a julgar pelos alicerces, erguiam-se a cerca de dois intercolúnios do períptero. O náos continha uma fiada de colunas axial com o mesmo diâmetro e altura das do perímetro (figura 101), como se pode ver por um desenho da obra de Lagardette, Les Ruines de Paestum ou Posidonia (Ano II, folio), publicada em 1791, colunata essa que comandava a estrutura simétrica do edifício. Com nove colunas nas fachadas, que é sobrevivência das fórmulas arcaicas, e dezoito nos lados maiores, foge ao tipo usual dos templos dóricos, além de possuir uma proporção que não é comum num templo (24,51 X 54,27) (figura 102). O Athenáion, cuja data de construção se situa entre 520 e 490 a.C. (talvez de c. 510 ou 500 a.C.), tem seis colunas nas fachadas e tre-ze nos lados maiores – é, portanto, um templo hexástilo (figura 103). A sua construção, cronologicamente situada entre o Heráion I e o He-ráion II, apresenta traços tipicamente arcaicos: forte encurvamento e largos capitéis dóricos. Em especial, está provido, por debaixo dos altos frontões, de um entablamento com triglifos e métopas bastante pesados. O templo hexástilo marca uma diminuição de peso das co-

Vol. I - Arquitectura Grega

121

lunas em relação aos fustes mais atarracados do Heráion I. Mas tudo ainda traduz o estilo arcaico próprio da escultura contemporânea que ornamenta geralmente as métopas. O templo de Atena, em Paestum, mistura estilos. Se a ordem da colunata períptera externa é dórica, em contrapartida — sob a in-fluência da arquitectura da Ásia Menor — este templo oferece um dos primeiros exemplos de mistura entre estilo dórico e estilo iónico: adoptou-se um estilo iónico para as oito colunas do pórtico interior. Assim as colunas do prónaos são mais finas e têm a encimá-las capitéis com volutas, como se vê no esquema (figura 104). Os capitéis são ornamentados como os do Heráion I, também com estrangulamento inferior; mostrava a cornija inclinada, a única que existia no templo, mais larga do que o normal e profusamente ornamentada, cornija que continuava pelos lados maiores a formar uma espécie de beiral; e no prónaos apareciam quatro colunas iónicas na entrada (figura 105). Tem um entablamento original: por cima da arquitrave, em vez das régulas, corre uma sequência ornamental de óvalo/seta de tipo iónico; os triglifos sobressaem na parede que apare-ce entre eles como métopas; por cima do friso, a toda a volta, aparecia outra sequência ornamental em duas tiras. Nas fachadas não havia cornija horizontal nem, portanto, frontão. Assim o que corresponde ao tímpano era em alvenaria lisa (figura 106). Não se conservam es-culturas ornamentais do templo.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

122

Figura 98Secção do Heráion I. Nota-se a solidez da arquitrave.

Figura 99Capitel do Heráion I. Nota-se o equino bolboso e esmagado sob o ábaco quadrado, além de aneletes da passagem do fuste para o

capitel.

Vol. I - Arquitectura Grega

123

Figura 100Representações de folhagem, flores de lótus e rosetas nos capitéis do

Heráion I, em Paestum.

Figura 101Desenho do Heráion I, que saiu na obra de Lagardette, Les ruines de

Paestum ou Possidonia (1971).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

124

Figura 102Planta do Heráion I

(c. 530 a.C.)

Figura 103Athenáion de Paestum.

Figura 104Athenáion de Paestum. Esquema colhido em

Taschen, p. 74.

Vol. I - Arquitectura Grega

125

Figura 105Planta do Athenáion de Paestum.

Figura 106Fachada do Athenáion de Paestum.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

126

Dórico clássico

Nos inícios do século V a. C., a ordem dórica aproximou-se do ideal clássico. Embora as soluções essenciais estavessem encontradas e os passos mais significativos houvessem sido dados até aos inícios do séc. V a.C., o dórico evoluciona ainda ao longo da primeira metade dessa centúria e atinge a perfeição nos seus meados. Verifica-se uma relação ideal entre as colunas das fachadas ou lados menores com as dos maiores de um templo – seis por treze –, as colunas passam a ter todas, de modo geral, o mesmo diâmetro e o espaçamento normal do intercolúnio nos quatro lados torna-se homogéneo, equivalendo pra-ticamente a duas vezes e meia o diâmetro da coluna. Esta relação já se encontra num templo do Cabo Súnion, dedicado a Poséidon, que, antes de concluído, foi destruído nos inícios do séc. V a.C. – talvez pela invasão persa de 490 – e cujos alicerces foram descobertos junto do seu sucessor, edificado em meados do século1. Comecemos pelo Templo de Afaia, em Egina, dos inícios do séc. V a. C. – o terceiro construído no local – que se encontra situado em cenário magnífico, em ponto elevado, com vista panorâmica sobre o mar azul e sobre boa parte da ilha (figura 107). O Templo é um mode-lo perfeito da ordem dórica. Foi construído pelos habitantes desta ilha por volta de 500 a. C. em honra de Atena Afaia – Afaia, divindade local de origem cretense que veio depois a assimilar-se com a deusa Atena. Trata-se de um templo planeado com naós e com prónaos e opistódomo adossado, cada um com duas colunas in antis, embora depois – talvez durante a construção – se tivesse aberto uma porta levemente descen-trada entre a cela e o opistódomo que fez deste uma espécie de áditon. Possui uma planta períptera, com as dimensões de 13,77m por 28,82m,

1 Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 99.

Vol. I - Arquitectura Grega

127

que se orienta no sentido leste oeste e compreendia seis colunas nas fachadas e doze nos lados maiores, todas com uma altura de 5,272m, com diâmetro e espaçamento uniformes, excepto nos cantos (figura 108). Grande parte da colunata que o rodeia ainda hoje é visível até ao nível da arquitrave. A colunata interior que divide a cella em três naves apresenta dois níveis. Embora as dimensões do Templo de Afaia em Egina, que são reduzidas, não exigissem a solução em causa, trata-se de uma das primeiras utilizações do sistema de dois andares, aplicado ao espaço interior de um templo. Pelos fragmentos descobertos podemos ter a ideia da sua reconstituição quase total. Construído em calcário local, as partes lisas e as colunas eram recobertas a estuque e realçadas com cores em que predominava um fundo creme. Um estudo sobre a sua policromia revelou o uso da cor azul nas linhas verticais do templo e vermelha nas horizontais. Nos frontões estavam esculpidos temas da Guerra de Tróia, designadamente os eventos da segunda e terceira ge-ração, de acordo com o mesmo esquema cromático, como se pode ver na reconstituição a partir de desenho do templo efectuado por Blouet e Trezel, arquitectos franceses do século XIX (Paris, Biblioteca de Artes Decorativas) (figura 109). Um dos elementos mais importantes deste edifício é a existência de dois pisos de colunas que formavam as três naves do naós, que fazem dele o único exemplo deste tipo dos finais da época arcaica. No seu conjunto, este templo representa um exemplo paradigmático do uso da ordem dórica, muito próximo da concepção do Templo de Zeus em Olímpia. As telhas eram de terracota, embora as das bordas fossem de mármore esculpido em forma de cabeça de leão que serviam de gárgulas. Templo dos inícios do dórico clássico, ou melhor, da transição do arcaico para o clássico, nele a coluna tornou-se mais fina abaixo do entablamento e mais perfeito o ritmo da sequência de triglifos e métopas (figura 110). No esquema dessa sucessão de triglifos e métopas, os arquitectos, para solucionar as exigências dos ângulos da colunata – como vimos, o triglifo devia, ao mesmo

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

128

tempo, estar sobre o eixo da coluna e formar o ângulo do entabla-mento – optaram por um encurtamento no entre-eixo nas colunas das extremidades do edifício. O estilo dórico ganhou rigor e ele-gância. A arquitectura adquire ritmo.

Figura 107Templo de Afaia em Egina (c. 500 a.C.).

Figura 108Planta do Templo de Afaia em Egina.

Vol. I - Arquitectura Grega

129

Figura 109Reconstituição do frontão do Templo de Afaia, que representa cena

da Guerra de Tróia..

Figura 110Ângulo do Templo de Afaia, em que se nota uma mais perfeita se-

quência de colunas, métopas e triglifos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

130

O Templo de Zeus em Olímpia foi construído por Líbon entre 470 e 456 a. C. – a última data provém de uma inscrição que se encon-trava na gabla de um escudo de ouro (457 a.C.) e diz ter sido dedicado pelos Espartanos, como dízimo dos despojos da luta contra os Argivos, Atenienses e seus aliados, em Tanagra. Antes só havia o Altar que se localizava do lado direito do templo, entre ele e o de Hera, como se pode ver na reconstituição que reproduzimos (figura 111). O edifício em si foi pago pelos despojos da guerra em que a Élide conquistou Pisa (470 a. C.). Incendiado em 426 A. D. e destruído por tremor de terra no século seguinte, as escavações revelaram as suas medidas e proporções. Trata-se de um templo dórico períptero, constituído por naós, pronaós e opistódomo, hexástilo (6 por 13 colunas), com mais de 27m de largura (precisamente 27,66m) e com 64,12m de comprimento (o Pártenon tem mais uns três metros) (figura 112). Em 2005, foi feita a anastilose de uma das muitas colunas, cujos tambores se encontram estendidos no solo em fiadas (figura 113). A estátua criselefantina de Zeus, patrono do templo, que era obra de Fídias, só foi executada uns 20 anos depois da decora-ção em mármore, que estava no lugar em 456 a.C. As esculturas eram de mármore de Paros e representavam, nos dois frontões e nas doze métopas, cenas de grande significado mitológico e cultural. Executados talvez entre 465 e 457 a.C., os grupos dos frontões e das métopas do templo de Zeus em Olímpia são dos mais importantes da escultura ar-quitectónica conservada, pertencente ao chamado período severo, por mostrar um significativo número de estátuas individuais em diversas atitudes e por permitir ter uma ideia da composição de conjunto. Os frontões – estruturas de 26,5 por 3,5 metros – contêm escul-turas de grande significado simbólico, cujo autor é ainda desconhecido (figura 114). O pedimento oriental representa os preparativos para a dis-puta de carros entre Pélops e Oinómao. Figura o momento que antecede a corrida e sugere o castigo que Zeus infligirá ao segundo. A sua figura está ao centro (media 3,15m de altura) e segurava o raio na mão esquer-da, enquanto com a direita sustém o manto que lhe cai e deixa o torso nu,

Vol. I - Arquitectura Grega

131

como se pode ver na imagem (figura 115). De um e outro lado do deus, estão Oinómao e Estérope, Pélops e Hipodamia e as quadrigas. O frontão ocidental apresenta a luta dos Lápitas contra os Centauros (seres primitivos que, convidados por Pirítoo para o seu casamento com Deidamia, violam as leis da hospitalidade, ao embria-garem-se e tentarem raptar as mulheres lápitas). Apolo – que ocupa o centro do pedimento – embora não tome parte na luta, tem o braço direito erguido em ar de comando e em gesto imperioso do braço di-reito, impõe a ordem e castiga a violência e insolência dos Centauros. À sua direita, Pirítoo procura impedir que Eurítion lhe rapte a noiva Deidamia (figura 116). Do lado oposto, Teseu apoia a investida. As métopas eram as do friso interior e representavam os Doze Trabalhos de Héracles – e talvez tivessem contribuído para fixar defi-nitivamente esse número de feitos principais (figura 117). Na fachada oriental, havia o javali de Erimanto (o 7º), os cavalos de Diomedes da Trácia (o 8º), luta contra Gérion em Eritia (o 9º), Héracles a segurar o fardo de Atlas (o 10º), a trazer o cão do Hades (o 11º) e a limpar os estábulos de Augias (o 12º). Na fachada ocidental, o leão de Nemeia (o 1º), a hidra de Lerna (2º), as aves Estinfálias (o 3º), o touro de Creta (o 4º), o veado de Cerineia (o 5º), a Amazona (o 6º). Destruído por um sismo, os arqueólogos deixaram as ruínas várias e os materiais de construção como os encontraram: plataforma do templo, tambores dos fustes das colunas e gárgulas em forma de cabeça de leão. E a maior parte ainda hoje lá se encontra no solo como caíram, os tambores das colunas, qual um baralho de cartas, embora em 2006 os arqueólogos tivessem procedido à anastilose de uma delas que lá se encontra agora como exemplo e para dar uma ideia como seria o templo. Mais pormenores sobre este templo serão dados no volume relativo à escultura, quando analisarmos a sua decoração escultóri-ca, de grande significado na evolução e aperfeiçoamento formal e de composição e simbolismo da composição de cenas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

132

Figura 111Reconstituição do

Templo e altar de Zeus em Olímpia, colhida in E. Spathari, The Olympic Spirit (Athens, 1992), p.

82.

Figura 112Olímpia. Ruínas do

Templo de Zeus.

Figura 113Secção do Templo de Zeus em Olímpia, com coluna reconstruída.

Vol. I - Arquitectura Grega

133

Figura 114Templo de Zeus em Olímpia. Reconstituição do Frontão oriental e

corte no prónaos.

Figura 115Figura de Zeus que se encontrava ao centro do Frontão oriental do

Templo de Zeus.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

134

Figura 116Templo de Zeus em Olímpia. Duas imagens do frontão ocidental,

que representa a luta de Centauros e Lápitas.

Figura 117As doze métopas do Templo de Zeus em Olímpia, com os doze tra-

balhos de Héracles.

Vol. I - Arquitectura Grega

135

Vejamos agora o terceiro templo de Pestum, o Heráion II (c. 460 a.C.). Embora já quase de meados do séc. V a.C. e quase contemporâneo do Pártenon, o Heráion II tem ligação com os dois anteriores templos de Pestum, já descritos, e também chegou até nós bastante bem conservado (figura 118). Com ele aproximamo-nos do apogeu do dórico clássico e, ao contemplar este templo de Hera – que substituiu o anterior Heráion I, mais espesso e mais volumoso –, apercebemo-nos da harmonia de linhas e da sobrieda-de que os construtores gregos procuravam. O templo assenta num estilóbata de 24,3 por 59,93 metros, tem prónaos, naós e opistódomo e circunda-o um períptero de 6 colunas nas fachadas e 13 nos la-dos maiores – ou seja é um hexástilo como é habitual nos templos dóricos (figura 119). Trata-se de um templo cujo naos ostenta dupla colunata de dois pisos sobrepostos, à semelhança dos que encon-trámos já no Templo de Afaia, em Egina, que precede este Heráion quase meio século. Deste modo o templo oferece um segundo piso, e é o único que o conserva no interior do naós. (figura 120) Ainda se conservam, no lado leste da cella, restos de uma escadaria que lhe dava acesso. De perfeição majestosa e silhueta harmoniosa e firme, embora um pouco pesada, alia a força com a estabilidade. As trinta e seis colunas apresentam capitel estreito e poderoso para o qual, das estrias do fuste, se passa com suavidade através de aneletes, como costuma o estilo dórico (figura 121). Construído em tufo (marga calcária), cobria-o uma cama-da de estuque branco, a imitar o mármore, que jogava e contras-tava com a policromia dos azuis e vermelhos das métopas e tri-glifos do friso. E esse contraste fazia sobressair a pintura sobre o estuque branco que ocultava as imperfeições da pedra porosa das paredes e fustes das colunas. Assim o que hoje contemplamos e apreciamos não era visível aos olhos dos Gregos e Romanos. Na frente do templo, no lado oriental, ergue-se o grande altar, ainda conservado.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

136

Figura 118Heráion II, em Paestum (c. 460 a.C.).

Figura 119Planta do Heráion II.

Figura 120Colunata do Heráion II de Paes-

tum. Nota-se a colunata do 2º piso.

Figura 121Heráion II de Pestum. Parte superior do fuste e capitel.

Vol. I - Arquitectura Grega

137

O Hefestéion (figura 112), sito na Agora de Atenas e construído entre 449 e 444 a.C., e o Templo de Poséidon do Cabo Súnion (c. 440 a.C.) – os dois da autoria do mesmo artista de que desconhecemos o nome – situam-se quase no fim da linha que levará ao apogeu do Dó-rico Clássico com o Pártenon, embora ainda sem a perfeição deste. O Hefestéion é um templo dórico no exterior e iónico no interior, perípte-ro, hexástilo (seis colunas nos lados menores e treze nas partes laterais) e anfipróstilo – ou seja com um pórtico na fachada anterior e outro na posterior (figura 123). O prónaos do Hefestéion mostra o aligeiramento de estruturas a que procedeu o dórico clássico: verifica-se a ausência de suporte na segunda fila de colunas, libertando e ampliando o espaço (figura 124). Subsistiu até aos nossos dias a armação em mármore por cima da colunata que dá a volta ao edifício (figura 125). São trinta e qua-tro fustes, ao todo. Também a cella se encontra intacta, com excepção das duas fiadas de colunas interiores que desapareceram. Dedicado a Hefestos, deus do fogo e das forjas (ou deus dos artífices), as métopas representavam os trabalhos de Héracles e os feitos de Teseu; o friso in-terior dá-nos o combate de Teseu contra os Palantidas e uma Centauro-maquia. Os frontões, de cujas esculturas existem fragmentos no Museu da Ágora, mostrariam provavelmente uma Centauromaquia e a apote-ose de Héracles. Como a decoração escultórica representava vários dos feitos de Teseu, foi designado também, erradamente, Teséion. Do mesmo artista é o Templo de Poséidon do Cabo Súnion que em local deslumbrante domina o mar azul e assiste ao fascínio do pôr do sol (figura 126). Sophia de Mello Breyner Andresen caracteriza deste modo esse sítio (Geografia, p. 63):

Na nudez da luz (cujo exterior é interior)Na nudez do vento (que a si próprio se rodeia)Na nudez marinha (duplicada pelo sal)

Uma a uma são ditas as colunas de Sunion.

Construído por volta de 440 a. C., trata-se de um templo da

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

138

ordem dórica e de planta períptera. A arquitrave de influência iónica e o friso em mármore com cenas relativas à Gigantomaquia testemu-nham uma clara evolução e apontam para um artista aberto a esse estilo (figura 127).

Figura 122Hefestéion, construído na Ágora de Atenas,

entre 449 e 444 a.C.

Figura 123Planta do

Hefestéion

Figura 124Prónaos do

Hefestéion de Atenas.

Figura 125Peristilo do Hefestéion

de Atenas.

Vol. I - Arquitectura Grega

139

Figura 126Templo de Poséidon, no Cabo Súnion (c. 440 a.C.).

