teologia da prosperidade e a religião do capital

22
Teologia da prosperidade e a religião do capital Resumo Busca-se neste artigo, à luz da problemática apresentada por Walter Benjamin em seu ensaio incompleto “Capitalismo como religião”, a análise de elementos dos movimentos religiosos de matriz cristã denominados, de forma genérica, como Teologias da Prosperidade e sua compatibilidade com os elementos da economia de mercado. Se a tese benjaminiana de que não apenas o capital substitui o papel da religião como sistema formador de regras na sociedade como também se torna o sistema de culto e de transformação da realidade em sua narrativa divinizante, na qual o sucesso financeiro e “religioso” são equivalentes e intercambiáveis, seria possível analisar a teologia da prosperidade como a promessa da salvação humana via transações de troca ou consumo. Palavras-chave: Benjamin, capitalismo, culto, culpa, dívida. Theology of prosperity and free market religion Abstract This work aims to analyze some issues concerning compatibility and correspondences between religious movements labeled as “prosperity theologies” and free market economy. An unfinished essay written by Walter Benjamin, “Capitalism as religion”, is the theoretical lynchpin for this article. According to the author, capitalism moves religion out as a producer of rules and cultural codes in society – and, simultaneously, transforms reality into a sacred narrative where financial and religious success are interchangeable and equivalent. Considering his ideas, it is possible to understand Prosperity theology as a promise of human redemption via “bless consumerism”. Keywords: Benjamin, capitalism, cult, guilt, debt.

Upload: benito-eduardo-maeso

Post on 14-Dec-2015

227 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

Artigo

TRANSCRIPT

Page 1: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

Teologia da prosperidade e a religião do capital

ResumoBusca-se neste artigo, à luz da problemática apresentada por Walter Benjamin em seu ensaio incompleto “Capitalismo como religião”, a análise de elementos dos movimentos religiosos de matriz cristã denominados, de forma genérica, como Teologias da Prosperidade e sua compatibilidade com os elementos da economia de mercado. Se a tese benjaminiana de que não apenas o capital substitui o papel da religião como sistema formador de regras na sociedade como também se torna o sistema de culto e de transformação da realidade em sua narrativa divinizante, na qual o sucesso financeiro e “religioso” são equivalentes e intercambiáveis, seria possível analisar a teologia da prosperidade como a promessa da salvação humana via transações de troca ou consumo.

Palavras-chave: Benjamin, capitalismo, culto, culpa, dívida.

Theology of prosperity and free market religion

AbstractThis work aims to analyze some issues concerning compatibility and correspondences between religious movements labeled as “prosperity theologies” and free market economy.An unfinished essay written by Walter Benjamin, “Capitalism as religion”, is the theoretical lynchpin for this article. According to the author, capitalism moves religion out as a producer of rules and cultural codes in society – and, simultaneously, transforms reality into a sacred narrative where financial and religious success are interchangeable and equivalent. Considering his ideas, it is possible to understand Prosperity theology as a promise of human redemption via “bless consumerism”.

Keywords: Benjamin, capitalism, cult, guilt, debt.

________________________________

As transformações pelas quais a sociedade passa levam o ser humano a situações

nas quais seus laços com a coletividade se encontram em profunda crise. Ao mesmo tempo,

vivemos imersos dentro de um sistema econômico-político-social no qual todas as

atividades humanas parecem estar voltadas para a afirmação de individualidades de

consumo. A mercadoria se transformou na cultura de uma sociedade, isto é, todas as

relações sociais passam a ser mediadas pela lógica de compra, venda, valor de uso e troca,

etc.

A relação do humano com aquilo que lhe é transcendente também se modifica

dentro deste panorama social. Uma das hipóteses que podem ser ventiladas como expressão

Page 2: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

deste processo é a ascensão de diversos cultos e igrejas que propagam, de forma direta ou

não, a importância da prosperidade e sucesso material como expressões de uma relação

positiva com a divindade de culto, seja esta qual for.

