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Verónica Ribeiro da Costa Do voluntariado à cidadania e ser Socióloga Verónica Ribeiro da Costa julho de 2016 UMinho | 2016 Do voluntariado à cidadania e ser Socióloga Universidade do Minho Instituto de Ciências Sociais

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Verónica Ribeiro da Costa

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julho de 2016

Relatório de atividade profissional no âmbito do Mestrado emSociologia – área de especialização em Organizações e Trabalho

Trabalho efectuado sob a orientação daProfessora Doutora Ana Paula Pereira Marques

Verónica Ribeiro da Costa

Do voluntariado à cidadania e ser Socióloga

Universidade do MinhoInstituto de Ciências Sociais

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AGRADECIMENTOS

Estou grata pelo apoio incondicional da minha família. Refeições prontas a horas e roupas

cuidadosamente tratadas pela minha mãe, o cumprimento das obrigações escolares e de casa

pelos meus filhos Zé e Manel, a revisão paciente do texto pela minha irmã Clara, as dicas

informáticas preciosas do meu irmão Romeu e a partida serena da minha querida avó Lurdes

facilitaram a minha missão. A vontade de dar o meu melhor foi sendo alimentada nos momentos

menos fáceis por estes seres maravilhosos.

Os meus agradecimentos à minha orientadora que sabiamente soube usar as palavras de alento

nas fases mais especiais e respeitou sempre a minha liberdade valorizando e enriquecendo as

minhas decisões.

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RESUMO

Do voluntariado à cidadania e ser Socióloga

O presente documento constitui o meu relatório de atividade profissional, elaborado em

substituição da tese de dissertação, no âmbito do Despacho RT-38/2011, de 21 de junho, que

prevê a obtenção do grau de Mestre aos licenciados pré-Bolonha num curso de mestrado da

mesma especialidade em que obtiveram a licenciatura, ao abrigo do sistema de graus anterior à

implementação do Processo de Bolonha e que possuam mais de cinco anos de experiência

profissional relevante, mediante a apresentação e discussão pública de um relatório detalhado

sobre a sua atividade profissional.

Tendo em vista a conclusão do Mestrado em Sociologia, apresento neste relatório a minha

atividade profissional, procurando contextualizá-la através da inclusão dos meus estudos

académicos e formações artísticas e profissionais, enquadradas pelas metodologias e princípios

teóricos, técnicos e artísticos que nortearam o exercício das várias funções que fui assumindo ao

longo de mais de vinte anos de vida ativa.

Na primeira parte do relatório apresento a atividade desenvolvida, os locais e entidades onde e

para quem foi exercida, descrevendo sucintamente as funções assumidas, seguindo uma certa

ordem cronológica. Na segunda parte, desenvolvo uma reflexão crítica sobre o exercício da

profissão do sociólogo, questionando o âmbito da sua atuação recorrendo a uma breve análise

bibliográfica para a sua melhor compreensão. Termino o relatório com breves considerações finais

sobre ser sociólogo na atualidade.

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ABSTRACT

From volunteering to citizenship and being a Sociologist

This document constitutes my professional activity report, and was drawn up to replace the

dissertation thesis under the Dispatch RT-38/2011 of June 21, under which pre-Bologna graduates

can obtain the Masters degree in a course Masters in the same specialty in which they obtained

their college degree, under the degree system previous to the implementation of the Bologna

Process and who have more than five years of relevant work experience through the presentation

and public discussion of a detailed report on their professional activity.

In order to complete my Masters in Sociology, I present in this report my professional activity,

seeking to contextualize it through the inclusion of my academic studies and artistic and

professional training, framed by the methodologies and theoretical, technical and artistic principles

that guided the exercise of the various functions that I took over for more than twenty years.

In the first part of the report I present the activity I was involved in, the places and entities where

and for whom I worked, briefly describing the functions that I performed by following a certain

chronological order. In the second part, I present a critical reflection on the exercise of the

sociologist profession, questioning the scope of its actions and resorting to a brief literature review

for a better understanding. Finally, I write a short exposition about what it is like to be a sociologist

nowadays.

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS ......................................................................................................................... iii

RESUMO ......................................................................................................................................... v

ABSTRACT ...................................................................................................................................... vii

ÍNDICE DE SIGLAS - ABREVIATURAS ................................................................................................ 10

ÍNDICE DE FIGURAS ....................................................................................................................... 11

ÍNDICE DE GRÁFICOS ..................................................................................................................... 11

ÍNDICE DE QUADROS ..................................................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 12

PARTE 1. Percursos entre a academia e o profissional ...................................................................... 13

1.1. Na academia, não totalmente ............................................................................................... 13

1.2. Os princípios na experiência teatral e associativa .................................................................... 14

1.3. Do voluntariado ao trabalho remunerado ............................................................................... 17

1.4. “Resquícios” – ou nem tanto – da formação: a profissionalização da socióloga ........................ 19

1.5. A entrada na função pública como garantia da prática do voluntariado ..................................... 20

1.6. Ao serviço da política local: um exercício de cidadania ............................................................ 21

1.7. A CEC2012 e seu impacto na freguesia ................................................................................. 25

1.8. Na função pública: do sustento à vocação ............................................................................. 29

PARTE 2. Reflexão crítica sobre a profissão: alguns apontamentos teóricos ......................................... 33

2.1. A educação integral, do formal ao informal ............................................................................ 33

2.2. Das associações à política – do poder à cidadania ................................................................. 36

2.3. O exercício da profissão num mundo “conexionista” ............................................................... 38

2.4. Competências em perspetiva ................................................................................................ 40

2.5. Ser Socióloga ...................................................................................................................... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 49

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 52

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ÍNDICE DE SIGLAS - ABREVIATURAS

A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior

ACB – Associação Comercial de Braga

AFS – American Field Service

ARTAM – Associação Regional de Teatro de Amadores do Minho

CCPFC – Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua

CDU – Coligação Democrática Unitária

CEC2012 – Capital Europeia da Cultura em 2012

CEE – Comunidade Económica Europeia

CLIB – Colégio Luso-Internacional de Braga

FITE – Festival International de Théâtre d'Enfants et de Jeunes

GAPET – Grupo de Amigos Para a Eternidade no Teatro

GIP – Gabinete de Inserção Profissional

IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional

IPJ – Instituto Português da Juventude

INATEL — Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores

INE – Instituto Nacional de Estatística

PAAJ – Programa de Apoio às Associações Juvenis

QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional

RNAJ – Registo Nacional de Associações Juvenis

SAMA – Sistema de Apoios à Modernização Administrativa

SAUM – Serviços Académicos da Universidade do Minho

SIADAP – Sistema Integrado da Avaliação do Desempenho na Administração Pública

Tin.Bra – Grupo de Teatro Infantil de Braga

Tin.Gui – Grupo de Teatro Infantil de Guimarães

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UE – União Europeia

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Logótipo do Tin.Bra, elaborado pela Família Guimarães .........................................................15

Figura 2 - Capa da Obra 1, 2, 3, 4: O Princípio do Teatro ......................................................................16

Figura 3 - Convite para a exposição Mãos Dadas ...................................................................................26

Figura 4 - Foto cedida por D. Francisca Correia .....................................................................................26

Figura 5 - Cartaz sobre a recriação da Marcha da Fome ........................................................................27

Figura 6 - Cartaz do espetáculo "Marcha da Fome - Pevidém sustenta os seus Pobres" .........................28

Figura 7 - Escola de Arquitetura da Universidade do Minho ....................................................................29

Figura 8 - Cartão de visita do Clube de Poesia .......................................................................................30

Figura 9 - Cartaz do espetáculo "Duas Caras" .......................................................................................31

Figura 10 - Pêndulo de Foucault, Museu de Tecnologia de Viena............................................................49

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Agregados domésticos privados com computador, com ligação à Internet em casa e

com ligação à Internet através de banda larga (%)……………………………………………………………………… 35

Gráfico 2 - Despesa de capital das Câmaras Municipais: por domínio cultural (2012-2001)…………………..47

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 - Freguesia de Selho São Jorge – Vila de Pevidém – Guimarães. Censos de 2011 e 2001………..37

Quadro 2 - Situação da profissão por curso (%) - 2006 e 2007…………………………………………………………39

Quadro 3 - Relação da taxa de diplomados, taxa de desemprego total e taxa de desemprego com

ensino superior Portugal………………………………………….……………………………………………………………..41

Quadro 4 - Listagem das peças de teatro encenadas desde 1992 a 2011……………………………………….45

Quadro 5 - População empregada: total e por setor de atividade económica – Portugal – 1994…………….48

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INTRODUÇÃO

O presente relatório foi elaborado no âmbito do Despacho RT-38/2011, de 21 de junho, que prevê

a obtenção do grau de Mestre aos licenciados pré-Bolonha num curso de mestrado da mesma

especialidade em que obtiveram a licenciatura, ao abrigo do sistema de graus anterior à

implementação do Processo de Bolonha e que possuam mais de cinco anos de experiência

profissional relevante, mediante a apresentação e discussão pública de um relatório detalhado

sobre a sua atividade profissional.

Tendo em vista a conclusão do Mestrado em Sociologia, apresento neste relatório a minha

atividade profissional, procurando contextualizá-la através da inclusão dos meus estudos

académicos e formações artísticas e profissionais, enquadradas pelas metodologias e princípios

teóricos, técnicos e artísticos que nortearam o exercício das várias funções que fui assumindo. O

relatório apresenta-se por uma certa ordem cronológica ascendente que nem sempre foi possível

seguir pela inclusão de algumas considerações anacrónicas.

Na primeira parte, procuro articular uma breve narrativa biográfica ligada a atividades de

voluntariado com os meus percursos académicos e profissionais. O método privilegiado é o estudo

de casos, concretamente o meu próprio caso, recorrendo a fontes tais como o meu jornal pessoal,

fotografias, material de divulgação, como programas, cartazes, desdobráveis, entre outros.

Na segunda parte, desenvolvo uma reflexão crítica sobre a profissão de sociólogo aplicando

técnicas de recolha bibliográfica e pesquisa documental incluindo dados estatísticos

disponibilizados por organismos nacionais e internacionais.

Finalmente, termino o presente relatório apresentando breves considerações finais sobre os

desafios para o sociólogo na atualidade.

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PARTE 1. Percursos entre a academia e o profissional

1.1. Na academia, não totalmente

Há momentos que marcam o percurso de vida talvez porque exista uma complexidade de fatores

que favorecem a tomada de decisão. O período da formação académica no Ensino Superior (1990-

1994) apresentou-se como o mais profícuo, potencializado, por um lado, pela conquista da

maioridade e, por outro, pelo abandono parcial da casa de família.

Todo um campo se apresentava para explorar, apenas limitado por alguns condicionalismos

financeiros que a dependência ainda à família impunha. Eu não dispunha de um vencimento

porque os meus pais faziam questão de suportar as despesas com a minha educação formal.

Apenas me exigiam um bom aproveitamento. Contudo, era pouco para todas as despesas

relacionadas com estadia, alimentação e material escolar. Se aqueles condicionalismos

representavam uma limitação numa primeira fase, rapidamente se tornaram numa oportunidade.

Aproveitei todas as ofertas para colaborar em trabalhos de investigação de docentes da

Universidade, enquanto aluna da Licenciatura em Sociologia das Organizações, primeira edição

na Universidade do Minho. Destaco a colaboração com um docente que, apercebendo-se do

fascínio que eu tinha pelo teatro, emprestou-me uma obra que marcou o início de uma odisseia

ainda hoje inacabada. Trata-se de A Construção do Personagem de Constantin Stanislavski (1989).

A busca pelo autêntico, mesmo que no ato de representar, parecia-me o caminho a seguir tanto

na minha formação académica como nas atividades que estava prestes a abraçar.

Frequentei um curso de iniciação teatral, no qual participei em dinâmicas de grupo em que cada

elemento podia superar-se em nome de um trabalho coletivo sem nunca o resultado corresponder

meramente à soma das suas partes. Este caminho, que inicialmente se configurava como paralelo

à formação académica na área da sociologia, ganhava zonas de intercessão importantes para a

compreensão de várias teorias e autores. Destacam-se os autores ligados à Escola de Chicago

(1915-1940), Erving Goffman e a sua obra A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1989), e

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Jacob Levy Moreno com a sua obra O Teatro da Espontaneidade (1984)1. A abordagem qualitativa

será a dominante nos meus trabalhos empíricos para a Universidade durante o curso académico.

Decorridos oito anos, regressei ao ensino superior por sentir necessidade de complementar a

minha atividade profissional muito ligada à educação. Desta feita, concluo a pós-graduação em

Educação – Área de Especialização em Sociologia da Educação e Políticas Educativas, em 2003.

Conhecer a obra de Paulo Freire (2000; 2002) e todo o processo de alfabetização encetada no

Brasil deu-me mais alento, pois era um testemunho importante de intervenção na sociedade para

a sua mudança na melhoria das condições de vida das populações.