Figura 127Outra vista do Templo de Poséidon, no Cabo Súnion.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

140

Entre 450 e 410 a. C., Atenas lança-se na reconstrução da Acró-pole, cujos edifícios tinham sido destruídos, ou muito danificados, pe-las Guerras Pérsicas1. A reconstituição que damos da Acrópole (figura 128) já contém edifícios posteriores, como o Odéon de Herodes Ático (em primeiro plano, à esquerda) e, também em primeiro plano, o pórti-co que o unia ao Teatro de Diónisos, que se vê à direita. O apogeu do Dórico Clássico nasce com essa reconstrução que é fruto da associação e planeamento felizes e produtivos de Péricles e Fídias. Essa reedificação parece colidir com um juramento que todas as cidades gregas participantes na luta contra os Persas teriam feito em Plateias, de-pois da batalha aí travada em 479 a.C. que afastou definitivamente a ame-aça do exército de Xerxes. Estamos perante o designado “Juramento de Plateias”, que é controverso e tem suscitado muita discussão2. Esse juramento, que conhecemos por passos de Licurgo (séc. IV a. C.) e Diodoro (séc. I a. C.)3, principia «Não darei mais valor à vida do que à liberdade» e conclui «e dos monumentos queimados ou derrubados pelos Bárbaros não reerguerei um único, mas deixá-los-ei ficar como memorial, para os vindouros, da impiedade dos bárba-ros». Além destas informações temos ainda uma paráfrase em Isócra-tes (Panegírico 155) que diz:

Por isso merecem elogios os Iónios, porque amaldi-çoaram quem tocasse ou quisesse reconstituir como eram ante-riormente os templos queimados, não porque tivessem dificul-dade em consegui-lo, mas para ficarem como monumento para os vindouros da impiedade dos Bárbaros.

1 Essa reconstrução e o seu sentido são tratados no capítulo «Atenas, escola da Hélade».

2 Sobre esta juramento vide D. R. Burn, Persia and the Greeks (Oxford, 1962), pp. 522-525; E. D. Francis and Michael Vickers, JHS 103 (1983) 54; R. Meiggs, Parthenos and Parthenon (Supp. to Greece & Rome 10, 1963) pp. 36-40; R. Meiggs, The Athenian Empire (Oxford, 1972), pp. 504-507; T. L. Shear Jr., Studies in the Early Projects of the Periklean Building Program (Diss. Princeton, 1965), pp. 16-65; P. Stewert, Der Eid von Plataias (München, 1972).

3 Respectivamente, Licurgo, Contra Leócrates 81 e Diodoro 11. 29.

Vol. I - Arquitectura Grega

141

Na versão epigráfica de Acharnae – versão “que os Atenienses juraram” e que também nos chegou – não está incluída a cláusula da reconstrução. Daí que se discuta a autenticidade do juramento, além de não sabermos ao certo se alguma vez foi efectivado. É provável, contudo, que o tenha sido, porque esse motivo foi depois lembrado como uma das finalidades de Filipe quando fundou a liga de Corinto, após a vitória de Queroneia (Diodoro 16. 89. 2). Pelo facto também de Alexandre Magno ter justificado o incêndio de Persépolis com o acto dos Persas de outrora, ao destruir e queimar vários santuários e cidades gregas1. De qualquer modo, devido ao pacto secreto de Plateias de não re-construir os edifícios profanados pelos Persas para que as ruínas restas-sem como advertência da violência pelo bárbaro invasor, a efervescente actividade de edificação sagrada que caracterizou o arcaísmo grego so-freu, no Continente grego, um decréscimo nos trinta anos que se segui-ram às Guerras Pérsas. Como consequência, enquanto no ocidente se realizou um vasto programa de monumentalização das áreas sagradas, das quais temos consideráveis testemunhos (Selinunte, Agrigento), na Grécia continental a única grande iniciativa de edificação sagrada parece ter sido o grande templo de Zeus em Olímpia, cujos trabalhos iniciados à roda de 470 a. C., se arrastaram por mais de quinze anos. Tenha ou não infringido um juramento feito em Plateias, o certo é que Atenas, dando execução a um planeamento de Péricles e Fídias, se abalançou à reconstrução da Acrópole que tinha sido incendiada e destruída em 480 a.C. São então erigidos vários templos e edifícios que marcam uma evolução na arquitectura grega e utilizam novas soluções que lhes dão maior leveza, harmonia e proporção, embora algumas de-las já tivessem sido utilizadas na época arcaica. Além de as colunas per-derem espessura e se tornarem mais esbeltas, os edifícios apresentam compensações ópticas que são verdadeiros requintes de construção, com evidência para a êntasis, de que nos informa Vitrúvio (3.3.13), que

1 Diodoro 17. 72. 6; Plutarco, Alexandre 38; Arriano, Anábase 3. 18. 12.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

142

a teria aprendido com os arquitectos dos sécs. IV e III a.C.: espessamen-to do fuste da coluna a dois terços da sua altura; ligeira curvatura, ao centro, nas linhas horizontais; leve inclinação das colunas para dentro. Damos dois esquemas desses requintes, um de A. Orlandos (figura 129) e outro colhido em Ian Jenkins (figura 130)1. Assim os templos passam a apresentar, com frequência, determinados requintes de construção que visam corrigir as ilusões de óptica, alguns do quais já usados na época arcaica: as linhas horizontais têm todas uma ligeira curvatura no centro: estilóbata e entablamento convexos. Na foto que damos (figura 131) nota-se essa leve convexidade do estilóbata do Pártenon. O afuni-lamento das colunas não se faz segundo uma linha recta: as caneluras não são tão fundas em cima como em baixo e o fuste tem uma curva levemente convexa e apresenta ligeiro espessamento a cerca de dois terços da altura — a êntase propriamente dita de que fala Vitrúvio. Outro requinte reside no ângulo de colocação das paredes da cela e das colunas, já que nenhuma tem uma postura estritamente vertical, mas todos se inclinam levemente para dentro, as dos cantos com inclinação a dobrar, além de serem mais espessas. Se assim não fosse, o estilóbata pareceria côncavo, o entablamento reentrante, as colunas dos ângulos mais finas2. É discutida a utilização da êntase no iónico, e a sua presença é por vezes negada. É certa todavia no pórtico norte do Erectéion, em-bora esteja ausente do pórtico oriental e do templo de Atena Nike3.Com estes requintes de construção, o edifício amplia-se, torna-se vivo, ganha harmonia e leveza. São inovações presentes, de modo especial, no Pártenon, mas também utilizadas em vários outros edifícios: por

1 The Parthenon Sculptures (British Museum, 2007, p. 20). Para uma mais pormenorizada explicação do fenómeno vide D. S. Robertson, A handbook of Greek and Roman architecture (Cambridge, 1943, repr. 1969), pp. 117-118; M. H. Rocha Pereira, Cultura grega, pp.560-564.

2 Vide Susan Woodford, The Parthenon (Cambridge, 1981), pp. 26-27.3 Vide D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture

(Camb. Univ. Press, repr.1969), p. 116, nota 2

Vol. I - Arquitectura Grega

143

exemplo, o Hefestéion que, como vimos, foi construído entre 449 e 444 a. C. por artista desconhecido, autor também do santuário de Po-séidon do Cabo Súnion, datado de c. 440 a. C. (figura 132). A reconstrução da Acrópole verifica-se numa época em que Atenas estava no seu apogeu. A guerra contra os Persas ia já longe e a cidade de Palas dominava os mares. Péricles tenta convocar um congresso pan-helénico de todas as cidades gregas, cerca de 450 a.C., e para isso remete emissários a todas as cidades da Hélade a solicitar o envio de delegados a Atenas (Cf. Plutarco, Pér. 17):

Péricles, para exaltar ainda mais a confiança do povo e persuadi-lo de que está destinado a grandes feitos, propôs um decreto a convidar todos os Helenos, fosse qual fosse o lugar da Europa ou da Ásia em que habitassem, e todas as ci-dades, pequenas ou grandes, a que enviassem delegados para um congresso em Atenas, com o fim de deliberarem sobre os templos gregos que os Bárbaros haviam incendiado, sobre os sacrifícios que eram devidos aos deuses em consequência dos votos feitos pela Hélade, quando estavam em luta contra os Bárbaros; e, no que respeita ao domínio do mar quanto aos meios de assegurar que todos naveguem nele com segurança e vivam em paz. Para esse fim foram enviados vinte homens que já tivessem feito 50 anos [….] Tentaram pela persuasão convencê-los a vir participar nos debates sobre a paz e sobre os interesses comuns da Hélade. Nada se realizou, contudo, nem as cidades se reuniram, já que os Lacedemónios, ao que se diz, se opuseram secretamente, sendo no Peloponeso que a tentativa primeiro fracassou.

Só respondem as que já faziam parte da Simaquia de Delos. As cidades do Peloponeso e, na maioria, pertencentes a sua Simaquia não compareceram – como acabámos de ver pelo texto –, por pressão de Esparta, talvez por pensar que aceitar o congresso seria reconhecer

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

144

a pretensão de Atenas a liderar a Hélade1. Assim o congresso contou apenas com as cidades da Europa e da Ásia que não faziam parte da Simaquia do Peloponeso. As que compareceram discutiram uma acção comum que assegurasse a manutenção da paz, examinaram os meios de preservar a segurança na navegação e a paz nos mares, votaram também medidas para restaurar os santuários destruídos pelos Persas. Consciente do seu valor e do papel que desempenhara nas Guerras Pérsicas, capital artística e literária, centro comercial e indus-trial, Atenas aspira naturalmente, sobretudo na época em que Péricles a chefiava, a ser a capital política, a realizar à sua volta a unidade da Hélade. Daí, é evidente, a convocação do congresso2. Depois da Paz de Cálias em 449 a. C., que sancionava o predo-mínio ateniense sobre o Egeu, a cidade, libertada do pesadelo persa e rica pelo tesouro da Liga que tinha sido transferido de Delos para Atenas em 454 a. C., assiste a um poderoso programa de reconstru-ção, iniciado na Acrópole. Péricles faz aprovar na Assembleia, com recurso aos fundos da Simaquia, a reconstrução desse centro sagrado da pólis, em especial de novo templo em honra de Atena, a divinda-de protectora da cidade – o Pártenon (figura 133). Confiou a Fídias o trabalho de supervisão da totalidade das obras, em cujo projecto tra-balharam os arquitectos Ictinos e Calícrates que souberam fundir os aspectos da tradição dórica (sobretudo pela personalidade de Ictinos) e iónica (desta vez com Calícrates), dando origem a um novo estilo que reúne as duas ordens, que passou a designar-se por estilo ático. Além de superintender nas obras e de se encarregar de boa parte da ornamentação escultórica do Pártenon, Fídias executa a estátua da deusa que custou quase o dobro do resto da construção do templo. Era uma imagem criselefantina.

1 Sobre os motivos de Esparta vide B.D. Meritt, H.T. Wade-Gery and M.F. McGregor, The Athenian Tribute Lists III (3 vols Princeton, 1950), p. 280.

2 Vide Jardé, La formation du peuple grec (Paris, 1923), pp. 346-353.

Vol. I - Arquitectura Grega

145

Figura 128Reconstituição da Acrópole de Atenas.

Figura 129Esquema de A. Orlandos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

146

Figura 130Esquema de Ian Jenkins.

Figura 131Imagem do estilóbata do Pártenon. Nota-se a convexidade.

Vol. I - Arquitectura Grega

147

Figura 132Hefesteion de Atenas (449-444 a.C.).

Figura 133Pártenon (448/447- 438 a.C.).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

148

Marcando o apogeu do estilo dórico, embora o combinasse com o iónico – era um templo em estilo dórico no exterior e iónico no interior –, o Pártenon (figura 134) impôs-se pela harmonia de propor-ções, pela beleza, qualidade estética e simbologia das esculturas que o ornamentavam1. Templo em honra de Atena Virgem — Parthenos —, é um símbolo de grandeza e prosperidade (figura 135)2. Péricles pretendeu com ele glorificar não apenas a deusa Atena, mas também a pólis que ela protegia e o mundo helénico em geral. Iniciada a sua construção no ano 448/447 a.C., a sua dedicação verifica-se e 438, em-bora só em 432 a. C. se concluísse a sua decoração arquitectónica. Fo-ram escolhidos Ictinos e Calícrates, como seus arquitectos. Embora Rhys Carpenter suponha ter havido um plano de Ictinos e outro de Calícrates, devem ter trabalhado em conjunto. Temos informação de que Ictinos escreveu um livro a teorizar e a explicar a sua construção, mas dessa obra nada resta. Trata-se de um templo períptero, com prónaos, naós e opistódo-mo, oito colunas de frente e na parte posterior (à moda iónica) e dezas-sete nos lados (figura 136); utilizou, além disso, todos os requintes de construção, a que a evolução técnica da arquitectura tinha chegado em meados do séc. V a.C. As oito colunas de frente permitem um naós mais largo, para mostrar a imagem de Atena. Tem, além disso, uma colunata interior em forma de U, em volta da estátua. Possuía dois frisos: o ex-terior, dórico, estava dividido em métopas e triglifos; e o interior, ióni-co, era contínuo e esculpido em relevo. O Pártenon distinguia-se pela grande a riqueza da sua decoração escultórica, de que não há paralelo em outro templo do mundo grego: estátuas de vulto nos pedimentos e relevos no friso iónico e nas métopas, que são decoradas nos quatro lados, quando habitualmente o eram apenas em dois (figura 137).

1 Sobre o significado do templo vide capítulo «Atenas, escola da Hélade».2 A figura 135 é uma reconstituição dessa estátua, que se encontra no

Royal Ontario Museum de Toronto.

Vol. I - Arquitectura Grega

149

Figura 134Reconstrução do Pártenon, da autoria de G. P. Stevens.

Figura 135Athena Parthenos.

Reconstituição do Royal Ontario Museum de Toronto.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

150

Figura 136Planta do Pártenon. 1: Prónaos; 2: Cella ou naós; 3: Estátua criselefan-

tina de Atena; 4: Opistódomo / Sala das Virgens; 5: Pórtico Oeste.

Figura 137Reconstituição do Pártenon, colhida em P. Connolly e H. Dodge, La

Ciudad Antigua (1998), pp. 72-73.

Vol. I - Arquitectura Grega

151

Templo todo em mármore do Pentélico, um monte que fica a 16km de Atenas – na figura 138 o contraste de sombras e de luz sublinha a cor do mármore e as caneluras e arestas dos fustes das colunas do lado norte –, tinha também a cobertura, em duas águas como habitualmente, em telhas de mármore (neste caso, de Paros), de que apareceram algu-mas, em vez das de terracota feitas em moldes (figura 139). Toda esta fábrica ocupava um considerável número de pessoas e artistas. Plutarco, na Vida de Péricles 12.5-14.3, descreve a variedade e quantidade de artífices que nesse grandioso empreendimento traba-lharam. A Assembleia vigiava as obras, como fazia com qualquer mo-numento que fosse pago com dinheiros públicos (5 epístatas nomeados para isso respondiam perante a Assembleia). As contas eram gravadas em lajes de pedra de que nos chegaram fragmentos. Votados os fundos no início do ano, eram no final examinados. O Pártenon apresentava medidas excepcionais: o estilóbata ti-nha 30,88m de frente e 69,50m de comprido1; e as colunas (8 por 17) tinham um diâmetro de 1,91m na base e 10,43m de altura. Estas di-mensões levavam a relações subtis entre as diversas partes do templo. Assim o comprimento é um pouco mais do que o dobro da largura: uma proporção de 9 para 4. A distância entre as colunas (medida de eixo para eixo) é um pouco mais do que o dobro do diâmetro das co-lunas: exactamente 9 para 4. Do mesmo modo e como consequência, a frente do Pártenon, sem contar o pedimento e os degraus, forma um rectângulo, cuja proporção entre a largura e a altura é 9 para 4. Assim a altura, largura e comprimento do templo estão na proporção de 9 para 4. É por isso ajustada a afirmação de S. Woodford: «Todo o edifício, embora construído de uma maneira simples a partir de partes simples, tem uma coerência enraizada na matemática»2 (figura 140). O Pártenon caracterizava-se por se centrar em Atena, deusa da sa-

1 Templo de Zeus em Olímpia: 27,68m X 64,12m.2 The Parthenon (Cambridge, 1981) p. 17.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

152

bedoria, e na sua missão particular de civilizar a humanidade. Como referi-mos, o interior guardava a famosa estátua criselefantina de Atena Parthenos, da autoria de Fídias— de que infelizmente apenas nos chegaram péssimas cópias. A deusa, na sua qualidade de defensora da cidade, estava armada e tinha na mão direita a Vitória, como se pode ver na cópia de Atena Var-vakeion, de que se reproduz a estátua completa e um pormenor lateral da cabeça (figuras 141 e 142). O escudo, ao que parece, representava o combate dos deuses Olímpicos contra os Gigantes e a luta com as Amazonas (figura 143). A base da estátua figuraria os deuses a adornarem Pandora, a primei-ra mulher por eles criada, fonte originária das dores e dos sofrimentos hu-manos que necessitam de ser superados pelo esforço, luta, energia, controlo de si, de que Atena é o símbolo. A reconstituição de Alan LeQuire, Nashville Parthenon, Tennessee, que reproduzimos, procura mostrar a complexidade de elementos e símbolos que a imagem continha (figura 144)1.

1 In Ian Jenkins, The Parthenon Sculptures in the British Museum (Lon-don, 2007), p. 21, fig. 15. A reconstituição do escudo reproduzido na imagem 120 é de E. B. Harrism, AJA 85 (1981) 281-317.

Figura 138Contraste de sombras e cor nas colunas do

Pártenon.

Figura 139Fragmentos das telhas de mármore que

cobriam o Pártenon.

Vol. I - Arquitectura Grega

153

Figura 140Pártenon. Lados oriental e norte.

Figura 141Atena Varvakeion. Cópia no Museu Nacional de Atenas.

Figura 142Atena Varvakeion. Pormenor da

anterior

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

154

Figura 143Reconstituição do Escudo da estátua de Athena Parthenos, in: E. B.

Harrison, AJA 85 (1981), pp. 281-317.

Figura 144Athena Parthenos. Reconstituição de Alan LeQuire.

Vol. I - Arquitectura Grega

155

A decoração escultórica, executada por Fídias ou sob a sua di-recção, era abundante e cobria os frontões, as métopas e o friso iónico interior. De certo modo, à imagem da estátua de Athena Parthenos, o seu objectivo é também narrativo e didáctico. As métopas revelam, nos temas tratados, um motivo central que denuncia a intenção de Péricles e de Fídias em ilustrar, de modo simbólico, a luta vitoriosa dos Gregos contra os Bárbaros, ou melhor a vitória da ordem e da justiça contra a violência e a desordem. As da fa-chada oriental representam a Gigantomaquia; as do lado norte a toma-da de Tróia; as de oeste a Amazonomaquia, ou combate dos Atenienses contra as Amazonas; e as do sul a luta dos Lápitas, povo da Tessália, contra os Centauros, ou seja uma Centauromaquia (figura 145). O friso iónico interior, executado sob a direcção de Fídias, paten-teia a solene procissão das Panateneias, na qual se integravam todas as forças vivas da pólis: os portadores dos líquidos e dos vasos sagrados, os que conduzem os animais (figuras 146 e 147), os cidadãos, os carros, os cavaleiros (figura 148): uns que se aprestam para montar, outros que se lançam a galope ou tentam sofrear o ímpeto dos cavalos. Todos em fluxo ininterrupto e cadenciado, solenes e hieráticos, se dirigem para a fachada oriental onde heróis atenienses e os deuses olímpicos Poséidon, Apolo e Ártemis (figura 149), descuidados ou atentos, contemplam a cerimónia da entrega do peplos: a cena central (figura 150). Os frontões contêm elucidativas cenas simbólicas que estão relacio-nadas, no oriental, com o nascimento de Atena, deusa da sabedoria, direc-tamente da cabeça e mente de Zeus (figura 151), fazendo com que simulta-neamente Hélios, o Sol, surja no canto esquerdo e o carro de Selene, a Lua – símbolo da noite e das sombras –, de que reproduzimos uma bela cabeça de um dos cavalos do seu carro, desapareça no canto direito (figura 152); o ocidental representa a deusa na qualidade de protectora da cidade, em dis-puta com Poséidon pelo lugar de divindade políade de Atenas, oferecendo respectivamente um ramo de oliveira e uma fonte de água salgada, como símbolo da principal riqueza da terra e do domínio do mar (figura 153).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

156

Figura 145Métopa do lado sul. Centauro e jovem lápida. British Museum.

