contratos eletrÔnicos internacionais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO ERNANDO GARCIA DA SILVA JUNIOR CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS Fortaleza - Ceará 2007

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Page 1: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ERNANDO GARCIA DA SILVA JUNIOR

CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

Fortaleza - Ceará 2007

Page 2: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

ERNANDO GARCIA DA SILVA JUNIOR

CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Abimael Carvalho

Fortaleza - Ceará

2007

Page 3: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

ERNANDO GARCIA DA SILVA JUNIOR

CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Abimael Carvalho

Aprovada em 18 de janeiro de 2007.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Abimael Carvalho (Orientador)

Universidade Federal do Ceará e Faculdade Integrada do Ceará

________________________________________________ Prof. Clávio de Melo Valença Filho

Faculdade de Direito de Garanhuns/PE

________________________________________________ Prof. Sérgio Bruno Araújo Rebouças

Universidade Federal do Ceará

Page 4: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

A Deus, fonte primária de

toda a grandeza do

universo.

A meus pais, Ernando e

Marta, por tudo o que

representam.

Page 5: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

AGRADECIMENTOS

Agradecer é reconhecer que nunca estamos sozinhos e que sempre

precisaremos dos familiares, amigos, colegas e até de desconhecidos para

realizar algo na vida, por menor que seja a participação deles. Em princípio

agradeço a Deus pela força constante.

Aos meus pais, Ernando Garcia da Silva e Marta Maria Costa da Silva,

pela educação e respeito à liberdade de escolhas. Em especial, a minha mãe,

sempre presente nos momentos mais difíceis. Agradeço também a toda minha

família.

Ao professor Abimael Carvalho Neto, que com muita presteza e

dedicação me orientou neste estudo monográfico, fornecendo-me subsídios

teóricos e aperfeiçoando a idéia do meu tema, já tratado por mim durante a

graduação, de maneira mais simplificada.

Agradeço também aos professores Sérgio Bruno Araújo Rebouças e

Clávio de Melo Valença Filho por terem aceitado meu convite para compor a

mesa examinadora.

Por conseguinte, agradeço a todos meus amigos e colegas da

faculdade e da vida que contribuíram com a realização do presente trabalho, em

especial à Sibéria Nobre, Régis Peixoto, Fábio Nogueira, Nádia Valesca, Tatyana

Cavalcante, André Luiz, Esdras Rabelo, Tiago Paulo, André Menescal e Larissa

Lima.

Page 6: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

“O rio atinge seus objetivos porque aprendeu a contornar obstáculos”.

Lao -Tsé

Nemo nascitur sapiens

"Si avanzo, seguidme; si me detengo, empujadme; si retrocedo, matadme"

Che Guevara

Page 7: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

RESUMO

Diante dos avanços dos meios eletrônicos, a questão contratual ganhou novo

formato. Encontra-se a figura do contrato eletrônico possuindo a mesma validade

da forma contratual tradicional. Não se trata de outro instrumento jurídico, posto

que estão presentes em sua formação os requisitos exigidos pela lei brasileira:

partes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Diretamente a

este fenômeno contratual está a questão do comércio eletrônico, principalmente

no campo dos contratos de compra e venda de bens e serviços por meio de

sistemas de rede. Acentuam-se, também, problemas jurídicos nos contratos

eletrônicos, devido à insegurança que ainda impera na Internet, seu caráter

internacional e os conflitos de lei e de competência. Outro ponto relevante é a

aplicação da defesa do consumidor brasileiro em território estrangeiro. O

legislador pátrio e estrangeiro já busca compreender os recentes fenômenos,

buscando regulamentar as relações contratuais realizadas através da Internet.

Palavras chaves: contratos eletrônicos; Internet; comércio eletrônico; consumidor.

Page 8: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

ABSTRACT

Before the advances of electronic resources, the contractual matter has won a

new format. The Electronic Contract has been presented in the legal world,

having the same juridical value as the traditional contract form. It is not necessary

to have another legal tool, though there are found in its formation all requirements

demanding by Brazilian law, such as the capacity of the parts, legal object and

established form or not prohibited by law. This contractual phenomenon is linked

to the Electronic Commerce (e-commerce) subject that consists primarily of buying

and selling products or services trough electronic systems such as the Internet.

Actually, some law problems appear in this contractual form, related to Internet

unreliability, world wild range and law conflicts and competence. Other important

point is applying Brazilian costumer law in international lands. The national and

foreign legislator seeks for a new phenomena understanding, looking for

prescribing Internet contractual relations.

Key Words: electronic contracts; Internet; e-commerce, costumer.

Page 9: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................... 10 1 Contratos Eletrônicos

1.1. Conceito ........................................................................................ 16 1.2 Adoção do termo eletrônico em detrimento de outros ................... 19 1.3 Classificação dos contratos eletrônicos ......................................... 23 1.3.1 Contratações Intersistemáticas ............................................ 24 1.3.2 Contratações Interpessoais ................................................. 25 1.3.3 Contratações Interativas ...................................................... 27 1.4 Formação dos contratos eletrônicos .............................................. 28 1.4.1 Declaração de vontade ........................................................ 29 1.4.2 Momento da formação ......................................................... 32 1.4.3 Local da formação................................................................. 34 1.5 Condições de validade dos contratos eletrônicos .......................... 38 1.6 Assinatura digital ............................................................................ 44

2 Comércio Eletrônico Internacional 2.1 Conceito e parâmetros.................................................................... 51 2.2 Compra e venda de Bens através da rede .................................... 54 2.3 Fornecimento de serviços na Internet ............................................ 62

3 Aspectos Legais 3.1 Estrutura jurídica dos negócios via Internet.................................... 42 3.2 Lei aplicável e Competência .......................................................... 73 3.3 Competência nas relações de consumo ........................................ 81

Considerações Finais ................................................................................ 87 Referências ................................................................................................. 90

Page 10: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

INTRODUÇÃO

Com o advento da Informática e a criação da Internet, as relações entre

os indivíduos ganharam novos formatos. A humanidade passou a deparar-se com

uma nova realidade, na qual as fronteiras e distâncias entre as pessoas foram

reduzidas pelos monitores exibindo informações de toda natureza.

Diversas atividades são realizadas através do meio eletrônico, as quais

não podem ser simplesmente ignoradas pelo legislador, tampouco pelos órgãos

jurisdicionais. Dentre elas, destaca-se o comércio. É evidente que esta atividade

não poderia estar à margem dos meios cibernéticos, já que sempre estão

presentes no cotidiano os mais simples atos de compra e venda, seja de bens ou

de serviços.

Assim, surge uma nova atividade que passa a ser chamada de

comércio eletrônico. É mister que uma das formas mais corriqueiras de contrato, o

de compra e venda, causa uma série de indagações quando realizado através do

meio eletrônico. Nesta modalidade contratual prevalecem o caráter da

impessoalidade e a satisfação incerta.

Para o crescimento sustentável e eqüitativo do comércio eletrônico,

surge a necessidade da criação de medidas de segurança nas transações

realizadas por computadores. Por serem eletrônicas, imateriais e intangíveis, é

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indispensável uma regulamentação que reconheça a complexidade da

contratação e execução comercial dentro deste meio, adaptando os princípios

gerais do Direito Contratual e Comercial com as particularidades resultantes das

transações eletrônicas.

É importante, antes de tudo, fazer uma distinção óbvia, mas que não é

observada por muitas pessoas que procuram tratar o assunto. A Internet não é

sinônimo de comércio eletrônico, e o comércio eletrônico não é sinônimo de

Internet. A Internet é um meio de comunicação, assim como o rádio, o telefone e

a televisão. O comércio eletrônico é o comércio realizado através de

computadores, cujo principal meio é a Internet. Se uma pessoa se conecta

diretamente ao computador do banco, não utiliza a Internet. Se ela se conecta à

Internet para pesquisar páginas pessoais, não realiza atos de comércio. Um não

depende do outro, apesar de estarem intimamente ligados.

Realizar uma compra ou venda pela Internet possui diversas

vantagens, entretanto existem algumas dúvidas que tornam a atividade temerária

entre os usuários da informática, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. E

quando se trata da relação entre indivíduos de diversas nações, surge a

necessidade de que seus atos de vontade sejam amparados pelo ordenamento

jurídico, seja ele de seu próprio país ou aquele resultante de tratados e

convenções internacionais.

As transações eletrônicas, atualmente, são governadas por uma

complexa e inconsistente mistura de diferentes aspectos, envolvendo

jurisprudências, a aplicação da analogia, quando cabível, e várias instruções

Page 12: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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normativas, muitas destas relacionadas a assuntos diversos do comércio

eletrônico.

A inexistência e o desencontro destas normas legais contribuem com a

incerteza que rotunda a comercialização pela Internet, culminando em maiores

custos para esta atividade, e o pior, contribuindo para o seu retardamento, posto

que vultosas quantias são gastas judicialmente devido à incerteza das

responsabilidades advindas da prática do comércio eletrônico, conforme já

verificado em países da Europa.

Tendo em vista que o Brasil é um dos países com um dos maiores

números de internautas do globo e, também, com um dos maiores potenciais de

crescimento, os custos relacionados a esta nova prática comercial, gerados por

tal incerteza, serão de enorme monta. Daí a necessidade da uniformização dos

princípios que estruturarão esta recente modalidade, representando a facilitação e

a redução de custos desta atividade.

O presente trabalho se restringe aos contratos eletrônicos

internacionais, tema que gera muita hesitação por se tratar de algo recente,

embora já se tenha diversos estudos a respeito. É cediço que as atividades

cibernéticas possuem grande mutabilidade em sua forma, posto que o

desenvolvimento tecnológico cria novas formas do relacionamento homem –

máquina – homem.

O assunto em comento é deveras abrangente por sua

interdisciplinaridade. Ao intitular o presente trabalho de Contratos Eletrônicos

Internacionais, busca-se compreender os fenômenos dos contratos ditos

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eletrônicos, também conhecidos por contratos virtuais, contratos informáticos,

contratos artificiais, contratos cibernéticos, dentre outras denominações.

Utiliza-se aqui o termo internacional, tendo em vista o caráter inerente

desta forma contratual, propícia a facilitar as relações entre indivíduos de nações

distintas, devido à quebra das barreiras geográficas e à velocidade das

informações. Os países possuem cada vez mais integração em termos

econômicos. Cada vez mais, os mercados deixam a esfera nacional para, aos

poucos, se internacionalizarem.

O primeiro capítulo tem por objetivo buscar uma definição para os

contratos eletrônicos e explicar a adoção deste termo em detrimento dos demais.

Sua classificação será apresentada, em conformidade com a doutrina recente,

bem como suas peculiaridades em consonância com a teoria geral dos contratos.

Analisando os elementos de formação e a validade jurídica da

modalidade contratual em epígrafe, encontrar-se-á respostas para as questões

que podem surgir como: Poderá o contrato eletrônico substituir com segurança os

contratos tradicionais? Que garantias possuem os contratantes que utilizam a

Internet como meio para negociar? Qual a maneira efetivamente segura para

celebrar negócios jurídicos eletronicamente? Um documento eletrônico pode ser

utilizado validamente como meio de prova? Como verificar a autenticidade e a

integridade de um documento transmitido em meio eletrônico?

É impossível falar em contrato eletrônico e não adentrar na esfera do

comércio eletrônico. Dito tema está intimamente ligado a esta maneira contratual,

merecendo destaque no capítulo seguinte, no qual será também tratada a teoria

Page 14: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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geral dos contratos de compra e venda de bens e serviços, servindo de base para

aqueles realizados através da Internet.

O comércio eletrônico se torna uma das mais importantes modalidades

de negócios na atualidade. Não obstante, não há novidade extraordinária na

definição do que caracterize este tipo de comércio, pois nele residem duas idéias

chaves que já faziam parte do nosso cotidiano, e que apenas ganharam uma

nova roupagem: a venda à distância e a venda realizada por máquinas.

A venda à distância remonta-se ao século XIX com a venda por

correspondência, na qual o comerciante faz suas ofertas por meio de catálogos e

o comprador encomenda por via postal, realizando sua compra. Já na década de

1980, temos o exemplo dos processos de telecomunicações para contatar

clientes, no sistema de telemarketing. Em se tratando de venda realizada por

máquinas, encontra-se já há muito tempo a presença de máquinas vendedoras

que fazem simples contratos de compra e venda de mercadorias diretamente ao

adquirente, propiciando-lhe produtos da empresa, a exemplo das máquinas de

refrigerantes, cigarros, jornais, chocolates, dentre outros.

Importante perceber as vantagens da contratação eletrônica em

qualquer tipo de comércio. Ainda que se busque um modelo para as relações

envolvendo troca de dados, existem no mundo eletrônico diversos contratos entre

comerciantes, negociados sem protocolos preestabelecidos, e contratos com

consumidores, surgindo então um ambiente de questões legais. Ditas questões

vão desde a escolha da jurisdição para transações globais no cyberspace e a

possibilidade de formação do contrato sem a intervenção humana até aquela

relativa ao modo de satisfação às formalidade escritas e assinatura das partes em

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um ambiente "sem papel", onde apenas pressionando um ícone efetiva-se um

contrato entre as partes.

Destarte, no capítulo final, serão abordados os aspectos legais

concernentes aos contratos em tablado, bem como sua aplicação sobre o

comércio eletrônico, seja ele nacional ou internacional. Devido à ausência de

legislação específica, utiliza-se, a exemplo dos doutrinadores e operadores do

direito, a aplicação, seja diretamente ou por analogia, dos preceitos da legislação

vigente, pertinentes aos negócios e práticas tradicionais no comércio, bem como

os princípios inerentes a Lei de Introdução ao Código Civil no que for pertinente,

dado o caráter internacional da forma contratual em tela.

Por fim, não será esquecida a problemática da satisfação do

consumidor, posto que não se pode afirmar categoricamente que a lei

consumeirista brasileira será sempre aplicada, principalmente porque algumas

relações contratuais serão expressamente regidas pela lei estrangeira. A questão

poderá situar-se na validade e eficácia extraterritorial da lei brasileira.

É evidente que este estudo monográfico não tem a pretensão de

esgotar um tema tão amplo e controverso, muito menos dar um parâmetro

definitivo ao tema, não obstante, outrossim, trazer à luz do mundo jurídico

algumas crítica, posições e sugestões com relação a esta recente realidade nas

relações contratuais entre os indivíduos, nacionais ou alienígenas, bem como sua

implicação no comércio eletrônico internacional.

Page 16: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

1 CONTRATOS ELETRÔNICOS

1.1 CONCEITO

Contrato, do latim contractu, significa trato com. É a reunião de

interesses de pessoas acerca de determinada coisa, objetivando a produção de

efeitos no mundo jurídico, com a constituição, modificação, manutenção ou

extinção de direitos.

Como afirmado por Washington de Barros Monteiro, “é o acordo de

vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um Direito". 1

Ulpiano, afirmou que: "duorum pluriumve in idem placitum consensus",

vale dizer contrato é mútuo consenso de duas ou mais pessoas sobre o mesmo

objeto.

Também pode-se utilizar o conceito mais puro de contrato, elaborado

pelo jurista Clóvis Bevilacqua:

Pode-se considerar o contrato como um conciliador dos interesses, colidentes, como um pacificador dos egoísmos em luta. É certamente esta a primeira e mais elevada função social do contrato. E, para avaliar-se de sua importância, basta dizer que debaixo deste ponto de vista, o contrato corresponde ao direito, substitui a lei no campo restrito do negócio por ele regulado. 2

1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações, 2ª Parte. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 2 BEVILÁCQUA, Clóvis, Direito das Obrigação, 3ª edição acrescentada, 1931

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Segundo a definição elaborada por Maximilianus Fuhrer, o “contrato é a

convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou

extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial.” 3

O contrato possui três princípios básicos, além de suas condições de

validade, quais sejam: autonomia da vontade, o princípio da supremacia da ordem

pública e a obrigatoriedade.

