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7/25/2019 Artigo sobre inovação.pdf http://slidepdf.com/reader/full/artigo-sobre-inovacaopdf 1/11 HSM Management 72 janeiro-fevereiro 2009 8 Pensamento nacional corporativo uma parte pequena da equação da inovação que o Brasil tanto tem de aprender. O capital empreendedor, com sua própria agenda de inovação, é muito mais fundamental que essas ideias, de acordo com o especialista. E ele quase inexiste por aqui. Nesta entrevista exclusiva a  Adriana Salles Gomes, editora- -executiva de HSM Management , Meira apresenta um ponto de vista original sobre inovação no Brasil e navega por assuntos tão diversos como o empreendedorismo brasi- leiro do tipo “me too” , o fato de a sociedade estar agora submetida às leis de Darwin e não mais às de Newton, a informatização dos cor- pos, os efeitos da crise global sobre as perspectivas de inovação do Brasil ou as oportunidades de empreender que começam a emergir com a web 3.0 e que transformarão usuários em programadores, entre outros.  Além de revelar, com seu exem- plo, do que é feito um inovador, fruto de inquietude, curiosidade e aprendizado permanentes [veja quadro na página 22] , Meira ainda definiu a importância ampliada A  maioria das pessoas na Praia de Boa Via- gem, no Recife (PE), olhará para o mar e enxergará apenas as ondas quebrando ou os barquinhos de pes- ca depois da correnteza. A vista de algumas talvez alcance mais longe, até a linha do horizonte. Porém cer- tamente uma verá a costa da África do outro lado do oceano Atlântico. Não é que verá ao pé da letra, mas saberá imaginar. Essa pessoa se chama Silvio Lemos Meira e é, além de uma das maiores autoridades em tecnologia da informação e em inovação do Brasil nos dias atuais, um inovador ele mesmo. De sua sala de professor titular na Universidade Federal de Pernambuco ou de seu quartel-gene- ral de cientista-chefe do C.E.S.A.R., ele não precisa andar demais para chegar até o mar. Saber imaginar é extremamente importante hoje e tem a ver com sa- ber aprender. Porque, como diz Mei- ra nas próximas páginas, “o futuro  vem do futuro”. Mas as ideias são só SE INOVAR É CONSEQUÊNCIA DE MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DOS AGENTES NO MERCADO, E SE ATÉ OS BRASILEIROS MAIS AFASTADOS DOS CENTROS MUDAM MUITO, POR QUE O BRASIL INOVA TÃO POUCO? EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, O INOVADOR SILVIO MEIRA DÁ AS RESPOSTAS  TUDO  QUE VOCÊ QUERIA SABER  SOBRE  INOVAÇÃO E NÃO TINHA A QUEM PERGUNTAR

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HSM Management 72 janeiro-fevereiro 20098

Pensamento nacional corporativo

uma parte pequena da equação dainovação que o Brasil tanto tem deaprender. O capital empreendedor,com sua própria agenda de inovação,é muito mais fundamental que essasideias, de acordo com o especialista.E ele quase inexiste por aqui.

Nesta entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, editora--executiva de HSM Management ,Meira apresenta um ponto de vistaoriginal sobre inovação no Brasile navega por assuntos tão diversoscomo o empreendedorismo brasi -leiro do tipo “me too” , o fato de asociedade estar agora submetidaàs leis de Darwin e não mais às deNewton, a informatização dos cor-

pos, os efeitos da crise global sobreas perspectivas de inovação do Brasilou as oportunidades de empreenderque começam a emergir com a web3.0 e que transformarão usuários emprogramadores, entre outros.

 Além de revelar, com seu exem-plo, do que é feito um inovador,fruto de inquietude, curiosidadee aprendizado permanentes [veja

quadro na página 22] , Meira aindadefiniu a importância ampliada

maioria das pessoasna Praia de Boa Via-gem, no Recife (PE),olhará para o mar eenxergará apenas asondas quebrando ouos barquinhos de pes-

ca depois da correnteza. A vista dealgumas talvez alcance mais longe,até a linha do horizonte. Porém cer-tamente uma verá a costa da Áfricado outro lado do oceano Atlântico.Não é que verá ao pé da letra, massaberá imaginar.

Essa pessoa se chama SilvioLemos Meira e é, além de uma dasmaiores autoridades em tecnologiada informação e em inovação do

Brasil nos dias atuais, um inovadorele mesmo. De sua sala de professortitular na Universidade Federal dePernambuco ou de seu quartel-gene-ral de cientista-chefe do C.E.S.A.R.,ele não precisa andar demais parachegar até o mar.

Saber imaginar é extremamenteimportante hoje e tem a ver com sa-ber aprender. Porque, como diz Mei-ra nas próximas páginas, “o futuro

 vem do futuro”. Mas as ideias são só

SE INOVAR É

CONSEQUÊNCIA

DE MUDANÇA DE

COMPORTAMENTODOS AGENTES NO

MERCADO, E SE ATÉ

OS BRASILEIROS

MAIS AFASTADOS

DOS CENTROS

MUDAM MUITO,

POR QUE O BRASILINOVA TÃO POUCO?