Figura 146Pártenon. Friso iónico. Con-

dução do boi para o sacrifício.

Figura 147Pártenon. Friso iónico.

Ovelhas para o sacrifício. Museu da Acrópole.

Figura 148Pártenon. Friso iónico. Dois

cavaleiros. Museu da Acrópole.

Vol. I - Arquitectura Grega

157

Figura 149Pártenon. Friso

iónico. Os deuses assistem: Poséidon, Apolo e Ártemis.

Figura 150Pártenon. Friso iónico. Cena da entrega do peplos a Atena.

Figura 151Pártenon. Reconstituição do frontão oriental. Atena nasce da cabeça

de Zeus.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

158

Figura 152Cabeça do cavalo do carro de Selene que desaparece no lado direito

do frontão. British Museum.

Figura 153Reconstituição do lado ocidental e respectiva decoração.

Vol. I - Arquitectura Grega

159

Quando a construção do Pártenon terminou, e este esta-va no seu esplendor e glória, Péricles terá dito aos Atenienses: “Poderosos são os marcos e monumentos do nosso Império. As idades futuras irão imaginar-nos assim, como o presente nos vê agora”. As suas palavras revelaram-se proféticas. No final do séc. IV a.C., Alexandre Magno mandou alguns escudos, que tinha capturado aos Persas numa batalha, para decorar o Pártenon e para relembrar as guerras Pérsicas, um século e meio antes, que ele considerava ter vingado. Esses escudos foram ligados à arqui-trave do Pártenon. Infelizmente o Pártenon e a Acrópole passaram por vicissi-tudes várias ao longo da história – descritas no capítulo “Atenas, Escola da Hélade” – que lhe retiraram muita da sua harmonia, cor e imponência. Hoje, apesar de se impor ainda pelas suas li-nhas, proporções e simplicidade, dele podemos apenas fazer uma pálida ideia do que foi na Antiguidade grega. Depois de finalizado o Pártenon, foi necessário construir uma nova entrada monumental para a Acrópole, os Propileus. Esta entrada monumental sobrepôs-se a uma estrutura preceden-te da época arcaica, constituída por quatro colunas dóricas na frente e limitada lateralmente por muros. O novo modelo é ree-laborado por Mnésicles de modo a adaptá-lo à nova orientação de construções na Acrópole que privilegiava o eixo este-oeste. Assim, como o Pártenon, apresenta um grupo de pórticos com duas frentes: a ocidental, com um amplo vestíbulo, dividido em três naves de duas séries de colunas jónicas, que se abre sobre a rampa de acesso (figura 154), e a oriental, que dá para os monu-mentos da Acrópole; este pórtico oriental apresenta o aspecto da fachada de um templo hexástilo (figura 155). A parede central tem cinco portas que, gradativamente, aumentam em altura da periferia para o centro (figura 156). Dos lados da estrutura oci-dental abrem-se duas alas com fachada e pórtico: uma (a meridio-

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

160

nal) destinada a um átrio e a outra (a setentrional) formava duas câmaras, uma das quais era a Pinacoteca, referida por Pausânias 1. 22. 6-7. Neste projecto deve realçar-se o expediente encontrado por Mnésicles para vencer os desníveis através de uma série de de-graus, colocando o chão dos dois pórticos a alturas diferentes. E assim os Propileus – combinando, como o Pártenon, o estilo dó-rico, utilizado no exterior, e o iónico, no interior – usaram colu-nas dóricas para o exterior dos pórticos oriental e oeste e colunas iónicas, mais altas, para o interior, para compensar o desnível do terreno. Segundo M. Robertson, A Shorter History of Greek Art (Cambridge, 1991) , as obras nos Propileus, o último edifício ate-niense do tempo de Péricles, foram interrompidas pela Guerra do Peloponeso, e nunca acabadas (p. 120). Em sua opinião, as colunas iónicas no interior resultam do facto de o recomeço das obras, durante a Paz de Nícias (421-418 a.C.), ter abandonado o dórico em favor do Iónico. O dórico estava conotado com o Pe-loponeso, e a referida Guerra travava-se entre uma coligação de cidades fundamentalmente dóricas e do Peloponeso, reunidas em volta de Esparta – a Simaquia do Peloponeso – e uma outra de póleis iónicas e unidas a Atenas na Simaquia de Delos1. Talvez as ordens tenham adquirido os seus nomes nesta altura, embora o dórico ainda tivesse sido usado em Atenas, por exemplo, na Stoa de Zeus, na Ágora. Os Propileus foram construídos em mármore do Pentélico, com pedra negra de Elêusis nalguns pontos. O tecto, em mármore branco e em caixotões, era famoso pela sua beleza já no tempo de Pausânias 1. 22. 4. Alguns mármores conservam-se.

1 Vide J. Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga. Sociedade e Política (Lisboa, Edições 70, 22004), pp. 129-149.

Vol. I - Arquitectura Grega

161

Jos de Waele, partindo do princípio de que havia diferentes medidas para os pés (30,2cm) — o que é confirmado pelo recente achado do relevo metrológico de Salamina, que mostra uma unidade de 30,1cm —, procura explicar melhor o planeamento arquitectónico dos Propileus e o seu con-troverso desenho e sublinha novas subtilezas1. Assim considera que todo o edifício se organiza em volta de proporções de múltiplos de sete. Aproximadamente da mesma época dos Propileus da Acrópole de Atenas é um templo que foi edificado nos remotos montes da Arcádia – o de Apolo Epicúrio. A cerca de 1000 metros acima do nível do mar, são ainda visíveis os vestígios desse templo de Apolo Salvador (Epikourios), que Pausânias (8.41.7-10) cita como o mais belo do Peloponeso e o mais valioso pelo requinte da pedra e a exactidão da construção (figura 157). O edifício, erigido depois da peste de 429 a. C., é um dos mais sin-gulares do mundo clássico. A originalidade da sua concepção deve-se à criatividade de um arquitecto de grande personalidade, Ictinos. Trata-se do genial projectista do Pártenon, a aceitar a referência de Pausânias (8.41.9)2. O edifício, orientado a norte, estava construído com material local, uma pedra compacta negra trabalhada com minuciosa precisão (figura 158). O már-more, dificilmente transportável para aquele local inacessível, foi utilizado com muita parcimónia no friso, nos capitéis e no telhado em caixotões. Um certo gosto pelo delineamento arcaico verifica-se no alon-gamento das proporções: o templo é hexástilo e períptero, com seis colunas nas partes anterior e posterior e quinze em cada lado (figu-ra 159). O arcaísmo desta construção contrastava com a acentuada estreiteza das colunas da ordem dórica, de acordo com as sugestões da arquitectura ática do período entre 450 e 425 a. C. A este também se deve o alargamento do pórtico na frente e nas traseiras, provavel-

1 The Propylaia of the Akropolis in Athens. The Project of Mnesikles (Am-sterdam, 1990). Recensão de Susan E. Alcott, CR 92,2 (1992) 472-473.

2 Vide comentário de M. Moggi e M. Osanna in M. Moggi, Pausania, Guida della Grécia. Libro VIII – L’ Arcádia (Milano, Fond. Lorenzo Valla, Mon-dadori, 2003), pp. 485-486.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

162

mente inspirado na solução adoptada no Hefestéion da Ágora de Atenas. O templo possuía um prónaos profundo, com opistódomo e cella ou naós independentes. Em cada uma das paredes do interior da cella sobressaem perpendicularmente uns pequenos muros, ao modo de pequenas naves laterais, que apresentam no seu extremo uma coluna iónica adossada. Apresentamos na imagem a base de uma delas (figura 160). Mas a novidade mais significativa deste es-paço, depois de algumas modificações, residiu na colocação de uma coluna independente coroada com um capitel coríntio, situada do lado oposto à entrada - primeira vez que é utilizada na arquitectura grega -, situada do lado oposto ao ingresso, como se pode ver nas reconstituições reproduzidas nas imagens (figuras 161 e 162). No século IV a. C., os principais templos dóricos eram o de Asclé-pios em Epidauro, dos começos do século, da autoria de Trasímedes (um hexástilo sem opistódomo, que tinha seis colunas nas fachadas e onze nos lados maiores) (figura 163); o de Atena Álea em Tégea que, atribuído a Escopas, era um dos mais famosos, onde os estilos dórico, iónico e coríntio apareciam combinados (figuras 164 e 165).

Figura 154Propileus da Acrópole de Atenas. Lado ocidental.

Vol. I - Arquitectura Grega

163

Figura 155Propileus da Acrópole de Atenas. Pórtico oriental.

Figura 156Propileus da Acrópole. Lado ocidental. Reconstituição colhida em G.

Dontas, L’Acropole et son Musée (1979), p. 23.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

164

Figura 157Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Figura 158Outra vista do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Vol. I - Arquitectura Grega

165

Figura 159Planta do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Figura 160Base de coluna do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Figura 161Reconstituição da cella do Templo

de Apolo Epicúrio, em Bassae, com a coluna coríntia ao fundo (in

A. W. Laurence, p. 209)

Figura 162Reconstituição do capitel

coríntio do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

166

Figura 163Planta do Templo de Asclépios, em Epidauro.

Figura 164Planta do Templo de Atena Álea, em

Tégea.

Figura 165Capitel coríntio do Templo de

Atena Álea, em Tégea.

Vol. I - Arquitectura Grega

167

Estilo iónico

O estilo iónico é de formação mais lenta do que o dórico: prin-cipia cerca de 600 e só c. 450 a. C. atinge a forma definitiva (2 ou 3 gerações mais tarde do que o dórico). O chamado eólico é antes um proto-iónico, e os exemplos até nós chegados são do último quartel do século VI a. C. e vêm da Ásia Menor e de Lesbos. Assim «a chamada coluna eólica, com um capitel de dupla espiral, é considerada por muitos uma forma antiga do iónico, e chamado proto-iónico»1. Reproduzem-se dois esquemas desse tipo de capitel, ambos encontrados na Ásia Menor: um prove-niente de Larissa, na Eólia, junto de Esmirna (figura 166); e o outro descoberto numa cidade da Tróade, Neândria (figura 167). Entre o século VI e meados do séc. V a.C., passa por um período de formação, durante o qual encontramos colunas (as mais antigas conhe-cidas) ainda de arestas vivas e capitéis de volutas muito desenvolvidas e salientes, como se vê no exemplar dos fins do séc. VII a.C., pertencente ao templo de Apolo em Naxos (figura 168). As arestas das caneluras nos fus-tes só começaram a ser cortadas e boleadas por volta de 500 a.C. Um dos primeiros edifícios que mostra o iónico já na sua ma-turidade é a stoa dos Atenienses em Delfos, construído em 478 a.C., que estava adossada ao muro da plataforma do Templo de Apolo. É um dos monumentos que já nos dá a subtileza e a elegância do iónico clássico. Destinava-se a abrigar os troféus das vitórias navais dos Ate-nienses contra os Persas. Na parede havia numerosas inscrições. No estilóbata pode ler-se: «Os Atenienses consagraram a stoa e também os calabres e os acrotérios tomados aos inimigos». São apresentadas

1 G. Richter, A Handbook of Greek Art (London, Phaidon, 31987, repr. 1994), p. 26.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

168

duas imagens, uma com o estado actual do Pórtico (figura 169) e ou-tra com uma reconstituição (figura 170). Antes, porém, procuremos seguir os primeiros passos do ió-nico. Nas ilhas e nas colónias da costa da Anatólia, o templo da época geométrica sofrerá um desenvolvimento análogo àquele documenta-do no continente grego, embora com frequentes características pró-prias, sobretudo no que diz respeito aos elementos decorativos. Comecemos por dois famosos santuários, o de Hera, em Samos, e o de Ártemis, em Éfeso, onde os templos se sucederam. Heráion ou Santuário de Hera: no local apareceram vestígios que vão do período neolítico e tempos micénicos até uma basílica que, em hon-ra da Virgem Maria, os Cristãos construíram ao lado do templo, no séc. V. Com a chegada dos Micénios, a deusa da fertilidade, aí ado-rada desde tempos neolíticos, é substituída por Hera, ou os novos colonos dão-lhe esse nome. Sítio já dedicado a uma divindade da Ter-ra e da fecundidade pelo menos desde o II milénio a.C., evoluiu no I milénio para o culto a Hera, inicialmente venerada sob a forma de uma tábua de madeira.

Figura 166Capitel de Larissa, na Eólia

(Ásia Menor).

Figura 167Capitel de Neândria, na Tróade (Ásia Menor).

Vol. I - Arquitectura Grega

169

Figura 168Capitel do Templo de Apolo, em Naxos (séc. VII a.C.).

Figura 169Pórtico dos Atenienses, em Delfos (478 a.C.).

Figura 170Reconstituição do Pórtico dos Atenienses.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

170

Aí os templos foram-se sucedendo. O processo começou no séc. X com um altar de pedra erigido ao lado da árvore sagrada. En-tre 800 e 750 a.C., é construída uma longa sala (6,5m X 32,86m) ou seja 20 por 100 pés, o célebre hekatômpedon – a que já nos referimos no capítulo relativo às origens – que, de início, tinha uma colunata axial e recebe forma períptera nos fins do séc. VIII a. C.: colunata de dezassete elementos nos lados longos, seis na fachada posterior e sete na da frente. Por volta de 650 a.C. este templo do séc. VIII é destruído e em substituição, nas suas fundações, é construído um novo (cf. ter-ceira planta da imagem 65). A cella foi encurtada, as colunas da fiada axial são desdobradas e adossadas às paredes (como ocorrerá depois no Heráion de Olímpia). Isto permite colocar duas e não três colunas entre os muros, e dotar a perístase com 17 x 6 colunas. Entre 570 e 550 a. C. também este segundo templo cai em ruínas e é substituído por um terceiro em estilo iónico, em pedra, dirigido por um arquitecto local, Roikos. Nas suas dimensões inusitadas (105 x 52,50 m), esse Heráion devia querer simbolizar a importância atingida pela cidade, no séc. VI a.C. Esse templo, devido a incêndio ou por outro motivo, desmoronou-se no tempo de Polícrates, que mandou construir um outro, entregando a direcção dos trabalhos a Teodoro, filho de Roikos (figura 171). Templo monumental que se situava 40 metros a oeste do anterior. Em determinadas listas aparece como uma das maravilhas do mundo antigo, pelo tamanho e beleza. A imensa cella, dividida em três pequenas naves de duas filas de colunas, foi circundada por um duplo circuito de colunas (figura 172), dando assim a impressão de uma floresta petrificada de pelo menos centro e quatro fustes, de metro e meio de diâmetro, sob os quais repousavam elegantes ca-pitéis com volutas, como se vê na reconstituição da fachada (figura 173). Os capitéis ornados com volutas, certamente de origem orien-tal, parecem já ter sido utilizados em vários edifícios menores pouco depois de 600, como por exemplo em Delos. Soluções paralelas, mas independentes, foram adoptadas na Eólia (Larissa, Neandros, Mitile-

Vol. I - Arquitectura Grega

171

ne); estes eram, no entanto, mais próximos de protótipos persas, com elementos verticais aproximados às pétalas de uma flor fechada (cf. figuras 167 e 167). Desse templo em honra de Hera de Samos, o maior ou dos maiores da época (52,5m x 105m), com dupla colunata que atingia 20m de altura, ainda persistem vestígios: bases e tambores das colu-nas (figura 174). Das 120 delicadas colunas estriadas, foi pelo menos reconstituído um dos fustes (figura 175). Muito procurado por peregrinos, o santuário encheu-se de ex-votos, datados sobretudo do séc. VIII ao VI a.C., tempos do seu apogeu, cuja maior parte se encontra no Museu Arqueológico em Va-thy. O santuário era amuralhado e tinha outros templos dedicados a outras divindades. Mas só o altar de Hera era sacrificial. Uma Via Sa-grada de 4 800 metros, pavimentada na época romana, ligava a antiga capital ao santuário. Tornado pedreira, utilizada desde a época bizantina e medie-val, hoje entre os muitos alicerces e ruínas, desse grandioso santuário resta de pé apenas uma coluna, a que significativamente é dado o simples nome de ‘Colonna’. E uma povoação – que ao lado das ruínas do santuário nasceu – recebeu e detém hoje o nome de Heráion, em homenagem a esse mesmo santuário dedicado à deusa do casamento que tinha o gosto de passear-se num carro puxado por pavões. O Artemísion de Éfeso é outro templo que surge nos inícios do iónico e acompanha toda a sua evolução até ao período romano. Sítio de uma povoação micénica, Éfeso foi uma das cidades fun-dadas pelas chamadas Migrações gregas e sua ocupação da zona costeira da Ásia Menor, formando as três regiões designadas, de norte para sul, de Eólia, Iónia e Dória – colonização que estava realizada já no séc. X a.C.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

172

Figura 171Ruínas do Heráion de Samos.

Figura 172Planta do Heráion de Samos (séc. VI a.C.).

Figura 173Reconstituição da fachada do Heráion de Samos. Imagem colhida

em Taschen, p. 105.

Vol. I - Arquitectura Grega

173

Figura 174Bases e tambores do Heráion de Samos.