Busca-se neste artigo, à luz da problemática apresentada por Walter Benjamin em

seu ensaio incompleto “Capitalismo como religião” (escrito em 1921), a análise de

elementos dos movimentos religiosos de matriz cristã denominados, de forma genérica,

como Teologias da Prosperidade e sua compatibilidade com os elementos da economia de

mercado.

Se a tese benjaminiana de que não apenas o capital substitui o papel da religião

como sistema formador de regras na sociedade como também se torna o sistema de culto e

de transformação da realidade em sua narrativa divinizante, na qual o sucesso financeiro e

“religioso” são equivalentes e intercambiáveis, como seria possível analisar uma teologia

que promete a salvação humana via transações de troca ou consumo?

Para percorrer esta seara e poder, ainda que de forma bastante precária, indicar

resposta a esta e outras perguntas, os autores optam por um percurso em etapas, partindo de

uma análise do texto benjaminiano e um rápido estudo sobre a história da teologia da

prosperidade, visando encontrar subsídios para um diagnóstico que permita maior

compreensão deste fenômeno dentro da sociedade do capital e sua imbricação com os

demais campos sociais.

O capitalismo como religião

O fragmento “Capitalismo como Religião” foi escrito por Walter Benjamin em

1921 em relação quase direta com o com o texto de Max Weber (“A Ética protestante e o

Espírito do capitalismo”). Neste texto, Weber teoriza que o surgimento e crescimento do

calvinismo trouxe como consequência o desenvolvimento do capitalismo como sistema

econômico para as comunidades protestantes. A máxima “Deus ajuda quem cedo

madruga”, ou a exaltação do valor do trabalho como dignificador do ser humano - em

contraposição à ideia do trabalho como punição divina presente em “comerás o pão com o

suor do teu rosto” (Genesis 3:19) – convinha a uma religião composta predominantemente

Page 3: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

por indivíduos oriundos da burguesia em expansão à época.

A secularização dos preceitos religiosos dentro do sistema econômico, vista por

Weber, é radicalizada por Benjamin, assim como entendida em um sentido contrário e

dialético: a economia absorve os elementos místicos das práticas religiosas e os

ressignifica, instituindo-os como parte da “liturgia” da sociedade do capital “o capitalismo

não é tão somente uma formação condicionada pela religião, mas um fenômeno

essencialmente religioso”, no qual as relações econômico-sociais se tornam sacras.

O capital não apenas substitui o papel da religião como sistema formador de regras

na sociedade. Ele também se torna o sistema de culto e de transformação da realidade em

sua narrativa divinizante, na qual o sucesso financeiro e “religioso” são equivalentes e

intercambiáveis. Se na época da aristocracia o poder era transmitido por direito divino, a

riqueza é a recompensa que o deus-mercado destina a seus mais fiéis e dedicados

seguidores.

Benjamin aponta assim para um caminho contrário ao de Weber: não é a religião,

principalmente o calvinismo, que abre espaço para a expansão do capitalismo como sistema

econômico adjacente, mas o próprio capitalismo que já se posiciona como sistema

totalizado na sociedade, sendo o “parasita do cristianismo” (BENJAMIN, 2011). O que

esse parasitismo significa é algo a ser discutido, mas o que a leitura do texto sugere é que

de certa forma há um sequestro da lógica religiosa, absorvida no interior do sistema. O

cristianismo se transforma em capitalismo, e esta é a nova religião sucedânea.

Uma religião pode ser definida como um fenômeno social que pressupõe uma ou

mais divindades, um código, um culto ou liturgia e adeptos. Uma comparação destes

conceitos ao capitalismo permitiria-nos perceber que, sendo um sistema que permeia a

sociedade, os adeptos, mesmo em caso de discordância pessoal ao sistema, seriam todas as

populações de países capitalistas. As divindades, fazendo recurso ao texto benjaminiano,

poderiam ser as moedas nacionais (por coincidência, é comum em diversos países as

cédulas carregarem inscrições de cunho religioso como In God we Trust – nos EUA – ou

Deus seja Louvado, no Brasil) ou as mercadorias, que adquirem o valor de “sensível

suprassensível”(MARX, 2013) na sociedade.

