a relaÇÃo entre a teoria e a prÁtica no contexto da … · 2018-03-24 · formadores de...

37
A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DE DOCENTES “FORMADORES” As práticas pedagógicas desenvolvidas no contexto da licenciatura têm sido objetos de ampla discussão em diferentes ângulos. A despeito disso, poucas mudanças verificam- se nesse âmbito, o que indica que ainda há muito a ser esclarecido. O presente painel visa colaborar com essa discussão colocando o foco na relação entre a teoria e os problemas desafiantes da prática, de natureza complexa e fundamental para a formação de professores profissionais. Investiga suas concepções acerca do papel que têm os formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício, a parceria entre a universidade e a escola, assim como a didática e a reflexão sobre a prática na melhoria do ensino e da formação do professor e do próprio docente universitário. As pesquisas foram realizadas com docentes que atuam em licenciaturas diversas de uma universidade pública multicampi, em departamentos e cidades distintas. O primeiro estudo investigou a visão sobre a parceria entre universidade e Escola Básica, analisando concepções, percursos formativos e implicações pedagógicas para a licenciatura em Pedagogia. O segundo trabalho procurou compreender as concepções de formadores de professores, de Letras e História, sobre a Educação Básica e as repercussões no trabalho pedagógico desenvolvido. O último artigo analisou aspectos relacionados ao processo de ensino- aprendizagem na Licenciatura em Química, compreendendo o papel da Didática e da reflexão sobre a prática na construção da identidade do professor e no desenvolvimento profissional da docência universitária. Os resultados sinalizam que a formação inicial de professores está muito distante do contexto e dos desafios da prática, que tem sido assumida como espaço de aplicação das teorias, no qual os professores em exercício não são percebidos como parceiros e nem os professores universitários como formadores de professores em um cenário acadêmico de pouca reflexão coletiva sobre a prática. Palavras-chave: Relação Teoria e Prática, Formação Inicial do Professor, Prática Docente XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 620 ISSN 2177-336X

Upload: others

Post on 04-Aug-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DE

DOCENTES “FORMADORES”

As práticas pedagógicas desenvolvidas no contexto da licenciatura têm sido objetos de

ampla discussão em diferentes ângulos. A despeito disso, poucas mudanças verificam-

se nesse âmbito, o que indica que ainda há muito a ser esclarecido. O presente painel

visa colaborar com essa discussão colocando o foco na relação entre a teoria e os

problemas desafiantes da prática, de natureza complexa e fundamental para a formação

de professores profissionais. Investiga suas concepções acerca do papel que têm os

formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os

professores em exercício, a parceria entre a universidade e a escola, assim como a

didática e a reflexão sobre a prática na melhoria do ensino e da formação do professor e

do próprio docente universitário. As pesquisas foram realizadas com docentes que

atuam em licenciaturas diversas de uma universidade pública multicampi, em

departamentos e cidades distintas. O primeiro estudo investigou a visão sobre a parceria

entre universidade e Escola Básica, analisando concepções, percursos formativos e

implicações pedagógicas para a licenciatura em Pedagogia. O segundo trabalho

procurou compreender as concepções de formadores de professores, de Letras e

História, sobre a Educação Básica e as repercussões no trabalho pedagógico

desenvolvido. O último artigo analisou aspectos relacionados ao processo de ensino-

aprendizagem na Licenciatura em Química, compreendendo o papel da Didática e da

reflexão sobre a prática na construção da identidade do professor e no desenvolvimento

profissional da docência universitária. Os resultados sinalizam que a formação inicial de

professores está muito distante do contexto e dos desafios da prática, que tem sido

assumida como espaço de aplicação das teorias, no qual os professores em exercício não

são percebidos como parceiros e nem os professores universitários como formadores de

professores em um cenário acadêmico de pouca reflexão coletiva sobre a prática.

Palavras-chave: Relação Teoria e Prática, Formação Inicial do Professor, Prática

Docente

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

620ISSN 2177-336X

Page 2: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

2

DIDÁTICA E REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA NA FORMAÇÃO DO

PROFESSOR E DO DOCENTE FORMADOR

Ilma Maria Fernandes Soares

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Sandra Regina Soares

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Resumo

A prática de ensino do professor universitário é uma atividade de natureza complexa

que não pode ser restringida à transmissão de conteúdos. No entanto, quando esta

prática é realizada nos contextos específicos das licenciaturas, muitas vezes conduzida

na perspectiva de uma didática restrita, sob a influência do campo científico específico a

ensinar e dos ditames da racionalidade técnica, os professores encontram dificuldades

em desenvolver suas atividades de forma complexa. O objetivo deste trabalho foi

analisar alguns aspectos das práticas docentes num curso de licenciatura relacionadas ao

processo de ensino aprendizagem, procurando compreender o papel que tem ou pode ter

a Didática e a reflexão sobre a prática na construção da identidade do professor e no

desenvolvimento profissional da docência, na visão dos participantes da pesquisa. Para

tanto, analisamos respostas de docentes universitários no contexto de uma pesquisa de

natureza qualitativa resultante do trabalho de tese de doutorado desenvolvida na

Universidade do Estado da Bahia. Os principais resultados indicam que os docentes,

apesar de perceberem e até mesmo serem sensíveis às demandas de natureza

pedagógica, ainda assim têm dificuldades para compreender, enfrentar e superar os

problemas de forma complexa, articulando teoria e prática, objetividades e

subjetividades, dimensões acadêmicas e profissionais. No enfrentamento dessas

dificuldades, os professores revelam concepções de práticas de ensino que se situam

numa perspectiva conteudista e instrumental, sob influência do campo da Química em

detrimento aos saberes didático-pedagógicos. A superação destas concepções

demandam práticas dialógicas e reflexivas num trabalho articulado com os pares,

consolidando um projeto coletivo que conjugue forças para atuar no processo de ensino-

aprendizagem. Nesse contexto, a Didática parece ter um papel importante na construção

de um processo dialógico, que articule conhecimentos específicos e pedagógicos

voltados para a construção da identidade profissional do professor da Escola Básica e

para o desenvolvimento profissional da docência universitária.

Palavras-chave: Didática e Prática docente. Formação inicial. Reflexão sobre a prática.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, tem-se como pressuposto que as práticas da docência

universitária devem ser compreendidas num contexto de complexidade tal como vem

sendo afirmado em várias pesquisas (SOARES; CUNHA, 2010; MARCELO GARCIA,

1999; PIMENTA; ANASTASIOU, 2010), na medida em que demandam o domínio de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

621ISSN 2177-336X

Page 3: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

3

uma multiplicidade de saberes, competências e atitudes que vão além da pura e simples

transmissão de conteúdos. Uma complexidade que se revela quando, no exercício das

suas atividades, o docente universitário tem como desafios formar profissionais, lidar

com aprendizagem de adultos e de atuar interativamente, articulando conhecimentos,

subjetividades e culturas (LUCARELLI, 2004) voltadas para o desenvolvimento da

pessoa e do profissional, o que envolve lidar com a dimensão cognitiva, mas também

com a dimensão afetivo-emocional, habilidades, atitudes e valores.

Apesar dessa compreensão da docência universitária como uma atividade

complexa, a grande maioria das práticas docentes no contexto da formação de

professores ainda se desenvolve numa perspectiva cartesiana, de forma isolada, pautada

na crença de que quem sabe os conteúdos específicos, sabe ensinar e de um fazer

baseado na intuição, na capacidade de transmitir conhecimentos, reproduzindo e

conservando modos de pensar tradicionalmente consagrados e socialmente aceitos

(PIMENTA; ANASTASIOU, 2010). Um modo de fazer da docência que se aprende na

prática, tal como se aprende um ofício, por observação ou imitação do exemplo de bons

professores, na maioria das vezes, exigindo-se apenas o conhecimento aprofundado da

disciplina a ser ensinada (ZANCHET, 2008) que se institui a partir do reconhecimento

de um capital simbólico, constituído a partir da produção científica e publicações na

área, sob a influência do campo científico em que foram formados ou da pesquisa em

que atuam, cristalizando uma cultura construída pelo prestígio da pesquisa em cada

campo científico (CUNHA, 2009). Práticas que, a nosso ver, terminam por se constituir

como uma visão restrita de docência universitária.

Superar essa visão restrita na direção da construção de uma visão complexa de

formação, demanda da docência universitária, saberes e interações, num movimento de

apropriação de conhecimentos didático-pedagógicos e de reflexão sobre a prática do

formador e do professor da Escola básica, como condição para melhoria e

aperfeiçoamento do ensino. Uma reflexão que, para Schön (2000) se dá na ação e sobre

a ação, mas que necessita avançar na direção de ser coletiva e crítica (ZEICHNER,

1993; KINCHELOE, 2006), ultrapassando os limites de uma racionalidade que

desconsidera como ciência tudo aquilo que não se adéqua ao seu estatuto

epistemológico. Uma reflexão que se mostre atenta aos aspectos subjetivos do

fenômeno educativo inerentes à pessoa do professor e do aluno, articulada às suas

crenças, atitudes, valores e concepções (KORTHAGEN, 2006).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

622ISSN 2177-336X

Page 4: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

4

No currículo das licenciaturas, os professores em formação têm disciplinas de

cunho didático que procuram diminuir a diferença entre o ato de conhecer e o ato de

ensinar o que se conheceu, entre objetividade e subjetividade que auxiliam na

aproximação com a identidade docente. Tais disciplinas, segundo D’Ávila (2014)

contribuem, nestes cursos, para uma aproximação com os saberes docentes e para a

construção da identidade do professor junto aos estudantes em formação.

No entanto, nem todos os professores que formam professores tiveram essa

formação pedagógica. Muitos dos docentes universitários que atuam nestes cursos,

principalmente nas disciplinas do conhecimento específico, não tiveram sequer a

matéria didática na sua formação inicial e, muito menos, na pós-graduação. Ainda

assim, esses professores são convocados cotidianamente a reverem suas práticas diante

de estudantes que ingressam na universidade, cada vez mais imaturos, indecisos quanto

à profissão, com dificuldades de aprendizagem e que dependem da mediação docente

para ter sucesso nos estudos.

Assim, essas didáticas parecem ter um papel importante no curso das

licenciaturas, tanto na construção da identidade profissional dos futuros professores da

Educação Básica, como nos processos de reflexão coletiva sobre o processo de ensino-

aprendizagem envolvendo métodos, técnicas e procedimentos de ensino e de avaliação,

atuando como elementos coadjuvantes do desenvolvimento profissional docente. Para

tanto, é necessário que o conhecimento didático-pedagógico se articule às reflexões

realizadas pelos docentes sobre suas práticas, de forma dialógica, reflexiva e crítica,

tomando-se a prática profissional do professor da Escola Básica e a aprendizagem como

eixos norteadores do currículo da formação de professores e como condição favorável

para o desenvolvimento profissional da docência universitária.