Figura 175Heráion de Samos. Único fuste que resta, e reconstituído.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

174

O culto de Ártemis, deusa grega da pureza, dos animais sel-vagens e dos espaços exteriores, aí se deve ter misturado com o da deusa asiática Cibele, transformando-se na famosa Ártemis Efésia, a tão adorada deusa da fecundidade, representada com inúmeros seios e rodeada de leões e veados. O seu templo, o Artemísion, cresceu e aumentou a sua esfera de influência, a ponto de, com o andar dos anos, se ter tornado o factor mais importante do desenvolvimento da cidade: funcionou como banco, aceitava dádivas, emprestava di-nheiro do tesouro do templo. Os sondáveis — mas nem sempre bem perceptíveis — caminhos do cruzamento de povos, de interesses, de crenças. Como a deusa asiática Cibele tinha a forma de xóanon, ou seja era esculpida ou gravada sobre madeira, a mais antiga está-tua da Ártemis de Éfeso devia ser também, possivelmente, de tipo xoânico, traçada sobre madeira sem grande pormenor. Depois a representação iconográfica da Ártemis Efésia acompanhou a evo-lução da escultura grega. E a análise atenta das muitas estátuas que a representam – sitas no Museu de Éfeso ou em outros – dá-nos a prova de que a fusão Cibele-Ártemis obteve morada defini-tiva na Ásia Menor (figura 176). As pernas não têm movimento, como se estivessem unidas, ou melhor, fundidas. Por outro lado, se os muitos nódulos que apresenta no peito já foram por vezes considerados seios, não deixa de ser surpreendente a semelhança que aparentam com os testículos de touro, dos touros que lhe são sacrificados – interpretação que também já tem sido avançada e que a liga à fertilidade da Grande Mãe, já que produzem sémen. Os leões, touros e esfinges que pendem das suas vestes indicam-na como protectora dos animais. Por outro lado, os leões, que encon-tramos nos relevos de um e outro lado da deusa Cibele, são nestas estátuas representados nos braços ou nas mangas (figura 177). A hierarquia dos sacerdotes no templo era diferente da usada nas outras cidades gregas. Variavam mesmo os termos usados para os

Vol. I - Arquitectura Grega

175

designar. O templo era administrado por poucos sacerdotes, de que era feita a ablação dos órgãos masculinos. Recrutados esses sacerdo-tes no interior da Anatólia, especialmente na parte oriental, segundo Estrabão, o seu chefe chamava-se Megabysos – escolha e função que significavam assumir cargo de grande honra. Quem assistia ao Mega-bysos eram virgens semelhantes às Vestais em Roma. Consideram alguns estudiosos que o culto da Ártemis Efésica, o seu templo e a hierarquia religiosa eram modelados à imagem da estrutura social das abelhas – abelha que era um símbolo de Éfeso, com presença frequente em moedas e estátuas. Também os Curetas serviam Ártemis Efésia como sacerdotes, de início seis e depois aumentados para nove. Essa casta sacerdotal, primeiro, apenas actuava no Artemísion, mas mais tarde passaram também a ter à sua guarda o fogo sagrado de Héstia, no Pritaneu. Reti-ram o nome de figuras míticas, semi-divinas, relacionadas com Zeus1

Havia outra espécie de sacerdotes, em número de vinte, que, segundo parece, dançavam e saltavam durante as cerimónias – eram, portanto os Corybantes “acrobatas”. E os Coribantes esta-vam relacionados com Cibele – e essa é mais uma prova do sincre-tismo das duas divindades. Sacerdotes, sacerdotisas, guardas do templo chegaram a atin-gir o número de centenas. O Artemísion gozava de certos privilégios. Por exemplo, quem procurasse refúgio no santuário usufruía de imunidade (di-reito de asilo). Por essa razão, muitas pessoas procuraram refu-giar-se na área sagrada que o rodeava. Essa área de protecção foi-se ampliando com Alexandre Magno e no tempo de Mitridates, até

1 Quando Zeus, retirado à fúria devoradora de Cronos, foi levado por sua mãe Reia (confundida a cada passo com Cibele), os Curetas cuida-ram dele no monte Ida e com o barulho dos seus escudos evitavam que o pai ouvisse o seu choro. Barulho teriam feito também enquanto Latona dava à luz Ártemis e Apolo.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

176

atingir a extensão que um dardo arremessado do pedimento do templo abrangesse. Marco António duplicou essa área, engloban-do nela uma parte da cidade. Não são raras as críticas dos cidadãos de que dessa forma muitos criminosos aí se acolhiam. Pediam por isso que o direito de asilo fosse abolido. Mesmo assim, embora o Imperador Tibério, em 22 A.D., depois de discutir o assunto com os seus representantes, tivesse retirado tal direito a outros famo-sos locais que também o possuíam, o Artemísion continuou com a prerrogativa de servir de refúgio a quem nele se acolhesse. As escavações arqueológicas detectaram quatro constru-ções sucessivas, com inícios no séc. VII a.C., como o revelam os achados arqueológicos dessa época: cerâmica geométrica, objectos em ouro e marfim.

Figura 176Ártemis Efésia. Museu de Éfeso.

Figura 177Ártemis Efésia. Pormenor.

Vol. I - Arquitectura Grega

177

Assim o primeiro e mais antigo templo em Éfeso, que dataria talvez do séc. VII a. C., deve ter sido destruído pelos Cimérios, durante o seu ataque a Éfeso, e reconstruído depois por duas vezes entre os reinados de Giges e de Creso e por uma terceira em meados do século VI, mas as obras parece não terem ainda terminado por volta de 430 a.C. É deste último, edifício grandioso, de que fala Heródoto (1. 26.2, 92.1; 2. 148. 2). Trata-se do chamado Templo de Creso – nome que lhe advém do facto de este monarca lídio ter ajudado na sua cons-trução em meados do séc. VI, antes de ter sido derrotado por Ciro da Pérsia, em 546 a. C. No primeiro quartel do séc. VI a.C., os arquitectos Rhoikos e Teodoro erigiram em Samos – ilha que se situa mesmo defronte da cidade de Éfeso – um grandioso templo em honra da sua deusa protectora, Hera. Esse Heráion, em estilo iónico, ganhou muita popularidade e incitou os Efésios a empreenderem a construção de um templo a Ártemis que superasse em magnificência o da cidade rival. Entregaram essa tarefa aos arquitectos Quérsifron (Chersiphron) e seu fi-lho Metágenes, naturais de Cnossos, Creta. Mas, ao que parece, porque o local escolhido era pan-tanoso como o de Samos, foi também convidado Teodoro, um arquitecto de grande sabedoria e engenho que trabalhara no santuário rival, o Heráion de Samos. Conceberam um templo díptero – aliás o Artemísion e o Heráion de Samos parecem ter sido os primeiros a serem cerca-dos por um períptero duplo –, cuja edificação não durou menos de 120 anos. Como foi totalmente destruído por um incêndio e as ruínas arrasadas para nova construção, apenas parcialmen-te se podem refazer os planos e dimensões. Damos a reconsti-

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

178

tuição recolhida em D.S. Robertson (figura 178)1. De qualquer modo, como os construtores posteriores utilizaram blocos seus nos alicerces do novo templo, muitos dos detalhes do edifício de Creso foram preservados. Parece que a plataforma do estilóbata se elevava dois de-graus, em vez dos usuais três do dórico. O templo, com base apenas no perímetro do estilóbata, devia medir, possivelmente, 55,1m de largura e 109,2m de comprimento. Todavia, como pa-rece ter possuído um áditon, na parte de trás, teria uma maior extensão. Media 125m por 60m. As paredes eram de calcário local, embora recobertas a mármore. Ao contrário do que é tradição nos templos gregos, não es-tava orientado para o nascer do sol, ou seja não tinha a fachada principal voltada para oriente, mas para oeste, talvez seguindo uma prática anterior da Ásia Menor2. Na frente do templo havia duas fiadas de 8 colunas. Assim a colunata exterior teria 8 colunas de frente, talvez 9 na fachada traseira e, embora o seu número seja incerto, possivelmente 21 nos lados. As colunas eram de mármo-re. Possivelmente havia mais dois renques de colunas no interior, quer no prónaos, quer no naós ou cela, que talvez formasse um átrio aberto em volta de outro templo primitivo mais antigo3. O seu to-tal devia ultrapassar a centena (tal como em Samos). A entrada no templo fazia-se por um pórtico com considerável número do colu-nas, de base ornamentada com relevos, que devia causar profunda impressão no visitante (figura 179). A altura total dessas colunas do Artemísion, segundo Vitrúvio (3.3.12), deveria ser oito vezes o diâmetro mais baixo do fuste, exceptuada a base que era acrescentada e tinha altura

1 Cf. D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture, gravura 39.

2 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 91.3 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 92.

Vol. I - Arquitectura Grega

179

equivalente a metade do diâmetro do fuste. Este apresentava caneluras em estilo dórico em número de quarenta e quatro a quarenta e oito. Os capitéis eram refinados, longos, com cer-tos pormenores pouco elaborados e as volutas a projectarem-se como simples nervuras (figura 180) e decoradas com rosetas, em lugar das habituais espirais – pelo menos algumas delas (cf. figura 181)1. Em consequência do volume e alcance dessas vo-lutas, o ábaco, muito baixo, é mais longo do que largo, na pro-porção de dois para um, e tanto ele como o equino continham vários padrões de ornamentação (figura 182). Parece ter havido um espaçamento graduado das colunas na fachada principal, de modo a realçar a entrada no templo: assim as duas colunas centrais, de eixo a eixo, distavam 8,62m uma da outra; o par seguinte cerca de 7,4m e os dois pares das extremidades 6, 12m. O diâmetro das colunas do par central excedia o 1,72m, mas parece ter-se reduzido, lateralmente, por esta sequência: 12,5cm, 15cm e 2,5cm. Assim os espaços dos in-tercolúnios eram diferentes: aos 5,5m do central seguia-se para cada lado a sucessão de 4,41m e 4,5m. As colunas, inteiramente de mármore, tinham bases que assentavam em plintos quadrados altos, pelo menos algumas delas, e que eram constituídas por toro e espira, mais ou menos elaborados, por vezes com caneluras horizontais feitas ao torno, tanto um como a outra. Em algumas colunas, em especial as do prónaos, o tambor inferior do fuste tinha entalhe em relevo, de que W. B. Dinisdmoor e D.S.Robertson nos dão reconstituições (cf. figuras 180, 183 e 184).

1 Esquemas e reconstituições das bases e capitéis da imagen 151 fo-ram colhidos em W. B. Dinisdmoor, The Architecture of Ancient Greece (New York, 1975) fig. 48 (p. 129); os das imagens 152 e 154 são de D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture, gravura 39.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

180

Figura 178Planta do Artemísion de Éfeso (séc. VI a.C.).

Figura 179Reconstituição das colunas do prónaos do Artemísion de Éfeso.

Vol. I - Arquitectura Grega

181

Figura 180Esquema de capitel e base do Artemísion de Éfeso (séc. VI a.C.).

Figura 181Reconstituição de capitel do Artemísion (séc. VI a.C.).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

182

Figura 182Capitel de coluna do Artemísion de Éfeso (séc. VI a.C.).

Figura 183Base com relevos do Artemísion. Restaurada no British Museum.

Figura 184Base esculpida de coluna do Artemísion. British Museum.

Vol. I - Arquitectura Grega

183

Havia friso? Parece que o templo possuía antefixos com palmetas em cerâmica. Entre a arquitrave e a cornija pa-rece ter havido uma moldura com o padrão ‘óvalo-e-seta’ e uma calha parapeito com uma procissão em baixo-relevo. O telhado do templo era de telha de mármore nos rebordos; no resto estava coberto de telha de terracota. Primeira grande estrutura a ser completamente constru-ída em mármore e o maior edifício do mundo grego antigo, o Templo de Ártemis era quatro vezes maior do que o Pártenon. As centenas de milhar de peregrinos que anualmente acorriam ao santuário aumentaram de tal modo a sua importância e ri-queza que o primeiro banco do mundo parece ter surgido aí. A partir do séc. IV a. C., o Artemísion converteu-se no maior banco da Ásia e a cidade num centro de empresas económicas com consideráveis propriedades rurais. Esse grandioso templo do séc. VI foi destruído no séc. IV a. C. Depois de destruição parcial por incêndio em 395 a.C. (cf. Aristóteles, Meteor. 3, 371a30), sofreu ruína completa devido mais uma vez a incêndio, mas agora provocado por Heróstrato (356 a. C.), um pirómano louco que dessa forma buscava noto-riedade. O fim do Templo de Creso em 356 a. C. é lembrado na última estância do Canto II de Os Lusíadas (2. 113):

Queimou o sagrado templo de Diana, Do sutil Tesifónio fabricado, Horóstrato, por ser da gente humana Conhecido no mundo, e nomeado. No mesmo dia em que se verificou o incêndio, diz a tra-dição que nasceu Alexandre Magno. Teria sido por isso, diz a lenda, que o pirómano conseguiu levar a cabo os seus nefastos intentos: Ártemis, ausente, a prestar assistência e a vigiar o nas-

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

184

cimento da criança, não protegeu o seu templo. Rapidamente os Efésios empreenderam a reconstrução, no mesmo local, de novo templo iónico que se estende ao lon-go da segunda metade do século IV e entra na primeira do III a.C.: refere Plínio que teria demorado 120 anos a ser concluído – tempo que talvez se aplique melhor ao templo de Creso1. E as-sim, sobre os alicerces do anterior e parte da superestrutura, se ergueu aos poucos outro templo grandioso, totalmente em már-more, que durou até ao final do paganismo e foi considerado a Sétima Maravilha do Mundo, cuja reconstituição, com soluções diversas, tem sido tentada, como a de Henderson (figura 185)2, ou a de T. Spawforth (figura 186). Os arquitectos originais desse templo parecem ter sido Paiónios de Éfeso e um escravo desse local sagrado, o chama-do Demétrio, embora haja a possibilidade de acréscimo pos-terior de que se encarregou Dinócrates. Subsiste, contudo, alguma dúvida sobre o nome do arquitecto desse magnifi-cente templo helenístico. Apesar de Estrabão atribuir os seus planos a Quirócrates, desconhecido das outras fontes, deve tratar-se de confusão com Dinócrates que era o arquitecto oficial de Alexandre Magno. Nele teriam trabalhado também os escultores Escopas e Praxíteles – talvez, nas colunas e rele-vos, o primeiro e, no altar, o segundo. Na sua construção, foram aproveitados os alicerces e os materiais e ruínas do edifício anterior, o que obrigou à elevação da plataforma (figura 187). Assim, passou a ter mais do que os dois degraus do templo arcaico e um plano sensivelmente igual ao do anterior, apenas com o acrescento de um opistó-

1 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 148.2 Reconstituições, respectivamente, Henderson e de T. Spawforth,

The Complete Greek Temples (Londres, Thames & Hudson, 2006), p. 35

Vol. I - Arquitectura Grega

185

domo e de uma terceira fiada de colunas na parte da frente, embora seja possível que essas inovações fossem já acrescento da restauração subsequente ao incêndio de 395 a.C. Além das dimensões, o projecto do séc. IV a.C. mantém também a pe-culiaridade de as colunas com relevos no prónaos, além de es-culpidas em relevo nas bases cilíndricas, estarem também pos-tadas sobre pedestais quadrados – duas formas talvez usadas em locais diferentes do prónaos ou do templo e não juntas na mesma coluna. Esses relevos representam cenas várias relacio-nadas com a deusa Ártemis: por exemplo, a que parece apre-sentar as figuras de Calcas, Clitemnestra, Hermes Psicopompo, Thánatos e Ifigénia (figura 188) e talvez aluda ao sacrifício da filha de Agamémnon, para que a armada dos Aqueus pudes-se partir para Tróia1. Plínio (NH. 36.95), referindo-se talvez ao edifício do séc. IV a.C., fala em 36 colunas de bases esculpidas e informa que a sua altura era de 60 pés – ou seja, de 17,65m. O frontão – e parece ser novidade do último templo – apresentava três aberturas no tímpano. Possivelmente um ex-pediente para reduzir o peso da pedra do grande vão central. É pouco provável que nessas aberturas, ou na sua frente, houves-se esculturas, como indicam algumas reconstituições2.Considerado uma das sete maravilhas do mundo no período he-lenístico, o Artemísion estava colocado numa plataforma a que se acedia por uma escadaria de treze degraus. Era um templo períbolo, constituído por uma dupla fiada de colunas — cento e vinte e sete, ao todo — que enquadravam um peristilo e um espaço interior de 105X55m. Impressionado com a sua beleza e magnificência quando por ali passou a caminho da Pérsia, Alexandre Magno manifes-

1 Vide A. Stewart, Greek Sculpture (London, Yale Univ. Press, 1990), Volume I, p. 198; e volume II, fig 595-596.

2 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 148

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

186

tou o desejo de tomar a seu cargo e de financiar a prossecução dos trabalhos e seus custos (334 a.C.), com a condição de nele po-der gravar o seu nome. Segundo Cúrcio Rufo, numa biografia de Alexandre, não teria agradado aos Efésios tal intenção e preferi-ram renunciar à sua oferta, mas para evitar afrontar o imperador com uma recusa, com recurso à adulação, alegaram que um deus não podia erigir um templo ou dedicar oferendas a outro deus (cf. Estrabão 14. 1. 22). Então Alexandre estipula que os impostos que os Efésios tinham pago até aí aos Persas fossem devolvidos para financiar a construção do novo templo. Colocado sobre uma plataforma ou estrado, a que se ace-dia por uma escadaria de 13 degraus, circundava a cella uma dupla fiada de colunas (de quase 18m de altura). Este amplo conjunto media 105 x 55m (ou 155?). Algumas das colunas, as do pronaos, apresentavam as bases esculpidas com baixos-relevos, que Plínio atribui a Escopas, pelo menos uma delas, mas deve ser erro de transcrição dos códices. Nas figuras existem com certeza elementos de Escopas, mas aparecem contaminados por traços e reelaborações de outras obras clássicas de autores como Policleto e Lisipo – etilo eclético e linguagem compósita de que é exemplo o relevo conservado no British Museum. O templo manteve as características do anterior, inclusi-ve a disparidade do número de colunas nas duas fachadas: oito na ocidental e nove na oriental. Manteve também o pormenor das colunas esculpidas na parte inferior (16 ou 36 ao todo, dis-tribuídas pelas duas primeiras filas da fachada principal).Este terceiro templo duplicava o plano do anterior, até nos re-levos das colunas, e era o maior de todos os templos gregos. Infelizmente nunca foi completado.

Vol. I - Arquitectura Grega

187

Figura 185Artemísion de Éfeso. Reconstituição de Henderson.

Figura 186Artemísion de Éfeso. Reconstituição colhida em T. Spawforth, The

Complete Greek Temples (London, 2006), p. 35.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

188

Figura 187Planta do Artemísion de Éfeso (séc. IV a.C.).

Figura 188Base do Artemísion de Éfeso (séc. IV a.C.), esculpida em relevo.

Representa possivelmente Thánatos, Ifigénia e Hermes Psicopompo. British Museum

Vol. I - Arquitectura Grega

189

Segundo Plínio, tinha 127 colunas, das quais 36 adorna-das com relevos (columnae caelatae). Alguns capitéis encontram-se em Viena. Considera D. S. Robertson que «os escassos restos deste edifício (a maioria deles agora no British Museum) são inultrapassáveis pela força e grandeza»1. No tempo de Vitrúvio (3.2.7) e de Plínio, História Natural 36.95 — que o não distin-guem do da altura de Creso —, era um templo períptero iónico de 155 X 55 metros, rodeado de cento e vinte e sete colunas2. Antípatro de Sídon (Antologia Palatina 9.58) considerava o Artemísion a mais bela de todas as maravilhas do Mundo Anti-go, já que, depois de nomear os Jardins Suspensos, as Pirâmides, a Estátua de Zeus, o Colosso de Rodes e o Mausoléu, observa que contemplar a mansão de Ártemis que sobe até às nuvens tudo su-planta (Antologia Palatina 9. 58). Por seu lado, Pausânias, um viajan-te da antiga Grécia, atento, sensível e bem informado, refere que o templo suplanta todos os outros pelas suas dimensões e riquezas (7.5.4) e alude à fama da deusa e do santuário, atribuindo-a à ce-lebridade das Amazonas, que teriam erigido a estátua, à antigui-dade do santuário e à «grandeza do templo que supera todas as criações da mente humana» 4. 31.8). Por isso os Efésios sentiam certa relutância em deslocarem-se para mais perto da costa. Lord Byron, nos seus versos, dá notícia do abandono a que o templo fora votado no seu tempo:

Contemplei o milagre efésio; suas colunas cobrem o deserto a hiena e o chacal habitam suas sombras.

