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i ANA KALLINY DE SOUSA SEVERO A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SUPERVISÃO NA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: (RE)PRODUÇÃO DE CONTROLES E DESVIOS JUNTO ÀS EQUIPES DE SAÚDE MENTAL THE INSTITUCIONALIZATION OF SUPERVISION IN THE BRASILIAN PSYCHIATRIC REFORM: (RE)PRODUCTION OF CONTROLS AND DEVIATIONS WITH THE MENTAL HEALTH TEAMS CAMPINAS 2014

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ANA KALLINY DE SOUSA SEVERO

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SUPERVISÃO

NA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA:

(RE)PRODUÇÃO DE CONTROLES E DESVIOS

JUNTO ÀS EQUIPES DE SAÚDE MENTAL

THE INSTITUCIONALIZATION OF SUPERVISION

IN THE BRASILIAN PSYCHIATRIC REFORM:

(RE)PRODUCTION OF CONTROLS AND DEVIATIONS

WITH THE MENTAL HEALTH TEAMS

CAMPINAS

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Ciências Médicas

ANA KALLINY DE SOUSA SEVERO

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SUPERVISÃO

NA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA:

(RE)PRODUÇÃO DE CONTROLES E DESVIOS

JUNTO ÀS EQUIPES DE SAÚDE MENTAL

THE INSTITUCIONALIZATION OF SUPERVISION

IN THE BRASILIAN PSYCHIATRIC REFORM:

(RE)PRODUCTION OF CONTROLS AND DEVIATIONS

WITH THE MENTAL HEALTH TEAMS

Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva. Doctorate thesis presented to the Medical Sciences PostGraduation Programm of the School of Medical Sciences of the University of Campinas to obtain the Ph.D grade in Public Health. Orientadora: Profa. Dra. Solange L’Abbate

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA POR ANA KALLINY DE SOUSA SEVERO E ORIENTADA PELA PROF(A). DR(A). SOLANGE L’ABBATE. ________________________________ Assinatura da Orientadora

Campinas-SP 2014

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Aos trabalhadores de saúde mental desse país, especialmente àqueles que

assumem o desafio de cuidar nos tantos municípios dos interiores brasileiros.

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A G R A D E C I M E N T O S

A Solange L’Abbate, minha querida orientadora. Você me ensinou muito mais do que uma

pesquisa acadêmica na área da saúde, você me trouxe uma nova inspiração para o exercício da

docência e da vida acadêmica. Meu intenso agradecimento por todo acolhimento desde o meu

primeiro dia de chegada a Campinas.

A Cristina Amélia, por ter lido e dado tantas contribuições na qualificação e ao longo desse

processo, e por ter me ajudado a acreditar que essa tese era possível e necessária na saúde

mental. A Rosana Onocko, pelas contribuições na banca de qualificação e por ter me acolhido no

grupo Interfaces por um tempo, espaço de muito aprendizado e experiências gratificantes sobre

outros modos de viver a relação academia e atores na saúde mental.

A Lúcia, Carla, Núncio, Luciane, Aide, Juliana, Rosana, Michelle, Francyelle, Daniel, Ana Cris

meus amigos e parceiros do grupo de pesquisa Análise Institucional, pelo acolhimento afetuoso e

pelas discussões calorosas sobre a relação AI e saúde coletiva.

Aos docentes do Departamento de Saúde Coletiva, especialmente àqueles com quem tive

o prazer de conviver, Gastão, Gustavo, Calucho, Marilisa, Iguti, e tantos outros.

Aos colegas e amigos conquistados na pós, Elizabeth (Bel), Mercês, Ana Luiza, Fabiana

(Bibi), Herla, Karine, Dani, Carol, e tantos outros que enriqueceram a minha aventura na cidade de

Campinas e na pós-graduação.

Aos colegas de trabalho da UnP, principalmente Cintia Gallo, por ter entendido minhas

ausências na graduação e ter me ajudado a encontrar tempo para a finalização desse processo.

Aos meus alunos, principalmente Ritinha, André, Débora e Joselma, com os quais tenho produzido

desvios potentes na academia e nos serviços de saúde mental.

A minha família conquistada em Campinas: Leina, Tássia, Alfeu, Ivana, Júnior, Juliana,

Tássio. Sem vocês teria sido impossível viver fora da minha terra nesses dois anos, muito obrigada

por terem sido parte primordial dessa minha história.

Aos integrantes do Grupo Mário, Max, Eugênio, João Maria, Hérica, Jaqueline, Isadora, Adriano,

Hérica, Victor, e tantos outros. Sem a força e a alegria de vocês a escrita teria sido mais triste e mais difícil.

A Ana Karenina, cujo sorriso desfez em muitos momentos o meu desespero, a Vladimir e

sua generosidade com que partilha saberes e afetos, e a Flavinha, por sua vontade de fazer a

supervisão clínico-institucional, sua disponibilidade, e por ter sido importante na minha rede de

ajuda mútua nos impasses vividos no campo e nas leituras.

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Ao meu companheiro Flávio, agradeço por todos afetos que você me proporciona, por

estar ao meu lado me ajudando a crescer na trajetória da vida, e principalmente, por você ter sido

fundamental na minha ida a Campinas e no apoio no processo de doutorado.

Agradeço especialmente aos meus pais, Carlos e Carminha. Vocês me inspiram todos os

dias a lutar e conquistar os meus ideais e me fazem enxergar e acreditar que tudo é possível. Aos

meus irmãos, Karla, por sua amizade sempre constante, e a Thelmo, pela alegria dos encontros e

por ter me trazido de presente Carlos Henrique.

Meus amigos de Natal, especialmente minhas irmãs de alma Clariana e Larissa, Juliana,

Natália, Ana Lícia, sempre presentes nas minhas idas e vindas.

À CAPES, sem a qual, através do financiamento da bolsa de doutorado, teria sido

impossível essa trajetória de trabalho.

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A quase total ausência de informações sobre a pedagogia

libertária, até mesmo nas obras que tratam da pedagogia socialista,

é uma das razões do presente estudo. Não por acaso tal informação

nos falta ou está completamente deformada. Essa falta e essa

deformação são produções sociais, e não disfunções da sociedade.

René Lourau

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R E S U M O

A supervisão tem se assegurado como um dos principais dispositivos de fortalecimento dos processos de mudanças almejados no modelo de Atenção Psicossocial. Esse dispositivo tem sido utilizado para qualificação dos serviços substitutivos e da rede de Atenção Psicossocial na Reforma Psiquiátrica brasileira, apesar de receber muitas críticas no sentido de apontar seu caráter reprodutor das relações de saber-poder hierarquizadas. Este trabalho buscou analisar a institucionalização da supervisão clínico-institucional no processo da Reforma Psiquiátrica brasileira, tendo como foco a experiência de supervisão no estado do Rio Grande do Norte. Para tanto, o referencial teórico-metodológico escolhido foi o da Análise Institucional, tanto na perspectiva da análise no papel como da socioanálise. A análise no papel foi utilizada para a investigação dos documentos e entrevistas em uma perspectiva sócio-histórica e a socioanálise em sua vertente socioclínica. Para a realização deste estudo, adotei quatro estratégias de pesquisa principais: análise de artigos que apresentavam a inserção da supervisão nas experiências reformistas dos anos 1980 e 1990; análise dos relatórios finais das Conferências Nacionais de Saúde Mental e dos editais de supervisão lançados pelo Ministério da Saúde; e intervenção desenvolvida durante um ano de supervisão clínico-institucional na rede de Atenção Psicossocial em um município do interior do Nordeste. O processo de intervenção desenvolvido fez parte de um desses projetos financiados, com edital lançado, e desenvolveu-se em doze encontros mensais com trabalhadores da rede de saúde e dos dispositivos intersetoriais. Na análise das experiências, percebemos que a supervisão nos princípios da Atenção Psicossocial sofreu mudanças tensionadas principalmente pelas transformações na constituição das equipes, da gestão, da rede e no cuidado comunitário. Na análise no papel dos relatórios da terceira e da quarta Conferência Nacional de Saúde Mental e dos editais do Ministério da Saúde existiram encomendas muito amplas relacionadas à supervisão, tais como a política de recursos humanos, de funcionamento de rede, de qualificação e de construção de Projetos Terapêuticos Singulares, que foram respondidas de maneira ainda insuficiente pelas políticas governamentais. Na intervenção realizada, as principais dificuldades encontradas foram a rotatividade dos profissionais do serviço, múltiplos vínculos de trabalho entre os servidores, mudanças na gestão do serviço e a relação pouco dialogada com a gestão municipal. Como movimento instituinte, assinalamos uma maior reflexão crítica acerca do percurso do profissional de saúde mental para adequação ao contexto da Atenção Psicossocial, ampliação do diálogo e ações interprofissionais, e fortalecimento da parceria entre o gestor municipal e a equipe do Centro de Atenção Psicossocial. Retomar a historicidade de um dispositivo permitiu compreender suas diferentes funções e os efeitos de retorno do instituído e de desconhecimento gerados pela paralisação e burocratização da Reforma Psiquiátrica, e a necessidade de retomar e fortalecer seu processo instituinte.

PALAVRAS-CHAVE: Atenção Psicossocial, Análise Institucional, Rede de Atenção Psicossocial, Supervisão em saúde mental.

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A B S T R A C T

Supervision has assured itself as one of the main dispositive of improving the processes of changes desired in the psychosocial care model. This dispositive has been used for qualification of replacement services and from the psychosocial care system in the Brazilian psychiatric reform, despite receiving many criticisms towards pointing its reproductive character of hierarchical knowledge-power. This work aimed at analyzing the institutionalization of institutional clinical-supervision in the process of the Brazilian Psychiatric Reform in the state of Rio Grande do Norte. To this end, the theoretical and methodological support chosen was the institutional analysis, both from the perspective of analysis of the role and social analysis. The analysis of the role was used for investigation on documents and interviews in the sociohistorical perspective and in the social analysis in its social clinical perspective. In order to do this study, I applied four main strategies of research: analysis of articles that presented the insertion of the supervision in the reforming experiences in 1980s an 1990s; analysis of the final reports of the National Conferences on Mental Health and the supervision announcements released by the Ministry of Health; and intervention developed during a year of clinical-institutional supervision in network of psychosocial care in a country city of Brazilian northeast. The intervention process developed was part of one of theses funded projects with announcements released, and developed in twelve monthly meetings with Health system and intersectoral dispositives workers. In the analysis of experiments, we noticed that supervision on the principles of Psychosocial Care suffered changes influenced primarily by the transformation of teams, management, system and community care constitution. In analyzing the role of the reports of the third and fourth National Conferences of Mental Health and the announcements of the Ministry of Health there were many orders widely related to supervision, such as the human resources policy, the operation of the network, construction of qualification and Unique Therapeutic Project that were still inadequately answered by the government policies. In interventions, the main difficulties were the turnovers of service professionals, multiple bonds of work between servers, changes in the management of the service and and the little dialogic relationship with the municipal administration. As establishing movement, we noticed a deeper critical reflection on the course of the mental health professional to fit the context of psychosocial care, expansion of dialogue and joint actions, and strengthening the partnership between the city manager and staff of the Center for Psychosocial Care. Retaking the historicity of a dispositive allowed to understand their different roles and effects of return established and ignorance generated by paralysis and bureaucratization of the Psychiatric Reform, and the need to retake and strengthen their instituting proceedings.

KEYWORDS: Psychosocial Care, Institutional Analysis, Network for Psychosocial Care, Mental Health Supervision.

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R E S U M É

La supervision se présente comme l’un des principaux dispositifs de renforcement des processus de changement vu en tant que modèle d’Attention Psychossociale. Ce dispositif est utilisé pour la qualification des services substitutifs et du réseau d’Attention Psychossociale au sein de la Réforme Psychiatrique brésilienne, malgré les critiques reçues dans le sens de montrer son caractère reproducteur des relations de savoir- pouvoir hiérarchisées. Ce travail a essayé d’analyser l’institutionalisation de la supervision clinico-institutionnelle dans le processus de la Réforme Psychiatrique brésilienne, tout en ayant comme focus l’expérience de supervision dans l’État du Rio Grande do Norte. Pour ce faire, le référentiel théorico-méthodologique choisi a été celui de l’Analyse Institutionnelle, soit dans la perspective de l’analyse dans le texte, soit dans la socioclinique. L’analyse dans le texte a été utilisée pour l’investigation des documents et entretiens dans une perspective socio-historique et la socio-analyse de son versant socio-clinique. Pour la mise au point de cette étude, j’ai adopté quatre stratégies de recherche principales: analyse des articles qui présentaient l’insertion de la supervision au cours des expériences réformistes des années 1980 et 1990; analyse des compte-rendus des Conférences Nationales de Santé Mentale et des rapports de supervision lancés par le Ministère de la Santé; et l’intervention développée pendant une année de supervision clinico-institutionnelle dans le réseau d’Attention Psychossociale en une commune de la campagne de la région Nord-Est. Le processus d’intervention développé fait partie de l’un des projets financés, avec arrêt lancé, et s’est développé au cours de douze rencontres mensuelles avec les travailleurs du réseau de la santé et des dispositivs inter-sectoriels. Dans l’analyse des expériences, nous nous sommes rendu-compte que la supervision selon les principes de l’Attention Psychossociale a subi des changements dus surtout aux transformations dans la constitution des équipes, de la gestion, du réseau et dans le soin communautaire. L’analyse dans le texte des rapports de la troisième et de la quatrième Conférence Nationale de Santé Mentale et des arrêts du Ministère de la Santé, a eu de commandes très larges par rapport à la supervision, comme la politique de ressources humaines, de fonctionnement du réseau, de qualification et de construction de Projets Thérapeutiques Singuliers, qui ont été répondus de manière insuffisante par les politiques gouvernamentales. Au cours de l’intervention mise en place, les principales difficultés trouvées concernent la rotativité des professionnels du service, multiples liens de travail parmi les serviteurs, changements dans la gestion du service et la relation mal dialoguée avec la gestion municipale. En tant que mouvement instituant, nous avons remarqué une réflexion critique plus large à propos du parcour du professionnel de santé mentale pour une adaptation adéquate au contexte de l’Attention Psychossociale, approfondissement du dialogue et des actions interprofessionnelles et le renforcement du parténariat entre le gesteur municipal et l’équipe du Centre d’Attention Psychissociale. Reprendre l’histoire d’un dispositif nous a permis de comprendre ses différentes fonctions et les effets de retour de l’institué et de la méconnaissance gérés par la paralisation et burocratisation de la Réforme Psychiatrique et, encore, le besoin de reprendre et de renforcer son processus instituant.

MOTS-CLES: Attention Psychossociale, Analyse institutionnelle, Réseau d’Attention Psychossociale, Supervesion en Santé Mentale.

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L I S T A D E I L U S T R A Ç Õ E S

MAPA 1 O Rio Grande do Norte e suas regiões de saúde .............................................. 48

MAPA 2 4ª Região de Saúde (Caicó) e sua rede de serviços de saúde mental ............. 50

QUADRO 1 A configuração da rede e suas necessidades.................................................... 62

QUADRO 2 Projetos de supervisão contemplados pelo Ministério da Saúde no RN ..... 172

TABELA 1 Distribuição de CAPS por Regiões de Saúde no Estado do RN em 2013 .............................................................................................................. 49

TABELA 2 Editais de supervisão no Brasil, por período, número de projetos contemplados e financiamento ........................................................................ 129

TABELA 3 Editais de supervisão no Brasil, por período, número de projetos contemplados e valores ................................................................................... 130

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L I S T A D E A B R E V I A T U R A S E S I G L A S

ACS Agente(s) Comunitário(s) de Saúde

AI Análise Institucional

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CNS Conferência Nacional de Saúde

CNSM Conferência Nacional de Saúde Mental

CRAS Centro de Referência em Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializada em Assistência Social

EPS Educação Permanente em Saúde

ESF Equipe(s) de Saúde da Família

ESP Escola de Saúde Pública

MS Ministério da Saúde

MTSM Movimento de Trabalhadores da Saúde Mental

NAPS Núcleo de Apoio Psicossocial

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

OMS Organização Mundial de Saúde

PIM Programa de Intensidade Máxima

PTS Projeto Terapêutico Singular

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

RAS Redes de Atenção à Saúde

RN Rio Grande do Norte

RP Reforma Psiquiátrica

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SRT Serviço Residencial Terapêutico

SUS Sistema Único de Saúde

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S U M Á R I O

TECENDO AS LINHAS DE NOSSA EXPERIÊNCIA: A SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL COMO PROBLEMA DE PESQUISA ......................................... 01

1.1 Em busca daquilo que nos constrói: algumas breves análises da implicação do pesquisador .................................................................................................................. 04

1.2 Reflexões iniciais: a supervisão em diferentes campos de coerência .......................... 07

1.3 As reformas psiquiátricas e a Atenção Psicossocial: em busca de outras histórias ...... 14

1.4 Objetivos da pesquisa ................................................................................................... 25

1.4.1 Objetivo geral..................................................................................................................... 25

1.4.2 Objetivos específicos ......................................................................................................... 26

CAPÍTULO 1: A ESCOLHA TEÓRICO-METODOLÓGICA: O ENTRELAÇAMENTO DA ANÁLISE INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA E SOCIOCLÍNICA ...................................... 27

1.1. A Análise Institucional Sócio-histórica e Socioclínica ................................................... 31

1.2 A análise das práticas profissionais, a sociocLínica e suas relações com a supervisão clínico-institucional..................................................................................... 34

1.3 O campo de intervenção: um CAPS no RN ................................................................... 47

1.4 Os caminhos seguidos e os instrumentos de pesquisa ................................................ 52

1.4.1 Análise Institucional no papel: a pesquisa bibliográfica e documental ........................... 52

1.4.2 O processo de supervisão clínico-institucional da Rede de Atenção Psicossocial .......... 54

CAPÍTULO 2: DO CONTROLE À REFLEXÃO COLETIVA: REINVENTANDO A SUPERVISÃO NOS PRELÚDIOS DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ..................................... 67

2.1 Primeira fase da RP no país – 1978-1992 ..................................................................... 71

2.1.1 As reformulações iniciais paulistanas e a supervisão: gerência de programa ou momento de reflexão das equipes? ................................................................................. 76

2.1.2 A experiência pioneira do CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira ....................................... 82

2.1.3 A experiência precursora do NAPS de Santos: a equipe como coletivo supervisor ........ 88

2.2 Consolidação do movimento da luta antimanicomial, a implantação da estratégia de desinstitucionalização e os “impactos do avanço neoliberal” – 1992-2001 .............. 90

2.2.1 O instituinte na gestão: novos modos de fazer planejamento, avaliação e formação das equipes ....................................................................................................... 95

2.2.2 Acolhimento, vínculo, responsabilização e participação do usuário: a supervisão e a reinvenção da clínica ................................................................................................. 109

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2.2.3 Apoio e construção de redes ........................................................................................... 111

2.2.4 A supervisão como dispositivo de formação .................................................................. 114

2.2.5 Uma função a ser redefinida: o ser SUPERvisor ............................................................. 117

2.3 O encontro das experiências com as recomendações das primeiras CNSMs: para quê supervisão? .................................................................................................. 119

CAPÍTULO 3: A SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL NOS ANOS 2000 NAS PROPOSTAS DOS EDITAIS DO MS: ATÉ QUE PONTO CORRESPONDERAM ÀS DISCUSSÕES DAS CNSMS? .................................................................................................... 123

3.1 As solicitações expressas nas CNSMs e os editais do MS em torno da supervisão .... 131

3.1.1 A construção da supervisão como dispositivo para uma rede de atenção ................... 132

3.1.2 A construção do caso clínico e o Projeto Terapêutico Singular (PTS) na supervisão em saúde mental ............................................................................................................. 136

3.1.3 Reformulações na gestão de trabalho e na política de recursos humanos ................... 140

3.2 Efeitos da institucionalização nos anos 2000 ............................................................. 158

CAPÍTULO 4: EM BUSCA DE RELAÇÕES DESVELADAS: UMA ANÁLISE DA SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL NO CASO DO RN ...................................... 163

4.1 A Reforma Psiquiátrica do RN e o início da prática da supervisão ............................. 167

4.2 A supervisão no RN a partir dos editais ministeriais .................................................. 171

4.3 Os meandros de um processo de supervisão clínico-institucional e da RAPS .............. 174

4.3.1 Primeiro momento: discussão da demanda e encomenda junto à equipe do CAPS .... 176

4.3.2 Os dilemas vivenciados na equipe acerca de sua gestão ............................................... 178

4.3.3 O estudo de casos clínicos e a construção dos PTS ........................................................ 182

4.3.4 A supervisão como espaço de formação: formação ou capacitação? ........................... 186

4.3.5 A construção do cuidado em redes (inter)municipais: dilemas entre rivalidades e cooperação ................................................................................................................... 187

4.4 Os “deveres” do supervisor e a análise de suas implicações ..................................... 192

4.5 O que essa experiência revela? .................................................................................. 196

POR UMA (IN)CONCLUSÃO: DA PARALISAÇÃO À INVENÇÃO DE UM DISPOSITIVO EM CONSTRUÇÃO ....................................................................................................... 203

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 209

Documentos institucionais ......................................................................................... 229

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TECENDO AS LINHAS DE NOSSA EXPERIÊNCIA:

A SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL COMO PROBLEMA DE PESQUISA

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De fato, como podia Um operário em construção

Compreender por que um tijolo Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia

Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão –

Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário,

Um operário em construção.

“O operário em construção”, Vinicius de Moraes

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1.1 EM BUSCA DAQUILO QUE NOS CONSTRÓI: ALGUMAS BREVES ANÁLISES DA

IMPLICAÇÃO DO PESQUISADOR

A Reforma Psiquiátrica brasileira adota a supervisão clínico-institucional na rede de

Atenção Psicossocial como um dos principais dispositivos que apoiam as mudanças nos

modos de gestão de trabalho e da clínica desenvolvidos nos serviços substitutivos em

saúde mental. Apesar de sua importância no processo de formação dos trabalhadores da

área, poucos estudos têm sido desenvolvidos para investigar tal temática. Desse modo,

analisarei aqui a institucionalização da supervisão clínico-institucional no processo da

Reforma Psiquiátrica Brasileira, tendo como foco as experiências de supervisão no

contexto do Rio Grande do Norte (RN).

A escolha do tema da supervisão se deveu a diversos motivos, dentre eles, a sua

ampla utilização no campo da Psicologia sem maiores questionamentos ou sistematização

sobre as metodologias utilizadas e à sacralização do lugar ocupado pelo supervisor na

formação do psicólogo. Digo sacralização por entender algo sagrado como inviolável

(HOUAISS, 2009). Os questionamentos desse lugar se entrecruzam com nossa história ao

passar a romper com esse ideal, entendendo essa função como algo em construção.

No campo da saúde mental, a preocupação com o tema vem se ampliando desde o

estágio curricular profissionalizante em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande

do Norte (UFRN-Natal) no ano de 2007 e com a realização de uma pesquisa-intervenção

junto aos trabalhadores do ambulatório de saúde mental da referida cidade (SEVERO,

2009). Na ocasião, percebia que o momento de supervisão era extremamente valorizado

pelas equipes de saúde mental. O fato de os trabalhadores vivenciarem um momento de

encontro com um outro, externo à instituição, e poder compartilhar suas angústias era por

si suficiente para justificá-lo. No entanto, perguntava-me sobre o modo como era

conduzida a supervisão. Afinal, quais seriam os motivos que levavam àquela experiência

não ser sistemática, sem periodicidade definida, sem acordos quanto aos conteúdos

abordados e com poucas reflexões teóricas. Além disso, apesar de a supervisão ser um

espaço bastante valorizado pelos trabalhadores, não conseguia perceber uma real

reconstrução das práticas a partir desses momentos.

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Outra questão se referia ao papel da supervisão em relação à rede de serviços e à

coordenação de saúde mental. Em diversos momentos os trabalhadores vivenciavam grandes

dificuldades no que se referia à relação com a gestão-coordenação, porém, a supervisão não

se mostrava como um espaço-instância de diálogo sobre essas questões (SEVERO, 2011).

Nos anos de 2009 e 2010, no exercício da docência em cursos de formação em

Psicologia na Universidade Potiguar (UnP), como supervisora de discentes em formação

que estavam inseridos em serviços de saúde mental (Centros de Atenção Psicossocial I –

CAPS I –, Ambulatórios de Saúde Mental, Serviço Integrado de Psicologia – SIP – e equipe

de apoiadores em saúde mental nas Equipes de Saúde da Família – ESFs). Nesse processo,

fui delineando estratégias de supervisão que possibilitassem analisar as implicações de

todos os sujeitos envolvidos nesse momento formativo, bem como construir espaços de

diálogo mais efetivos e constantes entre os supervisores do campo, a rede de saúde e a

Universidade. Tornou-se um desafio a constituição de redes de diálogo como dispositivo

de formação e supervisão.

Além disso, tornou-se importante interrogar qual era a função da supervisão, pois na

expectativa dos alunos de Psicologia havia um desejo de um modelo ideal de práticas em sua

área. Assim, a função do supervisor seria apontar o caminho “correto” a ser seguido?

Nesse mesmo período, como coordenadora de estágios em Psicologia na mesma

universidade, propus ao corpo docente reorganizar o processo de estágio e de supervisão,

objetivando construir habilidades importantes para atuação no campo da saúde coletiva:

trabalho em equipe, responsabilização pelo serviço (SIP1) e pela população aí atendida e

construção de diálogos em rede.

Para explicar essas proposições, vale destacar as mudanças sugeridas quanto ao

funcionamento do SIP da UnP. O serviço era identificado como uma clínica-escola na qual

os alunos que escolhiam estagiar nela até o ano de 2009 desenvolviam práticas de

atendimento na clínica individual ou grupal e não passavam por nenhum tipo de

orientação dos profissionais do serviço, sendo a supervisão acadêmica o único momento

de discussão dos atendimentos por abordagem teórica e centrada nos casos clínicos. A

1 O SIP é o serviço-escola da Universidade Potiguar, Natal, Rio Grande do Norte.

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proposta feita na época foi que os alunos passassem a constituir equipes de trabalho por

turnos no serviço, e que ao final de cada turno os casos atendidos e a dinâmica

institucional fossem discutidas coletivamente com a equipe (estagiários e profissionais).

A proposta teve início no ano de 2010 apesar de muita resistência por parte dos

alunos e de alguns docentes supervisores acadêmicos. Um dos desafios para a sua

execução foi que os supervisores acadêmicos aceitassem que seus supervisionandos em

formação discutissem os casos acolhidos por eles para além do espaço grupal da

supervisão acadêmica. A interrogação que se colocava era o porquê dessa resistência e o

que isso apontava de característica da supervisão clínica adotada. Até a finalização deste

trabalho, o grupo que aí estagia tem constituído trabalhos coletivos não isolados por

abordagens teóricas e com maior vinculação e responsabilização, porém ainda com muitas

dificuldades de convivência diante da heterogeneidade de olhares teóricos.

Outra estratégia utilizada foi a construção dos Fóruns de Estágio ao final do ano de

2010. A proposta foi que os alunos apresentassem seus trabalhos e que acontecessem

mesas de debates com os supervisores de campo, supervisores acadêmicos e coordenação

de estágio. Esses momentos foram importantes na construção de diálogos e na

desconstrução da ideia de que as práticas psi são privadas, de modo que o diálogo em rede

possibilitou que fossem vistas preocupações comuns nas áreas de atuação diversas e

fragmentadas da Psicologia.

O que quero afirmar é que no processo de formação dos trabalhadores da saúde

coletiva e saúde mental torna-se importante, além da formação centrada em conteúdos

específicos da área, o desenvolvimento de algumas habilidades que favoreçam o diálogo

coletivo. E qual a função da supervisão em saúde mental nesse sentido? Será que

enquanto supervisores nessa área, estamos propondo uma análise e questionamento das

práticas a partir das implicações profissionais?

Nos anos de 2011 e 2012, como supervisora clínico-institucional de um CAPS I no

interior do RN, o momento da supervisão se mostrou um importante espaço de cuidado

aos trabalhadores e de análise de suas práticas. Alguns dilemas relacionados a essa função

apareceram, como a diversidade de abordagens teóricas, pouco ou nenhum apoio das

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coordenações municipal e estadual, falta de dispositivos de rede que auxiliassem no

atendimento às necessidades concretas dos usuários, a precarização dos vínculos de

trabalho dos profissionais, o que gerava elevada rotatividade, e a grande expectativa dos

trabalhadores em torno da supervisão de casos clínicos. Isso tudo era agravado pela

inexistência de espaços de diálogo e de formação voltados para os supervisores do estado.

As experiências e desafios anteriormente citados somados à pouca sistematização

teórica em torno da supervisão na Atenção Psicossocial no contexto brasileiro e no RN

provocaram-me a desenvolver uma pesquisa na área. Além disso, por entender a

importância desse dispositivo no Brasil vislumbrei no processo de orientação de

doutorado, já no ano de 2011, a necessidade do processo reflexivo-crítico em torno dessa

inserção profissional.

Reconstruir a história da supervisão no contexto da Atenção Psicossocial foi um

momento de muitas descobertas, de (re)conhecimento, como o operário em construção

daquilo que me fazia produzir minhas escolhas profissionais, ou seja, minhas escolhas

teóricas, éticas, afetivas. Ao discutir um tema tão pouco visível na Atenção Psicossocial,

pude perceber um pouco mais dos desafios vivenciados hoje na Reforma Psiquiátrica (RP).

Ao identificar-me com o operário em construção, passei a entender que o ofício de

supervisor, de pesquisador, de trabalhador no campo da saúde mental era algo a ser

construído de forma permanente, e não algo preestabelecido. Convido o leitor a

mergulhar no meu – e por que não nosso trabalho – e analisar aquilo que lhe atravessa

quando falamos de supervisão e nos modos de fazer clínica, formação, e gestão do

trabalho na Atenção Psicossocial.

1.2 REFLEXÕES INICIAIS: A SUPERVISÃO EM DIFERENTES CAMPOS DE COERÊNCIA

Para analisar a institucionalização da supervisão no processo de Reforma

Psiquiátrica brasileira tendo como foco as experiências de supervisão desenvolvidas no

estado do RN é importante percorrer alguns campos de coerência que, embora distintos,

se entrecruzam no processo de institucionalização da supervisão na Atenção Psicossocial.

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Quando nos referimos à supervisão, ela remonta discussões que se referem ao

entrecruzamento da clínica, formação e gestão em saúde (FERIGATO; DIAS, 2013). Nesse

sentido, torna-se importante interrogar sobre as contradições que aparecem na

institucionalização desse dispositivo nos diversos campos coerência e de intervenção em

relação ao modo de Atenção Psicossocial preterido no contexto brasileiro.

O termo institucionalização, na definição de Lourau (1993, p. 13), “é o devir, a

história, o produto contraditório do instituinte e do instituído, em luta permanente, em

constante contradição com as forças de autodissolução”. O instituído atua no sentido da

imobilidade e da permanência, enquanto o instituinte provoca tensões (LOURAU, 1993).

Assim, revisitar a trajetória da institucionalização da supervisão nos ajudará a

compreender as contradições vivenciadas atualmente entre o instituído e o instituinte, e

como elas aparecem no que denominamos supervisão clínico-institucional na RP brasileira.

A supervisão encontra no eixo da clínica um dos campos mais consolidados

histórica e teoricamente, tendo na construção do caso clínico sua principal ferramenta

(FERIGATO; DIAS, 2013). De acordo com Coutinho, Medeiros e Trindade (2012), o

supervisor surge no âmbito da clínica quando da institucionalização da clínica psicanalítica

diante da necessidade das instituições formadoras em Psicanálise analisarem e

supervisionarem os candidatos a psicanalistas em seu processo de atendimento. Nesse

sentido, a “supervisão passou a ser uma importante estratégia e ferramenta de análise não

só dos casos clínicos, como também da própria clínica como instituição” (COUTINHO;

MEDEIROS; TRINDADE, 2012, p. 25).

Onocko Campos (2012) aponta também que “no marco das práticas psi o termo

supervisão é vinculado, desde os primeiros tempos das escolas de psicanálise, ao processo

de formação de novos terapeutas” (p. 148). A institucionalização da International

Psychoanalytical Association (IPA), em 1910, fundada por Freud e Ferenczi, foi um

importante espaço de desenvolvimento da supervisão na clínica. Segundo Roudinesco

(2000), a supervisão nesse contexto tinha por finalidade “normatizar a análise e afastar da

formação ‘analistas selvagens’, transgressivos ou julgados carismáticos demais para

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praticar convenientemente a psicanálise” (p. 151). Ou seja, buscava-se normatizar a

prática da Psicanálise em meio a seu processo de difusão mundial.

Coutinho, Medeiros e Trindade (2012) analisam o primeiro regulamento de

formação de psicanalistas publicado no Instituto Psicanalítico de Berlim “que consistia em

três partes: a) formação teórica, b) trabalho clínico supervisionado (análise de controle) e

c) análise pessoal (análise didática ou análise de formação)” (p. 27). Nesse modelo, o

trabalho clínico supervisionado aparecia com o objetivo de um analista ouvir “as

especificidades da prática do candidato aspirante a psicanalista” (p. 27-28).

Em relação à formação, Saraiva e Nunes (2007) assinalam que a supervisão

constitui uma das mais antigas formas de ensinar e aprender um ofício, uma técnica ou

uma profissão. No início dos anos 1920, foi incorporada ao ensino da Psicanálise e

posteriormente ao ensino da psicoterapia psicanalítica. Assim, a supervisão é atualmente

um dos três pilares básicos da formação de um analista, junto com o aprendizado teórico e

o processo analítico ou psicoterapêutico.

O modelo de supervisão em psicanálise também foi adotado por outras áreas de

ensino como a medicina, a psiquiatria e a psicologia (ZASLAVSKY; NUNES; EIZIRIK, 2003).

Esses autores definem a supervisão como “um processo de habilitação do candidato”, cuja

“atitude do supervisor deve estimular, no supervisionando, o desenvolvimento de suas

próprias habilidades” (p. 298).

Nesse contexto, as funções da supervisão seriam: auxiliar o supervisionando no

desenvolvimento da capacidade de perceber suas próprias dificuldades, construindo assim

um processo de autocrítica em relação ao processo de aprendizagem. Além disso, ela

apresenta ainda a função de fornecer meios para o desenvolvimento da habilidade para

ajudar os seus pacientes com as mesmas técnicas básicas; conseguir que o estudante

adquira a destreza e os conhecimentos necessários para desempenhar sua função de

terapeuta, além de prover o aluno de feedback sobre sua performance, oferecendo-lhe

possibilidades de rumos a seguir (SARAIVA; NUNES, 2007; ZASLAVSKY; NUNES; EIZIRIK,

2003).

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Sobre o perfil do supervisor, Saraiva e Nunes (2007), em revisão de literatura,

caracterizam-no como profissional que deve ter experiências significativas, desenvolver

atividades clínicas ou se destacar no trato de questões teóricas e deve ser habilitado para a

posição de mestres. Essa posição deve ser validada pela instituição a qual pertence por seu

saber e sua experiência clínica, estando assim, por sua vez, em condições de validar o

trabalho do outro. No entanto, o supervisor não deve colocar-se como modelo a ser

imitado (SARAIVA; NUNES, 2007).

Acerca do papel e da função do supervisor, tem-se ainda que ele deve auxiliar o

supervisionando a tolerar a angústia do não saber. A literatura indica que a supervisão se

constitui como uma situação de aprendizagem e de avaliação, na qual o supervisor acaba

sendo autorizado por uma instituição para controlar e validar o trabalho de outro membro

mais jovem e inexperiente (FUKS, 2002, SARAIVA; NUNES, 2007).

Diversas críticas foram feitas principalmente ao fato de as três partes – formação

teórica, trabalho clínico supervisionado e análise pessoal – serem consecutivas e não

sobrepostas. Apesar de tais críticas, persistiu esse modelo inicial de formação (COUTINHO;

MEDEIROS; TRINDADE, 2012). Outras críticas foram assinaladas no sentido de que a

supervisão não tem sido discutida com liberdade de forma a permitir pensar de forma

crítica acerca das variantes possíveis, bem como sobre o melhor modo de inseri-la no

processo formativo, mesmo ela sendo percebida como necessária à formação de analistas

(FUKS, 2002). É observado ainda que os passos que cada dupla,

supervisor/supervisionando, deve seguir e ultrapassar para atingir os objetivos previstos

na aprendizagem não são detalhados, o que tem gerado alguns questionamentos, dentre

eles, se há alguma sistematização na forma como a supervisão é conduzida nas diversas

instituições, tanto em relação aos objetivos como aos critérios de avaliação, no caso da

função de controle da supervisão (SARAIVA; NUNES, 2007).

Questiona-se, portanto, se a não-discussão da supervisão e a não-investigação da mesma, através de pesquisas empíricas, não estariam relacionadas a relações de poder que se encontram em sua estrutura. […] a supervisão surgiu para que houvesse um maior controle de qualidade nos serviços oferecidos pelos institutos, também, é claro, por ser parte do tripé da formação do analista. Entretanto, discute-se mais o caráter

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didático da supervisão do que sua função de controle. O supervisor é o elo intermediário entre o aluno em formação e a instituição, pois seu trabalho contempla necessidades de ambos os lados: deve auxiliar o aluno na sua aprendizagem e na construção de sua identidade psicanalítica, mas também deve assegurar à instituição que os novos terapeutas, que se encontram sob sua responsabilidade, estão desenvolvendo um bom trabalho com seus pacientes. Neste sentido, a supervisão envolve relações de poder, já que o supervisor está autorizado pela instituição a garantir e monitorar a qualidade dos serviços oferecidos pelos terapeutas de seu corpo clínico. Talvez seja justamente a questão das relações de poder que impeça uma discussão mais livre do aspecto controle da supervisão, ficando a maior parte dos artigos estudados centrada na questão da supervisão como função didática apenas (SARAIVA; NUNES, 2007, p. 266-267).

Algumas críticas são feitas à supervisão enquanto dispositivo de formação,

principalmente no âmbito psi (COIMBRA, 1989). Para realizar tal análise, Coimbra distingue

dois modelos de supervisão: autoritário e liberal. No primeiro, o supervisor é aquele que

tudo sabe e o supervisando aquele que nada sabe, existindo aí uma relação de submissão-

onipotência entre discente em formação e docente que é reproduzida diante das

instituições. Vemos aí uma repetição de uma supervisão na função de controle no

processo formativo clínico. O segundo é de inspiração humanista, em que o supervisor

afirma ser um igual a seus estagiários, escamoteando as relações de poder aí existentes.

Nessa supervisão, “sensibiliza-se, critica-se e questiona-se, desde que seja dentro de

certos limites, de determinado território” (COIMBRA, 1989).

No campo da gestão, a supervisão foi inserida no âmbito da administração dos

serviços de saúde no Brasil. O modelo taylorista/fordista, a administração clássica e o

modelo burocrático exercem grande influência na constituição histórica da organização do

trabalho e do gerenciamento no setor saúde (CARVALHO; CHAVES, 2011).

Conforme analisa Campos e Amaral (2007), a maioria das Escolas de Administração

foi criada objetivando disciplinar o trabalhador, retirando dele sua iniciativa crítica,

delegando aos programas e às normas a tarefa de operar o trabalho cotidiano e ao

trabalhador sua execução, buscando docilizá-lo, torná-lo útil e produtivo. Algumas escolas

apostaram mais na tarefa de disciplinar e controlar os comportamentos dos trabalhadores,

outras escolas centraram-se na subjetividade do trabalhador, ganhando-lhe a alma. Por

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exemplo, na Teoria Geral da Administração, o taylorismo se coloca na tarefa de administrar

pessoas como se estas fossem coisas, instrumentos destituídos de vontade própria

(CAMPOS, 1998).

No que se refere à gestão do trabalho em saúde, Campos e Amaral (2007) indicam

que tradicionalmente, no âmbito dos processos de trabalho, existe uma multiplicidade de

referenciais sobre gestão no trabalho em saúde principalmente considerando duas

vertentes teórico-operacionais: uma tecnocrata e gerencial, sendo uma influenciada pela

qualidade total e buscando avaliação de resultados, e outra que almeja reduzir a

autonomia do médico e de outros profissionais de saúde. As duas objetivam controlar o

trabalho em saúde através de protocolos disciplinares e normativos. Formas de gestão

desse tipo não atendem às especificidades e singularidades dos usuários, seguindo sempre

protocolos rígidos de atendimento.

Na perspectiva taylorista o trabalhador é visto como aquele que não sabe sobre o

que é necessário para o exercício do seu trabalho e a administração científica deve reger

as normas necessárias para isso (CAMPOS, 2007). Desse modo, existe aí uma diferença na

distribuição do saber-poder, em que o trabalhador seria disciplinado e controlado para o

exercício do seu trabalho pelos administradores ou supervisores, passando assim por um

processo de infantilização.

A racionalidade gerencial hegemônica produz sistemas de direção que se alicerçam no aprisionamento da vontade e na expropriação das possibilidades de governar à maioria. Estes sistemas, mais do que comprar a força de trabalho, exigem que os trabalhadores renunciem a desejos e interesses, substituindo-os por objetivos, normas e objeto de trabalhos alheios (estranhos) a eles (CAMPOS, 2007, p. 10).

As principais características incorporadas ao setor saúde se expressam através da

separação entre concepção e execução (fragmentação do trabalho), “o controle gerencial

do processo de produção associado à rígida hierarquia, a racionalização da estrutura

administrativa, a impessoalidade nas relações interpessoais e a ênfase em sistemas de

procedimentos e rotinas” (CARVALHO; CHAVES, 2011, p. 547). Nesse sentido, o exercício

da supervisão no campo da saúde tem sido atravessado por uma perspectiva em que esse

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dispositivo teria por finalidade fiscalizar o trabalhador na execução de uma determinada

atividade.

No entanto, diversos autores têm mencionado indispensáveis modificações

decorrentes das transformações sociopolíticas relacionadas ao setor saúde (CAMPOS,

2007, CARVALHO; CHAVES, 2011, MATOS; PIRES, 2006). Essas transformações têm exigido

superar alguns modelos de gerenciamento adotados tradicionalmente, visando implantar

outras formas mais democráticas e participativas. Desse modo, mudanças no modo de

conceber a supervisão também têm acompanhado tal discussão.

Como estratégia para superar a racionalidade gerencial hegemônica, Campos

(2007) propõe a institucionalização de arranjos caracterizados por mudanças nas

estruturas organizativas. Por meio desses, objetiva-se viabilizar o exercício da democracia

na qual todos os membros de um coletivo reunidos para repensar periodicamente o

próprio trabalho e “sugerir rumos para a organização como um todo e, inclusive, para suas

relações com a sociedade” (CAMPOS, 2007, p. 127). Esses novos dispositivos no SUS são

imprescindíveis para o exercício de poder e de estímulo do controle social.

A partir do reconhecimento dessas mudanças, Campos (2003) reformula o uso do

termo e da função da supervisão, inicialmente citada como supervisão matricial,

modificando a concepção taylorista, na qual o supervisor funciona para controlar e

fiscalizar o cumprimento de normas. O autor propõe inicialmente pensá-lo como uma

pessoa externa que se encontra com a equipe para promover processos de reflexão crítica

e de educação permanente, perspectiva esta citada como similar à atribuída pela saúde

mental. Nesse texto, é citado que o supervisor teria por função apoiar e agenciar

processos de mudanças, auxiliando na identificação e no enfrentamento de problemas.

Nessa perspectiva de supervisão, ela poderia assumir um caráter técnico como

também um instrumentalizador de processos de mudanças (CAMPOS, 2003). No primeiro

caso, um especialista ajudaria e orientaria várias equipes de acordo com a sua

especialidade. No segundo caso, se combinaria funções de um analista de grupo com as de

um assessor de planejamento, almejando assim agenciar e estimular a capacidade de

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análise e de participação do grupo na gestão. De acordo com essa proposta, os

supervisores não estariam na linha de comando ou de caráter deliberativo.

Tem-se assim que a institucionalização da supervisão nos âmbitos da clínica e da

formação caracterizou-se, na maioria das vezes, como pertencente a um contexto de

relação dual (supervisor-supervisionado) marcado por fortes relações hierárquicas de

poder e de controle. O supervisor ocupava uma posição de maestria com a função de

auxiliar o supervisionado, ofertando possibilidades de rumos a seguir.

No campo da gestão de processos de trabalho, a relação desenvolvida na supervisão

teria uma relação de desigualdade de saber, na qual o trabalhador tem a função de

execução de atividades e não de pensamento e reflexão. O supervisor seria aquele que

fiscalizaria a atividade e o desempenho do trabalhador, conforme as necessidades e

objetivos da organização.

Dessa maneira, se as funções de clínica, formação e gestão têm uma historicidade

própria, que delimita um processo de institucionalização da supervisão, resta-nos

interrogar sobre as transformações sofridas pelas perspectivas anteriormente adotadas

para os usos na RP brasileira.

1.3 AS REFORMAS PSIQUIÁTRICAS E A ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: EM BUSCA DE OUTRAS

HISTÓRIAS

Em relação à prática psiquiátrica, ela esteve historicamente entrelaçada a uma rede

de dispositivos que buscavam (re)produzir relações de poder disciplinadoras sobre os

indivíduos e sobre a população (FOUCAULT, 2006; CASTEL, 1987).

No interior dos asilos, o sistema de poder era

[…] assegurado por uma multiplicidade, por uma dispersão, por um sistema de diferenças e de hierarquias, e mais precisamente, pelo que poderíamos chamar de uma disposição tática na qual os diferentes indivíduos ocupam um lugar determinado e cumprem um certo número de funções precisas (FOUCAULT, 2006, p. 9).

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Há aí o que Foucault identifica como funcionamento tático do poder. Nessas

relações, encontram-se distribuídos médicos, vigilantes, pacientes, e o psiquiatra exerce,

nos hospitais psiquiátricos, as funções de administração, clínica e de formação. O espaço

asilar é gerenciado pelo psiquiatra, cuja presença deve “fazer o espaço funcionar como um

corpo que cura por sua própria presença, seus próprios gestos, sua própria vontade”

(FOUCAULT, 2006, p. 235).

A função clínica envolve as relações médico-paciente e estudantes. O rito de

apresentação clínica será “o grande exemplificador do poder psiquiátrico” (FOUCAULT,

2006, p. 234). Nesse rito, o psiquiatra reúne em torno do doente o maior número de

expectadores, o interroga e faz comentários sobre suas respostas, de maneira a

demonstrar que conhece sobre sua doença e sua história de vida. Esse momento é

identificado como de formação para os alunos expectadores.

A clínica, isto é, a apresentação do doente no interior de uma encenação em que o interrogatório do doente serve para a instrução dos estudantes e em que o médico vai atuar no duplo registro daquele que examina o doente e daquele que ensina os estudantes, de modo que será ao mesmo tempo aquele que cuida e aquele que detém a palavra do mestre, será médico e mestre ao mesmo tempo (FOUCAULT, 2006, p. 232).

Assim, vemos uma prática psiquiátrica que foi desenvolvida até o início do século

XX reunindo características muito similares àquelas instituídas na administração de

pessoas, na clínica e na formação em torno da supervisão.

Em meados do século XX iniciaram-se movimentos em diversas partes do mundo

em torno do que se denominou RP, com críticas principalmente ao tratamento destinado

às pessoas com transtornos mentais. Essas reformas tiveram rumos bastante

heterogêneos, abrigando construções teóricas e práticas distintas associadas aos

determinantes históricos, políticos e econômicos.

Amarante (2003a) agrupa as diversas experiências de RPs ocorridas em contexto

mundial em três tipos, a saber:

(a) As Comunidades Terapêuticas e a Psicoterapia Institucional:

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Ambas caracterizaram-se pela reformulação dos hospitais psiquiátricos, ao acreditar

na possibilidade de retomar o caráter terapêutico desses espaços através de uma melhor

organização. Algumas práticas adotadas foram as assembleias, o trabalho terapêutico,

reuniões diárias, entre outros.

A Comunidade Terapêutica ocorreu na Inglaterra, com ênfase das iniciativas como

as de Hermann Simon e Maxwell Jones, e a Psicoterapia Institucional na França com

destaque para François Tosquelles, Jean Oury e Félix Guattari. Esta última recebeu

influências de teorias da psicanálise, principalmente a lacaniana, e tinha por objetivo

tratar as relações institucionais (AMARANTE, 2003a). Outra evidência importante é que a

Psicoterapia Institucional fez parte de um conjunto de experiências que contribuíram para

o surgimento dos movimentos institucionalistas.

(b) A Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Comunitária:

A característica principal desse grupo foi a disseminação das intervenções

psiquiátricas na comunidade cuja estratégia era a implantação dos serviços comunitários.

Estes passaram a ser considerados espaços privilegiados para o tratamento de doenças

mentais subsidiados pelo surgimento das noções de prevenção e promoção da saúde

mental. A primeira experiência reformista aconteceu na França, com a divisão do território

em setores e suas respectivas equipes responsáveis. Já a segunda aconteceu nos Estados

Unidos, por volta dos anos 1960, sustentada pela possibilidade de se evitar doenças

mentais, promovendo assim saúde mental (AMARANTE, 2003a).

(c) A Antipsiquiatria e a Psiquiatria Democrática italiana:

Nesse conjunto de Reformas pela primeira vez questiona-se, além da instituição

psiquiátrica hospitalar, o saber psiquiátrico e o conceito de doença mental. A

Antipsiquiatria iniciou-se entre o fim da década de 1950 e início dos anos 1960 na

Inglaterra, inspirada nos trabalhos de psiquiatras como David Cooper, Ronald Laing e

Aaron Esterson, que propuseram principalmente a extinção dos manicômios e a

eliminação da ideia de doença mental.

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Já a Psiquiatria Democrática italiana teve como um dos principais idealizadores o

psiquiatra Franco Basaglia (AMARANTE, 2003a), que contestou o aparato teórico em torno

do que se denominou doença mental, como também fez críticas.

Vasconcelos (2008) situa que no contexto mundial ocorreram diversos

determinantes históricos em torno da RP que facilitaram ou criaram barreiras em torno

desses movimentos. Dentre esses encontram-se: o contexto histórico de guerras e a ênfase

atribuída ao processo de reabilitação de soldados com danos associados às guerras

(Comunidade Terapêutica); escassez de trabalho e consequente revalorização do trabalho

humano, principalmente na reabilitação de pessoas até então consideradas improdutivas;

surgimento de políticas de democratização, de processos revolucionários e/ou emergência

de movimentos sociais populares (Antipsiquiatria e Psiquiatria Democrática Italiana);

contexto de afirmação de direitos sociais e de sistemas de bem-estar social (dentre outros, o

Sistema Único de Saúde no caso brasileiro); o “reconhecimento do anacronismo das

instituições, particularmente do tipo asilar” associado ao pensamento de autores como

Goffman, Foucault, Sartre, entre outros (VASCONCELOS, 2008, p. 30).

Em relação ao contexto científico e das profissões da saúde e sua articulação com

as reformas, ocorreram “mudanças nas ciências e profissões no campo das ciências

humanas e em correntes inovadoras em psiquiatria” (Psiquiatria Democrática italiana,

Psicoterapia Institucional, Antipsiquiatria, etc.), além do “desenvolvimento de terapêuticas

farmacológicas” (VASCONCELOS, 2008, p. 30), estratégias de humanização em setores da

corporação médica (Psiquiatria Preventiva norte-americana e Psiquiatria de Setor

francesa).

Dessa maneira, alguns desses movimentos que expressaram as alterações nas

relações de saber e poder no exercício profissional inspiraram mudanças em relação ao

paradigma asilar no que se refere à gestão do processo de trabalho, ao trabalho terapêutico

e à formação dos profissionais da área da saúde mental. Ressaltamos que os movimentos

anteriormente citados, em que pese suas semelhanças, guardam entre si profundas

diferenças. Eles influenciaram de diferentes formas as experiências nos novos serviços de

saúde mental no contexto brasileiro a partir da década de 1980.

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No Brasil, as diferentes experiências que vêm surgindo no sentido de criticar e/ou

substituir os hospitais psiquiátricos foram agrupadas sob a denominação de Reforma

Psiquiátrica brasileira. O termo RP “se apresenta como sendo política e conceitualmente

problemático […] pois foi sempre utilizada como relativa a transformações superficiais,

cosméticas, acessórias em oposição às 'verdadeiras' transformações estruturais, radicais e

de base” (AMARANTE, 1998, p. 87). Paulo Amarante (1995) justifica a permanência da

utilização da expressão para neutralizar posições contrárias, construção de consensos e

apoios políticos no final dos anos 1980.