EM ENTREVISTA

EXCLUSIVA, O

INOVADOR

SILVIO MEIRA DÁ

AS RESPOSTAS

 TUDO QUE VOCÊ QUERIA SABER 

SOBRE INOVAÇÃO 

E NÃO TINHA A QUEM PERGUNTAR

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   A  n   d  r   é   Z   í  m  m  e  r  e  r

da globalização na sociedade pós--industrial, seja na cultura, seja nosnegócios –algo que as empresas bra-

sileiras deveriam levar particular-mente a sério. Ele o fez ao analisaro batuque de maracatu, como cabe aum percussionista que não perde umcarnaval em Olinda: “Para o localsobreviver, precisa ter um eco global–e foi o que aconteceu com o mara-catu. Chico Science pôs os tamboresde maracatu dentro de uma bandade rock  e conectou o passado com opresente para criar o futuro”.

Meira explica como: “ChicoScience inovou ao achar a batidaideal do maracatu, que, como acon-tece quase sempre com qualquercoisa ideal, é algo extremamentesimples –‘tum-tum-tum-tum’. É omesmo som do funk  original ameri-cano da época do Kool & The Gang,o mesmo ‘pá-pá-pá-pá’ dos tambo-res primeiros da história da huma-nidade que você ouve no miolo da África. É o coração batendo”.

De uns quatro anos para cá, o

arcabouço institucional para asempresas inovarem no País evo-luiu significativamente. Então,quero começar nossa entrevistapedindo emprestada sua visão deinovador do dia-a-dia para poderenxergar melhor o quadro: comisso, aumentou mesmo a capaci-dade de inovação brasileira?

Não. É interessante começar-mos por definir, realmente, o queé inovação: é a mudança de compor-

tamento, no mercado, de agentes,produtores e consumidores. Então,chegamos ao que inovação não é:ela não é experimento de laborató-rio subvencionado, não é um me-gapesquisador dizendo “Criei umanova patente de uma nova sementede uma nova planta”.

Houve mesmo essa evolução deque você fala, como a Lei de Ino-

 vação; com a articulação maior en-tre universidades e empresas pela

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novas tecnologias, processos, pro-dutos e serviços. Mas a Embrapasozinha não fará isso. Temos umgap  muito grande aí.

Um gap que teria de ser eliminadopela ousadia... O capital de riscodaria conta da tarefa?

Uma parte significativa desse gap  corresponde exatamente ao papeldo capital no processo de inovação.Se ele existisse no Brasil. Mas nãoexiste. Aqui, o capital ainda tem re-muneração muito alta e agradávelnos títulos da dívida pública. Maso pior é o grau de ambição criadoa partir daí. Se os títulos da dívi-da pública pagam 15% ao ano semrisco, quem tem o capital e tem deescolher entre investir nos títulose numa “empresa revolucionáriade carrinhos de churros” vai que-rer 30% ou mais de retorno sobreo capital, por ano, no negócio doschurros. Só tráfico de drogas dá umretorno assim! [risos]

E olhe lá... [risos] Mas por queo dinheiro de risco seria melhorque o dinheiro emprestado para

inovar?Não se cria empresa inovadora de

tecnologia com tecnologia, mas comdinheiro. A principal infraestruturade inovação do Silicon Valley [Vale

ganho de eficiência e não com ino-vação para valer, que acaba sendoalimentado pelo novo arcabouçoinstitucional...

Exatamente. Ele não reverte, em

nada, a falta de ousadia do nossoPaís –inclusive ousadia intelectualna área acadêmica– para fazer coi-sas novas e revolucionárias, paraempreender atrás de oportunida-des, para falar “A gente não precisafazer o que estão fazendo ali, não;a gente precisa fazer essa outracoisa”.

Com o tamanho da oportunida-de que temos em áreas absolutamen-te críticas para o desenvolvimentoe a sustentação do mundo, comoo agronegócio –para ficar num sóexemplo–, é surpreendente que aquantidade de inovações brasileirasno agronegócio seja pífia. Excetuan-do o trabalho fantástico e funda-mental da Embrapa, o que mais você tem de inovação nessa área?

O Brasil poderia estar produ-zindo, hoje, mais de duas vezes oque produz. Em vez de 140 milhõesde toneladas de grãos, poderíamosestar batendo nos 300 milhões detoneladas, sem usar um metro qua-drado a mais de chão. Fazendo oquê? Modificando o comportamen-to de agentes no mercado, comoprodutores e consumidores, com

possibilidade de professores dasuniversidades estatais, que são asque concentram a maior quanti-dade de pesquisadores, passaremum tempo nas empresas; com o

aumento da subvenção, com ummegaedital anual –em 2008 foramquase R$ 500 milhões para as em-presas inovarem etc.

Mas, como essas e outras mudan-ças se pautaram pela visão de inova-ção como laboratório subvencionadoque comentei, até agora não gerounenhum impacto na estruturaçãodo que de fato poderia alimentara verdadeira inovação, que seriauma cadeia de valor de investimentoempreendedor que tenha inovaçãocomo seu alvo principal.

Quer dizer que não se faz inova-ção com dinheiro emprestado?

Não se faz! E, no Brasil, infeliz-mente ainda estamos no estágio deachar que sim! Na verdade, a visãoda inovação aqui é tão primária que,se você tiver uma padaria e comprarum novo forno, isso contará comoinovação. E o banco (de desenvolvi-mento) que emprestou o dinheiropara o forno vai anunciar: “Estoufinanciando inovação”.

Lembre que o dono da padariatem um processo industrial que jáestá andando; o que ele fez foi umasimples substituição para aumen-tar a eficiência. Essa padaria é sóuma empresa do tipo “me too” , “eutambém”. Mais uma praticante doempreendedorismo “me too”  que pre-domina no Brasil e contamina tudo,inclusive a área acadêmica.