Mas Benjamin destaca, como elementos religiosos do capitalismo o culto, a

Page 4: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

permanência e a culpa. Do primeiro, o autor alemão diz:

"Primeiramente, o capitalismo é uma religião puramente cultual, talvez a mais extremamente cultual que já existiu. Nada nele tem significado que não esteja em relação imediata com o culto, ele não tem dogma específico nem teologia. O utilitarismo ganha, desse ponto de vista, sua coloração religiosa." (BENJAMIN, 2011)

Cultos e ritos são práticas pessoais e sociais de estabelecimento de relações com a

transcendência. O que Benjamin parece apontar é que as práticas sociais e pessoais no

sistema do capital funcionam como reforço da identidade e identificação dentro do culto.

Compra, venda, mercado financeiro, ações e mercadorias compõem a liturgia do

capitalismo, permitindo uma ponte do texto benjaminiano com a ideia de fetichismo da

mercadoria em Marx (convém lembrar que a palavra fetiche, derivada do português arcaico

“fetisso”, se refere aos cultos animistas nos quais são atribuídos poderes mágicos a objetos)

(DES BROSSES, apud SAFATLE, 2010).

A eternidade, ou perenidade, se relaciona ao fato de que, como Benjamin fala, o

capitalismo é um culto “sem sonho e sem piedade” (de acordo com outra tradução do

fragmento, podemos ler também “sem trégua”. Uma religião sem sonho abdica do caráter

transcendente: o reino dos céus é aqui. E o fato do sistema econômico ocupar todos os

espaços da vida social faz com que o culto seja permanente, constante e onipresente.

Acompanhamos cotações de moedas, ações, liquidações, analistas econômicos como se

ouvíssemos a homilia no culto (a ontologização e onipresença do “mercado”, elevado á

categoria de ser autônomo que aprova ou desaprova ações de governos e empresas é do

mesmo naipe da dualidade entre onipresença divina e a ideia da divindade se fazendo carne,

entre os humanos).

Já a culpa opera uma função peculiar nessa dinâmica. A ambiguidade da palavra

alemã Schuld (que significa tanto culpa como dívida) nos remete ao fato de que, se em

certas denominações religiosas a ideia da culpa atormenta o ser humano desde a queda

original (como em Santo Agostinho, por exemplo, onde a culpa é um a priori para o ser

humano), ainda há ao menos a possibilidade de expiar os pecados e realizar a passagem à

transcendência. Porém, no capitalismo, essa transcendência não ocorreria.

Page 5: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

O capitalismo é provavelmente o primeiro caso de um culto não expiatório, mas sim culpabilizador Nisto, este sistema religioso está sob a queda de um movimento monstruoso. Uma consciência de culpa monstruosa, que não se sabe expiada, agarra-se ao culto, não para expiar nele esta culpa, mas sim para fazê-la universal, martelá-la na consciência e, finalmente e sobretudo, para implicar o próprio Deus nesta culpa, para que enfim ele mesmo se interesse pela expiação. (LOWY, 2005)

Se o capitalismo serviria à satisfação das mesmas inquietudes e tensões às quais, no

passado, eram da esfera da religião (ou do sagrado), um de seus temas é a salvação do

homem. O trabalho como forma de purificação tem a dupla função de promover o sustento

e reaproximar o humano do divino, pois o sucesso no trabalho está imbricado ao

direcionamento da pulsão (tentação, paixões) para uma atividade prática: trabalhar afastaria

o homem do pecado. Essa conjunção de valores entra diretamente no coração da sociedade,

universalizando a culpa introjetada no indivíduo.

