13 - direitos sociais, direitos de nacionalidade

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LFG – CONSTITUCIONAL – Aula 13 – Prof. Marcelo Novelino – Intensivo I – 24/06/2009 Nós hoje vamos finalizar o estudo sobre os direitos individuais que estávamos vendo na aula passada. Ficaram faltando duas limitações ao direito de propriedade. E vamos começar a estudar um novo grupo de direitos, que são os direitos sociais. Vimos que a função social da propriedade não é uma limitação, mas faz parte do próprio regime, ela é elemento da estrutura do direito de propriedade. As limitações que vimos foram: A requisição – na qual não há transferência da propriedade, há apenas um uso ou uma ocupação temporária e A desapropriação – na qual a propriedade é transferida compulsoriamente pelo Poder Público. Veremos mais duas hipóteses de limitação ao direito de propriedade previstas na Constituição. c) Possibilidade de CONFISCO O confisco está previsto no art. 243, da Constituição, e há previsão de duas hipóteses de confisco de propriedade. Qual a diferença entre confisco e desapropriação? Tanto no confisco, quanto na desapropriação, há transferência compulsória da propriedade pelo Poder Público. A diferença é que na desapropriação a indenização é sempre prévia, justa e, em regra, será em dinheiro. No confisco, nunca haverá indenização, já que é uma penalidade, uma sanção. Não há qualquer tipo de contraprestação. É uma penalidade mais grave do que a desapropriação-sanção (em que a indenização é sempre prévia, justa, só não será em dinheiro). Na requisição, nós vimos, só haverá indenização, se houver dano, e será posterior. Vejam que a Constituição prevê duas espécies de confisco de propriedade: 209

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LFG – CONSTITUCIONAL – Aula 13 – Prof. Marcelo Novelino – Intensivo I – 24/06/2009

Nós hoje vamos finalizar o estudo sobre os direitos individuais que estávamos vendo na aula passada. Ficaram faltando duas limitações ao direito de propriedade. E vamos começar a estudar um novo grupo de direitos, que são os direitos sociais.

Vimos que a função social da propriedade não é uma limitação, mas faz parte do próprio regime, ela é elemento da estrutura do direito de propriedade. As limitações que vimos foram:

A requisição – na qual não há transferência da propriedade, há apenas um uso ou uma ocupação temporária e

A desapropriação – na qual a propriedade é transferida compulsoriamente pelo Poder Público.

Veremos mais duas hipóteses de limitação ao direito de propriedade previstas na Constituição.

c) Possibilidade de CONFISCO

O confisco está previsto no art. 243, da Constituição, e há previsão de duas hipóteses de confisco de propriedade.

Qual a diferença entre confisco e desapropriação? Tanto no confisco, quanto na desapropriação, há transferência compulsória da propriedade pelo Poder Público. A diferença é que na desapropriação a indenização é sempre prévia, justa e, em regra, será em dinheiro.

No confisco, nunca haverá indenização, já que é uma penalidade, uma sanção. Não há qualquer tipo de contraprestação. É uma penalidade mais grave do que a desapropriação-sanção (em que a indenização é sempre prévia, justa, só não será em dinheiro). Na requisição, nós vimos, só haverá indenização, se houver dano, e será posterior.

Vejam que a Constituição prevê duas espécies de confisco de propriedade:

Primeiro, a das terras destinadas ao cultivo de plantas psicotrópicas e de bens adquiridos com o tráfico ilícito de entorpecentes:

Art. 243 - As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Expropriação é o procedimento utilizado para a transferência da propriedade. Onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas as terras serão imediatamente expropriadas, ou seja, retiradas do proprietário. Então há expropriação, sem qualquer tipo de indenização, daí ser hipótese de confisco de propriedade.

Apesar de a Constituição no caput não se referir a confisco, quando se fala em expropriação sem indenização, é uma hipótese de confisco da propriedade. Já no § único, a Constituição vai usar expressamente o termo ‘confisco’:

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Parágrafo único - Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

Se for apreendido bem adquirido com dinheiro do tráfico ilícito de entorpecentes, esses bens serão confiscados e utilizados no combate, na repressão ao tráfico de drogas. É comum a apreensão de imóveis e automóveis. Esta é a terceira limitação.

d) Possibilidade de USUCAPIÃO

A Constituição prevê duas hipóteses de usucapião constitucional:

Usucapião urbano (art. 183) Usucapião rural (art. 191)

São duas hipóteses excepcionais, em que para se adquirir imóvel por usucapião o tempo será bem menor do que aquele previsto no Código Civil. No Código Civil são 10 e 15 anos. Na constituição, o prazo exigido é de apenas 5 anos, porque tem requisitos mais rígidos do que as hipóteses comuns de usucapião.

Na Constituição se exige os requisitos tradicionais para que alguém possa adquirir imóvel por usucapião:

Posse mansa Posse pacífica Sem oposição Ininterrupta e Não precária (possuir como se fosse seu, não pode ser comodato, aluguel)

Esses requisitos são requisitos comuns à usucapião urbano e rural. Também vão ser exigidos pela Constituição. Além desses requisitos tradicionais, a Constituição exige requisitos específicos, já que o tempo é menor do que o do Código Civil. Ela vai exigir, tanto para as hipóteses de usucapião urbana, quanto rural:

1º) Tem que usar o imóvel para a sua própria moradia (vale para o urbano e o rural).2º) A pessoa não pode ter outro imóvel (nem urbano e nem rural)

Os requisitos tradicionais e mais esses dois, são os requisitos comuns. A diferença que existe entre eles é com relação à metragem.

No caso do imóvel urbano, a Constituição exige como metragem máxima: 250m² No caso de imóvel rural, a Constituição exige como metragem máxima: 50

hectares.Tem um requisito específico que é exigido apenas para a hipótese de usucapião rural:

tornar a propriedade produtiva com o seu trabalho e de sua família.

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Imóveis públicos NÃO podem ser adquiridos por usucapião. A Constituição não permite isso.

Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Essa restrição só existe na Constituição para usucapião urbana. Não existe para o caso da usucapião rural.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191 - Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

São basicamente os requisitos com exceção da metragem e da exigência de propriedade produtiva.

Com relação ao aspecto constitucional, são essas as limitações previstas na Constituição. José Afonso da Silva entende, pois que o regime de direito de propriedade é público, pois a sede está na Constituição. As limitações e estrutura desse direito.

Aqui, fechamos, então, o estudo dos direitos individuais, do direito à vida, englobando a privacidade, igualdade, liberdade e propriedade. Agora, vamos começar a ver outro grupo de direitos, cuja parte teórica analisaremos, que é o que vem sendo cobrado nas provas de Constitucional, que é com relação aos direitos sociais. Não vamos fazer estudo de dispositivo da Constituição. Vamos analisar a teoria desses direitos, que é o que eles geralmente perguntam nas provas.