Sob esta ótica, a Didática não pode ser encaminhada numa perspectiva

prescritiva da transmissão de conhecimentos pedagógicos abstratos, de forma vaga e

teórica, distante da prática profissional e dos interesses específicos das disciplinas do

curso, seja ela assumida no curso do ponto de vista instrumental ou crítico. Muito

menos conduzida de forma subsumida ao campo científico específico a ensinar, na

defesa de uma epistemologia da prática que privilegie exclusivamente critérios de

racionalidade definidos a partir deste campo. Ao contrário, se espera que a didática se

consubstancie como espaço que possibilite intermediar relações entre objetos

específicos tanto da Química como do Ensino que se constituem de forma híbrida,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

623ISSN 2177-336X

Page 5: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

5

permeando tanto aspectos do campo científico da Química como do campo científico da

Educação.

Neste artigo tomamos como base alguns dados resultantes da pesquisa realizada

no contexto de um curso de licenciatura em Química da Universidade do Estado da

Bahia, durante o qual nove docentes foram convidados a refletir, em grupo, sobre a

própria prática de formar professores para a Educação Básica. Dados que foram

submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 1977) após serem obtidos a partir de uma

pesquisa-ação, tendo como instrumentos de coleta o uso de questionários e a realização

de grupo focal desenvolvido na forma de nove encontros, conduzidos sob a técnica de

Grupo Operativo. A partir dos dados desta pesquisa, relacionados ao processo de

ensino-aprendizagem, procuramos levantar categorias que possibilitassem discutir as

práticas de ensino do professor formador no cenário contemporâneo da licenciatura,

considerando os desafios de formar e formar-se num contexto de desafios existentes na

atualidade.

Tal reflexão nos levou a procurar responder algumas questões, tais como: Como

os professores universitários percebem a complexidade das práticas docentes no seu dia

a dia diante dos desafios enfrentados? Como atuam diante desses desafios? Qual o papel

que tem ou poderia ter as didáticas específicas como coadjuvantes do processo de

reflexão sobre a prática, na construção de uma identidade profissional do professor da

Escola Básica e no desenvolvimento da docência universitária num curso de

licenciatura?

O QUE OS DADOS EVIDENCIAM

Inicialmente, pode-se evidenciar que o professor universitário encontra

dificuldades em trabalhar com a complexidade na formação inicial de professores para a

Educação Básica. Tal fato se verifica diante da reação dos docentes frente a posturas do

estudante na relação que estabelece com o saber; um fenômeno cuja compreensão vai

além dos conteúdos específicos a ensinar.

[...] a gente percebe isso na própria maneira como eles levam a disciplina.

[...] Aquela coisa de: tudo é deixar para lá. Isso de certa maneira me

incomoda no sentido de que [...] eu me sinto desrespeitada na medida em que

você percebe que aquela sua vontade não está sendo vista, não está sendo

considerada. Eu sei que isso me incomoda. (P3).

Imersos numa cultura acadêmica, cuja crença primordial se encontra voltada

para os conteúdos específicos a ensinar, de natureza exclusivamente cognitiva, centrada

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

624ISSN 2177-336X

Page 6: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

6

na objetividade e pouco atenta às subjetividades, alguns professores têm dificuldades

em perceber que as atitudes de indiferenças por parte dos estudantes podem ter sua

origem num ensino focado na transmissão de conhecimentos fragmentados e

descontextualizados que esvaziam o sentido da educação (CHARLOT, 2005). Em

sintonia com essa cultura acadêmica, os sentimentos de angústia, de incapacidade de

aprender dos discentes além de serem, consciente ou inconscientemente, fomentados

pelos docentes, também não são reconhecidos, trabalhados por eles, ou seja, os aspectos

subjetivos, na maioria das vezes, não são considerados no processo de ensino-

aprendizagem na universidade, cabendo aos estudantes encontrarem sozinhos, ou com

seus pares, as formas de lidar com as situações desconfortáveis, os caminhos para

continuar o processo formativo.

Vivenciando esse processo, quando convocado a refletir sobre a prática na

tentativa de aperfeiçoá-la, o docente sente a falta de outros conteúdos na sua formação,

além daqueles que teve no campo científico específico a ensinar. Uma necessidade que

se expressa em relação à aprendizagem, na tentativa de compreender como os

estudantes aprendem, ou seja, “[...] o estudante não aprende como nós entendemos que

deveria aprender. E, para isto, a gente tinha que discutir aprendizagem. O que é isto do

estudante aprender? Como é que o estudante aprende?”. (P1).

O reconhecimento da complexidade da aprendizagem é um exemplo da

complexidade da docência que tem levado, cada vez mais, os docentes universitários a

buscarem conhecimentos mais amplos, de natureza didático-pedagógica, relacionados

ao seu objeto da sala de aula. Quando se tornam capazes de reconhecem lacunas no seu

processo formativo, neste caso relativo à aprendizagem, os docentes se tornam sensíveis

e mais humildes na relação com o estudante. Saem do pedestal do saber e de conforto

localizado no seu campo científico de conhecimento e se deslocam, como aprendizes,

para uma cultura da aprendizagem (POZO, 2002), que considera a pessoa como

elemento fundamental nesse processo, seus interesses, vontades e desejos, reconhecendo

a necessidade de desenvolver estratégias que motivem e facilitem o ato de aprender.

Diante desses desafios, o docente universitário reconhece necessidades

formativas, tais como: “eu sinto mais dificuldade é na motivação” (P5), ou ainda, “eu

nunca me deparei com a situação de dois alunos brigando dentro de uma sala de aula!

Isso aconteceu aqui dentro da UNEB! [...] Tive alguma formação acadêmica para? Não.

Eu nunca, em nenhum momento da minha graduação ou da pós” (P1). No entanto, não

há clareza, por parte dos docentes, de onde virá essa formação, ou seja, “[...] como a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

625ISSN 2177-336X

Page 7: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

7

gente se prepara para lidar com essas situações? Como? De onde vem esse preparo?

Quem nos preparará?” (P4).

Os depoimentos evidenciam a vulnerabilidade do docente diante de situações de

ensino que não sabem como lidar (MACHADO, 2015), o que reafirma a necessidade

institucional de se conhecer necessidades de formação do professor através do próprio

professor como uma das condições primordiais para investimento na formação.

Na tentativa de enfrentamento e superação dos desafios da prática, os docentes

revelam:

A gente tem que pensar numa pluralidade de metodologia que, às vezes,

funciona para um, funciona para outro. Outras vezes não funciona para

nenhum, como pode funcionar para quase todos. [...] uma das estratégias a

adotar na disciplina é a aplicação de jogos, seminários, miniaulas, utilização

de vídeos, leitura de artigos científicos, desdobramento das questões

utilizadas nas avaliações. (P7).

O sentido do depoimento revela uma preocupação dos docentes com a

diversificação das estratégias de ensino, o que, sem dúvida, contribui para a melhoria da

qualidade do ensino. No entanto, a perspectiva adotada reafirma uma visão

instrumental, centrada no poder de decisão do professor, que deve ser o responsável por

pensar, escolher e aplicar a melhor técnica, o que pouco contribui para o

desenvolvimento de uma perspectiva de construção do conhecimento e de autonomia do

estudante, a partir de si e de critérios próprios de ação. Desta forma, se mantém e

perpetua na universidade um processo de dependência do estudante por parte do

docente, o que dificulta a emancipação profissional, pois, segundo Imbernón “tudo o

que a pessoa constrói fora da autonomia, em um âmbito de dependência pode ser

bloqueado e anulado rapidamente pela estrutura de poder real" (IMBERNÓN, 2008, p.

87).

Se por um lado, a visão tecnicista, instrumental e acrítica se mostra como

orientadora de práticas docentes que as mantém aprisionadas a uma concepção restrita

de ensino e formação subsumida ao campo científico específico a ensinar, por outro, os

desafios da prática concreta trazem para os professores universitários uma

complexidade do fenômeno educativo, cuja compreensão e enfrentamento demandam

ações e reflexões de natureza interdisciplinar e multirreferenciadas. Nesse sentido,

assumir a reflexão sobre prática profissional do professor da Escola Básica parece ser

uma condição para superação da visão restrita de didática e de docência universitária no

curso de licenciatura. Apesar de reconhecer que se trata de um curso de formação de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

626ISSN 2177-336X

Page 8: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

8

professores para a Educação Básica, a aproximação do currículo com a prática

profissional, assumindo-a como um eixo estruturante da formação inicial, parece ser

uma dificuldade e, ao mesmo tempo, um desafio que preocupa os formadores de

professores:

Até que ponto nós estamos aproximando dessa formação que eles devem ter

da pratica desse profissional que vai exercer? Ou seja, nosso currículo tem

refletido isso? Nós temos investigado como são essas praticas? Até mesmo

na interação com elas, no estágio ou com outra disciplina que façam? Ate que

ponto eu estou formando este profissional? Que profissional eu quero

formar? Esse profissional que eu quero formar, os conteúdos que eu estou

selecionando, são exatamente o que eu estou vendo a partir de mim, da Lei

ou dessa observação, desse olhar, dessa interação, com essa prática

profissional concreta? (P2).

Pode-se perceber que a formação do professor da Educação Básica não tem sido

problematizada suficientemente no curso, a ponto de se tornar um fio condutor do

trabalho docente universitário em todos seus componentes formativos. Na prática, o

curso, de uma forma generalizada, não parece estimular a reflexão sobre os saberes que

constituem a identidade do professor e como cada disciplina poderia contribuir para sua

construção "continuando a formar profissionais para uma profissão que desconhecem"

(SCHNETZLER, 2012, p. 77-78).

Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, a reflexão sobre a prática de

formar o professor da Escola Básica, a aproximação com a prática profissional, o

reconhecimento de um não saber e de lacunas formativas, com a consequente abertura

para aprender, são condições que colocam em xeque a hegemonia da formação

bacharelizante e da racionalidade científica presente nas licenciaturas e favorecem a

construção da identidade do professor e, consequentemente, um repensar das práticas da

docência universitária e do seu desenvolvimento profissional.

No entanto, a Didática, na visão dos professores, não aparece como uma opção a

ser trilhada neste sentido. Apesar de terem refletido o tempo todo sobre o processo de

ensino-aprendizagem e a formação inicial de professores, durante os nove encontros,

apenas três vezes o sentido da expressão didática foi invocado nessas reflexões por parte

de três docentes:

Esse grupo vai nos ajudar em qualquer grupo em que a gente esteja

participando. Tanto para a formação grupal como para a didática das práticas

docentes. (P5).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

627ISSN 2177-336X

Page 9: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

9

Os alunos têm iniciação à docência e os alunos vão para a escola, já desde

cedo. E eles não tiveram Didática e nem determinados conteúdos de

Química, que eram referência. (P3).

Quem está em Evolução das Ciências, que está no segundo semestre e que

ainda não trabalhou... Já viu Psicologia da Educação, mas não viu Didática,

por exemplo. (P1).

Percebe-se que os docentes reconhecem a importância da didática para o

desenvolvimento do ensino, mas esta não parece se constituir como um espaço de

formação, integrador entre o conhecimento específico e o pedagógico, entre as práticas

de ensino e profissionais e, muito menos, como coadjuvante da formação da docência.