A relação intrínseca entre dívida financeira e culpa metafísica acaba por promover

uma associação interessante entre purificação de alma e estabilidade financeira. No

capitalismo clássico puritano de Weber o burguês puritano associa tudo que é consagrado a

fins pessoais a algo que teria sido “roubado do serviço à glória de Deus” – o que nos

colocaria em dívida/culpa com a divindade quando temos algum benefício próprio:

"A idéia de que o homem tem "deveres" para com as posses que lhe foram confiadas e às quais ele está subordinado como um intendente devotado (...) pesa sobre sua vida com todo o seu peso gélido. Quanto mais aumentam as posses, mais pesado torna-se o sentimento de responsabilidade (...) que o obriga, para a glória de Deus (...), a aumentá-las por meio de um trabalho sem descanso". (WEBER apud LOWY, 2005)

Já Benjamin acaba por apontar a formação de outra cadeia de pensamento, na qual

até mesmo Deus é colocado na posição de culpado - a culpa geral, como no passado se

dizia que a morte de uma pessoa era “a vontade de Deus”, agora se transfere para a situação

financeira e as relações de trabalho. Pobreza, miséria, desemprego, ganham um status

metafísico: estar excluído da sociedade é estar excluído da graça divina, punido por Deus

Page 6: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

por algum ato que o sujeito fez ou por uma aparente vontade misteriosa da economia. Deus

e capital passam a se equivaler.

O efeito prático deste processo é chamado por Benjamin (2011) de “generalização

do desespero”: o juízo final, a ira divina, é o colapso da economia e das relações sociais

mediadas pelo capital. Vivemos imersos em um sistema que não oferece saída razoável a

seu colapso contínuo, que não cremos como possível. Citando Zizek (2011), “é fácil

imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se

pode imaginar o fim do capitalismo.” . Não é possível imaginar uma mudança na matriz da

sociedade: é mais simples imaginar sua extinção, assim como a extinção do indivíduo: “o

que o capitalismo tem de historicamente inédito é que a religião não é mais reforma, mas a

ruína do ser” (BENJAMIN, 2011)

O que o sistema produz é o desespero, de acordo com Benjamin, pois é preciso o

culto constante, a liturgia constante, a aceleração da engrenagem para mantê-la em

funcionamento. Toda possibilidade de mudança social ou individual já está, a priori,

contaminada pela lógica religiosa-econômica do sistema.

O capitalista deve constantemente aumentar e ampliar seu capital, sob pena de desaparecer diante de seus concorrentes, e o pobre deve emprestar dinheiro para pagar suas dívidas. Segundo a religião do capital, a única salvação reside na intensificação do sistema, na expansão capitalista, no acúmulo de mercadorias, mas isso só faz agravar o desespero. (LOWY, 2005)

Se o sistema passa a ter características que o aproximam de uma religião, o que

acontece com o campo religioso da sociedade? Se o rito do capital é onipresente, de que

forma os ritos religiosos se ajustam a esta nova forma de liturgia? Como a relação do

humano com o sagrado se altera numa sociedade de economia sacralizada? Por mais que

este processo ainda esteja em andamento, algumas considerações podem ser traçadas sobre

o surgimento, expansão e sofisticação das chamadas teologias da prosperidade e sua relação

intrínseca com o processo indicado por Benjamin.

História da teologia da prosperidade

Page 7: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

A Teologia da Prosperidade tornou-se elemento de discussão e polêmica, não

apenas no interior das igrejas evangélicas brasileiras, como também de discussões

acadêmicas nas mais variadas disciplinas. Assuntos controversos, posicionamentos radicais

e uma grande ênfase na fortuna rápida e fácil tem sido suas características mais evidentes.

O fato é que o movimento precisa ser melhor observado para que não se corra o risco de

uma generalização apressada a respeito de seu significado, seja esta visão positiva ou

negativa, ou de se rotularem todas as subdivisões dentro de um mesmo prisma.

A Teologia da Prosperidade (também conhecida como confissão positiva, palavra

da fé, movimento da fé e evangelho da saúde e da prosperidade) possui origem

relativamente recente perto de outros movimentos cristãos. Muitas vezes, de maneira

equivocada, é relacionada a todos os grupos oriundos dos movimentos pentecostais, embora

a afinidade com a cosmovisão pentecostal (como as revelações, curas, profecias)

aproximou o movimento desta teologia a muitos grupos religiosos de características

essencialmente pentecostais. 