A RP brasileira vem construindo uma série de dispositivos para implantação de uma

rede substitutiva2 (ou alternativa?) de atendimento em saúde mental. Os novos serviços

devem funcionar em consonância com o Paradigma Psicossocial. Costa-Rosa (2000) tenta

reunir no modo psicossocial “os pressupostos ideológicos e teórico-técnicos das novas

práticas implantadas pela reforma psiquiátrica” (p. 141). Luzio (2013) evidencia que a

Atenção Psicossocial é inspirada nos movimentos que realizaram ou buscaram realizar

transformações mais radicais à Psiquiatria.

No que se refere ao referencial teórico, o Paradigma Psicossocial recebeu um leque

de contribuições, sejam aquelas advindas dos diferentes movimentos reformistas, sejam

de incursões teóricas pelas teorias da análise política, da análise institucional, dos

processos subjetivos (COSTA-ROSA, 2000). A partir dessas contribuições e nas experiências

anteriormente citadas, aponta-se uma série de modificações importantes para a

implementação da Atenção Psicossocial.

O Paradigma Psicossocial é oposto ao Paradigma Asilar, e essa oposição quer dizer

que “a essência de suas práticas se encaminha em sentidos opostos quanto a seus

parâmetros basilares” (COSTA-ROSA, 2000, p. 144). Costa-Rosa (2000) enumera a

concepção de objeto e meios de trabalho, formas da organização do dispositivo

institucional, formas de organização com a clientela, formas de seus efeitos típicos em

termos terapêuticos e éticos (p. 152).

2 Temos diversas portarias, dentre elas a Portaria n. 336/GM/MS, de 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta o

funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

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Amarante (2007) propõe pensar o campo da saúde mental e Atenção Psicossocial

como um processo, e não como um sistema fechado, “um processo que é social; e um

processo social que é complexo” (p. 63). Ele identifica as seguintes dimensões nesse

processo: teórico-conceitual, técnico-assistencial, jurídico-política e sociocultural.

Então, gostaríamos de destacar que ambos os autores explicitam princípios

basilares da Atenção Psicossocial, demonstrando a necessidade de um rompimento com o

modelo asilar e suas bases, ou seja: seu modelo teórico-conceitual, com sua concepção de

objeto e meios de trabalho; as dimensões técnico-assistencial, jurídico-política e

sociocultural e as formas de organização institucional, sua relação com a clientela dos

serviços, e os efeitos em termos terapêuticos e éticos.

Sobre as concepções de objeto, dá-se ênfase ao sujeito, seu pertencimento a um

grupo social e familiar e a participação de todos no processo de tratamento (COSTA-ROSA,

2000). Para que esse saber circule, torna-se importante que o organograma dos

estabelecimentos seja horizontal e subverta a lógica de organização de poderes do modo

asilar. Tem sido fundamental a horizontalização dos macropoderes e dos micropoderes

com a participação dos trabalhadores de saúde e da população nos processos decisórios.

Os processos decisórios precisam incluir a participação e a autogestão de modo a

aproveitar as vivências cotidianas como momentos de tensão e de conflitos, nos quais os

diversos atores sociais, principalmente os usuários, sejam convocados a participar, debater

e construir estratégias de superação (YASUI; COSTA-ROSA, 2008).

Transformações também na lógica de organização de trabalho devem acontecer,

nas quais a equipe interprofissional deve caracterizar o meio de trabalho com a inserção

de uma série de dispositivos diversificados. A partir disso, tenta-se superar a linha de

montagem fundada nos especialismos que caracteriza o trabalho em equipe no modo

asilar (COSTA-ROSA, 2000). A organização da divisão do trabalho deve ser coerente com

uma lógica de cooperação entre os diferentes profissionais e serviços.

A flexibilidade nos processos de trabalho precisa ser caracterizada por uma

construção e criação coletiva e pela “criação de múltiplas e diversas estratégias de cuidado

aumentando a responsabilidade de cada profissional, não apenas nas decisões e nas

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competências para o projeto de cuidados, mas também na gestão dos dispositivos

institucionais” (YASUI; COSTA-ROSA, 2008).

No que se refere às relações com a clientela, entre os diversos atores, elas devem

ser baseadas no diálogo, em uma intersubjetividade horizontal. Os estabelecimentos

devem ser capazes de dialogar com a população.

Interlocução, livre trânsito do usuário e da população, e Territorialização com Integralidade são metas radicais no modo psicossocial quanto à forma da relação da instituição com a clientela e a população, por oposição à imobilidade, mutismo e estratificação da atenção por níveis (primário, secundário e terciário) que caracterizam o modo asilar (COSTA-ROSA, 2000, p. 162).

No entanto, apesar de haver grandes divergências, por vezes os limites entre as

bases são bastante tênues. Amarante (2007) nos explica que essas dimensões “ora se

alimentam, ora são conflitantes; que produzem pulsações, paradoxos, contradições,

consensos, tensões” (p. 63). Luzio (2013) destaca que o caráter processual da Atenção

Psicossocial, que busca uma “ruptura da racionalidade psiquiátrica” (p. 485).

Assim, os CAPS, dispositivos estratégicos construídos no Brasil desde os anos 1980,

devem funcionar para operar as mudanças no modo asilar. Ao enfatizar a noção de CAPS

como um dispositivo3 e não como um estabelecimento, Leal e Delgado (2007) afirmam

que

O modo ‘caps’ de operar o cuidado, ou seja, essa outra lógica de atenção, não é algo abstrato, impalpável. Trata-se de um conjunto heterogêneo de discursos, instituições, estruturas arquitetônicas, medidas administrativas, grades das tarefas dos profissionais, grades das atividades realizadas no cotidiano dos serviços, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas; e da ligação que se estabelece entre tais elementos. Um CAPS só se tornará instrumento capaz de produzir uma relação e um lugar social diferentes para a experiência da loucura e para aquele que a experiencia se, no seu dia-a-dia, no seu cotidiano, inventar um outro modo de funcionar, de se organizar e de se articular com a cidade.

3 Leal e Delgado (2007) utilizam a noção foucaultiana de dispositivo.

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No Brasil, existem atualmente 2.129 CAPS em funcionamento. Apesar de

historicamente identificarmos processos importantes de desinstitucionalização45 gerados a

partir desses dispositivos, algumas pesquisas têm indicado que embora com a pretensão

de serem construídos sob a égide do Paradigma Psicossocial, muitos serviços comunitários

de saúde mental têm expressado o que alguns autores denominam de novas cronicidades

ou processos de cronificação.

Isso é identificado quando os serviços perdem sua potência desinstitucionalizante e

se burocratizam. Barros (2003) sinalizou para o risco da institucionalização-cronificação

dos CAPS, que em diferentes contextos têm se relacionado às novas cronicidades

produzidas que envolvem usuários, modos de gestão, profissionais, e as cronicidades

geradas pela inexistência ou fragilidade das redes de atenção.

No contexto do Rio Grande do Norte, observamos que usuários estão dependentes

dos CAPS e têm sua vida restrita ao circuito CAPS-residência na maior parte de suas vidas,

e que isso se deve a processos de cronificação na gestão dos serviços e da rede de

cuidados (SEVERO; DIMENSTEIN, 2013; LEÃO; SEVERO; DIMENSTEIN, 2009; BRITO et al.,

2009). Em estudo recente sobre essa problemática em Natal, capital do RN, enfatizamos

que a cronificação dos usuários nos serviços substitutivos tem acontecido nessa rede e se

deve a alguns fatores, dentre eles a construção de poucas estratégias terapêuticas de

reinserção social, uma rede fragmentada e pouco diversificada, e problemas relacionados

à gestão dos serviços (SEVERO, 2009; SEVERO; DIMENSTEIN, 2013). Esses processos de

burocratização e cronificação também têm sido identificados em outros lugares do país

(OLIVEIRA, 2006; PANDE; AMARANTE, 2011).

Nesse sentido, os autores Pande e Amarante (2011) também constataram essa

cronificação, afirmando a importância dos técnicos e gestores reconhecerem os riscos

relacionados à institucionalização, e ao reconhecer tais riscos, operarem críticas,

4 Amarante (2010) expõe três sentidos para a desinstitucionalização, sendo identificada como desospitalização,

desassistência e desconstrução. Aqui estamos nos referindo à desconstrução, sentido inspirado na Psiquiatria Democrática italiana, por apontar os questionamentos em torno do saber psiquiátrico, da noção de doença mental, dos dispositivos terapêuticos a ela relacionados, que legitimam a tutela, a exclusão e a ideia de periculosidade do louco (AMARANTE, 2010).

5 http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/15145-esclarecimento-sobre-leitos-no-sus

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produzindo movimentos para além das atividades centradas nos serviços. Sobre isso,

Roberto Tykanori Kinoshita (2009), atual coordenador Nacional de Saúde Mental, Álcool e

Outras Drogas, reconhece e destaca a ampliação da rede CAPS no contexto brasileiro nos

últimos anos, a ampliação do acesso e qualificação da assistência em saúde mental, e as

inúmeras experiências importantes espalhadas pelo Brasil.

Mas, tenho o receio de que os caps sejam apenas produtores da psiquiatria reformada, que atuam apenas como instauradores da ordem ainda que reformada, isto é, que não há contradições “antipsiquiátricas” que sirvam como motores de transformação social, que fomentem a vontade de revolução (KINOSHITA, 2009, [s.p.]).

Assim, assume-se que os CAPS podem estar servindo para reprodução do modo

asilar, “como dispositivo de controle-dominação da loucura” (FOUCAULT, 2006, p. 139),

como uma reinterpretação da prática psiquiátrica na roupagem de atendimento no

contexto comunitário. Reiterando essa afirmação, Luzio e Yasui (2010) reafirmam a

urgente e necessária transformação do modelo assistencial e que o avanço não pode estar

restrito ao âmbito dos mecanismos administrativos ou regulatórios.

As reflexões desses autores estão sinalizando para um processo de

institucionalização com uma reafirmação do instituído no cotidiano dos serviços. Por isso,

é impreterível que as tensões entre os dois modelos saiam do não dito, sejam

evidenciadas, faladas, refletidas, ganhem visibilidade entre os atores no cotidiano dos

serviços para que o processo analítico sirva como motor do funcionamento dinâmico

destes.

Para enfrentar esses desafios e estimular processos analíticos nos serviços, seriam

necessários o fortalecimento de dispositivos que propiciassem a autoanálise dos coletivos.

Assim, entra nesse cenário a necessidade da análise coletiva no contexto dos CAPS. Sobre

isso, Luzio (2013) afirma que para viabilizar a Atenção Psicossocial, torna-se fundamental

“incentivar e apoiar nos coletivos, processos de autoanálise e autogestão” (p. 489).

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Lourau (1975) chama atenção para uma questão importante que legitima a

intervenção de um analista (seja ele socioanalista, conselheiro perito, psicossociólogo,

etc.), como destacado a seguir:

A análise é uma instituição. Isto significa que o que legitima o apelo aos analistas, enquanto intervenientes exteriores, efêmeros ou periódicos, e pagos, é o reconhecimento de um certo consenso e de uma certa regulamentação relativa a este intruso, este provocador institucional que é o analista. A instituição do analista em intervenção possui sua universalidade (LOURAU, 1975, p. 279).

Então, ao compreender a supervisão como uma instituição, admite-se que ela pode

comportar um instituído, no caso da supervisão, vinculado aos campos da gestão, da

clínica e/ou da formação, que pode estar presente nas práticas de supervisão clínico-

institucional na RP brasileira, correndo um sério risco de sofrer e funcionar para a

reafirmação do modo asilar.

Para Pedro Gabriel Delgado (2013), ex-coordenador Nacional de Saúde Mental, a

supervisão clínico-institucional é um “dispositivo estratégico na Atenção Psicossocial” (p.

18). Ao ser entendido como um dispositivo, a supervisão apresenta uma gênese, um tipo

de formação, que ocorre “em um determinado momento histórico”, tendo como função

principal “responder a uma urgência” (FOUCAULT, 2006, p. 138) relacionada a um

contexto social, político, cultural, econômico, específico.

Assim, Delgado (2013) demarca como momento importante para a supervisão no

campo da Reforma na segunda metade dos anos 1990, quando, nas palavras desse autor,

“a supervisão de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) se impôs como exigência para a

clínica da reforma” (p. 18). Ele afirma que

[…] a partir do momento histórico em que as mudanças ocorridas no modo de atenção aos pacientes com transtornos mentais severos, com a implantação de uma clínica no território, estabeleceram as condições suficientes e necessárias para que dispositivos de acompanhamento, orientação, e sustentação do novo desafio (a clínica da Reforma) tivessem que ser criados (DELGADO, 2013, p. 18).

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A supervisão é entendida como direcionada para a rede de saúde mental no

âmbito do SUS, e há a distinção da supervisão clínico-institucional de outros tipos de

supervisão clássica. Estas últimas desejam pensar uma clínica que não está no território,

“como no ambiente dos consultórios privados, das escolas de formação dos profissionais

para a atividade privada, e os serviços e ambientes universitários que não mantêm diálogo

sistemático da rede pública de saúde e o território” (p. 18-19).

Portanto, é preciso pensar que, como dispositivo, a supervisão clínico-institucional

tem uma gênese, que não deve ser confundida com as determinações ministeriais6 – e

pode produzir diversos efeitos, inclusive não previstos. “Cada efeito, positivo ou negativo,

desejado ou não, estabelece uma relação de ressonância ou de contradição com os

outros, e exige uma rearticulação, um reajustamento dos elementos heterogêneos que

surgem dispersamente” (FOUCAULT, 2006, p. 139). Assim, algumas interrogações que

nortearam esse trabalho foram: Como a supervisão sofreu mudanças ao se inserir nas

experiências confluentes com o modo psicossocial? Quais os efeitos produzidos a partir do

uso da supervisão nos novos serviços de saúde mental?

A despeito de sua importância no coengendramento do modo psicossocial, há

pouquíssima literatura e investigações empíricas, não sendo possível afirmar que o uso da

supervisão no CAPS pode garantir discussões teórico-práticas que vão além do indivíduo e

da doença (COUTINHO; MEDEIROS; TRINDADE, 2012). Além disso, Onocko Campos et al.

(2009) aponta para a escassez de supervisões clínico-institucionais, existindo ainda “o

risco de transformar-se em espaço de ‘saber-poder’ que opera sobre as equipes, com total

descolamento da gestão local” (p. 21).

Partindo de críticas a noção instituída de supervisão, Coimbra (1989) propõe

pensar sobre a necessidade de a supervisão precisar equacionar três dimensões

importantes: a política, a social e a institucional.

A político porque os modelos de supervisão podem servir a interesses estatais e

aos micropoderes instituídos. A dimensão social permite compreender as nossas

6 A supervisão é inserida dentro da Proposta de Qualificação dos CAPS a partir de 2005 pelo Ministério de

Saúde.

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implicações, pois se a formação tem claros interesses políticos, estes operam implicações

claras com o social, no sentido de permitir sua reprodução ou agenciar mudanças. A

dimensão institucional se apresenta na medida em que se deve problematizar sobre as

instituições que atravessam o processo de supervisão, já que ela é perpassada por diversas

outras instituições. Desse modo, Coimbra (1989) critica a supervisão instituída no sentido

de ser uma supervisão de controle sobre o processo de formação. Assim, partimos da ideia

de que a supervisão é um dos dispositivos que comporta relações de estabilidade e de

rupturas com os modos asilar e psicossocial.

Por conseguinte, a problematização desse dispositivo torna-se fundamental para

que a contradição, a tensão entre o instituinte e o instituído possa aparecer. Além disso,

precisamos entender a gênese da supervisão nas experiências que foram delineando o

Modo de Atenção Psicossocial. Esta tese de doutorado aposta na ideia de que, ao

entender a sua construção histórica e suas funções nas experiências

desinstitucionalizantes, podemos delinear os efeitos na conformação de práticas asilares

ou na produção do instituinte nos serviços substitutivos e na Rede de Atenção Psicossocial

(RAPS).

Para isso, estabelecemos as pretensões a seguir para este trabalho.

1.4 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.4.1 Objetivo geral

Analisar a institucionalização da supervisão clínico-institucional no contexto do

processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, tendo como foco as experiências de

supervisão no estado do Rio Grande do Norte.

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1.4.2 Objetivos específicos

Identificar as especificidades que delinearam a supervisão em saúde mental

coletiva no contexto das primeiras experiências da Reforma Psiquiátrica brasileira

nos anos 1980 e 1990;

Realizar um levantamento sobre as reivindicações expressas na III e na IV

Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) em torno da supervisão e como

elas foram respondidas pelas portarias e editais ministeriais nos anos 2000;

Analisar o processo de inserção da supervisão na política de saúde mental do RN, e

as relações construídas junto a uma equipe de um CAPS I em um dos municípios do

RN.

Para responder a esses objetivos, organizamos a escrita da tese da seguinte

maneira.

No capítulo 1, traremos o percurso teórico-metodológico que norteou a pesquisa.

Nele, traremos os principais conceitos da Análise Institucional, das combinações entre

sócio-história e socioclínica que arriscamos percorrer.

Ao longo do capítulo 2, analisaremos as incursões das primeiras experiências

reformistas entre as décadas de 1980 e 1990 e como, micropoliticamente, os diversos

autores/trabalhadores da saúde mental utilizaram a supervisão. Com isso, pretendemos

delinear como a supervisão foi desenhada no âmbito dos serviços substitutivos.

O panorama dos anos 2000, com as deliberações em torno da supervisão na III e na

IV CNSM (e outros eventos importantes) e as respostas produzidas pelo MS diante de tais

solicitações será analisado no capítulo 3.

No quarto e último capítulo traremos para o cenário de discussão a trajetória da

inserção da supervisão no RN e a análise de um processo de supervisão por mim

vivenciado junto a uma equipe de CAPS do interior do estado.

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CAPÍTULO 1

A ESCOLHA TEÓRICO-METODOLÓGICA: O ENTRELAÇAMENTO DA ANÁLISE

INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA E SOCIOCLÍNICA

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De qualquer modo, é sempre bom lembrar que falar de institucionalismo e suas diferentes ramificações é falar de uma luta pela autonomia, pela desnaturalização do instituído, pela criação de novos modos de existência.

“Breves notas sobre os antecedentes históricos da Análise Institucional”, Arthur Hyppólito Moura

Para a realização deste trabalho, o referencial teórico-metodológico escolhido foi o

da Análise Institucional, tanto na perspectiva da análise no papel como da socioanálise na

sua vertente da socioclínica. A análise no papel será utilizada para a investigação dos

documentos em uma perspectiva sócio-histórica e a socioclínica para a análise da

supervisão clínico-institucional.

Esse referencial surge a partir de movimentos sociais ocorridos na década de 1960

na França, momento de grande efervescência política, cultural e social, relacionada aos

movimentos que tinham como finalidade contestar as instituições francesas. A Análise

Institucional, que foi sendo organizada nesse período, emerge de experiências vivenciadas

nesse período, das crises dos movimentos da juventude, da crise da escola, do hospital e

igrejas, entre outros, bem como “da crise interna das instituições na sociedade capitalista

monopolista, naquelas décadas” (COIMBRA, 1995, p. 54; LOURAU, 1975).

Rodrigues (2000) situa o surgimento da Análise Institucional a partir de conflitos entre

intelectuais, políticos, universitários, bem como diversos outros atores sociais. Esse processo

foi marcado por um intenso diálogo crítico com diversos campos de saber, como a sociologia,

o marxismo, a filosofia do direito, a pedagogia, a psicossociologia, a psicanálise, entre outros

(LOURAU, 1975; MOURA, 1995). Estes e outros autores referem alguns movimentos que

vinham acontecendo em diferentes campos teórico-práticos com características instituintes,

confluindo para o surgimento da Análise Institucional, a saber, a Psicoterapia Institucional,7 a

Pedagogia Institucional e a Psicossociologia (LOURAU,1975; HESS; SAVOYE, 1993; COIMBRA,

7 Na Psicoterapia Institucional visualiza-se as primeiras imbricadas associações entre a Análise Institucional e as

reformas psiquiátricas vivenciadas no campo da Saúde Mental. A Psicoterapia Institucional trata de tentativa de reorganizar a vida intra-hospitalar buscando a democratização das relações e combate às hierarquias rígidas. Essas mudanças buscavam transformar o hospital para tornar sua ação terapêutica (COIMBRA, 1995). Esse tema será retomado ao longo deste trabalho.

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1995; MOURA, 2003). René Lourau, com a publicação da obra A análise institucional, em 1970

na França e em 1975 no Brasil, trouxe contribuições fundamentais para a construção desse

novo campo de coerência, que teve força e caráter instituinte. Essa obra contempla as

principais contribuições em torno dos tipos de intervenção e do conceito de instituição.

Na Análise Institucional, em um primeiro momento, duas vertentes se

institucionalizaram: a socioanálise,8 cujos representantes são René Lourau e George

Lapassade, e a esquizoanálise, com Gilles Deleuze e Félix Guattari.

No contexto brasileiro, a Análise Institucional surge nos anos 1970, em

departamentos e grupos de pesquisa de universidades brasileiras. Na experiência

brasileira há uma mistura de conceitos dessas duas vertentes e também entre outras

formas de trabalho grupal (RODRIGUES; BARROS, 2003). L’Abbate (2013) faz uma análise

dos processos de institucionalização fundadora e permanente da Análise Institucional e da

Saúde Coletiva no contexto brasileiro. A autora demonstra que a AI francesa e AI brasileira

dos primeiros tempos pouco se articulou com os temas da saúde e menos ainda à Saúde

Coletiva. No inicio dos anos 2000, Solange L’Abbate percebeu as contribuições que a AI

poderia trazer para a Saúde Coletiva, passando a desenvolver junto a outros pesquisadores

estudos nessa área. Dentre esses trabalhos, encontramos a preocupação em trabalhar as

perspectivas das gêneses teórica e histórica dos conceitos e o aporte da AI sendo utilizada

na saúde mental, ambos coadunam com os interesses do nosso estudo (L’ABBATE, 2013).

A tarefa da Análise Institucional é descobrir, desvelar o não dito das instituições, a

partir da problematização, do questionamento às instituições ocultantes (LOURAU, 2004a).

Outro objetivo importante da Análise Institucional seria desvelar a relação dialética

instituinte-instituído-institucionalização em todos os âmbitos sociais. Para isso, ela “pode

intervir EM estabelecimentos e COM dispositivos, mas sempre visando apreender a

instituição em seu sentido ativo” (RODRIGUES; SOUZA, 1987, p. 34).

Desse modo, as instituições formam uma rede social e acabam por unificar e

atravessar os indivíduos, que através de sua práxis mantêm e/ou criam (instituinte)

8 Na década de 1990, a prática dos analistas francesas sofre algumas transformações, das quais surgem outros

modos de pesquisas em AI.

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novas (LOURAU, 2004a). Elas não são uma natureza, mas mantêm “em pé” a máquina

social, conformando as formas sociais de modo universal (instituído), e também

produzindo-a (instituinte) (RODRIGUES; SOUZA, 1987).

Lapassade (1989) analisa que na relação estabelecida pelos sujeitos com a vida em

sociedade “implica sempre, para os seus membros, um desconhecimento do sentido

estrutural de seus atos, do que determina suas opções, de suas preferências e de suas

rejeições, de suas opiniões e de suas aspirações” (p. 22).

Sendo a supervisão tomada como uma instituição, busco aqui compreender a

relação que os sujeitos inseridos no campo da Reforma Psiquiátrica estabelecem com essa

instituição. Que elementos desconhecidos determinam os atos e as preferências frente à

supervisão?

1.1. A ANÁLISE INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA E SOCIOCLÍNICA

Nesse sentido, parte deste estudo debruça-se sobre a institucionalização da

supervisão na Reforma Psiquiátrica brasileira. Para isso, tomo como referência a Análise

Institucional sócio-histórica, que além do conceito de institucionalização enfatiza os

conceitos de gênese teórica e gênese social (SAVOYE, 2007; MARCHAT, 2013).

A AI sócio-histórica tem sido utilizada por autores da saúde coletiva e dado

contribuições no sentido de propiciar a análise do processo de institucionalização de

equipes de saúde mental, da trajetória da Medicina Geral Comunitária no Brasil, e da

formação em saúde (JESUS, 2013; SÓL, 2013; MOURÃO, 2013). Rodrigues (2006) analisa os

conceitos de gênese teórica e gênese social a partir do surgimento da Análise Institucional e

assinala um conjunto de circunstâncias que propiciaram a formação de um novo campo

teórico-prático.

Desse modo, buscamos investigar as circunstâncias teórico-práticas que

propiciaram a institucionalização da supervisão (sua inserção, crescimento, consolidação)

na Atenção Psicossocial, buscando entender as diferenciações ou o instituinte dos campos

de coerência da clínica, gestão e formação.

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Além disso, Savoye (2007) faz uma distinção entre dois tipos de institucionalização

de acordo com os momentos históricos da instituição. No momento de sua fundação

original, a instituição passa pela institucionalização fundadora, momento no qual ela

adquire seu formato inicial e cria as condições para sua manutenção e reprodução, e

define ainda um corpus teórico para obtenção de reconhecimento por delimitar métodos

de pesquisa transmissíveis e reprodutíveis (SAVOYE, 2007).

O segundo momento, o da institucionalização ordinária, ocorre com um

movimento permanente quando a instituição já está fundada com a dialética entre um

instituído e instituinte, o que resulta na institucionalização. Nesse momento, não se coloca

em questão os fundamentos da instituição, apenas existe sua transformação permanente,

“infletindo suas orientações, remanejando seu funcionamento, modificando sua

composição social” (SAVOYE, 2007, p. 5).

A distinção desses momentos torna-se importante para o entendimento do

momento da institucionalização fundadora e ordinária da supervisão. Na primeira, busca-

se caracterizar o conjunto de saberes e práticas que propiciaram seu surgimento e

reprodução na gestão, na formação e na clínica tradicionais. E na segunda, a partir do

movimento da RP com a reformulação dos saberes e práticas em torno do cuidado à

pessoa em sofrimento psíquico grave, quais as mudanças que ocorreram na supervisão

para a sua adequação ao paradigma psicossocial. Será que nesse momento passa-se por

um processo de institucionalização fundadora, ou seja, com um fortalecimento de um

instituinte, ou por um processo de institucionalização ordinária? Segundo Savoye (2007),

“o trabalho histórico pode ter efeitos analisadores do presente e pode inclusive engendrar,

se forem reunidas circunstâncias para tanto através de dispositivos grupais que permitam

uma palavra coletiva, verdadeiros momentos socioanalíticos” (SAVOYE, 2007, p. 9).

Ou seja, a análise histórica é fundamental porque pode auxiliar um movimento de

análise coletiva nos momentos socioanalíticos. Para realizar uma análise histórica utilizarei a AI

no papel. De acordo com Lourau (1975), ela engloba um método de conhecimento indutivo9

9 O método de conhecimento hipotético indutivo ocorre quando o cientista observa diversos fatos em diferentes

condições de observação e a partir disso elabora uma hipótese que será confirmada ou negada a partir da realização de novos experimentos (CHAUÍ, 2001).

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buscando a “análise funcional, estrutural, estruturo-funcional, e também junto de diversos

modos de análise econômica, política, etc.” (p. 266). Essa etapa de análise inspira-se em

intervenções e pesquisas no campo e seu destaque se deve à possibilidade de agregar

materiais, elucidações teóricas, além de maneiras de avaliação e de critérios de validade.

Porém, apresenta uma certa desvantagem porque coloca o pesquisador-interventor na

“situação ao mesmo tempo confortável e exilada do sábio ou do perito” (p. 266, grifos do

original).

A Análise Institucional no papel foi utilizada para compreender o percurso histórico

e social que constitui a supervisão clínico-institucional como dispositivo no que se refere a

sua inserção no campo da Atenção Psicossocial.

No processo de desenvolvimento da Análise Institucional no final dos anos 1980 e

ao longo dos 1990, as modalidades de intervenção em socioanálise diversificaram-se,

diferenciando-se da forma mais clássica da intervenção que se caracterizava como de curta

duração com um desenvolvimento rápido (MONCEAU, 2013).

Sobre a palavra intervenção, esta assume diversos significados analisados por

L'Abbate (2012) e aqui evidencio o sentido de “intervir/vir entre” (p. 196), que comporta o

sentido de uma situação na qual um terceiro é convidado a “vir entre” em uma

determinada situação e/ou contexto. O supervisor seria assim um terceiro, externo àquele

grupo, que é convidado a “vir entre” numa determinada situação, das relações

estabelecidas nas equipes, destas com os gestores, com os usuários, com a rede de saúde

e intersetorial e com o campo mais amplo da política de saúde mental.

Além da instituição, a AI em intervenção trabalha com outros conceitos: a análise da

encomenda e da demanda;10 a autogestão pelo coletivo cliente; a regra do tudo-dizer; a

elucidação da transversalidade; a análise das implicações; a elucidação dos analisadores (HESS,

SAVOYE, 1993). Conforme a proposta de Lourau e Lapassade, essas devem ser consideradas as

seis regras na criação da socioanálise. Para Monceau (2003; 2013), essas regras devem ser

consideradas princípios, propondo assim a denominação de “socioclínica institucional”.

10 Esses conceitos (encomenda, demanda, etc.) são utilizados em situações de análise de intervenção e na análise

sócio-histórica de maneira diferente.

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Acreditamos que a análise da supervisão no campo da Atenção Psicossocial

precisou ser desenvolvida no sentido de entendê-la em suas estruturas micro e

macropolítica. Isso exige uma combinação da história interna e da história externa, sendo

a primeira caracterizada por sua finalidade original, sua evolução, os sujeitos envolvidos,

seu regulamento e funcionamento, bem como seus resultados (SAVOYE, 2007). Já a

segunda, na história externa, contempla-se o ambiente político e social próximo e

distante, bem como os quadros jurídico e econômico (SAVOYE, 2007).

Histórias interna e externa estão em interferência, e é para restabelecê-las e desenredá-las que uma AI sócio-histórica deve ser promovida. Ela tem instrumentos para tanto, sobretudo se adotar progressivamente um método monográfico renovado, que não volte o olhar exclusivamente para a internalidade de uma história institucional fechada, abrindo-o, ao contrário, às interações com o “contexto” (SAVOYE, 2007, p. 10)11

1.2 A ANÁLISE DAS PRÁTICAS PROFISSIONAIS, A SOCIOCLÍNICA E SUAS RELAÇÕES COM A

SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL

Monceau (2013) afirma que recentemente tem se constituído na França uma

modalidade de formação inicial e contínua que possibilita a análise das práticas profissionais

principalmente nas profissões da educação, sanitárias e sociais. A análise das práticas tem se

mostrado importante tanto na educação, que tem resultado na possibilidade reflexiva de

que o trabalho educativo é um trabalho político (Freinet), como também na saúde, que

possibilitou desvelar os mecanismos transferenciais e contratransferenciais na relação

médico-paciente (Balint) (MONCEAU, 2003; 2013).

Para tanto, dois tipos de dispositivos, sendo um deles o acompanhamento das

equipes profissionais existentes antes da vinda do interventor que estão nas mesmas

relações de trabalho. Nesse último tipo, o trabalho do interventor se caracteriza por

acompanhar uma dinâmica em curso, os objetos de análise são a prática profissional e as

11 Defendemos aqui que é condição indispensável para toda e qualquer intervenção desenvolvida no campo da

saúde mental o diálogo constante sobre a historicidade dos saberes e práticas em torno da loucura, de modo a construir cotidianamente um olhar sobre o presente a partir das mudanças paradigmáticas almejadas. É esse olhar que permitirá identificar a reprodução de práticas manicomiais e as transformações necessárias.

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relações com o coletivo (MONCEAU, 2003; 2013). Esse formato aproxima-se do trabalho

desenvolvido pelo supervisor clínico-institucional no âmbito brasileiro por esse

caracterizar-se, dentre outras, por um trabalho feito continuamente junto a uma equipe

de trabalho.

Segundo Monceau (2003), no trabalho socioclínico, de forma geral, se enfatiza mais

o objeto e as intenções de análise do que as regras a serem seguidas. Em texto mais

recente, Monceau (2013, p. 91-103) acrescenta outros princípios àqueles da socioanálise

clássica, resultando nas oito características da socioclínica institucional, quais sejam:

(a) Análise da encomenda e das demandas:

A encomenda escrita constitui o “diagnóstico” de quem fez o pedido de intervenção

ao socioanalista. Este deve ficar atento à produção de demandas que ocorre por todos os

envolvidos à medida que trabalho se desenvolve. “É a análise da encomenda e das

demandas que sustenta a problematização” (MONCEAU, 2010). Desse modo, é

imprescindível analisar o pedido oficial da intervenção apresentado por um grupo investido

de poder de decisão para um socioanalista sobre uma intervenção a ser desenvolvida

(L’ABBATE, 2012).

O supervisor deve problematizar continuamente, junto à equipe, o que originou e o

que constitui o pedido de intervenção, e quais as demandas do grupo envolvido. Muitas

vezes, o pedido ou a encomenda oficial realizada não corresponde às demandas do grupo

e o supervisor precisa sustentar essa problematização coletiva.

É relevante considerar no campo da saúde mental que em alguns momentos, às

equipes fazem a encomenda de supervisões pontuais centradas em casos específicos, o

que dificulta o exercício reflexivo e contínuo em torno das práticas profissionais no campo

da saúde mental, e reitera ainda uma perspectiva de que o trabalho do supervisor é

fornecer respostas prontas centradas em intervenções corretas para o caso atendido.

(b) Participação dos sujeitos na abordagem, sob modalidades variáveis:

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É indispensável a participação dos sujeitos no decorrer do trabalho sob diferentes

modos (coleta de informações, aceitação de ser observado ou de participar de sessões de

grupo com objetivo analítico) (MONCEAU, 2013).

Além disso, para que se estabeleçam condições de análise das demandas

apresentadas pelo grupo recorre-se à autogestão, com a participação de todos na escolha

coletiva dos horários, do número de sessões, das ligações entre as sessões de análise, bem

como de outras atividades cotidianas. Com a organização “autogerida” no processo de

intervenção pretende-se revelar o seu contrário, a ordem do estabelecimento. “A diferença

entre as duas formas sociais, uma momentânea e analítica, outra permanente e funcional,

é um analisador das relações instituídas” (HESS, SAVOYE, 1993, p. 5).

A partir do reconhecimento da importância da autogestão e da análise da

encomenda e da demanda, questionamos como isso acontece no caso de supervisões

financiadas pelo Ministério da Saúde? E ainda, como propiciar o funcionamento autogestivo

em um dispositivo cuja constituição sócio-histórica caracterizou-se por relações de saber-

poder hierárquicas? Será que a supervisão, no campo da saúde mental, tem se preocupado

em propiciar ou fomentar a participação de todos os sujeitos no processo de intervenção?

Essas questões nortearam as análises produzidas a serem apresentadas nos próximos

capítulos.

(c) Trabalho dos analisadores dando acesso às questões que normalmente não se

expressam:

Sobre o analisador, conceito criado por Félix Guattari no contexto da Psicoterapia

Institucional, Lourau explica: “Chama-se de analisador, em uma instituição de cura, aos

lugares onde se exerce a palavra, bem como a certos dispositivos que provocam a

revelação do que estava escondido” (2004a, p. 70). Ou seja, o analisador faz a instituição

falar, revelar o não dito. Os analisadores podem ser considerados naturais, construídos ou

ainda históricos (GUILLIER, 2001/2002). “O analisador natural vem ao encontro da situação

sem ser intencionalmente proposto ou controlado, ao passo que o construído é um

dispositivo artificialmente instalado” (RODRIGUES, 2006, p. 146). No entanto, Rodrigues

(2006) afirma o caráter histórico de todos os analisadores.

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Os analisadores podem aparecer como dissidentes, sendo eles denominados de

ideológico, libidinal e organizacional (LOURAU, 1975). O dissidente ideológico expressa

suas dúvidas acerca das finalidades e a estratégia geral da organização, por questionar as

instituições a partir da contestação em relação à finalidade das organizações. Já o

dissidente libidinal, tão somente pela sua existência, sem necessariamente emissão de

discursos, “lança a dúvida sobre a seriedade da ideologia ou da organização” (LOURAU,

1975, p. 284). O dissidente organizacional caracteriza-se como aquele que enfrenta, a

partir de sua ação prática e seus pensamentos teóricos, a própria organização.

Como exemplo desses dissidentes no campo da Reforma Psiquiátrica, tem-se o

louco considerado um analisador natural, pois ele “nos fala das separações instituídas pelo

sistema social e arbitrariamente promovidas a normas inquestionáveis da ação”

(RODRIGUES, 2006, p. 146). Nesse sentido, ao longo do processo de supervisão, essa

relação da loucura com as normas sociais instituídas e que atravessam os diversos

estabelecimentos deve ser questionada, funcionando como analisadores inclusive do

próprio processo e finalidade da supervisão.

Nessa perspectiva, o analisador constitui ainda uma reversão epistemológica, já

que é ele quem faz a análise (LAPASSADE, 1973). Dessa maneira, existe uma primazia do

analisador sobre o analista e este pode vir a tomar consciência dos efeitos dos

analisadores que desencadearam sua intervenção (LOURAU, 2004a). Para tanto, cabe ao

analista enunciar proposições extraídas entre a sua prática social e outras práticas sociais

negando a perspectiva de ditar dogmas científicos. Do mesmo modo, Monceau (2013)

afirma que o analisador apoia a análise das dinâmicas institucionais no trabalho

socioclínico.

(d) Análise das transformações que se produzem à medida que o trabalho avança:

Esse item aponta para a importância das transformações que se produzem no

cotidiano de trabalho da equipe à medida que o trabalho clínico avança (MONCEAU, 2003;

2013). Consiste em analisar as transformações que ocorrem nas situações e dinâmicas

institucionais, pois estas podem expressar simultaneamente efeitos e materiais de análise. A

análise possibilita desenvolver junto aos sujeitos a consciência dos efeitos da intervenção

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(MONCEAU, 2013). Para isso, também torna-se importante a ampliação do campo de análise

(MONCEAU, 2003).

Nessa proposta de intervenção, pode-se entender ainda outra concepção de clínica,

atrelada ao acompanhamento de movimentos ou à produção de desvios no processo grupal.

A perspectiva clínica que se coloca aí vai além do sentido tradicional da capacidade de acolher,

de inclinar-se sobre o leito (do grego Klinikos), para pensá-la enquanto uma operação de

“desvio”, de interferência no movimento para a produção de novos caminhos (Clinamen),

criação de outros processos de trabalho e, desse modo, de produção de si (PASSOS; BARROS,

2001).

No processo de supervisão torna-se importante analisar junto às equipes as

transformações que ocorreram ao longo do processo de intervenção, os avanços já

alcançados na relação que se estabelece com os usuários do serviço, na

interdisciplinaridade, e na relação com a gestão, além de entender essas mudanças na sua

relação com os campos de análise da Reforma Psiquiátrica que incluem a política de saúde

mental.

(e) Aplicação das modalidades de restituição que devolvem os resultados provisórios

do trabalho aos parceiros de campo:

Processo de restituição do não dito, tanto acerca da instituição como também dos

pertencimentos institucionais dos diversos membros do grupo ao longo das sessões

socioanalíticas (HESS; SAVOYE, 1993). Nessa perspectiva, incluem-se nos encontros de

supervisão momentos em que o interventor possa apresentar alguns resultados,

compreendendo assim que esses resultados não são estáticos e sim em permanente

construção. Faz sentido que seja feita, portanto, uma análise coletiva dos avanços obtidos

com o processo.

(f) Análise das implicações primárias e das implicações secundárias do pesquisador e

dos outros participantes (em suas respectivas instituições):

O conceito de implicação, elaborado por Lourau ao longo de sua obra (L’ABBATE,

2012; 2013), é de extrema relevância para a Análise Institucional, pois através dele

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questiona-se a sacralização dos lugares ocupados pelos especialistas. A análise das

implicações surge da ampliação para o campo institucional dos conceitos de transferência

e contratransferência utilizados pela psicanálise, e emerge a partir do movimento da

psicoterapia institucional, ocorrido na França durante o pós-guerra, nos anos 1950

(COIMBRA; NASCIMENTO, 2008).

O analista em intervenção pressupõe que haja sempre uma relação construída.

Pezzato (2009) lembra que, seguindo outras disciplinas que criticam a neutralidade

científica, a Análise Institucional enfatiza o conceito de implicação. Nesse sentido, no

processo de intervenção, o lugar de externo atribuído ao pesquisador-interventor é

assumido muito mais como uma postura do que como uma realidade funcional, pois os

problemas dos grupos acompanhados devem progressivamente ser dos interventores

(PEZZATO, 2009). Esse fenômeno nega a ideia de objetividade (MONCEAU, 2003; 2013).

Por conseguinte, diferenciam-se implicações primárias de implicações secundárias.

As implicações primárias envolvem a relação do pesquisador/praticante com a

pesquisa/intervenção, com as instituições de pesquisa ou outras e com as encomendas e

demandas sociais (LOURAU, 2004b). Monceau (2010) analisa que “as implicações

primárias atualizam-se no dispositivo de análise (e/ou de pesquisa) e as questões locais

deste”.

Já as implicações secundárias estão relacionadas às dimensões epistemológicas,

sociais e históricas, bem como aos meios de divulgação da pesquisa (LOURAU, 2004b).

Monceau (2010) complementa que as “implicações secundárias são aquelas do

interventor/pesquisador na instituição científica, mas também sua relação com a política”.

Ou seja, envolve as relações em que o pesquisador/praticante está imerso, incluindo aí os

contextos mais amplos (social, histórico, político).

Sobre as implicações que envolvem o pesquisador, Barbier (1985) indica que a

ciência se baseia em um julgamento de valor inicial ao privilegiar o universal em

detrimento do particular. Isso decorre do não reconhecimento de que as ciências humanas

são mais suscetíveis à ação da subjetividade, o que não é admitido pela tradição científica

em decorrência da hegemonia das ciências da natureza. Nessa relação de suposta

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exterioridade e neutralidade algumas consequências graves se apresentam. Por isso, é

necessário reconhecer que “O contexto do pesquisador, sua formação, seus grupos de

referência, os gostos intelectuais do momento desempenham um papel decisivo”

(BARBIER, 1985, p.106).

Hess e Savoye (1993, p. 89), baseados em Lourau (2004b) afirmam que a

implicação do pesquisador se manifesta em cinco dimensões. Em relação ao seu objeto de

pesquisa/intervenção; à instituição de pesquisa e à sua equipe de pesquisa; às

encomendas e demandas sociais; à epistemologia do seu campo disciplinar. Já Barbier

(1985) analisa três níveis12 de implicação, que em nossa análise se cruzam com a

classificação anterior, a saber: nível psicoafetivo, nível histórico-existencial, nível

estrutural-profissional.

Na relação que o pesquisador estabelece com seu campo de pesquisa, muitas vezes

o objeto de investigação questiona a personalidade do pesquisador, gerando sentimentos

e afetos. Nessa relação encontra-se a implicação psicoafetiva (BARBIER, 1985).

O nível histórico-existencial associa-se ao primeiro nível, tem-se um momento

onde todos os envolvidos aceitam questionar a sua existência em seus fundamentos, a

orientação e as opções afetivas e racionais, a própria história e a experiência do

pesquisador. Esta última implica em considerar o ethos e o habitus de um pesquisador,

pois sua classe social de origem permeará o modo como o pesquisador pensa, reflete,

critica e sente frente ao mundo acadêmico e às instituições que atravessam sua pesquisa.

Ainda nesse nível de implicação encontra-se a práxis e o projeto do pesquisador, por se

considerar que o “homem é um ser ativo que por isso se engaja num processo de

transformação do mundo do qual é um dos elementos” (BARBIER, 1985, p. 114).

No nível histórico existencial, evidencia-se a atividade de pesquisa como uma

experiência possibilitadora de um exercício empírico e que ao transformar-se em um

conhecimento abstrato, norteará a construção de projetos futuros. Sobre isso, Barbier

(1985) indica as contradições expressas entre a classe social do pesquisador e a cultura

12 Escolhi para este texto utilizar a denominação usada pelo próprio autor referenciado. Vale enfatizar que, ao

utilizar a expressão nível, não estamos nos referindo a uma organização hierárquica ou que implica em profundidade ao diferenciar os níveis de implicação.

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acadêmica, por vezes dominada pela reprodução da desigualdade cultural e social que

serão importantes na transformação do instituído.

A implicação histórico-existencial, no fundo, significa que, enquanto ser social, o sujeito questionador estará sempre numa relação dialética com o objeto questionado através do canal essencial da práxis. A existência, a práxis e o projeto do pesquisador partem da história, passam pela história e voltam à história em seu vasto movimento de totalização dialética. Interrogar a implicação histórico-existencial do pesquisador é o mesmo que esclarecer a transversalidade histórica e mediatizada que estrutura e dinamiza o conjunto de seus projetos proclamados, de suas práticas em andamento e de seus produtos realizados (BARBIER, 1985, p. 116).

A relação que o pesquisador estabelece com seu campo também implica na

referência ao seu trabalho social e suas raízes socioeconômicas na sociedade

contemporânea. Isso quer dizer que o papel social de sua profissão em um mercado de

trabalho tem uma coerência interna que é estruturada por um sistema de valores de

relações de classe que influenciam diretamente a atitude individual do profissional. Isso,

muitas vezes, aparece como não dito institucional, e para trazer à tona essa relação, torna-

se imprescindível analisar a implicação estrutural-profissional (BARBIER, 1985).

Essa ideia parte ainda da concepção elaborada na Análise Institucional da oposição

do intelectual neutro-positivista ao intelectual implicado, já que este deve analisar as

implicações de seus pertencimentos e referências institucionais, além de analisar o lugar

ocupado na divisão social do trabalho na sociedade capitalista (LOURAU, 1993).

Desse modo, a análise das implicações em seus níveis psicoafetivo, histórico-

existencial e estrutural-profissional é extremamente necessária para desconstruir a noção

de neutralidade científica atrelada hegemonicamente à construção do conhecimento

científico. Além disso, essa análise permite que os participantes da pesquisa também se

reconheçam como produtores de conhecimento em um processo autoanalítico. A análise

da implicação “deve ser feita pelo grupo em questão, considerado como pesquisador

coletivo” (BARBIER, 1985, p. 127).

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A partir disso, urge interrogar sobre a análise da implicação daqueles que estão se

colocando na posição de supervisores. Quais as implicações psicoafetivas, histórico-

existenciais e estruturo-profissionais desses profissionais? Essa análise deve abranger a

orientação e as opções afetivas e racionais, a história e a experiência, os sentimentos e

afetos, e a função social da profissão exercida por esse pesquisador-interventor, ou do

supervisor no caso aqui especificado.

Coimbra e Nascimento (2008) retomam a necessidade, apontada por Lourau de

“encontrar um método de análise das implicações que, em cada situação particular,

possamos nos situar nas relações em geral, nas redes de poder, em vez de nos fixarmos

cristalizados numa posição pseudo-científica”. Nessa pesquisa, serão utilizados as

entrevistas semiestruturadas e o diário, com a finalidade de examinar as implicações dos

participantes da pesquisa. Isso será melhor apresentado mais adiante no texto.

Nesse sentido, aquilo que aparece de contestação no campo da intervenção deve

ser analisado tomando como referência o campo de análise. O campo de intervenção

corresponde ao espaço tempo que é acessível aos interventores “em função da

encomenda inicial e das modificações em extensão eventualmente produzidas pela análise

da encomenda e das demandas no decorrer da intervenção” (LOURAU, 2004a, p. 218).

Essas mudanças e todo o processo analítico vivenciado no grupo têm de estar

articulados a um sistema de referência teórico (campo de análise), e ao mesmo tempo às

implicações dos sujeitos envolvidos no processo de negociação permanente exigido no

processo de intervenção (LOURAU, 2004a).

Por fim, o princípio norteador da análise da implicação é que o próprio processo de

aproximação do pesquisador e/ou analista com o campo gera alguns impactos sobre sua própria

história e sobre o sistema de poder que precisam ser constantemente analisados (PAULON,

2005).

(g) Intenção de produção de conhecimentos:

O trabalho desenvolvido a partir de uma encomenda leva à análise de um

problema localizado e isso termina por produzir dados que carecem de ser analisados de

forma mais ampla (MONCEAU, 2013).

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Passos e Barros (2000) destacam que a Análise Institucional Socioanalítica,

formulou a ideia de uma pesquisa-intervenção13 visando interrogar os sentidos

cristalizados nas instituições incluindo aí a própria instituição de análise, com a construção

de uma metodologia que permitisse questionar os territórios constituídos convocando,

portanto, a criação de outras instituições.

Existe ainda o interesse pelos movimentos e pelas mudanças que não tem ponto de

partida nem objetivos preestabelecidos, bem como pelas transformações nas noções de teoria

e prática, superando a perspectiva tradicional (PASSOS; BARROS, 2000). Passos e Barros (2000)

contribuem com essa discussão apostando “no caráter sempre intervencionista do

conhecimento, em qualquer de seus momentos todo conhecer é um fazer” (p. 6).

Problematiza-se assim a relação do sujeito-objeto do conhecimento ao considerar o

pesquisador como necessariamente incluído no processo investigativo (AGUIAR; ROCHA,

2007).

Em outras palavras, a pesquisa-intervenção busca questionar o sentido da ação dos

sujeitos e os atravessamentos aí interpostos. A partir disso, adota-se outro modo de se

compreender a subjetividade, lançando um olhar voltado aos processos de subjetivação

dinâmicos em um agenciamento de forças instituintes e instituídas, sendo a subjetividade

expressão corpórea de regimes de verdade de um tempo (PAULON, 2005). O pesquisar busca

“apreender os movimentos coletivos de apropriação e invenção da vida que favoreçam a

produção de existências singulares” (PAULON, 2005, p. 21). Diante da compreensão do

movimento que compõe a realidade pesquisada, no processo de intervenção busca-se

caminhar junto a esses processos mutantes, buscando o ineditismo da experiência humana

que estejam a produzir a diferença, operando desse modo no plano dos acontecimentos.14

Ao adotar a construção do conhecimento como indissociável da prática da supervisão

no campo da saúde mental, abre-se a possibilidade da construção de conhecimentos sobre tal

13 Existem discussões acerca das semelhanças e diferenças em torno da pesquisa-intervenção e pesquisa-ação,

sobre a relação sujeito-objeto, produção de conhecimento, entre outros. Essas características não serão foco da análise aqui, mas podem ser vistas em Severo (2009), Paulon (2005), Passos e Barros (2000). Pezzato (2012), apontando os diferentes modos de compreender a pesquisa-ação, desenvolveu uma pesquisa-ação-intervenção, que visava também à produção do conhecimento a partir da intervenção realizada.

14 O acontecimento em Análise Institucional diz respeito ao momento de aparição do novo, da singularidade e da diferença, que provoca o movimento da dimensão instituída e organizada da realidade (BAREMBLITT, 1992).

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dispositivo que, por serem suscitados no contexto dos serviços substitutivos, permitam

compreender novas formas de desenvolvê-la coerentes com a atenção psicossocial.

(h) Atenção aos contextos e às interferências institucionais nas quais estão envolvidos

os pesquisadores e os outros participantes:

As instituições que atravessam os sujeitos envolvidos no dispositivo neles

interferem de modo a estimular a produção de efeitos de conhecimento e de

transformação (MONCEAU, 2010).

Nesse aspecto, sublinha-se a elucidação das transversalidades, ou seja, a análise

dos vínculos/pertencimentos e das referências positivas ou negativas pelos diversos

membros do coletivo em análise (HESS; SAVOYE, 1993). O conceito de transversalidade

criado por Guattari substitui o de transferência institucional, no qual a transversalidade

opõe-se à verticalidade (hierarquia fechada em organogramas específicos) e

horizontalidade (vinculações feitas entre iguais). O processo de transversalização deve

permitir o dissenso sem que isso seja interpretado em um grupo como brigas ou como um

fator de fragmentação ou extinção desse grupo.

A transversalidade é uma dimensão que pretende superar os dois impasses, o de uma pura verticalidade e o de uma simples horizontalidade; ela tende a se realizar quando uma comunicação máxima se efetua entre os diferentes níveis e sobretudo nos diferentes sentidos. É o próprio objeto da busca de um grupo sujeito (GUATTARI, 2004, p. 96).

O grupo torna-se mais sujeito ou menos sujeitado dependendo do seu coeficiente

de transversalidade. O grupo-sujeito tem disposição de gerir a sua relação com as

determinações externas e com a própria lei interna do grupo, dentro de algumas

possibilidades (GUATTARI; ROLNIK, 2005). Já o grupo sujeitado tende a ser manipulado

pelas determinações externas e por sua própria lei interna.