1 A handbook of Greek and Roman Architecture, p. 147.2 Sobre este santuário vide W. B. Dinsmoor, The architecture of ancient

Greece (New York, 1975), pp. 38, 40, 127-135 e 222-225; A. Bammer, Das Heilig-tum der Artemis von Ephesus (Graz, 1984).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

190

O santuário tinha, como qualquer outro, junto ao templo, um altar e estava ornamentado com grande quantidade de obras de escultura e pintura: imagens da deusa, a Ártemis Efésia, conheci-da por moedas dos sécs. II-I a.C. e por muitas estátuas das épocas helenística e romana, cujos adornos peitorais que ostenta – signi-ficativo número de nódulos – têm sido interpretados, ora como seios, ora (explicação que tem sido atestada, mas que nos parece muito duvidosa) como representação de testículos de touro. Fa-mosa pintura de Apeles que representava Alexandre na figura de Zeus a lançar o raio – pintura em que Lisipo se teria inspirado para modelar a escultura de Alexandre armado com a lança. Ornamentado com esculturas de Praxíteles, segundo Estra-bão, esse altar – que tinha sido procurado, sem êxito, nos finais do séc. XIX (O. Benndorf) e de 1904 (D.G. Hogarth) – foram encontrados os alicerces e outras ruínas desse grande altar, durante as escavações do Instituto Arqueológico Austríaco em 1965. E foi possível confirmar que a esse altar pertencia um relevo com representação de Amazonas que tinha sido descoberto, em 1900, perto do teatro, como material reutilizado. Este achado concorda com a tradição lendária transmiti-da por Pausânias e por Calímaco, de que precisamente as Amazonas teriam sido as fundadoras do templo de Éfeso. Era um altar monumental, com decoração e ornamentação escultórica – a julgar pela reconstituição de A. Bammer –, seme-lhante aos de Magnésia do Meandro e do Grande Altar de Zeus em Pérgamo. Os sacrifícios eram realizados numa plataforma ele-vada, a que se acedia por ampla escadaria frontal e que era rode-ada, nos outros três lados, por colunatas de estilo iónico. O altar seria profusamente decorado com relevos e escultura de vulto. Entre os ossos encontrados, as escavações revelaram, e de forma surpreendente, também ossos humanos. Será que tem algo a ver com o testemunho de Hipónax que, numa descrição da “festa da primeira colheita”, celebrada em Éfeso, se refere a

Vol. I - Arquitectura Grega

191

um homem que foi passeado pela cidade como bode expiatório e que depois foi lapidado e queimado? Desse edifício, hoje apenas algumas ruínas restam des-sa magnificente estrutura. O templo foi saqueado e destruído pelos Godos no século III (263 A.D.). Reconstruído de novo, foi-se depois arruinando aos poucos e tornou-se pedreira utilizada para a construção da bela Basílica de S. João Evangelista, que se erguia na colina sobranceira. Muitos dos seus elementos fo-ram levados pelos Bizantinos para Constantinopla e ainda hoje embelezam a harmónica basílica de Hagia Sophia em Istambul, sobretudo algumas das suas colunas originais. Do Artemísion do período helenístico subsiste hoje, no local, apenas a solidão persistente de uma coluna (figura 159). As numerosas obras de arte que decoravam o edifício dispersam-se, pelo museu local, pelo de Londres e pelo de Viena. O Templo nos tempos mais antigos situava-se junto ao mar. Hoje as suas ruínas encontram-se a 6km de distância, entre Selçuk e Kusadashi.

Figura 189Artemísion. Única coluna que resta no local, e fruto de anastilose.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

192

O iónico na Acrópole de Atenas

Apesar de o Artemísion de Éfeso ter sido considerado uma das sete maravilhas da Antiguidade, não podemos deixar de realçar e dar destaque, entre os edifícios iónicos, a dois edifícios da Acró-pole ateniense: o pequeno templo de Atena Nike (5,39 x 8,16m), da autoria de Calícrates, uma pequena obra prima de proporção e beleza (figura 190); e o Erectéion (figura 191), com uma estrutura complexa que não apresenta a harmonia habitual de conjunto, mas é o mais requintado dos monumentos helénicos1. O templo de Atena Nike, a deusa sempre vitoriosa que protegia a cidade de Atenas, encontra-se num esporão artifi-cial que ultrapassa os Propileus, para ocidente da Acrópole, e é guarda avançada do último troço da Via das Panateneias. Na sua plataforma elevada, olha superiormente, à direita, para quem se dirige aos Propileus para entrar na Acrópole (figura 192). Pequeno e harmonioso tetrástilo da autoria de Calícrates (427-424 a.C.), surpreende-nos pela sua delicadeza (figura 193). E, ao olhá-lo naquele esporão desguarnecido, temos a sensação de fragilidade. O templo estava erigido sobre uma plataforma de três degraus (recortados em baixo, como é próprio do ióni-co) e acedia-se ao naós, quase quadrado (figura 194), por um portal que se rasgava entre dois pilares monolíticos – damos do prónaos a reconstituição de uma secção e do tecto (figura 195)2. Em cada canto exterior do naós era também ornamentado e re-

1 Sobre estes dois templos vide infra pp. 215-216 e 218-219, respectivamente.

2 Reconstituição de A.W. Lawrence, Greek Architecture (1983), p. 212, fig. 183.

Vol. I - Arquitectura Grega

193

forçado por uma anta. Em cada fachada, as quatro delicadas colunas que suportam o entablamento têm fustes monolíticos de 3,96m de altura – 7,82 vezes o diâmetro da parte inferior, o que dá uma proporção pesada para o iónico1 – e sofreram o des-gaste do tempo, a que estão expostas no esporão (figura 196). O entablamento contém uma arquitrave ornamentada e entalhada em três facetas; um friso iónico esculpido (figura 197), a rodear o templo, cujo assunto é guerreiro em três dos seus lados, em-bora se discuta a que acontecimentos específicos diz respeito. Andrew Stewart, no volume I de Greek Sculpture, fala da no-ção de vitória e da sua personificação, simbolizada no Templo de Atena Nike; no volume II, no esquema da figura 414 e nas legendas das 413 e 415-418, identifica a cena do lado oriental com uma assembleia dos deuses; a do ocidental com lutas entre Gregos e Gregos; as esculturas do sul, considera-as relativas ao confronto entre Gregos e Persas na Batalha de Maratona, embo-ra sob interrogação (figura 198). Também N. Spivey admite que o lado sul representa conflito entre Gregos e Orientais (talvez Maratona) e a oriental assembleia dos deuses; mas considera a hipótese de os relevos de ocidente e de norte mostrarem lutas entre Gregos, quer se trate do confronto de Atenienses com Mé-gara (458 a.C.), quer da Guerra do Peloponeso . Além da cornija, do friso e da arquitrave, entalhada em três facetas, parece ter havido esculturas nos frontões – pelo menos há fixações para figuras – e sabe-se da existência de acrotérios. Quem olha o ân-gulo nordeste do Templo de Atena Nike pode observar como os arquitectos tentaram solucionar a posição dos capitéis dos cantos (cf. figura 197).

1 A. W. Lawrence, p. 118 presume que o motivo possa estar na ten-tativa de evitar que o contraste com os Propileus fosse muito pronunciado, já que aí as colunas dóricas visíveis apresentam apenas uma altura de cera de cinco vezes e meia o diâmetro inferior do fuste.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

194

Em volta do parapeito do esporão do Templo de Atena Nike corria, na parte externa, um friso com relevos de Atena e de Vitórias (Nikai), de grande beleza e perfeição formal. Realce para a chamada ‘Nike a desatar a sandália’ que se encontra no uséu da Acrópole (figura 199).

Figura 190Templo de Atena Nike. Acrópole de Atenas (427-424 a.C.).

Vol. I - Arquitectura Grega

195

Figura 191Erectéion, na Acrópole de Atenas

(421-406 a.C.).

Figura 192Templo de Atena Nike, em seu es-

porão, e Propileus.

Figura 193Templo de Atena Nike. Capitéis e

friso iónico.

Figura 194Planta do Templo de Atena

Nike.

Figura 195Templo de Atena Nike. Secção e tecto do prónaos.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

196

Figura 196Colunas e entabla-

mento do Templo de Atena Nike. Desgaste do tempo nas colunas.

Figura 197Templo de Atena Nike. Canto sudeste.

Figura 198Friso do Templo de Atena Nike. Lado sul, que talvez represente a

Batalha de Maratona. British Museum.

Vol. I - Arquitectura Grega

197

Figura 199“Nike a desatar a sandália” (420-400 a.C.). Museu da Acrópole.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

198

O Erectéion teve uma construção prolongada – entre 421 e 406 a. C. Interrompidos talvez devido às incidências da Guerra do Peloponeso, os trabalhos firam recomeçados em 409 a.C. e conclu-ídos três anos depois. Foi o último a ser edificado na Acrópole (fi-gura 200). Alguns autores mantêm que a autoria do Erectéion per-tence a Mnésicles, mas muitos duvidam, entre os quais famosos es-pecialistas, como David Robertson diz que diz ser difícil acreditar nessa paternidade; Lawrence todavia aceita-a1. Muitos outros nem sequer discutem a questão. Perfilhamos a opinião de lawrence. Curioso será notar que hoje se conhecem as contas da parte fi-nal (depois de 409 a. C.), através das quais se vê que nele trabalhavam livres, metecos e escravos, a ganharem o mesmo (1 dracma por dia), num total de cerca de 130. E do número não se exclui o arquitecto. O Erectéion tem muitas singularidades que passamos a especificar. a) Apresenta planta irregular com níveis diferentes e com três salas. Dessas três divisões, a oriental talvez seja a cella de Athena Pólias; a central era subdividida em duas partes; não havia comunicação entre as salas. b) Tinha três pórticos: o oriental possuía seis colunas iónicas. A norte, o pórtico era uma espécie de baldaquino te-trástilo avançado com colunas muito altas e uma grande por-ta de entrada; o pórtico apresentava a estranha característica de ultrapassar, em cerca de 2.7m, a parede ocidental do tem-plo e ter nesse espaço uma pequena porta que dava para o Pandrósion. A sul, um outro chamado das Cariátides, por ter

1 D. S. Robertson, Greek and Roman Architecture (Cambridge, 21943), p. 135, escreve que ‹‹alguns arqueologistas sustentam que Mnésicles foi o primeiro arquitecto do Erectéion, mas tal é difícil de acreditar››. A. W. La-wrence, Greek Architecture, revised with additions by R.A. Tomlinson (Lon-don, 1983), p. 221, depois de anotar a estrutura incomum do Erectéion, refere que o facto de o templo ser dedicado a outras divindades, alem de Atena, talvez possa explicar as anomalias do projecto adoptadas pelo arquitecto, que seria provavelmente Mnésicles.

Vol. I - Arquitectura Grega

199

donzelas ou kórai, a substituir as colunas; do lado ocidental, como o nível era mais baixo, teve o tratamento raro de colu-nas em parte acostadas. Havia janelas a nascente e poente. c) Possuía portas em três lados que abriam para os três pórticos (o do lado sul sem acesso externo). O arquitecto J. Travlos, apresenta a reconstituição da planta do Erectéion e do Pandrósion com sugestões novas para a distribuição das salas e a arrumação interior (figura 201): o interior tinha três divisões, graças a duas paredes, no sentido norte/sul, uma mais a oriente e outra nos fundos; uma outra parede, mais ou menos a meio, subdividia o espaço central em dois compartimentos, como se pode ver na reconstituição dos lados oriental e ocidental. Na reconstituição desenhada por G. Stevens do lado oriental (figura 202), nota-se a delicadeza das seis colunas da fachada e a diferença de níveis, em que o templo assenta, indicando-se o desnível do lado norte com linha trace-jada. Na do lado ocidental (figura 203), nota-se, ao lado esquer-do, o pórtico norte e, à direita, o pórtico sul ou das Cariátides, além da diferença de níveis, em que o templo assenta. Esta planta pouco comum em templos tem suscitado al-gumas teorias para a explicar: segundo D.S. Robertson, a com-plexidade da planta derivaria das tradições religiosas do local e da necessidade de unir diversos santuários antigos, num terreno muito desnivelado (pp. 131-132). Para Dörpfeld, a obra teria fi-cado incompleta por falta de recursos ou por superstição e pos-sivelmente o Pórtico das Cariátides tivesse ficado incompleto. Lawrence, por seu lado, considera que houve necessidade de contrabalançar o Pártenon e de atender aos lugares sagrados an-teriormente existentes no local onde foi erigido1.O arquitecto J. Travlos, a propósito da reconstituição da planta por si executada,

1 Arquitectura Grega, pp. 120-123.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

200

é de opinião que o templo seria aberto para os quatro lados e, possivelmente, tem esta forma, porque procurou combinar luga-res de cultos diversos, relacionados com rituais de Atena. Estrei-tamente ligado às origens da cidade e dos Atenienses, procura-ria assim albergar locais de culto em honra de Atena, Poséidon e Erecteu. Pensa-se que a sala do lado oriental era o naós de Atena Pólias e que a central, como vimos dividida no sentido longitu-dinal, estava consagrada a Poséidon/Erecteu. Alguns vestígios aí encontrados têm sido interpretados como o poço de água do mar de Poséidon, de que fala Pausânias (1. 26. 5). O Erectéion apresentava dimensões modestas, compara-do com o Pártenon e outros templos iónicos, como o Artemísion de Éfeso e o Heráion de Samos. Por exemplo, tem menos de me-tade do tamanho do Pártenon. Mas, vistos de perto, os pórticos apresentam grande equilíbrio, harmonia e proporção.

Figura 200Erectéion (421-406 a.C.), na Acrópole. Lado ocidental.

Vol. I - Arquitectura Grega

201

Figura 202Lado oriental do Erectéion. Recon-

stituição de G. Stevens.

Figura 203Lado ocidental do Erectéion. Recon-

stituição de G. Stevens.

Figura 201Planta do Erectéion (de J.

Travlos).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

202

A fachada ocidental do Erectéion tem colunas adossadas e janelas (figura 204). Da autoria de Mnésicles, esta composição assimétrica do Erectéion contrasta com a sobriedade dórica. O edi-fício apresenta um espírito novo e a sua forma escapa à lógica. Este lado ocidental permite ver os níveis diferentes em que se encontra construído (figura 205). A fachada oriental, que era a frente do templo, com suas seis elegantes colunas – fustes a assentar em finas bases com mol-dura e a terminarem em capitéis de suaves volutas –, apresenta o aspecto de um hexástilo e mostra o estilo iónico na sua pureza e delicadeza e contrasta fortemente com o lado ocidental (figura 206). Por trás dessa fiada de colunas, abria-se uma porta alta en-tre duas janelas (figura 207). Pórtico norte: espécie de baldaquino tetrástilo avançado (figura 208). É o maior dos pórticos do templo: projecta para norte dois intercolúnios e tem considerável elevação, a ponto de o seu telhado estar ao nível do do bloco central. O lado sul distingue-se pelo Pórtico ou stoa das Cariátides que está fora do eixo desse lado e aparece saliente do muro, sem ornamentação (figura 209). O pórtico tem menos de metade da altura do Pórtico Norte, mas, construído num terraço com pa-rapeito, o seu telhado dispõe-se praticamente à altura dos capi-téis do setentrional; o parapeito interrompe-se no lado oriental para dar lugar à porta. A substituir as colunas tem estátuas de mulheres jovens de elegantes – as Cariátides: seis korai que são atribuídas à oficina do escultor Alcâmenes (figura 210). Versão iónica do tetrástilo humanizado, essas jovens, que vestem peplos pesados, parecem sustentar sem esforço a cobertura em forma de baldaquino; e as pregas dos peplos, que caem pesadamente, assemelham-se às nervuras das fronteiras colunas do Pártenon. Do pórtico descia uma escadaria para uma antecâmara que fica-va a oeste e parece ter sido o local do túmulo de Cécrops.

Vol. I - Arquitectura Grega

203

Figura 204Lado ocidental do Erectéion. Colunas

adossadas e janelas.

Figura 206Lado oriental do

Erectéion.

Figura 205Lado ocidental do Erectéion. Desnivelamento dos Pórticos.

Figura 207Erectéion. Lados oriental e sul.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

204

Figura 208Erectéion. Pórtico norte.

Figura 210Pormenor das Cariátides do Pórtico

Sul do Erectéion.

Figura 209Erectéion. Pórtico sul ou das Cariátides.

Vol. I - Arquitectura Grega

205

A decoração era abundante e a ornamentação meticulosa-mente entalhada. Além de dourados, bronzes também dourados e contas de vidro de quatro cores, cada pórtico possuía tecto de arte-sões trabalhados, de que – no do norte – pendiam rosetas de bron-ze (figura 211). O friso – que ainda mostra as marcas e de que há escassos restos da última fase (409-406 a. C.) – era em pedra negra de Elêusis em que se encontravam colocadas figuras em mármore branco. Corria à volta de todo o corpo central e dos três lados do Pórtico Norte, embora este ligeiramente mais estreito (cf. figuras 202 e 203). O Pórtico Norte apresenta o umbral da porta muito or-nado (figura 212) e os capitéis e bases das suas colunas são os mais elaborados da arquitectura grega. O Pórtico Sul, em vez de friso, apresenta dentículos e a parte superior da arquitrave está decora-da com rosetas (cf. figura 210). Pela perfeição do trabalho e da execução, o Erectéion nunca foi ultrapassado. Segundo D. Robertson, profusamente decorado quer com ornamentos em relevo, quer pelo estudado contraste entre a pedra negra de Elêusis e o mármore branco, a elaboração dos aneletes das colunas e dos capitéis são sempre diferentes e foi rejeitada pelo gosto estético em geral dos séculos seguintes (figuras 213 e 214). Na opinião desse especia-lista, o Erectéion é um edifício que, pela sua forma, deixa a desejar. E um arquitecto, como Mnésicles, embaraçado por exigências religiosas, sem esperança de produzir um conjunto harmonioso, concentrou-se no por-menor e no elaborado ornamento com excessiva profusão1. As decorações e pormenores arquitectónicos são de cuidada e complexa elaboração e executadas com grande delicadeza e precisão. As mais notáveis são as do pórtico norte: os motivos de entrecruzado das bases das colunas, o antémio sob os capitéis e os ornatos da porta2.

1 D. Robertson, Greek and Roman Architecture (Cambridge, 21943, repr. 1974), pp. 127-134.

2 Vide G. Richter, A Handbook of Greek Art (London, 91987), pp. 36-38. Há tradução espanhola, pelas Ediciones Destino (Barcelona, 1980, repr. 1990).

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

206

Templo estranhamente belo, assimétrico (imagem 181), a sua ordem iónica, o delicado gravado floral nos anéis da coluna e nas paredes, o relevo do friso externo serve como contraste à auste-ridade do dórico Pártenon que dele dista menos de cinquenta me-tros. Os capitéis têm canalículos côncavos nas volutas, em vez dos convexos primitivos, têm mesmo canalículos duplos e os óvalos en-tre as volutas têm uma banda florida por baixo como em Samos1. O interior do templo, dividido nas suas quatro salas, foi destruído para ser transformado numa igreja e mais tarde num harém do governador turco de Atenas.

1 Vide John Boardman, Greek Art (London, 31996), pp. 150-153.

Figura 211Erectéion. Tecto e porta do Pór-

tico Norte.

Figura 212Porta do Pórtico Norte do

Erectéion.

Vol. I - Arquitectura Grega

207

Figura 213Capitel do lado oriental do Erec-

téion. Delicadeza do trabalho dos aneletes.