1.2. Os princípios na experiência teatral e associativa

Dois cursos foram muito importantes para complementar o caminho que eu decidi tomar. O

primeiro, previamente mencionado, durante um semestre do ano letivo de 1990-1991, foi o Curso

de Iniciação ao Teatro organizado pelo Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres

dos Trabalhadores (INATEL), delegação de Braga; e o segundo, o VI Curso de Encenação também

promovido pelo INATEL pela delegação de Lisboa, durante o mês de setembro de 1992, de forma

intensiva. Estavam reunidas as condições para legalizar o grupo que, entretanto, formei, depois

do primeiro curso, constituído maioritariamente por crianças. O processo, bastante complexo,

envolvendo a redação de estatutos, constituição de listas e elaboração do regulamento interno,

levou mais de dois anos. Finalmente, no dia 25 de maio de 1996 foram publicados, em Diário da

República, os Estatutos da Associação, reconhecidos pelo 2º Cartório Notarial de Braga no dia 6

de fevereiro de 1995. Esta é a data de formalização da Associação dedicada à cultura, com

vocação predominante para o teatro infantil e juvenil. Durante mais de uma década fui responsável

pela encenação, direção e formação dos atores, marketing, plano orçamental e relatório de contas,

filme e fotografia, entre outras funções, exercendo o cargo de presidente da direção. Tornou-se

um verdadeiro “balão de ensaios” para os conhecimentos académicos que estava a receber. Fazia

1 Segundo Moysés Aguiar, Psicólogo, com especialização em psicologia da arte, “Moreno está sendo reeditado na Inglaterra, por obra e graça de Zoli Figusch, psicodramista de origem húngara, radicado no país britânico, porém estreitamente vinculado ao movimento psicodramático brasileiro. […] Sua mais recente investida no campo editorial apresenta seu primeiro fruto: a reedição de The Theatre of Spontaneity, num ambicioso projeto em parceria com The North-West Psychodrama Association, […]. Esta obra é conhecida dos psicodramatistas brasileiros, principalmente através da tradução feita por Maria Silvia Mourão Neto, publicada pela Summus, em 1984. Antes disso, nosso contato se fazia através de edições em inglês ou espanhol. Ela foi publicada originalmente na Alemanha, em 1923, anonimamente. O próprio Moreno a traduziu, posteriormente, para o inglês, assumiu a paternidade e a revisou, reescrevendo algumas partes, para uma primeira edição nos Estados Unidos em 1947, pela Beacon House, e depois, sucessivamente, em 1973 e 1983, pela mesma editora por ele fundada e dirigida. É esse texto que aparece agora, em 2010, na Inglaterra” (Aguiar, 2010: 197-198).

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mais sentido, pois a componente teórica, bastante intensa, ofuscava por vezes mais do que

esclarecia.

Um dos primeiros trabalhos práticos foi trabalhar a imagem do grupo, antes mesmo de verem

formalizados os Estatutos. Havia necessidade de procurar um nome que o

identificasse, um logótipo e um conjunto de valores. A disciplina de Técnicas

de Informação e Publicidade do 4º ano foi bastante útil para esta matéria. O

resultado foi muito bom, pois teve uma aceitação positiva junto dos restantes

membros do grupo e demais públicos. Chamar-se-ia Tin.Bra – Grupo de

Teatro Infantil de Braga e o logótipo foi sugerido por duas irmãs, com cerca

de 13 anos, que participaram na sua fundação. Depois, foi preciso organizar

uma equipa de trabalho constituída por voluntários que assegurasse as

atividades mais administrativas da associação, tais como ofícios, relatórios,

conta corrente, elaboração de projetos, entre outros. Nesta área, as disciplinas de Sociologia do

Trabalho, Gestão de Recursos Humanos e Psicossociologia das Organizações foram muito

importantes para um enquadramento adequado e rigoroso da estrutura que se estava a criar de

raiz. A atividade mais visível - o teatro infantil e juvenil - tinha condições para crescer de forma

mais ou menos sustentada. Isto porque o valor da independência era central para que se

pudessem desenvolver trabalhos, por um lado, descomprometidos e, por outro, profundamente

envolvidos com temáticas tais como a justiça social, a igualdade de direitos, a participação cívica

e a liberdade. O estabelecimento de parcerias foi fundamental para garantir a qualidade das

produções teatrais em termos de cenários e guarda-roupa. Para as restantes áreas, contava-se

com a boa vontade de familiares e amigos que doavam o seu tempo em forma de serviços: compra

de tecidos, costura, pintura de cenários, cedência de adereços, entre outros.

O grupo não era apenas formado pelos seus membros mais diretos. Se assim fosse, não

sobreviveria mais do que um a dois anos. Envolver, primeiro os familiares das crianças e jovens,

num projeto que sentissem fosse também seu, foi essencial para garantir a sustentação e

independência da associação. Nestas condições, foram desenvolvidos trabalhos que acabaram

por ser reconhecidos por júris em Festivais de Teatro, como por exemplo os organizados pela

Associação Regional de Teatro de Amadores do Minho (ARTAM) e também pelo Festival

International de Théâtre d'Enfants et de Jeunes (FITE), em Toulouse França, representando

Portugal no dia 10 de junho de 1997, com a peça “O Grilo Assobiador” através da qual queríamos

Figura 1 - Logótipo do Tin.Bra, elaborado pela Família Guimarães

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denunciar o que se estava a passar em Timor Leste, sendo a atriz principal uma menina timorense

com então 12 anos, refugiada em Lisboa com o seu avô, único elemento da família que conseguiu

fugir à guerra. Foi uma experiência única porque houve necessidade de lhe ensinar português, por

um lado, e, por outro, foi uma oportunidade para se conhecer alguma cultura e costumes

timorenses na primeira pessoa. Esta viagem teve um enorme impacto no reconhecimento do

trabalho de intervenção que um grupo tão jovem e constituído, maioritariamente, por crianças e

jovens passou a ter no panorama local, mas também nacional. Os convites para apresentar

espetáculos surgiram um pouco de todo o lado. O grupo foi convidado para participar nas “manhãs

do Goucha” na TVI. Chegou-se à conclusão de que, na época, éramos o único grupo, em Portugal,

a apresentar teatro infantil. Havia muitos grupos a representar teatro para a infância, uns

profissionais e outros não. Os atores do grupo não tinham mais do que 14 ou 15 anos, tendo a

maior parte entre os 6 e 12 anos. Esta faixa etária requeria uma forte formação, pelo que,

influenciada pelos cursos que ia frequentando na área do teatro, dramaturgia, encenação,

organizei um programa diferenciado por faixas etárias que assegurasse uma formação integrada

do ator. Pretendia que a criança ou jovem encontrasse a sua função no grupo e para isso, era

necessário mostrar as várias valências, desde a criação artística - trabalho de ator, encenação,

luminotecnia, sonoplastia - à componente técnica – som, luz, equipamentos, vídeo, fotografia – e

até administrativa – agendamento de espetáculos, apoio de sala (adereços e pertences),

organização de convites e convívios. Este aspeto, apesar de importante, era secundarizado pelo

ensino sobre os valores do grupo, organizados a partir do seu próprio nome: “T” de Trabalho e

Tolerância, “I” de Iniciativa e Imaginação, “N” de Nobreza,

“B” de Bondade e Brincadeira, “R” de Respeito e

Responsabilidade, “A” de Amizade e Amor. A partir destes,

um dos membros criou a letra e música do Hino da

Associação, apresentado publicamente em 1998.

A montagem de uma a duas produções por ano,

acompanhada por atuações em vários palcos e localidades,

levantava uma necessidade: preservar os direitos de autor

dos textos criados ou adaptados pelo grupo, sob a minha

orientação. Em setembro de 1997, é lançado o livro 1, 2,

3, 4: O Princípio do Teatro, com as quatro primeiras peças

de teatro estreadas pelo grupo, com uma tiragem de mil exemplares.

Figura 2 - Capa da Obra 1, 2, 3, 4: O Princípio do Teatro

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Tive ainda a oportunidade de orientar duas pessoas: uma para o seu trabalho de final de curso

profissional do Porto, com a montagem de uma peça de teatro com as crianças, em 2002; outra

para conclusão da sua licenciatura em sociologia, em que trabalhou o grupo como organização de

educação não formal, em 20032. Ambos os trabalhos foram concluídos com sucesso e significaram

um importante momento de introspeção. Efetivamente, o trabalho com crianças constituía uma

gratificação ímpar. Tratava-se de uma faixa etária onde a verdade e a sinceridade imperavam. Com

adultos, a situação mudou totalmente. Eu tinha receio de não conseguir um bom resultado. Por

essa razão, o facto de ter sido um sucesso representou mais um momento de aprendizagem único.

A orientação implicou um compromisso sério de acompanhar sem impor, de encorajar sem

obrigar, de indagar sem insistir e para além disso de alguma cumplicidade.

O grupo alcançava a sua maturidade. Apesar disso, não era possível dedicar-me profissionalmente,

uma vez que as verbas conseguidas não chegavam para assegurar um vencimento. Tudo o que

se conseguia com as atuações pagavam uma parte das despesas. As restantes eram cobertas

pelos subsídios conseguidos, maioritariamente, junto do então Instituto Português da Juventude

(IPJ), através do Programa de Apoio às Associações Juvenis (PAAJ), e alguns junto da Câmara

Municipal de Braga.

1.3. Do voluntariado ao trabalho remunerado

Os meus primeiros trabalhos remunerados foram na área do teatro e foram conseguidos através

das pessoas que conheci no Tin.Bra. Fui professora da disciplina de Técnicas de Aplicação –

Expressão Dramática, na Cooperativa de Ensino MisarelaCoop, em Montalegre, durante o primeiro

semestre de 1993-1994. Os jovens alunos nunca tinham visitado uma sala de teatro. Com o apoio

da direção, organizei uma deslocação ao Theatro Circo para assistirem a um espetáculo. Com

estes alunos, tão empenhados, foi possível montar uma pequena representação sobre a lenda da

Ponte de Mizarela em apenas dois meses. No ano letivo seguinte, dei aulas de Expressão

Dramática, na Escola Secundária de Barcelos a alunos de 10º e 11º anos. A história local era

muito rica servindo de pano de fundo para uma das peças que montei com uma das turmas no

Paço dos Condes de Barcelos. Durante uma semana, os alunos representavam A Romagem dos

2 O relatório de estágio, defendido em dezembro de 2003 por Laura Amélia de Araújo Oliveira Batista, intitulava-se “Levantar o pano da socialização no teatro – o caso do Tin.Bra – Teatro Infantil de Braga”.

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Agravados de Gil Vicente, como trabalho de avaliação final. Como havia muita afluência, tivemos

que repetir o espetáculo mais do que uma vez por noite. A adesão foi muito positiva por parte do

público e os alunos estavam completamente comprometidos e envolvidos, tendo-se assistido a um

crescimento positivo nos seus desempenhos.

Entre 1994 até 1997, fui contratada como encenadora do grupo de teatro da associação Casa do

Professor de Braga. Semanalmente, reunia-me uma a duas vezes com um grupo de professores,

a maior parte reformados, que tinha como missão levar as histórias da Disney às escolas através

do teatro musical. O que mais admirava neste grupo era o sentido de humildade e a vontade de

aprender não obstante a minha idade, nalguns casos as diferenças podiam chegar aos 40 anos.

O Centro de Formação da Casa do Professor convidou-me a dinamizar uma ação de formação

destinada aos educadores de infância e aos professores dos 1º ao 3º ciclos do ensino básico.

Organizei o curso de Metodologia do Português com Recurso à Expressão Dramática, no âmbito

da formação contínua de professores, desde 1995 a 1997. Pude constatar o nível extraordinário

de criatividade do corpo docente com desempenhos excelentes ao nível da expressão plástica e

dramática. Então porquê que não se recorria mais vezes a estas expressões na sala de aula? Vários

foram os constrangimentos que me explicaram, principalmente relacionados com o cumprimento

criterioso de conteúdos programáticos deixando o horário totalmente preenchido. Outros de ordem

financeira, porque a escola não dispunha de verbas para custear os materiais necessários para

cenários e guarda-roupa.

No ano letivo de 2003-2004, orientei uma Oficina de Teatro no Colégio Luso-Internacional de Braga

(CLIB) para crianças. Apesar de se tratar de uma entidade privada, não existiam instalações

apropriadas para o desenvolvimento de atividades dramáticas. O polivalente acabou por ser o mais

adequado por ter um espaço aberto, sem cadeiras, nem barreiras arquitetónicas (colunas ou

escadas).