Na perspectiva de Lourau (1975), a transversalidade é o que funda a ação

instituinte nos grupos, pois sua ação coletiva carece de entender e vivenciar uma dialética

entre a autonomia e os limites objetivos do grupo. “A transversalidade reside no saber e

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no não-saber do grupamento a respeito de sua polissegmentaridade. É a condição

indispensável para passar do grupo-objeto ao grupo-sujeito” (LOURAU, 1975, p. 270).

A clínica e a supervisão comportam historicamente relações de saber-poder

instituídas, que precisam ser constantemente analisadas, tanto na relação interprofissional

no que se refere às hierarquias entre os saberes como também na relação trabalhador-

usuário. Nesse sentido, precisa-se analisar o lugar que o analista-pesquisador ocupa nessa

relação que “legitima o instituído, incluindo aí o próprio lugar de saber e estatuto de poder

do perito-pesquisador” (PAULON, 2005, p. 23).

Durante o processo de intervenção vivenciado utilizamos o diário como forma de

registrar-analisar. Hess (2006) identifica que ele é uma prática antiga, reportando-se às

práticas do diário de pesquisa e do diário íntimo. Concordo com Pezzato e L'Abbate (2011)

quando discutem o uso do diário na Análise Institucional e ressaltam que este se constitui

em:

[…] uma ferramenta de intervenção que tem o potencial de produzir um movimento de reflexão da própria prática, na medida em que o ato da escrita do vivido, no âmbito individual ou no coletivo, é o momento de reflexão sobre e com o vivido, revelando o não dito e pressupondo a não neutralidade do pesquisador no processo de pesquisar (p. 1303).

A Análise Institucional, ao evidenciar a necessidade da análise das implicações,

trouxe à tona a questão de como fazê-lo. A prática da construção do extra-texto (ET), de

diários de pesquisa e suas publicações por pesquisadores ao longo da história aponta os

golpes sofridos pela pretensa separação entre pesquisador e objeto de pesquisa (LOURAU,

2004c). Por conseguinte, Lourau (2004c) indica a importância de transformar o ET, no qual

inclui-se o diário, em procedimento de trabalho para apoiar a análise das implicações.

Atualmente o diário é um instrumento utilizado por etnólogos, educadores, formadores e

agentes de desenvolvimento social (HESS, 2006).

O diário é escrito no cotidiano, no momento em que se vive ou se pensa,

diferenciando-se da história de vida ou das memórias. Assim abre-se a possibilidade da

emersão da “força dos sentimentos, a parcialidade de um julgamento, enfim, a falta de

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distanciamento” (HESS, 2006, p. 91). Em geral o diário é escrito por uma pessoa, mas

existe a possibilidade dele ser escrito por um coletivo.

Ele contém apenas fragmentos do vivido, pois não é possível escrever tudo o que

se vivencia, mas sim explorar algumas dimensões do vivido (HESS, 2006). Isso acontece no

plano da lógica dialética de maneira que os registros aí realizados são singulares, mas

também possuem, por vezes, valor universal ou particular. “Reconstituindo as lembranças,

ele permite explorar o passado. Mostra a ligação com a vivência atual” (HESS, 2006, p. 92).

A escrita do diário é transversal, permitindo explorar os diversos objetos

(pensamentos, sentimentos, leitura de textos, entre outros). Através do diário, temos uma

acumulação do escrito, das experiências, reflexões e sentimentos, e com o transcorrer do

tempo, ele pode adquirir uma dimensão histórica, tornando-se um banco de dados (HESS,

2006).

O diário pode assumir diversas formas com objetivos diversos. Para Hess (2006),

existe o diário filosófico, o diário de viagem, o diário íntimo, o diário de pesquisa, o diário

de formação e o diário de momentos. Ele pode assumir ainda a forma de Diários de

pesquisa e institucional (PEZZATO; L'ABBATE, 2011; LOURAU, 2004c). Ao longo do processo

de intervenção, desenvolvi um diário, que terminou por assumir ao mesmo tempo a forma

de um diário institucional e diário de pesquisa.

Hess (2006) elucida que na sua prática do diário institucional, evidenciaram-se as

relações pedagógicas no contexto do estabelecimento, e que em outros diários

institucionais podem existir variações no foco de análise e de narração. Na experiência de

Pezzato (2009), o diário institucional foi desenvolvido pelos integrantes do grupo

participantes da pesquisa de modo a analisar as dimensões do seu exercício profissional.

De forma geral, Hess (2006) define que o diário institucional considera as “dimensões

individuais, interindividuais, grupais, organizacionais, institucionais da vida de um

estabelecimento” (p. 96).

Na experiência aqui analisada, o diário foi assumindo no processo de pesquisa, pois

serviu ao mesmo tempo como registro dos processos institucionais vivenciados, e sua

feitura constituiu-se em um processo reflexivo sobre o “ser supervisora” da rede de saúde

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mental de um município. Além disso, foi proposto que o grupo participante pudesse

desenvolver também seu diário, porém, isso não chegou a ser efetivado. A equipe

demonstrava dificuldades em produzir algo escrito sobre sua prática, não aderindo a esse

tipo de procedimento seja dentro ou fora do contexto da supervisão.

1.3 O CAMPO DE INTERVENÇÃO: UM CAPS NO RN

O estado do Rio Grande do Norte15 localiza-se ao norte da região Nordeste

brasileira e possui uma população de 3.168.027 habitantes. Atualmente existem 167

municípios em uma área total de 52.811,047 Km2.

A maioria da população do estado do RN reside em área urbana (77,8 %), com a faixa

etária predominante entre 25-39 anos (24,1%) e, em segundo lugar, 40 a 59 anos (21,1%). A

população com 15 anos ou mais de idade que não sabe ler e escrever é 18,5% da população

total, número que duplica quando observada a população com mais de 40 anos. O índice de

desenvolvimento humano16 no estado é de 0,684. O índice do RN é considerado médio, mas

ainda abaixo da média nacional, que é de 0,727. A seguir o RN de acordo com suas regiões de

saúde.

15 Informações obtidas através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 16 Esse índice, que vai de 0 a 1, considera indicadores de longevidade (saúde), renda e educação.

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MAPA 1 O Rio Grande do Norte e suas regiões de saúde

Fonte: RIO GRANDE DO NORTE, 2013.

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No RN há oito regiões17 de saúde, com um total de 1.932 estabelecimentos de

saúde, e desses, 1.294 são públicos.

O RN possui 75% da proporção da cobertura populacional feita por 861 equipes da

Estratégia Saúde da Família. No entanto, há municípios importantes (Natal, Parnamirim,

Currais Novos, Apodi, Mossoró) que abrigam 42,52 % da população do estado, e tem a

cobertura inferior a 80%. Isso aponta a baixa cobertura que reflete importantes vazios

assistenciais que fragilizam a assistência prestada (RIO GRANDE DO NORTE, 2013).

Os serviços de saúde mental CAPS estão distribuídos por região conforme

demonstrado na tabela a seguir.

TABELA 1 Distribuição de CAPS por Regiões de Saúde no Estado do RN em 2013

Região de Saúde

CAPS I CAPS II CAPS III CAPSad CAPSi TOTAL Indicador

1ª Região de Saúde

4 - - 1 - 5 0,85

2ª Região de Saúde

3 2 - 1 1 7 1,23

3ª Região de Saúde

- 1 - - - 1 0,34

4ª Região de Saúde

2 1 1 - - 4 1,18

5ª Região de Saúde

1 1 - - - 2 0,81

6ª Região de Saúde

1 1 - - - 2 0,65

7ª Região de Saúde

- 4 1 3 2 10 0,88

8ª Região de Saúde

1 - - - - 1 0,29

Fonte: Blog Saúde Mental do RN (http://saudementalrn.wordpress.com/caps).

17 A compreensão da região de saúde implica na definição dos seus limites geográficos e da sua população e no

estabelecimento do rol de ações e serviços ofertados na região. As competências e responsabilidades dos pontos de atenção no cuidado integral estão correlacionadas com abrangência de base populacional, acessibilidade e escala para conformação de serviços (BRASIL, 2010).

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O indicador de cobertura CAPS do RN é 0,78,18 e de acordo com os parâmetros

nacionais essa cobertura é considerada muito boa. Mas percebemos que há uma

irregularidade nisso quando observamos as diferenças regionais. As terceira e oitava

regiões apresentam uma baixa coberta da rede CAPS, enquanto as segunda e quarta

regiões apresentam uma cobertura considerada muito boa. Mas ressaltamos que é

importante problematizar acerca do funcionamento dos serviços, onde a instalação dos

CAPS não garante a qualidade do funcionamento destes.

O município onde se realizou o processo de supervisão está situado na quarta

região de saúde, cuja cidade principal é distante 282 mil km da capital. Essa região de

saúde abrange 25 municípios, com uma população total de mais de 295 mil habitantes.

MAPA 2 4ª Região de Saúde (Caicó) e sua rede de serviços de saúde mental

Fonte: Blog Saúde Mental do RN (http://saudementalrn.wordpress.com/caps).

18 De acordo com informações do site <http://saudementalrn.wordpress.com/politica-de-saude-mental/avaliacao-

da-saude-mental-no-brasil>, os indicadores de cobertura nacionais são expressos através dos seguintes parâmetros: cobertura muito boa (acima de 0,70); cobertura boa (entre 0,50 e 0,69); cobertura regular/baixa (entre 0,35 a 0,49); cobertura baixa (de 0,20 a 0,34); cobertura insuficiente/crítica (abaixo de 0,20).

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O município onde realizamos a intervenção tem uma população total de 20.354

habitantes e possui uma área geográfica de 513 m2 (IBGE, 2010). Sua população urbana se

distribui, de acordo com a área de domicílio, em 17.084 habitantes na zona urbana e 3.270

na zona rural. Segundo a distribuição por sexo existem 9.961 homens e 10.393 mulheres

na cidade (IBGE, 2010).

A rede de saúde do município é composta por vinte estabelecimentos de saúde. Na

Zona urbana há um hospital municipal, uma maternidade, uma policlínica, nove postos de

saúde e seis pontos de apoio, prestando serviços à atenção básica, além do CAPS tipo I do

município. Existe ainda no município uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família

(NASF).

O CAPS I funciona desde 21 de julho de 2006, como referência no atendimento em

saúde mental para a população de outros quatro municípios, somando uma população de

aproximadamente 35.415 habitantes.19 Sua equipe era composta no período da supervisão

por dezesseis profissionais,20 a saber: uma psiquiatra, uma psicóloga, uma enfermeira, uma

nutricionista, duas assistentes sociais, um farmacêutico, uma auxiliar de enfermagem, duas

auxiliares de farmácia, uma artesã, um técnico administrativo e coordenador do serviço e a

equipe de apoio (uma chefe de cozinha, uma auxiliar de cozinha, duas pessoas que

trabalham na limpeza, uma recepcionista). A carga horária de trabalho dos profissionais de

nível superior variava bastante, e a maioria trabalhava entre dois e três dias por semana no

CAPS.

O CAPS I funciona de segunda a sexta, das 7 às 17 horas. Dentre as atividades

desenvolvidas pelo serviço constavam: oficinas terapêuticas, grupos terapêuticos,

consultas psicológicas, orientações do serviço social, visitas domiciliares, passeios, entre

outros. O serviço atendia 77 usuários com atendimento intensivo e semi-intensivo,

caracterizado pela equipe como intensivos – que frequentam os dois turnos e fazem

quatro refeições diárias – e semi-intensivos – que ficam apenas um turno do dia.

19 Informações retiradas do Relatório de Buscativa em saúde mental no município, construído por Aragão e Assis

(2009). 20 Nessa equipe, havia uma elevada rotatividade, com trocas constantes de profissionais. Isso será analisado

posteriormente.

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A equipe do NASF era composta por dois fisioterapeutas, um psicólogo, um

nutricionista e um educador físico.

1.4 OS CAMINHOS SEGUIDOS E OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Para a realização desta pesquisa, adotamos três tipos de estratégias principais: a

pesquisa documental dos editais de supervisão em saúde mental lançados pelo Ministério

da Saúde a partir do ano de 2005; entrevistas semiestruturadas com os ex-coordenadores

de saúde mental do estado e do município; e uma pesquisa-intervenção ao longo de doze

encontros de supervisão clínico-institucional da rede de Atenção Psicossocial21 em um

município do interior do Nordeste.

1.4.1 Análise Institucional no papel: a pesquisa bibliográfica e documental

A partir de buscas realizadas em diversos sites da internet, chegamos ao material

de análise constituído pela legislação específica que trata da supervisão em saúde mental

no Brasil (Portaria GM 1.174, de 7 de julho de 2005), os relatórios das Conferências

Nacionais de Saúde Mental brasileiras (quatro), editais lançados pelo Ministério da Saúde

com a finalidade de financiar projetos de supervisão (nove). Além disso, foi realizada uma

ampla pesquisa bibliográfica em livros e artigos sobre os relatos de experiência de

profissionais envolvidos com a supervisão nas décadas de 1980 e 1990.

A escolha dos relatórios das Conferências ocorreu por considerarmos o momento

das Conferências um dos recursos primordiais de participação popular na avaliação e

proposição de novos rumos para as políticas de saúde de forma geral, e no caso da CNSM,

nos rumos da política de saúde mental de forma particular. Nesse sentido, buscamos

identificar quais as percepções sobre supervisão foram apresentadas nas Conferências

através de seus relatórios, quais as mudanças nessa compreensão com o desenvolvimento

21 Essa nomenclatura foi a adotada pelo Ministério da Saúde no edital de seleção, conforme ver-se-á ao longo

deste trabalho.

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histórico, quais as funções assumidas pelo supervisor. Portanto, buscou-se identificar os

consensos e as contradições apresentados por diferentes sujeitos envolvidos no campo da

Reforma Psiquiátrica brasileira acerca do tema supervisão.

Através dos editais lançados pelo Ministério da Saúde busquei perceber como o

Ministério, enquanto órgão estatal responsável direto pela política de Saúde Mental

brasileira, tem se pronunciado sobre a supervisão e planejado essa atividade no âmbito da

política de saúde mental brasileira. Nos editais, explorei questões relacionadas à definição

de supervisão, às diretrizes e atribuições da supervisão e o recurso destinado para o

financiamento dos projetos. Além dos editais, explorei os seus resultados que continham a

lista de supervisores acessadas através de documentos do Ministério da Saúde. Com essa

lista, procedi a uma busca na internet.

Além dessas, procedemos a entrevistas com os ex-coordenadores de saúde mental,

um do estado do RN e um da cidade de Natal do RN. As entrevistas semi-estruturadas são

importantes ferramentas de pesquisa na medida em que proporcionam que os seus

participantes falem da sua experiência de forma mais livre, evidenciando alguns aspectos

vivenciados e considerados importantes. Ela constitui-se de pontos pré-formulados, cuja

ordem das questões pode variar no decorrer da entrevista, e objetiva obter dados sobre o

significado da experiência dos sujeitos entrevistados.

A seguir, apresentaremos um resumo das atividades desenvolvidas nesses

encontros.

1.4.2 O processo de supervisão clínico-institucional da Rede de Atenção Psicossocial

Foram realizados, de março de 2011 a fevereiro de 2012, doze encontros de

supervisão mensais com carga horária aproximada de seis horas cada. Todos os encontros

foram registrados em diário de pesquisa. Participaram cerca de quinze profissionais do

CAPS e seis do NASF, com frequência variada, bem como o secretário de saúde. Este foi

convidado três vezes para supervisão pela coordenação do serviço e participou de uma

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reunião, ocasião em que foi convidado conjuntamente pela supervisão e coordenação do

serviço.

(a) Os encontros de supervisão:

Foram realizados, de março de 2011 a fevereiro de 2012, doze encontros de

supervisão mensais, com carga horária aproximada de seis horas cada.

1º ENCONTRO (MARÇO DE 2011): APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DA PROPOSTA DE SUPERVISÃO.

PARTICIPANTES: EQUIPE DO CAPS I.

Nesse encontro realizamos a discussão da proposta e metodologia de trabalho

junto à equipe, enfocando principalmente que a supervisão seria desenvolvida a partir de

discussões dos casos e da análise dos processos de trabalho. Segundo a equipe,

anteriormente não se construía a análise dos processos de trabalho nas supervisões,

sendo uma novidade a partir de então.

Nessa etapa, debatemos junto à equipe quais os problemas identificados como mais

relevantes perpassavam aquele cotidiano, mapeando assim as principais fragilidades teóricas e

práticas. Algumas dificuldades acerca da gestão do trabalho em equipe foram colocadas, tais

como: conflito entre o secretário de saúde e a anterior coordenação do CAPS, mudança da

coordenação do CAPS, dificuldades em realizar sistematicamente reuniões de equipe.

Algumas dificuldades acerca do atendimento dos casos clínicos também foram

expressas, principalmente no atendimento às famílias e às situações de atendimento aos

transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. De modo geral, a equipe

avaliava como positivo seu atendimento e sua perspectiva de trabalho na rede de saúde

mental do município.

A partir das dificuldades relatadas, pactuamos que no encontro seguinte

trabalharíamos com os temas gestão da clínica e gestão da equipe.

2º ENCONTRO (ABRIL DE 2011): GESTÃO DA CLÍNICA.

PARTICIPANTES: EQUIPE DO CAPS I.

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MATERIAL DISCUTIDO: TEXTO “EQUIPE DE REFERÊNCIA (RESPONSÁVEL) E PROJETO TERAPÊUTICO

SINGULAR” (MINISTÉRIO DA SAÚDE).

Nesse encontro discutimos a gestão da clínica na perspectiva da clínica ampliada,

abordamos a construção do projeto terapêutico singular e a importância de eleger um

técnico de referência na equipe.

Nesse processo de discussão, a equipe colocou as dificuldades frente às mudanças

pelas quais o CAPS e a rede de saúde estavam passando diante da transição do secretário de

saúde do município, como também da coordenação do serviço. Além disso, foi explicitado

que o CAPS havia perdido sua autonomia nas decisões financeiras, gerando dificuldades na

organização da medicação dos usuários e na organização de festividades no serviço.

Tentamos dialogar no sentido de compreender a importância de estabelecer uma

relação de parceria com os gestores, como também apoiar a nova coordenação do serviço,

desenvolvendo assim novos arranjos de gestão na rede de serviços.

Além disso, em relação às dificuldades clínicas, a equipe colocou a complexidade

de trabalhar mais com os familiares.

Pactuamos que na próxima supervisão faríamos um dia em comemoração da Luta

Antimanicomial, incluindo uma discussão principalmente com os familiares e a comunidade.

3º ENCONTRO (MAIO DE 2011): DISCUSSÕES DE CASOS CLÍNICOS A PARTIR DA FERRAMENTA DO

PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR.

PARTICIPANTES: EQUIPE DO CAPS I, VEREADORA DO MUNICÍPIO.

MATERIAL UTILIZADO: RELATOS DOS CASOS CLÍNICOS CONSTRUÍDOS PELA EQUIPE DO CAPS.

Apesar de no mês anterior ter sido discutido que se faria uma discussão com os

familiares e a população sobre a Luta, a equipe se reuniu e preferiu discutir alguns casos

clínicos na supervisão, diante dessa necessidade urgente.

Nesse sentido, debatemos diversos casos clínicos a partir da ferramenta do PTS,

bem como a organização da equipe e da rede para atender a esses novos casos. Algumas

indicações foram dadas no sentido de fortalecer o diálogo com a atenção básica para um

caso de cárcere privado e maior assistência junto à família, articulação com a assistência

social para intervir em um caso de possível violência doméstica.

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Novamente, a equipe do CAPS expressou sua indignação frente às atitudes do novo

secretário de saúde, que vinha gerando a falta de medicação psicotrópica, problemas no

transporte de alguns usuários em crise do CAPS I para CAPS III na cidade vizinha, e

dificuldade no estabelecimento de diálogo com a SMS. Uma vereadora do município foi

acionada para tentar mediar um diálogo com o secretário.

Pactuamos que o coordenador do CAPS insistiria em levar o secretário de saúde na

próxima supervisão com a finalidade de dialogar com a equipe do CAPS.

4º ENCONTRO (JUNHO DE 2011): DISCUSSÃO DE PROJETOS TERAPÊUTICOS SINGULARES.

PARTICIPANTES: EQUIPE DO CAPS I.

MATERIAL UTILIZADO: RELATO DO COTIDIANO DA EQUIPE.

A reunião iniciou com a recordação dos acordos da reunião anterior e verificamos

que nada do que havia sido combinado foi resolvido. Foi questionado sobre a coordenação

do CAPS e a gestão da equipe. Um mal-estar foi gerado na situação, pois surgiram

comparações entre a coordenação anterior do CAPS e a coordenação vigente. Além disso,

foram apontadas dificuldades no diálogo com uma profissional do serviço, que trabalhava

de forma individualizada.

A equipe parecia mais calma na relação com a Secretaria de Saúde, pois havia feito

uma reunião com esclarecimento de algumas questões com o secretário de saúde.

Realizamos ainda a discussão de um caso clínico de uma família cujo filho fazia uso

abusivo de álcool e a mãe sofria de transtorno mental, mas não aceitava tomar a

medicação. Acordamos que iríamos acionar outras pessoas da família para o cuidado da

usuária, e que se tentaria incluir o usuário em outras atividades do serviço.

Foi feita uma demanda de alguns técnicos da equipe de realizarmos as supervisões

com a participação do NASF. Pactuamos que na próxima reunião iríamos incluir nela a

equipe do NASF, e assim efetivaríamos melhor a construção da rede.

Além disso, indicamos a necessidade de avaliar e construir atividades no/pelo

serviço junto com os usuários e familiares. Assim, foi proposto a realização e uma

retomada de avaliação das atividades desenvolvidas no serviço pela equipe e pelos

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usuários através de dispositivos como assembleias, para com isso planejar as ações

desenvolvidas pelo CAPS no segundo semestre.

5º ENCONTRO (JULHO DE 2011): PAPEL DO CAPS I NA REDE E OFICINA DE PLANEJAMENTO DO SERVIÇO.

PARTICIPANTES: EQUIPE DO CAPS I E DO NASF.

MATERIAL E MÉTODOS: OFICINA DE PLANEJAMENTO DAS ATIVIDADES DO SERVIÇO CAPS COM O

USO DO RELATO DAS ASSEMBLEIAS.

Houve dificuldades no agendamento desse encontro em decorrência da mudança

de estabelecimento da sede do CAPS entre os meses de junho e julho. Entretanto, insisti

na importância de se realizar a supervisão diante da necessidade da equipe reunir-se.

No início da reunião, algumas melhoras e outros impasses em relação à nova casa do

CAPS surgiram. As dificuldades referiam-se principalmente à distância em relação ao centro

da cidade, gerando dificuldades no acesso da população e da própria equipe do serviço.

Alguns pontos foram indicados como positivos, como por exemplo, salas mais amplas.

Durante a primeira parte da reunião, a equipe do NASF da cidade participou da

supervisão. Eles apresentaram um pouco do seu trabalho, que estava consistindo na

formação de muitos grupos, de diversos tipos, nos bairros vinculados às Unidades de

Saúde da Família. Interroguei ainda sobre a necessidade do NASF trabalhar na qualificação

das ESFs nos atendimentos, para não perpetuar a fragmentação da assistência. Nesse

momento, o NASF apresentou como demanda principal a qualificação para o atendimento

em saúde mental, e como principal dificuldade a desarticulação de algumas ESFs no

trabalho proposto pelo NASF. Ressaltei a relevância de se construir um atendimento

fundado na corresponsabilidade, mas que trataríamos desse tema no próximo encontro.

Na segunda parte do encontro, fiz uma breve explicação/contextualização sobre o

papel do CAPS I na rede de serviços. Após isso, realizamos uma oficina de avaliação das

atividades do CAPS pela equipe, com o planejamento de novas atividades no serviço.

Nesse encontro, a avaliação foi baseada nas opiniões dos trabalhadores do serviço e dos

usuários que foram tomadas em depoimento a partir de uma assembleia.

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Durante a oficina de planejamento, percebemos algumas dificuldades vivenciadas

pela equipe relacionadas à construção de oficinas de artesanato após a saída da arte-

terapeuta do serviço e não reposição dessa profissional.

Pactuamos que mesmo sem a arte-terapeuta, as oficinas de artesanato seriam

realizadas com a ajuda dos diversos técnicos e dos usuários, além de tentar haver uma

organização da equipe para a manutenção de pelo menos dois profissionais nas oficinas.

Além disso, foi acordado ainda que a equipe reivindicaria junto ao secretário de saúde

uma pessoa formada em Arte-Terapia, a continuidade das assembleias, além de mais

espaços terapêuticos onde fossem inclusos os familiares.

6º ENCONTRO (AGOSTO DE 2011): O PAPEL DO NASF NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL.

PARTICIPAÇÃO DA EQUIPE DO CAPS I E EQUIPE DO NASF.

MATERIAL E MÉTODOS: PORTARIA DO NASF; TEXTOS SOBRE OFICINAS TERAPÊUTICAS E APOIO MATRICIAL.

O tempo da supervisão foi dividido em duas partes, sendo três horas de supervisão

com o CAPS e três horas com o NASF.

Na primeira etapa do encontro, discutimos sobre a gestão da clínica com os

usuários de álcool e drogas, reorganização do serviço, articulação com o hospital e

problema de atendimento aos usuários em crise. Nesse último item, foi mencionada a

dificuldade da articulação com o hospital geral para o atendimento à urgência em saúde

mental. Além disso, o CAPS III de referência para o CAPS I não era bem avaliado pelo

serviço, além de localizar-se em outra cidade, dificultando o acompanhamento da

internação pela equipe e pela família. A partir disso, pensamos ser necessário incluir na

supervisão a qualificação do atendimento à crise no hospital da cidade.

Na segunda parte do encontro, debatemos junto ao NASF sua função de acordo com a

portaria 2.488/2011, apontando principalmente o apoio matricial e de formação das equipes

da atenção básica, analisando como a equipe do NASF tem se organizado no território.

Alguns problemas foram apontados pela equipe, na articulação NASF-atenção

básica, acolhimento da equipe do NASF, onde o NASF vinha trabalhando na perspectiva de

construção de atendimentos grupais, sem o efetivo envolvimento de profissionais das

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ESFs. Além disso, também foi discutida a pressão exercida pela SMS para que o NASF

fizesse grupos na atenção básica, assim dando maior visibilidade para a sua atuação.

7º ENCONTRO (SETEMBRO DE 2011).

PARTICIPANTES: EQUIPE DO CAPS I, NASF.

TEMA: REAVALIAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO CAPS. PLANEJAMENTO DE AÇÕES

CONJUNTAS CAPS E NASF.

Esse encontro foi revestido de muitos conflitos e ressentimentos. As dificuldades

que vinham sendo vivenciadas junto ao secretário de saúde tomaram uma dimensão cada

vez maior. As discussões giraram em torno da indicação, por parte da SMS, de uma

coordenadora que não fazia parte da equipe, dos trabalhadores que vinham saindo em

decorrência do término dos contratos de trabalho e da não reposição do quadro da

equipe, e em torno da preocupação de manter a qualidade do serviço.

Outra preocupação constante foi sobre a saída da antiga coordenadora e a

necessidade de que o administrador assumisse a coordenação. A equipe demonstrava

interesse nisso, porém o profissional afirmava não se sentir preparado para exercer aquela

função. Desse modo, os profissionais aconselharam-no, apoiando-o e incentivando-o para

que ele desenvolvesse habilidades necessárias à função de coordenação.

Discutimos ainda a necessidade de a equipe se organizar no seu cotidiano, montar

um projeto para o serviço e construir as atividades. Esse projeto já deveria ter sido

organizado, mas a equipe do CAPS não conseguiu montá-lo e solicitava que isso fosse feito

durante a supervisão. Então realizamos essa atividade, e a partir daí tentamos construir

acordos de ter uma gestão de trabalho com compartilhamento de responsabilidades.

Propusemos ainda a avaliação da supervisão, pois estávamos na metade dos doze

meses indicados pelo MS. Alguns expressavam as diferenças com a supervisão realizada

anteriormente norteada pela condução da análise dos casos clínicos. O grupo iniciava um

processo autoanalítico no sentido da problematização das funções da reunião de equipe,

já que os profissionais não vinham conseguindo explorar esse espaço. Um dos pontos

positivos citados foi a inclusão do NAFS na supervisão, pois este vinha conseguindo

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trabalhar com grupos de convivência nos quais os usuários vinham relatando a diminuição

no uso de psicotrópicos.

Esse momento foi importante porque a equipe do CAPS I conseguiu olhar para seu

próprio ritmo e sua necessidade de organização. Pactuamos que no encontro seguinte

iríamos fazer uma reunião com o secretário de saúde e a equipe do NASF e à tarde

discutiríamos um caso clínico, pautado na preparação do caso pela equipe do CAPS.

8º ENCONTRO (OUTUBRO DE 2011).

PARTICIPANTES: CAPS, NASF E SECRETÁRIO DE SAÚDE.

TEMAS: GESTÃO DO SERVIÇO E DA REDE (RELAÇÃO CAPS, NASF E SECRETARIA DE SAÚDE); CLÍNICA

(CUIDADO A USUÁRIOS DE ÁLCOOL).

Sobre a clínica, discutimos a temática do uso de drogas na sociedade na perspectiva de

redução de danos, tentando desconstruir atuações moralizantes. Os profissionais começaram

a perceber suas implicações com a temática, tendo em vista o uso comum das drogas no meio

social e principalmente na cultura local. O uso abusivo de álcool no dia da feira da cidade

atraía os usuários, de modo que alguns não queriam estar no serviço nesse dia.

No encontro com o secretário de saúde, discutimos o que havia sido realizado nas

supervisões anteriores, demonstrando algumas propostas/saídas para os dilemas encontrados

entre os profissionais de saúde e o secretário. Apresentamos um pouco dos avanços e dos

retrocessos vivenciados naquele cotidiano, principalmente no que se refere à mudança da

gestão/coordenação no serviço e Secretaria de Saúde. Explicitei algumas proposições tais

como diálogo entre a Secretaria de Saúde e a equipe do CAPS, no sentido de: pactuar como se

faria o gerenciamento do CAPS (coordenação e administração do serviço); discussões sobre a

falta de profissionais como arte-terapeuta; e modo de coordenação da rede de saúde mental

do município. Uma sugestão importante foi a institucionalização dos fóruns coletivos sob a

responsabilidade do CAPS, NASF e Secretaria de Saúde.

O secretário de saúde respondeu às indagações propostas com esclarecimentos

acerca das dificuldades vivenciadas e ofereceu-se a apoiar e auxiliar o CAPS e o NASF,

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demonstrando apoio no que eles fossem desenvolver. A reunião foi bastante produtiva

avançando no diálogo entre Secretaria de Saúde e CAPS.

9º ENCONTRO (NOVEMBRO DE 2011):

PARTICIPANTES: CAPS, NASF, CREAS, CRAS, ESFS, POLÍCIA COMUNITÁRIA.

TEMA: FORMAÇÃO DE REDES DE SAÚDE MENTAL EM UMA PERSPECTIVA INTERSETORIAL.

DISCUSSÃO SOBRE O QUE SÃO REDES FORMAIS E INFORMAIS. DIAGNÓSTICO DE PROBLEMAS E

ESTRATÉGIAS DE ATENDIMENTO RELACIONADOS À SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO.

No início da reunião discutimos a função das redes sociais no suporte e cuidado a

usuários de saúde mental e propus uma dinâmica na qual cada serviço pudesse apresentar

sua função na rede, a oferta de serviços e as dificuldades que essa rede possuía no

cuidado em saúde mental.

Uma primeira discussão sobre o funcionamento da rede e suas dificuldades foi

realizada. Sobre as dificuldades destacadas pelos profissionais, podemos apontar: ausência

de um profissional de psicologia que atendesse individualmente, conflitos entre o NAFS e

as ESFs em decorrência da desarticulação desses dois serviços e de o primeiro assumir

responsabilidades do segundo, não notificação pelos órgãos responsáveis acerca dos casos

de violência doméstica associadas ao uso abusivo de álcool, despreparo do hospital geral

para o atendimento à crise psiquiátrica, tanto em relação à estrutura física como à

qualificação profissional.

Os movimentos assinalados como positivos na rede municipal foram: a criação de

grupos de convivência pelo NASF, que vinha produzindo efeitos de desmedicalização da

população; habilidades desenvolvidas a partir da experiência de vida de alguns profissionais

do hospital geral para atender à crise; profissionais que trabalhavam simultaneamente no

CAPS e no hospital e por isso tinham mais facilidade no atendimento à crise; formação e

funcionamento de redes não formalizadas de cuidado entre os profissionais de serviços

diferentes, facilitando a discussão dos casos no cotidiano dos serviços, entre outros.

Durante o encontro, conseguimos montar as informações que constam no quadro

seguinte.

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QUADRO 1 A configuração da rede e suas necessidades

Tipo de demanda em saúde mental que atende

Recursos de que essa rede dispõe

O que as pessoas que compõem a rede vieram buscar

Transtornos leves, moderados e graves.

Casos onde há situação de cárcere privado.

Violência doméstica, principalmente contra a

mulher, associada a casos de alcoolismo.

Usuários que se negam a ir ao CAPS, no caso da Estratégia de Saúde da Família e do hospital

Medicalização do sofrimento.

Pessoas em surtos ou situações de “falso surto”.

Familiares solicitando a internação psiquiátrica, mesmo

em casos onde não há necessidade.

Adolescentes em situação de dependência química.

Ações de prevenção.

Atenção integral e resolutiva.

Disponibilidade de trabalho em rede.

Grupos de convivência.

Aprendizado: como trabalhar com as famílias

Como trabalhar a relação usuário-família-profissional de

saúde.

Coresponsabilização.

Criação de grupos na Estratégia de Saúde da Família.

Solicitação dos ACSs para realização de visitas domiciliares

em conjunto.

Promoção de espaços de trabalho intergeracional.

Realização de encontros NASF-ESFs- CAPS.

Como o hospital pode trabalhar com as situações de surtos.

Qualificação para o atendimento aos casos de

violência doméstica que no momento não estavam sendo

notificadas.

Fonte: Diário de pesquisa.

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Os profissionais da rede trouxeram como demandas para a supervisão e para a

rede as seguintes questões: como trabalhar a relação usuário-família-profissional de

saúde; criação de grupos na Estratégia de Saúde da Família; solicitação dos ACS para

realização de visitas domiciliares compartilhadaa com as equipes e com a rede; realização

de encontros NASF-ESFs-CAPS; a inserção do hospital do trabalho com as situações de

crises psiquiátricas; qualificação para o atendimento dos casos de violência doméstica

associados ao uso abusivo de álcool que não estavam sendo notificadas.

Diante disso, durante as supervisões seguintes, propusemos fazer encontros de

rede para que pudéssemos encontrar saídas coletivas para as dificuldades vivenciadas.

Percebemos que a rede, no sentido de contato entre os profissionais e estabelecimento de

parcerias, estava se fortalecendo.

10º ENCONTRO (DEZEMBRO DE 2011).

PARTICIPANTES: CAPS I, NASF, ESF, CRAS, CREAS, CONSELHO TUTELAR, PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO.

TEMA: FORMAÇÃO DE REDES DE SAÚDE MENTAL EM UMA PERSPECTIVA INTERSETORIAL. APOIO

MATRICIAL COMO ESTRATÉGIA DE ARTICULAÇÃO ENTRE OS SERVIÇOS.

Nesse período, foram realizados dois dias de supervisão, sendo um destinado às

visitas às Unidades de Saúde da Família e outro dia destinado ao encontro com o CAPS e

com os demais dispositivos da rede de saúde.

Essa visita teve o intuito de conhecer as ESFs e perceber quais as demandas e

dispositivos territoriais existentes, tendo em vista que havia muitas reclamações em

relação aos profissionais desses serviços. Percebemos que havia, por alguns profissionais

de saúde da família, a ideia equivocada de que o NASF deveria se responsabilizar pela

parte de prevenção e promoção da saúde, e as ESFs se responsabilizariam pela clínica e

pelos casos mais graves. Nesse sentido, levamos isso para a discussão com o NASF no dia

seguinte.

Durante o encontro, finalizamos as apresentações que ficaram pendentes no mês

anterior, do CAPS e do CRAS. O coordenador da rede de educação municipal e a

representante do conselho tutelar compareceram ao encontro e explicaram que havia

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uma grande demanda de crianças com necessidades especiais que não estavam

conseguindo ser atendidas efetivamente nas escolas. Então, um enfermeiro explicou que

vinha tentando atender melhor às crianças e adolescentes, principalmente através do

Programa Saúde na Escola, mas que era um Programa que precisava desenvolver-se mais

no âmbito municipal.

Apresentamos a discussão sobre Apoio Matricial com a proposta de implantar a

lógica e organização do apoio na rede de saúde na cidade. A proposta foi analisada pelos

trabalhadores, e, no entanto, foi resolvido que eles iriam amadurecê-la melhor, mas

continuariam a tentar reunir-se em rede, mesmo não sendo em momentos de supervisão.

Além disso, foi sublinhado que estava sendo bastante positiva a possibilidade do encontro

entre os trabalhadores da rede. Desse modo, foi decidido que a supervisão iria continuar

usando essa estratégia metodológica.

11º ENCONTRO (JANEIRO DE 2012).

PARTICIPANTES: CAPS I, NASF, ESF, CRAS, CREAS, CONSELHO TUTELAR.

TEMAS: DIAGNÓSTICO DE DISPOSITIVOS TERRITORIAIS E EXERCÍCIO DO APOIO MATRICIAL; CLÍNICA

E REDUÇÃO DE DANOS.

Esse encontro foi dividido em dois momentos: primeiro, discussão de caso clínico

com o CAPS, e à tarde discussão com a rede intersetorial.

No primeiro momento realizamos a discussão de um caso escolhido pelo CAPS, de

uma usuária que estava “simulando” diversas crises psiquiátricas e sendo internada no

hospital geral da cidade. A equipe estava angustiada sem saber como proceder em relação

a essa usuária e sua família. Discutimos que iríamos eleger junto à usuária um técnico de

referência a quem ela pudesse sempre se dirigir e trabalhar mais de perto com a família

dessa usuária. Além disso, analisamos que o momento vivenciado pela usuária tinha

relação com a mudança de psiquiatra do serviço e com a dificuldade que a equipe

enfrentava de dialogar com a nova psiquiatra sobre os casos clínicos.

No período da tarde nos dividimos em subgrupos. Em cada subgrupo existia

profissionais do CAPS ou do NASF junto a profissionais das Unidades de Saúde da Família.

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Nesses subgrupos, foi proposto que realizássemos discussões sobre: os dispositivos

criados em cada território de referência das unidades e a discussão dos PTS de usuários

escolhidos nos subgrupos.

Durante essa discussão, os trabalhadores da atenção primária, em especial os

Agentes Comunitários de Saúde (ACS), reclamaram do período de atendimento dos

médicos na Unidade de Saúde, que era incompatível com o ritmo e horário dos usuários. A

partir disso, surgiu a ideia de realizar uma parceria junto ao NASF para realizar um

encontro dos trabalhadores da Atenção Primária, com a finalidade de discutir os processos

de trabalho vivenciados nessa instância. Desse modo, o NASF se articulou e realizou o

encontro, que ocorreu antes da supervisão de fevereiro.

12º ENCONTRO (FEVEREIRO DE 2012).

PARTICIPANTES: CAPS I, NASF, ESFS.

TEMA: AVALIAÇÃO DO PRIMEIRO ANO DE SUPERVISÃO EM REDE.

O encontro foi realizado em dois momentos, sendo eles: primeiro momento com a

equipe do CAPS, tendo como finalidade discutir um caso clínico e a dinâmica da equipe, e

no segundo momento participação de todos os trabalhadores da rede com a finalidade de

discutir o processo de supervisão e seus impactos na rede de saúde do município.

No primeiro momento, realizamos a discussão do caso clínico de um usuário que

estava residindo em um abrigo para idosos junto com sua mãe. O usuário era dependente

dela e estava para ser expulso desse abrigo, pois vinha tendo muitas crises após sua

mudança para o abrigo, ameaçando a vida dos idosos do local. Como encaminhamentos,

indicamos a possibilidade de maior circulação com ele pela cidade, tendo em vista que a

mudança para o abrigo tinha reduzido bastante sua sociabilidade. A equipe estava à

procura de outro lugar que pudesse acolhê-lo.

Ainda nesse primeiro momento, fizemos uma avaliação junto com a equipe sobre o

processo vivenciado por ela nesse último ano. O grupo avaliou que existiram muitas

mudanças no CAPS: domicílio no qual o CAPS se situava, coordenação do serviço,

secretário de saúde, psiquiatra (duas mudanças), arte-terapeuta. Essas mudanças geraram

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muitas dificuldades para a equipe, demandando um tempo de adaptação. No entanto, eles

conseguiram observar uma evolução do próprio grupo, no sentido de maior

horizontalidade na tomada de decisão, maior co-responsabilização nos processos

terapêuticos, crescimento pessoal de alguns membros da equipe que antes não se

pronunciavam durante as supervisões.

No segundo momento, com a reunião dos trabalhadores da rede, realizamos uma

breve apresentação do que havia acontecido nas supervisões em rede. Um principal

destaque dado durante as supervisões foi a proximidade que se estabeleceu entre a

equipe do NASF e as ESFs, principalmente com os ACS. Ocorreram relatos de que os ACS

tomavam iniciativas para realizar algumas atividades que aprenderam com o NASF. Foi

percebido assim que era necessário investir mais na articulação do CAPS com a rede de

saúde básica.

A opção por esse percurso teórico-metodológico partiu de uma implicação da

pesquisadora com a busca daquilo que Moura (1995) denominou desnaturalizar formas

instituídas, no nosso caso desnaturalizar o instituído em torno da supervisão, em prol da

identificação de um instituinte que compartilhe do Modo de Atenção Psicossocial, e assim

fazermos um modo de supervisão que suscite nos coletivos o desejo pela autonomia e

pela criação de novos modos de existência que comportem o respeito pelas diferenças.

No próximo capítulo, convido o leitor a procedermos uma análise daquilo que os

relatos de experiências trouxeram em torno da experiência nos novos serviços de saúde

mental nos anos 1980 e 1990, dos usos do dispositivo supervisão, e seu entrelaçamento com

os rumos da Atenção Psicossocial expressos na literatura e nos relatórios das I e II CNSMs.

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CAPÍTULO 2

DO CONTROLE À REFLEXÃO COLETIVA: REINVENTANDO A SUPERVISÃO NOS

PRELÚDIOS DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

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Olhou em torno: gamela Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário Soube naquele momento!

Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava.

O operário emocionado Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário De operário em construção

E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela.

“O operário em construção”, Vinicius de Moraes

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Descobriu que, ao chegarem, as pessoas tinham os cabelos raspados e eram rebatizadas. Pacientes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Alguns morriam de frio, fome e doenças. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. “Havia uma omissão coletiva. Quem sabia dos atos violentos, ou participava deles, preferia fingir que aquilo não estava acontecendo. A violência foi naturalizada, banalizada”.

“Antecâmara da morte: manicômio brasileiro exterminou 60 mil pessoas”, Felipe Torres

O trecho acima retrata as concepções e práticas absurdamente violentas

encontradas no hospital colônia de Barbacena nas décadas de 1960 e 1970. Não muito

diferente das demais experiências brasileiras na época, essa foi denominada de o

Holocausto brasileiro, em livro documentário, pela semelhança com as práticas de

extermínio de pessoas sob justificativas eugênicas. Mas, como isso pode ter acontecido na

sociedade brasileira? E os profissionais que ali se encontravam, o que faziam?

A maioria silenciava e compactuava com tal situação. No entanto, a minoria foi

crescendo e com ela o questionamento e indignação frente às práticas hospitalares de

violência e segregação e ao papel do profissional de legitimação e reprodução. Dessa maneira,

juntamente às diversas formas de trabalho que tinham por alvo a doença mental, os diversos

dispositivos que contribuíam para o fortalecimento desse modelo de atendimento foram

sendo questionados, e com a supervisão em saúde mental não foi diferente.

A legislação federal, Lei 10.216, que norteia legalmente as modificações propostas

só foi aprovada em 2001. Até aí, os questionamentos foram sendo expressos em diversos

espaços e em diversas experiências, e dentre elas estavam as CNSMs. Tais documentos

anunciam as discussões e os desafios vivenciados no movimento reformista nas diversas

regiões brasileiras.

Este capítulo terá como foco de análise as transformações no dispositivo supervisão

na Atenção Psicossocial até o ano de 2001, ano de publicação da lei da Reforma Psiquiátrica

brasileira junto aos relatos de experiência e reivindicações em torno das duas primeiras

CNSMs.

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2.1 PRIMEIRA FASE DA RP NO PAÍS – 1978-1992

Caía A tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto Me lembrou Carlitos

[…]

Mas sei Que uma dor assim pungente

Não há de ser inutilmente:

A esperança dança Na corda bamba de sombrinha

Em cada passo dessa linha Pode se machucar

[…]

Azar, A esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista Tem que continuar.

(“O bêbado e a equilibrista”, João Bosco e Aldir Blanc, 1979)

“O bêbado e a equilibrista”, música lançada em 1979, cuja versão mais conhecida foi

cantada por Elis Regina em um ritmo de samba menos alegre e mais melancólico passou a ser

cantada e tocada intensamente, tornando-se um hino pela anistia política (FIUZA, 2001). De

modo geral, a canção retrata a repressão militar no período, principalmente na década de

1970, e denuncia o clima de terror e tensão vivido pela população, pelos artistas, por pessoas

contrárias ao regime e faz alusão às mães e viúvas dos mortos ou “desaparecidos” (FIUZA,

2001).

No ano de 2014, por todos os lugares no Brasil, ocorreram diversas atividades para

lembrar os cinquenta anos do golpe militar, iniciado em 31 de março de 1964. Aquele

momento foi um dos mais importantes de nossa história, caracterizado por exercício de

poder por parte do Estado que silenciava as pessoas, negando seus direitos, dentre os

quais o de livre expressão e o de exercício pleno da vida. Assim, a população passou,

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paulatinamente, a expressar diversas reações contrárias a esse regime, questionando a

ordem social vigente.

No período da ditadura civil-militar brasileira, algumas características no sistema

sanitário ganharam maior ênfase resultante da nova organização do Estado iniciada em

1964. Dentre elas, ganha destaque a assistência médica, o crescimento progressivo do

setor privado e a abrangência de parcelas sociais no sistema previdenciário. Parcelas da

população que não eram assistidas pela saúde foram ganhando o direito à assistência, o

que gerou mais custos pelo Estado e contratação de serviços privados (BAPTISTA, 2007).

As mudanças ocorridas nos anos 1960 foram sendo acompanhadas pelas mudanças

nas políticas de saúde mental. Desde o século XIX, a maioria das verbas em saúde mental

era destinada à manutenção dos hospitais psiquiátricos públicos, cujo exemplo maior foi o

Hospital Psiquiátrico do Juqueri do estado de São Paulo, com práticas caracterizadas pela

violência e segregação (YASUI, 1989). O financiamento para a saúde passou a custear a

assistência na rede privada, e a partir de 1964, houve o agravamento desse quadro em

decorrência das diversas parcerias com a iniciativa privada, com a “transformação do louco

em fonte de lucro” (CESARINO, 1989, p. 48).

Em âmbito nacional, a rede ambulatorial incipiente funcionou como uma malha de

captação para a hospitalização, de modo que o período de 1965 a 1970 foi marcado por

um grande fluxo de pessoas com transtornos mentais para a rede privada (RESENDE,

2007). De acordo com Resende, a clientela das instituições conveniadas aumentou de 14

mil em 1965 para 30 mil em 1970. As internações também tiveram um aumento

significativo, de 35 mil em 1965 para 90 mil em 1970.

No estado de São Paulo, em 1980, existiam 121 hospitais psiquiátricos, dos quais

112 eram particulares. Esse período foi demarcado pelo hospitalocentrismo e pela compra

de leitos, com altas taxas de reinternação. Havia insuficiência no número de ambulatórios

por todo o estado de São Paulo (onze no estado) (CESARINO, 1989).

No Nordeste brasileiro, a marca principal foi a hospitalização concentrada nas

capitais dos estados. Os “alienistas” que assumiram a direção dos hospitais não tinham

formação específica para o exercício da profissão, e em alguns estados, eles criaram seus

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próprios serviços, indicando os interesses pessoais e econômicos em jogo (ROSA, 2006).

Era frequente o emprego de mão-de-obra dos pacientes sem remuneração, a

superlotação, e a institucionalização do leito-chão22 (ROSA, 2006).

No RN, a situação não era diferente. Apesar da tentativa de criação dos

ambulatórios (Ambulatório de Higiene Mental, rede de ambulatórios para nervosos e

“psicopatas leves”, dentre outros) com o Decreto-Lei estadual n. 526, de 1946 (ALVERGA,

2004), os hospitais psiquiátricos continuaram sendo as referências para o tratamento

(SANTOS, 2007).

No estado do RN, somando-se ao Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado (antigo

hospício dos Alienados de 1911), a assistência psiquiátrica por hospitais privados iniciou

em 1956, com a criação da Casa de Saúde de Natal do psiquiatra Severino Lopes

(ALVERGA, 2004; SANTOS, 2007) e posteriormente a Casa de Repouso Santa Maria. No

final dos anos 1960 e em 1970, foram criados os hospitais privados São Camilo de Lellis e

Hospital Milton Marinho, respectivamente, localizados no interior do estado (OLIVEIRA et

al., 2013; DIAS; FERIGATO; BIEGAS, 2010). Só no Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado, na

década de 1970, chegaram a existir 328 desses leitos-chão e 240 camas.

As reações ao regime político social foram diversas. Além da busca pela anistia,23 a

sociedade mobilizou-se em prol da redemocratização do país, e foi representada na

música citada pela esperança equilibrista (FIUZA, 2001). Juntamente aos demais

movimentos sociais que lutavam intensamente contra o regime militar e o direito à

participação social entre os anos 1970 e 1980, o movimento da Reforma Sanitária buscou

a universalização do direito à saúde. Duas entidades se destacaram: o Centro Brasileiro de

Estudos de Saúde (CEBES), criado em 1976, e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva

(ABRASCO), em 1979 (L’ABBATE, 2003). CEBES e ABRASCO são entidades que lutaram pela

redemocratização e continuam a lutar em favor do SUS.

22 Leito-chão refere-se ao aumento da área dos leitos, substituindo as camas por capim, de modo a ampliar o

espaço para acomodar mais e mais pacientes (http://psicolitera.blogspot.com.br/2014/06/holocausto-brasileiro.html).

23 Não pretendemos explorar neste trabalho de forma aprofundada as alterações relacionadas à redemocratização, mas sim as relações de tais acontecimentos com os movimentos emergentes relacionados à saúde e à saúde mental.

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A VIII CNS ocorrida em Brasília em 1986 foi precedida por etapas regionais

preparatórias, que juntas balizaram a efetivação do SUS consagrado na constituição

brasileira de 1988. A Conferência representou um marco histórico da política de saúde

brasileira, pois pela primeira vez o MS convocou comunidade e técnicos. Ela reuniu cerca

de 4 mil pessoas, dentre técnicos, gestores de saúde e usuários (organizados no

Movimento Popular de Saúde) para uma discussão aberta sobre a reforma do sistema de

saúde. Na Conferência foram aprovados por unanimidade as diretrizes da universalização

da saúde e o controle social efetivo (BAPTISTA, 2007). Como proposta surgiu a realização

de outras conferências por temas específicos, tais como a saúde mental, saúde do idoso,

saúde da mulher, saúde do trabalhador, saúde da criança e recursos humanos em saúde

(AMARANTE, 1998).

Especificamente no campo da saúde mental, alguns importantes objetivos do

período de 1978 a 1992 foram as denúncias da indústria da loucura, principalmente nos

hospitais psiquiátricos privados e das condições de trabalho no campo da saúde mental

(VASCONCELOS, 2008). Tal situação provocou reações em todo Brasil, gerando

“mobilização social e crítica do sistema hospitalar e asilar, entrada no aparelho de Estado e

primeiras experiências de humanização e controle de hospitalização e da rede

ambulatorial em saúde mental” (VASCONCELOS, 2008, p. 32).