É importante frisar que o Código Civil incorporou expressamente os

princípios contratuais como a boa-fé objetiva e a função social do contrato,

conforme expresso nos artigos 421 e 422.4

Dentre as funções do contrato, não se pode afastar a preservação da

vontade individual que deverá estar em consonância com os interesses do grupo

social. Destarte, os direitos contratuais, além de garantia constitucional como

direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI), gozam nos termos da Carta Magna a proteção

do devido processo legal (art. 5°, LIV), no qual ninguém poderá ser privado de

seus bens sem o devido processo legal.

As definições, bem como os princípios acima mencionados, são

perfeitamente aplicáveis aos contratos eletrônicos, visto que do seu conteúdo se

depreende inexistir qualquer elemento incompatível com a teoria geral dos

contratos. A natureza bilateral do negócio jurídico é perfeitamente identificável na

forma contratual em tela, bem como a sua formação pressupõe o encontro da

vontade emanada das partes acordantes, tal qual nos contratos em geral. Assim 3 FUHRER, Maximilianus C.A. Resumo de Obrigações e Contratos. 12ª edição. São Paulo:Malheiros Editores. p.27. 4 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Page 18: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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sendo, são eles perfeitamente aptos a produzirem os efeitos jurídicos inerentes

aos contratos, observando o princípio do pacta sunt servanda.

Ronaldo Alves de Andrade entende que contrato virtual, ou seja,

aquele celebrado por meio eletrônico é:

[...] o negócio jurídico celebrado mediante a transferência de informações entre computadores e cujo instrumento pode ser decalcado em mídia eletrônica, compreendendo nessa categoria os contratos celebrados via correio eletrônico, Internet, Intranet, EDI (Eletronic Date Interchange) ou qualquer outro meio eletrônico, desde que permita a representação física do negócio em qualquer mídia eletrônica, como CD, disquete, fita de áudio ou vídeo. 5

No mesmo sentido, entende Manoel J. Pereira dos Santos citado por

Erica Brandini Barbagalo: “São chamados contratos eletrônicos os negócios

jurídicos bilaterais que utilizam o computador como mecanismo responsável pela

formação e instrumentalização do vínculo contratual.” 6

Pertinente ainda, a colocação de Ronaldo Alves de Andrade:

[...] o contrato eletrônico não tem um perfil ou natureza jurídica distinta da dos contratos em geral. Não se trata de nova espécie não tipificada de contrato, como são os contratos de leasing, de franquia, de cartão de crédito, etc. Em verdade, é tão-somente um novo e atual meio de se efetivar um contrato, cuja instrumentação pode ser aportada em mídia eletrônica.7

E ainda, a sucinta definição dada por Luiz Guilherme Loureiro, “os

contratos eletrônicos nada mais são do que os pactos usuais no meio jurídico,

5 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo código civil e no código do consumidor. São Paulo:Manole, 2004. 6 BARBAGALO, Érica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001. 7 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo código civil e no código do consumidor. São Paulo:Manole, 2004.

Page 19: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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como, por exemplo, a compra e venda, a prestação de serviço e o mútuo,

aperfeiçoados mediante o concurso da informática. 8

Em termos gerais, o contrato eletrônico é aquele realizado ou

executado pela via eletrônica. O contrato celebrado mediantes meios eletrônicos

em toda sua formação, é tido como contrato eletrônico stricto sensu. Por outra

banda, o contrato avençado de modo tradicional, mas executado eletronicamente,

é considerado contrato eletrônico latu sensu. Portanto, ambas as categorias estão

inclusas dentro do conjunto desta forma contratual, presente na atualidade de

forma cada vez mais incisiva.

Diante do exposto, em suma, pode-se definir que contrato eletrônico é

o acordo de vontades individuais, celebrado ou executado pela via eletrônica, que

resulta na constituição, modificação, manutenção ou extinção de direitos,

obrigando todas as partes acordantes ou contratantes.

Cumpre ressaltar que os contratos eletrônicos têm a mesma validade

dos contratos comuns, o que difere um do outro é tão somente a forma da

contratação, através de um computador ligado à Internet, no qual a transferência

e compilação de dados expressa o que anteriormente era feito apenas na forma

impressa.

Destarte, entende-se que a Internet é apenas um meio de formação

contratual, como já entendido pela doutrina dos contratos em geral, não se

podendo ter a idéia fantasiosa de que se trata de um outro instrumento jurídico,

pelo simples fato de ele ser celebrado através de um sistema de redes.

8 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São Paulo: Método, 2002.

Page 20: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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1.2 ADOÇÃO DO TERMO ELETRÔNICO EM DETRIMENTO DE OUTROS.

Para a forma contratual objeto do presente estudo, são apresentadas

denominações como: “contratos virtuais”, “contratos informáticos”, “contratos

artificiais”, “contratos eletrônicos”, dentre outros.

Os contratos informáticos são os contratos que têm por objeto os bens

produzidos pela informática, tais como contratos de licença de uso de software

(programas), de desenvolvimento de programas, de locação e manutenção de

equipamentos, construção e manutenção de banco de dados. Neste tipo

contratual, a informática fornece os bens por ela tutelados, mas não exatamente

os meios de execução e contratação.

A denominação de contratos virtuais não se aplica aos contratos

celebrados ou executados por intermédio de meios eletrônicos, senão vejamos. A

potencialidade do contrato virtual ensejaria alegações de que os pactos realizados

não teriam eficácia, tendo em vista não constituírem obrigações reais. Assim, os

consumidores tornar-se-iam reféns da faculdade dos proponentes em cumprirem

os pactos realizados, os preços avençados, de modo que as Leis de Consumo

deixariam de assegurar direitos, perdendo sua eficácia.

Por outro lado, faz-se oportuno recorrer às palavras de Pierre Lévy no

qual afirma “virtual é o que não existe como realidade, mas como potência ou

Page 21: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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faculdade; que equivale a outro, podendo fazer às vezes deste, em virtude ou

atividade; potencial; que não tem efeito atual; possível.”9

Um contrato celebrado em meio eletrônico pode ser executado até

imediatamente à sua aceitação, a exemplo de um download de um programa que

se dá logo em seguida a sua compra realizada, seja por intermédio de débito

automático ou cartão de crédito.

Os contratos eletrônicos verdadeiros, ou seja, os contratos sérios,

realizados respeitando os princípios da boa-fé, são reais, verdadeiros, idôneos,

estando os mesmos distantes de serem potenciais.

Ao passo que o comércio eletrônico toma conta de uma grande parcela

dos negócios realizados entre os indivíduos, ditos contratos devem impor

confiablidade, para que não haja descrédito e conseqüentemente abstenção em

seu uso.

No tocante à denominação contratos artificiais, ao utilizá-la, tem-se, a

exemplo dos contratos virtuais, algo não real. Cumpre ressaltar que a

possibilidade de tornar-se real estaria sometida ao talante dos contratantes, em

contraposição ao pacta sunt servanda, como se o ato realizado não gerasse

nenhum efeito jurídico. Portanto, tais contratos, seja porque praticamente

inexistem, seja pela razão da potencialidade que representam, não interessam ao

mundo jurídico.

No estudo em epígrafe, adota-se o termo contratos eletrônicos, para

aqueles celebrados ou executados por meio eletrônico, ou seja, possuem a forma

9 LEVY, Pierre. O que é virtual. Tradução de Paulo Neves. São Paulo. Ed.34,1996

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concebida através de dados informatizados, operacionalizados por meio do

computador.

É mister ressaltar que o uso da expressão contrato eletrônico não é

unanimemente aceita entre os juristas pátrios. Apoiados em preciosismos

técnicos, alguns autores defendem como mais correto o uso de termos tais como

contratos cibernéticos, contratos digitais, contratos por computador, contratos on-

line, contratos informáticos ou por meio de informática.

Um dos grandes opositores ao uso da expressão contratos eletrônicos

é Silvânio Covas, que, ao sustentar como mais correto o termo contratos por meio

de informática, adverte:

Trata-se de analisar contratos usuais no meio jurídico, que são aperfeiçoados mediante o concurso da informática. Dessa forma, se apresenta imprópria a denominação de contratos eletrônicos, pois o contrato pode ser de compra e venda, de prestação de serviço, de cessão de uso etc., e o fato de serem realizados por meio eletrônico não lhes retiram as características que lhes dão nome e classificação. Igualmente não se pode falar em contratos por computador, pois o hardware simplesmente dá base para operacionalizar o software, sendo que este, sim, vai oferecer o ambiente para o aperfeiçoamento do contrato. De qualquer forma, ambos, hardware e software integram o conceito mais amplo de informática. Abandona-se, por fim, a opção por contratos on-line, pois a informática também permite a contratação off-line, sem contudo deixar de ser um método informatizado para realização do contrato.

Em que pese todo o esforço do ilustre autor, as diferenças apontadas

para justificar a não utilização de um ou de outro termo, verifica-se, apoiado no

mesmo entendimento de Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia10, revestem-se de

sutilezas de natureza técnica que mais interessam às ciências informáticas do

que ao Direito.

10 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Da validade jurídica dos contratos eletrônicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 264, 28 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4992>. Acesso em: 02 jan. 2007.

Page 23: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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Assim, por ser a mais difundida e usual, adota-se a expressão contrato

eletrônico, como já ressaltado, visando, inclusive, a seguir a mesma linha da

denominação já consagrada nas expressões documento eletrônico, comércio

eletrônico (e-commerce), correio eletrônico (e-mail), mensagem eletrônica e

banco eletrônico, dentre outras.

Diante do exposto, não há que se falar em contratos informáticos,

virtuais ou artificiais, porque os celebrados e os executados eletronicamente

versam sobre quaisquer assuntos, têm objeto diversificado, devendo ser

verdadeiros e reais, respeitando o princípio da boa-fé, o verdadeiro pilar da

atividade contratual.

1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

A contratação eletrônica pode ser dividida em dois grupos distintos: a

contratação automática e a contratação interpessoal. A primeira é aquela que

ocorre totalmente automatizada, ou seja, estabelecida entre a pessoa e um

sistema previamente programado. Já a segunda, é aquela realizada entre duas

pessoas através de uma rede de computadores, geralmente pela Internet.

Importante destacar que a contratação totalmente automatizada, sendo

aquela que dispensa qualquer intervenção humana, suscita maiores

questionamentos jurídicos, justamente pela ausência de qualquer vontade no

momento da celebração dos negócios jurídicos.

Existem diferentes classificações apresentadas pelos estudiosos do

tema, porém todas são unânimes no tocante ao ponto de partida, os diversos

Page 24: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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modos possíveis de contratação eletrônica. Diferem, portanto, das classificações

tradicionais, uma vez que se baseiam nas variadas formas de utilização do

computador, conectado em rede, para a manifestação de vontade das partes.

Com o intuito de facilitar a resolução da referida problemática,

apresenta-se o modelo proposto por Marisa Delapieve Rossi11, que divide a

contratação eletrônica em três categorias de contratos: os interpessoais, os

interativos e os intersistêmicos.

1.3.1 Contratações Intersistemáticas

Os contratos eletrônicos intersistêmicos são aqueles em que a

contratação eletrônica se estabelece entre sistemas aplicativos pré-programados,

sem qualquer ação humana, utilizando a Internet como ponto convergente de

vontades preexistentes, estabelecidas em uma negociação prévia. Tal

modalidade ocorre predominantemente entre pessoas jurídicas, para relações

comerciais de atacado.

Nesta forma contratual, as partes estabelecem as regras para a

utilização do sistema de comunicação entre elas, sendo este um contrato

acessório ao principal.

Cumpre enfatizar que a contratação principal é feita em um momento

anterior, sem a utilização de qualquer equipamento de informática. Nessa fase, as

partes emitem suas declarações de vontade, seguindo, em regra, o modelo

tradicional dos contratos, estabelecendo os critérios e protocolos de futuras

transações que serão feitas de forma automática, sem intervenção humana, pelos

11 ROSSI, Marisa Delapievi. Aspectos legais do comércio eletrônico – Contratos de adesão. Anais do XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual da ABPI, 1999, p.105.

Page 25: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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sistemas de computador de cada contratante. Estes estarão programados para

realizar, eletronicamente, os negócios jurídicos acessórios, vinculados e regidos

por um contrato escrito previamente ajustado entre as partes.

Marisa Delapieve Rossi esclarece que, na contratação intersistêmica, a

manifestação de vontade dos contratantes se dá no momento em que os sistemas

de computador de cada parte são programados para que a comunicação entre

eles seja estabelecida e, com isso, possibilite a realização de futuras e, via de

regra, sucessivas transações eletrônicas, que poderão constituir-se em contratos

derivados.

Para exemplificar este tipo de contrato, mencionam-se os serviços de

banco de dados, usados pelo comércio e pelos bancos como SERASA, SPC,

Cadastro de Emissão de cheques sem fundos, bem como a assinatura de

provedores de acesso a Internet. Nestes exemplos, as informações são trocadas

entre computadores, entretanto foram negociadas previamente através de outro

contrato.

1.3.2 Contratações Interpessoais

Essa forma contratual é aquela, pela qual, previamente à contratação,

existe uma comunicação eletrônica para a formação da vontade e a

instrumentalização do contrato que é celebrado tanto por pessoas físicas, quanto

jurídicas. Diferentemente da contratação intersistemática, não é uma simples

forma de comunicação de uma vontade pré-constituída, ou de execução de um

contrato concluído previamente;

Page 26: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

26

Este tipo de contrato é subdividido em duas espécies: recepção

instantânea da declaração de vontade e aceitação e a não recepção instantânea

da declaração de vontade e aceitação.

Os simultâneos são celebrados em tempo real, quando as partes estão

conectadas respectivamente, ou na melhor linguagem cibernética, on-line,

possibilitando que a declaração de vontade seja recebida pelo policitante no

momento que é declarada pelo oblato. Seriam, nestes casos, os contratos

celebrados através dos bate-papos (chats), vídeo conferências ou através de

programas de comunicação instantânea, como o ICQ, MSN Messenger, Yahoo

Messenger, Skype, Google Talk, dentre outros.

Estes se equiparam aos contratos celebrados através de telefone,

entre pessoas presentes, conforme prevê o artigo 428, inciso I do Código Civil

Brasileiro.12

Nos contratos com recepção não simultânea, a recepção da declaração

de vontade não ocorre simultaneamente, havendo, portanto, certo lapso temporal.

Como exemplo, apresenta-se os contratos celebrados através de correio

eletrônico (e-mail), equiparando-se estes aos celebrados através de

correspondência epistolar comum, prevista nos artigos 433 e 434 do Código Civil

Brasileiro:

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:

12 Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;

Page 27: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

27

I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado.

A mensagem através de e-mail não pode ser considerada instantânea,

já que é necessário novo procedimento com o computador para que o usuário

possa ter acesso ao conteúdo de suas mensagens, o que afasta de pronto o

caráter imediato.

Nesse sentido, invoca-se a orientação de Erica Barbagalo, que, ao citar

Erica Aoki, explica:

[...] mesmo que a transmissão via correio eletrônico seja muito rápida, esta não pode ser considerada como instantânea. Isso porque, para se ter acesso à mensagem enviada por correio eletrônico, é necessária nova interação com o computador, ou seja, o conteúdo da mensagem não chega ao conhecimento do destinatário involuntariamente: é necessário que este execute nova ação para que possa acessar o conteúdo da mensagem recebida, o que retira a instantaneidade da comunicação.

Posto isto, os contratos eletrônicos que se formarem pela troca de

declarações de vontade efetivadas por correio eletrônico há de serem

considerados como contratos entre ausentes, ou, utilizando a classificação

apresentada, como contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos.

1.3.3 Contratações Interativas

Esta talvez seja a mais usual forma de contratação utilizada pelo

comércio eletrônico de consumo, vez que resulta de uma relação de comunicação

estabelecida entre uma pessoa e um sistema previamente programado. Trata-se

de um típico exemplo de contratação à distância, onde os serviços, produtos e

informações são ofertados, em caráter permanente, através do estabelecimento

Page 28: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

28

virtual, conhecido por site, acessado pelo usuário, que manifesta sua vontade ao

efetuar a compra.