Este período revelou-se gratificante porque se tratava do reconhecimento de um trabalho, apesar

de voluntário, baseado em princípios profissionais de resultados surpreendentes. Em média, em

três anos de atividade intensa na associação, as crianças conseguiam melhores resultados na

escola. Uma das meninas que representava curou parcialmente uma paralisia facial, os tímidos

ganhavam à-vontade, os hiperativos acalmavam-se. Escutava-se e cada um tinha a sua voz. O

lema era “Com o teatro se vai longe”, sugerido por uma das crianças e aprovado por todos. Na

altura da criação do Tin.Bra, eu não esperava estes resultados. Esta descoberta foi tão importante

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que marcou a minha decisão de manter o trabalho coletivo voluntário com crianças e jovens como

uma missão. Mesmo que assegurar a sobrevivência implicasse outros trabalhos, a criação de uma

família obrigasse a um afastamento temporário, dificuldades na mudança de funções e do local

de trabalho, o comprometimento no envolvimento e formação de grupos manteve-se uma

constante no meu percurso de aprendizagem ao longo da vida. Nestes contextos, devolvi

competências, tais como gestão de conflitos, dinâmica de grupo, trabalho em equipa, tolerância,

criatividade, adaptação e flexibilidade, análise e resolução de problemas, planeamento e

organização, entre outras, que são centrais no desempenho das minhas funções atualmente, em

termos profissionais.

1.4. “Resquícios” – ou nem tanto – da formação: a profissionalização da socióloga

Os meus primeiros trabalhos remunerados como socióloga tiveram lugar a partir de 1994 até

1996, na área da formação profissional sobre organização pessoal e social, orientação profissional,

psicologia social e recursos humanos. Os formandos eram diversos, desde jovens a adultos

empregados e desempregados, em diferentes centros de formação. Ainda havia, nessa época, um

grande investimento da Comunidade Económica Europeia (CEE) em formação. Com a crise do

Vale do Ave, criaram-se novos programas de apoio à inserção sobretudo da mulher, uma vez que

esta foi a mais afetada com a crise dos anos 80, segundo os dados estatísticos da altura. São os

métodos, trazidos da minha atividade com o teatro, inovadores para a área da formação nos anos

90, que me popularizaram sendo contratada por várias entidades: centros de formação,

associações de professores e empresários, Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e

IPJ. Através de métodos ativos com os quais eu estava familiarizada, a exposição de conteúdos

tornava-se mais dinâmica e os formandos revelavam uma elevada motivação e conseguiam atingir

os objetivos de forma extraordinária, segundo as avaliações por eles realizadas e dos próprios

diretores dos centros de formação.

O primeiro estudo no qual colaborei como socióloga designava-se Identificação das Oportunidades

Nacionais Para o Comércio Local, a pedido da Associação Comercial de Braga (ACB), entre abril

e outubro de 1996. Para além da elaboração do inquérito a ser aplicado, levantamento do público-

alvo para a determinação da amostra, analisei os dados, colaborando no relatório final publicado

pela associação e apresentado publicamente num congresso.

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1.5. A entrada na função pública como garantia da prática do voluntariado

A dedicação à preparação das sessões de formação, a participação no referido estudo, aliada à

minha atividade voluntária nas associações, ocupava todo o tempo e pouco restava para mim.

Tomei consciência de que precisava de estabilizar a parte profissional para poder continuar a

garantir a minha participação associativa. Aceitei colaborar num serviço técnico-administrativo que

me oferecia um vencimento razoável e um horário fixo, a partir de 1997. Esta situação permitiu-

me constituir família, que tanto desejava, e continuar a dedicar-me ao Tin.Bra. Tratava-se do

Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC), um serviço público de âmbito

nacional, com sede em Braga. As minhas funções consistiam em analisar os pedidos de

acreditação de entidades formadoras, ações de formação e de qualificação de potenciais

formadores, dando pareceres técnicos sobre a sua possível acreditação. Uma das minhas missões

consistia na elaboração de relatórios parciais que, após aprovação pelas chefias, faziam parte do

boletim informativo, cuja organização e edição estavam sob a minha responsabilidade. Até

setembro de 2004, fiz atendimento personalizado aos representantes das entidades formadoras,

estabelecendo uma rede de contactos que possibilitou a organização de encontros nacionais sobre

a temática da formação do pessoal docente.

Alterações na minha situação familiar obrigaram-me a mudar de cidade, dificultando a dedicação

à associação. Um ano após a transferência da minha atividade profissional em outubro de 2004,

despedi-me do Tin.Bra, com grande pesar e com sentido de dever cumprido.

A intervenção na comunidade continuava, a partir dessa altura nos locais frequentados pelos meus

filhos. Primeiro, no centro infantil onde me ofereci para dinamizar jogos teatrais, devidamente

autorizados pelos encarregados de educação. A adesão foi positiva e a satisfação dos pequeninos

e pequeninas foi grande. Fiz questão em demonstrar ao público os trabalhos, que foram

amplamente aplaudidos. Nesta altura, a transformação a que eu assistia nas crianças do pré-

escolar já não me surpreendia. Confirmava-se o sentimento de realização de algo maior do que eu

própria porque o grupo funcionava mais do que um todo, contrariando a lógica da matemática

uma vez que o resultado ultrapassava a soma das partes e, logo, a magia continuava.

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Seguiu-se o primeiro ciclo e, novamente, ofereci-me para criar grupos por faixas etárias, com a

finalidade de montar pequenas peças de teatro a apresentar à comunidade escolar e familiar,

essencialmente, em dois momentos: na festa de Natal e na festa de final de ano. Porque não

ficava indiferente e fazia sugestões de melhoria nas reuniões gerais da escola, a associação de

pais convidou-me a participar nos órgãos sociais. Como eu já tinha tido mais de quinze anos de

experiência nos órgãos de direção, colaborei apenas na Assembleia Geral, porque pretendia

disponibilidade para continuar a criar projetos teatrais. A minha intenção era manter os grupos

informais e evitar a criação de uma nova associação dedicada ao teatro infantojuvenil. Sabia muito

bem que a componente administrativa de uma associação requeria muita disponibilidade, algo de

que eu dispunha de forma bastante mais reduzida. O trabalho de ator, a linguagem corporal, a

colocação e projeção da voz e o domínio do espaço cénico são áreas que voltei a pôr em ação

com as cerca de quase três dezenas de crianças entre os 5 e 10 anos, semanalmente. O

envolvimento dos pais, mais uma vez, contribuiu para o sucesso desta iniciativa. Havia uma nova

motivação para ir para a escola, a leitura melhorava e as professoras reconheciam a

complementaridade da atividade no sucesso escolar dos seus alunos. Permaneci cerca de cinco

anos na escola do 1º ciclo. Como os meus filhos passaram para a escola EB 2/3, voluntariei-me

para fazer teatro com os jovens.

Aí o desafio era bastante diferente. Alguns tinham experiência, mas pouca disciplina. Essa era

uma das maiores dificuldades pois o nível de comprometimento era baixo e os interesses vários.

Os horários estavam desfasados uns dos outros. Tinha a perfeita consciência de que não iria

resultar pois, para além das dificuldades já apontadas, o corpo docente estava muito pouco

envolvido nas atividades artísticas extracurriculares e a escola não dispunha de um espaço próprio.

O teatro não parecia ser uma prioridade.

1.6. Ao serviço da política local: um exercício de cidadania

Sem me aperceber, o meu envolvimento na vida associativa da vila chamava a atenção das forças

políticas locais. Recebi convites para integrar duas listas diferentes para a candidatura à junta de

freguesia. Os partidos locais não eram valorizados porque era nos seus líderes que as pessoas

mais acreditavam. Entre 2003 e 2005, fiz parte do Conselho Nacional do Partido Ecologista Os

Verdes, tendo tido a oportunidade de ter um contacto mais direto com as políticas nacionais.

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Localmente, a Coligação Democrática Unitária (CDU) estava no poder e demonstrava um bom

trabalho em prol da freguesia. A sua presidente era uma pessoa afável, comunicativa, humilde e

com uma grande força de vontade para resolver os assuntos das pessoas, por mais pequenos que

pudessem parecer. Aceitei integrar a lista da CDU, que acabou por ganhar as eleições a 9 de

outubro de 2005.

Como membro da assembleia de freguesia, dava o meu parecer nas áreas da juventude,

associações e cultura. Depois, tive o apoio incondicional do executivo da junta para criar o curso

de formação teatral de seis meses destinado aos jovens. Deste, resultou um grupo informal de

jovens no qual a atividade predominante era o teatro. Batizei-o como Grupo de Amigos Para a

Eternidade no Teatro (GAPET) porque a minha preocupação era o estabelecimento de amizades,

baseadas no contacto uns com os outros. Uma vez que eu dominava as técnicas ligadas à

representação, o teatro pareceu-me um forte meio para atingir os meus objetivos.

Entre 2005 e 2013, durante os dois mandatos em que estive envolvida na política local, o

condicionalismo financeiro que dominava muitos dos trabalhos que realizei no âmbito das

associações e obrigava-me a constituir uma rede de contactos extensa de voluntários deixava de

ser central. Obviamente, havia constrangimentos financeiros, mas em nada se comparavam com

a vida nas associações. Existia claramente uma vontade política de apostar na cultura. Tudo fluía

de outra forma e a criação rompia com algumas barreiras. Neste cenário, era possível manter os

dois grupos: o das crianças na escola do 1º ciclo, o grupo de Teatro Infantil de Guimarães (Tin.Gui),

e o dos jovens na sede da junta de freguesia, o GAPET. Eram grupos de intervenção que, à sua

maneira, iam dizendo e mostrando o que lhes ia na alma. Algumas produções baseavam-se em

textos de autores portugueses. Na maioria dos casos, o texto dramático surgia a partir de reflexões

e discussões no grupo à volta de temas pré-selecionados, também eles coletivamente. Este fio

condutor, desde as minhas primeiras experiências nos anos 90, continuava a fazer sentido e a

resultar em trabalhos pertinentes porque com significado para cada um dos seus membros. Era

também a metodologia mais rica porque a pessoa dava-se a conhecer nas suas posições,

pensamentos e sentimentos. Neste processo ia descobrindo as suas próprias contradições,

fraquezas e forças. Não só se dava a conhecer, mas conhecia-se a si mesma, fortalecendo as

relações no grupo, num processo dificilmente linear porque caraterizado por tensões, recuos e

avanços.

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Uma das iniciativas que realizei, envolvendo os jovens, foi o Encontro de Teatro Juvenil nos dias

27 e 28 de março de 2009. Três grupos demonstraram o seu trabalho dramático e conviveram

entre si. Convidei o grupo que fundei nos anos 90, o Tin.Bra, e outro com cariz escolar, sediado

noutro concelho. O público estava assegurado e comemorava-se o Dia Mundial do Teatro com a

Mensagem Internacional escrita, em português, por Augusto Boal3 e, em leitura dramatizada,

apresentei-a junto com outras mães ao som da música intitulada "August's Rhapsody", composta

por Mark Mancina, para o filme August Rush - O Som do Coração. A homenagem estava a ser feita

ao teatro, mas, sem me aperceber, também à pessoa, ao artista Augusto Boal pois, dois meses

mais tarde, era anunciada a sua morte. A sua mensagem terminava de forma majestosa: “Atores

somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!”.

Uma das lacunas sentidas pelas famílias que viviam na freguesia era a falta de programas de

ocupação dos tempos livres para crianças e jovens nos períodos de pausas letivas. Criei o

"Embarca em Pevidém”, um programa de ocupação dos tempos livres dedicado a crianças e

jovens entre os 6 e os 14 anos, em parceria com algumas empresas locais. Sem o investimento

da junta, este programa dificilmente poderia existir. Na primeira edição no Natal de 2007,

inscreveram-se cerca de setenta participantes. No ano seguinte, o número duplicou. Consegui a

licença de organização de Campos de Férias atribuído pelo então IPJ, aumentando as fontes de

financiamento. Várias empresas da localidade colaboraram e montou-se um programa

diversificado e de qualidade. Foi possível cobrar preços baixos junto da população que

demonstrava satisfação pela iniciativa. Foi a primeira vez que existiu um programa com estas

características: aberto a todos, independentemente da instituição escolar frequentada pelos

menores. O alcance social desta iniciativa ficou por avaliar. Contudo, a sua importância foi

evidenciada pela continuidade que a lista vencedora, atualmente no poder, e de um quadrante

político totalmente oposto, deu ao programa desde a sua tomada de posse em outubro de 2013.

Para os jovens acima dos 14 anos, criei programas de ocupação dos tempos livres em parceria

com o IPJ, desempenhando o papel de gestora de projetos nas áreas do brincar pedagogicamente

e da educação ambiental, entre 2007 e 2010. Os apoios financeiros escasseavam e deixou de

haver verba do governo central para a atribuição dos subsídios aos jovens participantes. Em 2011,

o IPJ propôs o programa “Voluntário Jovem para as Florestas”, comparticipando na atribuição de

3 É a primeira vez que o Instituto Internacional do Teatro, desde 1962 (ano de divulgação da primeira mensagem), convida uma personalidade da comunidade lusófona, sendo, em 2009, a mensagem original escrita em português e traduzida em mais de vinte línguas.

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um valor simbólico no subsídio a atribuir. Não ia deixar escapar esta oportunidade e apresentei a

candidatura em nome da junta de freguesia e, nesse verão, dez jovens estiveram ocupados a vigiar

as florestas da localidade. Os resultados foram apresentados ao público em geral no mês de

setembro, com a presença de representantes do IPJ. A avaliar pelas apresentações e intervenções,

os objetivos foram alcançados de forma bastante positiva, ultrapassando as expectativas. Desafiei

os jovens a aproveitarem os tempos “mortos” para criarem rotas pedonais nos três planaltos onde

estiveram. Desse trabalho, montaram desdobráveis que ofereceram aos presentes, convidando-os

a realizar caminhadas nos trilhos propostos e devidamente sinalizados.

