temas atuais em teologia e estudos em ciencia da religiÃo
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CURSO DE VALIDAÇÃO DE CRÉDITOS
EM TEOLOGIA
TEMAS ATUAIS EM TEOLOGIA ESTUDOS EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
TEOLOGIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
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Reitor: Wilson de Matos Silva
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TEMAS ATUAIS EM TEOLOGIA
PROF. DR. HERMISTEN MAIA PEREIRA DA COSTA
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SUMÁRIO
UNIDADE I
PRESSUPOSTOS E PERCEPÇÕES.........................................................................................................11
A MENTE CATIVA......................................................................................................................................14
O DESAFIO DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ EM UMA SOCIEDADE PLURALISTA.............................22
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................................30
UNIDADE II
DEFENDENDO A VERDADE EM UM MUNDO RELATIVISTA...................................................................35
A VERDADE DO DEUS VERDADEIRO EM UM MUNDO DE MENTIRAS.................................................53
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................................64
UNIDADE III
A VERDADE OBJETIVA DE DEUS.............................................................................................................69
JESUS CRISTO, A PALAVRA ENCARNADA E O SEU PODER LIBERTADOR........................................80
A VERDADE COMO UM TODO UNIFICADO.............................................................................................93
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................................96
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UNIDADE I TEMAS ATUAIS EM TEOLOGIA Professor Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa
Objetivos de Aprendizagem
• Indicar como todo o conhecimento é precedido de um pré-conhecimento repleto de valores e
significados.
• Demonstrar como a estruturação de nosso pensamento se faz cativo de outras estruturas de
pensamento.
• Analisar a preocupação do apóstolo Paulo com o cativeiro intelectual de seus leitores.
• Explorar o desafio de construir uma cosmovisão cristã em uma sociedade com valores relativos
e subjetivos.
Plano de Estudo
A seguir apresentam-se os tópicos que vocês estudará nesta unidade:
• Pressupostos e Percepções.
• A Mente Cativa.
• O Desafio de uma cosmovisão cristã em uma sociedade pluralista.
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Introdução
Uma das questões difíceis de responder é: no que você crê?
A resposta a esta questão revelará uma série de
pressupostos – conceitos implícitos em sua fala –, muitos dos
quais talvez jamais tenham ocorrido, pelo menos de forma
teórica, ao entrevistado. É possível que sem percebermos o
nosso pensamento revele uma série de inconsistências e, até
mesmo, excludências. O fato é que nossos conceitos,
explícitos ou não, terminarão por se juntar a outros e, deste
modo, sem consciência e mesmo consistência, vamos aos
poucos formando uma maneira de ver o mundo e,
consequentemente, de avaliá-lo. Esta percepção determinará de
forma intensa o nosso comportamento na sociedade em que vivemos,
tendo implicações em todas as esferas de nossa existência. “Uma
cosmovisão contém as respostas de uma dada pessoa às questões
principais da vida, quase todas com significante conteúdo filosófico. É
a infra-estrutura conceitual, padrões ou arranjos das crenças dessa
pessoa” (NASH, 2008, p. 13).
Ainda que não pretendamos ser exaustivos, podemos, inspirando-nos
em Nash (2008, p. 15ss), dizer que a nossa cosmovisão é
constituída por um conjunto de crenças que estabelecem,
essencialmente, a sua distinção de outras cosmovisões ainda que
haja no cerne de cada cosmovisão diferenças importantes, porém,
que não são excludentes. Vejamos algumas dessas crenças:
a) Deus: Ainda que o nome de Deus nem sempre apareça em nossas
discussões, a fé em Deus envolvendo, obviamente, o conceito que
temos Dele é ponto capital em qualquer cosmovisão. Deus existe?
Ele se confunde com a matéria? Há um só Deus? Ele age? É
soberano? É um ser pessoal? As respostas que dermos a estas
questões são cruciais para identificar a nossa cosmovisão.
b) Metafísica: A Metafísica trata da existência e da natureza e a
qualidade daquilo que é conhecido. A nossa cosmovisão determinará
um tipo de compreensão de questões tais como: Todos os homens
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têm a mesma essência? Todo evento deve ter uma causa? Há
realidade além daquilo que podemos ver? Existe um mundo
espiritual? Há um propósito para o universo? Qual a relação entre
Deus e o universo?
c) Epistemologia: A Epistemologia é o estudo das questões
relacionadas aos problemas filosóficos do conhecimento. O seu
objetivo é conhecer, interpretar e descrever filosoficamente, os
princípios essenciais que conduzem ao conhecimento científico ou,
em outras palavras, estudar a origem e como se estrutura o
conhecimento científico. A Epistemologia trata de questões tais
como: Como conhecemos alguma coisa? É possível um
conhecimento certo a respeito de alguma coisa? Os sentidos nos dão
um conhecimento certo a respeito dos objetos sensíveis? Nossas
percepções dos objetos sensíveis são idênticas a esses objetos?
Qual a relação entre o intelecto e a matéria? Qual a relação entre a
razão e a fé? Podemos conhecer algo sobre Deus? É o método
científico o melhor método para o conhecimento?
d) Ética: A Ética filosófica analisa a vida virtuosa no seu valor último, e a
propriedade de certas ações e estilos de vida. Ela se refere à conduta
humana, às normas e princípios a que todo o homem deve ajustar
seu comportamento nas relações com seus semelhantes e consigo
mesmo. O filósofo moral não é apenas um cientista teórico envolvido
em especulações abstratas, ele é alguém comprometido com a
realidade, buscando soluções para os problemas práticos que nos
cercam e que deram origem à pesquisa. A sua preocupação,
também, não se limita à ação certa, mas, também, ao princípio que a
justifica. Perguntas comuns a esta disciplina: É justo falsificar a
declaração de imposto de renda? O aborto é correto? E financiar
instituições que em suas pesquisas contemplem a prática do aborto?
É viável a pena de morte? A eutanásia? Há um padrão absoluto de
moral ou ele é relativo à épocas, culturas e pessoas? A moralidade
transcende ao lugar, época e cultura? Como distinguir o bem do mal?
e) Antropologia: O conceito que temos a respeito do homem revela
aspectos de nossa cosmovisão. O ser humano é apenas matéria?
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De que forma a morte determina o fim de nossa existência? Existe
algum tipo de recompensa ou punição após a morte? A alma é
imortal? O homem é um ser livre ou determinado por forças
deterministas? Qual o propósito da vida?
f) História: Ela parte do princípio de que o homem é uma síntese entre
o passado e o presente, tendo as suas decisões atuais em relação
direta com as suas experiências pretéritas, daí algumas perguntas: O
alvo da explicação histórica é predição, ou meramente entendimento?
Visto que escrever a história envolve seleção de material pelo
historiador, um documento histórico pode ser considerado objetivo?
A História é linear ou cíclica? Existe alguma finalidade, ou um padrão
que confira sentido à História?
1. PRESSUPOSTOS E
PERCEPÇÕES As nossas ênfases revelam não simplesmente os nossos
pensamentos e valores como também, aspectos da realidade como
os percebemos. A concatenação de nossas idéias e a estruturação
de prioridades, dentro da fluidez histórica, assumem aspectos
relativos. Deste modo, quando lemos um autor devemos entender
também o seu tempo, a sua forma de pensar e os pontos que
visavam destruir, consolidar ou mesmo transformar. Toda obra é, de
certa forma, dialogal, explícita ou implicitamente. Cada época nos diz
algo de seus atores e cada ator histórico nos fala direta ou
indiretamente do cenário que o inspira, dentro do qual ele foi criado e,
de certa forma, delimita a sua própria percepção da realidade.
Quando não percebemos estes aspectos, tendemos a ser
extremamente rigorosos em nossos julgamentos ou facilmente somos
conduzidos a cometer anacronismos injustificados. Isto se dá,
especialmente, quando lemos autores de séculos anteriores ao nosso
que, além da distância temporal, viveram em outro continente, com
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valores próprios, percepções delimitadas pela sua época, tendo que
se deparar com desafios gigantescos alguns dos quais são quase
que imperceptíveis em nossa época. Aí surge o nosso problema; é
impossível ter todas as visões; a nossa, além de vários
condicionantes, é feita a partir de nossa época, sob o feitiço de
nossos valores e concepções, os quais por si só já produzem um pré-
conhecimento. O anacronismo condenatório é fácil de ser praticado e
extremamente difícil de ser percebido por quem o exerce. Portanto, a
consciência destas questões deve produzir em nós um salutar sentido
de limitação e, portanto, de maior prudência em nossos juízos,
reconhecendo que a nossa época , dentro da qual estamos inseridos
e mais cativos do que imaginamos, tem as suas paixões e feitiços –
plenamente justificados, diga-se de passagem, pelos seus cidadãos
bem socializados –, assim como a de nossos personagens
analisados. O que torna a nossa visão melhor do que a deles? Talvez
seja a própria história que, constantemente, nos fornece um leque
mais amplo e ilustrativo de fracassos da humanidade.
A nossa chave epistemológica é a Escritura, portanto, a nossa
cosmovisão partindo de uma perspectiva assim, nos conduzirá,
naturalmente, de volta a Deus. A Educação Cristã fundamentando-se
nas Escrituras oferece-nos um escopo do que Deus deseja de nós e
nos fala de qual o propósito de nossa existência em todas as suas
esferas.
Os pressupostos se constituem na janela (quadro de referência) por
meio da qual vejo a realidade; o difícil é identificar a nossa janela,
ainda que sem ela nada enxerguemos. Assim, falar sobre a nossa
cosmovisão, além de ser difícil verbalizá-la, é paradoxalmente
desnecessário. Parece que há um pacto involuntário de silêncio o
qual aponta para um suposto conhecimento comum: todos sabemos
a nossa cosmovisão. Deste modo, só falamos, se falamos e quando
falamos de nossa cosmovisão, é para os outros, os estranhos, não
iniciados em nossa forma de pensar. Sire (2004, p. 21-22) resume
bem isso: “Uma cosmovisão é composta de um conjunto de
pressuposições básicas, mais ou menos consistentes umas com as
outras, mais ou menos verdadeiras. Em geral, não costumam ser
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questionadas por nós mesmos, raramente ou nunca são
mencionadas por nossos amigos, e são apenas lembradas quando
somos desafiados por um estrangeiro de outro universo ideológico”.
Deste modo, aplicando este princípio à história, podemos dizer que o
historiador em seu labor operará sempre com os seus pressupostos;
todavia, ele deverá esforçar-se para que eles não interfiram na
evidência dos "fatos", a fim de não sacrificar a "verdade" por sua
paixão, que as evidências, por sua clareza, revelam ser equivocadas.
A nossa cosmovisão não deve servir apenas – aliás, um “apenas”
injustificável em si mesmo –, para um exibicionismo pretensamente
acadêmico, ufanismo ignorante ou mesmo como demarcação de
terreno no qual nada se sucede, exceto a presunção compartilhada e
demarcada por outras cosmovisões. A nossa cosmovisão consciente
deve estar comprometida com a busca de coerência perceptiva e
existencial. Há compromissos sérios entre o que cremos e como
agimos. Um distanciamento consciente e docemente acalentado e
justificado entre o crer e o fazer, produz uma esquizofrenia intelectual,
emocional e espiritual, cuja solução definitiva envolverá um destes
caminhos: ou mudar a nossa crença ou abandonar a nossa práxis.
Para o cristão, cosmovisão é compromisso de fé e prática.
Nash (2008, p. 29) parece-nos oportuno aqui:
Cosmovisões deveriam não apenas ser testadas
em uma aula de filosofia, mas também no
laboratório da vida. Uma coisa é uma cosmovisão
passar no teste teórico (razão e experiência); outra
é passar no teste prático. As pessoas que
professam uma cosmovisão podem viver
consistentemente em harmonia com o sistema que
professam? Ou descobriremos que elas foram
forçadas a viver segundo crenças emprestadas de
sistemas concorrentes? Tal descoberta, eu acho,
deveria, produzir mais do que embaraço.
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2. A MENTE CATIVA
Na quinta-feira de 18 de abril de 1521, Lutero (1483-1546) na
Dieta de Worms, diante do Imperador, dos príncipes e de
clérigos é interrogado sobre a sua fé que tanto reboliço estaria
causando à igreja romana, especialmente, na Alemanha. Era um
momento crítico; a pressão era para que Lutero se retratasse
quanto à sua fé. Ele argumenta em tons respeitosos e com
firmeza. A certa altura, na conclusão de sua breve exposição,
declara: “.... estou vencido pelas Escrituras por mim aduzidas e
minha consciência está presa nas palavras de Deus – não
posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a
consciência não é prudente nem íntegro” (LUTERO, 1996, Vol.
6, p. 126). Lutero, confiante na autoridade suficiente das
Escrituras declara que a sua mente é totalmente cativa da Palavra de
Deus e, por isso, não pode nem sequer cogitar de pensar de forma
contrária.
McGrath (2007, p. 53) está correto ao afirmar: “Permitir que novas
ideias e valores tornem-se controlados por qualquer coisa ou pessoa
que não a auto-revelação de Deus na Escritura é adotar uma
ideologia, em vez de uma teologia; é tornar-nos controlados por
ideias e valores cujas origens se acham fora da tradição cristã – e
potencialmente tornar-nos escravizados por eles”.
Uma das prisões mais sutis com a qual nos deparamos e, com
frequência, sem perceber nela estamos, é a prisão de nossa mente:
uma forma direcionada de pensar, cativa de determinados valores
com os quais somos bombardeados diariamente e fortalecidos pelo
próprio meio em que vivemos, sem que tenhamos, necessariamente,
um filtro adequado para selecionar de modo crítico o que vemos e
ouvimos. Assim, sem que nos demos conta, estamos assimilando
valores que nos aprisionam, tornamo-nos “escravos” de uma maneira
de pensar e, consequentemente, de agir; determinando, portanto, o
nosso modo de ver a realidade, nos relacionar, criar nossos filhos,
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tratar nossos irmãos, trabalhar, estudar, nos divertir e, no nosso caso
específico, de pastorear e expor ou não a Palavra. Deste modo, sem
que percebamos, temos, em nome da liberdade de pensamento, uma
mente estruturalmente cativa.
Paulo, escrevendo a Segunda Epístola aos Coríntios, trabalha com
um conflito evidente de “senhorio”: Quem é o Senhor de nossa mente
e de nossa vida? Quais são os valores que priorizamos? A maneira
como encaramos a realidade, por si só já não nos diz a quem
servimos?
Diante das acusações dos falsos mestres que estavam influenciando
a igreja de Corinto, escreve: “Porque, embora andando na carne, não
militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não
são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas,
anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o
conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à
obediência de Cristo” (2Co 10.3-5). Paulo era um mestre da Lei, um
erudito que conhecia bem a literatura judaica e grega, expressando-
se de modo fluente em grego, hebraico e possivelmente em latim.
Aqui estava um homem que dispunha de grandes recursos para se
gloriar no seu saber e recursos; no entanto, ele reconhecia que a
autoridade de Cristo era superior à razão humana. Por isso mesmo,
Paulo argumenta que mesmo vivendo neste mundo com as limitações
próprias – “andando na carne” (2Co 10.3) –, as suas armas não são
carnais, antes são espirituais; o seu ministério não é caracterizado
por ausência de recursos espirituais, antes, todo ele é realizado no
poder de Deus. As suas armas – que tem como fundamento a
Palavra de Deus (Ef 6.17) –, são poderosas em Deus para destruir
fortalezas; anulando sofismas.
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Paulo temia pela corrupção da mente dos coríntios que
davam crédito aos falsos apóstolos que, usados por
Satanás, os afastavam da simplicidade do Evangelho: “Mas
receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a
sua astúcia (panourgi/a1111 = “ardil”, “truque”, “maquinação”,
“trapaça”), assim também sejam corrompidas as vossas
mentes (no/hma), e se apartem da simplicidade e pureza
devidas a Cristo” (2Co 11.3). Esta era uma forma de Satanás
atuar, obscurecendo a mente (no/hma) dos homens. Paulo
após falar dos desígnios (no/hma) de Satanás (2Co 2.11) –
indicando a ideia de que ele tem metas definidas, estratégias
elaboradas, um programa de ação com variedades de técnicas e
opções a serem aplicadas conforme as circunstâncias –, diz que, “...
O deus deste século cegou os entendimentos (no/hma) dos
incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da
glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4). Na realidade,
é possível, – e creio que conhecemos bem isso –, criar uma
atmosfera contrária à fé cristã; uma má vontade para com a verdade;
uma estrutura de pensamento totalmente secularizada, onde não há
lugar para Deus, valores e conceitos objetivos. O pecado afeta a
totalidade do homem, inclusive o seu intelecto. Assim, criamos um
universo de valor privado, onde a verdade é de cada um dentro dos
significados subjetivos circunstanciais.
Veith (2006, p. 49) diz que “normalmente, não sãos argumentos
específicos contra o Cristianismo que perturbam a fé de uma pessoa,
mas toda a atmosfera do pensamento contemporâneo”. Por isso, o
simples – ainda que não seja tão simples assim – fato de podermos
pensar com clareza é uma bênção inestimável de Deus. “O pecado é
antiintelectual” (VEITH, JR., 2006, p. 72).
A questão então é: poderosas em Deus para quê? Analisemos a
progressão do pensamento de Paulo:
1 Ocorre 5 vezes no NT.: Lc 20.23; 1Co 3.19; 2Co 4.2; 11.3; Ef 4.14.
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a) “Para destruir2 fortalezas” (o)xu/rwma)3 (2Co 10.4). A palavra
“fortaleza”, só ocorre aqui no NT, tendo um emprego secular de
fortaleza de palavras, de argumentos presumivelmente considerados
fortes e indestrutíveis; metaforicamente, a expressão indica
conceitos especulativos que se erguem contra a cruz de Cristo. O
Espírito, por meio da Palavra, destrói a nossa forma viciada de
pensar que obstaculizava a compreensão do Evangelho.
b) “Anulando sofismas” (logismo/j):4 Toda a sabedoria carnal em
oposição ao saber espiritual.
c) “E toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus”
(2Co 10.5). As fortalezas geralmente eram construídas em lugares
altos, sendo, portanto mais difícil combatê-las. Normalmente as
coisas que exaltamos como sendo fundamentais e essenciais para a
sua existência podem se constituir em fortalezas contra o
conhecimento de Deus. As pessoas tendem a se julgar seguras
dentro das “fortalezas” de seus argumentos contra o Evangelho; no
entanto, os limites de pedra da razão e do coração humano não
servem de empecilho absoluto contra o Evangelho.
d) “Levando cativo todo pensamento (no/hma) à obediência de Cristo”
(2Co 10.5). Somente desse modo – por intermédio do crescimento
espiritual que consiste na obediência a Deus –, é possível, como diz
Paulo aos efésios, “que não mais andeis como também andam os
gentios na vaidade [matai/thj]5 dos seus próprios pensamentos
[nou=j],6 obscurecidos de entendimento [dia/noia],7 alheios à vida de
2 kaqai/resij (kathairesis) = destruição (* 2Co 10.4,8; 13.10). O verbo, kaqaire/w (kataireõ) tem o sentido de fazer descer, vencer, derrubar, destruir (Mc 15.36, 46; Lc 1.52; 12.18; 23.53; At 13.19, 29; 2Co 10.4). 3 Nos papiros significa também prisão. 4 Logismo/j significa, “computar”, “refletir”, “cogitar”, “conceber”, “raciocinar”. A palavra é proveniente de lo/goj. O termo pode ter também o sentido de argumento falso e sofisma (* Rm 2.15 (“pensamentos”); 2Co 10.4). (Sentido negativo é usado também em Pv 6.18) (logismo/j kakoi/) (logismos kakoi). 5mataio/thj (mataiotês) (= Vaidade, futilidade, vacuidade) apresenta a ideia de ausência de objetivos [* Rm 8.20; Ef 4.17; 2Pe 2.18]. Ma/taioj = Vão, fútil, tolo, sem valor. (*At 14.15; 1Co 3.20; 15.17; Tt 3.9; Tg 1.26; 1Pe 1.18). 6 nou=j (nous), da mesma raiz de no/hma, indica a mente, pensamento, modo de pensar, atitude e a faculdade de raciocinar.
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Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza dos seus
corações....” (Ef 4.17-18).