E é esse tipo de empreendedo-rismo pobre, que tem a ver com

“A visão é tão primária que,

se você tiver uma padaria e

comprar um forno novo, isso

contará como inovação”

   A  m   i   l  c  a  r   P  a  c   k  e  r

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do Silício] não é a universidade, nemos empreendedores de garagem oude dormitório universitário, mas acapacidade inovadora do capital em-preendedor –não gosto de chamá-lo

de capital de risco.E as ideias?

São, per se , um engano. O capi-tal empreendedor tem uma agendaprópria, não segue agendas alheias.Suponha que você tem uma ideiaincrível e vem apresentar a mim,que sou capitalista empreendedor.Se minha agenda no momento fora melhoria da produção de cana--de-açúcar, você pode vir conversarcomigo sobre o que quiser que eu vou dizer: “Você é muito legal, in-teligente, competente; que tal fazermelhoria de cana-de-açúcar?”. Por-que a agenda é minha, não sua.

 A Sequoia Capital foi o capi-tal que fundou a Apple, em 1975,a Cisco, o Google, o YouTube. Veja que track record ! Agora, vocêacha que os dois caras que estavamfazendo o mecanismo de busca doGoogle entraram lá e convence-ram o pessoal da Sequoia de queo algoritmo deles era imperdívelde tão bom? Não! A Sequoia é quedisse: “Vamos investir nesse negó-cio porque sabemos que existe umcomportamento no mercado que,se conseguirmos mudar com essatecnologia dos meninos, nos faráacender charutos com notas deUS$ 100”. Pouco importava se oalgoritmo era bom, embora ele fossebom também.

 Aí a Sequoia colocou os meni-

nos no laboratório para fazer o quetinham de fazer e transformou-osem acionistas para ficarem milio-nários e inspirar outras pessoas alevar ideias e competência para aSequoia. E não parou por aí: a Se-quoia buscou, na Sun Microsystems,Eric Schmidt, que é um megapro-fissional, e o colocou para tocar aoperação. Quem fez isso foi o ca-pital e não foram [Sergey] Brin e[Larry] Page. O problema é este:

alocação do dinheiro para a oportu-nidade e uma maneira sistematizadade ir ao mercado.

Uma incubadora não consegue

 ser nem uma sombra desse capi-tal empreendedor?Não, porque a incubadora não

 joga golfe com o cara que precisa donegócio, não está na festa, não faz ocheck-up  no Hospital Sírio-Libanês.

 Aqui, como em todos os lugares domundo, o que move a inovação é aconexão, inclusive a do capital.

Os brasileiros com vontade deinovar podem ir bater na porta daSequoia Capital?

 As portas não vão se abrir, por-que o capital empreendedor é local.

Alguns parecem acreditar que nascer

e crescer no Brasil, por ser um país

mais instável e menos organizadoque as nações desenvolvidas, aumenta

as chances de uma pessoa ser inovadora.Mas essa não é a opinião do inovador Silvio

Meira. Para o professor da UniversidadeFederal de Pernambuco, todo ser humano,

de qualquer parte do mundo e qualquerestrato socioeconômico, tem o mesmopotencial. A questão é como se desenvol-

ve o inovador, pelos estímulos recebidose oportunidades aproveitadas . “A questão

é novamente Darwin e a sobrevivência dos

mais aptos”, como disse Meira ao longodesta entrevista.

Não é possível saber como Charles

Darwin explicaria a evolução de Meira,naturalmente, mas HSM Management buscou entender um pouco do que foi e éfeito esse inovador brasileiro.De poucos e bons ídolos: “Eu tenho três

ídolos, três pessoas cujas obras eu maisleio e releio. Um se chama Alan Turing, que

fundou a computação. Foi quem criou asteorias que sustentam o ato de computarhoje. O outro é Richard Feynman, prêmioNobel de Física, um cara fantástico que,basicamente, inventou o conceito de nano-

tecnologia. Ele esteve no Brasil na década

DO QUE É FEITO UM

faltam Sequoias no Brasil, mais doque qualquer outra coisa.

Se entendi bem, esse capital em-preendedor profissional faz mais

do que colocar dinheiro. Ele detec-ta a oportunidade para a inovaçãoe a põe no mercado. É isso?

Isso mesmo. A inovação precisabasicamente de quatro suportes.Dois foram mais ou menos viabiliza-dos pelo arcabouço institucional deque falamos: a infraestrutura legalmais favorável e o financiamentobásico dos development costs  [custosde desenvolvimento] –que ocorremquando o negócio já está perto deir para o mercado.

Os outros dois estão a cargo docapital empreendedor, que são a

de 1950 e temos uma identificação extra,porque ele era percussionista e eu soutambém. E o terceiro é Peter Drucker, oque é exótico para alguém de computação,

um ‘cara’ de administração, economia efilosofia de vida.”De um NetVibes “matador”: “A principal

coisa que eu leio hoje é o meu [leitor deRSS] NetVibes, que é gigantesco; ele leva

horas para carregar. Ele lê cerca de 200fontes de informação simultaneamente.”O NetVibes de Meira inclui desde o blog de

Nicholas Carr, autor de A Grande Mudança

(The Big Switch), até uma newsletter on-line 

como a IEEE Spectrum.De livros e revistas científicas de sua

área: “Leio uma pilha deles ao mesmo

tempo, o tempo todo.”De livros periféricos à ciência: “Euestou lendo um livro de cyber philosophy  que ainda defende a ideia que pode haver

uma ciberfilosofia –embora, no meu enten-

der, o ciberespaço tenha morrido também;

só existe o espaço, que, por definição, écyber – e The Last Lecture , de RandyPausch [professor de ciências da com-putação dos Estados Unidos que discute

o que transmitiríamos aos outros se sou-béssemos que era nossa última chancede fazê-lo].”