Em outras palavras, apesar de ser reconhecida sua importância na melhoria do processo

de ensino-aprendizagem, a didática não é vista como um elemento formador do

formador de professor.

Até mesmo na forma proposta por especialistas, como espaços de construção do

conhecimento, no âmbito de didáticas específicas que se aproximem da prática

profissional possibilitando uma epistemologia da prática (LIBÂNIO, 2010), ainda

assim, a didática parece se insurgir como um conhecimento subsumido ao campo do

conhecimento científico específico a ensinar, que prioriza o conhecimento cognitivo em

detrimento às subjetividades que se encontram fortemente presentes no campo científico

da educação. Atuando dessa forma, a didática pouco se revela como expressão de uma

fenomenologia complexa (MORAES, 2014) capaz de contribuir para a construção de

uma visão complexa de ensino e formação capaz de articular razão e emoção,

objetividades e subjetividades, conhecimento químico e conhecimento pedagógico.

Este fato evidencia que tanto os professores universitários como os especialistas

em didática necessitam repensar o papel desta matéria como coadjuvante da reflexão

coletiva que tem como base o processo de ensino-aprendizagem e a formação

profissional, tanto do professor em formação como do professor formador, seja porque

o primeiro necessita ensinar, como objeto do seu ofício e o outro, deve também se

preocupar em ensinar a ensinar e a aprender além da racionalidade científica, como

objeto da formação profissional do formador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor universitário que atua no curso de licenciatura é desafiado a

repensar suas práticas de ensino na medida em que reflete sobre elas coletivamente,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

628ISSN 2177-336X

Page 10: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

10

percebendo, diante da sua complexidade, que o campo de conhecimento específico não

é capaz, por si só, de enfrentar e superar os desafios. No entanto, na maioria das práticas

docentes, ainda permanece a crença nos conteúdos específicos a ensinar, na capacidade

de se aprender fazendo e a dicotomia entre teoria e prática, havendo dificuldade em

assumir a prática profissional do professor da Escola Básica como eixo orientador do

currículo e da reflexão coletiva dos docentes.

A interação, no curso, de disciplinas de conhecimentos específicos com a

didática pode contribuir para uma melhoria da qualidade do ensino e da formação de

professores. Desde que essa interação vá além de numa perspectiva reducionista de

atuação didática de natureza eminentemente instrumental ou exclusivamente crítica,

distante dos conteúdos específicos a ensinar e da prática profissional do professor, mas

como espaço de integração, de diálogo, tendo como escopo uma epistemologia da

prática a ser construída coletivamente nos espaços híbridos que demandam interações

entre o conhecimento específico e o pedagógico, entre o conhecimento acadêmico e a

prática profissional, entre “os marcos teóricos e conceituais que fundamentam, a partir

das práticas reais de ensino-aprendizagem, os saberes profissionais a serem mobilizados

na ação docente, de modo a articular na formação profissional a teoria e a prática”

(LIBÂNIO, 2015, p. 5). Um espaço de integração que também se constitui como espaço

formativo, no qual a docência universitária para melhor ensinar e formar, também

aprende e se forma. Um espaço que demanda sensibilidade, vontade política e tomada

de decisão, tanto de natureza individual como institucional, de querer transformar o

ensino, a formação e a si mesmo.

Ao refletir sobre a prática, de forma coletiva, integrando conhecimentos

específicos e pedagógicos na construção de um novo conhecimento em cada lócus de

formação, a docência universitária não só repensa a formação inicial de professores

como também interage com situações reais, percebendo a complexidade do fenômeno

educativo e das suas ações para nele atuar. Reconhece lacunas em sua formação para

lidar com os desafios, abrindo possibilidades para uma aproximação e interação entre o

conhecimento específico da química e o conhecimento pedagógico, condição

fundamental para a instauração de processos dialógicos internos, num movimento que

termina por produzir, tanto a melhoria da formação inicial de professores como o

desenvolvimento profissional do seu docente formador.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

629ISSN 2177-336X

Page 11: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

11

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa:

Edições 70, 1977.

BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores da Educação Básica. Resolução CNE CP 001/2002, 18 de

fevereiro de 2002.

CHARLOT, B. Relação com o saber, formação de professores e globalização:

questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005.

CUNHA, M. I. Trajetórias e lugares da formação do docente da educação superior: do

compromisso individual à responsabilidade institucional. In: Revista Brasileira de

Formação de professores, v 1, n. 1, p. 110-128, 2009.

D’AVILA, C. M. Que papel tem a Didática Geral e as didáticas específicas na

construção da identidade profissional docente?.. In: Maria Marina Dias Cavalcante... et

al. (Orgs.). Didática e a prática de ensino: diálogos sobre a escola, a formação de

professores e a sociedade. Fortaleza: CE: XVII ENDIPE, EdUECE, 2014, 207 – 227 p.

IMBERNÓN, J. ( Org. ). A Educação no Século XXI: Os desafios do futuro imediato.

8. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2008.

KINCHELOE, Joel L. Construtivismo crítico. Mangualde: Edições Pedago, LDA,

2006.

KORTHAGEN, Fred. A prática, a teoria e a pessoa na aprendizagem profissional ao

longo da vida. In: FLORES, Maria Assunção; SIMÃO, Ana Margarida Veiga (Orgs.).

Aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores: Contextos e

perspectivas. Portugal: Edições Pedago LDA, 2009.

LIBÂNEO, J. C. Formação de Professores e Didática para Desenvolvimento Humano.

Educação e Realidade, v. 40, p. 629-650, 2015.

LIBÂNEO, J. C. A integração entre didática e epistemologia das disciplinas: uma via

para renovação dos conteúdos da didática. In: DALBEN, Ângela, DINIS, Julio,

SANTOS, Lucilia (orgs). Convergências e tensões no campo da formação e do

trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 818p.

LUCARELLI, E. El eje teoria-práctica em cátedras universitárias innovadoras, su

incidência dinamizadora em La estructuradidáctico curricular. Tesis doctoral.

Buenos Aires: UBA. FfyL, 2004.

MACHADO, A. L. Grupo de reflexão como espaço de desenvolvimento profissional

de docentes formadores de professores. Tese (Doutorado em Educação e

Contemporaneidade). Faculdade de Educação. Universidade do Estado da Bahia,

Salvador, BA, 2015

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

630ISSN 2177-336X

Page 12: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

12

MARCELO GARCIA, C. Formação de professores: para uma mudança educativa.

Portugal: Porto, 1999.

MORAES, M. C. Didática transdisciplinar como expressão de uma fenomenologia

complexa. In: Maria Marina Dias Cavalcante... et al. (Orgs.). Didática e a prática de

ensino: diálogos sobre a escola, a formação de professores e a sociedade. Fortaleza: CE:

XVII ENDIPE, EdUECE, 2014, 945 – 965 p.

PIMENTA, S. G; ANASTASIOU, L. Docência no ensino superior. 4. Ed. São Paulo:

Cortez, 2010.

POZO, J. I. Aprendizes e mestres. A nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre:

ARTMED, 2002.

SCHNETZLER, R. P. P. Trilhas e projeções da pesquisa em Ensino de Química no

Brasil. In: MOL, Gerson de Souza (Org.). Ensino de Química: visões e reflexões. Ijui:

Ed. Unijuí, 2012.

SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a

aprendizagem. Traduzido por Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas,

2000.

SOARES, S R; CUNHA, M I da. Formação do professor: a docência universitária em

busca de legitimidade. Salvador: EDUFBA, 2010.

ZANCHET; M. B. A.; GHIGGI, M. P. Docência universitária: a formação e as

aprendizagens na pós-graduação em educação. In: Revista Educação em questão, v

17, n. 30, p. 173-184, jul./dez. 2008.

ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas. Lisboa:

Educa, 1993.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

631ISSN 2177-336X

Page 13: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

13

CONCEPÇÕES DE FORMADORES DE PROFESSORES SOBRE A

EDUCAÇÃO BÁSICA: REPERCUSSÃO EM SUAS PRÁTICAS

Álvaro Lima Machado

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Silvia Luiza Almeida Correia

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Resumo

A licenciatura é uma fase importante no processo formativo de professores da educação

básica. Assim, precisa considerar a cultura da escola como norteadora do trabalho

pedagógico realizado em todos os componentes curriculares, o que exige uma postura

critica e comprometida com a transformação da escola e também um grande

investimento do docente formador. Neste sentido esse texto apresentar parte dos

resultados de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo foi compreender as concepções

de formadores de professores sobre a Educação Básica. A pesquisa, de natureza

qualitativa, adotou como estratégia de coleta dos dados a entrevista semi-estruturada

realizada com onze formadores de professores, de um departamento, localizado no

interior baiano, nos Cursos de Letras Vernáculas e História, de uma universidade

pública do Estado da Bahia. A análise dos dados colocou em evidencia a concepção dos

formadores sobre a desqualificação da Educação Básica quando apontam dois fatores:

precárias condições de trabalho e a postura dos professores. A forma como os docentes

dos componentes específicos e de Fundamentos do Ensino trabalham o conteúdo,

orientam as investigações nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e a relação com

os professores-regentes também denota dificuldade em considerar a prática pedagógica

na Educação Básica como ponto de referência que deve nortear a organização

institucional e pedagógica dos cursos. Ademais, na sua maioria, os participantes não se

assumem como formadores de professores e não concebem que a maneira que efetivam

seu papel de formador de professores influencia no trabalho realizado pelo profissional

da Educação Básica. Verifica-se, ainda, que muitos docentes exercem seu papel de

modo restrito no que tange a ser exemplo de atuação profissional, pois, em suas ações e

discurso transmitem uma desvalorização da escola e não contemplam o enfrentamento

das fragilidades da Educação Básica por eles apontadas.

Palavras-Chave: Educação Básica. Formação inicial. Prática docente.

PROBLEMATIZANDO A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES E EDUCAÇÃO BÁSICA

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

632ISSN 2177-336X

Page 14: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

14

A importância da licenciatura, enquanto fase inicial da profissionalização do

magistério, justifica-se por almejar contribuir na construção do processo identitário do

professor, a partir de saberes teóricos e práticos referentes à profissão, bem como pelas

vivências que corroboram para criar uma primeira visão sobre o meio profissional.

No que tange ao locus responsável pela formação dos professores da Educação

Básica, a Lei 9394/96 (BRASIL, 1996) dispõe que devem ser universidades e Institutos

Superiores de Educação. Certamente, a possibilidade de formação de professores na

universidade é um ganho considerável no que se refere à busca pela qualidade da

Educação Básica, pois essa instituição fornece “[...] uma base de legitimação essencial

para o status profissional” (GOODSON, 2008, p. 45), o que possibilita, entre outras

questões, o trabalho reflexivo. Essa conquista, fruto de movimentos docentes, para ser

capaz de contribuir para uma formação de qualidade, requer que esses espaços sejam

“[...] utilizados de forma útil, num pacto colaborativo rejuvenescido e reconceptualizado

entre as instituições universitárias e aqueles que desenvolvem a sua prática nas escolas”

[...]. (idem).