Os movimentos contra os hospitais psiquiátricos foram se ampliando, dentre os

quais se destaca o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) (AMARANTE,

2003b). Ele surge em 1978 a partir da crise da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM)

e tem por objetivo “constituir-se um espaço de luta não institucional, em um lócus de

debate e encaminhamento de propostas de transformação da assistência psiquiátrica”

(AMARANTE, 1998, p. 52).

A esperança na construção de um novo modelo de atenção em saúde mental

ganhou cada vez mais força através da conscientização de que as pessoas poderiam

protagonizar uma história, e nela apontamos como verdadeiros atores todos os

trabalhadores, usuários e familiares e militantes. A implicação política dos trabalhadores

foi sendo impulsionada nessas circunstâncias por uma luta pela construção de caminhos

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em prol de uma sociedade mais igualitária e sem manicômios. Os trabalhadores não

perderam a “capacidade de sonhar com utopias […] Mudança, participação e cidadania

não eram apenas palavras que nos empolgavam, eram atos que nos faziam sentir, em

todas as dimensões do cotidiano, construtores da história” (YASUI, 1989, p. 51).

Em 1987 ocorreu a I CNSM no Rio de Janeiro. A organização da I Conferência teve

três temas básicos norteadores das discussões, a saber: Economia, Sociedade e Estado:

impactos sobre saúde e doença mental; Reforma sanitária e reorganização da assistência à

saúde mental; Cidadania e doença mental: direitos, deveres e legislação do doente mental.

Amarante (1998) afirma a importância da I CNSM por três motivos: renovação teórica e

política do MTSM, pela demarcação do início do rompimento das alianças tradicionais

entre o movimento e o Estado, e pela aproximação do MTSM com o movimento de

usuários e familiares.

No relatório da I CNSM, a supervisão foi mencionada no tema 2, Reforma sanitária

e reorganização da assistência em saúde e doença mental, como um dos dispositivos da

Política de Recursos Humanos. Ela foi denominada, no relatório, como supervisão técnica.

O Relatório destaca os seguintes princípios básicos para a Política de Recursos

Humanos:

[…] garantia, dentro da carga horária contratual, de espaço para atualização, pesquisa, supervisões técnicas de equipe e contato dos profissionais com suas entidades, no sentido de romper com a alienação e burocratização do trabalho, avançando no processo de organização dos trabalhadores nos seus locais de atuação, com vistas ao desenvolvimento de ações identificadas com o interesse e organização dos usuários (BRASIL, 1988, p. 20).

As reivindicações expressas nas conferências surgiram com as experiências práticas

e debates teóricos em torno da construção e progressivo fortalecimento de experiências

contrárias ao paradigma asilar. Tais experiências ocorreram principalmente no Rio de

Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte (VASCONCELOS, 2008), sejam dentro dos

hospitais psiquiátricos, onde se experienciavam situações similares às das comunidades

terapêuticas, sejam nos serviços de atenção comunitária. Também foram importantes os

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encontros entre profissionais “comprometidos com os ideais de uma psiquiatria

reformulada, durante os congressos oficiais de psiquiatria e psicologia” (VASCONCELOS,

2008, p. 31). Em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro surgem as primeiras

reivindicações pela ampliação da rede ambulatorial, mesmo ainda sem haver clareza de

como deveriam funcionar tais serviços (VASCONCELOS, 2008).

2.1.1 As reformulações iniciais paulistanas e a supervisão: gerência de programa ou

momento de reflexão das equipes?

Na década de 1980, houve a concretização de algumas propostas contrárias ao

paradigma asilar. Estas se caracterizaram pela criação de ambulatórios, ampliação de

centros de saúde com equipes de saúde mental, organização e articulação da rede de

serviços, e investimento para reforma e reaparelhamento de alguns hospitais psiquiátricos.

Além disso, no estado de São Paulo, houve uma ampla renovação do quadro de

profissionais através de concurso público para diferentes áreas, que buscavam através de

seu trabalho a implantação das novas propostas assistenciais (YASUI, 1989). Esses

profissionais estavam entusiasmados, bastante críticos, e ainda não contaminados “pela

inércia burocrática das instituições públicas” (YASUI, 1989, p. 49).

Os trabalhadores de saúde mental de São Paulo adotavam críticas ao modelo asilar

e lutavam por uma política de saúde mental regionalizada, mais voltada para o trabalho

nas Unidades Básicas de Saúde, com atenção e preocupação com a existência do usuário e

sua inserção social (CESARINO, 1989). A partir do ano de 1982, como parte da preparação

para o governo estadual do então candidato André Franco Montoro, houve a elaboração

de um programa que contemplava os três níveis de atenção: primário, secundário e

terciário, de atuação integrada e regionalizada, com ações em serviços como os

ambulatórios de saúde mental, a atenção básica, emergência psiquiátrica em Pronto-

Socorro da prefeitura, e o hospital psiquiátrico Pinel, mas com intervenções

prioritariamente na atenção básica (CESARINO, 1989). Passou-se a adotar a regionalização,

com leitos dos hospitais psiquiátricos vinculados à rede ambulatorial de referência fora

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dos hospitais (VASCONCELOS, 2008). O programa era denominado Programas de

Intensidade Máxima24 (PIM) de Saúde Mental na Zona Norte do município de São Paulo

(CESARINO, 1989).

Para a implantação do programa, foram constituídas equipes multiprofissionais por

psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, e algumas vezes por enfermeiros, terapeutas

ocupacionais e fonoaudiólogos (VASCONCELOS, 2008). A estruturação das equipes ganhou

centralidade no processo de trabalho, resultante das mudanças na compreensão sobre o

processo de adoecimento. Nos ambulatórios de saúde mental, a equipe organizou-se de

modo a ter reuniões semanais entre a equipe técnica, reuniões mensais com todos os

funcionários e supervisões (CESARINO, 1989).

A montagem das equipes também se mostrou de extrema importância para as

mudanças nas práticas de supervisão. Apesar dos debates e das experiências que vinham

ocorrendo em âmbito mundial, Cesarino (1989), então integrante e participante da

coordenação desse projeto, sinalizou o despreparo e a desinformação das equipes para

desenvolver as propostas. Sobre isso ele menciona que

[p]raticamente não havia material técnico escrito em que se pudesse basear o que-fazer diário em seus detalhes; assim foi necessário criar do nada, da experiência cotidiana, dos erros e acertos grande número de rotinas, posturas, programas (CESARINO, 1989, p. 11).

Os documentos produzidos a partir daí não foram apenas “originados da

coordenação; houve ativa participação dos membros do projeto, a partir de seus lugares

de atuação, na sua produção” (CESARINO, 1989, p. 11). Ou seja, não existiam diretrizes

específicas ou ações programáticas de atendimento na saúde mental. A análise constante

das contradições que apareciam nas práticas aponta para um movimento coletivo, para o

desenvolvimento de estratégias que convocaram os diferentes sujeitos a participar da

análise do que estava instituído e do que poderia ser fortalecido como movimento

instituinte.

24 Programas de Intensidade Máxima (PIM) foram, de acordo com Luzio e L’Abbate (2006), uma semente na

construção do CAPS através de construção de estratégias de atendimento em saúde mental em ambulatórios para pessoas em sofrimento psíquico grave.

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Ainda no contexto paulistano, as supervisões foram implantadas inicialmente nas

Unidades Básicas de Saúde englobadas no programa e posteriormente nos Ambulatórios

de Saúde Mental, como estratégia de “implantar e a seguir de orientar, avaliar e

acompanhar a evolução dos trabalhos” (CESARINO, 1989, p. 15). Isso era feito também nas

outras instâncias do programa. Na fase inicial das mudanças, as supervisões eram

exercidas pelos membros da coordenação e tinham a função de “implantar o projeto,

trazer uma discussão mais detalhada ao nível de cada local sobre o que se podia, se

queria, se devia fazer” (p. 15).

A supervisão passou a ser um dispositivo utilizado para auxiliar a implantação do

novo programa de saúde mental, e ainda como forma de exercer o poder por parte da

coordenação, no sentido de avaliar as práticas e acompanhar a implantação dos novos

programas de saúde mental. Nessa experiência, de acordo com Lancetti (1989),

profissionais como Beatriz Aguirre, Moisés Rodrigues da Silva Júnior e Nelson Carroso

assumiram a função de supervisores. Em debate sobre suas funções, eles analisaram que a

encomenda da supervisão foi para implementar o PIM. As visitas iniciais realizadas pelos

supervisores tiveram por objetivo analisar os recursos que as equipes recém-constituídas

possuíam.

Os cargos de supervisores foram exercidos pelos próprios coordenadores, gerando

assim algumas confusões em relação ao modo como as equipes viam a supervisão

(LANCETTI, 1989). As confusões giraram em torno do que deveria ser discutido nessas

supervisões, se deveriam ser feitas reivindicações de providências administrativas com

dificuldades técnicas como “falta de formação mínima para determinadas tarefas,

heterogeneidade de preparação profissional de membros da equipe” (p. 15) ou se

deveriam discutir problemas de ordem interpessoal entre os membros dos grupos

participantes.

Esses conflitos, a nosso entender, expressaram o choque entre dois modelos de

supervisão. Por um lado, como dispositivo nos formatos tradicionais de acompanhamento

da implantação de programas como a supervisão na concepção taylorista/fordista,

expressando a função controle da supervisão. Por outro lado, os trabalhadores colocaram

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em questão esse modelo, trazendo outras discussões tais como os problemas de ordem

interpessoal, formação, heterogeneidade dos profissionais, ou seja, as equipes

expressavam suas demandas e as colocavam em análise buscando construir outro modelo

de cuidado e de organização do trabalho.

Para tentar dar resolutividade a tais problemas gerados por confusões sobre os

usos da supervisão, adotou-se a estratégia de contratar profissionais exclusivamente para

serem supervisores no projeto (LANCETTI, 1989). No entanto, com o decorrer do tempo,

esses supervisores terminaram por compor a equipe de coordenação (LANCETTI, 1989).

Acreditava-se que a resolução dos problemas inicialmente colocados se daria

através da contratação de pessoas selecionadas exclusivamente para assumir essa função.

Não estaria aí uma ausência de questionamento das relações construídas dos diferentes

atores em relação a esse dispositivo? Assim, vemos que as questões problemáticas diziam

respeito muito mais às relações produzidas entre trabalhadores e coordenadores com o

dispositivo supervisão do que em relação ao próprio profissional que exercia a função de

ser supervisor.

A singularidade do momento instituinte emergiu da aproximação da supervisão ao

campo da saúde mental, negando a supervisão instituída na administração em saúde

inspirada no taylorismo/fordismo, caracterizada pelo acompanhamento e avaliação na

implantação de novos programas.

Os supervisores receberam uma encomenda inicial e nos encontros com as equipes

as demandas foram delineando um formato diferente de supervisão. Lancetti (1989)

afirma que Moisés Rodrigues da Silva Júnior, ao analisar a demanda das equipes, aponta

para muitos sintomas que apareceram nelas e explica que “a questão não é implementar

um programa, senão a possibilidade que uma instituição tem de suportar essa figura

altamente disruptiva que é o psicótico” (p. 40). Fica claro que o momento é de construção

de espaços de cuidado ao trabalhador que, por sua vez, cuida do usuário.

A partir do exemplo de Vila Brasilândia, em São Paulo, Beatriz Aguirre, também

supervisora, destaca que as supervisões realizadas por um externo tinham uma

importância fundamental por constituir um espaço no qual havia a circulação de saberes, e

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onde as pessoas dispunham de um lugar onde podiam “referir angústia e o erotismo que

os pacientes colocam em circulação e que atravessa os técnicos intensamente, as

dificuldades interequipe” (LANCETTI, 1989, p. 40). Além disso, a análise da implicação dos

usuários na relação com a equipe e a instituição era afirmada como importantes no

trabalho de supervisão.

Assim, a supervisão foi utilizada como um dispositivo no qual se acessava e reunia

informações importantes acerca do andamento do trabalho e da dinâmica dos

atendimentos. As equipes estabeleceram uma rotina de encontros semanais de duas horas

de duração e tinha como pauta principal o programa e a dinâmica dos membros da equipe

(CESARINO, 1989).

Muitos dados importantes se revelaram a partir das supervisões; entre eles podem-se salientar a dificuldade para realizar trabalho multiprofissional, por falta de visão do que seria isso, ranço de rivalidade entre categorias profissionais etc. Outro dado, entre muitos outros, era a postura fornecida pelos aparelhos formadores de profissionais (faculdades, institutos, sociedades, etc.) marcadamente ideológicas, que não se adaptava com facilidade ao tipo de tarefa, ao local, ao tipo de clientela e juntamente com isso ao tipo de dedicação necessária (CESARINO, 1989, p. 15).

Para Cesarino, o dispositivo supervisão auxiliou a coordenação a entender os

principais problemas que surgiam na implantação das mudanças advindas com o

Programa. Elas se apresentavam nas dificuldades do desenvolvimento do trabalho

multidisciplinar, a dinâmica entre as profissões de saúde que sustentava e reiterava a

competição e a formação universitária marcadamente ideológica.

Beatriz Aguirre analisa que existia uma impressão de que os problemas perante os

atendimentos e as mudanças na sua lógica seriam resolvidos mediante a junção de

profissionais de diversas especialidades sem o questionamento do poder e sem o

compartilhamento dos saberes (LANCETTI, 1989).

Essas experiências expressam as marcas de uma história de políticas assistenciais

em saúde mental caracterizada por uma hierarquia de saber e por um exercício de poder

controlador sobre a população (CASTEL, 1987). Conforme Resende (2007) explicita, dentre

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as funções da prática psiquiátrica no Brasil está a busca por controlar, dando um lugar para

os desviados, com mecanismos de exclusão.

A supervisão foi um espaço importante para que a sobrevalorização do saber de

algumas categorias profissionais e, por conseguinte, do exercício de poder fossem

colocados em análise. Sobre isso, Foucault (1979) traz uma importante contribuição acerca

das lutas, apontando nelas uma primeira inversão de poder ao “forçar a rede de

informação institucional, nomear, dizer quem faz, o que fez, designar o alvo” (FOUCAULT,

1979, p. 76). Para reverter a lógica de controle, foi necessário então criar um dispositivo de

encontro com um membro externo, acionando redes discursivas nas quais a partir da fala

fossem expressas as dificuldades do trabalho no cotidiano, e nesse falar pudesse

acontecer experimentações de inversões nos exercícios de poder institucionais.

De acordo com Lancetti (1989), na experiência de Moisés Rodrigues da Silva Júnior

como supervisor, duas grandes dificuldades enfrentadas foram a burocracia institucional e

uma tendência a que os profissionais não se responsabilizassem por seu próprio trabalho

(p. 44). Nesse sentido, a implicação dos trabalhadores teve um papel fundamental,

inclusive para as transformações do dispositivo supervisão.

Outra função da supervisão se configura diante dos resultados da implantação dos

ambulatórios de saúde mental. Como não foram criados serviços suficientes para o

atendimento à população, e, além disso, como a lógica de saber e de atendimento

continuou a mesma, os ambulatórios de saúde mental não conseguiram cumprir sua

função de redução de internações, gerando a medicalização e psicologização dos

problemas sociais (CESARINO, 1989; BEZERRA JÚNIOR, 1987). Na experiência paulistana, a

supervisão institucional, juntamente com a criação e fortalecimento de mecanismos de

referência-contrarreferência com outros serviços, foram estratégias adotadas para tentar

reduzir a medicalização gerada nos ambulatórios de saúde mental (CESARINO, 1989).

Estaria aí um início da função instituinte da supervisão como dispositivo de organização de

um atendimento em rede?

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Apesar do viés preventivista25 desse projeto, alguns ganhos foram mencionados,

no sentido de abertura para um amplo debate sobre as políticas de saúde mental, com a

tentativa de diminuir ou pelo menos problematizar o uso de medicamentos e o lucro dos

laboratórios (CESARINO, 1989).

Na dimensão teórico-conceitual, durante os anos de 1987 e 1992 surgiram

questionamentos sobre o viés preventivista de tal projeto, reconhecendo-se os limites

dessa reestruturação da rede (VASCONCELOS, 2008). Dessa maneira, emergiram com

muita força movimentos inspirados na Psiquiatria Democrática italiana que lutavam por

uma sociedade efetivamente sem manicômios e que tivesse uma rede efetivamente

substitutiva (VASCONCELOS, 2008).

Na dimensão assistencial, dentre as novas experiências no campo da saúde mental

brasileiro, dois serviços foram fundamentais: a criação CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira

(1987, em São Paulo capital) e do primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) (1989, em

Santos) (TORRE; AMARANTE, 2001). A sua importância se deve, dentre outros motivos, ao

fato de servirem de exemplo para as propostas regulamentadoras da Reforma Psiquiátrica

brasileira (TORRE; AMARANTE, 2001). Além disso, o êxito dessas experiências e seus

referenciais teórico-práticos passaram a inspirar o modelo de atenção em saúde mental no

Brasil.

2.1.2 A experiência pioneira do CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira

O CAPS Luiz da Rocha Cerqueira aglutinou profissionais que vinham de importantes

experiências institucionais na rede pública.26 Esses trabalhadores “foram obrigados a

abandonar seus trabalhos e projetos no meio do caminho” (YASUI, 1989, p. 51).

25 A psiquiatria preventiva ou comunitária foi adotada nos Estados Unidos na década de 1950 e utilizou

estratégias visando intervir nas causas ou surgimento das doenças mentais, almejando assim a prevenção de distúrbios mentais e promoção da saúde mental. Na prática, ela resultou em aumento da demanda ambulatorial e extra-hospitalar, sem reduções das internações, significando “um novo projeto de medicalização social” (AMARANTE, 1998, p. 41).

26 As transformações governamentais a partir de 1986 geraram desarticulação no projeto paulista, e alguns profissionais envolveram-se com a criação do CAPS (CESARINO, 1989; YASUI, 1989).

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No surgimento do CAPS em 1987, a proposta foi a de ofertar atendimento diferenciado

e iniciar uma rede de serviços que fossem intermediários “a hospitalização com seus riscos de

cronificação e segregação e o pleno exercício da cidadania” (YASUI, 1989, p. 52). Goldberg

(2001) caracteriza que o CAPS Luiz da Rocha Cerqueira foi se tornando um serviço que

articulava assistência, ensino e pesquisa, a partir da ampliação de suas funções com a

formação de pessoal, ofertas de estágios para estudantes, com ações de reabilitação para

pacientes graves.

O CAPS […] foi inscrito no sistema hierarquizado, regionalizado e integrado de ações de saúde já instituído, como uma estrutura intermediária entre o hospital e a comunidade, destinado ao atendimento dos usuários considerados psicóticos e neuróticos graves. Como tal, o CAPS propunha-se a atuar como uma estrutura de passagem, na qual os usuários permaneceriam até apresentarem condições clínicas estáveis para continuar o tratamento definitivo em ambulatórios. Para tanto, a direção do Centro procurou construir uma organização institucional simples, flexível e em permanente mudança, para assegurar maior agilidade e diversidade nas várias modalidades terapêuticas (LUZIO; YASUI, 2006, p. 284).

Em relação à proposta clínica do CAPS Luiz da Rocha Cerqueira, Luzio (2003)

afirmou ser centrado “na vida cotidiana da instituição, de modo a permitir o

estabelecimento da rede de sociabilidade capaz de fazer emergir a instância terapêutica”

(p. 84). Desse modo, ele seria um lugar em que as pessoas com psicose “reconhecessem

como referência e ambiente de tratamento” (GOLDBERG, 2001, p. 36). A ênfase foi dada a

um tratamento individualizado no diálogo com a estrutura geral do serviço de modo a

permitir revisitar constantemente o processo institucional.

Com as novas relações estabelecidas com os usuários nos serviços abertos no

cotidiano do atendimento foram surgindo “dúvidas, questões, incertezas, que exigiam a

reformulação de todo o trabalho” (YASUI, 1989, p. 53). A prerrogativa para um trabalho

desinstitucionalizante exigiu uma mudança de postura, em que se buscou entender que o

que estava em jogo e precisava ser acolhido era o sofrimento, a subjetividade do usuário, e

não o olhar sobre a doença (YASUI, 1989, p. 53).

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Entretanto, esteve presente o risco da cronificação e da reprodução das formas de

tratamento manicomiais. Lavrador (2012) aponta para a preocupação de que os desejos de

manicômio27 se fizessem presentes nesses serviços, e que a lógica manicomial se

atualizasse através da produção da submissão, infantilização e culpa.

Diante desse medo da cronificação, os profissionais sabiam que sem a possibilidade

de analisar os “momentos decisivos, os conflitos, as contradições e as questões que

emergiam constantemente e sem refletir e produzir um sentido coletivo” para o trabalho

existia o risco de haver a fragmentação deste, com a instauração de uma rotina

burocrática, alienante e alienadora (YASUI, 1989, p. 55).

A análise do sentido do trabalho e das contradições inscritas no cotidiano

precisaria ser constante, sob o risco da reprodução do instituído e do risco de se construir

um trabalho sobreimplicado, caracterizado pela repetição de gestos destituídos de

significados, instituídos seguindo uma rotina burocrática.

Yasui (1989), participante ativo como trabalhador na experiência do CAPS,

[…] desconfiava que a falta de discussões onde pudesse surgir, de forma clara e aberta, os conceitos, as concepções e as noções teóricas que cada um de nós tínhamos sobre saúde, doença, psicose, loucura, razão etc., nos levasse, uma vez instaurada esta alienante rotina burocrática, a instituir um local protegido e mais 'humanitário', diferente da opressão e dos horrores dos tradicionais hospitais asilos psiquiátricos, mas que mantivesse, de forma sutil e com uma tecnologia sofisticada, a mesma lógica de exclusão e controle (YASUI, 1989, p. 55).

As discussões precisavam acontecer sob o risco de os trabalhadores perderem-se

em noções teóricas revestidas de práticas humanizadas,28 porém portadoras da mesma

lógica de exclusão. Entende-se que os discursos científicos são, ao mesmo tempo, teorias e

práticas. Na análise sobre o sistema de poder, Foucault (1979) afirma que ele penetra

27 Desejos de manicômio estão presentes em formas de racionalidade carcerária e despótica, e são desejos “em

nós de dominar, de subjugar, de classificar, de hierarquizar, de oprimir e de controlar” que se atualizam em práticas medicalizantes, que se utilizam de interpretações violentas com posturas rígidas (LAVRADOR, 2012, p. 409).

28 Entendo que as práticas humanizantes devem ser tomadas a partir desse questionamento como conceito-sintoma, com a crítica ao que se construiu sobre a idealização do bom-humano para um reposicionamento conceitual, metodológico e político (BENEVIDES; PASSOS, 2005).

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sutilmente na trama da sociedade, e que os intelectuais fazem parte desse sistema, sendo

agentes da consciência e do discurso, e devem ter por papel “lutar contra as formas de

poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do

saber, da ‘verdade’, da ‘consciência’, do discurso” (p. 71). O trabalhador da saúde mental,

ao perceber-se como alvo (objeto) e ao mesmo tempo agente (instrumento) dessa trama

do poder que exclui e controla uma determinada população, pode assim usar as relações

de saber e poder em função de uma luta e de mudanças.

Outra característica que evidenciou a necessidade dessa discussão coletiva é que

houvesse uma sustentação das diferenças no trabalho em equipe (YASUI, 1989). Os

profissionais, em meio às diferentes argumentações teóricas, deveriam ter como foco o

usuário, em que a escolha por estratégias de atendimento teria como pressuposto não a

especialidade profissional, mas muito mais a função terapêutica dos diferentes

trabalhadores “a partir de sua experiência, posição teórica, disponibilidade pessoal, do

que a categoria profissional a qual pertença" (YASUI, 1989, p. 54). O autor traduz a

necessidade de sustentar essas diferenças de um modo muito belo, afirmando que “somos

uma equipe onde a diferença não está colocada no diploma universitário” (p. 54).

Ao focar as necessidades dos usuários, compreende-se que os aportes teóricos

usados são uma caixa de ferramentas que só se constituem como tal enquanto servem e

funcionam, senão outras teorias precisam ser feitas e multiplicadas (FOUCAULT, 1979, p.

71). Nega-se então um cuidado instituído que é caracterizado pelo saber-fazer estruturado

a partir do núcleo de competência definido pelo diploma universitário, para incluir outras

variáveis, entendendo assim que a implicação do profissional está em jogo quando se

constrói o processo de cuidado.

Nos momentos coletivos estavam incluídas as reuniões técnicas, as supervisões,

discussões de caso e ainda reuniões de profissionais (GOLDBERG, 2001). Discutia-se “a

situação de cada paciente como questão individual, com seus desdobramentos no projeto

clínico, e também como espécie de leitura do processo institucional” (p. 40). Além disso, a

possibilidade de rever e redirecionar o trabalho tornou-se uma constante, e isso ocorria

mediante a insatisfação da equipe frente à percepção de que o “tratamento dos pacientes

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não avançava” (GOLDBERG, 2001, p. 37). Essa inspiração teve forte influência das

concepções em torno de tratamento com a psicose dos autores da psicoterapia

institucional.

A continuidade e reformulação das supervisões institucionais foram fortalecidas a

partir do questionamento feito pela equipe sobre ser possível dar-se a palavra ao usuário

se não houvesse a circulação da palavra intraequipe e a restituição a si mesma de sua

demanda (YASUI, 1989). A restituição servia como um motor ao processo analítico do

grupo, em que a equipe pudesse falar e escutar-se, para sustentar um trabalho e

atendimento instituinte.

Yasui (1989) introduz questionamentos relevantes sobre a possibilidade de

sustentar um novo trabalho mediante a tendência dos trabalhadores de repetir formas

institucionais diante dos receios em ousar romper com as fronteiras preestabelecidas. Ele

interroga “como ousar e avançar se não conseguíamos assumir o trabalho e sermos

sujeitos de e em transformação?” (YASUI, 1989, p. 56). Percebemos a preocupação dos

trabalhadores em se constituírem grupos sujeitos, que podem sustentar as diferenças e

que têm disposição para ousar inventar um novo trabalho coletivo para além do já

instituído a partir da análise de seu cotidiano.

Nesse sentido, no CAPS Luiz Cerqueira, a supervisão institucional de equipe com o

auxílio de um profissional externo subsidiou a superação das dificuldades vivenciadas. A

supervisão funcionava semanalmente como um espaço coletivo, como uma possibilidade

de que a “fala circulasse mais livremente; recontamos a história do CAPS, relatamos

dificuldades cotidianas, refletimos nossa prática, discutimos posições teóricas, técnicas,

políticas, explicitamos divergências e compartilhamos dúvidas” (YASUI, 1989, p. 57).

Nesse espaço coletivo, puderam ser explicitadas e analisadas as incertezas e

contradições, movimento analítico imprescindível para a sustentação das diferenças para e

no trabalho. Nesse momento de início da supervisão e de mudança da equipe técnica é

que “[r]einauguramos a equipe, fundada num radical compromisso com a vida e

assumimos coletivamente o CAPS como lugar de trabalho, de produção de sentido, de

invenção, de encontro, de busca – e por que não? – de prazer” (YASUI, 1989, p. 57).

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Identificamos esse prazer com a alegria como um conceito de resistência de vida,

como uma conquista de potência, que diz respeito

[…] à ativação da capacidade para criar uma possibilidade de vida. A criação de uma possibilidade de vida pressupõe a percepção lúcida das formas de existência que a favorecem ou não, a delimitação e a recusa conscientes das formas de agir e existir, empobrecedoras da vida social e opressora da subjetividade, e, finalmente, a recuperação do gosto pelo fato da vida ser, por essência, perecível, renovável e variada, matéria plástica à disposição do homem que se faz criador de si mesmo e de modos mais solidários de convivência (NORONHA, 2005, p. 1-2).

A nova perspectiva de trabalho que se buscava era comprometida com a criação de

novos modos de existir, inventando o CAPS como um dispositivo ativador da potência

dessa possibilidade de reinvenção da vida dos trabalhadores e dos usuários.

A análise era uma constante no trabalho da equipe e não ocorria apenas nos

espaços de supervisão. A avaliação e discussão da rotina da casa ocorriam nas diversas

reuniões de equipe semanais, dentre as quais existiam a supervisão, as reuniões da equipe

técnica, das miniequipes, de grupos de tarefas específicas, e uma reunião geral com todos

os integrantes do CAPS (YASUI, 1989). Essa análise era essencial mediante os desafios

vivenciados nos CAPS, pois se corria o risco de perder a vitalidade e o caráter instituinte da

proposta.

Sobre as mudanças na gestão do trabalho propostas na Atenção Psicossocial, é

relevante considerar na experiência do CAPS Luiz Cerqueira, em São Paulo, a interlocução

constante da equipe com “outras instituições que também atendiam usuários com intenso

sofrimento psíquico” (LUZIO, 2003, p. 84). Havia assim a construção de um trabalho em

rede, apostando em um cuidado que fosse compartilhado com outros serviços e não

exclusivo do CAPS.

Os principais conteúdos da supervisão no surgimento dos CAPS pareciam ser a

história do dispositivo CAPS e a análise coletiva das implicações e das transversalidades,

para as diferentes compreensões acerca das vinculações institucionais e dos interesses dos

sujeitos envolvidos, propiciando assim uma ampliação do coeficiente de transversalidade.

A importância atribuída à análise da história do dispositivo deve-se ao fato de os mitos

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fundadores continuarem a influenciar o trabalho nos estabelecimentos e grupos mesmo

de maneira não consciente.

Os “mitos fundadores” ou “profecias iniciais”, mesmo quando forem negados pela institucionalização, podem continuar a influenciar o presente através da relação que cada um mantém com eles. Dessa maneira emergem as importantes diferenças ideológicas, que permeiam práticas e discursos (MONCEAU, 2003, p. 24, tradução nossa).29

Articula-se, portanto, em torno da supervisão, a história do serviço e da equipe.

2.1.3 A experiência precursora do NAPS de Santos: a equipe como coletivo supervisor

Na experiência da SMS de Santos, a partir de 1989, também houve integração pela

luta e construção do SUS (LUZIO; L'ABBATE, 2006). Com a intervenção na Casa de Saúde

Anchieta, a SMS de Santos inaugurou um projeto em saúde mental baseado em uma nova

ética, inspirada na psiquiatria democrática italiana, nas ações de desinstitucionalização

identificadas não apenas como desmonte do manicômio, mas com a desconstrução

sociocultural das relações estigmatizantes que reduzem a experiência da loucura à doença

mental (LUZIO, 2003; LUZIO; L'ABBATE, 2006).

Entre os anos de 1989 a 1996 foram criados diversos dispositivos em Santos,

dentre eles os cinco NAPS. Segundo Luzio e L'Abbate (2006), esses serviços “atendiam

integralmente à demanda de saúde mental de cada região, principalmente dos casos

graves” (p. 289). Com funcionamento integral, realizavam ações “de hospitalidade integral,

diurna ou noturna; atendimentos às situações de crises; atendimento ambulatorial;

atendimentos domiciliares; atendimentos grupais; intervenções comunitárias e ações de

reabilitação psicossocial” (LUZIO; L'ABBATE, 2006, p. 289). O projeto do NAPS foi elaborado

após a sua implantação e buscou substituir o manicômio, e não ser alternativo a este

(TORRE; AMARANTE, 2001; LUZIO, 2003).

29 “Les 'mythes fondateurs' ou 'prophéties initiales', même lorsqu'ils ont été niés par l'institutionnalisation,

peuvent continuer à éclairer le présent à travers le rapport que chacun entretient 'habituellement' avec eux. C'est ainsi qu'émergent d'importantes différences ideológiques, imprégnant pratiques et discours”.

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Uma das estratégias terapêuticas aí utilizadas envolveu a construção de projetos

terapêuticos fundamentados na ideia de “cuidar de uma pessoa, fazer-se responsável,

evitar o abandono, atender à crise e responsabilizar-se pela demanda” (AMARANTE;

TORRE, 2001, p. 30, grifos do original).

A construção da rede de saúde mental no território, a afirmação dos direitos de

cidadania das pessoas com transtornos mentais e a desconstrução do manicômio fizeram

parte do projeto ético-teórico-político da experiência santista, que visava a construção de

uma outra cultura na relação com a loucura (NICÁCIO, 2003). Leal (2008) discute que a

experiência no NAPS de Santos foi considerada pela Organização Pan Americana de Saúde

modelo para as mudanças nas práticas asilares e que ela modificou radicalmente sua

concepção e seu modo de operar o cuidado.

Os processos de organização do trabalho e de cuidado da equipe configuraram-se

como práticas de porta aberta, de convivência, de investimento em diversos espaços

coletivos e grupais e de responsabilização por projetos singulares, propiciando a todos da

equipe entrar em contato com todos os usuários (NICÁCIO, 2003). Além disso,

[…] diferentemente das proposições de discussão em equipe para adotar uma conduta homogênea, buscava-se discutir, muitas vezes de forma conflitiva, as diversas leituras, tendo como critério fundamental as necessidades dos usuários e dos familiares e as suas possibilidades concretas de vida e de participação nas trocas sociais (NICÁCIO, 2003, p. 180).

O enfrentamento das contradições em relação ao sofrimento psíquico foi

intensamente vivenciado e analisado, de modo a não buscar um saber homogêneo ou

melhor do que outros para a construção de alternativas terapêuticas. Afirma-se, portanto,

a heterogeneidade dos saberes e os conflitos como motores do cotidiano. É a partir da

aceitação do conflito que pode surgir a possibilidade real de enxergar a necessidade das

pessoas (BASAGLIA, 2008).

Nas reuniões diárias das equipes, de acordo com Nicácio (2003), surgiu uma

dinâmica singular, nas quais as reuniões para agendamento de pautas deram lugar aos

momentos de convivência, de conversas, de compartilhamento e discordâncias,

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discussões, entre outros. Esses momentos-espaços abriram possibilidade de uma

“verificação cotidiana da prática e de construção de um ‘saber crítico’ pautado na reflexão

e no fazer coletivo” (NICÁCIO, 2003, p. 167), recusando verdades preestabelecidas. Esses

encontros foram fundamentais para o “fazer junto”, para a “produção da equipe como

coletivo” (p. 167). Além dessas reuniões, existiam espaços para reuniões temáticas, de

miniequipes e seminários coletivos.

A equipe tinha a função de socialização das experiências, de modo a propiciar o

enfrentamento conjunto “dos problemas e para avaliar, compartilhar e corrigir as decisões

que cada operador toma” […] O fazer profissional de cada operador não era avaliado

“separadamente, mas no interior do trabalho operativo da equipe e integrado na

responsabilidade de auto-avaliação que ela desenvolve” (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI,

2001, p. 45).

Nesse sentido, aproxima-se da concepção da equipe como “supervisor coletivo”, na

qual há uma centralidade do trabalho em equipe, com um maior destaque para um

trabalho cotidiano construído coletivamente, na colaboração, confrontação e

enfrentamento dos problemas (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI, 2001).

2.2 CONSOLIDAÇÃO DO MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL, A IMPLANTAÇÃO DA

ESTRATÉGIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO E OS “IMPACTOS DO AVANÇO

NEOLIBERAL” – 1992-2001

Entre as décadas de 1980 e 1990 a sociedade brasileira vivenciou intensas

mudanças na sua estrutura política e econômica. Com o início do governo Collor, em 1990,

houve a implantação de uma política neoliberal, conduzindo o Brasil a uma forte recessão

econômica, a elevadas taxas de desemprego e de índices inflacionários, “à deterioração

dos serviços e infraestrutura públicos – principalmente da área de educação e de saúde –,

à desindustrialização e ao arrocho salarial” (MATURSCELLI, 2010, p. 542).

Com a legalização do SUS em 1988, novas leis e portarias regulamentadoras do

Ministério da Saúde buscaram definir regras para diversos pontos da política, dentre eles a

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regulação do setor privado e o financiamento do setor (BAPTISTA, 2007). Nos anos 1990

até os dias atuais, é possível perceber que antigos conflitos se somam aos novos no

processo de negociação da política, restando muito a se definir para a garantia da proposta

(BAPTISTA, 2007).

Os primeiros debates e negociações em torno da Lei Orgânica da Saúde (LOS n.

8.080) provocaram uma série de discussões, principalmente no que se refere à

regulamentação com maior nível de detalhamento de seus objetivos e atribuições, da

questão do financiamento, da regulação do setor privado, da descentralização,

regionalização e hierarquização do sistema, da participação popular.

Diversos fatores prejudicaram o processo de aprovação e regulamentação, dentre

eles o contexto político do último ano do governo Sarney e primeiro ano do governo

Collor. A Lei tramitou 390 dias no Congresso Nacional, sofrendo várias modificações, e,

além disso, sofrendo vetos presidenciais no governo Collor nos aspectos referentes ao

financiamento, à participação popular, à organização da estrutura ministerial, da política

de cargos e salários e outras (BAPTISTA, 2007).

A Lei n. 8.142 foi aprovada três meses depois com algumas propostas vetadas na lei

original, especialmente no que diz respeito ao financiamento e à participação popular.

Contudo, ainda se mantêm lacunas expressivas para a implantação efetiva da política

(BAPTISTA, 2007). Dessa maneira, afirmou-se um direito, cabendo ao Estado, na figura de

seus governantes, sua implantação.

Entretanto, não é simples colocar em prática uma política tão abrangente como a que foi proposta com a seguridade social e o SUS, menos simples ainda quando existem lacunas importantes no desenho da proposta, como na questão do financiamento ou da descentralização (BAPTISTA, 2007, p. 55).

Com essas indefinições ou lacunas, cada contexto político e de gestão

governamental possibilitou o avanço ou definição de rumos mais consistentes para a

reforma, como também retrocessos. Dessa maneira, isso ressoa nas políticas de saúde

mental, com dificuldades vivenciadas nesse período, tanto no plano regional como local.

As dificuldades decorreram das mudanças de governo e seus consequentes abalos e

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recuos em programas de saúde mental, além do aumento do corporativismo profissional

em entidades da psiquiatria com o avanço das abordagens neuroquímicas, genéticas e de

novos medicamentos, dentre outros (VASCONCELOS, 2008).

Em relação à saúde mental, um documento da Coordenação Nacional de Saúde

Mental assinado por Domingos Sávio apresenta uma análise da reestruturação da atenção

em saúde mental no início dos anos 1990. Nesse documento, dentre outros desafios, são

apresentados: o consumo abusivo de álcool e outras drogas como problema de saúde

pública e sua associação com graves problemas sociais tais como acidentes de trânsito e

de trabalho, violência doméstica, dentre outros. As mudanças do perfil sociodemográfico

da população brasileira através do envelhecimento e aumento da população urbana, junto

ao agravamento das condições socioeconômicas devido à queda da qualidade de vida

traziam novos desafios com o aumento da prevalência dos transtornos mentais na

população (ALVES et al., 1994). Os autores sinalizavam para o agravamento desse quadro

caso não ocorresse uma “efetiva intervenção em nível das políticas socioeconômicas e do

setor saúde” (ALVES et al., 1994, p. 199).

Sobre a oferta assistencial no início da década de 1990, a organização da rede de

serviços em saúde mental é insatisfatória e de má qualidade. Havia um consenso entre

técnicos, prestadores de serviço públicos e privados, governo e opinião pública acerca da

assistência em saúde mental prestada no Brasil, afirmando ser esta de má qualidade

(ALVES et al., 1994). “O hospital psiquiátrico ainda detém, no início da década de 1990,

papel claramente hegemônico no conjunto de serviços, decorrente de fatores históricos,

econômicos e da conformação do sistema de saúde brasileiro” (ALVES et al., 1994, p. 199).

Além disso, o tempo médio de internação se mostra muito elevado, superior ao parâmetro

de trinta dias preconizado à época pelo Ministério da Saúde.

Nessa década, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da

Declaração de Caracas e pela realização da I CNSM, as primeiras normas federais foram

regulamentadas e passaram a vigorar propiciando a implantação de serviços de atenção

diária, “fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as

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primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos” (BRASIL,

2005a, p. 8).

A revisão da legislação brasileira estava em curso no início dos anos 1990 (ALVES et

al., 1994). A partir do Projeto de Lei n. 3.657/1990, proposto em 1989 pelo deputado

Paulo Delgado (PT/MG), regulamentando os direitos das pessoas em sofrimento psíquico

grave em relação ao tratamento e à substituição progressiva de um tratamento

manicomial por um não manicomial, alguns estados elaboraram e aprovaram projetos de

lei com o propósito da reorientação do modelo assistencial (AMARANTE, 1998). Como

exemplos temos Rio Grande do Sul, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do

Norte, e em outros estados brasileiros existiam leis tramitando nas Assembleias

legislativas (AMARANTE, 1998; BRASIL, 2005a; ALVES et al, 1994).

Em 1992 ocorreu a publicação da Portaria n. 224/1992, que regulamentou, pela

primeira vez, os novos serviços de saúde mental. Essa portaria veio reafirmar os princípios

do SUS e delimitar o funcionamento desses serviços de saúde, fixando assim suas normas

(LUZIO; YASUI, 2010).

Os tipos de equipes/serviços identificados na portaria são equipes de saúde mental

em unidades básicas de saúde e centros de saúde; ambulatórios de saúde mental, que

oferecem atendimento em saúde mental por meio de serviços ambulatoriais e atividades

como atendimentos individuais e grupais, visitas domiciliares e atividades comunitárias; e

os NAPS/CAPS, que deveriam ofertar um “atendimento de cuidados intermediários entre o

regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de 4 horas, por

equipe multiprofissional” (BRASIL, 1992; LUZIO; YASUI, 2010).

No que se refere ao componente hospitalar, a portaria regulamenta o hospital-dia,

serviço também intermediário entre o regime ambulatorial e a internação; o serviço de

urgência psiquiátrica em hospital geral; leito ou unidade psiquiátrica em hospital geral; e

hospital especializado em psiquiatria (BRASIL, 1992; LUZIO; YASUI, 2010). Nesse momento,

seguindo a lógica de organização de serviços do SUS, se falava em uma organização de

serviços em uma rede hierarquizada por níveis de assistência (LUZIO; YASUI, 2010).

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Essa portaria foi criticada por Amarante e Torre (2001) no sentido de que as

especificidades das experiências paulistana e santista foram anuladas. Os CAPS e os NAPS

eram identificados por tipologias de serviços distintos com inspirações teórico-conceituais

e técnico-assistenciais diferentes (LUZIO, 2003). As divergências referiam-se,

principalmente, ao funcionamento dos serviços CAPS como intermediários entre o regime

ambulatorial e à internação hospitalar, e não como serviços substitutivos ao hospital

psiquiátrico como preconizado pelo NAPS de Santos (AMARANTE; TORRE, 2001). De

acordo com Amarante (1998), as Portarias n. 189 e 224 do MS apontam o CAPS e NAPS

como sinônimos, ficando a critério de cada equipe adotar uma ou outra denominação.

Apesar dessa uniformização, Passos (2009) analisa que as diferenças das

experiências reformistas francesas e italianas repercutem no cotidiano em âmbito

brasileiro. Alguns autores chamam atenção para essa não explicitação de tais divergências,

no sentido de que muitas práticas revestidas de reformistas podem estar acontecendo

com características instituídas do modelo psiquiátrico e hospitalocêntrico tradicional, e

reafirmam a importância de retomar tais divergências com vistas a compreender melhor

os rumos da Reforma Psiquiátrica brasileira (AMARANTE; TORRE, 2001; DEVERA; COSTA-

ROSA, 2007).

No mesmo ano de aprovação da portaria e quatro anos após a I CNSM, em

dezembro de 1992, ocorreu a II CNSM. Amarante (1998) situa que a II CNSM não respeitou

as decisões e encaminhamentos da I CNSM, mas não justifica tal afirmação. A II

Conferência foi um processo extremamente rico, com a participação de aproximadamente

20 mil pessoas em suas três fases. Luzio e Yasui (2010) ressaltam a participação ativa dos

usuários nessa Conferência, e a participação de quinhentos delegados na etapa nacional.

Nela “foram reafirmados e renovados os princípios e as diretrizes da reforma psiquiátrica

brasileira na linha da desinstitucionalização e da luta antimanicomial” (AMARANTE, 1998,

p. 84).

Os três grandes temas sobre os quais se centraram as deliberações dessa

Conferência foram: A rede de atenção em saúde mental; A transformação e cumprimento

de leis; Direito à atenção e direito à cidadania (BRASIL, 1994). Por conseguinte, o relatório

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foi estruturado de modo a expressar os marcos conceituais adotados: modelo de atenção

e direitos de cidadania; a municipalização, com foco em “'Recomendações gerais',

'Financiamento', 'Gerenciamento', 'Vigilância', 'Dos trabalhadores de saúde, da

organização do trabalho e da pesquisa'” (BRASIL, 1994, p. 5), e as recomendações legais

em direito e legislação.

No que se refere às recomendações relacionadas à supervisão, elas aparecem de

diversas maneiras, conforme demonstrado a seguir.

2.2.1 O instituinte na gestão: novos modos de fazer planejamento, avaliação e formação

das equipes

Como função de apoiar tecnicamente para a implantação do novo modelo

proposto, através da participação de diversos conselhos profissionais e dos usuários.

3. Apoio técnico aos estados, para o desenvolvimento das ações de supervisão, controle e avaliação da rede assistencial, incorporando nessa atividade os conselhos profissionais da área de saúde e os representantes das associações de usuários e familiares (BRASIL, 1994, p. 203).

Em relação à supervisão, a mesma ênfase e definição da I CNSM foram retomadas,

ou seja, o objetivo de romper com a alienação e burocratização do trabalho. Isso se

mostrava imprescindível em um contexto de corporativismo profissional e de problemas

de implantação e consolidação da Reforma em nível loco-regional.

Além disso, houve certa ampliação da prática da supervisão. A menção do termo

supervisão, nesse momento, está inserida no capítulo 7 do relatório, intitulado “Dos

trabalhadores de saúde, da organização do trabalho e da pesquisa”. O modelo de atenção

busca “[g]arantir uma supervisão capaz de dar conta dos diversos aspectos da prática

cotidiana dos serviços de saúde mental substitutivos ao manicômio” (BRASIL, 1994, p. 20).

Os desafios emergidos junto às experiências reformistas foram acontecendo e

precisavam de espaços de reflexão e de formação dos/para os trabalhadores. As

supervisões foram indicadas como tais espaços no sentido de buscar refletir e transformar

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as práticas, entendendo assim que o modelo a ser construído ia para além das mudanças

em relação aos locais de tratamento.

Apesar dos avanços, muitos problemas foram aparecendo, principalmente no que

se refere à qualidade do novo modelo assistencial proposto. Foi percebido que um serviço

pode ser externo e reproduzir uma natureza manicomial (COSTA-ROSA, 2000).

Ramminger e Jacques assinalam que:

O capítulo que versa sobre o trabalho e o trabalhador de saúde enfatiza a necessidade de priorizar as ações que estimulem a 'desinstitucionalização do trabalhador de saúde mental' bem como define a equipe de saúde como necessariamente multiprofissional, inclusive com trabalhadores das áreas artística, cultural e educacional, livre da tradicional divisão de funções, com uma participação mais efetiva dos auxiliares e atendentes, com respeito e escuta dos diferentes saberes, sobretudo dos “setores populares”, e implicada no processo de mudança cultural do entendimento da saúde/doença mental (RAMMINGER; JACQUES, 2010, [s. p.]).

Sublinha-se que os desafios em torno da supervisão nesse momento estavam

atrelados às diversas mudanças relacionadas à organização do modo de trabalho

caracterizado pelo coletivo, pela equipe interdisciplinar, com a redução da divisão de

funções presentes no paradigma asilar, com mudanças na gestão, na formação ou

construção dos modos de fazer e da clínica. Mas de que maneira isso aparece nas práticas

construídas? Encontramos algumas menções de transformações nos modos de fazer

supervisão nos serviços implantados em São Paulo, Pernambuco, Ceará e Paraná.

A experiência de Campinas na década de 1990, no serviço de saúde Dr. Cândido

Ferreira, expressa diversas transformações vivenciadas nos modos de fazer gestão e clínica

e a inserção da supervisão nesse contexto. Nos relatos de experiência observados, a

supervisão foi utilizada como clínica e institucional.

A situação do Cândido Ferreira no início dos anos 1990 era de aprisionamento no

passado, o que tornava “a instituição refém de um modelo anacrônico que enclausurava a

loucura e mantinha profissionais e pacientes operando de acordo com o ‘modelo do

dano’” (VALENTINI, 2001, p. 12).

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Willians Valentini (2001), trabalhador do serviço na época, analisa que a

constituição do SUS e a tomada de responsabilidade pela gestão municipal foi importante

para o serviço, pois trouxe uma renovação, uma

[…] esperança de se poder, municipalmente, ampliar o controle social sobre os serviços de saúde, buscando-se assim o aumento do exercício da cidadania e consequentemente aumentar a educação dos cidadãos doentes quanto aos seus direitos de serem assistidos com respeito e dignidade (VALENTINI, 2001, p. 13).

Por conseguinte, em 1990, foi estabelecido o convênio de cogestão entre a

Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e o hospital “Dr. Cândido Ferreira”. O fato

representou o desafio de se produzir a superação, na prática, do manicômio e suas

práticas segregadoras “por dentro” do próprio hospital. Para tanto, iniciou-se ali o

processo de revisão diagnóstica, recuperação das histórias de vida e a localização das

famílias dos usuários internados, tornando o usuário centro das ações terapêuticas. Além

da reforma física e funcional dos prédios, houve, no hospital “Cândido Ferreira”, a

organização de quatro unidades de produção: hospital-dia, unidade de internação, núcleo

de oficinas de trabalho e unidade de reabilitação dos pacientes moradores (ONOCKO

CAMPOS; AMARAL, 2002; LUZIO; L'ABBATE, 2006). Cada setor ou projeto apresenta suas

especificidades com alguns desafios.

A mudança do modelo de gestão ocorreu inicialmente com a implantação da

cogestão através da criação de um Conselho Diretor com a composição ampliada, cujos

participantes eram governo municipal, trabalhadores do Cândido escolhidos em eleição

interna, universidades, governo do estado, associação filantrópica mantenedora,

representantes de usuários. Ao longo da década de 1990, essa participação foi sendo

ampliada. Em 1991, o Colegiado de Gestão foi composto por profissionais de diversas

áreas, profissionais com perfil de liderança. Gerentes e supervisores de equipes:

enfermeiros, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fisioterapeutas, economistas,

médico psiquiatra, farmacêutico, nutricionista, e outros, sem formação universitária.

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Inclusão de artistas no processo que, com o “apego” à liberdade, pudessem auxiliar na

desconstrução do hospital psiquiátrico (VALENTINI, 2001).

Para tais mudanças, foi necessário implantar um novo tipo de planejamento

heterodoxo, com a utilização de diversas ferramentas advindas da Análise Institucional,

Gestão da Qualidade, Racionalidade Comunicativa, como também do Planejamento

Estratégico (ONOCKO-CAMPOS; AMARAL, 2002). “Desde 1990, existe uma sistemática de

planejamento ascendente e participativo, realizado a partir das equipes das unidades de

produção, tanto assistenciais como de apoio técnico e administrativo” (p. 361).

Sobre as noções de planejamento, algumas críticas foram feitas ao modelo de

planejamento normativo, e na década de 1970, na América Latina, são propostas

estratégias de planejamento que tentassem resgatar seu componente político. Onocko

Campos (1998) ressalta um documento criado em 1975, intitulado Formulação de Políticas

de Saúde, e afirma o caráter político do planejamento, ao sinalizar que as decisões aí

envolvidas têm variáveis técnicas e políticas, considerando o conflito social como ponto de

partida para o “processo de geração e implementação de políticas” (ONOCKO CAMPOS,

1998, p. 33). Ressaltamos que isso ocorreu em um momento de queda das democracias na

América Latina, acompanhadas de políticas de governo que passaram a priorizar a

privatização e a redução dos gastos públicos. No entanto, a partir da década de 1980,

Matus e Testa formularam o que hoje conhecemos como Planejamento Estratégico

Situacional. Segundo Onocko Campos (1998), as categorias Poder, Política, Conflito,

Produção Social, Atores, História e Ação aparecem com muita força.

Giovanella (1990) analisa as ideias de Testa e afirma que este entende o

planejamento enquanto prática histórica, pensando os problemas de saúde como

problemas sociais. A autora afirma que o propósito do planejamento em saúde deve ser a

mudança social, cada propósito determina um método, que por sua vez deve estar

circunscrito a uma organização. As proposições em saúde só serão eficazes se levarem em

conta a determinação social do processo saúde-doença.

Especificamente na proposta de Testa, o poder assume um lugar central no

planejamento (ONOCKO CAMPOS, 1998; GIOVANELLA, 1990).