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OS DIREITOS SOCIAIS

1. FINALIDADE

Os direitos sociais pertencem à 2ª Geração ou Dimensão de Direitos Fundamentais que está ligada ao valor da igualdade material (a igualdade formal já havia sido consagrada na primeira geração, junto com os direitos de liberdade). A igualdade material é que começou a ser consagrada com os direitos de segunda dimensão, após a revolução industrial. As constituições consagraram direitos sociais, econômicos e culturais para que o valor igualdade material fosse concretizado.

Quem são as pessoas com as quais há uma maior preocupação quando se fala em direitos sociais? Para que classe de pessoas os direitos sociais foram criados? A Constituição precisa consagrar os direitos sociais preconizados no art. 6º (trabalho, laser, moradia, saúde, assistência aos desamparados, proteção à infância e à maternidade, previdência social), sobretudo quando uma pessoa tem uma condição de inferioridade econômica. Se todos tivessem uma excelente situação financeira, a questão dos direito sociais não seria tão relevante porque a pessoa poderia pagar por tudo o que desejasse. Os direitos sociais não teriam tanta relevância. Talvez o Estado não precisasse se preocupar com esse aspecto. No entanto, não existe uma igualdade entre as pessoas e há quem não tenha acesso aos direitos mínimos.

A principal finalidade dos direitos sociais é a proteção dos hipossuficientes.

2. EFICÁCIA

Quando se fala em custo de um direito, nós não podemos nos esquecer que todos os direitos têm um custo. Não há nenhum direito que seja atendido pelo Estado sem custo. Os direitos políticos, por exemplo, têm um custo para serem realizados (vide eleições periódicas).

Em relação aos direito individuais e aos direitos políticos, a questão do custo nunca foi um problema para a sua realização. Nunca se alegou o fator custo para que os direitos civis e políticos não fossem realizados. O fato custo é um argumento utilizado especialmente em relação aos direitos sociais.

Apesar de não ser característica exclusiva dos direitos sociais, o fator custo é um aspecto especialmente considerado em relação aos direitos sociais.

E por que? Porque os direitos sociais, sem dúvida, tem um aspecto essencialmente oneroso: saúde, medicamentos, etc. Um outro fator que contribui muito para isso é a possibilidade de esses direitos poderem ser individualizados. Você pode pedir do Estado uma prestação apenas para um indivíduo determinado, coisa que geralmente não acontece com relação aos outros direitos. Talvez, um dos maiores problemas seja com relação a isso, a essa individualização dos direitos sociais.

Os direitos sociais, como vimos na classificação de Jellineck, são direitos prestacionais, que exigem do Estado, prestações (materiais e jurídicas). Por exigirem do Estado essas prestações, como já comentamos, os direitos prestacionais têm uma eficácia menor do que os

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direitos de defesa. Tanto uma eficácia, quanto efetividade. Os dois aspectos com relação aos direitos prestacionais são menores, tanto a eficácia quanto a efetividade desses direitos.

E aí o primeiro problema, que é o que se refere ao art. 5º, § 1º, que consagra o princípio da máxima efetividade. O § primeiro, apesar de estar no art. 5º, ele não se refere apenas aos direitos individuais, mas a todos os direitos fundamentais (individuais, sociais, políticos e de nacionalidade):

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Este dispositivo é objeto de uma série de controvérsias no que se refere à aplicação dos direitos sociais. Será que todo direito social pode ser exigido do Estado imediatamente? Independentemente de concretização legislativa? Será que todo direito social é um direito subjetivo? É uma regra que pode ser aplicada independentemente de intermediação? Há os que dizem que sim.

Dirley da Cunha Jr., um autor da Bahia, diz que sim. Ele sustenta em artigo que todos os direitos sociais têm aplicação imediata, em qualquer exceção, em razão do § 1º, do art. 5º. Nenhum direito, segundo ele, dependeria de intermediação legislativa. Os direitos sociais poderiam ser exigidos diretamente.

Eu não concordo com esse posicionamento adotado pelo Dirley e por outros autores. Não se pode interpretar um dispositivo literalmente porque isso pode acabar criando um problema maior ainda com relação à efetividade prática desses direitos. Apesar de eu achar desejável que todos os direitos sociais sejam usufruídos na melhor medida possível, se vocês analisarem ponto a ponto os direitos sociais consagrados na Constituição, vocês vão ver que alguns direitos, em razão do enunciado e em razão até da própria natureza desse direito, ele não tem como ser exigido diretamente, ele precisa de uma intermediação. Por exemplo, um dispositivo simples: Art. 7º, IV, que fala do salário mínimo. A Constituição fala em mínimo nacionalmente unificado previsto em lei. Se não existir lei, será que o Judiciário poderia fixar o valor do salário mínimo? Eu acho que seria inviável. O Supremo até disse uma vez que o valor do salário mínimo era inconstitucional porque não atendia às necessidades básicas. Mas daí a fixar o valor... O Judiciário não tem capacidade institucional para tanto.

Eu acho que o entendimento de um outro autor, chamado Ingo Sarlet, é mais adequado á Constituição brasileira. Segundo Sarlet, o art. 5º, § 1º, não deve ser interpretado como uma regra (que é o que Dirley faz), mas como um princípio, o princípio da máxima efetividade possível. Segundo Sarlet, o dispositivo deveria ser interpretado no seguinte sentido:

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem devem ter aplicação imediata na maior medida possível.

Esta aplicação imediata é o desejável. É o que devemos buscar, sempre que possível. O que deve informar a aplicação desses direitos é o princípio da máxima efetividade. Nós devemos sempre buscar a máxima efetividade possível para esses direitos.

Atenção: Eu estou me referindo a determinados direitos sociais, como no caso do salário mínimo, que necessitam de intermediação legislativa. Existem vários direitos sociais que são regras. Que não são ponderados. São aplicados imediatamente. Por exemplo, o art. 208, da Constituição, quando fala do ensino fundamental obrigatório e gratuito. Isso não é um princípio,

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mas uma regra. Se o Estado não fornecer, isso pode ser exigido diretamente. Há direitos sociais que são princípios, outros são regras. No caso do ensino fundamental, o Estado não pode alegar qualquer tipo de argumento para não fornecer esse tipo de prestação. Se não tiver escola pública ele tem que arcar com os gastos de uma escola particular. Vejam que no caso do art. 208, I, não é um princípio (não há ponderação), mas uma regra:

Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

Aqui não precisa de intermediação nem do Legislativo e nem do Executivo. Você pode recorrer diretamente ao Judiciário para aplicação imediata desse dispositivo.

Vamos analisar agora uma das questões mais discutidas dos direitos sociais, que é a possibilidade de uma intervenção judicial para a efetivação desses direitos.

3. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL

Ou seja, a possibilidade de você recorrer diretamente ao Judiciário para exigir uma prestação fundada num direito social. Com relação a este aspecto, faço uma divisão do tema em três fases, todas após a CF/88.