No entanto, estudos recentes, como o de Gatti e Barreto (2009) e Scheibe

(2010), sobre a implementação das novas diretrizes nos cursos de licenciatura no Brasil,

indicam que boa parte desses cursos distancia-se das determinações legais que orientam

essas formações, especialmente no que tange à relação com a prática profissional.

Essa mesma crítica às licenciaturas é feita no documento Referencial Curricular

Nacional para Formação de Professores (BRASIL, 1999), ao atestar a contradição

existente entre o modelo de processo de ensino-aprendizagem da formação inicial e

continuada de professores e o que é preconizado como adequado para esses estudantes

na condição de educadores. Segundo esse documento, os futuros professores não

vivenciam “[...] práticas orientadas para o desenvolvimento do pensamento crítico, da

aprendizagem ativa, da criatividade, da autonomia, de valores democráticos, do

exercício da cidadania” nos seus processos formativos. (p. 43).

D’Àvila (2007), ao investigar junto aos estudantes das licenciaturas, detecta nos

seus depoimentos, que a postura que os formadores de professores assumem em sala de

aula divergem do que é concebido pelos licenciandos como adequada para um ensino

eficaz, mesmo essas representações sendo construídas a partir dos discursos dos

próprios formadores. Assim, percebemos que as teorias abordadas como adequadas para

o ensino pelos docentes não correspondem aos modelos vivenciados pelos estudantes

enquanto aprendizes na formação inicial (D’ÀVILA, 2007).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

633ISSN 2177-336X

Page 15: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

15

Neste sentido esse texto apresenta parte dos resultados de uma pesquisa de

doutorado cujo objetivo foi compreender as concepções de formadores de professores

sobre a Educação Básica. Para tanto, foram feitas entrevistas semiestruturada com onze

professores universitários de dois cursos de licenciatura, representados por pseudônimos

para preservar a sua identidade, cujos depoimentos analisados foram feitos mediante a

técnica de Analise de Conteúdo (BARDIN, 1977).

A opção pelo estudo das concepções de formadores de professores justifica-se

por serem eles os principais atores das decisões relacionadas à condução dos

componentes curriculares, ou do processo de ensino-aprendizagem e, como destaca

Cunha (2005), investigar sobre o trabalho do formador é de fundamental importância

quando se pretende alterar a lógica universitária, objetivando mudanças na qualidade da

licenciatura.

Analisar criticamente a formação que se oferece aos professores é relevante,

ainda, no sentido de que, é através desse processo que contribuímos para a

profissionalização de indivíduos que serão responsáveis pela educação das novas

gerações.

CONCEPÇÕES DOS FORMADORES DE PROFESSORES SOBRE A

EDUCAÇÃO BÁSICA E O TRABALHO PEDAGÓGICO

A primeira constatação da visão dos formadores, participantes da pesquisa,

acerca da desqualificação da Educação Básica é perceptível quando apontam, quase que

exclusivamente, aspectos que denotam um processo de desqualificação, atribuído,

basicamente, a dois fatores: precárias condições de trabalho e a postura dos professores.

A precariedade das condições de trabalho do professor da Escola Básica foi

sinalizada por seis dos onze colaboradores, destacando-se como elementos que

influenciam esse processo: carga horária de trabalho excessiva dos professores, tanto em

sala de aula quanto fora dela; excesso de atividades exigidas ao professor, em geral de

forma impositiva; excesso de alunos em sala de aula e deficiência de aprendizagem dos

alunos.

No que se refere à postura dos professores da Educação Básica frente à

profissão, a visão dos cinco docentes que se posicionaram, no geral, é negativa.

Prevalece o entendimento do professor da escola básica como um profissional que não

demonstra ter clareza dos objetivos do fazer pedagógico, compromisso no exercício

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

634ISSN 2177-336X

Page 16: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

16

profissional e sem empenho na realização do trabalho. Postura que pode explicar a

distancia entre a formação inicial dos professores e a cultura escolar.

Consideramos que tais concepções não se tratam de mera constatação da

realidade, mas sim uma depreciação da Educação Básica decorrente das dificuldades

vivenciadas e das imagens veiculadas pela mídia. Os inúmeros depoimentos

demonstraram a recusa dos formadores em aproximarem o trabalho que realizam com

essa etapa de ensino, como afirma, claramente, a docente Esmeralda, que prefere não

abordar a cultura escolar para não desmotivar os estudantes com suas experiências e

concepções negativas, sinalizando omissão do seu papel de formador de profissionais

docentes críticos e capazes de contribuir com a transformação da realidade escolar.

É relevante salientar que os cursos onde os professores da Educação Básica são

formados também são corresponsáveis pela qualidade do ensino e, assim, precisam

fazer frente às imagens, interesses e ideologias, divulgadas e construídas socialmente.

Desse modo, as intercessões e posicionamentos efetivos dos formadores são necessários

e fazem parte do seu papel, até porque, influenciam no modo como os estudantes

concebem a escola, pois, como constatam os entrevistados estes não simpatizam com a

ideia de ser professor da Educação Básica. Sete docentes mencionaram este aspecto e

afirmam que muitos licenciandos, especialmente os que demonstram melhores

desempenhos cognitivos, preferem atuar em outros setores, assim cursam a licenciatura

somente para ampliarem suas condições de empregabilidade.

Um aspecto relevante que demonstra que a desvalorização da Educação básica

interfere no ensino da licenciatura refere-se à maneira como os formadores lidam com o

conteúdo, ou seja, desconsideram o exercício profissional do licenciando, mesmo o

currículo vigente requerendo que se estabeleça essa relação. Apesar de somente um dos

colaboradores assumir, claramente, seu mal-estar com essa exigência curricular

podemos afirmar, a partir dos depoimentos dos entrevistados, que esse incômodo é

muito forte entre os formadores, especialmente dos componentes específicos. Sobre as

consequências dessa legitimação dos conteúdos em si Monereo e Pozo (2003, p.17) nos

advertem

[…] Como cada profesor tiende a concebir los contenidos que transmite

como un fin en si mismo, algo que se justifica por el mero hecho de ser

enseñado, los alumnos no aprenden a buscar la relación entre esos saberes,

relación que, por otra parte, sus propios profesores tendrían dificultad de

establecer, ya que, como se ha visto, en buena medida ignoran lo que otros

profesores enseñan. De esta forma los currículos se acaban reduciendo a

una acumulación de saberes yuxtapuestos y generalmente desconectados

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

635ISSN 2177-336X

Page 17: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

17

entre si, saberes que desde la perspectiva práctica de los alumnos no es que

se integren o multipliquen, sino que frecuentemente ni siquiera se suman,

incluso a veces se restan; a menudo completar la carrera consiste en ir

restando (o liberando) créditos y materias, lo cual en la mayor parte de los

casos es aleatorio.

Quando os componentes se aproximam mais da prática e da realidade das

escolas, as verdades fechadas, as respostas prontas, elaboradas pela racionalidade

técnica e pelas grandes teorias a que têm acesso, muitas vezes, não respondem àquelas

questões específicas que os estudantes enfrentam, por isso mesmo, muitos formadores

se afastam de atividades com este cunho, pois não consideram adequado ao docente

universitário não saber responder com precisão tais indagações. Entendemos que esse

silenciamento dos formadores aos saberes advindos da prática é decorrente do fato deles

não saberem lidar com as incertezas que aparecem na sala de aula e com a

complexidade que define esse espaço educativo.

Em contrapartida, constatamos que os formadores que discutem a cultura

escolar são justamente aqueles que não se colocam no lugar de detentores e porta-vozes

do saber e de soluções acabadas, mas que questionam, investigam, refletem junto com

os estudantes e, dessa maneira, conseguem contribuir na perspectiva do aprender a

aprender dos licenciandos. Sobre este aspecto, Formosinho (2011) afirma que é através

da reflexão sobre os dilemas da prática que os profissionais podem aprender a ser

inteligentes, o que exige do formador capacidade de lidar com a falta, com o não saber.

Assumindo essa condição se tornam melhores formadores.

Entendemos ser necessária a formação teórica dos futuros profissionais, tanto no

que se refere aos componentes que compõem os caracterizadores básicos quanto

daqueles que fazem parte dos componentes da área de formação profissional. No

entanto, o que ocorre, muitas vezes, é que a maneira como os formadores trabalham

esses conteúdos não só se distancia da realidade da Educação Básica, mas, contribui

para consolidar a cultura de desqualificação disseminada acerca dessa etapa de ensino,

conforme denunciam alguns entrevistados, ao afirmarem que alguns colegas

desvalorizam os profissionais e a realidade desta etapa de ensino. O comportamento dos

docentes em sala de aula ao afastarem o conteúdo ministrado da prática profissional,

contribui para a deficiência na formação de professores, como declara o entrevistado:

Eu até chego a pensar: o que a universidade contribuiu a não ser com o

conhecimento acadêmico. Eu não sei até que ponto a universidade contribuiu

para a formação desses professores enquanto professores. (Ametista)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

636ISSN 2177-336X

Page 18: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

18

Esta docente, responsável também pelo componente Estágio Supervisionado,

chega a tal conclusão a partir das deficiências encontradas pelos estudantes ao

aproximarem-se do contexto escolar, visto que não sabem como resolver os problemas

que surgem em sala de aula, no que tange ao comportamento e aprendizagem dos

alunos. Em contrapartida, seis docentes, que atuam nos dois cursos, reconhecem a

importância das licenciaturas desse Departamento para formação de professores e para a

melhoria da sociedade, posto que antes somente os filhos das camadas mais abastadas

adquiriam nível superior, cursando na capital, além do mais, advogam sobre a melhoria

da qualidade do ensino na escola básica.

A ênfase nos conteúdos em si é demonstrada, ainda, pelos critérios utilizados

pelos docentes para seleção dos conteúdos definidos, prioritariamente, a partir das

ementas, que pouco exigem relacionar teoria e prática profissional e, desse modo, pouco

contribuem para que os estudantes aprendam como fazer as mediações necessárias nas

situações inusitadas da prática profissional.Somente dois docentes, um de cada curso,

ambos responsáveis pelos componentes pedagógicos, afirmaram considerar a

especificidade do profissional objeto da formação do estudante como um dos critérios

na seleção dos conteúdos a serem trabalhados.

Diante dessa desconsideração da cultura escolar, no trato com os conteúdos, é

possível afirmar que o papel do formador é pouco concebido como exemplo de atuação

docente, pois transmite uma desvalorização dessa etapa de ensino e sem contribuir para

que o estudante construa saberes que contribuirão no seu exercício profissional.