Figura 214Erectéion. À esquerda, parte de

capitel do lado oriental e cornija; à direita, de cima para baixo,

capitel de anta, capitel e ângulo de capitel do Pórtico norte. In A. W. Lawrence, Arquitectura Grega,

p. 123.

Figura 215Assimetrismo do Erectéion de

Atenas.

Figura 216Templo de Atena Pólias,

em Priene.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

208

Os mais famosos templos iónicos do século IV a. C. en-contravam-se na Ásia Menor, edificados na segunda metade do século: o de Ártemis em Éfeso, que substituiu um outro (c. 550 a. C.) destruído por um incêndio em c. 356 a. C., de que já tratá-mos; o de Atena Pólias, em Priene, começado em 340 e dedicado em 334 a. C. (figuras 216 e 217); e o de Apolo em Díndima (figu-ras 218 e 219). O capitel coríntio, no início, era utilizado apenas no in-terior dos edifícios, como parece ter acontecido em Epidauro (tholos, propileus, por exemplo). A tholos do santuário de Epi-dauro (séc. IV a.C.) era um edifício redondo que tinha a ordem dórica no exterior e a iónica no interior, na sua variedade co-ríntia, como mostra a tentativa de reconstituição, que utiliza os elementos encontrados (figura 220). O mais antigo exemplo de estilo coríntio no exterior pa-rece ter sido o monumento corégico a Lisícrates (334 a. C.), em Atenas (figura 221). Tem a forma de tholos e foi erigido por Lisí-crates, para comemorar a sua vitória no concurso coral de diti-rambos. Corria a toda a volta do monumento um friso continuo e encimava-o uma sequência de palmetas, como se pode ver na reconstituição (figura 222). É também da cidade de Atenas um dos mais famosos templos em estilo coríntio (figura 223): o de Zeus Olímpico, com uma colunata tripla nos lados menores e dupla nos maiores, de oito e vinte colunas, respectivamente (figura 224). Apesar de iniciado nos tempos dos Pisístratos (em estilo dórico), veio a ser retomado em 175-164 a. C., em estilo coríntio, mas apenas é concluído no século II da nossa era, na época do imperador Adriano. Restam hoje de pé quinze colunas (figura 225).

Vol. I - Arquitectura Grega

209

Figura 217Esquema do entablamento do Templo de Atena Pólias, em Priene

(in Lawrence, Arquitectura Grega, p. 146, fig. 228).

Figura 218Templo de Apolo, em Díndima.

Figura 219Planta do Templo de Apolo, em Díndima.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

210

Figura 220Reconstituição de partes da

tholos de Epidauro. Museu de Epidauro.

Figura 221Monumento corégico a Li-sícrates (334 a.C.), Atenas.

Figura 222Monumento corégico a Lisícrates.Reconstituição do capitel e do entablamento (in Lawrence, Arquitectura Grega, p. 140).

Figura 223Olimpieu, em Atenas

(175-164 a.C. e séc. II A.D.)

Vol. I - Arquitectura Grega

211

Figura 224Planta do Olimpieu, em Atenas.

Figura 225Olimpieu de Atenas. As colunas que se conservam.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

212

Arquitectura Helenística

A arquitectura helenística, malgrado a sua importância, o número e amplitude dos edifícios realizados, ainda é frequente-mente apresentada como uma produção de pouca originalidade e como resultado de um progressivo empobrecimento das obras clássicas. Posição injusta, dado que os arquitectos da época hele-nística bem souberam conciliar as tradições clássicas com as ino-vações, criando uma arquitectura adaptada a um mundo novo e a estruturas socias e políticas diferentes das da época clássica. Deve, no entanto, realçar-se que a arquitectura helenís-tica, em particular no campo religioso, ainda segue os cânones clássicos. O mesmo não se poderá dizer de outras manifestações arquitectónicas, com destaque para a disposição das cidades que seguem um traçado hipodâmico, assim chamado a partir do já referido Hipodamos de Mileto, arquitecto que suposta-mente teria desenvolvido ideias de urbanismo em que as ruas se cruzam perpendicularmente e correm paralelas umas às outras. De acordo com estas novas regras se irão construir novas plan-tas de cidades, tais como Mileto (figura 226), Priene (cf. figura 65), a nova Éfeso, Cnidos (figura 227), o Pireu recém-construído e muitas outras, tanto da Jónia, como na Grécia continental e Magna Grécia. De entre estas, destaca-se Priene, por apresen-tar uma planta completamente disposta segundo um rigoroso método de reticulado, apesar da forte inclinação do terreno que levou à realização de terraços artificiais, de modo a ultrapassar o desnível do terreno. As profundas transformações políticas e sociais do mun-do grego, no decurso do século III e II a.C., constituíram sem dú-

Vol. I - Arquitectura Grega

213

vida as causas principais de um forte crescimento construtivo. À arquitectura da cidade sucede uma arquitectura principesca e monárquica. Se urbes como Atenas e Mileto mantêm algumas das estruturas antigas da pólis, outras mais recentes, tais como Alexandria, Pérgamo e Antioquia, assistem a um forte dinamis-mo construtivo. Este momento de grande vigor arquitectónico é em parte resultante da repartição do império pelos generais de Alexandre: os Antigónidas na Macedónia, os Selêucidas na Ásia, os Atálidas nas regiões ocidentais da Anatólia, os Lági-das no Egipto. Todos se consideram herdeiros da tradição clás-sica bem presente, por exemplo, na acção diplomática com os grandes santuários: Delos, Delfos, Olímpia, Samotrácia. Neste movimento de expansão, os centros de inspiração e de criação mudam. Os arquitectos viajam em missões diplomáticas e como emissários políticos. As inovações e os projectos de grande im-portância estão agora associados aos grandes centros com im-portância militar e política, na Macedónia, na Ásia Menor, na Síria, no Egipto. Os arquitectos, como os mestres, quando os co-nhecemos, são provenientes das costas orientais do mar Egeu. Nasce uma nova estética arquitectónica. O ponto de par-tida parece ser a adopção do princípio da perspectiva. Segun-do Vitrúvio (VII. praef. II), esta invenção deve-se a Agatarco de Atenas que a teria adoptado na pintura, o mesmo que teria sido responsável pelo cenário de uma das tragédias apresentadas por Ésquilo (cf. Rocha-Pereira, 2006: 623), deixando também um comentário escrito. Esta descoberta que em breve irá revolucio-nar a pintura grega é mais tarde transferida para o plano arqui-tectónico e conduz a organização totalmente nova dos edifícios num espaço definido. De facto, enquanto a disposição espacial dos complexos arquitectónicos arcaicos e clássicos (santuários, praças públicas, conjuntos urbanos) é linear, de acordo com ali-nhamentos e justaposições sucessivas dos edifícios, a sugerir

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

214

uma apresentação processional, o espaço dos complexos hele-nísticos fecha-se: é previamente seleccionado um ponto privi-legiado a partir do qual se desenvolvem todas as construções, tornando-as complementares no seu todo. O santuário de Atena em Pérgamo, o quadro de conjunto do bouleutérion de Mileto com os seus edifícios anexos, as transformações da Ágora de Atenas ilustram alguns dos exemplos desta evolução. Essas mudanças são também perceptíveis nas próprias plantas dos templos. Aos volumes tradicionais da planta clássi-ca, reconhece-se uma nova estética que acentua os efeitos de luz e de sombra, numa perspectiva mais pictórica do que arquitec-tónica. Entre outros, um bom exemplo é o Templo de Ártemis em Éfeso, já acima tratado. Ainda mais complexos são os monumentos dedicados aos cultos heróicos, em que passa a estar incluído o culto dos soberanos helenísticos. Entre estes, escolhemos como exemplo o Mausoléu de Halicarnasso, outro dos monumentos listados de entre as sete maravilhas do mundo antigo, de que só restam escassas ruínas (figura 228). Os dados resultantes das descrições das fontes, dos elementos arquitectónicos e escultóricos que têm sido recuperados na cinta da fortaleza e no espólio das diferen-tes escavações, permitem fazer uma ideia aproximada de como seria o Mausoléu. Uma das reconstituições mais fidedignas é-nos dada por Geoffrey B. Waywell (figura 229). Segundo este autor (2002: 103-104), o Mausoléu era de planta rectangular, com os lados ao nível do solo provavelmente de 120 e 100 pés, ou seja, no seu todo formava o perímetro de 440 pés indicado por Plínio (História Natural 36.30-31). A altura era de 140 pés e resultava de três elementos principais: uma base elevada que Plínio define simplesmente como “a parte inferior”, com cerca de 60 pés de altura; sobre esta base uma colunata, provavelmen-te de trinta e seis colunas, com cerca de onze metros de altura,

Vol. I - Arquitectura Grega

215

onze sobre cada um dos lados mais longos e nove nos lados mais curtos (11 x 9). Acima destas colunas, que pela escavação parecem ter sido da ordem iónica, existia um tecto em forma de pirâmide com vinte e quatro degraus que estreitavam à medida que nos aproximávamos do topo. No topo da estrutura estava um pedestal encimado por uma quadriga colossal. Além dos templos e dos edifícios sepulcrais, a arquitectu-ra helenística é essencialmente civil e directamente relacionada com a paisagem urbana e os problemas urbanísticos; ao passo que os edifícios administrativos, ligados com a cidade comercial ou agonística, não mais têm de estar exclusivamente associados a lugares de culto. É de assinalar um notável enriquecimento das formas das estruturas dos edifícios; ainda que topografi-camente ligados aos centros cívicos e políticos, estes adquirem uma maior independência. Nesse sentido, a ágora, as salas de reuniões – por exemplo os bouletérios – adaptam-se melhor às suas funções. Mileto fará do seu buletério um complexo autóno-mo, ainda que na proximidade da grande ágora meridional. O mesmo fenómeno, de edifícios de grandes proporções internas, encontrar-se-á em numerosas outras cidades da Ásia Menor. Nesta rápida alusão aos diferentes tipos de edifícios da época helenística poder-se-ia ainda referir outro tipo, ainda que mais raros, os palácios principescos. Maria Helena da Rocha Pereira (1993-94, 57-74), num estudo intitulado “O Palácio do mundo minóico ao helénico: mito e realidade”, demonstra que, nesta época os palácios se tinham tornado um símbolo de pres-tígio e poder (figura 230). Estes estão especialmente concentra-dos no reino da Macedónia, com especial espectacularidade do palácio de Vergina que, ao que tudo indica, teria sido a morada dos novos reis da Macedónia, os Antigónidas. Trata-se de um edifício com um grande pátio central, com dezasseis colunas de cada lado e uma larga entrada de porta tripla ao centro da

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

216

fachada oriental, da qual saíam múltiplos compartimentos, al-guns dos quais possivelmente destinados a salas de banquetes solenes. Igualmente soberbos terão sido os palácios do reino de Pérgamo ou o famoso palácio de Alexandria, este último apenas referido nas fontes escritas, em particular Teócrito (XV. 78-83) e Estrabão (Geografia XVII. 1.8). Todos eles reflectem uma mensagem em particular: a po-lítica de prestígio e o movimento helenizador que caracterizam as fundações urbanas de Alexandre e seus sucessores.

Figura 226Plano hipodâmico da cidade de Mileto.

Vol. I - Arquitectura Grega

217

Figura 227Plano da cidade de Cnidos.

Figura 228Sítio arqueológico do Mausoléu de Halicarnasso.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

218

Figura 229Mausoléu de Halicarnasso. Reconstituição de G. B. Waywell.

Vol. I - Arquitectura Grega

219

Figura 230Fragmento de kalyx-kratêr de Tarento. Museu de Würzburg. Dá a

ideia do aspecto do palácio.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

220

ATENAS, ESCOLA DA HÉLADEEspécie de conclusão

Estranha cidade parece a antiga Atenas! Racionaliza a ar quitectura e submete os templos a proporções matemáticas, mas o seu amor pela igualdade, a sua busca constante para a obter acabam por entregar à sorte, à tiragem à sorte, a escolha dos governantes. Com um alto conceito da missão de Atenas, Péricles – aqui representado por um busto que é cópia de original da autoria de Crésilas (figura 231) – en tendia que, pelas realiza-ções culturais, pelas festas, pelas inova ções políticas, a cidade se tornara e devia ser a “Escola da Hé lade”, o centro de onde irradiava a liberdade, o progresso, a cultura, a arte. O projec-to monumental que, com Fídias, conce beu para a Acrópole é disso uma prova. São estas as palavras que Tucídides coloca na sua boca num discurso proferido no início da Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), em que o estadista refere que os Atenienses amam o belo com simplicidade e prezam a cul-tura sem moleza, servem-se da riqueza mais como meio de trabalho do que como objecto de presunção, não consideram vergonha a pobreza mas sim não a evitar pelo trabalho (2, 40. 1). E o historiador atribui a Péricles a seguinte coclusão do discurso:

Em resumo, direi que esta cidade, no seu conjunto, é a es cola da Hélade, e cada um de nós em particular, ao que pa rece, se mostra mais apto, para as mais variadas formas de actividade e para, com a maior agilidade, unida à graça, dar provas da sua perfeita capacidade física. É a própria força da

Vol. I - Arquitectura Grega

221

cidade que, em virtude destas qualidades, que possuímos, bem demonstra como o que acabo de dizer não é um dis curso forjado para estas circunstâncias, mas a verdade dos factos.1

Atenas era uma democracia aberta, dinâmica e empreen-dedora. Construíra, com base na Simaquia de Delos, um impé rio que se estendia por todo o mar Egeu, como sublinha o mesmo Estadista no citado discurso que lhe atribui Tucídides: «Devido à grandeza da cidade, afluem aqui todos os produtos da terra inteira, e acontece que dis frutamos dos bens locais com não me-nos familiaridade que dos dos outros países.»2 Além de modelo nas realizações políticas e institucionais, Atenas era, por outro lado, a cidade dos festivais e como tal pa-radigma para as outras. Com orgulho o sublinha Isócrates no Pa-negírico 45-46, ao explicitar que os muitos espectáculos, variados e belos – «notáveis uns pelas despesas», diz o orador, «outros fa-mosos pela arte» e outros ainda pelas duas coisas – atraem gran-de número de visitantes e contribuem para a aproximação entre povos e para a unidade de todos os Gregos. E conclui:

É sobretudo no nosso meio que se encontram amizades mais fiéis e relações mais variadas, e ainda por cima se podem ver competições, não só de velo cidade e de força, mas também de eloquência, de inteligên cia e de todas as outras actividades, para cada uma das quais existem os mais elevados prémios. Efectivamente, além dos que ela mesma propõe, também induz outros a dá-los. E o que nós escolhemos adquire tal fama, que é apreciado em toda a parte. Além de que os outros festivais realizam-se de tempos a tempos e depressa se dissolvem, ao passo que a nossa cidade é para os seus visitantes um festival contínuo.

1 Tucídides 2. 41. 1-2. Tradução de M. H. Rocha Pereira, Hélade, 92005, p. 327.

2 Tucídides 2. 38.1. Tradução de M. H. Rocha Pereira, Hélade, 92005, p. 325.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

222

Cidade das Panateneias, das Antestérias, das Leneias, das Grandes Dionísias, dos Mistérios de Elêusis, de festas ru-rais e citadinas, Atenas era um festival contínuo. Daí que as Nuvens, «as virgens portadoras da chuva» – como lhe chama o dramaturgo –, ao dirigirem-se à «terra es plendorosa de Palas», na comédia homóloga de Aristófanes (vv. 302-313), celebrem a cidade «que venera ritos inefáveis», em que se recebem os ini-ciados, se realizam «sacras cerimónias» e «se fazem oferendas aos deuses celestiais». Uma cidade

Onde há templos de altos tectos, estátuase mui sagradas procissões dos bem-aventurados, sacrifícios aos deuses, com belas coroas, e festinsem todas as estações do ano,a festa de Brómio, quando chega a primavera,a excitação dos coros melodiosos, e da flauta a música altissonante.1

Por considerar Atenas a «escola da Hélade», o centro de onde irradiava a liberdade, o progresso, a cultura, a arte, Péri-cles procurou, com o contributo imprescindível de Fídias, que o conjunto monumental idealizado para a Acrópole traduzisse essa sua visão (figuras 232 e 233). A colina sagrada de Atenas! O local onde Péricles quis tor-nar patente que era missão da cidade e da Grécia ilumi nar! Aí, no frontão oriental do Pártenon, a deusa políade, Atena, nasce florescente da inteligência de Zeus e obriga as sombras da noite a desaparecerem do lado direito, enquanto o sol desponta no canto oposto, espalhando luz pela humanidade (figura 234).

1 A tradução das citações de Isócrates e de Aristófanes pertence a M. H. Rocha Pereira, Hélade, 92005, p. 330 e 347-348, respectiva mente.

Vol. I - Arquitectura Grega

223

Figura 231Busto de Péricles

(4215 a.C.) da autoria de Crésilas. Cópia romana. Museu do

Vaticano.Figura 232

Maquete da Acrópole.

Figura 233Planta da Acrópole de Atenas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

224

Situada numa colina rochosa de cerca de 156m de altura, a Acrópole ateniense domina toda a cidade e nela, desde tempos recuados, lenda, religião e política entrelaçaram as mãos. Para entrar na Acrópole — para usar as palavras de Pausânias (1. 22. 4) — «só existe uma entrada; não deparamos com nenhuma ou-tra, pois é um sítio abrupto por todos os lados e que apresenta uma sólida muralha» (figura 235). As vicissitudes da Acrópole de Atenas são o reflexo do curso da história. Habitada nos tempos micénicos, transforma-se em centro religioso exclusivo, durante a Idade das Trevas. Atena, a deusa protectora da cidade, é a divindade desse lugar desde remotos tempos. Aí venerada, desde o período geomé-trico, num pequeno templo, depois substituído por outros em épocas sucessivas, Atena torna-se então a deusa protectora da pólis. E, segundo a tradição, teve de lutar por essa honra com Poséidon, como Fídias traduziu no pedimento ocidental do Pár-tenon (figuras 236 e 237).

Figura 234Pártenon. Reconstituição do lado oriental.

Vol. I - Arquitectura Grega

225

Muito danificado esse local durante as Guerras Pérsicas, com a maioria dos edifícios destruídos, por incêndio e vanda-lismo, os Atenienses empreendem a reconstrução da sua cida-dela sagrada, entre 450 e 410 a. C. Péricles, o governante de en-tão, sonha fazer da Acrópole o centro monumental de uma capi-tal da Grécia: um símbolo da missão proeminente que pen sava ser a de Atenas. O Estadista considerava-a a «escola da Hélade», o centro de onde irradiava a liberdade, o progresso, a cultura, a arte. E tal ideia está bem traduzida no conjunto mo numental que ele, coadjuvado por Fídias, pensou e planeou para a Acró-pole. Foi a seguinte a ordem dos principais edifícios aí erigi-dos, todos em mármore do Pentélico (alguns acrescentos em pe-dra negra de Elêusis nos Propileus):

Pártenon — 447-430 A. C. Propileus — 437-432 a. C. (inacabado) Atena Nike — 427-424 a. C. Erectéion — 421-406 a. C.