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Para mudar o social, é necessário pensar na questão do Poder, pois o Poder é categoria central na análise da dinâmica social. Significa pensar em como a forma de implementar uma ação de saúde — a estratégia — leva a alcançar um certo deslocamento de poder— uma política — favorável à resolução do problema. Assim, as estratégias em saúde extrapolam o setorial, abarcando o conjunto social, e dão eficácia às propostas a longo prazo. Para isso é necessário conhecer o Poder: o que é, suas determinações, suas relações, seus recursos, e encontrar formas para analisá-lo em sua distribuição setorial (GIOVANELLA, 1990, p. 132).

Dessa maneira, foi fundamental, na experiência do Cândido Ferreira, a participação

de todas as equipes no planejamento de maneira regular.

Onocko Campos e Amaral (2002) consideram que os supervisores faziam parte do

grupo-sujeito junto aos outros “agregados” (docentes de universidades conveniadas) do

Cândido Ferreira, bem como o colegiado de gerentes, parcela de profissionais. Diante de

todos os avanços, a autora sinaliza um dos importantes desafios para o futuro desse

projeto, a política de pessoal, com a fixação de profissionais e sua gratificação a partir da

avaliação de desempenho.

Na década anterior, na experiência paulistana, percebemos uma tensão no modo

como a supervisão se colocava, ora em sua função de controle a partir da gestão central,

que buscava a implantação de projetos, ora como um dispositivo que foi sofrendo

apropriação pelas demandas dos profissionais, que a utilizavam para promover reflexões

sobre as mudanças vivenciadas. Nessa segunda década (1990), o movimento instituinte da

gestão pode ser visto a partir da implantação do modelo de cogestão e de discussões em

torno do planejamento e avaliação, agregando a supervisão e promovendo

transformações nesse dispositivo.

Outro movimento instituinte que se fortaleceu nessa segunda década foi a

constituição de equipes multidisciplinares. No relatório da II CNSM, a “Organização do

trabalho” é pautada em um dos itens do documento, e a supervisão é destacada como

uma supervisão de equipe. No relatório consta a necessidade de “Garantir, dentro da carga

horária contratual, espaço para a atualização, intercâmbio, pesquisa, supervisão de equipe

e contato dos profissionais com as suas entidades, no sentido de romper com a alienação

e burocratização do trabalho” (BRASIL, 1994, p. 20).

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Valentini (2001) compartilha dessa posição ao demonstrar que, no processo de

mudança no Cândido Ferreira, os primeiros desafios enfrentados foram a constituição de

equipes multidisciplinares, com “profissionais identificados com os ‘antigos’ e os que se

chamavam ‘novos’” (p. 15), a tensão nas interações decorrentes das constantes

comparações, desqualificações e disputas de poder.

Na experiência da constituição do Hospital-Dia do Cândido Ferreira, o tema equipe

também aparece de forma crucial. Os trabalhadores que analisam essa experiência

apontam que para além da preparação técnica, era necessário construir

[…] horizontalidades e formas da equipe interdisciplinar de fato. Entretanto, esse trabalho é árduo. Nossa explicação mostra que construir uma equipe que se desvincule de um somatório de especialidades dirigindo-se para uma real possibilidade de compartilhamento, discussão e co-responsabilização não é fácil. Mesmo assim essa é a nossa escolha (CAVALCANTI et al., 2001, p. 115).

Havia, nesse momento, uma clareza em relação à opção por um novo paradigma

em saúde mental, e de como tal escolha propiciaria o surgimento de desafios para a

formação das equipes e para um serviço que, no mesmo estabelecimento, convivia

claramente com heranças de formas de trabalho fundadas no paradigma asilar. Assim,

tentava-se instalar uma gestão do trabalho que tinha afinidade com o Modo de Atenção

Psicossocial, com dispositivos mais horizontais “no qual a participação, autogestão e

interprofissionalidade são as metas radicais” (YASUI, 2010, p. 105).

Além disso, Giovanella e Amarante (1994) trabalham com o conceito de estratégia

no planejamento em saúde mental. Eles afirmam que a estratégia radicaliza a afirmação

do não equilíbrio, sendo entendida como

[…] um sistema maleável de referências teóricas e práticas, provenientes dos saberes e fazeres científicos e não científicos, que não implicam em qualquer pretensão de conhecimento da verdade, mas em linhas de contato/experiência com a realidade vivida (GIOVANELLA; AMARANTE, 1994, p. 138).

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Desse modo, na análise dos trabalhadores do Cândido Ferreira percebemos que

existia uma tensão entre dois paradigmas que atravessavam as práticas e concepções dos

sujeitos, gerando modelos em disputas de poder.

A supervisão institucional é destacada como uma das formas de apoio para

delinear novos projetos. Como exemplo disso, um dos projetos ousados, ainda sem

modelos preestabelecidos como as moradias no Brasil na década de 1990, vieram a

inspirar os serviços residenciais terapêuticos a serem oficializados nacionalmente nos anos

2000 com a Portaria n. 106/GM/MS. Nessa portaria os serviços residenciais terapêuticos

foram inseridos preferencialmente “na comunidade, destinad[os] a cuidar dos portadores

de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que

não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social”

(BRASIL, 2000, [s. p.]).

A proposição da construção de um novo modelo fundado no protagonismo dos

trabalhadores partiu da radicalização da ideia de prescindir de um projeto pré-elaborado

formalmente, tendo sido essencial admitir que “existe sempre um plano de atuação

subjacente ao trabalho da equipe, o que quer dizer que, no limite, a afirmação ‘não temos

projeto’ é, em realidade, ‘nosso projeto’ (ao menos naquele momento) é prescindir do

projeto – pelo menos de um projeto elaborado e formalmente explicitado” (FURTADO,

2001, p. 49-50). O protagonismo dos trabalhadores encontrava-se na sua responsabilidade

pelo delineamento e conteúdo na condução da atenção ofertada aos usuários (FURTADO,

2001). Mediante todos os desafios, era comum entre os trabalhadores que tentavam

construir um novo modelo do Hospital-Dia do Candido Ferreira afirmarem a sua

responsabilidade e escolha nessa construção. Nos relatos, percebemos claramente um

desejo de construir um modelo diferente, entendendo aí o desejo como “todas as formas

de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de inventar uma

outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores” (GUATTARI;

ROLNIK, 2005, p. 261). Dessa forma, de acordo com Guattari, o desejo é sempre produtivo

e demanda um processo social que preserve processos de singularização (GUATTARI;

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ROLNIK, 2005). Para isso, novas formas de funcionamento da sociedade, e, por

conseguinte, dos estabelecimentos precisavam ser reinventadas.

Assim, os diversos serviços construídos mobilizaram transformações. No caso

específico da Unidade de Reabilitação de Moradores do Cândido Ferreira, entre as

transformações institucionais almejadas há um destaque para o compromisso com as

mudanças das condições dos usuários, o que reflete a busca por outro modelo de

sociedade (FURTADO, 2001).

Para Giovanella e Amarante (1994) o território é entendido como elemento central

na construção de estratégias para o planejamento em saúde mental. Nesse universo

encontram-se as necessidades das pessoas que devem ser sempre atendidas pelos

serviços territoriais. A partir dessas necessidades é que devem ser criadas tantas

estratégias quantas forem necessárias para um cuidado efetivo.

Assim, nega-se ou critica-se uma perspectiva de um planejamento centrado na

“neutralidade e positividade das ciências” (GIOVANELLA; AMARANTE, 1994). As equipes

devem estar imbuídas

[…] de ambiente favorecedor da autonomia criativa e da participação democrática, o alto grau de compromisso dos trabalhadores da equipe com metas por eles próprios estabelecidas, o apoio externo de supervisão institucional e a ousadia de pôr em prática iniciativas ainda que não sustentadas por mecanismos formais no âmbito municipal, do SUS ou do Ministério da Saúde, como foi o caso das moradias extra-hospitalares (FURTADO, 2001, p. 38).

Assim, nega-se ainda uma vertente instituída em que o planejamento é feito por

uma chefia que estabelece os objetivos e funcionamento das equipes de trabalho.

Giovanella e Amarante afirmam que não existem leis que se repetem no caso da realidade

social, mas sim tendências, pois “a ação de classes/forças sociais em disputa e luta não

pode ser previamente determinada pelo estabelecimento de leis” (1994, p. 136). Assim,

no planejamento, é possível apenas aproximar-se da complexidade dos elementos em jogo

nas situações de conflito, mas nunca construir estratégias fundadas em leis sobre o

funcionamento social, e, por conseguinte, dos grupos.

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O envolvimento e o protagonismo dos diversos atores tornam-se essenciais para a

construção de um direcionamento coletivo. Os autores citados ressaltam essa participação

afirmando que “[p]ensar a ação de homens e mulheres na construção da história, na

construção da realidade social, é pensar a ação política: pensar as relações de poder na

sociedade. Imprimir direção aos processos sociais é pensar na ampliação de uma vontade,

tornando-a coletiva” (GIOVANELLA; AMARANTE, 1994, p. 137).

Seguindo o movimento instituinte nas formas de planejamento, foi necessário

também realizar um movimento no processo de avaliação de serviços e de práticas. Os

parâmetros de avaliação compõem, da mesma maneira que o planejamento, com

pressupostos ou paradigmas escolhidos na gestão. Quando se reafirma a noção de doença

mental como conceitos abstratos, o modelo de avaliação deverá ser coerente com os

objetivos de cura e tratamento almejados. Um exemplo disso ocorreu no modelo

preventivista, no qual os indicadores de avaliação escolhidos eram de desempenho, tais

como “diminuição de tempos médios de internação hospitalar, taxas de ocupação, índices

de reinternação”. Quando se buscam metas no sistema ambulatorial fala-se em

indicadores de “ampliação da oferta de consulta, do número de ambulatórios, dos

recursos extra-hospitalares” (GIOVANELLA; AMARANTE, 1994, p. 143). Se estivermos nos

referindo a sujeitos concretos que vivenciam experiências singulares, todo aparato

institucional deve sofrer modificações.

No âmbito da gestão, avaliar tem sido sinônimo, de modo eufêmico, de controlar

ou cercear, com difusão de práticas autocráticas de avaliação (SILVA; BRANDÃO, 2011). A

avaliação instituída como instrumento de controle foi criada como forma de produzir a

repetição de uma organização, para que ela sempre seja mantida em certa direção que foi

escolhida.

No que se refere à saúde, que direção seria essa? Na esteira do Estado mínimo, a

redução de custos com o setor público “impôs uma busca de eficiência em que o menor

custo e a maior produtividade passaram a ser importantes balizadores” (SANTOS FILHO;

SOUZA; GONÇALVES, 2011, p. 258). Seguindo essa mesma perspectiva, ela também tem

servido para o controle e subordinação dos trabalhadores (SANTOS FILHO; SOUZA;

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GONÇALVES, 2011). E a supervisão foi criada como um dispositivo de poder para avaliação

e controle dos trabalhadores.

No entanto, Santos Filho, Souza e Gonçalves (2011) sinalizam que no âmbito do

SUS, tem-se buscado produzir desvios em uma tendência global de avaliação centrada na

busca do controle e avaliação de gastos para a saúde. Silva (2009) desenvolve

questionamentos importantes sobre como o instituinte pode resistir à avaliação de

controle.

Para que se subvertam ou transformem-se tais formas de avaliação, algumas outras

lógicas de avaliação têm sido construídas, principalmente questionando as relações de

saber-poder que atravessaram historicamente a construção da avaliação (SANTOS FILHO,

SOUZA; GONÇALVES; SILVA, 2011). Para o fortalecimento do movimento instituinte no

processo de avaliação, um dos primeiros movimentos, os lugares de poder instituídos, de

separação entre quem avalia e quem é avaliado, precisam ser subvertidos ou questionados

(SILVA, 2009).

Dessa maneira, na experiência vivenciada no Cândido Ferreira, percebeu-se a

necessidade de criar dispositivos para que o profissional tivesse visão de todos os atos de

reabilitação desenvolvidos, com uma visão de conjunto, avaliando coletivamente

abordagens, superando assim uma alienação do trabalhador no processo de cuidado

(FURTADO, 2001). Assim, foram essenciais a ampliação dos espaços de troca, de fala, em

assembleias e pequenos grupos, para a redução da verticalidade entre os membros das

equipes e entre equipe e usuários (FURTADO, 2001).

Ao ter uma visão sobre o processo de trabalho e sobre a organização em um todo,

ao “[e]nxergarem o que sequer pode ser visto dentro da organização, aquilo que é

proibido de ser enxergado, uma vez que parte do mecanismo de controle precisa de uma

permanente produção de cegueira” (SILVA, 2009, p. 4), e ao produzir movimentos de fala

sobre o não dito, é possível fazer uma reconstrução de uma organização a partir do

fortalecimento do movimento instituinte (SILVA, 2009).

Dessa maneira, foi construída a democratização no funcionamento das equipes.

Adotou-se para o estabelecimento das regras na nova proposta de trabalho o “diálogo

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propiciado por encontros democratizados nas rodas paulofreireanas” (VALENTINI, 2001, p.

23). Valentini (2001) afirma que mediante a necessidade de se rever ou esclarecer algo,

novas rodas eram feitas “para se renegociar, mais democracia com a tomada conjunta de

decisão” (p. 23).

As rodas eram assim construídas com a função de avaliação e de aprendizagem

coletiva das equipes. Silva e Brandão (2011) chamam atenção para essa marca por vezes

esquecida da avaliação que é a marca da aprendizagem. Para isso, os autores querem

construir uma perspectiva ético-política da avaliação, que busque

[…] armar dispositivos em que sujeitos e grupos amplifiquem o sentido, a potência e a sustentabilidade de suas realizações [. O] exercício contemporâneo da avaliação pede que sujeitos e grupos possam construir 'aprendizagens', ou melhor, que qualquer construção social se valha do solo da aprendizagem para ancorar seu aparato e fortalecer sua dinâmica (SILVA; BRANDÃO, 2011, p. 143-144).

Valentini (2001) indica que havia uma tensão entre o saber-fazer anterior que não

servia mais e o saber-fazer novo que não tinha resultados concretos ainda. A incerteza era

marcante, em que na experimentação de ações existiam possibilidades de erros, que

provocavam uma necessidade de avaliação constante. “[N]ão há melhor forma de

aprender do que analisar os erros cometidos. O mais importante é que se avalie, sempre

que possível, o maior risco se corre caso se incorra involuntariamente em erro. Espera-se,

sempre, nos limites da Ética, errar involuntariamente” (VALENTINI, 2001, p. 18).

Ou seja, a equipe analisa as situações, experimenta e recria intervenções, e faz

algumas escolhas, dispondo-se a aprender com as consequências destas. Assim, na

experiência relatada, percebemos uma aposta nas “rodas de avaliação educadora” e o

investimento na potência do espaço público, “nos fluxos de saber e poder e na capacidade

dos grupos humanos de reconhecerem sua situação e fabricar soluções próprias e parciais

para suas questões” (SILVA; BRANDÃO, 2011, p. 154).

Essa nova forma de avaliação é experimentada pelos trabalhadores do Cândido

Ferreira, onde as equipes criaram instrumentos que lhes permitiam avaliar “os graus de

eficácia, eficiência e efetividade de nossa proposta, para que possamos realizar nelas

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eventuais alterações e adaptações. Os indicadores de avaliação da equipe têm aferido

alguns aspectos do processo de trabalho da equipe, mas são insuficientes para avaliação

do modelo em si” (FURTADO, 2001, p. 57).

Ao mesmo tempo em que se conseguia avançar nas novas formas de avaliação, e,

por conseguinte, na aprendizagem do que seria um trabalho em equipe, existia uma

perspectiva crítica em relação às repercussões do processo de avaliação no modelo que se

pretendia construir.

Em relação ao trabalho na Unidade de Atenção à Crise, também existia a prática de

utilização de indicadores de avaliação escolhidos pela própria equipe. Ana Paula Zago,

Cássia Cristina Pacheco Ramos e Nobusou Oki são relatoras da experiência vivenciada

nessa unidade por diversos trabalhadores do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira. Os

princípios que orientavam tais ações foram o vínculo, acolhimento, responsabilidade e

resolutividade. A partir de 1996, a equipe passou a trabalhar com os seguintes indicadores

de avaliação: média de permanência geral e por diagnóstico, taxa de ocupação de leitos,

fuga, agressão, adesão familiar e prontuários (ZAGO; PACHECO; OKI, 2001).

Os indicadores representavam o conjunto de variáveis e critérios escolhidos pelo

grupo para a produção do seu saber e da prática. Nos indicadores, o grupo alinhava

conceitos que às vezes não são claros ou não tem o mesmo significado por todos os

sujeitos. Assim, os indicadores deveriam refletir a singularidade de cada grupo e de cada

situação, pois cada “grupo é capaz de criar as referências que mais lhe parecem adequadas

à sua realidade, à sua necessidade, à sua cultura e às suas intenções” (SILVA; BRANDÃO,

2011, p. 155). Ao ser uma escolha ética, estética e política (SILVA; BRANDÃO, 2011), a

escolha de alguns indicadores convocam os sujeitos a uma análise da implicação na

construção de uma dada realidade.

Assim é que para analisarem as demandas atendidas exigia-se da equipe um olhar

não mais departamentalizado, mas sim com intervenções mais coletivas. Para isso, as

terapêuticas ofertadas pela unidade exigiam o enfrentamento da polêmica entre o campo

e núcleo de competência. Tal polêmica ocorria porque a maioria das intervenções poderia

ser desenvolvida por vários profissionais, gerando fuga dos núcleos de atuação, mas com o

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tempo “o processo foi reorganizando-se e buscando um equilíbrio entre duas instâncias”

(ZAGO; PACHECO; OKI, 2001, p. 73). Assim, o processo de trabalho era mutável, com um

aprimoramento constante a partir da mudança do olhar e do agir, com base no que era

vivenciado, gerando nos novos horizontes de atuação centrados em intervenções mais

coletivas, mas sem a perda da especificidade de cada profissional (ZAGO, PACHECO, OKI,

2001).

Buscar juntos objetivos comuns dos múltiplos referenciais teóricos, e respeitar a individualidade de cada paciente, vem proporcionando mais integração da equipe, entre seus membros, entre ela e os usuários, diminuindo a competitividade destrutiva e aumentando a solidariedade, o que amplia a possibilidade de troca e os compartilhamentos dos aprendizados (ZAGO; PACHECO; OKI, 2001, p. 77).

A distinção entre núcleo e campo é um elemento central nessa equipe. Campos

(1998) sinaliza que quando se afirma por demasia a especialidade, corre-se o risco da

definição de um campo rígido de atribuições, gerando o corporativismo. Assim, se

justificam as definições de núcleo, como a inclusão das atribuições exclusivas de uma

determinada área, e de campo de competência, como tendo limites menos precisos, para

a constituição de espaços de negociações (CAMPOS, 1998). Tais negociações são

constantes e são impossíveis de serem definidas exclusivamente pela técnica. Essas

definições auxiliaram na construção de uma solidariedade coletiva, essencial para o

trabalho que se pretende desenvolver nos serviços substitutivos na Atenção Psicossocial.

Yasui (2009) defende que a fraternidade e a solidariedade são imprescindíveis na

construção de bons encontros, encontros estes que devem produzir efeitos, ressonâncias

no processo de mudança proposto na Atenção Psicossocial. Assim, vê-se um

aprimoramento ou mudanças na gestão do trabalho, como também mudanças no

processo de formação profissional, com a busca de novos horizontes teóricos que

respondam aos novos desafios encontrados na prática profissional.

Com as mudanças na gestão, onde percebemos a supervisão? Nessas experiências,

vemos delinearem-se o que se denominou de supervisão clínica e de supervisão

institucional.

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Elas funcionavam para apoiar as mudanças e, para isso, as equipes se encontravam

semanalmente ou quinzenalmente para encontros caracterizados como reuniões de

equipe, supervisão institucional, supervisão clínica e de planejamento (ZAGO; PACHECO;

OKI, 2001, p. 79; CAVALCANTI et al., 2001).

Sobre a importância das supervisões, os autores trabalhadores afirmaram a

importância desse dispositivo para fortalecer o movimento instituinte. Na experiência do

Núcleo de Atenção à Crise, o dispositivo supervisão pôde auxiliar na revisão do papel

institucional e no aprofundamento das questões relativas à implantação das experiências

Núcleo (ZAGO; RAMOS; OKI, 2001; CAVALCANTI et al., 2001). Dessa maneira, a supervisão

foi se constituindo um dispositivo importante, aliado às reformulações nas práticas de

planejamento e de avaliação, possibilitando uma análise profunda no intuito de

desenvolver as diretrizes explicitadas e radicalizando a individualização do projeto

terapêutico (ZAGO; RAMOS; OKI, 2001).

As supervisões clínicas e institucionais funcionavam ainda para “a circulação dos

saberes, que as angústias que atravessam os terapeutas e as dificuldades interequipe

sejam analisadas, que a pluralidade de concepções teóricas e diferentes papéis e

momentos terapêuticos possam ser discutidos e articulados na prática com os pacientes”

(CAVALCANTI et al., 2001, p. 116) O efetivo funcionamento em equipe “significa criar

condições de acolhimento e sustentação para o sofrimento psíquico” (p. 116).

Assim, é importante frisar como a supervisão também constituiu importante

dispositivo de cuidado ao cuidador, imprescindível para que a equipe pudesse criar

estratégias para lidar com as angústias decorrentes dos atendimentos às pessoas em

sofrimento psíquico grave, e onde possa refletir-se acerca dos universalismos das teorias,

reinventando-os e adequando-os às necessidades concretas das pessoas.

Merhy (2004), a partir de sua trajetória como supervisor dos serviços da rede de

Campinas, aponta para as situações desafiadoras vivenciadas pelo trabalhador de saúde

mental que busque um agir antimanicomial. O autor aponta para o conflito entre um

cotidiano fortemente marcado por intensas demandas de cuidado apresentadas pelas

situações e pelos usuários, por um lado, e por outro, a presença de um imaginário de que

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o agir clínico desse mesmo trabalhador é bastante ampliado, assim como sua rede de

relações, para suprir as necessidades dos usuários e torná-los menos loucos e excluídos.

Esse conflito cotidiano tem gerado uma sobrecarga de trabalho, que faz os trabalhadores

experimentarem

[…] o tempo todo, sensações tensas e polares, como as de potência e impotência, construindo no coletivo de trabalhadores situações bem paradoxais, nas quais cobram de si e do conjunto posicionamentos profissionais e estados de ânimos muito difíceis de serem mantidos, durante todo o tempo do trabalho (MERHY, 2004, p. 8).

Para trabalhar com tais sensações e situações, e fazê-las obras-primas de um

trabalho vivo, é importante que tais questões sejam trabalhadas nos espaços de

supervisão.

2.2.2 Acolhimento, vínculo, responsabilização e participação do usuário: a supervisão e a

reinvenção da clínica

As experiências analisadas que reportam à supervisão clínica ocorreram

eminentemente em Campinas. De acordo com elas, a supervisão clínica foi sendo

modificada em função das seguintes demandas: delinear as estratégias terapêuticas,

trabalhar o vínculo e a referência na relação equipe-usuário e produzir o protagonismo do

usuário em relação ao processo de cuidado.

Em relação ao delineamento de novas intervenções, foi central, de acordo com

Zago, Ramos e Oki (2001), a necessidade de produzir os subsídios necessários para o

andamento dos casos, trazendo à tona a discussão acerca de um paciente específico e da

singularidade de um atendimento (CAVALCANTI et al., 2001; FURTADO, 2001).

Dessa maneira, persegue-se nessas experiências uma relação clínica centrada na

individualização das estratégias de cuidado. Onocko Campos (2001) ressalta que pouco se

falara até aquele momento sobre a discussão da clínica no campo da saúde mental. De

acordo com essa autora, no campo da reforma psiquiátrica brasileira a doença foi

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negligenciada a partir de posturas ideológicas. Ela afirma que para que se cuide

efetivamente das pessoas em sofrimento psíquico, é importante que se utilize

“mediadores diferentes da palavra” para “fazer coisas que possam vir a ter sentido para

cada usuário” (ONOCKO CAMPOS, 2001, p. 108).

Além disso, as equipes apontam que a reflexão sobre a clínica se estabeleceu na

medida em que existiam dificuldades na constituição da referência individual almejada,

dificuldade em sustentar o vínculo “com os pacientes e a flexibilização do modelo e da

equipe aos impasses e questões que cada paciente, em sua singularidade, nos apresenta

no cotidiano” (CAVALCANTI et al., 2001, p. 118). Além da necessária discussão sobre a

triagem, acolhimento e vínculo, sendo este último entendido como um dos tripés de

sustentação do novo modelo (FURTADO, 2001).

Negando uma perspectiva clínica moderna que parte de uma postura neutra de

observação centrada nos sintomas (FOUCAULT, 2013), a nova proposta clínica exige uma

postura de acolhimento e de vínculo. Nesse sentido, o cuidado deve remeter a um

posicionamento comprometido e implicado, exigindo uma postura de acolhimento em que

o usuário possa “encontrar uma porta aberta, adentrar o serviço e ser recebido. O

encontro produtor dos atos de cuidar pressupõe um momento de acolhida, de recepção,

que considere aquele que busca nossa ‘hospitalidade’ em sua totalidade” (YASUI, 2010, p.

139).

Para que o usuário busque a equipe para responder às suas necessidades, torna-se

fundamental a produção do vínculo equipe-usuário. De acordo com Campos (2007),

vínculo “é algo que ata ou liga pessoas, indica interdependência” (p. 68), e para isso

demanda um reposicionamento duplo, tanto da parte dos usuários como das equipes. Em

relação ao primeiro grupo, necessita que estes acreditem na possibilidade de

contribuições para a sua saúde, e em relação ao segundo, exige o compromisso com a

saúde dos usuários (CAMPOS, 2007). Assim, uma das diretrizes para o atendimento

efetivamente substitutivo em saúde mental é a lógica da responsabilização das equipes

(ONOCKO CAMPOS, 2001). E ressalta-se que não é a vinculação de um usuário com um

profissional da equipe, mas sim a relação estabelecida pelo usuário com a equipe.

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Dessa maneira, apresentava-se nos anos 1990 a necessidade de transformar as

relações no processo de tratamento no que se refere à participação do usuário, tornando-

o mais sujeito (ZAGO; RAMOS; OKI, 2001).

Assim, compreende-se a importância atribuída ao reconhecimento do outro como

uma pessoa mais que um mero objeto ou portador de um objeto de intervenção,

reconhecendo-o como um sujeito, rompendo dessa maneira com uma racionalidade

médica hegemônica centrada na doença (YASUI, 2010). É necessário “retirar a clínica da

Saúde Mental de sua tradicional função de controle social, feita em nome de ditames

técnicos e científicos, para colocá-los a trabalho da autonomia e interdependência das

pessoas” (LOBOSQUE, 2003, p. 20).

Tais diretrizes clínicas necessitam urgentemente de que a clínica esteja articulada

ao planejamento do serviço e da rede, compreendendo que “um projeto em um serviço

de saúde deve incluir uma proposta clínica” (ONOCKO CAMPOS, 2001, p. 108).

Portanto, questionamos a suficiência de um modelo de supervisão clínica centrada

tão somente na discussão de casos para os novos serviços de saúde mental, já que a

“análise da análise da situação institucional estará sempre fortemente entrelaçada com a

discussão clínica” (ONOCKO CAMPOS, 2001, p. 109-110).

2.2.3 Apoio e construção de redes

Para mudanças no modelo tecnoassistencial centrado na perspectiva de

intervenção sobre a doença com a supervalorização do hospital, a partir de 1994, o MS

articulou a reorganização da atenção básica à saúde por meio do programa/ depois

estratégia/ depois política de Saúde da Família (FEUERWERKER, 2005). Essa Política

articula elementos das propostas originalmente conhecidas como Sistemas Locais de

Saúde/Distrito Sanitário, Programação em Saúde e Promoção à Saúde.

De acordo com Feuerwerker (2005), a Política de Saúde da Família traz elementos

inovadores por “não estar centrad[a] na unidade e sim no território, mais precisamente

nas famílias”. O trabalho em equipe de saúde e a aposta na ampliação do diálogo com a

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112

população a partir dos ACS também são fundamentais nessa política (FEUERWERKER,

2005).

A Reforma Sanitária e a RP se entrecruzam ao proporem ações em saúde que

focalizem o território em que os sujeitos se inserem. A redução das internações

hospitalares se faz a partir do redirecionamento da assistência para serviços de atenção

diária. Nesse sentido, a RP, ao pautar-se no fechamento do manicômio, torna necessária a

utilização da unidade básica de saúde também pela pessoa em sofrimento psíquico grave

(SEVERO et al., 2007). Para implantar um modelo de atenção em saúde mental mais

próximo do cotidiano das pessoas e da concretude das experiências dos usuários, busca-se

a inserção de intervenções em saúde mental na atenção básica.

No Brasil, o apoio matricial tem propiciado o fortalecimento da inserção de ações

em saúde mental na atenção básica (CAMPOS; DOMITTI, 2007). O apoio matricial objetiva

estabelecer retaguarda assistencial às equipes responsáveis por atender aos problemas de

saúde de uma dada população (CAMPOS; DOMITTI, 2007). O apoio ofertado deve ser

tanto assistencial como também técnico-pedagógico.

Encontramos alguns relatos que mostram a relevância da inserção de ações em

saúde mental na saúde da família e a utilização do dispositivo supervisão nas experiências

relatadas na coletânea SaúdeLoucura, dedicada à saúde Mental e Saúde da Família,

lançada sob a organização de Antônio Lancetti. Lancetti (2013) nos lembra que até a

segunda metade dos anos 1990, o Programa de Saúde da Família já tinha manifestado sua

eficácia em municípios do Norte e Nordeste, os quais aparecem na coletânea. São citadas

principalmente as experiências de Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho, Vale do

Jequitinhonha, Sobral e Quixadá. Nessas experiências, o processo de municipalização

também foi reiterado como imprescindível para a organização de uma rede substitutiva

(CABRAL et al., 2013; PEREIRA; ANDRADE, 2013).

Cabral et al. (2013) expõem a experiência ocorrida no Cabo de Santo Agostinho

(Zona da Mata no Sul de Pernambuco) com a implementação do Programa de Saúde

Mental a partir da III CNSM do município em 1998.

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Com o processo de municipalização, o campo da saúde vem passando por reformas que partem cada vez mais do território e não de instituições. Percebe-se que, contrapondo-se às estruturas tradicionais, o modelo territorial vai muito além dos limites geográficos, pois permite uma organização da rede de saúde partindo de um contexto histórico particular, refletindo tudo o que uma população produz – seus tempos, histórias, experiências pessoais, a evolução do próprio espaço territorial e da sua população, modificando as suas respostas em conformidade com os novos contextos (CABRAL et al., 2013, p. 138).

Desde antes da implantação de qualquer Programa de Saúde Mental do município,

havia uma aliança entre a saúde mental e a Saúde da Família, nos campos teórico e

prático, já que a ESF “trabalha com a lógica da desinstitucionalização com maior ênfase no

vínculo, estando suas equipes intensamente engajadas no cotidiano da comunidade,

incorporando ações de promoção e educação para a saúde na perspectiva da melhoria das

condições de vida” (CABRAL et al., 2013, p. 139).

Em relação à concepção de saúde mental adotada, o enfoque é ampliado para o

sofrimento psíquico, e a proposta terapêutica tinha por compromisso a utilização de

estratégias diversas, “possibilitadoras de autonomia das pessoas, mediante uma

combinação de técnicas de apoio individual com outras mais socioculturais” (CABRAL et al.,

2013, p. 139). Da mesma maneira, um dos projetos desenvolvidos a partir do NAPS na

década de 1990, denominado Estação Cidadania, estabeleceu como foco central a

intervenção no território, prevendo encontros sistemáticos para supervisão continuada das

ESF.

A ideia da supervisão nesse projeto emergiu a partir da identificação da demanda

no contato com as equipes, demanda que expressava as dificuldades do relacionamento

intragrupo e “do trabalho cotidiano, em si bastante desgastante, notadamente pela

situação de pobreza e privação da maior parte da população coberta” (CABRAL et al.,

2013, p. 145).

Desinstitucionalização e território apresentaram-se como dois conceitos-

ferramentas fundamentais para esse trabalho. Nesse caso específico, ela parece estar

fundamentada na ideia de desconstrução, conforme citado por Amarante (2010) e

inspirada principalmente na experiência italiana. A desinstitucionalização busca desmontar

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a relação problema-solução, retirando o olhar sobre a doença e observando a existência-

sofrimento e “sua relação com o corpo social […] A ênfase não é mais colocada no

processo de ‘cura’ mas no projeto de ‘invenção de saúde’ e de ‘reprodução social do

paciente’” (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI, 2001, p. 30). Ao focar na reprodução social do

paciente, torna-se imprescindível o olhar sobre e a partir do território.

Percebemos aí também uma ampliação da compreensão do processo saúde-

doença, associada aos determinantes sociais, e para isso parte-se para a compreensão

desse processo no território. Lancetti e Amarante (2006) explicam que, ao contrário do

que se concebe na saúde no geral, as intervenções que demandam maior complexidade

de recursos devem ser feitas na atenção básica, pois o território é o principal espaço onde

temos contato com fatores socioculturais, políticos, familiares, entre outros.

A compreensão dos conceitos-ferramentas território e desinstitucionalização foram

primordiais para quem exerceu a função de supervisor. Para responder às demandas, a

supervisão funcionou de diversas maneiras, estabelecendo-se “acompanhamento da

rotina de trabalho na área […] e fortalecimento do vínculo. Os conteúdos dos encontros

posteriores são combinados sobretudo em função da demanda da equipe” (CABRAL et al.,

2013, p. 148).

2.2.4 A supervisão como dispositivo de formação

Amarante aponta para a necessidade de mudança na cultura da formação,

seguindo a tradição de Paulo Freire. Ele recusa a noção de formação como simples

treinamento, capacitação e adestramento de recursos humanos, para pensá-lo como

“emancipação, criação de novas potências, de projetos, de perspectiva crítica”

(AMARANTE, 2008, p. 66).

Apresenta-se como prioridade a valorização da escuta de saberes antes

desvalorizados, tais como os saberes populares ou não especializados. Além disso,

seguindo a dimensão epistemológica, visitando outros modelos de atenção, trajetórias de

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experiências internacionais, a perspectiva do cuidado em redes e no território, dentre

outros saberes (AMARANTE, 2008, p. 66).

Essa perspectiva de formação mostra-se contra-hegemônica frente ao modelo

instituído de formação em saúde e em saúde mental. Como características ou expressões

desse modelo instituído temos uma formação centrada em consultórios – seja atendendo

dentre dele, seja gerando ordens a partir dele – que enfatiza a relação terapeuta/cliente

(LOBOSQUE, 2009) ou mesmo uma formação vinculada ao modelo hospitalar e ao olhar

sobre os sintomas que aí aparecem.

Algumas experiências com caráter instituinte que foram surgindo na década de

1990 colocaram em cheque esse quadro. Uma delas ocorreu em Quixadá, interior do

Ceará, onde a supervisão foi identificada como uma assessoria que a equipe do CAPS

poderia fornecer às ESFs, e em que o funcionamento aconteceria através de

[s]eminários conjuntos, estágios de pessoal do CAPS no PSF e estágios de pessoal do PSF no CAPS proporcionaram o surgimento de vários laboratórios: atendimento de crise psicótica, pelo PSF, com supervisão do CAPS; acompanhamento domiciliar de psicóticos crônicos ou cronificados, pelo PSF, com supervisão do CAPS; participação das equipes do PSF, no CAPS, em vivências de biodança; realização, pelo PSF, de grupos de queixa difusa e de grupos de dependentes de benzodiazepínicos, sob supervisão do CAPS (SAMPAIO; BARROSO, 2013, p. 211).

Na nossa avaliação, essa experiência traz uma riqueza de informações e modos de

fazer singulares. Primeiro, admite-se que o acompanhamento precisa ser realizado na área

de referência da equipe do PSF, desconstruindo a noção de que uma doença mental

precisa estar isolada para ser pensada; admite-se o vínculo entre as equipes como

estratégia importante para uma construção conjunta do saber-fazer.

Para tanto, a circulação de profissionais entre os dois serviços foi tomada como

estratégia. O processo de aprendizagem foi construído junto à possibilidade de um

profissional ir até outro serviço e poder trocar experiências práticas relacionadas a ele. Há

aí uma dimensão do saber prático que é valorizado, o saber que se constrói no serviço, na

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relação direta com o mundo do trabalho, diferente da construção de saberes a partir dos

laboratórios.

Esse encontro entre trabalhadores em serviços diversos pode vir a ser um espaço

de produção de um agir compartilhado, em que a interação possibilita a construção

comum de valores em relação à assistência e aos resultados buscados (SCHRAIBER, 2011).

A intervenção em saúde ganha sentido a partir do desenvolvimento da criticidade,

estimulando um raciocínio sobre o uso das tecnologias disponíveis. Assim, a potência

desse encontro estimula o aprimoramento de um sucesso prático, que se diferencia de

uma visão padronizada da reprodução de uma técnica (SCHRAIBER, 2011).

Acreditamos ainda que esses arranjos proporcionaram a responsabilização, ou

tomada de responsabilidade, trabalhando na gestão e no suporte, encarregando-se da

pessoa em sofrimento (BASAGLIA, 2008). A gestão e a tomada de responsabilidade são

palavras que são usadas para expressar a perspectiva italiana ao contrapor-se ao

manicômio, a teoria científica e a organização social que sustentam a lógica manicomial.

Assim, a formação na universidade é tomada como dispositivo importante, seja

para repetição ou para crítica e mudança ao modelo manicomial (OLIVEIRA, 2010). Uma

das experiências instituintes nesse sentido ocorreu entre os anos 2000 e 2001, no interior

do Ceará, utilizando-se da supervisão. O objetivo do projeto piloto de supervisão do

Programa de Saúde da Família das zonas rurais por um psiquiatra da equipe de saúde

mental, com o intuito de “discutir os casos de demanda ‘psi’ que dificilmente poderiam

deslocar para a sede do município para atendimento especializado” (PEREIRA; ANDRADE,

2013, p. 192).

As atividades de supervisão estavam vinculadas a um Curso de Residência em

Saúde da Família do Polo de Capacitação, Formação e Educação Permanente em Saúde da

Família do Estado do Ceará. Os autores Pereira e Andrade (2013) apontam que nesse

modelo de formação eles adotaram o trabalho fundamentado no modelo da “Tenda

Invertida”, “na qual o lócus e o momento da formação do profissional passam a ser a

unidade de saúde e a comunidade na qual a equipe do PSF e a ESM atuam” (PEREIRA;

ANDRADE, 2013, p. 194). Assim, havia proposição de módulos práticos em que a ESM

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forneceria supervisão semanal às unidades de saúde, com atividades de discussão de

casos clínicos, atendimentos compartilhados, visitas domiciliares, elaboração das

intervenções grupais e na comunidade, reflexão sobre o trabalho em saúde mental,

atualização do registro dos pacientes que também eram acompanhados por serviços

especializados de saúde mental.

Eles partiram do princípio de que a prática poderia levar a um novo saber-fazer. A

supervisão ocorria com o intuito das equipes de PSF desenvolverem “técnicas de

intervenção coletiva e promoção da saúde” (PEREIRA; ANDRADE, p. 194). O dispositivo

supervisão foi inserido em um contexto mais amplo de construção de oficinas in lócus para

desenvolvimento de ações em saúde mental a partir da atenção básica.

A formação universitária precisa sofrer mudanças para contribuir com o

fortalecimento da Atenção Psicossocial (LOBOSQUE, 2009), e tais mudanças devem

confluir no sentido de aceitar o conflito, mantendo aberta a possibilidade de existir

conflitos de poder e de saber (BASAGLIA, 2008), negando assim a perspectiva de um saber

absoluto. Dessa maneira, a partir de tais mudanças necessárias no âmbito da formação em

saúde mental, a supervisão é um dos dispositivos a partir do qual essas mudanças serão

deflagradas.

2.2.5 Uma função a ser redefinida: o ser SUPERvisor

O lugar do supervisor instituído como mais elevado em uma hierarquia de saber

aparece nas experiências revisitadas. Uma das dificuldades vivenciadas pela equipe

supervisora era que as demandas imediatas apresentadas nesses encontros estavam

relacionadas à percepção frequente de que os especialistas em saúde mental deveriam

“ouvir e solucionar problemas”, que eles estavam chegando nas unidades para “dar conta

de tudo o que se referisse à saúde mental na comunidade” (CABRAL et al., 2013, p. 146).

Essa demanda expressa, por um lado, a expectativa que as equipes de saúde da

família têm de que apenas um saber especializado poderá responder aos problemas de

saúde mental, concepção resultante de uma longa história de institucionalização das áreas

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psi como únicas capazes de tratar do objeto “doença mental” (ROTELLI; LEONARDIS;

MAURI, 2001; DIMENSTEIN et al., 2009). Por outro lado, tem-se ainda o lugar instituído do

supervisor como aquele que sabe e que deverá responder aos problemas demandados

pelo grupo.

Sobre isso, a equipe supervisora se posiciona contrariamente, afirmando que os

objetivos eram de “buscar construir em conjunto uma proposta, fornecendo-lhes suporte

no desenvolvimento de ações na comunidade” (CABRAL et al., 2013, p. 146). Tal postura

associou-se mais à função de apoio, como suporte. Ou ainda a uma co-visão,

compartilhando saberes sobre o território e sobre o sofrimento psíquico, e construindo

novos olhares singulares a cada caso.

Outra estratégia importante utilizada foi a análise da implicação desse lugar. A

partir dessa análise, eles puderam viver um amadurecimento técnico-político, com uma

postura de “avaliar e redimensionar constantemente a prática” (CABRAL et al., 2013, p.

146). Os encontros eram feitos semanalmente, seja com as ESFs ou entre os membros da

equipe técnica. Nestas últimas, havia o compartilhamento e problematização das idas aos

campos, e discussão também com outros profissionais de outros projetos de saúde

mental.

O encontro e o amadurecimento técnico, construindo outros modos de fazer e

exercer o poder permitiu o questionamento da supervisão instituída. Além disso, sublinha-

se o caráter de coletividade desenvolvido pelo grupo de supervisores, que analisa um lugar

de saber-poder absoluto e constrói e reconstrói seu trabalho em rede juntamente aos

atores da ESF e de outros projetos.

Assim, o grupo de supervisores assume características de um grupo-sujeito, pois

não se coloca à revelia do que lhe é demandado, analisando constantemente e assumindo

suas escolhas a partir disso. Ao mesmo tempo em que a equipe supervisora também

assume características de um coletivo, que

[…] não pode ser reduzido a uma soma de indivíduos ou ao resultado de um contrato que os indivíduos fazem entre si. Coletivo diz respeito a este plano de produção, composto de elementos heteróclitos e que experimenta, todo o tempo, a diferenciação (BENEVIDES, 2005, p. 23).

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A diferenciação se dá quando as pessoas são tomadas por um conjunto de forças,

sendo essa experimentação pública, no coletivo.

2.3 O ENCONTRO DAS EXPERIÊNCIAS COM AS RECOMENDAÇÕES DAS PRIMEIRAS

CNSMs: PARA QUÊ SUPERVISÃO?

A proposta da destruição, por dentro, das instituições manicomiais jamais nasce, na prática, dos hospitalizados, mas do pessoal encarregado do tratamento e dos responsáveis pela organização (BASAGLIA, 1985, p. 270).

Nos anos 1980 e 1990, inaugurou-se no contexto brasileiro um movimento amplo

de discussão sobre as políticas de saúde mental, sendo um dos elementos propiciadores

da efervescência que culminou na Plenária dos Trabalhadores de Saúde Mental

(CESARINO, 1989). Os maiores exemplos dessa participação ativa e crítica dos

trabalhadores foram, na época, o I e o II Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental,

promovidos pela Coordenadoria de Saúde Mental de São Paulo, em 1985 e 1986,

respectivamente, nos quais

[…] dezenas de profissionais ergueram-se de suas cadeiras na platéia e anunciaram um protesto coletivo. Mais importante de ser contra algo ou alguém, esse protesto era expressão daqueles que “nomeados” pelo Estado como trabalhadores, assumiam de fato essa condição, reivindicando uma participação mais efetiva nas decisões daquilo que, afinal, é o seu ofício: o trabalho em saúde mental […] (CESARINO, 1989, p. 50).

Assume-se coletivamente outro lugar nas relações de saber e de poder perante a

loucura e o Estado. Seguindo tais posicionamentos críticos, a supervisão instituída como

forma de controle da gestão começou a ser questionada e apropriada por trabalhadores,

assumindo pouco a pouco outros formatos.

As duas primeiras Conferências serviram como momentos para reivindicar que a

supervisão fosse inserida e oficializada como dispositivo da Política de Recursos Humanos

como mais um espaço de trabalho e reflexão coletiva, negando a perspectiva dela funcionar

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como um olhar da gestão-administração de auxiliar e avaliar tão somente a implantação de

programas.

A ênfase sobre o objetivo de romper com a alienação e burocratização do trabalho

mostrava a importância de uma análise das implicações dos trabalhadores, aumentando o

coeficiente de transversalidade dos sujeitos, no sentido de entenderem seus

pertencimentos institucionais, sua história, as contradições políticas e assistenciais no

campo da saúde mental, e sentirem-se empoderados para atuarem como grupos-sujeitos.

Além disso, Ramminger e Jacques (2010) assinalam a relevância da I CNSM para

denunciar o impasse “frente ao modelo centrado no hospital psiquiátrico e sustentar a

condição cidadã dos usuários”. Essa condição foi indispensável para “começar a discutir, de

forma mais aprofundada, a reorganização da assistência e as mudanças no trabalho em

saúde mental” (RAMMINGER; JACQUES, 2010).

Na década de 1990, percebemos uma consolidação do movimento da luta

antimanicomial e a implantação da estratégia de desinstitucionalização (VASCONCELOS,

2008, p. 35). Avanços aconteceram no sentido da implantação da diversidade de

dispositivos, como a abertura de 2 mil leitos psiquiátricos em hospitais gerais além de

serviços de atenção psicossocial.

Práticas de gestão e de clínica foram sendo modificadas em diversos lugares,

englobando outros saberes acerca do planejamento e avaliação em saúde, inserindo o que

se denominou de supervisão institucional. Sobre a clínica, ganhou ênfase a necessidade de

olhar a singularidade do usuário e a produção de um vínculo com a equipe. No entanto, no

âmbito da supervisão, ainda se perpetuou uma dissociação entre as práticas de supervisão

clínica e institucional, demonstrando, possivelmente, a perpetuação do instituído ao

separar as funções de planejamento e avaliação versus da execução e da clínica.

Além disso, um instituinte importante aparece na formação e na construção das

redes de cuidado. Em relação à formação, alguns processos singulares começam a

perceber os limites de uma formação dissociada da prática, e as formações e supervisões

em serviço e articuladas ao território se fortalecem. Em relação à construção da rede de

cuidados, o investimento da reflexão do cuidado em saúde mental com profissionais da

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Atenção Primária aparece como fundamental para a construção de modos de fazer e de

construção de um saber articulados ao território e às experiências dos profissionais não

especializados. A partir do confronto com essa heterogeneidade, os profissionais

supervisores começam a questionar-se sobre as relações de saber-poder que precisam ser

problematizadas na sua inserção para a construção de um cuidado integral na Atenção

Psicossocial.

Da função de administradores, cujo exercício do poder é utilizado para controlar a

população, os trabalhadores reafirmaram o lugar de representantes do Estado, mas

reivindicando outro exercício de poder. Negaram a perspectiva de apenas executar um

trabalho prescrito como querem as relações configuradas na administração tradicional da

saúde, e lutaram pela participação ativa na gestão do próprio trabalho e nas políticas de

saúde mental. A luta era contra um sistema de poder que na concepção de Foucault

“barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber” (1979, p. 71), composição essa que

negava a participação dos trabalhadores na construção da sociedade e das suas práticas

em saúde.

De maneira similar ao “operário em construção” do poema de Vinícius de Moraes

citado no início do capítulo, os trabalhadores foram, nos prelúdios da Atenção Psicossocial,

reconhecendo a importância do seu trabalho e, mais do que isso, reconhecendo a

importância de si como protagonista da produção do cuidado e do modelo em saúde

mental adotado no país. Isso, a nosso ver, gerou um encantamento de modo a propiciar e

fortalecer a reinvenção de novas instituições e dispositivos.

As supervisões, de fato, serviram como espaços de reflexão e transformação das

práticas, entendendo assim que o modelo a ser construído ia para além das mudanças em

relação aos locais de tratamento. Os desafios que atravessavam a supervisão estavam

profundamente atrelados ao surgimento da organização dos modos de trabalho

caracterizados pelo coletivo, com exigências em torno de novos modos de avaliação e

planejamento, a possibilidade de fazer uma clínica articulada ao território e o novo lugar

do supervisor nessa rede necessário de ser trabalhado.

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3

CAPÍTULO 3

A SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL NOS ANOS 2000 NAS PROPOSTAS DOS

EDITAIS DO MS: ATÉ QUE PONTO CORRESPONDERAM ÀS DISCUSSÕES DAS CNSMs?

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E foi assim que o operário Do edifício em construção

Que sempre dizia sim Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas A que não dava atenção […]

E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte

Na sua resolução. Como era de se esperar

As bocas da delação Começaram a dizer coisas

Aos ouvidos do patrão. Mas o patrão não queria

Nenhuma preocupação - “Convençam-no” do contrário -

Disse ele sobre o operário E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação E sofreu, por destinado

Sua primeira agressão […]

Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão

Muitas outras se seguiram Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível Ao edifício em construção

Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento Da construção que crescia.

“O operário em construção”, Vinicius de Moraes

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No final dos anos 1990, a política de saúde e outras políticas de seguridade social

apresentavam uma situação paradoxal, identificada pela coexistência de políticas sociais e

de graves desigualdades sociais (MACHADO; BAPTISTA; NOGUEIRA, 2011). O avanço do

neoliberalismo, na maioria dos países capitalistas, com maior ou menor ênfase, tem

produzido a ideia de que os direitos são carências, e que as políticas públicas expressam

um populismo irresponsável (CARVALHO, 2009). Esse avanço terá fortes influências nos

problemas apresentados pelo SUS.

A partir dos anos 2000 ocorreram avanços nos programas sociais, o que reduziu

parcialmente as desigualdades. Um exemplo é o que ocorreu na redução da fome no país,

como demonstrou Rodrigo Martins (2014). Também na área da saúde, o Programa de Saúde

da Família, lançado em 1994 pelo MS, ganhou destaque nessa década com a expansão das ESF

e, por isso, foi definido mais como uma política de Estado, mesmo diante dos diferentes

incentivos nas esferas federais, estaduais e municipais (MACHADO; BAPTISTA; NOGUEIRA,

2011).

Quanto à política de saúde mental, a década de 2000 é caracterizada por Ana Pitta

(2011) como a Reforma Legal, que Eduardo Vasconcelos (2008) considera como a

consolidação da hegemonia reformista. Isso se deveu, dentre outros fatores, à aprovação

da Lei da RP n. 10.216, de 6 de abril de 2001, e com as portarias que se seguiram. A lei foi

aprovada com diversas mudanças em seu projeto inicial, mas ela representa o ponto alto

do processo de normatização da assistência que vinha sendo implementada com as

portarias do Ministério e com o processo de indução financeira (PITTA, 2011). A lei

“[d]ispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e

redireciona o modelo assistencial em saúde mental” (BRASIL, 2001, p. 1).

Em meados dos anos 2000, dois movimentos simultâneos caracterizaram a RP: “a

construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado na

internação hospitalar, por um lado, e a fiscalização e redução progressiva e programada

dos leitos psiquiátricos existentes, por outro” (BRASIL, 2005a, p. 9). Houve ainda a redução

do financiamento para o tratamento hospitalar e aumento do financiamento para o

tratamento extra-hospitalar.

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A aprovação da lei redirecionou a assistência em saúde mental, priorizando a

construção de serviços de base comunitária, mas não estabeleceu mecanismos claros para

a progressiva extinção dos manicômios (BRASIL, 2005a). Assim, observou-se na RP

“intercalação de períodos de intensificação das discussões e de surgimento de novos

serviços e programas, com períodos em que ocorreu uma lentificação do processo”

(HIRDES, 2009, p. 298).

Na última década, no que se refere às movimentações sociais, tivemos duas CNSMs,

uma em 2001 e outra em 2010, caracterizadas como “populosas e participativas”, que

trouxeram “quase como uníssona a voz de usuários e trabalhadores de saúde clamando

pela condenação dos manicômios e pela defesa da ‘liberdade terapêutica’” (PITTA, 2011, p.