3.1. 1ª Fase: Impossibilidade de exigência dos direitos sociais através de intervenção judicial.

Quando a CF/88 foi promulgada, tivemos essa primeira fase, que perdurou até meados de 90. Vejam bem, eu não estou falando de anos 60. Estou me referindo à Constituição de 1988. Com ela, até meados da década de 90, havia o entendimento no Brasil de que os direitos sociais não podiam ser exigidos através de intervenção judicial.

Existem decisões do STJ, da década de 90, dizendo que normas programáticas não tinham normatividade. Não se podia exigir do Estado prestações fundadas em normas programadas. Uma questão há muito já superada na Europa, mas que ainda era o entendimento adotado por alguns tribunais pátrios, inclusive o STJ, segundo o qual a norma programática não gerava um direito subjetivo para o indivíduo que não tinha o direito de exigir essa prestação do Estado. Ele teria que aguardar uma implementação através de uma vontade intermediária, através do legislador, através do Executivo.

3.2. 2ª Fase: Inúmeras decisões judiciais determinando a entrega de prestações materiais fundadas em direitos sociais.

É a fase que nos encontramos ainda. Há ondas. Estávamos numa fase inicial de total ausência de normatividade onde os direitos sociais não podiam ser exigidos do Estado, não geravam direitos subjetivos. E saímos dessa fase, para uma fase lá em cima, onde os direitos sociais começaram a ser implementados por meio de decisões judiciais. Surgiu até uma indústria de liminares com relação a medicamentos.

Eu não sei se vocês se lembram de uma fraude descoberta em Marília: Uma ONG em prol dos portadores de vitiligo conseguiu mais de 1milhão de liminares apresentado ao Judiciário receitas falsas. Estima-se que cerca de 60 milhões de reais foi o prejuízo do Estado com essa

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fraude. O Estado do RN gastou mais de 2 milhões de reais para fornecer medicamentos que não constavam da lista do Ministério da Saúde dos medicamentos que deveriam ser fornecidos gratuitamente.

Então, a questão é a seguinte: quando se fala em direitos sociais, é preciso lembrar que existe um custo em relação a esses direitos. E aí, como fica a questão do fornecimento desses direitos e a orçamentária? O Poder Judiciário brasileiro tem um foco, até em razão da própria característica do processo, em justiça comutativa, que é a questão bilateral. O processo é feito de forma a pensar na justiça comutativa, com autor e réu. Só que quando você fala em direitos sociais, a questão não é de justiça comutativa, mas de justiça distributiva. O foco não pode ser unilateral. Não dá para pensar apenas no lado da União e do autor. Você tem que ter um foco multilateral da questão porque envolve direitos de terceiros também. O Judiciário não deve pensar apenas nas partes envolvidas, mas no direito de terceiros. Por uma razão simples: Se eu tenho determinado direito em razão da doença que possuo, todas as pessoas que têm a mesma doença terão o mesmo direito. Não apenas eu. Não é porque eu fui primeiro ao Judiciário que terei o direito e a outra pessoa que tem a mesma doença que eu não tem.

O que não podemos é tratar algo complexo de forma simples. Muitas vezes questões complexas são respondidas de forma simples e equivocada. Se é complexa, não dá para responder de forma simples porque ela é complexa.

3.3 3ª Fase: Busca o estabelecimento de critérios racionais e parâmetros a serem adotados.

Essa terceira fase, parece, é o que está acontecendo agora e eu acho que seria o desejável. Por que estamos entrando nessa terceira fase, nessa fase de equilíbrio? No Supremo existem diversas ações pedindo fornecimento de medicamentos. O que o STF resolveu fazer, a meu ver de forma acertada? Ele está realizando uma série de audiências públicas para poder conversar com a sociedade, com os Poderes Públicos e estabelecer quais são os critérios que ele deve adotar em fornecimento de medicamentos. Se vai ser a União, Estado ou Município, em que casos o medicamento deve ser fornecido, se não consta da lista do SUS, deve ou não ser fornecido, em que situações. Isso é importante.

Temos que lembrar que a questão dos direitos sociais envolve as chamadas ESCOLHAS TRÁGICAS , expressão utilizada por dois autores, Guido Calabresi e Philip Bobbit. O que são as escolhas trágicas? O orçamento do Estado é como se fosse um bolo. Ele tem as previsões de receita e despesa e o recurso disponível para gastar. Há uma parcela deste bolo destinada aos direitos sociais (saúde, educação, por exemplo). Se você pensa que um direito à saúde que não estava originariamente previsto (caso do RN, por exemplo) deve ser atendido pelo Estado, você não tem outra saída, senão tirar de um outro direito que estava consagrado (ou da educação, ou do laser). Então, toda decisão alocativa de recursos é também uma decisão desalocativa. É aquela velha história do cobertor curto. Se você vai cobrir a cabeça, vai destapar o pé.

Na fase que estamos agora, me parece que tanto a doutrina quanto a jurisprudência estão começando a buscar certos parâmetros, certos critérios para que não apenas aqueles que foram ao Judiciário tenham o direito, mas para que todas as pessoas que se encontrem na mesma situação tenham direito.

Que os direitos sociais têm que ser implementados, isso ninguém discute. O que se discute é se o Poder Judiciário seria a instância mais adequada para implementar esses direitos ou se o Legislativo ou o Executivo. A questão é: Será que o Judiciário é a instância mais adequada para que uma pessoa não seja beneficiada e as outras continuem com o mesmo

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problema. A gente tem que lembrar que no Brasil, nem todos têm acesso à Justiça. Muitas vezes, os menos favorecidos, que são os que mais precisam são justamente os que não tem condições nem de ir ao Judiciário e ficam sem as contraprestações. Por isso a importância das audiências públicas para estabelecer critérios, parâmetros racionais.

Argumentos favoráveis e contrários à intervenção judicial

Vamos falar agora a respeito dos argumentos contrários à intervenção judicial e dos argumentos favoráveis. Vamos começar falando daqueles que são menos aceitos, que são os argumentos contrários.

a) Argumentos contrários

Não há uma doutrina significativa que sustente esses argumentos, mas é importante serem conhecidos, até para saber por que foram rebatidos. Os argumentos contrários à intervenção judicial no fornecimento de prestações ligadas a direitos sociais são os seguintes:

1º Argumento – Alguns direitos sociais teriam apenas uma eficácia negativa

Vamos recordar aqui um ponto que estudamos sobre a eficácia das normas constitucionais. Se lembram das normas de eficácia plena, contida e limitada? As normas de eficácia plena e contida, vimos que têm eficácia tanto negativa, quanto positiva. Eram autoaplicáveis, eram autoexecutáveis. Já as normas de eficácia limitada, não. Vimos que dependiam de intermediação legislativa. Então, tinham eficácia negativa, a ponto de invalidar a legislação contrária a ela, mas não tinham eficácia positiva. Não eram aptas a ser aplicadas diretamente ao caso concreto. Não se podia exigir aquele direito baseado diretamente no que a Constituição estabelece. Então, tem autores que sustentam isso, ou seja, que alguns direitos sociais estão consagrados em normas de eficácia limitada e essas normas teriam apenas uma eficácia negativa, não teriam eficácia positiva. Ou seja, poderiam invalidar a legislação contrária, mas não poderiam ser aplicadas diretamente ao caso concreto, não sendo aptas a gerar direitos subjetivos. Claro que não são todos os direitos sociais porque alguns estão consubstanciados em regras.