As questões ambientais estiveram sempre muito presentes nas minhas prioridades. Quando em

2009 foi anunciado o projeto nacional “Limpar Portugal 2010”, sugeri ao executivo da junta de

freguesia a sua integração na proposta do plano de atividades para 2010, sugestão unanimemente

aceite. Era a primeira vez que se realizava esta atividade em Portugal, que tinha sido criada pela

Estónia, em 2008. Comecei a participar em formações através de reuniões concelhias. Com a

colaboração das associações locais, identificaram-se sete zonas, na freguesia, que necessitam de

intervenção urgente. Iniciei os contactos com pessoas chave que já tinham demonstrado

capacidade para assumir responsabilidades na organização de grupos e com espírito de liderança.

Selecionei sete líderes e apresentei sessões práticas com identificação dos locais, medidas de

segurança, entre outras. A junta participou no fornecimento de luvas e sacos e na coordenação de

toda a atividade. Algumas empresas colaboraram com a cedência de transporte e motorista e

houve uma que destacou alguns dos seus trabalhadores para participarem. Foram retiradas cerca

de 63 toneladas de lixo! As equipas não esperavam tal quantidade. O meu papel consistiu em

monitorar as equipas, fornecer sacos, avaliar a possível deslocação de uma equipa para ajudar

outra com mais trabalho, registar a quantidade que ia sendo retirada e reportar à Câmara

Municipal de Guimarães os resultados. O dia 20 de março de 2010 dificilmente será esquecido

pelo envolvimento sério das equipas e seus voluntários, pelo entusiasmo dos seus membros, pela

constatação da quantidade extraordinária de lixo depositado ilegalmente, pelo sentido de dever

cumprido na esperança de que se tenha passado um importante testemunho aos jovens que

participaram. E certamente por terem limpado profundamente o local onde se vive.

O executivo da junta de freguesia nomeou-me coordenadora dos Censos 2011. Tive a oportunidade

de conhecer caminhos que ainda não tinha percorrido, recordar os conteúdos da disciplina de

Geografia Humana e aprender a trabalhar com novos programas informáticos de apoio à

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Geografia, tal como o Geoedif. Uma das fases mais difíceis foi o processo de recrutamento de sete

recenseadores. A bolsa de desempregados disponível no Gabinete de Inserção Profissional (GIP)

da junta de freguesia contava uma lista extensa de nomes. A maior parte vivia na freguesia e a

pressão foi tremenda. O trabalho remunerado e aparentemente de fácil execução atraía o interesse

da maior parte. Contudo, foi necessário estabelecer alguns critérios: o primeiro, o da confiança;

segundo, preferencialmente desempregado; e terceiro, com residência na localidade. As técnicas

de recrutamento aprendidas na Universidade tinham pouca utilidade neste contexto.

Apresentavam-se demasiado morosas para serem aplicadas. Atrasos por parte do Instituto

Nacional de Estatística (INE) no envio da informação aos delegados municipais e a falta de acesso

à internet por parte de um importante número de famílias criaram um enorme desafio: formar a

equipa, enviá-la para o terreno e inserir os inquéritos na plataforma do INE em apenas dois meses!

Parecia uma missão quase impossível. Com o apoio imprescindível do restante executivo da junta

foi possível atingir os objetivos. Todos os recenseadores, exceto um, receberam o prémio de

desempenho que significava um bónus financeiro. A caracterização da população estava feita até

ao ínfimo pormenor. Se eu já conhecia a maior parte das pessoas da freguesia, agora tinha um

quadro estatístico claro e atualizado de todas as pessoas residentes. E são muitas mais do que as

que eu conhecia. No total, havia 5625 habitantes, mais do que em 2001, aquando do último

censo. E a taxa de desemprego era absolutamente assustadora: 16,4%. Apesar de haver um GIP,

este não parecia ser suficiente. Era urgente fazer mais.

1.7. A CEC2012 e seu impacto na freguesia

No dia 12 de maio de 2009, a cidade de Guimarães foi oficialmente designada, em Bruxelas,

Capital Europeia da Cultura em 2012 (CEC2012). Seria esta a oportunidade de criar novos postos

de trabalho?

Tendo desenvolvido uma boa parte das minhas atividades, nos últimos vinte anos, na área da

cultura e estando responsável por esta pasta no executivo da junta de freguesia, entre 2009 e

2013, a CEC2012 contaria com a minha participação ativa. Pouco depois da tomada de posse da

direção da Fundação Cidade de Guimarães, responsável pela programação, consegui uma

audiência, após várias tentativas, com a então presidente, e expus um tema sobre o qual as

associações da freguesia mostraram interesse: a Marcha da Fome.

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Apesar da boa recetividade, estes primeiros contactos não tiveram frutos. Curiosamente, passados

alguns meses, em junho de 2010, uma equipa da CEC2012 deslocou-se às freguesias e mostrou

que queria estar mais próxima dos interesses locais: a Área de Comunidade. A partir dessa altura,

houve alguma esperança em ter expressão numa Capital que também fosse das pessoas do

concelho. Este sentido de pertença só começou a criar-se após vários encontros e uma residência

artística, com Walter Almeida, em Pevidém.

A presença de vários profissionais, através de residências artísticas, do projeto Krisis criado pela

Área de Comunidade da CEC2012 envolvendo a população, fez acreditar que esta seria capaz de

mostrar a sua história com um nível de

qualidade elevado. Daquela simbiose com

esta ambição só podia resultar um BOM

trabalho. Um dos exemplos foi a criação da

“Manta das Memórias”, no âmbito da

exposição Mãos Dadas que, pela sua

dimensão, teve que ser exposta no estádio de futebol D. Afonso Henriques e, mais tarde, foi doada

a várias instituições da cidade. Envolveu muitos voluntários, principalmente pessoas reformadas,

que viram as suas ocupações diversificarem e descobriram competências que lhes eram

estranhas: trabalho de criação em equipa, expressão de sentimentos através do desenho.

A história sobre a “Marcha da Fome” movia as associações locais. Tudo começou com a minha

curiosidade em perceber as razões pelas quais tinham sido colocados, há muitos anos atrás, nas

entradas da freguesia, letreiros que diziam “É proibida a mendicidade - Pevidém sustenta os seus

pobres”. Ora, neste contexto, por que

razão terá havido uma marcha da fome

nos anos 40 quando aqueles letreiros já

existiam?

Devido à Segunda Guerra Mundial, a

pobreza e a miséria grassavam por todo

o país. Por volta de 1939, surgiu um movimento de solidariedade humana por parte dos homens

influentes da terra para criar uma casa destinada a proteger os mais carenciados. Criaram a Casa

dos Pobres. Distribuíam-se refeições aos habitantes da terra como também aos “passantes”.

Talvez esta seja a razão pela qual foram colocados os letreiros nas entradas da freguesia proibindo

Figura 4 - Foto cedida por D. Francisca Correia

Figura 3 - Convite para a exposição Mãos Dadas

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a mendicidade. Para além de refeições, segundo D. Francisca Correia, ex-diretora do Lar de S.

Jorge, antiga Casa dos Pobres, e uma descendente de um dos fundadores, também se oferecia

assistência médica, medicamentos, roupas, ajuda no pagamento das rendas e funerais. As

próprias “senhoras da terra” deslocavam-se às casas das pessoas que não podiam vir à Casa dos

Pobres. Apesar de toda a ajuda, ela não parecia suficiente. Foi necessária uma forte motivação

para que muitas pessoas arriscassem a sua vida numa manifestação que, apesar de silenciosa,

era proibida. Um dos períodos de maior crise social em Pevidém aconteceu durante a Segunda

Guerra Mundial (1939-1945), havendo muita miséria e falta de alimentos. O povo reuniu-se e veio

para a rua. Homens, mulheres e crianças, em marcha silenciosa, de bandeiras e panos pretos

empunhados em sinal de fome, percorreram a pé a distância até Guimarães. Essa marcha de

protesto ficou conhecida como a Marcha da Fome do Povo de Pevidém.

O descontentamento geral devido à crise económica e social dos nossos dias foi a condição para

que a adesão ao projeto de recriação da Marcha da Fome fosse massiva. Era a vontade de fazer

renascer um acontecimento que marcou uma geração numa

época em que quase tudo era silenciado… por isso, a

coragem foi, nos anos 40, uma atitude admirável. Representá-

la, no século XXI, permitiu reviver uma forma de manifestação

que encheu os corações de orgulho e enobreceu os grupos,

associações, escolas, empresas e pessoas participantes. A

Área de Comunidade da CEC2012 tornou mais significativa

esta iniciativa que teve lugar a 10 de junho de 2011, ainda

antes da abertura oficial da CEC2012, ao oferecer a filmagem

da Marcha por uma equipa de profissionais. O filme,

inicialmente programado para dez minutos, ficou com cerca

de vinte e, através da sua apresentação pública no Paço dos

Duques de Bragança, a 9 de julho de 2011, recebeu ótimas

críticas. Se da Marcha original apenas se conseguiu um breve

artigo de jornal4, com este projeto criou-se um registo

documental de grande qualidade. Este tema acabou por influenciar outras atividades que viriam a

ser criadas ou apoiadas pela CEC2012, designadamente o lançamento da obra Marcha da Fome

4 Trata-se do jornal então clandestino Avante que refere uma marcha da fome em Pevidém, ocorrida em maio de 1944.

Figura 5 - Cartaz sobre a recriação da Marcha da Fome

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de Pevidém: Memórias de um passado na inquietude do agora, dos autores Luiza Cortesão e

Francisco Neves, a 3 de novembro de 2012 e o espetáculo “Então Ficamos…”, que encerrou a

programação da CEC2012, a 21 de dezembro de 2012. Neste, participaram centenas de pessoas

do concelho de Guimarães e vários artistas convidados. Os participantes estavam organizados em

grupos temáticos. O de Pevidém, no qual participei ativamente como atriz e uma das

coordenadoras de cerca quarenta jovens, era o Grupo da Revolta, pelos temas que queríamos

trabalhar. Foram meses de trabalho intenso em que se podia encontrar uma quase perfeita

simbiose entre os profissionais e os amadores. Foi uma aprendizagem ímpar porque profunda,

intensa e cada um de nós saiu muito mais enriquecido. Pude constatar o crescimento artístico dos

jovens, sendo que a maior parte não tinha tido qualquer experiência nesta área antes da CEC2012.

Quase um ano depois, a 14 de setembro de 2013, estreou, finalmente, o espetáculo “Marcha da

Fome - Pevidém sustenta os seus Pobres”, em Pevidém. Apesar da estreia estar programada para

2012, os atrasos constantes da Fundação na atribuição

das verbas para as associações locais obrigaram ao

adiamento. Pela primeira vez, foi possível agregar um

número elevado de entidades com o mesmo propósito:

mostrar como uma manifestação silenciosa teve um

grande impacto na população e na sociedade de então,

representando um movimento nacional de luta pelo pão.

Este espetáculo integrou as várias manifestações

culturais, desde o canto, a música, a dança, o teatro, o

cinema, a criação plástica, desenvolvidas, algumas, há

várias dezenas de anos de forma parcelar. Agregá-las foi

o grande desafio, pois a sua força residia na expressão de

todas num todo que era diversificado por isso mais rico e

mais profundo. Esta foi a última atividade em que participei como membro do executivo da junta

de freguesia pois, nas eleições autárquicas de outubro de 2013, a lista em que eu participava

passaria a ocupar o papel de oposição. Decidi, então, abandonar a política porque não me revia

nesse papel. Apesar de poder ser ativo no sentido da crítica à ação política, ele não previa

implementação ou criação de medidas ou atividades.

Figura 6 - Cartaz do espetáculo "Marcha da Fome - Pevidém sustenta os seus Pobres"

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A CEC2012 trouxe muitas oportunidades e a freguesia demonstrou saber aproveitar. Não foi

pacífico, porque raramente o apoio foi financeiro e havia muita expectativa de que este grande

acontecimento trouxesse algumas verbas para o restauro de alguns equipamentos culturais da

freguesia. Isso não aconteceu. Ao invés, houve muita formação e apoio logístico. Portanto, a

criação de emprego propriamente dito não se veio a verificar.

1.8. Na função pública: do sustento à vocação

A passagem pela política deu-me a prova de que eu precisava de manter o meu emprego na função

pública, porque o trabalho ao serviço da política local não era remunerado, sendo que os vogais,

cargo que formalmente ocupei no último mandato, recebiam uma senha de presença no valor

aproximado de vinte e um euros por mês desde que não se faltasse às reuniões.