Portanto, podemos inferir que não há o que temer diante da oposição
erguida contra o ensino da fé cristã; a sabedoria carnal é oposta à
sabedoria espiritual e esta a sobrepuja. Na Palavra, temos todos os
recursos necessários para combater o erro e apresentar a mensagem
cristã de forma clara e objetiva. A verdade bíblica é capaz de
apresentar de forma coerente a fé cristã e sobrepujar toda forma de
raciocínio que lhe é hostil. Portanto, a Igreja se alimenta da Palavra e
nela encontra o discernimento de Deus para entender e avaliar todas
as coisas.
Assim sendo, devemos ressaltar que o Evangelho não é irracional
nem obscurantista, no sentido de que nega o saber, antes aponta na
direção de uma mente submissa a Cristo, que procura interpretar a
realidade a partir da mente de Cristo, não da “mente” de Satanás. Por
isso, a pregação do Evangelho, conforme vimos, envolve raciocínios
e argumentos: Como vimos, Lucas registra que em Corinto: “Todos
os sábados [Paulo] discorria (diale/gomai) na sinagoga, persuadindo
tanto judeus como gregos” (At 18.4). Este era o método habitual de
Paulo.
Devemos entender que Deus age, ordinariamente, por meio da
Palavra. Pela Palavra ouvimos, cremos, recebemos e acolhemos a
mensagem de Deus (Jo 17.6-8). Não há experiência mais significativa
do que esta.
Paulo sabia, nós sabemos, que as armas devem ser usadas de
acordo com o inimigo e o tipo de guerra. Davi, por exemplo, quando
foi lutar contra o gigante Golias escolheu criteriosamente as pedras
7 dia/noia (dianoia), pensamento, disposição, entendimento, inteligência, a mente como o órgão do pensamento, de interpretação. Deus deseja que O amemos com toda a nossa dia/noia (Mt 22.37; Mc 12.30; Lc 10.27); é Deus quem ilumina os olhos de nosso coração para que possamos ter a dia/noia (compreensão) espiritual (Ef 1.18/1Jo 5.20); antes disso éramos inimigos de Deus em nossa dia/noia (Cl 1.21); no entanto, Deus imprimiu, conforme a profecia cumprida em Cristo, a sua lei em nossa dia/noia (Hb 8.10; 10.16). A nossa dia/noia portanto, deve ser revestida com a Palavra a fim de permanecer esclarecida (2Pe 3.1/1Pe 1.13).
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para usar em sua funda: “Tomou o seu cajado na mão, e escolheu
(rAhfB “Bãhar”)8 para si cinco pedras lisas do ribeiro....” (1Sm 17.40).
Davi confiava em Deus e usou dos recursos de que dispunha e, neste
caso, com os quais estava bem familiarizado. Tornando a Paulo,
notemos que se a sua luta era espiritual, as suas armas deveriam ser
também espirituais (2Co 10.4-5). Portanto, Paulo apresenta neste
texto, o caminho que seguiu e que caracterizava o seu Ministério:
colocar todo o seu saber, todo o seu pensar, todo o seu sentir sob o
domínio de Cristo, mantendo, assim, a sua mente aprisionada ao
saber, conhecer e sentir de Cristo. Paulo demonstra como fez isso.
Destaco apenas a aplicação desse princípio na pregação da Palavra.
Com vimos, Paulo admite que anda na carne, ou seja, participa de
todas as limitações humanas, contudo, o seu ministério não é
caracterizado por ausência de recursos espirituais, antes todo ele é
realizado no poder de Deus (2Co 10.4). Ele não andava com astúcia
nem adulterando a Palavra de Deus (2Co 4.2).9 As suas armas
consistiam no anúncio fiel da Palavra de Deus, por meio da qual Deus
opera (Rm 1.16).
Todo pensamento deve ser levado cativo a Cristo, contrastando com
a nossa situação antiga de domínio do pecado sobre nós: “.... Vejo
nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha
mente, me faz prisioneiro (ai)xmalwti/zw)10 da lei do pecado que
está nos meus membros” (Rm 7.23). Um dos perigos para nós
cristãos é simplesmente não usar a nossa mente. A nossa conversão
a Deus envolve também uma nova mente, uma nova maneira de
perceber a realidade, vendo o real como de fato é. Nosso coração e
mente, precisam ser convertidos ao Senhor. A nossa mente deve ser 8rAhfB (“Bãhar”) significa “escolher”, “eleger”, “decidir por”, etc. O verbo e os seus derivados ocorrem 198 vezes no Antigo Testamento, havendo o predomínio do seu emprego na modalidade “qal”, (146 vezes) que indica uma ação completa. O verbo é usado cerca de 100 vezes referindo-se a Deus como sujeito da ação. “Bãhar”, apesar de não ser necessariamente teológico, apresenta sempre a ideia de uma escolha criteriosa, bem pensada – daí, também o seu sentido de “testar”, “examinar” (Is 48.10; Pv 10.20) –, levando em consideração as opções (1Sm 17.40; 1Rs 18.25; Is 1.29; 40.20). 9 “.... rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus; antes, nos recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade” (2Co 4.2). 10 ai)xmalwti/zw (aichmalõtizõ) (* Lc 21.24; Rm 7.23; 2Co 10.5).
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tão devotada a Deus como o nosso coração; excluí-la, significa, não
amar a Deus como Ele requer: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o
Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (kardi/a), de toda a tua
alma (yuxh//) e de todo o teu entendimento (dia/noia). Este é o
grande e primeiro mandamento” (Mt 22.37-38).
Hoje, fala-se com muita veemência sobre “métodos” evangelísticos,
“estratégias” de plantação de igreja, etc. Notemos que estas questões
não são irrelevantes, contudo, é necessário que não transfiramos a
fonte do poder do Evangelho para o nosso método ou estratégia.
Tornemos ao Novo Testamento: Anos mais tarde, Paulo relataria
como foi que chegou a Corinto e começou a pregar o Evangelho: “Eu,
irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de
Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. (...) A
minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem
persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de
poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e
sim no poder de Deus” (1Co 2.1,4-5).
Ainda que a natureza revele o seu Criador, as Escrituras se
constituem no meio eficaz estabelecido por Deus para nos comunicar
o conhecimento de Si mesmo, iluminando os nossos olhos para
enxergá-lo de modo salvador. A nossa capacidade simplesmente
intelectual não conta nesta esfera. A sabedoria de Deus é
qualitativamente diferente da sabedoria mundana (2Co 2.6-8,13-14).
A mente cativa a Cristo é aquela que, na proclamação, traz pura e
simplesmente o Evangelho de Cristo: “Porque não ultrapassamos os
nossos limites como se não devêssemos chegar até vós, posto que já
chegamos até vós com o evangelho de Cristo” (2Co 10.14). Deus
opera poderosamente por meio da Sua Palavra, não de nossos
argumentos, por melhores que sejam; por isso o nosso testemunho
deve ser avaliado à luz da Palavra, em submissão ao Espírito. A
nossa compreensão e aceitação da mensagem do Evangelho não
indica a nossa superioridade ou inteligência, antes manifesta a
soberana graça de Deus em salvar aqueles que são considerados
irrelevantes diante do mundo e, que, como todos os demais, por si só
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jamais creriam. Portanto, não há lugar para vanglória, mas sim,
gratidão a Deus (1Co 1.29).
A mente cativa se revela na pregação do Evangelho de modo simples
e fiel aos ensinamentos bíblicos, não em demonstração de erudição,
mas em fidelidade à Palavra, sob o poder do Espírito. Paulo sabia
que a transformação do Evangelho em mera sabedoria de palavras
esvaziaria o significado da mensagem da cruz. Além disso, não é a
nossa suposta erudição que vai converter alguém: as nossas
palavras não têm poder de conceder vida; só a Palavra de Deus. As
nossas palavras podem entreter e agradar corações satisfeitos com
os seus pecados, mas, não podem transformar vidas.
Muitas vezes, podemos ser levados a pensar que o incrédulo será
levado a Cristo se falarmos de forma erudita ou, quem sabe,
oferecendo-lhe algo semelhante ao que está acostumado no mundo;
assim, tentamos fazer da igreja um clube social, ou um programa de
auditório, ou uma academia de intelectuais, nos esquecendo que a
sabedoria do Evangelho atua em outro nível, e é operada pelo
Espírito.
Conforme vimos, Paulo diz que as suas armas não são carnais,
antes, são poderosas em Deus para destruir fortalezas, anulando
sofismas; ou seja, raciocínios enganosos. Paulo não está aqui
desprestigiando os recursos dos quais dispomos legitimamente;
contudo, combate a confiança nos recursos. Devemos estar atentos
para não transferir a nossa confiança no Senhor dos meios para os
meios. A questão está em não usar desses meios como sendo a
força do Evangelho, esquecendo-se de sua simplicidade que é-nos
comunicada pelo Espírito.
Paulo faz um contraste entre a sua aparente fraqueza, conforme seus
inimigos diziam (2Co 10.10), com a força de suas armas, que eram
poderosas não por si mesmas, mas “poderosas em Deus” (2Co 10.4);
portanto, o seu poder bem como de seus recursos estão em Deus.
22
Aos judeus que queriam ver sinais (shmei=on) e aos gregos que
queriam sabedoria, Paulo anunciava a Cristo crucificado (1Co 1.22-
23). A mensagem da cruz nunca soou como algo simpático aos
ouvidos que já dispunham de seu filtro cultural e teológico. Para os
judeus, soava como escândalo e pedra de tropeço visto que esta
realidade não era compatível com as suas crenças; para os gregos,
era loucura. No entanto, esta era a mensagem de Paulo (1Co 1.22-
23). O que soava como loucura e escândalo revelava da glória de
Cristo: Na cruz a glória do Filho é manifestada.
O desafio de Deus para nós não é para nos tornarmos irracionais ou
ignorantes, antes é para que submetamos a nossa inteligência à
Palavra. Aqui, não se pede nenhum sacrifício lógico-racional, antes o
que se requer, é a humildade para reconhecer a nossa limitação
diante da majestosa sabedoria de Deus (Rm 11.33-36), exercitando
deste modo, por graça, a humanamente louca sabedoria de Deus em
nossa vida, reconhecendo a nossa suficiência não em nossa
inteligência ou valores, mas em Deus
3. O DESAFIO DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ EM UMA SOCIEDADE PLURALISTA Este tópico final traz consigo pressupostos importantes. Destaco
alguns:
1) A existência de uma “cosmovisão cristã”;
2) A inserção do cristão na sociedade que, devido aos seus valores
diferentes, enfrenta, com frequência, momentos de tensão;
3) A compreensão da existência de desafios absolutos e relativos e
que estes, algumas vezes, tornam-se absolutos na subjetividade
daquele que percebe como percebe a sociedade na qual vive;
23
4) O cristão tem um relevante papel a desempenhar no seu tempo e
lugar onde vive;
Considero isto tudo de grande relevância. Tratemos de algumas
destas questões de forma assistemática. Começo pela palavra
desafio.
3.1) A Questão do “Desafio”
Só há desafio onde existe a perda de fé em algo ou alguém. O
desafio pode ser feito para justamente provar que há razão para
a fé apesar da descrença considerada por quem assim crê,
infundada. Deste modo, podemos ilustrar:
a) Desafio porque não mais acredito que você possa fazer ou provar:
“Desafio você a me provar isso”; “Desafio a fazer o que disse”; duelo.
Em síntese: pago para ver...
b) Desafio você ou a mim mesmo para provar que somos capazes.
Neste caso, buscamos ou criamos estímulos para demonstrar o
quanto a falta de fé do outro era infundada. Na realidade, a falta de fé
do outro pode ser um desafio para que eu mostre que sou capaz.
Chesterton (1874-1936), por exemplo, inicia o seu livro Ortodoxia
(1908) assim: “A única desculpa possível para este livro é que se
trata de uma resposta a um desafio”. Ele se refere à crítica feita pelo
jornalista britânico George S. Street (1867-1936) ao seu livro
anterior, Hereges (1905). Continua: “Talvez tenha sido uma sugestão
incauta, dirigida como foi a alguém sempre mais que disposto a
escrever um livro diante da mais ligeira provocação”(2008, p. 17).
c) Alguém me desafia porque acredita que tenho potencial para
realizar determinada tarefa enquanto que eu mesmo esteja descrente
e inseguro quanto a isso.
d) Posso também participar de um desafio, por exemplo, musical, no
qual nos desafiamos com o intuito de criar situações embaraçosas
24
para o outro a fim de testar a sua superação e vice-versa (“canto ao
desafio”).
e) Posso também, de forma amena, dizer que tais pratos desafiam a
minha dieta. Sinto-me instigado a quebrá-la. No caso, eu como
desafiante e desafiado estou sem fé em minha capacidade de
resistência.... A dieta começará amanhã....
f) Considerando-me capaz, “desafio o perigo”; não acredito que ele
seja tão perigoso assim...
O desafio sempre pressupõe a fé e a falta de fé; ambas caminham
juntas, ainda que não concomitantemente, na mesma direção.
Curiosamente, o verbo “desafiar” (latim: Disfidare) traz em si o sentido
de perda da fé, confiança.
Conduzindo a questão ao nosso tema, podemos dizer que o nosso
desafio absoluto como cristãos – o desafio existe porque, usando a
expressão de Lutero (1483-1546) somos simultaneamente justo e
pecador (“Simul justus et peccator”) –, é de obedecer a Deus; este é
o nosso desafio absoluto; a nossa luta, o nosso bom combate da fé.
Esta luta sempre vale a pena. No entanto, como seres contingentes
que somos devido ao nosso pecado e pela condição de “criatura”, os
absolutos assumem configurações próprias, relativas, conforme a
nossa percepção da realidade no mundo no qual vivemos. Com a
relatividade do absoluto não estou negando a sua condição de
imperativo categórico, antes, estou afirmando a nossa contingência
que faz com que, de acordo com a relação que estabelecemos com o
nosso meio, aliada à necessidade imperiosa e fundamental de
sermos fiéis a Deus, nos sintamos desafiados a interpretar e agir
conforme a nossa fé naquelas circunstâncias. Exemplifico: Um pastor
de uma igreja de classe média, observando a pobreza e carência de
sua região, pode sentir-se desafiado a desenvolver um intenso
trabalho social, partilhando dos benefícios da fé cristã com o seu
próximo, por intermédio de escolas, creches, cursos de orientação
sobre higiene, prevenção de drogas, cidadania, etc. Neste caso, este
pastor sentiu-se desafiado pela condição social de seus vizinhos, a
25
manifestar a sua fé desta maneira: o absoluto se relativizou nesta
prática; nesta relação com o seu habitat. Tomemos outro exemplo:
Sou um professor universitário e observo que muitos de meus alunos
estão sendo conduzidos a uma forma de ver a realidade totalmente
distante de valores cristãos, caminhando dentro de um vácuo no qual
seus professores esforçam-se por destruir toda a sua fé, restando-lhe
apenas o cinismo e sarcasmo como manifestações de discordância,
atitudes que nada acrescentam na solução de seus problemas. Posso
entender que o meu desafio como cristão é tentar me aproximar
desses jovens, ouvi-los, criar grupos de estudo, debater questões que
fundamentam a nossa perspectiva e que devem nos conduzir ao
redirecionamento de nossas forças, etc. Pois bem, em ambos os
exemplos, que obviamente não esgotam a realidade, temos a
aplicação de uma fé que deseja agradar a Deus sendo-Lhe obediente
mas, que a direcionou, conforme sua percepção e possibilidade, para
estas questões. Um risco que corremos sempre é o de achar que o
nosso desafio é maior do que o do nosso irmão, ou que ambos se
excluem, como se não fosse possível ambos conviverem, visto que
não se excluem e caminham na mesma direção: obediência ao
absoluto.
Foi dentro desta perspectiva, para citar apenas alguns exemplos, que
surgiram as escolas, creches, academias, asilos, hospitais, inúmeros
projetos, etc., criados pelas igrejas. É preciso que não criemos
excludências em que há apenas percepções diferentes. Aliás, esta
pode ser uma forma perigosa, autoritária, ideológica e não cristã de
rotular aqueles que não aderem as suas lutas. E mais: a nossa
percepção, por si só não se sustenta como paradigma da verdade; o
nosso tribunal definitivo é o Espírito falando por intermédio das
Escrituras. Portanto, nos desafiemos com fé, certos de que, pelo
Espírito, poderemos ser cada vez mais eficazes na vivência de nossa
fé na sociedade.
26
3.2) O Absoluto em uma sociedade absolutamente iludida
Desde o lIuminismo prevalece a compreensão de que o homem, por
meio de sua razão, é a lei para si mesmo; é ele quem se governa não
um outro (heteronomia). Dentro desta perspectiva otimista, cria-se
uma religião humanista cujo centro é o homem e a confiança em suas
potencialidades.
O secularismo consiste na pretensão humana em ser
autônomo, reduzindo a realidade à nossa percepção
limitada do concreto: O real é o concreto ou o que do con-
creto se pode perceber. O secularismo (mundanismo) –
ainda que, muitas vezes, de forma imperceptível, com
grande força domina a nossa perspectiva e, portanto, a
nossa visão e percepção da realidade. Deparamo-nos com
uma questão epistemológica. No secularismo a criatura assume o
lugar de Criador (Rm 1.25); Deus é descartado ou, no mínimo co-
locado num lugar decorativo onde a sua presença não é notada nem
a sua falta sentida. Assim temos um "ateísmo prático". Notemos que
a autonomia sempre será heteronômica, visto que não há alternativa:
ou servimos ao pecado − ou seja, a nós mesmos e à nossa
perspectiva distorcida da realidade −, ou servimos a Deus, em Quem
de fato temos uma "autonomia teológica".
Num mundo amplamente secularizando, em que os valores terrenos
tendem a cada vez mais não simplesmente ter a hegemonia mas a
totalidade da existência humana, creio que a teologia cristã tem um
papel muito especial a desempenhar na sociedade, em apontar de
forma concreta para o sentido da vida humana e a necessidade do
homem relacionar-se com o seu Criador. "Somente quando há fé na
conexão orgânica do Universo, haverá também a possibilidade para a
ciência subir da investigação empírica dos fenômenos especiais para
o geral, e do geral para a lei que governa acima dele, e desta lei para
o princípio que domina sobre tudo", conclui Kuyper (2002, p. 123). O
27
nosso desafio, portanto, não é abandonar este século, antes,
conquistá-lo para o Senhor.
O homem partilha de duas identidades: uma divina e outra animal.
Em certo sentido nós não somos diferentes dos cães, gatos, macacos
e de outros animais, visto que todos nós fomos criados por Deus;
neste sentido há, digamos assim, uma igualdade: toda criação é
proveniente da vontade de Deus.
Salomão, na velhice, mostrando a nulidade da sabedoria do homem e
a fragilidade da vida humana, escreve: "Porque o que sucede aos
filhos dos homens, sucede aos animais; o mesmo Ihes sucede: como
morre um, assim morre o outro, todos tem o mesmo fôlego de vida, e
nenhuma vanglória tem o homem sobre os animais; porque tudo é
vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó, e ao
pó tornarão" (Ec 3.19,20).
Se por um lado o homem partilha com os outros animais de uma
identidade de criação, por outro, estabelece-se biblicamente uma
grande distância entre o homem e o resto da criação porque fomos
criados à imagem de Deus, por isso, somos seres pessoais como
Deus é, temos uma personalidade que permite não nos limitarmos ao
nosso corpo, embora este faça parte de nós e não lhe seja algo mau,
inferior ou desprezível: a alma e o corpo são criações de Deus e, Ele
mesmo pelo Seu poder ressuscitará o nosso corpo na vinda
gloriosamente triunfante de Jesus Cristo.
Entretanto, o homem tem seus limites físicos, intelectuais, morais e
espirituais; isto se deve basicamente por ser ele criatura e não
Criador e, também, em decorrência do seu pecado que trouxe como
consequência a morte (Rm 6.23). A Bíblia apresenta com frequência
as limitações do homem e, em muitas das vezes, a nossa debilidade
é manifesta em decorrência da comparação feita entre nós criaturas e
Deus Criador e Senhor de todas as coisas. A Teologia deve acenar
de forma contundente para a questão da necessidade do homem que
agoniza em seus referenciais seculares, mostrando o caminho do
28
transcendente, do Deus da revelação bíblica como Aquele que
confere sentido à existência e a todo saber.
A Palavra nos diz que Jesus Cristo morreu, segundo a vontade de
Deus, para nos libertar do domínio do mundo, dos valores da
mundanidade que contaminam nossa maneira de perceber e atuar na
realidade, a fim de que vivamos para Ele. Paulo escreve: "O qual se
entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar
deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai" (GI
1.4).