4580).

No ano de 2001, quase dez anos depois da Conferência de 1992 e depois da

publicação da Lei n. 10.216/2001, a III CNSM ocorreu adotando como tema central Cuidar,

sim. Excluir, não. – Efetivando a Reforma Psiquiátrica com acesso, qualidade, humanização

e controle social. No relatório da III CNSM ressalta-se que, apesar das diversas experiências

assistenciais, jurídicas e culturais demonstrarem a viabilidade de um modelo substitutivo,

o modelo asilar ainda era hegemônico (BRASIL, 2002).

A hegemonia do modelo asilar contribuiu de forma significativa para a escolha do

tema da III CNSM, que, de acordo com Jacques e Ramminger (2010), associa-se a dois

outros eventos importantes no campo da saúde: o tema mundial proposto pela OMS para

o ano de 2001 (Cuidar, sim. Excluir, não) e as discussões em torno do SUS na 11ª CNS no

ano 2000 (Efetivando o SUS: acesso, qualidade e humanização da saúde, com controle

social). O relatório da III CNSM é composto por seis itens principais, intitulados:

Reorientação do Modelo Assistencial, Recursos Humanos, Financiamento, acessibilidade,

direitos e cidadania, Controle social (BRASIL, 2002).

Devera e Costa-Rosa (2007) afirmam que a III CNSM demonstrou o consenso em

torno da proposta da Reforma Psiquiátrica, ao propor estratégias que visavam efetivar e

consolidar um modelo de atenção em Saúde Mental totalmente substitutivo ao

hospitalocêntrico. Além disso, várias outras mudanças ocorreram no campo da RP, dentre

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elas a publicação da Portaria n. 336/2002, que abandonou o termo NAPS, definindo o

CAPS como “o articulador central das ações de saúde mental do município ou do módulo

assistencial” (LUZIO; YASUI, 2010, p. 22).

Outro evento de extrema importância para a Política de Saúde Mental foi o I

Congresso Brasileiro dos CAPS, no ano de 2004. De acordo com documento emitido pela

ESP do Rio Grande do Sul, nesse evento reuniu-se um número significativo de usuários,

familiares e trabalhadores do campo da Saúde Mental e da Reforma Psiquiátrica,

autoridades, profissionais de instituições formadoras e estudantes, além de movimentos

sociais dos mais distantes lugares do país. “A Supervisão Clínico-Institucional e as Escolas

de Supervisores” foi um dos temas mais debatidos, por mostrar “potencial para a

qualificação e apoio permanente às equipes que operam nesses dispositivos de cuidado

(CAPS), tendo em conta a complexidade envolvida no que entendemos como Clínica

Psicossocial que, no contexto atual da Saúde Mental no SUS, inclui, obrigatoriamente, a

Rede de cuidados e o Território”, apesar de sua pouca utilização como ferramenta no país.

O I Congresso Brasileiro dos CAPS foi considerado um momento imprescindível,

pois, a partir dele, outros eventos foram ocorrendo para se pensar e realizar proposições

em torno da supervisão clínico-institucional. Depois disso, para tentar responder a essas

demandas, o MS, através da Coordenação Nacional de Saúde Mental, demonstrou a

pretensão de fortalecer as supervisões no Brasil. A publicação da Portaria n. 1.174, no ano

de 2005, é o marco legal da regulamentação das supervisões clínico-institucionais no país.

Posteriormente, houve o lançamento de diversas chamadas através de editais para

Supervisão Clínico-Institucional nos CAPS e na RAPS. Esses editais30 destinavam incentivo

financeiro a “novos Projetos de Qualificação do Atendimento e Gestão dos CAPS” para

todo o país (BRASIL, 2007a, p. 1).

Na tabela a seguir, descrevemos os editais de supervisão de acordo com o título,

período de lançamento, número de projetos concorrentes e selecionados e os valores do

financiamento federal.

30 Não encontrei referências à publicação do primeiro edital de supervisão clínico-institucional, portanto não

tenho como precisar a partir de quando os editais específicos para supervisão começaram a ser lançados.

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TABELA 2 Editais de supervisão no Brasil, por período, número de projetos contemplados e financiamento

Título Período

Número de projetos apresentados e

número de projetos contemplados

Valor (em reais)

II Chamada para Supervisão Clínico-Institucional dos CAPS e Rede de Atenção

Psicossocial (“Supervisão II”)

Segundo semestre de

2007

Apresentados: 419 Selecionados: 150

10.000,00

III Chamada para Supervisão Clínico-Institucional dos CAPS

31

Maio de 2008

Apresentados: 419 Selecionados: 137

10.000,00

Fonte: Dados dos editais obtidos no site do MS, em julho de 2013. Elaboração própria.

Após esses dois editais, no ano de 2010, ocorreu a IV CNSM – Intersetorial. Pela

primeira vez, os parceiros intersetoriais foram convocados oficialmente para o debate em

torno da saúde mental. Houve grande participação de trabalhadores, usuários e gestores

da saúde e de outros setores (aproximadamente 46 mil pessoas nas três etapas). De

acordo com o relatório, a ideia da intersetorialidade “foi um avanço radical em relação às

conferências anteriores, e atendeu às exigências reais e concretas que a mudança do

modelo de atenção trouxe para todos” (BRASIL, 2010a, p. 7).

O relatório da Conferência foi estruturado em torno de três eixos principais, a

saber: Eixo I – Políticas Sociais e Políticas de Estado: pactuar caminhos intersetoriais, Eixo II

– Consolidar a Rede de Atenção Psicossocial e Fortalecer os Movimentos Sociais, Eixo III –

Direitos Humanos e Cidadania como desafio ético e intersetorial.

De modo geral, o relatório reafirma os princípios gerais da Reforma Psiquiátrica,

expressos principalmente na superação do modelo asilar e no interesse coletivo na

construção de uma rede substitutiva diversificada, bem como busca garantir os direitos de

cidadania das pessoas com transtorno mental e seus familiares (BRASIL, 2010a).

Em 2009 não houve a publicação de novos editais, mas de 2010 a 2012 um número

significativo de chamadas de editais relacionados à supervisão foi publicado, conforme

demonstrado na tabela a seguir.

31 Esse edital não foi encontrado nos sites do Ministério da Saúde. As informações sobre ele foram acessadas em

<http://www.coffito.org.br/publicacoes/pub_view.asp?cod=1256&psecao=4>, em setembro de 2013.

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TABELA 3 Editais de supervisão no Brasil, por período, número de projetos contemplados e valores

Título Período

Número de projetos apresentados e

número de projetos contemplados

Valor (em reais)

IV Chamada para Supervisão Clínico-Institucional dos CAPS e Rede de Atenção

Psicossocial (“Supervisão IV”)

Abril de 2010

Apresentados: 307 Selecionados: 134

10.000,00

V Chamada para Supervisão Clínico-Institucional dos CAPS e Rede de Atenção

Psicossocial (“Supervisão V”)

Primeiro semestre de

2010

Apresentados: 301 Selecionados: 110

10.000,00

Seleção de projetos de “Escolas de Supervisores Clínico-Institucionais da Rede de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas”

Outubro de 2010

Apresentados: 25 Selecionados: 15

150.000,00

VI Chamada para Supervisão Clínico-Institucional: Rede de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas (“Supervisão VI –

Ad”)

Segundo semestre de

2010

Apresentados: 145 Selecionados: 104

25.000,00 (regiões Norte,

Nordeste e Centro-Oeste)

20.000,00 (regiões Sul e

Sudeste)

VII Chamada para Supervisão Clínico-Institucional: Supervisão de Processos de

Desinstitucionalização

Segundo semestre de

2010

Apresentados: 45 Selecionados: 27

50.400,00

VIII Chamada para Supervisão Clínico-Institucional da Rede de Atenção

Psicossocial, Álcool e Outras drogas ("Supervisão VIII”)

Primeiro semestre de

2011

Apresentados: 207 Selecionados: 98

10.000,00

Chamada para Refinanciamento de Projetos de Supervisão Clínico-Institucional da Rede

de Atenção Psicossocial, Escolas de Redução de Danos e Escolas de Supervisores Clínico-

Institucionais.

Segundo semestre de

2012

Apresentados: 137 Projetos

Selecionados: 98 projetos (destes, 28

projetos de supervisão e 03

projetos de Escolas de Supervisores)

Projetos de Supervisão: 10.000,00

Projetos de Escolas de

Supervisores:150.000,00

Fonte: Dados dos editais obtidos no site do MS, em julho de 2013. Elaboração própria.

Além disso, diversos atores se mobilizaram para organizar eventos estaduais com o

tema central da supervisão. Os estados que sediaram esses eventos foram, dentre outros,

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o Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte.

Esses eventos foram, em sua maioria, promovidos pelas Escolas de Saúde Pública

estaduais. Mas o que se demandava nesses eventos em torno da supervisão em saúde

mental? Tais demandas foram efetivamente respondidas pela política pública? A partir

dessas interrogações é que desenvolveremos o item a seguir.

3.1 AS SOLICITAÇÕES EXPRESSAS NAS CNSMs E OS EDITAIS DO MS EM TORNO DA

SUPERVISÃO

Ao longo dos relatórios da III e IV CNSMs, identificamos solicitações do movimento

social organizado em torno da supervisão. A essas solicitações denominaremos

encomendas, que foram resultantes de demandas sociais vivenciadas nos dispositivos de

saúde mental. Nesse caso, entendemos encomendas como um conjunto de propostas que

ganharam maior visibilidade nos vários eventos em torno da supervisão e sua função nas

demandas relacionadas à reorganização e ao fortalecimento dos serviços de saúde mental

do país.32

Lourau (1975) analisa o surgimento das relações entre demandas e encomendas

sociais na sociedade moderna. Tal reflexão contribui para compreender como ocorreu o

processo das demandas e encomendas na saúde mental nos últimos anos no contexto

brasileiro. Segundo o autor, na medida em que as demandas sociais são construídas de

acordo com as transformações sociais, e as encomendas ocorrem a partir do

fortalecimento dessas demandas, dando-lhes visibilidade, ambas são relacionadas. As

encomendas aparecem, seja atendendo às demandas sociais de forma ampla, seja de

forma um pouco mais restrita, relacionada à dimensão técnica no mercado de trabalho.

Lourau (1975, p. 194-208) demonstra que tais dimensões são fortemente articuladas.

Portanto, as demandas sociais pautadas principalmente nas várias CNSMs em torno

política de saúde mental ganharam tal força que se transformaram em encomendas para o

32 Essas noções são diferentes quando se analisa a encomenda e demanda nas situações de intervenção

socioanalítica.

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MS. Assim, o MS construiu nos editais ofertas de supervisão em torno do dispositivo

supervisão.

A análise das relações produzidas entre as encomendas expressas através das CNSM

nos anos 2000 e os documentos ministeriais expressam problemas no que se refere à gestão

de pessoas, formação dos trabalhadores, dimensão assistencial e financiamento. Esses

problemas configuram desafios para a Atenção Psicossocial, conforme analisaremos a seguir.

3.1.1 A construção da supervisão como dispositivo para uma rede de atenção

Os relatórios das CNSMs no século XXI expressaram mais fortemente a proposta de

as supervisões abrigarem diversos atores e serviços da RAPS, incluindo os gestores, ESFs e

dos Hospitais Gerais, dentre outros (BRASIL, 2002). A IV CNSM Intersetorial, ocorrida no

ano de 2010, ao ter como um dos eixos de debate Consolidar a Rede de Atenção

Psicossocial e fortalecer os movimentos sociais, demonstra claramente a necessidade da

inclusão desses vários atores.

Nas III e IV CNSMs reivindicou-se ainda que a supervisão fosse incluída na Atenção

Básica como estratégia de fortalecer o atendimento em saúde mental. Ou seja, almejava-

se “Garantir supervisão continuada no desenvolvimento do trabalho conjunto das equipes

PACS/PSF e Saúde Mental” (BRASIL, 2002, p. 50).

Em relação às propostas feitas pelo MS nos editais, diversas vezes foi sinalizada a

necessidade da articulação com a rede de saúde e intersetorial. De acordo com os

documentos pesquisados acerca das atribuições do supervisor, ressalta-se que

independentemente de sua formação teórica ele deve buscar, em cada caso clínico, ajudar

a equipe a articular os conceitos operativos de rede e de território.

Em carta emitida pelo MS para os supervisores, no ano de 2007, recomenda-se que

sujeito, rede e território sejam articulados “no projeto terapêutico, cujo objetivo final é

ajudar o serviço e a rede a apoiarem o paciente e sua família na construção da autonomia

possível” (BRASIL, 2007b).

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Assim, no ano de 2010, as chamadas de supervisão passaram a intitular-se

“Supervisão Clínico-Institucional da Rede de Atenção Psicossocial, Álcool e Outras Drogas”,

destacando o direcionamento das encomendas feitas aos novos projetos para uma

supervisão de rede.

Essa nova denominação reflete a prioridade da política de saúde em tentar

fortalecer as RAS. De acordo com Cecílio (1997), os serviços públicos de saúde estão

articulados em rede, em um modo de organização piramidal em cuja base existe um

conjunto de serviços responsáveis pela atenção primária, que funciona como porta de

entrada dos usuários no sistema de saúde, em um nível intermediário da pirâmide situam-

se os serviços de atenção de média complexidade e, no topo da pirâmide estão os serviços

de alta complexidade, como os serviços hospitalares.

Entretanto, algumas críticas e reformulações têm sido feitas a esse modelo de rede.

No campo da saúde coletiva, Mendes (2010) aponta críticas às redes de atenção em saúde

no mundo e no Brasil como sistemas fragmentados, voltados para atenção às condições

agudas e às agudizações de condições crônicas nas unidades de pronto-atendimento,

ambulatorial e hospitalar; com pontos de atenção à saúde isolados; produzindo uma

atenção descontínua à população; com uma organização hierárquica e a passividade da

pessoa usuária e centralidade do saber médico. Barros e Passos (2004) também criticam a

organização piramidal dos serviços no SUS pelo fato de funcionarem com processos de

verticalização de cima para baixo, ou vice-versa.

Nesse sentido, as redes devem constituir-se a partir de organizações poliárquicas

de conjuntos de serviços de saúde, que têm uma missão única e por ela constroem

objetivos comuns e ações cooperativas e interdependentes, permitindo assim ofertar uma

atenção contínua e integral a determinada população (MENDES, 2010).

O MS, através da Política Nacional de Humanização, vem desenvolvendo uma

proposta de rede para além de um conjunto de serviços, programas ou prescrições, mas

que funcione de maneira transversal (BARROS; PASSOS, 2004). A publicação da Portaria n.

4.279 em 2010 define as Redes de Atenção em Saúde como prioritárias. No que se refere à

saúde mental foi estabelecida a RAPS através da Portaria n. 3.088/2011, com a

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reafirmação do fortalecimento para as redes regionais para um cuidado territorial,

comunitário, centrado nas necessidades das pessoas, com ênfase no trabalho

interdisciplinar (BRASIL, 2011a).

Como a supervisão seria redefinida nesse contexto? Ferigato e Dias (2013)

analisam a supervisão de rede, denominando-a de supervisão interinstitucional, e afirmam

que ela “pode atuar como um potente dispositivo de articulação, tradução e

potencialização dessa diversidade. Pode, entretanto, reforçar um movimento inverso de

intensificar o isolamento comum dos trabalhadores na área de saúde mental” (2013, p.

98).

O risco envolvido com a supervisão seria de reforçar o isolamento dos serviços

CAPS, e consequentemente dos usuários aí atendidos. Sobre isso, Barros (2003) tem

alertado acerca da rede de saúde, que vem se mostrando um conjunto de pontos

fragilmente articulados e burocratizados, o que se agrava no caso da saúde mental, pois

historicamente há fragmentação dos serviços nesse âmbito da rede de saúde,

consolidando o modelo hospitalocêntrico. Isso gerou uma exclusão da pessoa em

sofrimento psíquico da rede de saúde geral, bem como do meio social.

Por outro lado, Onocko Campos e Furtado (2006) questionam o fato de o MS

definir o CAPS como ordenador da rede, se isso não estaria recaindo na proposição da

forma piramidal própria da hierarquização tradicionalmente definida pelo SUS. Esses

autores propõem problematizar o lugar do CAPS em uma rede horizontal, na qual seu

papel “poderia ser entendido como o de agenciador, articulador” (p. 1656). Apontam

também a necessidade de definir melhor a inserção esperada dos CAPS na rede de

serviços.

Todavia, torna-se fundamental frisar as encomendas das Conferências, no intuito

de retomar aquelas relacionadas à supervisão em rede. No contexto da IV CNSM,

evidencia-se muito mais a necessidade de fortalecimento de uma supervisão clínico-

institucional que potencialize o atendimento, a gestão do trabalho e a formação nos

diversos serviços da rede, e principalmente o CAPS.

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Portanto, gostaríamos de sinalizar dois apontamentos. Primeiro, concordamos

quando Ferigato e Dias (2013) propõem uma supervisão interinstitucional, mas

resguardando que ela seja um dentre outros dispositivos de fortalecimento e organização

dessa rede de cuidados, como o matriciamento, fóruns de trabalhadores, efetiva

regulação, entre outros.

Segundo, faz-se necessário e urgente no contexto atual o fortalecimento dos CAPS

para o supervisor construir coletivamente suas ferramentas de trabalho, propiciando a

avaliação sistemática dos CAPS (DELGADO, 2013; ONOCKO CAMPOS; FURTADO, 2006),

considerando “a especificidade estratégica e territorial do dispositivo CAPS” (DELGADO,

2013, p. 25), e as relações produzidas com “a rede de serviços gerais de saúde, do seu

exercício do papel ‘ordenador’ da rede e a elucidação das formas sob as quais esse papel é

ou não exercido” (ONOCKO CAMPOS; FURTADO, 2006, p. 1059).

O CAPS deve ser agenciador da mudança na rede, construindo sua territorialidade e lançando mão dos conceitos operacionais de autonomia […] CAPS deve buscar contribuir para a potencialização dos recursos da rede intra-setorial e da intersetorial, assegurando a ampliação do cuidado, e o acesso ao tratamento (DELGADO, 2013, p. 24).

A avaliação dos CAPS, como dispositivo territorial, possibilitará que eles sejam,

efetivamente, dispositivos articuladores de rede. Para tanto, a maior exigência para o

trabalho do supervisor será considerar que, dentre os desafios contemporâneos

vivenciados na RP, está “a consolidação e o fortalecimento das redes de saúde mental

intersetorial”, mas considerando a rede sem um centro e sem uma hierarquia (FERIGATO;

DIAS, 2013, p. 97).

Assim, esses autores fundamentam a criação da supervisão interinstitucional,

propondo o fortalecimento de processos interinstitucionais e a invenção de “um idioma

comum acerca de ações em saúde mental” (p. 97). Nesse processo, “a presença de um

supervisor desempenha o papel de apoiar a composição de um idioma que agrega uma

rede caracteristicamente polifônica” (FERIGATO; DIAS, 2013, p. 97). Então, o sentido da

supervisão em rede seria o de afinar as vozes para atender às necessidades identificadas

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nos projetos terapêuticos singulares, possibilitando a co-construção atos assistenciais e

permitindo acionar a complexidade dos recursos necessários para atender ao usuário e

suas necessidades.

3.1.2 A construção do caso clínico e o Projeto Terapêutico Singular (PTS) na supervisão

em saúde mental

Os relatórios das III e IV CNSMs apresentam encomendas relevantes acerca da

regularidade das supervisões clínica e institucional de saúde mental nos serviços

substitutivos “com discussões permanentes dos projetos terapêuticos dos usuários”

sempre articuladas à construção de redes de atenção (BRASIL, 2002, p. 74). Essa mesma

reivindicação é solicitada em 2010, na IV CNSM, na qual o fortalecimento ou o início das

discussões dos PTSs são propostos.

Por sua vez, os documentos ministeriais determinam que independentemente de

sua formação teórica, o supervisor deve buscar, em cada caso clínico, ajudar a equipe a

buscar uma articulação com a construção dos conceitos operativos de rede e de território.

As discussões acerca do caso clínico e do PTS são similares? Verificando a palavra

caso no dicionário eletrônico Houaiss (2009) encontramos doze significados, dos quais

gostaríamos de destacar dois: “1. que se refere à particularidade que acompanha um fato;

circunstância, condição; 2. fato ou conjunto de fatos que, em torno de pessoa ou

acontecimento, compõem situação problemática e/ou de grande repercussão”. O estudo

ou discussão do caso remonta, a meu ver, a uma tensão de posicionamentos no campo da

reforma psiquiátrica.

Por um lado, alguns autores sinalizam para posições que expressam a negação ou

desqualificação da clínica na reforma psiquiátrica, colocando-a como ultrapassada e

oposta às propostas da reabilitação psicossocial (FIGUEIREDO, 2004; ONOCKO CAMPOS,

2001). Duas armadilhas insidiosas são discutidas: “a ‘pedagogia interpretativa’, vício de

uma certa tendência da psicanálise; e a ‘terapêutica da restauração’, isto é, a terapêutica

no sentido de fazer retornar ao estado anterior à doença” (FIGUEIREDO, 2004, p. 81).

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Assim, Figueiredo (2004) discute as duas armadilhas, sendo uma a interpretação

simples e pura dos casos e a outra a lógica de reabilitação psicossocial como

reestabelecimento de um estado anterior ao processo de adoecimento. Para a autora, o

caso deve ser “uma construção com base nos elementos que recolhemos de seu discurso,

que também nos permitem inferir sua posição subjetiva” (p. 79). De acordo com a

psicanálise, nas palavras de Figueiredo, a construção do caso diferencia-se de sua mera

interpretação, com a indicação de que a construção possibilita “partilhar determinados

elementos de cada caso em um trabalho conjunto […] O caso é produto do que se extrai

das intervenções do analista na condução do tratamento e do que é decantado de seu

relato” (p. 78-79).

Figueiredo comenta que no campo específico da saúde mental a construção do

caso na equipe se dá em um processo que envolve

[…] recolher da experiência do sujeito, de seu discurso – que evidentemente tem um endereçamento, às vezes fragmentário, às vezes bem específico, a determinado profissional – os elementos com os quais se fará a construção do caso, entendendo que ela é sempre parcial, visa dar direções para determinada intervenção e ação da equipe, sendo passível de revisão na medida dos acontecimentos (FIGUEIREDO, 2004, p. 83).

Por outro lado, existe uma preocupação em formular uma supervisão e uma clínica

norteadas pelo paradigma da Atenção Psicossocial, e ambos precisam ser diversos dos

modelos adotados na clínica tradicional (DELGADO, 2013). O novo modelo da clínica deve

ocorrer no ambiente da política pública, e a supervisão clínico-institucional só pode ser

praticada no “setting público e histórico do território” (p. 23).

Erotildes Leal (2008), supervisora dos CAPS no Rio de Janeiro, explica que a

construção do caso deve superar a relação dual usuário-profissional, e constrói a ideia do

caso articulada ao projeto institucional do serviço e à rede de relações produzidas pelo

próprio usuário e pela equipe. A discussão do caso ocorre quando “[u]m técnico, uma

equipe, quando olha, analisa, discute um paciente, o apreende em sua conexão com o

serviço, com a rede de relações que estabelece aí com os demais pacientes e a equipe,

com comunidade, ou seja, com o mundo que o constitui” (LEAL, 2008, p. 8).

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Leal (2008) reafirma a metodologia da construção coletiva da discussão do caso,

sustentando ela deve ser tomada como “instrumento poderoso para orientação e

organização da prática institucional” (p. 8). Essa discussão desvela relações importantes

entre equipe-usuários e lógica institucional, o sujeito que sofre e sua relação com o

território (família, comunidade, equipe, serviço, entre outros), o sujeito e sua relação com

o sintoma (entendo-o como invenção e assim relativizando o lugar de saber da equipe), o

desenho da instituição, e as pistas para a construção do projeto terapêutico (p. 8).

Nessa perspectiva, como discussão de caso e PTS poderiam fazer parte de um

mesmo processo? Vejamos. O PTS engloba os atos assistenciais baseados em uma

avaliação de risco e planejados para resolver determinado problema de saúde do usuário.

O risco deve ser entendido de forma ampliada, desde o risco clínico e o “social,

econômico, ambiental e afetivo, ou seja, um olhar integral sobre o problema de saúde vai

considerar todas estas variáveis na avaliação do risco” (FRANCO; FRANCO, [200-?], p. 2),

entendendo esses diferentes fatores produzindo modos singulares de vida (OLIVEIRA,

2008). A construção do PTS envolve três movimentos: a coprodução da problematização; a

coprodução de projeto e a cogestão/avaliação do processo (OLIVEIRA, 2008).

Para que a construção do caso e PTS sejam partes de um mesmo processo, é

necessário superar a construção do caso de forma instituída no campo de saúde, onde há

um profissional que sabe mais do que a equipe e do que o usuário e conduz a delimitação

e os procedimentos para resolução do caso. No PTS, esses diferentes movimentos

precisam ser co-construídos pelos diversos sujeitos envolvidos, inclusive por usuários e

familiares. “Para uma co-produção de problematização será necessário que a equipe

reconheça a capacidade/poder das pessoas interferirem na sua própria relação com a vida

e com a doença” (OLIVEIRA, 2008, p. 287).

Oliveira (2008) diferencia a discussão de caso na construção do PTS da discussão

dos casos clínicos nos quais:

[…] os profissionais trocam apenas informações sobre a problemática. Uma equipe que se reúne apenas para que um profissional que “sabe” mais sobre o caso repasse as informações para os que “sabem” menos, não necessariamente trabalhará na dinâmica do PTS […] A troca,

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simplesmente, de informações, ainda mais atravessadas por todas as questões transferenciais, sem o levantamento e análise coletiva das hipóteses que guiarão a composição do projeto, muitas vezes reproduz a lógica fragmentada de trabalho e aumenta a ‘cegueira’ da equipe na relação com o(s) usuário(s), já que não restará a quem recebe a informação outra possibilidade do que deixar-se levar pelo “julgamento” do outro que repassa as informações já filtradas por inúmeros processos simbólicos, afetivos e cognitivos (OLIVEIRA, p. 291-292, grifos do original).

Assim, há diferenças em relação ao que se concebe em relação ao caso. O caso não

é visto na perspectiva da relação de intervenções estabelecidas na relação dual entre

usuário e profissional, e muito menos em relação à restrição a uma dimensão orgânica,

psíquica ou social do próprio usuário. De acordo com Oliveira (2008), a escolha da

nomenclatura caso deve-se tão somente a uma tentativa de dialogar com as experiências

dos profissionais da área da saúde quando estes se referem a indivíduos ou grupos que

vivenciam problemas que demandam intervenções.

Retomando as acepções do dicionário, esses direcionamentos apontam que é

preciso realizar a construção do caso sob a ótica de problematizar o conjunto de fatos que,

em torno de pessoa ou acontecimento, compõem situação problemática e/ou de grande

repercussão.

Nesse sentido, é importante questionar em que direção as discussões de casos no

dispositivo supervisão em saúde mental estão ocorrendo? Será que esse dispositivo tem

(re)produzido mais a cegueira dos profissionais em relação ao funcionamento da própria

equipe, dos usuários, do estabelecimento CAPS e da sua relação com o território?

Silva et al. (2012), em pesquisa realizada no Rio Grande do Sul junto aos

supervisores que tiveram trabalhos financiados via editais federais assinala que a

construção coletiva dos casos clínicos serviu como ferramenta de trabalho dos

supervisores, com a finalidade de que a equipe avaliasse seu próprio funcionamento e a

implicação de cada profissional com o atendimento do usuário. Eles afirmam que a

discussão de casos que envolvem toda a equipe, “nos quais haja dúvidas quanto aos

encaminhamentos, podem expor os atravessamentos de uns com os outros, do quanto um

propõe algo e o outro desconsidera” (SILVA et al., 2012, p. 316).

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Assim como Delgado (2013), Leal (2008) também reafirma o caso clínico como uma

ótima ferramenta para “orientação e organização da prática institucional” (LEAL, 2008, p.

8), pois, a partir dele, discutem-se “os componentes da rede, equipe, prioridade do

atendimento a pacientes graves, articulação intersetorial, ações a céu aberto, problemas

gerenciais, relações com a gestão do SUS” (DELGADO, 2013, p. 26).

Por conseguinte, concordamos com Luzio (2010) quanto à retomada o olhar

integral necessário nos atendimentos aos usuários nos serviços substitutivos, afirmando

que a “[a]tenção integral supõe a abordagem das várias dimensões da situação problema

da pessoa em sofrimento psíquico, por meio de ações de cuidado diversificadas, criativas e

entrelaçadas em uma rede, bem como da mobilização de todos os atores envolvidos”

(LUZIO, 2010, p. 96).

Acreditamos que seja necessário desenvolver mais estudos sobre como a construção

do caso clínico vem sendo desenvolvida nas equipes de saúde mental, e particularmente no

dispositivo supervisão. Além disso, concordo que a análise da implicação em uma discussão

de PTSs poderá auxiliar a equipe a reconhecer-se, a produzir-se e a produzir desvios,

mudanças na sua lógica de cuidar. Poderá levar os diferentes sujeitos, sejam trabalhadores,

usuários e/ou familiares, a analisar suas implicações na construção do projeto e dos atos

assistenciais, auxiliando no processo de pactuação necessários. Estas devem ser feitas ainda

com outros atores da rede, gestores, profissionais, familiares e usuários, já que um serviço não

dá conta de todos os atos assistenciais para a condução de um projeto terapêutico singular.

Torna-se fundamental ainda ressaltar que nos relatórios das CNSMs as encomendas

se direcionaram para o fortalecimento da discussão do PTS nas equipes. A supervisão deve

servir, nesse sentido, para auxiliar nesses diferentes movimentos, desde que se construa

uma co-visão ao longo da construção dos PTSs.

3.1.3 Reformulações na gestão de trabalho e na política de recursos humanos

A supervisão nos relatórios das III e IV CNSMs encontra-se imersa em um conjunto

de demandas que solicitam a garantia de condições concretas de trabalho.

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141

(a) Gestão participativa e pactuações entre o coletivo

Na III CNSM, a supervisão foi mencionada como função da gestão e coordenação

de saúde mental; as equipes de saúde mental deveriam cumprir “efetivamente as ações de

supervisão, assessoria e acompanhamento contínuo dos serviços de saúde mental”

(BRASIL, 2002, p. 72). A gestão deve ser horizontal, com a democratização das relações e

das discussões em todos os níveis de gestão, contemplando os momentos de

planejamento, implantação e avaliação, e a transformação dos processos de trabalho

visando a superação das formas verticalizadas de gestão (p. 72).

Dessa maneira, a carga horária para a participação das equipes de saúde mental

precisaria estar garantida para a “participação em atividades de planejamento e

organização do serviço, bem como espaço nas reuniões clínicas, estudos de casos e

supervisões” (BRASIL, 2002, p. 72).

Para atender a essas demandas, o MS foi construindo, ao longo dos editais,

algumas respostas acerca da articulação da supervisão com a gestão. A supervisão clínico-

institucional, nos editais II, IV e V, é apresentada como um espaço de discussão e estudo

da equipe técnica do CAPS sobre os projetos terapêuticos individuais e do serviço como

também as articulações com o território onde o CAPS se situa e dos processos de gestão e

da clínica do serviço (BRASIL, 2007a; 2008; 2010b). Afirma-se aí a ênfase da

indissociabilidade da dimensão clínica à gestão do serviço.

O supervisor deve tentar superar a dicotomia que por vezes se instaura entre o

caso clínico e a política pública de saúde mental (BRASIL, 2007b). A definição de ser

“clínico-institucional” quer dizer que a discussão dos casos clínicos precisa estar associada

ao contexto institucional, ao serviço, à rede, à gestão, à política pública.

No entanto, não há delimitação clara acerca das responsabilidades de cada ente

federativo para a consolidação da supervisão como dispositivo importante na política

pública de saúde mental. Um exemplo disso está no fato de que em todos os editais a

responsabilidade do gestor municipal seria de contratar os supervisores; no entanto, em

alguns casos isso pode ser feito pela coordenação estadual. Mas sublinhamos que não há

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uma regulamentação clara do papel das coordenações estaduais de saúde mental e nem

da gestão federal.

Por conseguinte, questiono se as coordenações estaduais não poderiam exercer

uma função mais atuante no que se refere à articulação dos projetos da supervisão com a

política de educação permanente e com a formação de redes regionais de saúde. Para

tanto, existe a necessidade de um diálogo entre serviços em diferentes municípios para a

oferta e construção de linhas de cuidado.

O papel do MS foi mencionado apenas no edital V, no ano de 2010. Além do

repasse dos recursos, a atribuição foi de:

b) selecionar os supervisores através de Chamadas de Projetos e aprovar a indicação de supervisores substitutos, quando isto for necessário; c) estabelecer mecanismos de acompanhamento técnico do Projeto de Supervisão Clínico-Institucional; d) propor iniciativas de formação permanente para os supervisores, com base nas determinações da Política Nacional de Educação Permanente do SUS (BRASIL, 2010b).

A partir desse edital, o MS propôs a qualificação dos supervisores, assumindo a

responsabilidade de financiar sua formação permanente. Ainda em 2010, foi lançado o

primeiro edital de financiamento para Escolas de Supervisores. Tais escolas foram

importantes pois indicaram, pela primeira vez, uma articulação oficial dos supervisores

clínico-institucionais com alguma instituição de formação e de gestão, principalmente

instâncias colegiadas de gestão nos âmbitos municipais, estaduais ou nacionais.

Em relação aos editais, não há clareza quanto à articulação dos processos de

supervisão com os dispositivos de gestão municipal, regional ou estadual tais como

Colegiados Gestores. Sobre os conflitos na gestão, onde “[a]s relações de poder são

sempre relações de forças e o campo social tem como uma de suas características, a

inerente presença do conflito” (FERIGATO; CARVALHO, 2009, p. 63).

Nos relatórios das III e IV CNSMs, foi demandado que o trabalhador saísse da

condição de quem apenas executa um trabalho prescrito para que seja um cogestor no

processo de trabalho. Propõe-se repensar “o trabalho como este regime de produção de

saberes, no qual o planejar, o decidir, o executar, o avaliar não se separam” (BENEVIDES DE

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BARROS; BARROS, 2007). Através dessas demandas, há expressões de resistência do

trabalhador da saúde mental à pura execução, fazendo suas escolhas e recriando modos

de cuidar e de trabalhar.

Dessa maneira, acredito que a gestão precisa ser entendida como o que se passa

entre vetores-dobras sujeitos, processos de trabalho, poder e políticas públicas.

Discutir gestão em saúde terá de passar, necessariamente, pela problematização das escolhas que fazemos de como lidar […] com os vetores-dobras inseparáveis do campo da saúde: sujeitos (desejos, necessidades, interesses), processos de trabalho (saberes), poder (modos de estabelecer relações) e políticas públicas (coletivização dessas relações) (BENEVIDES DE BARROS; BARROS, 2007, p. 62).

Carvalho (2009) nos chama a atenção para a identificação ou redução do público

não como sinônimo do estatal, mas sim como coletivo. O coletivo como uma

multiplicidade, para além do indivíduo e da pessoa, junto ao socius, “junto a intensidades

pré-verbais, derivando de uma lógica de afetos mais do que uma lógica de conjuntos bem

circunscritos” (GUATTARI, 2012, p. 19). Concordamos com Barros e Passos (2005) em

relação aos movimentos de ascendência e descendência de poder, em mão dupla, que

ocorrem nas relações entre Estado e sociedade. Reconhecer esse movimento é primordial

para a compreensão da importância das experiências concretas e singulares para provocar

movimentos instituintes no SUS e na Reforma Psiquiátrica.

Por conseguinte, gestão não se faz sem o enfrentamento de conflitos. Os vetores-

dobras, ao constituírem um plano comum de produção (BENEVIDES DE BARROS; BARROS,

2007) tem atores que manifestam desejos, necessidades e interesses conflitantes, que

produzem atos assistenciais e modos de trabalhar também diversos e exercem poderes.

Assim, Ferigato e Carvalho (2009) sinalizam que para o funcionamento de um coletivo, faz-

se necessário existir “compromissos e contratos entre as diversas esferas de interesse” (p.

63). As práticas de gestão ao mesmo tempo reproduzem ou reconstroem regras e práticas

particulares, ou seja, “podem promover a manutenção da lógica social instituída ou

transformá-la” (p. 62).

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Torna-se importante, portanto, que ao reposicionar o olhar sobre a gestão,

também fazê-lo em relação à coordenação e à supervisão, modificando as formas de

decidir. Além disso, para realizar a supervisão em uma dimensão coletiva, há que se

considerar os pactos construídos para além dos serviços substitutivos, mas que os

atravessam constantemente.

Para que um coletivo funcione é necessário compor compromissos e contratos

entre as diversas esferas de interesse. Como há uma heterogeneidade de sujeitos nesse

processo, deve existir, sobretudo, uma preocupação sobre o modo como essa pactuação é

feita, sob o risco de recair nos “velhos aprisionamentos” (FERIGATO; CARVALHO, 2009, p.

63). Desse modo, torna-se importante reconfigurar os papéis de decisão, consolidando um

modo de funcionar que privilegie a participação dos trabalhadores e gestores.

Assim, é importante observar os pactos feitos entre as gestões municipais,

estaduais e federais. Os pactos de gestão são apresentados como alternativas para

resolver tais problemas, pois estes servem para construir uma cooperação técnica entre a

União e estados, facilitando “a articulação, regulação e aporte de conhecimentos técnicos

e científicos, nos locais mais necessários” (TREVISAN; JUNQUEIRA, 2007, p. 901). Com os

pactos, exige-se que o planejamento seja ascendente, com o município reconhecendo e

afirmando as necessidades de saúde da população.

Esse pacto precisa ser construído ainda sob as bases de um planejamento em

saúde que abranja as regiões de saúde. Dias et al. (2010) apresentam a importância da

construção das redes regionais de saúde mental, principalmente a partir do Pacto pela

Saúde de 2006, ocupando os espaços Colegiados Gestores, que são espaços nos quais “são

identificados os problemas, definidas as prioridades e pactuadas as soluções para a

organização de uma rede regional de ações e serviços de atenção à saúde integrada e

resolutiva” (p. 88).

Percebe-se uma preocupação por parte do MS em encomendar supervisões que

propiciem a continuidade de um diálogo com a gestão e a construção de uma política

pública, tentando superar uma perspectiva de supervisão historicamente construída que

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se reduza à clínica individual centrada nos casos ou que se reduza a reproduzir relações de

controle e de poder em relação à administração dos serviços.

Por outro lado, o dispositivo supervisão no sentido de fortalecer as formas de gestão

participativas tem sido atravessado por problemas relacionados à falta de valorização do

trabalhador e às precárias condições de trabalho, conforme será analisado na próxima alínea.

(b) Valorização do trabalhador e condições de trabalho

As proposições da III CNSM expressaram a consolidação da ideia de que a RP não

conseguirá ser implantada sem uma valorização e investimento em uma política de

recursos humanos. Reforça-se a necessidade de uma política adequada “que valorize e

considere a importância do trabalhador de saúde mental na produção dos atos de cuidar,

possibilitando o exercício ético da profissão” (BRASIL, 2002, p. 67). A produção dos atos de

cuidar implica em considerar o trabalhador da saúde como aquele que recria, reinventa

tecnologias e modos de cuidado.

Para isso, foi almejada a garantia de diversos fatores, dentre os quais está a

supervisão. O grupo maior de reivindicações em torno do trabalho destaca “a capacitação

e qualificação continuada, condições estruturais de trabalho, gestão horizontalizada,

questões de segurança, saúde e saúde mental do trabalhador” (BRASIL, 2002).

As reivindicações em torno das condições estruturais de trabalho incluem

[…] a garantia de condições de trabalho e de planos de cargos, carreira e salários, remuneração justa dos profissionais, garantia da jornada de trabalho adequada para todos os profissionais de nível superior, bem como a isonomia salarial entre eles (BRASIL, 2002, p. 67).

Essas solicitações fazem parte de uma pauta maior no contexto do SUS, em que

ocorrem problemas decorrentes do aumento da precarização dos vínculos empregatícios

com a ausência de concursos públicos, o aumento do número de servidores contratados e

a existência de trabalhos sem contrato definido (FERREIRA; MOURA, 2006). Tais problemas

refletem a política de neoliberal e acarretam desgastes para o trabalhador no contexto da

saúde (FERREIRA; MOURA, 2006).

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O MS vem propondo algumas alternativas, dentre elas a criação da Secretaria de

Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde (SEGTS/MS), em 2003, as Conferências

Nacionais relacionadas à saúde e trabalho, a Política Nacional de Humanização da Atenção

e a Gestão do SUS (ROLLO, 2007).

Apesar de tais iniciativas, no período da IV CNSM, em 2010, também se verifica a

continuidade de um contexto do aumento do número de trabalhadores de saúde mental

terceirizados e em condições precárias do emprego (BRASIL, 2010a), o que compromete

em muito o andamento dos serviços substitutivos em saúde mental, contribuindo para as

cronicidades nos modos de gestão e trabalho nos serviços substitutivos.

Em pesquisas realizadas sobre as dificuldades relacionadas à supervisão clínico-

institucional, os supervisores destacaram: alta rotatividade de trabalhadores e das

coordenações e secretarias de saúde e diferenças e fragilidade dos vínculos profissionais,

no Rio Grande do Sul (SILVA, 2010, p. 80), contratação precária, por um baixo período de

tempo e com baixa remuneração para profissionais de nível médio e superior, a dupla

jornada de trabalho, falta de reconhecimento no trabalho, acarretando insatisfações e

desmotivações no Ceará e em Goiás (SAMPAIO; GUIMARÃES; ABREU, 2010; COSTA; SILVA,

2013). Assim, temos

[a] precarização do trabalho como algo que afeta os resultados do fazer terapêutico previsto nos dispositivos de saúde mental […] Uma equipe contratada precariamente, não se responsabiliza e não se compromete com movimentos de mudança e com a proposta institucional, como almejado pela atenção psicossocial (SILVA, 2010 p. 80).

Mesmo que haja um compromisso dos trabalhadores com o campo da saúde

mental, e que eles sejam espaços ricos para a criação (NARDI; RAMMINGER, 2007), os

modos de trabalho estão condicionados a situações extremamente difíceis.

Assim, concordamos com Nardi et al. (2005), quando ao traçarem ou mapearem a

genealogia do trabalho em saúde mental e as tensões que o atravessam sinalizam para a

necessária inclusão não só do conhecimento técnico-científico, “mas também a implicação

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política e afetiva com a construção de um outro modo de cuidar e entender a loucura” (p.

1050).

Acreditamos que a supervisão pode vir a contribuir nesse quadro com a análise da

implicação, principalmente no que se refere às implicações libidinais e políticas, com vistas

ao risco da sobreimplicação expressa por um trabalho alienado e explorado no campo da

RP e do SUS (LOURAU, 2004b).

(c) A supervisão como dispositivo de formação

Nos anos 2000, percebemos nos relatórios das III e IV CNSMs um amplo

reconhecimento de que a RP só será viabilizada mediante a formação dos trabalhadores

envolvidos principalmente no campo da saúde e os gestores.

A encomenda por formação e Educação Permanente é explicitada nesses

relatórios. No que se refere à “Política de formação, pesquisa e capacitação dos recursos

humanos em saúde mental no SUS”, o texto da III CNSM aponta que o avanço da Reforma

requer a ampliação das instâncias de capacitação, e traz como proposta a criação de

Centros de Formação de Recursos Humanos nas três esferas de governo. O relatório final

da conferência destaca que sejam estabelecidas as bases para a criação imediata de

[…] programas estratégicos interdisciplinares e permanentes de formação em saúde mental para o SUS, por meio de capacitação/educação continuada, monitoramento dos trabalhadores e atores envolvidos no processo da Reforma, que promovam qualificação […] supervisão clínica e institucional permanente (BRASIL, 2002, p. 72).

A proposta é que os sujeitos participantes dessa política sejam os profissionais da

rede de saúde – gestores, profissionais das ESFs, trabalhadores dos serviços de urgência e

emergência, de hospitais gerais, serviços substitutivos e voluntários –, profissionais da

rede intersetorial, principalmente da área da educação e assistência social, e usuários e

familiares (BRASIL, 2002).

Nos relatórios das III e IV CNSMs foram solicitadas parcerias entre diversas

instituições, tais como as universidades, e entre os governos federal e estaduais “para

treinamento, fóruns de capacitação e cursos de especialização na área de Saúde Pública e

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Saúde Mental, garantindo o aprimoramento, reciclagem, educação continuada, supervisão

técnica e institucional permanente aos trabalhadores de saúde mental” (BRASIL, 2002, p.

79). Isso visou garantir a continuidade das atividades de supervisão.

Devera e Costa-Rosa (2007) indicam a necessidade de acompanharmos as

respostas dadas às demandas expressas nos relatórios das CNSMs através da formulação

das políticas públicas. Uma das primeiras respostas governamentais em torno da

supervisão foi a publicação da Portaria n. 1.174 em 2005, que resultou principalmente da

deliberação do I Congresso Brasileiro dos CAPS, realizado em 2004, sobre a implantação de

supervisão clínico-institucional nesses serviços e da avaliação nacional dos CAPS, que

expressou a preocupação em investir na qualificação da rede de Atenção Psicossocial

(GRIGOLO; DELGADO; SCHIMIDT, 2010). Destaco ainda as reivindicações das CNSM,

principalmente a III, que antecedeu à publicação da portaria.

Ela tem como principal objetivo destinar incentivo financeiro para que os

municípios desenvolvam o Programa de Qualificação do Atendimento e da Gestão dos

Centros de Atenção Psicossocial (BRASIL, 2005b). Esse programa incluía as ações de:

[…] supervisão clínico-institucional regular (semanal) […] realização de projetos de estágio e de treinamento em serviço, em articulação com centros formadores […] desenvolvimento de pesquisas que busquem a integração entre teoria e prática e a produção de conhecimento, em articulação com centros formadores (BRASIL, 2005b).

Após a publicação dessa portaria, ainda no ano de 2005, o MS emitiu um

documento intitulado “Roteiro para Projetos de Qualificação dos CAPS – Pt GM 1174/05”.

Nele constam informações acerca dos critérios para repasse financeiro para projetos de

qualificação dos CAPS onde estão inclusas as supervisões clínico-institucionais.

Ressaltamos que dentre as ações estavam os estágios e formação em serviço,

desenvolvimento de pesquisas e avaliação, sempre na busca de integrar teoria e prática,

com foco na produção de conhecimento feita em serviço a partir da articulação com

instituições formadoras (BRASIL, 2005c). Até o ano de 2010, foram financiados 699

projetos de supervisão através de cinco editais de supervisão (BRASIL, 2010c).

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O MS lançou edital para financiar Escolas de Supervisores, respaldados na ideia de

que muitos municípios “ainda não têm acesso a este mecanismo de qualificação pela falta

de profissionais capacitados e disponíveis para este trabalho, principalmente nas regiões

norte e nordeste” (BRASIL, 2010c) e, assim, visando ampliar mecanismos de qualificação

para supervisores no Brasil.

Nessa chamada, a importância das supervisões é atribuída ao fato de ser um

“dispositivo da supervisão clínico-institucional” que “vem se constituindo em um novo

campo de prática e produção de conhecimento integrado aos Centros de Atenção

Psicossocial e às redes de atenção do SUS” (BRASIL, 2010c). Indica-se a necessidade de

criar instrumentos de apoio institucional ao trabalho de supervisão e formar profissionais.

Ou seja, buscava-se apoiar os trabalhadores que exerciam a atividade de supervisão e

formar novos profissionais que viessem a assumir cargos de supervisão.

As inscrições nessa chamada podiam ser feitas por Secretarias Estaduais de Saúde

articuladas a centros de formação como às Escolas de Saúde Pública e/ou Universidades

Públicas. Além destes centros formadores, puderam inscrever-se também os municípios

sedes de Colegiado de Gestão Regional (CGR) que também estavam ligados aos Centros

Regionais de Referência com a finalidade de formação permanente dos profissionais que

atuavam nas redes de atenção integral de saúde e de assistência social com usuários de

crack e outras drogas e seus familiares (Edital n. 003/2010/GSIPR/SENAD) (BRASIL, 2010c).

A perspectiva das Escolas de Supervisores representou um avanço importante no

fomento de ações de Projetos de Qualificação de serviços articuladas a outros centros

formadores, e que assim desencadeassem outras estratégias de formação vinculadas à

supervisão, mas não centralizadas nesse dispositivo.

A caracterização da Escola de Supervisores publicada foi a seguinte:

A Escola de Supervisores Clínico-Institucionais de Rede da Atenção Psicossocial, Álcool e outras Drogas é um projeto de fomento à qualificação das ações de supervisão que acontecem nos CAPS e nas redes municipais e intermunicipais, com abrangência intersetorial, voltado para a capacitação teórica e prática de profissionais, na forma de cursos, seminários, oficinas, encontros, ações de matriciamento e outras, de modo a assegurar a formação permanente de profissionais aptos a

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atuarem como supervisores clínico‐institucionais de rede de atenção psicossocial, álcool e outras drogas (BRASIL, 2010c, p. 3).

Nota-se que há um leque bastante ampliado de estratégias metodológicas a serem

adotadas nas escolas, desde que assegurem uma formação permanente dos profissionais

para atuarem como supervisores.

Dentre as atribuições das escolas, encontram-se: a elaboração de um plano anual

de trabalho com a descrição das ações de capacitação e formação permanente que serão

desenvolvidas e as metas a serem atingidas; o estímulo à formação teórica e prática de

profissionais para atuarem como supervisores de rede de atenção psicossocial, álcool e

outras drogas; a articulação para a troca de experiências e de conhecimento específico

entre os supervisores clínico-institucionais; a produção de textos sobre as atividades e

fundamentos da prática da supervisão na rede; o desenvolvimento e aplicação de

mecanismos de monitoramento e avaliação das atividades de supervisão clínico-

institucionais das redes, produzindo conhecimento e pesquisas que subsidiem o

aperfeiçoamento dessa prática; a construção de iniciativas regulares tais como seminários,

cursos conjuntos, fóruns e outras ações que propiciem a articulação entre a rede de

serviços do SUS e as universidades públicas no âmbito regional e/ou estadual e o estímulo

ao intercâmbio com outras Escolas de Supervisores Clínico-Institucionais de Rede, voltadas

para a formação permanente e produção de conhecimento (BRASIL, 2010c).

O projeto inscrito deveria ser resultante de uma produção coletiva e articulada

entre as equipes de coordenação de saúde mental, escolas de Saúde Pública e/ou

universidades públicas parceiras do projeto. Nesse edital houve uma ênfase na construção

pactuada entre diferentes órgãos que têm funções distintas no campo da saúde mental,

mas que precisavam escolher de forma comum os nortes da formação para esses

profissionais, coerentes com os interesses da gestão e dos centros formadores.

Nesse momento, o MS toma o encargo parcialmente dos projetos de qualificação,

assumindo a responsabilidade de financiar iniciativas de formação permanente para os

supervisores, baseadas nas determinações da Política Nacional de Educação Permanente.

A partir disso, no semestre seguinte, ainda em 2010, foi lançado o primeiro edital de

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financiamento para Escolas de Supervisores. Tais escolas foram importantes, pois

indicaram, pela primeira vez, a necessidade da articulação oficial dos supervisores clínico-

institucionais com alguma instituição formadora.

De acordo com Devera e Costa-Rosa (2007), as encomendas expressas no período

da III CNSM refletem a

[…] consciência dos atores da Reforma Psiquiátrica de que a formação dos trabalhadores é um dos elementos decisivos para a construção e viabilização das práticas substitutivas ao Modelo Hospitalocêntrico. Várias proposições foram aprovadas visando alcançar esse objetivo (DEVERA; COSTA-ROSA, 2007, p. 70-71).

No entanto, percebemos problemas ainda graves relacionados à formação dos

trabalhadores, que a nosso ver, comprometem bastante os rumos da efetivação de um

paradigma de Atenção Psicossocial. Grigolo, Delgado e Schmidt (2010) referem que, nos

resultados do Avaliar CAPS de 2008, as equipes de saúde mental tinham um grande

desconhecimento sobre a saúde mental no SUS e sobre as funções dos CAPS.

