cap01 - safari da estratégia

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gerenciamento de projetos

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  • 1captulo

    E Aqui, Senhoras e Senhores, a Fera da Administrao Estratgica

    Para ser franco, no sou to esperto quanto voc parece pensar que sou.

    The New Yorker Collection 1983 W.B. Park from cartoonbank.com. All Rights Reserved.

  • Safri de Estratgia18

    Para comear, uma fbula, frequentemente citada, mas pouco conhecida:

    OS CEGOS E O ELEFANTEpor John Godfrey Saxe (1816-1887)

    Eram cinco homens do HindustoDesejosos de muito aprender,Que foram ver o Elefante(Embora todos fossem cegos)Cada um, por observao,Poderia sua mente satisfazer.

    O Primeiro aproximou-se do Elefante,E aconteceu de chocar-seContra seu lado amplo e forteImediatamente comeou a gritar:Valha-me Deus, mas o Elefante como uma parede.

    O Segundo, pegando na presa,Gritou: Oh! O que temos aquiTo redondo, liso e pontiagudo?Para mim isto muito claroEsta maravilha de elefante como uma lana!

    O Terceiro aproximou-se do animalE aconteceu de pegarA sinuosa tromba com suas mos.Assim, falou em voz alta:Vejo, disse ele, o Elefante muito parecido com uma cobra!

    O Quarto esticou a mo, ansiosoE apalpou em torno do joelho.Com o que este maravilhoso animalSe parece muito fcil, disse ele:Est bem claro que o Elefante muito semelhante a uma rvore!

    O Quinto, por acaso, tocou a orelha,E disse: At um cegoPode dizer com o que ele se parece:Negue quem puder,Esta maravilha de Elefante muito parecido com um leque!

    O Sexto, mal havia comeadoA apalpar o animal,Pegou na cauda que balanava

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 19

    Que veio ao seu alcance.Vejo, disse ele, o Elefante muito semelhante a uma corda!

    E assim esses homens do HindustoDiscutiram por muito tempo,Cada um com sua opinio,Excessivamente rgida e forte.Embora cada um estivesse, em parte, certo,Todos estavam errados!

    MoralCom frequncia em guerras teolgicas,Os disputantes, suponho,Prosseguem em total ignornciaDaquilo que cada um dos outros quer dizer,E discutem sobre um ElefanteQue nenhum deles viu!

    Somos os cegos, e a formulao de estratgia nosso elefante. Como ningum conseguiu enxergar o animal inteiro, cada um tocou numa ou noutra parte e prosseguiu em total ignorncia a respeito do restante. Somando as partes, certamente no teremos um elefante. Um ele-fante mais que isso. Contudo, para compreender o todo, tambm precisamos compreender as partes.

    Os dez prximos captulos descrevem dez partes do nosso animal de formulao de estratgia. Cada um representa uma escola de

    pensamento. Esses dez captulos so estruturados por este primeiro captulo, que introduz as esco las e algumas ideias a respeito da estratgia em si, e um ltimo captulo, que retorna ao animal inteiro.

    POR QUE DEZ?

    Em interessante artigo intitulado O Mgico Nmero Sete, Mais ou Menos Dois: Alguns Limites sobre Nossa Capacidade para Processar Informaes, o psi-clogo George Miller (1956) perguntava por que tendemos a favorecer o n-mero 7 para categorizar coisas por exemplo, as sete maravi lhas do mundo, os sete pecados capitais e os sete dias da semana. Isto refl ete, concluiu ele, nossa composio cognitiva: sete , mais ou menos, o nmero de pedaos de informaes que podemos reter com facilidade em nossas mem rias de curto prazo.1 Trs maravilhas do mundo seriam de certo modo pouco, ao passo

    1 Na verdade, Miller defende um limite desta ordem para o nmero de bits com que podemos lidar naqui-lo que ele chama de julgamento absoluto e o nmero de pedaos combinaes desses bits na memria intermediria.

    Somos os cegos,

    e a formulao de estratgia nosso elefante.

  • Safri de Estratgia20

    que 18 seria um nmero desanimador. Mas claro que as pessoas interessadas em estratgia no so simples mortais pelo menos em termos de nossas ca-pacidades cognitivas e assim devem ser capazes de compreender, digamos, um a mais que o nmero mgico 7 + 2. Assim, este livro prope dez escolas de pensamento sobre formulao de estratgia.

    Deixando de lado a cognio, na reviso de grande volume de literatura emer-gem dez pontos de vista distintos, a maioria dos quais se refl ete na prtica gerencial. Cada um tem uma perspectiva nica que focaliza, como faz cada um dos cegos, um aspecto importante do processo de formulao de estratgia. Cada uma dessas perspectivas , em certo sentido, restrita e exagerada. Em ou-tro sentido, porm, cada uma tambm interessante e criteriosa. Um elefante pode no ser uma tromba, mas certamente tem uma, e seria difcil compreen-der elefan tes sem uma referncia tromba. A desvantagem da cegueira tem uma vanta gem inesperada, aguando os outros sentidos para as sutilezas que podem esca par queles que enxergam com clareza.