Entre setembro de 2004 a outubro de 2010, desempenhei as minhas funções no Departamento

Autónomo de Arquitetura e participei na sua passagem para Escola. Implementei, entre outros: o

Sistema Integrado da Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP); o inquérito

de empregabilidade dos diplomados em arquitetura pela Universidade do Minho; a poupança

energética nos espaços sanitários; a reciclagem dos materiais deixados pelos alunos, nas pausas

letivas do verão; a leitura ótica dos questionários de satisfação aplicados aos docentes e alunos

da Escola; o dossiê para o reconhecimento automático do diploma de Arquitetura pela

Universidade do Minho, em conformidade com a Diretiva 85/384/CEE, de 10 de junho; a

proposta, no âmbito do processo

de Bolonha, enviada ao Ministério

da Ciência, Tecnologia e Ensino

Superior sobre o registo de

adequação do Curso de Mestrado Integrado em Arquitetura, tenho sido aprovado o seu

funcionamento a partir do ano letivo de 2006-2007; a inserção dos currículos dos professores na

plataforma DeGóis; o relatório digital para a acreditação dos cursos do 1º e 3º ciclos na página da

Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Destaco, particularmente, o estudo

que realizei junto dos diplomados, uma vez que, por um lado, foi possível conseguir uma base de

dados sobre os contactos de endereços eletrónicos e números de telemóvel em cerca de 98% dos

diplomados e obter dados estatísticos concretos sobre a sua empregabilidade e, por outro,

Figura 7 - Escola de Arquitetura da Universidade do Minho

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estabelecer uma relação estreita entre a Escola e os seus ex-alunos. Este terá sido um dos aspetos

mais interessantes, a avaliar pelos comentários dos arquitetos, que mostravam satisfação pelo

facto de a Escola “querer saber deles”. A partir dessa altura, enviavam-se notícias sobre iniciativas

e atividades, ofertas de trabalho, edição de publicações e convites para participarem em colóquios

ou conferências.

Em outubro de 2010, mudei totalmente de funções, desenvolvendo a minha atividade profissional

na Divisão de Pós-Graduação dos Serviços Académicos da Universidade do Minho (SAUM), até à

presente data. O primeiro ano foi muito difícil, pois exigiu a leitura de vasta legislação, despachos

e regulamentos sobre matérias praticamente novas. A falta de procedimentos escritos levou-me a

elaborar alguns documentos orientadores. A partir do terceiro ano, já comecei a sentir uma certa

confiança prestando um serviço de atendimento centrado no rigor e na qualidade. Neste contexto,

a função pública podia ser exercida no seu pleno sempre que centrada no outro. Este enfoque não

era novo e, portanto, foi com alguma facilidade que o adotei no meu novo contexto profissional,

obtendo resultados bastante positivos a avaliar pelas respostas dos alunos nos inquéritos de

avaliação da satisfação, aplicados anualmente.

Apesar de me sentir realizada profissionalmente, constatei que não conseguia permanecer

afastada do trabalho voluntário. É como se se tratasse do próprio oxigénio que completa a minha

forma de ser, estar e sentir. Por isso, mensalmente, reúno-me com os membros do Clube de

Poetas do Selho. Este grupo informal foi apresentado ao público no dia 11 de fevereiro de 2012,

numa tarde cultural realizada na junta de freguesia.

Do programa faziam parte o lançamento do livro de

Raúl Rocha “Guimarães no Séc. XX” (1940 –

1970), o segundo de três volumes sobre a história

de Guimarães, um momento de poesia com a

declamação de poemas de Alexandre Moreira e

Mandina Fernandes e um concurso de quadras

pelos alunos da Escola Básica nº 1 de Pevidém. A missão do Clube consiste na divulgação e

prática da riqueza que constitui a língua portuguesa. O que mantém o grupo unido é esta profunda

preocupação e os laços de amizade cada vez mais especiais, contrariando o isolamento que

caracteriza as nossas sociedades. O Clube tem sido convidado para participar em várias atividades

culturais, tais como a Feira da Terra em S. Torcato e também a Citânia Viva em Briteiros.

Figura 8 - Cartão de visita do Clube de Poesia

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A partir de 2013, convidei A Outra Voz - Associação Cultural, criada no âmbito da CEC2012, a

dinamizar um grupo em Pevidém. Esta associação tem por objetivo a exploração da voz enquanto

som, palavra, canto, espaço, corpo e movimento e reúne cerca de uma centena de participantes

de diferentes faixas etárias e origens culturais, residentes, maioritariamente, no concelho de

Guimarães. Os encontros são semanais, entre uma hora e meia a três horas, em localidades

distintas. O grupo só se reúne todo nos ensaios gerais, nos quais são evidenciadas as

competências dos profissionais que os orientam. Foi-se produzindo um vasto reportório composto

por temas do legado oral nacional, e também por temas originais propostos por elementos do seu

conselho artístico informal constituído por todos aqueles com quem colaborou no passado recente,

durante a CEC2012: Amélia Muge, António Durães, José Mário Branco, Carlos Nobre (Pacman),

Catarina Miranda, Coletivo Pele, Cristina Mendanha, Fernando Lapa, Jonathan Uliel Saldanha,

José Martins (Trovante), Luís Carvalho (Riotous Company), Mão Morta, Mia Theil Have (Riotous

Company, Odin Teatret), Michales Loukouvikas, Nikola Kodjabashia, Peter Bergamin, Rafaela

Salvador, Teresa Campos (Sopa de Pedra) e Colectivo Soopa. É admirável a relação que se

estabelece entre profissionais e amadores com a missão de divulgar a cultura portuguesa. É

central nesta associação, o que a torna original e bastante atrativa.

A Outra Voz participou, em abril de 2014, na estreia da peça sonora e cénica inspirada na Via-

sacra, intitulada “Sancta Viscera Tua”, do músico e compositor Jonathan Saldanha, que trabalhou

sobre a arquitetura sonora das igrejas de Santa

Clara, no Porto, e de São Francisco, em Guimarães.

Neste espetáculo, o público foi convidado a circular

livremente pela igreja.

Em 2015, a Outra Voz produziu e montou o

espetáculo "Duas Caras", uma encenação de

António Durães. Tratava-se de uma narrativa dividida

em dez pequenos quadros, com composições

originais dos Mão Morta, José Mário Branco, Amélia

Muge, entre outros, tendo como ponto de partida um conceito que faz parte da tradição popular

vimaranense, assente na voz humana coletiva e no movimento do grupo num espaço de grandes

dimensões, numa envolvência de reflexão performativa. Outra particularidade foi o facto de a

encenação ter sido pensada na partilha do mesmo espaço entre o público e os atuantes.

Figura 9 - Cartaz do espetáculo "Duas Caras"

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A Outra Voz representa a coletividade na partilha de saberes de que resulta uma simbiose única,

criando potencialidades desconhecidas porque colocadas em ação numa descoberta da pessoa

na sua relação com o outro, os outros e a própria criação artística. Interessa-me este processo de

transformação cujo alcance é difícil de compreender dada a sua complexidade. Foi sempre nas

coletividades, formais ou informais, que mais liberdade encontrei para poder participar nesse

processo caracterizado também por um conjunto de situações e emoções profundamente

contraditórias. Permanece uma forte vontade: quando me é dado a conhecer o limite, ir mais além

com a mesma inquietação e SER MELHOR.

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PARTE 2. Reflexão crítica sobre a profissão: alguns apontamentos teóricos

2.1. A educação integral, do formal ao informal

O facto de nunca ter requerido subsídio de desemprego, apesar de ter uma licenciatura numa área

pouco compreendida pela população em geral, deve-se em grande parte à educação integral que

fui recebendo ao longo da vida na qual se incluem os cincos anos de frequência do ensino superior.

Como se viu na primeira parte, a experiência que ia criando com atividades complementares

permitiu a aquisição de novas competências fundamentais para os trabalhos que fui assegurando

nos primeiros anos de vida profissional. Alguns foram propositadamente deixados de fora porque

representaram apenas momentos de passagem para outros um pouco mais estáveis e

estruturados. Foram os casos das vendas porta a porta de mercadorias que davam entrada em

Portugal, da colaboração num posto de abastecimento, da orientação vocacional individualizada,

entre outros.

Um dos autores que distinguiu três tipos de educação foi Jaume Trilla (2004)5, explicando a

importância de cada um: educação formal, educação não formal e educação informal. A educação

formal envolve “instituições e meios de formação e ensino com uma estrutura educativa graduada,

hierarquizada e oficial.” (Oliveira, 2011: 29). São as instituições e meios de formação que

fornecem os títulos académicos que, tradicionalmente, dão acesso a uma profissão. No meu caso,

uma vez que exerço funções que não exigem a aquisição de um diploma específico, diria que o

título de Licenciatura em Sociologia das Organizações me ajuda no desempenho das minhas atuais

funções nos SAUM, cujo grau de complexidade pode classificar-se de média-alto. O atendimento

personalizado a estudantes dos 2º e 3º ciclos, envolvendo o conhecimento rigoroso dos

regulamentos, designadamente o regulamento académico, procedimentos internos, orientações

de serviço, modelos de requerimentos, taxas e emolumentos, exige o domínio da língua inglesa, a

capacidade de comunicação e de adaptação contínua, o relacionamento interpessoal, a gestão de

conflitos, o conhecimento especializado dos programas informáticos de apoio ao atendimento, tais

como a gestão de verbas, a intranet e, mais recentemente, iniciada em 2014, a gestão documental

na sequência da desmaterialização progressiva de processos administrativos, no âmbito do

5 A propósito deste assunto, veja-se também Werquin, P. (2012: 259-278).

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Sistema de Apoios à Modernização Administrativa (SAMA), com apoio do Quadro de Referência

Estratégica Nacional (QREN).

A educação não formal é bastante flexível, com objetivos heterogéneos conforme a finalidade da

ação educativa num determinado contexto. Pode fornecer diplomas de participação e é importante

no fortalecimento das relações entre as pessoas. Um dos exemplos mais conhecidos é o

voluntariado no seio das associações sem fins lucrativos. Apesar de existir alguma formalização

na aprovação de planos e relatórios de atividades, estes apenas servem de orientação na condução

dos destinos da coletividade. Concretamente, a minha passagem pelas associações moldou-me

como pessoa e como profissional, tornando-me mais tolerante, flexível e pronta para qualquer

iniciativa. Ainda hoje, como conselheira da associação Intercultura American Field Service (AFS),

sou conhecida como a “bombeira”, porque disponível para intervir em sede de famílias de

acolhimento e respetivos jovens estudantes por elas acolhidos.

Jaume Trilla (2004) considera ainda um terceiro setor da educação, o informal, como aquele que

se baseia nas relações espontâneas da pessoa com o meio em que está inserida. Não sendo este

tipo de educação institucionalizado, é difícil de definir no concreto, reconhecendo-se, contudo, a

potencialidade educativa de um processo comunicativo como o poderá ser a vida familiar, o grupo

de amigos, as cerimónias religiosas, entre outros. A vivência, em França, com diferentes raças e

etnias nos primeiros contactos que tive, em criança, foi enriquecida com a importância do trabalho

para a conquista de melhores condições de vida. Fui adquirindo, em contexto, os valores da

igualdade, da tolerância e do empenho no trabalho, que influenciaram grandemente as opções

tomadas na fase adulta.

Contudo, é verdade que a educação informal se pode tornar em “deseducação” se o ambiente

for, por exemplo, de grande violência física e/ou emocional nos primeiros anos de vida. Verifica-

se atualmente grandes dificuldades nas escolas caracterizadas por ambientes escolares

conflituosos, agravados pela crise económica. Por essa razão, partilho da sugestão de Catarina

Oliveira sobre a “integração da educação emocional e da educação para o optimismo nos

currículos escolares (…), com o desenvolvimento de actividades dissuasoras dos problemas e

desafios colocados à escola” (Oliveira, 2011: 69). Trata-se de uma formação que se pretende

experiencial, envolvendo os vários saberes, desde o saber-saber, saber-fazer, saber-estar e saber-

ser, transversal aos vários domínios disciplinares, que permita “interpretar informação nova que

sempre se tornará obsoleta” (Silva, 1997: 55). Daí que a aprendizagem ao longo da vida, como

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têm demonstrado instâncias internacionais e europeias como a United Nations Educational,

Scientific and Cultural Organization (UNESCO)6 e a União Europeia (EU)7, seja muito importante

para, entre outros motivos, combater a infoexclusão, principalmente nas faixas etárias mais

elevadas. Apesar dos vários programas existentes para promover a inclusão nas novas tecnologias,

Portugal ocupa o vigésimo quarto lugar da lista dos países europeus com agregados domésticos

privados com computador e acesso à internet, conforme a leitura do gráfico que se segue.

Gráfico 1 - Agregados domésticos privados com computador, com ligação à Internet em casa e com ligação

à Internet através de banda larga (%)

Valor(es) do(s) ano(s) 2015 e 2006

1. Países Baixos

2. Luxemburgo

3. Dinamarca

4. Alemanha

5. Reino Unido

24. Portugal

25. Grécia

26. Roménia

27. Lituânia

28. Bulgária

% agregados domésticos com computador (Proporção - %)

2006 2015

Fontes/Entidades: Eurostat | Institutos Nacionais de Estatística, PORDATA

Os portugueses demonstraram interesse em continuar a investir em novas tecnologias, mantendo

o mesmo lugar de 2006 em 2015 com 71% das famílias com computador e ligação à internet. No

entanto, continuam longe dos valores do país no qual mais se investe, os Países Baixos, com 96%.