Acerca da supervisão e dos problemas apresentados na formação, sinaliza-se para

o desconhecimento e formulações teóricas ainda insuficientes e superficiais sobre a

Atenção Psicossocial Territorial, Humanização em Saúde, Intersetorialidade,

Interdisciplinaridade, Gestão de Projetos Terapêuticos, Formação Clássica e Burocrática

dos Trabalhadores, entre outros (SAMPAIO; GUIMARÃES; ABREU, 2010). Tal panorama

reflete um pouco da cultura acadêmica que ainda não conseguiu assimilar conteúdos

necessários à atuação na RP na formação de profissionais (LOBOSQUE, 2010).

Grigolo, Delgado e Schmidt (2010) afirmam que o campo da saúde mental

apresenta-se para os profissionais como um campo aberto e com uma crescente e

complexa demanda de trabalho, demanda esta que não vem sendo devidamente

respondida no que se refere à formação teórico-prática. Ele afirma que ainda “temos

então de lidar com o preconceito e o medo dos profissionais quando chegam aos serviços,

oferecendo suporte para que possam superá-los em benefício do cuidado dos usuários”

(p. 378).

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Dessa maneira, há uma ênfase na necessidade de investir em estratégias

intersetoriais, nas quais as universidades incluam nos seus currículos conteúdos e práticas

sobre a RP (GRIGOLO; DELGADO; SCHMIDT, 2010). Sobre isso, Ana Marta Lobosque (2010)

escreve um texto intitulado “Nem a fuga da teoria, nem o medo da invenção”, explicando

que a universidade não tem acompanhado e nem dado o devido destaque ao campo das

Reformas Sanitárias e Psiquiátricas e seus avanços, e a formação tem se tornado cada vez

mais empobrecida e sem a problematização necessária ao campo.

Concordamos com Lobosque quando ela afirma que a formação dos trabalhadores

da saúde não deve restringir-se aos cursos de especialização que dedicam-se apenas a

preencher lacunas da graduação, e com a formação vivenciada nos espaços de supervisão,

que apesar de indispensáveis, não são suficientes. A aposta precisa ser feita em outros

espaços e envolvendo diversos grupos de trabalho e experiências nas redes, como as que

encontramos na década de 1990.

Os trabalhadores devem ser convidados a aprimorar sua formação, a refletir de forma um pouco mais sistemática sobre sua prática; não se pode permitir que sejam afogados pelo automatismo cotidiano, a ponto de sequer perceber que há questões, e interessar-se por elas; ou até mesmo a ponto de desqualificar a seus próprios olhos o trabalho que fazem, por não compreender seu alcance e valor (LOBOSQUE, 2010, p. 270).

É nesse sentido que se encomenda o fortalecimento de iniciativas de Educação

Permanente. De acordo com Grigolo, Delgado e Schmidt (2010), “a Educação Permanente

em serviço é de responsabilidade dos gestores e do SUS e visa qualificar, na própria rede,

os profissionais de saúde” (p. 378). Ainda segundo os autores, os recursos estão sendo

disponibilizados aos gestores estaduais e cresceram desde 2007, mas ainda apresentam

problemas em sua execução.

A proposta de EPS é um convite para que o trabalhador possa identificar outros

modos de aprender e cuidar no trabalho (MERHY; FEUERWERKER; CECCIM, 2006). A EPS

busca partir da realidade concreta dos sujeitos, desenvolvendo processos de

aprendizagem mais participativos, de maneira que o processo de trabalho seja tomado

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como objeto de reflexão, com a participação ativa dos trabalhadores, de suas concepções

e relações de trabalho. Esse processo analítico deve ser necessariamente coletivo, no qual

cada participante deve apropriar-se da situação, disparado por uma situação natural

(analisador) que facilita e põe o grupo em análise, devendo ser ainda explicitadas as

implicações dos diversos sujeitos envolvidos (MERHY; FEUERWERKER; CECCIM, 2006).

Assim, o cotidiano do trabalho em saúde é produzido por muitas vivências que vão

compondo experiências. A EPS tem se tornado uma estratégia para a construção de

processos mais eficazes ao desenvolvimento dos trabalhadores da saúde (MEHRY;

FEUERWERKER; CECCIM, 2006).

Para isso, uma reorganização nos processos de trabalho precisa acontecer, de modo

a incluir algumas propostas: grupos de reflexão e de estudos nos serviços, e o atendimento

conjunto (COSTA; SILVA, 2013); investimento em cursos de capacitação periódicos, grupos

de estudos, seminários regulares, o desenvolvimento de estudos e pesquisas avançadas

(LOBOSQUE, 2010); a colocação em diálogo dos saberes acadêmicos e dos saberes da

experiência cotidiana dos trabalhadores (RAMMINGER; BRITO, 2011). Além dessas,

destacamos ainda a possibilidade de experimentar a circulação de profissionais pela rede

de serviços, possibilitando conhecer e aprender novos modos de cuidar construídos pelas

diferentes equipes, conforme as experiências já relatadas nos capítulos anteriores.

Nesse momento, é pertinente uma crítica aos editais lançados. A Portaria n.

1.174/2005 destacou diversas outras ações necessárias aos projetos de qualificação.

Apesar disso, nos editais lançados apenas estava previsto financiamento para a supervisão,

o que possibilita entender que esse dispositivo atende a todas as necessidades de

formação em serviço. Concordamos com diversos autores que discutem o tema quando

afirmam que o supervisor não deve ser colocado em uma posição de saber total. Diversas

outras estratégias precisam ser adotadas, inclusive o convite a outros profissionais para

falar ou discutir um tema específico pode ser uma alternativa interessante para

problematizar algumas situações (SAMPAIO; GUIMARÃES; ABREU, 2010; SILVA et al.,

2012).

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A supervisão deve constituir ainda um dos dispositivos para a qualificação, e não

ser reconhecido como o único ou o melhor, sob o risco de (re)produzir uma relação de

assujeitamento em relação às equipes de trabalho reproduzidas em relação hierarquizada

de saber e poder.

(d) Sustentabilidade da política de supervisão: o financiamento

Nas encomendas da CNSM de 2001, encontramos solicitações em torno do

compromisso com o financiamento. Sobre a sustentabilidade da política de supervisão,

enfatizou-se nas III e IV CNSMs a indispensabilidade da articulação das três esferas de

governo na obrigatoriedade do financiamento.

Exigia-se que as secretarias estaduais se responsabilizassem “pela criação e

financiamento de Centros de Capacitação em saúde mental, promovendo supervisão e

assessorias regionais com a participação dos municípios” (BRASIL, 2002, p. 103). Ou seja,

no ano de 2001, existia a encomenda para que os governos estaduais tivessem uma

responsabilidade tanto para formulação de Centros de capacitação como promovendo as

supervisões nas regiões.

O MS tem respondido as encomendas de financiamento através de editais sem

uma periodicidade definida, conforme tabela já descrita. Segundo dados do MS, até o ano

de 2011 foram financiados 851 projetos de supervisão. Destaca-se a grande a

concentração de projetos nas regiões Sul e Sudeste e atribui-se isso à concentração de

serviços e de profissionais qualificados para o exercício da supervisão nessas regiões. No

entanto, esse número é insuficiente se considerarmos a quantidade de serviços CAPS

(1.742) existentes no país no mesmo ano (BRASIL, 2012).

Articulação e integração com diversos dispositivos foram ações consideradas

importantes pelo MS para as Escolas de Supervisores. Ainda de acordo com o Ministério,

os objetivos e as diretrizes pactuados no I Encontro Nacional das Escolas de Supervisores

Clínico-Institucionais do SUS, realizado em Porto Alegre/RS nos dias 3 e 4 de novembro de

2011, foram comuns às diversas Escolas de Supervisores. Ao todo foram quinze Escolas de

Supervisores Clínico-Institucionais que receberam apoio financeiro como parte das

estratégias do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack.

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O MS, através da Coordenação Nacional de Saúde Mental, ao longo dos editais vem

propondo critérios de prioridades para recebimento do financiamento. Tais critérios têm

sofrido variações e relacionam-se às características dos CAPS e da rede, critérios de

localidades regionais, existência de programas de supervisão, e a qualidade dos projetos

de qualificação. Eles serão descritos a seguir.

Características de CAPS e da Rede:

Os CAPS variavam de acordo com os editais. Em alguns editais sublinha-se que a

ordem de prioridade para financiamento era: CAPS III, CAPSad, CAPSi, CAPS I e CAPS II.

Em relação aos serviços, um acréscimo que ocorreu no ano de 2010 foi a

preferência de serviços que possuíssem projetos de geração de renda, atividades culturais

e oficinas de arte (BRASIL, 2010b).

Foram considerados também prioritários serviços localizados nos municípios ou

regiões que estivessem investindo nos processos de desinstitucionalização dos crônicos

residentes (BRASIL, 2007a).

Foram priorizados CAPS III implantados ou em processo de implantação através da

transformação de CAPS II para III (BRASIL, 2010b).

Nos editais VI e VIII foram acrescentados projetos de municípios que possuíssem

rede de serviços de atenção em álcool e outras drogas com dispositivos diversificados, tais

como CAPSad III, Caps III, CAPSad, CAPSi, CAPS I, CAPS II, Consultório de Rua, Casas de

Acolhimento Transitório, Escola de Redução de Danos, Leitos em Hospitais Gerais e outros.

Além disso, também foram acrescentados municípios que tinham potencial para a

articulação intersetorial considerando as redes de assistência social, justiça, educação,

esporte e lazer e outros.

A partir de 2010, a realização de atividades intersetoriais também é incluída como

relevante para o projeto de Supervisão Clínico-Institucional (BRASIL, 2010b).

Os critérios que identificam as características de CAPS e da rede, em sua maioria,

expressam que o financiamento para a supervisão deveria ocorrer para os serviços e as

redes que estivessem melhor estruturadas.

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Critério regional:

Prioridade de financiamento aos serviços concentrados nas regiões Norte,

Nordeste e Centro-Oeste.

Distância ou dificuldade de acesso dos CAPS aos Centros de Formação.

Salientamos, nesse item, o quão importante seria se as atividades de supervisão

estivessem integradas aos Centros de Formação, conforme as experiências já destacadas,

por exemplo, no Ceará (SAMPAIO; GUIMARÃES, ABREU, 2010).

Existência de Programas de Supervisão:

Em alguns momentos, priorizaram-se municípios que ainda não tivessem

Programas de Supervisão implantados e em outros se buscou dar continuidade aos

Programas de supervisão em andamento, se estes tivessem cumprido os requisitos

estabelecidos no artigo 6°, parágrafo 3°, da Portaria n. 1.174/2005.

Esse critério representa um paradoxo, indicando uma falta de clareza e solidez em

relação ao que se priorizava, o início de uma política de supervisão ou a possibilitação de

sua continuidade. Destacamos ainda que em nossa pesquisa não encontramos nenhuma

discussão ou análise pública acerca dos relatórios das supervisões já financiadas.

A qualidade do Projeto de Qualificação:

São previstas a qualidade técnica, com supervisão clínico-institucional, e a articulação

no território, com a rede básica. Além disso, deveriam ser previstos a continuidade e a

sustentabilidade do projeto, o monitoramento e avaliação dos resultados do projeto. Em

anexo deveria estar o curriculum vitae do(a) supervisor(a) indicado(a) pelo CAPS (BRASIL,

2007a).

O próprio processo seletivo indica que não se atribui a devida importância a todos

os serviços substitutivos receberem o financiamento para a supervisão, conforme as

inúmeras demandas que emergiram nos relatórios das CNSMs.

No ano de 2012, o MS justificou que não houve nenhuma chamada para seleção de

novos projetos no primeiro semestre daquele ano em decorrência da Coordenação de

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Saúde Mental estar rediscutindo o formato da supervisão clínico-institucional no contexto

das Redes de Atenção à Saúde e no que se refere à remuneração dos supervisores, e

reiterou que haverá uma chamada para projetos de formação e educação permanente,

que contemplará a supervisão (BRASIL, 2012).

Durante o ano de 2012 a Área Técnica de Saúde Mental vem rediscutindo o formato da supervisão clínico-institucional no contexto das Redes de Atenção à Saúde e no que se refere à remuneração dos supervisores – um dos maiores entraves à implementação dos projetos. Por esta razão, não houve no primeiro semestre do ano nenhuma chamada para seleção de novos projetos. Para os próximos meses está prevista uma nova chamada de projetos de formação e educação permanente, que contemplará a supervisão (BRASIL, 2012, p. 24).

Dessa forma, as supervisões terminam por ocorrer, na maioria das vezes, quando

preenchem o pré-requisito priorizado pelas propostas do governo federal. No âmbito

municipal, outras dificuldades aparecem, tais como: efetivar a contratação dos

supervisores tendo em vista o valor não poder ser repassado sem licitação no âmbito

municipal; mudanças de gestão municipal e o não cumprimento dos compromissos

firmados pelas gestões anteriores com os supervisores e CAPS; não cumprimento das

ações estabelecidas no projeto como custeio de materiais para qualificação, entre

outros.33

Esses problemas aparecem em todos os lugares do país e tornam-se grandiosos

porque acarretam, muitas vezes, a descontinuidade das ações de qualificação dos serviços

e a desconstrução do trabalho feito entre muitos supervisores e equipes de saúde mental.

Dessa maneira, o paradigma asilar que atravessa os serviços de saúde mental se reafirma,

na medida em que os profissionais não têm apoio para pôr em análise seu cotidiano de

trabalho. Eles refletem ainda, a nosso ver, o modo de financiamento escolhido para os

projetos de qualificação, que estão inadequados às demandas apresentadas no contexto

da saúde mental.

33 Essas informações foram acessadas por meio da participação da pesquisadora e supervisora em grupo virtual

destinado aos supervisores para as discussões em torno da supervisão clínico-institucional no contexto brasileiro.

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Além disso, os problemas de planejamento apontam ainda paradoxos na gestão do

SUS, como a centralização dos processos decisórios, através de mecanismos de indução

financeira para programas instituídos pelo MS. Desse modo, na gestão descentralizada

tem-se o fato de a insuficiência de recursos e de o problema do gasto em saúde estarem

relacionados aos mecanismos de alocação, “ainda fortemente atrelados a programas e

atividades definidas centralmente, mas executadas pelos municípios” (VASCONCELOS;

PASCHE, 2006, p. 545).

3.2 EFEITOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NOS ANOS 2000

Nos prelúdios da Atenção Psicossocial, nas décadas de 1980 e 1990, percebíamos

um desejo pela mudança fundado na interrogação, no questionamento e no desejo de

construir outros modos de atenção, de gestão do trabalho, de convivência com a

diferença, quiçá de vivência em sociedade.

Vasconcelos (2008) aponta para avanços como a “consolidação da hegemonia

reformista e da rede de atenção psicossocial, ampliação da agenda política em saúde

mental” (p. 38). Apesar disso, vemos diversos desafios aparecendo nos anos 2000.

Luzio e Yasui (2010) sinalizam que o texto final da Lei n. 10.216 aprovado estava

distante do radicalismo presente no projeto original de autoria do deputado Paulo

Delgado e aprovado em 1989, que propunha claramente a substituição radical de modelo.

Na legislação de 2001, “a substituição transforma-se em proteção de direitos e

redirecionamento” (p. 22). As transformações no texto sinalizam para uma mudança do

modelo assistencial, mantendo a estrutura hospitalar existente, regulando as internações

psiquiátricas (LUZIO; YASUI, 2010).

Vasconcelos (2008) cita as limitações existentes em decorrência do avanço

neoliberal com o aprofundamento de alguns problemas, dentre os quais as questões

estruturais do SUS, financiamento, “baixa remuneração, multiemprego, terceirização e

precarização de recursos humanos […] desmobilização e institucionalização do movimento

social sanitário, etc.” (VASCONCELOS, 2008, p. 39). Com o crescimento do neoliberalismo,

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produz-se um modo de processo de subjetivação em que o cidadão é tido como um

consumidor (CARVALHO, 2009).

Sobre tais limitações, Pitta (2011) explica que apesar de existir um consenso acerca

do tratamento em liberdade, instalou-se a ideia de que as crises das políticas públicas “que

as deixam ‘fora de moda’” (p. 4581), e a ausência de respostas efetivas para as

necessidades de saúde das pessoas, no caso da saúde mental, decorre da falta de

prioridade que lhe é atribuída se comparada aos demais programas de saúde pública, e,

por isso, termina por ter suas demandas postergadas.

Ocorreram avanços com o aparecimento dos CAPS em diversos territórios do país,

em regiões com hegemonia da rede hospitalar, porém ainda não se atingiu uma cobertura

assistencial decente (PITTA, 2011). Existe uma clara desigualdade regional no acesso a

serviços de saúde mental de atenção comunitária. Em 2009, o maior número de CAPS por

mil habitantes estava concentrado no Sul e Sudeste do país. As regiões Sudeste e

Nordeste detêm ainda o maior número de hospitais psiquiátricos, e no Norte, até 2009,

ainda havia um estado (Amazonas) sem nenhuma referência de rede (HIRDES, 2009).

Dessa maneira, Pitta (2011) chama atenção para o aumento da acessibilidade ao cuidado

em Saúde Mental nos anos 2000, mas com o patamar de serviços assistenciais ainda

insatisfatório. Identificamos aí outros impactos do avanço neoliberal no Estado que podem

ser relacionados à rede de atenção psicossocial, com a desaceleração na criação de novos

serviços substitutivos e a extinção de leitos psiquiátricos (VASCONCELOS, 2008).

Nesse contexto, percebemos o incipiente investimento ainda em CAPS III e o

pequeno e irregular investimento em dispositivos de qualificação tais como a supervisão.

Esse panorama contribui para o quadro de institucionalização dos CAPS e da rede,

expresso pelas cronicidades (BARROS, 2003; PANDE; AMARANTE, 2011).

Diante desse quadro, os editais ministeriais refletem respostas ainda bastante

insuficientes em relação às encomendas das III e IV CNSMs em torno do dispositivo

supervisão, e, mais ainda, às demandas sociais mais gerais – quando falamos em uma

mudança paradigmática – necessárias de serem respondidas quando temos por horizonte

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uma transformação societária tal como almejada na Atenção Psicossocial. E o que isso

quer dizer em termos de institucionalização da chamada Reforma Psiquiátrica?

Para nós, isso indica a produção do efeito Mühlmann. Lourau (2004) explica que

esse efeito demonstra a “institucionalização decorrente do fracasso do projeto inicial […] o

efeito Mulhmann, definido pela função de recalque, de institucionalização, que preenche o

‘fracasso da profecia’ inicial” (p. 89). Hess (2007) retoma essa definição de René Lourau

para afirmar que o instituinte expresso nas forças sociais minoritárias é reconhecido pelas

formas sociais instaladas, de maneira a ser integrado ao instituído, tornando-o equivalente

àquilo que já existe.

É uma crise sacrificial que faz o movimento entrar no molde da instituição, de modo muito paulatino, imperceptível mesmo para uma grande parte dos atores e das testemunhas […] O sacrifício é imposto pela pressão de outras instituições e, eventualmente, pela pressão direta do Estado e da classe dominante, desejosos de fazer entrar em suas fileiras, transformando-as em “matéria social” de troca, as forças instituintes do movimento oposicionista (ideias, temas formulados pelo movimento) (HESS, 2007, p. 153-154).

Assim, questionamos se não estaríamos vivendo um momento no qual o instituído

estaria neutralizando as forças instituintes que propiciaram o movimento analítico

necessário ao campo da Atenção Psicossocial. A burocratização da RP estaria gerando a

neutralização do movimento ou daquilo que era identificado como instituinte?

De acordo com Hess (2007), qualquer ideia, invenção ou profecia, na medida em

que delineia uma forma social, entra em institucionalização e perde sua radicalidade.

Nesse processo, os atores acabam esquecendo as razões de seu trabalho, mediante a

negação ou “recobrimento da profecia por um instituído, cujo efeito é o de negar os

objetivos iniciais da instituição para seguir objetivos próprios, sem relação com a profecia

do momento fundador” (HESS, 2007, p. 7).

Assim, os supervisores, bem como os trabalhadores, a partir da década de 1980

expressavam fortemente um desejo de mudança, e apresentavam um movimento de

autoanálise acerca de suas práticas e de seus nortes de atuação. O movimento instituinte

gerou o crescimento dos serviços substitutivos, as mudanças na perspectiva de

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atendimento e os usos do dispositivo supervisão como forma de refletir, acima de tudo,

sobre o novo paradigma que se pretendia construir nas formas de gestão de trabalho, nos

projetos terapêuticos e nas redes de atenção.

No entanto, ao analisar o contexto atual, Vasconcelos e Paulon (2014) afirmam que

o quadro de precariedade das políticas públicas de saúde mental, “o sucateamento dos

serviços e de seus cotidianos, os pontos de estrangulamento da rede de SM, a dificuldade

de intersetorialidade” (p. 227) são expressões de um processo em que existe uma

“produtividade de uma política de SM, de uma rede de SM ‘improdutiva’, feita para assim

o ser” (p. 227), não sendo algo que acontece por acaso.

Assim como o operário do poema de Vinícius, a construção da RP vem crescendo

junto com o sofrimento e o sacrifício de muitos trabalhadores da saúde mental. Muitas

vezes, isso tem se dado de forma consciente, de forma que o trabalhador, por mais que

reconheça o modo asilar e deseje construir algo diferente, não tem tido um respaldo

suficiente, mas sim suas demandas respondidas através de reformulações ainda muito

incipientes na política pública.

O que fazer com isso? Em meio a esse quadro de institucionalização, afirmamos

que para reinventar a supervisão, retomar a sua força instituinte, necessitamos antes

retomar sua história e seu uso nos processos de desinstitucionalização de cada equipe de

saúde mental e de cada serviço. Isso requer de todos nós um interrogar-se, em primeira

instância, sobre a nossa implicação no processo de desinstitucionalização, sobre nossos

desejos, posições políticas, teóricas, ideológicas, para não estarmos trabalhando em prol

da reprodução de uma rede de saúde mental improdutiva e burocrática.

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4

CAPÍTULO 4

EM BUSCA DE RELAÇÕES DESVELADAS: UMA ANÁLISE DA SUPERVISÃO

CLÍNICO-INSTITUCIONAL NO CASO DO RN

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Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão

Dobrá-lo de modo vário. De sorte que o foi levando

Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região

E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração:

- Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação

Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem bem quiser […]

Disse, e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário

O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas

Via coisas, objetos Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via Misteriosamente havia

A marca de sua mão. E o operário disse: Não!

“O operário em construção”, Vinicius de Moraes

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Para iniciar este capítulo, traremos para o cenário de discussão alguns

acontecimentos relacionados à rede de atenção psicossocial no RN no início de 2013, após

as eleições municipais de 2012.

No início de 2013, existia no estado uma rede constituída por cerca de 28 CAPS

(RIO GRANDE DO NORTE, 2013). Apesar disso, nenhuma de suas equipes contava com

supervisão clínico-institucional. A única supervisão que ocorria em um CAPS no interior do

estado, com financiamento federal, foi interrompida, à revelia da equipe, porque o novo

secretário de saúde questionou o formato e contrato de trabalho. A coordenação estadual

de saúde tentou intervir explicando a especificidade do trabalho do supervisor, mas nada

adiantou. Algumas equipes CAPS foram prejudicadas de diversas maneiras, seja através

desse tipo de intervenção, seja através de demissões de equipes inteiras.

A capital do estado, após uma gestão devastadora do Partido Verde (2009-2012),34

no início de 2013, encontrava-se mergulhada em um caos em todos os setores das

políticas públicas. Na saúde mental não foi diferente. Profissionais da rede CAPS foram

perseguidos, transferidos de serviços, silenciados. Usuários sofriam com as péssimas

condições nas quais os serviços se encontravam e com os cuidados ofertados. A situação

caótica foi denunciada diversas vezes, inclusive em carta dirigida ao Ministro da Saúde

pelo Conselho Municipal de Saúde,35 mas tudo demorava a ser feito. No auge de uma crise

na rede e da extrema falta de cuidados, lamentavelmente, um usuário de um dos CAPSad

da cidade ateou fogo ao próprio corpo em frente ao serviço. O caos também era

encontrado nos serviços de saúde sob gestão estadual.36

No ano de 2013, uma nova gestão e uma nova política de saúde na capital

tentaram ser estabelecidas. A Secretaria de Saúde de Natal foi assumida por Cipriano

Maia, médico-sanitarista, mas a coordenação de saúde mental demorou a ser definida.

34 Nesse período, a população sofreu com as péssimas condições de vida na cidade, com o caos governamental,

situação que foi noticiada nacionalmente. Dessa maneira, o governo municipal foi avaliado como péssimo ou ruim por 92% da população, pior resultado já alcançado em pesquisas desse tipo (http://oglobo.globo.com/brasil/em-natal-governo-de-micarla-avaliado-por-92-como-ruim-6065560).

35 http://www.redehumanizasus.net/11721-carta-ao-ministro-em-defesa-da-atencao-basica-natal-rn

36 Dentre outras notícias, encontramos a denúncia da morte de uma criança em decorrência das péssimas

condições dos serviços ofertados no estado e município. Ver informação noticiada em 12 de junho de 2012, no site Humaniza-SUS (http://www.redehumanizasus.net/12932-carta-aberta-do-caac-direito-ufrn).

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Nenhum trabalhador queria assumir formalmente o cargo, seja pelo imenso desafio que

estava posto, seja pela oferta salarial pouquíssimo atrativa.

Assim, um grupo coletivo tentava ir se refazendo para construção de novos rumos

para a saúde mental municipal. Em reunião com esse grupo coletivo, no ano de 2013,

percebemos diversos profissionais de serviços CAPS explicando da necessidade de retomar

as supervisões clínico-institucionais para essa recuperação. Nessa reunião, apareceram

falas bastante positivas em relação à supervisão do CAPSi e da rede, que contaram com a

participação de supervisores de Campinas. Em relação à supervisão de rede desenvolvida

entre os anos de 2011 e 2012, uma das trabalhadoras demonstrou os novos modos de

atuação desenvolvidos entre as equipes NASF e CAPS. Conversas com trabalhadores do

interior também sinalizavam para a angústia de estar em condições difíceis decorrentes da

troca de parte da equipe e de estarem sem supervisão.

Apesar da importância atribuída pelos trabalhadores de saúde mental ao

dispositivo supervisão, uma informação chamava atenção. Reafirmo, a partir do ano de

2013 nenhum CAPS do estado contava com supervisão. Para tentar entender um pouco

como chegamos a esse panorama, convidamos o leitor a perscrutar um pouco da história

da Reforma Psiquiátrica do RN e de como a supervisão aí apareceu.

4.1 A REFORMA PSIQUIÁTRICA DO RN E O INÍCIO DA PRÁTICA DA SUPERVISÃO

A Reforma Psiquiátrica no RN começa nos anos 1990, no início com a implantação

de serviços alternativos ao hospital psiquiátrico na capital do estado. O estabelecimento

dos serviços substitutivos da SMS em Natal, desde sua criação em 1986, teve forte

influência da nova política de saúde e das resoluções das I e II CNSMs. Estas preconizaram

a criação de uma rede de atenção integral de saúde mental em substituição aos hospitais

psiquiátricos. A atenção em saúde mental organizou-se formalmente no ano de 1992

(PAIVA; YAMAMOTO, 2007).

Paiva e Yamamoto (2007) ressaltam que o profissional de psicologia foi o primeiro a

ingressar na SMS com o objetivo de promover ações voltadas para a saúde mental,

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tornando-se assim um importante ator político no processo de reforma psiquiátrica no

estado. Com a implantação de unidades de saúde no município, ocorreram avaliações

sobre as condições sanitárias e da qualidade de vida da população, com a identificação de

diversos problemas emocionais, conflitos familiares, violência contra a mulher,

dificuldades de aprendizagem de alunos da rede pública, alcoolismo, agravos que

poderiam estar relacionados à saúde mental da população (PAIVA; YAMAMOTO, 2007).

Buscando vestígios da inserção da supervisão em saúde mental, encontramos uma

intrínseca relação com a inserção da psicologia na saúde pública. Em 1988, ocorreu em

Natal o I Seminário de Saúde Mental, e um dos objetivos foi discutir o papel do psicólogo

na assistência à saúde mental. Esse grupo de profissionais tornou-se referência importante

e protagonista no campo da saúde mental na capital, vindo a compor, posteriormente, a

Coordenação de Saúde Mental do município (PAIVA; YAMAMOTO, 2007).

No entanto, a implantação do atendimento em saúde mental por profissionais da

atenção básica, inclusive por psicólogos, ocorreu com muitas dificuldades. Por esse

motivo, diversas oficinas aconteceram no sentido de discuti-las, resultando na I

Conferência Municipal de Saúde Mental, em outubro de 1992. Houve a participação de

profissionais da área, do apoio do MS, e a parceria com a UFRN (PAIVA; YAMAMOTO,

2007). Em meio a tais dificuldades, um grupo de psicólogos foi contratado para

supervisionar esse atendimento.

Em 1995 houve a publicação da lei estadual que regulamentou a RP. Ela determina,

dentre outras questões, a não abertura de novos leitos em hospitais psiquiátricos

especializados e a redução gradativa de tais leitos (BRASIL, 2004b). No entanto, é

importante salientar que desde 1992 propunha-se uma rede articulada de serviços que

contemplava policlínicas especializadas, os Centros de Atendimento 24 horas, leitos

psiquiátricos em hospital geral, NAPS, abrigos protegidos e setores de referência em saúde

mental e em dependência química nas unidades básicas, dentre outros. Os três primeiros

NAPS foram inaugurados no início dos anos 1990. Desses, dois destinavam-se ao

atendimento de pessoas com transtornos mentais graves e um destinava-se ao tratamento

da dependência química (SANTOS; OLIVEIRA; YAMAMOTO, 2009).

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169

O trabalho seria multidisciplinar, com os psicólogos à frente desse planejamento

(PAIVA; YAMAMOTO, 2007). Foram implantados os NAPS visando à substituição efetiva dos

hospitais psiquiátricos, proposta essa que não foi implantada por pressão dos donos dos

hospitais privados (PAIVA; YAMAMOTO, 2007).

Os anos de 1996 e 1997 configuraram um momento marcante da RP em Natal. Esse

período foi de afirmação dessa nova proposta de atenção em saúde mental, com o aumento

da credibilidade dos NAPS com a redução das internações psiquiátricas. Isso tornou esses

núcleos referências importantes para a proposta de RP no estado (PAIVA; YAMAMOTO, 2007).

Ainda de acordo com Santos, Oliveira e Yamamoto (2009), o projeto de Reforma em

Natal é marcado por progressos e retrocessos: “foram implantados serviços substitutivos, mas

o número de leitos SUS nos hospitais psiquiátricos ainda é elevado” (p. 315). Ainda hoje,

apenas um dos cinco hospitais psiquiátricos que existiam no estado foram fechados.

A institucionalização da supervisão no estado tem intrínseca relação com a inserção

e o protagonismo dos psicólogos na saúde pública e saúde mental. A supervisão de

profissionais foi ofertada pela SMS inicialmente aos psicólogos que se inseriram nas UBS, e

posteriormente, àqueles profissionais dos serviços especializados em saúde mental.

Na capital do estado, os supervisores começaram sua prática a partir da demanda

gerada pela inserção dos psicólogos na atenção básica, onde a supervisão foi um

dispositivo ofertado pela SMS-Natal para discussão dos casos atendidos por psicólogos nas

Unidades de Saúde.

Com uma psicóloga e psicanalista37 na coordenação municipal de saúde mental nos

anos 1990, vislumbrou-se a necessidade de as equipes dos novos CAPS/NAPS terem

supervisão. Então os psicólogos supervisores dos profissionais de psicologia foram

convidados para serem supervisores das equipes recém-constituídas. Assim, em meio à

criação dos serviços NAPS, o mesmo grupo de profissionais que supervisionava psicólogos

que atuavam na atenção básica na cidade de Natal passou a supervisionar as equipes de

saúde mental dos NAPS.38

37

Membro da Escola Freudiana de Psicanálise e da Sociedade Psicanalítica da Paraíba. 38

Informação obtida junto à coordenadora de saúde mental da cidade dos anos 1990.

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170

Na década de 1990, é importante considerar ainda que diversas pesquisas

apresentaram análises sobre a inserção dos psicólogos na saúde pública. As pesquisas no

contexto norte-rio-grandense indicaram que a prática profissional do psicólogo ainda era

muito fundamentada na ideia de indivíduo, com o predomínio de atividades

psicoterapêuticas incoerentes com as novas demandas dos serviços (YAMAMOTO;

SIQUEIRA; OLIVEIRA, 1997; DIMENSTEIN, 2001; YAMAMOTO et al., 2003). Tais análises

foram também observadas no contexto brasileiro, em que, apesar das mudanças

significativas produzidas no campo da saúde mental, poucas alterações aconteceram na

formação universitária desses profissionais em nível dos cursos de graduação. Nessa

formação, apresenta-se como hegemônico a prática profissional liberal centrada no

consultório particular e pelos paradigmas convencionais do saber psi (VASCONCELOS,

2008; PAULIN; LUZIO, 2009).

Diante desse formato de supervisão, questionamos: que tipo de supervisão

começou a ser ofertada às equipes dos serviços NAPS/CAPS? Não estariam atravessadas

pelas características da atividade profissional da psicologia à época? Não seria a

encomenda pela supervisão clínica uma reafirmação do mesmo tipo de supervisão

ofertado antes aos psicólogos das UBS?

Em relação ao contexto estadual mais amplo, no ano de 2005, quando da posse da

coordenação39 estadual de saúde mental (2005-2011), foram feitas visitas aos doze CAPS

existentes até então no estado, e constatou-se que era de supervisão que esses serviços

precisavam. A coordenação estadual não tinha conhecimento, nessa época, de qualquer

trabalho de supervisão clínico-institucional em CAPS no estado e no Brasil. Assim, foi a

partir da sensibilidade desse coordenador de saúde mental sobre as demandas dos CAPS e

da sua experiência como analista que se partiu para uma encomenda direcionada para

supervisores convidados. Nesse período, a estruturação da supervisão emergiu no RN com

base na importância que ela tem no tripé básico da formação do analista (estudos

teóricos, análise e supervisão).

39

Dados fornecidos pela ex-coordenadora estadual de saúde mental do estado, integrante da Escola Brasileira de

Psicanálise.

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171

Para fortalecer essa rede CAPS do estado, a coordenação estadual de saúde mental

convidou um grupo de profissionais, que tinham experiência com a clínica e que estariam

dispostos a adaptá-la à saúde mental para serem supervisores clínico-institucionais desses

CAPS. Os supervisores pertenciam às associações de psicanálise do estado e da Paraíba.

Desses, nem todos tinham experiências em CAPS e nem no campo da saúde pública.

A região de saúde na qual realizamos a intervenção sofreu uma intervenção

ministerial a partir de 2005. Com as denúncias de maus tratos e da responsabilização do

hospital psiquiátrico pela morte de um paciente, o MS começou a implantar uma rede

substitutiva ao hospital psiquiátrico, com a formação de uma rede regional de saúde,

culminando na instalação de um CAPS III em 2009 (DIAS; FERIGATO; BIEGAS, 2010). Foi a

única região do estado que chegou a extinguir um hospital psiquiátrico.

De acordo com a representante da coordenação estadual de saúde mental da

época, foi realizado um estudo sobre as cidades que mais internavam pacientes. A partir

dessa identificação, procedeu-se ao fortalecimento dessa rede substitutiva. A supervisão e

as formações foram planejadas com essa finalidade, sendo essas últimas alinhadas àquilo

que emergia nas supervisões clínico-institucionais.

Então, percebemos que a supervisão constituída à época associa-se a um marco

teórico específico, a um tipo de profissional supervisor, com uma encomenda clara de

trabalhar a clínica nos novos serviços de saúde mental. Porém, no caso da coordenação

estadual, ela se articulava profundamente ao planejamento centrado na gestão regional,

integrando e alimentando um sistema de redes regionais e de formação para os

trabalhadores.

4.2 A SUPERVISÃO NO RN A PARTIR DOS EDITAIS MINISTERIAIS

Com a publicação da portaria e o início do financiamento federal, alguns desses

mesmos supervisores continuaram a desenvolver suas atividades, e outros não. A partir

dos resultados veiculados pelo MS, construímos um quadro com os editais, a região de

saúde, os CAPS contemplados e a respectiva cidade de localização.

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QUADRO 2 Projetos de supervisão contemplados pelo Ministério da Saúde no RN

Edital/ano Região de Saúde Cidade CAPS

II/2007

2ª Região

Mossoró

CAPS I

CAPSad

4ª Região Currrais Novos CAPS II

Parnamirim CAPS II

7ª Região Natal CAPS II

São Gonçalo Do

Amarante CAPS II

III/2008

4ª Região Parelhas CAPS I

5ª Região Santa Cruz CAPS II

6ª Região Pau Dos Ferros CAPS II

7ª Região Natal CAPSad

IV/2009

1ª Região São José CAPS I

4ª Região Caicó CAPS I

7ª Região Natal CAPS II

8ª Região Assú CAPS I

V/2010

2ª Região Areia Branca CAPS I

4ª Região Jucurutu CAPS I

VI/2010

2ª Região Areia Branca CAPS I

Mossoró

CAPSad

4ª Região Parelhas

CAPS I

7ª Região Natal CAPSad

Natal CAPSi

Fonte: Coordenação Nacional de Saúde Mental. Elaboração própria.

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173

Ao todo foram 21 projetos de supervisão contemplados com recursos, contando

com a participação de dezesseis supervisores. Sobre a formação básica desses

profissionais, a maioria deles são psicólogos (treze), com exceção de três profissionais (um

psiquiatra e dois terapeutas ocupacionais).

No âmbito da pós-graduação lato sensu, as especializações se concentram em

teoria psicanalítica, existindo ainda especializações em saúde pública e saúde mental,

quando foram encontradas. Em nível strictu sensu, dez pessoas têm mestrado com

formação diversa – Letras, Psicologia, Psicologia Clínica, Ciências Socais, Saúde Pública,

Filosofia e Educação. Alguns supervisores possuem doutorado (seis), e as áreas são

Psicologia Clínica, Saúde Pública, Letras e Saúde Coletiva.

Esses profissionais, em sua maioria, possuem vinculação com escolas de formação

em psicanálise (dez), a saber: Escola Brasileira de Psicanálise (cinco), Escola de Psicanálise

dos Fóruns do Campo Lacaniano (três), Escola Freudiana de Psicanálise (um), formação em

psicanálise sem especificação de escolas (um). Outra observação importante é que os

únicos profissionais não psis, ou seja, os profissionais terapeutas ocupacionais foram

selecionados apenas a partir do ano de 2010.

De acordo com a avaliação do ex-coordenador de saúde mental do estado em

entrevista no ano de 2013, a forma de financiamento escolhida pelo MS para as

supervisões atrapalhou a estruturação da política de supervisão no estado. Quando o MS

começou com os editais, o estado vinha construindo um grupo de supervisores, com

formações para esse grupo. Além disso, vinha construindo justificativas com a finalidade

de obter financiamento estadual para a contratação desses profissionais sem a

necessidade de um concurso ou de uma licitação. Por ocasião da publicação dos editais a

partir de 2005, o estado não conseguiu dar continuidade à política que vinha sendo

construída, e o financiamento dado diretamente ao município provocou, em muitos casos,

a não aplicação desse recurso pela dificuldade de compreensão da importância da

supervisão.

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174

No próximo item, irei apresentar e analisar um processo de supervisão vivenciado

em uma cidade do interior do estado do RN. Nós tentaremos analisar as encomendas e

demandas na supervisão desenvolvida.

4.3 OS MEANDROS DE UM PROCESSO DE SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL E DA RAPS

A encomenda da supervisão surgiu em novembro de 2010, a partir de um convite

da representação do MS do Nordeste para participar de uma seleção para projetos de

financiamento de supervisão em saúde mental. Contudo, foi enfatizado que a supervisão

seria para a rede de saúde mental e não apenas restrita ao CAPS.40

Esse convite originou-se da publicação do edital Supervisão VI – Ad, de 2010

(BRASIL, 2010), no qual consta que o objetivo da supervisão seria possibilitar um

espaço de discussão e de estudo das equipes técnicas dos diversos serviços que

compõem a RAPS, a respeito dos casos clínicos, dos projetos terapêuticos, da dinâmica

dos serviços, das articulações com o território onde o CAPS de referência se situa, dos

processos de trabalho, da gestão e da clínica na perspectiva intersetorial. Para

identificar melhor a encomenda, realizamos, ainda no período da seleção, uma reunião

com a coordenadora do CAPS indicado para conversar acerca das dificuldades e das

necessidades do serviço.

O convite era para dar supervisão em um CAPS I da 2ª região. Na ocasião,

agendamos um encontro com a coordenadora do serviço e conversamos sobre as

necessidades dele. Em dezembro do mesmo ano, foi divulgado o resultado e o projeto foi

aprovado. Porém, quando o resultado foi publicado, um problema ocorreu. Nos

documentos referentes ao resultado da seleção, para a nossa surpresa, nosso nome estava

em dois projetos de supervisão de CAPS I, um na 2ª e o outro na 4ª região de saúde. Isso

foi recebido com surpresa, pois não havíamos tido qualquer contato com o CAPS da 4ª

40 Nessa ocasião, já sabíamos que iríamos residir fora do estado do RN e colocamos isso como possível problema,

o que foi rechaçado porque outros supervisores também não residiam no estado.

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175

região. Dessa forma, tivemos inicialmente duas encomendas. Uma partiu da

representação do MS e a outra partiu da coordenação do CAPS da 2ª Região.41

O financiamento ocorreu inicialmente em março de 2011 apenas para o CAPS da 4ª

região. A coordenadora do serviço fez o contato agendando a primeira reunião de

supervisão. Nesse primeiro momento, seria necessário analisar as demandas da equipe

desse CAPS, bem como analisar o significado que os profissionais atribuíam ao dispositivo

supervisão.

Sobre a encomenda em socioanálise, Lourau (1993) afirma que a encomenda tem

origens em demandas individuais e dos grupos. Ele analisa que

[o]s responsáveis, as pessoas que têm autoridade para requerer uma intervenção que, enfim, passam a encomenda, também têm demandas individuais. Portanto, existe uma grande diversidade e muitas contradições entre todas as demandas possíveis da população envolvida (LOURAU, 1993, p. 31).

O pedido de intervenção ocorre na medida em que os organizadores traduzem

essas demandas em uma encomenda que lhes permita entrar em contato com a equipe

interventora.

Assim, atualmente temos clareza de que a confusão em torno das encomendas, ou

seja, a encomenda da representação do MS para um CAPS e para uma supervisão de rede,

a negociação com a coordenação de um CAPS (2ª Região), e o início do processo de

intervenção em outro CAPS (4ª Região), junto às demandas conflituosas que emergiram no

processo de supervisão, entre outros atravessamentos, tal como o histórico de supervisão

no serviço e no estado do RN, levaram a conflitos que acompanharam a supervisão ao

longo de todo o seu processo.

Quanto às demandas na intervenção, consideramos as “solicitações, carecimentos

e desejos dos participantes do grupo com o qual se vai trabalhar. Mas que, inicialmente

afinadas com a encomenda, podem sofrer mudanças no decorrer do processo de

41 Alguns meses depois, o financiamento da supervisão desse CAPS foi fornecido ao município. O CAPS vinha sendo

acompanhado por outra supervisora e nós estávamos acompanhando o CAPS da 4ª região. Então redefinimos em comum acordo com a coordenação do serviço e sua supervisora o nome do supervisor do projeto junto ao MS.

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intervenção” (L’ABBATE, 2012, p. 200). Desse modo, o processo de supervisão norteou-se

pela análise constante das demandas apresentadas pelo grupo, considerando que as

demandas podem ser diversas e que a encomenda pode expressar uma “traição a essas

demandas” (LOURAU, 1993, p. 31), uma vez que expressam parcialmente seu conjunto

heterogêneo.

4.3.1 Primeiro momento: discussão da demanda e encomenda junto à equipe do CAPS

Durante o debate da encomenda e das demandas, no primeiro encontro,

realizamos um diálogo sobre as propostas e metodologias de trabalho junto à equipe,

enfocando principalmente que o processo de supervisão seria realizado a partir de

discussões de casos, da análise dos processos de trabalho e englobando diferentes

serviços da rede de saúde e intersetorial.

Ao levantar as expectativas da equipe sobre o processo de supervisão, eles

mencionaram que estavam sem supervisão há três meses, e que anteriormente a

supervisão era realizada desde a fundação do CAPS por um mesmo profissional, com a

fundamentação teórica da psicanálise,42 centrada no estudo de caso. Esse profissional

teria saído da supervisão justificando para a equipe e para a coordenação estadual que a

equipe se habituou a seu modo trabalho e que seria interessante a mudança de

supervisor.

Algumas questões e dúvidas foram levantadas sobre o referencial teórico a ser

utilizado, principalmente por parte da psicóloga do serviço, quanto a se seria válida uma

supervisão sem o referencial teórico da psicanálise. De acordo com uma das profissionais

do serviço, a psicanálise ou você ama ou você odeia.

Os demais trabalhadores se posicionaram, tiraram suas dúvidas, mas não se

opuseram a uma supervisão em outra perspectiva teórica e metodológica. No entanto, a

questão da supervisão com um norte diferente da psicanálise ressurgiu diversas vezes ao

42 Membro da Escola Brasileira de Psicanálise da Paraíba. Esse profissional havia sido indicado, inicialmente, por

meio da coordenação estadual de saúde mental, com a qual mantinha diálogos sobre a supervisão desenvolvida.

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longo do processo de supervisão. Em relação às pontuações relacionadas à gestão da

equipe, uma profissional de nível médio destacou que isso raramente havia sido abordado

na supervisão anterior, demonstrando a relevância de tal discussão para os trabalhadores.

No sexto encontro de avaliação da supervisão, outra trabalhadora explicou ainda

que o supervisor anterior trabalhava com o transtorno até doer o juízo, explicando que o

enfoque era na questão sintomatológica e na ênfase dos profissionais em trabalharem

com a sintomatologia. Mas explica, comparando uma supervisão e outra, que cada um

tem um modo de trabalhar diferente. A psicóloga e uma das assistentes sociais do serviço

explicaram ainda que sentem falta de mais discussões de casos clínicos. A psicóloga diz

que através da discussão do caso clínico se consegue avançar bastante no atendimento.

Nesse momento, compartilhamos num processo de restituição ao grupo, do

porquê nos últimos encontros termos trabalhado mais os processos de trabalho.

Restituímos ainda nossa preocupação em discutir os casos atendidos pela rede de

serviços, e apontamos ainda que planejamos e combinamos algumas atividades para os

encontros, mas eles vinham demandando em supervisão outros diálogos diante do

momento que o serviço vinha vivenciando.

Lourau (1993) explica a importância de nesse primeiro momento analisar a(s)

encomenda(s) e demanda(s) em uma assembleia geral, fazendo um primeiro momento de

restituição com o grupo. Nessa ocasião, devem ser explicitadas as encomendas feitas à

equipe de intervenção, para começar o processo analítico. Acreditamos que teria sido mais

produtivo se na intervenção realizada, nesses momentos iniciais, tivéssemos realizado de

maneira mais cuidadosa a análise da própria encomenda, da restituição e da análise

coletiva da encomenda, com o intuito de elaborar melhor as demandas da equipe acerca

da supervisão e a oferta do próprio dispositivo.

No entanto, Lourau (1993) chama atenção para a produção não apenas da

encomenda, mas também das várias demandas que são “elaboradas por esse mesmo

processo” (p. 33), durante a intervenção. Tínhamos a impressão de que o estranhamento

da equipe por não centrar no caso clínico de forma permanente se dava porque eles

tinham uma ideia divergente do que deveria ser abordado no dispositivo supervisão.

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Assim, no início desse processo, apostamos em um dispositivo supervisão que poderia ir

produzindo outras demandas de análise, possibilitando a autoanálise do grupo, ampliando

os coeficientes de transversalidade junto à equipe. Assim é que colocamos em análise as

demandas relacionadas à gestão do serviço que refletiam os impasses vivenciados pela

equipe naquele momento.

4.3.2 Os dilemas vivenciados na equipe acerca de sua gestão

O processo de análise sobre a gestão do serviço compreendeu um movimento

entre a dificuldade da equipe de assumir as suas decisões (autogestão ou cogestão) e a

heterogestão. A análise desse movimento instituído-instituinte se fortaleceu na medida

em que houve o processo de restituição acerca dos rumos que a intervenção vinha

tomando.

Contextualizando essa discussão, desde o início do processo de supervisão eram

explicitamente discutidas algumas dificuldades na gestão do trabalho em equipe, como o

conflito entre o novo secretário de saúde e a coordenação do serviço que resultou na sua

saída do serviço, ficando apenas o administrador.

O coordenador ocupava essa função praticamente desde o início do funcionamento

do serviço e era o único membro concursado da equipe. No primeiro encontro, foi

discutido que o coordenador sempre fazia tudo com muita agilidade, de forma dinâmica, o

que diminuía a autonomia e possibilidade de participação de outros profissionais do

serviço, ao mesmo tempo em que sobrecarregava o coordenador. Esse conflito retornou

diversas vezes durante a supervisão influenciando bastante os rumos da intervenção.

Sobre as reuniões de equipe, o atual administrador do serviço, indicado para

assumir a coordenação, apontava que os trabalhadores não se dispunham a participar das

reuniões, afirmando não haver nada para ser discutido. Outras dificuldades foram se

apresentando tais como as condições de trabalho, em que os profissionais de nível

superior tinham múltiplos vínculos empregatícios, não podendo assim estar todos os dias

no serviço.

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Então a equipe debateu sobre quais seriam as características do papel do

coordenador e do papel da equipe e um dos trabalhadores afirmou que um coordenador é

como um maestro que vai conduzindo e dando ritmo à equipe, e que isso é importante e o

administrador tem um papel mais burocrático. Nesse sentido, a equipe do CAPS começava

a construir coletivamente a função de coordenação do serviço.

Encontramos aí uma dificuldade de o grupo construir estratégias de autogestão,

terminando por responsabilizar um outro, uma figura central, por essa dificuldade. Onocko

Campos (2007) retoma Pichon-Rivière sobre a função do coordenador de manter o grupo

triangulando com a tarefa e, nesse sentido, operando. A equipe seria formada por pessoas

diferentes, e o que irá diferenciar a gestão tradicional de uma democrática é que na

primeira o sujeito é chefe, e na segunda o sujeito está coordenador, exercendo uma

função que pode ser rodiziada.

Paralelo a isso e relacionada à gestão do serviço, vimos ainda a importância de

construir formas de gestão que propiciassem a participação dos usuários e familiares na

avaliação das atividades do serviço. Assim, foi proposto (e realizamos) a avaliação das

atividades do serviço através de dispositivos como assembleias, que propiciaram a

expressão dos trabalhadores e usuários do serviço.

Apostar em processos autogestivos, nos quais os coletivos começam a reapropriar

do seu cotidiano e dos saberes neles envolvidos, implica em adotar estratégias de

horizontalização, entrando em um processo autoanalítico, construindo sujeitos

protagonistas na construção da realidade (BAREMBLITT, 2002).

Identificamos ainda o analisador gestão municipal que revelou a relação que a

equipe do CAPS mantinha com a gestão municipal, frente às ordens estabelecidas de

forma vertical e pouco dialogada e negada por um instituinte de maior diálogo e relação

de apoio entre a equipe e a gestão.

Desde os encontros iniciais, a equipe mostrava-se bastante angustiada diante da

mudança do secretário de saúde do município, e consequentemente, diante das alterações

provocadas no CAPS e na rede de saúde.

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No terceiro encontro, a equipe do CAPS assinalou as suas dificuldades,

responsabilizando a Secretaria de Saúde pela falta de medicação psicotrópica, problemas

no transporte de alguns usuários em crise do CAPS I para CAPS III na cidade vizinha,

dificuldades no estabelecimento de diálogo com o secretário.

Ao longo dos debates, fomos problematizando a relação da equipe com o

secretário de saúde e foi percebido que o obstáculo apontado pela equipe era a ausência

de diálogo por receio de represálias. Percebemos que a reação da equipe diante das

questões explicitadas era o silenciamento. Isso era agravado pelo fato de nenhum

trabalhador ser concursado e porque a política em cidade do interior é difícil, como

explicado por uma das trabalhadoras. Questionamos um pouco se as coisas deveriam ser

aceitas dessa maneira, se não haveria outro modo de agir, tentando dialogar mais com a

gestão central.