Numa sociedade onde a “realidade” é socialmente construída através
da “linguagem cultural” não há lugar para absolutos; tudo torna-se
relativo. Deste modo, tudo é possível dentro dos significados
conferidos pelas pessoas individualmente. Acontece, que o homem
em sua finitude envolto no paradoxo de sua animalidade e
prodigialidade precisa de um referencial para si fora de si mesmo e
da sociedade na qual está inserido. Nesta altura, parece-nos
oportuno o comentário de Lloyd-Jones (1984, p. 151), quando
observa que Jesus Cristo viveu séculos depois de um período de
exuberância intelectual, marcado pelos maiores luminares do
pensamento grego − Sócrates, Platão e Aristóteles −, no entanto,
diante de um auditório de formação modesta e em geral de recursos
débeis, Jesus diz: "Vós sois a luz do mundo" (Mt 5.14). Na realidade,
e isto é extremamente estimulante, a Igreja como povo de Deus é
desafiada em sua própria existência e testemunho a ser o sal da terra
e luz do mundo; e isso ela faz, não pelo acúmulo de conhecimento −
que sem dúvida por intermédio da história tem revelado de modo
indelével a "graça comum" de Deus −, nem pela acomodação aos
valores hodiernos buscando uma maior popularidade, mas no
discernimento dado por Deus para agir no mundo, com a sabedoria
do alto, aquela que dá sentido e utilidade eficaz ao conhecimento. O
poder da igreja não está em sua grandeza numérica, riqueza ou
capacidade de influenciar intelectualmente, antes, na vida daqueles
que lha pertencem. Sem a sabedoria concedida por Deus, o
conhecimento humano toma-se motivo de pretensão frívola ou um
fardo que nos permite ver mais claramente aspectos da realidade
29
sem, contudo, ter a solução definitiva. O iluminismo sobre muitos
aspectos trouxe não a luz mas as trevas. Ele propôs uma autonomia
que jamais poderia ser alcançada, visto que a genuína "autonomia"
exige a coragem da "teonomia", a submissão aos princípios de Deus
expressos em Sua Palavra. Sem o discernimento concedido por
Deus, não temos condições de avaliar a nossa época e apresentar a
resposta cristã ao desespero do homem sem Deus e sem valores
definidos. Os valores reais não são simplesmente socialmente
construídos, antes provém do Deus transcendente e pessoal que Se
revela e Se relaciona conosco.
Portanto, a esperança para o mundo em última instância, não está na
ciência, mas nos homens fiéis a Deus, que usam dos recursos
fornecidos por Deus para a Sua Glória. Deste modo, a Igreja como
luz do mundo e sal da terra, se constitui numa bênção inestimável
para toda a humanidade. Esta verdade precisa ser proclamada quer
pela palavra quer, principalmente, pela nossa perspectiva do mundo
que se materialize em nossas ações
A Teologia não termina em conhecimento teórico e abstrato, antes se
plenifica no conhecimento prático e existencial de Deus por
intermédio da Sua Revelação nas Escrituras Sagradas, mediante a
iluminação do Espírito. Conhecer a Deus é obedecer a Seus
mandamentos. “A boa teologia desloca-se da cabeça até o coração e,
finalmente, até a mão” (GRENZ; OLSON, 2002, p. 51). A Teologia
não pode ser um estudo descompromissado feito por um transeunte
acadêmico; ela é função da Igreja Cristã, dentro da qual estamos
inseridos. “Estudamos dogmática como membros da Igreja, com a
consciência que temos uma incumbência dada por ela, um serviço a
lhe prestar, devido a uma compulsão que pode originar-se somente
no seu interior” (BRUNNER, 2004, Vol. 1, p. 15). “Pensamento
dogmático não é somente pensar sobre a fé, é um pensar crendo”,
conclui Brunner (2004. Vol. 1, p. 18).
O interesse puramente acadêmico pela teologia é incapaz de
contribuir por si só para a solidificação da teologia e da fé da igreja.
A teologia é uma expressão de fé da igreja amparada nas Escrituras.
30
Toda teologia é, portanto, apaixonada. Como falar de Deus e de Sua
Palavra de forma “objetiva” e distante do seu “objeto”?. A teologia é
elaborada pelos crentes; o caminho da fé é o caminho da paixão. O
teólogo sempre será um apaixonado. Aliás, adaptando Kierkegaard,
diria que um teólogo sem paixão é um “tipo” medíocre.11
“A teologia é serva da igreja” (MCGRATH, 2007, p. 16). Este serviço
será relevante se antes, a teologia for serva da Palavra (MCGRATH,
2008, p. 32). A grande virtude do que serve é ser encontrado fiel (1Co
4.2). O teólogo não pode ter outro propósito do que o glorificar a Deus
por meio da compreensão fiel das Escrituras e no seu ensino ao povo
de Deus.
Referências
BRUNNER, Emil. Dogmática. São Paulo: Novo Século, 2004, Vol. 1.
CHESTERTON, G.K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
GRENZ, Stanley J.; OLSON, Roger E. Quem Precisa de Teologia?
Um convite ao estudo sobre Deus e sua relação com o ser humano.
São Paulo: Editora Vida, 2002.
KIERKEGAARD, Sören A. Migalhas Filosóficas, ou, Um bocadinho de
Filosofia de João Clímacus. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1995.
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
2002.
LLOYD-JONES, D. Martyn. Estudos no Sermão do Monte. São Paulo:
FIEL., 1984.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas de Martinho Lutero. São
Leopoldo/Porto Alegre, RS.: Sinodal/Concórdia, Vol. 6, 1996.
MCGRATH, Alister E. Teologia para Amadores. São Paulo: Mundo
Cristão, 2008.
MCGRATH, Alister E. Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do
Evangelicalismo. São Paulo: Shedd Publicações, 2007.
NASH, Ronald H. Questões Últimas da Vida: uma introdução à
Filosofia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
SIRE, James W. O Universo ao Lado. São Paulo: Hagnos, 2004.
11A frase de Kierkegaard é: “O paradoxo é a paixão do pensamento, e o pensador sem um paradoxo é como o amante sem paixão, um tipo medíocre” (KIERKEGAARD, 1995, p. 61).
31
VEITH, Jr., Gene Edward. De Todo o Teu Entendimento. São Paulo:
Cultura Cristã, 2006.
Atividade de auto-estudo
1. Partindo do que você crê, responda a algumas das questões
indicadas no primeiro capítulo relativas a Deus, Metafísica,
Epistemologia, Ética, Antropologia e História.
2. A partir deste texto, enumere alguns dos pressupostos do seu
autor.
3. Dentro do propósito absoluto de servir a Deus, enumere alguns de
seus desafios relativos à sua vida, comunidade, família e sociedade
em geral.
4. Analise a relação entre a autonomia do teólogo e a fidelidade à sua
comunidade de fé.
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33
UNIDADE II TEMAS ATUAIS EM TEOLOGIA Professor Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa
Objetivos de Aprendizagem
• Elucidar a relação entre definição, inclusão e exclusão em todo pensamento.
• Indicar alguns elementos teóricos e práticos do pensamento contemporâneo.
• Demonstrar aspectos do Absoluto cristão, conforme revelado na Escritura.
• Realçar a necessidade de discernimento para avaliar todo e qualquer ensinamento.
Plano de Estudo
A seguir apresentam-se os tópicos que vocês estudará nesta unidade:
• Defendendo a Verdade em um mundo relativista.
• A Verdade do Deus Verdadeiro num mundo de Mentiras.
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1. DEFENDENDO A VERDADE EM UM
MUNDO RELATIVISTA
Toda afirmação envolve definições que, por sua vez, são
delimitações, recortes da realidade. Portanto, toda afirmação envolve,
necessariamente, negação, exclusão. A nossa perspectiva teológica
por si só determina uma forma de perceber a realidade e de atuar na
mesma. O Cristianismo, como não poderia deixar de ser, sustenta
verdades que – ainda que nós cristãos, possamos divergir em muitos
pontos – o distingue das demais religiões. Deste modo, sustentando a
fé cristã, bem como qualquer outra religião ou sistema de crenças,
estaremos nos colocando em oposição a outras formas de perceber
e, por isso mesmo, de crer. Assim sendo, a tentativa ingênua de criar
uma compatibilidade universal de nossa fé consiste, justamente, em
negar os seus aspectos distintivos e particulares. Se fosse para ser
assim, para que serviria a fé cristã?
O teólogo sabe que a teologia é uma busca humana por compreender
e sistematizar a revelação; e como humanos que somos, podemos
nos enganar. A teologia, portanto, está, de certa forma, sempre à
caminho, em busca de uma compreensão mais exaustiva das
Escrituras. Entretanto, como em todas as demais ciências, nós
cristãos, temos nossos pressupostos; o nosso é que a Bíblia é o
registro inspirado e inerrante da Palavra de Deus. Disto não abrimos
mão. Estamos convencidos que uma visão relapsa da Palavra
determina o fracasso teológico e espiritual da Igreja. (COSTA, 2008).
Sei também que é comum os homens confundirem as suas
interpretações com a própria verdade. Infalível é a Escritura, não a
nossa interpretação. No entanto, quando sou possuído por uma
interpretação, já não consigo imaginar uma conclusão "racional"
diferente. A nossa perspectiva tende a assumir um tom "final", ainda
que em nosso discurso a nossa perspectiva seja mostrada como uma
das possíveis interpretações. Contudo, ainda que não estejamos
propondo a propriedade absoluta da verdade, defendemos a
necessidade de sustentá-la e defendê-la. Este é o nosso ponto.
36
A) Nada Podemos Contra a Verdade
“Porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria
verdade” (2Co 13.8). Paulo diz que nada podemos, não temos poder
(du/namij) algum contra a verdade (a)lh/qeia). Ou seja, somos
totalmente impotentes quando agimos contra a verdade; ela sempre
reaparece como que das cinzas a que a julgávamos condenada. A
verdade é o que é: “Ainda que o mundo inteiro fosse incrédulo, a
verdade de Deus permaneceria inabalável e intocável” (CALVINO,
1998, p. 48-49). No entanto, uma questão que em nossos dias,
possivelmente, viria antes dessa, é: por acaso você acredita em
verdades absolutas?
B) Alguns Valores Contemporâneos
“Os cristãos colocam a teologia em risco quando ignoram o
iluminismo”, enfatizam Grenz e Olson (2003, p. 13). O iluminismo é,
de certo modo, um filho tardio do humanismo renascentista. As
concepções da Filosofia e da Ciência Moderna dentro de um
processo de evolução intelectual contribuíram para que surgisse um
novo espírito, caracterizado pela autonomia da razão em detrimento
da tradição ou de qualquer outro padrão externo. A razão aqui
pretendeu estender os seus limites para todo o ramo do saber,
negando-se a reconhecer limites fora de si mesma; deste modo, ela
num gesto sem-cerimônia, invade os “domínios” da ética, da
epistemologia, da política e da religião, tendo como elemento aferidor
de toda a realidade a razão autônoma. Para isso, o Iluminismo rejeita
qualquer “ajuda” transcendente; ele deseja somente o que pode
conseguir com a sua razão, com seus próprios esforços: os seus
recursos são suficientes para entender e explicar o mundo ou o que
quer que seja que se lhe apresente como carente de explicação. O
Iluminismo que durou cerca de 150 anos (1650-1800), tem como uma
de suas características fundamentais o retorno constante à razão,
não mais à revelação; o homem racional é o centro do universo; ele
37
assumiu o lugar da revelação e a sua razão se constituiu no critério
absoluto da verdade. O homem é a medida de todas as coisas e a
razão é o seu instrumento de medição; é o cânon da verdade; o
método científico é o agente da onipotente razão, capaz de dizer que
“o que é é” e “o que não é não é”. Desta forma, não há realidade
intrínseca, toda a verdade é relativa, sendo credenciada pela todo-
poderosa razão. Assim, a razão é quem legitima o que quer que seja
que tenha pretensão à existência. Reivindicar existência ou
relevância pela sua própria condição de ser, seria o mesmo que
negar a autonomia da razão, elegendo um outro padrão
epistemológico paralelo e marginal; isto seria uma heteronomia.
Tudo, menos isto: a autonomia intelectual deve permanecer! As
coisas são o que são porque eu digo que são.
Com as descobertas de novas culturas e suas religiões (a partir do
século XVII), tentou-se fazer do cristianismo apenas mais uma
religião, sendo um produto do gênio inventivo do homem. Agora, fala-
se das grandes religiões do mundo, surgindo então, uma nova
disciplina; a das religiões comparadas, objetivando fazer melhores
estudos das religiões não-cristãs, analisando os seus pontos de
contato com o cristianismo e suas distinções.
A conclusão chegada destes estudos por parte dos iluministas, é que
nenhuma religião por si só pode reivindicar a verdade total na
presença doutras religiões.
Este tipo de aproximação metodológica acarretava o fim de uma
teologia vigorosa e forte, caracterizando-se por um desvio do estudo
bíblico e teológico para uma abordagem apenas histórica; o
ecumenismo decreta, de forma explícita ou não, o fim da voz profética
de uma Igreja, tendo como critério avaliativo apenas o que promove a
“unidade”, ainda que em detrimento da verdade. Esquecendo-se de
que a genuína unidade é produzida pelo Espírito! (Ef 4.3).
Neste tópico, sem pretender ser completo ou exaustivo desejamos
apresentar algumas das características do pensamento
contemporâneo:
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1.1) Antidogmatismo
Mondin (1986, p. 48-49) descreve de forma resumida a atitude
antidogmática: “O homem moderno é antidogmático e antitradicional:
a partir do século do Iluminismo, tornou-se cada vez mais rebelde a
aceitar qualquer afirmação ou verdade que não venha de si mesmo
ou que, pelo menos, não possa ser por ele compreendida e
verificada experimentalmente tem, pois, profunda aversão a tudo que
foi transmitido pelo passado, a qualquer forma de tradição. A ideia de
tradição foi substituída pela de evolução e de progresso. A ‘perfeição’
, o modelo ideal, portanto, não está no passado, mas no futuro”.
A palavra "Dogmatismo" vem do grego do/gma – derivada de dokei=n
(parecer, ser de opinião de) –, que comporta as seguintes traduções:
decisão, opinião, certeza, proposição, enunciação, doutrina, verdade,
decreto, estatuto, ordenança, parecer. (Vejam-se: Lc 2.1; At 16.4;
17.7; Ef 2.15; Cl 2.14); "decreto real" (LXX: Et 4.8; 9.1; Dn 3.10,29). O
verbo doke/w pode ser traduzido por: pensar, cuidar, considerar,
supor (Vejam-se: Mt 3.9; Lc 24.37; 1Co 3.18; Hb 10.29; Tg 4.5). O
verbo dogmati/zw não é encontrado no grego clássico. Temos em
Josefo, com o mesmo sentido do substantivo: "representar e afirmar
uma opinião ou princípio" e na LXX, "proclamar um edito" (Dn 2.13; Et
3.9; 2Mac. 10.8). A palavra paradoxo (para/docoj) tem o sentido de
“contrário à opinião comum”.
Na Antiguidade, os gregos usavam a expressão para identificar
qualquer opinião aceita como verdadeira, e também, para se
referirem a uma ordem ou decreto do soberano ou da assembléia. No
campo filosófico, o dogmatismo era o designativo aplicado a todo
sistema que aceitasse certas teses como sendo verdadeiras; neste
caso, o dogmatismo era contraposto ao cepticismo.
Os céticos denominavam de "dogmáticos", os filósofos que sem o
estudo e exame criteriosos, partindo de seus princípios, se limitavam
a afirmar suas teses ou opiniões. Desta forma, foi feita a
contraposição entre os dogmáticos que definiam sobre cada ponto a
39
sua opinião, e os filósofos céticos, que não a definiam, suspendendo
o juízo.
A partir de Kant (1724-1804), o termo adquiriu um sentido
pejorativo, passando, geralmente, a significar a afirmação de
uma doutrina, cuja validade, pretensamente, não pode ser
contestada.
Numa forma mais depreciativa, dogmatismo tomou a conotação
de toda e qualquer posição doutrinária que afirma, sem declarar
com evidências seguras, suas posições, tentando impô-las como
algo verdadeiro e final. O salmista retrata este comportamento
que chama de perverso e soberbo: “O perverso, na sua soberba,
não investiga; que não há Deus são todas as suas cogitações”
(Sl 10.4).
Nesta acepção, o dogmatismo assume um caráter ideológico e
político, mediante a imposição de uma ideia, que deve ser aceita sem
maiores investigações. Deste modo, podemos observar que ninguém
está livre do dogmatismo. Por isso, pode-se falar do dogmatismo do
Estado, da Religião, do grupo social, etc., os quais podem se valer do
estabelecimento de um aparelho ideológico para perpetuar os seus
dogmas e para punir os seus infratores.
Na epistemologia, considera-se dogmatismo – dogmatismo
gnoseológico –, aquela posição que afirma, que no contato entre o
sujeito e o objeto temos um conhecimento exato e verdadeiro, não
pairando nenhuma dúvida sobre o mesmo. Neste caso, julga-se a
razão humana como sendo capaz de atingir a verdade absoluta, não
havendo de fato o problema do conhecimento.
Normalmente, quando definimos o dogmatismo, nos referimos ao
"dogmatismo ingênuo" ou absoluto, que consiste em não duvidar do
valor de seus conhecimentos. Esta é psicológica e historicamente a
primeira posição do homem. O primeiro momento do homem é de
certeza; a dúvida só aparece quando ele começa a questionar a sua
percepção dos fatos. Historicamente, foram os sofistas, os primeiros
40
a identificarem o problema do conhecimento. Desde então, a reflexão
sobre esta questão se tornou uma constante no pensamento
filosófico.
O dogmatismo tem por supostas a possibilidade e a realidade de
contatos entre o sujeito e o objeto. Os objetos do conhecimento nos
são dados absolutamente e não meramente por obra da função
intermediária de nossa percepção. É para ele evidente que o sujeito,
a consciência cognoscente, apreenda o objeto. Deste modo, aquilo
que percebemos corresponde de fato à essência do objeto percebido.
Há aqui uma inteira confiança em suas faculdades intelectuais como
meio eficaz de se atingir as verdades relativas ao homem, ao
universo e a Deus. No fenômeno do conhecimento, portanto, não
existe a relação entre sujeito e objeto, o que vale é apenas o sujeito
que diz o que é. O dogmatismo pode ser caracterizado por um total
otimismo gnoseológico.
O fato de que todos os valores pressupõem uma consciência
avaliadora, permanece tão desconhecido para o dogmatismo, como o
de que todos os objetos do conhecimento implicam a existência de
uma consciência cognoscente. O dogmático passa por cima destas
considerações, ignorando a subjetividade do sujeito e o "ruído" de
sua percepção. Por isso, nesta confiança cega na razão humana, ele
aceita despreocupadamente, por assim dizer, todas as afirmações da
razão, ignorando os seus limites, sem se dar conta de que “nenhuma
filosofia humana pode ser a completa verdade divina” (BRIGHTMAN,
1951, p. 306).
Sem dúvida, o dogmatismo peca por sua exagerada confiança na
razão. Todavia, perguntamos: é possível viver sem dogmas? Observe
que qualquer alternativa a esta pergunta pressupõe um tipo de
certeza. Não seria possível um dogmatismo, fruto de pesquisa e de
observação, que acredite nas suas conclusões, mas, que ao mesmo
tempo, esteja disposto a mudar de opinião se for convencido?
Propomos um dogmatismo crítico que, embora não alegue ser o
proprietário da verdade, crê na verdade absoluta e na possibilidade
de alcançá-la. Estou de acordo com Leibniz (1974, p. 158) quando
41
afirma que “muitas opiniões que passam por verdades não são outra
coisa senão efeitos do costume e da credulidade, e que há também
verdades que certos filósofos querem fazer passar por preconceitos,
as quais, no entanto se fundam na reta razão e na natureza". Para
não cairmos nesta armadilha temos que exercitar o nosso juízo
crítico. Uma dose de relativismo, apenas como um tempero corretivo
pode ser-nos útil aqui. Contudo, precisamos enfatizar que a atitude
simplesmente antidogmática se equivoca pela sua percepção, julgada
correta, de que não podemos ter certeza de nada. Caímos, assim,
num tipo de dogmatismo negativo. Desta forma, qualquer
posicionamento tido como certo e verdadeiro é rotulado deste modo.