É válido frisar que a preparação do sistema computacional, que figura

em um dos pólos da relação jurídica, é feita num momento anterior, por uma

pessoa, que estabelece, em seu computador, regras, condições e procedimentos

para a contratação. Em geral, quando da efetiva celebração do contrato, feita

entre um contratante e o sistema eletrônico programado, a parte responsável por

este último não terá ciência imediata de que o negócio jurídico foi firmado.

Sobre esta categoria de contratos eletrônicos, Marisa Delapieve Rossi

leciona que:

As contratações interativas são o resultado de uma relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um sistema aplicativo. Note-se que o sistema aplicativo com o qual a comunicação se estabelece nada mais é do que um programa de computador que possibilita o acesso a bancos de dados diversos, ao mesmo tempo em que contém funções múltiplas que possibilitam a interação do usuário, para, por exemplo, escolher itens de compra desejados, preencher formulários de dados pessoais e, especialmente, indicar sua aceitação aos termos de fornecimento.

Os contratos interativos são essencialmente contratos de adesão,

quando se apresentarem ao contraente como instrumento contratual cuja

aceitação se dará pela anuência deste às regras já estabelecidas. 13

1.4 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

Conforme a teoria geral dos contratos, para que ocorra sua formação é

necessário duas declarações de vontade concordando em gerar uma norma

13 BARBAGALO, Érica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001, Pg. 57

Page 29: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

29

convencional entre as partes, desembocando no princípio do Pacta Sunt

Servanda.

Alguns juristas entendem que os contratos eletrônicos não constituem

uma nova modalidade de contrato, mas apenas um novo meio de formação do

vínculo negocial, não previsto expressamente pelo nosso legislador. Sob esse

aspecto, não haveria qualquer inovação substancial pertinente aos requisitos de

validade dos contratos eletrônicos e à sua aceitação jurídica com meio de prova.

Com o intuito de dirimir quaisquer dúvidas em relação à existência e

validade do contrato eletrônico, serão analisadas as características e requisitos

concernentes à contratação tradicional, bem como os aspectos relativos à

formação do vínculo contratual. Serão identificadas suas correspondências com

essa recente modalidade contratual, apontando semelhanças e salientando

eventuais diferenças que, apesar de existirem, não podem afastar a credibilidade

e a imperiosa validez da celebração eletrônica nos negócios jurídicos.

1.4.1 Declaração de Vontade

É mister que a partir de atos de manifestação de vontade as partes

acordam em celebrar um determinado negócio jurídico. A exteriorização de uma

declaração de vontade por ser feita por palavras, gestos, desenhos e sinais,

sendo necessária a existência de um meio de comunicação entre os contratantes,

a fim de que um possa conhecer a intenção manifestada pelo outro.

A comunicação utilizada pelas partes para transmitir suas declarações

de vontade não é taxativa, rigorosamente prevista ou determinada. Ao contrário,

Page 30: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

30

qualquer maneira eficiente de levar ao conhecimento da parte destinatária o

conteúdo da declaração da parte que a emitiu, será considerada válida.

Destarte, desde que produzam o efeito desejado, poderão ser

utilizados, entre outros: palavras faladas diretamente à parte receptora, seja em

sua presença física ou não, como ocorre nas ligações telefônicas e nas

videoconferências; palavras escritas, expressas por correspondência epistolar ou

por correio eletrônico; e até mesmo gestos, uma vez transmitidos por meio de

recursos televisuais pela rede mundial de computadores. Inúmeras são, portanto,

as combinações possíveis entre meios de exteriorização da vontade e os de

comunicação dessas à parte interessada.

Pelos exemplos expostos, percebe-se que os recursos e as facilidades

presentes no meio magnético possibilitam a perfeita exteriorização de vontades

das partes contratantes. O correio eletrônico é um exemplo de declaração de

vontade expressa por palavra escrita. A videoconferência, por sua vez, é um

exemplo claro de manifestação volitiva feita por meio de palavra falada e, por que

não dizer, gestos e sinais. O meio de comunicação destas vontades, contudo,

será sempre o mesmo: uma rede de computadores.

Sobre a validade desta declaração de vontade, Erica Barbagalo afirma

que não há como questionar sua legitimidade, sendo certo que as interações

feitas em um site não são forçadas, mas envolvem uma atitude deliberada da

parte:

O site não é automaticamente projetado no computador do usuário sem que este tenha agido para tanto. Ao contrário, o usuário precisa praticar uma série de atividades para ter acesso a um Web site: é preciso ligar o computador, acessar a Internet, depois a Web e finalmente o Web site específico. Depois, durante a interação com o Web site, outras atitutes

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31

levarão o usuário a confrontar-se com a opção de ‘clicar’, pressionar, a opção que represente sua vontade.14

Outra peculiaridade das declarações de vontade emanadas em meio

eletrônico é que deve existir total compatibilidade técnica entre os sistemas

computacionais utilizados na transmissão e recepção das declarações. Vale dizer

que os computadores das partes contratantes deverão estar em consonância,

proporcionando a ambas partes o pleno conhecimento do conteúdo das

declarações transmitidas pela rede. Assim sendo, as manifestações de vontade

ininteligíveis, obscuras ou criptografadas serão consideradas inválidas se a parte

que as recebeu não tiver meios hábeis para entender seu conteúdo.

Em suma, afirma-se sem sombra de dúvida que se o recebimento e o

entendimento do conteúdo da declaração de vontade atingir os contratantes,

irrelevante será a forma pela qual esta foi manifestada e transmitida.

1.4.2 Momento da Formação

Definir o momento exato de formação do contrato é tarefa das mais

importantes dentro do Direito Civil, no estudo dos contratos. É mister que o

instante de concretização do vínculo negocial é o marco inicial para que o

contrato possa produzir os efeitos jurídicos livremente convencionados pelas

partes. É a partir da formação do vínculo contratual que as partes ficam impedidas

de revogar suas declarações de vontade, sem que isso lhes traga, em regra,

algum ônus contratual. Também será neste momento em que todos os requisitos

de validade do contrato celebrado haverão de ser verificados.

14 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001.

Page 32: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

32

Na esfera contratual, destaca-se a figura do proponente, sendo aquele

que emite a declaração receptícia da vontade, denominada proposta, com o

intuído de contratar. Por outra parte, aparece a figura do oblato, o destinatário da

proposta que emite a declaração receptícia da vontade, denominada aceitação.

O vínculo contratual surge quando a proposta e a aceitação se

entrelaçam, e só se torna perfeito e acabado quando o acordo entre os envolvidos

se verifica quanto a todas as cláusulas, principais ou acessórias.

A policitação ou proposta é a declaração inicial vinda do policitante ou

proponente, no qual é manifestada sua intenção de se vincular a outra parte. O

policitante, por intermédio de uma declaração de sua vontade, suscita a formação

do contrato.

A oferta, proposta ou policitação deve conter todos os elementos

essenciais do negócio jurídico desejado, devendo apresentar seriedade, precisão

e certeza, de tal forma que a simples aceitação finaliza o negócio, formando o

vínculo contratual.

A oferta será destinada a uma pessoa determinada ou determinável,

mesmo nos casos de propostas dirigidas a uma determinada parcela de pessoas

ou ao público. Ainda que incerta, a pessoa deve ser determinável, tornando-se

determinada assim que ocorrer a aceitação da policitação.

A oblação ou aceitação é a declaração da vontade com relação a

proposta, onde há a concordância da parte aceitante, também conhecida por

oblato, com relação a proposta do policitante. Com a oblação, a formação do

Page 33: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

33

vínculo contratual esta completa, obrigando o proponente a cumprir o contrato por

ele ofertado.

A aceitação contratual pode ser considerada entre presentes ou

ausentes. Em se tratando de partes presentes, o vínculo contratual se forma

instantaneamente, no qual as partes reúnem suas declarações de vontade, no

momento em que são emitidas. Deste acordo de vontades resulta o contrato, no

qual se forma no local em que se encontram os contratantes.

A ficção legal de que é considerado entre presentes o contrato

celebrado por telefone é conseqüência do fato de que, mesmo diante da distância

física entre as partes, existe a troca imediata de declarações de vontade.

Sendo o contrato eletrônico realizado sob a mesma idéia, ou seja, os

contratantes estão distantes, comunicando-se através da emissão de dados pela

internet, pode-se considerar esta forma contratual realizada entre presentes,

quando realizada on-line, dada o imediatismo da reunião das declarações de

vontade.

No tocante as partes consideradas ausentes, encontra-se na doutrina

as teorias da cognição e agnição, no qual objetivam explicar como o contrato será

constituído.

Segundo a teoria da cognição, o contrato só se aperfeiçoa no momento

que o proponente toma conhecimento da aceitação. É o sistema adotado pelos

Page 34: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

34

Códigos: espanhol (art. 1.262,2ª al.), argentino (art. 1454), suíço das Obrigações

(art. 8°, 1ª al.), dentre outros.15

Consoante a teoria da agnição, o contrato se ultima pela declaração do

aceitante. Essa teoria é subdividida pela doutrina em outras três: a subteoria da

declaração, a subteoria da expedição e a subteoria da recepção.

Na subteoria da declaração, o contrato se forma desde que o aceitante

escreve a carta. Ainda que a concepção seja lógica, pois neste momento é

externado o consentimento por parte do oblato, não existe interesse prático, pois

a carta, a despeito da escrita, não terá qualquer eficácia antes de expedida.

A subteoria da expedição entende que o momento do aperfeiçoamento

do contrato é aquele em que a carta ou telegrama é expedido, pois nesse instante

o aceitante não poderá modificar a vontade manifestada, ficando-lhe subtraída a

opção de arrependimento.

O Código Civil Brasileiro seguindo posição do código comercial adotou

como regra a teoria agnição na modalidade da subteoria da expedição. O caput

do artigo 434 do Código Civil diz que “os contratos entre ausentes tornam-se

perfeitos desde que a aceitação é expedida”.

Por fim, a teoria da recepção no qual acredita que só haverá a

conclusão do contrato no momento que a aceitação chega às mãos do

proponente.

15 Código Civil Espanhol, art. 1262, alínea 2ª: “La aceptación hecha por carta no obliga al que hizo la oferta sino desde que llegó a su conocimiento”.

Page 35: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

35

1.4.3 Local da Formação.

Superada a aceitação, há que se determinar o local onde pode ser

efetivada a celebração do contrato. O lugar em que o contrato é concluído é

necessário para eleger o foro competente e também qual lei aplicar.

O artigo 435 do Código Civil prevê que o contrato reputar-se-á

celebrado no lugar em que foi proposto, ou seja, onde a proposta foi realizada.

Vale lembrar que o Código Civil é de direito interno, está voltado a disciplinar os

contratos quando as partes têm residência dentro do território nacional.

Em matéria de Direito Internacional Privado, o referido artigo deve ser

conjugado com o preceito do artigo 9º § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil,

que determina reputar-se constituída a obrigação resultante do contrato no local

em que residir o policitante.

Os contratos eletrônicos intersistêmicos não apresentam, via de regra,

qualquer dificuldade quanto à determinação do local de formação do vínculo

contratual. Isto ocorre porque os negócios jurídicos derivados, celebrados entre

os sistemas de computadores das partes, estarem atrelados a um prévio contrato

principal que, na maioria das vezes, é firmado de forma tradicional, mediante

instrumento escrito. Assim, para se saber o local de formação do contrato, deve-

se analisar o contrato principal, buscando nele, e não nos acessórios, a

identificação do proponente e do aceitante.

Já os contratos eletrônicos interpessoais e os interativos não

apresentam facilidade quando o assunto é determinar com precisão o lugar de

formação do vínculo contratual.

Page 36: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

36

Nestas modalidades de contrato, a localização física do proponente é

uma tarefa bastante difícil e complexa, principalmente devido a dois fatores: 1) os

legisladores brasileiros não previram o advento da comunicação móvel; 2) a

identificação que o usuário tem na rede de computadores é lógica, referente ao

endereço de seu computador na rede, e não física; isto significa que uma pessoa

residente no Brasil, utilizando-se, por exemplo, de um provedor de acesso

alemão, terá uma identificação lógica proveniente da Alemanha, sendo indiferente

o local físico onde efetivamente esteja; mesmo que esteja em trânsito, sua

identificação lógica não se alterará, permanecendo a mesma durante toda a

conexão.

Muitos problemas, entretanto, poderiam ser facilmente resolvidos se os

contratantes eletrônicos internacionais, tivessem o cuidado de incluir, entre as

cláusulas do negócio jurídico, uma que dispusesse sobre eleição de foro ou que

indicasse a origem física da proposta. Esse procedimento certamente

proporcionaria maior segurança jurídica aos contratantes no tocante à aplicação

da lei no espaço.

Mas o que se observa é que tais medidas não são tomadas pelas

partes pactuantes, tendo que na falta de legislação específica recorrer às

soluções oferecidas pela tecnologia.

Várias são soluções sugeridas pelos diversos estudiosos do assunto,

entretanto, as que se apresentam mais acessíveis e coerentes com a realidade

Page 37: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

37

são as elencadas pela ilustre autora Erica Barbagalo16, em seu livro Contratos

Eletrônicos.

Nos casos de contratos eletrônicos interpessoais não simultâneos,

quando a negociação se der mediante uso de correio eletrônico, é possível o

rastreamento, por meio da rede de computadores, buscando-se, no servidor de e-

mails da empresa provedora de acesso, a procedência física da mensagem. Este

servidor é, na verdade, um computador que provê, para toda uma rede, dados e

serviços relativos às mensagens de correio eletrônico enviadas e recebidas por

todos os seus usuários. Rastreando-se eletronicamente o caminho percorrido pela

proposta, enviada por correio eletrônico, chega-se ao servidor de e-mails, que,

consultando seus registros, poderá informar com segurança a localização física

do computador de onde foi emitida a oferta.

De forma semelhante, é possível o rastreamento eletrônico das

propostas emitidas on-line, ou seja, quando feitas na modalidade de contratação

interpessoal simultânea. Também neste caso, a ajuda da empresa provedora de

acesso é imprescindível para a correta identificação física do proponente.

No tocante aos contratos eletrônicos interativos, no qual o usuário,

eventual aceitante, interage com um sistema de computador, no qual, via de

regra, está inserida a proposta, a solução do problema é um pouco diferente. Se

no site tiver referência à localização do proponente ou se constar no contrato

eletrônico cláusula relativa a essa questão, fica seguramente resolvida qualquer

controvérsia quanto ao local de formação do vínculo contratual.

16 BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001.

Page 38: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

38

Não obstante, haja omissão, o simples rastreamento eletrônico talvez

não seja suficiente para identificar com exatidão o proponente, pois o site, onde

consta a oferta, pode estar alojado em um sistema computacional de propriedade

de terceiros, situado em um lugar fisicamente diverso daquele onde o proponente

tem estabelecidas suas ocupações habituais.

Nessas circunstâncias, além daquelas onde eventualmente for

impossível a determinação exata do proponente, seja por restrições técnicas, seja

por falta de um cadastro de informações da provedora de acesso, presumir-se-á

emitida a proposta no chamado domicílio lógico do ofertante, assim considerado o

lugar indicado como de origem de sua identificação lógica na rede de

computadores.

Um problema bastante interessante suscitado por Erica Barbagalo diz

respeito ao proponente que se encontra em trânsito. Especialmente nestas

circunstâncias, entende a autora que o vínculo contratual deve ser considerado

formado no lugar de última residência do proponente. Tal posicionamento é

justificado pelo fato de não poder ser tido como residência o local onde o ofertante

esteja simplesmente passando uma temporada, sem qualquer intenção de ali ser

estabelecida.