    As escolas

    Assim, em cada um dos dez captulos subsequentes, apre sentamos uma das escolas a partir da sua perspectiva. A seguir, ns a criticamos, a fi m de salientar suas limitaes e contribuies. Tais escolas, junto com o adjetivo que melhor parece captar a viso que cada uma tem do processo de estratgia, esto rela-cionadas a seguir:

    A Escola do Design: formulao de estratgia como um processo de concepo

    A Escola do Planejamento: formulao de estratgia como um processo formal

    A Escola do Posicionamento: formulao de estratgia como um processo analtico

    A Escola Empreendedora: formulao de estratgia como um processo visionrio

    A Escola Cognitiva: formulao de estratgia como um processo mental

    A Escola de Aprendizado: formulao de estratgia como um processo emergente

    A Escola do Poder: formulao de estratgia como um processo de negociao

    A Escola Cultural: formulao de estratgia como um processo coletivo

    A Escola Ambiental: formulao de estratgia como um processo reativo

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 21

    A Escola de Confi gurao: formulao de estratgia como um processo de transformao2

    As trs primeiras escolas so de natureza prescritiva mais preocupadas em como as estratgias devem ser formuladas do que em como elas necessaria-mente se formam. A primeira delas, que nos anos 60 apresentou a estrutura bsica sobre a qual as duas outras foram cons trudas, v a formulao de es-tratgia como um processo de design infor mal, essencialmente de concepo. A segunda escola, desenvolvida paralelamente nos anos 60, com seu auge em uma onda de publicaes e prticas nos anos 70, formalizou essa perspectiva, vendo a formulao de estratgias como um processo de planejamento formal separado e sistemtico. Esta escola per deu espao nos anos 80 para a terceira escola prescritiva, menos preocupada com o processo de formulao de estra-tgias do que com seu contedo real. Ela chamada de escola de posiciona-mento, pois focaliza a seleo de posies estratgicas no mercado.

    As seis escolas seguintes consideram aspectos especfi cos do processo de for-mulao de estratgias e tm-se preocupado menos com a prescrio do com-portamento estratgico ideal do que com a descrio de como as estratgias so, de fato, formuladas.

    Alguns autores importantes h muito associam estratgia com empreendedo-rismo e descrevem o processo em termos de criao da viso pelo grande lder. Mas, se a estratgia pode ser uma viso pessoal, ento sua formulao tambm precisa ser entendida como o processo de obteno do conceito na mente de um indivduo. Da mesma forma, foi tambm desenvolvida uma escola cognitiva, pequena, mas importante, que busca usar as mensagens da psicolo gia cogniti-va para entrar na mente do estrategista.

    Cada uma das quatro escolas a seguir procurou abrir o processo de formulao de estratgia alm do indivduo, para outras foras e outros agentes. Para a es-cola de aprendizado, o mundo demasiado complexo para que as estrat gias sejam desenvolvidas de uma s vez como planos ou vises claros. Portanto, a estratgia deve emergir em passos curtos, medida que a organizao se adap-ta ou aprende. Semelhante a esta, mas com um ngulo diferente, a escola do poder, que trata a formulao de estratgia como um processo de negocia-o, seja por grupos confl itantes dentro de uma organizao, seja pelas prprias organizaes enquanto confrontam seus ambientes externos. Em com parao com esta, h outra escola de pensamento, que considera a formulao de es-tratgia como enraizada na cultura da organizao. Portanto, ela v o processo como fundamentalmente coletivo e cooperativo. E tam bm h os proponentes

    2 Em um interessante mapeamento alternativo, Martinet (1996) dividiu o campo em teolgico, sociolgi-co, ideolgico e ecolgi co. (Lauriol, 1996, mapeou nossas dez escolas sobre essas quatro.) Ver tambm Bowman (1995) para outra perspectiva interessan te sobre o campo.

  • Safri de Estratgia22

    de uma escola ambiental, tericos de organizaes que acreditam que a formu-lao de estratgias um processo reativo em que a iniciativa no est dentro da organizao, mas em seu contexto externo. Assim, eles procuram compreender as presses impostas sobre as organizaes.