2º Argumento – A intervenção do Judiciário seria antidemocrática e violaria a separação dos Poderes.

Este segundo argumento consiste basicamente no seguinte: se vocês observarem os direitos sociais consagrados na CF, vão perceber que muitos deles tem o que se chama de textura aberta. O que significa isso? Significa que a CF consagra direitos sociais de foram genérica para permitir a concretização desses direitos pelos Poderes Públicos, para que os Poderes públicos na hora de concretizá-los possam escolher as prioridades a serem atendidas. A textura aberta permite a concretização dos direitos por parte dos poderes públicos. Isso para que os Poderes Públicos possam eleger quais as prioridades ele quer atender. Quais são as prioridades que naquele momento devem ser atendidas. Por isso, elas tem essa textura aberta, par que os Poderes Públicos escolham as prioridades a serem atendidas.

O constituinte consagra os direitos sociais em normas abertas, genéricas e deixa aos Poderes Públicos a tarefa de escolher as prioridades. Essas prioridades serão definidas pela maioria. É a maioria que vai dizer se a prioridade hoje é a segurança pública, se a prioridade hoje é a educação, se a prioridade hoje é saúde. Estas políticas públicas são definidas pela maioria, que elege as prioridades. Não há como priorizar tudo. É preciso fazer escolhas e quem deve fazer isso são os Poderes Públicos, o Legislativo e o Executivo.

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Numa sociedade democrática, pluralista, essa abertura dos direitos sociais não é um defeito. É uma característica.

Então, o argumento dos que são contrários é o seguinte: se cabe aos Poderes Públicos Legislativo e Executivo que são os eleitos para esse fim estabelecer prioridades, o Judiciário que não foi eleito para esse fim não pode entrar no mérito do ato para dizer que a prioridade não é a segurança, mas a educação. Quem deveria escolher as prioridades seria o legislativo e o Executivo que foram eleitos para esse fim, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes.

b) Argumentos favoráveis

1º Argumento – Déficit democrático das instituições representativas da sociedade.

Esta questão está diretamente ligada ao ativismo judicial, que temos acompanhado no Brasil recentemente. O Legislativo e o Executivo têm as prioridades para estabelecer quais são as prioridades. Num estado democrático esta função não cabe ao Judiciário. Não é ele que tem que implementar direitos, mas o Legislativo e o Executivo. O problema é quando eles não fazem o que deveriam fazer. Se fizessem, o Judiciário não precisaria intervir. Agora, quando os Poderes Públicos se omitem ou retardam indefinidamente o cumprimento de um direito, aí se torna necessária a intervenção judicial. Então, o déficit democrático, essa falta de credibilidade da população no Legislativo e no Executivo, essa omissão deliberada do legislador, que não faz as leis que deveria fazer, tudo isso faz com que o Judiciário tenha que intervir.

O jogo da separação de Poderes não é estático. Ele é dinâmico. Os Poderes se movimentam de acordo com as ondas de opinião pública. Então, se você tem um determinado Poder que age de forma incompatível com o sentimento da sociedade, com aquilo que a sociedade acha que é o correto, geralmente esse poder acaba se encolhendo e o outro Poder vai se ampliar. São 36 líderes de bancada no Congresso. Praticamente 1/3 (11 do total) respondem a inquérito penal no STF (desde formação de quadrilha a lavagem de dinheiro). Do total de deputados federais e senadores, 25% respondem a inquérito ou processo penal no STF.

Resumindo: Numa situação perfeita, quem deveria implementar esses direitos seria o Legislativo e o Executivo porque eles foram eleitos para isso. No entanto, quando não fazem o que deveriam fazer, o Judiciário deve e pode atuar, para corrigir essa omissão deliberada.

2º Argumento – Caráter normativo da Constituição.

Se a Constituição antes era vista como instrumento apenas político, hoje sabemos que ela é vista como instrumento jurídico, não apenas de caráter político. Sendo ela um instrumento de caráter jurídico, a Constituição só possui em seu interior normas jurídicas. Ela não tem conselhos, não tem exortações morais, não tem diretrizes que o Legislador possa ou não seguir... Ela é formada por normas jurídicas em razão desse caráter normativo (não tem conselhos, exortações morais, nada disso)!

Quando o Poder Judiciário aplica uma norma de direito social, ele está fazendo a sua função, que é aplicar o direito ao caso concreto. Ele não está usurpando função. Ele está exercendo sua função típica, está simplesmente aplicando a Constituição.

“O Poder Judiciário ao aplicar um direito social estaria apenas aplicando uma norma da Constituição.”

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Ou seja, não há qualquer violação ao princípio da separação dos Poderes. Ele está exercendo a sua função típica, jurisdicional. Como o direito social está consagrado em uma norma da Constituição, o Judiciário estaria apenas aplicando essa norma. Existe um princípio que, a meu ver reforça muito esse argumento, que é o princípio da inafastabilidade da função jurisdicional. A função do Judiciário não pode ser afastada se há previsão na Constituição desses direitos. Portanto, este argumento de que a adjudicação judicial dos direitos sociais seria uma usurpação à separação dos Poderes porque isso não seria uma função do Judiciário e sim do Legislativo é assim rebatido.

3º Argumento – Democracia não se resume à vontade da maioria nem à realização de eleições periódicas. Para que haja uma vontade verdadeiramente livre é necessária a fruição de direitos básicos.

Então, esse argumento de que seria antidemocrático porque seriam as maiorias que deveriam decidir quais seriam as prioridades a serem escolhidas é rebatido com este terceiro argumento que vimos aí.

Democracia em seu aspecto substancial não é aquilo que só a maioria deseja, não é apenas você ter eleições realizadas periodicamente. Democracia abrange também fruição de direitos, inclusive por parte das minorias. As minorias também devem ter acesso aos direitos básicos porque senão não haverá uma vontade verdadeiramente livre. Como que uma pessoa pode escolher um representante de forma verdadeiramente livre se ela não tem nem o que comer, se ela não tem acesso à saúde, à educação, se não sabe interpretar uma informação? Para que haja uma vontade verdadeiramente livre, os direitos sociais básicos têm que ser assegurados. Porque, do contrário, você tem uma falsa democracia, uma falsa vontade.

4. RESERVA DO POSSÍVEL

É uma expressão que tem sido bastante usada no nosso direito, na nossa doutrina, principalmente pelo Estado, quando ele se recusa a cumprir determinados direitos sociais. O que seria essa reserva do possível?