A ilustre autora considera que a oferta feita pelo proponente, quando

em trânsito, é emitida de um local acidental, que, mesmo se a contratação não se

fizer eletronicamente, não deverá ser reputado o lugar de celebração do negócio

jurídico. Para ilustrar seu entendimento, Erica Barbagalo apresenta o seguinte

exemplo:

Page 39: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

39

Para tornar mais clara essa observação, pode-se utilizar o exemplo de uma pessoa que, durante uma viagem internacional, se utilize de seu telefone celular para fazer uma proposta, formulando-a no momento em que atravessa país intermediário entre sua origem e seu destino, país este estranho a ambas as partes.

Depois desta exposição, não resta dúvida de que, ao reputar formado o

vínculo contratual no lugar de emanação da proposta feita em trânsito, estar-se-ia

incorrendo em um grave equívoco, uma vez que a vontade do legislador, ao optar

pela residência do proponente como local de referência para aplicação das leis no

espaço, foi justamente presumir que o emissor da declaração de vontade inicial,

onde, via de regra, constam as cláusulas essenciais à celebração do negócio

proposto, estaria consciente das normas legais de onde se encontrava.

1.5 CONDIÇÕES DE VALIDADE DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

Para serem considerados válidos e, conseqüentemente, produzam

seus os efeitos jurídicos, nos contratos eletrônicos devem estar presentes os

elementos estruturais e funcionais, assim definidos pela doutrina, e também

condições previstas no artigo 104 do Código Civil Brasileiro: partes capazes,

objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

Os elementos estruturais e funcionais podem ser facilmente verificados

nos contratos celebrados eletronicamente. De fato, a formação eletrônica do

negócio jurídico jamais ocorreria sem a convergência de duas ou mais vontades e

a composição de interesses contrapostos, a fim de constituir, modificar ou

extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.

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40

Quanto às condições, ou requisitos supramencionados, convém

relembrar a classificação feita pela doutrina, que as distingue em subjetivas,

objetivas e formais.

Os requisitos subjetivos se referem à capacidade e legitimação das

partes contratantes. Também nos contratos eletrônicos, é mister a existência de

duas ou mais pessoas, uma vez que os contratos são bilaterais ou plurilaterais.

Obrigatoriamente, as partes devem manifestar, de forma livre e consciente, seu

consentimento em efetivar a contratação e, tal quais os contratos tradicionais, há

necessidade de possuírem capacidade genérica para os atos da vida civil e

aptidão específica para contratar.

Sem dúvida, a capacidade e a legitimação das partes são, das

condições de validade dos contratos eletrônicos, as que mais preocupam os

juristas, isto porque, no meio eletrônico, a verificação desses requisitos se torna

mais difícil pelo fato de as declarações de vontade serem manifestadas sem que

as partes estejam uma perante a outra.

No tocante a teoria geral dos contratos, importante é a lição de Orlando

Gomes17, que considera os elementos constitutivos dos contratos como

17 GOMES, Orlando. Contratos. Rio Janeiro: Forense, 1990. p.45-46. Para ele, requer o contrato, para valer, a conjunção de elementos extrínsecos e intrínsecos. A doutrina moderna distingue-os sob os nomes, respectivamente, de pressupostos e requisitos. Pressupostos são as condições sob as quais se desenvolve e pode desenvolver-se o contrato (FERRARA). Agrupam-se em três categorias, conforme digam respeito: 1º) aos sujeitos; 2º) ao objeto; 3º) à situação dos sujeitos em relação ao objeto. Todo contrato pressupões: a) capacidade das partes; b) idoneidade do objeto; c) legitimação para realizá-lo. Esses pressupostos devem estar presentes no momento em que o contrato se realiza ou alcança vigor. (BETTI). São, portanto, extrínsecos, embora se integrem posteriormente na relação contratual. Mas, não bastam. A lei exige outras condições para o contrato cumprir sua função econômico-social típica. São requisitos complementares, considerados elementos intrínsecos indispensáveis à validade de qualquer contrato: a) o consentimento; b) a causa; c) o objeto; d) a forma. Porque pressupostos e requisitos se complementam, confundem-se, apesar de serem diverso. Por simplificação, diz-se que são requisitos essenciais à validade do negócio jurídico: a capacidade do agente, a possibilidade do objeto e a forma, esta quando prescrita em lei. Sendo o

Page 41: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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verdadeira “força propulsora”, posto que eles permitem aos interessados a

condução da intenção de contratar, de modo a permitir ao outro interessado, de

interesse contraposto, o conhecimento e a respectiva condução, visando à

coincidência entre elas como o nascedouro do contrato. Tratam-se das

declarações receptícias de vontade (oferta e aceitação) e ainda da coincidência

entre ambas (o consenso).

Presentes os requisitos iniciais, o contrato eletrônico será eficaz

parcialmente, já que, faz-se necessário observar ainda, a autenticidade da

manifestação de vontade expressada pelos contratantes, no qual deverá

apresentar a capacidade e a legitimidade de quem está contratando. Há que se

verificar se as partes envolvidas tratam-se delas mesmas, já que tal confirmação

se torna difícil, tendo em vista que nesta modalidade contratual os pactuantes não

estão presentes fisicamente, sendo que sem a confirmação deste requisito a

manifestação da vontade das partes não apresentará validade.

Dentre as maneiras de verificação encontradas pela tecnologia atual, a

assinatura eletrônica vem sendo bastante utilizada nos contratos realizados

através dos computadores. Esse método de confirmação das partes é realizado

através de uma entidade certificadora privada ou estatal que confirma os dados

do aceitante e do proponente, afastando desta forma a dúvida quanto às pessoas

e ao objeto de pactuação.

A comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional,

conhecida pela sigla UNCITRAL, United Nations Commission on International

contrato negócio jurídico bilateral, a vontade dos que o realizam requer exame à parte, por ser particularização que precisa ser acentuada. Assim, o acordo das partes adquire importância especial entre os elementos essenciais dos negócios jurídicos bilaterais. É de resto, sua força propulsora.

Page 42: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

42

Trade Law, considerando a necessidade de um modelo de lei aceitável aos

diversos países, a fim de facilitar o uso de meios eletrônicos de comunicação,

contribuindo para o estabelecimento de relações comerciais neste meio, aprovou

em 1996, sua Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico. A referida lei modelo tem

por finalidade oferecer um conjunto de regras internacionalmente aceitáveis, que

permitam eliminar obstáculos calcados na incerteza da validade jurídica das

comunicações por meios eletrônicos em âmbito de Direito interno.

Ainda no tocante às partes, Newton de Lucca18 chama a atenção para

a questão dos agentes intervenientes, que atuam na rede de computadores.

Estes, por sua vez, não podem ser considerados parte na celebração eletrônica

de um negócio jurídico.

Um exemplo bastante conhecido destes agentes são as provedoras de

acesso à internet, empresas responsáveis, em princípio, por organizar e manter o

meio físico (cabos, equipamentos etc.) e o logístico (software de comunicação),

viabilizando, assim, a comunicação entre o computador do usuário e a Internet.

Maurício Matte19 considera a empresa provedora de acesso à Internet uma

simples "atravessadora" de informações, que nem sequer tem conhecimento do

conteúdo dos textos transmitidos eletronicamente pela rede.

Os requisitos objetivos de validade dos contratos referem-se à

idoneidade, licitude e possibilidade jurídica do objeto contratado, devendo este ser

certo ou determinável e versar sobre um interesse economicamente apreciável.

Mais uma vez, comprova-se que não há óbice para a aceitação dos contratos

18 LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.) Direito & internet - aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: EDIPRO, 2000. 19 MATTE, Maurício de Souza. Internet: comércio eletrônico. São Paulo: LTr, 2001.

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43

eletrônicos, posto que o objeto destes são, comumente, os mesmos dos contratos

tradicionais, diferindo apenas no que diz respeito à forma ou meio de entrega.

Por fim, os requisitos formais dizem respeito à forma pela qual o

contrato deverá ser expresso. Torna-se claro diante do exposto, que, não fosse a

forma peculiar característica dos meios magnéticos, nada haveria de novo nos

contratos eletrônicos. Estes inovam justamente no sentido de proporem uma nova

forma de contratação, distinta da clássica forma escrita.

A regra geral, como é cediça, é a liberdade de forma para a maioria

das contratações. A lei, entretanto, exige que alguns tipos de contrato, como por

exemplo, a compra e venda de um bem imóvel, revista-se de uma forma especial,

expressamente prevista no dispositivo legal, a exigência da escritura pública.

Cumpre ressaltar que, inexistindo lei que determine uma forma

preestabelecida para um determinado contrato, este deverá ser considerado

válido se efetivado sob qualquer forma não contrária ao ordenamento jurídico.

Tanto é verdade, que doutrina e jurisprudência são pacíficas em aceitar, nos

casos em que a lei não exige forma solene, até mesmo a contratação feita

oralmente, sem qualquer papel ou escrito que a represente ou prove.

Acerca da validade dos contratos, faz-se oportuno apresentar a

posição do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ruy Rosado de Aguiar,

no qual afirmou em nota publicada no Jornal do Commercio de 27/09/2000, que a

maioria dos contratos firmados via internet não podem ter valor jurídico. A simples

impressão do comprovante do negócio pelo consumidor não vale como prova,

apenas como indício. Só com o uso da criptografia é possível, segundo ele,

controlar a autenticidade e a veracidade de informações contidas nas cláusulas

Page 44: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

44

do documento eletrônico. Do contrário, sempre haverá a possibilidade de desfazer

o negócio por falta de prova.

Sobre este tema, Almeida20 comenta o momento em que o

pronunciamento do Ministro foi divulgado, e seu efeito no mundo jurídico:

Na última semana, dois fatos atraíram a atenção da opinião pública com relação a contratos eletrônicos e assinatura digital. O primeiro foi a entrada em vigor da lei norte-americana sobre assinatura digital. O segundo foi o pronunciamento de um ministro do STJ afirmando que contratos on-line são inválidos como prova se não forem criptografados. O que ambos têm em que afasta um do outro? O denominador comum é de que tratam de documentos eletrônicos como meios de prova de contratos realizados via Intemet. Ou seja, a pergunta recorrente: "contrato eletrônico, pode"? Em última análise, aqui falamos da çonfluência entre a segurança de dados e o Direito. O divisor de águas é que o ministro do STJ não menciona, ou não admite, outras alternativas de prova de contratos eletrônicos que não a criptografia. Com isso, descarta a validade da prova de contratos eletrônicos não criptografados - que ainda constituem a larga maioria do mercado.

Com base nos textos legais pátrios, verifica-se que não existe qualquer

vedação legal à celebração de um contrato pela via eletrônica. Destarte, não

exigindo o objeto da celebração contratual forma prescrita em lei, os contratos em

tela haverão de ser considerados perfeitamente admissíveis, válidos, eficazes e

aptos à produção dos efeitos jurídicos visados pelas partes contratantes.

1.6 ASSINATURA DIGITAL

Aqueles que optam por exercer atividades comerciais através do meio

eletrônico buscam meios para resolverem as diversas questões que surgem com

20 ALMEIDA, Gilberto Martins de. Validade legal de contratos eletrônicos e assinatura digital. Disponível em: <http://www.modulo.com.br/noticias/artigo_entrevista/a-validade.htm>. Acesso em 11 de nov. de 2000.

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a forma contratual inerente a esta realidade. Dentre elas, elenca-se algumas: Um

contrato existe pela simples troca de comunicações eletrônicas? Como as

comunicações na Internet podem ser "autenticadas"? O artifício da assinatura

digital pode ser legalmente equivalente a uma assinatura manuscrita?

Os especialistas em comércio eletrônico vêm desenvolvendo um

elemento chave que é a criação de uma assinatura eletrônica legal. Dado a

natureza da contratação eletrônica, não há que se falar em assinatura manuscrita,

até pela sua impossibilidade de utilização, tendo em vista a ausência de papel e

caneta, como realizado na forma tradicional de contratação.

A Assinatura Eletrônica ou Digital é um modo eletrônico confiável de

assinar documentos eletrônicos, que proporciona autenticação do emitente,

integridade da mensagem e aceitação da outra parte. Uma assinatura digital é

uma maneira segura, conveniente e economicamente rápida de assinar

documentos eletrônicos.

O documento eletrônico é aquele gerado ou armazenado em um

computador, como uma carta ou um contrato. Além disso, pode ser um arquivo de

qualquer natureza: uma imagem, um certificado de conclusão de curso, uma

planta de um projeto arquitetônico, um mapa digitalizado, dentre outros, todos

armazenados na memória do computador. A assinatura digital pode ser usada

para assinar todos esses documentos.

É imprescindível que os negócios feitos através do comércio eletrônico

também necessitem apresentar validade jurídica nos tribunais. A assinatura digital

não é tão suscetível a falsificação como a assinatura feita com papel e caneta,

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posto que as partes podem verificar com quem estão lidando e, por conseguinte,

podem certificar-se que a mensagem não foi alterada durante a transmissão.

O público em geral usa assinaturas digitais, no comércio eletrônico,

para finalizar uma transação na Internet. Devido às assinaturas serem

codificadas, e algumas vezes até as mensagens, seu uso passa a ter grande

freqüência nos negócios conduzidos na Internet.

A questão da validade da assinatura digital ganha cada vez mais

espaço na legislação e na opinião dos operadores do direito. Não resta dúvida

que as assinaturas digitais terão tanta validade quanto às manuscritas.

A IV Jornada de Direito Civil, ocorrida em Brasília, nos dias 25 a 27 de

outubro de 2006, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da

Justiça Federal, aprovou novos enunciados relativos ao Código Civil, e para

ilustrar o presente estudo, destaca-se o de número 297, ao se referir ao artigo

212: “o documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a

conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria,

independentemente da tecnologia empregada”.

O ano de 2006 teve sem dúvida, no tocante às transações por meio

digital, um grande impulso no reforço do uso da certificação digital para melhor

segurança. Dentre os diversos exemplos, destaca-se a adoção da nova

identidade da OAB, contendo chip e certificado digital, propiciando aos advogados

a prática de atos processuais à distância, bem como a manifestação dos atos de

manifestação de vontade através do meio eletrônico.

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Nos Estados Unidos, esse assunto é regulado pelo UCC - Uniform

Comercial Code. O UCC afirma que uma marca com intenção de ser uma

assinatura será tratada como uma assinatura compromissada.

A solução preconizada pelos especialistas – e já adotada na Alemanha

e em alguns Estados norte-americanos – é a assinatura digital, calcada na

adoção da chamada criptografia assimétrica.

A criptografia, conforme Davi Monteiro Diniz, “consiste em uma escrita

que se baseia em um conjunto de símbolos cujo significado é conhecido por

poucos, permitindo com isto que se criem textos que serão incompreensíveis aos

que não saibam o padrão de conversação necessário para a sua leitura”. 21

Existem duas modalidades de criptografia: a simétrica e a assimétrica.

Na primeira, o programa codificador do texto em caracteres indecifráveis, utiliza a

mesma chave para criptografar e para descriptografar.

No que se refere a criptografia assimétrica ou chave pública, o

programa codificador serve-se de uma chave privada para criptografar e de uma

chave pública para descriptografar.

Já existe consenso formado, no âmbito do comércio eletrônico, no

sentido de fazer-se necessária a utilização da criptografia assimétrica ou de chave

pública por questão de segurança. Nela a chave privada é apenas conhecida pelo

seu titular, não circulando pela rede de computadores.

21 DINIZ, Davi Monteiro. Documentos Eletrônicos. Assinaturas Digitais – Da Qualificação Jurífica dos Arquivos Digitais como Documentos, 1ª ed., LTr, São Paulo, 1999, pág.28.

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Dado este fato, o sistema de criptografia assimétrica faz parte dos

parâmetros internacionais sobre a questão: ISO 9796 (Organização de Standards

Internacional), ANSI X9.31 (Instituto Americano de Standards Nacionais), ITU-T

X.509 (União Internacional de Telecomunicações), PKCS (Standards de

Criptografia de Chave Pública, SWIFT (Sociedade para as Telecomunicações

Financeiras Interbancárias Mundiais) e ETEBAC nº 5 (Sistema Financeiro

Francês). Na criptografia simétrica, ao revés, há a necessidade do

compartilhamento da chave privada do usuário com os outros usuários.