    Finalmente, h uma escola sobre a qual se poderia dizer que, na verdade, combina as outras. a escola de confi gurao. As pessoas desta escola, em busca da integrao, agrupam os vrios elementos do nosso animal o pro-cesso de formulao de estratgias, o contedo destas, estruturas organiza-cionais e seus contextos em estgios ou epis dios distintos, por exemplo, de crescimento empreendedor ou maturidade est vel, s vezes sequenciados ao longo do tempo para descrever os ciclos de vida das organizaes. Mas, se as organizaes se acomodam em quadros estveis, ento a formulao de estratgias deve descrever o salto de um quadro para outro. Assim, outro lado desta escola descreve o processo como sendo de transformao, incorporan-do grande parte da enorme literatura e da prtica prescritiva sobre mudanas estratgicas.

    Como fi car claro medida que prosseguirmos, algumas dessas escolas incli-nam-se para a arte, o trabalho ou a cincia (no sentido de anlise) da administra-o. Por exemplo, a escola empreendedora muito mais orientada para a arte; a escola de aprendizado e talvez as escolas polticas sejam mais orientadas para o trabalho; e as escolas de planejamento e posicionamento, para a cincia.

    Tais escolas surgiram em estgios diferentes do desenvolvimento da adminis-trao estratgica. Algumas j chegaram ao auge e declinaram, outras esto ago-ra se desenvolvendo, e outras permanecem pequenas, mas signifi cativas, em termos de publicao e de prtica. Descreveremos cada uma das escolas, com nossa interpretao de seu desenvolvimento e de suas difi culdades, antes de concluir nossos comentrios integrativos fi nais, no captulo de encerramento.

    Observe que todas essas escolas podem ser encontradas na literatura, com frequncia em locais claramente delineados: publicaes acadmicas, revistas especializadas, certos tipos de livros. Mas, em sua maioria, elas so, ou fo ram, igualmente evidentes na prtica, tanto dentro das organizaes quanto nas em-presas de consultoria que as utilizam. Os praticantes leem e so infl uencia dos pela literatura, assim como esta infl uenciada pela prtica. Este um livro da escola de pensamento sobre a formulao de estratgias, tanto na publicao quanto na prtica.

    UMA REVISO DO CAMPO

    A literatura de administrao estratgica vasta o nmero de itens que revisa mos ao longo dos anos chega perto de 2.000 e cresce a cada dia. claro que nem tudo isso vem do campo da administrao: todas as outras

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 23

    reas fazem contribuies importantes para nossa compreenso do processo de estratgia.

    William Starbuck escreveu que discutir todos os aspectos da organizao que so relevantes para adaptao... signifi ca... que possvel discutir tudo o que foi escrito a respeito de organizaes (1965:468). Na verdade, isto est incom-pleto, porque a ltima palavra na citao deveria ser sistemas coletivos de to-das as espcies.

    Aquilo que os bilogos escrevem a respeito da adaptao das espcies (por exemplo, equilbrio interrompido) pode ter relevncia para a compreenso da estratgia como posio (nicho). Aquilo que os historiadores concluem a respei to de perodos no desenvolvimento das sociedades (tais como revo-luo) pode ajudar a explicar diferentes estgios no desenvolvimento de estratgias organizacionais (por exemplo, reformulao como forma de re-voluo cultural). As descries da mecnica quntica feitas pelos fsicos e as teorias do caos dos matemticos podem dar uma ideia de como as orga-nizaes mudam. E assim por diante. Acrescente-se a isso toda a literatura comumente reconhecida como relevante para o estudo das organizaes psicologia da cognio huma na, bem como carisma de liderana, antropolo-gia de culturas na sociedade, econo mia na organizao industrial, planeja-mento urbano em processos formais de planejamento, cincia poltica na elaborao de polticas pblicas, histria mili tar de estratgias de confl ito, e

    assim por diante , e o resultado uma enorme e dispersa litera-tura, capaz de produzir todos os tipos de ideias. No limite, a for-mulao de estratgias no trata apenas de valores e da viso, de competn cias e de capacidades, mas tambm de militares e de religiosos, de crise e de empenho, de aprendizado organiza-cional e de equilbrio interrompido, de orga nizao industrial e de revoluo social.

    Consideramos essa literatura em seus prprios termos. Entretanto, no procu-ramos revis-la de forma abrangente. (No desejvamos escrever milha res de pginas, alm do que a maioria das pessoas desejaria ler.) Esta , em outras palavras, uma reviso do campo, no da literatura. Procuramos cobrir a litera-tura e a prtica para expor seus diferentes ngulos, orientaes, tendn cias. Ao faz-lo, citamos obras publicadas porque foram a chave para uma esco la ou porque ilustram um corpo de obras. Pedimos desculpas aos muitos auto res e inspiradores cujo trabalho no mencionado; esperamos no ter deixado de fora alguma obra signifi cativa.