A importância do formador relacionar os conteúdos e procedimentos com a

cultura escolar fundamenta-se no entendimento de que a teoria e a prática se

retroalimentam dialeticamente e contribuem para a construção de uma

profissionalidade docente capaz de lidar com competência, técnica, política e ética com

os desafios da prática. A ausência dessa relação no processo formativo faz com que o

futuro professor desconsidere, na sua ação, os ideais pedagógicos adquiridos na sua

formação inicial, prevalecendo a rotina, a tradição, a conformidade, a impessoalidade, a

subordinação e lealdade burocrática (SARMENTO, 1994).

Por essa razão, é desejável tomar os problemas da prática pedagógica na

Educação Básica como ponto de referência que norteará a organização institucional e

pedagógica dos cursos. Essa articulação entre o espaço escolar e as instituições

formadoras precisa perpassar todo o curso e não se restringir ao período do estágio para

gerar aprendizagens significativas da profissão docente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

637ISSN 2177-336X

Page 19: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

19

A importância do contato do estudante com a escola durante o período formativo

foi destacada por um docente, ao observar que os estudantes começavam o estágio sem

preparação, salvo aqueles que participavam em projetos do PIBID (Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), que os aproximavam da escola,

contribuía para torná-los mais seguros, pois esses projetos promovem o debate e a

reflexão sobre os problemas da prática, assim como, formas de intervenção.

Defendemos que essas experiências são formadoras tanto para o docente da

universidade quanto para o estudante da graduação. Diante dessa interlocução dos

saberes da universidade e da cultura da escola apresenta-se a ideia de circularidade entre

essas duas diferentes instituições, na qual uma retroalimenta a outra, enriquecendo a

construção do conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem na escola.

A condição de formação de professor é inversamente simétrica à situação de seu

exercício profissional, ou seja, enquanto se prepara para ser professor, ele vive o papel

de estudante e a forma como o docente universitário se posiciona é de grande relevância

no processo formativo. É nesse sentido que Pérez Serrano (1988, apud MARCELO

GARCIA, 1999) defende a importância da pedagogia universitária, especialmente nas

licenciaturas, por considerar que as atitudes e comportamentos do docente contribuem

na constituição do ensino mais do que o ele diz ser, pois podem transmitir mensagens

opostas ao que é expresso intencionalmente. Desse modo, é necessário atentar para o

princípio da coerência, definida como: “[...] a acção pedagógica é coerente com os

pressupostos e finalidades de formação que a orientam, com a natureza dos conteúdos

disciplinares e com os métodos de avaliação adaptados”. (VIEIRA et al, 2002, p. 32).

A necessidade do estudante conhecer criticamente a cultura escolar requer que o

docente também tenha uma aproximação com a Educação Básica, o que, conforme dez

entrevistados, implica não exigir dos estudantes propostas que busquem, magicamente,

resolver os problemas da realidade, posto que conhecem os empecilhos que dificultam a

viabilização de algumas propostas.Destacam, ainda, que tal conhecimento contribui para

o docente saber transpor o ensino, posto que a experiência como professor da Educação

Básica exige maior empenho em buscar meios para a aprendizagem dos estudantes.

Contudo, dois entrevistados destacam que a experiência dos docentes no contexto

escolar não é condição para uma intervenção mais coerente com as teorias ensinadas

durante as aulas posto que o desejo e o empenho são aspectos determinantes.

A deficiência dos docentes em relacionar o ensino ministrado nas licenciaturas e

a realidade da Educação Básica é possível de ser constatada ao percebermos, através dos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

638ISSN 2177-336X

Page 20: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

20

depoimentos dos participantes da pesquisa, a forte presença da fala para estabelecer essa

relação:

Eu falo muito! Eu trago muito para a realidade, falo das escolas públicas

municipais, do ser educador, do conhecimento que ele vai precisar dominar

para dar uma boa aula, para ensinar corretamente aquilo. [...](Topázio)

Buscam aproximar a teoria com a prática profissional através da fala é limitado,

posto que dificulta o estudante ver, sentir, interpretar, questionar a partir da sua própria

experiência. Sobre a presença marcante da fala como fonte de saberes na universidade,

Anastasiou (1997, p. 129) expõe que:

Nós, docentes, fomos marcados pela Universidade do “dizer do professor” e

precisamos construir hoje a sala de aula onde co-habitem tanto o dizer da

ciência – através ou não do dizer do professor – quanto a leitura da realidade

adversa que enfrentamos, da qual o aluno – como futuro profissional – terá

que dar conta. Esse desafio nos é posto em relação ao paradigma tradicional

que vivenciamos como alunos e professores e a crescente necessidade da

construção de um paradigma atual.

Todavia, a supracitada autora defende que estamos num momento histórico em

que se discute a mudança em várias dimensões do fazer humano e que a predominância

da fala no ensino não é condição suficiente para a construção do conhecimento, sendo

necessária a atuação do estudante. Dessa forma, a aprendizagem poderá sem muito mais

significativa, visto que ela será construída a partir da postura ativa do aprendente.

A subestimação da importância da leitura crítica da cultura da Educação Básica

também se apresenta no comportamento dos docentes em relação à orientação aos

estudantes no momento de escolher as temáticas dos Trabalhos de Conclusão de Curso,

como denunciam seis dos nossos entrevistados. Um deles informa que mesmo quando o

estudante deseja adotar como tema de seu TCC alguma situação evidenciada no estágio,

ele é estimulado a mudar assumindo outros mais ligados aos conteúdos específicos da

História de das Letras, sem vinculação com o processo de ensino-aprendizagem foco da

sua futura atuação, considerando que estão se formando para serem professores.

A reflexão teórico-prática, sobre os aspectos referentes ao processo de ensino-

aprendizagem na universidade, não tem sido a tônica das discussões dos docentes, nem

mesmo nas licenciaturas, que deveriam ser espaços mais sensíveis e propícios a essas

questões na medida em que são os territórios formativos dos professores.

O último aspecto revelador da distância entre a formação dos futuros professores

e a Educação Básica refere-se à maneira como se efetiva o estágio nas escolas e como

são selecionados os docentes deste componente. A seleção dos formadores para

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

639ISSN 2177-336X

Page 21: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

21

assumirem o Estágio Supervisionado no Curso de História, conforme denuncia os

entrevistados desse colegiado, precisa ser revista, pois é comum os profissionais

utilizarem essa vaga como forma de ingressar no magistério público superior, e pouco

tempo depois, solicitarem a transferência para outras áreas, ou seja, não se empenham

em construir uma carreira a partir desse componente. Contudo, o que mais se destaca

como problema referente ao estágio é a necessidade de diálogo mais efetivo com os

regentes, de maneira a elaborarem propostas que sejam validadas por estes. Diante

dessas questões consideramos a necessidade de mudanças, tanto no momento de Estágio

quanto de todo o processo formativo oferecido na licenciatura, de modo a unir teoria e

prática.

Não basta que as universidades disponibilizem o estágio para a formação de

professores objetivando, simples, cumprir as exigências da legislação no que tange à

carga horária prática dos estudantes, nem mesmo que a escolas básicas recebam os

estagiários, sem um tempo adequado para este estágio e sem acompanhamento efetivo,

implicado e promotor da reflexão por parte dos docentes formadores em parceria com

os professores em exercício nas escolas. Desse modo, Pacheco (1995, p. 138) declara

que “Ganha cada vez mais sentido que a escola não é simplesmente um local de

recepção e de acolhimento dos alunos provenientes da universidade ou um espaço de

exercício profissional mais um núcleo central no processo de formação de professores”.

Conforme o autor, isso exige uma diferenciação das formas de colaboração entre esses

dois contextos formativos:

[...] colaboração mecânica, imposta pelo modelo de formação, sem que isso

signifique um intercâmbio ao nível dos professores e uma subsidiariedade

dos contextos de formação; colaboração orgânica, assumida e desejada pela

universidade e pela escola em função da existência de interesses comuns e

concorrentes na implementação do projecto de formação. (PACHECO, 1995,

p. 142)

Aventuramo-nos a afirmar que, ainda, prevalece o modelo de colaboração

mecânica nas licenciaturas estudadas, diante das estratégias elaboradas para resolver as

questões que se apresentam. É com o intuito de estabelecer o diálogo entre a academia e

a escola básica que Zeichner (2010) propõe o conceito de terceiro espaço ou à criação

de espaços híbridos nos programas de formação inicial de professores.

A constatação dos formadores, responsáveis pelo componente Estágio

Supervisionado, sobre a prática tradicional dos professores que atuam na Educação

Básica, é um exemplo de que as práticas vivenciadas na licenciatura podem estar

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

640ISSN 2177-336X

Page 22: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

22

relacionadas com as ações dos formadores, visto que, a grande maioria desses

professores-regentes graduou nesta instituição.

Diante da postura dos docentes em desconsiderar a escola básica, os

entrevistados do Curso de História, responsáveis pelo componente Estágio

Supervisionado, afirmam que os estudantes ao ingressarem no estágio percebem as

lacunas que ficaram no processo formativo e questionam a formação no que tange aos

conteúdos ministrados e à valorização exacerbada da pesquisa frente ao ensino.

As consequências dessa falta de atenção à maneira como deve ser exercido o

papel do docente na licenciatura influencia na formação de professores com

deficiências, como relata três depoentes, o qual o depoimento abaixo é representativo:

[...] o aluno que sai da universidade sai formado precariamente e aí vai

formar o aluno da Educação Básica precariamente que, por sua vez, vai entrar

na universidade precariamente. (Topázio)

Diante das análises dos participantes, ao que tudo indica a maioria dos

participantes não consegue perceber a importância de suas práticas para mudanças na

forma como se efetiva a Educação Básica. Não consideramos que os problemas

presentes da Educação Básica são, em sua totalidade, decorrentes da má formação do

professor, todavia, a qualidade desse processo pode contribuir para amenizar alguns dos

mais cruciais, a exemplo da deficiência de aprendizagem significativa dos alunos da

escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos depoimentos dos onze docentes de duas licenciaturas, Letras e

História, evidencia a concepção dos formadores sobre a desqualificação da Educação

Básica. Tal constatação contribui, consideravelmente, na relação que os formadores de

professores estabelecem entre a teoria e a prática profissional.

Emerge das interpretações dos dados, à luz das teorias, a possibilidade de

afirmar que os cursos de formação de professores ainda baseiam-se numa perspectiva

academicista, centrada na reprodução e memorização do conhecimento acumulado, e na

repetição de práticas desenvolvidas por gerações anteriores e transmitidas a todos os

sujeitos de forma homogeneizadora, na preocupação com a formação intelectual dos

estudantes, na erudição, no uso da razão e da objetividade dentre outros. Nessa

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

641ISSN 2177-336X

Page 23: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

23

perspectiva, o conhecimento é trabalhado de forma fragmentada, desconectado do

contexto,e hierarquizado entre as diversas áreas.

No que se referem aos dispositivos metodológicos os docentes estabelecem

estratégias pautadas na regularidade, objetividade, neutralidade, repetição mecânica,

possibilitando prever as respostas e comportamento dos estudantes. Tal postura afeta os

estudantes, que esperam que o contexto escolar em que vão atuar se encaixe no que foi

planejado e estudado na licenciatura.