Obviamente, este tipo de raciocínio por si só mostra a sua fragilidade
visto que para eu chegar a uma conclusão antidogmática é preciso ter
alguma certeza. Numa sociedade que preza imensamente a liberdade
para fazer o que bem entender em cada circunstância sem maiores
compromissos com o antes e o depois, sem nenhuma preocupação
com a coerência de seus atos, a certeza por si só soará como algo
estranho e inibidor de seu comportamento. Deste modo qualquer
atitude que sustente princípios e regras como verdadeiras será tida
como dogmática e, por isso mesmo, retrógrada ou reacionária. A
certeza que contradiz o que desejo será sempre dogmática! Portanto,
não há espaço para os absolutos da Palavra que nos mostrem o que
é correto e o que é errado. Falar desse modo, é ser fundamentalista.
Há sempre o perigo de nosso antidogmatismo se constituir num
dogma.
Parece-nos de extrema pertinência a asserção de Renan (1950, p.
433-434): “Recusamos igualmente o ceticismo frívolo e o dogmatismo
escolástico; somos dogmáticos críticos. Cremos na verdade, embora
não pretendamos possuir a verdade absoluta”.
1.2) Relativismo, Subjetivismo, Pragmatismo e Utilitarismo
“Essa é a sua verdade, não a minha...”; “tudo é relativo”; “para
aquela época e cultura isso era verdadeiro...”. Quantos de nós já não
42
nos deparamos com afirmações assim? Talvez já até tenhamos
falado desse modo. Por trás dessas afirmações, via de regra, está
um ou mais destes quatro conceitos: o subjetivismo, o relativismo, o
pragmatismo e o utilitarismo.
a) Subjetivismo Ético Individual: Ainda que este nome
(subjetivismo) seja moderno (século XIX), a sua percepção é bem
antiga, sendo encontrada já nos Sofistas no 5º século a.C. Para o
subjetivismo, a validade da verdade está limitada ao sujeito que
conhece e julga. Desta forma, não podemos falar de uma realidade
idêntica para todo o ser humano. Toda certeza é pessoal, visto que
toda a verdade é subjetiva. Os conflitos nada mais são do que
interesses e desejos diferentes. O bem e o mal é aquilo que desejo
que seja, conforme resumiu Thomas Hobbes (1974, p. 37): “Seja qual
for o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem, esse objeto é
aquele a que cada um chama bom; ao objeto de seu ódio e aversão
chama mau, e ao de seu desprezo chama vil e indigno. Pois, as
palavras ‘bom’, ‘mau’ e ‘desprezível’ são sempre usadas em relação à
pessoa que as usa. Não há nada que o seja simples e
absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem e do mal, que
possa ser extraída da natureza dos próprios objetos”.
O subjetivismo privilegia o fato de que os seres humanos são
diferentes e com compreensões díspares. Assim, toda a verdade
encontra um âmbito limitado. No subjetivismo há, de certa forma,
a arbitrariedade do sujeito que julga, formulando suas opiniões
conforme os seus interesses pessoais, valendo-se de
racionalizações para justificar as suas escolhas.
Isaías descreve o estado de subjetivismo ético em que se
encontrava os líderes de Israel, praticando de forma descarada
toda sorte de perversão moral; contudo, ironicamente, mudando
o nome de sua prática.
18 Ai dos que puxam para si a iniquidade com cordas de
injustiça e o pecado, como com tirantes de carro! 19 E dizem:
Apresse-se Deus, leve a cabo a sua obra, para que a vejamos;
43
aproxime-se, manifeste-se o conselho do Santo de Israel, para
que o conheçamos. 20 Ai dos que ao mal chamam bem e ao
bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade;
põem o amargo por doce e o doce, por amargo! 21 Ai dos que
são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio
conceito! 22 Ai dos que são heróis para beber vinho e valentes
para misturar bebida forte, 23 os quais por suborno justificam o
perverso e ao justo negam justiça! (Is 5.18-23).
14 Pelo que o direito se retirou, e a justiça se pôs de longe;
porque a verdade anda tropeçando pelas praças, e a retidão
não pode entrar. 15 Sim, a verdade sumiu, e quem se desvia
do mal é tratado como presa. O SENHOR viu isso e
desaprovou o não haver justiça. (Is 59.14-15).
b) Relativismo Ético: Convencionalismo: Para o relativismo, os
conceitos considerados verdadeiros são produtos dos valores de uma
época, de uma cultura, de um povo. Assim, toda verdade é relativa às
crenças de uma sociedade, época, grupo ou cultura. Deste modo,
não existe um código moral universalmente válido, antes, há uma
infinidade de códigos com reivindicações semelhantes. A questão,
portanto, não é quanto à existência de um código moral, antes, a sua
validade universal. Este conceito já encontramos nos Sofistas no 5º
século a.C., sendo Protágoras (c. 480-410 a.C.) o seu mais famoso
defensor, sustentando que "o homem é a medida de todas as coisas,
das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são"
(Apud PLATÃO, 1988, 152a; 160c).
Como a nossa capacidade cognitiva está limitada pelas nossas
condições históricas e, também, pelo nosso nível de desenvolvimento
filosófico, tecnológico, econômico e social, não podemos conhecer a
essência das coisas, mas, sim, como elas se nos apresentam em
determinados contextos. Logo, não há um padrão ético universal.
Desta forma, qualquer juízo de valor baseia-se em nossa própria
moral. “Assim, nenhum sistema pode, corretamente, ser tomado
como verdadeiro ou falso; o máximo que pode ser dito é que tal
sistema é válido em dado contexto” (KUHN, 2007, p. 508). Deste
44
modo, de uma forma ou de outra, o relativismo moral contribui para
um tipo de ambiguidade moral.
O subjetivismo e o relativismo se forem absolutos negam a sua
própria tese visto que afirmam categoricamente a realidade como
sendo subjetiva. Por outro lado, se suas afirmações foram relativas,
naturalmente perdem a sua pretensão à universalidade visto que se
constituem em apenas mais uma concepção particular da realidade.
Caímos, portanto, num argumento circular. Se todas as “verdades”
são válidas relativamente, nenhuma verdade o será absolutamente.
Logo, o seu alcance, relevância e eficácia são absolutamente frágeis.
A observação crítica de Lloyd-Jones (2004, p. 56) permanece de
forma básica: “Se não existe nenhum cânon moral universal, então,
não há pecado”. Cremos que a Palavra de Deus apresenta
mandamentos que são supraculturais; eles devem ser observados
em qualquer época ou cultura, constituindo-se em imperativos
categóricos para todo o cristão em toda e quaisquer circunstâncias.
"O amor é o único candidato para exercer a função de absoluto moral
que não é contraproducente, ou seja que não se anula a si mesmo
em sua ação" (GEISLER, 1977, p. 120). O homem é livre para servir
a Deus e ao seu próximo, realizando-se na execução deste propósito.
Neste sentido, pode-se compreender as palavras de Agostinho (1989,
p. 208): “Conserva, pois, a caridade e fica tranquilo (...). Ama, e assim
não poderás fazer senão o bem”. A ética do amor reclama o nosso
compromisso intelectual e vivencial. A ética cristã é um desafio
constante à sua aplicação às novas situações que o homem se
encontra. É uma tentativa humana de entender e aplicar os princípios
divinos à cotidianidade humana. É, portanto, um desafio à
conformação de nossa prática àquilo que cremos. “A ética cristã é
baseada no amor, e amor implica relacionamentos. Embora seja mais
fácil amar se nunca tenhamos que lidar de fato com uma pessoa, o
amor bíblico é aquele tipo complicado que significa se envolver com
pessoas reais” (VEITH, JR., 2006, p. 95).
c) Pragmatismo: A palavra “Pragmatismo” é proveniente do grego
Pra=gma, que significa, entre outras coisas, “negócio”, “ato, “ação”,
45
“evento”. O termo “pragmatismo” foi “introduzido pela primeira vez
em filosofia por Charles Peirce [1839-1914], em 1878”, conforme nos
informa W. James (1974, p. 10). No entanto, William James é
considerado o fundador do Pragmatismo.
Como sistema de pensamento, o pragmatismo parte da concepção
de que o homem não é essencialmente um ser teórico, com
preocupações transcendentes; antes, a sua inteligência está voltada
para a concretização dos seus propósitos, que são eminentemente
práticos; por isso, todo o conhecimento tem um objetivo prático.
No pragmatismo, temos o rompimento com o pensamento metafísico;
o que importa é a funcionalidade. O correto é aquilo que funciona ou
satisfaz. Assim, o valor intrínseco foi substituído pela eficácia; ou
seja, se funciona tem valor; as ideias verdadeiras são as que
funcionam, são valiosas. Deste modo, não existem absolutos; tudo é
relativo: Os conceitos que dentro de nossa percepção não se
mostram relevantes, são descartados. Por outro lado, se você e eu
propusermos soluções contraditórias para os nossos problemas e
ambas as aplicações funcionarem, elas poderão ser consideradas
igualmente verdadeiras.
Neste sentido, a religião só pode ser avaliada pelos seus efeitos
psicológicos e morais. William James escreveu:
Se as idéias teológicas provam que têm valor para a vida
concreta, são verdadeiras, pois o pragmatismo as aceita, no
sentido de serem boas para tanto. O quanto serão verdadeiras
dependerá inteiramente de suas relações com as demais
verdades, que têm, também, de ser reconhecidas (1974, p.
19).
O pragmatismo está disposto a tomar tudo, a seguir ou a
lógica ou os sentidos e a contar com as experiências mais
pessoais e mais humildes. Levará em conta as experiências
místicas se tiverem consequências práticas. Acolherá a um
Deus que viva no âmago mesmo do fato privado – se esse lhe
parecer um lugar provável para encontrá-lo.
46
“O seu único teste de verdade provável é o que trabalha
melhor o sentido de conduzir-nos, o que se adapta melhor a
cada parte da vida e combina com a coletividade dos reclamos
da experiência, nada sendo omitido. Se as ideias teológicas
podem fazer isso, se a noção de Deus, em particular, prova
que pode fazer isso, como pode o pragmatismo, em sã
consciência, negar a existência de Deus? O pragmatismo não
pode ver sentido em tratar como ‘não verdadeira’ uma noção
que foi tão bem sucedida pragmaticamente. Que outra
espécie de verdade poderia haver, para o pragmatismo, que
toda essa concordância com a realidade concreta? (1974, p.
22).
d) Utilitarismo: Grosso modo, o utilitarismo ensina que uma ação é
certa quando promove (ou pelo menos procura promover) a maior
felicidade do maior número possível de pessoas. Assim, a ação deve
ser julgada a partir de suas consequências boas ou más. Deste
modo, as questões morais não precisam ser resolvidas a partir de um
referencial transcendente, antes na sua praticidade. O que for prático
é moral.
Jeremy Bentham (1748-1832), que era “hedonista”, seguiu o conceito
de Epicuro (341-270 a.C.), que entendia que a vida devia ser regida
pelo “princípio do prazer”. Epicuro (1973, p. 25) conceitua:
“Chamamos ao prazer princípio e fim da vida feliz. Com efeito,
sabemos que é o primeiro bem, o bem inato, e que dele derivamos
toda a escolha ou recusa e chegamos a ele valorizando todo bem
com critério do efeito que nos produz”.
Assim, Bentham escreve:
A natureza colocou o gênero humano sob o
domínio de dois senhores soberanos: a dor e o
prazer. Somente a eles compete apontar o que
devemos fazer, bem como determinar o que na
realidade faremos” (1974, p. 9).
47
“Por princípio de utilidade entende-se aquele
princípio que aprova ou desaprova qualquer ação,
segundo a tendência que tem a aumentar ou a
diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está
em jogo, ou, o que é a mesma coisa em outros
termos, segundo a tendência a promover ou a
comprometer a referida felicidade (1974, p. 10).
E o bem da comunidade, onde fica? A isto, Bentham responde:
A comunidade constitui um corpo fictício, composto
de pessoas individuais que se consideram como
constituindo os seus membros. Qual é, neste caso,
o interesse da comunidade? A soma dos interesses
dos diversos membros que integram a referida
comunidade.
É inútil falar do interesse da comunidade, se não se
compreender qual é o interesse do indivíduo (1974,
p. 10).
Analisando o primeiro aspecto do Utilitarismo (expresso por J.S. Mill),
perguntamos: Como o homem com as suas limitações próprias,
poderá determinar aquilo que resultará das suas ações? Há atitudes
que, a princípio, parecem “funcionar” bem; todavia, depois de um
certo tempo, constatamos que fomos enganados pelo nosso
imediatismo (Pv 14.12). As pessoas valem apenas como meio para
se atingir determinado fim ou valem em si mesmas? Respeito as
pessoas porque idealizo algum fim útil ou simplesmente porque elas
devem ser respeitadas como imagem e semelhança de Deus? O
lazer serve apenas para que eu, posteriormente, produza mais ou,
tem o seu próprio valor como algo recompensador concedido pelo
próprio Deus? A procura do bem para o maior número de pessoas
poderá justificar massacres e atos altamente discriminatórios. Se
pudéssemos provar – sim, como mensurar a intensidade da dor e do
prazer? Que unidade de medida usaríamos? –, por exemplo, que a
devolução de todos os nordestinos de São Paulo para as suas
cidades de origem contribuiria para a maior felicidade de um grupo
48
bem mais numérico de paulistanos que teriam assim melhores
oportunidades de emprego, tal atitude estaria justificada dentro do
utilitarismo.
Quanto ao hedonismo, observamos que esta é a atitude natural do
homem entregue aos seus pecados. Surgem daí, algumas perguntas:
Todos os prazeres são bons? O prazer sádico é mal. Toda a dor é
má? A dor resultante do trabalho ou estudo prolongado, pode ser
boa.
O princípio bíblico é totalmente oposto ao do utilitarismo (Mt 22.39;
Rm 14.19; 1Co 10.23-24; 13.5). Jesus Cristo é o nosso modelo
perfeito (1Jo 3.16; Fp 2.5-11). Veith (1999, p. 27) acentua: “O
utilitarismo é um modo de enfrentar questões morais sem Deus”.
Packer (2005, p. 87) resume bem a nossa cultura neste particular,
fazendo-nos um alerta: “Hedonismo significa entronizar o prazer
como o valor supremo da vida, e por conseguinte, como a meta
buscada. (...) A cultura popular ocidental é basicamente hedonista, e
os cristãos modernos acham-se constantemente expostos à sua
influência e lavagem cerebral, através da mídia e dos
relacionamentos da vida que os arrastam pelo caminho hedonista”.
Finalizando este tópico, observamos que, levados às últimas
consequências, o relativismo, o pragmatismo, o subjetivismo e o
utilitarismo se confundem com o ceticismo, na negação, ainda que
parcial, da verdade ou na compreensão de que não existe verdade
objetiva. Esta atitude é pueril, como bem já identificara Agostinho
(1987, p. 108): “Quem quer que duvide da existência da verdade,
possui em si mesmo, algo verdadeiro, de onde tira todo fundamento
para a sua dúvida. Ora todo verdadeiro, só é verdadeiro pela
verdade. Não possui, pois, o direito de duvidar da existência da
verdade aquele que de um modo ou outro chegou à dúvida. (...) Não
é o ato de reflexão que cria as verdades. Ele somente as constata.
Portanto, antes de serem constatadas, elas permaneciam em si, e
uma vez constatadas essas verdades nos renovam". Toda dúvida é
sustentada com base em alguma certeza.
49
Seguindo aquela linha de pensamento, qualquer declaração da
existência de uma verdade objetiva torna-se arrogante. Assim sendo,
a grande virtude é a “tolerância”, no sentido de que sabemos de que
nada sabemos. Não nos iludamos: a chamada tolerância, que tem
um apelo tão simpático, tem, na realidade, se tornado em instrumento
para neutralizar o conceito de verdade e de mentira, ou como disse
Colson (2008, p. 180), “hoje, a tolerância é usada para chamar o mal
de bem e o bem de mal”.
Este comportamento consiste numa desonestidade acadêmica
justamente pela acomodação na ignorância simplesmente pelo
desinteresse pela verdade. McGrath é incisivo quanto a este ponto:
“Permitir critérios tais como ‘tolerância’ e ‘abertura’ para ser dado
maior peso do que seja ‘verdade’ é, simplesmente, um sinal de
superficialidade intelectual e de irresponsabilidade moral. A primeira e
mais fundamental de todas as perguntas deve ser: É verdade? É
digno de fé e confiança? Certamente, a verdade não é garantia de
relevância – porém, ninguém pode construir sua vida em torno de
uma mentira. Um sistema de crença, por mais consolador e
tranquilizador que seja, pode provar ser falso em si mesmo, ou
repousar sobre fundamentos completamente espúrios” (2007, p. 160).
A tolerância – no sentido de você crer de modo diferente do outro,
discordar dele, contudo, respeitá-lo como pessoa (tolerância legal e
tolerância social) –, nunca deve substituir o interesse pela verdade
ou, simplesmente, ter a roupagem daquilo que denominamos de
“politicamente correto”. Quanto a este ponto em particular, que Stott
chama de “tolerância intelectual” (STOTT, 1997, p. 360), vale a pena
citar as palavras enfáticas de MacArthur Jr. (2003, p. 50):
“Passividade em relação ao erro conhecido não é uma opção para o
cristão. A intolerância para com o erro encontra-se permeada nas
próprias Escrituras. E tolerância para com o erro conhecido é tudo
menos uma virtude”. Na realidade, a tolerância tem respeito para
com a verdade e a sua busca.
50
Ainda que o ceticismo não seja de fato um determinante da
tolerância – em princípio, a atitude de tolerância ou de
intolerância vai depender sempre do que cada cultura regule
como sendo o comportamento correto –, por questão de
coerência – ainda que nem sempre valorizada –, ele contribui
para ela, mesmo que não sendo por motivações éticas, mas, sim
por questões epistemológicas.
Partindo desses princípios é que surgem as conceituações, até
mesmo entre nós, de "verdades relativas", "verdade de cada um", e
assim por diante. Na realidade, a verdade como sendo o que é, não
pode ser relativizada; o que ocorre, é que a nossa compreensão da
verdade sofre mutações, conforme as influências internas ligadas à
nossa personalidade e os elementos externos, relacionados, por
exemplo, à nossa cultura e à nossa época. Todavia, a verdade é o
que é. A nossa percepção é que varia. Ou seja: por crermos na
existência da verdade absoluta, bem como na possibilidade de
conhecê-la, não significa que todos os nossos conhecimentos são
absolutos. Pensar, desta forma, seria uma atitude infantilmente
arrogante. Não somos proprietários da verdade e, nosso sistema, por
melhor que seja, não é infalível nem pode ter a pretensão de esgotar
o real. Contudo, cremos que a partir da Escritura temos condições de
ter um conhecimento verdadeiro e abrangente da realidade, podendo
contribuir na compreensão do mundo e na solução de seus
problemas. Veith resume: “Insistir que a Palavra de Deus é absoluta
não é insistir que todo o conhecimento seja absoluto. Pelo contrário,
uma visão elevada das Escrituras assegura que o conhecimento
humano, à parte da Palavra de Deus, é caído, limitado e parcial”
(2006, p. 65).
Nada é mais importante do que Deus e a Sua Palavra; seja qual for o
tipo de mudança que precisemos efetuar em nossa vida, não
deixemos de considerar atentamente os ensinamentos de Deus. Não
permitamos que o modo de viver contemporâneo relativize a Palavra
de Deus, que é viva e eficaz para sempre. Este é um perigo
constante para nós: substituir a verdade pela simples funcionalidade.
Dentro de uma cultura relativista e pragmática, onde a Palavra é
51
usada apenas como pretexto, não existe lugar para absolutos morais
e espirituais; os Dez Mandamentos, por exemplo, desaparecem. Só
subsistem algumas porções bíblicas que, com a nossa interpretação
duvidosa, servem para nos dar conforto e alimentar os nossos
desejos pecaminosos. É necessário que não permitamos que critérios
estranhos à Palavra de Deus nos orientem em nossas práticas e
decisões. Antes de adotarmos um conceito e assumir um novo
comportamento, verifiquemos se isso se harmoniza com a Palavra de
Deus; não nos permitamos simplesmente seguir modismos. A nossa
ética precisa ser pautada pela Palavra; é urgentemente necessário
que não nos deixemos seduzir pelo fascínio do nosso nicho social –
ou aquele que admiramos – que tende a nos dar a falsa ideia de
onipresença e onipotência. Não tenhamos a pretensão de sermos
diferentes ou iguais, antes, fiéis a Deus.