    Contudo, devemos acrescentar um ponto: existe uma terrvel tendncia, na lite-ratura de administrao de hoje, no sentido do atual, do mais recente, do mais quente. Isto um desservio, no s a todos aqueles maravilhosos auto res an-tigos, mas em especial aos leitores, a quem costumam oferecer o novo e trivial

    A formulao

    de estratgia no tem a ver apenas com valores e viso, competncias e capacidades.

  • Safri de Estratgia24

    em vez do velho e do importante. No expressamos tal tendncia neste livro. Esta uma reviso da evoluo, bem como do estado atual deste campo. Em outra parte deste livro, afi rmamos que a ignorncia do passado de uma organi-zao pode solapar o desenvolvimento de estratgias para seu futuro. O mesmo vale para o campo da administrao estratgica. Ignoramos trabalhos anteriores por nossa conta e risco. Na verdade, acreditamos que o tempo atua, na literatu-ra e na prtica da administrao estratgica, de forma muito semelhan te quela como atua sobre o vinho em barris: ele revela o que excelente. Portanto, no nos desculpamos com ningum por lembrar o leitor de tantas e maravilhosas publicaes antigas.

    CINCO Ps PARA ESTRATGIA

    A palavra estratgia existe h muito tempo. Hoje os gerentes a usam livre e afetuosamente. Ela tambm considerada o ponto alto da atividade dos execu tivos. Por seu lado, os acadmicos vm estudando a estratgia ex-tensamente h quatro dcadas, ao passo que as escolas de administrao geralmente tm, como clmax fi nal necessrio, um curso de administrao estratgica. A palavra es tratgia muito infl uente. Mas o que ela signifi ca realmente?

    Faz parte da natureza humana buscar a defi nio de cada conceito. A maior par-te dos livros-texto sobre estratgia oferece essa defi nio, normal mente apre-sentada no captulo introdutrio, mais ou menos assim: planos da alta gerncia para atingir resultados coerentes com as misses e obje tivos da organizao (Wright et al., 1992:3). Sem dvida, tais defi nies tm sido memorizadas por geraes de estudantes, que mais tarde as usaram em milhares de relatrios corporativos. Aqui, no oferecemos uma defi nio fcil. Ao contrrio, afi rma-mos que a estratgia (para no mencionar dez esco las, to diferentes a seu respeito) requer uma srie de defi nies, cinco especifi camente (com base em Mintzberg, 1987).

    Estratgias como planos e padres

    Pea a algum uma defi nio de estratgia, e provavelmente lhe diro que estra-tgia um plano, ou algo equivalente uma direo, um guia ou curso de ao para o futuro, um caminho para ir daqui at ali. Pea, a seguir, mesma pessoa que descreva a estratgia que a sua organizao, ou a de um concorren te, se-guiu ao longo dos ltimos cinco anos no o que ela pretendia fazer, mas o que fez de fato. Voc ir constatar que as pessoas, em sua maioria, fi cam satisfeitas em responder a essa pergunta, ignorando o fato de que, ao respond-la, elas fogem sua prpria defi nio do termo.

    Acontece que estratgia uma dessas palavras que inevitavelmente defi ni-mos de uma forma, mas frequentemente usamos de outra. Estratgia um

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 25

    padro, isto , coerncia em comportamento ao longo do tempo. Uma em-presa que comercializa perpetuamente os produtos mais dispendiosos da sua indstria segue a chamada estratgia de extremidade superior, assim como uma pessoa que sempre aceita a funo mais desafi adora pode ser descrita como seguindo uma estratgia de alto risco. A Figura 1.1 compara estratgia como um plano olhar para frente com a estratgia como padro olhar o com portamento passado.

    Estratgia como padro (realizada)

    Estratgia como plano (pretendida)

    Figura 1.1 Estratgias futuras (pretendidas) e passadas (padro).

  • Safri de Estratgia26

    Agora, ambas as defi nies parecem ser vlidas: as organizaes desenvol vem planos para seu futuro e tambm extraem padres de seu passado. Pode mos chamar uma de estratgia pretendida e a outra de estratgia realizada. Assim, a pergunta importante passa a ser: as estratgias realizadas devem sem pre ter sido pretendidas? (Na prtica, evidente que as estratgias pretendi das nem sempre so realizadas.)

    H uma maneira simples de descobrir. Pergunte s pessoas que descreve ram as estratgias (realizadas) ao longo dos ltimos cinco anos quais foram as es-tratgias pretendidas cinco anos antes. Elas eram as mesmas? A organizao atingiu o que pretendia? Algumas podem afi rmar que suas intenes foram per-feitamente realizadas. Suspeite da honestidade delas. Outras podem responder que aquilo que realizaram como estratgias nada tinha a ver com aquilo que pre-tendiam. Suspeite do comporta mento delas. Em nossa experincia, a grande maioria das pessoas d uma res posta que fi ca entre os dois extremos um pou-co disto, um pouco daquilo, dizem elas. Elas no se desviaram completamente de suas intenes, mas tam bm no as atingiram perfeitamente. Isto porque, afi nal, realizao perfeita signifi ca previso brilhante, para no mencionar a falta de disposio para adaptar-se a eventos inesperados, ao passo que a no rea-lizao sugere certa dose de negligncia. O mundo real exige pensar frente e tambm alguma adaptao durante o percurso.