6 A Diretora-Geral da UNESCO, Irina Bokova, escreve no prefácio de um relatório recente “to ensure every girl and boy, every woman or man can benefit from quality education and lifelong learning. This is an essential foundation for building a better future for all” (2014: 4). 7 Sobre este assunto, consultar http://www.lll-hub.eu/ onde se podem verificar os vários programas criados no âmbito do lifelong learning.

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2.2. Das associações à política – do poder à cidadania

Tal como referi na primeira parte deste relatório, o facto de estar envolvida na vida associativa,

associações culturais e religiosas, associações de pais e de jovens chamou a atenção dos

organismos políticos locais, concretamente, da junta de freguesia. Os valores sobre os quais me

debatia nas associações, baseados na equidade, na justiça social, na integração, na tolerância e

no bem-estar geral iam de encontro aos principais ideais e ação política de um partido que já se

encontrava no executivo há mais de uma década, a CDU. A aprendizagem do significado

experiencial daqueles valores na infância e reforçada nos anos de exercício do voluntariado foi

importante para as várias decisões tomadas politicamente sobre a aplicação e a gestão dos bens

públicos. Partilho da opinião de Osho quando afirma que “Nenhuma pessoa criativa e inteligente

busca o poder. Nenhuma pessoa inteligente está interessada em dominar os outros. O seu

interesse primordial é conhecer-se a si mesma” (Osho, 2012: 54). Uma breve leitura sobre a

história da humanidade acerca do exercício do poder fornece aparentemente mais exemplos de

abusos de poder do que a sua aplicação ao serviço do outro para o bem de todos.

O grau de responsabilidade quando assumi um cargo político, por envolver meios mais elevados,

foi bastante exigente. Senti que o exercício de cidadania se completou com este ciclo de oito anos

de prática da política local. Para mim, era bem claro o que queria fazer com o poder que me foi

confiado: revitalizar a cultura, reunindo as associações locais em projetos integrados como foi o

caso da Marcha da Fome, e comemorando o Dia Mundial do Teatro com a leitura da mensagem

oficial do Instituto Internacional do Teatro; investir na ocupação dos tempos livres das crianças e

jovens, com a criação do programa férias lúdico-desportivas, de atividades no âmbito da Ocupação

dos Tempos Livres do IPJ; dotar a juventude de instrumentos para a sua autonomia, com a criação

da associação de jovens inscrita no Registo Nacional de Associações Juvenis (RNAJ); envolver a

população no respeito pelo ambiente, designadamente com a participação no Limpar Portugal e

Voluntários Jovens para as Florestas; fomentar a relação intergeracional, criando pontes de

comunicação através da comemoração dos Dias Internacionais da Juventude e da Pessoa Idosa.

Os Censos 2011, nos quais participei como coordenadora, foram esclarecedores relativamente ao

envelhecimento da população, aliás uma tendência geral, largamente divulgada não só através da

comunicação social, mas também de bases de dados estatísticos como o Eurostat, Pordata, entre

outras. No quadro seguinte, apresentam-se os resultados em relação à freguesia onde desenvolvi

a pesquisa para os Censos de 2011. Como o mesmo executivo foi responsável pelos Censos de

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2001, elaboraram-se dados comparativos dos quais realço a percentagem mais elevada da

população ativa, tendo mesmo havido um acréscimo. As atividades de aproximação entre gerações

fizeram e fazem sentido, pois assistiu-se a um aumento de cerca de 3% do grupo de maiores de

64 anos.

Quadro 1 – Freguesia de Selho São Jorge – Vila de Pevidém – Guimarães. Censos de 2011 e 2001.

2011 2001 2011-2001

População por faixa etária

Nº % Nº % Nº %

0/14 anos 900 16% 922 18% -22 -2%

15/24 anos 618 11% 808 16% -190 -5%

25/64 anos 3 331 59% 2 822 55% 509 4%

65 ou + anos 776 14% 562 11% 214 3%

Totais 5625 100% 5114 100% 511 0%

Fonte: Base de dados da junta de freguesia de Selho São Jorge

Durante os meses de trabalho junto da população da vila, no âmbito dos Censos 2011, concluí

que havia muitos idosos a viver sozinhos. Para combater a solidão deste grupo mais frágil em

termos de mobilidade, abraçamos o projeto da Câmara Municipal, identificando cada pessoa idosa

naquela situação e a quem foi entregue um telemóvel, exclusivamente para chamadas de

emergência. Organizamos semanas seniores nas quais incluímos atividades físicas, de lazer e

culturais, como visitas a museus e quintas de turismo habitação. Sessões de hidroginástica e

fitness passaram a ser oferecidas semanalmente.

À pergunta “De que vale ter poder?” atrevo-me a responder, através da experiência adquirida, que

o poder tem um forte valor pelo impacto que as medidas geralmente provocam na melhoria das

condições de vida das pessoas. A questão é colocada na coletânea de crónicas de Augusto Santos

Silva (1997) publicadas no jornal O Público, entre 1995-1997. Para o autor, a sua resposta reflete

a vivência em épocas diferentes, uma ligada à ditadura e outra à democracia: “Gostaria que a

resposta pudesse ser, no meu caso: para se empenhar naquilo em que se acredita, e se acredita

poder melhorar a qualidade da nossa república, sem abdicar dos mais legítimos dos poderes, o

espírito crítico e a opinião livre” (Silva, 1997: 9). Para mim, que não vivi na época salazarista, o

poder, desde que exercido com responsabilidade, é um exercício de cidadania se for colocado ao

serviço do outro com a finalidade de melhorar as condições de vida, envolvendo os interessados,

implicando-os e corresponsabilizando-os porque acredito “que a melhor da acção política é a

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combinação da liberdade plena com a consciência cívica de que pertencemos todos a um lugar

comum e nele nos devemos, uns aos outros, igualdade e justiça” (Silva, 1997: 97).

2.3. O exercício da profissão num mundo “conexionista”

Quando iniciei as minhas funções profissionais em meados dos anos 90, com a licenciatura em

Sociologia das Organizações, deparei-me com um sistema de concorrência entre os trabalhadores

que condicionaram a minha trajetória, designadamente após o estágio curricular numa grande

empresa têxtil do norte, cujos quadros não fui convidada a integrar, essencialmente, por

representar uma “ameaça” ao setor de pessoal, na altura, pouco qualificado, com funções

estritamente executivas e com um fraco planeamento na área dos recursos humanos. À guise dos

autores Boltanski e Chiapello era caso para se dizer que a empresa ia muito bem, simbolizando o

capitalismo mundial “entendido como a possibilidade de fazer o capital frutificar por meio do

investimento ou da aplicação económica”, mas as pessoas, incorporando as sociedades “- para

retomar a separação entre o social e o económico, com a qual vivemos há mais de um século -,

não vão nada bem” (Boltanski e Chiapello, 2009: 23).

Criou-se a ideia de que a posse de um título académico iria abrir portas para uma situação

profissional mais estável, menos penosa e sobretudo mais bem paga do que a geração anterior,

a dos nossos pais. Efetivamente, consegui ganhar algum dinheiro. Contudo, os primeiros seis anos

após a licenciatura representaram muito trabalho, um vencimento razoável e muito pouca

estabilidade. Só quando fui admitida nos quadros da Universidade no ano 2000 consegui mais

segurança na profissão. Na verdade, a multiplicidade de atividades que exerci nas diversas

organizações foram valorizadas no concurso público que tinha por finalidade o que atualmente se

designa por “constituição de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado”.

As dificuldades de transição para a vida ativa mantêm-se, dez anos depois da conclusão do meu

curso, conforme se pode constatar através da análise do relatório final do projeto MeIntegra –

Mercados e Estratégias de Inserção Profissional de Jovens Diplomados (2006 e 2007), uma vez

que 33,3% dos diplomados em sociologia pela Universidade do Minho estão desempregados,

contra os 48,5% que trabalham a tempo inteiro (Marques, 2007: 84). Os sociólogos sem trabalho

representam o curso, de entre o total de vinte e dois, com maior taxa de desemprego, só

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ultrapassado pelos diplomados em relações internacionais (38,9%) e em geografia e planeamento

(54,1%).

Quadro 2 - Situação da profissão por curso (%) - 2006 e 2007

Cursos Trabalho a tempo inteiro

Sem trabalho

Administração Pública 72,7 18,2 Arqueologia 37,5 25,0 Comunicação Social 60,0 16,7 Economia 75,0 16,6

Engenharia Biológica 68,0 24,0 Engenharia Civil 86,5 5,4 Engenharia de Materiais 60,0 ,0 Engenharia de Polímeros 93,3 6,7 Engenharia de Sistemas e Informática 97,1 2,9

Engenharia de Gestão Industrial 85,7 ,0 Engenharia Eletrónica Industrial e Computadores 100 ,0 Engenharia Mecânica 81,0 9,6 Engenharias Têxtil e de Vestuário 92,9 7,1 Geografia e Planeamento 33,3 54,1 Gestão 69,6 13,0

História - Ramo Científico 75,0 25,0 Informática de Gestão 96,2 3,8 Línguas Estrangeiras Aplicadas 65,0 20,0 Negócios Internacionais 75,0 25,0 Psicologia 51,3 20,5

Relações Internacionais 58,3 38,9 Sociologia 48,5 33,3

Fonte: Entrevista estruturada aos recém-licenciados da Universidade do Minho – Projeto MeIntegra (2006/2007)

A “metáfora da rede”, preconizada por Boltanski e Chiapello, representa a sociedade

“conexionista”, que significa estar ligado por “elos múltiplos e diversificados a outras pessoas”

(Boltanski e Chiapello, 2009: 351; 355). Foi esta realidade em rede, através dos contactos que

estabeleci, que me permitiu alcançar o nível profissional a que tanto aspirava: a carreira de técnico

superior, envolvendo funções com grau de complexidade média-alta e representando uma certa

estabilidade financeira.

Apesar disso, esta sociedade “conexionista” revela uma nova forma de exploração no capitalismo

que “passa por uma série de desvios que a dissimulam” (Boltanski e Chiapello, 2009: 384) devido

à multiplicação das conexões que acabam por lesar os que são menos móveis, favorecendo a sua

exclusão. Para contrariar esta tendência, criaram-se iniciativas que tinham por objetivo travar essa

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evolução, como foi o caso da convenção coletiva A. Cap 2000 8, o acordo sobre a condução das

atividades profissionais, assinado em outubro de 1990 em França: “constitui um bom exemplo de

tentativa de instauração de uma justiça baseada no recenseamento e na avaliação das

competências pessoais, bem como na organização de planos de carreiras ligados ao

enriquecimento do ‘portfólio’ pessoal de competências” (Boltanski e Chiapello, 2009: 399).

Nunca se falou tanto de competências como nestes últimos anos. Em 2004, é implementado, pela

primeira vez, o SIADAP. O trabalhador passava a ser avaliado em dois parâmetros: primeiro,

através da contratualização dos objetivos a atingir; segundo, identificando as competências

comportamentais exigidas para a respetiva função, nos termos da alínea b) do artigo 4° do Decreto

Regulamentar n° 19-A/2004, de 14 de maio. Até aos dias de hoje este é o modelo ainda a aplicar

aos funcionários da administração pública, apesar das últimas alterações legislativas, com a

aprovação da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro. O que tenho verificado, como membro

representante dos trabalhadores não docentes e não investigadores na Comissão Paritária, desde

2013 até à presente data, através dos processos em reclamação, é que este sistema de avaliação

não parece produzir os efeitos esperados, nomeadamente maior transparência no processo e

avaliação baseada no mérito. O sentimento que melhor caracteriza a relação entre este sistema e

a maior parte dos trabalhadores é a desilusão, pelo que muitos acabam por desistir de apresentar

pedidos de parecer a este órgão.

2.4. Competências em perspetiva

As instituições de ensino superior acompanharam, se bem que de forma mais tardia, a evolução

dos mercados de trabalho ao incorporarem, por força da lei9, num Suplemento ao Diploma, todas

as “experiências significativas dos alunos que frequentam o ensino superior, em domínios

formativos lato sensu tais como o envolvimento cultural, associativo, voluntário, cívico e filantrópico

de cada estudante, sob a forma de uma lista de atividades e projetos em que ele participa ou

participou, e que vêm a merecer registo qualificado com o certificado do curso”, segundo a

conceção de Roberto Carneiro (Vieira e Marques, 2014: 25), devendo aplicar-se, em princípio, a

8 Trata-se do célebre “Accord sur la Conduite de l’Activité Professionnelle”. Sobre este assunto, veja-se Devos, V., Léonard, E. (2002). 9 O Decreto-Lei nº 42/2005, de 22 de fevereiro aprova os princípios reguladores dos instrumentos para a criação do espaço europeu de ensino superior, nomeadamente no que concerne ao Suplemento ao Diploma. Em 10 de janeiro de 2008 foi publicada a Portaria nº 30/2008 que regulamenta o artº 39º - Modelo do Suplemento ao Diploma -, do Decreto-Lei nº 42/2005.