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INOVADOR

bastante profissional: Jorge Pau-lo Lemann, Marcel Telles, CarlosAlberto Sicupira...

Isso, perfeito. Tem também a Votorantim Novos Negócios. Mas

ambos estão em um nível muito ele- vado. O capital empreendedor seorganiza em uma escadinha. Vocêtem gente que trabalha no pata-mar de investimento de US$ 100mil, outros nos US$ 500 mil, tercei-ros em US$ 1 milhão, quartos emUS$ 10 milhões e assim por diante.O Marcel Telles e os sócios estão nodegrau das dezenas de milhões dedólares para cima. Mas falta alguémque coloque US$ 100 mil para a em-presa rodar durante nove meses. Eoutro que invista US$ 500 mil paraela funcionar mais um ano.

De livros de filosofia: “Acho importante ler

Sócrates, Platão. Meu livro quase de cabecei-

ra é Sobre a Brevidade da Vida, do Sêneca,

que eu leio vez por outra, porque faço parte

daquele povo que diz que, para aprender aviver, você tem de aprender a morrer.”De livros diversos: “Estou lendo Primeiras

Confissões, de Nelson Rodrigues, Buda,a versão em mangá de Osamu Tezuka, eAccelerando, de Charles Stross, uma obra

de ficção científica muito legal que está na

internet.”De releituras: “Fui rever Guimarães Rosa,

Machado de Assis, Gilberto Freyre, Ariano

Suassuna, Charles Dickens, coisas queeu li quando era muito novo e achei quenão entendia.”

De música: “Sou percussionista, batuquei-ro de maracatu.”De sonhos: “Se eu tivesse uma escolhaassim, queria ser um Guimarães Rosa, umGilberto Freyre, um Machado de Assis,um desses caras que eu leio.”De escrever: “Eu escrevo para mimmesmo o tempo todo, no meu blog e nomeu Twitter, para registrar as ideia s, etrabalho em dois livros atualmente: umcom as colunas que fiz para o site G1 eoutro sobre inovação, já com mais de 150

páginas, cujo título provisório é Inovação

É ... (três pontinhos) –um livro ingênuo,não acadêmico, sobre o assunto; um livro

normal para pessoas normais.”De ensinar: “Tenho meus orientandos, mas

também estou fazendo muitas palestrassobre inovação, inclusive para o Sebrae,numa espécie de Caravana Rolidei.”De pesquisar: “Estou trabalhando agoraem redes sociais, em mecanismos de reco-

mendação, em reúso de software, em futuro

do trabalho, em inovação para empresasde mobilidade.”De acreditar: “Embora seja fã de DouglasAdams, Meira não crê que o sentido da vida,

do universo e de todas as coisas esteja nonúmero 42, como ensina o guia do mochileiro

das galáxias desse escritor. “Eu não acredito

muito em destino, nem em planos; acreditoem caminhos que vão emergindo. Tenhoaté certa identificação com o Bill Gates por

causa disso, pois sempre achei que a estra-

tégia que ele fazia para a Microsoft era uma

estratégia de emergência, de tentar entender

o que está para acontecer e ajudar a fazeracontecer, em vez de fazer um megaplano de

alguma coisa e obrigar aquilo a acontecer.E nas poucas vezes que não seguiu essaestratégia ele não se deu bem.”De duvidar: “Os brasileiros se consideramespecialmente inovadores, mas não o são.

A distribuição bruta de inteligência, na huma-

nidade, é igual; o que muda são os incentivos

para as pessoas construírem sua história. Os

brasileiros também se acham early adopters 

das novas tendências –outra bobagem. Comodiz o Douglas Adams, tudo que já existia nasociedade quando você nasceu é absoluta-mente normal para você. Qualquer coisa que

apareça até os seus 20 ou 30 anos de idade

é interessante e, com alguma sorte e conheci-

mento, você pode até tentar fazer uma carreira

nesse negócio. O que ocorrer depois dos30 é o fim do mundo –até que tenha estadopor aí uns dez anos, quando passa a parecer

normal. Brasileiro só foi early adopter  porque,

até agora, a pirâmide de idade no Brasil eramais larga entre as pessoas com até 30 anos

de idade. Mas isso está mudando.”De chegar ao simples: “Há uma recor-rência histórica nas novidades. Elas ficamvoltando, não para o mesmo lugar, porquenão se trata de um círculo, mas para umlugar similar um pouco acima, porque é uma

espiral. A essência da inovação é semprea mesma.”

Atenção, leitor: essa não é uma receitainfalível de gerar inovadores. É o encontroparticular de Meira com Darwin. Cada umtem seu próprio encontro. 

(Adriana Salles Gomes)

Pode até ser global, mas a base deoperação dele tem de ser local. Isso éuma regra que não muda, porque ooperador do capital precisa estar per-to do empreendedor que usa aquele

capital, olhar no olho dele, desenvol- ver uma liga. Até a distância entreSão Paulo e Recife é muito grandepara o capital empreendedor.

Mas existe algum capital empreen-dedor local no Brasil, certo? Lá noPorto Digital, por exemplo...