É necessário que os docentes entendam que a maneira como efetivam seu papel

enquanto formador de professor influencia no trabalho realizado pelo profissional da

Educação Básica e, assim, é importante investirem esforços para que a licenciatura seja

capaz de formar professores que saibam como intervir na busca da qualidade da

aprendizagem dos estudantes.

O que percebemos, na interpretação mais global dos elementos mencionados

pelos participantes, é que muitos formadores exercem seu papel sem enfrentar as

fragilidades da Educação Básica por eles próprios apontadas, ou seja, demonstram

pouco comprometimento em contribuir para formar profissionais com maior capacidade

de intervenção, construindo relações através das quais os licenciandos possam

desenvolver um olhar de respeito com o outro, com o professor e os alunos que atuam

na Educação Básica. Assim, é relevante repensarmos o papel da escola, o que requer,

inicialmente, como sinaliza Alarcão (2001), revermos nossas concepções sobre ela.

Diante dessas características, o processo formativo das licenciaturas, demanda a

reflexão coletivas dos docentes, de maneira a construir práticas mais inovadoras e

dinâmicas, que os aproximem mais da escola, da realidade profissional,

nãosomenteenquanto constatação das dificuldades enfrentadas, mas também dos

potenciais de transformação presentes na riqueza que o processo de ensinar e aprender

possibilita.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel; TAVARES, José (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade.

Porto Alegre: ARTMED, 2001.

ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Metodologia do/no ensino superior: da

prática docente a uma possível teoria pedagógica. São Paulo, 1997 Tese

FAUSPBAPTISTA, Marisa Todescan Dias da Silva. Identidade e transformação:o

professor na universidade brasileira.São Paulo: Educ, 1997.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

642ISSN 2177-336X

Page 24: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

24

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Traduzido por Luís Antero Reto e Augusto

Pinheiro, Lisboa: Edições 70, 1977.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de

dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF,

1996.

BRASIL. Referencial para Formação de Professores. Ministério da Educação e do

Desporto. A Secretaria, Brasília: MEC/SEF,1999.

CUNHA, Maria Isabel da.O professor universitário: na transição de paradigmas. 2 ed.

Araraquara: Junqueira &Martins, 2005.

D’ÁVILA, Cristina Maria. Universidade e formação de professores: qual o peso da

formação inicial sobre a construção da identidade profissional docente? In:

NASCIMENTO, Antônio Dias; HETKOWSKI, Tânia Maria. Memória e Formação de

Professores. Salvador-BA: EDUFBA, 2007.

FORMOSINHO, João. Dilemas e tensões da atuação da universidade frente à formação

de profissionais de desenvolvimento humano. In: PIMENTA, Selma Garrido;

ALMEIDA, Maria Isabel de (Orgs). Pedagogia universitária: caminhos para a

formação de professores. São Paulo: Cortez, 2011.

GATTI, Bernadete Angelina & BARRETO, Elisa Siqueira de Sá. Professores do

Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.

GOODSON, Ivor F. Conhecimento e vida profissional: estudos sobre educação e

mudança. Porto, Portugal: Porto, 2008 (Coleção Currículo, políticas e práticas, 31).

MARCELO GARCÍA, Carlos. Formação de professores: para uma mudança

educativa. Portugal: Porto, 1999 (Coleção ciências da educação – século XXI).

MONEREO, Carlos & POZO, Juan I. La cultura educativa en la universidad: nuevos

retos para profesores y alumnos. In: MONEREO, Carlos &POZO, Juan I. La

universidad ante la nueva cultura educativa: enseñar y aprender para la autonomía,

España: Sínteses, 2003.

PACHECO, José Augusto de Brito. Formação de professores: teoria e práxis. Braga

s/e 1995 Universidade do Minho.

SARMENTO, Manuel Jacinto. A Vez e a Voz dos Professores: Contributo para o

Estudo da Cultura Organizacional da Escola Primária. Porto: Porto Editora, 1994

(Coleção Escola e Saberes; v. 2).

SCHEIBE, Leda. Valorização e formação dos professores para a Educação Básica:

questões desafiadoras para um novo Plano Nacional. Educação e Sociedade.

Campinas, v. 31, n. 112, p. 981-1000, jul.-set. 2010 l de educação.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

643ISSN 2177-336X

Page 25: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

25

VIEIRA, F., Gomes, A., Gomes, C., Silva, J. L., MOREIRA, M. A., Melo, M. C. &

Albuquerque, P. B. (2002). Concepções de Pedagogia Universitária – um Estudo na

Universidade do Minho. Relatório de Investigação. Braga: Universidade do Minho

(CEEP).

ZEICHNER, Ken. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as

experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades.

Educação. Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, set./dez. 2010.

PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA NA FORMAÇÃO INICIAL DE

PROFESSORES: CONCEPÇÕES, PERCURSOS FORMATIVOS E

IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

Joelma Gomes de Oliveira Bispo

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Resumo

Formação inicial é a primeira etapa de um longo e contínuo processo de formação. As

dimensões, princípios e a perspectiva metodológica que permeiam as experiências dos

licenciandos são imprescindíveis para a promoção de uma formação contextualizada e

emancipadora. No entanto, faz-se necessário superar a lógica que tem predominado nas

licenciaturas, em que se prioriza a teoria em detrimento da prática, conhecimento

acadêmico de conhecimento profissional. Isso implica questionar acerca da qualidade

dessa formação, se ela garante as condições que permitam o desenvolvimento de

capacidades fundamentais para que os futuros professores respondam de forma

adequada às demandas do contexto social e escolar. É na escola que parte das atividades

dos cursos de formação de professores acontecem: oficinas, estágios, pesquisas de

diferentes naturezas e com menor frequência, cursos de extensão, o que põe em

evidencia, a importância de uma forte vinculação entre universidade e escola. Neste

sentido, o objetivo deste artigo é apresentar reflexões sobre como essa relação tem

acontecido no curso de Pedagogia de uma universidade pública do Estado da Bahia.

Tais questões fazem parte do resultado da pesquisa “Representações de docentes

universitários sobre a formação de professores: relação entre teoria e campo da prática

profissional”. O estudo de natureza qualitativa, teve a participação de cinco docentes

universitários, utilizou-se a técnica da entrevista semiestrutura e para o tratamento dos

dados a análise de conteúdo do tipo temática (BARDIN, 1977). Com isso será discutido

as concepções, percursos e implicações dos tipos de parcerias que tem ocorrido na relação

entre instituição formadora e escola básica. Os dados apontam a necessidade de se

estabelecer formas de parceria mais colaborativas, a compreensão da escola como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

644ISSN 2177-336X

Page 26: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

26

espaço de produção de conhecimento, durante todo processo de formação inicial,

constitui-se um grande desafio.

Palavras-Chave: Formação inicial. Relação universidade e escola. Parceria.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Formação inicial é a primeira etapa de um longo e contínuo processo de

formação, na qual se adquire o sentido da profissão docente, se elabora e se constroem

saberes iniciais acerca da docência, suas condições e perspectivas. Tais saberes são

fundamentais para a inserção do futuro professor no contexto da prática profissional,

uma vez que esse necessita de conhecimentos que o autorizem a fazer uma leitura de

mundo, compreendendo a forma de ser da escola, a cultura dos seus alunos, a dinâmica

da comunidade e suas práticas sociais.

Nessa direção, o ensino universitário deve ser capaz de promover uma formação

de alto nível, com possibilidades de favorecer o desenvolvimento das capacidades dos

sujeitos, para que eles ajam de forma significativa no contexto em que atuarão,

constituindo-se como sujeitos autônomos, com capacidade de intervir e provocar

mudanças coerentes com as necessidades da sociedade. Para tanto, essa formação não

pode se restringir ao espaço acadêmico, centrada na transmissão de conteúdos e

desarticuladas dos problemas concretos do contexto da prática profissional.

Partindo de tais constatações a formação do professor das séries iniciais, nos

países ocidentais, inclusive no Brasil, vem sendo desde a década 80 alvo de muitas

reflexões e discussões onde se observa fortemente defesa em prol da profissionalização

do ensino. Esse movimento incidiu inicialmente, nos países na América do Norte, na

definição de novas políticas de formação de professores centradas em cinco objetivos

conforme Tardif: a) Tornar a formação de professores mais sólida intelectualmente; b)

Reconhecer, entre os professores, diferenças de qualidade e de desempenho no que se

refere ao conhecimento e à habilidade; c) Instaurar normas de acesso à profissão; d)

Estabelecer uma ligação mais efetiva entre as instituições universitárias de formação de

professores e as escolas e) Contribuir para que as escolas se tornem lugares mais

favoráveis para o trabalho e a aprendizagem dos professores (2002, p.278-285)

Compreende-se, portanto, que se faz necessário a construção de uma forte

vinculação entre a universidade e a escola, no sentido de torná-la um espaço de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

645ISSN 2177-336X

Page 27: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

27

produção de conhecimento durante todo processo de formação inicial. Desta forma, ao

estabelecer uma relação entre essas instituições de forma colegiada comprometida com

a compreensão crítica e investigativa da escola objetiva-se a transformação, numa

perspectiva colaborativa e formativa, de todos os atores envolvidos (docentes

universitários, formandos e professores em exercício).

Assim, ao beneficiar a escola básica a partir de situações envolvendo reflexões

sistemáticas acerca das práticas pedagógica em curso na instituição, possibilita-se a

existência de novas didáticas nos cursos de formação, com ressonâncias para a

formação dos futuros professores, uma vez que esses terão o privilégio de vivenciar

momentos formativos que os conduzirão para a construção de saberes docentes

consubstanciado pela reflexão crítica, do conhecimento da realidade e forte vinculação

da teoria com a prática.

No Brasil os objetivos supracitados por Tardif (2002) encontram-se claramente

expressos nos documentos oficiais que orientam os cursos de graduação. Nas Diretrizes

Curriculares para Formação de Professores (BRASIL, 2002) defende-se que as

instituições formadoras considerem o contexto da prática profissional durante toda a

formação inicial do professor. No seu Art. 7º inciso IV, é proposto que as instituições

trabalhem em “interação sistemática com as escolas de educação básica, desenvolvendo

projetos de formação compartilhados”.

Sabe-se que é na escola que parte das atividades dos cursos de formação de

professores acontecem: estágios, oficinas, pesquisas de diferentes naturezas e, entre

outras, em menor frequência, cursos de extensão. No entanto, apesar do que propõe as

peças legais, há alguns anos os pesquisadores da área, tais como Pimenta (2002), Ludke

e Cruz (2005), Cardozo (2003) tem apontado as fragilidades e equívocos quanto à forma

como a relação entre a escola e a universidade tem acontecido. Tais fragilidades podem

ser associadas as concepções que vem orientando as práticas de parceria entre

universidade e escola tais como: parceria diretiva ou separatista; a forma como os

professores universitários vem concebendo os professores da escola básica e em

especial, ao papel que tem sido atribuído a escola básica nos cursos de licenciaturas.