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partir de 2006-2007. Na Universidade do Minho, iniciou-se o processo de emissão do Suplemento

ao Diploma, a título experimental, a partir de 2001-2002 e em grande escala a partir de 2002-

2003. Portanto, ficaram excluídos deste processo os alunos que se formaram antes desse ano

letivo, como é o meu caso. E mesmo que venha a requerer a carta magistral, na sequência da

defesa pública do presente relatório, por enquanto não terei acesso ao referido suplemento porque

ainda não foi implementado para o 2º ciclo, apesar de se encontrar previsto na página do aluno:

https://alunos.uminho.pt. Neste sítio, estão enunciadas as finalidades do suplemento: “facilitar a

mobilidade e a empregabilidade dos diplomados; e fornecer dados independentes suficientes para

promover a ‘transparência’ internacional e um reconhecimento justo, académico e profissional,

das qualificações (diplomas, graus, certificados, etc.)”.

Já se passaram mais de dez anos e ainda há muito que fazer no que se refere a uma articulação

entre ofertas educativas e mercados de trabalho. Não entendo que deva existir qualquer

subordinação, mas apenas uma articulação entre as instituições de ensino superior e o mundo

profissional. Se o recém-diplomado pretende exercer uma profissão na sua área de formação, vai

deparar-se com um mercado de trabalho que dispõe de uma elevada oferta de mão-de-obra

qualificada, o triplo do que no ano 2000, pois a taxa de desemprego entre os diplomados é de

9,2% em 2015, acompanhando a tendência geral, conforme a leitura que se faz do quadro 3.

Quadro 3 – Relação da taxa de diplomados, taxa de desemprego total e taxa de desemprego com ensino superior - Portugal

Anos % Diplomados % Desemprego total % Desemprego com Ensino Superior

2000 6,5 3,9 3,1

2015 17,1 12,4 9,2

Fonte: Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo

Para além desta excessiva oferta de potenciais trabalhadores qualificados, o mercado de trabalho

procura pessoas com um “conhecimento mais amplo e competências mais especializadas”

(traduzido do francês OCDE, 2016), fruto da globalização e avanços tecnológicos permanentes e,

por vezes, até agressivos. Aqui reside o verdadeiro desafio do futuro profissional: ao longo da sua

formação académica através da qual deverá adquirir competências especializadas, o futuro

profissional precisa de a complementar com experiências extracurriculares, sendo este o segundo

de quatro grupos de fatores que pesam na fundamentação da decisão de recrutamento por parte

dos empregadores, de acordo com o estudo realizado por Diana Aguiar Vieira e Ana Paula Marques

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(2014:139). O primeiro grupo de fatores está relacionado com a componente académica,

designadamente: curso, média final e estágios. O terceiro está ligado com fatores

comportamentais, ou seja, indicadores de personalidade e competências transversais. Finalmente,

o quarto, se bem que, por vezes, não necessariamente nesta ordem, conforme as respostas dos

empregadores, tem a ver com as experiências profissionais anteriores.

Perante um mundo em constante mudança a uma velocidade quase supersónica, com a extinção

de profissões e a criação de novas para as quais ainda falta inventar os nomes, teremos de nos

tornar numa personagem de ficção, equiparada ao super ser humano, para conseguir um

trabalho? Em Portugal, é o que se tem exigido aos jovens, como se pode constatar numa rápida

leitura à descrição de algumas ofertas: exigem-se línguas estrangeiras, de preferência inglês e

francês, um diploma numa determinada área científica, uma listagem de conhecimentos

específicos que obrigariam a, pelo menos, duas ou mais licenciaturas. Depois, quando se

deslocam para a entrevista e são informados sobre o montante que a organização tem

disponibilidade para oferecer como vencimento, o desapontamento é grande: abaixo dos mil euros.

A fase de recrutamento não é fácil, mas a seguinte não é melhor, pois assiste-se à crescente

desregulação contratual, exigindo ao trabalhador um grau de flexibilidade que ultrapassa os limites

relativos à área das funções exercidas, ao horário de trabalho e ao próprio gozo dos dias de férias.

Por isso, flexibilidade e precaridade laboral são muitas vezes usados como sinónimos. Contudo,

“importa perceber que a proximidade daqueles dois conceitos resulta na utilização alternativa,

sobretudo pelos autores anglo-saxónicos, da expressão insegurança no contexto da sociedade

contemporânea” (Marques, 2013: 26). Nesta medida, o estudo referido traz contributos

importantes, em particular, na operacionalização do conceito “competências transversais”, que é

entendido como “a capacidade de transmissão/comunicação de conhecimentos

teóricos/técnicos, com a capacidade de trabalhar em equipas multidisciplinares” (Vieira e

Marques, 2014: 157).

Num exercício de sistematização das competências transversais mais valorizadas pelos

empregadores, Diana Aguiar Vieira e Ana Paula Marques apresentam quatro conjuntos, envolvendo

diferentes dimensões, concretizadas pela enumeração de competências concretas. O primeiro

conjunto “relaciona-se com a dimensão comportamental (…): ‘adaptação’, ‘flexibilidade’, ‘pro-

atividade’, ‘autoconfiança’, ‘autonomia’, ‘curiosidade’, ‘espírito de iniciativa’, ‘imaginação’,

‘capacidade de decisão’, ‘trabalho em grupo’, ‘preparados para fazer tudo’, ‘motivação’” (Vieira e

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Marques, 2014: 158). Um segundo conjunto, a que designaram de “dimensão de apropriação

de qualidades e disposições dos diplomados no sentido de as incorporarem ao serviço de uma

cultura organizacional” é ilustrado “pelas expressões de ‘cultura’, ‘valores soft’,

‘compromisso’, ‘ética profissional’, ‘lealdade’, ‘vestir a camisola’, ‘empenho’” (Vieira e Marques,

2014: 159). O terceiro conjunto está ligado à “componente mais empresarial ou comercial

(…) vejam-se as expressões: ‘orientação para o cliente’, ‘orientação para a qualidade’, ‘eficiência’,

‘trazer soluções’” (Vieira e Marques, 2014: 160). Talvez um dos contributos mais interessantes

sobre este assunto esteja relacionado com a última dimensão que tem vindo a ganhar mais

importância no mundo atual: “intraempreendedorismo (…). Para além de ser um bom

profissional, importa também que este seja capaz de, no interior de uma empresa, apresentar

soluções ou novas ideias de negócio a desenvolver” (Vieira e Marques, 2014: 160-161).

Uma das minhas expectativas, através deste relatório, é tecer algumas considerações, talvez não

trazendo propriamente soluções, mas algumas notas ou ideias sobre a importância de sermos os

próprios autores do nosso percurso educativo e profissional. Na página de divulgação do presente

curso de mestrado, verifiquei que a Comissão Diretiva do curso espera do aluno “a aquisição de

competências teóricas, relacionais e práticas, esperando facultar a compreensão do papel da

sociologia no contexto das transformações em curso nas sociedades actuais e o domínio das

metodologias e das técnicas de investigação e de intervenção sociológica.”10

Tendo-me licenciado há mais de vinte anos, o presente curso representa para mim a possibilidade

de atualizar os meus conhecimentos e perceber onde me posiciono atualmente perante os jovens

diplomados.

2.5. Ser Socióloga

Sempre que preciso de responder à pergunta “Qual é a sua profissão?”, eu respondo

invariavelmente: Socióloga. E ainda hoje pergunto-me: O que faz de mim uma socióloga? Durante

os primeiros anos, tal como aconteceu com os arquitetos, o ensino constituiu a “profissão-refúgio”,

para utilizar a expressão de E. Freidson (1986) no seu estudo sobre artistas citado por Ana

Delicado, Vera Borges e Steffen Dix (2010: 162). Através da narrativa sobre as minhas escolhas

10 In www.uminho.pt/PT/ensino/oferta-educativa/_layouts/15/UMinho.PortalUM.UI/Pages/CatalogoCursoDetail.aspx?itemId=2047&catId=7

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de carreira, apresentada na primeira parte, infere-se um leque flexível de múltiplas ocupações que

traduz a complexidade das modalidades de exercício profissional pelas quais passei. Se por um

lado esta circunstância pode dificultar a resposta à questão colocada, por outro, fornece pistas

interessantes na sua sistematização.

Um dos vetores que me pareceu importante analisar consiste em confrontar a sociologia como

profissão e como vocação. O trabalho organizado por Ana Delicado, Vera Borges e Steffen Dix

(2010) problematiza o significado sociológico de vocação, face a várias profissões que não a de

sociólogo. Max Weber é central nesta obra, uma vez que é um dos primeiros autores que trata do

conceito de vocação no seu clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1983). Ele

entende que vocação é “como uma categoria de orientação ocupacional que pode ou não

corresponder a uma profissão estabelecida, mas susceptível de gerar actividades profissionais a

partir da oferta dos seus saberes e práticas no mercado” (Delicado, Borges e Dix, 2010: 151).

Esta aceção demonstra mais pontos de ligação com as competências transversais, exploradas no

ponto anterior. Do meu ponto de vista, a motivação intrínseca, a paixão, a curiosidade, a

honestidade e a autenticidade são cruciais para o exercício de qualquer atividade, remunerada ou

não. Se algumas podem resultar dos traços de personalidade de cada um, todas podem ser

trabalhadas e integradas do nosso dia-a-dia. Da minha parte, foi possível criar algumas e testá-las

no meu envolvimento como voluntária nas associações e mais tarde na política. É recomendável

fazer este exercício antes da entrada no mundo profissional porque se caracteriza, na maior parte

dos casos, por uma alta competição, falta de tolerância e uma alargada instabilidade.

“O executivo assalariado de tempo integral (…) é substituído pelo colaborador intermitente,

cuja atividade pode ser remunerada de diferentes maneiras: salários, honorários, direitos

autorais, royalties sobre patentes etc. (…). Ao mesmo tempo, foi afetada toda a moral do

trabalho (…), ela tende a dar lugar à valorização da atividade, sem que a atividade pessoal ou

mesmo lúdica seja nitidamente distinguida da atividade profissional. Fazer alguma coisa,

mexer-se, mudar são coisas valorizadas em relação à estabilidade, frequentemente

considerada como sinónimo de inação” (Boltanski e Chiapello, 2009: 193).

Um dos papéis que destaco da minha experiência no voluntariado e que teve um impacto

importante para a minha inserção na vida profissional foi o de encenadora, por vezes, também o

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de autora de produções teatrais. Foram mais de vinte peças de teatro que montei para

associações, instituições de ensino ou grupos informais, ao longo de quase vinte anos.

Quadro 4 - Listagem das peças de teatro encenadas desde 1992 a 2011 Nº Ano Peça Autor Grupo

1 1992 Os Meninos e os Palhaços Fausto Quintas Tin.Bra – Grupo Teatro Infantil de Braga

2 1993 Contos com Desencontros Sérgio Daniel Tin.Bra 3 1994 Os Elementos do Universo Tin.Bra Tin.Bra 4 1995 Romagem dos Agravados Gil Vicente Escola Secundária de

Barcelos

5 1995 As Três Máscaras José Régio Escola Secundária de Barcelos

6 1995 O Grilo Assobiador Fausto Quintas Tin.Bra 7 1995 A Bela Adormecida Casa do Professor Grupo Teatro Casa Professor 8 1997 O Capuchinho Vermelho Luísa Vinagre Grupo Teatro Casa Professor 9 1997 Em Busca de Tibães Luísa Vinagre Tin.Bra

10 2002 Ao Atravessar as Gerações- Família de Outrora e Família de Hoje

Tin.Bra Tin.Bra

11 2003 O Natal dos Cocholates Verónica Costa Centro Infantil de Pevidém 12 2004 Miminhos e Beijinhos Verónica Costa Escola EB1 de Pevidém 13 2004 Reinventar a Amizade Verónica Costa Centro Infantil de Pevidém 14 2004 As Cores das Vogais Virgílio Alberto Vieira Colégio Luso-Internacional

de Braga 15 2005 Vamos aos Valores Verónica Costa Escola EB1 de Pevidém

16 2006 A Roda dos Sentidos Luísa Vinagre Escola EB1 de Pevidém

17 2006 As Bolas de Sabão Luísa Vinagre Escola EB1 de Pevidém

18 2006 O Milagre da Lagarta Luísa Vinagre Escola EB1 de Pevidém

19 2007 Não Quero Depender! José Luís Costa Novais Escola EB1 de Pevidém

20 2007 Namorar é o Máximo Criação coletiva GAPET

21 2007 As Surdosas Criação coletiva GAPET 22 2008 O Urso Anton Tchekhov GAPET

23 2009 Nós numa Corda Miguel Castro Caldas GAPET

24 2011 Marcha da Fome Criação coletiva Vila de Pevidém Fonte: Elaboração própria

A maior parte dos trabalhos desenvolvidos partiram de desempenhos coletivos, tendo por base

uma dinâmica comunicativa envolvendo todos os implicados na montagem do espetáculo: os

técnicos de luz e som, costureiras, caracterizadoras, dramaturgo, cenógrafo, figurinista, atores,

assistente de cena, encenador; mesmo que, na maioria dos casos, os atores fossem também

técnicos. Daí que uma boa parte dos “espectáculos de teatro assumem-se como construções

permanentemente comparticipadas nas quais, por vezes, não se consegue traçar com clareza as

fronteiras de actuação criativa de cada um dos intervenientes (…)” (Borges, 2001: 29-30).