Esta expressão surgiu na Alemanha em 1972, em uma decisão do Tribunal Constitucional Federal. Em que sentido surgiu esse tema? O caso que o tribunal julgou em 1972 tratava de alunos que queriam ingressar em determinada universidade. Não há na Constituição alemã o direito à educação. Alguns alunos entraram com uma ação dizendo o seguinte: se não conseguirmos ingressar na Universidade não teremos liberdade de escolher livremente o que queremos e o direito de liberdade de escolha profissional estava consagrado na Constituição Alemã. Queriam que o Estado fornecessem as vagas necessárias para o acesso ao ensino superior. O tribunal alemão entendeu o seguinte: para que alguém tenha plena liberdade de escolher sua profissão, seu ofício, é desejável que ela tenha acesso à universidade porque se não tem este acesso não tem a liberdade plena naquilo que ela quer atuar. No entanto, não se tem como exigir do Estado que forneça a todos este acesso por uma questão de reserva do possível. O Estado não tem como atender a todas as demandas sociais por mais desejável que ela seja. Como neste caso. O desejável era que o Estado atendesse, mas em razão da reserva do possível, não tem como providenciar vagas para todos. Então, com base na reserva do possível, o tribunal alemão entendeu que aquelas pessoas não teriam direito a entrar na universidade fora do número de vagas permitidas. Foi aí que surgiu a reserva do possível e alguns autores trouxeram isso para o Brasil.

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Tem um autor que é alemão e que veio para o Brasil, hoje é professor na Universidade em Alagoas, chamado Andreas Krell, e ele tem um livro que é até bastante citado, inclusive pelo Supremo onde ele fala dos direitos sociais no Brasil e na Alemanha. Para ele, por exemplo, essa questão da reserva do possível não é cabível no direito brasileiro, em razão das nossas particularidades (pobreza, escassez de implementação de direitos sociais, etc.).

Já o Daniel Sarmento tem uma posição exatamente contrária ao do Andreas krell. Ele diz que no caso a reserva do possível se aplica no direito brasileiro com muito mais razão do que no caso do direito alemão porque as nossas limitações orçamentárias são muito maiores do que as da Alemanha. Eu acho que é um posicionamento mais correto.

A reserva do possível, nas suas diversas dimensões, está ligada diretamente ás limitações orçamentárias que o Estado possui. O que está ligado aos direitos sociais é o mínimo existencial (que veremos adiante). Quando se fala em mínimo existencial, isso se aplica com muito mais razão do que no caso da Alemanha. E aqui no caso da reserva do possível, o raciocínio deve ser o mesmo. Nossas limitações orçamentárias são muito maiores do que no caso da Alemanha. Aqui, com mais razão essa análise da disponibilidade fática, com mais razão, deve ser feita, para que todos possam fruir igualmente daqueles direitos que o Estado deve proporcionar.

(Fim da 1ª parte da aula)

Segundo Ingo Sarlet, são três as dimensões da reserva do possível:

4.1. Possibilidade Fática

“Consiste na disponibilidade de recursos necessários à satisfação do direito prestacional.”

Este é o aspecto, talvez, mais delicado e que deve ser analisado com o maior cuidado: A disponibilidade orçamentária para atender àquela demanda. Há casos em que há dois tipos de tratamento: um que é mais avançado, mas o custo é muito maior e um outro que é menos avançado mas não tão eficaz. Pode se exigir do Estado esse tratamento mais eficaz? Houve um caso no Rio de Janeiro em que o Estado foi obrigado a custear um tratamento em Cuba, para pessoas que tinham problema de visão. Um tratamento que, segundo a ANVISA, não tinha o efeito desejado, não era capaz de resolver aquele problema e o TJ determinou que o Estado custeasse. Então, essas questões, sobre a qualidade e eficácia dos medicamentos, tratamento feito em outros países, são bastante delicadas. Há, sobre isso, dois posicionamentos: O Estado tem que ter recursos para atender àquela prestação de forma individual ou o Estado tem que ter o recurso necessário para atender àquela prestação de forma universal. Qual parece mais razoável: Disponibilidade financeira para atende àquela questão de forma individual ou universal?

“Segundo Daniel Sarmento, a pretensão deve ser universalizada.”

Quando se fala em possibilidade fática para atender determinada prestação, não pode ser analisada somente em relação àquela pessoa porque, em razão do princípio da igualdade, todos os que têm o mesmo problema, tem o mesmo direito. Então, você deve universalizar aquela pretensão para ver se é razoável ou não Exigir do Estado que ele custeie aquele tratamento em razão do princípio da igualdade, que impõe essa universalização da pretensão. Você vai analisar se é razoável exigir do Estado não só para aquela pessoa, mas para todas as pessoas que se encontrem naquela situação. Não é justo que o Estado custeie o tratamento de A e deixe de fora outras pessoas com o mesmo problema.

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Qual é a solução que tem sido proposta por muitos autores para resolver essa questão da universalização? Alguns autores têm pensado na maior utilização das ações coletivas porque essa análise macro, feita pelo judiciário fica mais fácil de ser feita quando você tem um ação coletiva porque se analisa não um caso isolado, mas todas as pessoas.

Fato curioso que acontece no Brasil. As decisões judiciais são muito mais generosas nas ações individuais do que nas ações coletivas. O juiz não faz análise de macrojustiça, e sim de microjustiça.

4.2. Possibilidade Jurídica

“Consiste na análise de existência autorização orçamentária para cobrir as despesas e das competências federativas.”

Os gastos a serem feitos devem estar previstas em lei (no orçamento) e definidas as competências.

Às vezes o município não tem como atender todas as pretensões, mas no âmbito da União haveria orçamento suficiente para atender àquelas despesas.

4.3. Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação

Nesta última dimensão deve ser analisado se é razoável ou não exigir do Estado aquele tipo de prestação e em que medida deve ser exigida.

Uma questão importante quando se fala em reserva do possível: quem alega a reserva do possível? É um argumento utilizado pelo Estado para sua defesa. Nós sabemos que se o Estado vai fazer isso, quem tem que demonstrar a impossibilidade é o Estado. O Estado é que tem que provar que não tem recursos necessários para atender àquela prestação. Não basta invocar genericamente. Ele tem que provar que não tem como atender à demanda.

O que se vê muito é o Estado alegar que em razão a reserva do possível não tem como atender, mas sem qualquer tipo de demonstração de que aquela demanda, se for universalizada, não teria como ser atendida. E isso tem que ser feito de forma clara.

O Ministro Celso de Mello fixa um parâmetro interessante para ser usado numa prova (Salvo engano ele usou isso na ADPF 45):

“O Estado deve demonstrar a existência de justo motivo objetivamente aferível.”