1.3) Pluralismo
No pluralismo a verdade é a primeira vítima fatal. Como a verdade,
caso exista, é plural, todas as coisas são possíveis dentro da
diversidade do real ou mesmo na falta de seu sentido. Há coisas
diferentes, mas não excludentes. Deste modo, alguns princípios da
Lógica Formal são meramente ignorados, tais como:
a) O Princípio de Identidade, que afirma que “o que é, é” ou, “tudo
que é idêntico ao que já se pensou é necessariamente verdadeiro”,
“toda proposição é equivalente a ela mesma” ou, ainda, “todo objeto é
idêntico a si mesmo”. Este princípio pode também ser resumido na
fórmula: “A é A”, o que quer dizer que uma ideia ou conceito é igual a
ele mesmo pelo menos no momento em que se está realizando o
pensamento
b) O Princípio de Contradição, que é decorrente do anterior, pode ser
assim enunciado: “Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo
tempo e sob o mesmo aspecto” ou, de duas contraditórias uma é
necessariamente falsa. Se afirmo que “A é A” e que “A não é A”, uma
das duas afirmações será falsa. Resumindo: “Nenhuma proposição é
verdadeira e falsa ao mesmo tempo”.
52
c) O Princípio do Terceiro Excluído, é assim expresso: Toda coisa
deve ser ou não ser; em outras palavras, com dois juízos
contraditórios tais como “A é A” e “A não é A”, não se dá uma terceira
possibilidade; não existe um terceiro modo de ser porque um dos dois
deve ser necessariamente verdadeiro, uma vez que os dois não
podem ser falsos ao mesmo tempo: “De duas proposições
contraditórias uma é verdadeira e a outra falsa”. Em lógica não existe
mais ou menos verdadeiro ou mais ou menos falso.
Notemos, que este princípio não nos diz qual o verdadeiro, mas, tão
só, que dois juízos contraditórios não podem ser concomitantemente
falsos. Resumindo: “Toda proposição ou é verdadeira ou é falsa,
não havendo intermediário entre a verdade e a falsidade”.
Em nossa sociedade esses princípios parecem inexistir: Posso,
naturalmente, gostar de duas coisas excludentes e compatibilizá-las
perfeitamente em minha mente e ações sem que perceba nenhum
dilema ou mesmo a necessidade de harmonização. Notemos que a
incompatibilidade só é percebida a partir de uma compreensão de
duas ou mais teses que se excluem mutuamente. No entanto, para
compreendermos isso, é necessário pensar e sinceramente desejar a
coerência de pensamento, de valores e de comportamento. Como
tudo isso parece irrelevante, passo então a viver como se cada
“verdade” fosse “a verdade” – ainda que a verdade não me importe –
naquele momento. No campo político e religioso, esta prática é,
talvez, uma das mais visíveis em nosso país: não existe
incompatibilidade real, apenas circunstancial.
É necessário que entendamos que a pluralidade do conhecimento
apenas indica a finitude de nossa compreensão diante da
complexidade do real. Podemos ter visões corretas, percepções
fidedignas, contudo, diferentes: elas, por si só não esgotam o objeto,
são inadequadas para descrever a amplitude do real. Portanto, todas
estas descrições podem ser úteis. Contudo, a variedade de
explicações não significa a acomodação de pontos excludentes.
53
No entanto, o pressuposto básico do pluralismo é a falta de
absolutos. A sua afirmação seria, no mínimo, uma insensatez,
indelicadeza social. Deste modo, cada um deve viver como se aquele
momento fosse o momento e que os conceitos não se excluem; a
diferença é a “verdade”!; logo, não há princípios absolutos que
possam nos orientar em nossa vida e escolhas, exceto as minhas
circunstâncias: não tenho compromissos como minhas “escolhas”
anteriores. Uma sociedade sem absolutos caminha para o caos
moral. Curiosamente, a falta de absolutos é uma forma de acalmar a
nossa consciência e dar rédeas soltas a todas as nossas inclinações
pecaminosas sem o inconveniente sentimento de culpa. Desta forma,
passa a vigorar o que diz uma antiga música popular (1978): “não
existe pecado do lado de baixo do Equador”.12 Assim, estamos em
paz.
No entanto, os Mandamentos de Deus permanecem como norma
absoluta de todo o nosso pensar, crer e viver. Seremos avaliados por
Deus não pelos nossos conceitos circunstancias, mas, pela Sua
Palavra, que é viva e eficaz (Rm 2.16).
2) A VERDADE DO DEUS VERDADEIRO NUM
MUNDO DE MENTIRAS
A verdade revelada nas Escrituras é a realidade como Deus a
percebe. Deus percebe as coisas como são. Antes de atribuirmos
valor à verdade, ela já o tem porque foi Deus quem a criou e lhe
confere significado. A verdade é uma expressão de Deus em Si
mesmo e na criação. Deus é a verdade, opera por meio da verdade e
nos conduz à verdade. A graça de Deus opera pela verdade e, nesta
verdade que foi ouvida e compreendida, frutificamos (Cl 1.6). “A
verdade é aquilo que é consistente com a mente, a vontade, o
caráter, a glória e o ser de Deus. Sendo mais preciso: a verdade é a
auto-expressão de Deus” (MACARTHUR, JR., 2008, p. 30).
12
Letra e Música de Chico Buarque e Ruy Guerra, Não existe pecado ao sul do Equador, (1978).
54
O Cristianismo revela a sua coerência lógica e espiritual pelo seu
comprometimento com a verdade. Não há relevância na mentira. A
proclamação cristã insiste no fato de que Deus é verdadeiro e que Ele
Se revela, dando-Se a conhecer. As Escrituras enfatizam esta
realidade que confere sentido a toda a nossa existência, quer aqui,
quer na eternidade. Deus é transcendente e pessoal; Ele se relaciona
pessoalmente conosco.
Contudo, dentro da perspectiva “pós-moderna” há uma crise
epistemológica forjada, que gera a concepção de que a verdade, se
existe, é inacessível; daí o abandono da procura da verdade e,
consequentemente, a carência de ensino sobre a importância da
verdade e sobre valores considerados verdadeiros.
Dentro desta perspectiva, procurando evitar o perigo de um
agnosticismo absoluto – que seria um suicídio intelectual e da própria
tese –, admite-se a verdade dentro do universo singular de cada
indivíduo; deste modo, a sua verdade é sua e não tem nenhum valor
objetivo, portanto, não há nada nela de universalizante. Deste modo,
de posse de minha verdade procuro vivê-la dentro das dimensões de
minha subjetividade e nada mais.
Como vimos, quando a verdade é considerada, tem apenas um
sentido local e circunstancial: “Minha verdade”, “sua verdade”,
“verdade de cada um”, “verdade para aquela época”, “verdade para
aquele povo”, etc. Já observaram como no campo das ciências
sociais evita-se emitir juízo de valor? Fala-se de “fenômeno”; deste
modo, foge-se da questão do certo e errado; verdade e mentira.
Apenas descrevo o “fenômeno”, palavra mágica, que faz-me dizer o
“fato” como se manifesta dentro de minha percepção e mais nada.
Atitude ingênua: como se fosse possível ter percepção sem uma
gama enorme de valores que a referenciam dentro de meu universo
epistemológico.
Partindo desta perspectiva, a verdade passou a ser simplesmente
construída; deste modo, não há lugar para absolutos. “Os pós-
55
modernistas rejeitam totalmente a verdade objetiva. A verdade não é
uma descoberta feita a partir do mundo externo. Antes, a verdade é
uma construção”. (VEITH, JR., 2006, p. 55-56).
No entanto, as Escrituras nos falam de verdade absoluta, acessível
verificável e vivenciável. A Palavra de Deus nos desafia a conhecer a
verdade e a praticá-la como testemunho de fé, certos de que o
propósito de Deus para o homem é sempre perfeito; a Sua vontade é
boa, perfeita e agradável: “E não vos conformeis com este século,
mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”
(Rm 12.2).
2.1) O Ensino Verdadeiro
Jesus Cristo, por ser verdadeiro, ensina a verdade; o reto ensino. Os
fariseus, por sua vez, tentando preparar armadilha para Jesus,
partem de um conceito comum entre todos os que O ouviam: a
integridade de seu ensino e comportamento. Assim articulam: registra
Mateus: “E enviaram-lhe discípulos, juntamente com os herodianos,
para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro (a)lhqh/j) e que
ensinas (dida/skw) o caminho de Deus, de acordo com a verdade
(a)lh/qeia), sem te importares com quem quer que seja, porque não
olhas a aparência dos homens” (Mt 22.16). Em narrativa paralela,
registrada por Lucas, lemos: “Então, o consultaram, dizendo: Mestre,
sabemos que falas e ensinas retamente (o)rqw=j) e não te deixas
levar de respeitos humanos, porém ensinas o caminho de Deus
segundo a verdade (a)lh/qeia)” (Lc 20.21).
O Evangelho é verdadeiro; é a Palavra da verdade (Gl 2.5,14; Ef
1.13; Cl 1.5-6; 2Tm 2.15; Tg 1.18). A Palavra de Deus é a verdade
por meio da qual o Espírito nos gera: “Pois, segundo o seu querer,
ele nos gerou pela palavra da verdade (a)lh/qeia) para que fôssemos
como que primícias das suas criaturas” (Tg 1.18). É a esta verdade
que o Espírito nos conduz, conforme prometera Jesus: “Quando vier,
porém, o Espírito da verdade (a)lh/qeia), ele vos guiará a toda a
56
verdade (a)lh/qeia); porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o
que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16.13).
Os caminhos de Deus são verdadeiros em si mesmos, não havendo
injustiça. No Apocalipse lemos o cântico dos santos libertos por Deus:
“E entoavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do
Cordeiro, dizendo: Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor
Deus, Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros (a)lhqino/j) são os teus
caminhos, ó Rei das nações!” (Ap 15.3).
2.2) A Recepção e Apego à Verdade
O Evangelho é para ser recebido como o ensino autoritativo de Deus.
Esta recepção envolve o nosso “andar” nele. A aceitação do
Evangelho tem implicações em todas as áreas de nossa vida, não é
apenas algo intelectual.
Aqui, de forma indireta, podemos ver a nossa responsabilidade como
pregadores. A mensagem que transmitimos exige uma postura
responsável, compatível com a sua gravidade e suas implicações.
Paulo se refere aos irmãos da igreja de Corinto como aqueles que
receberam o Evangelho e nele perseveram: “Irmãos, venho lembrar-
vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes
(paralamba/nw)13 e no qual ainda perseverais” (1Co 15.1).
Aos colossenses refere-se ao Evangelho que foi ouvido e entendido e
estava produzindo fruto: “por causa da esperança que vos está
preservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade
(a)lh/qeia) do evangelho, que chegou até vós; como também, em
todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre
vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes (e)piginw/skw)14 a
graça de Deus na verdade (a)lh/qeia)” (Cl 1.5-6).
13 Tem o sentido pessoal de tomar para si, levar consigo, tomar posse. É o próprio Senhor quem escolhe três discípulos para Se revelar (Mt 17.1; 20.17; 26.37/Mc 5.40). Ele mesmo, o Senhor Jesus nos receberá no céu (Jo 14.3/Mt 24.40). 14Indica o reconhecimento consciente, imediato e intenso do Evangelho.
57
Paulo dá graças a Deus pelo fato dos tessalonicenses terem recebido
com discernimento a Palavra proclamada, procedente de Deus:
“Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a
Deus: é que, tendo vós recebido (paralamba/nw) a palavra que de
nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes (de/xomai)15 não como
palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a
qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes”
(1Ts 2.13/1Ts 1.6).16 Os tessalonicenses ativamente “tomaram posse
da Palavra” (paralamba/nw) que ouviram e, num ato subsequente, a
receberam de forma prazerosa em seus corações (de/xomai). O
receber pode ser um ato ou processo mais imediato; porém, o acolher
envolve um processo de assimilação prazerosa, compreensão,
aplicação e obediência.
Esta Palavra produz frutos naqueles que crêem. O acolhimento da
Palavra faz parte essencial do processo de santificação que se dá
gradativamente conforme o Evangelho for preservado em nós. Tiago
instrui: “Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de
maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada
(e)/mfutoj = “semeada”), a qual é poderosa para salvar a vossa
alma” (Tg 1.21).
Paulo, como embaixador do “ministério da reconciliação” (2Co
5.18,20) exorta aos coríntios para que o Evangelho, “a palavra da
reconciliação” (2Co 5.19) de Deus, não fosse recebido de modo vão,
sem discernimento: “E nós, na qualidade de cooperadores com ele,
também vos exortamos a que não recebais (de/xomai) em vão a
graça de Deus” (2Co 6.1).
A verdade de Deus vai revelando a sua eficácia em nossa vida
gradativamente, conforme a formos praticando. Daí a instrução de
Paulo no sentido de que devemos seguir a verdade em amor para
15 Tem também o sentido de “receber”, “aceitar”, “aprovar”. Estevão sendo apedrejado ora: “.... Senhor Jesus, recebe (de/xomai) o meu espírito!” (At 7.59). 16 “Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido (de/xomai) a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo” (1Ts 1.6).
58
que possamos nos aperfeiçoar em Cristo: “.... seguindo a verdade
(a)lhqeu/w) em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça,
Cristo” (Ef 4.15). Esta, por sua vez, deve estar associada à piedade.
Paulo entende o seu apostolado partindo desta perspectiva: “Paulo,
servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é
dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade (a)lh/qeia)
segundo a piedade” (Tt 1.1). Estamos convencidos de que a genuína
piedade bíblica (eu)se/beia) começa pela compreensão correta do
mistério de Cristo, conforme nos diz Paulo: “Evidentemente, grande é
o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi
justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os
gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1Tm 3.16). Portanto,
devemos indagar sempre a respeito de doutrinas consideradas
evangélicas, se elas, de fato, contribuem para a piedade. A genuína
ortodoxia será plena de vida e piedade. Paulo diz que é apóstolo
da parte de Jesus Cristo comprometido com a fé que é dos eleitos de
Deus. O seu ensino tinha este propósito – diferentemente dos falsos
mestres, que se ocupavam com fábulas e mandamentos procedentes
da mentira (Tt 1.14) – promover a fé dos crentes em Cristo Jesus. A
fé que é dos eleitos, portanto, deve ser desenvolvida no “pleno
conhecimento (e)pi/gnwsij) da verdade (a)lh/qeia)”. Ou seja, a
nossa salvação se materializa em nosso conhecimento intensivo e
qualitativamente completo da verdade. Contudo, este conhecimento
da verdade, longe de arrogante e auto-suficiente, está relacionado
com a piedade: “segundo a piedade (eu)se/beia)”. O verdadeiro
conhecimento de Deus é cheio de piedade. Piedade caracteriza a
atitude correta para com Deus, englobando temor, reverência,
adoração e obediência, bem como um relacionamento justo como o
nosso próximo. Ela é a palavra para a verdadeira religião.
João diz que a sua maior alegria é saber que seus filhos andam na
verdade: “Pois fiquei sobremodo alegre pela vinda de irmãos e pelo
seu testemunho da tua verdade (a)lh/qeia), como tu andas
(peripate/w) na verdade (a)lh/qeia). Não tenho maior alegria do que
esta, a de ouvir que meus filhos andam (peripate/w) na verdade
(a)lh/qeia)” (3Jo 3,4). Andar na verdade significa viver em obediência
59
aos mandamentos de Deus: “Fiquei sobremodo alegre em ter
encontrado dentre os teus filhos os que andam (peripate/w) na
verdade, de acordo com o mandamento que recebemos da parte do
Pai” (2Jo 4). A verdade é a alegria do amor: “[O amor] não se alegra
com a injustiça, mas regozija-se com a verdade (a)lh/qeia)”(1Co
13.6). Não há crimes de amor; o amor se apraz na justiça e na
verdade.
Como evidência de nosso novo nascimento espiritual, devemos falar
a verdade. “Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade
(a)lh/qeia) com o seu próximo, porque somos membros uns dos
outros” (Ef 4.25).
2.3) Discernimento Necessário
Jesus Cristo afirma que aquele que deseja fazer a vontade de Deus
deve examinar a doutrina: “Se alguém quiser fazer a vontade
(Qe/lhma) dele (Deus), conhecerá (ginw/skw) a respeito da doutrina
(didaxh /), se ela é de Deus” (Jo 7.17).
Já na década de 60 do primeiro século, encontramos em
Colossos vestígios de uma heresia que tentava fundir a
simplicidade do Evangelho com especulações filosóficas –
caracterizadas por práticas ascéticas – estando estes
ensinamentos a prejudicar a Igreja (Cl 2.8, 16,18,20,21). Paulo,
acompanhado por Timóteo e Epafras (Cl 1.1; 4.12), escreve aos
colossenses, mostrando a supremacia de Cristo sobre todas as
coisas (Cl 1.15,19; 2.3,19). Juntamente com o ensino correto, Paulo
declara que ele próprio, Timóteo e Epafras estão orando pela Igreja:
“.... Não cessamos de orar por vós, e de pedir que transbordeis de
pleno conhecimento da sua vontade (Qe/lhma), em toda a sabedoria
(Sofi/a) e entendimento (Su/nesij)”17 (Cl 1.9). “Saúda-vos Epafras
17 Su/nesij (synesis), ocorre 7 vezes no NT.: Mc 12.33; Lc 2.47; 1Co 1.19; Ef 3.4; Cl 1.9; 2.2; 2Tm 2.7, significando, discernimento, inteligência, envolvendo, conforme vimos, a ideia de reunir as evidências para avaliar e chegar a uma conclusão. Este “entendimento” deve ser fruto de uma reflexão, recorrendo, contudo, à iluminação de Deus (2Tm 2.7).
60
que é dentre vós, servo de Cristo Jesus, o qual se esforça
sobremaneira, continuamente, por vós, nas orações, para que vos
conserveis perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade
(Qe/lhma) de Deus” (Cl 4.12).
Por isso, insistimos: é necessário discernimento para interpretar as
doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus ou
não (Jo 7.17). Portanto, devemos desejar conhecer a vontade de
Deus (Ef 5.17). Paulo orava para que os colossenses
“transbordassem” [plhrwqh=te ]. A voz passiva indica aqui a ação de
Deus; para que ”Deus encha vocês” deste genuíno conhecimento (Cl
1.9/Cl 4.12/Hb 13.21).
Devemos dar crédito à verdade procedente de Deus (1Ts 2.10-13).
Contudo, como muitos falsos mestres têm saído pelo mundo, faz-se
necessário provar os espíritos; precisamos exercitar o “ceticismo
cristão” que não aceita tudo, contudo, não rejeita a procura da
verdade: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai
(dokima/zw)18 os espíritos se procedem de Deus, porque muitos
falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o
Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio
em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não
procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a
respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no
mundo. Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos
profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que
está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da
parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele
que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus
não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade (a)lh/qeia)
e o espírito do erro” (1Jo 4.1-6). A verdade não gera mentira:
“....mentira alguma jamais procede da verdade (a)lh/qeia)” (1Jo
2.21).
18Dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10).
61
O nosso desejo de servir a Deus não nos deve tornar presas fáceis
de qualquer ensinamento ou doutrina; precisamos cientificar-nos se
aquilo que é-nos transmitido procede ou não de Deus. Para este
exame temos as Escrituras Sagradas como fonte de todo
conhecimento revelado a respeito de Deus e do que Ele deseja de
nós; foi assim que a nobre Igreja de Beréia procedeu ao ouvir Paulo e
Silas. Ainda que aqueles irmãos tenham recebido a Palavra com
avidez, isto não os impediu de examinar19 “as Escrituras todos os dias
para ver se as cousas eram de fato assim” (At 17.11).
Portanto, como há outras vozes querendo nos afastar da verdade,
apresentando um caminho que, à primeira vista, pode nos parecer
mais convidativo e tentador, devemos perseverar no caminho da
verdade. Paulo recrimina o esmorecimento dos gálatas que
começando a crer corretamente na graça de Deus, agora, passam a
viver, como se fosse possível, pelas obras. O legalismo judaico se
constituía num impedimento aos judeus cristãos: “Vós corríeis bem;
quem vos impediu (e)gko/ptw)20 de continuardes a obedecer à
verdade (a)lh/qeia)?” (Gl 5.7).