Existe, mas ele precisa ser muitomais distribuído, geograficamentee na economia, e muito mais pro-fissionalizado.

Eu me lembro de um trio decapital empreendedor do Brasil

 Você não pode chegar ao MarcelTelles e pedir US$ 100 mil; ele não vai nem piscar o olho. Ele investedezenas de milhões para cima. Esó pega empreendimentos que já

passaram por muitos crivos e já tema engenharia redonda e o produtoquase pronto; só faltam marketing,escala...

 A questão nem é só o empreen-dedor não conseguir atrair o inte-resse do Marcel Telles; é que vocêeleva demais o custo de transaçãopara ele. Exatamente como acon-tece com o transporte aéreo: vocêpaga uma passagem muito cara em viagens de curta distância, porquenão há praticamente aviação regio-nal e elas são feitas por companhiase aviões de longa distância.

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executivos, consultores e econo-mistas também... [risos]

Também viúvas, só que de umestatismo primário. [risos] O Estadonão deve nem deixar as coisas com-pletamente soltas, o que não dá certo,como comprova essa crise, nem esta-tizar a economia tampouco, porque,fosse esse o caso, a China e a Rússiaseriam uma maravilha absoluta.

A China não é uma maravilha ab- soluta? [risos]

Não! Ela tem um megaproblemapara resolver: precisa crescer muito,

desesperadamente, em alta veloci-dade. O governo chinês pressionapelo crescimento a taxas anuais dedois dígitos, rasgando o país empedaços, porque, com 80% da po-pulação abaixo da linha de pobreza,se não conseguir mudar muito erápido, os 800 milhões mais pobrescomerão os outros 200 milhões. AChina não pode esperar. Isso nãoé sucesso de estatismo; é a luta pelasobrevivência.

E o Brasil também tem um de- safio parecido, não? Estou melembrando da última entrevista

que Peter Drucker deu à HSM

Management  antes de morrer. Eleera fã do Brasil, por achar que for-mamos uma das poucas naçõesde verdade do mundo, mas diziaque o maior obstáculo ao nossoêxito era o desencontro entre oSul e o Norte. Você concorda queprecisamos enfrentar isso?

Drucker é um dos meus trêsgrandes ídolos [veja quadro na página

22] . Não só concordo com ele como

 vou além: o Sul e o Norte precisamse encontrar em cada lugar do Bra-sil. Quando eu morava no interiordo Nordeste, nas décadas de 1960 e1970, uma população imensa desseslugares migrou para São Paulo e Riocom o objetivo de construir essas ci-dades e ali viver definitivamente. Al-guns desses migrantes conseguiramsair do seu Norte para encontrar seuSul em São Paulo. Por exemplo, ocara que era pedreiro virou garçom

Precisamos de uma cadeia de va lor do capital empreendedorno Brasil. Já vi a Votorantim No-

 vos Negócios descer ao nível dauniversidade para pegar alguma

coisa de lá e construir –o Fernan-do Reinach fez isso ao construira Alellyx e a CanaVialis do zero,há uns cinco anos–, mas isso é aexceção da regra.

 A Votorantim vendeu sua par-ticipação nessas empresas para aMonsanto, numa operação quetambém faz parte da lógica dacadeia de valor dos investidores,porque antecipou o resultadoesperado.

Aí você tocou em outro ponto sen- sível: a inovação ainda enfrentaa barreira da falta de cultura de business no Brasil, não?

O Brasil ainda é um país comcultura de dono. Não tem a culturade acionista, que é absolutamenteessencial para haver um ambienteempreendedor. Tanto que, na bolsabrasileira, a maioria dos investidoresnão dá bola para as ações de empre-sas boas pagadoras de dividendos;eles se interessam por ganhar com-prando na baixa e vendendo na alta.Lá fora, a ação da Microsoft tem seupreço parado há não sei quantosanos, mas o dividendo é espetacular,o que depende basicamente da per- 

 formance  da empresa. Isso é culturade acionista.

Você me deixou mais preocupada.Com essa crise financeira globaliniciada no mercado norte-ameri-

cano, já tem muita gente no Brasildizendo: “Olha como a cultura deacionista deu errado”...

Não, não deu errado. Isso é umainterpretação tão primária... Isso aísão falas das viúvas de um socialis-mo ingênuo que acham que o Esta-do tem de regular a economia.

Mas não é só a mídia, onde talvez se alojem várias dessas viúvas,que diz isso. Estou ouvindo de

Silvio Meira diz não ter dúvida de que “o futuro

vem do futuro”. E, segundo ele, o melhormodo de aproveitar isso é com a teoria de pre-sencing de Otto Scharmer [veja página 94] .

“Eu traduzi a teoria de presencing com umaimagem. Quando você olha para o passado, vêuma única escada, linear, contínua. Mas, quan-do olha para o futuro, são muitas as escadasabstratas à sua frente, e é sua capacidade deconvencer as pessoas a pular para uma delas

que vai concretizá-la. Quando um bocado

de nós resolve ir para um lugar que

não existe, esse lugar passa a existir.Enxergar as escadas que não existem é

ter a capacidade de presencing.”Visionários e líderes conseguem ver

as múltiplas escadas do futuro, conforme

Meira. Políticos e estrategistas imaginam

as escadas depois de alguém apontá-las.E o staff  operacional constrói as escadas.