Algumas alternativas de resolução da situação foram pensadas pela equipe: uma

vereadora do município foi acionada para mediar um diálogo; o administrador vigente e a

equipe do CAPS sugeriram trazer o secretário de saúde para dialogar durante a supervisão;

e assim o secretário de saúde foi convidado para a supervisão seguinte, momento de

restituição e avaliação do trabalho. Ele se disponibilizou prontamente a participar do que

fosse necessário. Nesse encontro, levantamos o histórico do que tinha acontecido nos

primeiros seis meses de supervisão, as dificuldades que foram enfrentadas e,

principalmente, apontamos a dimensão instituinte que víamos ser possível em meio

àquele conflito, a partir de: reuniões constantes com o secretário, possibilidade de escolha

da própria equipe sobre a coordenação (e não por indicação da Secretaria de Saúde), etc.

O secretário de saúde justificou suas decisões, explicando as dificuldades do último

ano, principalmente financeiras, e evidenciou aquilo que foi possível realizar dentro dos

limites, identificando as ofertas de atendimento que a prefeitura vinha estimulando, e

quais os avanços já conquistados nesse período.

Além das necessidades anteriormente explicitadas, a equipe tomou a fala e

sublinhou a necessidade de contratação de uma arte-terapeuta e reforçou os problemas já

mencionados. O secretário retomou a palavra, afirmando poder contratar uma arte-

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terapeuta, o que foi feito logo depois da supervisão. Afirmou também estar de acordo com

o fato de a equipe escolher um novo coordenador, mas pedia que o comunicassem sobre a

decisão. Ele acordou ainda que a equipe planejasse suas atividades, e caso precisassem

envolver outras secretarias, afirmou a importância de ele estar à frente para articular e

viabilizar parcerias, apoiando as iniciativas do CAPS. Porém, solicitou enfaticamente que

houvesse planejamento das atividades de acordo com as necessidades que os usuários

apresentassem.

Nesse momento, acreditamos que, para a continuidade do trabalho, seria

necessário vivenciarmos um processo de cogestão, com escuta e acordos políticos

construídos mutuamente durante a supervisão.

Nesse analisador apareceram as dificuldades de negociação com a gestão

municipal acerca dos rumos e da autonomia do serviço. Nesse sentido, os estilos de gestão

e de atendimento da organização CAPS são influenciados por traços culturais da

administração brasileira, com aspectos que tendem a facilitar a prática de valores nem

sempre democráticos e a reprodução de uma lógica corporativista (VIEIRA FILHO;

NÓBREGA, 2004).

Vieira Filho e Nóbrega (2004) indicam que a análise das contradições vivenciadas

nos serviços e a possibilidade da desconstrução-reconstrução institucional favorecem o

surgimento de caminhos alternativos para as novas práticas de atendimento, com

possibilidade de criação e invenção institucional.

A democratização da gestão precisa vir acompanhada de algumas mudanças no

perfil dos gestores, com habilidades como a capacidade de arbitrar, lidando com a

dimensão do encontro nos ambientes técnicos e humanos e de gerir a dimensão histórica

e singular de cada situação (SANTOS-FILHO; BARROS, 2007). Acredito que o dispositivo

supervisão auxiliou no desenvolvimento de habilidades gestoras que favoreceram a

relação de apoio necessária nesse momento singular vivenciado pela equipe.

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4.3.3 O estudo de casos clínicos e a construção dos PTS

Diversas vezes, alguns profissionais da equipe solicitavam explicitamente a

discussão de casos na supervisão, mas ao longo dos encontros traziam muitas outras

demandas. No início da intervenção, as instituições até então invisíveis foram se

insinuando cada vez mais fortemente, provocando um movimento analítico. “O estudo do

caso clínico” foi um analisador importante que revelou, a nosso olhar, diversos conflitos,

colocando em questão o funcionamento da equipe, a formação dos profissionais, o CAPS e

a própria supervisão.

Em relação ao cuidado desenvolvido, escolhemos trazer aqui a situação de um

usuário caracterizado como de álcool e outras drogas, que trouxe muitos dissensos às

discussões. O atendimento aos usuários de álcool e outras drogas aparecia diversas vezes

como problema para a equipe.

Em uma das situações que mais preocupava a equipe no período da supervisão,

este usuário tinha em torno de 40 anos e residia com a mãe idosa, que também

apresentava um sofrimento psíquico grave. A mãe recusava a presença do CAPS e afirmava

que o serviço fazia mal a seu filho. Ele, por sua vez, cuidava da casa, da mãe e de si

mesmo, com muito zelo, de acordo com a própria equipe. Em uma das discussões, a

equipe afirmou que ele apresentava problemas com a polícia. A equipe falava que o

diagnóstico dele era F-20, esquizofrenia, com comorbidade. No prontuário estava

registrado uma internação no hospital psiquiátrico antes de ele ir ao CAPS. Em relação ao

pai, o usuário afirmava que não tinha muito a dizer, mas que o pai, quando vivo, também

bebia e “colocava moral”. No prontuário ainda estava escrito que ele apresentava delírio

persecutório.

Segundo os relatos da equipe, quando o usuário fazia ingestão de álcool, ficava

“xingando” todos a sua volta, inclusive as pessoas da comunidade. Antes dizia apenas que

os outros o provocavam, agora diz que também provocava as pessoas. Antes dizia também

que a “bebida para ele não era problema, era solução”. Uma das assistentes sociais conta

que quando questionado da última vez sobre o uso do álcool, ele afirmara que não sabia

responder se a bebida é problema ou solução.

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Na maioria das supervisões, a equipe se mostrava sempre muito preocupada com o

fato de o usuário apresentar um comportamento agressivo na rua e a população e a

própria polícia responsabilizar o serviço e cobrar da equipe um controle dos atos dele e de

outros usuários de álcool e/ou outras drogas. Por diversas vezes, questionamos qual o

papel do CAPS em um caso como esse, se era de controle ou de cuidado.

Em uma das calorosas discussões acerca do atendimento ao usuário, percebemos

que existia uma divisão no grupo de técnicos a esse respeito. O grupo de técnicos mais

recentes no serviço, no qual estava uma artesã que vinha conseguindo um vínculo com o

usuário, se posicionava a favor da continuidade do tratamento. Retomei a história desse

usuário no serviço, de como ele não aderia anteriormente a nenhuma atividade no CAPS e

como visualizava um avanço no caso na medida em que estaria conseguindo aderir melhor

às atividades falar mais sobre sua situação. Parte da equipe reconheceu os avanços e

reafirmou a perspectiva do acolhimento, e parte da equipe afirmou que ele só quer uma

desculpa para beber.

Em meio à discussão, o coordenador do serviço chama a atenção da equipe e

solicita o silêncio de todos, afirmando que “a supervisora vai dar a resposta agora”. E

ainda, ele dizia que em conversa anterior com o usuário afirmara que iria levar o caso à

supervisão e que depois disso daria uma resposta para ele sobre sua situação. Percebi que

a expectativa deles é que nós déssemos uma resposta de resolução da situação,

reafirmando o que queriam ouvir. Porém, explicamos que não forneceríamos uma

resposta, que estávamos a falar para eles um pouco das nossas impressões sobre o caso,

para com isso discutirmos juntos algumas alternativas.

Nesse sentido, a expectativa era de que a supervisão pudesse responder a como

executar esse controle do usuário. A partir desse dia, passei a refletir com a equipe que o

CAPS vive permanentemente esse lugar instituído socialmente de ter de administrar as

pessoas que demonstram risco social, mas deve procurar cuidar e tratá-las em liberdade. E

quem está na ponta assume esse lugar difícil, e acaba sentindo o peso de ter de fazer

escolhas.

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A equipe se queixava de que as pessoas da cidade falavam mal do grupo,

questionavam seu modo de fazer, tendo em vista que o usuário quando saía do CAPS ia

beber na rua. A equipe se questionava se era função dela estabelecer uma superproteção

do usuário.

Uma observação acerca de nossos estranhamentos quando chegamos às primeiras

supervisões. Logo que chegamos ao serviço, percebemos que as pessoas da cidade, por

ela ser muito pequena, culturalmente mantinham relações pessoais e de trabalho

bastante entrelaçadas. Era comum que os profissionais trouxessem relatos de encontros

com os usuários em momentos de passeio pela praça da cidade, pelo açude, na rua, o que

permitia acessar diretamente o que os usuários faziam fora do serviço. Além disso, era

muito comum, nas discussões, que a fala da comunidade entrasse com mais força no

serviço, tendo em vista que os profissionais eram comumente os vizinhos ou mesmo

amigos de vizinhos dos usuários, de modo que tudo era sabido. Assim, o incômodo da

comunidade diante da circulação do usuário na cidade adentrava o CAPS profundamente,

de maneira que tal demanda por controle tornou-se uma demanda dos próprios

profissionais do CAPS.

Assim, encontramos dificuldades em pôr essa questão em análise, pois quando

discutíamos a construção de PTS, de maneira geral, percebíamos problemas relacionados à

continuidade dos atos assistenciais pactuados nas discussões dos PTS. Quando tentávamos

colocar isso em análise, algumas justificativas apareciam, principalmente relacionadas ao

tudo-fazer de todos, “aqui todos fazem tudo” (coordenador do serviço), e assim não seria

necessário realizar a pactuação da organização dos atos assistenciais através, por exemplo,

do técnico de referência. Assim, a construção de uma linha de cuidado no serviço era difícil

de ser feita.

Na supervisão clínico-institucional, Luzio (2010) ressalta que diversas vezes os

[…] profissionais, embora destaquem formalmente a importância da supervisão institucional, deixam transparecer as demandas pessoais de supervisão de casos, de acordo com seus enquadres teóricos, sem levar em conta o contexto institucional, isto é, o serviço, a rede, a gestão, a política pública (LUZIO, 2010 p. 113).

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Durante a supervisão, ao mesmo tempo em que tentávamos problematizar o lugar

de controle em que a sociedade queria colocar o CAPS, havia uma demanda por uma

verdade absoluta sobre a situação do usuário, de como fazê-lo parar com as brigas que

causava na rua. Em relação aos usuários com uso problemático de drogas, Tedesco e Souza

(2009) analisam os modos de conceber a clínica, apontando que quando se parte da

perspectiva de que o principal investimento deve ser a abstinência, o foco do tratamento é

a droga como provocadora de todos os males, e a participação ativa do usuário no

processo é completamente excluída. Nesse contexto, o tratamento passa a ter como única

estratégia possível a “criação ou intensificação de força psíquica e, ou, moral de rechaço ao

‘mau hábito’, força de oposição ao forte e danoso elo entre usuário e droga” (p. 146).

Assim, em virtude das campanhas proibicionistas vigentes, entendemos há uma

forte demanda socialmente construída para que os CAPS se posicionem em uma lógica de

controle dos usuários e funcionem na lógica da abstinência. E isso chegou à supervisão sob

a demanda também por uma supervisão de controle, autoritária, que desconsiderasse a

participação e o desejo do próprio usuário.

As práticas centradas no modo asilar e de atenção psicossocial estavam em

constante disputa e adentravam o espaço de supervisão, em que no modo asilar a forma

de relacionar-se com a clientela é controlando os considerados desviantes ou buscando a

cura, para assim “devolver” o usuário à sociedade (COSTA-ROSA, 2000). O CAPS, ao

funcionar de acordo com o modo psicossocial, deve ter como postura ética selecionar

essas demandas sociais, não lhes responder da mesma maneira, promovendo a escuta e a

participação do usuário no processo de cuidado, e o respeito às diferenças no meio

comunitário.

Por isso, era essencial trabalhar com essas múltiplas vozes e implicações que

adentravam o espaço do CAPS, de modo a buscar um caminho de desvio, e não de

captura. Algumas intervenções eram feitas pela equipe no sentido de construir esse

diálogo com a comunidade, mas após a mudança da gestão do serviço, como foi visto no

item anterior, isso estava difícil de acontecer.

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4.3.4 A supervisão como espaço de formação: formação ou capacitação?

Inicialmente, foi acordado por proposição da coordenação do serviço que parte do

recurso fosse destinado à compra de material (livros e apostilas) para a formação dos

profissionais, o que não aconteceu. Diversas dificuldades ocorreram, de modo que a falta

de discussões teóricas tornou-se uma das principais dificuldades vivenciadas ao longo do

processo de supervisão.

Nesse período, diante das demandas para discussão em torno das situações

relacionadas ao uso de álcool e outras drogas, sugeríamos textos que poderiam ser

pesquisados virtualmente ou até mesmo disponibilizados diretamente, mas a equipe, em

sua grande maioria, não lia os textos indicados, justificando não ter tempo para a leitura.

Isso dificultava muito o processo de discussão e problematização coletiva. Dessa maneira,

inúmeras vezes, diversas interrogações surgiam para nós sobre como fortalecer a

formação no dispositivo supervisão. As discussões teóricas sobre clínica e redução de

danos que aconteceram, quando ocorreram, restringiram-se à apresentação por parte da

supervisora, o que gerava muitos incômodos e angústias de nossa parte. Diante desse

incômodo, resistíamos em dar continuidade a uma formação “capacitação”.

Destacamos a necessidade de que a equipe possa ter no seu cotidiano espaços de

discussão, de formação, de estudos para possibilitar uma ampliação na capacidade de

análise sobre os problemas vivenciados. Uma das dificuldades para isso é que,

hegemonicamente,

[…] na maioria dos municípios, ainda persiste a velha lógica de treinamento para situações específicas de saúde, em que participam alguns trabalhadores. Estes, na condição de representantes do serviço ou do município, teriam no máximo a atribuição de, ao retornar para a unidade, repassar o treinamento recebido para os demais profissionais (LUZIO, 2010, p. 114).

Onocko Campos (2012) destaca que o modo de formação na supervisão deve ser

sempre transmitir uma forma de conhecer e não um saber pronto, sendo o modo de

conhecer e o próprio conhecimento algo processual, e a formação “se dá também pela

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experiência” (p. 170). A autora aponta que essa forma de conhecer torna-se um problema

por não ser o modo hegemônico de conhecer, e assim o trabalho do supervisor deve ser

“valorizar esse saber que advém da experiência do encontro com o paciente” (p. 170).

Desse modo, delineia-se uma “clínica intersubjetiva, que não se dá na relação dual,

privada, mas que é efeito de um encontro complexo que envolve pacientes, profissionais,

instituição e território” (ONOCKO CAMPOS, 2012, p. 170).

Ao explorar a multiplicidade e heterogeneidade de vozes e relações, conseguimos

ir visualizando outros saberes que foram compondo o movimento instituinte nas situações

vivenciadas. No entanto, tínhamos a impressão de existir uma expectativa em torno do

saber acerca dos casos clínicos e da patologia, e de uma resposta absoluta para resolução

dos problemas que deveria ser dada por parte do supervisor.

4.3.5 A construção do cuidado em redes (inter)municipais: dilemas entre rivalidades e

cooperação

No que diz respeito à supervisão em rede, diversas dificuldades foram surgindo,

pois com a mudança da coordenação do serviço CAPS seu antigo coordenador assumiu um

cargo no NASF. Dessa maneira, relações de competição acabaram acontecendo entre o

CAPS e o NASF. Existia demanda de supervisão em saúde mental por parte das duas

equipes, mas as rivalidades tomavam o lugar do compartilhamento de responsabilidades

necessárias nas supervisões de rede.

Ao final do primeiro dia com as duas equipes, ainda no primeiro semestre de

supervisão, percebemos que havia um receio da equipe do CAPS de ficar sem a

supervisão. Programamos um dia de supervisão dividido em dois turnos, em um deles um

encontro com a equipe do CAPS e no outro um encontro com a equipe do NASF. Fizemos

isso por perceber que era necessária uma aproximação maior, naquele momento, junto ao

NASF, uma redefinição de sua função na rede, e ainda porque mediante a presença da

equipe do NASF, a equipe do CAPS silenciava, incomodava-se, inquietava-se e não

participava da reunião. Assim, pensamos em inicialmente garantir um espaço de escuta

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para os dois grupos para alinhar suas funções na rede de saúde e promover o

fortalecimento das equipes. Em reuniões posteriores, realizamos encontros conjuntos

entre o CAPS e o NASF para que as duas equipes pudessem se integrar e construir relações

de cooperação.

As relações de disputa estavam acontecendo desde a mudança da Secretaria de

Saúde e de coordenação do serviço. O atual coordenador do NASF foi coordenador do

CAPS, e saiu porque discordava da forma de administração de recursos financeiros pela

Secretaria de Saúde. Sabíamos, por informações através de observações, que a equipe do

NASF alegava que a equipe do CAPS não funcionava, e ainda afirmava que o novo

coordenador não tinha coragem de enfrentar o secretário de saúde. Enfim, com essas

acusações, as equipes mantinham uma relação marcada pela desconfiança, que terminava

por atrapalhar a construção das pactuações conjuntas no cuidado.

As disputas foram parcialmente superadas em alguns momentos, e alguns casos

puderam ser compartilhados, com estratégias de trabalho sendo traçadas, como foi o caso

já relatado do usuário com problemas relacionados ao álcool. A articulação do CAPS com o

NASF foi essencial para produzir um cuidado à família, e foram compartilhadas estratégias

de cuidado da mãe do usuário. A mãe acreditava que o CAPS fazia mal a ele, e por isso,

após uma discussão conjunta do caso, os profissionais conseguiram uma pessoa da família

que auxiliou no cuidado medicamentoso da mãe. No entanto, o acompanhamento efetivo

do desenrolar da situação não ocorreu porque os profissionais do CAPS queriam ter

supervisão centrada na ideia do caso clínico.

Acerca do papel do NASF, percebíamos que existiam confusões quanto à sua frente

na atenção básica, de forma que essa equipe acreditava que a atenção básica não tem

cumprido a parte de prevenção das ações e o NASF veio na rede preencher essa lacuna.

Então, nos encontros com o NASF e CAPS, falamos da necessidade de convocar a atenção

básica e estimular, através do matriciamento, o atendimento em saúde mental nesse nível

de atenção. Um dos profissionais mencionava que isso era impossível de ser feito, mas

outros profissionais da equipe acreditavam na aposta.

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De acordo com o Plano Estadual de Saúde de 2012 a 2015, no estado do RN houve

significativo aumento de equipes NASFs, passando de nove equipes em 2008 para 51

equipes em 2011 (33 do tipo 1, cinco do tipo 2 e treze na forma de consórcios

intermunicipais). Apesar desse aumento, o que se verificou foi que na grande maioria das

vezes o trabalho não vinha sendo inspirado na perspectiva do apoio matricial, havendo

uma enorme necessidade de discussão sobre o papel do NASF na rede (RIO GRANDE DO

NORTE, 2013).

Dessa maneira, no encontro de avaliação ocorrido no final do primeiro semestre de

supervisão, o psicólogo do NAFS apontou que a supervisão tinha se tornado um espaço

importante, pois os profissionais precisavam dessa assistência, dessa escuta, de formação,

e afirmou que já sentia os efeitos positivos da ação do NASF na saúde mental, pois em um

grupo formado junto aos usuários da atenção básica os profissionais já percebiam a

diminuição do uso de psicotrópicos pela comunidade. Outra profissional dessa equipe

assinalou ainda a importância da supervisão para que o NASF entendesse melhor seu

papel em relação à rede de saúde mental e para desconstruir sentimentos de medo que

antes ela tinha em relação às pessoas que sofrem de transtornos mentais. Uma ACS

também afirmara como ela tinha aprendido a desenvolver algumas intervenções a partir

do trabalho conjunto com o NASF.

Em relação ao cuidado nas redes intermunicipais, muitas interrogações surgiram ao

longo do processo de supervisão acerca da continuidade da assistência, principalmente

aos usuários que estavam em crise e precisavam de um cuidado intensivo. Elas se

insinuavam a partir de preocupações como: como fazer com que o usuário do CAPS

continue com sua relação com a família, mesmo no contexto da crise? Como continuar o

trabalho de referência da equipe do CAPS I com o usuário no CAPS III? E ainda, o CAPS III

estaria preparado para atender o usuário em crise em uma lógica antimanicomial?

Preocupações como essas sinalizavam para o desejo com construir uma linha de

cuidado coerente com o modo Atenção Psicossocial. Dias et al. (2010) destacam que um

dos problemas quando uma equipe técnica atende um usuário apenas na crise é que os

referencias terapêuticos criados no PTS do serviço de referência podem perder-se, bem

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como “o contexto da crise, o significado das abordagens, fazendo com que os parâmetros

de melhora se aproximem da avaliação de sintomas psiquiátricos” (p. 75).

Assim, a atenção à crise por equipes diferentes pode levar à perda de um

referencial imprescindível em serviços de atenção comunitária, como a articulação do

contexto com o sofrimento psíquico grave (DIAS et al., 2010). A equipe do CAPS I esbarrava

em muitas dificuldades para que não houvesse a fragmentação do cuidado. Destacamos

duas delas:

(a) A falta de formação profissional da equipe do CAPS III, pois em decorrência do

processo de municipalização a equipe de transição do hospital psiquiátrico para o CAPS III

foi modificada, e a nova equipe não tinha formação sobre as propostas na área da RP.

(b) A dificuldade no transporte para a equipe deslocar-se para o município vizinho

e assim poder acompanhar o processo de internação vivenciado pelo usuário. Em um dos

encontros, em maio de 2011, no início da reunião, uma das assistentes sociais explicou a

situação que a equipe havia vivenciado na noite anterior. Um usuário havia recebido alta a

dois dias do CAPS III da região e não havia disponibilidade de carro para pegá-lo e levá-lo

ao sítio no qual que ele morava. No dia anterior, a assistente social e o administrador

foram apresentar as atividades desenvolvidas no CAPS em outra cidade. À noite, na

viagem de retorno, eles passaram no CAPS III, pegaram o usuário e levaram-no para casa.

Porém, durante a viagem, em decorrência de chuvas intensas e do transbordamento de

um riacho, houve um problema com o transporte, e eles tiveram que andar um trecho no

meio do mato, à noite, sob a luz do celular e sob a guia do usuário.

Nesse trajeto, a assistente social teve muito medo, porém o usuário tentava

acalmá-la ao longo do caminho. Os técnicos falavam da situação rindo, porém expressando

o medo diante disso, e diante do risco de serem atingidos por um raio no meio da noite.

Ficamos extremamente impressionados com a atitude dos técnicos diante do que eles

viveram nessa situação.

A falta de transporte apareceu como uma dificuldade grave vivenciada pela equipe

para assistir o usuário. Então, percebe-se que a equipe lidava com tais situações com

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arranjos, “jeitinhos” para que o usuário pudesse ser minimamente assistido no tempo

necessário.

Voltando à dificuldade de vínculo entre as equipes do CAPS e NASF, Dorigan (2013),

analisando a experiência da Rede Mista de Campinas, afirma que a partir dos encontros

entre as equipes elas podem aumentar seu coeficiente de transversalidade, na medida em

que conseguem perceber seus diferentes pertencimentos institucionais. Além disso, o

encontro é um caminho importante para a convivência com os dissensos e a produção de

novos caminhos. Assim é que por meio das supervisões de rede conseguimos produzir

alguns desvios nas rivalidades entre os serviços, gerando em alguns momentos uma

assistência compartilhada.

O apoio matricial foi fortalecido, na medida em que as discussões na supervisão

propiciaram outras articulações do NASF com a atenção básica, e fundamentados na ideia

de que “o apoio matricial é um arranjo que depende, fundamentalmente, de espaços

coletivos e horizontalizados de discussão e deliberação para se efetivar, bem como do

contato entre os profissionais envolvidos” (DORIGAN, 2013, p. 571). O “entre”, aquilo que

se passa no encontro entre profissionais, pode vir a modificar uma lógica de

funcionamento fragmentado da saúde mental, compondo espaços de apoio e de

aprendizado para um atendimento conjunto em saúde mental.

Além disso, gostaríamos de ressaltar a importância de uma supervisão de rede para

se produzir uma assistência territorializada. No caso da pesquisa feita por Dorigan (2013),

[o] fortalecimento do espaço Rede Mista vem ao encontro das necessidades de um território que apresenta grande contingente de população em situação de vulnerabilidade social, com diversas necessidades sociais, tensionando assim a ampliação da concepção de cuidado em saúde, em especial na perspectiva do trabalho em rede (DORIGAN, 2013, p. 574, grifo do original).

Assim é que o trabalho em saúde mental pode vir a descentrar-se dos

especialismos instituídos na área, para provocar um diálogo com outros saberes vindos de

outros campos de conhecimentos teórico-técnicos e do usuário. Por isso, os espaços de

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encontros de redes precisam ser compostos por parceiros intersetoriais, que possam

auxiliar na produção de um cuidado integral à saúde, e por que não dizer, à vida.

No que se refere à articulação da rede em uma região de saúde, isso se torna um

desafio ainda maior. Conforme Jesus (2013) analisa, a lógica da regionalização

compromete “as práticas comunitárias aplicadas no território do usuário e de sua família”

(p. 513). Para pensar a regionalização, é urgente que se busque construir estratégias para

superar o risco de práticas descontextualizadas e que se pense, minimamente, em espaços

de encontros permanentes entre trabalhadores de serviços de diferentes municípios.

Percebe-se que a gestão da rede de cuidado precisa de mais do que uma coesão

técnica, precisa de que o foco do planejamento saia de “uma lógica prioritariamente

municipal, para um olhar no que se refere à rede de assistências regionais” (DIAS et al.,

2010, p. 88). Deve-se considerar como centro das necessidades, mais que a população do

município, a população da região. Gostaríamos de enfatizar que a supervisão pode vir a ser

um dos dispositivos para auxiliar no fortalecimento de um cuidado em rede municipal e

intermunicipal. Um dentre tantos outros que precisam ser construídos.

4.4 OS “DEVERES” DO SUPERVISOR E A ANÁLISE DE SUAS IMPLICAÇÕES

Ao longo da literatura pesquisada, encontramos diversas indicações importantes

sobre a função do supervisor na Atenção Psicossocial. O supervisor é indicado como um

profissional externo, que atua na mediação da análise coletiva sobre as dificuldades e

diferenças da equipe, de maneira a “ampliar a sua capacidade de análise sobre as

situações complexas” (LUZIO, 2010, p. 113).

Ele tem ainda uma função importante de suporte, ou seja, auxiliar a equipe a

“suportar os outros no seu processo de constituição como grupo subjetivo, sabendo o que

está em jogo […]” e o manejo, “ter alguma coisa para ofertar, caminhos para mostrar”

(ONOCKO CAMPOS, 2012, p. 170-171).

Diante de tantas funções, gostaríamos de trazer as contribuições da Análise

institucional ao afirmar que o supervisor/interventor está atravessado pelas mesmas

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instituições que perpassam todo o dispositivo analítico (LOURAU, 1993; MONCEAU, 2008).

Nesse sentido, existem implicações ideológicas, teóricas, políticas, não existindo a suposta

neutralidade e nem objetividade do supervisor em relação aos analisadores que aparecem

na supervisão.

No caso desse trabalho, narrar e analisar essa história feita não sem dificuldades e

angústias – pois considerando as nossas implicações, em alguns momentos, sentíamo-nos

como os próprios dissidentes libidinais, ideológicos, políticos, que terminavam por gerar os

analisadores da própria supervisão –, afirmar e analisar essa não neutralidade foi e

continua a ser um grande desafio para nós nesse processo.

Nesse sentido, nos apoiamos em Leal (2008), quando a autora reconhece a

importância da relação supervisor e dispositivo supervisão, afirmando que o supervisor

precisa vivenciar sua função como um processo de formação, no qual o “encontro com os

profissionais, com as suas afirmações, dúvidas e questões” tenha uma “função formadora

para o supervisor” (LEAL, 2008, p. 9). Leal (2008) ressalta algo fundamental nesse sentido,

ao afirmar que

[s]e temos o desafio, enquanto supervisores, de fazê-los ver que nessa clínica o saber advém também e especialmente do encontro com o paciente, não há como não destacar que o nosso encontro – dos supervisores – como os profissionais/equipe – é igualmente determinante em nossa de formação (LEAL, 2008, p. 9).

Assim, o supervisor sai do lugar de quem tudo sabe para ocupar um lugar de quem

está em um processo de formação junto com a equipe, a rede de serviços, a gestão que ele

se propõe a acompanhar. Ora, se a ênfase no modelo de Atenção Psicossocial é sustentar

uma horizontalidade de saberes, de poderes nos coletivos, não seria mais interessante

questionarmos junto aos supervisores – e aí destacamos a especificidade daqueles

intitulados clínico-institucionais – as suas implicações na coprodução do dispositivo?

Pensamos que, para isso, seja importante induzir um movimento de construção de

equipes de supervisores no modelo de Atenção Psicossocial, que possa servir de

dispositivo de trocas, apoio, formação, enfim, da análise de implicações dos supervisores

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envolvidos. Que possa produzir assim uma formação fundamentada nas suas experiências

singulares, circunscritas aos territórios com as suas especificidades, recusando um saber a-

histórico, a-cultural, centrado tão somente na patologia do indivíduo.

Nesse sentido, na realidade por nós vivenciada, ao perceber que a maioria dos

profissionais supervisores eram psi, torna-se importante “[p]ensar no trabalho que nós,

psicólogos, temos desenvolvido” no sentido de “pensar neste lugar instituído e

naturalizado, percebido como ahistórico, neutro e objetivo que nós, muitas vezes, temos

ocupado e fortalecido: o do saber-poder” (COIMBRA; LEITÃO, 2003, p. 2). Desconfiamos

que muitas demandas produzidas no dispositivo em questão relacionavam-se a

institucionalização de um dispositivo já dado anteriormente, que provocava o

estranhamento constante em torno da atualização do dispositivo supervisão em outros

formatos.

Retornando à análise da implicação, consideramos importante trazer as

contribuições de Joana Angélica de Oliveira (2012), quando ela faz uma análise ousada e

importante em sua tese de doutorado sobre os caminhos trilhados por ela em supervisões

de equipe do CAPS e de eixo junto à rede de serviços na cidade do Rio de Janeiro. Saindo

desse lugar de saber absoluto, expõe e analisa as dúvidas, os medos, as inquietações, as

memórias, que lhe atravessaram, e como ela foi, ao longo dos encontros, ousando

inventar perante os desafios que se colocavam. Ela afirma que

[e]sse desejo de criar efeitos de abertura transversal na rede de saúde mental forçou-me a um movimento de abertura em mim mesma. Fui sacudida, deslocada de lugar, desafiada, provocada, habitada por afetos de difícil suportabilidade. O coração dilacerou para forjar um movimento de abertura, a escuta dilatou para ser ampliada, a intuição chegou de mansinho tornou-se constante companheira, a delicadeza bateu à porta, acalmando-me, a tranquilidade pediu para fazer uma morada quase duradoura. A menina assustada, que vez por outra me atravessou nessa experiência, cedeu lugar a um desejo clínico-político de operar abertura de sentidos onde estiver imperando um movimento centrípeto de fechamento, de esfriamento e de constrangimento da vida (OLIVEIRA, 2012, p. 103-104).

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Acreditamos que seria importante construir dispositivos de análise das implicações

do supervisor. Construir uma certa caixa-preta, conforme Lourau (1993) menciona.

Espaços/estratégias de encontros em que os (des)encontros com as equipes possam ser

compartilhados, postos em análises, promovendo nesses dispositivos desvios nos modos

de fazer supervisão e ser supervisor.

Assim Leal (2008) compartilha acerca de sua trajetória na supervisão, afirmando

que sua “formação como supervisora, fica evidente, caminhou par e passo com a

constituição dessa rede” (p. 2). Ela analisa que as experiências anteriores dela em Santos e

seu processo reflexivo sobre a clínica na Reforma no mestrado foram importantes para sua

formação para ser supervisora.

A autora afirma que “[a] formação do supervisor é um processo” (LEAL, 2008), um

processo vivenciado em serviços que funcionem (ou desejem funcionar) sob a lógica da

Atenção Psicossocial. Para tanto, queremos chamar atenção para o fato de que o

supervisor deve comprometer-se a falar, a publicizar sua experiência; “sem esse diálogo

público não há como manter um olhar crítico sobre essa prática que, como qualquer

outra, corre o grave e permanente risco da naturalização e cristalização” (LEAL, 2008, p. 9).

No nosso caso, na falta de espaços institucionalizados para tal compartilhamento

de análise no estado do RN, construíamos encontros mais ou menos informais,

transitórios. Tais como os encontros de orientação da tese, as conversas com outra

supervisora de CAPS de outra região do estado e de fora do estado. Nesses encontros,

fomos compartilhando os tantos (des)encontros, as inquietações, as angústias, os desvios

produzidos, no intuito de ir construindo a análise da implicação e um saber sobre o

dispositivo. No entanto, sentíamos falta de um espaço em que isso pudesse ser feito de

um modo contínuo, de modo a conectar o projeto de supervisão com outros projetos de

formação, integração de uma rede regional de cuidados, dentre outros saberes

necessários à reconstrução do dispositivo.

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196

4.5 O QUE ESSA EXPERIÊNCIA REVELA?

Analisar uma experiência singular de um estado e de uma supervisão-clínico-

institucional nos permite perceber as diversas contradições que se colocam quando da

implantação da supervisão nos CAPS e nas redes de atenção à saúde no nível micro.

No estado do RN e no município de Natal, a institucionalização da supervisão

clínico-institucional esteve bastante perpassada pela supervisão clínica psi fundamentada

nos casos clínicos, diferenciando-se dos movimentos produzidos e mapeados em outros

lugares do país. Isso de um modo absolutamente irrefletido, sendo desconhecidos os

modos de supervisão que vinham acontecendo na Atenção Psicossocial.

A partir do ano de 2007, percebemos que existiram encomendas de intervenção

que partiram do MS representadas pelos resultados dos editais e pela representação do

MS no estado, que tentaram de algum modo romper com o dispositivo nesse formato e

sob a especialização dos saberes psi. A coordenação estadual vivenciou esse

gerenciamento federal como fator dificultador de um processo local que vinha

acontecendo.

Acreditamos que o desconhecimento da coordenação estadual sobre as

supervisões clínico-institucionais após mais de uma década de RP, aliado ao modo de

intervenção ministerial no estado em torno da supervisão terminou por gerar e fortalecer

o efeito conhecido como Efeito Lukács (HESS; SAVOYE, 1993).

Segundo Lourau (2004d), esse efeito expressa a “produção do não-saber pela

codificação particular de alguma disciplina, pela colocação num sistema, pelo recorte de

um ‘campo’ e rejeição de tudo o que existe antes e em torno desse campo” (p. 89). Assim,

toda a historicidade em torno dos delineamentos da supervisão clínico-institucional no

contexto brasileiro era desconhecida, e não houve nenhum diálogo no sentido desse

esclarecimento quando da ocorrência das intervenções ministeriais, o que terminou por

contribuir para o efeito de desconhecimento em torno desse dispositivo em relação à

Atenção Psicossocial.

Esse desconhecimento se perpetuou. No caso específico da nossa experiência,

percebemos que a encomenda do CAPS apresentou-se de maneira muito conflituosa,

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tendo em vista as confusões em torno de qual seria o estabelecimento CAPS a ser

supervisionado. Quando observamos as demandas, vimos que elas contradiziam

constantemente as encomendas realizadas, tentando insistir em um tipo de supervisão já

instituída centrada no caso clínico, e outras vezes permeando entre a necessidade de

construir PTS, refletir processos de gestão, de fortalecimento de redes de cuidado. Além

disso, em relação à supervisão de rede, várias outras demandas precisaram ser analisadas

para potencializar seu funcionamento.

A experiência das discussões de casos, para nós, revela a necessidade de fortalecer

no contexto dos CAPS e da rede de atenção psicossocial uma proposta em torno de

discussão que objetive a construção de PTS. Ou seja, a discussão necessária na supervisão

deve ser direcionada para produção de PTS, e o estudo centrado em casos clínicos tão

somente corre o risco de reproduzir uma lógica instituída de supervisão de casos com base

em um único saber. Além disso, faz-se necessário direcionar a construção de uma linha de

cuidado, na qual um PTS precisa estar articulado à produção de atos assistenciais pelas

equipes junto aos usuários, familiares e comunidade (FRANCO; FRANCO, [200-?]). De

modo alinhado a essa proposta, no âmbito da formação, é mister ultrapassar um modelo

de supervisão que estabelece a hierarquização e fragmentação dos saberes, e assim

propiciar o reconhecimento da formação advinda de cada encontro com o usuário.

Quando vemos a supervisão de rede e de CAPS, percebemos problemas

relacionados ao modo de estruturação da rede e das relações de sociabilidade entre os

diversos profissionais. As relações de disputa reveladas em um pequeno município

prejudicaram o fortalecimento de uma rede efetiva de cuidados. Isso indica que, para

fortalecer a supervisão de rede, é necessário investir em espaços de discussão entre

profissionais de serviços diferentes tais como os fóruns (DORIGAN, 2013; DORIGAN;

L’ABBATE, 2014) ou mesmo as supervisões de eixo (OLIVEIRA, 2012; FERIGATO; DIAS,

2013). No caso de pequenos municípios, é urgente a implantação desses dispositivos e seu

funcionamento como espaços de encontro entre profissionais da rede de cidades

diferentes.

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Além disso, acreditamos que tais espaços não devem substituir a supervisão

clínico-institucional das equipes dos CAPS. A sua continuidade é fundamental para uma

reflexão permanente da equipe sobre as relações clínicas e institucionais aí produzidas, e

sobre a sua relação com a rede de saúde e intersetorial. Isso torna-se importante

principalmente em um contexto de desvalorização de profissionais e investimentos ainda

incipientes em formação tal como tem sido visto no contexto brasileiro.

A equipe demandava falar sobre suas angústias, reapropriar-se de seu cotidiano,

analisar suas relações dentro da equipe, com a rede e com a gestão municipal. Essa

demanda nos levou a adotar diversos saberes, não centrados no saber do supervisor e

nem em uma única especialidade, mas englobando os saberes dos diversos sujeitos

envolvidos no processo de supervisão. Identificamos um movimento instituinte vivenciado

nessas equipes em relação à própria supervisão, que apontou para uma ressignificação da

sua função do serviço na rede de atendimento de Atenção Psicossocial (SEVERO; L’ABBATE,

ONOCKO CAMPOS, 2014).

No que se refere à gestão, evidenciamos assim a compreensão do gestor como um

apoiador institucional, com ampliação do espaço de diálogo entre os gestores municipais e

as equipes da rede de saúde, tentando desconstruir a lógica da gestão verticalizada.

Onocko Campos (2007) contribui com essa reflexão ao debater sobre a função do gerente

para as equipes. O gerente necessita de formação técnica em saúde e em gerência; a

pessoa do gerente precisa exercer uma função de suporte para os grupos. No entanto, em

pequenos municípios, a escolha dos gestores ocorre, não raras vezes, em função de

critérios que não são os técnicos, mas sim a partir das relações políticas (e porque não

dizer culturais) existentes.

Na nossa experiência percebemos dois modos de viver o momento de supervisão,

que parecia ora ser satisfatório, ora sentir falta de algo. Ora a equipe sentia que precisa

analisar diversas demandas, ora sentia falta de uma supervisão restrita ao caso clínico.

Onocko Campos (2007) reflete sobre a experiência da mudança em equipes e afirma que

nela está implicada uma escolha, na qual se ganham algumas coisas e perdem-se outras.

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A mudança de supervisão, na nossa pesquisa-intervenção, era uma dentre muitas

outras que aquela equipe estava vivendo. Tais transformações estiveram profundamente

relacionadas à construção da demanda ao longo do processo de supervisão. Nesse

sentido, Onocko Campos (2007) compartilha:

Tenho a sensação de que quando chegamos em momentos como esse não estamos sendo demandados para quebrar nada, porém nos demandando ajuda para cerzir algumas questões de maneira tal que, apesar da incerteza e das dores, seja possível operar no seu (deles) campo de trabalho. Digo cerzir, pois me parece que não é esta uma costura que não deixe marcas, pelo contrário. No cerzido o descosturado convive com a possibilidade de manter alguma utilidade (ONOCKO CAMPOS, 2007, p. 140-141).

Onocko Campos (2007) aponta que a supervisão institucional é um dos dispositivos

usados para subverter as linhas de poder instituídas nos serviços. Para nós, a identificação

desses poderes instituídos só pode ser observada se escutarmos o que as pessoas têm a

falar e a silenciar em torno da história do dispositivo, traçando o movimento de

institucionalização do grupo, do dispositivo e da participação de cada membro da equipe

na construção desse espaço.

Assim, o convite a retomar a supervisão como um espaço não de resolução de

problemas, mas de problematização, é uma aposta em um dispositivo no qual a equipe e

os profissionais participantes possam relançar um olhar sobre si mesmos, sua relação com

os usuários, com a rede, entre outros, suas implicações, e possam falar sobre isso. Isso não

é possível de ser feito em um modo de supervisão que privilegie os ideais do supervisor e

negue o desejo e o conhecimento dos trabalhadores das equipes. Assim, a ampliação

desse diálogo torna-se imprescindível para intervenções sobre os modos de operar uma

rede de saberes e de serviços.

Voltando ao início do ano de 2013, o que isso tudo tem a ver com o quadro

encontrado no estado? Bem, podemos afirmar que o modo como se construíram as

intervenções federais contribuiu para o enfraquecimento local em relação às supervisões e

para sua instabilidade ao não prever e nem pactuar com o estado qual seria seu papel na

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construção da supervisão clínico-institucional, e ao não conseguir enxergar as relações de

forças peculiares no estado.

Voltando ao “operário em construção”, precisamos redimensionar a política em

torno da supervisão de maneira a incluir aí o que os grupos (trabalhadores, gestores e

supervisores) contemplam em relação ao seu cotidiano, e ver aí sua mão, a sua implicação

nesse processo de construção. De maneira que os grupos possam reconhecer ainda a sua

implicação na construção do próprio dispositivo supervisão, e assim possam seguir a

análise de suas inquietações, de suas demandas, recusando os processos de subordinação

que tentam se instaurar. Precisamos recusar o modo de fazer política pública e

financiamento que seja autoritário.

Nós acreditamos que há uma dificuldade de estabelecer dispositivos coletivos para

analisar as supervisões tendo em vista a dificuldade tão presente entre os especialistas em

realizar sua análise de implicações (RODRIGUES, 2005). Os pertencimentos institucionais

tiveram uma importância fundamental no processo de institucionalização da supervisão

clínica no estado. No entanto, poucas análises a esse respeito têm sido realizadas, o que a

nosso ver seria imprescindível para a (re)estruturação da supervisão clínico-institucional

no estado. Heliana Conde Rodrigues, em relação aos psicólogos, afirma que

[a] Análise Institucional faculta pensar se quase invariavelmente nos encomendam algo a partir de nossa genealogia, digamos, de psicotiras, nada nos obriga – a não ser alguma adesão a mandatos institucionais não analisados (porém nunca impossíveis de analisar) – a ‘colar’ nosso campo de análise ao campo de intervenção pré-definido por tal encomenda, historicamente forjada (RODRIGUES, 2005, p. 85-86, grifo do original).

Assim é que Coimbra e Leitão (2003) nos convidam a um deslocamento do lugar de

especialistas psi para o de interventores/agenciadores, tratando de afirmar “as potências,

as diferenças, as multiplicidades e possibilidades finitas e ilimitadas do homem, da

sociedade, da psicologia e da política” (p. 6). Não estamos recusando a necessidade da

inclusão dos saberes psi, mas estamos recusando as verdades postas a priori de que a

saúde mental deve ser respondida unicamente por essa especialidade, e afirmando a

necessidade de colocar o saber psi junto a outros saberes múltiplos no campo da saúde

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mental em função da “produção de ‘verdades’ sempre provisórias, temporais e

temporárias, nas ‘paixões alegres’, num ‘mundo onde caibam muitos outros mundos’” (p.

6).

Em relação às nossas implicações, acreditamos que no período da intervenção

também vivenciamos intensamente o desconhecimento em relação ao dispositivo na

Atenção Psicossocial e em relação ao uso da supervisão no contexto estadual. Assim, para

construir a supervisão no modelo de Atenção Psicossocial, acreditamos ser um dever ético

recusar a reprodução de uma supervisão como um espaço de segredos, um espaço

preservado às críticas, para assim apostar em intervenções que tenham “um compromisso

político que aposta na criação e na mudança, em formas diversas de existência, de

sociabilidade” (COIMBRA; LEITÃO, 2003, p. 6).

Acreditamos que, por seu caráter de construção permanente, a supervisão precisa

proporcionar um aumento do coeficiente de transversalidade no grupo a partir de

momentos de experimentação dos trabalhadores enquanto grupos-sujeitos. Isso deve

ocorrer principalmente com os supervisores, que ao incluir a análise de sua implicação

possam entender o movimento construído junto ao grupo, pondo em questão seus

saberes, sua implicação profissional, para assim constituir um dispositivo coerente com os

processos desinstitucionalizantes. Só assim é que acreditamos ser possível construir um

modelo de Atenção Psicossocial no qual possamos reafirmar um convite a vivermos a

nossa heterogeneidade (ONOCKO CAMPOS, 2012).

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POR UMA (IN)CONCLUSÃO:

DA PARALISAÇÃO À INVENÇÃO DE UM DISPOSITIVO EM CONSTRUÇÃO

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Vivemos sim uma rede de saúde mental “aberta” sob os efeitos de uma luta antimanicomial, fruto do desdobramento da luta política e de práticas de resistência que fazem parte das histórias de muitas pessoas que sofreram na pele os efeitos da ditadura e do manicômio. O convite aqui é para não nos esquecermos da força dessas histórias e, com elas, pensarmos o modelo vigente, de modo a não aceitá-lo como um dado, algo que sempre foi assim, sempre será e/ou deve manter-se como é. O convite é para que possamos propor desdobramentos-transformações no modelo de saúde mental que temos, de acordo com o que acontece nesses espaços e neste tempo, construir práticas condizentes com nossas histórias e desejos. Podemos desejar outras configurações?

“Instituição militância em análise: a (sobre)implicação de trabalhadores na reforma psiquiátrica brasileira”,

Michele Vasconcelos e Simone Paulon.

Conforme Vasconcelos e Paulon (2014), o convite para retomar as histórias em

torno da RP e retomar o processo de desconstrução e desnaturalização do que estamos

construindo ajudou-nos a desnaturalizar algumas histórias e a desejar outros caminhos.

Com a leitura e análise das experiências nos anos 1980 e 1990, percebemos um

movimento instituinte muito potente revelado na criação e reinvenção de diversos

dispositivos, inclusive da própria supervisão. A institucionalização da supervisão clínico-

institucional nos anos 1980 e 1990 nos permitiu entender os questionamentos em torno

do dispositivo que provocaram mudanças no seu uso e formato. Podemos visualizar nessas

décadas que a supervisão propiciou o fortalecimento do movimento instituinte nos

arranjos nos serviços substitutivos, sejam em CAPS, nas equipes de saúde mental atuantes

na Atenção Básica, nos cursos de formação, nos modos de gestão e clínica. No entanto,

algumas experiências mostraram a permanência de uma separação entre a supervisão

clínica e a institucional.

Nos anos 2000, quando observamos as solicitações das CNSMs e os editais do

MS, percebemos que apesar da preocupação ministerial em investir financeiramente nas

supervisões clínico-institucionais, os encaminhamentos foram bastante insuficientes

diante das demandas sociais relacionadas às mudanças necessárias à consolidação da

Atenção Psicossocial. A supervisão se mostrou uma aposta potente para o

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fortalecimento da rede de cuidados, mas que precisa de um fortalecimento do CAPS e de

suas funções nessa rede de atenção; as confusões entre a construção do caso clínico e

do PTS e a necessária articulação da clínica com a organização institucional e o território;

as solicitações por reformulações na gestão do trabalho e na política de recursos

humanos e as respostas ainda pouco efetivas em torno disso; o necessário investimento

nas políticas de formação em serviço articuladas à supervisão, mas não restritas a ela,

com estratégias que englobem, principalmente, a Educação Permanente em Saúde. O

quadro de mudanças ainda incipientes tem resultado na burocratização da RP,

expressando o efeito Mühlmann.

A análise da implantação do dispositivo supervisão em um estado e de um

processo particular de supervisão possibilitou visualizar esses efeitos na realidade

concreta. O desconhecimento sobre o dispositivo supervisão clínico-institucional na RP no

âmbito estadual tem aberto brechas para a implantação de sua forma instituída. As

estratégias de condução do processo de implantação na relação entre governo federal,

estadual e municipal têm se apresentando, no mínimo, confusas. Esse cogerenciamento

contribuiu para gerar algumas mudanças importantes, como outros supervisores não psis

no âmbito do estado, mas também contribuiu para um quadro de inexistência atual de

supervisão nos serviços, por dificuldade de gerenciamento da coordenação estadual sobre

o financiamento repassado diretamente aos municípios.

No âmbito da supervisão clínico-institucional do CAPS, sua análise nos conduziu a

algumas questões sobre como construir supervisões de rede sem uma pactuação e apoio

da gestão municipal, ou como garantir a continuidade de um processo iniciado nas

supervisões anteriores. Além disso, sobre quais demais dispositivos precisavam ser

acionados para a efetivação de projetos de Educação Permanente.

Em âmbito local, sinalizamos para a importância de investir em debates sobre a

experiência dos supervisores, visando identificar os problemas locais e desenvolver

proposições e estratégias de enfrentamento à imobilização que tem sido vivenciada no RN.

Os supervisores precisam desenvolver a análise de suas implicações e assim compreender-

se como parte de um momento histórico-político que exige grupos-sujeitos no campo. O

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estado do RN tem sofrido com paralisações, por que não dizer, retrocessos no que se

refere ao desmantelamento do quadro de profissionais dos CAPS, incluindo aí os

supervisores clínico-institucionais.

Por esses problemas, tornou-se importante elucidar, esclarecer, retomar a

historicidade do dispositivo supervisão no campo da Atenção Psicossocial, para assim

(re)construir dispositivos coerentes com as mudanças necessárias à clínica, à gestão de

processos de trabalho e à rede de atenção. Como sabemos, instituído/instituinte é

uma dinâmica contínua que resulta em provisórios e tensos processos de

institucionalização. Afinal o conceito de instituição de Rene Lourau contém os três

momentos e no decorrer da história da supervisão, existiram momentos de

institucionalizações provisórias, com um vir a ser sempre em mutação, pois a relação

instituído/instituinte é dinâmica.

Ao longo da tese, distribuímos trechos do poema “O operário em construção” de

Vinícius de Moraes. No primeiro contato com o poema, algo dele lembrava nosso trabalho,

nos afetava em relação ao trabalho desenvolvido, mas o quê? Lembramos do longo tempo

de viagens que vivenciei para chegar à cidade do CAPS, das inúmeras dificuldades de

transporte, das mudanças na paisagem nos tempos de chuva e de seca, da alegria da

equipe ao debulhar o feijão verde que havia recebido de doação em época de chuva, de,

ao longo da viagem na época da eleição, ver todas as casas marcadas com as cores

vermelha e verde no período eleitoral, do medo que pairava entre os trabalhadores de que

o prefeito perdesse as eleições e com isso todos perdessem o emprego, isso representado

pelo choro de uma trabalhadora do CAPS em supervisão. Tantas lembranças nos invadiram

e se misturavam aos múltiplos afetos provocados pela leitura de escritos de tantos

trabalhadores que explicavam sobre a reestruturação do seu processo de trabalho a cada

momento histórico.

O que temos visto atualmente, depois do quadro das eleições municipais, são

trabalhadores que se sentem ameaçados por gestões municipais intransigentes e são por

elas silenciados. Talvez por isso o poema “O operário em construção” marcou tanto essa

trajetória. Para finalizar esta tese, compartilhamos com o leitor o último trecho dele.

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- Loucura! – gritou o patrão Não vês o que te dou eu?

- Mentira! – disse o operário Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração

Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão.

Um silêncio povoado De pedidos de perdão

Um silêncio apavorado Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas E gritos de maldição

Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão. Uma esperança sincera Cresceu no seu coração

E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construído

O operário em construção.

“O operário em construção”, Vinicius de Moraes (grifos nossos)

Percebemos que ao reler tantas histórias e seus entrecruzamentos com as histórias por nós

vivenciadas crescia o desejo por dar visibilidade aos modos de trabalhar, de clinicar, de

supervisionar, ao longo desses anos de RP, e como eles se perderam naquilo que fazemos

hoje. Assim, com o percurso feito na tese, nos sentimos envolvidos por um processo histórico

vivenciado por muitos. Muitos quiseram reinventar modos de fazer, reinventar mundos, e

assim o fizeram. Esta tese trouxe a ideia de que os dispositivos estão em construção, e nós

precisamos nos deslocar do que está construído, posto, para retomar sua dimensão

processual. Para isso, urge que todos nós sejamos também operários em construção.

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