O movimento tem suas origens nas décadas de 1950, nos Estados Unidos, e

observa-se que surgiu em agrupamentos religiosos independentes, ou seja, não ligados a

nenhum grande segmento religioso protestante específico. De acordo com o historiador

presbiteriano Alderi Souza de Matos (2008), o pioneiro neste campo foi o evangelista Essek

William Kenyon (1867-1948), nascido em Nova York, de origem metodista e que estudou

no Emerson College, centro de estudos em Boston conhecido por ser irradiador de uma

movimento chamado de transcendental ou metafísico, que deu origem a inúmeras seitas de

orientação teológica bastante polêmica. Ao mudar-se para a Califórnia, realizou várias

campanhas evangelísticas, associado a diferentes correntes protestantes. Foi também um

dos pioneiros das transmissões evangelísticas pelo rádio e as transcrições de suas pregações

serviram como base para a formulação de suas doutrinas. 

De acordo com Matos (2008)

Quais eram as crenças dos tais grupos metafísicos? Eles ensinavam que a verdadeira realidade está além do âmbito físico. A esfera do espírito não só é superior ao mundo físico, mas controla cada um dos seus aspectos. Mais ainda, a mente humana pode controlar a esfera espiritual. Portanto, o ser humano tem a capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influência sobre o espiritual, principalmente no que diz respeito à cura de enfermidades.

Page 8: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

Kenyon defendia que tais ideias não eram incompatíveis com o cristianismo e ainda

afirmava que elas poderiam contribuir para o aperfeiçoamento da espiritualidade cristã.

Mas suas teorias somente ganharam mais espaço a partir do trabalho de Kenneth Erwin

Hagin, que carregou o epíteto de pai do movimento da fé.  Nascido no Texas, teve uma

infância difícil, sempre muito adoentado e fragilizado por doenças. Aos 16 anos chegou a

ficar limitado à cama. Após sua conversão entendeu que a proclamação da fé era o

elemento fundamental para obter as bênçãos divinas; em suas palavras: “creia no seu

coração, decrete com a boca e será seu”. Em seu depoimento, afirma que depois dessa

tomada de consciência recebeu a cura de suas enfermidades.

Atuou em diferentes denominações evangélicas e no ano de 1962 fundou seu

próprio grupo religioso. Ele afirmava que teria recebido instruções do próprio Deus para

organizar sua doutrina, no entanto, ficou comprovado posteriormente que muitos dos seus

ensinos em mensagens e livros eram cópias ipsis litteris dos escritos de Kenyon. Para sair

desta situação afirmava que o Espírito Santo “havia revelado as mesmas palavras a ambos”

(HAGIN, apud MATOS, 2008).

Embora recente no Brasil, o movimento é intenso e apresenta-se em franca

ascensão, após um início tímido no país com as teleconferências de Rex Humbard; aos

poucos seu alcance foi se ampliando por meio de nomes como John Avanzini, Marilyn

Hickey e Benny Hinn. A presença desses pregadores da prosperidade influenciou

diretamente figuras conhecidas do cenário evangélico neopentecostal atual, como Valnice

Milhomens, Edir Macedo e o maior divulgador dos livros de Hagin no Brasil, R.R. Soares.

Nos últimos anos, o polêmico Silas Malafaia se tornou um grande defensor e difusor deste

pensamento.

Sob o ponto de vista da doutrina protestante tradicional, a doutrina da prosperidade

está em choque com os valores do cristianismo porque ela relativiza a importância da Bíblia

como revelação divina, visto seus líderes trazerem frequentes “novas revelações de Deus”,

apresentando assim concepções diferenciadas a respeito da fé, da salvação e no

entendimento de Deus e Jesus Cristo. 