Os falsos mestres, privados da verdade, procuram desviar-nos da
verdade pervertendo os ensinamentos da Palavra. Paulo cita dois
falsos mestres de seu tempo, Himeneu e Fileto, que, seguindo
ensinamentos gnósticos, com uma linguagem corrosiva, eliminavam a
esperança na ressurreição futura, pervertendo a fé de alguns: “Além
disso, a linguagem deles corrói como câncer (ga/ggraina);21 entre os
quais se incluem Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade
(a)lh/qeia), asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão
19 A palavra traduzida por “examinando” é a)nakri/zw (anakrizõ), que tem o sentido de “fazer uma pesquisa cuidadosa”, um “exame criterioso”, “inquirir”. (* Lc 23.14; At. 4.9; 12.19; 17.11; 24.8; 28.18; 1Co 2.14,15 (duas vezes); 4.3 (duas vezes),4; 9.3; 10.25,27; 14.24). Conforme vemos em Lc 23.14; At 4.9 e 24.8, o verbo era usado para “investigações judiciais”. 20No seu emprego militar a palavra tinha o sentido de cortar uma árvore para causar um impedimento ou, abrir uma vala que obstaculizasse temporariamente o caminho do inimigo, daí a palavra tomar o sentido de “impedimento”, “empecilho”, “obstáculo”. 21Esta palavra só ocorre aqui em todo o Novo Testamento. É deste termo que provém palavra gangrena.
62
pervertendo (a)natre/pw = “arruinar”, “virar”22) a fé a alguns” (2Tm
2.17-18). A falsa doutrina é contagiante. Paulo exorta a Tito com
veemência a respeito dos insubordinados, especialmente judeus: “É
preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo (a)natre/pw)
casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt
1.11). Por causa dos falsos mestres o caminho da verdade será
infamado. “Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas,
assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão,
dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem
o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos
repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas, e,
por causa deles, será infamado o caminho da verdade” (2Pe 2.1-2).
Pedro diz que o presbítero como pastor do rebanho deve estar em
condições de alimentar o seu rebanho com a Palavra e, também,
saber combater àqueles que tentarão seduzir os fiéis com “palavras
fictícias (plasto/j)” (2Pe 2.3). O falso mestre é aquele que ensina a
mentira, o engano: cria imagens que nada são para corromper seus
ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor Jesus Cristo e,
também, à viverem libertinamente (a)se/lgeia), ou seja, de modo
dissoluto e lascivo. Por causa disso, o caminho do Evangelho seria
caluniado, reprovado, “blasfemado”. A mensagem desses falsos
mestres consiste numa corrupção do Evangelho. Plasto/j parece
ter o sentido, aqui, de palavras artisticamente elaboradas, moldadas,
sugestivas, porém, falsas, forjadas em seu próprio proveito, e, que
por isso mesmo estão em oposição à verdade. Curiosamente este é o
termo de onde vem a nossa palavra “plástico”.23 O ensino cristão
envolve arte, mas não “arte plástica” para com a verdade.
22 A palavra é usada no sentido literal Jo 2.15: “Em tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou (a)natre/pw) as mesas”. 23A palavra grega plastiko/j é derivada do verbo pla/ssw, cujo advérbio utilizado por Pedro é plasto/j. A nossa palavra plástico vem do grego (plastiko/j) passando pelo latim (plasticus), sempre de forma transliterada, significando aquilo “que tem propriedade de adquirir determinadas formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior”.
63
2.4) A Manipulação da Verdade: Uma Tentação Sutil
Em determinadas ocasiões muitos se recusarão a ouvir a verdade.
No final de sua vida, Paulo, com a consciência certa de ter concluído
fielmente o seu ministério, exorta ao jovem Timóteo: “Prega a palavra,
insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com
toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo (kairo/j)24 em
que não suportarão (a)ne/xomai)25 a sã doutrina (didaskali/a); pelo
contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias
cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a
dar ouvidos à verdade (a)lh/qeia), entregando-se às fábulas (mu=qoj
= lenda, mito)” (2Tm 4.3-4).
Satanás fala o que lhe é próprio; o mundo o ouve. A verdade, no
entanto, nem sempre é bem-vinda: “Vós sois do diabo, que é vosso
pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o
princípio e jamais se firmou na verdade (a)lh/qeia), porque nele não
há verdade (a)lh/qeia). Quando ele profere mentira, fala do que lhe é
próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. Mas, porque eu digo a
verdade (a)lh/qeia), não me credes. Quem dentre vós me convence
de pecado? Se vos digo a verdade (a)lh/qeia), por que razão não me
credes?” (Jo 8.44-46). Os filhos de Abraão, apenas da carne, queriam
matar a Jesus justamente porque Ele dizia a verdade: “Então, lhe
responderam: Nosso pai é Abraão. Disse-lhes Jesus: Se sois filhos
de Abraão, praticai as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-
me, a mim que vos tenho falado a verdade (a)lh/qeia) que ouvi de
Deus; assim não procedeu Abraão” (Jo 8.39-40).
24A ideia da palavra é de “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável”, etc. (Vd. Mt 24.45; Mc 12.2; Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15). Ela enfatiza mais o conteúdo do tempo. Este termo que ocorre 85 vezes no NT é mais comumente traduzido por “tempo”, surgindo, então, algumas variantes, indicando a ideia de oportunidade. 25A)ne/xomai aparece 15 vezes no Novo Testamento, sendo traduzida por: “Sofrer” (Mt 17.17 = Mc 9.19; Lc 9.41); “atender” (At 18.14); “suportar” (1Co 4.12; 2Co 11.1; Ef 4.2; Cl 3.13; 2Ts 1.4; 2Tm 4.3; Hb 13.22); “tolerar” (2Co 11.4,19,20). Na LXX este verbo não ocorre. No entanto, a)))ne/xw é empregada umas 11 vezes, sendo traduzida por: conter (Is 42.14; 64.12); carregar (Is 46.4), deter (Is 63.15) e reter (Am 4.7; Ag 1.10). Originalmente, a palavra estava associada à ideia de manter-se ereto, erguido; daí o sentido de suportar de “cabeça erguida”.
64
O mundo prefere transformar a verdade de Deus em mentira,
recebendo o justo castigo por isso: “Pois eles mudaram a verdade
(a)lh/qeia) de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em
lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém! Por causa
disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até as mulheres
mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro,
contrário à natureza; semelhantemente, os homens também,
deixando o contacto natural da mulher, se inflamaram mutuamente
em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e
recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro. E, por
haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os
entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas
inconvenientes, cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade;
possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo
difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes,
soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos
pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia”
(Rm 1.25-31).
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Uma mensagem exclusivista para um mundo pluralista. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 2003.
66
Atividade de auto-estudo
1. Apresente uma definição pessoal de Teologia.
2. Enumere alguns dos pressupostos de sua definição.
3. Analise de que forma você pode percebe a presença ou não de
alguns dos valores contemporâneos apresentados na sociedade em
que vive.
4. Reflita sobre a manipulação da verdade e como podemos nos
tornar presas fáceis deste tipo de comportamento.
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UNIDADE III TEMAS ATUAIS EM TEOLOGIA Professor Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa
Objetivos de Aprendizagem
• Indicar o absoluto da Escritura Sagrada plenificado em Jesus Cristo.
• Demonstrar a objetividade da Revelação e a sua relevância na interpretação da realidade.
• Realçar a unidade e coerência da Revelação para todas as épocas e necessidades do ser
humano.
• Enfatizar as implicações da fé cristã em seus compromissos éticos e existenciais na sociedade
contemporânea.
Plano de Estudo
A seguir apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
• A Verdade Objetiva de Deus.
• Jesus Cristo, a Palavra Encarnada e o Seu poder libertador.
• A Verdade como um todo unificado.
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1. A VERDADE OBJETIVA DE DEUS
Na Oração Sacerdotal Jesus Cristo diz ao Pai que proclamou a Sua
Palavra que é a verdade (Jo 17.17,19). Analisemos aspectos desta
verdade.
A) Verdade Real
A Filosofia de Platão (427-347 a.C.) dizia que o nosso mundo é
apenas de aparências; todavia, havia um modelo superior,
imutável e eterno, do qual o nosso mundo é apenas uma cópia.
Esta idéia permaneceu em Cícero (106-43 a.C.) e Fílon (c. 20
a.C. – c. 42 d.C.) (Ver: PLATÃO, 1993, 382e; 499c; 522a).
No texto lido, Jesus nos diz que a Palavra de Deus é a verdade =
realidade. O curioso é que a palavra que os gregos usavam para se
referirem ao mundo real (a)lhqino/j), é da mesma raiz da palavra
verdade (a)lh/qeia). No Novo Testamento Jesus Cristo se
autodesigna de verdadeiro pão do céu (Jo 6.32), videira verdadeira
(Jo 15.1); sendo enviado pelo Deus verdadeiro (Jo 7.28; 1Ts 1.9/1Jo
5.20), que deve ser conhecido (Jo 17.3). No Apocalipse Jesus Cristo
é identificado como o verdadeiro (Ap 3.7,15, 6.10), sendo as suas
palavras e juízos fiéis e verdadeiros (Ap 15.3; 16.7; 19.2; 21.5; 22.6).
O termo contrasta aquilo que é verdadeiro, genuíno, com o que é
terreno (Hb 8.2; 9.24). Deus procura os verdadeiros adoradores (Jo
4.23/Hb 10.22).
Assim, em sua oração, Jesus Cristo, em certo sentido, nos diz que a
Palavra de Deus é real, não apenas aparentemente. Se me
permitirem usar tal expressão, diria que a Palavra de Deus é a
verdade verdadeira!. “As Escrituras não são apenas a verdade inteira;
elas são também o mais elevado padrão de toda verdade – a regra
pela qual todas as alegações de verdade devem ser medidas”,
enfatiza MacArthur (2003, p. 49).
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Acontece que, muitas vezes, o crente vive como se a Palavra de
Deus fosse apenas uma aparente verdade ou uma verdade distante e
sem sentido para homens e mulheres desse novo milênio. Quando
Jesus diz que a Palavra é a verdade, Ele, de fato, afirma que ela é a
verdade para todas as esferas de nossa vida: casamento, vida
profissional, educacional, vocacional, lazer, ética, espiritualidade.
Às vezes, afirmamos crer na Bíblia como verdade, mas a negamos
com o nosso comportamento. Não aplicamos os seus ensinamentos
ao nosso viver cotidiano. A Palavra é a verdade de Deus para a
totalidade de nossa existência, quer aqui, quer na eternidade.
B) Verdade Autoritativa
A Bíblia não precisa de nosso testemunho para ser o que é.
Ela é a verdade de Deus; quer creiamos quer não, aceitemos
ou não. A autoridade da Palavra é decorrente da sua origem
divina. “Nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade
humana; entretanto, homens santos falaram da parte de
Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Deste modo,
a autoridade da Palavra é proveniente do Deus da Palavra, não
daqueles que a proclamam.
Um padre romano, analisando os Puritanos nos Estados Unidos,
concluiu: "Os nossos puritanos não estudavam a Bíblia como
exegetas, ainda menos como racionalistas. Ela era a sua vida"
(BRUCKBERGER, 1960, p. 31). De fato, se, pelo Espírito recebemos
a Bíblia como a Palavra autoritativa de Deus, não há lugar para
relativismos; ela é a nossa vida; a Constituição de nosso crer e agir.
C) Verdade que Permanece
Como vimos, é comum em nosso tempo ouvir-se falar de minha
verdade, sua verdade e, verdade de cada um. A verdade, quando
muito, é local, pessoal e circunstancial. Não se fala mais em a
verdade norteadora do nosso comportamento. O homem moderno
relativizou a verdade; não considera mais a existência de absolutos:
“Baseados na sua epistemologia, os homens não mais crêem nem
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mesmo na possibilidade da verdade absoluta”, constata Schaeffer
(1975, p. 25). Isso tem implicações éticas, como observou Packer: “A
cultura ocidental pós-cristianismo duvida que haja absolutos morais”
(1999, p. 34). E isso é obvio. Se não há princípio orientador e
regulador que permaneça, como pautar a nossa conduta por aquilo
que é simplesmente subjetivo, relativo e, portanto, provisório?
A Palavra de Deus é a verdade que permanece, cumpre-se
cabalmente; não apenas no passado, nem simplesmente no futuro;
mas sempre. Na declaração de Jesus, percebemos a seriedade da
Palavra: “Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que
me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da
perdição, para que se cumprisse a Escritura” (Jo 17.12). (destaque
meu). Em outros contextos, Ele já dissera: “Passará o céu e a terra,
porém as minhas palavras não passarão” (Mt 24.35); “.... a Escritura
não pode falhar” (Jo 10.35).
Um sinal de que a Palavra permanece está no fato de nos reunirmos
para estudar a Palavra de Deus, a qual permanece como a Palavra
eterna de Deus para a nossa vida, sobre qualquer questão e, em
qualquer tempo.
Paulo, no final de sua vida, não deu um “salto no escuro”, antes
declarou a sua inabalável confiança no Deus que conhecia e pelo
qual dedicou a sua vida: “.... porque sei em quem tenho crido e estou
certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele
Dia” (2Tm 1.12). “6 Quanto a mim, estou sendo já oferecido por
libação, e o tempo da minha partida é chegado. 7 Combati o bom
combate, completei a carreira, guardei a fé. 8 Já agora a coroa da
justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele
Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a
sua vinda” (2Tm 4.6-8). Paulo não fala de hipóteses ou teorias, afirma
sim a sua firme certeza na verdade de Deus.
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D) Verdade Reveladora
A verdade proclamada por Cristo revela o Pai (Jo 17.1,3-
9,11,15,17,21-25) e aponta para o Filho (Jo 17.8,20). Além destas
genuínas revelações, a Palavra nos diz o que somos e o que
poderemos ser. A Palavra de Deus é o espelho que nos mostra tal
qual somos – pecadores irremediavelmente perdidos –; no entanto,
também nos mostra o que poderemos ser pelo Espírito que nos
capacita. Ela é uma espécie de “geografia do coração” ou, uma
“anatomia da alma”.
A tomada de consciência da grandeza, da santidade de Deus, deve
nos conduzir ao desejo de sermos santos conforme Ele é. A
santidade de Deus realça o nosso pecado, dando-nos consciência da
nossa pequenez e impureza; a perfeição absoluta de Deus revela os
nossos pecados e as nossas imperfeições. O brilho da glória de Sua
majestade torna mais patente as nossas manchas espirituais. Foi
esta a experiência de Isaías diante da revelação de Deus: "Ai de mim!
Estou perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no meio
dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor
dos Exércitos” (Is 6.5).
A proximidade de Deus, nos faz mais sensíveis a isto; a
contemplação da gloriosa santidade de Deus, conforme registrada
nas Escrituras, realça de forma eloqu3nte a gravidade de nosso
pecado. Além de Isaías, outros servos de Deus ilustram este fato:
Moisés, Jó, Ezequiel, Daniel, Pedro, Paulo e João (Vejam-se: Ex 3.6;
Jó 42.5-6; Ez 1.28; Dn 10.9; Lc 5.8; 1Tm 1.15; Ap 1.17), entre outros,
tiveram, de modo doloroso, a percepção de sua pequenez, fragilidade
e impureza diante de Deus, que é puro de olhos e não pode tolerar o
mal (Hc 1.13).
Essa é uma das razões porque os homens odiaram a Cristo e a Sua
Palavra: A imagem do que somos, muitas vezes se mostra terrível!
O Senhor mesmo nos diz: “Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim
me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas
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obras são más” (Jo 7.7). João registra: “O julgamento é este: que a
luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz;
porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal
aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem
arguidas as suas obras” (Jo 3.19-20). (destaque meu).
Por outro lado, a Bíblia também nos ensina aquilo que Paulo
expressou enquanto preso em Roma: “Tudo posso naquele que me
fortalece” (Fp 4.13). Deus torna possível os nossos impossíveis,
fazendo-nos novas criaturas, gerando-nos espiritualmente para uma
viva esperança em Cristo (Jo 3.3,5/Tg 1.18; 1Pe 1.3,23).
E) Verdade Libertadora
1) O Conhecimento da Verdade:
“A tua palavra é a verdade (a)lh/qeia)” (Jo 17.17). .Aos judeus
orgulhosos de sua suposta liberdade, Jesus Cristo diz: “E
conhecereis (ginw/skw) a verdade (a)lh/qeia), e a verdade
(a)lh/qeia) vos libertará (e)leuqero/w)” (Jo 8.32).
O verbo conhecer (ginw/skw) e o substantivo conhecimento
(gnw=sij) denotam um conhecimento experimental que faz com que
possamos discernir os fenômenos, compreendendo a realidade das
coisas. Tem, também, o sentido de conhecimento pessoal.
Este conhecimento é mais do que “saber”, é compreender a razão
das coisas. A Pedro, admirado de o Senhor lavar-lhes ao pés, Jesus
diz: “.... O que eu faço não o sabes (oi)=da) agora; compreendê-lo-ás
depois (ginw/skw)” (Jo 13.7).
Curiosamente, o verbo conhecer (ginw/skw) aparece sete vezes na
Oração Sacerdotal [Jo 17.3,7,8,23, 25 (3 vezes)].
“E a vida eterna é esta: que te conheçam (ginw/skw) a ti, o único
Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).
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“Agora, eles reconhecem (ginw/skw) que todas as coisas que me
tens dado provêm de ti; porque eu lhes tenho transmitido as palavras
que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram
(ginw/skw) que saí de ti, e creram que tu me enviaste” (Jo 17.7-8).
“Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na
unidade, para que o mundo conheça (ginw/skw) que tu me enviaste
e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.23).
“Pai justo, o mundo não te conheceu (ginw/skw); eu, porém, te
conheci (ginw/skw), e também estes compreenderam (ginw/skw)
que tu me enviaste” (Jo 17.25).
Destaquemos alguns pontos:
1) A Vida eterna está em conhecer o Pai e o Filho: (3).
2) Por meio da Palavra os discípulos conhecem a Cristo e a Sua
procedência: (7-8,25).
3) O mundo − os que não crêem − não conhece a Deus: (25).
4) O Filho conhece perfeitamente o Pai: (25).
Analisemos alguns aspectos do conhecimento conforme descritos
nas Escrituras:
a) Negativamente Considerando
a) O Mundo não conhece o seu Criador: Paulo diz que Deus não ficou
sem dar testemunho de Si mesmo: “.... não se deixou ficar sem
testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e
estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria”
(At 14.17). A revelação de Deus foi progressiva, culminando em
Jesus Cristo, a Palavra final de Deus: “Havendo Deus, outrora,
falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas,
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2 nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro
de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. 3 Ele, que é o
resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando
todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a
purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas
alturas, 4 tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou
mais excelente nome do que eles” (Hb 1.1-4).
No entanto, os homens não O reconheceram: “O Verbo estava no
mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o
conheceu (ginw/skw)” (Jo 1.10).
b) Usar o nome de Deus não significa relacionar-se com Ele: Em
geral existem pessoas que gostam de alegar privar da intimidade de
homens e mulheres bem conceituados a fim de se promoverem,
demonstrar poder ou influência. Israel, por exemplo, gostava de
alegar conhecer a Deus, no entanto, as suas obras negavam esta
declaração. Por meio de Oséias Deus revela esta incoerência:
“....transgrediram a minha aliança e se rebelaram contra a minha lei.
A mim, me invocam: Nosso Deus! Nós, Israel, te conhecemos
.(Os 8.1-2) ”(LXX: ginw/skw) (‛yada)(ידע)
Jesus numa passagem escatológica nos ensina: “21 Nem todo o que
me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. 22 Muitos, naquele dia,
hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós
profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e
em teu nome não fizemos muitos milagres? 23 Então, lhes direi
explicitamente: nunca vos conheci (ginw/skw). Apartai-vos de mim,
os que praticais a iniquidade” (Mt 7.21-23). Jesus Cristo declara que
nunca os reconheceu como Seus discípulos; em momento algum
manteve com eles uma relação afetiva (Vd. Ex 7.22; 8.7,18).
c) Ignorância Espiritual de Israel: Exortando a um povo empedernido,
Deus recorre à figura de dois animais para falar da ignorância culposa
de Israel. Por intermédio de Isaías, referindo-se a Israel, diz: “Ouvi, ó
céus, e dá ouvidos, ó terra, porque o Senhor é quem fala: Criei filhos,
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e os engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim. O boi
conhece (LXX: ginw/skw) o seu possuidor, e o jumento (חמור)
(châmôr) o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem
conhecimento (ידע)(yâda‛)26 (LXX: ginw/skw), o meu povo não
entende (ּבין) (bîyn)” (Is 1.2,3). Ele toma dois animais difíceis de trato:
o boi e o jumento. Mostra que a obtusidade, a teimosia e a dificuldade
de condução destes animais dão-se pela sua própria natureza; no
entanto, assim mesmo, eles sabem reconhecer os seus donos,
aqueles que lhes alimentam. O homem, por sua vez, como coroa da
criação, cedendo ao pecado perdeu totalmente o seu discernimento
espiritual; já não reconhecemos nem mesmo o nosso Criador; antes
lhe voltamos as costas e prosseguimos em outra direção.