    Estratgias como algo deliberado e emergente

    Como mostra a Figura 1.2, as intenes plenamente realizadas podem ser cha-madas de estratgias deliberadas. As que no foram podem ser chamadas de

    Estratgiano realizada

    Estratgiarealizada

    Estra

    tgia e

    merge

    nte

    Estratgia deliberada

    Estratgiapretendida

    Figura 1.2 Estratgias deliberadas e emergentes.

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 27

    estratgias no realizadas. A escola de planejamento, por exemplo, reconhece ambas, com bvia preferncia pelas primeiras. Mas h um terceiro caso, que chamamos de estratgia emergente, em que um padro realizado no era ex-pressamente pretendido. Foram tomadas providncias, uma a uma, que conver-giram, com o tempo, para algum tipo de coerncia ou padro. Por exemplo, em vez de perseguir uma estratgia (leia-se plano) de diversifi cao, uma empre sa toma decises de diversifi cao, uma por vez, testando o mercado. Primeiro, ela compra um hotel urbano; a seguir, um restaurante, depois, um hotel resort; ento, outro hotel urbano com restaurante; depois, um terceiro, e assim por diante, at que tenha emergido uma estratgia (padro) de diversifi car para ho-tis urbanos com restaurantes.

    Como vimos, poucas estratgias ou nenhuma so puramente delibera das, assim como poucas so totalmente emergentes. Uma signifi ca aprendizado zero, a outra signifi ca controle zero. Todas as estratgias da vida real precisam misturar esses dois aspectos de alguma forma: exercer controle fomentando o aprendiza do. Em outras palavras, as estratgias devem formar, bem como ser formula das. Por exemplo, uma estratgia guarda-chuva signifi ca que as linhas

    gerais so deliberadas (como buscar faixas superiores do mercado), ao passo que os detalhes so deixados para emergir no percurso (quando, onde e como). Assim, as estratgias emergentes no so necessariamente ms, nem as estratgias deliberadas so sempre boas; os estrategistas efi cazes as misturam de maneira que refl i tam as condies existentes, especialmente capacidade para prever e tambm a necessidade de reagir a eventos inesperados.

    Estratgias como posies e perspectiva

    Ao plano e ao padro, podemos acrescentar mais duas palavras com p. Alguns anos atrs, o McDonalds lanou um novo produto, chamado Egg McMuffi n o breakfast americano em um bolo. O objetivo era estimular a frequncia em seus restaurantes pela manh. Se voc perguntar s pessoas se o Egg McMuffi n era uma mudana estratgica para o McDonalds pare um momento e faa essa pergunta a si prprio , ir ouvir duas respostas: Claro que sim: ele colocou a empresa no mercado de breakfast e Ora, tudo a mesma coisa maneira McDonalds , s que em uma embala gem diferente. Em nossa viso, a verda-deira diferena entre essas pessoas est em como elas defi nem implicitamente o contedo da estratgia.

    Para algumas pessoas, estratgia uma posio, isto , a localizao de deter-minados produtos em determinados mercados Egg McMuffi n para o mer cado de breakfast. Para outras, estratgia uma perspectiva, isto , a ma neira funda-mental de uma organizao fazer as coisas, a maneira do McDonalds, no caso. Na memorvel frase de Peter Drucker, esta a teoria do negcio (1970:5; 1994). Como mostra a Figura 1.3, como posio, a estratgia olha para baixo

    As estratgias

    emergentes no so necessariamente ms, nem as estratgias deliberadas so sempre boas.

  • Safri de Estratgia28

    para o x que marca o ponto em que o produto encontra o cliente e para fora para o mercado. Em comparao, como perspectiva, a estratgia olha para dentro dentro da organizao, dentro da mente dos estrategistas , mas tambm para cima para a grande viso da empresa.

    Mais uma vez, precisamos das duas defi nies. O McDonalds introduziu o Egg McMuffi n com sucesso porque a nova posio estava em conformidade com a perspectiva existente. Os executivos da empresa pareceram entender bem (em bora no necessariamente nestes termos) que no se ignora casualmente a pers pectiva. (Algum quer um McDuckling lOrange?) Mudar de posio dentro da perspectiva pode ser fcil; mudar a perspectiva, mesmo procurando

    Estratgia como perspectiva

    Estratgia como posio

    Figura 1.3 Estratgias para baixo e para cima.