Page 9: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

Crítica

Segundo P.R.Purim (2010) a crítica feita em relação à Teologia da Prosperidade por

parte de pastores e líderes evangélicos mais conservadores reside em vê-la como a

manifestação de um “cristianismo estelionatário populista; onde tudo nela é projetado para

atingir, manipular e defraudar as camadas mais pobres da população com a promessa de

riqueza” (PURIM, 2010). O mesmo autor comenta que, apesar da riqueza ser um objetivo

de certo modo universal ao ser humano, em geral são “pobres ingênuos o bastante para

comprar a promessa da riqueza incondicional” — e se esta promessa de prosperidade vem

“embalada e adoçada com o discurso da devoção”, seu potencial de convencimento se

amplifica sobremaneira.

No entanto, há que se separar a crítica teológica a respeito destas práticas religiosas

(onde alguns desses líderes conseguem refutar o movimento) e o fato de que o conceito de

prosperidade é, não apenas de hoje, muito bem aceito como manifestação da graça de

Deus. Dito em outras palavras, o cristianismo protestante como um todo, desde o

Reformismo do século XVI, ressalta os valores do enriquecimento, em conformidade com o

status quo vigente apoiado no capitalismo, muitas vezes a um ponto em que se torna difícil

separar religião e economia. Novamente citando Purim (2010), “da expressão ‘teologia da

prosperidade’, os mais articulados dentre nós sentem-se preparados para invalidar a parte

da teologia, mas nosso modo de vida endossa sem equívoco a parte da prosperidade”.

Fica evidente que sob o ponto de vista humano, há duas posturas principais em

relação à riqueza: a acumulativa, que valoriza o isolamento e a escassez, e a distributiva,

considerando comunhão e abundância. A relação crença-capital pregada pelos

propagadores da Teologia da Prosperidade não é menor ou menos acumulativa do que o

que é seguido pelos demais seguidores da prosperidade calvinista tradicional. O

pensamento acumulativo, presente e aceito nas mais variadas denominações cristãs, simula

encontrar respaldo na forma de interpretar o Novo Testamento e finca a sua justificativa na

concepção da soberania de Deus: o rico não deve sentir-se culpado por não participar da

miséria mundial, pois esta foi a “vontade d’Ele” e repartir os bens soa como uma tentativa

Page 10: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

de resistência à essa vontade divina, além de ser associado a modelos políticos e

econômicos diametralmente opostos ao preconizado por um capitalismo de corte

profundamente liberal. Esse raciocínio segue no sentido de que nenhum privilégio é injusto,

pois é patrocinado pela soberania de Deus. Assumir uma postura distributiva evidenciaria

falta de fé e interferência na vontade divina. Uma opinião bastante cômoda e confortável a

quem está em uma posição social na qual a desigualdade seja benéfica a si.

A grande crítica teológica, que ocorre mesmo dentro de variadas denominações

cristãs, é que a postura genuína de se ler o Novo Testamento seria a de observar o apelo

constante para que o verdadeiro cristão se aproprie de um modo distributivo de entender a

riqueza. Apoio para essa visão não falta nas Escrituras, desde os ensinamentos de Cristo

como de João Batista, do apóstolo Paulo e o modo de vida evidenciado pelos primeiros

cristãos nos Atos dos Apóstolos. Da mesma maneira, a escritura sagrada aponta que a

concepção de revolucionar a sociedade não é vista como rebeldia a Deus e sim, a essência

do arrependimento, no sentido de corrigir as injustiças e buscar anular de alguma forma os

mecanismos de exclusão e manipulação. O apóstolo Paulo disse-o da seguinte forma:

Quando existe a boa vontade, somos bem aceitos com os recursos que temos; pouco importa o que não temos.(…) No presente momento, o que para vós sobeja suprirá a carência deles, a fim de que o supérfluo deles venha um dia a suprir a vossa carência. Assim haverá igualdade. (II Coríntios 8:12-14).