E assim o Erectéion foi o último a ser edificado na Acró-pole, e talvez nunca concluído. Os novos edifícios então erigidos marcam uma evolução na arquitectura grega que, com a utilização de novas soluções e requintes, adquire maior leveza, harmonia e proporção. Além de as colunas perderam espessura e se tornarem mais esbeltas, os edifícios apresentam compensações ópticas que são verda-deiros requintes de construção, com evidência para a já referida entasis: espessa mento do fuste da coluna a dois terços da sua altura; ligeira con vexidade, ao centro, nas linhas horizontais; leve inclinação das colunas para dentro. Desse modo o edifício amplia-se, ganha harmonia, torna-se vivo. Tais inovações estão

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

226

presentes, de modo especial, no Pártenon (da autoria de Ictinos e Calícrates), mas são também utilizadas no Hefestéion. Além disso, na Acrópole convive em harmonia uma mis-tura de estilos. O Pártenon marca o apogeu do estilo dórico, mas combina-o com o iónico no seu interior; os Propileus ofe recem a mesma combinação. São edifícios apenas iónicos o pequeno templo de Atena Nike, da autoria de Calícrates, uma pequena obra prima de proporção e beleza; e o Erectéion, de estrutura complexa que, embora não apresente a harmonia ha bitual de conjunto do templo, é o mais requintado dos monu mentos helé-nicos. Propileus, Templo de Atena Nike, Pártenon, Erectéion — um vasto conjunto de monumentos, que transfor maram a Acró-pole num hino à beleza e à proporção. Um des lumbramento para o olhar dos que nela entram. É 28 de julho, dia do nascimento de Atena e dia da pro cissão das Panateneias. Estas festas, realizadas por Ate-nas em honra da sua divindade políade, tinham como ponto fulcral a procissão que, nesse dia, levava à deusa o peplos te cido pelas jovens atenienses. Das festividades faziam parte competições várias, com destaque para as regatas, concursos de música, recitação dos Poemas Homéricos e, de quatro em qua tro anos, jogos atléticos. Integremo-nos na celebração e entremos na Acrópole. O caminho, contornando a encosta, vai passar junto ao bastião em que se ergue o pequeno templo iónico de Atena Nike, da autoria de Calícrates (figura 238). Ponto de passagem obrigatória para quem ata casse a cidadela, é natural a dedicação à deusa que assegura a Vitória sobre os agressores. Com quatro colunas na fachada oriental e quatro na face posterior, o templo de Ate-na Nike tinha um friso contínuo que, como vimos, na fachada oriental, ostentava o concílio dos deuses olímpicos e, nas zonas laterais, representava cenas de combate dos Gregos contra os

Vol. I - Arquitectura Grega

227

Persas. (Maratona?) e de Gregos contra Gregos. Um parapeito, com relevos de Atena e de Vitórias ou Níkai, ladeava o esporão onde se erguia o templo. Em frente da escadaria que sobe em ziguezague encon-tramos os Propileus (figura 239), entrada monumental consti-tuída por três partes, como já atrás referimos: a central e duas alas laterais salientes. Obra do arquitecto Mnésicles, trata-se de um edifício em estilo dórico nos pórticos externos e iónico no interior. A parte central era constituída por dois corpos, a níveis diferentes, separados por cinco portas.

Figura 235A colina da Acrópole de Atenas e as fortes muralhas que a defendiam.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

228

Figura 237Pártenon. Frontão Ocidental. Disputa de Atena e Poséidon. Pormenor.

Figura 236Pártenon de Atenas. Reconstituição da fachada ocidental.

Figura 238Esporão com o Templo de

Atena Nike. À esquerda, parte dos Propileus.

Vol. I - Arquitectura Grega

229

Passados os Propileus, deparávamos outrora de imediato com a estátua de Atena Prómachos. Depois o olhar, embora atra-ído pelo Pártenon, detinha-se em numerosos ex-votos, templos e edifícos que enchiam o recinto da Acrópole — com destaque para o santuário de Ártemis Braurónia, Calcoteca, Arreforéion, Pandroséion, Erectéion. Hoje surpreende os sentidos do visitante, a sobressair da massa dispersa de restos de monumentos e a dominar a parte central da Acrópole, a majestade e harmonia do Párte-non e a complexa, mas discreta, forma do Erectéion. Este, tal-vez obra de Mnésicles, como já foi referido, estreitamente liga-do às origens da cidade e dos Atenienses, é o mais requintado dos monumentos helénicos (figura 240). Acabado de construir em 406 a. C. em estilo iónico, não apresenta contudo a har-monia habitual de conjunto que costuma ter um templo. De

Figura 239Propileus da Acrópole de Atenas.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

230

estrutura complexa, tem o tratamento pouco usual de colunas adossadas no lado ocidental e exibe uma planta com três salas, em níveis diferentes, e três pórticos (cf. figura 201): o da parte norte, com culunas muito altas e uma grande porta; o do lado oriental, com seis colunas esbeltas; e o de sul, o mais famoso, o das Cariátides (figura 241). Estreitamente ligado às origens da cidade e dos Atenien-ses, alberga locais de culto em honra de Atena, Poséidon e Erec-teu. Pensa-se que a sala do lado oriental era o naós de Atena Pólias e que a central, dividida no sentido longitudinal, esta-va consagrada a Poséidon/Erecteu. Alguns vestígios aí encon-trados têm sido interpretados como o poço de água do mar de Poséidon, de que fala Pausânias (1. 26. 5). Talvez a intenção de contrabalançar o Pártenon justifique a invulgar elevação que o seu arquitecto lhe deu (Lawrence); talvez a necessidade de reu-nir nele diversos santuários primitivos explique a sua estrutura incomum (Robertson)1. O Pártenon (figura 242) é o monumento mais importante da Acrópole e símbolo da grandeza da cidade. Com ele preten-deram Péricles e Fídias glorificar a deusa Atena, a pólis que ela protegia e Hélade em geral. Centrado na figura de Atena, como vimos, e na sua missão particular – deusa da sabedoria que é – de civilizar a humanidade, a estátua criselefantina da deusa, da autoria de Fídias, que guardava no seu interior, apontava nesse sentido: a deusa estava armada e detinha a Nike ou Vitória na mão direita; no escudo, parece ter estado representados o com-bate dos deuses contra os Gigantes e as lutas de Atenienses com as Amazonas; e na base a criação da primeira mulher, Pandora, pelos deuses; ou seja exemplos de ordem que supera a desor-dem e o primitivismo. Igual propósito tinham as métopas – 92

1 Apud M. H. Rocha Pereira, Cultura grega, p. 579.

Vol. I - Arquitectura Grega

231

ao todo – que denunciam a intenção de ilustrar, de modo simbó-lico, a luta vitoriosa da moderação e da justiça contra a violência e o primitivismo ou excesso: Titanomaquia (oriente), Guerra de Tróia (norte), Amazonomaquia (oeste) e Centauromaquia (sul).

Figura 240Erectéion de Atenas. Lados oriental e norte.

Figura 241Erectéion de Atenas. Pórtico das Cariátides.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

232

O friso iónico interior (esquema 1), pelo seu significado - a que vamos fazer referência mais pormenorizada, correndo mesmo o risco de repetição -, executado por volta de 440 a. C. sob a direcção de Fídias, inspira-se na vida social e religiosa de Atenas: representa a solene procissão das Panateneias que in-corporava todas as forças vivas da pólis e levava à deusa pro-tectora da cidade o peplos tecido pelas Ergastinas e transpor-tado pelas Arréforas. Aí estão representados os portadores dos líquidos para as libações; os que transportam vasos sagrados e outros apetrechos para as cerimónias; os que conduzem os animais (cordeiros e bois) para os sacrifícios (figura 243); os ci-dadãos, alguns em amena conversa (figura 244); os carros com aurigas e guerreiros; os cavaleiros nas poses mais variadas (fi-gura 245).

Figura 242Pártenon de Atenas.

Vol. I - Arquitectura Grega

233

Todos se dirigem sem interrupção e com solenidade para a fachada oriental onde heróis atenienses e os deuses olímpicos (cf. figura 149)1 — Poséidon, Apolo, Ártemis, Hera, Zeus, Ate-na, Hefestos, Hermes, Diónisos, Deméter, Ares —, todos numa postura informal prestam atenção e contemplam a cerimónia da entrega do peplos: a cena central, para que converge a procis-são. Os frontões, esculpidos entre 438 e 432 a.C., estão rela-cionados com o nascimento de Atena e com a sua qualidade de protectora da cidade. É elucidativo o simbolismo das cenas. Se o do lado oeste - com Atena e Poséidon a disputarem a posse da Ática, rodeados por deuses e heróis locais, alegando uma que é a sua a terra, e o outro que lhe pertence o mar que quase

1 A imagem representa Poséidon, Apolo, Ártemis.

Esquema 1

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

234

por inteiro a rodeia -, simboliza tanto o poder terrestre como o marítimo de Atenas, o do lado oriental quer trasnmitir a ideia de que a cidade seria a luz, a que guiaria e iluminaria. Atena nasce armada da cabeça de Zeus, no momento em que a luz do dia surge e as trevas da noite desaparecem: os ca-valos do Sol, Hélios, sobem no canto esquerdo, enquanto os da Noite, da Lua, descem no canto da direita, de que se reproduz a famosa cabeça do cavalo de Selene, a Lua, que ocupava o ângulo direito ou norte do frontão oriental e que agora se encontra no British Museum (vd. supra, figura 152). Os deuses despertam do sono e contemplam cheios de assombro a nova divindade: uma expressão, em termos mitológicos, do que Atenas significava para o mundo de então. Símbolo da pólis ateniense, o Pártenon é sinal visível dessa época de glória. Símbolo da pólis ateniense, o Pártenon é sinal visível da época de glória de Atenas — época de busca da igualdade e de conquista da beleza. Tucídides, em palavras que atribui a Péri-cles (2. 40. 1 e 41. 1), dá-nos bem uma ideia do que o estadista pensava da sua cidade e do que ela significava para o mundo grego de então, ao referir que Atenas, «no seu conjunto, é a ecola da Hélade» (vide texto das pp. 208-209). Infelizmente a história da Acrópole e do Pártenon, após a Antiguidade, não foi a mais risonha, já que o local e o edifício passaram por vicissitudes várias. Em finais do séc. II a.C., Atenas, tal como o resto da Gré-cia, tinha sido incorporada no Império Romano, perdendo a sua importância política, mas continuava a ser centro cultural importante, visitada pelos intelectuais romanos. Só o impera-dor Nero deixou uma inscrição em bronze na frente Este do Pártenon, fixada na arquitrave. O edifício era muito admirado. Ocasionalmente, os Romanos faziam cópias das esculturas do Pártenon para decorarem templos públicos importantes, assim

Vol. I - Arquitectura Grega

235

como esculturas menores da estátua da deusa Atena, para se-rem levadas pelos turistas romanos. Com as invasões Bárbaras, no séc. II A.D., Atenas ficou ameaçada, pois em 267 A.D., os Godos governavam a cidade, ten-do a Acrópole sido transformada em fortaleza – tal como aconte-cera antes de ter sido utilizada apenas como espaço de veneração dos deuses. Até aí, o Pártenon tinha permanecido intocável. Com a divisão do império romano, Atenas ficou a per-tencer ao Império Romano do Oriente (império Bizantino). A primeira grande mudança no Pártenon ocorreu no séc. III A.D., quando foi transformado em igreja cristã, dedicada à Virgem Maria. A entrada foi transferida de Oriente para Ocidente e a pequena sala a Oeste foi transformada em nártex (átrio de en-trada) da igreja. Por finais do séc V A.D., a estátua já tinha sido removida. Foram cortadas portas nas paredes, separando o nár-tex do naos, que foi transformado no corpo principal da igreja. Foi substituído o antigo por novo telhado, para uma maior lu-minosidade. Após a Quarta Cruzada, em 1204, caiu sob o domínio dos senhores feudais da Europa Ocidental, e o Pártenon foi de novo transformado numa igreja católica romana. No segundo quartel do séc. XV, um italiano visitou Ate-nas, elaborando alguns desenhos do Pártenon tal como era nes-sa altura. E felizmente em 1670, já no tempo do domínio turco, outros se fizeram. Não muitos anos depois da queda do império bizantino e da tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos (1453), Atenas foi conquistada pelos Turcos e o Pártenon foi novamente transformado, agora numa mesquita. Mais tarde passa mesmo a paiol de pólvora. Em 1687, já com o Pártenon como arsenal de pólvora, os Venezianos, na sua luta contra os Turcos, sitiaram a Acrópole.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

236

Durante o bombardeamento, acertaram com uma granada no templo e causaram a explosão do Pártenon. Todo o centro do edifício foi pelos ares e lançou em estilhas boa parte da sua escul-tura ornamental. Pouco mais se quedou de pé, além de frontões e lados – e mesmo destes o de sul com grande brecha ao meio. O magnífico templo que fora o Pártenon tornara-se uma ruína! Os Venezianos tinham como tradição levar obras de arte das cidades conquistadas para adornar as suas cidades, pelo que actuaram de forma semelhante em Atenas, levando os gran-des cavalos de mármore do frontão ocidental em triunfo para Veneza, mas ao serem carregados partiram-se.

Figura 243Pártenon. Friso iónico: bois levados para o sacrifício (lado norte).

Museu da Acrópole.

Vol. I - Arquitectura Grega

237

Figura 244Pártenon. Friso iónico norte: cidadãos a conversar.

Museu da Acrópole.

Figura 245Pártenon. Friso iónico ocidental: formação da procissão.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

238

Pouco tempo depois os Venezianos retiraram e os Turcos reocuparam a cidade e construiram uma pequena mesquita no interior das ruínas do Pártenon. Um desenho de 1766 representa a Acrópole nesse tempo e outro desenho de 1804 dá uma visão dessa mesquita e mostra o estado de devastação do Pártenon. E aos poucos as esculturas do Pártenon iam desapare-cendo. Lord Elgin, que toma posse como embaixador na Tur-quia em 1799, estava convencido de que deveria tentar salvar as estátuas que restavam, antes que fossem destruídas pelo van-dalismo e pelo clima. Além de juntar um grupo de artistas a quem manda desenhar os monumentos de Atenas e catalogá-los, particularmente o templo de Athena Parthenos – muitos de-senhos perderam-se mais tarde num naufrágio, mas o catálogo sobreviveu – tenta conseguir permissão do governo turco para começar a retirar as esculturas e relevos do Pártenon. A autori-zação para o projecto foi concedida, sob condição de não inter-ferir com nenhuma fortificação turca. A oportunidade foi apro-veitada por Lord Elgin e a recuperação das esculturas começa em 1801-1803. Como as métopas foram colocadas no seu lugar antes de serem instalados os suportes do telhado, para serem removidas, muita da superestrutura do edifício tinha de ser retirada, pelo que algumas das suas partes foram destruídas. Os chamados ‘Elgin marbles’ foram doados ao seu país, em 1816, e passaram a constituir - juntamente com os vasos que os precederam - o núcleo inicial do British Museum. Mas não é apenas este museu que detém a glória de possuir esculturas do Pártenon. Mais dez ou onze se gabam dessa honra: Acrópole (Atenas), Louvre, Museo delle Terme (Roma), de Palermo, de Würzburg, de Heidelberg, de Munique, de Viena, de Copenha-ga, de Estocolmo, do Vaticano. Cinco anos após a doação por Lord Elgin da sua colec-

Vol. I - Arquitectura Grega

239

ção de mármores do Pártenon à nação britânica em 1816 e da sua instalação no British Museum, os Gregos revoltaram-se, ini-ciando uma guerra de libertação nacional contra os Turcos que se retiraram de Atenas em 1833 e os Gregos decidiram que a Acrópole nunca mais seria usada como fortaleza (como o fora pelos Turcos), nem como resistência. Os Gregos, livres de qual-quer dominação estrangeira, destruíram todos os edifícios pós-clássicos da Acrópole (as adições bizantinas, francas e turcas foram destruídas), entregaram o cojunto ao serviço da arque-ologia grega, que procedeu a escavações e reconstruções. Esses trabalhos arqueológicos, em particular após 1885, trouxeram à superfície estátuas e ruínas anteriores ao século de Péricles, recuperando peças da escultura do Pártenon que tinham caí-do do edifício séculos antes. Foi decretada uma lei que proibia a retirada de antiguidades para fora da Grécia. Os fragmentos descobertos na área seriam mantidos no Museu da Acrópole. O mesmo aconteceu com as estátuas que ainda ficaram (quer no Pártenon quer no Erectéion), após a recolha de Lord Elgin: subs-tituídas por moldagens, foram já todas recolhidas no Museu, na tentativa de ainda salvar – as do frontão Ocidental, foram estas removidas em 1976. Reergueram-se as colunas do Pártenon, e barras de aço foram utilizadas para reforçar o edifício, mas os resultados fo-ram desastrosos. Em 1970, os ganchos de metal colocados no início do século começaram a derreter e a vergar, ameaçando quebrar o mármore onde estavam colocados. Os que foram en-contrados foram substituídos por ganchos de bronze ou de aço inquebrável ou soldados. Actualmente há outro problema a ameaçar o Pártenon: a poluição do ar. Edifícios que resistiram a 2500 anos de chuvas começam a cair sob a acção do dióxido de enxofre dos gases in-dustriais e dos fumos dos sistemas centrais de aquecimento. As

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

240

leis que surgiram para o controlo da poluição do ar à volta da Acrópole apareceram tarde de mais, pois os estragos já tinham sido feitos. Em 1977 a UNESCO lançou uma campanha internacional para salvar os monumentos históricos da Acrópole, ameaçados pelos turistas e pela poluição que os rodeia (figura 246). O novo Museu da Acrópole, localizado na área histórica de Kakryianni, apenas a trezentos metros a sodeste da Acrópo-le, tem inauguração marcada para 20 de julho de 2009.

Figura 246Acrópole de Atenas.

Vol. I - Arquitectura Grega

241

GLOSSÁRIO

Ábaco, ou plinto: elemento da parte superior do capitel dó-rico, com forma de paralelepípedo, colocado entre a arquitrave e o equino.

Acanto: ornato de capitel que representa uma folha estiliza-da de acanto (planta de folhas grandes, própria dos países me-diterrâneos, cultivada com fins ornamentais).

Acrópole: parte mais elevada, geralmente fortificada, das an-tigas cidades gregas.

Acrotério: elemento decorativo colocado no topo do templo.Áditon: lit. lugar inacessível, a parte mais secreta do méga-

ron, que também se encontra atrás da parede de fundo da cella do templo dórico.

Ágora: praça principal da cidade grega com funções políticas e/ou comerciais.

Amazonomaquia: combate entre gregos e amazonas.Anastilose: nome técnico para restauro ou reconstrução de

monumento ou estrutura, em que se utilizam os elementos originais das partes arruinadas, encontrados no local, a que se pode associar também materiais novos.

Andrôn: ambiente de representação da casa grega, reserva-do aos homens e destinado ao simpósio. Com frequência tinha peitoris para os leitos do banquete ao longo das paredes, com excepção daquela onde se situava a porta de acesso.

Anelete: pequena moldura ou ranhura que rodeia a base de um capitel dórico.

Anfipróstilo: templo ou edifício sem colunas nos lados, com dois vestíbulos (ou fila de colunas) na fachada e no lado posterior.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

242

Anta: elemento da parede que prolonga os muros laterais da cella de um templo, que terminava em pilastra. Quando entre as antas se encontram duas colunas, a cella, ou o templo, diz-se distili in antis.