Este não pode ser um motivo subjetivo. Ele tem que demonstrar que para essa pessoa, a prestação custa X, existem tantas pessoas que estão na mesma situação e o gasto seria tal. Orçamento é este, eu tenho disponibilizado para saúde tanto e não tenho como atender a esta demanda. Tem que demonstrar de forma objetiva como seria atender essa demanda e não apenas alegar reserva do possível.

Em relação à reserva do possível, esses são os aspectos que vocês deveriam saber. Vamos agora falar do mínimo existencial que está diretamente ligado à reserva do possível.

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5. MÍNIMO EXISTENCIAL

Vocês vão ver que as duas coisas estão interligadas: mínimo existencial e reserva do possível.

A expressão mínimo existencial surgiu em 1953, no direito alemão, em decisão do Tribunal Administrativo Federal. O Tribunal constitucional Federal da Alemanha, depois, passou a usar a expressão em alguns dos seus julgados.

O que seria o mínimo existencial e de onde é retirado do texto da Constituição? Quem trouxe isso do direito alemão para o direito brasileiro foi o professor Ricardo Lobo Torres (UERJ).

O mínimo existencial seria retirado de onde do texto constitucional? Basicamente de três normas:

Dignidade da pessoa humana Liberdade material Princípio do Estado Social

È da conjugação desses três fatores que se retira esse conceito mínimo existencial. Há na doutrina, pelo menos duas posições quanto ao conteúdo do mínimo existencial (quais seriam os direitos que fazem parte deste mínimo existencial):

1ª Posição: Ricardo Lobo Torres – Segundo ele, “o mínimo existencial não teria um conteúdo definido.” Ele entende que estes direitos básicos vão depender de cada época, de cada sociedade. O meio ambiente pode não ter sido um direito essencial e em outra época, sim. É preciso analisar a época e a sociedade. De acordo com isso, o mínimo existencial variaria.

2ª Posição: Ana Paula de Barcellos (UERJ) – Procura delimitar o conteúdo do mínimo existencial segundo a realidade brasileira. Segundo ela, o mínimo existencial englobaria o direito à educação fundamental (art. 208, I) como parte do mínimo existencial, direito à saúde, assistência aos desamparados (no Brasil temos a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, que prevê um benefício de 1 salário mínimo para os que são extremamente pobres. Mesmo que nunca tenham contribuído têm direito ao benefício) e o acesso à Justiça. Não adianta dizer que esses direitos fazem parte do mínimo existencial se a pessoa não tiver acesso à Justiça. Há autores que colocam o direito à moradia, como parte do mínimo existencial.

Questão de prova: “Qual dos direitos sociais do art. 6º não estava previsto originariamente na Constituição?” O direito à moradia. Foi incluído por emenda Constitucional. Era o único que não estava originariamente previsto na Constituição.

Quando se fala em direito à moradia, não é direito a receber do Estado uma casa. O direito à moradia, dentro do mínimo existencial, seria o direito de ter ao menos um local onde se recolher durante a noite. O direito à moradia dentro da nossa realidade, é o direito a um abrigo.

Muitos poderiam pensar o seguinte: todos esses direitos já estão no texto da CF. Por que se falar em um mínimo existencial? Por que não falar em um máximo existencial para que, não

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só esses, mas todos os demais direitos sejam implementados? Porque essa idéia de mínimo e não a idéia de máximo existencial? Os direitos sociais têm um paradoxo. Quanto mais você consagra um direito social no texto da Constituição maior é o risco de esse direito não ter efetividade.

“Quanto maior a consagração formal de direitos sociais, maior a dificuldade de lhes garantir uma aplicação efetiva.”

Quanto mais isso acontece, maior é o risco de que fiquem no papel e não sejam implementados. A preocupação que gira em torno do mínimo existencial, é quanto à efetividade. É um subgrupo menor dentro dos direitos sociais, criado exatamente para dar efetividade a esses direitos, para que não fiquem apenas no papel.

Aqui vamos ver novamente dois pontos de vista diferentes em relação ao mínimo existencial.

1º Ponto de Vista: Ingo Sarlet – Para ele, “em relação ao mínimo existencial, não se pode alegar a reserva do possível”. É como se para ele, o mínimo existencial tivesse um caráter absoluto. Absoluto no sentido de que em relação a esses direitos que compõem o mínimo existencial (educação fundamental, saúde, assistência aos desamparados, acesso à Justiça), o Estado não poderia alegar reserva do possível.

2º Ponto de Vista: Daniel Sarmento – Tem um artigo (“Proteção Judicial dos Direitos Sociais – Alguns parâmetros ético-jurídicos”) muito interessante onde estabelece alguns parâmetros ético-jurídicos e o posicionamento dele é diferente. Segundo Daniel Sarmento, “o mínimo existencial exige um ônus argumentativo maior do Estado no que se refere à reserva do possível”.

Para Ingo Sarlet, o Estado, com relação ao mínimo existencial, não pode alegar reserva do possível. Ele tem que atender àqueles direitos, independentemente de qualquer argumento. Já para Daniel Sarmento, ele até poderia alegar a reserva do possível, só que o ônus argumentativo do Estado seria muito maior do que dos outros direitos sociais. Ele teria que demonstrar de forma muito mais ampla e profunda que, realmente, não tem como atender àqueles direitos. É como se, entre uma ponderação entre mínimo social e direitos sociais, o mínimo social tivesse um valor muito maior do que os outros direitos sociais, exigindo do Estado maior ônus argumentativo para poder afastá-lo.

“Mínimo existencial é aquele conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna.”

Quando vocês forem tratar de reserva do possível em prova dissertativa, não deixem de mencionar o mínimo existencial e vice-versa, já que estão interligados.

6. VEDAÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL

Quando estudamos poder constituinte, eu falei do princípio da vedação de retrocesso como uma das limitações metajurídicas ao poder constituinte. Vamos recordar o que é o princípio da vedação do retrocesso para que vocês não confundam com essa vedação do retrocesso social que veremos aqui agora.

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Princípio da Vedação de Retrocesso – Quando estudamos o poder constituinte, vimos que há alguns direitos fundamentais, que foram conquistas da sociedade e que não poderiam ser objeto de um retrocesso quando uma nova Constituição fosse elaborada porque se essa Constituição não respeitasse aqueles direitos fundamentais consagrados e respeitados pela sociedade (são direitos que não foram dados, foram conquistados), haveria um retrocesso. Essa é a proibição de retrocesso em relação a uma nova constituição que serve como limitação ao poder constituinte originário.

A vedação de retrocesso social é bem diferente. Está ligada diretamente ao princípio da segurança jurídica. Quando se fala em retrocesso social, o primeiro aspecto importante é que retrocesso social não tem nada a ver com retroatividade.

Consideremos que um direito social foi consagrado num momento. Tempos depois, veio uma lei extinguindo a concretização desses direitos sociais. Ela não vai retroagir, obviamente, não vai atingir aqueles direitos sociais que foram adquiridos entre a consagração do direito e o advento da lei. Porque isso seria retroatividade da lei e não estamos falando disso. Estamos falando de retrocesso. Seria a lei, a partir da sua promulgação, não consagrar mais aqueles direitos. Seria um retrocesso nos direitos sociais conquistados pela sociedade. Este é o primeiro aspecto importante.