Um raciocínio que ecoa, por exemplo na afirmação de Slavoj Zizek (2011) sobre a

incompatibilidade entre o sentido primevo do cristianismo e a apropriação de seus valores

como elementos da ordem do capital, da identidade nacional e do conjunto de valores das

classes dominantes de uma sociedade:

temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos. (ZIZEK, 2011)

Page 11: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

Não falta quem discorde da tese de Weber de que a teologia calvinista acabou

precipitando inevitavelmente a ascensão do capitalismo. A dúvida parece estar em se a ética

protestante ocasionou o capitalismo ou se meramente o facilitou. Certamente, para o bem

ou para o mal, ela não o evitou.

Mesmo quem desconfia das conclusões de Weber não tem como negar que a rápida

expansão do comércio e a ascensão do industrialismo coincidiram precisamente com o

incêndio revolucionário da Reforma Protestante. O que é preciso pensar é se a mudança nas

conformações do capitalismo no século XX influenciaram, também, no desenvolvimento de

novas formas religiosas e como a Teologia da Prosperidade se encaixa nesse cenário.

Conclusão

A teologia da prosperidade acaba por refletir exatamente o que Benjamin observa a

respeito da sacralização do capitalismo. A questão não é mais se no capitalismo calvinista o

sucesso comercial já era visto como algo positivo ou cumprimento do plano divino por

parte do fiel, mas sim de que forma a própria liturgia das religiões da dita confissão positiva

já é uma confirmação não mais dos valores confessionais e sim dos valores do capitalismo.

Nesta sociedade de economia sacralizada, a relação com o transcendente

desaparece, pois subsumida à troca. Se em algum grau esta relação sempre teve seu

elemento de troca (a promessa ao santo ou a venda de indulgências são apenas exemplos

simples disso), o que se vê hoje, notadamente nesta expansão dos cultos da chamada

confissão de fé, é a elevação do mecanismo de troca acima descrito a um papel central, se

não único, entre indivíduo e divindade.

A meritocracia aos olhos de Deus, com a radicalização do discurso de defesa da

propriedade e, por conseguinte, dos valores morais e sociais associados a esta (incluindo o

de intolerância ao pensamento diverso), se sincretiza a uma prática negocial-mística entre

fiéis e a distribuição de bênçãos, selada por meio do corretor, agiota ou intermediário,

personificado no pastor. A graça divina se torna mercadoria, precificada de acordo com o

que se deseja atingir, ou o rendimento/juro retornado pelo investimento efetuado pelo fiel.

A produção da mais-valia teológica-capitalista da teologia da prosperidade se dá pela

Page 12: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

exploração do “trabalho da fé” do fiel pelo pastor em sua comunidade. Como na burguesia

clássica, o pastor é o detentor do meio de produção: a igreja/fábrica e a oração/máquina.

Não custa lembrar que toda relação de mais-valia é, em essência, uma relação de

exploração do homem pelo homem.

Nesse caso, o processo de purgação da culpa – matéria-prima do processo, que

deixa de ser apenas do fiel, alterando sutilmente o diagnóstico benjaminiano, e passa a ser

influência de espíritos ou de opressão, tendo a ver com o passado do fiel antes da adesão ao

culto/clube de vantagens - gera uma dívida com o pastor/capital, que pode ser visto como o

sócio/fiador do empréstimo divino. A relação entre recuperação da alma e recuperação

financeira estabelece-se via emissário, o fiador da palavra “divina” por meio de

oferta/oferenda.

Para se atingir a graça, é preciso purificar a alma, o que nesta lógica é possível

substituindo integralmente a confissão da culpa (ou análise das consequências dos atos)

pela confissão da dívida. O pastor é o fiador de Deus, o intermediário deste -

automaticamente imbuído de poder financeiro-mágico. Em um segundo estágio, Deus é o

fiador do sucesso do seguidor no mundo capitalista, com sua tarefa sendo a de suprir meios

materiais aos seus seguidores. O transcendente se torna submisso ao imanente, no caso, à

lógica social. A religião passa a ser um sistema de código/lei social com um objetivo

prático: a prosperidade. A presença maciça deste tipo de liturgia nos meios da Indústria

Cultural brasileira, fenômeno de massa resultante de fatores como a imbricação entre a

expansão global de formas de pensar notadamente conservadoras e o resgate mundial de

uma religiosidade reprimida (porém mediada pelos códigos do capital) pós-11 de Setembro

na busca de sentido à existência, mais a ascensão de parte da sociedade brasileira à

chamada classe média (e isso sendo entendido como fruto apenas do esforço pessoal,

desconsiderando os efeitos de conjuntura social), apenas é reflexo da transformação

completa do capitalismo na religião central de nossa época, com espetáculos midiáticos

feitos na medida certa para a exaltação deste conjunto de valores.