Com relação à regulamentação das assinaturas digitais, o estado de

Utah, nos Estados Unidos, foi pioneiro neste sentido, através do Digital Signature

Act22, seguido pelo estado da Georgia e da Califórnia.

O estado de Utah é o mais avançado nesse sentido e de acordo com a

regulamentação acima citada, documentos podem ser assinados, criptografados e

transmitidos eletronicamente, através de uma chave privada, e os destinatários

poderão verificar a autenticidade dessa assinatura e o teor do documento por

meio de chaves públicas, com a finalidade de verificar se houve violação dos

mesmos.

Por mais que se busque a efetivação de um sistema que seja utilizado

como paradigma nas relações contratuais através da rede, deve-se ter em mente,

que a força de um sistema de criptografia está calcada na existência de cinco

princípios básicos: identificação, autenticação, impedimento de rejeição,

verificação e privacidade.

22 Utah adotou seu Digital Signature Act (" Utah Act") em 27 de fevereiro de 1995, foi patrocinado pelo senador Craig ª Peterson, assinado pelo governador Mike Leavitt em 9 de março de 1995 e se tornou efetivo em 1° de maio do mesmo ano. Maiores informações podem ser obtidas no próprio site do estado de Utah: http://www.commerce.state.ut.us.

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Faz-se oportuno verificar em que consiste cada princípio:

1) a identificação é a verificação do remetente da mensagem, se ele é

realmente quem diz ser;

2) a autenticidade é a identificação do verdadeiro remetente do texto

criptografado e a certeza de sua não adulteração;

3) o impedimento da rejeição é a condição de evitar a possibilidade da

pessoa que efetuou o envio de arquivos ou dados vir a negar que o tenha feito;

4) a verificação é a capacidade de, com segurança, proceder-se à

identificação e a autenticação de uma determinada mensagem criptografada;

5) e a privacidade é a possibilidade de o criptossistema tornar

inacessíveis as mensagens aos olhares de pessoas não envolvidas e curiosas.

Partindo do pressuposto, nada pacífico valendo ressaltar – de que a

configuração do verdadeiro documento independe do meio no qual aquele está

armazenado, sendo mais relevante a representação de uma idéia ou de um fato

que se pretende perpetuar23, considerando, ainda, a fórmula aberta do artigo 332

do CPC24 e do artigo 107 do Código Civil25, compreende-se que quando

assegurados os requisitos de autenticidade, integridade e perenidade do

23 Para Francesco Carnelutti, o documento é “una cosa che fa conoscere un fatto”, “Documento (Teoria Moderna)”, pag. 86. Segundo Chiovenda, “Documento em sentindo amplo, é toda representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente (vox mortua)”. Vê-se, pois, que o Mestre dos processualistas peninsulares não considera como um elemento necessário da definição de documento, o meio em que ele está representado, tanto que afirma ser documento, a “voz fixada duradouramente” (que, evidentemente, não se vale de meio cartáceo), cfr. Instituições de Direito Processual Civil, pág. 127. 24 “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.” 25 A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

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conteúdo, seria teoricamente possível nas hipóteses as quais a lei não exige

formalidades legais específicas, atribuir-se validade jurídica ao documento

eletrônico.

Segundo explica a UNCITRAL, na elaboração de sua afamada Lei

Modelo, procurou-se seguir o “critério do equivalente funcional”, pelo qual

entende-se que quando presentes as necessidades básicas estabelecidas pela

legislação para a validade do ato, aquela deve ser considerada satisfeita, ainda

que o tenha sido mediante a aplicação de outra forma não prevista e não vedada

por lei. Esse princípio encontra-se no sistema processual pátrio, acatado pelo

princípio da instrumentalidade das formas, conforme expresso nos artigos 154 e

244 da Lei Adjetiva Civil.26

Com o intuito de dirimir as divergências e chegar-se a uma

regulamentação que sirva de base para a aplicação desta nova realidade,

encontram-se atualmente em tramitação Projetos de Lei para que se dê validade

às assinatura digitais, bem como outros assuntos relacionados com os contratos

gerados num ambiente digital:

1) Projeto de Lei nº 1.589/99. Criado pela comissão de informática da

OAB/SP, no qual já delimita sua área de atuação em seu artigo 1º, “A presente lei

regula o comércio eletrônico, a validade e o valor probante dos documentos

eletrônicos, bem como a assinatura digital”. Segue também, estabelecendo

princípios gerais e as meta-regras hermenêuticas que devem pautar a sua

26 Dispõe o CPC, art. 154 “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade essencial.” E o art. 244: “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, Ihe alcançar a finalidade.”

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aplicação em seu artigo 2º, “A interpretação da presente lei deve considerar o

contexto internacional do comércio eletrônico, o dinâmico progresso dos

instrumentos tecnológicos, e a boa-fé nas relações comerciais”;

2) Projeto de Lei nº 4.734 / 98 - Dispõe sobre a informatização da

escrituração cartorária através de discos ópticos e optomagnéticos ou em outros

meios reconhecidos como legais, sem prejuízo dos métodos atualmente

empregados (câmara - apoiado na Lei Nº 6015, de 31 Dez de 1971 - Lei de

Registros Públicos);

3) Projeto de Lei nº 4.102 / 93 - Regula a garantia constitucional da

inviolabilidade de dados; define crimes praticados por meio de computador; altera

a Lei Nº 7646, de 18 Dez de 1987, que "dispõe sobre a proteção da propriedade

intelectual de programas de computador e sua comercialização no País, e dá

outras providências" (câmara - aprovado no senado).

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2 COMÉRCIO ELETRÔNICO INTERNACIONAL

2.1 CONCEITO E PARÂMETROS

Pode-se definir comércio eletrônico como a compra e venda de

produtos, ou a prestação de serviços, realizada por computador, por meio de

sistema de redes, em sua grande maioria, pela Internet. Baseia-se na

transferência eletrônica de informação entre três grupos básicos de participantes:

empresa, governo e indivíduos.

Para Aldemario Araújo Castro, comércio eletrônico é “o conjunto de

operações de compra e venda de mercadorias ou prestações de serviço por meio

eletrônico, ou, em outras palavras, as transações com conteúdo econômico

realizadas por intermédio de meios digitais”.27

Já Albertin define esta modalidade de comércio como:

a realização de toda a cadeia de valores dos processos de negócios em um ambiente eletrônico, por meio da aplicação intensa das tecnologias de comunicação e de informação, atendendo aos objetivos de negócio. Os processos podem ser realizados de forma completa ou parcial, incluindo as transações negócio-a-negócio, negócio-a-consumidor e intra-organizacional, em uma infra-estrutura de informação e comunicação predominantemente pública, de acesso fácil, livre e de baixo custo.

Entre as modalidades mais recentes de comércio eletrônico estão o m-

Commerce e o t-Commerce. O m-Commerce é a possibilidade de se realizar

27 CASTRO, Aldemario Araujo. Os meios eletrônicos e a tributação. In: Seminário SSJ Direito.com. Rio de Janeiro, 30 de junho de 2000.

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transações comercias através de aparelho movéis, a exemplo dos celulares,

palmtops, dentre outros.

O t-Commerce, por sua vez, é o termo usado para o e-Commerce

realizado a partir de televisores digitais conectados à web, que funciona como

canal de comunicação para a comercialização, através de simples comandos no

controle remoto.

O setor de m-Commerce possui um potencial considerável de

crescimento no país. Em 2003 movimentou cerca de dez milhões de reais,

segundo um levantamento da E-Consulting, com estimativas de se chegar a R$

30 milhões e R$ 50 milhões em 2004 e 2005. 28

No que se refere ao t-Commerce as perspectivas ainda são discutidas.

A previsão mundial é que 100% de lares americanos e ingleses possuam TV

digital em 2010. Nos Estados Unidos da América, todas as emissoras comerciais

iniciaram transmissões digitais em 2002 e, em 2006, é esperado o encerramento

de todas as transmissões analógicas. Em termos de Brasil, a previsão é de que

em 10 anos, mais de 80% dos aparelhos televisores sejam substituídos pelos

modelos digitais. 29

O comércio eletrônico no Brasil apresenta visíveis sinais de evolução,

respondendo, em 2003, por cerca de 40% da utilização de Internet e, atualmente,

por 75,4% de todos os negócios realizados por intermédio do meio eletrônico

entre empresas da América Latina. 28MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, Disponível em <http://www.mct.gov.br/Sepin/Imprensa/Noticias_4/Comércio_4.htm> Acessado em 22 de fev. de 2006. 29ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO, Disponível em <http://www.abert.org.br/D_mostra_clipping.cfm?noticia=27430> Acessado em informação em 22 de fev. de 2006.

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Estima-se que o volume do mercado brasileiro de comércio eletrônico,

englobando transações entre empresas, (conhecidas pelo termo business-to-

business, “B2B”) e transações entre empresas e consumidores (conhecidas pelo

termo business-to-consumer, “B2C”), se multiplicarão em progressão geométrica

nos próximos anos, a despeito das turbulências ocorridas no mercado de capitais

das empresas de tecnologia durante os anos de 2000 e 2001. Válido lembrar, que

para se ter uma idéia, desde 2001, o varejo eletrônico aumentou em 355% e a

estimativa para este ano era um crescimento de R$ 3,9 bilhões. 30

Dado o desenvolvimento do comércio eletrônico no país, foi criada, em

maio de 2001, a “Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico”, entidade multi-

setorial da economia digita no Brasil e na América Latina, que busca promover,

representar e defender os interesses coletivos de empresas, entidades e usuários

associados, envolvidos em atividades de comércio e negócios eletrônicos.

É oportuno apresentar alguns dados no que se refere ao comércio

eletrônico. As lojas virtuais brasileiras faturaram no primeiro semestre deste ano

R$ 974 milhões. O volume é 30,7% superior aos R$ 745 milhões registrados no

mesmo período do ano anterior. Dentre os produtos que lideram as vendas, estão

os CDs, DVDs, livros e revistas. Entretanto, o comércio eletrônico brasileiro

continua bastante pequeno em relação ao verificado em outros países. Em 2005,

o movimento gerado pelos compradores eletrônicos norte-americanos ultrapassou

os US$ 142 bilhões.31

30CÂMARA BRASILEIRA DE COMÉRCIO ELETRÔNICO, Disponível em <http://www.camara-e.net/interna.asp?tipo=1&valor=3523>. Acessado em 02 de jun de 2006. 31AGÊNCIA CT, MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, Disponível em <http://agenciact.mct.gov.br/index.php/content/view/28669.html> Acessado em 29 de dez. de 2006.

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Em consonância com este panorama, a área de serviços

governamentais eletrônicos também vem ganhando forças no cenário político,

principalmente de investimentos em tecnologia e planejamento. Em outubro de

2000 foi criado o Comitê Executivo do Governo Eletrônico, com o objetivo de

implantação do Governo Eletrônico, voltado para a prestação de serviços e

informações ao cidadão.

O serviço de Governo Eletrônico, (e-Gov) é uma ferramenta eletrônica

de relacionamento entre governo-governo (G2G), governo fornecedor (G2B) e

governo-cidadão (G2C), que traz mudanças substanciais no relacionamento entre

o governo e a sociedade, demandando das instituições investimento em infra-

estrutura tecnológica que viabilize o grau de segurança exigido, garantindo o

direito dos cidadãos à privacidade e à transparência dos seus governantes.

Não existe mais dúvida que o comércio realizado pelos meios

eletrônicos e principalmente por meio da Internet se apresenta como um campo

de notável expansão. O comércio eletrônico conta com acentuados incentivos

econômicos: uma redução de custos administrativos e tributários, a diminuição

dos processos de distribuição e intermediação, a possibilidade de operação diária,

a superação das barreiras nacionais, o aumento da celeridade nas transações.

Existem também grandes atrativos legais devido à carência de regulamentação

internacional e a insuficiência das normas nacionais ou a divergência na aplicação

das leis existentes.

O comércio na Internet apresenta numerosos problemas característicos

da organização de um mercado: a diminuição dos custos e a organização de uma

estrutura que facilite tanto a busca dos produtos quanto a busca de

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consumidores, a segurança das transações, sobretudo quanto aos meios de

pagamento e assegurar a entrega do produto ou a consecução do serviço.

Outra categoria de conflitos, já tratadas acima no tópico relativo aos

contratos eletrônicos, está ligada diretamente às particularidades do meio

eletrônico: a existência de um espaço e um tempo com significado normativo, a

privacidade, a documentação das transações e a assinatura digital.

2.2 COMPRA E VENDA DE BENS ATRAVÉS DA REDE

O artigo 481 do Código Civil traz elementos para a conceituação do

contrato de compra e venda, “pelo contrato de compra e venda, um dos

contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe

certo preço em dinheiro”.

Destarte, trata-se de um contrato donde defluem obrigações mútuas

para os envolvidos. Para o vendedor, a obrigação de transferir o domínio; para o

comprador, a de entregar o preço.

A compra e venda é um contrato consensual, sinalagmático, oneroso,

em regra comutativo, em algumas ocasiões sujeita à forma prescrita em lei,

entretanto, na maior parte das vezes, dispensando qualquer solenidade, a

exemplo do que ocorre nos contratos eletrônicos.

Segundo a maneira pela qual se aperfeiçoa o contrato de compra e

venda é consensual, em oposição aos contratos reais, porque se aperfeiçoa

independentemente da entrega do objeto, pela mera coincidência da vontade das

partes sobre o preço e a coisa. Ademais a lei civil expressamente dispõe em seu

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artigo 482, “a compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e

perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço”.

Tal maneira de aperfeiçoamento é bastante visível nas compras

realizadas pela Internet, no qual as partes coincidem sua vontade na pactuação

acerca do preço, das condições de pagamento, da coisa e de sua entrega.

No sistema comercial tradicional, a entrega da coisa é quase sempre

realizada após a entrega do preço, causando muitas vezes a idéia de a real

efetivação do contrato de compra e venda resulta após a transferência do

domínio, que ocorre com a tradição, se o objeto do negócio for móvel e pela

transcrição, se imóvel.

Vale destacar que os efeitos derivados do contrato em tablado são

meramente obrigacionais, e não reais, pois de acordo com o sistema civil pátrio, a

compra e venda, não transfere o domínio da coisa vendida, mas gera apenas,

para o vendedor a obrigação de transferi-lo.

Diz-se que o contrato é sinalagmático porque envolve prestações

recíprocas de ambas as partes. O comprador obriga-se a entregar o preço e o

vendedor, por sua parte, a transferir o domínio da coisa vendida. As referidas

obrigações estão diretamente ligadas, sendo que não podem existir isoladamente.

É também um contrato oneroso, porque implica em situações de

alteração patrimonial, posto que o comprador se priva do preço e o vendedor da

coisa objeto da venda.

O contrato ora estudado é, em regra, comutativo, porque a estimativa

da prestação a ser recebida pelas partes pode ser feita no momento do

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aperfeiçoamento do contrato. Ou seja, ocorre quando o comprador oferece um

preço por uma coisa, sabe qual a prestação que receberá em troca de seu

dinheiro e, de certo modo, agrada-lhe o resultado antevisto.

Superada a natureza jurídica, serão analisados os elementos do

contrato de compra e venda, que estão descritos no artigo 482 já transcrito

anteriormente, destacando os três elementos indispensáveis: acordo, coisa e

preço.

O acordo ou consentimento (consensus) recairá sobre o objeto e sobre

o preço, com a objetivação de alcançar o resultado que o contrato oferece: a

aquisição da res e a transferência do preço.

Abre-se uma oportunidade para distinguir a compra e venda do

contrato preliminar de compromisso de compra e venda. O compromisso tem por

função preparar um futuro contrato de compra e venda, tendo que neste último

contrato as partes se obrigam: uma, a tranferir o domínio da coisa; outra o preço

estabelecido.