No Salmo 32.9 Deus usa figuras fortes para falar da obtusidade
daqueles que não atentam para a Sua instrução: “Não sejais como o
cavalo27 ou a mula (ּפרד) (pered), sem entendimento (ּבין) (bîyn), os
quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te
obedecem” (Sl 32.9).
A destruição de Israel estava relacionada à falta de discernimento da
Palavra de Deus. Pouco antes do Cativeiro Assírio, Deus fala por
meio de Oséias: “Não castigarei vossas filhas, que se prostituem,
nem vossas noras, quando adulteram, porque os homens mesmos se
retiram com as meretrizes e com as prostitutas cultuais sacrificam,
pois o povo que não tem entendimento (ּבין) (biyn) corre para a sua
perdição” (Os 4.14).
Os fariseus e os saduceus, apesar de todo o seu conhecimento
religioso, tinham os olhos obscurecidos para entenderem o que Jesus
fazia e ensinava. Eles sabiam interpretar as condições climáticas e
atmosféricas (Mt 16.2,3), mas não conseguiam interpretar
corretamente os sinais de Jesus Cristo. “Aproximando-se os fariseus
e os saduceus, tentando-o, pediram-lhe que lhes mostrasse um sinal
vindo do céu. 2 Ele, porém, lhes respondeu: Chegada a tarde, dizeis:
26 Um dos sentidos da palavra hebraica é o de “levar em consideração”, “considerar” (Ver: Os 13.4-5). 27 As Escrituras chamam atenção apenas para a força do cavalo, não para a sua suposta inteligência (Sl 33.17; 147.10).
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Haverá bom tempo, porque o céu está avermelhado; 3 e, pela
manhã: Hoje, haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho
sombrio. Sabeis (ginw/skw), na verdade, discernir o aspecto do céu
e não podeis discernir os sinais dos tempos? 4 Uma geração má e
adúltera pede um sinal; e nenhum sinal lhe será dado, senão o de
Jonas. E, deixando-os, retirou-se” (Mt 16.1-4)
b) Positivamente Considerando
a) Conhecer a Deus é partilhar da intimidade de ser também
conhecido. Jesus, o Sumo pastor declara: “Eu sou o bom pastor;
conheço (ginw/skw) as minhas ovelhas, e elas me conhecem
(ginw/skw) a mim, assim como o Pai me conhece (ginw/skw) a mim,
e eu conheço (ginw/skw) o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas”
(Jo 10.14-15).
Conhecer envolve um relacionamento pessoal e afetivo. Jesus Cristo
conhece pessoal e afetivamente o Seu povo. O conhecimento de
Deus em relação ao Seu povo sempre denota uma relação íntima e
amorosa pela qual Ele distingue os Seus. Ele conhece os que lhe
pertencem: “.... o firme fundamento de Deus permanece, tendo este
selo: O Senhor conhece (ginw/skw) os que lhe pertencem. E mais:
Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”
(2Tm 2.19). O Senhor sabe que há ovelhas que ainda não fazem
parte deste aprisco, mas, que, no momento certo, serão reunidas por
Ele mesmo, o Bom Pastor: “Eu sou o bom pastor; conheço
(ginw/skw) as minhas ovelhas, e elas me conhecem (ginw/skw) a
mim, assim como o Pai me conhece (ginw/skw) a mim, e eu
conheço (ginw/skw) o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. Ainda
tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-
las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor”
(Jo 10.14-16).
b) Conhecer envolve discernimento e atitude de obediência: “As
minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço (ginw/skw), e
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elas me seguem” (Jo 10.27). Elas o seguem por o identificarem como
o seu pastor.
Aos fariseus que criticam os discípulos de Jesus por colherem
espigas de milho para comer no sábado, Jesus lhes diz: “Mas, se vós
soubésseis (ginw/skw) o que significa: Misericórdia quero e não
holocaustos, não teríeis condenado inocentes” (Mt 12.7). (Ver: Mt
9.13; Os 6.6).
Jesus revela conhecer o Pai guardando a Sua Palavra: “Entretanto,
vós não o tendes conhecido (ginw/skw); eu, porém, o conheço. Se
eu disser que não o conheço, serei como vós: mentiroso; mas eu o
conheço e guardo (thre/w)28 a sua palavra” (Jo 8.55).
c) Conhecer o Filho é o mesmo que conhecer o Pai: É impossível
alguém conhecer de fato a Deus Pai sem crer (conhecer) em Jesus
Cristo.
Jesus afirmara: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém
vem ao Pai senão por mim. Se vós me tivésseis conhecido
(ginw/skw), conheceríeis (ginw/skw) também a meu Pai. Desde
agora o conheceis (ginw/skw) e o tendes visto” (Jo 14.6-7). Na
sequência, Filipe, seu discípulo, ainda não entendendo perfeitamente
o que Jesus dissera, suplica: “.... Senhor, mostra-nos o Pai, e isso
nos basta” (Jo 14.8). Obtém, então, a resposta: “.... Filipe, há tanto
tempo estou convosco, e não me tens conhecido (ginw/skw)? Quem
28 Thre/w tem o sentido de “deter”, “conservar”, “observar”, “reservar”, “proteger”, guardar com um propósito ou por um tempo determinado (At 25.21;1Pe 1.4; 2Pe 2.4,9,17; 3.7). A ideia é de manter seguro, preso. Lucas assim narra o episódio da prisão de Pedro: “Pedro, pois, estava guardado (thre/w) no cárcere; mas havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor dele.Quando Herodes estava para apresentá-lo, naquela mesma noite, Pedro dormia entre dois soldados, acorrentado com duas cadeias, e sentinelas à porta guardavam (thre/w) o cárcere” (At 12.5-6). Relatando a situação de Paulo e Silas presos, Lucas diz: “E, depois de lhes darem muitos açoites, os lançaram no cárcere, ordenando ao carcereiro que os guardasse (thre/w) com toda a segurança” (At 16.23). Félix, orienta o Centurião no que se refere a Paulo: “E mandou ao centurião que conservasse a Paulo detido (thre/w), tratando-o com indulgência e não impedindo que os seus próprios o servissem” (At 24.23). “Festo, porém, respondeu achar-se Paulo detido (thre/w) em Cesaréia; e que ele mesmo, muito em breve, partiria para lá” (At 25.4). Festo narrando ao rei Agripa o ocorrido com Paulo, diz: “Mas, havendo Paulo apelado para que ficasse em custódia (thre/w) para o julgamento de César, ordenei que o acusado continuasse detido (thre/w) até que eu o enviasse a César” (At 25.21).
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me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês
que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu
vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em
mim, faz as suas obras” (Jo 14.9-10). Portanto, é impossível alguém
conhecer a Deus de fato não reconhecendo a Cristo como o Deus
encarnado.
Destaquemos alguns pontos:
1. O nosso conhecimento pode ser adequado, porém, limitado. Na
glória conheceremos perfeitamente. Devemos continuar progredindo
no conhecimento de Deus. “Antes, crescei na graça e no
conhecimento (gnw=sij) de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo....”
(2Pe 3.18). A graça sempre antecede e possibilita o real
conhecimento do Senhor.
2. O genuíno conhecimento de Deus envolve, necessariamente, a
compreensão de Sua Palavra: “Agora, eles reconhecem (ginw/skw)
que todas as coisas que me tens dado provêm de ti; porque eu lhes
tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e
verdadeiramente conheceram (ginw/skw) que saí de ti, e creram
que tu me enviaste” (Jo 17.7-8).
3. Conhecer a Deus é essencial para o nosso relacionamento com
Ele: Nós não servimos a um Deus desconhecido.
4. O nosso conhecimento de Deus manifesta-se em obediência:
“Aquele que diz: Eu o conheço (ginw/skw) e não guarda (thre/w) os
seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo
2.4).
5. O conhecimento de Cristo é preventivo contra o pecado: “Todo
aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive
pecando não o viu, nem o conheceu (ginw/skw)” (1Jo 3.6).
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6. Enquanto o oráculo na ilha de Delfos29 recomendava como
máxima, “Conhece-te a ti mesmo” (gnwqiseauto/n) (gnõthiseautón).
Jesus Cristo nos dá a Sua Palavra para que possamos conhecer o
Pai e, a partir daí sim, possamos conhecer todas as coisas.
7. Conforme já expusemos, reconhecemos a Deus pelo entendimento
que o Senhor Jesus Cristo nos dá: “Também sabemos que o Filho de
Deus é vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o
verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo.
Este é o verdadeiro Deus e a vida eternal” (1Jo 5.20). Por isso, toda
a nossa meditação na Palavra deve vir acompanhada de oração (Sl
119.18).
2) JESUS CRISTO, A PALAVRA
ENCARNADA E O SEU PODER
LIBERTADOR
A Palavra de Deus tem também um poder libertador. O problema
desta declaração é o seu pressuposto extremamente desagradável
ao ser humano: a sua condição de escravidão, distante de Deus e de
Sua Palavra. E é justamente isto que Jesus Cristo está nos dizendo.
Outra dificuldade na aceitação desta afirmação, é porque gostamos
de afirmar a nossa liberdade e, de fato, além de gostar, nos sentimos
livres. Lloyd- Jones (1991, p. 76) capta bem a trágica questão: "O
homem do mundo se jacta da sua liberdade e fala sobre 'livre
pensamento'. A suprema realização do diabo consiste em persuadir o
homem de que, justamente naquilo em que ele está mais estonteado
e escravizado, é mais livre".
A liberdade concedida por Cristo é recebida pelo conhecimento d´Ele
como nosso Senhor e Salvador (Jo 8.32/Jo 14.6). O conhecimento de
Cristo já é uma revelação da graça de Deus: Sem a obra do Pai e do
29
Onde havia o templo dedicado a Apolo.
81
Espírito, nós jamais O receberíamos como nosso Salvador (Mt 11.27;
16.16,17; 1Co 12.3).
Na declaração de Cristo: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida;
ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6), temos Nele a verdade
epistemológica (Caminho); verdade ontológica ou metafísica
(Verdade) e a verdade existencial (Vida). Em Cristo temos o modelo
de interpretação e conhecimento da verdade; a verdade absoluta
personificada e a verdade que serve de padrão absoluto e final para a
nossa existência.
Assim, podemos falar de dois aspectos básicos da liberdade
concedida por Jesus Cristo, a Verdade Encarnada:
a) Liberdade “do”
1) Pecado: A Escritura nos fala que todos pecaram (Rm 3.23); o
pecado fez-nos seus escravos, mantendo-nos sobre o seu domínio
(Rm 6.14); nos fazendo cativos, como um prisioneiro de guerra (Lc
4.18; Jo 8.34; Rm 6.20), habitando em nós (Rm 7.17,20).
Enfatizando este domínio do pecado sobre nós antes do novo
nascimento, escreve: “....Sou carnal, vendido à escravidão do
pecado” (Rm 7.14). A expressão “vendido à escravidão”, é uma
tradução interpretativa de “pipra/skw u(po\” (“pipráskõ hypó”), que
significa ser vendido, estando por isso, sob o domínio do seu senhor.
Portanto, o homem entregue a si mesmo não é mais livre do que um
animal sob o jugo do seu senhor, o qual pode prendê-lo, vendê-lo ou
matá-lo.
Em outro lugar, Paulo fala da prisão do homem natural: “Mas vejo nos
meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente
me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros”
(Rm 7.23)(Compare com: Lc 4.18).
Porém, Deus nos libertou definitivamente do poder do pecado (Mt
1.21; Jo 8.32-34; Rm 6.6,17,18, 20; 8.2; 2Pe 2.19; Ap 1.5); do
82
domínio moral e espiritual deste mundo (Gl 1.4/Jo 17.14). Agora
quem habita em nós é o Espírito do Pai e do Filho (Rm 8.9,11; 1Co
3.16).
Paulo, tendo experimentado esta libertação, escreve aos
colossenses: “Ele nos libertou do império das trevas e nos
transportou para o reino do Filho Seu amor” (Cl 1.13). De fato, o
Evangelho é uma mensagem de libertação de um estado de total
domínio, de escravidão do pecado. João referindo-se a Cristo, diz:
“Aquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos
pecados” (Ap 1.5).
O pecado continuará em toda a nossa peregrinação terrena a exercer
influência sobre nós; por isso, qualquer conceito de perfeccionismo
espiritual, que declare que o crente não mais peca, é antibíblico. A
Palavra de Deus ensina, enfaticamente, que nós pecamos, mesmo
após o nosso novo nascimento. O que nos distingue da nossa antiga
condição é que não mais temos prazer no pecado; podemos até dizer
que o pecado é um acidente de percurso na vida dos regenerados.
Antes o pecado comandava o nosso pensar e agir, agora ele ainda
nos influencia, todavia não mais reina.
Isto indica a necessidade de o convertido adquirir novos hábitos pela
prática da verdade em amor (Ef 4.15). A graça de Deus é educadora
(Tt 2.11-15), agindo por intermédio das Escrituras, nos corrigindo e
educando na justiça para o nosso aperfeiçoamento (2Tm 3.16,17). "A
santificação é um processo contínuo pelo qual Deus, por sua
misericórdia, muda os hábitos e o comportamento do crente, levando-
o a praticar obras piedosas" (BOOTH, 1986, p. 44-45); todavia,
continuaremos sendo pecadores até o fim desta existência. "Quem
pode dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?"
(Pv 29.9). "Não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e que
não peque” (Ec 7.20. Vd Rm 6.20; 7.13-25; Tg 3.2. 1Jo 1.8). Contudo,
não existem carências em nossa vida cristã que não possam ser
supridas pelo próprio Cristo, nosso Senhor; e Ele o faz nos renovando
por meio do Seu conhecimento pela Palavra.
83
2) Morte Espiritual e Eterna: Deus nos deu vida (Ef 2.1,5),
restaurando-nos à comunhão com Ele, livrando-nos da Sua ira. A ira
de Deus é uma manifestação da Sua justiça. Deus nos salvou da
condenação eterna (morte eterna), que se tornará plenamente
evidente quando Cristo retornar em Glória para julgar a todos os
homens (Mt 16.27; At 10.42; 17.31; Rm 14.10; 1Co 4.5; 1Ts 1.10).
3) Poder de Satanás: Deus libertou-nos definitivamente do poder de
Satanás, o deus do secularismo. Cristo o derrotou e, agora, ele não
mais tem domínio sobre nós. (Cl 1.13/2.15; Hb 2.14,15; 1Jo 3.7-8).
4) Mundo: “O qual Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados
para nos desarraigar deste mundo perverso” (Gl 1.4).
Cristo morreu e ressuscitou para nos libertar definitivamente das
garras de um mundo perverso; ou seja, dos valores deste mundo, de
uma ética egoísta e terrena.
Paulo fala de uma “era má, perversa”. Aos Efésios, escreve:
“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, e
sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef
5.15-16).
A palavra “mundo” (ai)w/n) (Gl 1.4) significa as transformações pelas
quais o nosso tempo passa, conduzindo-o à degradação constante e
inflexível; revela também os valores transitórios da sociedade que se
corrompe. Pertencer ao mundo significa ter uma visão da realidade
totalmente divorciada de Deus e de Sua Palavra, sendo, portanto,
governado pela perspectiva e valores do mundo no qual vivemos.
No entanto, a libertação levada a efeito por Cristo, não é
simplesmente futura, antes, tem o seu início agora, na presente vida.
O ato completo de Cristo tem implicações para sempre: Somos
salvos para viver livres dos valores deste mundo até a consumação
de nossa total liberdade na eternidade.
84
Jesus Cristo veio para nos libertar definitivamente. Ele mesmo nos
diz: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo
8.36). “O Filho do Homem veio (...) para servir e dar a sua vida em
resgate (lu/tron)30 por muitos” (Mt 20.28).
A libertação do mundo, engloba a libertação do domínio da vontade
satânica sobre a nossa. Satanás também tem a sua vontade, o seu
propósito para a nossa vida; o homem sem Cristo, faz naturalmente a
sua vontade, já que o pecado o tornou eticamente filho do Diabo (Jo
8.44). Paulo instruindo sobre a “didática” do ministro, alude a este
tema: “Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a
contender, e, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir,
paciente; disciplinando com mansidão os que se opõem, na
expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para
conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à
sensatez, livrando-se eles dos laços do Diabo, tendo sido feitos
cativos por ele, para cumprirem a sua vontade (Qe/lhma)” (2Tm 2.24-
26).
5) Da Superstição: Nesta libertação do pecado, a Escritura nos
mostra que fomos salvos da superstição: “Outrora, porém, não
conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são;
mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por
Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e
pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais
dias, e meses, e tempos, e anos” (Gl 4.8-10).(Ver: 1Co 10.23-31).
O conhecimento de Cristo é definitivo, não permitindo, por não
necessitar de nossas invencionices pecaminosas. “É propriedade da
fé pôr diante de nós aquele conhecimento de Deus não confuso, mas
distinto, o qual não nos deixa em suspenso e à deriva, como o fazem
as superstições e seus adeptos, os quais, bem o sabemos, estão
sempre introduzindo alguma nova divindade, todas falsas e
intermináveis” (CALVINO, 1999, Vol. 2, p. 368).
30
Preço pago para libertar um escravo.
85
Com todo o avanço científico e tecnológico o homem sem Cristo
continua o mesmo, preso às suas crendices e superstições, sendo
dominado por um medo insano; daí o seu prazer em ouvir mitos,
entregando-se às fábulas (2Tm 4.3-4). O homem é pródigo na
fabricação de seus deuses, em geral, criados à sua imagem e
semelhança. Numa pesquisa feita na Inglaterra (talvez no final da
década de 80), verificou-se que “o número de adultos que lêem o seu
horóscopo toda semana é o dobro dos que lêem a Bíblia” (STOTT,
1997, p. 56).
6) Da Maldição: “Cristo nos resgatou da maldição da lei” (Gl 3.13). A
Lei de Deus é boa; foi-nos dada para o nosso bem. Ela tornou-se
maldição para nós devido ao nosso pecado; a quebra da Lei fez com
que merecêssemos o justo castigo. Aliás, a lei precisa ser enfatizada
para que o homem, por graça, se disponha a ouvir o Evangelho. Sem
a Lei, a impressão que fica, é que temos uma vida correta e
satisfatória; de nada precisamos, muito menos de salvação.
Cristo satisfez perfeitamente todas as exigências da Lei; por isso Ele
pode nos libertar definitivamente do seu aspecto condenatório, nos
restaurado à comunhão com Deus por meio de Sua obra sacrificial,
fazendo-se maldito em nosso lugar.
19 Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei
o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável
perante Deus, 20 visto que ninguém será justificado diante
dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado. 21 Mas agora, sem lei, se
manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos
profetas; 22 justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo,
para todos e sobre todos os que crêem; porque não há
distinção, 23 pois todos pecaram e carecem da glória de Deus,
24 sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a
redenção que há em Cristo Jesus, 25 a quem Deus propôs, no
seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar
a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes
os pecados anteriormente cometidos; 26 tendo em vista a
86
manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele
mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.
27 Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei?
Das obras? Não; pelo contrário, pela lei da fé. 28 Concluímos,
pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente
das obras da lei. 29 É, porventura, Deus somente dos judeus?
Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios, 30
visto que Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso
e, mediante a fé, o incircunciso. 31 Anulamos, pois, a lei pela
fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei. (Rm
3.19-31).
A Lei, portanto, no seu aspecto moral, não foi abolida. “.... A lei moral
de Deus é a verdadeira e perpétua regra de justiça, ordenada a todos
os homens, de todo e qualquer país e de toda e qualquer época em
que vivam, se é que pretendem reger a sua vida segundo a vontade
de Deus. Porque esta é a vontade eterna e imutável de Deus: que Ele
seja honrado por todos nós, e que todos nós nos amemos uns aos
outros” (CALVINO, 2006, Vol. 4, p. 160).
A Lei não nos salva; contudo, nos mostra a necessidade que temos
do perdão e da purificação efetuada por Deus.
Por intermédio de Cristo somos libertos da tentativa insana de tentar
ser salvo pelo cumprimento da Lei, o que é impossível. Diante da Lei
restam-nos hipoteticamente duas opções: cumprir as suas
exigências, o que nos é impossível, arcando, assim, com o reto juízo
condenatório de Deus. Ou buscar refúgio na misericórdia de Deus por
meio de Jesus Cristo. “Na Lei de Deus nos é apresentado um padrão
perfeito de toda a justiça que pode, com razão, ser chamada de
vontade eterna do Senhor. Deus condensou completa e claramente
nas duas tábuas tudo o que Ele requer de nós. Na primeira tábua,
com uns poucos mandamentos, Ele prescreve qual é o culto
agradável à Sua majestade. Na segunda tábua, Ele nos diz quais são
os ofícios de caridade devidos ao nosso próximo. Ouçamos a Lei,
portanto, e veremos que ensinamentos devemos tirar dele e,
87
similarmente, que frutos devemos colher dela” (CALVINO, 2003, p.