Em face dessas questões, esse artigo é fruto de um recorte da pesquisa

“Representações de docentes universitários sobre a formação de professores: relação

entre teoria e campo da prática profissional” desenvolvida no Programa de pós-

graduação stricto sensu - Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da

Bahia – UNEB que teve como objetivo conhecer as representações de professores de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

646ISSN 2177-336X

Page 28: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

28

um curso de Pedagogia. O estudo, de natureza qualitativa, adotou a abordagem das

Representações Sociais, a opção por essa abordagem se deu em função de que essas

representações, conforme Moscovici (2010), construídas e compartilhadas por um

grupo, conscientemente ou não, orientam as práticas dos seus membros, no caso em

questão as práticas educativas dos docentes formadores de futuros professores.

A referida pesquisa utilizou a entrevista semiestruturada junto a cinco docentes

de um curso de Pedagogia de uma universidade pública. Os dados foram tratados

mediante a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1977).

Com vistas a facilitar a compreensão do leitor acerca dos resultados deste

estudo, apresentamos, a seguir, uma parte do referencial teórico que possibilitou a

condução da coleta e da análise dos dados.

CONCEPÇÕES SOBRE PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA - BREVE

APORTE TEÓRICO

O “conhecimento dos contextos formativos escolares – como funcionam as

escolas (dinâmicas, tempos, espaços, condições objetivas de trabalho do professor,

organização do trabalho escolar, alunos etc.)” (MIZUKAMI, 2006, p. 8) faz parte de

uma base de conhecimento que contribui para a efetivação de um diálogo mais profícuo

entre as dimensões teóricas e práticas. Porém esse caminho não é simples, uma vez que

historicamente vivenciamos uma cultura de distanciamento entre a universidade e a

escola no processo de formação de professores.

Realidade que precisa ser supera em prol da formação de professores

profissionais. Isso, pressupõe a implementação coletiva de uma proposta de curso que

tenha como fio condutor o perfil do profissional que se quer formar. Para tanto, esse

jogo requer um bom nível de compartilhamento, entre os sujeitos, dos objetivos da

formação em questão, bem como da capacidade de articulação do grupo para

concretizá-los. Para Zabalza (2007), o desenvolvimento de um projeto de formação

precisa resguardar unidade e coerência interna, ressaltando, assim, a importância de

proposições construídas pelo coletivo de formadores. O autor considera que um projeto

“no es um amontonamiento de conocimientos y experiências sino um processo

caracterizado por uma adecuada estructura interna y una continuidad.” (ZABALZA,

2007, p. 27).

Para tanto, entendemos ser necessário refletir sobre o sentido do termo parceria

no campo educacional numa perspectiva mais ampla, como “uma prática sociocultural

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

647ISSN 2177-336X

Page 29: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

29

emergente.” (FOERSTE, 2000, p. 1) aquela que inclui interações entre os sujeitos das

instituições envolvidas, disposição para tratar de interesses comuns, construção e

implementação de programas a partir de objetivos partilhados, com a definição de

responsabilidades institucionais.

Numa relação de parceria com esse sentido, as diferentes instituições estão lado

a lado, numa relação horizontalizada, aberta e com capacidade para dialogar e, assim,

definir conjuntamente os objetivos e responsabilidades a serem assumidas pelos sujeitos

(FOERSTE; LUDKE, 2003).

Essa prática ainda é muito recente, pois, somente na década de 90 – a partir de

reformas no âmbito das políticas mundiais, que visavam a dar outro rumo à formação

dos professores –, emergiram defesas da necessidade de parceria no campo da educação.

No ano de 1993, ocorre, na França, por intermédio da Institut National de Recherche

Pédagogique (INRP), um colóquio sobre parcerias, que tinha como alvo refletir sobre

experiências que “vinham se colocando num movimento de investigação para

compreender melhor concepções e experiências concretas desse tipo de parceria no

contexto francês.” (FOERSTE, 2000, p. 3).

Em 1996, na cidade de Quebec, a Association Québécoise Universitarire en

Formation des Maitres (AQUFOM) produziu e distribuiu anais que socializavam

experiências divulgadas em um colóquio organizado por essa entidade que, ao longo do

tempo, vem reunindo universidades, grupos de profissionais da educação, profissionais

que atuam na formação de professores e na escola básica, buscando instituir

perspectivas de fortalecer, por meio de sua influência na formação inicial e continuada,

a profissão docente. Porém é no final do século XX que “a parceria encontra um terreno

favorável para se difundir enquanto política na formação de profissionais do ensino.”

(FOERSTE, 2000, p. 2). Graças aos estudos sobre o professor como prático reflexivo e

às críticas à formação “aplicacionista”, a ideia de parceria entre a universidade e a

escola na formação de professores ganha impulso.

Foerste (2000) aponta a existência de três tipos de parcerias para a formação de

professores: a dirigida ou oficial, a separatista e a colaborativa. A parceria dirigida ou

oficial é aquela em que a universidade exerce o poder de decisão, sendo a escola apenas

um recurso na formação de professores. Nesse caso, a universidade estabelece as

normas e regulamentações de como deve ocorrer a parceria.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

648ISSN 2177-336X

Page 30: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

30

O segundo tipo de parceria é a separatista, na qual o poder público define como

deve ser a relação da universidade com as escolas por meio de orientações generalistas

que definem a função de cada instituição.

[...] é o governo quem determina e distribui as funções de cada uma

das instituições envolvidas, o que acaba gerando conflitos e

insatisfação tanto por parte da universidade, que é criticada por não

dar conta da formação docente, como por parte das escolas, que se

veem pressionadas a desempenhar uma função para a qual ainda não

se sentem preparadas. (ALBURQUERQUE, 2007, p. 49)

Percebe-se, que a forma como ocorre a relação entre a universidade e a escola,

nessa visão de parceria, também reflete as concepções que sustentam os modelos de

formação que a prática é concebida apenas em momentos pontuais do curso. A escola e

os professores da educação básica ainda permanecem na condição de obrigados a

manter essa relação, recebem estudantes em situações de atividades práticas, no entanto,

sua participação se resume a receber esses sujeitos. Assim, a principal função da

universidade é a de assegurar que a formação dos professores “seja consistente com o

que a escola proporciona.” (MARCELO GARCIA, 1999, p. 100).

Ao contrário disso, o terceiro tipo de parceria, a colaborativa, é concebida como

esforço coletivo de profissionais do ensino – os da universidade e os da escola – para

construir conjuntamente, a partir de seus saberes, proposições de trabalhos que possam

resultar no desenvolvimento profissional dos professores,

[...] tendo como base dispositivos interinstitucionais concretos,

negociados coletivamente entre universidade, órgãos da gestão pública

(secretarias de educação), sindicatos de professores etc. Isso implica

uma postura epistemológica diferenciada, pautada na flexibilização

curricular e ação dialógica, que impulsiona a introdução de outros

sujeitos, saberes e espaços institucionais alijados ou pouco

considerados até então no complexo processo de socialização

profissional docente. (FOERSTE, 2000, p. 3)

Assim, esse tipo de parceria aponta um nível razoável de maturidade,

envolvimento, compromisso social e político dos sujeitos envolvidos com a

universidade e a escola básica. Como se percebe, essa ação dialógica funda-se na busca

do desenvolvimento da profissionalização docente e da institucionalização de espaços

formativos.

A parceria colaborativa exige uma nova configuração na relação entre o

professor formador, o professor da escola básica e as instituições envolvidas,

concebendo os professores da escola básica como coformadores dos graduandos, e o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

649ISSN 2177-336X

Page 31: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

31

professor formador como membro de um processo complexo, que envolve uma trama

de saberes na qual o conhecimento científico passa a ser um dos tipos de conhecimento

a ser confrontado, questionado a partir de outros conhecimentos existentes na escola. A

colaboração gera trocas, estranhamentos, confrontos e buscas. Um movimento que, em

si, é formativo: “a inter-relação entre as pessoas promove contextos de aprendizagem

que vão facilitando o complexo desenvolvimento dos indivíduos que formam e que se

formam.” (MARCELO GARCIA, 1999, p. 21).

PARCERIA UNIVERSIDADE E ESCOLA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

INICIAL DE PEDAGOGOS - A VISÃO DOS DOCENTES PARTICIPANTES DA

PESQUISA.

A análise dos dados colocou em evidencia a concepção dos participantes da

pesquisa acerca da necessidade de repensar o papel da escola no processo formativo e a

influência da parceria entre ela e a universidade que é apontada por três participantes,

como ilustra o depoimento:

[...] nós fomos à escola, conhecemos tal escola, mas nós não

estabelecemos vínculos. E os vínculos passam a permitir que as

escolas vejam a universidade e que a universidade veja a escola.

Então, precisamos aproximar mais as visitas, precisa ter um

diagnóstico mais real do que é a escola, no espaço onde nós estamos

trabalhando, para que a gente possa se aproximar dela não com status

de universidade. (P04)

Romper com a hierarquia na universidade na relação com as escolas como

condição para melhoria das práticas da docência universitária pressupõe reconhecer

estas escolas como espaços de produção de conhecimentos na dimensão teórica e

prática. A ausência dessa perspectiva, de construção compartilhada dos saberes e

competências docentes, explica algumas resistências ao estágio curricular por parte de

gestores e professores das escolas:

Quando [...], por exemplo, um problema com a aluna que chegou na

escola e não foi tão bem tratada assim, isso significa que nós não

temos um bom diálogo institucional. Isso não era pra acontecer. Era

pra diretora entender que educação é dever da família, do estado, da

sociedade. Essa pessoa tem total direito de entrar aqui. Primeiro, que é

um espaço público. Então, quem é que vai esclarecer isso se não for a

universidade? Quem é que cumpre esse papel se não for a gente?

(P04)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

650ISSN 2177-336X

Page 32: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

32

Tem sido o que é possível no momento, mas é porque a gente, de

alguma forma, está concebendo assim. Eu acho que essa relação de

articulação universidade e educação básica, ainda é mesmo assim

dessa forma: a gente pensa para, não com esses professores (P05).

A ótica de que a escola é responsável também pela formação de professores se

vincula ao movimento de profissionalização docente. Nesse contexto, Nóvoa (2011)

tem pontuado a importância de se promoverem processos formativos que tenham a

própria profissão como referência. Segundo o autor, as discussões acerca da formação

baseada na investigação, “enquanto forem apenas injunções do exterior, serão bem

pobres as mudanças que terão lugar no interior do campo profissional docente” (Idem,

p. 55). Ou seja, a escola precisa assumir também a responsabilidade pela formação de

professores, pois a formação impacta na qualidade da educação.