O valor ou preço (pretium) é outro elemento do tripé estrutural do

negócio. Ele deverá ser em caráter pecuniário, caso contrário, estaríamos diante

de um contrato de troca.

Não pode ser olvidado que o preço deverá ser determinado ou

determinável, de maneira precisa. A legislação permite que a delimitação do

preço fique a cargo de um terceiro, desde que as partes o designem para tal

incumbência, ou prometam designá-lo, conforme disposto no artigo 485 da lei

civil. Tal fixação poderá também ser realizada através de fixação à taxa do

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mercado ou da bolsa de valores, em certo e determinado dia e lugar, o que está

claramente disposto no artigo 486.

Entretanto, a lei adjetiva civil não possibilita que seja a estipulação do

preço ao arbítrio de uma das partes, conforme preceitua o artigo 489, porque

então se ingressa no âmbito da proibição das condições meramente potestativas,

de acordo com o artigo 122 do Código Civil.32

Por último, a coisa (res) entre os elementos básicos do contrato.

Podem ser objeto de compra e venda todas as coisas que não estejam fora do

comércio. Destarte, escampam da álea da compra e venda as coisas

insuscetíveis de aprovação e as legalmente inalienáveis.

Desta forma, pode-se dizer que um dos objetos do comércio eletrônico

é a compra e venda de bens. Tudo que tem relevância jurídica para as pessoas é

um bem, algo a ser preservado e protegido, sendo denominado de bem jurídico.

Distinguem-se os bens em corpóreos e incorpóreos. Os corpóreos

seriam os bens dotados de materialidade, enquanto que os incorpóreos são bens

criados pelo Direito, como o ius utendi, fruendi e abutendi, direitos em última

instância. O que está por detrás dessa distinção é a idéia de que o que existe no

mundo dos fatos, ente real, e tem relevância jurídica, seria um bem corpóreo, e o

que existisse apenas no mundo das idéias, mas relevante para o Direito, ente

espiritual, decorrente da ratio humana, seria um bem incorpóreo. Em última

análise, a distinção entre um e outro se daria pela existência independente.

32 Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

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Este é o entendimento de Direito Privado de bem. Já mercadoria, é um

conceito diverso e traz consigo um elemento importante, que é a mercancia.

Convém trazer à baila a conceituação de Ivo Teixeira Gico Junior:

Mercadoria é a coisa objeto da atividade de mercancia. Se é comercializado, é mercadoria. Se uma barra de ouro é enterrada e nunca colocada no mercado, ou seja, nunca foi ofertada ou atuou como elemento de uma relação de troca ou outro ato mercantil, jamais poderá ser considerada uma mercadoria, pois nunca lhe foi atribuído tal valor. A mercadoria não é uma qualidade inerente ao ente, mas atribuída a ele pelo interesse humano. Não existe uma definição ontológica de mercadoria, mas apenas teleológica. O problema se põe em se determinar o que seja coisa hoje em dia.33

Discordando desta definição, Marco Aurélio Greco34 entende que

mercadoria poderia significar: 1) certas coisas com algumas qualidades

específicas (mobilidade, corpóreo, tangibilidade, etc.); 2) todo o bem que seja

negociado por um comerciante ou que seja objeto da mercancia; e 3) tudo aquilo

que seja objeto de um determinado mercado.

A adoção de qualquer uma dessas posições traz consigo

conseqüências diversas. Na realidade, para o tema em tela, mais importante é

como diferenciar uma mercadoria de um serviço. Até que ponto um é ato e o outro

é fato?

É interessante diferenciar o que seja bens e serviços no comércio

eletrônico. Esta questão era pacífica quando se falava apenas em mercadorias

corpóreas (bens corpóreos) e serviços como atividade humana (emprego de força

de trabalho). Atualmente, com as inovações eletrônicas, surgiram algumas

dúvidas sobre o liame de distinção entre um e outro.

33 GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Novas formas de comércio internacional. O comércio eletrônico. Desafios ao direito tributário e econômico. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3122>. Acesso em: 12 jan. 2007. 34 GRECO, Marco Aurélio. Tributação do Comércio Eletrônico, folhas soltas, 1999, p. 6.

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O software foi o primeiro elemento causador deste problema. Seria ele

uma mercadoria ou um serviço? A posição que vem sendo adotada pelo STF35 é

a de que o programa de prateleira, vendido como mercadoria, padronizado, deve

ser encarado e tratado como uma mercadoria qualquer. Entretanto, quando se

trata de programa encomendado, deve ser encarado como serviço, pois a

relevância está na contratação de programador para a realização de um serviço,

que redundará no programa personalizado. Com base neste paradigma para

raciocinar qualquer outro caso de comércio eletrônico, acredita-se que ele será de

fácil solução.

Tudo que pode ser digitalizado pode ser objeto de comercialização por

meios eletrônicos. Tanto mercadorias quanto serviços. Destarte, uma música

quando comercializada na forma de um arquivo, quando copiado para um

dispositivo, e passa a ser utilizável, indistintamente, pelo seu novo detentor, é um

bem, ainda que incorpóreo, e uma mercadoria. Entre esta hipótese e a compra de

um single não há a menor diferença. Da mesma forma, um conjunto inteiro de

músicas, que poderia ser comercializado através de um CD, pode sê-lo por meios

telemáticos. Um caso é idêntico ao outro. Do mesmo modo que a música existe

no CD, existe no dispositivo, podendo ser um MP3 Player, um computador, um

DVD, fita magnética, não importando o meio,

Não obstante, caso o usuário paga pela mesma música, mas não pode

copiá-la para si, deve se conectar ao fornecedor para ouvi-la, então estamos

diante de um caso de fornecimento de serviço, pois a mercadoria não circulou,

mas apenas a sua utilidade, no caso, a audição. Da mesma forma se dará com

vídeos, fotografias, imagens, livros, etc. O exemplo é análogo ao da TV por 35 STF. Recurso Extraordinário 176.626 – SP. Rel. Min. Sepúveda Pertence. DJU 11/12/98.

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assinatura, no qual se paga para assistir determinada programação. O que

diferenciará uma hipótese da outra é a livre circulação do bem ou de sua utilidade.

No caso de bens consumíveis se dará com o consumo, no caso dos bens

duráveis, com a sua disponibilização para manutenção e uso, e com os serviços

com a utilidade.

O grande equívoco é que sempre foi associada a idéia de mercadoria

com a idéia de coisa, res e a de res com objeto tangível. A mercadoria circula

porque é móvel, e é móvel porque tangível. Quando na verdade, a diferença entre

mercadoria e serviço se dá pelo simples fato de que a primeira é um ente

independente, independente do espírito humano. Tampouco é uma ficção ou

criação do Direito. Enquanto que o serviço é um processo, uma atividade

humana. Uma idéia não se contrapõe a outra, uma fato, stricto sensu, a outra é

ato.

Para evitar essa discussão, a OECD36 vem trabalhando para que seus

Membros adotem a posição de considerar o fornecimento de produto digitalizado

como sendo o fornecimento de serviço.

Nos contratos de venda on-line e de bens informáticos aos

consumidores, os produtos vendidos podem ser materiais, que são entregues

posteriormente no local indicado pelo comprador e venda de produtos imateriais,

cujo envio é imediato ou retardado no tempo, mas pelo mesmo meio eletrônico.

Os problemas mais apontados são a não entrega, ou equívoco de

endereço, as taxas não especificadas de correio ou de recebimento, o retardo da

36 OECD. Electronic Commerce: A Discussion Paper on Taxation Issues. Paris: Organization for Economic Co-operation and Development, 17 de Setembro, 1998, Item 43, b), p. 20.

Page 63: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

63

entrega, a falta da sanção pelo retardo na entrega, a falta de garantia para o

produto, a impossibilidade de executar o direito de arrependimento (produto

aberto, software já enviado, endereço incongruente ou incompleto), a lei aplicável

e a jurisdição competente, por vezes até uma jurisdição arbitral virtual

compulsória, a recusa de venda, a falha na segurança dos dados do consumidor,

dados privados e dados sensíveis, como o número de cartão de crédito, a falha

na cobrança da fatura, as diferenças entre as imagens do produto no site e o

produto recebido, a compra involuntária ao apertar o ícone, o erro não sanável na

contratação, etc.

2.3 FORNECIMENTO DE SERVIÇOS NA INTERNET

O setor terciário ou de serviços é, sem dúvida, a atividade que mais

impulsiona a economia dos países mais desenvolvidos. Não se discute mais o

ganho de relevância do serviço na sociedade moderna. O debate atual é acerca

de sua evolução e do próprio termo serviço.

Até bem pouco tempo, os serviços eram caracterizados como

atividades humanas. A idéia por detrás do conceito era do trabalho da força

humana realizando determinada tarefa. Seja um trabalho braçal, seja um trabalho

mental, era sempre um trabalho humano, fruto de uma atividade humana.

Ocorre que, cada vez mais, a noção de serviço vem evoluindo para a

noção de utilidade, em que as pessoas se dispõem a pagar não pelo tempo

Page 64: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

64

trabalhado ou pelo serviço realizado, mas pela utilidade que lhes é

disponibilizada. 37

Quanto aos contratos de fornecimento de serviços na Internet,

destacam-se os que visam ao fornecimento de informação e de acesso à Internet,

o fornecimento de lazer (como filmes, músicas, jogos on-line), aqueles que

fornecem serviços de educação à distância e serviços de turismo por meio

eletrônico (passagens combinadas, e-ticket, voucher etc.) e os serviços bancários,

de crédito e financeiros, (home-banking, office-banking etc.).

A prestação de serviços pode ser conceituada como o contrato

sinalagmático pelo qual uma das partes, denominada prestador, obriga-se a

prestar serviços à outra, denominada dono de serviço, mediante remuneração.

Trata-se de contrato bilateral, pois gera direitos e obrigações para

ambas as partes e como decorrência é oneroso, consensual, por se aperfeiçoar

com simples acordo de vontades, e comutativo, porque impõe vantagens e

obrigações recíprocas que se presumem equivalentes, conhecidas pelas partes.

Quanto ao objeto, conforme preceitua o artigo 594 do Código Civil,

absorve toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material e imaterial. Assim,

temos uma obrigação de fazer, uma conduta, tanto material, como intelectual. A

lei não faz distinção quanto à natureza do serviço.

Verifica-se, em muitas situações, que esse negócio jurídico vem

acompanhado de outro contrato, como o de fornecimento, assistência técnica, etc.

37 GRECO, Marco Aurélio. Comércio Exterior e Novas Realidades – Problemas Emergentes. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 44, p. 123.

Page 65: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

65

É importante lembrar que o Código de Defesa do Consumidor também alcança

essa prestação de serviço.

Para os consumidores, os serviços geralmente contratados são: de

acesso à rede (contratos de provedor); de informação ou revistas eletrônicas; ou

de dados e informações pontuais (por exemplo, quando um indivíduo acessa um

site restrito e paga pela informação de conteúdo exclusivo).

No tocante aos contratos de acesso dos consumidores à Internet e

redes eletrônicas, os temas mais freqüentes de interesse dos consumidores são

as informações sobre os diferentes tipos de planos, a velocidade, a qualidade e

quantidade exata da prestação, assistência e suporte técnico.

Os problemas mais freqüentes são as mudanças do conteúdo

contratual e do preço, as interrupções de sistema, a demora para acessar, a

velocidade esperada não confirmada, o não-bloqueio correto de conteúdos

restritos e sites, o spam, a quebra do sigilo nos endereços eletrônicos e das

senhas de acesso, a não-criptografia estipulada, a falha no webmail, a falta de

estocagem e a perda de informações, os vírus e cookies, os hackers, a venda

casada de equipamentos para rápido acesso, as cláusulas penais e a formação

não informada do preço.38

Nota-se que já existe jurisprudência brasileira sobre o tema, permitindo

a rescisão do contrato, mas impondo perdas e danos em caso de abusividade e

descumprimento de prazos mínimos, seja confirmando contratos de conexão à

Internet:

38 Estes contratos de acesso à Internet são tão conflituosos que o governo francês interveio para impor informações mínimas e proibir certas práticas comerciais.

Page 66: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

66

Ação de cumprimento de obrigação de fazer. Continuação de prestação de serviço de conexão à Internet. A denúncia imotivada, pela empresa provedora, do contrato de prestação de serviço de conexão à rede mundial de computadores não satisfaz os requisitos da tutela antecipada de continuação do serviço. Não se pode atribuir o caráter de perpetuidade dos contratos, em especial o celebrado há mais de dois anos. Outros provedores à disposição do usuário. Possibilidade de futuro ressarcimento em caso de perdas e danos” (TJRS, Agravo de Instrumento 70002686053, rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. 28.06.2001). Agravo de instrumento – Ação cautelar inominada – Contrato verbal de prestação de serviços de conexão à Internet – Rompimento do acordo por parte da contratante – Continuação do negócio pela contratada, locatária da linha junto à Embratel – Desligamento da contratante – Agravo provido, em parte” (TJRS, Agravo de Instrumento 597106962, rel. Des. Alfredo G. Englert, j.07.08.1997).

Nos contratos de bens totalmente desmaterializados, como música, e-

books, revistas on-line, acesso a informações e a bancos de dados, a imagens, a

filmes, a trailers, a histórias em quadrinhos, a videogames e etc., os problemas

mais comuns seriam as próprias condições de uso do bem transmitido (cópia,

download), a garantia de prestabilidade dada, os erros na contratação e o direito

de arrependimento, a desatualização ou imprecisões dos bancos de dados, a

demora na prestação das informações, do lazer, etc.39

Um regime especial, com responsabilidade qualificada dos

fornecedores, é o dos contratos por Internet visando a conselhos, a

aconselhamentos (financeiros, na compra de produtos complexos ou em atividade

como corretor), a pareceres (econômicos, estatísticos, advocatícios, etc.) a

tratamentos (medicinais, psicológicos, médicos, etc.)

39 MARQUES, Cláudia Lima, Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico), São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004. A autora enfatiza o alerta de Schmitz, Die vertraglichen Pflichten und die Haftung der Informationsabieter im Internet, p. 131 e ss, se as informações e dados são gratuitos na internet e realmente não remunerados indiretamente, o regime é diferenciado, análogo às doações e liberalidades do Direito Civil geral, mas com um regime sui generis de responsabilidade civil.

Page 67: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

67

Os contratos envolvendo educação à distância através da Internet

também envolvem questões específicas, geralmente reguladas por leis especiais,

envolvendo garantias, reconhecimento de diplomas, títulos, qualidade e

quantidade da informação, direitos autorais, modos de cobrança e proibindo

certas práticas comerciais nestes contratos educacionais.

Por fim, os contratos de prestação de serviços on-line, tais como

contratação com agências de viagens, transportadoras, seguradoras, banco e

financeiras, os problemas mais visíveis são os relacionados à qualidade, à

quantidade, ao tempo e modo da prestação do serviço, à segurança deste e, em

especial, tratando-se de home-banking, ao financiamento on-line ou por

automático bancários. Interessante observar que neste tipo de contratação,

aplica-se o direito de arrependimento e reflexão do artigo 49 do Código

Consumeirista.

Page 68: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

3 ASPECTOS LEGAIS

3.1 ESTRUTURA JURÍDICA DOS NEGÓCIOS VIA INTERNET

O advento da era digital criou a necessidade de repensar importantes

aspectos relativos à organização social, à democracia, à tecnologia, à

privacidade, à liberdade, aos negócios jurídicos, dentre outros.

Diante desta recente realidade surge a hipótese nada pacífica da

criação de um novo ramo do Direito. Tal questão gera inúmeros questionamentos

se esta “nova área” merece o status de autônoma, a ser discutida e lecionada em

universidades, ou irá permear todas as outras? Juristas e operadores do direito

em áreas tradicionais terão que se aprimorar nos conceitos da Informática

Jurídica?