21).
Contudo, o que a Lei exige, ela mesma não nos capacita a cumprir.
Esta capacitação é somente pela graça.
Desprezar a Lei de Deus é um ato de insanidade pecaminosa. Na
Lei de Deus temos o princípio de sabedoria que deve nortear a
nossa vida. Devemos, portanto, nos aplicar no estudo da Lei, visto
que “a Escritura outra coisa não é senão a exposição da lei”
(CALVINO, 1999, Vol. 1, p. 53).
b) Liberdade ”para”
A liberdade que temos é gloriosa; ela é o padrão da libertação futura
da corrupção de toda natureza (Rm 8.21/Tg 1.18).
1) Para Cristo: “Foste chamado, sendo escravo? Não te preocupes
com isso; mas, se ainda podes tornar-te livre, aproveita a
oportunidade. 22 Porque o que foi chamado no Senhor, sendo
escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente, o que foi chamado,
sendo livre, é escravo de Cristo. 23 Por preço fostes comprados; não
vos torneis escravos de homens” (1Co 7.21-23).
Cristo nos libertou da condenação eterna, do pecado e do domínio de
satanás para Si Mesmo. Ele nos libertou daquilo que nos era
acidental para que sejamos aquilo que de fato somos, a imagem de
Deus; em Cristo temos o verdadeiro sentido da nossa existência;
vivemos agora pela vida de Cristo, sob a direção do Espírito Santo.
(Jo 3.3; 10.10; At 10.18,19; 20.22-24; 2Co 5.15-17; Fp 3.7-8; Cl 3.1-
3).
Paulo falando da nossa libertação do pecado, caracteriza a nossa
nova condição sob a graça de Deus, dizendo: “Porque o pecado não
terá domínio sobre vós....” (Rm 6.14).
88
Todavia, por intermédio da libertação integral levada a efeito por
Cristo Jesus, tornamo-nos “escravos de Cristo”; já não somos
vendidos, mas, sim comprados por bom preço; pelo precioso sangue
de Cristo, e, como sinal de posse perpétua de Deus, somos habitados
pelo Seu Espírito: O Espírito Santo, procedente do Pai e do Filho.
Paulo insiste neste ponto: “Vós, porém, não estais na carne, mas no
Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita (Oi)ke/w) em vós. E se
alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele. (...) Se
habita (Oi)ke/w) em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus
dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre
os mortos, vivificará também os vossos corpos mortais, por meio do
seu Espírito que em vós habita (Oi)ke/w)” (Rm 8.9,11). “Não sabeis
que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita (Oi)ke/w)
em vós?” (1Co 3.16). (Ver também: 1Co 6.19,20; 1Pe 1.18-21).
À Igreja perseguida, Pedro intima a “remir o tempo” que lhe resta,
vivendo para Deus, segundo a Sua vontade: “Ora, tendo Cristo
sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento; pois
aquele que sofreu na carne deixou o pecado, para que, no tempo que
vos resta na carne já não vivais de acordo com as paixões dos
homens, mas segundo a vontade de Deus” (1Pe 4.1-2).
A vontade de Deus que se concretizou em Cristo, é a nossa
libertação das paixões deste mundo para pertencermos a Cristo, o
Nosso Senhor. Portanto, o homem que é liberto do Senhor, torna-se
escravo de Cristo. (Vd. 1Co 7.21-23). A diferença fundamental desta
nova condição é que o “escravo de Cristo” tem prazer na prática da
“lei da liberdade” (Tg 1.22-25; 2.12), que é a lei de Cristo (Gl 6.2; 1 Co
9.21); a lei do amor (Gl 5.13-14). Somente aqueles libertos por Cristo,
e para Cristo podem dizer sinceramente: “Agrada-me fazer a tua
vontade, ó Deus; dentro em meu coração está a tua lei” (Sl 40.8). (Vd.
Sl 1.2; 119.14, 16, 47, 77, 92, 143 e 174).
89
2) Para o Serviço de Deus: Aqui está algo que atinge de forma
decisória o cerne do pensamento anomista.31 O homem salvo por
Deus não tem o direito, nem o desejo de voltar às práticas anteriores
à sua regeneração: tais coisas passaram (2Co 5.17).
Paulo faz uma pergunta e responde: “.... havemos de pecar porque
não estamos debaixo da lei, e, sim, da graça? De modo nenhum” (Rm
6.15). Estar salvo significa, entre outras coisas, viver em comunhão
com Deus, cumprindo prazerosamente a Sua santa vontade (Lc 1.74-
75; Rm 6.15; 1Pe 2.16/Gl 2.20; 1Jo 5.2-5).
A nossa libertação nos impulsiona a desejar cumprir os preceitos de
Deus, fazer o que Lhe agrada. Temos, agora, uma nova perspectiva
de vida, um novo direcionamento; a palavra definitiva para nós é a
vontade do Deus que habita em nós: “.... Já não sou eu quem vive,
mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo
pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por
mim” (Gl 2.20).
É justamente no serviço prestado a Deus que o homem encontra a
verdadeira expressão da sua liberdade (Rm 6.22; Gl 5.13; 1Pe 2.16).
Observem a recomendação que Pedro faz às igrejas da
Dispersão: “Porque assim é a vontade (Qe/lhma) de Deus, que
pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos
insensatos; como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade
por pretexto (E)pika/lumma)32 de malícia (kaki/a),33 mas vivendo
como servos (dou=loj) de Deus” (1Pe 2.15,16).
31A palavra “anomia” significa “sem lei” (gr. a)nomi/a). Os anomistas entendiam que uma vez que fomos salvos pela graça, podemos fazer o que bem entendermos; a graça – interpretavam –, nos libertou para o exercício da nossa vontade. 32Esta palavra só ocorre aqui em todo o NT. Tem o sentido de “capa”, “cobertura”, “véu”. Aquilo que encobre; daí o sentido de “pretexto” 33“Mal”, “malícia”, “maldade”, “impiedade”, “depravação”, “vício”, “malignidade”. A palavra em alguns textos significa uma depravação mental de onde decorrem todos os outros vícios; ela tem de modo especial um sentido ético. * Mt 6.34; At 8.22; Rm 1.29; 1 Co 5.8; 14.20; Ef 4.31; Cl 3.8; Tt 3.3; Tg 1.21; 1 Pe 2.1,16. Na literatura clássica a palavra tinha o sentido de “vício” e “injustiça”.
90
Pedro está dizendo que a nossa liberdade em Cristo jamais poderá
servir de desculpa para a malícia; o limite de nossa liberdade é a
vontade de Deus revelada em Sua Palavra. Somos servos de Deus,
portanto a Sua vontade estabelece as normas e os limites de nossa
liberdade.
O que dá maior relevância ao preceito do apóstolo Pedro, é que ele
escreveu essa Epístola para os cristãos das igrejas da Dispersão
(1Pe 1.1) – localizadas na região da Ásia Menor (hoje, Turquia) –,
que estavam experimentando tempos difíceis de severa perseguição
(1Pe 1.6; 2.18-25; 4.12-16). O sofrimento é um dos pontos
mencionados com frequência nessa Carta. Pedro objetivava
encorajá-los, ratificando a esperança que todos deveriam ter
depositada em Cristo. Por isso, “esperança” é a palavra chave desta
Carta (1Pe 1.3,13,21; 3.5,15). Daqui se depreende que as
contingências políticas e sociais não devem determinar a nossa ética,
mas, sim a Palavra de Deus.
Notemos que num período de sofrimento e perseguição, é possível
que algumas pessoas, até mesmo bem intencionadas – contudo, sem
o conhecimento devido da Palavra –, usem do Evangelho para validar
os seus desejos. Deste modo, a Bíblia passa a dizer o que queremos
que Ela diga. No contexto da Epístola, poderiam surgir interpretações
que afirmassem a liberdade cristã como pretexto para uma luta
armada, o não pagamento de impostos, a desobediência às
autoridades e atitudes semelhantes. Muitas vezes, nós justificamos
os nossos pecados, baseando-nos numa prática que julgamos
comum, ou em nome da “liberdade” de Cristo. Pedro, então, está
dizendo que a maldade jamais poderá ser praticada em nome da
liberdade cristã.
O que ocorre, com frequência, é a deturpação da doutrina cristã,
tornando-a desculpa para o pecado, daí a advertência de Pedro.
A liberdade em Cristo deve ser vista não como consentimento para
fazer o que queremos, mas sim, como a responsabilidade para
91
cumprirmos o que deve ser feito conforme a vontade de Deus: a
nossa liberdade é para a prática do bem (1Pe 2.15-16).
3) Para servirmos ao nosso próximo: Servimos ao nosso próximo
com a liberdade que Cristo nos deu, no amor de Cristo e do Seu
Evangelho:
“19 Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim
de ganhar o maior número possível. 20 Procedi, para com os
judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que
vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse,
para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja
eu debaixo da lei. 21 Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse,
não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de
Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. 22 Fiz-
me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos.
Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os
modos, salvar alguns. 23 Tudo faço por causa do evangelho,
com o fim de me tornar cooperador com ele” (1Co 9.19-23).
“Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus
como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor
de Jesus” (2Co 4.5). “Porque vós, irmãos, fostes chamados à
liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à
carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” (Gl
5.13).
Martinho Lutero (1483-1546) expressou isto da seguinte maneira:
“Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a
ninguém. Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos”
(LUTERO, 1979, p. 9).
4) Para a prática da Justiça: A graça não pode nem deve ser
banalizada. Fomos libertos para uma vida de justiça: “Carregando Ele
mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que
nós, mortos aos pecados, vivamos para a justiça” (1Pe 2.24). Paulo
escreve aos romanos: “E, uma vez libertados do pecado, fostes feitos
servos da justiça. Falo como homem, por causa da fraqueza da vossa
92
carne. Assim como oferecestes os vossos membros para a
escravidão da impureza, e da maldade para a maldade, assim
oferecei, agora, os vossos membros para servirem à justiça para a
santificação. Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis
isentos em relação à justiça. Naquele tempo que resultados
colhestes? Somente as cousas de que agora vos envergonhais;
porque o fim delas é a morte” (Rm 6.18-21).
Paulo desafia os crentes romanos a desenvolverem a sua liberdade
no uso constante da prática da justiça; ele faz um paralelo entre a
nossa escravidão anterior à maldade (Rm 6.19) e agora; livres que
somos, devemos oferecer os nossos membros para a justiça.
Livres do pecado, nos tornamos incondicionalmente servos da justiça.
Se antes, em nossa escravidão espiritual, servíamos ao pecado,
agora, libertos por Cristo, devemos obedecer à justiça.
5) Para a santificação e vida eterna: Paulo: “Agora, porém,
libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o
vosso fruto para a santificação, e por fim a vida eterna” (Rm 6.22). O
homem justificado por Deus foi liberto da condenação da Lei. Esta
libertação implica o início de uma nova fase da sua vida, na qual a
sua prioridade é o crescimento espiritual em obediência à Palavra de
Deus. O fruto da obediência ao pecado é a morte (Rm 6.21,23). O
resultado da nossa obediência a Deus é a vida eterna.
A justificação e a santificação são obras que Deus opera
inseparavelmente. Fomos declarados justos (Rm 5.1) e agora, em
paz com Deus, tem início em nossa vida o processo de santificação.
Usamos corretamente a nossa liberdade quando nos apropriamos de
todos os meios que Deus nos fornece para o desenvolvimento de
nossa fé.
93
3. A VERDADE COMO UM TODO UNIFICADO
“A mente secular do século XX vacila entre dois extremos, sendo que
os dois resultam da rejeição do Criador e da negação da criação”
(BROWN, 1983, p. 367). Em outras palavras; nem a Palavra de Deus
nem o Deus da Palavra tem “chance” na mente secularizada do
homem moderno, nem na de muitos “teólogos” contemporâneos. O
Deus da Bíblia, segundo estes, não é o Deus da Ciência. “A questão
real na nova teologia não é só uma visão das Escrituras, mas
fragmentária perspectiva da verdade”, interpreta Schaeffer (2002, p.
88). No entanto, sustentamos que a verdade é um todo unificado
cabendo a cada um de nós descobrir por meio da pesquisa – dentro
de nossa contingência histórica –, dispondo do Mundo, que além de
“palco da glória divina”, é o grande laboratório concedido por Deus
ao homem. Portanto, a verdade ou é essencialmente verdade ou é
um logro absoluto. O que estamos falando poderá parecer um
absurdo visto que, conforme dissemos acima, o homem moderno
não mais crê na possibilidade da verdade absoluta. Todavia, o que a
Bíblia nos ensina é um sistema unificado de verdade; por isso, a
verdade cristã ou é verdade absoluta ou é um engano completo: não
existe verdade enquanto apenas verdade cristã, como não existe
arte apenas enquanto “arte cristã”. Schaeffer está correto ao dizer
que: "O cristianismo não é apenas uma série de verdades mas é a
VERDADE – a Verdade sobre toda realidade" (1985, p. 25). Desta
forma, não precisamos "forçar" a verdade, visto que isto seria um
esforço inútil; à luz da eternidade, a verdade permanece de pé como
verdade ou cai como engano ou mentira. "Porque nada podemos
contra a verdade, senão em favor da própria verdade" (2Co 13.8),
como sabiamente escreveu o apóstolo Paulo.
Calvino compreendeu bem este fato ao dizer que: "Visto que toda
verdade procede de Deus, se algum ímpio disser algo verdadeiro,
não devemos rejeitá-lo, porquanto o mesmo procede de Deus” (1998,
p. 318). O nosso compromisso primeiro é com Deus: A Verdade
Absoluta e Eterna. Desta forma, cabe a nós aplicar os princípios
bíblicos a toda à realidade de forma coerente, piedosa e sincera.
94
Devemos estar atentos ao fato de que ser cristão envolve uma
cosmovisão unificada que se reflete em nossa maneira de ver e atuar
no mundo; toda e cada faceta de nossa existência. Ser cristão não
significa uniformidade, mas uma perspectiva semelhante da vida e da
eternidade. Assim sendo, não nos parece razoável, nem possível
fazer sincretismos teológicos e éticos e, ainda assim sobrevivermos
como autênticos cristãos.
Em Mileto, Paulo quando se despede dos presbíteros de Éfeso, diz
que durante o seu ministério de três anos entre eles, jamais deixou de
“anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27). O Evangelho não
consiste no anúncio de “algumas partes” da Bíblia, mas sim de todo o
“Conselho” de Deus revelado nas Escrituras (Ver: Gl 1.8,9,11). O
conteúdo da mensagem cristã deve ser nada mais, nada menos do
que toda a vontade revelada de Deus (Ver: Dt 29.29).
O Cristianismo é uma maneira de teocêntrica de ver, interpretar e
atuar na história. O Cristianismo envolve uma nova cosmovisão, que,
partindo da Palavra, afeta obviamente todas as áreas de nossa
existência, não havendo compartimentos estanques do ser e do saber
onde a perspectiva teocêntrica não se faça presente de forma
determinante em nossa epistemologia doutrinária e existencial.
O Cristianismo histórico partindo da própria Escritura tem como
pressuposto a suficiência da Revelação para a interpretação e análise
de toda realidade. Nesta tarefa ele luta contra os ídolos do
pensamento que surgem em cada cultura e em todas as épocas. Um
ídolo chama outro ídolo, tendo sempre como ponto de partida o
desejo humano de autosuficiência. Contrariamente, reafirmamos
como ponto de partida o Deus soberano e transcendente que Se
revela na Escritura e, que somente a partir desta compreensão
podemos compreender a chamada realidade e atuar de forma criativa
para a glória de Deus e o bem estar da humanidade. A convicção da
direção de Deus sobre a história e sobre a nossa vida em particular
não se opõe à oração, à vida devocional. Desta forma, o Cristianismo
tem uma fé que, por graça, ultrapassa em muito os limites de nossa
95
racionalidade, mas, também, é uma fé operante que crê que nós
somos os instrumentos ordinários de Deus para construir, transformar
e aperfeiçoar a cultura.
O Cristianismo não é uma forma de acomodação na cultura, antes de
formação e de transformação por meio de uma mudança de
perspectiva da realidade, que redundará, necessariamente numa
mudança nos cânones de comportamento, alterando sensivelmente
as suas agendas e praxes. Assim sendo, a nossa fé tem
compromissos existenciais inevitáveis. Ser cristão não é apenas um
status nominal vazio de sentido, antes reflete a nossa fé em atos de
formação e transformação.
Portanto, é urgentemente necessário que não nos deixemos seduzir
pelo fascínio da cultura pagã que nos cerca. A força da igreja está na
Palavra de Deus. Não importa o quanto nos julguemos fortes e
imbatíveis; se nos afastarmos da Palavra nos enamorando das
agendas e praxes contrárias à Palavra, tombaremos como Sansão
diante de Dalila.
Todavia, neste estado de existência, nenhuma cultura é ou será
perfeita; haverá sempre, em maior ou menor grau o estigma do
pecado. O Cristianismo consiste numa busca constante de fidelidade
a Deus; a transformação ou “conversão” cultural é apenas um
resultado daqueles que têm os olhos firmados na Palavra, um
coração prazerosamente submisso a Deus e um comprometimento
existencial no mundo, no qual vive e atua para a glória de Deus.
Portanto, a atitude correta do cristão no mundo não é nem de
isolamento, de indiferença ou síntese, antes de atuação conforme os
ditames da Palavra em obediência aos mandatos divinos: cultural,
social e espiritual. Esta obediência não significará necessariamente
antítese, contudo, revelará sempre a prioridade última de servir a
Deus dentro de todas as esferas nas quais o cristão estiver
envolvido. As nossas mãos se constituem em meios de oração por
intermédio daquilo que fazemos para a glória de Deus. Cristo, de fato,
é o Senhor da cultura.
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A Palavra de Deus oferece-nos o escopo de nosso pensar e agir. Por
intermédio dela poderemos ter uma real visão de Deus, de nós
mesmos e do mundo. Portanto, uma cosmovisão cristã é uma visão
que se esforça por interpretar a chamada realidade pela ótica das
Escrituras. Sem as Escrituras permanecemos míopes para distinguir
as particularidades do real, tendo uma epistemologia desfocalizada.
Calvino usa de uma figura que continua atual: “Exatamente como se
dá com pessoas idosas, ou enfermas de olhos, e quantos quer que
sofram de visão embaçada, se puseres diante deles até mui vistoso
volume, ainda que reconheçam ser algo escrito, mal poderão,
contudo, ajuntar duas palavras; ajudadas, porém, pela interposição
de lentes, começarão a ler de forma mais distinta. Assim a Escritura,
coletando-nos na mente conhecimento de Deus de outra sorte
confuso, dissipada a escuridão, mostra-nos em diáfana clareza o
Deus verdadeiro” (CALVINO, 1985, Vol. 1, p. 84).
A força prática da teologia cristã não está simplesmente em seu vigor
e capacidade de influenciar intelectualmente os homens, mas no que
tem produzido na vida de milhões de pessoas, conduzindo-as, em
submissão ao Espírito, à fidelidade bíblica e a uma ética que se paute
pelas Escrituras. A grande contribuição cristã não se restringe aos
manuais das mais variadas áreas do saber, mas, estende-se à
integralidade da vida dos discípulos de Cristo que seguem esta
perspectiva.
Referências
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97
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notas para estudo e pesquisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, 4
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1985, Vol. 1.
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Uma mensagem exclusivista para um mundo pluralista. São Paulo:
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Filosofia. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
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Cristã, 2002.
SCHAEFFER, Francis A. O Sinal do Cristão. Goiânia, GO.:
ABU/APLIC., 1975.
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Atividade de auto-estudo
1. Analise biblicamente, especialmente no Evangelho de João, o
sentido da palavra “conhecer”.
2. Desenvolva aspectos da “verdade liberadora” dentro da estrutura
de pensamento contemporânea.
3. Comente algumas das implicações da verdade como um todo
unificado dentro do pluralismo moderno.
4. Tomando a Escritura como óculos, desenvolva um texto sobre
algum tema de sua preferência dentro destas unidades ou, sobre
temas afins, tais como: ciência, história, arte, educação, etc.