O segundo aspecto consiste em estabelecer a diferença entre esse retrocesso social e aquele retrocesso que estudamos no poder constituinte originário? A questão gira em torno do seguinte: Vimos que os direitos sociais consagrados em uma Constituição em se tratando de uma sociedade democrática, pluralista, esses direitos sociais tem uma textura aberta, para permitir a concretização desses direitos pelos Poderes Públicos.

Já a “vedação de retrocesso social, ela se refere à concretização infraconstitucional dos direitos sociais”. Portanto, ela é uma limitação, não ao poder constituinte, mas aos Poderes Públicos, ao Legislativo e ao Executivo, que são os responsáveis pela concretização desses direitos sociais. É diferente daquela porque limita o poder constituinte originário.

José Carlos Vieira de Andrade, autor português, trata da vedação do retrocesso com um argumento interessante: Como os direitos sociais geralmente são consagrado em normas abertas a pessoa não pode dele usufruir diretamente, dependendo da concretização pelos poderes públicos, a partir do momento que a concretização é feita, é como se essa concretização passasse a fazer parte do próprio direito social. É como se ela passasse a ter um status constitucional. Ela seria uma concretização materialmente constitucional.

“A concretização deve ser considerada materialmente constitucional”. Então, ainda que não tenha forma de norma constitucional porque não foi feita por emenda, o conteúdo desta concretização seria constitucional porque o direito social depende dela para ser usufruído. É como se o direito social fosse uma esponja que sugasse aquela concretização para ele. E a partir do momento que a concretização passa a ter esse status constitucional, esses Poderes Públicos ficariam limitados, de maneira que não poderiam mais retirar aquela concretização.

“A partir do momento que a concretização passa a ter status constitucional, atua como um limite aos Poderes Públicos.”

De onde essa idéia de vedação do retrocesso é retirada da nossa Constituição, já que não há nenhum dispositivo constitucional no Brasil dizendo que não poderá haver retrocesso social? De onde que ela é abstraída? De vários direitos:

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1º) Dignidade da Pessoa Humana (aquele que fundamenta tudo)2º) Princípio da Máxima Efetividade (art. 5º. § 1º)3º) Princípio do Estado Democrático e Social de Direito.

Então, é desses três dispositivos constitucionais que podemos abstrair a idéia de vedação de retrocesso social. Eles é que impediriam o retrocesso social por parte dos poderes públicos e aí entra a questão que a meu ver é a mais importante:

Até que ponto essa vedação de retrocesso seria considerada ilegítima?

Aqui também há dois posicionamentos:

1º Posicionamento: Gustavo Zagrebelski – Autor que foi juiz da Suprema corte italiana e que tem sido um dos principais teóricos do neoconstitucionalismo. Para ele, “consiste no impedimento de redução do grau de concretização de uma norma de direito social.” A posição dele é meio radical. Ele diz que a partir do momento que um direito social é concretizado, não pode haver qualquer redução no grau de concretização desse direito. O grau tem que ser mantido ou ampliado. Reduzido, jamais, senão haveria um retrocesso social e qualquer retrocesso social seria ilegítimo. O problema desse posicionamento esbarra no orçamento que é limitado. Se você tem um aumento da arrecadação, você tem como aumentar a concretização dos direitos sociais, sem problema. Agora, quando você tem uma manutenção ou redução do orçamento, se você tiver um posicionamento tão radical como o dele, você acaba engessando o Executivo e o Legislativo. Vamos supor que hoje a prioridade do governo seja o direito social do laser. E o dinheiro é investido nesses aspectos. Aí vem um novo governo que resolve priorizar a segurança pública. O orçamento é limitado. Por esse pensamento, escolhas de prioridades não poderiam ser feitas no sentido de reduzir uma prioridade para ampliar outra.

2º Posicionamento: José Carlos Vieira de Andrade e Jorge Miranda – “A liberdade de conformação do legislador seria praticamente eliminada se ele fosse obrigado a manter integralmente o grau de concretização.” Sobre a vedação de retrocesso social, entendem o seguinte: “essa vedação impede apenas a revogação arbitrária ou desarrazoada que leve a um retrocesso injustificável.” Segundo esses autores, a vedação de retrocesso não impediria qualquer tipo de redução no grau de concretização de um direito. Só faria isso quando essa redução for desnecessária, for arbitrária, não tiver uma justificativa plausível. Se for redução para que outro direito seja ampliado, neste caso, poderia haver uma redução, para que não haja um engessamento dos Poderes Públicos em relação à concretização de direitos. A liberdade de conformação do legislador é a regra. A regra é a vedação de retrocesso. O legislador deve ter ampla liberdade, exceto se for para agir de forma desarrazoada.

Um último detalhe que é importante: quando se fala de vedação de retrocesso social, não se quer dizer que todos os direitos sociais devam ser literalmente mantidos como estão no texto da Constituição. Não é nesse sentido, de que não pode haver qualquer tipo de modificação em um direito social. A vedação do retrocesso atinge aqueles direitos sobre os quais existe um consenso profundo em torno deles. Não é qualquer direito social. Por exemplo, essa questão de crédito trabalhista. Não foi nem a concretização foi modificada. O próprio direito previsto na CF foi modificado. Antes, a CF impunha um prazo de 2 anos para o trabalhador rural ajuizar ação trabalhista que poderiam pleitear aqueles direitos sem qualquer prazo prescricional, desde que o fizesse em dois anos. Era comum o empregado rural ganhar a própria fazenda do patrão para pagar créditos trabalhistas. Houve uma reforma e este direito social passou a ter o mesmo limite de cinco anos do caso dos empregados urbanos. Esse tipo de modificação não viola a vedação de retrocesso. Não é com relação a isso que ela está preocupada, mas com relação aos direitos sobre os quais existe um consenso profundo da sociedade.

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DIREITOS DE NACIONALIDADE

O primeiro ponto importante é uma definição do que seriam esses direitos até para não confundir povo, população e nação.

1. DEFINIÇÃO

“Os direitos de nacionalidade consistem no vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado fazendo dele, indivíduo, um componente (um componente do quê? Do povo, da nação ou da população?) do povo.”

Apesar de nacionalidade derivar do termo natio, que significa nação, o conceito de nacionalidade não está ligado ao conceito de nação, mas ao conceito de povo. No caso do Brasil, o povo brasileiro compreende quem? Os brasileiros natos e naturalizados. Quando se fala em povo brasileiro, são os brasileiros natos e naturalizados. É diferente de nação, que é um conceito mais homogêneo. À nação as pessoas estão ligadas por laço cultural, histórico, língua, etc.