Discute-se se surgirá uma disciplina autônoma já que toda vez que

surge uma tecnologia inovadora, surge também a necessidade de reunir suas

divergências e peculiaridades em torno de um corpo cognitivo especializado, a

exemplo do direito dos transportes, das telecomunicações, da navegação área,

marítima e outros que provocaram o surgimento de novas disciplinas.

Nessa área de conhecimentos começou-se com a noção de “Direito

Informático”, o qual dá relevo aos computadores e ao processamento da

Page 69: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

69

informação, entretanto, atualmente se tem difundido a idéia de um “Direito do

espaço virtual”, que pode abranger diversos aspectos.40

Pode-se acreditar na existência de um novo espaço, o cibernético

(cyberspace)41 que é distinto do espaço físico e que possui uma arquitetura

caracterizada por sua maleabilidade, posto que qualquer indivíduo pode redefinir

códigos e interagir, convertendo-o num objeto de difícil acesso e renitente às

regras legais sobre jurisdição.

É facultativo admitir a existência de uma nova temporalidade que é

caracterizada pela simultaneidade, o “tempo virtual” e a dissolução da distância

na interação imediata, isso coloca problemas legais, como, por exemplo,

estabelecer se se trata de contratos entre presentes e ausentes, ou compras e

venda à distância.

É facultativo ainda reconhecer, uma nova noção de comunidade

distinta da atual, tendo em vista a constituição de numerosos agrupamentos

virtuais formados por pessoas que interagem entre si por interesses delimitados,

criando uma nova realidade com enormes possibilidades, na qual a base passa a

ser a experiência e não o espaço geográfico.

No âmbito legal, o padrão às quais as cláusulas gerais são remetidas é

constituído por práticas sociais definidas geograficamente: moral, boa-fé, justiça,

que se tomam em relação com os parâmetros locais, regionais e nacionais,

40 É a noção difundida nos Estados Unidos da América: “Cyberspace Law”. Por exemplo, conf. Harvard Law Review, vol. 112, nº7, maio de 1999.”Developments in the Law of Cyberspace”. 41 O termo provém do inglês e foi extraído do romance de Willian Gibson chamada “Neuromancer”, de 1984, tendo se difundido largamente.

Page 70: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

70

segundo o juiz. No espaço dito virtual, não há essa referência, o que foi notado

nos casos em que se procurou controlar mensagens moralmente ilícitas.42

Pode-se ainda conceber uma nova idéia de cidadãos, os netizens43 que

são “navegantes felizes”, porém socialmente cada vez mais isolados e destituídos

de capacidade crítica. Segundo Ricardo Luis Lorenzetti, isso leva à necessidade

de estabelecer quais são os direitos que esses cidadãos têm na comunidade

virtual.44

Diante da mudança dos pressupostos, leva-se a pensar que o mesmo

deveria ocorrer no Direito, com novas ferramentas e novos conceitos. Até agora o

fenômeno não se produziu, tendo em vista que a Cyberlaw é submetida a exame

mediante as categorias conceituais do direito comum e seus problemas são

similares: regulamentação ou flexibilização, proteção da propriedade, do

consumidor, da privacidade.

As categorias analíticas e metodológicas procedem por analogia e

apesar do fascínio produzido pelos novos termos, acredita-se que é mais

prudente examiná-los mediante uma assimilação dos fenômenos já conhecidos.

Os que defendem a não criação de um pretendido direito eletrônico (ou

internético, ou informático, ou virtual, ou como a criatividade do jurista determinar)

têm um bom embasamento a justificar suas posições, haja vista que a Internet

42 HARVARD LAW REVIEW, Developments in the Law of Cyberspace, vol. 112, nº7, maio de 1999 43 O termo “netizens” é tomado de BRASCOMB, Anne. Anonymity, Autonomy and Accountability: challenges to the first admendmet in cyberspaces. The Yale Law Journal, 1995, vol. 104, pág. 1.639. 44 LORENZETTI, Ricardo Luis. (tradução de BINI, Edson) Informática, Cyberlaw, E-Commerce, originalmente publicado em Tratado de los Contratos, Rubinzal-Culzoni Editores, Santa Fé, Aregentina, 2000, Tomo III.

Page 71: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

71

não criou nenhum novo bem jurídico a ser protegido. Logo não há que se discutir

sobre a criação de um novo ramo do Direito.

A ação, segundo os que defendem essa corrente, a qual baseia-se o

presente trabalho, pode ser eletrônica (um contrato, uma ofensa, um estelionato

ou invasão de privacidade, por exemplo), mas o direito não.

Neste sentindo, é válido recorrer a brilhante lógica do canivete suíço

que para tudo serve, comentada por Omar Kaminski.45 Se for inserido um pouco

numa região não vital, pode resultar em lesão corporal leve; no entanto, se for

espetado no coração pode resultar em homicídio. Os antigos legisladores foram

sábios e não legislaram sobre o canivete, mas sobre os efeitos de sua

empunhadura e do resultado.

O país ainda não dispõe de uma lei que trate especificamente de

comércio eletrônico. Expertos e autoridades governamentais ainda discutem a

necessidade de maior ou menor regulamentação sobre o tema.

Atualmente, encontra-se em tramitação no legislativo federal projetos

de lei sobre comércio eletrônico, dentre eles: os Projetos de Lei da Câmara nº

1.589/1999 (apensado ao PL 1483/1999) e nº 3.303/2000 (apensado ao

3.016/2000) e os Projetos de Lei do Senado nº 672/1999 (proposição ordinária),

tendo como seu substituto o PL 4.906/01 com vários apensos.

O Projeto de Lei 1.589/1999, elaborado pela Comissão Especial de

Informática Jurídica da OAB/SP, já anteriormente mencionado quando abordada a

questão da assinatura digital, inspirou-se na proposta de diretiva européia, hoje

45 KAMINSKI, Omar. Direito na rede. Justiça e Legislativo deram novos rumos à Internet. Revista Consultor Jurídico in http://conjur.estadao.com.br/static/text/51375,1 , em 26/12/2006.

Page 72: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

72

aprovada sob o nº 1999/93/CE, bem como nas sugestões presentes na Lei

Modelo de Comércio Eletrônico da Comissão de Direito do Comércio Internacional

da Organização das Nações Unidas – UNCITRAL.

Em suma, estão presentes os seguintes aspectos: 1) desnecessidade

de autorização prévia para oferta de bens e serviços em razão do meio eletrônico;

2) obrigatoriedade de identificação do ofertante, do armazenador, do provedor de

acesso e dos sistemas de segurança para o arquivamento eletrônico; 3) regras de

utilização de informações de caráter privado; 4) segurança e certificação

eletrônica das transações; 5) responsabilidades dos intermediários, transmissores

e armazenadores de informações; 6) aplicabilidade das normas de proteção e

defesa do consumidor ao comércio eletrônico; 7) eficácia jurídica das assinaturas

eletrônicas e dos documentos eletrônicos; 8) certificações eletrônicas públicas e

privadas; 9) responsabilidade de tabeliães relacionada à atividade de certificação

eletrônica; 10) competência do Poder Judiciário para autorizar, regulamentar e

fiscalizar o exercício das atividades de certificação; 11) competência do Ministério

da Ciência e Tecnologia para regulamentar os aspectos técnicos das

certificações; e 12) as sanções administrativas e penais aplicáveis.

O Projeto de Lei nº 3.303/2000 regula a operação e o uso da Internet

em âmbito nacional, trazendo como inovações, dentre outras: 1) a classificação

do provedor de acesso como prestador de serviços de valor adicionado ao serviço

de telecomunicação; 2) a instituição de mecanismos de segurança, cadastro de

usuários juntos aos provedores de acesso e meios adequados para a

identificação de práticas ilícitas na Internet; 3) a realização dos registros e a

coordenação dos nomes de domínio pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil; e 4)

a criação do Conselho de Ética da Internet.

Page 73: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

73

O projeto de Lei nº 672/1999, apresentado apenas poucos meses após

o PL 1.5899/1999, incorpora quase integralmente os preceitos da Lei Modelo da

UNCITRAL e toca nos seguintes tópicos: 1) reconhecimento de efeitos jurídicos

às mensagens de dados; 2) equiparação da mensagem eletrônica à mensagem

impressa; 3) equiparação dos métodos de identificação eletrônicos à assinatura;

4) autenticidade de informações em meio eletrônico; 5) conservação de

mensagem eletrônica; 6) validade das declarações de vontade e formação de

contratos através de mensagens eletrônicas; e 7) princípios aplicáveis à

determinação do remetente, do destinatário, do tempo e do lugar relativos ao

envio e ao recebimento das mensagens eletrônicas.

Finalmente, o Projeto de Lei 4.906/2001 que regula o comércio

eletrônico em todo o território nacional, destacando a necessidade de

uniformização das normas de comércio eletrônico em nível internacional, criando

dispositivos que regulamentam a aplicação de requisitos legais às mensagens

eletrônicas e a comunicação de mensagens eletrônicas, inclusive quanto à

celebração e validade dos contratos celebrados eletronicamente.

3.2 LEI APLICÁVEL E COMPETÊNCIA.

Com a Informática e o uso astronômico da Internet, novas situações

começam a surgir e não podem ser simplesmente ignoradas pelos órgãos

jurisdicionais. A questão reside, então, em como interpretar as regras integrantes

do ordenamento jurídico em face das novas maneiras de se relacionar entre os

indivíduos.

Page 74: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

74

Preliminarmente ao estudo da legislação aplicável aos contratos

eletrônicos internacionais, bem como seus efeitos dentro do comércio eletrônico,

faz-se oportuno analisar a definição de competência de Liebman, “quantidade de

jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão”.46

Historicamente, este conceito veio a superar a definição, até então

existente, de competência como medida de jurisdição47, já que esta não é

suscetível de “medidas, restrições ou divisões (todo o juiz, enquanto tal, é a

encarnação do próprio Estado, exercendo naquele momento, em sua inteireza, o

poder jurisdicional”). 48

Enquanto a competência diz respeito às atribuições dos órgãos

jurisdicionais, a jurisdição é a própria manifestação do poder e da soberania

estatal.

É mister que o comércio eletrônico desconhece fronteiras e ultrapassa

os limites das jurisdições dos diversos países, pois constitui uma das modalidades

de contratação à distância.

Não será novidade que se acentuem problemas jurídicos nos contratos

eletrônicos, pois além de ser prevalente seu caráter impessoal, é de satisfação

incerta.

46 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco, Forense, Rio de Janeiro, 2ª ed., 1985, pág. 55 47 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituzioni di Diritto Processuale Civile, Jovene, Nápoles, 2ª ed., 1936., §25, nº173 e ss., págs. 140 e ss.; idem, Principii di Diritto Processuale Civile, Jovene, Nápoles, 1965, § 26, págs. 483 e ss. 48 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco, Forense, Rio de Janeiro, 2ª ed., 1985, pág. 56

Page 75: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

75

A primeira dificuldade a se enfrentar, antes mesmo da definição de

competência, mas relevante para sua determinação, diz respeito à determinação

da lei aplicável.

No sistema italiano do começo do século XX, Vivante afirmava que “a

validade, a forma, os efeitos de uma obrigação devem regular-se segundo a lei e

os usos do lugar onde tiveram origem”.49

O artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.567,

de 4 de setembro de 1942) dispõe que a “forma extrínseca dos atos, públicos ou

particulares, reger-se-á segundo a lei do lugar em que se pratique”, mas assim a

solução apresentada não apresenta segurança, pois esse dispositivo apenas

procura elucidar o sentido da regra locus regit actum.

Assim é que esta regra não é possível de ser aplicada aos contratos

eletrônicos internacionais, já que, na maioria das vezes, torna-se difícil determinar

o lugar no qual a obrigação se constituiu.

Diante da inexistência de lei específica para regulamentar as questões

jurídicas oriundas das relações digitais, são aplicáveis ao comércio eletrônico no

Brasil, seja diretamente ou por analogia, os preceitos da legislação em vigor,

pertinentes aos negócios e práticas tradicionais no comércio. Aplicam-se, ainda,

os princípios inerentes a Lei de Introdução ao Código Civil no que for pertinente,

tendo em vista seu caráter internacional nas relações comerciais.

É cediço que os contratos internacionais podem ser definidos como

acordos de vontade celebrado entre dois ou mais sujeitos de direito fazendo

49 VIVANTE, Cesare. Instituzioni di Diritto Commerciale, Hoepli, Milão, 40ª ed., 1929.

Page 76: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

76

nascer entre eles direitos e obrigações que potencialmente estejam submetidos

às normas provenientes de mais de um ordenamento jurídico estatal.50

Na atualidade a doutrina, bem como a prática jurisprudencial francesa,

norte-americana e alemã em geral têm admitido a autonomia da vontade às

partes como regra válida para a escolha da lei aplicável aos contratos

internacionais.

O artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil não utilizou a

expressão “autonomia da vontade”, enfatizando apenas que “para qualificar e

reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.

A supressão da expressão “autonomia da vontade” fez com que alguns

doutrinadores, como Amílcar de Castro51, negassem a sua existência como

critério apto no Direito Internacional Privado brasileiro para a determinação da lei

aplicável aos contratos internacionais. Outros como Wilson Batalha52 e Oscar

Tenório53 a admitiam apenas no terreno de eleição de normas facultativas ou

supletivas referentes aos contratos internacionais, negando que o artigo 9º

permitisse a utilização exclusiva da vontade como critério para a eleição da lei

aplicável aos contratos internacionais.

Haroldo Valladão54, por sua vez, critica o fato de que nos contratos

celebrados entre ausentes (que se utiliza de fax, telefone, telégrafo, carta, e até

50 FIORATI, Jete Jane, Direito do comércio internacional: OMC, telecominicações e estratégia empresarial, Franca, UNESP – FHDSS, 2006, pág.142. 51 CASTRO, Amílcar. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro, Forense.1987, p.444. 52 BATALHA, Wilson. Tratado Elementar de Direito Intenacional Privado. v.II. São Paulo, RT, 1977, p.252,254. 53 TENÓRIO, Oscar. Direito Internacional Privado. v.II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1976, p.177-178. 54 VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. v.I Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p.366 e 373-374.

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77

de redes de computadores), o parágrafo 2º do artigo 9º da Lei de Introdução

disciplina que “reputa-se constituído o contrato no local onde residir o

proponente”, uma vez que a tradição brasileira sempre foi a adoção do domicílio e

não da residência. Por outra banda, a utilização do termo reputar implicaria,

segundo o autor, numa presunção de aplicação da lei, que terminaria no momento

em que as partes através de sua vontade determinassem a lei aplicável à relação

jurídica por elas criada.

Pode-se verificar, portanto, que o artigo 9º da Lei de Introdução em

vigor não permite a escolha da regra que se regerá o contrato pelas partes,

possibilitando, sim, a escolha do local em que celebrarão o contrato por

conseqüência da regra a ser aplicada. Em suma, trata-se de uma autonomia da

vontade por vias tortas.

Conforme enfatiza Strenger55, a tendência da moderna doutrina

brasileira é de admitir a autonomia da vontade das partes contratantes para fixar o

direito ao qual será regido o contrato celebrado.

A adoção da autonomia da vontade como critério apto para a

determinação da lei aplicável aos contratos realizados em âmbito internacional,

além de ser consentâneo as regras de Direito Internacional Privado Uniformizado

e praticado em toda a sociedade ocidental, é também critério que possibilita a

aplicação de um direito mais adequado ao contrato, especialmente quando se

observa a cada dia a evolução tecnológica abrindo portas para novas

possibilidades de negócios e muitas regras internas nada dispõem sobre a

55 STRENGER, I. Autonomia da Vontade em Direito Internacional Privado. São Paulo: RT. 1968, p.125

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78

disciplina jurídica necessária à regulamentação e utilização de novas tecnologias,

bem como seus reflexos nas relações econômico-jurídicas entre as partes.

Destarte, como os atos jurídicos em geral, cuja validade depende

apenas de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei,

aqueles realizados em meio eletrônico reputam-se igualmente válidos quando

presentes os requisitos elencados pela lei civil, conforme anteriormente

demonstrado.