Antefixa: ornamento em terracota policromática, colocada nas extremidades das fileiras de telhas no telhado.

Antémio: motivo ornamental formado de folhas e flores em relevo.

Antis (templo in): vide Anta.Aresta: em arquitectura corresponde a um ângulo saliente

formado pelo encontro de duas superfícies planas ou curvas.Arquitrave: elemento horizontal, apoiado em duas ou mais

pilastras, ou colunas. Constitui a parte inferior do entabelamen-to. Na ordem dórica não é decorado; na ordem iónica está di-vidido em três faixas; na ordem coríntia também, mas estas são decoradas.

Asna: espécie de armação em madeira ou pedra, de forma triangular, que forma o sistema de suporte da cobertura onde assenta um telhado.

Atlas ou Atlante: estátua masculina com função de apoio da arquitrave, com origem no mítico gigante que suportava o peso do mundo nos seus ombros.

Átrio: o m. q. vestíbulo.Aulê: o pátio à volta do qual se desenvolvem as dependências

da casa grega.Base: corresponde à parte inferior de uma coluna que se

apoia directamente na estilóbata. A ordem dórica não tem base, ao contrário das ordens iónica e coríntia cuja base é composta por várias molduras sobrepostas.

Bastião: baluarte ou muro levantado que forma uma saliên-cia num forte ou recinto amuralhado.

Buleutério: conselho ou edifício no qual se reuniam os con-selheiros da cidade.

Vol. I - Arquitectura Grega

243

Caixotão: elemento que ornamenta a parte inferior de um tecto.Canelura: estria vertical ao longo de todo o fuste. Pode ser de

secção elíptica ou circular.Cânone: o m. q. norma ou regra. Capitel: parte superior de uma coluna, sobre a qual se apoia

a arquitrave. O capitel dórico é constituído por ábaco e equino; o capitel iónico por ábaco e volutas e o coríntio, variante desta última, por folhas de acanto.

Cariátide: estátua feminina utilizada como suporte na arquitec-tura; assim chamada em evocação da escravidão a que foram conde-nadas as mulheres da Cária, uma região costeira da Ásia Menor.

Cávea: lat. cavea; no teatro grego correspondia à escadaria em semicírculo, reservada aos espectadores. Em grego kóilon.

Cella: a parte mais recôndita do templo, onde se exibia a es-tátua da divindade. Em grego naós.

Centauromaquia: batalha entre os Lápitas e os Centauros, seres lendários, metade homens e metade equinos.

Chitôn: peça de vestuário grego, espécie de túnica.Coluna: conjunto formado por base, fuste e capitel.Colunelo: pequena coluna.Corbelha: principal elemento de um capitel coríntio em forma

de cone invertido; da corbelha saem as folhas de acanto. Cornija ou géison: parte saliente do entablamento que tinha

a função de proteger o friso e o epistilio da chuva.Correcções ópticas: alterações das linhas rectas, de modo a

corrigir os efeitos deformadores da visão à distância.Crepidoma ou plinto: envasamento escalonado do templo,

abaixo do estilóbata.Criselefantina: estátua feita em ouro e marfim, numa urdi-

dura de madeira.Decástilo: fachada de templo grego com dez colunas.Demo: a mais pequena unidade territorial e circunscrição admi-

nistrativa da antiga Grécia, em que se baseava a ordenação social.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

244

Dentículos: elementos que decoram uma cornija formados por uma série de dentes cúbicos, salientes e espaçados.

Diázoma: passagem horizontal que dividia a cávea teatral fa-cilitando a passagem aos espectadores.

Díptero: templo grego circundado por uma dupla fileira de colunas.

Dístilo: templo com duas colunas na fachada da frente.Dodecástilo: fachada de templo grego com doze colunas.Dromos: corredor central de acesso a uma tumba micénica.Ekklésia: o m. q. Assembleia.Ekklesiastéria: edifícios para funcionamento da Assembleia.Empena: parede do topo, rematada em triângulo, de edifício

coberto por telhado de duas águas.Emplécton: enchimento desordenado de pedra e terra colo-

cado entre dois paramentos de um muro.Entablamento: conjunto de três elementos arquitectónicos,

constituído por arquitrave, friso e cornija, sobrepostos.Êntasis: estreitamento da coluna dórica a cerca de um terço

da altura a partir da base, para corrigir a sensação óptica de um adelgaçamento.

Envasamento: parte inferior da base de um edifício. No caso de um templo corresponde ao conjunto dos alicerces e das es-cadas chamadas estereóbatas – as duas inferiores – e estilóbata, sobre a qual se apoiam as colunas.

Eólico: capitel arcaico ornado com dupla espiral em forma de volutas, separadas por uma folha de palma.

Epístata: O presidente dos prítanes, que era tirado à sorte, diariamente, de entre os cinquenta buleutas — os prítanes — de cada pritania.

Epistílio: o m. q. arquitrave.Equino: parte do capitel dórico que ligava o fuste da coluna ao

ábaco, a sua curvatura foi variando com o tempo: muito acentua-da na época arcaica e de forma troncocónica nos mais recentes.

Vol. I - Arquitectura Grega

245

Escócia: moldura côncava na base de uma coluna.Estádio: edifício para a realização de competições desporti-

vas e exercícios atléticos.Estereóbata: plataforma elevada onde assentava um edifício,

em particular os templos.Estilóbata: plinto do templo no qual se apoiavam as colunas.Êxedra: pórtico circular ou rectangular.Fonte: dispositivo arquitectónico e/ ou escultórico, destinado

a providenciar o abastecimento de água.Fortaleza: o m. q. fortificação; normalmente envolvendo es-

trategicamente o espaço de uma cidade.Friso: a parte compreendida entre a arquitrave e a cornija. Na

ordem dórica é constituído por métopas e triglifos, nas ordens ió-nica e coríntia por uma faixa contínua, frequentemente esculpida.

Frontão: conjunto dos elementos triangulares que compõem o coroamento da fachada anterior e posterior de um templo, constituído por cornija oblíqua, sima e tímpano. Frequentemen-te adornado com esculturas e coberto com um telhado de ver-tente dupla.

Fuste: parte central e maior de uma coluna. Nas ordens gre-gas é sempre canelado: o fuste dórico tem arestas vivas, os fus-tes iónicos e coríntios têm arestas cortadas ou boleadas.

Géison: o m. q. cornija.Gigantomaquia: combate entre os deuses do Olimpo e os Gi-

gantes.Ginásio: espaço ao ar livre rodeado por pórticos, que se des-

tinava ao ensino da ginástica e aos exercícios físicos.Gineceu: ambiente reservado às mulheres, situado no andar

superior, para onde se subia por uma escada interior.Gútulas ou gotas: elementos de forma cilíndrica ou tronco-

cónica colocados sobre os mutuli e as regulae, provavelmente inspirados nos pregos utilizados em templos de madeira.

Herôon: sepulcro de um herói, tornado objecto de culto.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

246

Hexástilo: fachada de templo grego com seis colunas; o mais frequente na ordem dórica.

Hipodâmico: traçado urbano em tabuleiro de xadrez, com vias ortogonais.

Hipódromo: recinto desportivo onde se realizam as corridas de cavalos e carros de cavalos.

Hipogeu: edifício subterrâneo, geralmente destinado a uma sepultura.

Hipostilo: compartimento cujo tecto é suportado por filas de colunas ou pilares.

Íkria: bancada ou armação em madeira.Ilioupérsis: a conquista ou destruição de Tróia.In antis: vide Anta. Intercolúnio: espaço existente entre duas colunas próximas,

medido pela altura do diâmetro inferior.Inter-eixo: distância entre os centros de duas colunas contíguas. Isódomo: modo de dispor os blocos de pedra ou mármore

em fiadas de altura e espessura iguais.Kerkides, ou cunhas: divisão vertical da cávea do teatro que

apresenta a forma de um gomo limitado pela escadaria. Klímakes: escadaria interna do teatro grego.Koilon: parte do teatro reservada aos espectadores, em latim

cavea.Lápitas: mítica população da Tessália que combateu contra

os centauros.Lesche (plural Léschai): sala pública para reuniões.Lintel: elemento de suporte horizontal em pedra ou madeira

que se coloca na parte superior de uma porta ou janela.Logéion: parte do teatro destinada ao diálogo.Mausoléu: tumba monumental; o nome provém do monumen-

to fúnebre construido em Halicarnasso (Cária) para o rei Mausolo, considerado uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo.

Mégaron: aposento de planta rectangular, de origem micéni-

Vol. I - Arquitectura Grega

247

ca. Vide Palácio.Métopa: placa de forma rectangular ou quadrada que ocupa

no friso dórico o espaço entre dois triglifos.Metrópole: cidade mãe de onde partiram os fundadores das

colónias gregas.Modilhão: ornato em forma de suporte colocado sob a cornija

de um friso ou sob o desnível de um frontão. Módulo: na arquitectura corresponde à medida que regulas

as proporções das partes de um edifício.Moldura: elemento decorativo, mais ou menos elaborado e

de forma variável, acrescentado a um elemento arquitectónico. Monóptero: templo de planta circular com uma só fila de co-

lunas em redor da cella.Mútulo: placa que adere à parte inferior da cornija, da qual

pendem filas de três ou seis gotas.Naós: lit. o próprio templo; vide cella. Nike: deusa que personifica a vitória, sob a forma alada.Octástilo: fachada de templo grego com oito colunas.Odéon: edifícios em forma de pequeno “anfiteatro” destina-

do ao canto e à dança.Oikos: casa.Omphalós: pedra que simbolizava o centro do mundo, colo-

cada no santuário de Apolo, em Delfos. Opistódomo (grego Opisthódomos): vão posterior do templo

grego, situado entre os prolongamentos das paredes da cella, em que muitas vezes se armazenavam as oferendas à divindade, ou vão também posterior.

Ordem: conjunto formado por base, coluna e arquitrave.Orquestra: no teatro grego é o espaço circular ou semicircu-

lar, situado entre a escadaria e a cena, onde se exibia o coro.Óvalo: ornato oval de uma moldura em relevo presente nos

capitéis das ordens iónica e compósita. Palácio: especialmente frequente no mundo minóico, corres-

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

248

ponde a edifício de planta muito complexa, de dois a três pisos, com um sem número de divisões em volta de um pátio central rectangular. No mundo micénico tem os mesmos princípios ge-rais de construção, mas distingue-se por possuir um aposento central, o mégaron, dotado de uma ante-câmara com uma en-trada única e uma lareira ao centro, flanqueada por quatro co-lunas. São também conhecidos palácios da Época helenística (os da época arcaica e clássica constam de referências literárias – de Píndaro aos trágicos - e em pinturas de vasos).

Palestra: vide ginásio.Panataneias: festa que se celebrava em Atenas de quatro em

quatro anos em honra da deusa Atena. Paraskênia (apenas no plural): partes laterais do edifício cé-

nico a partir do séc. IV a. C.; espécie de bastidores.Parastás, ou pilar: pilastra que se salienta levemente do

muro de fundo.Párodoi (plural de párodos ‘entrada’): lit. acessos, que ca-

nalizam os espectadores à volta da orquestra; no teatro grego dividiam o edifício cénico do kóilon.

Pastás: galeria com dupla planta, direccionada a sul, que caracterizava a casa grega. Geralmente correspondia na parte inferior ao andrôn, e no primeiro andar ao tálamo.

Pedimento: o m. q. frontão.Pentélico: do monte Pentélico, famoso na antiguidade pelas

pedreiras de mármore branco.Períptero: templo com colunata (ou fileira de colunas) à volta da cella.Perístase: fila de duas colunas que circunda a cella de um

templo ou todo ele, no seu exterior.Peristilo: a colunata que circunda um edifício ou o espaço

aberto circundado por pórticos colunados.Pilar: suporte vertical em pedra, de secção quadrada, rectan-

gular ou cruciforme, que serve de apoio a uma edificação ou a uma estrutura; geralmente inclui base e capitel.

Vol. I - Arquitectura Grega

249

Pilastra: pilar de quatro faces, integrado na alvenaria de um muro ou parede; geralmente inclui base e capitel.

Plinto: elemento da base da coluna; presente nas ordens ióni-ca e coríntia (raro na ordem dórica).

Pólis: a cidade-estado grega.Portal: porta monumental e ornamentada de uma edificação.Pórtico: átrio ou galeria guarnecidos de arcadas ou colunas.

Usa-se comummente para designar o mesmo que Portal. No mundo grego, corresponde com frequência a corredores porti-cados que uniam edifícios e especialmente usados em recintos religiosos.

Pritaneu: edifício destinado a acolher o fogo sagrado da cidade e os prítanes, magistrados que detinham o poder num décimo do ano.

Prónaos: lit. antes do templo: vestíbulo da cella do templo grego, geralmente com duas colunas in antis.

Propileu: ingresso monumental coberto. Consta de dois mu-ros paralelos; no seu interior outros muros sustentam as portas. O telhado é sustentado por colunas.

Proscénio (do grego proskênion): parte anterior do palco en-tre a parede da cena e a orquestra.

Prostilo: templo com uma fila de colunas antes da cella.Pseudodíptero: edifício circundado por uma fileira de colu-

nas, colocadas a certa distância da cela, de forma a deixar espa-ço para uma segunda fileira.

Pyrgos: bastião.Régula: placa em forma de paralelepípedo que adere ao te-

nio em correspondência do triglifo e da qual pendem as gotas.Sacelo: pequeno templo.Sima: bordo do tecto que servia para recolher as águas e di-

reccioná-las para os locais opostos de descarga que tinham a forma de cabeça de leão.

Skenê: estrutura complexa, representando normalmente a fa-chada de um templo ou de um palácio.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

250

Stoa: pórtico monumental com uma fachada de colunas e um muro postrior.

Tálamo: sala principal da parte reservada às mulheres na casa grega, destinada também ao leito conjugal.

Tambor: cada um dos blocos que, sobrepostos, forma a coluna.Teatro: edifícios para representações dramáticas construídos

em encostas.Télamon: elemento arquitectónico antropomórfico, com fun-

ção de apoio.Telestérion: edifício hipóstilo usado nos rituais de iniciação

do santuário de Elêusis. Témenos: muro de um santuário que assinala o terreno sa-

grado onde só podem erigir-se templos, objectos de culto e ofe-rendas à divindade.

Ténia: lista contínua colocada entre a arquitrave e o friso.Termas: edifícios destinados a banhos. Tesouro: pequeno edifício construído num santuário dentro

do qual se conservavam os bens votivos oferecidos por uma ci-dade.

Tetrástilo: fachada de templo grego com quatro colunas.Tholos: edifício de planta redonda com cobertura cónica.Tímpano: parte do frontão compreendida entre a cornija ho-

rizontal e as duas cornijas oblíquas.Toro: moldura circular da base de coluna.Triglifo: elemento arquitectónico canelado verticalmente,

que no friso dórico possui três faixas verticais em relevo que se alternam com as métopas.

Tróquilo: elemento da base iónica, constituído por uma es-pécie de almofada.

Vestíbulo: o m. q. prónaos.Voluta: ornato em forma de espiral de um capitel.

Vol. I - Arquitectura Grega

251

BIBLIOGRAFIA SELECTA

H. Berve, G. Gruben and M. Hirmer, Greek Temples, Theatres and Shrines (London, 1963).

John Boardman, Greek Art (London, 31996).J. S. Boersma, Athenian Building Policy from 561/560 to 405/404 BC

(Groningen, 1970).J. J. Coulton, Greek Architects at Work (London, 1977).J. J. Coulton, The Architectural Development of the Greek Stoa (Ox-

ford, 1976).W. B. Dinsmoor, The Architecture of Ancient Greece (New York,

repr. 1975).C. Doxiades, Architectural Space in Ancient Greece (Cambridge

Mass., Harvard Univ. Press, 1972).Bannister Fletcher, A History of Architecture on the Comparative

Method (London, 191987).Reynold Higgins, Minoan and Mycenaean Art (London 21981).A. T. Hodge, The Woodwork of Greek Roofs (Cambridge, 1960).Jefferey M. Hurwit, The Athenian Acropolis (Cambridge, 1999).H. Lauter, Die Architektur des Hellenismus (Darmstadt, 1986).A. W. Lawrence, Greek Architecture. Rev. by R. A. Tomlinson

(The Pelican History of Art, 41983, repr. 1987). Trad. port.: Arquitectura Grega (Cosac & Naify, São Paulo, 1998).

R. Martin, L’ urbanisme dans la Grèce Antique (Paris, Picard, 1951).

R. Martin, Manuel d’ Architecture Grecque (Paris, Picard, 1965).R. Martin, L’ art grec (Paris, 1994).Elizabeth Rankin, «Geometry enlived (?): interpreting the re-

finements of the Greek Doric temple», Acta Classica 29 (1986) 29-41.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

252

G. Richter, A handbook of Greek art (London, 81983), pp. 53-54 (trad. esp., El arte griego, Barcelona).

D. S. Robertson, A handbook of Greek and Roman architecture (Camb. Univ. Press, repr.1969).

M. Robertson, A shorter history of Greek art (Cambridge, 1981). Ttrad. port.: Uma história breve da arte grega (Rio de Janeiro, 1981).

M. H. Rocha Pereira, Estudos de história da cultura clássica. 1 — Cultura grega (Coimbra, 102006), pp. 565-642.

W.-H. Schuchhardt, Grécia (trad. port, Lisboa, 1970).Frank Sear, Roman Theaters. An Architectural Study, Oxford Mon-

ographs on Classical Archaeology (Oxford, 2006).J. Tavlos, Pictorial Dictionary of Ancient Athens (London, Thames

and Hudson, 1977).R. A. Tomlinson, Greek sanctuaries (London, 1976).R. A. Tomlinson, Greek architecture (Bristol, 1989).José Varandas, “O punho dos deuses. Maquinaria de cerco

greco-romana (século IV a. C. - século IV d. C.)”, in António Ramos dos Santos e José Varandas (coord.), A Guerra na Antiguidade (Centro de História da Universidade de Lis-boa. Lisboa, 2006), pp. 125-159.

J. B. Ward-Perkins, Cities of ancient Greece and Italy (New York, 1974).

R.E. Wycherley, How the Greeks built cities (London, 1962).Susan Woodford, Cambridge introduction to the history of art:

Greece and Rome (Cambridge, 1982), partes I e II (trad. port., Introdução à história da arte da Universidade de Cambridge. Grécia e Roma, Rio de Janeiro, 1983).

Susan Woodford, The Parthenon (Cambridge, 1981).

Vol. I - Arquitectura Grega

253

ÍNDICE

Prefácio 5Advertência preliminar 7Introdução 9

Ordens e estilos 23Tipologia dos edifícios 33 Edifícios religiosos 33 Arquitectura doméstica 47 Edifícios políticos, administrativos e sociais 52 Edifícios culturais e desportivos 59 Outros edifícios e construções 80 Aspectos do urbanismo grego 86Santuário de Apolo em Delfos 91O problema das origens 98Evolução dos estilos 110 Estilo Dórico 111 Dórico arcaico 111 Dórico clássico 126 Estilo iónico 167 O iónico na Acrópole de Atenas 192

Arquitectura Helenística 212Atenas, escola da Hélade: espécie de conclusão 220

Glossário 241Bibliografia selecta 251Índice 253

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

254