O FUTURO E

AS ESCADAS

   A  n   d  r   é   Z   í  m  m  e  r  e  r

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organização hierárquica estática,responsabilidade interna, os pró-prios professores dizendo o que temde ser aprendido etc. Agora, ela temque se basear em Darwin: eu tenho

um problema e quero resolver –enão entendo nada disso.E como a dinâmica do conhe-

cimento hoje é completamentediferente, com as pessoas apren-dendo por fora do “sistema” e coma depreciação do conhecimentomuito mais acelerada do que emqualquer período da história, oprincipal papel da escola passa aser o de preparar as pessoas paratrês coisas: aprender, desaprendere reaprender.

Existe um modo de transformarradicalmente a escola mantendoos professores atuais?

O problema não é que as pessoassejam intrinsecamente ruins; eu não

e, depois, dono de restaurante. Masa maioria desse pessoal continuaexilado em seu Norte, morando naperiferia e não integrado. Em SãoPaulo, há um Norte gigantesco, que

ameaça o Sul da própria metrópole,o que a torna uma das cidades maisdesiguais e violentas do mundo.

Na China, isso não aconteceuporque não há mobilidade –as pes-soas precisam de autorização do go- verno para ir do ponto A ao pontoB. Mas no Brasil há mobilidade eninguém fica esperando a mortechegar.

Só que, com isso, empobrece-ram-se muito mais o Norte e o Nor-deste do ponto de vista de capitalhumano e, com isso, surgiram asfavelas do Rio de Janeiro, de SãoPaulo e do Brasil, porque o fenô-meno se espalhou. Em cidadescomo Recife, Salvador, Fortalezae Maceió, acontece a mesma coisa.Há um enorme grau de violênciaurbana, de um tipo quase aleató-rio –como se vê em Bagdá–, e vocênão está seguro em lugar nenhum.O problema do Brasil, hoje, é termuita gente que não tem nada aperder. Quando você não tem nadaa perder, faz qualquer negócio.

 A solução, eu acho, passa por ummecanismo de criação de oportu-nidades que devolva a esperança àspessoas, aliado à criação de umainfraestrutura de educação quequalifique, efetivamente, as pessoaspara o trabalho.

Então, estamos fechando o círcu-lo: de alguma maneira, a solução

passa pelo empreendedorismoinovador e pela educação paraempreender, não?

Sim e não. O não é porque nãoadianta criar mais empresas e, prin-cipalmente, mais plantas industriais.O Brasil está passando por um pro-cesso de industrialização tardio; jáestamos saindo da era industrial!Ela foi robotizada. O sim é porqueprecisamos capacitar as pessoas paraempreender. Mas, para isso, temos

de fazer alguma coisa muito radicale nova com a escola brasileira.

O que seria muito radical? Tec-nologia?

Não. Quer dizer, a tecnologiasustenta a transformação, porqueestá fazendo a escola sair da esco-la. Você aprende, cada vez mais,fora da escola; a internet é a maiorbiblioteca que jamais existiu –mes-mo com as coisas estapafúrdias queexistem na rede, porque, com ummínimo de bom senso e, principal-mente, formando redes, você separao joio do trigo. E em cinco anos,quando todos tiverem celulares 3Gnas mãos, todos terão internet. Aí

 vão questionar os professores e dei-xarão a escola se ela não mudar.

Mas o eixo da mudança é outro. A educação da escola é baseada emNewton –silos de conhecimento,hierarquias, estruturas, disciplinas,

Quartel-general do C.E.S.A.R.,ONG fundada para incentivaro empreendedorismo e a inovaçãono Porto Digital

   L  e  o   C  a   l   d  a  s   /   T   i   t  u   l  a  r   F  o   t  o

  g  r  a   fi  a   /   D   i  v  u   l  g  a  ç   ã  o

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acredito em gente burra. Boa partedelas está desmotivada, desprepa-rada. Você tem de criar incentivos,e isso gasta muita coragem políticaestratégica. Tenho uma métrica pes-

soal para mudança da escola, que atésugeri ao Todos Pela Educação, mas,como é uma métrica meio doida,ficou fora do sistema. É o seguinte:a escola terá mudado radicalmentequando nenhum professor primáriodo interior ganhar menos do quemotorista de ônibus na capital.

Juntando nosso gap de desenvol-vimento e as medidas necessáriaspara eliminá-lo com a crise globale essa mudança urgente na educa-ção, o que podemos fazer? O queme ocorre é sentar e chorar...

Não pense na crise. [risos] Sem-pre tem alguma crise em algummercado. Ainda agora havia umamegacrise no mercado de petróleo,outra no mercado de cobre, umaterceira no mercado imobiliárionorte-americano, e, de repente,elas se combinaram e se sincroni-zaram. Qual é o problema? A eco-nomia funciona em ciclos –microe macrociclos. Estamos atualmentenum macrociclo. Tudo bem! E tem vantagem nisso.

Qual?Tomamos um megassusto e a

economia financeira está se reen-contrando com a economia real–elas tinham se descolado lá pelocomeço da década, no pipoco dasponto.com. Não se pode sair au-mentando o preço das coisas sem

melhorar os fundamentos, comoprodutividade, competitividade,retorno sobre o investimento etc.Todos sabem disso.

Sabem, mas esquecem sempre...Sim, mas daqui a pouco perce-

bem que o mundo não vai acabar. Agora, isso tem a forma de umamontanha-russa. O carrinho da

economia financeira estava muitoacima do carrinho da economiareal. Deram um freio e ele vai passarpara bem abaixo do da economiareal. Então, as empresas que valiammuito mais do que deviam talvezagora valham muito menos do quedevem. Mas uma hora os dois carri-nhos ocuparão novamente a mesmaparte da pista.