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 29

    manter a posio, no . (Pergunte aos fabricantes de relgios suos a respeito da intro duo da tecnologia do quartzo.) A Figura 1.4 ilustra exemplos disso.

    Todos os Ps

    Temos, assim, quatro defi nies diferentes de estratgia. Uma quinta tam-bm est em uso: estratgia um truque, isto , uma manobra especfi ca para enganar um oponente ou concorrente. Um garoto pode pular uma cerca para atrair um brigo para seu quintal, onde seu co dobermann est espera de intrusos. Da mesma forma, uma corporao pode adquirir terras para dar a impres so de que planeja expandir sua capacidade, para desencorajar um concorrente de construir uma nova fbrica. Neste caso, a verdadeira estrat-gia (como plano, isto , a inteno real) a ameaa, no a expanso em si; portanto, trata-se de um truque.

    Cinco defi nies e dez escolas. Como veremos, as relaes entre elas so va-riadas, embora algumas das escolas tenham suas preferncias por exem plo, plano na escola de planejamento, posio na escola de posicionamento, pers-

    Est

    rat

    gia

    com

    o po

    si

    o

    Antiga

    Antiga

    Nova

    Nova

    M. Mintzberg

    Egg McMuffin

    Big Mac Big Mac mesa

    McDuckling lOrange

    A sndrome do Egg McMuffinEstratgia como perspectiva

    Figura 1.4 Mudando posio e perspectiva.

  • Safri de Estratgia30

    pectiva na escola empreendedora, padro na escola de aprendizado, truque na escola de poder.

    Combinando plano e padro com posio e perspectiva, como na matriz da Figura 1.5, podemos derivar quatro abordagens bsicas de formulao de es-tratgia, que correspondem a algumas das escolas: planejamento estratgico (escolas de planejamento, de design e de posicionamento), viso estratgica (escolas empreendedora, de design, cultural e cognitiva); empreendimento es-tratgico (escolas de aprendizado, de poder e cognitiva); e aprendizagem estra-tgica (escolas de aprendizado e empreendedora).

    Pode no haver uma defi nio simples de estratgia, mas existem hoje algumas reas gerais de concordncia a respeito da natureza da estratgia. O Quadro 1.1 apresenta um resumo de tais reas.

    ESTRATGIAS PARA O MELHOR E PARA O PIOR

    Qualquer discusso sobre estratgia termina inevitavelmente sobre a lmina de uma faca. Para cada vantagem associada estratgia, h uma desvantagem:

    1 A estratgia fi xa a direo.

    Vantagem: o principal papel da estratgia mapear o curso de uma organi-zao para que ela navegue coesa em seu ambiente.

    Desvantagem: a direo estratgica tambm pode constituir um conjunto de antolhos para ocultar perigos em potencial. Seguir um curso predetermina-do em guas desconhecidas a maneira perfeita de colidir com um iceberg. importante olhar para os lados.

    2 A estratgia concentra o esforo.

    Vantagem: a estratgia promove a coordenao das atividades. Sem a estra-tgia para concentrar os esforos, as pessoas puxam em direes diferen-tes e sobre vm o caos.

    Contedo deestratgia como:

    Posies tangveis

    Perspectiva ampla

    Processo estratgico para:

    Planos deliberados Padres emergentes

    Planejamentoestratgico

    Viso estratgica

    Empreendimento estratgico

    Aprendizagem estratgica

    Figura 1.5 Quatro abordagens bsicas de formulao de estratgia.

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 31

    Desvantagem: o pensamento grupal surge quando o esforo excessiva-mente concentrado. Pode no haver viso perifrica para abrir outras pos-sibilidades.

    3 A estratgia defi ne a organizao.

    Vantagem: a estratgia propicia s pessoas uma forma taquigrfi ca para en-tender sua organizao e distingui-la das outras.

    Desvantagem: defi nir a organizao com excesso de exatido tambm pode signifi car defi ni-la com excesso de simplicidade, s vezes at o ponto de estereotip-la, perdendo-se assim a rica complexidade do sistema.

    4 A estratgia favorece a coerncia.

    Vantagem: a estratgia necessria para reduzir a ambiguidade e pr ordem. Nesse sentido, uma estratgia como uma teoria: uma estrutura cognitiva para simplifi car e explicar o mundo e, com isso, facilitar a ao.

    Quadro 1.1

    A fera da estratgia: reas de concordncia

    (adaptado de Chaffee, 1985: 89-90)

    A estratgia diz respeito tanto organizao quanto ao ambiente. Uma pre missa bsica para pensar a respeito de estratgia diz respeito impossibi lidade de separar organizao e am-biente... A organizao usa a estratgia para lidar com as mudanas nos ambientes.