Apesar de existir alguma estrutura nas criações artísticas teatrais sob a minha responsabilidade,

como o texto ou a sonoplastia (esta última central para a marcação das entradas das crianças

como atores em cena), a improvisação foi essencial para descobrir o potencial artístico dos

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participantes. “A reunião de todos os artistas implicados na aprendizagem social da criação teatral

promove outros espectáculos, abre-se a outras linguagens, daqui resultando novas construções

das personagens.” (Borges, 2001: 23). Este exercício ajudou-me a desenvolver a escuta ativa, a

relativizar as minhas próprias convicções e a ter uma profunda admiração pelo risco.

Presentemente continuo ativamente ligada ao movimento de voluntariado, sobretudo de cariz

cultural. Em fevereiro de 2012, fundei o Clube de Poetas do Selho, que continua, até hoje, como

um grupo informal, independente e autónomo. Mensalmente, com o propósito de divulgar e

defender a língua portuguesa, o grupo reúne-se em torno de um tema que é aprofundado através

da poesia, da música e da reflexão. Qualquer pessoa pode fazer parte desta coletividade sem

necessidade de qualquer formalismo como, por exemplo, o preenchimento de uma ficha de

inscrição.

Desde 2013, participo na Associação Cultural a Outra Voz. Semanalmente, encontro-me com

pessoas da Vila de Pevidém e um formador que dinamiza as sessões nas quais se exploram as

formas de comunicação desde a voz, o som, a palavra, o canto, o espaço, o corpo e o movimento.

O que mais me interessa é participar na mudança e transformação do grupo quando se cria e

difunde a cultura, disponível para todos. Esta associação tem a particularidade de reunir com cerca

de uma centena de participantes de várias localidades do concelho de Guimarães.

É indispensável manter a relação com atividades de criação quando o propósito é conservar alguns

valores na prática diária com a minha envolvência pessoal, familiar e profissional. A escuta ativa,

a dinâmica comunicativa, a equidade, a justiça social, a integração, a tolerância exigem um

investimento contínuo para que não se perca o sentido no bem-estar geral.

O município de Guimarães tem sido o que mais investe na cultura, desde 2001, tomando como

referência as despesas de capital, que para a gestão das contas públicas correspondem às verbas

destinadas à realização de obras ou infraestruturas, conforme consta no gráfico 2. Destaca-se que

em 2012 Guimarães foi designada como Capital Europeia da Cultura, como referi anteriormente,

tendo-lhe sido atribuída uma verba superior a cento e onze milhões, setenta dos quais foram

aplicados no programa de renovação urbanística, verba a cargo da autarquia vimaranense.

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Gráfico 2 - Despesa de capital das Câmaras Municipais: por domínio cultural (2012-2001)

Fontes/Entidades: INE, PORDATA

A partir do artigo sobre Empregabilidade e (novos) riscos profissionais, de Ana Paula Marques

(2013), encontrei pistas para a resposta à questão que abriu este subcapítulo e que é central

neste relatório. A autora questionava sobre a possibilidade ou não de se distinguir o sociólogo em

relação a outras profissões em áreas afins, através da especificidade na sua atuação profissional.

Se por um lado a ênfase nas competências transversais exige ao profissional de hoje, numa

sociedade organizada em rede, como já vimos, uma adaptação contínua, um superar-se para

poder responder aos desafios constantes, por outro o diplomado em sociologia reúne

“conhecimentos teóricos e metodológicos, bem como os saberes relacionais [Marques, 2007;

Gonçalves, 2009], que servem de suporte e de referência à atuação dos sociólogos” (Marques,

2013: 31). Na primeira parte referi concretamente o contributo de algumas disciplinas do plano

de estudos da licenciatura em Sociologia das Organizações no desenvolvimento das minhas

atividades nas associações. Falta acrescentar dois aspetos importantes que não só enriqueceram

o meu currículo profissional como também permitiram aprofundar os “saberes relacionais”. Havia

alguma dificuldade em conseguir a aceitação de estagiários nas organizações privadas e eu

pretendia realizar o meu estágio numa indústria, porque queria conhecer estas organizações que,

na época, empregavam cerca de 33% da população ativa. Para concluir o curso, a realização de

um estágio era obrigatório.

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Quadro 5 - População empregada: total e por setor de atividade económica – Portugal - 1994 Setores de atividade económica

Primário Secundário Terciário Total

523,1 – 11,8% 1.451,6 – 32,6% 2.474,4 – 55,6% 4.449,2 – 100%

Fontes/Entidades: INE, PORDATA

Durante o quarto ano do curso, para todas as disciplinas, era necessário apresentar um trabalho

prático à luz de uma teoria. Para conseguir o estágio que tinha de realizar durante o quinto e

último ano, dirigi-me a uma empresa têxtil que fica na localidade da minha residência com a

proposta de realizar uma série de trabalhos e um deles sobre a biografia da família fundadora e

continuadora da empresa, no âmbito da disciplina de Seminário. Esta investigação seria impressa

em formato livro, com capa dura e oferecida à família em troca do estágio. A proposta foi aceite,

o que me permitiu, durante o quarto ano, fazer um levantamento sobre vários dados da empresa,

aplicar algumas técnicas de recolha de dados, como entrevista, questionário, observação e

elaborar os relatórios para integrarem os diferentes trabalhos práticos a entregar na Universidade.

Estes serviram de ponto de partida para o estágio em 1994 cujo tema envolvia uma grande parte

da organização: O Impacto da ‘imagem interna’ da Empresa nas Estratégias Individuais dos

Trabalhadores: um estudo de caso. Portanto, o incentivo na elaboração de trabalhos práticos

durante o quarto ano e a realização do estágio no quinto forneceram-me a oportunidade de adquirir

a experiência da aplicação dos conhecimentos teóricos em contexto de trabalho.

Partilho da posição de Ana Paula Marques quando refere que a profissionalização do sociólogo

“também passará por saber ‘agir em situação’, o que pressupõe competências especializadas

passíveis de ser adquiridas pela experiência profissional e atualização dos

conhecimentos/aprofundamento em programas de formação ao longo da vida” (Marques, 2013:

31).

No desempenho atual das minhas funções, as competências que adquiri não só através do

percurso académico como também das atividades associativas e políticas são indispensáveis para

a minha realização pessoal e profissional.

A minha resposta continua a ser: sou Socióloga.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 10 - Pêndulo de Foucault, Museu de Tecnologia de Viena

“Os desafios que nos são colocados exigem de nós que saiamos deste pêndulo. Nem guiar

nem servir. Em vez de distância crítica, a proximidade crítica. Em vez de compromisso

orgânico, o envolvimento livre. Em vez de serenidade autocomplacente, a capacidade de

espanto e de revolta” (Santos, 1997: 21).

O exercício da profissão de sociólogo exige uma educação integral na qual a indispensável

aquisição de um título académico precisa de ser complementada com experiências em atividades

que permitam a aquisição de “competências transversais” (Vieira e Marques: 2014: 157) que

envolvem uma articulação entre os conhecimentos teórico-técnicos e o trabalho em equipas

multidisciplinares. Ao longo deste relatório, particularmente durante a primeira parte, apresentei

várias experiências que decorreram de atividades na área do voluntariado ainda como estudante

no ensino superior e demonstrei como foi possível articular estas duas realidades, potenciando os

seus fatores de aprendizagem. Na segunda parte, realcei dois fatores importantes na organização

do plano de estudos da então Licenciatura em Sociologia das Organizações: primeiro a avaliação

das disciplinas do 4º ano se basearem, numa percentagem elevada, em trabalhos práticos que

envolvessem uma componente metodológica forte; segundo a integração de um estágio e trabalho

de investigação no último ano.

O atual mercado de trabalho apresenta uma elevada oferta de potenciais trabalhadores

qualificados. Os recentes estudos e dados que apresentei na segunda parte revelam que não é

suficiente ao profissional de hoje demonstrar competências especializadas. Estas precisam de ser

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acompanhadas de uma base alargada de conhecimentos adquirida através de ações de formação

em temas complementares e de experiências extracurriculares. Por isso referi a importância da

aprendizagem ao longo da vida que pode ser comprovada pelas formações profissionais que

frequentei e pela pós-graduação na área da sociologia da educação e políticas educativas que

possibilitaram a transformação dos vários saberes na transversalidade dos domínios disciplinares.

O trabalho desenvolvido nas associações como voluntária durante mais de duas décadas constituiu

um verdadeiro laboratório de ensaios, no qual era permitido cometer erros sem as consequências

graves que poderiam representar num contexto académico, como reprovar, ou profissional, como

o despedimento. Destaquei dois papéis que tiveram um grande impacto para a minha inserção na

vida profissional: a encenação e a dramaturgia. O primeiro na gestão de equipas de trabalho com

múltiplas funções, desde artísticas às técnicas. O segundo na criação de textos que fossem de

encontro aos temas que o grupo queria representar com uma mensagem que envolvesse alguma

intervenção ou crítica social.

O exercício do poder político local através da sua assembleia e, posteriormente, do seu executivo

numa junta de freguesia durante oito anos forneceu pistas importantes para a resposta à questão

colocada por Augusto Santos Silva (1997): De que vale ter poder?. Dispor de recursos públicos e

decidir sobre a sua gestão porque os cidadãos nos confiaram esta missão, acarreta uma

elevadíssima responsabilidade e poder. Este consiste, do meu ponto de vista, no exercício de atos

de cidadania ao serviço da comunidade com a finalidade de melhorar as condições de vida,

envolvendo os interessados, implicando-os e corresponsabilizando-os.

Hoje vivemos numa sociedade “conexionista”, retomando a metáfora de Boltanski e Chiapello

(2009: 351), na qual as relações são diversificadas em elos múltiplos como se de uma rede se

tratasse. Se por um lado esta configuração beneficia quem participa, quem está envolvido,

concretamente no meu caso como tive oportunidade de o reconhecer, por outro lado assistimos a

uma nova exploração devido à multiplicação das conexões que acabam por lesar os que são menos

móveis, favorecendo a sua exclusão. A entrada na vida profissional do sociólogo continua a ser

muito difícil, atendendo ao facto de cerca de 33% de diplomados em sociologia pela Universidade

do Minho se encontrarem desempregados entre 2006 e 2007 (Marques, 2007: 84). Aos jovens

que acabaram de entrar na vida ativa é-lhes solicitada cada vez mais flexibilidade, num contexto

de crescente desregulação contratual que acaba por significar, muitas vezes, precaridade laboral.

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A minha posição perante os jovens diplomados é atualmente mais estável, mas nem por isso deixo

de aceitar desafios e alimentar uma profunda admiração pelo risco. Por essa razão, abracei o

presente curso de mestrado e continuo comprometida com o mundo associativo, conforme

demonstrei. Considero indispensável a participação em atividades de criação, não só para

conservar alguns valores fundamentais na prática diária como a escuta ativa, a equidade, a

tolerância, como também para desenvolver a capacidade de “agir em situação” (Marques,

2013:31), que, na aceção da autora, contribui para a profissionalização do sociólogo, implicando

um conjunto de competências especializadas adquiridas não só através da experiência profissional

como também da atualização dos conhecimentos. Eu acrescentaria que perspetivar a nossa

profissão como vocação facilita a integração na vida ativa. A concetualização de Max Weber (1905)

sobre este assunto fornece alguns pontos de intercessão com as referidas competências

transversais. A motivação intrínseca, a paixão, a curiosidade movem a pessoa na sua conduta que

não deverá esquecer dimensões tais como a honestidade, a autenticidade e a vontade de ser

melhor.

A proposta consiste em sermos autores não só da nossa própria narrativa, mas também dos

estudos nos quais interessa investir a nossa dedicação. Sennett recorda-nos uma condição: “a

fidelidade a si próprio como ser honesto em relação aos próprios erros, devia ser constante,

independentemente do local ou da idade que uma pessoa tem” (Sennett, 2001: 221).

A citação de Boaventura Sousa Santos que apresentei no início destas considerações finais

representa, na minha opinião, uma oportunidade e uma esperança para os cientistas sociais,

especificamente, os sociólogos. O nosso espaço de atuação é vastíssimo, abrindo possibilidades

únicas para a investigação e a construção de uma linguagem própria das ciências sociais e

acessível a quem tem a curiosidade de explorar outros domínios da vida em sociedade. Desde o

valor de consumo (Silva, 2014), dos usos e representações do tempo (Araújo, 2005) ao significado

dos espelhos (Tauber, 1994), o sociólogo é um apaixonado pelas questões que envolvem pessoas.

O seu objeto de estudo é inesgotável tornando a sua missão interminável.

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