Então, o caso seria de chorar pelofato de o Brasil viver uma indus-trialização tardia exatamentequando o mundo começa a apagaras luzes da era industrial?

Não, ainda dá tempo de pegaresse bonde. Só é preciso entendê-lo.

Você pode descrever o bonde?Em 1984, se não me engano,

Drucker disse que a era da informa-ção havia começado no fim da Se-gunda Guerra Mundial. Pouquíssimagente entendeu. A explicação era aseguinte: quando nós criamos a estre-la portátil (a bomba atômica), acaboua era da energia, que havia duradoquase 300 anos desde a invenção damáquina a vapor pelo francês DenisPapin, em 1675. E começou a era dainformação, ou do conhecimento, ouda biologia, porque o absolutamenteessencial para a biologia funcionaré a informação.

O que vai acontecer agora, nobonde, é que a centralidade da

biologia vai se acentuar, ao redorde sobrevivência, como dizia AndyGrove [ex-CEO da Intel] em rela-ção aos negócios. Minha frase é

que estamos saindo de um mundonewtoniano, baseado em uma pirâ-mide organizada do conhecimento,e entrando num mundo darwinia-no, em rede, onde sobrevivem os

mais aptos. A Intel entendeu que omercado é uma ecologia reguladapor Darwin. Muitas outras empresastalvez ainda precisem entender.

Vigora, portanto, a lógica do pre-dador e da presa?

Sim! Mas não significa que o pre-dador do topo da cadeia alimentartenha a vida garantida. Uma pará-bola africana ilustra isso. “Todo dianum lugar da savana o sol nascepara uma gazela, que pensa: ‘Parachegar viva no final do dia, terei decorrer mais rápido que o leão maisrápido’. Em outro lugar, o sol nascepara um leão, que pensa: ‘Tenho deser mais rápido que a mais lenta dasgazelas’.” E a parábola nem incluio importante fato de que esse leãotambém tem de correr mais rápidoque outro leão rápido.

Essa era da biologia, sua e doDrucker, é a mesma era pós-

industrial de que o Peter Sengevem falando, em que o resíduode um será a matéria-prima dooutro?

Sim. Empresas e pessoas nãopoderão mais jogar seu custo am-biental para a sociedade, porque,assim, diminuirão a performance  dasociedade como um todo. Na ver-dade, isso acontecia até agora por-que as cadeias de valor da socieda-de estavam desconectadas. Mas as

cadeias começaram a se conectargraças à tecnologia e o efeito é que,por exemplo, o excesso de energiaproduzido no Brasil é aproveitado

“A educação da escola é baseada em Newton –disciplinas,

organização hierárquica, os professores dizendo o que tem de

ser ensinado etc. Ela precisa se basear em Darwin agora”

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em outro país do Mercosul. É o mun-do em rede. Vale acrescentar quea motivação para inovar e abraçara era da biologia é muito forte. Nósestamos em guerra pela nossa pró-

pria sobrevivência.Quais as implicações práticasdisso para os negócios?

  A mais prática talvez sejaa de que todos terão de passar aadministrar o ciclo de vida de in-formação de seus produtos e seunegócio, o que será possível graçasà informaticidade. Bruce Sterling[escritor de ficção científica] dizque no futuro todas as coisas serãospimes identificáveis, com históriae endereço de internet únicos, e

 Adam Greenfield, designer , criouo conceito de everyware , segundoo qual tudo passa a ser completa-mente rastreável, porque existe narede, com interfaces invisíveis esem fio. Junte os dois e pense emspymeware ...

Ou seja, você pegará uma bana-na e a etiquetinha dela, que hoje sóserve para mostrar a marca, reu-

nirá computação, comunicação econtrole. Assim, eu, consumidor,poderei fazer perguntas para abanana: “Quem é você?”. E ela res-ponderá: “Sou uma banana-mulata,

fui posta aqui no dia tal, entrei nocontêiner no dia tal e passei setesemanas ali; fui colhida no dia tal,depois de receber tantas horas desol, e o meu tempo de vida comestí-

 vel se esgota em três semanas”. Aí eupergunto se ela me sugere algumareceita especial para aproveitá-la e

 vem a resposta. É bem provável queeu possa “conversar” com a bananapelo meu celular.

Muito louco isso. Mas, por outrolado, se pensarmos no rastrea-mento que a FedEx já faz hoje,parece plausível também. Qualé o horizonte de tempo para ainformaticidade se espalhar?

 Acho que levará três décadaspara isso começar a acontecer. Vaicomeçar pelas economias centrais:primeiro a Finlândia vai exigir, aNoruega, aí o Japão, os Estados Uni-dos –e a Califórnia vai sair na frente

do Mississippi. Não vai acontecernem tudo de uma vez nem paratodo mundo. Será paulatino.

Trinta anos é muito tempo paratecnologia. Você verá como, em cin-

co anos, a maioria dos celulares noBrasil será 3G. As pessoas aprendema usar as novidades muito rápido.Basta viajar pelo interior do Brasil e

 ver como os cavalos foram substituí-dos por motos. O pessoal percebeuque a moto é muito mais barata doque o cavalo, para comprar e man-ter, e já aprendeu a usar.

Celular 3G nas mãos de todos significa internet nas mãos detodos. Em que medida a redeé uma ferramenta de inovação?