    A essncia da estratgia complexa. Como as mudanas trazem novas combinaes de circunstncias para a organizao, a essncia da estratgia permanece no estruturada, no pro-gramada, no rotineira e no repetitiva...

    A estratgia afeta o bem-estar geral da organizao. ... decises estratgicas... so consi-deradas importantes o sufi ciente para afetar o bem-estar geral da organizao...

    A estratgia envolve questes tanto de contedo quanto de processo. O estudo da estra-tgia inclui as aes decididas, ou o conceito de estratgia, e tambm os processos pelos quais as aes so decididas e implementadas.

    As estratgias no so puramente deliberadas. Os tericos... concordam que as estratgias pretendidas, emergentes e realizadas podem diferir entre si.

    As estratgias existem em diferentes nveis. ... as empresas tm... estratgia corporativa (em que reas deveremos estar?) e estratgia de negcios (como iremos competir em cada rea)

    A estratgia envolve vrios processos de pensamento. ... a estratgia envolve exerccios conceituais, assim como analticos. Alguns autores enfatizam a di menso analtica mais que as outras, mas a maioria afi rma que o centro da formulao de estratgias o trabalho conceitual feito pelos lderes da organiza o.

  • Safri de Estratgia32

    Desvantagem: Ralph Waldo Emerson disse que a coerncia tola o esp-rito malgno das mentes pequenas.... A criatividade fl oresce na incoern-cia descobrindo novas combinaes de fenmenos at ento separados.

    preciso compreender que toda estratgia, como toda teoria, uma simplifi cao que necessariamente distorce a realidade. Es-tratgias e teorias no so realidades, mas apenas representa-es (ou abstraes) da realidade nas mentes das pessoas. Nin-gum jamais tocou ou viu uma estratgia. Isso signifi ca que cada

    estratgia pode ter um efeito de informao falsa ou distoro. Esse o preo de ter uma estratgia.

    Funcionamos melhor quando podemos conceber algumas coisas como cer tas, ao menos por algum tempo. E este um papel importante da estratgia nas organizaes: ela resolve as grandes questes para que as pessoas possam cui dar dos pequenos detalhes como voltar-se para os clientes e atend-los, em vez de debater quais mercados so os melhores. At mesmo os execu-tivos principais, na maior parte do tempo, precisam tratar de gerenciar suas organiza es em dado contexto; eles no podem questionar constantemente esse contexto.

    Existe uma tendncia de descrever o executivo principal como um estrategis-ta, que fi ca l no alto concebendo as grandes ideias, enquanto todos os outros cuidam dos pequenos detalhes. Mas o trabalho no bem assim. Grande parte desse trabalho tem a ver com seus prprios pequenos detalhes reforar a perspectiva exis tente (e a cultura) em todos os tipos de deveres que compe-tem a uma pessoa nesta posio-chave, desenvolver contatos para descobrir informaes importantes, negociar acordos para reforar as posies existen-tes, e assim por diante.

    claro que o problema com isto que as situaes acabam mudando ambien-tes se desestabilizam, nichos desaparecem, oportunidades se abrem. Ento, tudo aquilo que construtivo e efi caz a respeito de uma estratgia estabelecida passa a ser uma desvantagem. por isso que, apesar de o conceito de estra-tgia estar baseado em estabilidade, grande parte do estudo de estrat gia fo-caliza mudanas. Embora as frmulas para mudanas estratgicas possam sair facilmente, seu gerenciamento, em especial quando en volvem mudanas de perspectiva, difcil. O prprio encorajamento da estrat gia para lidar com elas seu papel na proteo das pessoas da organizao contra desvios prejudica a capacidade para reagir s mudanas no ambiente. Em outras palavras, mudar as ferramentas dispendioso, em especial quando elas so mentes humanas, e no apenas mquinas que precisam ser reprogramadas. A estratgia, como es-tado mental, pode cegar a organizao, levando-a sua prpria obsolescncia. Assim, conclumos que as estratgias so, para as organizaes, aquilo que os antolhos so para os cavalos: eles os mantm em linha reta, mas difi cilmente encorajam a viso perifrica.

    A coerncia

    tola o esprito malgno das mentes pequenas.

  • 1 A Fera da Administrao Estratgica 33

    Tudo isso leva nossa concluso fi nal, de que as estratgias (e o processo de administrao estratgica) podem ser vitais para as organizaes tanto por sua ausncia quanto por sua presena. (Ver Quadro 1.2.)

    ADMINISTRAO ESTRATGICA COMO DISCIPLINA ACADMICA

    Para melhor ou para pior, a administrao estratgica tambm se tornou uma disciplina acadmica independente, como marketing e fi nanas. O campo tem suas prprias publicaes acadmicas, seus clubes, suas conferncias. Sua literatura vasta e, desde 1980, vem crescendo vertiginosamente.