Contribui-se para o conhecimento do capitalismo como uma religião se se recorda que seguramente o paganismo originário concebia a religião, a princípio, não como um interesse "superior", "moral", mas sim como um interesse imediatamente prático; em outras palavras, o paganismo tampouco tinha mais consciência que o

Page 13: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

capitalismo atual de sua natureza "ideal", "transcendente", antes via o indivíduo irreligioso ou heterodoxo de sua comunidade exatamente como um membro inquestionável (infalível ou incapaz, de acordo com outras traduções consultadas – N.A.), assim como a burguesia atual vê os seus integrantes improdutivos. (BENJAMIN, 2011)

Talvez daí é que o pavor ao indivíduo irreligioso, ao “ateu”, ao transgressor

religioso ou a quem professa outra forma de crença seja arraigado e similar ao pavor

voltado ao indivíduo que, de alguma forma, escolhe ou é levado a soluções heterodoxas

para garantir seus meios de sobrevivência, o que abarca desde o ladrão até o indivíduo que

busca carreiras não-convencionais. Os párias da sociedade – associados ao fracasso

financeiro – se tornam também os párias aos olhos do culto, do grupo e da divindade - de

acordo com o que os fiadores dizem à sua comunidade.

Referências bibliográficas

BENJAMIN, W. O Capitalismo como religião. Organização Michael Lowy. Tradução Nélio Schneider. SP : Boitempo, 2013______, “Capitalismo como religião”. Trad. Jander de Melo Marques Araujo. Revista Garrafa, número 23, jan-abr 2011. Disp. em http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/garrafa/garrafa23/janderdemelo_capitalismocomo.pdf . Acesso em 27 jun 2015

BIBLIA SAGRADA. Edição revista e corrigida. SP : Paulus, 2012

BÍBLIA DE JERUSALÉM. SP : Paulus, 2002

PURIM, P.R. “As contradições da prosperidade”. Bacia das Almas, junho de 2010.

Disponível em http://www.baciadasalmas.com/as-contradicoes-da-prosperidade/. Acesso

em 27 jun 2015

LOWY, M. Walter Benjamin, crítico da civilização. In BENJAMIN, Walter. O Capitalismo como religião. Organização Michael Lowy. Tradução Nélio Schneider. SP : Boitempo, 2013

Page 14: Teologia Da Prosperidade e a Religião Do Capital

______, “O capitalismo como religião”. Folha de São Paulo, Caderno Mais, domingo, 18 de setembro de 2005

MARX, K. O Capital. Vol 1: o processo de produção do capital. SP : Boitempo, 2013

MATOS, A. S. “Raízes históricas de Teologia da Prosperidade”. Revista Ultimato. Edição 313, jul-ago 2008. Disponível em http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/313/raizes-historicas-da-teologia-da-prosperidade . Acesso em 26 jun 2015

SAFATLE, V. “O fetichismo como dispositivo de crítica”. Revista Cult, ed. 145, março 2010. Disp. emhttp://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/o-fetichismo-como-dispositivo-de-critica/.. Acesso em 28 jun 2015

WEBER, M. A Ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Edição de Antônio Flávio Pierucci. SP : Companhia das Letras, 2004

ZIZEK, S. A tinta vermelha. Discurso proferido em 10 out. 2011. Disponível em http://blogdaboitempo.com.br/2011/10/11/a-tinta-vermelha-discurso-de-slavoj-zizek-aos-manifestantes-do-movimento-occupy-wall-street/. Acesso em 24 jun 2015