O artigo 435 do Código Civil Brasileiro preceitua que o contrato reputa-

se celebrado no local onde foi feita a proposta. A Lei de Introdução ao Código

Civil, por sua vez, dispões em seu artigo 9º, que as obrigações decorrentes do

contrato regem-se pela lei do país onde se constituírem, estabelecendo, também,

que tais obrigações reputam-se constituídas no lugar onde residir o proponente.

Desta forma, uma operação comercial eletrônica celebrada entre partes

situadas em países distintos será regulada pela lei do país onde residir o

proponente. Em outras palavras, se uma proposta é feita por empresa ou pessoa

residente no estrangeiro, e aceita por empresa ou pessoa residente no Brasil, a lei

a ser aplicada será a do país estrangeiro, e, ao inverso, se a proposta é feita por

empresa ou pessoa brasileira, e aceita por empresa ou pessoa alienígena, a lei

aplicável será a brasileira.

Assim, analisando os dispositivos supra, pode-se estabelecer que a

venda e compra serão regidas pelas leis do país em que se situar o

estabelecimento eletrônico.

Page 79: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

79

O estabelecimento eletrônico é definido como “um bem incorpóreo,

constituído de um complexo de bens que não se fundem, mas mantêm

unitariamente sua individualidade própria”56, reunidos pelo empresário para a

exploração de sua atividade econômica.

Porém, devido as crescentes transformações, o estabelecimento é

considerado físico ou virtual. Essa definição é feita de acordo com o “meio de

acesso aos consumidores e adquirentes interessados nos produtos, serviços ou

virtualidades que o empresário oferece ao mercado. Se o acesso é realizado pelo

deslocamento destes no espaço até o imóvel em que se encontra instalada, a

empresa, o estabelecimento é físico, se acessado por via de transmissão

eletrônica de dados, é virtual”. 57

Como é cediço, a competência para julgamento dos conflitos oriundos

dos contratos eletrônicos não foi regulamentada, no Brasil, por legislação. A

ausência de fronteiras e referências físicas na Internet dificulta a identificação do

órgão jurisdicional competente para o julgamento.

O projeto de Lei 679/99 adota as linhas básicas da Lei Modelo da

UNCITRAL, que, em matéria de competência, institui que o lugar de envio ou

recebimento de uma mensagem eletrônica será sempre o do estabelecimento dos

contratos, salvo quando o remetente e o destinatário não possuírem

estabelecimento, quando será considerada, para fins de competência, a

residência habitual destes; e quando os contratantes tiverem mais de um

56 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial., Saraiva, São Paulo, 9ª ed., 1979, nº 158, pág. 192. 57 COELHO, Fábio Ulhoa. O estabelecimento virtual e o endereço eletrônico. In Tribuna do Direito, novembro de 1999, pág. 32.

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80

endereço, hipótese em que será considerado o local que guarde mais relação

com a transação.

A competência internacional geral do judiciário brasileiro, quando o

contrato é celebrado entre contratantes situados em países distintos, observa-se

as regras dos artigos 88 a 90 do Código de Processo Civil, que dispõem:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. Art. 90. A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que Ihe são conexas.

Assim, no contrato eletrônico celebrado por duas empresas situadas

em países diferentes, sendo a proponente sediada no estrangeiro, sem possuir

filial no Brasil, a lei aplicável será a do país estrangeiro. Considerando que a

obrigação decorrente do contrato tenha que ser cumprida no Brasil, a justiça

brasileira será competente para processar e julgar o caso.

O problema da jurisdição e territorialidade, presente nas transações

internacionais, foi objeto de estudo do Relatório da American Bar Association.58

Foram apresentadas como hipóteses cabíveis para a escolha do foro de eleição

em caso de problemas legais: 58 nota publicada no Jornal do Commercio de 18/07/2000.

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1) o foro de eleição pode ser no país de destino, onde reside o

consumidor; como conseqüência as empresas de comércio eletrônico teriam que

se sujeitar às leis do país de cada consumidor, a cada compra realizada;

2) o foro de eleição pode ser no país de origem, onde a empresa está

legalmente sediada; como conseqüência o consumidor estaria desprotegido e

teria que conhecer a legislação de diversos países;

3) estabelecimento de um acordo entre comprador e vendedor no

momento da transação, para decidirem sobre o foro de eleição; como

conseqüência o governo não participaria do acordo e perderia o controle sobre as

transações on-line (pode ser problemático se as mercadorias são medicamentos

ou softwares).

A solução técnica proposta pelo Relatório foi a criação de robôs,

agentes inteligentes, que negociariam os termos de cada transação, com base em

parâmetros pré-estabelecidos, de acordo com os endereços de IP de origem e de

destino.

3.3 COMPETÊNCIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

A partir do momento em que há a celebração do contrato eletrônico

com o site responsável pela venda, ou seja, de um site cuja sede social não está

no Brasil, cria-se, obviamente, uma obrigação de adimplemento do contrato

celebrado entre o vendedor virtual estrangeiro e o consumidor brasileiro. Com

efeito, caso a empresa vendedora possua filial ou sucursal em território brasileiro,

estas serão acionadas em eventual processo judicial..

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A Carta Magna, em seu artigo 5.º, inciso XXXII, prevê a proteção

estatal do consumidor através de lei ordinária. Essa lei é o Código de Defesa do

Consumidor, Lei n.º 8078/1990. Além disso, o artigo 170, V, erige a defesa do

consumidor a condição de princípio da ordem econômica.

A proteção conferida pelo Código abrange todas as pessoas, sejam

elas físicas ou jurídicas, desde que estas sejam destinatárias finais do produto ou

do serviço.

É de suma importância ressaltar que após duríssimos anos que

levaram à devida efetivação e a prática do respeito ao consumidor brasileiro,

através do advento da lei consumeirista em vigor, o comércio eletrônico não

possui o condão de afastar a sua aplicabilidade. Esta recente forma de contratar

deve ser entendida apenas como um meio de efetuar as transações, assim como

o telefone ou o telefax.

Sendo prevalente o entendimento que de que as regras de proteção e

defesa das relações de consumo são de ordem pública e tem caráter indisponível,

as ofertas de produtos e serviços feitas por fornecedor situado no exterior são

disciplinadas pelo código de defesa do consumidor.

Esse diploma define em seu artigo 3º, caput, o que vem a ser

fornecedor, ou seja, “toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional

ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação

de serviços”. Sendo o fornecedor estrangeiro e exportando seus produtos ou

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83

serviços para o Brasil, aplicar-se-ão as normas do Código de Defesa do

Consumidor.

Por outra banda, é preciso considerar que a já citada Lei de Introdução

ao Código Civil, em seu artigo 1º, caput e § 1º, dispõe que a lei brasileira vigora

em todo o país, mas a sua obrigatoriedade nos Estados estrangeiros depende de

que estes expressamente a admitam.

Portanto, não se deve afirmar categoricamente que nossa lei

consumeirista será sempre aplicada, principalmente porque algumas ofertas de

contratação serão expressamente regidas pela lei estrangeira. A questão parece

situar-se na validade e eficácia extraterritorial da lei brasileira.

Diante de um caso de inadimplemento contratual, isto é, o não

cumprimento da data correta de entrega do produto, a existência de vícios, as

características do produto, dentre outros, é importante ressaltar que tais

desobediências infringem, frontalmente, uma obrigação que deve ser executada

em território brasileiro. Por conseguinte, aplicar-se-á o artigo 9.º § 1.º, da Lei de

Introdução ao Código Civil, (elemento de conexão) que preceitua:

Art. 9.º : Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1.º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será está observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2.º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.

O elemento de conexão acima referido em uma relação regida pelo

direito civil, poderia ser aplicado. Não obstante, trata-se de direito do consumidor

e este, por sua vez, está previsto nos direitos e garantias fundamentais da

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Constituição Federal Brasileira, e, como é mister, o artigo 5.º é cláusula pétrea.

Permitir a aplicação do direito estrangeiro seria negar a Constituição Federal, e tal

conduta não é da tradição jurídica brasileira.

Como se trata de obrigação não cumprida, isto é, não houve a entrega

do produto ou a realização do serviço pela empresa estrangeira ao consumidor

brasileiro, portanto deve-se aplicar o art. 9.º § 1.º da LICC.

Ademais, o Código de Processo Civil em seu artigo 88 trata da

competência internacional e em especial seu inciso II, conforme já explanado

anteriormente.

Importante ressaltar, também, que o próprio Código de Defesa do

Consumidor, em seu artigo 101, I, é taxativo quanto a possibilidade de opção pelo

domicílio.59

Por fim, interessa asseverar que em uma compra realizada pela rede,

cuja empresa vendedora possua sede social em país estrangeiro, o consumidor

brasileiro terá dois caminhos:

Poderá mover uma eventual ação judicial no país sede da empresa, ou,

poderá processar no Brasil, pois está amparado pela Constituição Federal, Lei de

Introdução ao Código Civil, por normas de caráter processual e principalmente

pelo Código de Defesa do Consumidor.

59 Artigo 101: Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos ou serviços, sem prejuízo no disposto nos capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor.

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85

Por conseguinte, deve-se destacar que se consumidor move uma ação

judicial no Brasil e vence a demanda, tem-se, por conseqüência, que a execução

da sentença brasileira deverá ser realizada no país de origem da empresa virtual.

Dessa forma, os requisitos do artigo 15 da Lei de Introdução ao Código

Civil, de forma analógica deverão ser observados. Caso a execução do comando

judicial brasileiro afronte a soberania nacional, a ordem pública e os bons

costumes, tal execução poderá ter restrições na sua eficácia em solo estrangeiro,

como por exemplo, se a sentença brasileira determinar a inversão do ônus da

prova da relação consumerista, e não existir previsão semelhante na legislação

estrangeira.

Finalmente, mister se faz mencionar que há dois caminhos a seguir,

quais sejam, a ação judicial poderá ser movida no estrangeiro em conformidade

com o direito alienígena e também há a opção de se mover o processo no Brasil,

em consonância com o ordenamento pátrio e realizar sua posterior execução em

solo estrangeiro, com suas possíveis implicações jurídicas com o ordenamento

local.

Pelo menos em relação aos negócios jurídicos exclusivamente

nacionais, pode-se afirmar com toda a certeza que a venda e compra realizada

por meio eletrônico é contrato eletrônico regido pelo Código de Defesa do

Consumidor, no qual o fornecedor de produtos ou o prestador de serviços

(vendedor), titular do estabelecimento virtual, exterioriza a oferta e o internauta

(comprador) manifesta a sua aceitação mediante computadores ligados via

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86

eletrônica em rede. A troca de informações se realiza apenas pelo processamento

e transmissão eletrônica de dados. 60

Nesses casos, aplica-se a regra constante do art. 49 do Código de

Defesa do Consumidor, que, ao disciplinar a contratação realizada fora do

estabelecimento comercial, concede ao consumidor o direito de arrependimento,

no prazo de sete dias do recebimento do bem e não da celebração do negócio

jurídico, sem nenhum encargo. Mas isso não é suficiente, pois medidas judiciais

podem originar-se da contratação pactuada por meio eletrônico.

O estatuto dos direitos do consumidor no Brasil é compatível com as

mais modernas leis no mundo. As cortes pátrias tem sido cautelosas em aplicar a

lei, de modo que ela alcance o objetivo principal, que é proteger os consumidores

enquanto ao mesmo tempo aumenta a competição saudável entre os

participantes do mercado de suprimento.

Para a indústria brasileira, significa que o país possui o cenário certo

para o desenvolvimento de seus fabricantes, de modo que eles possam vencer os

competidores baseados em território alienígena, e ao mesmo tempo os coloca em

sintonia com possíveis parceiros no Brasil e no exterior. Entender os direitos do

consumidor nas várias jurisdições ajudarão pessoas de negócios a se integrarem

melhor, mais rápido e de uma maneira mais lucrativa.

60 COELHO, Fábio Ulhoa. O contrato eletrônico: conceito e prova”, in Tribuna do Direito, fevereiro de 2000.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Baseado no presente estudo, é possível entender a essência dos

contratos eletrônicos e possuir uma melhor compreensão acerca do comércio

eletrônico internacional e suas relações realizadas através dessa recente forma

contratual.

Conceituou-se então o contrato eletrônico como o acordo de vontades

individuais, celebrado ou executado pela via eletrônica, que resulta na

constituição, modificação, manutenção ou extinção de direitos, obrigando todas as

partes acordantes ou contratantes.

Não há dúvida de que os contratos eletrônicos são perfeitamente

considerados válidos e produzem seus os efeitos jurídicos, pois apresentam os

elementos estruturais e funcionais, assim definidos pela doutrina, e também

condições previstas no artigo 104 do Código Civil Brasileiro: partes capazes,

objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.

A Internet é, sem dúvida, apenas mais um meio utilizável de

comunicação para se contratar, e sendo que o nosso Código Civil em seu art.

428, inciso I, já prevê a validade dos contratos celebrados por telefone ou por

meio de comunicação semelhante, não resta dúvida alguma que os contratos

celebrados via Internet serão perfeitamente válidos, desde que munidos de seus

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88

requisitos necessários apresentados no presente estudo, conforme o

posicionamento majoritário da doutrina recente.

A tecnologia traz comodidade aos contratantes em realizar seus

negócios jurídicos via Internet, proporcionando-lhe mecanismos capazes de

assegurar a autenticidade e a integridade que necessitam para adquirirem força

probante em nossos tribunais.

Comparada à forma contratual documentado em papel, pode-se ousar

a afirmar que o contrato eletrônico é até mais seguro, desde que assinado

digitalmente. Se alguns temem os negócios jurídicos eletrônicos por acreditarem

que podem ser facilmente copiados, no caso, os contratos realizados através de

certificação digital são praticamente impossíveis de serem modificados. Tal

segurança não ocorre em um contrato documentado em papel, podendo ser

facilmente impresso com informações adversas das originais e suas assinaturas

manuscritas mais vulneráveis à falsificação, levando-se em conta, ainda, que a

identificação de tal assinatura dar-se-á geralmente pelo olho humano, susceptível

a erros, enquanto a autenticação da assinatura digital dar-se-á por computador.

Cumpre ressaltar ainda que inexiste no ordenamento jurídico do país

lei que determine uma forma preestabelecida para os contratos de compra e

venda de bens e serviços pela Internet, devendo os mesmos serem considerados

válidos se efetivado sob qualquer forma não contrária ao ordenamento jurídico.

Já é visível que o legislador pátrio apresenta sinais de interesse acerca

do assunto, posto que já tramitam no congresso nacional diversos projetos de leis

concernentes aos contratos eletrônicos, comércio eletrônico, assinatura digital,

dentre outros.

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89

Sem dúvida que diante da inexistência de lei específica para

regulamentar as questões jurídicas oriundas das relações digitais, são aplicáveis

ao comércio eletrônico, seja diretamente ou por analogia, os preceitos da

legislação em vigor, pertinentes aos negócios e práticas tradicionais no comércio.

Aplicam-se, ainda, os princípios inerentes à Lei de Introdução ao Código Civil no

que for pertinente, tendo em vista o caráter internacional das relações comerciais.

O presente estudo utilizou-se da interdisciplinaridade de diversos

ramos do direito, dentre eles, em especial, o Direito Civil e o Direito do

Consumidor, os quais forneceram maiores subsídios.

Apresentou-se também a discussão acerca da necessidade de criação

de um novel ramo do direito, ou seja, o direito eletrônico (ou internético, ou

informático, ou virtual, dentre outros). Como já explanado, defende-se que não

existe tal necessidade, haja vista que a Internet não criou nenhum novo bem

jurídico a ser protegido.

Por fim, acredita-se que o trabalho monográfico servirá de marco para

um perfeito aprofundamento do tema, ultrapassando assim o nível acadêmico e

passando a integrar uma maior discussão doutrinária e operacional a nível

profissional, buscando sempre enquadrar a legislação com a realidade

contemporânea.

Page 90: CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS

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