    Grande parte do ensino de administrao estratgica tem enfatizado o lado racional e prescritivo do processo, isto , nossas trs primeiras escolas (de-sign, planejamento e posicionamento). A administrao estratgica comu-mente descrita como girando em torno de fases distintas de formulao, im-plementao e controle, executadas em etapas quase em cascata. Tal tendncia se refl ete fortemente na prtica, particularmente no trabalho de departamentos de planejamento corporativos e governamentais, bem como em muitas empre-sas de consultoria.

    Este livro afasta-se dessa viso tradicional em sua tentativa de apresentar uma avaliao mais equilibrada do campo, com todas as suas contradies e contro-vrsias. Muito espao dedicado s escolas no racionais/no prescritivas, as quais sinalizam outras formas de olhar para a administrao estratgica. Algu-mas dessas escolas tm uma viso menos otimista a respeito da possibilidade de interveno estratgica formal. em nossas crticas s diferentes escolas

    Quadro 1.2

    Ausncia de estratgia como virtude

    (de Inkpen e Choudhury, 1995:313-323)

    A ausncia de estratgia no precisa ser associada ao fracasso organizacio nal A criao deli- berada da ausncia de estratgia pode promover fl exibilida de em uma organizao... Organizaes com controles rgidos, altamente de pendentes de procedimentos formalizados e uma paixo pela coerncia po dem perder a capacidade de experimentar e inovar.

    A administrao da empresa pode usar a ausncia de estratgia para enviar sinais inequvocos aos interessados internos e externos da sua preferncia por no se engajar em cerimnias que conso-mem recursos... Para [uma empresa], a ausncia de muitos dos supostos elementos de estratgia emblemtica da organizao enxuta e no-burocrtica que [ela] se esfora muito para ser.

    A ausncia de um padro rgido de tomada de deciso estratgica pode garan tir que o rudo seja retido nos sistemas organizacionais, sem o que a estratgia pode tornar-se uma receita especializa-da que reduz a fl exibilidade e bloqueia o aprendizado e a adaptao...

  • Safri de Estratgia34

    que nos tornamos algo parciais. As trs escolas prescritivas tm dominado de tal forma a literatura e a prtica que achamos apropriado incluir discusses um tanto extensas, que colocam em questo grande parte dessa sabedoria convencio nal. claro que criticamos todas as dez escolas, uma vez que cada uma tem suas fraquezas. Mas quando as pessoas esto sentadas em um lado da gangorra, no faz sentido tentar mant-las em equilbrio puxando pelo cen-tro. Em outras palavras, manter o equilbrio entre nossas crticas das dez esco-las s ajudaria a perpetuar o desequilbrio que, acreditamos, existe atualmente na literatura e na prtica.

    O difundido fracasso estratgico, em muitas grandes corporaes, pode ser atri-budo ao exrcito de formados em administrao que saram das escolas com um conjunto incompleto de ferramentas. Este livro procura abrir a gama de pers-

    pectivas, fornecendo um conjunto mais variado de ideias para es-ses ex-alunos, bem como para os gerentes na prtica. Como notou Hart, empresas de alto desempenho parecem capazes de misturar quadros de referncia concor rentes na formulao da estratgia. Elas so, ao mesmo tempo, engenhosas e incrementais, diretivas e participativas, controladoras e delegadoras, visionri as e detalha-das (1991:121). Ou, como colocou F. Scott Fitzgerald em termos

    mais diretos: o teste de uma inteligncia de primeira classe a capacidade de ter em mente duas ideias opostas e ainda manter a capacidade de funcio nar. claro que funcionar como estrategista no signifi ca somente ter essas vises opostas, mas tambm, como observou Spender (1992), ser capaz de sinteti-z-las. Pedimos a voc, leitor, que tenha em mente dez dessas vises!

    O campo da administrao estratgica pode estar se movendo no sentido des-sa sntese. Como veremos, algumas das obras mais novas intersectam nossas escolas, e h esforos cada vez maiores para combin-las. Aplaudimos essas iniciativas e as citamos sem pre que possvel. Isso sugere certa maturidade do campo.

    Mas a sntese no pode ocorrer em termos gerais. Ela deve ter lugar na mente especfi ca do observador, isto , voc, o leitor. Ajudaremos onde puder mos, mas a tarefa cabe queles que lidam com estratgia em suas funes. Todos sabemos o que um elefante inteiro; contudo, muitas vezes precisa mos des-crev-lo por suas partes. Isso est na natureza da descrio verbal: palavras em ordem linear, captulos em um livro.

    Ento, segure-se aqui vamos ns!

    Empresas de

    alto desempenho parecem capazes de misturar quadros de referncia concor-rentes.