Em grande medida, principal-mente a web 3.0. Há três webs coe-xistindo. Na web 1.0, qualquer umpode fazer transações. Eu comproum livro da Amazon, por exem-plo. Na web 2.0, todo mundo podeparticipar. Eu monto o meu blog,certo? As pessoas começam a se co-nectar. A web 3.0 é um passo mui-to maior: são as empresas criando

Porto Digital, no Centro Velhodo Recife (PE): para muitos, o

polo tecnológico brasileiro maispróximo do Vale do Silício

   D   i  v  u   l  g  a  ç   ã  o

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infraestruturas para que os usuá-rios possam inovar.

Inovar como?Um exemplo é a Ning, que foi

capa da última revista de vocês; éuma infraestrutura de redes sociaisque possibilita a criação da minharede social, não para participar darede dos outros. Outro caso é a

 Amazon Web Services, que eu possousar para criar coisas na internet,como Box.net, Twitter. E Salesfor-ce, criando a noção e implemen-tação de platform as a service , que

a DuPont, por exemplo, já usa parafazer a interface do seu CRM– e“n” outras aplicações. Em todosesses casos, você pode, sem “ter”qualquer software  ou hardware, de-

senvolver uma inovação em cimade uma plataforma existente.

Os bancos na internet também vão chegar lá. Imagine que eu pos-sa escrever comandos para meu

banco: “Pague a minha conta docartão de crédito se você receberuma chave digital do meu celular”.Isso em vez do débito automático,que é muito burro, porque não levaem conta imprevistos. Meu bancodeveria ser um conjunto de servi-ços financeiros, programados pormim mesmo.

O impacto disso no mundo dosnegócios é...

... monumental. Serão negóciosmuito mais inteligentes, criativos eparticipativos, porque permitirãoque eu use a rede como platafor-ma de programação e, portanto,de inovação. Seremos todos pro-gramadores;  é o nascimento do“Homo algorithmicus”  –ou da pessoacomo agente de mudança do meio.Espera lá, você vai dizer, isso é Pau-lo Freire. Pois é. O que mudou foio meio.

Você tem visto programadoresbrasileiros usando a web 3.0 parainovar?

Quase nada. Revisei 47 aplica-ções sobre o Twitter e não tinhanenhuma made in Brazil . O interes-sante é que nenhuma delas é umsite  físico; são todas combinaçõesde coisas –mas não simples mashups,

do tipo que pega daqui e dali e colalá, porque existe algo radicalmenteoriginal em todas elas. Isso impli-

ca uma explosão combinatória depossibilidades de criação.

Para terminar: nas palestras sobre inovação que faz Brasi lafora, você sente que as pessoasquerem inovar?

MUITO! Elas estão desespera-das para inovar. Não sabem muitobem o que é isso, mas sabem queprecisam fazer. E estão no caminho,aprendendo... e rápido! 

Saiba mais sobre Silvio Meirainformática na Universidade Federal dePernambuco (UFPE) e Ph.D. em compu-

tação na University of Kent, na Inglaterra.

Tornou-se logo pesquisador do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) –o que foi durante15 anos– e professor de engenharia desoftware da Universidade Federal dePernambuco. Nos anos 90, deixou delado a passividade da academia e, comoutros professores da UFPE, fundou oC.E.S.A .R, Centro de Estudos e Siste-mas Avançados do Recife, instituto deinovação que veio a ser, meia décadadepois, uma das âncoras do Porto Digital,

sistema local de inovação em tecnologias

de informação e comunicação do Recife.O C.E.S.A.R, hoje, é o maior centro dedesenvolvimento de software do Norte

e Nordeste do Brasil, certificadoCMMi3, onde mais de 600 profis-

sionais lidam com problemas decadeias de valor, que vão de TVa finanças, passando por eletro-domésticos e fontes alternativasde energia.

Meira, não por acaso, é funda-dor e presidente do Conselho deAdministração do Porto Di gital,que reúne 120 empresas e 4 milpessoas de TICs e áreas c orre-latas na ilha-bairro onde o Recife

começou, e onde existe, até hoje,a primeira sinagoga das Américas,

marco da história e lutas do povo dePernambuco.

Silvio Meira também foi consultor doBanco Mundial e ONU e recebeu, entreoutras, as comendas nacionais da Ordem

do Mérito Científico e do Rio Branco, pela

sua contribuição ao desenvolvimentodo Brasil.

Meira vestido acaráter no maracatuCabra Alada, do qualé percussionista,durante carnaval deOlinda e Recife; airreverência é umamarca dele –e dosinovadores em geral

   A  r  q  u   i  v  o  p  e  s  s  o  a   l

Ele é um paraibano de Pernambuco:nasceu no cariri do primeiro estado e

mora na capital à beira-mar do segundo.

Mas talvez pudesse ser mais bem descrito

como um brasileiro dos Estados Unidos,

pois vive a realidade daqui e vivencia ade lá tanto quanto (e isso explica também

ele preferir o boné do Vale do Silíciocaliforniano ao terno e gravata do meioempresarial brasileiro). Com uma visãocosmopolita que acompanha a culturalocal pelo canto do olho, Meira é simples-

mente uma das maiores referências, senão a principal, na seara das ciências e da

tecnologia da informação no País.Sua trajetória impressiona os que

o acompanham e surpreende quem não oconhece, já que ele conseguiu tudo isso

mantendo-se fora do eixo Rio-

São Paulo. Meira atése graduou no in-

terior paulista,

em engenha-

ria eletrônicapelo Instituto

Tecnológicode Aeronáutica

(ITA), mas fezmestrado em