O conceito de povo não se confunde com o de população porque população é todo mundo que mora no território brasileiro, inclusive os estrangeiros. Um estrangeiro que mora no Brasil faz parte da população brasileira, mas não faz parte do povo brasileiro.

Vamos estudar aqui quais são os critérios que a Constituição utiliza para atribuir esse vínculo de nacionalidade.

2 ESPÉCIES DE NACIONALIDADE

A nacionalidade pode ser de duas espécies:

Nacionalidade PRIMÁRIA ou ORIGINÁRIA

Nacionalidade SECUNDÁRIA ou ADQUIRIDA

Qual é o critério que a Constituição utiliza para atribuir a nacionalidade primária ou a nacionalidade secundária?

A nacionalidade primária leva em consideração o nascimento, já a secundária leva em consideração a vontade do indivíduo. Ele adquire por um ato de vontade.

Os países têm soberania para decidir sobre os critérios que adotarão. Os países como a Itália, Alemanha, onde houve uma emigração muito grande, normalmente adotam o critério do ius sanguinis para manter os laços com aquelas pessoas que deixaram o país com o Estado. Já países de imigração, como é o caso do Brasil, adotam o critério territorial como regra, porque era um país receptor.

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2.1. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA

Critério territorial ou ius soli

Critério Sanguíneo ou ius sanguinis

Então, nós temos a possibilidade de adoção desses dois critérios para a atribuição da nacionalidade primária. A maioria dos países hoje tem adotado o sistema misto, como é o caso do Brasil, que adota tanto o critério sanguíneo, quanto o territorial.

a) Critério territorial ou ‘ius soli’

O caso do Brasil, a regra geral, pós CF/88 era o critério territorial. Ele está previsto na Constituição, no art. 12, I, a. Nós vamos ler este dispositivo e vocês vão observar porque era considerado a regra geral, até a EC-54. Vocês vão observar que o critério territorial não exige nenhum outro requisito. Basta que a pessoa tenha nascido no território brasileiro, independentemente de qualquer outro requisito para que seja considerado como brasileira. Não importa se os pais são brasileiros ou não. Nasceu no território brasileiro é considerado brasileiro nato. A única exceção se refere aos pais a serviço de outro país.

Art. 12 - São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

Regra: Qualquer um, nascido no território nacional, é considerado brasileiro nato. Exceção: Se ambos os pais estiverem a serviço de seu país. Por exemplo: um diplomata alemão veio para o Brasil e se casou com uma brasileira. O filho dele será brasileiro nato. A lei alemã até vai reconhecer a nacionalidade alemã, mas a lei brasileira vai reconhecer porque a esposa não está a serviço de outro país. Um cônsul vem para o Brasil e se casa com uma norueguesa que não está a serviço do seu país. O filho deles será brasileiro nato. Um cônsul alemão vem para o Brasil e traz junto a esposa. O filho será brasileiro nato? Não será. É diferente de vir sozinho e casar com uma brasileira ou estrangeira que mora aqui.

Dois italianos, marido e mulher vêm para o Brasil a serviço da Áustria. Neste caso, o filho é brasileiro? Sim. Eles têm que estar a serviço de seu próprio país para entrar na exceção, se estiverem a serviço de outro país, o filho será considerado brasileiro nato.

O critério territorial, pois, sempre foi considerado regra: nasceu no território brasileiro, seja de pais brasileiros, seja de pais estrangeiros, é brasileiro nato, salvo se os dois forem estrangeiros e estiverem a serviço de seu país ou um deles estiver acompanhando o outro apenas.

b) Critério Sanguíneo ou ‘ ius sanguinis’

São três as hipóteses de aquisição da nacionalidade primária pelo critério sanguíneo. Nestas situações vocês vão ver que é necessário um outro requisito:

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a) Critério Sanguíneo + Critério Funcional (art. 12, I, b) – Filho de pai ou mãe brasileira desde que a serviço da República Federativa do Brasil.

Art. 12 - São brasileiros: I - natos: b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

Este dispositivo é exatamente a contraposição da alínea anterior. Da mesma forma que a Constituição reconhece como brasileiro nato o filho de pais estrangeiros que estejam a serviço de seu país, ela vai reconhecer a filhos de pais brasileiros em serviço no exterior a nacionalidade originária. Se os pais ou um dos pais estiverem a serviço do Brasil. Vejam que aqui a situação vai ser diferente. Basta que um dos pais esteja a serviço. Ele pode até ter se casado com uma estrangeira no país estrangeiro, mas será reconhecida a seu filho a nacionalidade brasileira.

O que se deve entender por ‘desde que esteja a serviço da RFB’? O entendimento é: desde que esteja prestando um serviço público, não importa se é para a União, para o Estado, para o Distrito Federal ou para o Município. É a contrapartida do dispositivo anterior.

Esta é uma regra que a maioria das Constituições consagra.

Na alínea c, do art. 12, I, passaram a ser consagradas, pela emenda 54, duas hipóteses: uma é a que já existia anteriormente:

b) Critério sanguíneo + critério residencial + opção confirmativa – Esse critério já existia antes da EC-54. Com a EC-54, houve uma mudança e consagraram um dispositivo com redação semelhante ao dispositivo originário. Já é a segunda emenda que este dispositivo tem. Voltou a consagrar a hipótese prevista originariamente:

c) Critério sanguíneo + registro na repartição competente

Hoje, como isso funciona:

Filho de pai ou mãe brasileira que nascer no exterior, mesmo que o pai ou a mãe não estejam a serviço do Brasil (mas passeando ou morando), hoje, com a EC-54 basta que o pai ou a mãe registre o filho na repartição competente. A partir daí, ele passa a ser brasileiro nato. E se o pai não registrar? O filho vai ficar com a nacionalidade do país onde nasceu, se for o caso. Quando esse filho estiver residindo no Brasil (é necessária a residência) e alcançar a maioridade, aí poderá optar pela nacionalidade brasileira. E se ele vier para o Brasil antes de alcançar a maioridade, como aconteceu com o filho do Ronaldo Fenômeno? Ele nasceu na Itália, onde o critério é ius sanguinis, pai e mãe brasileiros, e não tinha a nacionalidade italiana. Veio para o Brasil e não tinha como fazer a opção confirmativa porque tinha menos de 18 anos. O que acontece nesses casos? Ele recebe uma nacionalidade provisória até completar 18 anos. Quando isso acontece, fica suspensa a nacionalidade até o momento que venha a optar e ele pode fazer isso a qualquer tempo. Não há prazo.

Art. 12 - São brasileiros: I - natos: c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente (essa foi a hipótese acrescentada pela EC/54: registrou, automaticamente é brasileiro nato) ou (caso não tenha sido feito o registro) venham a residir na República Federativa do Brasil (tem critério residencial, tem que morar aqui) e optem, em qualquer tempo, depois de

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atingida a maioridade (porque senão ele não pode optar, por ser um critério personalíssimo), pela nacionalidade brasileira;

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