Como se percebe, a emergência de novas formas de parceria, em prol de um

projeto de formação mais articulado com contexto profissional pode levar à

desconstrução do tipo de relação predominante, que é entendido por Foerste (2000)

como parceria diretiva, ou seja, a universidade concebe, pensa para e pelo outro, e não

com o outro. Assim, a perspectiva da articulação entre universidade e escola põe em

cheque lógicas instituídas e naturalizadas nas duas instituições diz os autores: “estamos

falando, então, de uma relação que, frente à hegemonia, propõe colaboração; frente ao

aprendizado individual, o aprender juntos” (VAILLANT; MARCELO GARCIA, 2012,

p. 95)

Sobre isso, na visão dos participantes foram solicitados a expressar seus pontos

de vistas sobre o papel do professor da escola básica na formação inicial de professores

três dos entrevistados demonstraram surpresa diante dessa solicitação, como ilustra o

depoimento:

Imprescindível, ou deveria ter? E aí eu não sei. Ele tem? Você que

trabalha com estágio me diz ai qual é o... Eu não sei. Eu não sei se

esse lugar é entendido pela universidade, é ocupado pela universidade

Olha, muito... Muito do que eles trazem não dá pra perceber muito o

papel do professor lá na escola, como é que eles percebem isso. Como

é que a escola percebe isso. (P02).

Ao longo da história, a participação dos professores da escola básica na

formação de novos professores restringia-se à tarefa de assinar a frequência e,

esporadicamente, quando solicitado, preencher formulários e atribuir, em alguns casos,

uma nota para o estagiário. Dois dos entrevistados reconhecem que o papel do professor

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

651ISSN 2177-336X

Page 33: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

33

em exercício pode ser configurado a partir de outra concepção, como demonstra o

depoimento:

Então, esse lugar que o professor desenvolve essas relações com os

alunos no fazer deles específico eu acho que dá um lugar de realidade

para esses alunos, e de como é possível fazer isso. Ele tem ali, naquele

professor, uma referência naquele tempo, que é um tempo curto, onde

você vai ter que construir uma relação que seja significativa no

processo de ensino-aprendizagem dos estudantes e do estudante que é

professor estagiário [...] muitos professores da escola, eles, [..]

poderiam contribuir muito mais do que eles contribuem para formação

desses estudantes. (P05).

Essa aprendizagem, elaborada pelos professores em formação, em contato com

os professores da escola básica, coloca em evidência questões que emergem no contexto

da escola, como relação professor-aluno, o tato pedagógico e nuances do processo de

ensino e aprendizagem. Assim, a inserção dos estudantes no contexto escolar contempla

a singularidade de cada momento, contribuindo para que os licenciandos façam leituras

menos genéricas dos processos de educação e percebam que cada contexto educativo é

diverso, plural e multifacetado, requerendo a mobilização de conhecimentos e a

capacidade para lidar com o imprevisto.

A possibilidade de o professor em formação aprender com o professor da escola

básica, ao longo da formação inicial, faz emergir fios condutores para uma importante

conexão entre o conhecimento construído na ação e os outros tipos de conhecimentos

construídos nesse período.

Esses aspectos confluem para a validação do papel do professor em exercício

como coformador no percurso formativo de novos professores, possibilitando novos

espaços para elucidação, reflexão, revisão dos saberes tanto dos professores da escola

básica como dos docentes universitários que atuam na formação. A despeito do

estranhamento inicial, alguns participantes, começam a explorar possibilidades de

implementação dessa parceria entre os docentes universitários e os professores da escola

básica:

[...] eu acho que, à medida que a gente começa a ter estudantes ali para

fazer essa formação de estágio e a gente começa a pensar isso no

conjunto, a gente pode ir mesmo fazendo e contribuindo com essa

formação, porque eles podem dar uma resposta melhor na hora da

relação com os estagiários para gente. É perceber como um lugar

mesmo formativo, que um lugar formativo precisa de mediação e esse,

nesse caso, esse professor também poderia ser esse mediador [...]

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

652ISSN 2177-336X

Page 34: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

34

(P05)Eu acho que quando a gente fala de comissão de estágio deveria

ter uma representação da escola a comissão de estágio. Ou da

Secretaria de Educação, por exemplo. Acho que deveria ser um espaço

do currículo que a gente tivesse provocando mais em compreender e

intervir. (P04).

Essas proposições são coerentes com um processo de parceria que legitima os

professores da escola básica, suas vozes, impressões, concepções, com grande potencial

para participar, propor, refletir e contribuir nas propostas de formação de professores.

Tal articulação possibilita o “empoderamento” dos sujeitos, criando e instituindo lógicas

por meio das quais a identidade, o papel e a contribuição dos atores responsáveis pela

formação de professores decorrem de uma construção coletiva. Como propõe Nóvoa, “é

na dúvida que nasce o melhor de cada um de nós. Partilhemos, pois, as nossas dúvidas,

as nossas hesitações, as nossas dificuldades. É o diálogo com os outros que nos faz

pessoas. É o diálogo com os colegas que nos faz professores.” (NÓVOA, 2011, p. 77).

Nesse sentido, os professores entrevistados apontam alguns fatores que dificultam uma

parceria entre a universidade e a escola. Dentre esses fatores, três entrevistados

sinalizam a descontinuidade do trabalho docente de um semestre para outro, uma vez

que assumem, com frequência, componentes curriculares diferentes daqueles que são

objeto de seus estudos e distantes de suas experiências acumuladas, fato que promove

um desperdício de experiência e dificulta a relação do processo formativo com a escola.

A gente trabalha num componente, no semestre seguinte não está

mais. Então, isso já se perdeu. Não há um trabalho de continuidade, a

gente está sempre fazendo coisas. Um semestre faz uma coisa, outro

semestre faz outra. Mas não se aproveita, nem se vai ampliando o que

faz desde o primeiro semestre. Eu acho que seria um caminho, a gente

não perder essas coisas que poderiam está mais articuladas com o PPP

mesmo, mas não perder essas coisas de escola. Que eles vão,

observam, produzem e se perde. É o desperdício da experiência. (P02)

Além disso, as demandas dos docentes universitários provenientes do ensino,

pesquisa e esse contexto desfavorável dificultam um redimensionamento da relação dos

formadores com a escola básica. Pimenta (1999, p. 50) questiona “se é possível criar e

desenvolver uma cultura de analise nas escolas cujo corpo docente é rotativo”.

Consideramos a dinâmica presente no curso, segundo os entrevistados, cabe refletir se é

possível criar outra relação com as instituições que ultrapasse a prática pontual se, os

professores mudam constantemente, o foco de seu trabalho.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

653ISSN 2177-336X

Page 35: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

35

FINALIZANDO A CONVERSA...

Ressignificar o papel da escola básica na formação inicial do professor implica

assumir a formação, como um projeto de responsabilidade compartilhada entre as

instituições e sujeitos envolvidos nesse processo. Conforme apontam Foerste (2000),

Foerste e Ludke (2003), Foresi (2003) tal empreendimento conduz a lógica de parceria

como uma possibilidade de colaboração e cooperação entre esses atores em um espaço

privilegiado em que a universidade pode colaborar com as escolas e as escolas e os seus

agentes podem colaborar com a universidade, e ambas serão beneficiadas nos seus

processos formativos e de fortalecimento da profissão.

A perspectiva acima delineada, ainda encontra-se ausente no contexto

investigado uma vez que a análise dos dados apontaram a necessidade de estabelecerem

formas de parceria mais colaborativas entre universidade e escola. Ficou evidente que é

frágil a aproximação dos participantes formadores de professores com o contexto da

escola.

Contudo, há nos depoimentos dos professores participantes da pesquisa, indícios

que parecem validar as aspirações desses formadores, como sujeitos com potencial para

contribuir com a construção de outras formas de estabelecer relação universidade e

escola que viabilize uma formação que se situe e esteja contextualizada com a realidade

educacional onde se insere o curso investigado.

Percebe-se que mesmo não sendo, algo consciente, institucionalizado ou

planejado, a trama de processos de aprendizagens que envolvem os sujeitos envolvidos

na relação universidade e escola acontece. As reflexões apresentadas pelos professores

participantes da pesquisa em relação ao papel do professor da educação básica, na

formação dos graduandos, as inquietações sobre a forma como vem acontecendo

evidenciam que os professores universitários e suas práticas são afetadas.

Conceber essa parceria não significa, para a universidade e seus formadores,

deixar de reconhecer os pontos críticos e as necessidades de mudança na escola, mas

fazer a crítica de dentro, implicada, em coautoria com os educadores da escola, num

processo de investigação-ação colaborativo, no qual se desenvolvam profissionalmente

os licenciandos, os professores em exercício e os formadores. Para tanto, espera-se que,

em função da necessidade de potencializar o movimento em que os sujeitos se formam e

são formados, através de uma relação colaborativa que as parcerias sejam

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

654ISSN 2177-336X

Page 36: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

36

reconfiguradas para que a escola assim como a universidade, seja compreendida como

espaço de produção de conhecimento.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Sabrina Barbosa Garcia de. O professor regente da educação

básica e os estágios supervisionados na formação inicial de professores. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 2007.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação.

Diretrizes curriculares nacionais para o formação de professores da Educação

Básica.MEC 2002.

FORESI, María Fernanda. El professor coformador: es posible la construcción de uma

identidade profissional? In: SANJURJO, Liliana (coord.). Los dispositivos para la

formación em las práticas profisionales. Rosário: Homo Sapiens Ediciones, 2012.

FOERSTE, Erineu. Parceria na formação de professores. Revista Iberoamericana de

Educación (ISSN: 1681-5653), 2000.

FOERSTE, Erineu & LUDKE, Menga. Avaliando Experiências Concretas de

Parceria na Formação de Professores. Revista da RedeInstitucional da Educação

Superior, 2003.

GATTI, Bernardete. A Formação de Professores: condições e problemas atuais.

Revista Brasileira de Formação de Professores – RBFP - ISSN 1984-5332 - Vol. 1, n. 1,

p.90-102, Maio/2009.

LUDKE, M.; CRUZ, G. B. Aproximando universidade e escola de educação básica

pela pesquisa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 125, p. 81-109, mai./ago.

2005.

MARCELO GARCIA, Carlos. Formação de Professores: para uma mudança

educativa. Porto: Porto Editora, 1999.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Aprendizagem da docência:professores

formadores.In:Revista E-Curriculum, São Paulo, v. 1, n. 1, dez. – jul. 2005-2006.

Disponível em: http://www.pucsp.br/ecurriculum.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 7ª

Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

NÓVOA, Antônio (org.). O regresso dos professores. Pinhais: Melo, 2011.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

655ISSN 2177-336X

Page 37: A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NO CONTEXTO DA … · 2018-03-24 · formadores de professores sobre a teoria e a prática profissional, a escola e os professores em exercício,

37

PIMENTA, Selma Garrido(org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São

Paulo: Cortez, 1999.

PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Lea das Graças Camargo. Docência no

Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes,

2002.

VAILLANT, Denise; MARCELO GARCIA, Carlos. Ensinando a ensinar: as quatro

etapas de uma aprendizagem. Curitiba: Editora UTFPR, 2012.

ZABALZA, Miguel Ángel. Competencias docentes del professorado universitário:

calidad y desarrollo professional. Narcea, SAD e Ediciones. 2007.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

656ISSN 2177-336X